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O que é a ciência?

Paul Davies

A ciência tem de envolver mais do que a mera catalogação de factos e do que a descoberta, através da
tentativa e erro, de maneiras de proceder que funcionam. O que é crucial na verdadeira ciência é o facto de
envolver a descoberta de princípios que subjazem e conectam os fenómenos naturais.

Apesar de concordar completamente que devemos respeitar a visão do mundo de povos indígenas não
europeus, não penso que coisas como a astronomia maia, a acupunctura chinesa, etc., obedeçam à minha
definição. O sistema ptolemaico de epiciclos alcançou uma precisão razoável ao descrever o movimento
dos corpos celestes, mas não havia qualquer teoria propriamente dita subjacente ao sistema. A mecânica
newtoniana, pelo contrário, não apenas descrevia os movimentos dos planetas de modo mais simples,
conectava o movimento da Lua com a queda da maçã. Isto é verdadeira ciência, pois revela coisas que não
podemos saber de nenhuma outra maneira.

Terá a astronomia maia ou a acupunctura chinesa alguma vez conduzido a uma previsão que não tenha
falhado nem seja trivial e que tenha conduzido a novos conhecimentos sobre o mundo? Muitas pessoas
tropeçaram no facto de que certas coisas funcionam, mas a verdadeira ciência consiste em saber por que
razão as coisas funcionam. Tenho uma atitude de abertura em relação à acupunctura, mas se tal coisa
funcionar, apostaria muito mais numa explicação baseada em impulsos nervosos do que em misteriosas
correntes de energia cuja realidade física nunca foi demonstrada.

Por que razão nasceu a ciência na Europa? Na época de Galileu e Newton a China era muito mais avançada
tecnologicamente. Contudo, a tecnologia chinesa (como a dos aborígenes australianos) foi alcançada por
tentativa e erro, refinados ao longo de muitas gerações. O boomerang não foi inventado partindo da
compreensão dos princípios da hidrodinâmica para depois conceber um instrumento. A bússola (descoberta
pelos chineses) não envolveu a formulação dos princípios do magnetismo. Estes princípios emergiram da
(verdadeira, segundo a minha definição) cultura científica da Europa. Claro que, historicamente, surgiu
também alguma ciência de descobertas acidentais que só mais tarde foram compreendidas. Mas os
exemplos mais óbvios da verdadeira ciência — tais como as ondas de rádio, a energia nuclear, o
computador, a engenharia genética — emergiram, todos eles, da aplicação de uma compreensão teórica
profunda que já existia — muitas vezes há muito tempo — antes da tecnologia que se procurava.

As razões que determinaram que tenha sido a Europa a dar à luz a ciência são complexas, mas têm
certamente muito a ver com a filosofia grega e a sua noção de que os seres humanos podiam alcançar uma
compreensão do modo como o mundo funciona por intermédio do pensamento racional, e com as três
religiões monoteístas — o judaísmo, o cristianismo e o islamismo — e a sua noção de uma ordem na
natureza, ordem essa que era real, legiforme, criada e imposta por um Grande Arquitecto.

Apesar de a ciência ter começado na Europa, é universal e está agora à disposição de todas as culturas.
Podemos continuar a dar valor aos sistemas de crenças das outras culturas, ao mesmo tempo que
reconhecemos que o conhecimento científico é algo de especial que transcende a cultura.

Paul Davies

Tradução de Desidério Murcho

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ISSN 1749-8457

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