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MARCIO IORIO ARANHA

Manual de Direito
Regulatório
(Fundamentos de Direito Regulatório)

5ª edição

Laccademia Publishing
2019
Copyright © 2019 Laccademia Publishing
All rights reserved.

Publicado por Laccademia Publishing Limited


46 Syon Lane, Isleworth, TW7 5NQ
London, United Kingdom

1ª edição (2013)
2ª edição (2014)
3ª edição (2015)
4ª edição (2018)
5ª edição (2019)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A662m Aranha, Marcio Iorio, 1974-


Manual de Direito Regulatório: Fundamentos de Direito Regulatório /
Márcio Iorio Aranha. 5. ed. rev. ampl. – London : Laccademia Publishing,
2019.
x, 308 p. ; 22 cm.

ISBN 978-16-979-0717-9

1. Direito regulatório 2. Manual de direito regulatório. 3. Fundamentos. I.


Título.

CDD: 341.3782
CDU: 346.5:65

Índice para catálogo sistemático:

Brasil : Direito Regulatório 341.3782

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma


ou por qualquer meio.

Impresso nos Estados Unidos/Printed in the United States

ii
DEDICATÓRIA
O interesse pelo estudo do Direito Regulatório nos
cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de
Direito da Universidade de Brasília brotou a partir de
semeadura de projetos de pesquisa e de ensino
implementados em iniciativas conjuntas com o saudoso
professor Carlos Eduardo Vieira de Carvalho. Passada
uma década de tais iniciativas, dedico este estudo à
memória do Professor que tão profundamente marcou
a cátedra de Direito Administrativo da Faculdade de
Direito da Universidade de Brasília e que dá nome ao
Núcleo de Direito Setorial e Regulatório da UnB.

iii
AGRADECIMENTOS

Aos alunos e professores dos cursos de pós-graduação em regulação de


telecomunicações, integrantes do Centro de Políticas, Direito, Economia e
Tecnologias das Comunicações da Universidade de Brasília (CCOM/UnB),
onde surgiu o interesse pelo aprofundamento da temática de direito
regulatório.

Aos integrantes do Núcleo de Direito Setorial e Regulatório da Faculdade de


Direito da Universidade de Brasília, que incentivaram o aprofundamento da
pesquisa em Direito Regulatório, mediante institucionalização da disciplina
de graduação de Direito Administrativo 3, do Ciclo de Palestras em Direito Setorial e
Regulatório e das disciplinas de Mestrado e Doutorado em Direito, Estado e
Constituição intituladas Metalinguagem Regulatória, Estado e Regulação, e Teorias
Jurídicas da Regulação.

Aos professores e alunos do Centro de Estudos em Regulação de Mercados


da Universidade de Brasília (CERME/UnB), que propiciaram o espaço
institucional de desenvolvimento e teorização do Direito Regulatório frente
a um público especializado em diversos setores regulados.

iv
PREFÁCIO À 3ª
EDIÇÃO

Esta 3ª edição do Manual de Direito Regulatório traz


atualizações que esmiúçam o conceito de Estado Empreendedor e a
diferença entre os componentes conceituais do Estado Regulador e da
regulação como categorias distintas, conquanto interdependentes.
A ideia de igualdade de condições concorrenciais permeia o
âmago de atuação subsidiária do Estado Regulador na economia e,
portanto, revela que o pressuposto do Estado Regulador não é
propriamente a defesa do mercado, mas de algo mais subjacente de formato
jurídico, repita-se, o direito à igualdade de condições concorrenciais. Esta
característica distintiva do Estado regulador não esgota, todavia, todo o
significado da regulação. Não é incomum tomar a parte pelo todo e chegar
à conclusão de que os pressupostos do Estado Regulador, como identidade
político-jurídica do fenômeno multifacetado da regulação moderna,
esgotariam o significado da regulação em si mesma.
Por isso, nesta 3ª edição, enfatizou-se, além de outras
atualizações, no capítulo de Direito Regulatório, Estado regulador e Regulação, a
compreensão de que resumir a regulação à proteção da igualdade de
mercado, que, diga-se de passagem é fundamental para o Estado regulador,
significa descrevê-la por apenas uma de suas dimensões, mais precisamente,
a dimensão econômica, quando a regulação detém outras dimensões
justificadoras de sua existência, quais sejam a técnica e a política. Nesta
última, inserem-se os juízos de moral jurídica traduzidos em princípios
jurídico-constitucionais de convivência social e que são a razão de ser da
nossa estrutura fundamental de poder herdada das revoluções
constitucionalistas. A regulação, portanto, tem sua razão de ser, o seu mote,
o seu senhor, em mais do que o objetivo de proteção do direito à igualdade
de condições concorrenciais: ela se assenta sobre os pilares do próprio
constitucionalismo, vale dizer, os direitos fundamentais. Estes podem
justificar a regulação em espaços infensos à concorrência. O direito à
dignidade humana, por exemplo, justifica um tipo regulatório que veda a
existência mesma de certos mercados, como o de comercialização de órgãos
e tecidos humanos, de espécies ameaçadas de extinção, de bens jurídicos
fora do comércio e muitos outros exemplos do dia-a-dia da regulação.

v
PREFÁCIO À 4ª
EDIÇÃO

Nesta 4ª edição, os acréscimos tiveram o objetivo de ampliar


os horizontes da compreensão da regulação a partir da teoria dos sistemas e
da hermenêutica prescritiva.
Por um lado, a regulação foi revelada como uma manifestação
da relação sistêmica, em que os códigos internos a um determinado sistema
e sua identidade compõem o elemento essencial à comunicação com outros
sistemas, in casu, a interdependência entre os sistemas regulados e os
sistemas reguladores. Com isso a regulação passa a ser compreendida sob o
enfoque sistêmico como uma transformação conjuntural de si mesma frente
à decodificação contínua do Outro, ou, simplificadamente, um continuum de
decodificação e adaptação.
Por outro lado, o uso do instrumental hermenêutico aplicado
à regulação revelou que o fenômeno da compreensão faz parte do
fenômeno regulatório e que regular, sob este enfoque, significa atuar
normativa ou administrativamente, otimizando a repercussão dos atos
reguladores nos tipos-ideiais dos sistemas regulados.
Ainda, esta edição acrescentou uma seção sobre os regimes
jurídicos das estatais – propositadamente no plural – em sua variada
apresentação institucional apta a servir de mecanismo regulador se bem
compreendido o seu pontencial inaugurado na década de 2000 pelo regime
de privilégio constitucional.

vi
PREFÁCIO À 5ª
EDIÇÃO
Nesta 5ª edição, o manual foi consideravelmente encorpado,
nutrindo-se do esforço institucional de pesquisa possibilitado por projeto
interdisciplinar desenvolvido na âmbito do Centro de Políticas, Direito,
Economia e Tecnologidas das Comunicações da Universidade de Brasília,
em parceria com a Agência Nacional de Telecomunicações, intitulado
Regulação apoiada em Incentivos na Fiscalização Regulatória de Telecomunicações.
Registro profundos agradecimentos ao Conselho Diretor, Superintendentes
e reguladores da ANATEL em reconhecimento do espírito público que os
motivou a envidarem esforços da instituição nessa parceria e alavancarem o
estado da arte sobre teorias regulatórios apoiadas em incentivos intrínsecos,
o que certamente beneficiará não somente o setor de telecomunicações,
como a Administração Pública em geral e a academia brasileira. Também
registro o agradecimento aos professores e pesquisadores que participaram
do projeto e com os quais tive o privilégio de conviver e aprimorar/elevar a
discussão regulatória. Em especial, os acréscimos desta edição se beneficiam
do primeiro relatório jurídico do projeto elaborado por mim e pelo
professor Othon de Azevedo Lopes, cujo contínuo convívio, amizade,
parceria em disciplinas de doutorado e mestrado, e troca de experiências
têm contribuído para um melhor enquadramento da regulação em sua
dimensão jurídico-filosófica.
O leitor verá que o manual sofreu profunda reformulação no
tocante à teoria jurídica da regulação, com a identificação da teoria
institucional da regulação ora proposta apoiada na concretização de direitos
fundamentais em uma verdadeira teoria da regulação de direito, bem como
com a inserção de considerações sobre o método jurídico-regulatório de
coerção extrínseca e intrínseca, a distinção entre teorias jurídicas
substantivas e processuais da regulação, a introdução de diferenças
conceituais relevantes entre técnicas, estratégias, modalidades, mecanismos
e modelos regulatórios, a melhor precisão dos limites entre comando e
controle e incentivos, o aprofundamento da discussão sobre a legitimidade
da intervenção regulatória e, finalmente, a descrição detalhada de uma das
teorias mais festejadas da atualidade: a teoria da regulação responsiva e suas
derivações, como a teoria tridimensional, a teoria da regulação inteligente, o
diamante regulatório, entre outras atualizações próprias à dinâmica
regulatória de nossos tempos.

vii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO AO DIREITO REGULATÓRIO 1

1.1 Estado, Poder e Direito Público 3

1.2 Pressupostos teóricos do Estado Regulador 6


1.2.1 Cerne da regulação: o mercado de direito 6
1.2.2 Direitos fundamentais objetivados e Estado Regulador 10
1.2.3 O Estado Administrativo e a separação de poderes 12
1.2.4 Legitimidade no Estado Regulador 16
1.2.5 Poder regulamentar na tradição francesa 20
1.2.6 Situando o conceito de Estado Subsidiário 23
1.2.7 O Estado Empreendedor 24
1.2.8 Princípio da cooperação social 29
1.2.8.1 A Tautologia da Internet Cooperativa 30
1.2.8.2 Arbitramento e arbitragem na regulação 31
1.2.8.3 Política de PD&I e regulação 35
1.2.9 O fenômeno da regulação e seu significado 37

TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO 45

2.1 Introdução 47

2.2 Método Jurídico-Regulatório: Coerção Extrínseca versus Intrínseca e os


Conceitos de Governo, Governança e Conformidade 48

2.3 Teorias Jurídicas Substantivas e Procedimentais da Regulação 60

2.3 Técnica, Estratégia, Modalidade, Mecanismo e Modelo Regulatório 67

2.4 Comando e Controle versus Incentivos 83

2.5 Legitimidade da Intervenção Regulatória, Razão Burocrática,


Racionalidade Material e Incentivos 87

viii
2.6 A Razão de Ser de uma Teoria Regulatória: descrever ou prescrever 90

2.7 Teoria Processual Administrativa da Regulação versus Escolha Pública 93

2.8 Teoria Substantiva da Regulação: Teoria Social da Regulação e Teoria


Institucional da Regulação 97

2.9 Teoria da Regulação Responsiva 99


2.9.1 Justificativa e origem da teoria da regulação responsiva 100
2.9.2 Pressupostos da Teoria da Regulação Responsiva 103
2.9.3 A teoria é responsiva a quê? 110
2.9.4 Características específicas da atuação responsiva do regulador 111
2.9.5 As pirâmides regulatórias 124
2.9.6 Autorregulação Voluntária, Autorregulação Constrangida e Comandos
Normativos Impositivos 147

2.10 Teoria da Regulação Inteligente 153


2.10.1 Carta de navegação da regulação inteligente 159

2.11 Síntese sobre a Teoria Jurídica da Regulação 163

MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO 165

3.1 Velocidade da inovação tecnológica, linguagem setorial e especialização


regulatória 167

3.2 Globalização, conhecimento e política pública setorial 168

3.3 Regimes jurídicos de prestação de serviços 172

3.4 Regimes jurídicos de prestação de serviços regulados: divisão


constitucional de titularidade 176

3.5 Autorização de serviços 179

3.6 Regimes jurídicos das estatais 182

ix
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO 205

4.1 Direito Regulatório, Estado Regulador e Regulação 207

4.2 Regulação: objeto de estudo do direito regulatório 216


4.2.1 Formas de regulação 216
4.2.2 Efeitos das opções regulatórias 219
4.2.3 Função normativa conjuntural do Executivo 221
2.2.3.1 Atividade normativa do Executivo e o princípio da separação de
poderes 222
2.2.3.2 Atividade normativa do Executivo e o princípio da legalidade 227
2.2.3.3 Atividade normativa do Executivo e entes administrativos
autônomos 231
2.2.3.4 Atividade normativa do Executivo e revisão judicial 234
4.2.4 Conceito de regulação 237
4.2.5 Regulação versus desregulação 244

4.3 Regulação no brasil 247


4.3.1 Fases da regulação no Brasil 247
4.3.2 Espécies de regulação 252
4.3.3 Estruturas de Regulação Setorial 260
4.3.3.1 Conselhos Econômicos 260
4.3.3.2 Conselhos versus Agências 265
4.3.3.3 Agências Executivas versus Agências Reguladoras 267
4.3.3.4 Autonomia das Agências Reguladoras 280

BIBLIOGRAFIA 287

x
INTRODUÇÃO AO DIREITO REGULATÓRIO

Parte I

INTRODUÇÃO AO
DIREITO REGULATÓRIO

1
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

2
ESTADO, PODER E DIREITO PÚBLICO

1.1 ESTADO, PODER E DIREITO PÚBLICO

O conceito de direito público e sua posição relativa frente aos


de Estado e poder político permitem situar didaticamente o direito
regulatório como ramo partícipe da tradição de direito público, embora
tributária dos ramos de direito setorial.
Afora a discussão histórica sobre a relação entre Direito e
Estado, partindo-se de um dualismo que visualizava no Estado uma força
política primordial distinta do seu sistema jurídico, seguido por uma teoria
pura do direito, que identificava Estado e sistema jurídico1, para finalmente
repousar nas teorias constitucionalistas de mediação entre Estado e
Sociedade2, o Estado, sob o enfoque jurídico, nada mais é do que um
centro de imputação normativa dotado do especial qualificativo do
exercício de poder político como uma relação de autoridade.3
Em termos jurídicos, poder significa a possibilidade de
interferência unilateral na esfera jurídica alheia.4 O Estado, enquanto
produto constitucional, encarna as medidas de poder – competências –
delegadas pelo documento constitucional nos limites das finalidades para as
quais foram criadas – funções. Desse batimento entre suas competências e

1Vide KELSEN, Hans. Reine Rechtslehre. Einleitung in die


rechtswissenschaftliche Problematik. Viena: Franz Deuticke, 1934.
2Evidenciando o conceito de poder constituinte francês como aquele que
introduzira o Estado como fenômeno da ordem jurídica, vide: ZWEIG, Egon. Die
Lehre vom “Pouvoir Constituant”: Ein Beitrag zum Staatsrecht des
französischen Revolution. Tübingen: J. C. B. Mohr/Paul Siebeck, 1909. Sob o
enfoque institucionalista, entendendo o Estado como ente ou instituição jurídica,
vide: ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral. Trad. Maria
Helena Diniz, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 61. No âmbito da teoria da
constituição, afirmando que o Estado só se concebe hoje como Estado Constitucional,
vide: CANOTILHO, J. J. Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da
constituição. 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2003, p. 92.
3“O poder no sentido social ou político implica autoridade e uma relação entre o

superior e o inferior (...) O poder do Estado é o poder organizado pelo direito


positivo – é o poder da lei, ou seja, a eficácia do direito positivo.” (KELSEN, Hans.
General Theory of Law and State. Trad. Anders Wedberg. Cambridge: Harvard
University Press, 1945, p. 190).
4Vide OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Delegação administrativa. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1986, p. 17.

3
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

funções, têm-se sua identidade jurídica: o Estado é um centro de atributos


jurídicos qualificado pela intensa incidência do direito público via
manifestação de aspectos sobreviventes da soberania, tais como a
possibilidade jurídica do uso da força física e sua exclusividade, e a não-
oponibilidade interna e externa para afirmação do ordenamento jurídico
vigente.
Como tal, ao Estado é reservada a definição de pessoa jurídica de
direito público, que se apresenta como uma unidade, no direito internacional
público, mas como um conjunto de pessoas jurídicas de direito público para
o direito interno – União, Estados-membros, Municípios e suas autarquias.
O Estado, portanto, é definido a partir do direito público; não o
inverso.
Elevado à categoria de elemento distintivo do Estado, embora
não restrito a ele, o direito público depende do constructo de poder político
para ser aquilatado. Como tal, o direito público é o regramento jurídico do
poder político entendido como uma posição diferenciada no ordenamento
jurídico, segundo a qual um centro de imputação normativa encontra-se em
posição de interferir unilateralmente na esfera jurídica de outrem. Em
termos mais analíticos, o direito público é o regramento jurídico do poder
político caracterizado pela estruturação do poder, pela conformação dos
direitos, pelo estudo das relações envolvendo o Estado e seus delegatários e
pela autolimitação do poder.
Em outras palavras, ao direito público cabe a função não só de
disciplinar a estrutura de poder como a de expressar a dimensão jurídica de
influência sobre esferas jurídicas alheias. A regulação de atividades
relevantes é manifestação preponderantemente pública, embora não
exclusivamente pública. Daí dizer-se que o direito regulatório manifesta-se
como um ramo de direito público, em especial quando os aspectos de
interferência unilateral em determinado campo de atividades socialmente
relevantes tomam a forma de órgãos ou entidades estatais com poderes
específicos de redirecionamento de tais atividades. O direito regulatório,
portanto, é um ramo de direito público.
Ao se concluir pelo posicionamento didático do direito
regulatório como ramo de direito público, entretanto, não se quer dizer que
o estudo jurídico da regulação se resuma à disciplina de estruturas
regulatórias e comandos regulatórios. Em grande medida, as disciplinas
jurídicas setoriais abarcam a disciplina regulatória, ampliando o escopo de
análise para tratar de toda a disciplina regulatória a partir de um recorte
transversal. Ou seja, o direito das telecomunicações, dos recursos naturais,
da saúde, do desporto, dos portos, aeroportos e fronteiras, dos transportes,
dos recursos hídricos, dentre outros, afiguram-se como disciplinas jurídicas

4
ESTADO, PODER E DIREITO PÚBLICO

que mesclam ramos tradicionais de conhecimento jurídico – direito


constitucional, administrativo, tributário, civil, comercial, consumerista,
ambiental, entre outros – com a disciplina jurídica regulatória específica de
cada setor, compondo um quadro mais completo do regramento jurídico
incidente sobre um setor de atividades reguladas.
O diferencial do direito regulatório, enquanto direito de
caráter amplo abrangente de diversos setores de atividades relevantes
encontra-se fora das atividades mesmas que regula. Este livro
preocupa-se com o que é onipresente às abordagens regulatórias. As
disciplinas de direito setorial, por outro lado, trazem outro recorte didático
ao aglutinarem características próprias de cada setor relevante da economia
– saúde, educação, energia, telecomunicações, petróleo, águas, transportes –
a partir de um poutporri de abordagens interdisciplinares –
exemplificativamente do direito constitutional, administrativo, civil,
comercial, do consumidor, ambiental e ainda do direito regulatório. Assim,
a identidade do direito regulatório repousa sobre pressupostos indiferentes
às peculiaridades de cada setor de atividades reguladas, tais como sobre os
conceitos de direitos fundamentais objetivados, Estado Regulador, Estado
Administrativo, Estado Empreendedor, legitimidade regulatória, poder
regulamentar e regulação, que serão analisados no próximo capítulo.

5
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

1.2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO


REGULADOR

1.2.1 CERNE DA REGULAÇÃO: O MERCADO DE DIREITO

A objetivação promovida a partir da categoria dos direitos


sociais sedimentada no início do século XX explica a preocupação com a
concretização de direitos, mas não responde à questão básica do porquê da
regulação. Ou seja, por que dita concretização necessitaria advir de um
método especial de intervenção estatal capaz de se readequar
conjunturalmente de acordo com as respostas originadas do sistema
controlado?
Dentre os fundamentos da regulação, encontram-se, de fato, a
natureza objetiva dos direitos, os conceitos de Estado Administrativo,
separação de poderes, Estado Regulador, poder regulamentar, Estado
Subsidiário, Estado Empreendedor, que serão tratados em seguida, mas
todos eles são pressupostos insuficientes para justificarem por si sós o atual
quadro regulatório.
O fundamento da regulação e, por consequência, do direito
regulatório, encontra-se na necessidade de proteção de um determinado
objeto errático. Não se pode negar que a competição tem sido identificada
como tal objeto e opera um efeito decisivo no modelo regulatório atual. Ela
é, portanto, um dos fundamentos da regulação, todavia também não se
apresenta como seu fundamento central. O cerne da regulação reside em
outra seara qualificadora do mercado: o direito à igualdade.
Trata-se do mesmo direito que, segundo leituras históricas
mais aprofundadas,5 teria dado origem à Revolução Americana, quando os
protestos dos colonos em Boston em 1773 dirigiam-se menos à tributação
do chá holandês, do que à isenção tributária do chá inglês seu concorrente,
então transportado pela Companhia das Índias Orientais, em flagrante
benefício anti-isonômico ao monopólio exercido por dita empresa.
A igualdade entre os atores econômicos foi a razão pela qual
as corporações empresariais foram vistas com muitas ressalvas após a
independência dos Estados Unidos da América. Elas somente podiam ser
constituídas para propósito específico e por duração em geral limitada a

5Vide LABAREE, Benjamin Woods. The Boston Tea Party. Boston: Northeastern
Classics, 1979.

6
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

vinte anos.6 Somente mais tarde, via jurisprudência da Suprema Corte


estadunidense, é que a personalidade jurídica das corporações empresariais
passou a ser reconhecida para fins de exercício de direitos à igualdade de
exação obtida quando da negativa de oitiva do caso Santa Clara County v.
Southern Pacific Railroad (118 U.S. 394), de 1886, e, recentemente, a afirmação
da igualdade de pessoas jurídicas e físicas para fins de direitos políticos de
financiamento de campanhas no caso Citizens United v. Federal Election
Commission (558 U.S. 310), de 2010.
Por detrás das limitações à atuação das corporações
empresariais, encontrava-se a compreensão de que a progressiva atribuição
de personalidade jurídica a tais empreendimentos desequilibraria o esquema
de forças dos atores econômicos em prol de pessoas jurídicas com
vantagens competitivas não usufruíveis por seres humanos, por definição
finitos no tempo e com capacidade de investimento limitada.
Assim, o controle regulatório sobre pessoas jurídicas não
surgiu, em sua origem, por razões de preservação do mercado, dos preços,
ou mesmo para defesa dos consumidores, mas por um fundamento inerente
à igualdade, pois a mera existência das pessoas jurídicas empresariais
constitui um fator desequalizador das relações econômicas ao introduzir
seres desumanizados em um ambiente de acumulação de capital e técnica
impossível de ser alcançado por suas contrapartes humanas, dotadas de
tempo finito de vida e fadadas à responsabilização pessoal por seus atos.
O mercado existe como instituição protegida nos dias de hoje
desde que referido por elementos constitutivos básicos, entre eles, a
concepção de se afigurar como espaço regrado de atores econômicos em
igualdade de condições. O mercado é um bem jurídico a ser protegido
porque decorre do direito à igualdade, mas o inverso – o de se proteger a
igualdade em virtude do mercado – não é verdadeiro. O original dessa
relação repousa no lado do direito à igualdade enquanto declaração
constitucional inaugural da vida política em um Estado de Direito. Nessa
relação, o mercado é um produto derivado do direito, ou seja, é um
mercado de direito.7

6Vide JONHSTON, David Cay. The Fine Print. New York: Penguin, 2012, p. 23.
7O termo mercado de direito aqui utilizado refere-se à ideia do mercado como um
produto derivado de princípios jurídico-constitucionais à semelhança da equação de
teoria da constituição, em que o Estado passa a ser uma instituição apoiada na
constituição: o Estado de Direito. Do mesmo modo, o mercado é uma instituição
que somente pode ser aquilatada, em termos jurídicos, quando definida a partir do
tecido principiológico constitucional. Outro é o significado do termo mercado(s) de
direitos usual na literatura de direito urbanístico, direito ambiental e direito de
recursos naturais, que avança sobre um tipo específico de mercado claramente

7
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Como bem anota o professor de direito civil da Università La


Sapienza, de Roma, Natalino Irti, sobre o caráter político-jurídico do
mercado, o ordenamento jurídico do mercado gravita em torno de três
princípios: artificialidade; juridicidade; e historicidade (artificialità, giuridicità e
storicità). Ao refutar o naturalismo econômico, Irti reconhece no mercado
uma forma definida por vontades políticas mutáveis apresentadas em
formato jurídico e, como tal, não brota do acaso, da natureza; não é um
locus naturalis. Ele nasce de uma configuração institucional apoiada em
normas jurídicas; ele é um locus artificialis.8
A incoerência de uma economia de mercado natural foi
evidenciada, entretanto, muito antes, quando Polanyi reconhecia, em seu
livro mais conhecido – A Grande Transformação –, de 1944, que o
mercado auto-regulável gera efeitos perniciosos, e que não somente os seres
humanos e os recursos naturais exigem proteção jurídica em tais casos, mas
também a própria organização capitalista da produção.9
Assim, é inquestionável que o mercado deva ser protegido,
mas, ao se afirmar isso, permanece oculto o verdadeiro protagonista do
cenário regulatório: o direito à igualdade de condições concorrenciais.

produzido por previsões normativas e referido aos termos de: a) direitos de


desenvolvimento transferíveis (MILLS, David E. Transferable development rights markets.
Journal of Urban Economics 7(1), janeiro de 1980, p. 63-74), também conhecidos
como direitos de desenvolvimento comercializáveis (marketable development rights,
MDR) utilizados para preservação ambiental em face da expansão urbana
(THORSNES, Paul; SIMONS, Gerald P. W. Letting the market preserve land: The case for
a market-driven transfer of development rights program. Contemporary Economic Policy
17(2), abril de 1999, p. 256-266); e b) mercados de direitos (marchés de droit ou rights
markets), usuais na literatura de mercados de compensação criados para viabilizarem
outras formas de compensação por danos ambientais (KARSENTY, Alain;
WEBER, Jacques. Les marchés de droit pour la gestion de l'environnement, Introduction
générale. Tiers-Monde, 2004, Tomo 45, n° 177, p. 7-28; LIMA, Gabriela Garcia
Batista. La compensation en droit de l’environnement: un essai de typologie .
Tese de Doutorado de Co-tutela entre o UniCEUB e a Université d’Aix-Marseille.
2014).
8Vide IRTI, Natalino. L’ordine giuridico del mercato. Roma: Gius, Laterza &

Figli, 2003.
9Vide POLANYI, Karl. The Great Transformation: The Political and

Economic Origins of our Time. 2ª ed., Boston: Beacon Press, 2001; DALE,
Gareth. Karl Polanyi: The Limits of the Market. Cambridge, UK: Polity Press,
2010.

8
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

Quando da simplificação do significado da regulação, o direito


à igualdade foi encoberto pelas areias do tempo, sobrevivendo somente seu
corolário: a competição e sua personificação, o mercado. Por isso, a
regulação não é um método de alcance da competição onde ela não exista,
mas uma demanda inafastável derivada da constatação de que o próprio
direito criou seres imortais que desequilibram as relações humanas de
acumulação de capital, técnica e vantagens competitivas, exigindo, portanto,
a regulação por princípio; não por consequência de deficiência do meio
concorrencial. Deficiente, o mercado já o é por sua natureza de produto
jurídico decorrente de circunstâncias situadas e datadas.
Para além dessa constatação de centralidade do direito à
igualdade para o Estado regulador, o ser humano somente será livre para o
exercício de sua criatividade e uso de atributos de relacionamento humano
quando o meio de campo inicialmente desvirtuado – ou instrumentalizado
pela própria existência das regras jurídicas – for conjunturalmente ajustado
perante a mutação normativa natural a qualquer sociedade política. Sem o
acompanhamento conjuntural da realidade operado pelo direito regulatório,
o direito transforma-se em uma instituição indomada capaz de servir a fins
não previstos em sua conformação teleológica: a sua finalidade de processo
de preservação da convivência social.
A regulação moderna, que será definida mais adiante, é o
elemento de civilização da instituição jurídica na disciplina das condições do
jogo dos atores econômicos, quando dita instituição jurídica passou a ser
dirigida por forças germinadas na placa de Petri do próprio mundo jurídico:
a empresa; a associação; a fundação, enfim, a pessoa jurídica com pretensão
de atuação econômica. A regulação é o acompanhamento do crescimento
das culturas lá germinadas. Nessa placa de Petri, que fornece o ambiente
artificial de incubação de novos seres imortais, as regras competitivas são
definidas por fronteiras que necessitam da dinâmica regulatória para que
não estrangulem os seres que justificaram as novas criaturas: seus criadores,
os titulares dos direitos fundamentais humanos, que continuam figurando
como norte valorativo de todo o sistema jurídico-político. A regulação é
uma necessidade decorrente do sistema jurídico moderno para preservação
de sua finalidade – o criador, o ser humano – e somente mediatamente sua
criatura – o ser jurídico e o mercado.
Atente-se, todavia, desde já para o fato de que a centralidade
do direito à igualdade de condições concorrenciais para o Estado regulador
não significa que o fundamento da regulação se resuma a isso. Para além do
direito à igualdade, o conjunto dos direitos fundamentais apresenta-se
como a razão de ser da regulação.
O direito à dignidade humana, por exemplo, justifica a
eliminação de mercados, como a vedação de comercialização de tecidos e
órgãos humanos experimentada na quase totalidade do mundo civilizado.

9
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Por óbvio, o direito à igualdade de condições concorrenciais não opera


efeitos em tais espaços e não por isso cogita-se dizer que se trata de um
ambiente desregulado. A regulação, nesse caso, justifica-se com fundamento
em outro direito fundamental igualmente relevante no esquema
constitucional de paridade de princípios jurídicos.
Por ora, é relevante registrar que, enquanto, na Administração
Pública burocrática, a garantia dos direitos sociais é remetida à contratação
direta de servidores públicos atuantes nos diversos ramos das atividades
econômicas, na Administração Pública gerencial do Estado Regulador, o
mercado é tomado como instrumento para consecução dos direitos
fundamentais mediante acompanhamento conjuntural e ponderado de
custos, infraestrutura, serviços, bens públicos, tarifas, áreas de cobertura,
dentre outros componentes das opções de investimento de um setor
regulado. O primeiro pressuposto do Estado Regulador é o de que a
regulação tem por finalidade preeminente a proteção dos direitos
fundamentais.

1.2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS OBJETIVADOS E ESTADO


REGULADOR

O século XX significou a afirmação dos direitos individuais


como instituições jurídicas dependentes do contexto socioeconômico;
significou, em outras palavras, a tentativa de solução do conflito entre a
percepção dos direitos, de um lado, como entidades ideais e impalpáveis –
liberdades abstratas – e, de outro lado, como configurações tangíveis
resultantes de atuação direta estatal conformadora dos direitos – liberdades
concretas.
O século XX representou o momento teórico de afirmação
das garantias constitucionais dos direitos fundamentais, desde que se vulgarizou
o entendimento da insuficiência de enumeração de direitos para proteção
dos seus titulares por intermédio da teoria das garantias institucionais.10
Fala-se, portanto, do século de apresentação do Estado como um
componente essencial na definição do conteúdo dos direitos fundamentais
mediante enraizamento do conceito de serviço público e da ampliação
concreta do rol de direitos dos cidadãos.

10Vide, de nossa autoria, Interpretação constitucional e as garantias


institucionais dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1999.

10
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

Em que medida tais conjecturas se relacionam com o conceito


de regulação? Na medida em que o Estado Regulador se apropria, como seu
pressuposto, da ideia de que o papel interventor estatal, inscrito na
regulação de setores assumidos como de interesse público, legitima-se por
sua essencialidade (do Estado) na concretização dos direitos a eles
relacionados (aos setores regulados); apropria-se da indissociabilidade entre
o enunciado abstrato de um direito subjetivo e o contexto socioeconômico
e político, enfim, cultural, de sua fruição.
O pressuposto do Estado Regulador, portanto, é a
compreensão da intervenção estatal como garantia de preservação
das prestações materiais essenciais à fruição dos direitos
fundamentais, sejam elas prestações de serviços públicos ou privados,
sobre as quais se aplica a insígnia da regulação, ou sejam elas outros tipos de
atividades, tais como o exercício do poder de polícia, atividades de fomento
e prestações positivas tradicionais de índole concreta e normativa.
O direito subjetivo somente pode ser compreendido
atualmente se encarado em comunhão com sua faceta objetiva, que repousa
na determinação de conteúdo a partir da dinâmica do ordenamento jurídico
em meio às potencialidades concretas criadas por políticas públicas, por
ordens normativas, por investimento empresarial, enfim, por
acompanhamento conjuntural do desenvolvimento de um setor de
atividades de interesse público como, por exemplo, os setores de saúde,
educação, recursos hídricos, energia, telecomunicações e transporte.
A plena fruição do direito à saúde em suas diversas dimensões
de devido diagnóstico, prognóstico e tratamento médico encontra-se
intrinsecamente relacionada com as disposições concretas de financiamento
da educação universitária médica e de áreas afins, de financiamento das
pesquisas universitárias relativas ao desenvolvimento de equipamentos e
métodos laboratoriais, de construção de uma rede de energia elétrica
confiável para preservação dos equipamentos auxiliares, de edificação de
redes nacionais e internacionais de banda larga para telemedicina, do devido
equacionamento e acompanhamento da liquidez de sistemas de saúde
suplementar, enfim, de uma lista abrangente de atuação estatal e não-estatal
concertada segundo uma batuta unificada na figura interventora, mesmo
que indireta, do Estado (não do governo) como espaço público de
construção de soluções.
A complexidade alcançada na determinação de conteúdo
jurídico dos direitos fundamentais revela que a especificação de dito
conteúdo exige a análise do dispositivo normativo, como cristalização
cultural que é, associado aos influxos de transformações das ideias

11
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

legislativas, jurisprudenciais, sociais, enfim, da realidade cultural


circundante.
A determinação de sentido normativo deixou de ser remetida,
todavia, ao ambiente puramente estrutural do fenômeno jurídico11; deixou de
procurar extrair de um dispositivo escrito ou doutro elemento cultural
cristalizado – jurisprudência, doutrina, costumes – todo o significado
regrador da realidade; deixou de crer na possibilidade de alcance de um único
significado estático frente a uma realidade dinâmica e multifacetada. Em
outras palavras, o conteúdo normativo encontra-se claramente remetido a
decisões de normatização secundária, significando que o adensamento do
conteúdo dos direitos fundamentais depende, hoje, em grande
medida, de decisões estatais influentes sobre os setores tidos como
essenciais ao desenvolvimento socioeconômico do país e o fenômeno
da regulação ocupa posição privilegiada em tal espaço decisório.

1.2.3 O ESTADO ADMINISTRATIVO E A SEPARAÇÃO DE


PODERES

Mas não basta referir-se à causa que justificou o Estado


Regulador, pois ela poderia ter resultado em diversas consequências, que
não a de valorização da regulação, mediante reforço, por exemplo, da
atividade jurisdicional, ao invés de se enfatizar a normatização e
administração conjuntural de atividades de relevância social.
Daí decorre que outro pressuposto do Estado Regulador
encontra-se na identificação mesma do Estado Administrativo, em que as
noções de profissionalismo e expertise tradicionalmente aplicadas aos
negócios privados são adaptadas ao conceito de expertise na atividade de
governar com a conotação de permanência, treinamento e especialização de
funções.
O início do século XX, mais precisamente a partir da Primeira
Guerra Mundial, presenciou a transformação da Administração Pública em
um substantivo, deixando de ser percebida como uma atividade periférica

11O direito não mais se restringe a ordenar situações estruturais, voltando sua atenção
para a “regulação de situações conjunturais, o que impõe sejam as normas dotadas
de flexibilidade e estejam sujeitas a contínua revisibilidade” (GRAU, Eros Roberto.
O direito posto e o direito pressuposto. 3a ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 23.
Conferir também: p. 86; 88-89; 136-139).

12
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

para se apresentar como uma ciência que combina e se utiliza de muitas


especialidades, apresentando-se como o “negócio mestre de todos os
outros”12 ao subsumir e sintetizar os demais.
A teoria da separação de poderes constituiu terra fértil à
formação da teoria do Estado Administrativo. Inicialmente assentada em
afirmações que rechaçavam o poder absoluto do monarca, mediante a ideia
de uma “monarquia limitada”13 e funcional, no sentido de que “reis são
feitos para o reino, não reinos para o rei”14, a ideia da separação, desde os
escritos de Bolingbroke de 1748, vem amenizada na literatura clássica pela
referência ao equilíbrio de poderes – equilibrium of powers, reciprocal restrictions,
reciprocal control, reciprocal delay and detention –, exigindo, com isso, a
interpenetração entre os poderes.
Nem mesmo é necessário remeter-se a clássicos da literatura
utópica – A República, de Platão; Utopia, de Thomas Morus; Oceana, de
James Harrington – para que se afirme a interpenetração de funções na
divisão dos poderes. A própria classificação de Montesquieu das atividades
conjunturais como próprias ao Poder Executivo demonstra como a divisão
tripartite de poderes e funções não conseguia abranger todas as dimensões
de atividades estatais.15
Igualmente perplexo pela insuficiência da referência aos três
poderes como abrangentes de todas as atividades estatais, mas preocupado
com a manifestação jurídica da normatização infralegal, Eros Grau16
diferencia normas primárias e secundárias, procurando enquadrar em um
conceito mais amplo de atividade normativa as atividades conjunturais de
administração das leis antecipadas há mais de um século em Goodnow.17

12WALDO, Dwight. The Administrative State: A Study of the Political Theory


of American Public Administration. New Brunswick (USA): Transaction
Publishers, 2007, p. 93.
13BOLINGBROKE, Henry St John, Visconde de. The Idea of a Patriot King. p. 381.

In: The Works of Lord Bolingbroke. Philadelphia: Carey and Hart, 1841, p. 372-
429.
14Idem, p. 380.
15MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O

espírito das leis. 2a ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995.


16Vide GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3ª ed., São

Paulo: Malheiros, 2000.


17A noção de expressão primária e secundária da função política fora aprofundada

por Goodnow, em 1900, quando ele identificou a presença da função política em


dois graus: o primário, de decisão sobre a vontade do Estado; e secundário, de

13
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

A noção de Estado Administrativo nasce em meio à


constatação de insuficiência do modelo tripartite de separação de poderes
para afirmar que a Administração Pública, aí incluída a jurisdição sob o viés
tradicional de separação de poderes, situa-se em um espaço de íntima
relação e harmonia entre a administração e a política. Trata-se de uma teoria
que se nutre da assertiva já presente em Montesquieu de que os poderes
contêm várias funções para que se impeça o domínio de uns pelos outros.
Da mesma forma que a atividade executiva, nos idos da
institucionalização da separação de poderes pelos framers da Constituição
dos Estados Unidos da América, era vista como inscrita tanto no Executivo
quanto no Judiciário, quando se esperava que os juízes servissem como
“brotos nascidos do terreno executivo”18, formando uma aliança defensiva
contra o Congresso e participando ativamente da execução das leis19, a
teoria administrativista do século XX voltou seus olhos para inscrever ao
lado da jurisdição uma atividade essencialmente distinta da atividade
executiva: a atividade de administração das leis, que teve sua aparição
institucional a partir de 1883, nos Estados Unidos da América, com o
surgimento das agências independentes – independent establishments – e, no
Brasil, tanto com a absorção da concepção autárquica de origem italiana da
primeira metade do século XX, quanto pelo movimento mais visível de
criação dos órgãos reguladores da segunda metade da década de 1990.
É bem verdade que a concepção do Estado Administrativo foi
fomentada em meio ao movimento reformista estadunidense de
fortalecimento do Poder Executivo em detrimento da então considerada
invasão das atividades administrativas por parte do Legislativo e do
Judiciário, mas isso não afasta a consideração de que o Estado
Administrativo consistiu em um movimento crítico quanto à imprecisão
institucional da administração das leis.

execução da vontade do Estado. Vide: GOODNOW, F. J. Politics and


Administration. New York: The Macmillan Co., 1900.
18MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. The Federalist Papers.

New York: New American Library, 1961 (1787-1788, Federalist nº 47), p. 303.
19Vide SCIGLIANO, Robert. The Two Executives: The President and the Supreme Court.

p. 277-293. In: LAWLER, Peter A.; SCHAEFER, Robert M. (org.). The American
Experiment: Essays on the Theory and Practice of Liberty . Lanham, MD:
Rowman and Littlefield, 1994, p. 285-286.

14
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

Sob o enfoque do Estado Administrativo, a percepção de


alastramento das funções entre os poderes estatais implica também a
compreensão da função administrativa como uma realidade equidistante das
clássicas funções estatais. Trata-se, portanto, da progressiva
institucionalização da administração como algo ligeiramente distinto das
funções executivas, legislativas e jurisdicionais.
A grande novidade da teoria administrativista do século XX
está justamente na identificação da administração estatal como algo distinto
das funções executivas presidenciais de comando supremo das forças
armadas e aplicação das leis. O Estado Administrativo expressa uma função
separada das demais – a administração das leis – como uma atividade
intermediária entre as funções clássicas executivas, legislativas e
jurisdicionais: um “reino de expertise” imune à influência política direta.20
A identidade da atividade propriamente administrativa como
distinta da executiva, judicial e legislativa explica, por exemplo, a presença
inafastável dos “poderes quase legislativos e quase jurisdicionais” (quasi-
legislative e quasi-judicial power) na literatura estadunidense sobre as agências
reguladoras, bem como a institucionalização das agências como órgãos
independentes do Executivo e a consideração da administração como
espécie da atividade de execução da vontade do Estado, ao lado da atividade
executiva e da jurisdicional, mas em oposição à atividade de decisão da
política – a legislativa.
As agências reguladoras encarnam, na tradição do Estado
Administrativo estadunidense, a afirmação de uma estrutura estatal
responsável pela administração das leis como algo essencialmente distinto
da formulação das leis e, por isso, definida por exclusão, ou seja, trata-se da
regulação entendida como a administração das leis que não se
confunde com a formulação da política pública correspondente, o que
não significa dizer que a administração das leis estaria despida de conteúdo
normativo.
A teoria administrativista que cunhou o conceito de Estado
Administrativo, no entanto, não vê uma diferença essencial entre política e
administração. Pelo contrário, são fases de um mesmo processo
administrativo, que define um Estado em que a separação entre política e

20Vide SCIGLIANO, Robert. The Two Executives: The President and the Supreme Court.
p. 277-293. In: LAWLER, Peter A.; SCHAEFER, Robert M. (org.). The American
Experiment: Essays on the Theory and Practice of Liberty . Lanham, MD:
Rowman and Littlefield, 1994, p. 111-117.

15
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

administração obedece a uma finalidade utilitária de preservação de espaço


para a especialização funcional.
O Estado Administrativo é assim definido como um Estado
dotado de um processo administrativo único, que permeia todas as funções
governamentais, abarcando a política e a administração propriamente dita.
Trata-se, portanto, de um Estado que encarna como função primeira
o planejamento mestre de toda a economia, presentes duas funções
primordiais: a de planejamento e execução administrativa, de um lado; e a
de veto político, de outro.21
Não é difícil de se enxergar a íntima conexão dessa concepção
de Estado com a valorização dos órgãos reguladores de hoje, quando, em
virtude da amplitude, dimensão e importância do poder regulamentar das
agências reguladoras, estas são percebidas como um quarto poder, que
sintetiza o governo moderno como um governo administrativo.22

1.2.4 LEGITIMIDADE NO ESTADO REGULADOR

O Estado burocrático, planejador, eminentemente


administrativo, enquanto subversão da clássica separação dos poderes,
embora sofra com a indignação política produto do aparente menosprezo
da função legislativa, detém muito maior aderência à realidade de produção
do poder regulatório do que o ideal de separação tripartite de poderes, que é
útil enquanto permite a preservação de uma estrutura representativa de
índole formal. Teóricos do direito constitucional e administrativo têm se
debatido com o tema e com a diferenciação entre política pública e
regulação.
Dito Estado Administrativo – mais precisamente, sua teoria –
não se restringe, todavia, ao questionamento das bases filosóficas da
estrutura do poder instituído, ou seja, à reestruturação dos poderes em duas
funções, em que a função administrativa resta agigantada; ele também
questiona as bases filosóficas da legitimidade do poder, ou seja, como
ocorre a interação entre a estrutura burocrática estatal e sua justificação
democrática perante o titular do poder político.

21Vide GULICK, Luther; LYNDALL, Urwick (coord.). Papers on the Science of


Administration. New York: Institute of Public Administration, 1937.
22Vide CROLEY, Steven P. Regulation and Public Interests: The Possibility of

Good Regulatory Government. Princeton: Princeton University Press, 2008, p. 14.

16
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

Nesse aspecto, já não opera efeitos ter-se em conta a aderência


entre a prática do poder político e sua teoria embasadora, pois a questão do
fundamento de legitimidade precede à institucionalização do poder político
no Estado. Pode-se sustentar, portanto, o Estado Administrativo como um
Estado estruturado em duas funções primordiais de
planejamento/execução administrativa e delimitação política, e, ao mesmo
tempo, questioná-lo quanto ao seu pressuposto de exaltação da figura do
administrador como seu cerne de legitimidade política.
Assim, outro pressuposto do Estado Regulador está na
questão do modus operandi de manifestação da legitimidade política. É certo
que o Estado Regulador, ao beber da estruturação administrativa do Estado
Administrativo, do engrandecimento da figura burocrática, da expertise
técnica e da concentração de funções estatais na etapa de planejamento e
execução das leis, amesquinha a antes dominante função legislativa de
canalização da legitimidade política e, com isso, lança a questão
fundamental sobre como a agora predominante função administrativa do
Estado, indiferenciada da função política – ou, sob outro enfoque, tendo
avançado sobre ela –, angaria legitimidade política.
A resposta a essa questão foi alvo de preocupação dos
clássicos e se alastra por toda a história das ideias políticas inscrita na
questão de quem deve governar. Se para Bakunin23 e Kropotkin24, a
resposta a essa pergunta é a de que ninguém deve governar, para uma
tradição muito mais abrangente e recorrente na filosofia política, os
governantes legítimos são os mais variados: para Platão, são os guardiães
dotados de inteligência, capacidade e prestatividade25; para Francis Bacon,
são os filósofos26; para Augusto Comte, são os homens de ciência27; para

23Vide BAKUNIN, Mikhail Aleksandrovich. Statism and Anarchy. Trad. Marshall


Sharon Shatz, Cambridge: Cambridge University Press, 2002.
24Vide KROPOTKIN, Peter Alekseevich. Anarchism: a collection of

revolutionary writings. Mineola (N.Y.): Dover Publications, 2002.


25“Devemos selecionar dentre aqueles homens [guardiães e auxiliares] uns poucos

para serem governantes (...)” (GROTE, George (org.). Plato and the other
companions of Socrates. Vol. III, London: John Murray, 1865, p. 56).
26Vide ANDERSON, Fulton H. (org.). Francis Bacon: The New Organon and

Related Writings. Indianapolis: The Boobs-Merrill Company, 1960.


27“(...) o poder arbitrário, sendo exercido pela própria sociedade, geraria as maiores

inconveniências (...) [A lei suprema da razão] exclui igualmente a arbitrariedade da


teologia, os direitos divinos dos reis, a arbitrariedade da metafísica e a soberania do
povo.” (LENZER, Gertrud (org.). Auguste Comte and Positivism: The
Essential Writings. 5ª ed., New Brunswick (N.J.): Transaction, 2009, p. 49-50).

17
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Bossuet, são os monarcas dotados de autoridade hereditária, sagrada e


absoluta28; para Filmer, são outros monarcas com assento sobre direitos
patriarcais29; para Locke, são aqueles responsáveis pela proteção dos direitos
naturais à vida – inclusive à saúde –, liberdade e propriedade, mediante o
alcance da paz e prosperidade via supremacia de um poder legislativo
limitado pelo bem comum da sociedade30; para Burke, são aqueles cujo
juízo e indústria estão dedicados à discussão política31; para Maquiavel, são
aqueles que conseguem ascender ao poder e reformar as instituições para
engrandecimento do poder estatal32; para Marx, o proletariado33; para
Schmitt, a figura institucional da unidade simbólica do povo34; para Kelsen,
a Corte de Constitucionalidade é a responsável pela parcela de decisão
política sobre o significado das decisões fundamentais inscritas na
constituição de um país35; para os teóricos da democracia representativa

28Vide RILEY, Patrick (org.). Bossuet: Politics Drawn from Holy Scripture.
Cambridge: University of Cambridge Press, 1999.
29Vide SOMMERVILLE, Jóhann P. (org.). Filmer: Patriarcha and Other

Writings. Cambridge: University of Cambridge Press, 2000.


30Vide LOCKE, John. Two Treatises of Government. London: Whitmore and

Fenn, 1821.
31Vide BROWNE, Stephen H. Speech to the Electors of Bristol: The Space of Rethorical

Virtue, p. 67-81. In: Edmund Burke and the Discourse of Virtue. Tuscaloosa:
The University of Alabama Press, 1993.
32MACHIAVELLI, Niccolò. Comentários sobre a primeira década de Tito

Lívio: Discorsi. Trad. Sérgio Bath, 3ª ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1994.
33O uso da expressão Estado Trabalhador – workers’ state – é significativa para a

presente análise, quando Marx responde à crítica de Bakunin a um governo do


proletariado: “Ele [Bakunin] deveria ter se perguntado: que forma podem assumir as
funções administrativas em um Estado trabalhador, se lhe agrada chamá-lo assim?”
(McLELLAN, David. Karl Marx: Selected Writings. Oxford: Oxford University
Press, 1982, p. 563).
34Vide SCHMITT, Carl. Sobre el parlamentarismo. Trad. Thies Nelsson e Rosa

Grueso, 2ª ed., Madrid: Editorial TECNOS, 1996.


35Vide KELSEN, Hans. ¿Quién debe ser el defensor de la Constitución? Trad.

Roberto J. Brie, 2ª ed., Madrid: Editorial TECNOS, 1999.

18
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

liberal, é o parlamento36; para Hannah Arendt, é o homem criativo livre das


necessidades da vida, mas preso à necessidade de ação política37.
Os teóricos do Estado Administrativo também têm sua
fórmula: a legitimidade de governar recai sobre o administrador.38
Nesse aspecto, os caminhos do Estado Administrativo e do Estado
Regulador se bifurcam, à medida que se pode cogitar o Estado Regulador
com base nas mais diversas explicações de legitimidade, muito embora o
reforço da relação entre legitimidade e expertise técnica seja bem-vinda a
pensadores daquela tradição do Estado Administrativo.
Eis o divisor de águas entre a noção de Estado Administrativo
e Estado Regulador: o princípio de legitimidade é distinto para cada um
deles.
Enquanto os teóricos do Estado Administrativo adotam uma
visão unilateral e reducionista de legitimidade assentada sobre a figura do
administrador – crítica que se estende às demais propostas reducionistas de
legitimidade acima resumidas –, o Estado Regulador contribui para o
reposicionamento da questão da legitimidade democrática ao reconhecer no
regulado não mais um ser subserviente alheio ou utente de serviços, mas
verdadeiro partícipe necessário da decisão política. Por regulado, deve-
se entender todo player do ambiente regulatório, independentemente das
fronteiras nacionais. Por regulador, deve-se entender a instituição
regulatória, como ambiente de manifestação dos poderes regulatórios de
administração das leis.
Nessa toada, não é incomum relacionar-se o Estado Regulador
às tradições de participação política da virtude política39 e do
republicanismo40 em um movimento de despersonalização da legitimidade,
que deixa de ser referida ao guardião, ao filósofoso, ao estrategista, ao
cientista, ao monarca, ao proletariado, ao Führer, ou mesmo ao

GUIZOT, M. Histoire des origines de gouvernement représentatif en


36Vide

Europe. Tomo I. Bruxelles: Wouters, 1851.


37Vide ARENDT, Hannah. Sobre a Revolução. Lisboa: Relógio D’Água Editores,
2001.
38Vide WALDO, Dwight. Op. cit., p. 89-103.
39Vide ARANHA, M. I. Políticas públicas comparadas de telecomunicações

(Brasil-EUA). Tese de Doutorado: CEPPAC (UnB), 2005.


40Vide OLIVEIRA, Artur Coimbra de. Republicanismo, instituições e a

ingestão de normas internacionais por setores regulados brasileiros.


Dissertação de Mestrado: Faculdade de Direito (UnB), 2011.

19
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

administrador, para ser referida à institucionalização da dimensão política


do ser.
Assim, os pressupostos do Estado Regulador gravitam entre
as percepções da regulação como o reino da expertise, passando pela
concepção restritiva do administrador como síntese de legitimidade e de
poderes estatais distribuídos entre a administração das leis e o poder de veto
político e, finalmente, a compreensão informadora de fundo ao Estado
Regulador da regulação como espaço público ou como
institucionalização de virtude política e republicanismo.41

1.2.5 PODER REGULAMENTAR NA TRADIÇÃO FRANCESA

O agigantamento da função administrativa não foi, todavia,


um acontecimento isolado da tradição anglo-americana; ele granjeou espaço
significativo na doutrina administrativista francesa, que tanto
influenciou o direito administrativo brasileiro. Foram dois os momentos de
afirmação do direito administrativo francês como um direito especial da
administração pública: a afirmação da justiça administrativa como uma
jurisdição com peculiaridades tais de celeridade e amplitude que exigiam
dela não só um método próprio, como também que se situasse no ceio da
própria administração como algo distinto da justiça comum; e a ampliação
do poder regulamentar.
O primeiro momento de afirmação do direito administrativo
clássico na França concentrou-se na identidade institucional da justiça
administrativa, que dominou a Restauração francesa, em especial após a
Carta Constitucional de 1814 e que se apoiava nos fundadores do direito
administrativo clássico francês – Gérando42, Macarel43 e Cormenin44.
A diferença entre o sistema então inaugurado do contencioso
administrativo na França em oposição à opção brasileira pelo sistema de

41Para uma aprofundamento da abordagem dos efeitos da concepção de legitimidade


no Estado Regulador, vide capítulo 3.2 deste livro.
42Vide GÉRANDO, Joseph-Marie de. Institutions de Droit Administratif. Paris:

Librairie de la Cour de Cassation, 1829.


43Vide MACAREL, Louis Antoine. Éléments de Droit Politique . Paris: Librairie

de la Cour de Cassation, 1833.


44Vide CORMENIN, Barão de. Questions de Droit Administratif. Paris: Chez M.

Ridler, 1822.

20
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

jurisdição una impede, em grande medida, que as distinções doutrinárias e


jurisprudenciais de então operem efeitos na prática jurídica brasileira.
Influentes foram, nesse período, as considerações doutrinárias que não
dissessem respeito à divisão de poderes.
O segundo momento pode ser didaticamente situado, embora
não restrito à instauração do 2º Império, com Napoleão III, no bojo da
Constituição francesa de 1852, que implicou o declínio do primado da
teoria da separação dos poderes, questionando-se a onipotência do
Legislativo, mediante exaltação da autoridade do Executivo.45
Ambientada na Constituição de 1852 e na criação do Tribunal
de Conflitos, em 1849, para julgamento de conflitos de competência entre a
justiça administrativa e a comum, a doutrina administrativista passou a
evidenciar a expansão de fato do poder regulamentar tanto devido a
mandatos constitucionais, quanto em virtude de delegação legislativa,
impondo o reconhecimento de que as disposições regulamentares
decorreriam da mesma fonte das disposições legislativas, ambas apoiadas no
poder regulador da sociedade, fazendo-se dos “regulamentos administrativos (...)
em essência assemelhados às obras legislativas”46.
No final do século XIX e início do XX, parcela da doutrina
administrativista francesa reconhecia a inafastável constatação de que,
mesmo com a crescente disciplina constitucional limitadora do poder
regulamentar, este, na prática, bebia do mesmo material das leis formais.
Confrontado-se com essa constatação, Laferrière47 dividiu o
poder regulamentar entre regulamentos destinados à execução das leis –
executórios –, de um lado, e regulamentos de administração pública, de
outro, estes últimos voltados ao exercício de mandato entregue
expressamente pelo Legislativo ao Executivo para, mediante o uso do poder
regulamentar, complementar e desenvolver disposições pertinentes a
determinadas matérias.
Os regulamentos em número crescente na prática institucional
francesa e independentemente da forma de governo, fosse ela o império, a

45Vide CASTRO, Marcus Faro de. Violência, medo e confiança: do governo misto à separação
dos poderes. In: Revista Forense 382: 157-180, novembro/dezembro de 2005.
46TEIXEIRA, Victor Cravo. A trajetória do poder regulamentar no pensamento

político francês e seus reflexos no Brasil: um olhar para além dos manuais
jurídicos. Dissertação de Mestrado: Faculdade de Direito (UnB), 2012, p. 102.
47Vide LAFERRIÈRE, Édouard. Traité de la Jurisdiction Administrative et des

Recours Contentieux. Tomo I. Paris: Berger-Levrault et Cie, 1896.

21
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

monarquia ou a república, seriam manifestações cada vez menos


enquadráveis na definição de meras execuções de leis. Divergindo de
Hauriou48, que diferenciava materialmente leis e regulamentos, Duguit
entendia que tais regulamentos com força de lei obrigam, com a mesma
força das leis formais, “os particulares, os administradores e os juízes”49,
concluindo que os fatos são mais fortes que as constituições. Contra a
concepção de que as leis formais trariam princípios gerais a serem
detalhados pelos regulamentos, Moreau, por sua vez, define os
regulamentos como regras, só que “impostas por uma autoridade distinta
do Legislativo”50.
Tais concepções ampliativas do poder regulamentar sofreram
críticas de autores que aderiam a uma separação rígida entre leis e
regulamentos, como Jèze51, Barthélemy e o já citado Hauriou, mas o corpo
de doutrina favorável ao reconhecimento do poder regulamentar como algo
mais do que a simples execução e detalhamento de leis tinha a seu favor a
prática institucional francesa: o argumento de que a prática institucional do
poder regulamentar nunca teria, de fato, respeitado uma pretensa separação
entre a lei e o regulamento.
É nessa linha de avaliação das condições concretas de
normatização que parcela da doutrina administrativista brasileira questiona a
viabilidade do Legislativo exercer o gerenciamento normativo da realidade
apoiada na insuficiência de um modelo tradicional de separação de poderes.
A partir dessa nova visão muito influenciada por demandas políticas
concretas de reestruturação do Estado brasileiro, nutrindo-se e nutrindo
consultorias internacionais de privatizações setoriais da segunda metade da
década de 1990, um novo direito administrativo passou a encarar de frente
a realidade de maior intervencionismo estatal sob a forma de planejamento
e gerenciamento, mediante “contínua edição e substituição de normas”52
decorrente não só do direito, quanto das condições concretas do setor

HAURIOU, Maurice. Précis de Droit Administratif et de Droit Public


48Vide

Général. Paris: L. Larose, 1900.


49DUGUIT, Léon. Les transformations du Droit Public. Paris: Librairie Armand

Colin, 1913, p. 88.


50MOREAU, Félix. Le Règlement Administratif. Étude Théorique et Pratique

de Droit Public Français. Paris: Albert Fontemoing, 1902, p. 2.


51Vide JÈZE, Gaston. Le Réglement Administratif. In: Revue Générale

d’Administration, p. 6-22, maio de 1902.


52SUNDFELD, Carlos Ari. Serviços públicos e regulação estatal, p. 17-38. In: Idem (org.).

Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 30.

22
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

regulado: foi-se o tempo das sínteses de direito administrativo descoladas da


realidade setorial.
Por isso, também se insere no rol de pressupostos do Estado
Regulador o gerenciamento normativo da realidade regulada via
administração das leis.

1.2.6 SITUANDO O CONCEITO DE ESTADO SUBSIDIÁRIO

Até o momento, foram identificados os principais


pressupostos do Estado Regulador inscritos, agora de trás para frente, na
afirmação de um Estado eminentemente interventor sobre realidades
setoriais complexas, de um Estado em que a administração das leis, como
planejamento e gerenciamento contínuo, engrandece a função
administrativa, de um Estado cuja expressão de legitimidade se desloca para
a figura do administrador ou, alternativamente, para o processo ou para o
espaço público regulador, de um Estado cujo conteúdo normativo dos
direitos depende de sua conformação objetiva em ambientes regulados, de
um Estado que internaliza o mercado em sua apresentação como produto
dos direitos fundamentais.
Dado esse cenário teórico, onde se situa a noção tão em voga
de Estado Subsidiário?
Entendido o Estado Subsidiário como uma opção societária
sobre o nível de interferência estatal na esfera privada, ele se apresenta
resumido na máxima: o governo deve fazer pelos cidadãos somente aquilo
que eles não puderem fazer por si próprios, e nada mais. Trata-se, portanto,
de noção que engloba ditames de orientação política de predomínio da
iniciativa privada sobre a pública, de consequente limitação da atuação
estatal, mas, ao mesmo tempo, de atribuição ao Estado da função de
fomento, coordenação e fiscalização da iniciativa privada para
potencialização dos negócios dos particulares, ou mesmo o incremento de
parcerias público-privadas para o fim de subsídio à iniciativa privada53.
Enquanto mera orientação política de dosagem cuidadosa do
nível de interferência estatal na economia, o princípio da subsidiariedade
não afirma, nem infirma o Estado Regulador. Dito princípio pode reger o

53Vide DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública:


concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 3ª ed., São
Paulo: Atlas, p. 25.

23
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

discurso de um chefe de governo com pretensões de expansão da regulação


estatal, sem que isso afete o nível de interferência na economia, desde que
dita interferência se justifique para o fim de preservação das regras
equânimes de interação negocial privada em determinado setor regulado, ou
seja, desde que se justifique para o fim de preservação do ambiente
mercadológico pertinente.
A desconexão entre o princípio da subsidiariedade e o Estado
Regulador exsurge, contudo, quando ao conceito de Estado Subsidiário
agrega-se a ideia de que os direitos fundamentais individuais são melhor
garantidos pela ausência do Estado, o que contraria o pressuposto de que a
atuação estatal reguladora é essencial à conexão entre os riscos da atividade
econômica e a sociedade política, que pretende ter sua voz presente na
constante reorientação política para preservação dos direitos fundamentais
de todos os envolvidos, enquanto ameaçados por distorções produzidas por
um mercado livre.
Portanto, quando o Estado Subsidiário deixa de servir como
guia político de dosagem da interferência estatal, mediante o princípio da
subsidiariedade, para se apresentar com formatos totalizantes de ideal de
eliminação da atuação estatal, somente aí dito Estado Subsidiário deixa de
contribuir para a noção de Estado Regulador e passa a miná-la.
Assim entendido o princípio da subsidiariedade, pode-se
acrescentá-lo à listagem de pressupostos do Estado Regulador, que
sinteticamente são: a) o Estado garante dos direitos fundamentais, inclusive
a igualdade de condições competitivas; b) o Estado interventor; c) o Estado
Administrativo, por sua apresentação de agigantamento da função de
planejamento e gerenciamento das leis; d) o Estado legitimado na figura do
administrador, do processo de gerenciamento normativo da realidade ou do
espaço público regulador; e) o Estado de direitos dependentes de sua
conformação objetiva em ambientes regulados; f) o Estado Subsidiário, em
sua apresentação de potencialização da iniciativa privada via funções de
fomento, coordenação e fiscalização de setores relevantes.

1.2.7 O ESTADO EMPREENDEDOR

Uma nova dimensão do Estado Regulador vem revelada no


conceito de Estado Empreendedor (Entrepreneurial State). Mazzucato resgata

24
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

esse conceito em livro de mesmo nome54 para evidenciar a função estatal de


motor dinâmico da economia.
O Estado Empreendedor significa, em síntese, negar o lugar
comum de que o Estado deve se restringir à correção de falhas de mercado,
muito ao gosto dos adeptos do Estado Subsidiário, que aceitam a atuação
estatal somente nos casos em que o retorno social do investimento seja
maior do que o retorno privado, como tem sido reconhecido para a
atividade de limpeza de poluição – externalidades negativas não incluídas
nos custos das empresas – e para o financiamento da pesquisa de base –
benefício público de difícil apropriação privada.
De fato, a abertura das contas governamentais em países
insuspeitos para os adeptos do Estado Subsidiário, como os Estados
Unidos, mostra que menos de um quarto dos gastos em pesquisa e
desenvolvimento justificam-se pela lógica do maior retorno social do
investimento frente ao retorno privado.55 Ou seja, o investimento público
vai muito além da receita do Estado Subsidiário, fazendo do Estado um
investidor de risco em atividades inovadoras.
Ainda, o Estado Empreendedor é um Estado confiante de que
ele detém a missão de criar algo novo na economia via expertise específica
setorial e tecnológica, agregando talentos e gerando foco em projetos
inovadores. O caso histórico dos investimentos do Departamento de
Defesa norte-americano no surgimento da internet via DARPA e a
experiência bem mais recente de liderança de investimentos públicos em
energia limpa nos Estados Unidos, via ARPA-E, são exemplos
representativos desse formato de Estado ainda tão pouco compreendido
entre nós.
O Estado Empreendedor, assim, é um Estado intervencionista
no tocante à inovação, que não se rende à imagem que comumente é
vendida de que o Estado seria uma versão ineficiente do setor privado. Ele
atua segundo uma visão de mundo inexistente no setor privado porque
parte do interesse público em dinamizar a economia como um todo. Não se
trata, simplesmente, de se retirar o risco do setor privado, como um Estado
mínimo, ou mesmo subsidiário, defendem, mas de avaliar o espaço de risco
para ativamente redirecionar esforços e reconfigurar o espaço econômico
rumo à inovação, à criação de algo novo, à definição de rumo que não
mimique os interesses privados, e.g., via meras isenções tributárias.

54Vide MAZZUCATO, Mariana. The Entrepreneurial State: Debunking Public


vs. Private Sector Myths. London: Anthem Press, 2014.
55VideMOWERY, David C. Military R&D and Innovation. In: HALL, B. H.;
ROSENBERG, N. Handbook of the Economics of Innovation. Vol. 2,
Amsterdam: North-Holland, 2010, p. 1.219-1.256.

25
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Portanto, o Estado Empreendedor significa efetiva


institucionalização da inovação. Ele é, de certo modo, uma atualização do
keynesianismo, em que o desenvolvimento de tecnologias financiadas pelo
Estado compõe uma fase necessária da indústria e do desenvolvimento
nacional. O diferencial do Estado Empreendedor frente ao keynesianismo
clássico está, entretanto, no fato de que aquele não se contenta com o
incentivo em momentos de necessidade, mas reconhece que a necessidade
de empreendedorismo estatal é permanente e que cada passo dado em
investimentos de risco deve garantir algum retorno do investimento estatal
para que este persista em sua essencialidade.
Até aqui, descreveu-se o significado do Estado Empreendedor
como aquele pautado pela ideia de sociedade de risco, pela
institucionalização da inovação, pela essencialidade do investimento
planejado e desbravador de novos mercados por parte do Estado, e sua
natureza exclusiva e insubstituível pela iniciativa privada. Persiste, no
entanto, a questão fundamental sobre quais são as características comuns
aos Estados Regulador e Empreendedor.
Enquanto, no Estado Regulador, o mantra é o dinamismo e a
alteração conjuntural nas dimensões geral, regional e setorial da economia,
no Estado Empreendedor, ele se assenta no dinamismo e alteração
conjuntural para a inovação. Os dois conceitos perseguem o mesmo
método de intervenção, embora o Estado Empreendedor se concentre em
um objetivo específico. Ambos demandam, todavia, certeza e estabilidade
de políticas públicas e são descrentes da assertiva de que o mundo
econômico existe em apartado do Estado, ou seja, ambos apostam no papel
indispensável do Estado na economia. Para o Estado Empreendedor, dita
intervenção se justifica para o avanço da própria economia, enquanto para o
Estado Regulador, a intervenção tem por base os direitos fundamentais,
inclusive os econômicos.
Ambas as concepções de Estado rejeitam o mito da oposição
entre o público e o privado. A resposta totalitária à questão sobre a quem se
deve privilegiar para obtenção do desenvolvimento econômico é negada
por ambos os Estados. Enquanto para alguns, a resposta do
desenvolvimento econômico reside na iniciativa privada e, para outros, na
intervenção estatal, para os Estados Empreendedor e Regulador, ela reside
na atuação consentânea, na indispensabilidade dos dois pólos da
equação, que, ao fim e ao cabo, são um só; na atuação conjunta
segundo virtudes próprias a cada espaço, seja ele estatal ou privado.
A ideia de que o Estado não é inútil, nem mesmo um
obstáculo ao desenvolvimento, presente na noção de Estado
Empreendedor, tem seu reforço histórico na ideia de Estado
Administrativo em seu resgate da função burocrática como virtude técnica,
mas acrescenta a ela a noção de que a função administrativa é capaz de

26
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

assumir o risco empreendedor. Para além disso, o Estado Empreendedor


repudia a crença na geração espontânea de grandes mercados pela mera
inação estatal; eles não são produtos somente do sucesso empresarial
privado, mas precisamente de uma sua simbiose com o Estado.
Em ambos os Estados Empreendedor e Regulador, aceita-se a
velha máxima de que compete ao Estado garantir a estabilidade
macroeconômica via intervenção para correção, por exemplo, do sistema
financeiro, como também para fomentar a pesquisa de base. Tais máximas
são comuns também aos Estados Subsidiário e Mínimo. Para além disso, o
Estado Empreendedor acrescenta à atuação estatal na economia o seu
caráter empreendedor, como tomador de risco líder (lead risk taker) e criador
de mercados (market creator), ao servir como incubador da inovação não
somente via financiamento de pesquisa de base, mas principalmente via
aproximação dos atores de mercado e demais passos prévios à viabilização
de novos mercados. É nesse aspecto que o Estado Regulador colhe a
contribuição do Estado Empreendedor para acrescentar às atividades
interventoras de fomento e de definição de novos mercados a diretriz maior
de antevisão de mercados funcionais derivados da atividade
reguladora. É claro que o Estado Empreendedor se contenta com o papel
criativo de um Estado Tomador de Riscos (risk-taking State). O Estado
Regulador não menospreza essa função, mas a absorve na dicção mais
abrangente do planejamento conjuntural de atividades voltadas à proteção
dos direitos fundamentais.
Existe uma missão própria ao Estado que vai além da
correção de falhas de mercado. No Estado Regulador, a missão consiste em
algo mais abrangente: a defesa dos direitos fundamentais via conhecimento
técnico, geral e setorial. No Estado Empreendedor, a missão consiste em
algo mais específico: a abertura de espaços de inovação por intermédio de
uma expertise própria tecnológica e setorial de atração de talentos e criação
de estímulos em torno a missões específicas. A intervenção característica a
ambos os Estados Empreendedor e Regulador manifesta-se de forma
distinta em cada um deles. Enquanto, para o Estado Empreendedor, a
intervenção existe vinculada à ideia de intervenção clara e corajosa para
inovação e transformação em áreas em que a iniciativa privada teme
ingressar, o Estado Regulador abarca, para além do planejamento de
inovação, todos aqueles movimentos burocráticos pensados para a
reconformação contínua da atividade econômica rumo à promoção dos
direitos fundamentais.
De todas as características até aqui descritas, nenhuma delas é
mais representativa do Estado Empreendedor do que aquela que vê o
Estado imbuído da função de liderança, em oposição à concepção do
Estado como mero administrador de interesses privados.

27
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Aqui se encontra o ponto de maior sinergia entre os conceitos


de Estado Empreendedor e Estado Regulador, pois se o Estado Regulador,
em seu afã de proteção de direitos fundamentais via administração das leis
se entregar à ideologia de predominância e suficiência dos métodos
privados de mercado, ele encontrará sua própria ruína em propagar a velha
máxima da subsidiariedade totalitária, ou seja, aquela que pretende esgotar o
Estado na função de substituto provisório do mercado. O Estado
Empreendedor demonstra que o papel de liderança gravado por uma visão
de essencialidade do Estado para a transformação econômica faz parte da
administração das leis. A crítica de Mazzucato de um Estado restrito ao
“papel administrativo”56 é bem situada nesse contexto.
Outro ponto de reforço mútuo entre os conceitos de Estado
Empreendedor e Estado Regulador está na necessidade criada por tais
abordagens de se passar a definir o Estado não por suas deficiências, mas
por suas contribuições à criação econômica. Trata-se do Estado como
conformador e criador de mercados. O Estado Empreendedor não
somente aglutina atores em torno a um setor, mas cria a “visão, a missão e
o plano”57 do desenvolvimento econômico, viabilizando um sistema
altamente relacional que reúne o que há de melhor no setor privado rumo
ao bem público.
Da relação entre Estado Regulador e Estado Empreendedor,
surgem consequências práticas marcantes. Mediante a compreensão do
papel empreendedor do Estado nos sistemas de inovação, pode-se situar
com maior precisão as demandas empresariais por isenções tributárias. A
pergunta exigida pelo arcabouço conceitual empreendedor é a seguinte: o
interesse de isenção tributária tem contrapartida? Ou seja, a diminuição ou
isenção de tributos resulta em elevação do investimento empresarial? A
resposta depende da compreensão dos papeis desempenhados pela
indústria na relação simbiótica de inovação que ela detém com o Estado. O
investimento empresarial em inovação não depende dos tributos, sob o
enfoque do Estado Empreendedor, mas de avaliação de risco58 e é
exatamente este que é diminuído pelo investimento em pesquisa de base
realizado pelo Estado. Sem a visão de toda a equação de investimento de
risco, ao invés do mútuo benefício do Estado e da empresa no processo de
inovação e consequente aumento da riqueza, pode-se justificar, pelo

56MAZZUCATO, Mariana. The Entrepreneurial State: Debunking Public vs.


Private Sector Myths. London: Anthem Press, 2014, p. 6.
57MAZZUCATO, Mariana. The Entrepreneurial State: Debunking Public vs.

Private Sector Myths. London: Anthem Press, 2014, p. 8.


58MAZZUCATO, Mariana. The Entrepreneurial State: Debunking Public vs.

Private Sector Myths. London: Anthem Press, 2014, p. 23.

28
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

contrário, um processo parasitário, em que a empresa se beneficia do


investimento estatal e ainda se recusa a compensá-lo.
O efeito prático descrito retoma o aspecto central comum aos
Estados Regulador e Empreendedor: ambos propõem ver-se a relação
público-privado como uma relação de apoio recíproco, de convergência e
reforço mútuo. No chamado ecossistema de inovação, a relação entre os
setores público e privado é classificada pelo termo, diga-se de passagem
revelador, simbiose.
A listagem de pressupostos do Estado Regulador cresceu. São
eles: a) o Estado garante dos direitos fundamentais, inclusive a igualdade de
condições competitivas; b) o Estado de intervenção permanente e
simbiótica; c) o Estado Administrativo, por sua apresentação de
agigantamento da função de planejamento e gerenciamento das leis; d) o
Estado legitimado na figura do administrador, do processo de
gerenciamento normativo da realidade ou do espaço público regulador; e) o
Estado de direitos dependentes de sua conformação objetiva em ambientes
regulados; f) o Estado Subsidiário, em sua apresentação de potencialização
da iniciativa privada via funções de fomento, coordenação e fiscalização de
setores relevantes.

1.2.8 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO SOCIAL

Um dos efeitos da análise jurídica da regulação está na


compreensão do Estado Regulador a partir da situação jurídica do particular
frente à produção de poder estatal.
Enquanto no Estado-Polícia, ao particular é reservada a
função jurídica de súdito; no Estado Liberal, a de bourgeois dotado de
atributos oponíveis ao Estado; no Estado Social, a função de beneficiário
utente de serviços públicos estatais definidores da esfera concreta dos seus
direitos fundamentais; no Estado Regulador, o particular é um ator do
ambiente regulatório, partilhando com o Estado a responsabilidade pelo
alcance do interesse público.
O cidadão do Estado Regulador é uma engrenagem essencial e
uma força motriz necessária à implementação do interesse público,
mediante co-participação na prestação de atividades socialmente relevantes.
Ao se utilizar o termo co-participação, procurou-se revelar um
elemento fundamental do Estado Regulador como aquele que valoriza a
cooperação social. Nessa linha de raciocínio, as estruturas institucionais
regulatórias não são somente novos nomes para antigas manifestações

29
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

estatais de gestão de bens e serviços públicos, mas um novo princípio-guia


da atuação pública rumo a galvanizar a cooperação social ao redor do
interesse público.
A regulação adquire, assim, o papel de tradutora universal ou
língua franca de incentivo à convergência de esforços entre os meios social
e político.

1.2.8.1 A TAUTOLOGIA DA INTERNET COOPERATIVA


Um exemplo esclarecedor dessa identidade do Estado
Regulador apoiada no princípio da cooperação social, e que ainda merece
ser apropriada por uma teoria jurídica da regulação, está na compreensão da
internet como uma solução regulatória cooperativa.
Robert Taylor, psicólogo e diretor do Information Processing
Techniques Office (IPTO), no âmbito da Advanced Research Projects Agency
(ARPA), do governo norte-americano, ao se deparar com a dificuldade
experimentada no compartilhamento de meios – in casu, computadores –
essenciais aos pesquisadores e universidades financiadas pela ARPA, propôs
a criação de uma rede de computadores em formato colaborativo. A
internet não surgiu como uma infraestrutura pura e simplesmente de
conexão de computadores, algo já praticado à época por intermédio das
redes telefônicas, mas como um programa de governo voltado a fomentar a
cooperação entre centros de pesquisa para o fim desejado de expansão de
capacidades e competências humanas.59 Não foi suficiente interconectar
computadores; o caráter da internet somente aflorou quando à interconexão
de computadores foi acrescentado o norte de uniformização de linguagem
de conexão para efetiva cooperação dos atores desse novo mundo digital.
A internet é o produto de uma manifestação regulatória por
excelência, mais especificamente de uma agência estatal norte-americana de
regulação do desenvolvimento científico e tecnológico, em que padrões de
comunicação foram produzidos para viabilizarem uma rede de
computadores preexistente, mas à época ainda dependente, para acesso a
cada terminal, de rotinas e comandos distintos.
A ARPANET – antecessora da internet – introduziu a
padronização de comandos para efetivo compartilhamento de
computadores em rede: eis a inovação que mudou o mundo; o

59Vide HAFNER, Katie; LYON, Matthew. Where wizards stay up late: The
origins of the internet. New York: Simon & Schuster, 2006.

30
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

planejamento não-darwiniano de um ambiente de interação cooperativa


entre os atores regulados.
Sob tal perspectiva, somos todos beneficiários dessa regulação,
mas também produtores dela. A regulação é um produto público, mas que
somente rende homenagem à principiologia do Estado Regulador quando
incorpora o norte de fomento de espaços de cooperação social.

1.2.8.2 ARBITRAMENTO E ARBITRAGEM NA REGULAÇÃO


No paradigma do Estado Regulador, as fronteiras das
disciplinas de direito público e privado continuam bem definidas, mas sua
atribuição não se encontra reservada ao poder público. Pelo contrário, é na
figura do Estado Regulador que se avolumam as manifestações jurídicas de
entidades privadas com poderes públicos.60
Também encontra-se inserido na principiologia jurídica do
Estado Regulador o ambiente propício à expansão de mecanismos
autocompositivos e heterecompositivos de conflitos por meio de
compromissos vinculantes privados, que têm sido absorvidos à prática
regulatória setorial como instrumentos de partilha de responsabilidades na
condução do interesse público. Trata-se aqui, em especial, da arbitragem e
de sua distinção conceitual do arbitramento administrativo.
A arbitragem se configura em um método de resolução de
disputas de caráter heterocompositivo voltado à abertura de alternativas de
decisão para além dos jogos de soma zero da teoria dos jogos, em que o
sucesso de uma parte implica, necessariamente, a derrota da outra parte. O
âmbito de aplicação da arbitragem resume-se a litígios relativos a direitos
patrimoniais disponíveis (art. 1º, da Lei 9.307/96) e decorre de acordo entre
partes ou de imposição regulatória ou legal.61
De outra parte, o arbitramento comum na prática regulatória é
um processo administrativo de resolução de disputas, que, enquanto tal,
caracteriza-se como o modo normal de atuação estatal via manifestação
processual administrativa no uso de competência administrativa expressa

60Vide GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos.


Coimbra: Almedina, 2005.
61Vide COIMBRA, Artur. O papel do órgão regulador na resolução de disputas entre

operadoras de telecomunicações: a arbitragem e a mediação à luz das experiências japonesa, inglesa


e americana. In: Revista de Direito, Estado e Telecomunicações 1(1): 111-159,
2009.

31
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

em lei, constituindo-se em requisito à produção de atos administrativos


pertinentes à solução de litígios perante a Administração Pública.
Enquanto o arbitramento administrativo admite, como regra,
pedido de reconsideração administrativa e, em qualquer caso, recurso amplo
ao Judiciário sobre forma e mérito do ato administrativo, que deve respeitar
o contraditório e a ampla defesa devido a seu enquadramento na hipótese
de situações de litígio do art. 5º, LV da Constituição Federal de 1988, a
arbitragem está apoiada em características próprias, umas mais ou menos
distantes dos requisitos funcionais de um processo administrativo de
resolução de disputas, quais sejam: a) ampla participação das partes no
procedimento arbitral; b) maior autonomia na definição do procedimento
do juízo arbitral; c) exigência de prévia aquiescência das partes para
constituição de cláusula compromissória; d) definição dos árbitros por
indicação das partes, exceto no caso de compromisso arbitral fixado por
sentença judicial; e) sigilo das informações trazidas ao juízo arbitral; f)
limitação da matéria passível de arbitragem a direitos patrimoniais
disponíveis; g) imposição de tentativa de conciliação prévia; e finalmente h)
o caráter mais distintivo de todos, a inadmissibilidade de recurso revisional
de mérito à esfera administrativa ou judicial.
Fartas são as hipóteses de arbitramento administrativo na
prática regulatória. Basta citar, por exemplo, o caso de arbitramento inter-
setorial decorrente de normatização conjunta da ANATEL, ANEEL e
ANP. O Regulamento Conjunto de Resolução de Conflitos das Agências
Reguladoras dos Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo,
aprovado pela Resolução Conjunta nº 2, de 27 de março de 2001, prevê a
criação de Comissão Permanente de Resolução de Conflitos das Agências
Reguladoras, disciplinando o processo de resolução administrativa de conflitos sobre
compartilhamento de infraestrutura dos setores envolvidos. A distinção
entre o processo administrativo de resolução de disputas e a arbitragem foi
expressamente fixada na terminologia utilizada quando da consulta pública
referente ao Regulamento em questão, que se utilizou da distinção entre
arbitragem civil e processo administrativo de resolução de disputas para especificar o
escopo da regulamentação submetida à consulta pública, qual seja,
exclusivamente o processo administrativo, excluída a arbitragem civil. A Lei
13.575, de 26 de dezembro de 2017, por sua vez, que cria a Agência
Nacional de Mineração (ANM), trata do arbitramento administrativo ao
atribuir competência à ANM para decidir sobre conflitos entre os agentes da
atividade de mineração (art. 2º, XIV da Lei 13.575/2017) e para dispor sobre os
procedimentos a serem adotados para a solução de conflitos entre agentes
da atividade de mineração, com ênfase na conciliação e na mediação (art.
17, caput da Lei 13.575/2017).

32
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

Um exemplo internacional serve para esclarecer que a


distinção não se restrinje ao direito brasileiro. A diretiva europeia
2002/21/EC, no seu art. 20, parágrafo 2º, define que o dever das autoridades
reguladoras de redes e serviços de comunicação eletrônica de decidirem sobre disputas do
setor via arbitramento administrativo pode ser afastado pela normatização
dos Estados-partes se for detectada a possibilidade de arbitragem ou
mediação da questão ao alcance das partes. Se, todavia, a mediação ou
arbitragem não solucionarem a disputa em até quatro meses, a autoridade
reguladora local deve se comprometer a decidir a questão, fazendo uso de seu poder
de arbitramento administrativo.
Não tão fartas na regulamentação, embora presentes em nível
de cláusulas de contratos de concessões de diversos setores, são as
previsões de instalação de juízos arbitrais em dois formatos bem distintos:
a) o juízo arbitral em que o poder público figura como árbitro, por meio do
órgão regulador correspondente; b) o juízo arbitral em que o poder público
figura como parte, por meio do compromisso arbitral firmado entre órgão
regulador e entidade regulada.62
A previsão normativa de incorporação de agência reguladora
na função de árbitra não é incomum e visa, basicamente, introduzir um
método de resolução de disputas mais aberto e participativo para questões
até então exclusivamente definidas pelo método tradicional de processo
administrativo de solução de disputas entre prestadores de serviços
regulados ou entre eles e os usuários dos serviços.
Muito mais delicada é, entretanto, a inserção de um órgão
regulador como parte em juízo arbitral envolvendo disputas entre o próprio
órgão regulador e prestadores de serviços por ele regulados. De imediato,
os princípios de direito público de indisponibilidade do interesse público,
irrenunciabilidade de competência administrativa (art. 11, da Lei 9.784/99) e
indelegabilidade de edição de atos de caráter normativo, de decisão de recursos
administrativos e de matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade (art. 13,
da Lei 9.784/99), surgem como obstáculos à definição da matéria que pode
ser atingida por cláusula compromissória arbitral.
Não obstante tais limitações de ponto de partida, tanto a
prática de cláusulas compromissórias em contratos de concessão, quanto a
avialiação doutrinária e jurisprudencial favorável à arbitragem dentro de
certos limites é inquestionável na experiência jurídica brasileira.

62Vide SANTIAGO, Rafael da Silva. Arbitragem e regulação: uma análise da aplicação do


juízo arbitral no setor de telecomunicações. In: Revista de Direito, Estado e
Telecomunicações 6(1): 177-230, 2014.

33
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Para justificar a presença de cláusulas compromissórias


arbitrais em contratos de concessão de prestação de serviços públicos,
parte-se da distinção do direito administrativo clássico entre atividades
administrativas de autoridade versus atividades administrativas de gestão
patrimonial. Enquanto para as atividades de autoridade na prestação de
serviços públicos não cabe qualquer tipo de negociação para composição de
conflitos via juízo arbitral, para as consequências ou repercussões
patrimoniais dos atos administrativos manifestantes do poder de autoridade
estatal, o juízo arbitral tem sido aceito.
Assim, o primeiro requisito para a introdução de cláusula
compromissória arbitral em contratos de concessão está na delimitação de
seu escopo para repercussões patrimoniais abarcadas pelas cláusulas
econômico-financeiras do contrato. Há quem, inclusive, argumente pela
exigência de cláusula compromissória arbitral em contratos de concessão63,
mediante aplicação do art. 25, XV, da Lei 8.987/95, que prevê, dentre as
cláusulas essenciais do contrato de concessão, o foro e modo amigável de solução
das divergências contratuais.
O entendimento jurisprudencial em tribunais recursais
estaduais de validade das cláusulas compromissórias e compromissos
arbitrais em contratos de concessão, tendo como parte, o órgão regulador
titular do poder concedente, não é recente, mas somente em 2011, o STJ,
por sua 3ª Turma, decidiu, para além de reconhecer a legalidade de cláusula
compromissória arbitral em contratos de concessão para disputas entre o
concessionário e o próprio poder concedente, também firmar o
entendimento de que a ausência de previsão de arbitragem no edital de
licitação ou no contrato de concessão consequente não invalida
compromisso arbitral posteriormente firmado entre a concessionária e o
poder concedente.64
Pinçando-se um exemplo do setor de telecomunicações que
evidencia a aderência entre a normatização setorial e a possibilidade jurídica
de arbitragem entre concessionária e órgão regulador, a Resolução
ANATEL nº 341/2003 e a resolução para o quinquênio seguinte dos
contratos de concessão de telefonia, a Resolução ANATEL nº 552/2010,
que aprovam modelos de contrato de concessão do Serviço Telefônico Fixo

63Vide LEMES, Selma Maria Ferreira. Arbitragem na Concessão de Serviços Públicos –


Arbitrabilidade Objetiva. Confidencialidade ou Publicidade Processual? RDM 134:
148-163, abr./jun., 2004.
64BRASIL. STJ. REsp 904.813/PR. Relatora Min. Nancy Andrighi. 3ª Turma.

Julgado em 20/10/2011. DJe 28/02/2012.

34
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

Comutado, criaram capítulos próprios à arbitragem, detalhando os limites


materiais e formais de sua aplicação. No modelo de contrato de concessão
do STFC na modalidade local, a Cláusula 16.2, IV, dispõe sobre o direito da
concessionária de solicitar a instauração de procedimento de arbitragem em
hipóteses do Capítulo XXXIII do contrato. A Cláusula 16.12, parágrafo
único, por sua vez, possibilita lançar-se mão de pedido de arbitragem para
cumprimento de dever de interconexão da rede da concessionária por parte
de serviço de interesse coletivo. Finalmente, o Capítulo XXXIII do
contrato detalha o requisito de que tenha havido prévia decisão em
processo administrativo próprio com a qual a concessionária quedou
inconformada. O mesmo capítulo impõe a instalação de Tribunal Arbitral,
exceto se comprovado não se tratar de matéria autorizada para esse fim, ou
seja, desde que diga respeito à (Cláusula 33.1): violação do direito da
concessionária à proteção de sua situação econômica; revisão das tarifas; ou indenizações
devidas quando da extinção do contrato de concessão, inclusive quanto aos bens revertidos.
Ainda, o Capítulo XXXIII, em sua Cláusula 33.3, define a composição do
Tribunal Arbitral com dois membros efetivos e suplentes indicados pelo
Conselho Diretor da ANATEL, desde que não pertencentes aos quadros da
Agência, dois membros efetivos e suplentes indicados pela concessionária
dentre pessoas não empregadas por ela e um membro efetivo e suplente
indicado pelos próprios membros acima. Finalmente, a Cláusula XXXIII,
em diversos momentos, refere-se, expressamente, à aplicação da Lei
9.307/96, a Lei da Arbitragem.
Com isso, mesmo no campo tradicional da decisão
administrativa, parcela das questões antes exclusivamente tratadas em
processo administrativo de resolução de disputas, têm colhido a
contribuição dos próprios interessados na composição do litígio ou
concordância na sua heterocomposição via arbitragem.

1.2.8.3 POLÍTICA DE PD&I E REGULAÇÃO


Outra repercussão do reposicionamento do cidadão no
Estado Regulador encontra-se evidente na política de pesquisa,
desenvolvimento e inovação (PD&I) brasileira, que pode ser traçada como
uma cadeia coerente de produções legislativas que remontam a 1991 (Lei
8.248/91), com reflexos até 2012: Lei do Bem – Lei 11.196/05; Portaria nº
950/06, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Lei 11.484/07,
que instituiu o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da
Indústria de Semicondutores; Lei 12.349/11, sobre preferência aos
produtos desenvolvidos no País; Programa TI Maior, de agosto de 2012;
medidas de normatização secundária e administração implementadas por
órgãos governamentais e agências reguladoras para incentivo à pesquisa e

35
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

desenvolvimento nacional via, e.g., condicionamentos à anuência prévia a


operações societárias de fusão de concorrentes em determinado setor de
atividades relevantes ou via processos licitatórios seletivos de faixas de
radiofrequências condicionadas à aquisição de bens com tecnologia
nacional; acordos de compensação tecnológica, como é o caso dos acordos
offset, visíveis na área da defesa nacional e também conhecidos como
acordos de compensação comercial, industrial e tecnológica, que
acompanham ou devem acompanhar grandes compras governamentais.
Esse apanhado de leis, programas governamentais, e atitudes
regulatórias evidenciam que, no Brasil, pode-se identificar uma política de
PD&I como política de Estado relativamente imune aos dissabores de
políticas de governo.
Dito componente do Estado brasileiro de cerca de 25 anos de
idade, mesmo desprezando-se o reconhecido investimento em PD&I dos
governos militares implementado sob a lógica do Estado Social prestador
de serviços públicos, nos leva a ver um diferencial do Estado Regulador de
valorização da participação dos atores setoriais na construção do bem
público. O uso de alavancas regulatórias para estímulo ao
investimento por parte de empresas revela não somente a escolha da
regulação por incentivos, quanto a incorporação dos atores setoriais nas
fileiras de heróis do desenvolvimento em flagrante reconhecimento do
cidadão regulatório como cidadão partícipe da administração das leis.
Tal como ocorre com a inserção da arbitragem no meio
regulatório, a regulação orientada a estimular o particular rumo ao interesse
público na seara da PD&I também se apropria do esforço de atores
setoriais para somar ao esforço estatal de proteção dos direitos
fundamentais em ambientes regulados.
Com isso, os espaços antes reservados à técnica são
politizados, no bom sentido – porque não submissos a decisões políticas
desprovidas de conhecimento técnico –, inserindo-se a opção pelo rumo do
desenvolvimento de ciência e tecnologia no arsenal de participação
democrática e decisão política.
A listagem de pressupostos do Estado Regulador foi, com
isso, incrementada. São eles: a) o Estado garante dos direitos fundamentais,
inclusive a igualdade de condições competitivas; b) o Estado de intervenção
permanente e simbiótica apoiado no estímulo à cooperação público-
privada; c) o Estado Administrativo, por sua apresentação de
agigantamento da função de planejamento e gerenciamento das leis; d) o
Estado legitimado na figura do administrador, do processo de
gerenciamento normativo da realidade ou do espaço público regulador; e) o

36
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

Estado de direitos dependentes de sua conformação objetiva em ambientes


regulados; f) o Estado Subsidiário, em sua apresentação de potencialização
da iniciativa privada via funções de fomento, coordenação e fiscalização de
setores relevantes.

1.2.9 O FENÔMENO DA REGULAÇÃO E SEU SIGNIFICADO


O leitor se depara, neste ponto, com uma perplexidade: falou-
se de tudo, menos da regulação, que intuitivamente deve compor o rol de
pressupostos do Estado Regulador.
Ela foi deixada para o final, pois a maior dificuldade na
definição de pressupostos do Estado Regulador encontra-se na definição do
seu qualificativo central: a regulação.
Em grande parte, a dificuldade em se tratar da regulação está
em suas diversas acepções. Ferozes são as críticas à percepção da regulação
como uma metáfora derivada de sistemas biológicos ou mecânicos e
entregue às versões mais simplificadas dos mecanismos de controle
utilizados para alterar o curso do sistema regulado rumo à direção desejada.
Peacock, por exemplo, se recente, na história das ideias da teoria
econômica, que modelos de análise de finanças públicas e política fiscal,
quando entregues à concepção dos sistemas de controle biológico e
mecânico, não passariam de metáforas, ao invés de representações de partes
interdependentes de uma realidade observável.65
A proposta deste livro, entretanto, não é a de tomar partido
pró ou contra vertentes metafóricas ou realistas, mas o de evidenciar como
o conceito de regulação bebe de ambas as fontes. Afinal, se a regulação, em
sua acepção mais fundamental66 e, portanto, metafórica, significa um

65Vide PEACOCK, Alan. Public Choice Analysis in Historical Perspective .


Edição de Diego Piacentino. Milano: Cambridge University Press, Raffaele Mattioli
Foundation, 1997, p. 18-19.
66Sueli Dallari sintetiza os usos do termo a partir do século XVIII: “O conceito de

regulação, no século XVIII, está ligado à técnica, expressando um sistema de


comando destinado a manter constante o valor de uma grandeza, quaisquer que
sejam as perturbações que a possam fazer variar, como, por exemplo, o termostato.
No século XIX, ele se difunde pela fisiologia, significando os equilíbrios dinâmicos
do corpo, e, assim, definem-se seus traços essenciais: ‘manter um ambiente
equilibrado; apesar das perturbações exteriores, graças a um conjunto de
ajustamentos’. Seu uso só se dissemina nas ciências sociais, entretanto, durante o
século XX, sob influência do desenvolvimento da cibernética, que implica sempre

37
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

processo de realimentação contínua da decisão pelos efeitos dessa


decisão, reconformando a atitude do regulador em uma cadeia
infinita caracterizada pelo planejamento e gerenciamento conjuntural
da realidade, há diversos elementos conceituais da regulação que
especificam essa noção fundamental. São eles: a) a manifestação da atuação
reguladora como uma atuação de poder político, caracterizando-a como um
projeto de direito público; b) a consciência de que se regula algo que tem
suas próprias leis, e que, portanto, a regulação potencializa as forças da
iniciativa privada em um ambiente parcialmente preexistente e parcialmente
criado pela própria atividade reguladora; c) a finalidade da regulação como o
alcance de um equilíbrio dinâmico das interações dos atores setoriais em
conformidade com um objetivo de interesse geral e não o de mera
potencialização de um mercado regulado pretensamente indiferente ao
contexto dos direitos políticos e sociais circundantes.
A regulação, portanto, é uma força de coerência
sistêmica – de resgate da ordem – quando as contradições internas
em determinado sistema social revelam uma disfuncionalidade. Em
ciências sociais, todavia, a referência ao resgate de um estado de coisas do
passado é frágil devido ao fato de que a história da vida social apresenta-se
como um fenômeno sempre inédito, mas o aspecto da regulação enquanto
força de coerência sistêmica frente a movimentos de estruturação social
considerados disfuncionais em determinado momento histórico não deixa
de ser um conceito tentador.
A definição da regulação como um resultado da
disfuncionalidade de um sistema explica o fenômeno de auto-proclamação67 do
caráter regulador de órgãos e entes estatais e paraestatais. Ela também
explica o alastramento do uso do termo regulação sobre diversas realidades
que, há pouco tempo atrás, sequer se cogitaria qualificá-las como
regulatórias. Hoje, fala-se em regulação para cada vez mais temas antes

um mecanismo de auto-regulação, permitindo aos sistemas organizados corrigir suas


ações por meio das informações sobre seus resultados recebidas do ambiente. É,
então, a teoria dos sistemas que irá se introduzir na teoria das organizações, na
economia, na sociologia, na ciência política e no direito.” (DALLARI, Sueli. Direito
Sanitário. p. 57-58. In: ARANHA, M. I. (org.). Direito Sanitário e Saúde Pública.
Vol. I, Brasília: Ministério da Saúde, 2003, p. 39-64).
67Vide AUTIN, J. L. Refléxions sur l’usage de la régulation en droit publique. In: MIAILLE,

M. La régulation entre droit et politique. Paris: L’Harmattan, 1995.

38
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

alheios à terminologia regulatória68, tais como pesticidas agrícolas, pesquisas


com embriões, mercado financeiro, ordenamento territorial, uso do
espectro, posições orbitais, profissões, comercialização de hemoderivados,
exploração petrolífera, infraestrutura aeroportuária, comércio eletrônico,
patrimônio cultural, enfim, uma miríade de tópicos que se apropriam da
linguagem regulatória para o exercício de uma função que se justifica no
paradigma do Estado Regulador.
O certo é que o conceito de regulação detém diversos
significados a depender do ramo do conhecimento científico que o utiliza.
A economia, mesmo em estudos mais recentes, costuma apresentá-lo em
seu formato restritivo, como um mecanismo não-financeiro de imposição
de limitações ou modificações da atividade dos agentes econômicos para o
cumprimento de políticas públicas governamentais, ora se apresentando
segundo sua exteriorização dura (hard regulation), mediante imposição de
comportamentos sobre a atividade econômica e ameaças de sanções, ora
tomando a forma de diretrizes não compulsórias (soft regulation) obtidas por
meio de acordos, códigos de conduta ou boas práticas despidos de
penalidades.69 Já se deixou claro mais acima que a abordagem jurídica da
regulação é mais abrangente que a econômica e, embora não despreze,
também não se restringe ao espaço da atividade econômica. Não se pode
deixar de reconhecer, entretanto, que é na atividade econômica que a
regulação revela sua manifestação mais visível.
A regulação de mercados como uma “forma jurídica de
engenharia social”70 não é novidade como lembra Ogus ao analisar o
período Tudor e Stuart na Inglaterra, bem como na alegação de Geoffrey
Elton, em seu clássico livro de 195371, de que Thomas Cromwell (séc. XVI)
teria sido o inaugurador do governo burocrático moderno.

68Afirmando que “a linguagem e a prática da regulação têm ingressado, nas últimas


três décadas [1980, 1990 e 2000], na linguagem da política pública, do direito e da
economia” (BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. (org.). Regulation:
The Field and the Developing Area, p. 3-16. In: The Oxford Handbook of
Regulation. Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 4).
69Vide PEACOCK, Alan; RIZZO, Ilde. The Heritage Game: Economics,

Policy, and Practice. Oxford: Oxford University Press, 2008, p. 145.


70OGUS, Anthony I. Regulatory Law: Some Lessons from the Past. In: Legal Studies

(London) 12(1): 1-19, 1983, p. 1.


71Vide ELTON, Geoffrey Rudolph. The Tudor Revolution in Government:

Administrative Changes in the Reign of Henry VIII. Cambridge: Cambridge


University Press, 1953.

39
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Na mesma linha de pensamento, o uso de contratos, termos,


planejamento e acompanhamento administrativo remonta, na tradição
brasileira, à valorização do serviço público dos clássicos do serviço público
francês. O norte de planejamento e gerenciamento, contudo, assim
encarado como característica central da atuação de poder, é o que faz da
regulação, hoje, um termo onipresente. A regulação não se contenta com o
governo pelas leis; ela exige o compromisso público pela administração das
leis pari passu. O diferencial da regulação de hoje está nos seus
pressupostos, que ampliaram sua amplitude, alcançando mais do que os
comandos jurídicos destinados a evidenciar quando uma atividade regulada
tornou-se disfuncional – a metáfora da regulação como um sinal vermelho
– para encarnar o conjunto interdisciplinar de planejamento e
gerenciamento conjuntural de atividades de interesse geral – o poder
público como partícipe do setor regulado – ambientadas nos pressupostos
do Estado Regulador, ou seja, na era do Estado Regulador.
É bem verdade que os conceitos muitas vezes se misturam,
quando, por exemplo, a crítica ao Estado Dirigista, Socialista ou
proprietário dos meios de produção toma o termo ‘planejamento’ como
próprio desse formato estatal em que a resposta às demandas sociais
adquire o formato da estatização. Essa identificação entre planejamento
econômico e estatização dos meios de produção foi ambientada na
memória ainda recente dos anos 1990, que identificava a planificação
econômica com o regime comunista do bloco soviético e resultou na
percepção maniqueista entre Estado e mercado, em que o mercado passava
a ser visto como uma entidade desligada do Estado, ao invés de um seu
produto.72 Estudos inaugurais do Estado Regulador com esse viés de
identificação do qualificativo do ‘planejamento’ com aquele Estado apoiado
na estatização dos setores produtivos não são incomuns.73 Afora a
apropriação indevida do conceito de planejamento ao de Estado Socialista,

72VideBEVIR, Mark; TRENTMANN, Frank (org.). Markets in Historical


Contexts: Ideas and Politics in the Modern World. Cambridge: Cambridge
University Press, 2004.
73A afirmação transcrita a seguir é um exemplo desse uso indevido do termo

‘planejamento’ como sinômino de um formato estatal superado pelo Estado


Regulador: “Privatization and deregulation have created the conditions for the rise of the
regulatory state to replace the dirigiste state of the past. Reliance on regulation – rather than public
ownership, planning or centralized administration – characterises the methods of the regulatory
state.” (MAJONE, Giandomenico. The Rise of the Regulatory State in Europe. In: West
European Politics 17(3): 77-101, Julho de 1994, p. 77.)

40
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

algo negado pela extensa literatura do Estado Social e Democrático de


Direito, o qualificativo ‘planejador’ é hoje inafastável do Estado Regulador.
A regulação assimila a qualidade do ‘planejamento’ estatal não
como ideologia, mas como método, ou melhor ainda, como tecnologia;
como forma de expressão humana criativa oriunda da relação do ser
humano com a natureza.74 Enquanto tecnologia, a regulação é uma forma
de produção da existência social dependente de um projeto humano de
acompanhamento conjuntural dos sistemas sociais. Assim entendida, a
regulação seria melhor definida como uma tecnologia social de sanção
aflitiva ou premial orientadora de setores relevantes via atividade
contratual, ordenadora, gerencial ou fomentadora.
A literatura apontada como inaugural do olhar estatal
regulador é vasta e multifacetada.75 Em seu núcleo de significado, a
regulação não exige, nem dispensa a ideia de agências reguladoras e menos
ainda a de agências reguladoras independentes. A identidade entre a
regulação e tais estruturas estatais das agências reguladoras ocorreu
mediante a interdependência construída pela literatura do século XX e
início do século XXI entre regulação e Estado Regulador, em que foi
acoplado à definição de regulação o meio ou veículo de mediação entre o
ser político e o setor regulado76 inaugurado pela prática institucional

74Vide PINTO, Álvaro Vieira. O conceito de tecnologia. Vol. I, Rio de Janeiro:


Contraponto Editora, 2005.
75Moran elenca os principais autores e obras inaugurais do Estado Regulador que

utilizam o linguajar da ciência política. Em seu estudo, a regulação, em sua dimensão


de história institucional, é definida como uma “tecnologia administrativa de controle
de negócios por intermédio de agências especializadas e apoiadas em leis específicas
em oposição ao controle via técnica de propriedade estatal” (MORAN, Michael.
Review Article: Understanding the Regulatory State. In: British Journal of Political
Science 32: 391-413, 2002, p. 392).
76As agências são um “bem de produção de ordem superior”, na terminologia de

Vieira Pinto (PINTO, A. V., op. cit., p. 112). Elas produzem bens de produção de
ordem elementar de controle e incentivo de setores da economia. Ao se identificar a
agência reguladora como um bem vital a setores da economia, opta-se, na lógica
regulatória, por uma das manifestações da libertação humana à medida que o
processo histórico de constituição das agências reguladoras lhes imprime com o
esforço material e mental necessário à sua institucionalização. As agências são
mediações entre o ser humano e sua contradição natural para alteração da realidade
via esse engenho humano. Assim, as agências são essenciais para a regulação
moderna pois se constituem na configuração histórico-institucional de como, no

41
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

americana. A íntima relação entre a construção conceitual da regulação e a


história institucional do Estado Regulador dos modelos estadunidense e
europeu permite falar-se de momentos regulatórios.
Em síntese, o termo regulação, entendido em seu cerne como
um processo de administração de sistemas sociais mediante
retroalimentação contínua, foi transparecido, incialmente, em comandos
estatais de controle sobre a conformação e os resultados da iniciativa
privada para, a partir do processo de desregulação das décadas de 1970 a
1990, expressar, hoje, modos de regulação mais efetivos, mediante
instrumentos de planejamento racional da atividade reguladora por vários
canais, tais como a aplicação de métodos de controle menos restritivos e
baseados em incentivos, a aplicação de administração de riscos às questões
regulatórias, a aplicação de técnicas de análise de custo-benefício e de
impacto regulatório, ou mesmo a aplicação de uma perspectiva minimalista
de auditagem de controles regulatórios internos às empresas, de auto-
regulação ou mesmo de exclusiva homenagem a incentivos de mercado.
A regulação, portanto, parte de sua configuração original de
ideia programática inscrita em um sistema automático de retroalimentação e
controle para se apresentar hoje como uma tecnologia de governo de
sistemas sociais, que pode estar sediada em órgãos estatais – a regulação
por excelência do Estado Regulador –, em mecanismos internos de controle
empresarial – a meta-regulação, em que o Estado audita os regimes de
controle interno das empresas –, em mecanismos institucionais privados –
auto-regulação –, no vencedor do jogo político entre os atores setoriais – o
livre mercado – ou, finalmente, em uma composição de tais opções.
Embora se possa chegar a um consenso sobre o significado da
regulação, não por isso pode-se chegar a um consenso sobre sua orientação.
Em outras palavras, ao se definir regulação, ainda resta saber-se como ela se
manifesta nos diversos espaços geográficos, momentos históricos ou
setores regulados. Enquanto fenômeno, a regulação é um ser multifacetado,
como a legislação e a jurisdição, que, conquanto definidas com certa
segurança, manifestam-se de forma distinta de acordo com sua composição
e ideário.
A compreensão de que o conceito informador da regulação
até aqui esmiuçado não esgota a manifestação da regulação no seu dia-a-dia,

Estado Regulador, a sociedade optou por mediar sua relação com setores da
economia.

42
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO REGULADOR

que depende de um estudo biográfico de quem assume o leme das


instituições regulatórias, é alentador, pois permite vermos formas distintas
da prática regulatória geral – concorrência, consumo, trabalho – e setorial –
saúde, educação, transportes, telecomunicações, recursos naturais etc –
manifestadas sob a mesma tradição regulatória – sistema de
acompanhamento conjuntural sensível às respostas do sistema
regulado.
Por isso, nem todos os setores relevantes comportam
estruturas regulatórias em determinado país e a regulação varia no espaço e
no tempo onde ela existe. A operacionalização regulatória e sua irmã gêmea,
a identidade biográfica do regulador, também contribuem para a
manifestação de uma regulação caracterizada por aspectos prevalecentes.
Ora a regulação promove prioritariamente a publicidade dos procedimentos
regulatórios, ora a proteção da indústria incumbente, ora a limitação dos
monopólios e oligopólios, ora a defesa da tríade consumidor-trabalho-meio-
ambiente, ora a legitimidade da ordem capitalista, mas todos esses aspectos
estão presentes na ideia de regulação, aguardando o momento certo para
ocuparem o procênio.
A constatação de que a manifestação regulatória é variada,
mesmo quando apoiada em um conceito relativamente uniforme, é um
sintoma encorajador ao revelar que o móvel das instituições regulatórias – o
ser humano e suas opções – é decisivo para a caracterização do modelo
regulatório. Como afirma McCraw, a regulação é imprevisível porque
influenciada por fatores externos de história das ideias, das biografias e do
substrato econômico da atividade regulada.77
O certo é que o conceito de regulação é um pressuposto do
Estado Regulador, que, sinteticamente se apoia: a) no Estado garante dos
direitos fundamentais, inclusive a igualdade de condições competitivas; b)
no Estado de intervenção permanente e simbiótica; c) no Estado
Administrativo, por sua apresentação de agigantamento da função de
planejamento e gerenciamento das leis; d) no Estado legitimado na figura
do administrador, do processo de gerenciamento normativo da realidade ou
do espaço público regulador; e) no Estado de direitos dependentes de sua
conformação objetiva em ambientes regulados; f) no Estado Subsidiário,
em sua apresentação de potencialização da iniciativa privada via funções de
fomento, coordenação e fiscalização de setores relevantes; e g) no conceito
de regulação como processo de realimentação contínua da decisão pelos

77VideMcCRAW, Thomas K. Prophets of Regulation. Cambridge, MA: Harvard


University Press, 1984.

43
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

efeitos dessa decisão, reconformando a atitude do regulador em uma cadeia


infinita caracterizada pelo planejamento e gerenciamento conjuntural da
realidade.

44
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

Parte II

TEORIA JURÍDICA DA
REGULAÇÃO

45
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

46
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

2.1 INTRODUÇÃO
O fenômeno regulatório detém diversas facetas visíveis ou
invisíveis segundo a teoria que procure explicá-lo. Ele pode estar apoiado
ora em movimentos reguladores estatais, ora em autorregulação privada, ora
em uma composição de regulação organizacional – aquela advinda de atores
do mercado regulado – e institucional – aquela advinda de regras do jogo
tanto formais, como leis e contratos, quanto informais, como limitações
culturais.78
A regulação de contratos futuros de commodities é um
exemplo da incomum reunião dos tipos regulatórios organizacional e
institucional em uma mesma pessoa jurídica de direito privado: a
BM&FBOVESPA.79 Ela atua, no Brasil, tanto como organização
interessada no mercado de contratos futuros, quanto como instituição
produtora de regras para o mesmo mercado. Ao utilizarmos os conceitos de
regulação organizacional e institucional, passamos a entender o diferencial
do modelo de regulação de contratos futuros em face de outros espaços
regulados. Sem essa diferenciação entre regulação organizacional e
institucional, não conseguiríamos sequer formular, em palavras, a diferença
entre a regulação produzida pela BM&FBOVESPA e a produzida por
autarquias reguladoras, como a ANATEL, ANEEL, ANP, ANA, entre
outras. A escolha por uma teoria de regulação traz consigo um manancial de
conceitos como os de regulação organizacional e institucional elaborados
para identificação de aspectos relevantes à forma de ver a regulação própria
de cada teoria.
Por isso, a compreensão das teorias regulatórias é fundamental
para não somente identificarmos caminhos recomendados e testados para
serem seguidos, como também para ressaltarmos ou obscurecermos
aspectos regulatórios. A teoria serve ao fim de nos dar foco, como fazem os
astrônomos ao analisarem corpos celestes próximos a estrelas, cobrindo-as,
para que elas não ofusquem o objeto de análise. Cada teoria regulatória
cobrirá uma parte do fenômeno regulatório e, por decorrência, revelerá

78Utilizam-se, aqui, os conceitos de instituição e organização conforme: NORTH, D.


C. Institutions, institutional change and economic performance: Political
economy of institutions and decisions. Cambridge: Cambridge University Press,
1990.
79Vide SILVA, Felipe Morelli da. Especulação no mercado futuro de commodities agrícolas e o

papel da regulação governamental e da autorregulação da BM&FBOVESPA. Revista de


Direito Setorial e Regulatório, v. 1, n. 1, maio de 2015, p. 239-262.

47
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

com maior intensidade outras dimensões do mesmo fenômeno. O bom


pesquisador reconhece que as virtudes de uma teoria carregam consigo
vícios próprios ao recorte do objeto de análise.

2.2 MÉTODO JURÍDICO-REGULATÓRIO:


COERÇÃO EXTRÍNSECA VERSUS INTRÍNSECA
E OS CONCEITOS DE GOVERNO,
GOVERNANÇA E CONFORMIDADE
O primeiro passo para compreensão de uma teoria está em
identificar-se o método que ela trilha para iluminar o objeto de análise.
A procura por um método pressupõe saber-se a natureza do
objeto pesquisado: a regulação, como objeto metodologicamente
endereçado, dirige os métodos possíveis de seu esclarecimento a partir de
sua natureza; se é percebida como uma forma de afirmação da força por
coerção extrínseca, ou como uma forma de diálogo e compromisso
intrínseco. Por isso, é fundamental compreender-se a distinção entre as
percepções do direito como coerção extrínseca ou intrínseca.
Para teorias apoiadas na percepção do direito como coerção
extrínseca, ele – o direito – somente se realiza quando descumprido. À
primeira vista, pode parecer um contrassenso que, para uma vertente da
teoria jurídica, o comportamento humano distoante da previsão normativa
seja o principal pressuposto para a identidade do caráter normativo do texto
positivado. Em outras palavras, a ausência de conformidade do
comportamento individual às normas afirmaria a identidade própria ao
direito, pois este somente seria visível e manifestado quando da coerção
externa – leia-se, estatal – sobre o comportamento individual desviante.
É como se o comportamento desviante da previsão normativa
fosse desejado para reforço da existência da norma, pois ela e o direito,
como ser institucional, somente se afirmariam pelas condutas contrárias à
prescrição normativa justificadoras do uso da coerção extrínseca como
privação daquilo que o ser humano mais valoriza. Atente-se para o fato de
que para as teorias jurídicas que exaltam a sanção, a mesma crítica se aplica:
quando a sanção é tida como essencial, significa dizer que o
descumprimento da norma é desejado pelo Estado não no sentido de que o
Estado incentivará ostensivamente a prática de atos ilícitos, mas no sentido
de que a afirmação do direito somente será perceptível quando da existência
do ato ilícito. O Estado, no paradigma da coerção extrínseca, estará
diuturna e incessantemente à procura de mais ilícitos para afirmar a norma

48
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

jurídica por intermédio de sua única manifestação perceptível: a sanção. O


Estado estará à procura do ilícito, sabedor de que o ilícito justifica a própria
existência estatal e dos servidores públicos que o movimentam. O Estado e
seus arautos de coerção extrínseca são constantemente atraídos por essa
força sombria que afirma seu poder.
Uma visão predominantemente positivista – ou para alguns,
normativista – de que o direito somente se afirmaria por sua negação e
consequente manifestação como coerção extrínseca é responsável pela
dificuldade dos juristas de hoje de verem para além da sanção, temendo pela
extinção do direito caso ela deixe de ser a primeira linha de ação, ou mesmo
única, ao descumprimento da norma. Os maiores inimigos da transição de
uma visão jurídica restritiva do direito e dependente da pureza da sanção
como seu instrumento de excelência para estratégias regulatórias mais
abrangentes e efetivas são os próprios servidores públicos. O esforço da
Agência Nacional de Aviação Civil, via Resolução ANAC nº 472, de 6 de
junho de 2018, em transitar para um espaço de menor dependência da
coerção extrínseca, liberando seus servidores da obrigação de abertura de
processos punitivos para cada irregularidade em prol de providências
administrativas preventivas, com o objetivo de estimular o retorno ao cumprimento
normativo de forma célere e eficaz foi confrontado por vozes da própria casa que
passaram a denominar aquela resolução de enforcement pelo termo pejorativo
enfraquecement. A piada é boa, mas revela o quão arraigada é a compreensão
do direito como dependente do ilícito e da sanção, como se o poder público
buscasse evitar a adoção de estratégias que efetivamente alterassem o
comportamento do regulado para que nunca falte um manancial de ilícitos
nutridores da razão de ser do Estado.
Assim, a relação entre norma, constrangimento normativo
(enforcement), conformidade à norma (compliance) e coerção é um passo
necessário para a desmistificação da sanção, sem que ela, por óbvio, seja
afastada das opções regulatórias, como importante técnica regulatória que é.
Mais especificamente, interessa saber a relação entre a conformidade
regulatória e a coerção extrínseca e intrínseca. Essa relação passa pela
compreensão das acepções do termo governança e conformidade, bem
como pela tendência contemporânea de migração das escolas de direito de
uma abordagem tradicional para novos regimes inovadores de regulação.80

80
LOBEL, Orly. The Renew Deal: The Fall of Regulation and the Rise of
Governance in Contemporary Legal Thought. Minnesota Law Review, v. 89, p.
342-470, 2004.

49
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

A conformidade à norma, festejada em sua versão anglicana


de compliance, quando referida à atividade de regulação, detém um
significado inequívoco de uma miríade de respostas comportamentais de
indivíduos e empresas às formas de controle estatal de atividades
relevantes.81 Pode-se dizer que a conformidade à regulação é o resultado da
relação entre a administração estatal da atividade empresarial – regulação
governamental – e a operacionalização da atividade empresarial pela própria
empresa – governança empresarial.
De um lado, o Estado administra as leis produzindo normas
regulamentares em geral – government regulations –, opta pelo Estado
Regulador, ao privilegiar a administração apoiada em regras – rule-based
governance –, ao invés de se resumir a funções macroeconômicas de
tributação ou redistributivas de gastos públicos82 e, finalmente, implementa
modelos de governo regulatório83 – regulatory government –, também
chamados de regulação no governo – regulation inside government –,84 ou,
ainda, privilegia modelos de regulação predominantemente descentralizada
e apoiada em comunidades normativas presentes no ambiente regulado via
governança regulatória – regulatory governance.
De outro lado, tem-se a empresa, seja ela estatal ou não,
organizando processos, sistemas e controles segundo orientações de
governança empresarial – corporate governance –, com objetivos diversos, entre
eles, o de satisfazer as expectativas de investidores internacionais,85 o de
pura eficiência econômica às expensas de considerações éticas ou o de
sistemático diálogo entre ética e objetivos empresariais de mercado.86
Ambos os polos de governo e governança participam da
vida da empresa sob enfoques distintos: o enfoque governamental de

81
PARKER, C.; NIELSEN, V. L. Explaining Compliance: Business Responses
to Regulation. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2011.
82
MAJONE, Giandomenico. The Rise of the Regulatory State in Europe. West
European Politics, v. 17, p. 77-101, 1994.
83
CROLEY, Steven P. Regulation and Public Interests: The Possibility of
Good Regulatory Government. Princeton: Princeton University Press, 2008.
84
MINOGUE, Martin; CARIÑO, Ledivina (Eds.). Regulatory Governance in
Developing Countries. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2006, p. 3.
85
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Guidance on Good Practices in
Corporate Governance Disclosure. New York/Genebra: United Nations
Publication, 2006.
86
ZIMMERLI, Wlahter Ch.; RICHTER, Klaus; HOLZINGER, Markus. (Eds.).
Corporate Ethics and Corporate Governance. Berlin/Heidelberg: Springer,
2007.

50
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

administração extrínseca da vida empresarial, seja por normas gestadas no


seio estatal ou garimpadas em normas do modelo de negócios regulados; e
o enfoque empresarial de operacionalização intrínseca de sua própria
vivência.
Governança regulatória e governança empresarial são,
portanto, termos que representam momentos distintos de afirmação da
governança como método de governo de organizações empresariais
mediante técnicas regulatórias apoiadas na participação do regulado para
alcance do interesse público – governança regulatória – ou de organização
de processos, sistemas e controles movidos pelo interesse empresarial –
governança empresarial.
O significado da governança regulatória é variável, mas sua
característica fundamental está na necessidade de que os próprios afetados
por um tipo de regulação apoiada em variáveis situadas fora das normas
jurídicas presentes em comunidades normativas para além do Estado
exercitem, em maior grau, habilidades colaborativas e assumam a
responsabilidade por seus atos, configurando o modelo de governança
regulatória descentralizada.
Há quem defenda, por exemplo, que a governança regulatória
seria uma característica diferencial do Estado Regulador, quando este opta
por abordagens regulatórias apoiadas em outros sistemas normativos que
não somente o estatal, o que justificaria falar de uma governança regulatória
em vários níveis – multi-level governance.87 Como consequência, ao se defender
a governança regulatória, trata-se de estilo regulatório para além do
comando e controle, pois foge à compreensão da regulação como atividade
intencional de controle oriunda do Estado pelo uso de regras jurídicas
apoiadas em sanções.
O significado da conformidade regulatória – regulatory
compliance – costuma estar associado ao de constrangimento normativo –
enforcement –, entendendo-se o compliance regulatório como justificativa e
parâmetro para os atos estatais de constrangimento do particular. O
objetivo que se busca, todavia, é usualmente ambíguo, seja ele o de alcance
de objetivos da coletividade ou de cumprimento de disposições normativas
regulatórias.88 Adota-se, aqui, a solução abrangente de se considerar o

87
KING, Roger. The Regulatory State in an Age of Governance: Soft Words
and Big Sticks. Houndsmills, Basingstoke, Hampshire, UK: Palgrave
Macmillan, 2007.
88
YEUNG, Karen. Securing Compliance: A Principled Approach. Oxford: Hart
Publishing, 2004, p. 11.

51
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

compliance regulatório como inclinado tanto à satisfação de interesses sociais


em geral, quanto para o cumprimento de comandos normativos
específicos.89
Quando se parte da ideia de governança empresarial, a
regulação se transforma em um objeto de estratégia de negócios. A relação
entre governança e regulação advém, nesse caso, da necessidade de se
orientar o comportamento empresarial rumo ao cumprimento ou não de
regras regulamentares mediante o chamado compliance regulatório, como um
dos pilares estratégicos de administração empresarial do trinômio
governança-risco-compliance, mais especificamente, no que se refere ao
risco operacional. Sob o enfoque da governança empresarial, o compliance
regulatório consiste em estratégia empresarial frente às constrições
regulatórias medida por uma análise de risco sobre a aplicação da
regulamentação estatal.
Quando, por outro lado, se parte da ideia de governança
regulatória, a regulação toma a forma de um modelo também estratégico,
mas agora voltado ao alcance do interesse público mediante medidas
governamentais que procuram incrementar o nível de compliance do
particular, mediante reforço dos incentivos empresariais presentes em
normas previamente existentes no sistema social regulado rumo ao interesse
público. A presença de intervenção estatal, dessa forma, não significa uma
opção por um modelo de comando e controle; ela é essencial tanto para um
modelo de comando e controle, quanto para um modelo de regulação por
incentivos. Pode-se dizer que o modelo de regulação por incentivos existe
prioritariamente em meio ao necessário envolvimento estatal com medidas
regulatórias de reforço dos incentivos. Jordan, Wurzel e Zito90, em estudo
que comparou oito países da União Europeia, concluíram serem raros os
casos de aplicação de novos instrumentos de política ambiental que não
demandassem maior envolvimento estatal. Instrumentos regulatórios
integralmente apoiados em governança empresarial sem o envolvimento do
Estado são extremamente raros na prática regulatória dos países mais
industrializados da União Europeia. Ou seja, a opção por incentivos não
afasta; pelo contrário, exige a atuação estatal.
Daí se falar em estratégias ou modelos de
conformidade/compliance em substituição às formas de constrangimento da

89
PARKER, C. Summary of Scholarly Literature on Regulatory Compliance.
Paris: OCDE, 1999.
90
JORDAN, Andrew; WURZEL, Rüdiger K. W.; ZITO, Anthony. The Rise of
'New' Policy Instruments in Comparative Perspective: Has Governance Eclipsed
Government? Political Studies, v. 53, n. 3, p. 477-496, 2005.

52
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

conduta privada. Enquanto as diversas formas de constrangimento


extrínseco do indivíduo pelo Estado para o cumprimento de uma norma
jurídica têm por enfoque predominante o quadro regulatório ordenador e
criminalizador do comando e controle, a conformidade regulatória bebe da
percepção, por parte do regulado, de que o sistema regulatório será justo e
eficaz. Enfim, o compliance regulatório angaria forças da relação de confiança
entre regulado e regulador com ênfase na cultura e comportamento do
regulado e, acima de tudo, na atitude cooperativa entre regulador e
regulado.91 Benkler92 ressaltará, entretanto, que a postura cooperativa
também é uma postura regrada e regulada, propondo um conjunto de
princípios regulatórios que devem guiar o regulador na implementação de
dinâmicas cooperativas.
Mesmo sob o enfoque de governo regulatório – de
administração regulatória apoiada em regras extrinsecamentes impostas –, o
compliance regulatório pode assumir o papel de parâmetro de sucesso ou
fracasso da regulação.93 A regulação stricto sensu – governo regulatório –,
quando em batimento com a governança regulatória, resume-se à atuação
estatal sobre a esfera privada a partir do pressuposto de interferência
unilateral e impositiva de constrangimento extrínseco.
Assim, o compliance regulatório é, ao mesmo tempo, uma
estratégia empresarial de lidar com os modelos regulatórios, sejam eles de
comando e controle ou de regulação descentralizada, como também um
objeto de estudos de estratégias governamentais de regulação apoiadas em
regulação ordenadora e criminalizadora ou principalmente apoiada na
cultura de negócios do setor regulado.
Compliance é um termo novo na literatura jurídica, mas o
que ele representa é mais velho que o tempo, pois tem sido estudado na
esteira de uma tradição doutrinária mais abrangente e preocupada com a
possibilidade de orientação de conduta do indivíduo por normas jurídicas: o
compliance social ou conformidade normativa social.

91
MCBARNET, D. When Compliance is not the Solution but the Problem: From
Changes in Law to Changes in Attitude. In: BRAITHWAITE, V. Taxing
Democracy. Hants, UK: Ashgate, 2002. p. 229-243.
92
BENKLER, Yokai. From Greenspan's Despair to Obama's Hope: The
Scientific Bases of Cooperation as Principles of Regulation. In: MOSS, D.;
CISTERNINO, J. New Perspectives on Regulation. Cambridge, MA: The
Tobin Project, 2009. p. 65-87.
93
PARKER, C.; NIELSEN, V. L. Compliance: 14 Questions. In: DRAHOS, P.
Regulatory Theory: Foundations and Applications. Acton, AU: Australian
National University Press, 2017. p. 217-232.

53
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

O direito, visto como técnica social, apoia-se no


reconhecimento de sua influência sobre o comportamento humano e, por
consequência, no pressuposto de que a disciplina normativa e a atividade
administrativa ordenadora, prestacional ou fomentadora conformam a
conduta daqueles que busca regular.
O dogma do direito como pauta de conduta parte do
pressuposto de que regras jurídicas e atuação administrativa se configuram
em importantes guias do comportamento humano. Entretanto, o método
utilizado para regramento de condutas é variável e revela a problematização
daquele dogma quando ora defende a postura de uma administração
ordenadora e criminalizadora, ora parte para uma abordagem pautada pelo
esforço em se angariar convencimento social.
Ora a atividade reguladora se concentra em influenciar o
comportamento do regulado por disciplina ordenadora apoiada na ameaça
de imposição de sanções aflitivas,94 ora se concentra em moldar o contexto
fático em que ocorre a conduta, apoiando-se no pressuposto de que uma
norma seria capaz de descrever adequadamente as reais circunstâncias em
que os particulares praticam seus atos e de moldar a sua conduta segundo
incentivos presentes no código de conduta próprio ao ambiente regulado.95
São abundantes as teorias que se propõem a definir a natureza
do sistema jurídico em sua relação com o comportamento humano,
projetando o direito como uma realização institucional segundo a qual a
conduta humana seria governada por regras.96 As teorias jurídicas
positivistas bebem da assertiva de que o direito se afirma precisamente
quando do distanciamento entre a conduta humana e a prescrição jurídica.
O principal ponto de conflito entre as teorias de direito natural e do
positivismo jurídico consiste em considerar o sistema jurídico um sistema,
respectivamente, de coerção interna, para o jusnaturalismo, ou externa, para
o juspositivismo.
Essa diferenciação entre coerção externa e interna dá ensejo
a duas técnicas opostas de regulação: a regulação por comando e

94
BLACK, Julia. Talking about Regulation. Public Law, v. 1, p. 77-105, 1998.
95
Cf. BLACK, J. Rules and Regulators. Oxford: Clarendon Press, 1997;
MCBARNET, D.; WHELAN, C. The Elusive Spirit of the Law: Formalism and
the Struggle for Legal Control. Modern Law Review, v. 54, n. 6, p. 848-873,
1991; DIVER, C. S. The Optimal Precision of Administrative Rules. Yale Law
Journal, p. 65-109, 1983.
96
FULLER, L. L. The Morality of Law. New Haven: Yale University Press,
1964.

54
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

controle, também chamada regulação por administração ordenadora e


criminalizadora, como um tipo de regulação no Estado ou com enfoque no
Estado, representada pela identidade entre regulação e normas estatais,
entendida a regulação como uma faceta pública de governo regulatório da
organização empresarial;97 e os tipos regulatórios apoiados em normas
sociais ou suas galvanizadoras por intermédio de incentivos – regulação
por incentivos –, quais sejam, a regulação apoiada em redes, a regulação
descentralizada, ou descentrada em certas traduções, ou as diversas
manifestações da regulação apoiada na cultura de negócios do setor
regulado.
A abordagem regulatória de comando e controle tem por
ponto de partida a assertiva de que a norma jurídica detém força própria de
vedação de conduta ou exigência de comportamento em um ambiente
institucionalizado de controle direto e permanente sobre uma determinada
área da vida econômica.98 Essa abordagem considera a ameaça de sanções
aflitivas como suficiente para realinhamento de conduta do particular e, em
especial, dos interesses empresariais rumo ao interesse público ou ao
interesse de toda a sociedade.99 Trata-se, portanto, de uma abordagem que é
reforçada pela suposição de que o sistema jurídico manifesta-se por
intermédio de atos coercitivos extrínsecos.
Kelsen100 defende que o direito seria uma técnica social de um
sistema de coerção externa apoiada no pressuposto de que o
comportamento humano restaria motivado pelo direito e por instituições
jurídicas. A conduta humana seria afetada pela norma jurídica, cuja
existência decorreria da validade do direito como uma consequência de atos
ilícitos.
Esse modo de se perceber o direito não é exclusivo de Kelsen.
Ao digladiarem sobre a essência de um direito, correntes de pensamento do

97
LAFFONT, Jean-Jacques. The New Economics of Regulation Ten Years After.
Econometrica, v. 62, n. 3, p. 507-537, 1994.
98
BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. (org.). The Oxford
Handbook of Regulation. Oxford: Oxford University Press, 2010.
99
COGLIANESE, Cary; MENDELSON, Evan. Meta-Regulation and Self-
Regulation. In: BALDWIN, R.; CAVE, M.; LODGE, M. The Oxford
Handbook of Regulation. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 146-168.
100
KELSEN, Hans. Introduction to the Problems of Legal Theory. Trad.
Bonnie Litschewski Paulson e Stanley L. Paulson. Oxford: Oxford University
Press, 1992; KELSEN, Hans. Contribuciones a la Teoría Pura del Derecho.
Trad. Eduardo Vásquez; R. Inés W. de Ortíz, et al. Cidade do México:
Fontamara, 2003.

55
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

positivismo jurídico inclinam-se a considerá-lo, seguindo Holmes, como


somente a “substância de uma profecia”101, segundo a qual o poder público
atuará contra aquele que o violentar. O direito, nessa acepção, se confunde
com uma ameaça. Disso decorre que um direito estaria incrustado no
comportamento social do ser humano como uma coerção extrínseca sob a
forma de privação de algo que o ser humano mais valoriza, seja a liberdade,
a propriedade, a segurança, a privacidade ou qualquer outro desejo humano.
Esse pré-requisito da teoria pura do direito kelseniana de que
o direito se resumiria a uma ameaça aderente aos centros de imputação
normativas necessária à conformação da conduta individual entra em
choque frontal com os fundamentos do direito natural, pois este último
afirma a existência de princípios de dignidade, bondade e ordem intrínsecos
à conduta individual.102 Em outras palavras, a força vinculante do direito,
sob o ponto de vista do direito natural, encontra-se em um valor ou ideia
intrínseca ao ser humano.
O debate entre o direito natural e o positivismo jurídico
interessa para esta abordagem de compliance regulatório ao demonstrar como
uma postura positivista apoiada em forças coercitivas extrínsecas
influenciou a regulação rumo a um modelo de comando e controle, por
intermédio da consideração do direito como um simples conjunto de
medidas coercitivas que se afirmam principalmente perante um ato ilícito.
Quando o positivismo jurídico de Kelsen defende que é por
intermédio de um ato ilícito que se comprova a existência do direito, ou
quando Weber103 afirma que a identidade distintiva do direito decorre da
existência de um aparato coercitivo, ambos estão reforçando a conclusão de
que, quanto mais sanções aflitivas existirem em um sistema jurídico, maior
será a sua eficácia na conformação do comportamento social.
É bem verdade que o positivismo jurídico não se apresenta
como um corpo consistente e monolítico de conceitos. Como prova disso,
não se podem olvidar as críticas de H. L. A. Hart à teoria de Kelsen, entre
outras coisas, pela desconsideração das diversas funções sociais do direito,
em particular, a função da norma de reconhecimento – rule of recognition –,
que seriam, segundo Hart, uma evolução frente à abordagem proposta por

101
HOLMES JR., Oliver Wendell. Natural Law. Harvard Law Review, v. 32, p.
40-44, 1918, p. 42.
102
FINNIS, J. Natural Law & Natural Rights. 2. ed. Oxford: Oxford University
Press, 2011.
103
WEBER, Max. The Theory of Social and Economic Organization. Glencoe,
Ill.: Free Press, 1957.

56
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

Kelsen e apoiada no conceito de norma fundamental – Grundnorm.104


Apesar das eventuais discordâncias entre as correntes de pensamento do
positivismo jurídico, seus seguidores convergem para a assertiva de que o
fundamento do direito assenta-se sobre um conjunto de regras extrínsecas
ao meio social que se pretende regular, regras estas voltadas à obtenção da
conformação de conduta ou compliance social.
Embora não se possa dizer que o método regulatório de
comando e controle seja oriundo do positivismo jurídico, há uma evidente
relação entre ambos. A relação entre positivismo jurídico e método
regulatório administrativo ordenador e criminalizador demonstra que a
preferência reinante até a década de 2010 no modelo regulatório adotado no
Brasil em diversos setores por um modo específico de se lidar com o
comportamento humano remonta à crença de que o direito se manifestaria
principalmente por intermédio de sistemas coercitivos extrínsecos, em
detrimento da crença de que ele se manifestaria por intermédio de normas
gestadas no sistema social que as normas jurídicas pretendem regular.
Se o regulador optasse, nesse ambiente de percepção
generelizada de coerção extrínseca reinante, por uma abordagem regulatória
que se fundamentasse sobre as normas intrínsecas aos negócios regulados,
estaria nadando contra a corrente predominantemente positivista de seu
tempo. Isso explica os olhares de desconfiança que os próprios operadores
da máquina administrativa dirigem a teorias avançadas de regulação
apoiadas em incentivos, mesmo cientes do fracasso de conformidade
vivenciado em vários setores regulados sob o crivo da coerção extrínseca.
Esse fracasso não decorre de uma opinião subjetiva, mas de dados objetivos
colhidos pelo Tribunal de Contas da União em estudo que revelou que,
entre 2011 e 2014, apenas 6,03% das multas aplicadas teriam sido
efetivamente convertidas em arrecadação.105 Somente na ANATEL, para
tomar um exemplo da agência modelar da experiência regulatória brasileira,
estudo de coautoria do próprio presidente da agência clama por soluções
alternativas ainda ao revelar que, de 2000 a 2017, foram instruídos 57 mil
processos administrativos sancionatórios, na sua quase totalidade resultando
em multas, sem repercussão sensível na reconformação dos
comportamentos desviantes que os originaram.106

104
HART, H. L. A. The Concept of Law. 3. ed. Oxford: Oxford University
Press, 2012.
105
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Acórdão nº 1970/2017, j.
06/09/2017, plenário. Processo nº 029.688/2016-7. Relator Aroldo Cedraz.
106
FREITAS, Luciano Charlita de; MOURA FILHO, Ronaldo Neves de;
STANZANI, Juliano; MOREIRA, Renata Machado; MORAIS, Leonardo Euler

57
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Ao se falar em coerção extrínseca, também é importante


observar que se está optando por uma teoria de incentivos extrínsecos, que
considera como incentivo toda medida extrínseca que induz determinados
agentes a adotar um comportamento desejável. A teoria dos incentivos
influencia teorias jurídicas que consideram o direito como força motriz do
comportamento individual em direção a resultados socialmente desejados,
como, por exemplo, a consideração de que os contratos criariam incentivos
jurídicos à atuação concorde das partes,107 as patentes gerariam benefícios
via monopólio de direitos intelectuais, incentivando novas invenções,108 e a
responsabilidade civil serviria como incentivo ao comportamento lícito ao
impor custos via ameaça de composição de danos.109
Ao questionar essa tendência em resumir o direito a um
conjunto de incentivos extrínsecos, Atiq110 defende que os incentivos
podem dar ensejo tanto a resultados desejados quanto indesejados. Quando
a coerção extrínseca é prescrita como a pomada milagrosa para todos os
males, pode-se chegar à conclusão, por outro lado, de que o único meio de
se obter um resultado desejado seja por intermédio de agentes
extrinsecamente motivados.
A desconexão entre o padrão normativo de facto de um
determinado grupo social e o direito positivo consiste no objeto de pesquisa
da sociologia do direito desde a proposta de Montesquieu, no Espírito das
Leis, de que o clima e a geografia explicariam o direito nacional, pelo que
outros o seguirão, como a famosa assertiva de 1907 de William Graham
Sumner, de que os caminhos da lei não conseguem alterar a prática social e

de. Obrigações de fazer em sanções regulatórias no Brasil: aplicação ao setor


de telecomunicações. Revista de Direito, Estado e Telecomunicações, v. 11, n.
2, p. 71-86, outubro 2019, p. 75-76.
107
SCHWARTZ, A.; SCOTT, R. E. Theory and Limits of Contract Law. Yale
Law Journal, v. 113, n. 3, p. 541-620, 2003.
108
HUBBARD, W. Competitive Patent Law. Florida Law Review, v. 65, n. 2, p.
341-394, 2013.
109
LANDES, W. M.; POSNER, R. A. The Economic Structure of Tort Law.
Cambridge, MA: Harvard University Press, 1987; CALABRESI, G. The Costs
of Accidents: A Legal and Economic Analysis. New Haven, CT: Yale University
Press, 1970.
110
ATIQ, E. H. Why Motives Matter: Reframing the Crowding Out Effect of
Legal Incentives. Yale Law Journal, v. 123, n. 4, p. 1070-1116, 2014.

58
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

de que a legislação é incapaz de criar costumes,111 até a proposta de 1913 de


Eugen Ehrlich, segundo o qual o aparato conceitual do direito positivo
deve refletir o direito vivo ou o caráter peculiar das instituições sociais de
uma Nação.112
O desenvolvimento mais recente de estudos empíricos em
diversos setores regulados sobre a real capacidade do direito em conformar
condutas minou a certeza de que o uso exclusivo de medidas coercitivas
extrínsecas desconectadas dos parâmetros normativos internos à sociedade
seria capaz de explicar os resultados de sucesso e fracasso regulatórios e,
com isso, evidenciou a importância de se rediscutir o real nível de compliance
regulatório experimentado nos setores regulados.
As abordagens regulatórias de comando e controle tendem a
se concentrar sobre fatores econômicos, sob o argumento de que seriam os
principais fatores de conformação do comportamento empresarial. Há duas
formas de homenagear essa proposta a depender do valor que se dê aos
custos de implementação ou ao compliance regulatório.
Se o objetivo primário do regulador for o de obter o
cumprimento da regulação segundo uma perspectiva estritamente
econômica, o nível ótimo de implementação será alcançado quando os
benefícios sociais de implementação da regulação forem iguais aos custos
de implementação. Outra forma, entretanto, de se medir o sucesso
regulatório está em avaliá-lo segundo o nível de compliance regulatório
alcançado, independentemente do custo de sua implementação, apoiando-se
na teoria punitiva de dissuasão.
Segundo essa teoria, o regulado seria dissuadido de cometer
um ilícito e, portanto, caminharia no sentido do compliance regulatório,
quando os custos impostos pela intervenção normativa extrínseca
superassem os lucros percebidos pelo regulado decorrentes da conduta
ilícita. Esse raciocínio parte do pressuposto de que a empresa seria um ator
racional que ponderaria os custos e benefícios de um ato ilícito.113 De
acordo com essa abordagem, as empresas não adotariam condutas que lhes
causassem prejuízo para o fim de cumprirem objetivos regulatórios –
compliance regulatório – a não ser que suas ações fossem exigidas por normas

111
SUMNER, William Graham. Folkways: A Study of Mores, Manners, Customs
and Morals. Mineola, NY: Dover, 2002.
112
EHRLICH, Eugen. Fundamental Principles of the Sociology of Law.
Tradução de Walter L. Moll. New Brunswick, NJ: Transaction Publishers, 2009.
113
ABBOT, C. Enforcing Pollution Control Regulation: Strengthening
Sanctions and Improving Deterrence. Londres: Bloomsbury Publishing, 2009.

59
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

jurídicas e os custos pelo descumprimento excedessem os benefícios em


batimento com a probabilidade de serem descobertas e impedidas de
praticarem o ato ilícito.
Os incentivos econômicos não explicam, todavia, a variedade
de comportamentos empresariais dos regulados em casos em que a empresa
implementa deveres jurídicos além do exigido pela normatização (beyond
compliance) e que não decorram simplesmente de indivisibilidade tecnológica
ou de uniformidade tecnológica (overcompliance).114 A conformidade perante
as normas – compliance regulatório – decorreria, segundo correntes de
pensamento apoiadas em comando e controle, da coerção extrínseca, mas
ela não explica todos os casos de comportamento empresarial para além do
exigido pela regulamentação. Outros fatores internos à dinâmica
empresarial, como processos internos de poder e de liderança115 ou
condições de incerteza regulatória e exasperada percepção sobre os riscos
empresariais decorrentes do descumprimento da regulação116 também
dirigem o comportamento do regulado.

2.3 TEORIAS JURÍDICAS SUBSTANTIVAS E


PROCEDIMENTAIS DA REGULAÇÃO

A partir dessa constatação de insuficiência do comando e


controle para explicação do compliance regulatório, outras teorias regulatórias
tentarão dar conta desse paradoxo ao resgatar a compreensão do direito
como apoiado em normas e pressões sociais intrínsecas ao ambiente
regulado.
Diversas são hoje as teorias econômicas e de ciência política
sobre a regulação.117

114
VOGEL, D. The Market for Virtue: The Potential and Limits of Corporate
Social Responsibility. Washington, DC: Brookings Institution, 2005.
115
PRAKASH, A. Why do Firms Adopt 'Beyond-Compliance' Environmental
Policies? Business Strategy and the Environment, v. 10, p. 286-299, 2001.
116
DEHART-DAVIS, L.; BOZEMAN, B. Regulatory Compliance and Air
Quality Permitting: Why do Firms Overcomply? Journal of Public
Administration Research and Theory, v. 11, n. 4, p. 471-508, 2001.
117
Cf. LEVI-FAUR, D. (Ed.). Handbook on the Politics of Regulation.
Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2011; OGUS, Anthony I.; VELJANOVSKI, C.
G. Readings in the Economics of Law and Regulation. Oxford: Clarendon
Press, 1984.

60
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

Por outro lado, na seara jurídica, algumas teorias jurídicas da


regulação são de caráter substantivo, ao orientarem a regulação rumo a
valores que as justificam, tais como, aos direitos fundamentais, assim
entendidos como direitos institucionalizados conforme proposto neste
manual, ou aos cânones interpretativos derivados de princípios do Estado
Regulador na mediação entre regulação e representação democrática para
administração do risco social inscrito nos direitos do consumidor, na
proteção do meio ambiente, na saúde do trabalhador próprio a autores
gestados na experiência americana de surgimento da regulação social das
décadas de 1960 e 1970.118
Outras teorias detêm caráter procedimental ao indicarem a
forma de regular, independentemente dos valores a serem protegidos ou
afastando-os dos holofotes, segundo estratégias de desenho regulatório ou
de interação com a cultura de negócios regulados.
Essas últimas teorias configuram-se em espécies de teorias
procedimentais da regulação, tais como, a regulação ordenadora e
criminalizadora,119 também chamada de comando e controle, a regulação
como forma jurídica de engenharia social,120 a teoria da regulação
inteligente,121 as teorias sistêmicas de regulação, sejam elas autopoiéticas ou
não, como é o caso, respectivamente, da teoria do trilema regulatório122 e da
teoria da regulação responsiva123 e, finalmente, a teoria que bebe da própria

118
SUNSTEIN, Cass Robert. After the Rights Revolution: Reconceiving the
Regulatory State. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1993.
119
KELSEN, Hans. Introduction to the Problems of Legal Theory. Trad.
Bonnie Litschewski Paulson e Stanley L. Paulson. Oxford: Oxford University
Press, 1992; KELSEN, Hans. Contribuciones a la Teoría Pura del Derecho.
Trad. Eduardo Vásquez; R. Inés W. de Ortíz, et al. Cidade do México:
Fontamara, 2003; WEBER, Max. The Theory of Social and Economic
Organization. Glencoe, Ill.: Free Press, 1957.
120
OGUS, Anthony I. Regulatory Law: Some Lessons from the Past. In: Legal
Studies (London) 12(1): 1-19, 1983.
121
GUNNINGHAM, Neil; GRABOSKY, Peter. Smart Regulation: Designing
Environmental Policy. Oxford: Clarendon Press, 1998.
122
TEUBNER, Gunther. After Legal Instrumentalism: Strategic Models of Post-
Regulatory Law. In: TEUBNER, G. Dilemmas of Law in the Welfare State.
Berlin: Walter de Gruyter, 1988. p. 299-326.
123
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992;
BRAITHWAITE, John. Enforced Self-Regulation: A New Strategy for
Corporate Crime Control. Michigan Law Review, v. 80, n. 7, p. 1466-1507,
Jun. 1982; _____. Corporate Crime in the Pharmaceutical Industry. Londres:

61
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

construção jurídica do fenômeno processual de direito público: a teoria


processual administrativa da regulação.124
Algumas delas estarão mais inclinadas a incorporarem
métodos de governança regulatória e, em decorrência disso, preocupam-se
prioritariamente, para definição das opções regulatórias, com o nível de
conformidade regulatória – regulatory compliance - como parte da justificativa
de sua adoção. A teoria da regulação responsiva, por exemplo, é
comumente defendida por incorporar em sua fórmula de pirâmides de
persuasão e de punição a justificativa de que o método responsivo levaria a
uma melhor efetivação da conformidade/compliance regulatório.
O compliance regulatório, ou conformidade à regulação aplica-se
tanto à regulação de comando e controle, quanto às espécies regulatórias
apoiadas em normas e pressões sociais intrínsecas ao setor regulado, mas é
nestas últimas que ele se apresenta como um problema de primeira
grandeza, já que a regulação ordenadora e criminalizadora é dogmática em
pressupor que a conduta do particular seria afetada pela previsão normativa
extrínseca e comumente – ou convenientemente – dispensa a análise sobre
o real nível de conformidade regulatória efetivamente por ela alcançado.
A proposta de alteração do modelo regulatório apoiado
principalmente na garimpagem de incentivos no ambiente regulado –
intrínsecos – exige dos estudos pertinentes que se debrucem com mais

Routledge & Kegan Paul, 1984; _____. To Punish or Persuade: Enforcement


of Coal Mine Safety. Albany: State University of New York Press, 1985; _____.
Crime, Shame and Reintegration. Cambridge: Cambridge University Press,
1989; _____. Restorative Justice & Responsive Regulation. Oxford: Oxford
University Press, 2002; _____. Rewards and Regulation. Journal of Law and
Society, v. 29, n. 1, p. 12-26, March 2002; _____. Meta Risk Management and
Responsive Regulation for Tax System Integrity. Law & Policy, v. 25, n. 1, p. 1-
16, Jan. 2003; _____. Responsive Regulation and Developing Economies.
World Development, v. 34, n. 5, p. 884-898, 2006; _____. The Essence of
Responsive Regulation. University of British Columbia Law Review, v. 44, p.
475-520, 2011; KOLIEB, J. When to Punish, When to Persuade and When to
Reward: Strengthening Responsive Regulation with the Regulatory Diamond.
Monash University Law Review, v. 41, n. 1, p. 136-162, 2015; DRAHOS, P.
Intellectual Property and Pharmaceutical Makets: A Nodal Governance
Approach. Temple Law Review, v. 77, p. 401-424, 2004.
124
CROLEY, Steven P. Regulation and Public Interests: The Possibility of
Good Regulatory Government. Princeton: Princeton University Press, 2008.

62
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

afinco sobre o tema do compliance regulatório, elevando-o à categoria de


componente essencial de teorias da regulação que afirmam a necessidade de
modelagem regulatória à imagem e semelhança da cultura de negócios do
regulado.
As teorias da regulação que enxertam em sua fundamentação
o compliance regulatório, de fato, rendem homenagem a uma visão mais
utilitária da regulação, justificando-a pelo melhor resultado de efetiva
aplicação das normas e seu cumprimento por parte dos regulados.
Assim, a conformidade regulatória ingressa na regulação como
justificativa central para adoção de estratégias regulatórias alegadamente
mais eficazes, mas também como um índice, entre muitos, destinado a
inspirar a arquitetura de modelos regulatórios pautados pela aferição do
sucesso ou fracasso de sua implementação.
O certo é que, atualmente, regulação e conformidade andam
de mãos dadas em quaisquer modelos regulatórios, com especial estrelato
no seio das teorias da regulação apoiadas em normas e pressões sociais, aqui
definidas como de incentivos intrínsecos, a partir de uma rede
interdependente de influências recíprocas entre mecanismos regulatórios e
atitudes dos regulados125 em alianças produtivas.
Se a importância do estudo da conformidade regulatória,
como demonstrado até aqui, é diretamente proporcional à aplicação de
teorias regulatórias apoiadas na cultura de negócios do regulado, a
propósito festejadas em organismos internacionais, isso, por si só, revela a
centralidade do compliance social, em geral, e do compliance regulatório, em
especial, nas discussões de modelagem regulatória que ocupam os atuais
esforços de administração das leis, bem como evidencia a também
centralidade de modelos regulatórios apoiados em incentivos intrínsecos e a
importância em se aprofundar o estudo das motivações dos regulados.
A essa altura, a crítica de Eric Posner126 sobre como são
comumente vistas as normas sociais que motivam o comportamento é
relevante para que seja devidamente posicionada uma teoria regulatória
apoiada em incentivos intrínsecos sem que isso represente a opção por uma
posição dogmática sobre os efeitos que eles operam na conformidade à
norma.

125
PARKER, C.; NIELSEN, V. L. Compliance: 14 Questions. In: DRAHOS, P.
Regulatory Theory: Foundations and Applications. Acton, AU: Australian
National University Press, 2017. p. 217-232.
126
POSNER, Eric A. Law and Social Norms. Cambridge, MA: Harvard
University Press, 2002.

63
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

O autor critica a forma como o problema da desconsideração


da regulação extrajurídica (nonlegal regulation) ou mecanismos extrajurídicos
de cooperação (nonlegal mechanisms of cooperation) ou formas extrajurídicas de
ordenação (nonlegal forms of order) têm sido tratados pela literatura, pois os
estudos comportamentais, em geral, somente tem se preocupado em dizer
que as forças exógenas seriam insuficientes para explicar a ordem social,
mas não avançariam sobre o que efetivamente motiva o comportamento
social em obedecer as regras não estatais. Ele propõe um arcabouço
analítico para análise das formas de constrangimento social e descreve tais
normas sociais como regularidades comportamentais (behavioral regularities).
A compreensão de como as normas sociais operam efeitos no
comportamento depende de um modelo de cooperação, que, por sua vez,
depende da dinâmica de incentivos sociais. A análise regulatória deve
fazer uso das normas e incentivos sociais não meramente como
instrumentos de alcance de bens coletivos, mas como seres
institucionais e vivos, que precisam ter suas motivações preservadas para
que permaneçam eficazes.
É como se a maioria das teorias regulatórios apoiadas em
normas sociais garimpassem as normas existentes na cultura de negócios do
setor regulado e as reputassem eternas e imutáveis, ao invés de dependentes
dos fatores sociais que lhes dão força. Sem um estudo aprofundado das
motivações sociais para cumprimento das normas sociais, mesmo a
regulação apoiada em normas sociais pode, rapidamente, transformar-se em
algo ainda menos eficaz que a regulação de comando e controle, pois estará
apoiada em normas pretensamente sociais sem vida e força social.
Uma norma social sem força social já não é mais, por óbvio,
uma norma social, e sim um fantasma de norma social presente na
regulação e um engodo, pois despida de força social que lhe dá utilidade.
Enfim, a norma social, ao ser incorporada à regulação sem o
cuidado de averiguação institucional contínua sobre os incentivos sociais
que as preservam, a transforma em uma norma estatal de terceira ordem,
pois despida do constrangimento extrínseco e agora também despida do
constrangimento intrínseco do meio social que a hospedava.
A crítica é dolorosa, pois revela que as teorias regulatórios que
se apoiam em normas sociais para fugirem do estigma da dependência do
constrangimento externo, na verdade, podem estar agregando outra forma
de constrangimento, às vezes, mais violento e desumano, que o estatal.
Posner revelará que uma regulação apoiada em normas sociais
não é necessariamente bem intencionada e sensível, mas reforçada por um
rol distinto de constrangimentos. Os demais autores não deixam de falar

64
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

dos constrangimentos ao se remeterem ao termo, por exemplo, de pressões


sociais, mas ao deixarem de se aprofundar sobre tais pressões, transmitem
um ar de superioridade implícita à sua moralidade e as imunizam de críticas
quanto à justiça de sua implementação, reforçando-se a assertiva de que a
regulação apoiada em normas sociais é essencialmente utilitária, sorvendo
forças da maior eficácia dos modelos que propõe e convenientemente
fechando os olhos às reais motivações que dão força às normas sociais,
tornando-as relevantes.
Em outra seara, estudo empírico recente demonstrou que o
pressuposto usualmente aceito de que experiências reputadas de sucesso
sobre as motivações dos membros de entidades de garantia mútua de
crédito se apoiariam no capital social não se confirmou. A conclusão do
estudo foi, pelo contrário, de que tais iniciativas não se apoiariam,
efetivamente, na confiança interpessoal ou em normas sociais oriundas das
relações interpessoais, mas em confiança de natureza institucional apoiada
em normas formais.127 Essa constatação empírica sobre a experiência
modelar italiana festejada pela teoria do capital social demonstra como
qualquer proposta séria de autorregulação depende de seu encaixe em um
modelo institucional regulador que lhe dê viabilidade.
Não existe, nessa linha de pensamento de dependência
entre o comportamento e a confiança institucional, autorregulação
desregulada.
Mesmo propostas de códigos voluntários de conduta para
setores regulados procuram evidenciar ser indispensável que, para alcance
de efeitos benéficos, eles sejam inseridos em um ambiente de efetivo
monitoramento por terceiros independentes,128 que agem como substitutos
de reguladores,129 ou mesmo, que exista uma teia entrelaçada de códigos

127
SAMPAIO, P. S. Capital Social nas Entidades de Garantia Mútua de
Crédito na Itália e no Brasil: uma análise jurídico-institucional comparada.
Brasília: Tese de Doutorado defendida na Faculdade de Direito da Universidade
de Brasília, 2019, p. 428.
128
COHEN, David (Ed.). Voluntary Codes: A Guide for their Development and
Use. Ottawa: Office of Consumer Affairs/Industry Canada/Regulatory Affairs
Division/Treasury Board Secretariat, 1998.
129
GUNNINGHAM, Neil; GRABOSKY, Peter. Smart Regulation: Designing
Environmental Policy. Oxford: Clarendon Press, 1998, p. 262.

65
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

voluntários e normas governamentais capazes de se apresentarem de forma


complementar e construtiva.130
Não por acaso, o artigo precursor de uma das teorias jurídicas
da regulação mais conhecidas, publicado no volume 80 da Michigan Law
Review de 1982, era intitulado government enforced self-regulation –
autorregulação com constrangimento normativo governamental, ou, na
tradução usual, embora genérica, de autorregulação regulada –, no intituito
de diferenciá-lo da corregulação.131 Aliás, a proposta de autorregulação
regulada de Braithwaite presente nesse artigo de 1982 foi posteriormente
incorporada, dez anos mais tarde, como Capítulo 4 do livro de 1992
inaugural da regulação responsiva.132 No artigo original, de 1982, um dos
argumentos de evidência da necessidade de uma nova forma de lidar com a
regulação era precisamente a provável deterioração regulatória oriunda da
política pública de Ronald Reagan de relaxamento regulatório (easygoing
regulatory approach), bem como uma resposta a propostas apoiadas na
“inocência em atribuir às empresas a regulação de si mesmas”.133
Uma teoria responsiva da regulação acreditará na
autorregulação, mas não em qualquer autorregulação: ela desconfia da
autorregulação voluntária.
Uma teoria de autorregulação regulada parte do pressuposto
de que as empresas são, de fato, mais capazes de regular suas atividades
empresariais do que o governo, mas terem maior capacidade de regular não
significa que sejam mais propensas voluntariamente a regularem com
efetividade.
Eis a grande diferença entre propostas de autorregulação
voluntária e autorregulação regulada: somente a última delas impõe soluções
antipáticas às empresas, fazendo uso de grupos de compliance empresarial,
por exemplo, mediante regramento governamental de que o diretor de

130
WEBB, Kernaghan; MORRISON, Andrew. The Law and Voluntary Codes:
Examining the 'Tangled Web'. In: WEBB, K. Voluntary Codes: Private
Governance, the Public Interest and Innovation. Ottawa: Carleton Research Unit
for Innovation, Science and Environment, 2004. p. 97-174.
131
BRAITHWAITE, John. Enforced Self-Regulation: A New Strategy for
Corporate Crime Control. Michigan Law Review, v. 80, n. 7, p. 1466-1507,
Jun. 1982.
132
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992.
133
BRAITHWAITE, John. Enforced Self-Regulation: A New Strategy for
Corporate Crime Control. Michigan Law Review, v. 80, n. 7, p. 1466-1507,
Jun. 1982, p. 1470.

66
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

compliance deve reportar à agência reguladora, à diretoria da empresa ou a


um corpo de auditores externos, quaisquer diretivas oriundas dos grupos de
compliance que tenham sido ignoradas pela gerência empresarial.134 Trata-se
de uma regulação de segundo nível, em que as ordens de conduta são
oriundas do setor regulado, submetidas à aprovação do órgão regulador,
cabendo ao regulador lidar com as deficiências de controles internos,
agregando consequências impositivas a processos de auditoria e a
recomendações de grupos de compliance, definindo parâmetros mínimos de
melhoria dos serviços prestados, anunciando margens aceitáveis de impacto
regulatório, entre outros.
Se a autorregulação desejável será factível ou não, isso é objeto
de outro nível de análise, que enfrentará não somente casos de incentivos
institucionais à adoção de medidas autorregulatórias, mas também afirmará,
por exemplo, que mesmo experiências fracassadas de autorregulação podem
levar ao sucesso da coordenação empresarial em torno a regras mais
efetivas.135
As propostas mais avançadas de novas teorias
regulatórias não são, portanto, de mero relaxamento regulatório, mas
de maior inteligência regulatória ponderada entre regulação e espaços de
autonomia controlada do regulado.
A compreensão sobre a motivação do comportamento
regulado é, portanto, um aspecto central para o contínuo melhoramento de
um modelo regulatório. Ela revela que o método regulatório deve estar
aberto à apreensão diuturna dos motivos cambiantes que regem o
comportamento dos regulados, mesmo nos espaços de maior liberdade
de autodeterminação autorizados pelo regulador.

2.3 TÉCNICA, ESTRATÉGIA, MODALIDADE,


MECANISMO E MODELO REGULATÓRIO

Além do método jurídico-regulatório de coerção extrínseca,


intrínseca ou de sua composição, a compreensão das teorias jurídicas da
regulação exige situá-las em meio aos conceitos de técnicas/instrumentos

134
Id., Ibid.
135
SAMMECK, J. A New Institutional Economics Perspective on Industry
Self-Regulation. Heidelberg: Gabler/Springer Fachmedien, 2012, p. 140.

67
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

regulatórios, estratégias regulatórias, forma/modo/modalidade regulatória e


mecanismo/engrenagem regulatória.
Quando se fala em uma teoria de regulação apoiada em
comando ou ordenação, trata-se de algo distinto de técnicas ou
instrumentos de comando ou ordenação, e não se confunde com
modo/modalidade/mecanismo de regulação extrínseca por comando ou
ordenação, nem mesmo com estratégia regulatória de matiz ordenadora,
embora todos esses conceitos partilhem de um denominador comum. Por
exemplo, uma vertente de teoria responsiva da regulação renderá
homenagem a técnicas de comando e controle, mas se oporá frontalmente a
uma teoria de comando e controle.
As técnicas de regulação136 diferem da teoria regulatória, pois
esta implica ordená-las funcionalmente. Coisa inteiramente distinta é a
estratégia regulatória, que pode fazer uso de diversos modelos ou teorias.
Para fins de maior clareza do discurso, os termos teoria/modelo
regulatório, técnica/instrumento regulatório, estratégia/modelagem
regulatória e forma/modo/modalidade/mecanismo regulatório detêm
significados próprios e relevantes para a compreensão do universo
regulatório.
Instrumentos ou técnicas regulatórias são meios de que o
Estado lança mão com a finalidade de influenciar o comportamento social
para alcance dos objetivos inscritos em políticas públicas. Tais meios, sob o
enfoque jurídico, configuram-se em instituições de direito público e
institutos de direito privado, enquanto cristalizações de cultura jurídica
estabilizadas no ordenamento jurídico e na prática institucional de um país.
Uma concessão, por exemplo, é uma técnica contratual e estatutária de
prestação de serviços públicos.
Estratégias regulatórias dão um passo além, pois gravadas
pela característica funcional de integração de instrumentos/técnicas
regulatórias à procura de influenciar o comportamento social. Enquanto os
instrumentos/técnicas regulatórias podem ser concebidos como despidos
de direção sistêmica, as estratégias regulatórias representam um esforço de
modelagem, mediante integração de instrumentos e técnicas em uma
apresentação inovadora.
Exemplo de estratégia regulatória responsiva de metagestão de
riscos é dada por Braithwaite em uma pirâmide de constrangimento com

136
MORGAN, Bronwen; YEUNG, Karen. An Introduction to Law and
Regulation. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 313-322.

68
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

respostas regulatórias distribuídas da base da pirâmide ao seu ápice à


medida que as empresas são classificadas como de baixo, médio, médio-
alto, ou alto risco de transferência de lucros para o exterior.137
Não se desconhece, aqui, que parte da literatura regulatória
trata de estratégias regulatórias como sinônimo de técnicas regulatórias, mas
mesmo essa literatura faz uso do termo estratégias regulatórias no plural
para representar um conjunto de diferentes técnicas capazes de alcançar um
resultado regulatório ótimo.138
Para além do fato de que estratégias regulatórias representam
combinações de técnicas regulatórias, o Estado somente aplica estratégia
regulatória quando agrega inteligência de integração inovadora à sua atuação
regular, à semelhança do que fazem empresas integradoras como a Embraer
e a Apple, fugindo da prática ultrapassada de atuação pontual de uso de
instrumentos regulatórios em apresentação não sistêmica, esperando-se que
tais instrumentos solucionem problemas para os quais eles não foram
desenhados.
Quando o Estado faz uso do contrato de concessão como
instrumento/técnica regente do comportamento do concessionário, do
espaço de atuação do regulador, seja ele poder concedente ou não, e dos
direitos e deveres dos usuários, adota-se uma técnica de regulação
juridicamente bem definida, geral e passível de administração conjuntural,
mas despida de inteligência de integração de instrumentos regulatórios,
aprisionando-se o Estado, o regulado e os potenciais afetados às
consequências jurídicas previamente limitadas pela característica estatutária
e contratual da concessão.
Quando, entretanto, a concessão não é utilizada como meio
com pretensão de satisfação plena do processo regulador, mas como
ingrediente de uma receita regulatória que integre outros meios de
regulação, passa-se a visualizar algo mais complexo e multifacetado, que é a
estratégia de modelagem regulatória. Essa estratégia pode fazer uso ou não
de concessões, que terão sido ressignificadas para o exercício de uma
função condizente com a posição que ocupam na estratégia regulatória, seja
uma função central de guia contratual-estatutário de previsibilidade das
consequências das condutas na vida do regime jurídico instituído pelo

137
BRAITHWAITE, John. Meta Risk Management and Responsive Regulation
for Tax System Integrity. Law & Policy, v. 25, n. 1, p. 1-16, Jan. 2003.
138
BRAITHWAITE, John. Enforced Self-Regulation: A New Strategy for
Corporate Crime Control. Michigan Law Review, v. 80, n. 7, p. 1466-1507,
Jun. 1982. p. 1467.

69
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

contrato de concessão, seja uma função periférica de disciplina de situações


jurídicas específicas e marginais infensas, e.g., às técnicas de incentivo
adotadas pela estratégia regulatória.
À exceção de teorias regulatórias de matiz institucionalista, a
doutrina regulatória falará do uso de instrumentos/técnicas de forma
assistemática, resumindo-se a mencionar a combinação de
instrumentos/técnicas regulatórias sob o codinome de regulatory toolbox
approach (abordagem regulatória de caixa de ferramentas), como espécies de
abordagens regulatórias apoiadas em conjuntos preordenados de
instrumentos disponíveis.139 Assim, na literatura regulatória, o que se está
aqui chamando de estratégia regulatória costuma ser referido como
abordagem regulatória apoiada em conjunto predefinido de instrumentos
ou técnicas.
Coisa distinta é a forma, modo ou modalidade regulatória. A
forma/modo/modalidade regulatória envolve, necessariamente, a
compreensão do funcionamento do mecanismo ou engrenagem
regulatória, o que leva a uma opção sobre a natureza do sistema controlado.
Se o mecanismo/engrenagem pressuposta de funcionamento de um motor
tem natureza de combustão, sabe-se que ele reagirá à injeção de
combustível com determinada octanagem, somente funcionará se de fato
houver algo que provoque a combustão, entrará em funcionamento se for
proporcional a relação entre a energia armazenada, energia gerada e
potência utilizada, terá futuro se a dinâmica das engrenagens estiver bem
lubrificada, enfim, se um conjunto de fatores ínsitos ao modo de ser
daquele motor forem contemplados. A técnica de alimentação de um motor
a combustão naturalmente difere da técnica de alimentação de um motor
elétrico. Por analogia, cada instrumento/técnica detém DNA próprio
predominante, servindo melhor ou pior, ou mesmo sendo
contraproducente para certo mecanismo de funcionamento da regulação em
que for utilizado.
O mecanismo de funcionamento de uma engrenagem
específica posiciona os instrumentos, os ressignifica, lhes atribui propósito
ou os nulifica. Instrumentos/técnicas regulatórias somente terão significado
pleno quando correlacionadas às funções abertas por engrenagens
regulatórias. O modo de influenciar o comportamento social define o status
de uso e efeitos dos instrumentos/técnicas regulatórios disponíveis no
ordenamento jurídico.

139
MORGAN, Bronwen; YEUNG, Karen. An Introduction to Law and
Regulation. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 9.

70
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

Tais distinções são úteis para compreensão das teorias


regulatórias. Por exemplo, a teoria da regulação inteligente (smart regulation)
trabalhará precisamente com a adequação ou inadequação de instrumentos
regulatórios entre si, propondo uma tabela de instrumentos que se reforçam
e outros que se anulam para que o regulador tenham ao alcance de suas
mãos recomendações teóricas de um rol de instrumentos que devem ser
utilizados em conjunto ou evitados em determinado caso. Por outro lado,
uma teoria de regulação responsiva de persuasão e punição proporá
modalidades regulatórias partindo do pressuposto de que os regulados agem
segundo mecanismos de convencimento (persuasão) e punição integrados
em um desenho institucional que os reforce e os nutra constantemente.
Enfim, toda teoria regulatória pressuporá um mecanismo de funcionamento
do regulado, recomendará estratégias integradoras de técnicas regulatórias
mais ou menos elaboradas e lançará mão das formas regulatórias que
considere mais apropriadas.
Quando o jurista pressupõe um significado único de um
instituto/instituição jurídica – instrumento/técnica regulatória de caráter
jurídico –, declara, em alto e bom tom, sua ignorância quanto às
repercussões oriundas das modalidades regulatórias e invisibiliza essa
dimensão também jurídica de organização da atividade administrativa de
regular.
Não há entendimento uniforme sobre o tema, mas são
formas/modalidades regulatórias reconhecidas, em geral, pela doutrina, às
vezes, confundindo-as com os próprios instrumentos/técnicas regulatórios
ou mesmo entendendo-as como categorias mais amplas agregadoras de
instrumentos/técnicas segundo a modalidade de controle que encarnam:140
a) comando; b) competição; c) consenso; d) comunicação; e) arquitetura.
A forma regulatória de comando e controle, por exemplo,
usualmente referida como CAC regulation, ao partir do princípio de que o
mecanismo de conformação intencional de conduta de terceiros opera por
intermédio da coerção extrínseca estatal, define a regulação como aquela
implementada “pelo Estado por meio de regras jurídicas apoiadas em
sanções frequentemente penais”141, e assume um conjunto de pressupostos
sobre como a engrenagem regulatória funciona, tais como o de que o
Estado deteria a capacidade de comandar e controlar, a exclusividade de

140
MORGAN, Bronwen; YEUNG, Karen. An Introduction to Law and
Regulation. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 79-113.
141
BLACK, Julia. Critical Reflections on Regulation. Australian Journal of
Legal Philosophy, v. 27, p. 1-35, 2002, p. 2.

71
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

fazê-lo, que os comandos e controles seriam efetivos, que o mecanismo


regulatório seria informado pelo caráter unilateral da regulação, pela
existência de uma relação linear entre causa – comando e controle – e efeito
– conformidade à norma –, por informação suficiente detida pelo Estado
sobre as razões que informam o comportamento dos regulados.
Serão precisamente tais pressupostos os evidenciados por
teorias regulatórias descentralizadas, que apontarão falhas de informação e
conhecimento, falhas de implementação e falhas de motivação para
avançarem outras formas regulatórias que não padeçam da crença no
mecanismo centralizado no Estado e unilateral de regular.
A opção pela forma de regular também é uma opção pelo
significado da regulação. Dos três conceitos de regulação apresentados
por Baldwin, Cave e Lodge,142 a regulação por comando e controle somente
diz respeito aos dois primeiros, que se apoiam nas ideias de regulação como
conjuntos específicos de comandos normativos ou como influência
deliberada do Estado sobre o comportamento social.
A forma de regular de comando e controle implica a adoção
do conceito de regulação como promulgação de regras pelo governo
acompanhadas de instrumentos de monitoramento e constrangimento
normativo ou como qualquer forma de intervenção na atividade econômica.
Essa forma de regulação estadocêntrica não conversa, todavia, com um
terceiro conceito de regulação descentralizada, assim entendido como
quaisquer mecanismos de controle social ou formas de influência que
afetem o comportamento social. A coincidência usual na literatura
regulatória entre a regulação entendida como normas administrativas
impositivas143 – primeiro conceito de regulação acima exposto – e a forma
regulatória de comando e controle explica a dificuldade que o jurista tem de
compreender outras formas de regulação como igualmente legítimas. No
entanto, o significado da regulação como normatização administrativa ou
como influência deliberada do Estado sobre o comportamento social não
fecham as hipóteses de influência em regimes apoiados em comando,
explicitamente lembrados pela literatura regulatória,144 tais como incentivos

142
BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. (org.). The Oxford
Handbook of Regulation. Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 3.
143
DUDLEY, Susan E.; BRITO, Jerry. Regulation: A Primer. 2. ed. Arlington:
Mercatus Center / The George Washington University Regulatory Studies
Center, 2012.
144
BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding
Regulation: Theory, Strategy, and Practice. 2. ed. Oxford: Oxford University
Press, 2012, p. 3.

72
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

econômicos, contratuais, estatutários, fomento, outorgas, gestão da


informação ou quaisquer outras técnicas juridicamente possíveis e, quando
mais eficientes, juridicamente priorizáveis frente à tradicional e já
desgastada técnica associada ao mecanismo de comando e controle, quando
utilizada sem uma articulação estratégica de teorias mais elaboradas.
As teorias da regulação mais avançadas lidarão precisamente
com o ajuste fino entre técnicas/estratégias regulatórias e
modalide/mecanismo regulatório, como ocorre com a regulação inteligente,
que basicamente propõe sequências de técnicas regulatórias que se reforçam
ou se nulificam de acordo com um mecanismo regulatório de arquitetura
responsiva.
Finalmente, no esquema de termos regulatórios, a teoria ou
modelo regulatório é uma formulação coerente de técnicas, estratégias e
modalidades regulatórias propostas com o intuito de repercutirem sobre a
engrenagem regulatória pressuposta do espaço regulado. A teoria/modelo
regulatório pressupõe, portanto, determinado mecanismo de
funcionamento da engrenagem regulatória, leva em conta as possibilidades
disponíveis de instrumentos/técnicas regulatórias existentes no
ordenamento jurídico e, se for uma teoria mais atualizada com os tempos
de hoje, incorporará espaço às estratégias regulatórias de integração
inovadora já ponderadas com o mecanismo regulatório pertinente.
A definição acima de teoria regulatória pode ainda ser
incrementada com a consciência de que uma teoria jurídica da regulação
nasce em berço esplêndido previamente munido de instituições jurídicas das
quais poucas foram talhadas para o fim específico de regular. Uma teoria
jurídica da regulação beberá de teorias jurídicas tradicionais de base sobre o
funcionamento da engrenagem jurídica e as enriquecerá com aspectos de
identidade do mundo regulatório. Ao se compreender uma teoria
regulatória, ela será tanto mais produtiva, quanto mais informar o
comportamento dos atores da regulação com previsibilidade, visão de
conjunto e ajuste dinâmico de técnicas regulatórias.
Tais distinções terminológicas não servem somente ao deleite
teórico – aliás, uma contradição em termos –, mas têm efeitos concretos
importantes. A partir dessa diferenciação, é possível compreender que os
instrumentos/técnicas regulatórios devem ser aquilatados segundo sua
pertinência ao mecanismo regulatório, bem como podem ser híbridos, ao se
apoiarem em mais de um mecanismo para regular o comportamento social.
Em outras palavras, os instrumentos/técnicas regulatórias não são
guloseimas espalhadas em uma prateleira à disposição do regulador para seu
deleite segundo o desejo do dia, mas componentes apropriados ou não ao

73
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

mecanismo regulatório que se crê apto a solucionar um problema


regulatório.
O esforço de modelagem regulatória é, por natureza,
complexo. A modelagem regulatória tem por enfoque moldar o
comportamento social regulado, podendo fazer uso de
técnicas/instrumentos regulatórios informados por mecanismos de
arquitetura regulatória, comandos, persuasão, abstenção, intervenção direta,
contratos, prestação, fomento, fiscalização, todos eles com inteligência de
incentivos, ou não.
Ao atuar como integrador de técnicas regulatórias, o regulador
perfaz, mutatis mutandis, o papel de uma empresa integradora de novas
tecnologias. Embora, em regra, não crie novas técnicas, cria processos
inovadores que repercutem decisivamente no sucesso do empreendimento
público. Nesse sentido, uma proposta de modelagem regulatória produto de
uma estratégia regulatória é funcional prescritiva – normativa –, pois vai
além da caracterização do processo regulatório para se concentrar na
melhor integração de técnicas rumo à conformação eficiente de condutas.
Se, para regular, o regulador se satisfizesse em preservar as características
básicas da regulação, estaria desenhando o mecanismo regulado sem agregar
inovação. É precisamente o aspecto da procura por respostas inovadoras
para os problemas regulatórios que ocupa atenção diferenciada na literatura
mais atualizada de regulação.145
O regulador pode agir, ou não, de forma estratégica. Se não o
faz, aposta na perfeição das soluções do passado e na imutabilidade do
sistema regulado. Se, no entanto, fizer bom uso da experiência empírica
documentada na teoria regulatória e do conhecimento sedimentado em
juízos comparados, aplicará, em um primeiro momento, técnicas
regulatórias importadas de outros setores ou de outros países; em um
segundo momento, de mecanismos regulatórios e consequentes técnicas a
eles pertinentes; e, em um terceiro momento, de estratégias inovadoras que
integram as técnicas e as posicionam segundo a melhor relação possível
frente aos mecanismos regulatórios. Tais estratégias assim o serão não por
nascerem de boas intenções ou intuições, mas da compreensão de fundo de
que o regulador ideal é um integrador de técnicas regulatórias,
fazendo uso do conhecimento sobre modelos teóricos e sua experiência, e
avançando como um integrador criativo em constante inovação pensada em
batimento com as técnicas, os modelos e a experiência conjuntural.

145
BLACK, Julia; LODGE, Martin; THATCHER, Mark. (Eds.). Regulatory
Innovation: A Comparative Analysis. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2005.

74
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

Quando Hood, Rothstein e Baldwin146 descrevem a anatomia


dos regimes regulatórios frente a parâmetros de risco, irão utilizar três
categorias de controle usuais em estudos de sociologia do direito e estudos
políticos. Um sistema regulador teria, por características básicas, a partir de
uma definição cibernética, a tríade de configuração esperada do sistema ou
expectativas desejadas (standard-setting), monitoramento (information-gathering)
e adaptação dinâmica (behaviour-modification). A regulação, vista por tais eixos,
contempla realidades em que o sistema regulado seria um ser independente
ao regulador ou que com ele se confundiria. Um processo regulador
normativo aplicado às ciências sociais, entretanto, vai muito além dessa
configuração para trabalhar com um sistema regulador com regras e
existência separadas do regulado, estando, ambos, em posição jurídica
distinta. Por isso, não basta, para identidade de uma teoria jurídica da
regulação, que ela descreva a tríade de características cibernéticas da
regulação, mas que prescreva, em propostas de modelagem regulatória, as
técnicas e os mecanismos a serem integrados em um esforço criativo que
ultrapasse a identidade da regulação para qualificá-la por formas de
apresentação inovadoras que irão agregar valor(es) antes não
vislumbrado(s), mas, a partir de agora, caracterizado(s) por função de
eficiência e por método próprio.
É importante que se compreenda que, embora seja possível
concordar com a definição de regulação por seus componentes básicos, será
o aspecto teleológico que lhe dará real caráter – finalidade de regular – e
serão os pressupostos que informam a regulação que lhe darão locus
institucional. É neste último aspecto que se situa a opção por uma regulação
por incentivos intrínsecos, decorrente da desestabilização de verdades
dogmáticas sobre a regulação centralizada na figura estatal em direção ao
que a doutrina passou a chamar de regulação descentralizada ou
descentrada147, tornando mais complexo, mas, ao mesmo tempo, mais
produtivo, o ato de regular.
O ato de regular, entretanto, não se rende a preconceitos de
que técnicas e mecanismos somente seriam úteis quando aplicados segundo
os valores que os justificaram. Há um preconceito, na própria literatura
recente de regulação, de que a opção por uma forma/modo/modalidade
regulatória – seja o controle, competição, comunicação, consenso ou

146
HOOD, Christopher; ROTHSTEIN, Henry; BALDWIN, Robert. The
Government of Risk: Understanding Risk Regulation Regimes. Oxford: Oxford
University Press, 2001, p. 20-27.
147
BLACK, Julia. Critical Reflections on Regulation. Australian Journal of
Legal Philosophy, v. 27, p. 1-35, 2002.

75
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

arquitetura – implicaria, necessariamente, a adoção de determinados


valores.148
Essa literatura dirá que cada modalidade regulatória carregaria
consigo uma aceitação implícita de legitimidade quanto ao fator ou aspecto
regulado que poderia ser preterido. Por exemplo, ela dirá que a modalidade
regulatória apoiada em competição comunicaria aceitação estatal de
comportamentos desviantes, desde que a repercussão concorrencial fosse
alcançada. A crítica corrente é no sentido de que somente uma atuação
punitiva sobre condutas desviantes revelaria uma opção por inaceitabilidade
da conduta e de que modalidades regulatórias que privilegiassem a
autonomia do regulado legitimariam comportamentos desviantes nos
espaços não controlados sob fundamento de melhoria geral da prestação
dos serviços. Trata-se, entretanto, de percepção que restringe o horizonte
de opções regulatórias, pois pressupõe que somente a proibição direta de
determinada atividade a preveniria e, ainda, que a proibição direta e
sancionada seria o método mais eficaz e eficiente para alcançar o benefício
esperado na proteção dos valores diretivos inscritos na política pública.
O problema dessa percepção intuitiva de que modalidades
regulatórias carregariam consigo opções predefinidas de valorização de
opções políticas está no fato de que ela pressupõe que a opção por uma
determinada modalidade significaria, necessariamente, valorizar somente o
aspecto de comportamento atacado pela correspondente técnica regulatória,
quando, na verdade, ao se optar por uma estratégia regulatória inovadora, o
regulador é chamado a voltar sua atenção para comportamentos passíveis
de gerar incentivos de boas práticas em seara distinta daquela diretamente
atingida pela norma. Essa deficiência de percepção doutrinária das formas
de regulação como dependentes de opções de valoração política é evidente
quando se lança mão de casos.
Quando o regulador resolve, por exemplo, adotar técnica de
incentivos intrínsecos sobre a estrutura societária do regulado, ao não
adotar técnicas de vedação direta de conduta que dispare uma sanção
estatal, não por isso, opta por aceitar o resultado que pretende suprimir.
Pelo contrário, uma técnica de internalização societária de consequências
indesejadas ao regulado por aferição de resultados indesejados pelo
regulador pode fazer repercutir sobre o comportamento desviante efeitos
ainda mais devastadores para a vida da empresa e, em especial, para quem é
o diretor de plantão. É inquestionável que tais efeitos perniciosos sentidos

148
MORGAN, Bronwen; YEUNG, Karen. An Introduction to Law and
Regulation. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 79 e seguintes.

76
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

ainda mais fortemente em casos de consequências societárias internalizadas


por determinação regulatória, ou seja, por técnica de regulação intrínseca,
revela, claramente, uma opção pela inaceitabilidade da prática que dispare o
efeito societário prejudicial.
O contrassenso intestino da literatura regulatória de vincular
técnicas e mecanismos regulatórios a valores predeterminados gera padrões
contraproducentes para a atuação do regulador. Parte-se de um preconceito
intuitivo do passado e despido de comprovação empírica, para julgar
propostas presentes e aferidas empiricamente. Não por acaso, as iniciativas
de nova modelagem regulatória vêm manietadas por técnicas contraditórias.
Se o regulador, ao adotar nova modalidade regulatória, não compreende
que ela é inerentemente híbrida e que pode ser funcionalmente orientada a
fins não-intuitivos, acreditará que ela estará em contradição com os
objetivos centrais de sua existência quando, na verdade, a adoção de técnica
acusada de ser mais liberal, dando-se autonomia ao regulado para a prática
de atos indesejados, pode ser dosada para extrair um resultado de
conformidade regulatória muito superior ao esperado de uma modalidade
regulatória de controle ostensivo, pretensamente mais obediente à
intransigência com o ilícito. A defesa de que o ilícito somente pode ser
combatido por meio de medidas exparsas sancionatórias, no mais
das vezes, camufla a realidade de promiscuidade entre o lícito e o
ilícito, atribuindo-se maior valor ao momento necessário sim da punição,
mas insuficiente para obtenção do bem efetivamente desejado de bom
comportamento do regulado.
Talvez o maior desafio do presente esteja em alterar a
compreensão intuitiva, mas empiricamente falsa, de que a punição
representa o ápice de manifestação de preocupação da autoridade com o
problema regulado para revelar-se no que ela realmente é: a última etapa de
um longo e malogrado processo regulatório que efetivamente não atingiu o
resultado desejado, ou seja, a conformidade à norma.
Outro aspecto preparatório à descrição de teorias jurídicas da
regulação é o de que as categorias usualmente utilizadas pela literatura
regulatória para descrição de gêneros de teorias regulatórias, à exceção da
institucionalista – ou seja, teorias de interesse público e teorias de interesse
privado –, têm obscurecido a visualização do aspecto jurídico do fenômeno
regulatório.
Costuma-se falar em razões de existência política, econômica e
sociológica da regulação, mas não em razões de existência jurídica. Mesmo
abordagens principiológicas apoiadas no ordenamento jurídico têm sido
confundidas com opções políticas por valores justificadores da regulação,
como ocorre, por exemplo, com a usual classificação das propostas de Cass

77
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Sunstein, de 1990, e de Tony Prosser, de 1986, como espécies do gênero


teorias da regulação de interesse público149, sob o argumento de que o papel
do direito na regulação se resumiria a fornecer um quadro geral com a única
finalidade de coordenação e tradução da decisão política bem intencionada
em ordens normativas, muito ao gosto de uma visão processual do direito,
que tem espaço, por exemplo, em uma teoria jurídico-processual
administrativa da regulação, como a de Croley que, por sua vez, é
usualmente classificada como teoria da regulação de interesse privado, haja
vista tratar do diálogo dos interesses privados no espaço processual
administrativo estatal, mesmo quando não há dúvida, para a ciência jurídica,
de que o processo administrativo de que trata Croley150 é indubitavelmente
uma instituição de direito público tratada pela teoria do direito público, cujo
arauto mais visível é o interesse público.
Ocorre, entretanto, que o significado de interesse público para
as teorias da regulação apoiadas em razões econômicas, políticas ou
sociológicas, de cunho subjetivo, é essencialmente distinto do interesse
público para a teoria jurídica de direito público, de caráter objetivo e
ordenamental.
Ao se dedicar espaço, neste livro, ao conceito de regulação
para o direito, afirma-se existir uma razão de ser da regulação para além
de teorias econômicas e políticas, e, por consequência, colmata-se uma
falta reconhecida pela literatura regulatória de justificação jurídica da
regulação. Uma teoria jurídica da regulação somente se sustenta se estiver
apoiada em uma justificativa jurídica e isso explica o tradicional desconforto
do jurista em lidar com novas estratégias regulatórias, quando ele tem sido
apresentado a teorias da regulação sem fundamentação jurídica. Para que
não se pareça estar tomando as dores de outros, o próprio Prosser dirá,
mais de vinte anos depois do seu escrito que o inseriu na categoria de
teorias regulatórias de interesse público sob o olhar político e econômico,
que, embora a regulação econômica tenha dominado a literatura regulatória
até o presente, outras formas de regulação estão apoiadas em uma
racionalidade distinta de promoção e proteção de direitos.151

149
MORGAN, Bronwen; YEUNG, Karen. An Introduction to Law and
Regulation. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 27-42.
150
CROLEY, Steven P. Theories of Regulation: Incorporating the
Administrative Process. Columbia Law Review, v. 98, n. 1, p. 1-168, Jan.
1998.
151
OLIVER, Dawn; PROSSER, Tony; RAWLINGS, Richard (Eds.). The
Regulatory State: Constitutional Implications. Oxford: Oxford University Press,
2010, p. 312.

78
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

Esse encaixe forçado de teorias jurídicas em moldes criados a


partir de juízos econômicos e políticos fecha os olhos ao movimento
constitucionalista do século XX, como se ele não tivesse afirmado o
conteúdo objetivo dos direitos fundamentais e sua precedência ao discurso
político constituído; ele obscurece a compreensão já sedimentada no
constitucionalismo moderno de que, senão em sua manifestação de poder
constituinte originário, precário e de exceção, a decisão política é
subordinada ao estatuto jurídico fundamental, em vez de sua origem. A
justificativa jurídica da regulação é a proteção de direitos. As implicações
políticas, econômicas ou sociológicas serão, decerto, relevantes, mas em um
segundo nível de análise sobre as técnicas e mecanismos regulatórios
apropriados à solução de determinado problema. A ponderação dos efeitos
de uma estratégia regulatória frente às suas consequências sobre direitos,
repercussões econômicas e políticas públicas ocorrem após solucionado o
pressuposto de uma teoria jurídica da regulação, que é a justificativa do ato
de regular como sediada na proteção de direitos fundamentais.
Morgan e Yeung152 admitem que a explicação do porquê da
regulação, como parte integrante de uma teoria da regulação, tem sido
arvorada em ciência política, economia e sociologia. É precisamente por
isso que a tradicional divisão das teorias da regulação em três vertentes –
interesse público, interesse privado e institucionalistas – aproveita pouco ao
direito, pois tal divisão lida com razões de existência da regulação de fundo
econômico, político ou sociológico, carecendo de fundamento jurídico que,
por sua tradição constitucionalista, é objetivo e assentado no ordenamento
jurídico, conectando-se ao processo decisório como instituição de direito
público funcionalmente subordinada aos princípios jurídico-constitucionais.
Justificativas econômicas, políticas e sociológicas concentrarão
suas atenções sobre as forças motivadoras da tomada de decisão e a relação
entre os interesses individuais e a manifestação coletiva. Para uma análise
jurídica, entretanto, parte-se do pressuposto de que tais forças são domadas
por princípios jurídicos que regem uma teoria jurídica da regulação. Assim,
falar-se em uma teoria da regulação do interesse público, pressupondo-se
que os elaboradores das leis e da regulamentação teriam uma intenção
benevolente é indiferente à análise jurídica, que se concentra na pertinência
objetiva da decisão frente ao contexto de princípios e regras jurídicas,
anteriores e superiores aos órgãos decisórios.

152
MORGAN, Bronwen; YEUNG, Karen. An Introduction to Law and
Regulation. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 16.

79
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Isso, por si só, já evidencia o desajuste e inadequação em se


tentar aplicar a razão de ser de teorias econômicas e políticas de regulação a
uma teoria jurídica. Estar-se-ia criando um Frankenstein teórico, utilizando-
se da razão de ser da regulação de uma ciência e camuflando-a com
argumentos jurídicos. Não se quer dizer com isso que estudos de
posicionamento do direito no esquema de teorias regulatórias econômicas e
políticas não sejam úteis ou precisos em seus pressupostos, pois
expressamente se preocupam em evidenciar o papel do direito em teorias de
interesse público ou privado.153
Para o direito, entretanto, o regulado e o regulador não agem
com o desejo de atingirem objetivos públicos ou privados; eles agem em
sintonia ou não com a orientação normativa objetiva e são algozes ou vítimas dos
constrangimentos normativos voltados à promoção de princípios jurídicos
para teorias jurídicas de oposição entre o público e o privado, ou são
partícipes na consecução da eficiência regulatória para teorias jurídicas
inspiradas no Estado Regulador, como é o caso da teoria responsiva da
regulação, que se propõe a superar o antagonismo entre discursos de
desregulação e de intensificação regulatória para abraçar a nova realidade de
fluxo institucional ou regulatório.154
Outro ponto de esclarecimento prévio ao avanço sobre as
teorias jurídicas da regulação encontra-se na tendência a se confundirem
percepções jurídicas sobre a manifestação do direito como coerção
extrínseca ou intrínseca com a discussão sobre opções regulatórias endógenas
ou exógenas da análise econômica. Abordagens regulatórias econômicas
identificadas como regulação baseada em desempenho (performance-based
regulation – PBR) surgiram como uma alternativa à abordagem tradicional de
regulação de utilidades públicas baseada em custo do serviço (cost-of-service
regulation – COSR). A regulação por desempenho se diferenciava da apoiada
em custo pelo fato de introduzir um preço de referência exógeno ou preço-
teto, reservando-se espaço à criatividade empresarial em encontrar formas
para economia de custos, premiando-as por sua eficiência.
Como se pode ver, a regulação baseada em desempenho não
surgiu em antagonismo à regulação de comando e controle, mas deu os
primeiros passos rumo a uma maior liberdade de atuação e escolhas
empresariais pautadas por metas. Outras formas mais recentes de regulação

153
MORGAN, Bronwen; YEUNG, Karen. An Introduction to Law and
Regulation. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 41; 51.
154
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p .15.

80
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

baseada em desempenho passaram a identificá-la com um tipo regulatório


de mecanismos dirigidos de incentivo ao desempenho (targeted performance
incentive mechanisms – PIMS), que seguem a lógica de repercussões normativas
premiais ou aflitivas decorrentes de critérios de desempenho155 muito ao
gosto da racionalidade finalística do Estado de Bem-estar Social.
Nessa linha, o principal autor de uma das teorias mais
festejadas de regulação – a regulação inteligente, ou smart regulation –
expressamente classificará a regulação baseada em padrões tecnológicos, a
regulação baseada em padrões de performance e a regulação baseada em
padrões de processos como tipos de regulação de comando e controle156
quando do estudo do mix de instrumentos regulatórios. A regulação
baseada em performance é tida, nessa linha de pensamento, como um tipo
de padrão de comando e controle com um modus operandi distinto dos
demais, mas ainda inscrito no espaço do dirigismo, com o diferencial de
que, ao contrário dos padrões tecnológicos e processuais, evita prescrições
específicas, mas não deixa de ser um tipo de regulação prescritiva de
resultados.
Quando, por sua vez, estudos econômicos diferenciam
regulação por preço-teto, ou regulação price cap (RPC), como uma
alternativa à regulação baseada em custos, ou regulação por custo do
serviço ou taxa de retorno (RCS), eles o fazem com o propósito de reforçar
a meta exógena em detrimento à técnica mais invasiva da regulação por
custo do serviço. Para uma análise jurídica, entretanto, tais tipos
regulatórios apresentam-se como instrumentos regulatórios tipificados
como atos administrativos ordenadores condicionantes de direitos, que
podem ser utilizados no modelo regulatório de comando e controle, ou
reaproveitados, em um esforço de definição de novo propósito a ditos
instrumentos, em modelos regulatórios propriamente apoiados na lógica do
incentivo do Estado Regulador, ou seja, na racionalidade reflexiva de
estímulos indiretos.
Finalmente, não se pode deixar de reforçar o problema da
legitimidade de modelos regulatórios imbricados no paradigma do Estado
Regulador de reserva da técnica a instâncias de administração das leis. Esse
é um problema que atinge o universo de manifestações regulatórias
desgarradas da ilusão de uma Administração meramente executiva,

155
AAS, Dan. Performance Based Regulation: Theory and Applications in
California. Berkeley, 2016, p. 2-10.
156
GUNNINGHAM, Neil; GRABOSKY, Peter. Smart Regulation: Designing
Environmental Policy. Oxford: Clarendon Press, 1998, p. 424.

81
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

implementadora de prescrições legais oniscientes e universais. Em suma, a


legitimidade importa para qualquer manifestação regulatória, seja ela
apoiada em modelagem de coerção extrínseca ou intrínseca.
A questão da legitimidade é, entretanto, revisitada quando da
sugestão de adoção de modelos regulatórios apoiados em incentivos
intrínsecos, que pressupõem atribuição de funções ao regulado e maior
abertura do regulador ao diálogo e à cooperação com os atores envolvidos,
sejam regulados, consumidores ou terceiros. A literatura que se debruça
com mais afinco sobre o aspecto da legitimidade regulatória preocupa-se
com o fenômeno mais amplo da regulação policêntrica, ou, em termos
jurídicos, dos regimes regulatórios policêntricos,157 muitas vezes
indevidamente reduzidos aos conceitos de autorregulação,
autoconstrangimento, autogovernança e auto-organização.158
Os problemas de legitimidade elencados em tais regimes
regulatórios policêntricos são de maior monta que os enfrentados pelo tipo
regulatório apoiado em incentivos intrínsecos dependentes de regulação
estatal. Essa diferença entre níveis de déficit de legitimidade – entre uma
regulação pura para além do Estado e uma regulação resultado da
composição estratégica de atuação estatal e incentivos intrínsecos – é
reconhecida pela literatura de regulação descentralizada,159 mas isso não
desautoriza a remissão às soluções apontadas por pesquisas sobre
experiências de regulação policêntrica160, cujo ápice estará situado na
discussão sobre governança democrática no âmbito da regulação

157
BLACK, Julia. Constructing and Contesting Legitimacy and Accountability
in Polycentric Regulatory Regimes. Regulation & Governance, v. 2, p. 137-
164, 2008.
158
PLAGGENHOEF, Wijnand van. Integration and Self Regulation of Quality
Management in Dutch Agri-Food Supply Chains. Wageningen, The
Netherlands: Wageningen Academic Publishers, 2007, p. 84.
159
BLACK, Julia. Legitimacy and the Competition for Regulatory Share. Law,
Society, Economy Working Papers, v. 14, p. 1-25, 2009.
160
Cf. HARLOW, Carol; RAWLINGS, Richard. Promoting Accountability in
Multilevel Governance: A Network Approach. European Law Journal, v. 13,
n. 4, p. 542-562, July 2007; COHEN, Joshua; SABEL, Charles F. Global
Democracy? International Law and Politics, v. 37, p. 763-797, 2005;
FROOMKIN, Michael. Wrong Turn in Cyberspace: Using ICANN to Route
Around the APA and the Constitution. Duke Law Journal, v. 50, p. 17-184,
2000; SCOTT, Colin. Accountability in the Regulatory State. Journal of Law
and Society, v. 27, n. 1, p. 38-60, 2000.

82
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

supragovernamental161, nos chamados non-state regulators, ou NSRs162, em um


direito administrativo oriundo de regulação global163, na padronização de
códigos de conduta voluntários164, ou mesmo na autorregulação
empresarial165.
As teorias esmiuçadas neste capítulo encontram-se
parcialmente vacinadas contra tais déficits de legitimidade, pois não
prescindem do Estado, como é o caso de parcela do rol de teorias de
regulação policêntrica. Acusa-se a postura cooperativa de uma regulação
por incentivos indiretos intrínsecos de estar mais inclinada ao tráfico de
influências e a um déficit de isenção pública, mas o mesmo pode ser dito de
uma postura não cooperativa impositiva unilateral de comando, que cria
dificuldades para vender facilidades.
Em qualquer dos casos, seja de teorias regulatórias apoiadas
em coerção extrínseca, seja de teorias apoiadas em coerção intrínseca, deve-
se estar atento a soluções que tragam maior legitimidade à atuação
regulatória. Não há pecado original em nenhuma teoria da regulação: elas
serão o que nós fizermos delas.

2.4 COMANDO E CONTROLE VERSUS


161
Cf. MEIDINGER, Errol. Competitive Supra-Governmental Regulation: How
Could It Be Democratic? Chicago Journal of International Law, v. 8, n. 2, p.
513-534, 2008; PAUWELYN, Joost; WESSEL, Ramses A.; WOUTERS, Jan.
(Eds.). Informal International Lawmaking. Oxford: Oxford University Press,
2012.
162
Cf. BLACK, Julia. Legitimacy and the Competition for Regulatory Share.
Law, Society, Economy Working Papers, v. 14, p. 1-25, 2009.
163
Cf. CASSESE, Sabino. Administrative Law without the State? The Challenge
of Global Regulation. International Law and Politics, v. 37, p. 663-694, 2005;
KINGSBURY, Benedict; KRISCH, Nico; STEWART, Richard B. The
Emergence of Global Administrative Law. Law and Contemporary Problems,
v. 68, p. 15-61, Summer/Autumn 2005.
164
Cf. CLAPP, Jennifer. The Privatization of Global Environmental
Governance: ISO 14000 and the Developing World. Global Governance, v. 4,
p. 295-316, 1998; SETHI, S. Prakash. (Ed.). Globalization and Self-Regulation:
The Crucial Role that Corporate Codes of Conduct Play in Global Business.
New York: Palgrave MacMillan, 2011.
165
Cf. BROWN, Dana; WOODS, Ngaire. (Eds.). Making Global Self-
Regulation Effective in Developing Countries. Oxford: Oxford University
Press, 2007; PARKER, Christine. The Open Corporation: Effective Self-
Regulation and Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.

83
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

INCENTIVOS

Falou-se, até aqui, em vários momentos, do método


regulatório por comando e controle e do método regulatório por incentivos.
É chegada a hora de explicar no quê, precisamente, eles se diferenciam.
Várias são as teorias econômicas que informam a
regulação. Existem duas grandes categorias usualmente citadas na literatura
como delineadoras de posicionamentos econômicos bem definidos sobre a
regulação: a categoria da teoria do interesse público; e a da teoria dos
interesses específicos, também chamada de escolha pública (public choice). A
ciência econômica vê o interesse público e os interesses específicos de
grupos de interesse segundo um enfoque distinto daquele utilizado pelo
direito.
Tais categorias, para a ciência econômica, são
predominantemente descritivas do que se acredita seja o ambiente da
regulação.
De um lado – o da teoria (econômica) do interesse público
-, parte-se, na tradição anglo-americana, de que a regulação seria orientada
no sentido de implementação da soma dos interesses individuais, enquanto,
na tradição continental, de que a regulação seria orientada no sentido de um
interesse geral do Estado propriamente público; parte-se, portanto, do
pressuposto de que a regulação caminharia naturalmente rumo a um valor
maior público que beneficiaria a coletividade em primeiro lugar.
De outro lado – o da teoria dos interesses específicos
aplicada ao mercado da regulação – o regulador atuaria como resposta à
dinâmica entre a oferta de regulação e a disputa entre os interesses
específicos dos regulados, que dirigiriam a regulação em uma revolução
contínua de interesses específicos em disputa pela oferta de regulação; ou
seja, a regulação seria dirigida por grupos de interesses específicos. A
compreensão da teoria da escolha pública, ou dos interesses específicos,
será aprofundada mais adiante, em capítulo próprio de diferenciação entre
public choice e teoria processual administrativa da regulação. Permaneçamos,
por enquanto, concentrados na precisão conceitual do comando e controle
e dos incentivos, objeto de perspectivas econômicas e jurídicas não
coincidentes.
Tais teorias econômicas sobre o funcionamento da regulação
não tomam partido, a priori, pelas formas regulatórias, seja por comando-e-
controle, seja por incentivos. A modalidade de comando e controle
apresenta-se como uma forma do regulador dirigir o comportamento
do regulado via microgerenciamento da atuação privada, em especial

84
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

empresária, enquanto a modalidade de regulação por incentivos, mesmo


que por meio de orientações estatais impositivas, é um forma de regular
que abre espaço a que os meios e os fins escolhidos para o
cumprimento da ordem estatal o sejam via opções de racionalidade
do negócio regulado. A regulação por comando e controle apoia-se no
exercício da autoridade do Estado, enquanto a regulação por incentivos
aplica métodos de amenização do conflito de interesses entre sociedade e
regulado, buscando o alinhamento entre os interesses do regulado e da
sociedade.
Na linha da literatura econômica, seriam exemplos de
regulação por comando e controle: a) a que descrevesse exaustivamente a
forma como o regulado deve realizar operação e manutenção de
equipamentos; b) a que se caracterizasse como regulação por custo do
serviço ou por taxa de retorno, ou seja, a regulação que procurasse impor a
maior proximidade possível entre o custo do serviço e o preço por ele
cobrado, definindo, por consequência, um montante esperado do lucro e
convivendo com um conflito constante entre regulado e regulador.
Regulado e regulador são dispostos em posições antípodas na regulação por
comando e controle, pois é esperado do regulado que procure brechas
regulatórias para o cumprimento dos comandos mesmo que isso implique
em não alcançar os objetivos desenhados pelo regulador. Essa técnica de
regulação por custo do serviço ou por taxa de retorno própria à modalidade
de comando e controle pressupõe que o interesse do regulado – de lucro –
divergirá do interesse estatal – de que a empresa tivesse lucro econômico
zero.
Por outro lado, a regulação por incentivos busca um desenho
regulatório que alinhe os objetivos do regulador e do regulado em um
formato menos invasivo que o exercido na regulação por comando e
controle e com a responsabilidade pelos resultados da regulação
compartilhada entre os atores da regulação. Normalmente, na literatura
econômica, afirma-se a regulação por incentivos como um contraponto da
regulação por comando e controle. Em oposição à regulação de tipo
comando e controle por custo do serviço, tem-se uma modalidade
regulatória de incentivo à redução dos custos por parte das empresas
reguladas.
Uma das técnicas mais conhecidas de regulação por incentivos
da literatura econômica é a chamada regulação price cap, teto de preços ou
preço-teto. Ao fixar um preço máximo por uma cesta de serviços, o
regulador abre espaço para que a empresa escolha os pesos de cada serviço

85
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

e procure reduzir os custos para obtenção de maior lucro.166 O preço-teto


pode ser reajustado segundo índice inflacionário corrigido por um fator de
ganhos de eficiência conhecido como fator X, correspondente à parcela dos
ganhos de eficiência de uma empresa que ela deverá compartilhar com seus
consumidores. Esse mesmo preço-teto pode ser alterado em revisões
tarifárias regulares. Outro técnica de regulação por incentivos sob o viés
econômico é conhecida como revenue cap ou teto de receitas, em que a lógica
do preço-teto é aplicada às receitas totais da empresa, ao invés de ser
aplicada ao preço. Essa técnica gera uma dependência entre a demanda e os
preços praticados por parte da empresa regulada. Segundo ela, quando
houver variação positiva da demanda por produto ou serviço da empresa
frente ao que havia sido definido na regulação, o preço será majorado;
quando houver variação negativa da demanda por produto ou serviço da
empresa frente ao que havia sido definido na última revisão tarifária, haverá
diminuição automática do preço praticado.
Há ainda técnicas que correspondem a outros mecanismos
pressupostos de incentivos, tais como a taxa de retorno com bandas, a
moratória de pedidos de revisão, o compartilhamento de receitas, a
desregulação parcial, o regime de opções de planos, a regulação de
referência por ameaça e a regulação via contratos.167
Como se pode ver, a diferença essencial entre formas de
regulação por comando-e-controle e por incentivos está na sensibilidade do
regulador aos incentivos internos aos negócios regulados presente na
regulação por incentivos e ausente na regulação por comando e controle.
A descrição acima sobre o olhar econômico a respeito dos
incentivos demonstra que a regulação por incentivos depende de medidas
apoiadas no modelo de negócios regulado, levando a um alinhamento
entre os interesses do regulado e do regulador. Essas são
características inafastáveis da regulação por incentivos, mesmo sob o
enfoque estritamente jurídico.

166
A regulação price cap tem como um de seus principais objetivos o de gerar
incentivos adequados à redução de custos por parte do regulado. Cf.
SAPPINGTON, D. E. M.; WEISMAN, D. L. Designing Incentive Regulation
for the Telecommunications Industry. Cambridge: The MIT Press, 1986.
167
Cf. COUTINHO, Paulo Cesar; OLIVEIRA, André Luís Rossi de;
FERREIRA, Hállison. Estudo sobre Regulação por Incentivos e Abordagem
Comando-Controle. Projeto de Pesquisa e Inovação Acadêmica sobre
Regulação apoiada em Incentivos na Fiscalização Regulatória de
Telecomunicações. Brasília: Agência Nacional de Telecomunicações e Centro
de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações da UnB, 2019.

86
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

Embora essa descrição tradicional dos incentivos contribua


com a noção de que há técnicas mais eficientes de conformar o
comportamento do regulado via alinhamento entre os seus interesses e os
do regulador, ela peca por não tratar de estratégias regulatórias dinâmicas
que reconheçam as várias dimensões comportamentais dos regulados, ao
partir do pressuposto de que os regulados reagiriam igualmente à mesma
cesta de incentivos. Em última análise, quando a literatura econômica
considera o teto de preços ou o teto de receitas fixado pelo Estado
como uma forma de regulação por incentivos, reduz a forma
regulatória por incentivos a uma ou algumas poucas técnicas
regulatórias.
Por isso, quando se estuda regulação por incentivos hoje, são
imprescindíveis os avanços trazidos pelo contexto de legitimidade da
intervenção regulatória do Estado Regulador e por outras teorias
regulatórias que veem o incentivo como uma forma de regulação apoiada
em diversas técnicas e estratégias que reconhecem que cada regulado
responderá a incentivos distintos e que um mesmo regulado pode
responder de acordo com o esperado em determinado momento e, em
outro, não se conformar às regras. A análise jurídico-regulatória avança
precisamente nesse campo fértil de ajuste conjuntural regulatório à
diversidade de comportamentos, de perfis dos regulados e de suas
motivações.

2.5 LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO


REGULATÓRIA, RAZÃO BUROCRÁTICA,
RACIONALIDADE MATERIAL E INCENTIVOS

As teorias jurídicas da regulação germinaram em meio ao


advento do Estado Regulador, em especial, como resposta a uma
característica oriunda do Estado Administrativo: a do domínio da técnica.
Trata-se da legitimação da intervenção regulatória do Estado por
intermédio da razão burocrática, como fiadora da dispensação de utilidades
reguladas para o atendimento de diretrizes de interesse público via
insulamento entre o sistema administrativo-burocrático e o político.168
Ou seja, a razão burocrática que informa o Estado
Regulador justifica a entrega regulada de utilidades fruíveis pelos

168
LOPES, Othon de Azevedo. Fundamentos da Regulação. Rio de Janeiro:
Editora Processo, 2018, p. 200-209.

87
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

particulares com base em juízo técnico, mas isso não resume a forma de
regular. A razão burocrática de hoje é distinta da existente no Estado de
Bem-Estar Social precisamente pelo seu entrecruzamento com o tipo de
racionalidade legitimadora que rege o Estado Regulador. Para a
compreensão dessa cadeia de relação entre o juízo técnico que informa a
regulação e o tipo estatal em que a regulação germina, é importante
passarmos por um breve relato dos tipos de racionalidade identificadores da
relação entre Estado e sociedade.
No paradigma do Estado Liberal, o direito tem a forma
operativa de abertura do espaço de autodeterminação criado para o livre
trânsito do indíviduo mediante garantia da liberdade e da isonomia em
típica manifestação de racionalidade formal, em que o direito opera por
intermédio de direitos subjetivos públicos e contratos garantidores do
espaço do direito privado.
No paradigma do Estado de Bem-Estar Social, por sua vez, o
direito opera para instrumentalizar o alcance de utilidades materiais fruíveis
pelos particulares em típica função de legitimação prestacional de serviços
públicos. Trata-se, portanto, do predomínio da racionalidade material ou
finalística instrumental, em que o Estado indica os fins, mas
principalmente e, acima de tudo, os meios pelos quais tais fins de interesse
público serão alcançados. Nesse formato de poder, o Estado dirige os
olhares para si como grande provedor das necessidades da vida e o faz
mediante um direito dirigista da atuação do particular rumo aos desígnios
estatais, separando-se claramente o interesse público do privado e os
colocando em posição de conflito. O particular que avança seus interesses
privados e ousa implementar interesses públicos é um inimigo do Estado
por retirar-lhe parte de sua essencialidade como prestador estatizante do
bem-estar social.
Finalmente, no atual Estado Regulador, a posição do
particular é elevada à categoria de parceiro do poder público, tendo-se a
transposição de uma racionalidade material instrumental para uma
racionalidade material reflexiva, em que o Estado se legitima pela
garantia de provimento de serviços essenciais, define, em suas instâncias
políticas, as finalidades de uma comunidade de princípios, mas os meios
para sua consecução são entregues a um processo de contínuo
realinhamento entre os interesses do Estado e dos particulares em que a
regulação estatal conversa com os códigos do sistema regulado e, ao mesmo
tempo, pressiona e cede terreno para o alcance de um ótimo regulatório de
conformidade normativa capaz de abrir espaço, inclusive, à conduta
virtuosa do particular para além da conformidade exigida pelas regras

88
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

jurídicas. Trata-se de um Estado em que o particular que avança interesses


públicos é um amigo festejado.
A racionalidade própria ao Estado Regulador é reflexiva, pois
ela relaciona o sistema econômico e o político-burocrático, entregando ao
direito funções coordenadoras de integração sistêmica da sociedade na
relação entre economia e Estado. Com a racionalidade reflexiva, as
respostas regulatórias a um problema do mundo não decorrem diretamente
de princípios ou regras gestadas no silêncio do sistema político-burocrático
estatal, mas decorrem, necessariamente, da dinâmica de construção
conjunta de soluções capazes de comunicar os códigos normativos
próprios aos sistemas regulado e regulador.
A característica reflexiva depende da preservação da
identidade dos sistemas regulado e regulador. Tal identidade é destruída
quando o sistema regulador pretende substituir com suas regras os códigos
presentes no sistema regulado, esgotando-o no Estado em uma verdadeira
totalização da economia e das demais manifestações do mundo da vida na
burocracia. O Estado Regulador repudia essa totalização e propõe uma
convivência de ajustes contínuos e conjunturais para realinhamento dos
interesses público e privado e construção de soluções efêmeras quantos aos
meios para satisfação dos fins trazidos pela comunidade de princípios
enunciada no direito. Em síntese, reflexivo é o método regulatório que
abraça a preservação da diversidade, repudiando o domínio do
Estado sobre o particular ao exigir de ambos uma conduta
cooperativa de contínua reconstrução das soluções para a proteção
dos direitos fundamentais.
Nesse espaço de negociação reflexiva da intervenção
regulatória, surgem as novas teorias jurídicas da regulação, aptas a lidarem
com diversas personalidades dos regulados e incentivos intrínsecos dos
sistemas regulados. Os incentivos, para as novas teorias da regulação,
não são meramente formas de maior liberdade de atuação do
regulado, mas modos regulatórios capazes de galvanizar códigos de
conduta intrínsecos aos sistemas regulados e alinhá-los ao interesse
público, e vice-versa.
Incentivos, portanto, não são meras recompensas, mas
formas regulatórias inscritas em uma racionalidade material reflexiva
de contínua negociação das regras de conduta, mediante
realinhamento conjuntural de interesses e compreensão da
diversidade de motivações dos regulados, entre si, e no tempo e no
espaço. Uma regulação por incentivos é uma forma de regular que
compreende a importância de um sistema regulador maleável capaz de
angariar forças do sistema regulado e reforçar suas normas de conduta de

89
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

coerção intrínseca, abandonando a premissa de que a razão do bom


comportamento, ou seja, da conformidade às regras por parte do regulado
se deve à ameaça ou mera afirmação de uma regra estatal com pretensão de
coerção extrínseca.
As novas teorias jurídicas da regulação rendem homenagem à
compreensão da complexidade da motivação do comportamento do
regulado e propõem soluções de desenhos institucionais complexos,
dinâmica regulatória reflexiva e regimes regulatórios variáveis para fazer do
direito um sistema finalmente compreensível pelo particular, que passa
enxergar seu reflexo no espelho do regulador como cúmplice da regra,
apreendendo-a como um produto oriundo da participação privada na
construção dos caminhos para alcance do interesse público. Com isso, o
cidadão do Estado Regulador é finalmente um agente criativo e emancipado
com autodeterminação sobre as opções e medidas de concretização de
direitos fundamentais decorrentes da comunidade de princípios jurídico-
políticos em que se insere.
Uma regulação por incentivos de coerção intrínseca em um
ambiente de racionalidade material reflexiva cooperativa é a nova fronteira
vislumbrada por teorias jurídicas da regulação. Para compreendê-las,
entretanto, é necessário dar mais alguns passos em direção ao seu
significado funcional, divisando-se a natureza e razão de ser de uma teoria
regulatória.

2.6 A RAZÃO DE SER DE UMA TEORIA


REGULATÓRIA: DESCREVER OU PRESCREVER

Embates acadêmicos entre as percepções da ciência


econômica e do direito são atraídos pelo mantra muitas vezes repetido de
que a economia teria por meta a descrição do fenômeno regulatório,
procurando entender seu funcionamento, enquanto o direito procuraria
prescrever formas regulatórias, no intuito de direcionar o comportamento
do regulado. Trata-se de uma afirmação que é parcialmente verdadeira.
Ela é parcialmente verdadeira pois apenas reflete um estado
predominante nas abordagens econômicas e jurídicas, sem representar com
fidelidade o estado da arte sobre as teorias regulatórias econômicas e
jurídicas.

90
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

É bem verdade que, antes do advento da chamada teoria


econômica da regulação169, na década de 1970, o campo de pesquisa econômica
era dominado pela economia prescritiva de precificação de custo marginal,
em que se atribuía ao governo o papel de corrigir as falhas de mercado por
intermédio das instituições reguladoras de utilidades públicas, apostando-se
no papel virtuoso do monopólio natural.170 Após o advento da teoria
econômica da regulação, entretanto, a pesquisa econômica tornou-se
eminentemente descritiva, muito embora dela surjam propostas prescritivas
de ajustes regulatórios capazes de fazer frente a efeitos maléficos descritos
pela teoria econômica da regulação.
Enfim, a compreensão de uma teoria se faz usualmente por
seus aspectos prevalecentes e, por isso, fala-se, atualmente, em uma teoria
econômica da regulação dominante na pesquisa econômica com caráter
descritivo.
Do outro lado da balança, estarão as teorias jurídicas da
regulação, que, por sua origem em teorias jurídicas prescritivas de condutas
dos regulados, flertaram inicialmente com a percepção de que sua
contribuição seria exclusivamente de caráter prescritivo de condutas na
arena do dever ser.
Felizmente, a pesquisa jurídica inspirada principalmente em
sociologia comportamental e justiça restaurativa avançou para além das
amarras tradicionais da ciência jurídica e adotou uma postura holística de
compreensão dos mecanismos de funcionamento de um mercado ou setor
regulado, de adoção de estratégias integradoras de técnicas regulatórias
adequadas ao cenário vislumbrado e condizentes com o arcabouço
institucional vigente no direito nacional e, finalmente, de prescrição de
desenhos regulatórios mais avançados capazes de fazer frente a um
ambiente conjuntural e dinâmico de contínuo realinhamento de interesses
privados e públicos rumo à eficiência.

169
Richard Posner cunhou o termo “teoria econômica da regulação”, que passou
a identificar uma espécie de teoria da escolha pública ou dos interesses
específicos aplicada ao mercado de regulação e inaugurada por George Stigler
em sua obra seminal de 1971. Vide STIGLER, George. The Theory of Economic
Regulation. The Bell Journal of Economics and Management Science, v. 2, n.
1, p. 3-21, Spring 1971.
170
Afirmando o predomínio de uma abordagem prescritiva na pesquisa
econômica regulatória no período anterior ao advento da teoria econômica da
regulação, conferir PELTZMAN, Sam. George Stigler's Contribution to the
Economic Analysis of Regulation. Journal of Political Economy, v. 101, n. 5,
p. 818-832, Oct. 1993. p. 818-819.

91
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Teorias econômicas ou jurídicas podem se identificar como


predominantemente descritivas ou prescritivas, mas, no estágio de
desenvolvimento teórico em que estamos, demandarão invariavelmente a
prerrogativa de se movimentarem entre os aspectos descritivo e prescritivo,
pois cientes de que são aspectos complementares. É uma tentação
irresistível para teóricos preocupados com a descrição da tomada de decisão
regulatória – teoria econômica da regulação – a prescrição de soluções que
corrijam distorções do mercado da regulação. Da mesma forma, teorias
jurídicas da regulação naturalmente preocupadas com a prescrição do dever
ser sentem-se desnudas se ausente problematização sobre o real
funcionamento da tomada de decisões por parte do destinatário da norma.
Não há teoria avançada de regulação hoje que abra mão de trafegar entre os
pólos descritivo e prescritivo do fenômeno regulatório.
Em especial, as teorias jurídicas da regulação partirão da
descrição de como o fenômeno regulatório ocorre para que ele possa ser
compreendido – os mecanismos de funcionamento do setor regulado, e,
por conseguinte, da regulação –, para que possa ser antecipado em seus
efeitos e, finalmente, influenciado/orientado/controlado rumo a objetivos
fixados na comunidade de princípios jurídicos.
Tais teorias jurídicas da regulação, apoiadas em pressupostos
descritivos de como o comportamento do regulado é efetivamente
influenciado, prescreverão desenhos regulatórios capazes de integrar
técnicas/instrumentos regulatórios em estratégias bem definidas em
modos/formas regulatórias condizentes com os mecanismos/engrenagens
de funcionamento do comportamento do setor regulado orientados por
dogmas e experiências hospedados em determinada teoria.
Hoje, se fôssemos obrigados a representar em um esquema
mnemônico a razão de ser de uma teoria regulatória, o faríamos na relação
compreender-antecipar descritivamente o fenômeno regulatório para
influenciar-desenhar prescritivamente recomendações de boas
práticas regulatórias.
Tendo-se avançado sobre os métodos jurídico-regulatórios de
coerção extrínseca e intrínseca, sua relação com a conformidade regulatória,
a diferença entre teorias jurídicas substantivas e procedimentais da
regulação, as formas de comando e controle de regulação por incentivos, a
legitimação da intervenção regulatória na racionalidade reflexiva e a dupla
finalidade descritiva e prescritiva das novas teorias da regulação, é chegado
o momento de avançarmos sobre os aspectos fundamentais das principais
teorias da regulação.

92
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

2.7 TEORIA PROCESSUAL ADMINISTRATIVA DA


REGULAÇÃO VERSUS ESCOLHA PÚBLICA
A ciência econômica, embora não tenha sido a primeira a se
debruçar sobre aspectos da regulação, desenvolveu todo um ramo de
estudos dedicados exclusivamente à regulação e à sua precisão conceitual,
enquanto a análise jurídica continental europeia, precedendo em mais de um
século as novas análises regulatórias econômicas, tratou da regulação como
um subproduto de uma disciplina maior da teoria do serviço público. Não
se trata aqui de se estabelecer precedência ou grau de importância entre as
abordagens econômicas e jurídicas, mas de se identificar a teoria jurídica da
regulação para além de olhos leigos como uma teoria muito mais influente e
fundamental para a compreensão do fenômeno regulatório.
Desnecessário frisar que há teorias jurídicas da regulação, pois
o direito lida diretamente com uma manifestação proeminente da regulação,
ou seja, a regulamentação normativa.
Sob o enfoque geral de que regular significa, para a ciência
jurídica, regulamentar por intermédio de preceitos normativos, todas as
teorias jurídicas destinadas à disciplina da técnica legislativa, da técnica
regulamentar e da estrutura administrativa e seus limites constitucionais
explicam a regulação, como de fato o fazem para fins de definição do que
pode ou não ser disciplinado pelo poder regulamentar, de como os poderes
instituídos devem se manifestar sobre determinada matéria regulada, de
quais são os limites desses mesmos poderes frente às garantias
constitucionais dos direitos fundamentais, de quais são as áreas e serviços
passíveis de regulação, enfim, de uma miríade de temas que são tratados
pela ciência jurídica desde que se cogita do regramento normativo de
condutas humanas.
A regulação moderna, ao ser elevada ao patamar de categoria
conceitual definidora do ethos estatal, não se contenta, todavia, com tais
abordagens gerais que a encaram apenas como um subproduto jurídico.
Imersa no meio regulatório, a ciência jurídica reagiu antes de envidar
esforços no sentido de destacar a categoria regulatória de seus estudos
tradicionais, mas afinal encontrou o caminho de tratamento científico da
regulação via direito administrativo especial de cunho setorial: o direito
setorial e regulatório.
Ao contrário do preceituado pelos expoentes da teoria
econômica da public choice, a teoria jurídico-institucional da regulação vê na
estrutura regulatória uma consequência necessária da divisão funcional de
poderes e uma garantia institucional da preservação do interesse público em

93
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

setores regulados: trata-se, portanto, da preeminência dos controles


substantivos e procedimentais de legitimidade da instituição reguladora.
Uma dessas teorias de viés procedimental é a teoria
processual administrativa da regulação171, que afasta os pressupostos da
teoria da public choice, de que haveria inafastáveis incentivos à cooptação dos
reguladores rumo a uma regulação de grupos de interesse ou special interest
regulation.172 A teoria jurídica conhecida como processual administrativa,
pelo contrário, revela a dimensão jurídico-processual da regulação como
uma regulação de interesse público ou public-interest regulation. Em outras
palavras, a teoria jurídica da regulação enfoca um aspecto pouco
aprofundado pela teoria econômica: o processo jurídico-institucional de
preservação da dicção funcional do direito.
Ao se opor, de um lado, a regulação de grupos de interesse e,
de outro, a regulação de interesse público, o que se quer dizer com isso é
que, de um lado – do lado da regulação de grupos de interesse –, os
benefícios regulatórios são atribuídos a parcelas da sociedade em
detrimento desproporcional de toda a sociedade, ou seja, o custo dos
benefícios de poucos excede o retorno eficiente e competitivo usufruído
pelos beneficiários. Pelo contrário, a regulação (econômica) de interesse
público é visível quando os benefícios regulatórios à sociedade como um
todo excedem o, ou empatam com os benefícios alcançados por poucos na
linha do critério econômico da curva de eficiência de Kaldor-Hicks. A
tradução jurídica desse critério econômico apoiado na eficiência de Pareto
encontra-se inscrita em princípios constitucionais da eficiência
administrativa, da preeminência do interesse público e da proporcionalidade
de medidas restritivas de direitos. Ambos os enfoques – econômico e
jurídico – portanto detêm categorias conceituais para aquilatarem a
regulação como prejudicial à sociedade em benefício de grupos de interesse,
ou como virtuosa ao interesse público. A seguir, são identificadas as
principais características dessas duas teorias representativas das análises
econômicas e jurídicas para que, mais à frente, elas possam ser esmiuçadas.
A teoria econômica da public choice afirma, em síntese
apertada, que o processo decisório da regulação seria um produto
necessário da troca de vantagens políticas entre representantes eleitos,

CROLEY, Steven P. Regulation and Public Interests: The Possibility of


171Vide

Good Regulatory Government. Princeton: Princeton University Press, 2008.


172De acordo com a teoria da public choice, grupos de interesse competiriam por bens
regulatórios, ou mais friamente, pela compra de legislação de políticos e burocratas,
bem como outras medidas regulatórias para o benefício de seus interesses privados.

94
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

grupos de interesse e agências reguladoras. Para tanto, ela parte de estudos


econômicos sobre a democracia e decisão política, concluindo pela ínsita
inadequação da regulação ou intervenção estatal sobre a economia como
meio de alcance do interesse público.173
Por outro lado, a teoria jurídico-processual da regulação
parte da própria natureza e razão de ser do processo decisório das agências
reguladoras ou órgãos reguladores: trata-se, portanto, do estudo processual
da manifestação do poder administrativo, algo, aliás central para a análise do
fenômeno regulatório. Daí poder-se dizer que se trata de uma teoria
processual administrativa da regulação ou teoria do processo administrativo
regulatório. Ela se preocupa com a dimensão processual do fenômeno
regulatório em sua justificativa funcional de autonomia do processo de
tomada de decisões regulatórias. Exatamente ao defender a consequência
jurídica de autonomia decisória das estruturas regulatórias via disciplina
jurídica do processo administrativo pertinente, a teoria processual
administrativa da regulação nega o fundamento básico da teoria da public
choice, qual seja, a dependência da tríade congressistas - grupos de interesse -
regulador.
As categorias conceituais que compõem a base da teoria
processual administrativa da regulação são, sinteticamente, as seguintes: a)
procedimento administrativo; b) neutralidade do processo administrativo; c)
ambiente jurídico-institucional administrativo. Cada um desses elementos
fornece um conjunto de pressupostos tradicionais à teoria geral do direito
público, que dirigem, constrangem ou afastam os incentivos que fariam do
regulador uma peça inerte no jogo de trocas políticas.

os clássicos da teoria da public choice, vide: BLACK, Duncan. The Theory


173Sobre

of Committees and Elections. Cambridge: Cambridge University Press, 1958;


DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econômica da Democracia. Trad. Sandra
Guardini Teixeira Vasconcelos, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1999 (Original de 1957); OLSON, Mancur. The Logic of Collective Action:
Public Goods and the Theory of Groups. Harvard, 2002 (Original de 1965);
ARROW, Kenneth J. Social Choice and Individual Values. 2ª ed., New Haven:
Yale University Press, 1963; BUCHANAN, James M.; TULLOCK, Gordon. The
Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional Democracy . Ann
Arbor: University of Michigan Press, 1965; NISKANEN, William A. The Peculiar
Economics of Bureaucracy. The American Economic Review, v. 58, n. 2, p. 293-305,
May 1968; STIGLER, George J. The Theory of Economic Regulation. The Bell Journal
of Economics and Management Science, v. 2, n. 1, p. 3-21, Spring 1971.

95
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

A neutralidade do processo administrativo apoia-se na


natureza jurídico-funcional da decisão administrativa, enquanto a
exteriorização do processo via procedimento administrativo apoia-se na
transparência, visibilidade, obtenção de apoio social, melhoria do conteúdo
de regulamentações propostas, antecipação de críticas dos atores setoriais e
oportunidades de ajuste da proposta. No que diz respeito ao ambiente
institucional regulatório, este abre espaço à construção de propostas
regulatórias via estabilidade profissional do regulador, via contatos perenes
com comitês acadêmico-científicos, via incentivos à defesa do interesse
público por parte do servidor-regulador, via apoio de outras estruturas de
poder à preservação da competência das agências reguladoras, ou mesmo
via controle externo e interno da atividade reguladora.
Não é por acaso que a literatura do novo direito
administrativo dedique tanto tempo e esforço ao desenvolvimento de
conceitos de autonomia dos órgãos reguladores, independência
administrativa, transparência processual, e processo decisório
administrativo.174 Esses temas se apresentam invariavelmente como os
temas inaugurais da teoria jurídica da regulação via especialização do direito
administrativo e são indispensáveis à compreensão da autonomia do
fenômeno regulatório.
Cabe aqui ressaltar, todavia, que ao se compreender a
regulação processual administrativa como um espaço republicano de
interação democrática e formação do interesse público regulatório, isso não
significa uma opção por um ambiente de tecnicalidades processuais tão
caras ao jurista formalista e que deu razão à Woodrow Wilson quando
declarava seu temor em nomear advogados para as agências independentes
nos Estados Unidos. Dizia ele que quase sentia pavor ao indicar um
advogado para uma comissão reguladora, pois este imediatamente a
manietava em tecnicalidades e, com isso, limitava seu escopo ao ler em suas
leis de criação proibições onde outros não viam senão atribuições de
poder.175

174ROSE-ACKERMAN, Susan; LINDSETH, Peter L. (org.). Comparative


Administrative Law. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2010.
175THOMPSON, Huston. Memorandum of a talk with Wilson . Library of

Congress. Manuscrito de 1º de dezembro de 1916.

96
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

2.8 TEORIA SUBSTANTIVA DA REGULAÇÃO:


TEORIA SOCIAL DA REGULAÇÃO E TEORIA
INSTITUCIONAL DA REGULAÇÃO

Da mesma forma que a teoria processual da regulação reage à


concepção da regulação como um produto da composição de interesses dos
atores regulados, enfatizando o aspecto processual da formação de decisão
regulatória, outra vertente de análise jurídica da regulação reage àquela
concepção ao considerar a regulação como um fenômeno jurídico-
institucional de proteção de bens jurídicos maiores externos à estrita relação
entre os atores regulados e seus interesses: trata-se de uma teoria
substantiva ou material da regulação.
Na tradição da experiência regulatória dos Estados Unidos da
América, essa vertente é encarnada na corrente representada por dois
expoentes da análise jurídica da regulação, nomeadamente dois publicistas:
Stewart e Sunstein. Ela é conhecida como a teoria social da regulação, em
oposição à teoria econômica da regulação.
A teoria social da regulação foi ambientada na crise do
Estado Regulador dos Estados Unidos da América da década de 1960, em
que as pretensões regulatórias deixaram de se circunscrever ao bom
funcionamento de um setor específico da economia para atingir atividades
que se alastram por diversos setores, tais como defesa do consumidor, meio
ambiente e saúde do trabalhador. A regulação social acrescentou
preocupações de direitos sociais às decisões regulatórias, qualificando, na
literatura estadunidense, o chamado Estado Social Regulador.
Segundo Stewart176, esse tipo estatal se caracteriza pela
apresentação da regulação não mais como uma solução pontual de conflitos
entre os atores econômicos, mas como produção de estratégias jurídicas de
comando de setores regulados. Em outras palavras, Stewart defende a
compreensão da regulação como a juridicização dos conflitos setoriais
econômicos.

176STEWART, Richard B. Regulation and the Crisis of Legalisation in the United States. In:
DAINTITH, Terence (org.). Law as an Instrument of Economic Policy:
Comparative and Critical Approaches. Berlin: Gruyter, 1988, p. 97-133;
STEWART, Richard B. Regulation in a Liberal State: The Role of Non-Commodity Values.
In: Yale Law Journal 92 (1983), 1537-1590.

97
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Sunstein parte do mesmo princípio de que a regulação dos


anos 1960 e 1970 nos Estados Unidos sofreu mudanças profundas ao
deixar de se preocupar exclusivamente com a estabilização da economia ou
com controle de preços e de entrada no mercado regulado para passar a
representar a defesa da saúde e segurança pública contra riscos, bem como
para compensar, apoiada em enunciados de direitos fundamentais, a
“subordinação social de grupos em posição de desvantagem”177.
Tais correntes de pensamento são representativas das
dimensões jurídicas processual e substantiva da regulação, mas não esgotam
as descrições e explicações jurídicas da regulação. Nem todas as teorias
jurídicas de regulação são facilmente enquadráveis como exclusivamente
substantivas ou processuais, mas são identificáveis por suas características
prevalecentes.
Quando da exposição, no capítulo anterior deste manual, dos
pressupostos teóricos do Estado Regulador, procurou-se avançar uma
concepção mais abrangente de regulação funcionalmente orientada à
proteção dos direitos fundamentais, algo mais aderente à tradição
constitucionalista e independente das fases regulatórias próprias à história
dos Estados Unidos da América. Essa visão material da regulação como
voltada à proteção da conformação objetiva dos direitos fundamentais –
uma verdadeira teoria institucional da regulação - aqui defendida não
afasta as contribuições da teoria processual administrativa da regulação,
nem mesmo a evolução proposta por uma teoria americana social da
regulação. Ela vai além para firmar a razão de ser da regulação como
apoiada na materialização de direitos fundamentais, inscrita nas
garantias institucionais que os cercam e aberta à nova racionalidade
material que rege o Estado Regulador de cunho reflexivo.
A diferença de fundo entre a teoria processual administrativa
da regulação e a teoria substantiva ou material da regulação – seja em sua
vertente americanizada de proteção de direitos sociais, seja a aderente à
tradição constitucionalista de objetivação dos direitos fundamentais – está
em que, embora ambas advoguem a insuficiência da análise econômica
centrada na potencialização dos interesses dos atores privados envolvidos
em um mercado regulado, a primeira delas preocupa-se com a dimensão
processual de tomada de decisão regulatória, afirmando a possibilidade de
decisões regulatórias em prol do interesse público via constrições
procedimentais, enquanto a segunda delas concentra-se na dimensão

177SUNSTEIN, Cass R. After the Rights Revolution: Reconceiving the


Regulatory State. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1990, p. 13.

98
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

substantiva da regulação, ou seja, no conteúdo da disciplina regulatória


voltada à concretização de direitos.
Fixada a relação entre a função da regulação para o direito e as
categorias de teorias processuais e materiais de regulação, importa, a seguir,
aprofundar um expoente de teoria jurídica da regulação que tem granjeado
cada vez mais espaço no cenário das teorias regulatórias: a teoria da
regulação responsiva em suas várias vertentes.

2.9 TEORIA DA REGULAÇÃO RESPONSIVA

A teoria da regulação responsiva propõe que a regulação seja


compreendida como um esforço de criação de incentivos morais para o
cumprimento da lei.178 Na tentativa de ultrapassar o debate entre regular e
desregular, Ayres e Braithwaite propõem a chamada regulação responsiva
(responsive regulation)179, segundo a qual a efetividade da regulação depende da
criação de regras que incentivem o regulado a voluntariamente cumpri-las,
mediante um ambiente regulatório de constante diálogo entre regulador e
regulado. A regulação, para Braithwaite, consiste em um conjunto de
atividades distribuídas em uma pirâmide em que, na base, encontram-se
atividades persuasivas da conduta do regulado, enquanto, no topo, um
conjunto de penas draconianas de condutas indesejadas. Portanto, à
primeira vista, trata-se de uma análise processual da regulação em que se
propõe a constante interação entre regulador e regulado na construção do
ótimo regulatório de incentivos os mais efetivos para persuasão dos
regulados via reavaliação de sucessos e fracassos das políticas regulatórias
implementadas sem definir, a priori, quais seriam os elementos substantivos
que guiariam a atuação regulatória. Ocorre, todavia, que a análise mais
detida da proposta de Braithwaite pode divisar uma dimensão substantiva
da regulação quando se identifica como seu objetivo o alcance da persuasão
do regulado, apelando para o valor da responsividade como norte e razão
da regulação.
Ela angariou tamanha notoriedade que dispensa
apresentações, mas, ao mesmo tempo, sofre com reducionismo exagerado
em sua descrição usualmente restrita à apresentação da pirâmide de punição

178BRAITHWAITE, John. Crime, Shame and Reintegration. Cambridge:


Cambridge University Press, 1989.
179AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending

the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992.

99
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

e persuasão e à ideia de escalonamento de sanções em razão do


comportamento mais ou menos virtuoso do regulado.
Para sua compreensão de fundo, entretanto, é necessário
percorrer o itinerário de sua origem e pressupostos, bem como perquirir
como ocorre a transferência de funções regulatórias do Estado para o
ambiente regulado, no quê a regulação responsiva se distingue de outros
esforços regulatórios, tais como a corregulação, a metarregulação e a
autorregulação, em relação ao quê uma regulação se apresenta como
responsiva e, finalmente, como deve ser apresentado o desenho regulatório
para que contenha diferenciais responsivos.

2.9.1 JUSTIFICATIVA E ORIGEM DA TEORIA DA REGULAÇÃO


RESPONSIVA
Antes de tudo, é importante ressaltar que a teoria da regulação
responsiva é uma teoria in fieri, com acréscimos e desenvolvimentos que
se estendem desde estudos empíricos de movimentos nacionais de
desregulação e proposta de teorização responsiva sobre a natureza do
direito, ambos da década de 1970, estudos sobre o papel influente da
ordenação social, mercadológica, estatal e corporativa na estruturação da
indústria regulada, em especial da década de 1980, passando pelo clássico
livro de Ayres e Braithwaite, de 1992, sobre regulação responsiva, que
organizou estudos prévios, como o do próprio Braithwaite sobre
autorregulação regulada, de 1982, até uma infinidade de artigos científicos e
livros sobre o tema que ocuparam as décadas de 1990, 2000 e 2010 com
propostas de melhoria teórica, tais como a proposta do diamante
regulatório de Kolieb180, e aplicação prática em formato de governança
nodal do próprio Braithwaite181 de expansão do campo de aplicação da
teoria para países em desenvolvimento, ou mesmo avanços para o campo
dos princípios regulatórios que sirvam de guia para a composição de um
mix de técnicas regulatórias proposto pela regulação inteligente de
Gunningham e Grabosky.182 Estudos já da década de 2010, sobressaindo-se
os australianos, demonstrarão o uso da regulação responsiva e da pirâmide

180
KOLIEB, Jonathan. When to Punish, When to Persuade and When to Reward:
Strengthening Responsive Regulation with the Regulatory Diamond. Monash
University Law Review, v. 41, n. 1, p. 136-162, 2015.
181
BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation and Developing Economies.
World Development, v. 34, n. 5, p. 884-898, 2006.
182
GUNNINGHAM, Neil; GRABOSKY, Peter. Smart Regulation: Designing
Environmental Policy. Oxford: Clarendon Press, 1998.

100
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

regulatória em diversos setores, desde a atividade de administração


regulatória, passando por saúde pública, meio-ambiente, transportes e
comunicações.183
A teoria da regulação responsiva não se confunde com a
teoria do direito responsivo de Nonet e Selznick184 esboçada em 1978,
embora Ayres e Braithwaite procurem identificar na regulação responsiva
aspectos de flexibilidade, negociação e cidadania participativa próprios ao
direito responsivo.185 Os autores da regulação responsiva não aprofundaram
o tema, mas a leitura de Nonet e Selznick em sua crítica à proposta de
Dworkin de que decisões judiciais deveriam ser derivadas de princípios, ao
invés de políticas, entendendo-se por princípios as proposições que
descrevem direitos e por políticas as que descrevem objetivos,186 é um rico
campo de análise sobre os fundamentos da opção regulatória e sua relação
com os direitos. A função paradigmática do direito responsivo está na
regulação, ao invés da solução de litígios privados, entendendo-se a
regulação como o processo de elaboração e correção de políticas, processo
este necessário à realização de um propósito legal.187 A regulação, para a
interpretação do direito, detém por guia primário a finalidade legal como
propósito da norma, o que evidencia a disfuncionalidade da burocracia em
sua propensão de “transformar meios – regras e objetivos operacionais de
todo tipo – em fins”188. Isso demonstra como a inexplorada natureza da
regulação frente à interpretação do direito ainda tem um longo caminho a
seguir.
A regulação responsiva, entretanto, afasta-se de discussões
sobre a razão de ser da regulação para afirmar-se como uma teoria que, em
seu nascedouro, procurou transcender o impasse entre posições
extremadas que advogavam, de um lado, a intensificação da regulação
estatal e, de outro, a desregulação, algo aliás inscrito no próprio subtítulo do

183
IVEC, Mary; BRAITHWAITE, Valerie. Applications of Responsive
Regulatory Theory in Australia and Overseas: Update. Canberra: Regulatory
Institutions Network, Australian National University, 2015.
184
NONET, Philippe; SELZNICK, Philip. Law & Society in Transition: Toward
Responsive Law. Abindgon, UK: Routledge, 2017.
185
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 5.
186
DWORKIN, Ronald. Hard Cases. Harvard Law Review, v. 88, n. 6, p.
1057-1109, Apr. 1975, p. 1060-1067.
187
NONET, Philippe; SELZNICK, Philip. Law & Society in Transition: Toward
Responsive Law. Abindgon, UK: Routledge, 2017, p. 108-109.
188
NONET, Philippe; SELZNICK, Philip. Op. cit., p. 80.

101
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

livro de Ayres e Braithwaite sobre regulação responsiva: transcendendo o


debate da desregulação.
A teoria da regulação responsiva detém inúmeras bases
teóricas, mas uma delas que merece ênfase está no pressuposto da
incapacidade da lei e do processo em atingirem simultaneamente todos os
objetivos neles pretendidos.189 O momento histórico do livro clássico de
Ayres e Braithwaite, por sua vez, transparecia uma experiência de cerca duas
décadas do predomínio de um discurso pró desregulação, de Ronald Reagan
e Margaret Thatcher, e da diferença em termos de efetivos
constrangimentos normativos implementados pelas agências reguladoras
dos Estados Unidos no primeiro e segundo governo Reagan, em que foi
detectada uma efetiva retomada da força regulatória – no segundo mandato
– após uma inicial diminuição no primeiro mandato. Essa constatação de
que o discurso de desregulação, de fato, resultara em mais regulação vinha
atribuída à compreensão de que a regulação havia migrado de um período
de opção maniqueísta entre regular e desregular para uma era de fluxo
regulatório caracterizada pelo predomínio dos fluxos e refluxos, de
correntes e contra-correntes oriundas da interrelação e interdependência
entre as ordens social, mercadológica, estatal e associativa.190 Essa
concepção de fluxo regulatório revelava que cada uma dessas ordens seria
importante para tanto restringir quanto reforçar o poder das demais e que
teorias de regulação que se preocupassem com apenas um aspecto –
usualmente o de ordenação estatal ou a autorregulação – estariam fadadas
ao fracasso, por desprezarem os efeitos disruptivos e, ao mesmo tempo,
complementares das demais ordens. A teoria da regulação responsiva é uma
resposta à retórica de oposição entre desregular e regular mais
intensamente, em homenagem à nova realidade de fluxo regulatório, ou
também chamada de fluxo institucional. Dita retórica de opção entre dois
extremos não é exclusiva desse período histórico. A análise de Osborne191
sobre a oposição entre regulação política – estatal – e autorregulação é um
exemplo de quão atual é a tentativa de se priorizar, em abstrato, uma opção
frente à outra. Antes de procurar posicionar propostas teóricas assentadas
em ideologias, o principal autor da teoria, John Braithwaite procurará apoiar

189
BRAITHWAITE, John. Corporate Crime in the Pharmaceutical Industry.
Londres: Routledge & Kegan Paul, 1984, p. 290; DIVER, Colin S. The
Assessment and Mitigation of Civil Money Penalties by Federal Administrative
Agencies. Columbia Law Review, p. 1435-1502, 1979, p. 1499.
190
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 14.
191
OSBORNE, Evan. Self-Regulation and Human Progress: How Society
Gains When We Govern Less. Stanford: Stanford University Press, 2018.

102
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

o desenho regulatório responsivo em estudos empíricos, algo que o


acompanhou desde sua tese doutoral preocupada em fugir das armadilhas
ideológicas para avançar sobre relações empiricamente comprováveis.192
A desconstrução da retórica de oposição entre regular e
desregular apoia-se tanto em constatações empíricas de ricochete de
movimentos de desregulação,193 quanto nas constatações de que a
desregulação como política leva a sua autodestruição194 e de que
movimentos de privatização vêm acompanhados de aumento da regulação,
chegando-se a dizer que privatização e desregulação seriam tendências
sociais de sinais trocados. Quando se intensifica a privatização, aumenta-se
a regulação, e vice-versa.195

2.9.2 PRESSUPOSTOS DA TEORIA DA REGULAÇÃO


RESPONSIVA
Dita origem da teoria da regulação responsiva na intersecção
entre movimentos extremos de regulação e desregulação explica os
pressupostos por ela utilizados. O pressuposto central encontra-se no fato
de que seria no espaço de interação e influência recíproca entre
regulação estatal e privada onde estariam as melhores oportunidades de
construção de alternativas de desenho regulatório à então discussão
polarizada entre regular e desregular.
Ali, o regulador tem condições de se concentrar no
redirecionamento dos pontos de contato entre regulação pública e privada,
ao invés de almejar modelos de plena regulação estatal ou, igualmente
perniciosos modelos de autorregulação voluntária.196 Um pressuposto
inafastável da teoria da regulação responsiva é o de que se assume que os
atores regulatórios, sejam eles reguladores ou regulados, na maioria das
vezes, optam por estratégias de atuação ineficientes e, assim, a regulação
responsiva é uma prescrição de atuação estatal contínua à procura de novas

192
BRAITHWAITE, John. Inequality, Crime, and Public Policy. Londres:
Routledge and Kegan Paul, 1979.
193
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 8.
194
SIGLER, Jay A.; MURPHY, Joseph E. Interactive Corporate Compliance:
An Alternative to Regulatory Compulsion. New York: Quorum Books, 1988, p.
42-43.
195
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 11.
196
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 3.

103
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

estratégias quando o regulador é controntado com insucessos recorrentes,


assumindo-se que a maior parte das iniciativas regulatórias fracassam na
maioria dos contextos de aplicação.197
A ideia de que a regulação seria indesejada é rejeitada pela
teoria da regulação responsiva. Essa teoria parte do princípio de que o bom
funcionamento dos mercados somente pode atingir uma estágio ótimo e,
portanto, benéfico às ordens envolvidas, quando o fluxo regulatório estiver
sendo integrado por intermédio da regulação estatal. Punição e persuasão
são dependentes entre si e reforçam os efeitos de sua contraparte.198 Um
dos pressupostos da teoria da regulação responsiva – um pressuposto, em
particular, empiricamente deduzido – é o de que a ameaça de sanção pode
figurar como um instrumento mais apropriado do que a persuasão para
obtenção de informação sobre o descumprimento das normas. “O poder de
punir ajuda a afirmar a legitimidade dos reguladores que desejem
persuadir”199. Persuadir, para a teoria da regulação responsiva, significa
negociar, abrindo-se mão da aplicação intransigente de punições para
valorizar o comportamento cooperativo do regulado e, em última análise,
ampliar os efeitos da regulação,200 pois a “punição nunca resulta sozinha em
um meio efetivo de regulação de negócios”201. A boa regulação é aquela que
sabe impor sanções, quando necessárias – não simplesmente possíveis, pois
as sanções drenam muito mais dos recursos regulatórios – sem que seja
destruída a capacidade da fiscalização de persuadir, apoiando-se na maior
presença pressuposta de sinergias do que incompatibilidades entre punição
e persuasão.202 Outro pressuposto da teoria responsiva está no fato de que
dita sinergia pavimentaria o caminho de menor resistência empresarial à
norma.203 A resposta à pergunta sobre se é preciso punir ou persuadir é de
que nem um nem outro, mas ambos, pois são técnicas interdependentes.
Nas palavras dos próprios autores da regulação responsiva,
um certo grau de desregulação seria bem-vindo, com a queda do muro de
Berlim, para os países saídos da cortina de ferro da União Soviética, mas
mesmo essa medida deveria ser acompanhada de esforços para constituição

197
BRAITHWAITE, John. Evidence for Restorative Justice. The Vermont Bar
Journal & Law Digest, v. 40, p. 18-22, Summer 2014, p. 22.
198
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 86.
199
BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 118.
200
BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 113.
201
BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 117.
202
BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 119.
203
BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 126.

104
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

das ordens regulatórias até então inexistentes ou fragilizadas pelo regime


comunista, sem as quais os novos mercados não teriam como funcionar ou
sobreviver. Ou seja, a receita regulatória para ingresso daqueles países no
regime capitalista passaria necessariamente pelo reforço da regulação nas
diversas ordens regulatórias, mesmo que com a diminuição da intensidade
regulatória da ordem estatal.204 Isso ocorre porque outro pressuposto da
teoria da regulação responsiva é o de que a fiscalização regulatória
realizada pela indústria seria mais ostensiva, demorada e profunda do
que a realizada por agentes públicos.
É um equívoco, segundo a teoria da regulação responsiva,
pressupor-se que a autorregulação seria uma opção de amenização das
consequências pelo descumprimento das normas quando comparada com
constrangimentos públicos, pois há evidências de que punições societárias
decorrentes, por exemplo, de departamentos de compliance podem ser
muito mais severas do que as extrinsecamente implementadas.205 A
fiscalização privada seria mais violenta, mais invasiva, mais detalhista, com
maior capacidade de detecção de problemas, teria mais fiscais e pessoal de
compliance das empresas, mais preparados, além de gozarem de confiança
empresarial para obtenção de informações e correção de rumos.206
A característica de servir como meio de interação entre ordens
regulatórias evidencia o porquê da teoria da regulação responsiva ter sido
concebida como uma estratégia específica de governança do mercado,207
com ênfase no termo governança para ressaltar que medidas regulatórias
estatais somente têm reforço e limites quando confrontadas com
medidas regulatórias internalizadas nos atores regulados. Em especial,
estratégias regulatórias que posicionem as normas no seio das empresas
reguladas, tornando-as parte do processo de produção, mediante ratificação
de normas oriundas de propostas do próprio regulado geram maior
aderência do comportamento empresarial às prescrições normativas.208 Essa

204
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 7.
205
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 122.
206
BRAITHWAITE, John. Enforced Self-Regulation: A New Strategy for
Corporate Crime Control. Michigan Law Review, v. 80, n. 7, p. 1466-1507,
Jun. 1982, p. 1468.
207
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 4.
208
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 126.

105
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

característica de reforço da autonomia do sistema regulado também decorre


da constatação de que a regulação pode aplicar, em seu escopo, uma
recomendação para a regulação das relações internacionais: “maximizar a
liberdade como não-dominação”209.
Além disso, outro pressuposto da teoria da regulação
responsiva está na afirmação de que regras governamentais detalhadas
nunca poderão cobrir adequadamente as deficiências de gestão empresarial
decorrentes de planejamento inadequado, falhas de comunicação e
contabilidade deficiente; as minúcias de uma gestão empresarial eficiente
são inalcançáveis por regras estatais, mas passíveis de incentivo pela
escalada regulatória.210
Ao se posicionar como uma teoria capaz de interagir com o
novo fluxo regulatório, ela se apresenta como um método de vantagens
mútuas no jogo regulatório.211
Além disso, a forma como a teoria da regulação responsiva vê
os regulados repercute na estruturação da pirâmide regulatória e na sua
dinâmica. Para os autores da regulação responsiva, os atores regulados são
combos de compromissos contraditórios com valores de racionalidade
econômica, respeito às leis e responsabilidade nos negócios.212
A regulação responsiva opera na convergência entre análises
de escolha racional e análises sociológicas que negam o pressuposto do
modelo da escolha racional. Ela parte do pressuposto de que abordagens
econômicas da regulação, ao resumirem o comportamento do regulado a
uma constante racional, enfraquecem a força moral do direito, tornando a
detecção e a dissuasão mais difíceis de serem alcançadas do que a partir do
legalismo; ela parte do pressuposto de que, embora o economicismo tenha
uma papel importante na regulação dos negócios, ele é limitado em suas
contribuições ao passado, ao contrário do legalismo, como modelo punitivo
de comando e controle, que, ao não assumir que os negócios sempre se

209
BRAITHWAITE, John. Relational Republican Regulation. Regulation &
Governance, v. 7, p. 124-144, 2013, p. 142.
210
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 124-125.
211
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 17.
212
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 19.

106
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

comportariam de forma racional, pode prevenir a prática de atos danosos


antes que eles ocorram.213
Não só cada ator regulado se comporta de uma forma, como
cada ator regulado manifesta-se de diversas formas contraditórias a
depender do momento, do contexto, das motivações, dos incentivos, enfim,
do ambiente regulador. A existência de diferentes personalidades do
regulado faz com que seus comportamentos sejam sensíveis a diferentes
motivações e, portanto, somente podem ser devidamente controlados por
uma sólida estrutura regulatória e estratégia apropriada oriunda da teoria
dos jogos e aplicada no dilema do prisioneiro conhecida como estratégia
regulatória da reação equivalente, “isso por aquilo”214, ou tit-for-tat regulatory
strategy, capaz de ser contingencialmente responsiva à provocação, mas
também capaz de contingencialmente perdoar. Ao se apoiar na teoria dos
jogos, a teoria da regulação responsiva absorve seus pressupostos e um
deles a caracteriza pela compreensão de que uma teoria normativa do agir
estratégico regulatório em busca do comportamento desejado depende da
vivência empírica, ou seja, ao invés de se apoiar em considerações
apriorísticas, apoia-se na interação efetiva entre os jogadores.215
Essa complexidade de comportamento de um mesmo ator
regulado resulta em quatro pressupostos sistêmicos abraçados pela teoria
da regulação responsiva, quais sejam:
a) uma estratégia regulatória inteiramente apoiada em
persuasão e autorregulação será manipulada pelos
regulados quando eles forem motivados por
racionalidade econômica;
b) uma estratégia apoiada prioritariamente em punições
minará a boa vontade dos atores quando eles forem
motivados por um senso de responsabilidade social;
c) uma estratégia apoiada prioritariamente em sanções
punitivas fomentará uma subcultura de resistência à
regulação na organização empresarial, em que

213
BRAITHWAITE, John. The Limits of Economism in Controlling Harmful
Corporate Conduct. Law and Society Review, v. 16, n. 3, p. 481-504,
1981/1982.
214
GOETTENAUER, Carlos. Regulação Responsiva e a Política de Segurança
Cibernética do Sistema Financeiro Nacional. Revista de Direito Setorial e
Regulatório, v. 5, n. 1, p. 131-146, maio 2019, p. 136.
215
SCHELLING, Thomas C. The Strategy of Conflict. 18. ed. Cambridge, MA:
Harvard University, 2002, p. 162-163.

107
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

métodos de resistência legal e contra-ataque serão


incorporados no modo de ser da indústria;
d) a estratégia regulatória da reação equivalente – isso
por aquilo, tit for tat ou TFT – será eficaz em impedir
o desrespeito às normas por atores puramente
movidos por racionalidade econômica, mas também
será útil em gerar confiança e ação ou compromisso
cívico – civic virtue.
Os dois primeiros pressupostos sistêmicos acima decorrem de
Braithwaite.216 O terceiro é inspirado em Bardach e Kagan217 e o quarto
decorre das propostas de Anatol Rapoport de teoria dos jogos assimiladas à
regulação por John Scholz, na linha da estratégia cooperativa218 e da
conformidade voluntária219.
A abordagem regulatória de retaliações equivalentes tem por
pressuposto que a melhor regulação não é uma constante punitiva, mas
também não é uma constante persuasiva.
Ambas as abordagens são necessárias para caracterizar a
regulação responsiva como forma de regulação que angaria força em migrar
de uma postura cooperativa para uma punitiva e vice-versa, conforme a
postura do regulado, ou seja, a personalidade que esteja aflorando naquele
contexto: a do agente motivado pelo lucro, pela responsabilidade social ou
por princípios de negócios.
Ao incorporar a figura da pirâmide regulatória, mais a frente
esmiuçada, a teoria da regulação responsiva qualifica essa migração
necessária entre posturas cooperativas e punitivas pelo pressuposto de que
o regulador que promove a escalada de estratégias regulatórias tem
uma vantagem comparativa frente ao que não faz uso dela.220 A

216
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985.
217
BARDACH, Eugene; KAGAN, Robert A. Going by the Book: The Problem
of Regulatory Unreasonableness. Philadelphia: Temple University Press, 1982.
218
SCHOLZ, John T. Cooperation, Deterrence, and the Ecology of Regulatory
Enforcement. Law & Society Review, v. 18, n. 2, p. 179-224, 1984.
219
SCHOLZ, John T. Voluntary Compliance and Regulatory Enforcement. Law
& Policy, v. 6, n. 4, p. 385-404, 1984.
220
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 142.

108
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

existência de punições – em abstrato e em concreto – é um incentivo para o


regulado ingressar no jogo cooperativo.221
A teoria da regulação responsiva apoia-se, além disso, em um
conjunto de assertivas derivadas de estudos empíricos prévios, tais como a
de que sanções são dispendiosas, pois desperdiçam recursos em litigância,
enquanto a persuasão é barata, e os constrangimentos de natureza punitiva
criam um jogo de gato e rato regulatório, em que as empresas encontram
formas de fugir à regulação e o Estado cria mais e mais normas para
colmatar as lacunas regulatórias.222
Tais estudos empíricos indicarão o caminho mais produtivo da
postura cooperativa estratégica: “rejeitar a regulação punitiva é inocente”223;
o oposto também o é. A conformidade é otimizada em uma regulação
contingencialmente feroz e complacente.224
Não existe uma fórmula mágica de regras de conduta aplicável
a todas as empresas, mesmo no seio de um determinado setor, que resulte
no mesmo comportamento, pois cada empresa apoia sua estrutura formal
de ser em sua história, personalidades dirigentes, estatutos, que geram um
ambiente empresarial em que uma fórmula única será incapaz de gerar
comportamentos equivalentes.225
Finalmente, a teoria da regulação responsiva parte do
pressuposto de que a regulação cooperativa será tanto mais possível quanto
maior for a dimensão ou intensidade de três requisitos: a) o uso de uma

221
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 34.
222
Se a profusão de normas é um indício de que o caminho regulatório escolhido
por uma Nação foi o da exclusividade dos constrangimentos punitivos, o setor
de saúde, no Brasil, não deixa dúvidas dessa opção desastrada, ao conviver com
cerca de 18 mil artigos espalhados em 1060 leis ordinárias e 12 leis
complementares, regulamentados por mais de 9 mil artigos somente do Gabinete
do Ministro da Saúde e infindáveis disciplinas normativas das secretarias do
Ministério da Saúde (SANTOS, Alethele de Oliveira. Teses da Saúde no
Relatório Final da VIII Conferência Nacional de Saúde e na Legislação Federal
no período compreendido entre 1986 e 2016: uma análise comparada. Tese de
Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade de
Brasília, 20 de setembro de 2019, p. 36-37).
223
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 25.
224
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 27.
225
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 61-62.

109
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

estratégia de barganha de reação equivalente; b) a disposição hierárquica de


uma gama de sanções e de estilos regulatórios interventores nas pirâmides
de constrangimento; e c) a altura da pirâmide, representada pela aflitividade
de sua sanção mais severa.226
2.9.3 A TEORIA É RESPONSIVA A QUÊ?
Compreendida a ambientação da teoria da regulação
responsiva e de seus pressupostos, cabe perguntar-se quanto ao quê ela se
julga responsiva. A resposta a essa pergunta é uma tríade.227 A teoria seria
responsiva:
a) à estrutura da indústria regulada, no sentido de
que cada setor regulado exige graus e formas
regulatórias específicas;
b) às motivações que importam aos atores regulados,
segundos os objetivos que guiam as ações das
empresas, dos grupos empresariais e dos indivíduos
isoladamente, ou seja, segundo os diferentes perfis de
atores influentes no comportamento regulado;
c) ao comportamento do regulado, à procura por
evidências de que o regulado esteja tornando efetiva a
regulação privada, reagindo conforme graus distintos
de intervenção estatal.
Outro enfoque também oriundo da teoria da regulação
responsiva está em se dizer que a estratégia responsiva o é em relação à
constante mudança dos ambientes regulatórios e de responsividade
daqueles que são regulados.228 Ou seja, a teoria propõe que o regulador seja
responsivo à constante transformação e, para isso, seja sensível à
experiência contextual dos atores regulados.
Em proposta de expansão da responsividade rumo a uma
“verdadeira” regulação responsiva, Baldwin e Black229 defendem que o
regulador deve ser responsivo não somente ao comportamento do

226
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 40.
227
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 4.
228
BRAITHWAITE, John. Evidence for Restorative Justice. The Vermont Bar
Journal & Law Digest, v. 40, p. 18-22, Summer 2014, p. 22.
229
BALDWIN, Robert; BLACK, Julia. Really Responsive Regulation. LSE
Law, Society and Economy Working Papers, Londres, v. 15, p. 1-47, 2007.

110
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

regulado, mas também à conformação operacional e cognitiva das


empresas, ao ambiente institucional e à performance do regime
regulatório, às diferentes lógicas dos instrumentos e estratégias
regulatórias e às transformações que nelas se operam. Eles concluem
que uma regulação somente será verdadeiramente responsiva quando ela
conhecer os regulados e seus ambientes institucionais, quando for capaz de
implementar novas e diferentes lógicas regulatórias de forma coerente,
quando for sensível a sua própria performance e quando conseguir
compreender as transformações dos desafios que enfrenta.230 Parafraseando
Baldwin e Black, o aspecto ‘verdadeiramente’ inovador de sua proposta está
na apresentação da responsividade também como interação com o
regime regulatório, haja vista que mesmo o aspecto não pleiteado na
teoria original de responsividade de combinações de instrumentos e
estratégias regulatórias fora antecipado por Gunningham e Grabosky231 na
formulação da teoria da regulação inteligente, mais a frente tratada.

2.9.4 CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DA ATUAÇÃO


RESPONSIVA DO REGULADOR
Além da caracterização dos fundamentos para a ação
responsiva da Administração Pública, a responsividade do regulador é
caracterizada por um diferencial próprio ao modelo responsivo: espera-se
do regulador que atue de forma inovadora sobre o rol de respostas
regulatórias à dinâmica da estrutura, das motivações e do comportamento
do regulado. Em termos jurídicos, isso significa dizer que a atividade
regulatória é vítima de uma reserva infralegal qualificada pela inovação
constante oriunda de alterações aferíveis de estrutura, motivações e
comportamento do regulado.
Uma disciplina infralegal regulatória responsiva incorpora, por
pressuposto, as razões acima como próprias ao princípio de tratamento
isonômico dos regulados: o regulador recompensará a cada um conforme
suas obras.
Não se deve confundir, entretanto, uma abordagem
responsiva com o culto pela recompensa. Tais conceitos são mais antípodas
do que complementares. A literatura responsiva chega ao ponto de concluir

230
BALDWIN, Robert; BLACK, Julia. Op. cit., p. 47.
231
GUNNINGHAM, Neil; GRABOSKY, Peter. Smart Regulation: Designing
Environmental Policy. Oxford: Clarendon Press, 1998.

111
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

que recompensas formais são contraproducentes,232 incentivando um


comportamento meramente reativo por parte do regulado, abrindo-se
espaço, somente em certos casos, para seu uso na base da pirâmide de
constrangimento e, mesmo assim, não como linha de frente, e também na
pirâmide aspiracional, ambas mais à frente tratadas. Não seria um exagero
dizer que a regulação responsiva recomenda ao regulador afastar-se ao
máximo das recompensas formais, à exceção do espaço de atuação do
regulado para além da conformidade às normas inscrito na pirâmide
aspiracional. A teoria responsiva recomenda sem temor, entretanto, o uso
de recompensas informais, como elogios e reconhecimento.
A teoria responsiva é uma meta-estratégia ao tratar, lado-
a-lado, das estratégias restaurativa e responsiva como estratégias sobre
como selecionar estratégias voltadas à solução de problemas concretos
mediante uma regulação assim entendida em sentido lato como uma forma
de redirecionamento do fluxo de eventos por intermédio de abordagens
multidimensionais.233
A literatura responsiva, predominantemente de língua inglesa e
hospedada na tradição anglo-americana, falará ainda de delegação de
funções regulatórias, muito ao gosto da própria justificativa jurídica do
exercício do poder regulador por delegação legislativa. É sabido, entretanto,
que a tradição informadora das instituições de direito público brasileiras não
incorpora essa dicção para afirmação da competência das agências
reguladoras, de modo que se passa a falar, aqui, do que se pretende enfatizar
com dita referência como galvanização de normas sociais pela ordem
regulatória estatal. Nesse sentido, a governança do mercado ocorre, na
teoria da regulação responsiva, por intermédio de técnicas informadas,
estudadas, pensadas, planejadas e estratégicas de transposição de funções
regulatórias do método de intervenção extrínseca estatal para a ordem
regulatória empresarial. É da combinação entre medidas intrusivas e
medidas de incentivos regulatórios que exsurge a configuração
responsiva da regulação.
O modo como se dá a influência sobre a ordem regulatória do
mercado via transposição de funções regulatórias do Estado para a iniciativa
privada, na teoria de regulação responsiva, encontra-se apoiado em um
conceito essencial à teoria de regulação responsiva. Trata-se do

232
BRAITHWAITE, John. Rewards and Regulation. Journal of Law and
Society, v. 29, n. 1, p. 12-26, March 2002.
233
BRAITHWAITE, John. Evidence for Restorative Justice. The Vermont Bar
Journal & Law Digest, v. 40, p. 18-22, Summer 2014, p. 21-22.

112
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

escalonamento de formas de intervenção governamental, representado


na pirâmide de constrangimento normativo234 ou enforcement pyramid e que,
intuitivamente, significa a escalada de constrangimentos mais intrusivos aos
descumpridores das normas, mas também, e tão importante quanto, a
desescalada gradual dos constrangimentos235 inspirada na estratégia de
relações internacionais de redução gradual de tensão criada por Osgood, na
década de 1960, sob o codinome Graduated Reciprocation in Tension-Reduction –
GRIT, em que a parte iniciadora da estratégia é desaconselhada a tolerar que
aqueles a quem a estratégia se dirige tirem proveito de seus atos ou a
contrastem com escalada de reações. Em face de comportamentos nocivos,
a estratégia GRIT recomenda retaliação imediata e proporcional para
restauração do status quo existente antes da escalada de tensão.236
O caráter gradual de escalada na pirâmide de
constrangimento se apresenta como outra marca identificadora da regulação
responsiva, inspirada em estudos que revelam a ineficácia em se partir
diretamente para estratégias dissuasivas ao invés de se apelar à ética dos
negócios e a medidas educativas sobre as consequências das ações do
regulado.237 O reforço do momento cooperativo entre regulador e regulado
é o enfoque central da teoria responsiva, entendendo-se esse momento não
somente como a autorregulação voluntária própria aos espaços de direito
privado naturais a qualquer ambiente regulatório, mas principalmente como
o momento de construção conjunta de soluções, inclusive sancionáveis,
mas com a expectativa de que não se precise chegar à sua aplicação.
A pirâmide é a representação mais conhecida da teoria da
regulação responsiva e detém orientações prescritivas próprias para sua
identificação enquanto tal, quais sejam:
a) que persistam punições ameaçadoras no topo da
pirâmide, pois a sua força é tanto maior quanto maior
for a distância entre a base da pirâmide e as medidas
intrusivas do seu ápice, inscrito na famosa afirmação
de que “as agências reguladoras serão capazes de falar

234
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 19-53.
235
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 128.
236
LINDSKOLD, Svenn; COLLINS, Michael G. Inducing Cooperation by
Groups and Individuals: Applying Osgood’s GRIT Strategy. Journal of
Conflict Resolution, v. 22, n. 4, p. 679-690, 1978, p. 680.
237
PATERNOSTER, Raymond; SIMPSON, Sally. Sanction Threats and Appeals
to Morality: Testing a Rational Choice Model of Corporate Crime. Law &
Society Review, v. 30, n. 3, p. 549-584, 1996.

113
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

manso quando forem vistas com grandes


cassetetes”238;
b) que contemple uma hierarquia de sanções e de
estratégias regulatórias de graus variados de
intervencionismo;
c) que funcione com controle cidadão apoiado no
conceito de tripartismo republicano regulatório, o que
gera maior aderência aos objetivos regulatórios,
previne a corrupção, impede a captura danosa,
encoraja certas formas de captura benéfica e nutre a
democracia;
d) que inspire confiança na atitude esperada do
regulador em escalar e desescalar o constrangimento
normativo, ou seja, que transmita credibilidade quanto
ao escalonamento ser real e efetivo, pois somente
assim o regulador poderá, confiante no temor do
regulado em sofrer a escalada de punições,
concentrar-se em formas menos intrusivas e menos
estadocêntricas de intervenção, beneficiando-se de
uma governança laissez-faire sem abdicar da
responsabilidade pública pela correção de
comportamentos desviantes (AYRES e
BRAITHWAITE, 1992, p. 4-5). A regulação
responsiva prefere tentativas fracassadas de punição à
ausência de movimentação por parte do regulador
nesse sentido, quando a cooperação falhar. Esforçar-
se por punir, mesmo que fadado ao insucesso, é
“muito mais eficaz do que docilmente abster-se de
exercer poderes persecutórios”239, pois se resultar
meramente em uma orientação interna empresarial de
que todos os departamentos atentem para o
problema, já se terá cumprido a função de reforço de
normas internas e, portanto, de incentivo à
conformidade.
e) que contemple a escalada não somente de punições
formais, mas também de constrangimentos em geral,

238
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 6.
239
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 137.

114
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

tais como frequência de atos de fiscalização,240


monitoramento tripartite,241 ou seja, quaisquer ações
que gerem desconforto no regulado e percepção de
que terá migrado de uma posição de maior liberdade e
segurança para outra de maior controle e ameaça.
Espaço considerável da exposição sobre a teoria da regulação
responsiva é reservado a identificar os destinatários dessa transposição de
funções regulatórias realizada de forma específica e condicionada. São eles:
a) os grupos de interesse público;242 b) os competidores desregulados;243 c)
as empresas reguladas.244 A forma de se efetivar essa transposição é
naturalmente influenciada pelas técnicas regulatórias à disposição do
regulador e pela natureza do destinatário, mas isso não impediu que fossem
fixadas características gerais do desenho regulatório em que tais técnicas são
distribuídas.
Não há dúvidas que a proposta de regulação responsiva é
teoricamente sólida e seu espaço de oportunidade empiricamente
justificado. Os próprios idealizadores da teoria, entretanto, admitem que ela
não entregaria um programa ou conjunto de prescrições sobre a melhor
forma de regular.245 Essa afirmação deve ser, entretanto, ligeiramente
corrigida com o desenvolvimento conceitual da teoria regulatória para se
afirmar que a teoria da regulação responsiva fornece um arcabouço teórico
e recomendações práticas que demonstram formas recomendadas de
regular inspiradas no mecanismo regulatório responsivo de transposição de
funções regulatórias, governança empresarial, reforço do fluxo regulatório e
integração das técnicas de regular em uma pirâmide de punições e de
incentivos. No seu nascedouro, também não faltam prescrições de técnicas
regulatórias a serem utilizadas nas camadas da pirâmide regulatória. O que
efetivamente falta à teoria da regulação responsiva e nunca poderá ser
colmatado é uma receita de ingredientes regulatórios predefinidos para
todas as situações-problema,246 pois a teoria parte do pressuposto de que
cada caso, setor, ambiente institucional, inclusive jurídico, e cultura
regulatória demandarão um esforço inovador do regulador na montagem da

240
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 38.
241
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 54-100.
242
Id., ibid.
243
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 133-157.
244
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 101-132.
245
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 5.
246
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 18.

115
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

pirâmide regulatória segundo estratégia pensada frente à estrutura da


indústria regulada, às motivações que importem aos atores regulados e o
efetivo comportamento dos regulados. Espera-se do regulador um juízo
informado e circunstancial sobre a devida modelagem da pirâmide
regulatória e uma atitude responsiva aberta a uma variedade de abordagens
– técnicas – regulatórias, atitude essa inspirada na proposta de Sigler e
Murphy247 de compliance empresarial.
Não há, portanto, na regulação responsiva, soluções
universais, mas isso não impede que Ayres e Braithwaite recomendem
algumas técnicas úteis à estruturação e implementação das ações
regulatórias nas camadas da pirâmide de constrangimentos. Por exemplo, a
proposta de autorregulação regulada é recomendada como estratégia de
galvanização da ordem regulatória empresarial por intermédio de incentivos
ao exercício responsável de controles internos. A transposição de funções
regulatórias do Estado para o setor regulado pode mesmo chegar a transpor
o monitoramento das demais funções transpostas.248
O formato da pirâmide é alongado, ou seja, de base mais
alargada, como qualquer pirâmide, mas com o seu topo distorcendo o
formato tradicional piramidal com um distanciamento desproporcional da
base. Quanto mais distante for o topo da pirâmide da base, melhores serão
os resultados de conformidade projetados pela atuação responsiva. Isso
significa dizer que o arsenal de sanções disponíveis ao regulador deve ser o
mais poderoso possível, gerando a imagem, no regulado, de que a agência
reguladora é uma grande arma benigna (benign big gun), com fala mansa,
mas portadora de um cassetete descomunal.249 Essa apresentação da agência
como capaz de lançar mão de sanções devastadoras,250 mas somente as
exercitando quando todas as demais opções de atuação cooperativa
falharem e uma cadeia de sanções menores escalonadas251 forem utilizadas
sem a repercussão esperada trará efeitos diferenciados de conformidade às
normas no comportamento dos regulados. O sucesso do modelo
regulatório responsivo apoia-se não só no escalonamento das intervenções
regulatórias, mas também na variedade de níveis de intervenção e na maior
distância possível entre o ambiente de maior liberdade do regulado e a
camada da pirâmide regulatória de sanções ameaçadoras.

247
SIGLER, Jay A.; MURPHY, Joseph E. Interactive Corporate Compliance:
An Alternative to Regulatory Compulsion. New York: Quorum Books, 1988.
248
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 4.
249
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 40-41.
250
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 19-53.
251
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 19.

116
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

Outra forma recomendada pela teoria da regulação responsiva


para atuação do regulador encontra-se na forma de aplicação da estratégia
de constrangimento de reação equivalente ou TFT enforcement strategy,
apoiada na importação da teoria dos jogos à regulação, em que a regulação é
modelada segundo o dilema do prisioneiro. Tanto a análise de teoria dos
jogos quanto o capítulo de regulação parcial da indústria foram
contribuições de Ian Ayres252 ao livro seminal da regulação responsiva de
1992.
Uma abordagem regulatória de reação equivalente implica, por
parte do regulador, o comportamento de se abster de aplicar sanções
enquanto a empresa for cooperativa,253 pois simulações computacionais de
rodadas experimentais demonstram que essa postura maximizaria os
resultados de conformidade à norma e minimizaria custos regulatórios,
sendo benéfica para ambos – regulador e regulado – enquanto ambos
adotassem posturas cooperativas.
Por isso, é disruptivo quando a empresa se aproveita da
postura cooperativa do regulador para trapacear no compliance, como
também é disruptivo quando o regulador cede à tentação de aplicar sanções
a empresas cooperativas, pois tais atitudes disparam retaliações do Estado
em aplicar sanções e da empresa em se evadir das normas.
O importante da aplicação da teoria dos jogos à regulação
decorre da ciência de que uma parte – regulador ou regulado – somente
detém trunfos em relação à outra parte enquanto persistir na postura
cooperativa. A partir do momento que o Estado lança mão de
constrangimentos normativos extrínsecos, culminando nas sanções aflitivas
e incapacitantes, ele perde a vantagem no jogo, o mesmo sucedendo com as
empresas desleais à postura cooperativa.
O meio para que esse formato de estratégia regulatória de
retaliações equivalentes seja implementado, no Brasil, demanda, entretanto,
esforço de engenharia jurídica. A tradução dessa estratégia regulatória para a
experiência jurídica brasileira, que desconfia da discricionariedade e
submete o servidor público a uma espada de Dâmocles de
responsabilização iminente com ônus da prova invertido, encontra-se no
desenho de regimes jurídicos próprios aos comportamentos
cooperativo e adversarial.

252
AYRES, Ian. Responsive Regulation: A Co-Author's Appreciation.
Regulation & Governance, v. 7, p. 145-151, 2013.
253
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 54-100.

117
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

O modus operandi do regulador na regulação responsiva é


também decisivo. É um requisito de sucesso da atuação da agência
reguladora, segundo as prescrições da teoria da regulação responsiva, que
ela reconheça a existência de níveis de agregação de atores regulados,
seja o nível de agregação das empresas em associações, o nível de
desagregação das empresas em subdivisões empresariais, o nível de
desagregação das subdivisões em agentes empresariais e, finalmente, o nível
de desagregação dos agentes/indivíduos em seus múltiplos eus ou
personalidades,254 pois as motivações incidentes sobre o ator regulado
provocam facetas de sua personalidade, que dependem das circunstâncias
de momento e contexto, ora incorporando a personalidade maximizadora
do lucro, ora a obediente às normas, ora a respeitante do ambiente de
negócios.
Como já se disse mais acima, os atores regulados são combos
de compromissos contraditórios. A regulação deve reconhecer essa ordem
de incentivos de racionalidade econômica, respeito às normas e
responsabilidade social e nos negócios: o tratamento respeitoso abre espaço
à manifestação da personalidade de responsabilidade social do executivo da
empresa. Tratá-lo sem recorrer a ameaças é um incentivo para que aflore
sua faceta com responsabilidade perante a norma e responsabilidade
social.255
A agregação e desagregação dos atores regulados e a
consciência de que se trata de atores com múltiplas personalidades
representa a forma como a teoria da regulação responsiva sintetiza o
binômio ‘objetivos-motivações do regulado’ para evidenciar que a escalada
de constrangimentos e sanções responde aos diferentes objetivos e
motivações dos atores regulados.
Dentre as recomendações ao regulador, a teoria da regulação
responsiva indica que:
a) o regulador deve ter sempre, como ponto de partida e
primeira forma de abordagem de aproximação, a
cooperação,256 o que não se confunde com a
recomendação de que a base da pirâmide de estratégias
regulatórias seja a autorregulação, pois uma coisa é dizer
que a postura do regulador deve iniciar pela cooperação e
outra é dizer que o regime regulatório destinado aos

254
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 19 e 34.
255
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 27-35.
256
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 21.

118
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

atores regulados cooperativos é o da autorregulação e


autorregulação regulada apoiado na ideia de que o
regulado pode internalizar punições mais persuasivas por
intermédio, por exemplo, da atuação de departamentos
de segurança do trabalho com poderes de recomendar
que um empregado seja demovido de sua função ou que
perca oportunidades de promoção;257
b) o regulador deve estabelecer uma sinergia entre punição e
persuasão;258
c) o regulador deve se comportar de modo a transmitir um
recado claro e em alto e bom tom de que atores
regulados descumpridores das normas que não adotarem,
honestamente, posturas cooperativas, sofrerão efetiva
persecução, ou seja, deve transmitir a real impressão de
credibilidade da atuação reguladora punitiva sob pena de
desincentivar os atores cumpridores das normas quando
eles não veem credibilidade na efetiva punição dos
infratores;259
d) o regulador deve dar tempo suficiente ao regulado para
correção de conduta antes de escalar as sanções, o que
reafirma sua reputação de regulador justo, apoiando-se na
paciência como incentivo à adoção de postura
cooperativa pelo regulado e no rigor exemplar e
divulgação dos resultados punitivos para todos os
regulados quando a postura cooperativa falhar;260
e) o regulador deve identificar níveis de conformidade às
normas, classificando-os na pirâmide de
constrangimentos261 e, para cada nível de
descumprimento das normas, deve existir um
correspondente agravamento sancionatório,262
trabalhando com a abundância de meios sancionatórios,

257
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 122.
258
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 25.
259
BOWLES, Chester. Promises to Keep: My Years in Public Life 1941-1969.
New York: Harper & Row, 1971.
260
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 43.
261
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 42.
262
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 37.

119
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

pois a escassez deles representa perda de eficácia da


pirâmide regulatória;
f) o regulador deve adotar uma visão de longo prazo, tanto
na compreensão do setor regulado, quanto na expectativa
de colher os frutos do modelo da pirâmide regulatória;263
g) a fiscalização regulatória deve ser episódica,264 ou seja,
deve avançar sobre um tema específico com averiguação
e escalada de constrangimentos para em seguida ser
suspensa por determinado período, entendendo-se os
episódios de fiscalização como forças-tarefa de
prioridades estatais com início e fim para que o caráter
punitivo ou persuasivo contínuo sofra interrupções
estratégicas e retomadas.
Ao reforçar a fiscalização regulatória episódica, a teoria da
regulação responsiva evidencia como uma fiscalização concentrada em
padrões de comportamento indesejados é mais eficaz do que uma
fiscalização apoiada em cumprimento horizontal e contínuo de toda a
regulamentação.265
Cada episódio ou período de fiscalização dirigida e aplicação
de escalada de constrangimentos deve vir acompanhada de maior exigência
de evidência cooperativa do regulado, sendo que quanto mais cooperativo
ele for, mais rápido sairá da situação de desconforto.
Um tipo de medida cooperativa envolve aquilo que a doutrina
internacional chama de auto-sanção (self-sanction), como, por exemplo, a
obrigação da empresa pagar por investigação independente para produção
de relatórios públicos sobre desconformidade normativa.266
O caráter episódico de esforços de regulação responsiva
evidencia que esse tipo regulatório é inimigo da aplicação rotineira de
penalidades, pois essa postura estatal destrói a cooperação e qualquer
benefício derivado de sanções verdadeiramenta graves.

263
BRAITHWAITE, John. Enforced Self-Regulation: A New Strategy for
Corporate Crime Control. Michigan Law Review, v. 80, n. 7, p. 1466-1507,
Jun. 1982, p. 1466.
264
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 42-43.
265
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 40.
266
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 44.

120
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

O Estado deve lançar mão da persuasão, no front,


reservando a punição para a retaguarda, pois a teoria da regulação
responsiva parte do pressuposto de que, quanto menos evidente e poderosa
for a técnica de controle utilizada para alcance da conformidade, será mais
provável que ocorra a internalização da norma no comportamento do
regulado.
Por isso, o regulador deve seguir o princípio do mínimo
suficiente, ou seja, somente deve ir até o ponto da pirâmide de
constrangimento suficiente para o alcance da conformidade. Cada avanço
para além do necessário diminui os efeitos benéficos da proposta
responsiva, que segue a lógica de que medidas de dissuasão ou
incapacitação somente têm lugar quando a internalização de normas no
comportamento do regulado falhar.267
O momento cooperativo da negociação regulatória é
potencializado pelo efeito instrutivo e demonstrativo que o regulador deve
adotar ao entabular discussões nessa fase, evidenciando que os efeitos da
desconformidade à norma serão inexoráveis. A cooperação entre regulador
e regulado deve vir acompanhada de uma clara exposição dos efeitos
maléficos do insucesso, tanto nos níveis de agregação empresarial –
reputação empresarial – quanto de desagregação individual – exposição
pessoal.268
Ao desenhar a pirâmide regulatória, o regulador deve também
ter presente que há diversos tipos de constrangimentos para diferentes
atores regulados e suas diferentes personalidades. Sanções aflitivas com
efeitos econômicos voltam-se ao ator regulado e a manifestações de seu eu
obediente à racionalidade econômica, como multas, intervenção, apreensão,
lacração, suspensão provisória de atividades.
Tais sanções ainda se encontram no nível de procurar impedir
ou prevenir a ação danosa; são constrangimentos dissuasivos (deterrence),
mas não incapacitantes (incapacitative), tais como a cassação, que por sua
natureza definitiva e final, dirige-se a atores ou personalidades irracionais.269
Outros tipos de constrangimento, como publicidade
adversa,270 também tocam na tecla da racionalidade econômica, mas, como

267
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 49-51.
268
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 45.
269
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 30.
270
FISSE, Brent; BRAITHWAITE, John. The Impact of Publicity on Corporate
Offenders. Albany: State University of New York, 1983.

121
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

comprovado por Thornton, Kagan e Gunningham271, somente para certos


tipos de empresas de um setor regulado motivadas pela perda de reputação.
O regulado ora age motivado pelo lucro, ora por
responsabilidade social, entendendo-se que o regulado é um retrato de
como o regulador o trata, pois a forma como o regulador trata o regulado o
faz migrar de um comportamento apoiado em virtude para outro apoiada
em racionalidade econômica; o regulador cultiva a personalidade
correspondente à forma de tratamento que aplica ao regulado.272
Um exemplo de comportamento produzido por tipo
regulatório que pressupõe o pior do regulado é o que se vivencia no Brasil
na relação entre certos órgãos de controle e a Administração Pública. Tais
órgãos são acusados, no dia-a-dia da atuação administrativa, de
pressuporem que todo servidor público seria um criminoso em potencial,
tratando cada deslize ou erro não intencional como uma tentativa
cuidadosamente planejada de burlar as leis. Mesmo que isso não seja
verdade – e não é –, a teoria comportamental responsiva evidencia que o
que realmente importa é como o comportamento do controlador repercute
no controlado e a imagem de tais órgãos na Administração Pública é
inquestionavelmente dirigida a uma constante punitiva. Dada essa imagem
prevalecente, os órgãos de controle brasileiros acabam por minar o
comportamento virtuoso do servidor público e fazem florescer, conforme
argumentam os estudos de motivações individuais, um comportamento
retaliador do agente em cumprir somente o estritamente exigido por lei, ou
seja, o agente controlado passa a adotar uma postura radical de
racionalidade, tendo sua personalidade virtuosa embotada por um regime
corregedor que tende a desconhecer o reforço de atitudes pautadas por
responsabilidade social e respeito às leis.
O regulador deve fazer com o regulado, portanto, o inverso
do que certos órgãos de controle fazem com ele. O regulador deve adotar a
postura de que o ato de conformidade à norma do regulado não
necessariamente se baseia no receio de ser punido, mas em uma opção
deliberada pela conformidade. Sua atuação estratégica – do regulador –
deve ser orientada não à acusação e à ameaça,273 mas ao esclarecimento da
norma em busca do eu-responsável – a personalidade do regulado motivada

271
THORNTON, Dorothy; KAGAN, Robert A.; GUNNINGHAM, Neil. When
Social Norms and Pressures Are Not Enough: Environmental Performance in
the Trucking Industry. Law & Society Review, v. 43, n. 2, p. 405-435, 2009.
272
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985.
273
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 48.

122
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

por responsabilidade social –, pois, do contrário, arrisca transformar um


regulado moralmente orientado em um adversário despido de princípios. A
postura que não condiciona cada ato do regulado a uma ameaça reforça o
sentido de responsabilidade ao se pautar pela confiança.
Isso evidencia outro aspecto fundamental da implementação
de um desenho regulatório responsivo: uma comunicação competente
sobre o modelo, a intenção do Estado de cumpri-lo à risca e a imagem de
invencibilidade e justiça do regulador ao se apresentar decisivo na escalada
progressiva de ameaças. O regulador deve agir à imagem e semelhança de
um cão pastor que consegue domar um rebanho com sinais progressivos de
agressividade, transmitindo uma imagem de ataque iminente, mas sem ter
que, na grande maioria dos casos, chegar às vias de fato. Essa postura faz
desabrochar, no regulado, sua personalidade leal, cumpridora das normas,
cooperativa e de responsabilidade social.274 A clara comunicação antecipada
sobre a intenção do Estado em escalar as punições da pirâmide é um
incentivo para a indústria e o regulador de procurarem fazer funcionar a
regulação nas camadas mais baixas.275
A pirâmide regulatória também deve ser estruturada lançando-
se mão de um abundante arsenal de medidas interventivas de
constrangimento, evitando-se a concentração do esforço regulatório em
poucas sanções graves. É na gradação das sanções que reside a força de
uma regulação responsiva. Tanto mais forte será a pirâmide em impactar o
comportamento do regulado quanto mais medidas forem dispostas com
graus de constrangimento distintos, desde medidas amenas até as mais
graves. É sabido que a disciplina do comportamento exclusivamente por
medidas gravosas extremamente drásticas pode levar à ineficácia da
regulação e ao fenômeno da subregulação e impunidade.276
Tão importante quanto o que fazer é o que não fazer na
regulação responsiva e a recomendação mais incisiva da teoria está em que
o regulador não transforme a pirâmide em um retalho de medidas
regulatórios independentes. Quando a teoria da regulação responsiva indica
como desenho regulatório ideal o da pirâmide, o faz para evidenciar que o
modelo regulatório responsivo é um conjunto integrado de medidas
escalonadas em gradação correspondente às motivações e aos

274
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 47.
275
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 38.
276
FEELEY, Malcolm. Court Reform on Trial: Why Simple Solutions Fail. New
York: Basic Books, 1983; MENDELOFF, John. An Economic and Political
Analysis of Occupational Safety and Health Policy. Cambridge: MIT Press,
1979.

123
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

comportamentos dos regulados. Se o exercício da atuação responsiva se


desviar para se concentrar na aplicação de sanções drásticas ao invés de se
concentrar na atitude cooperativa e no tratamento da fiscalização
regulatória de forma episódica, estará colocando a perder todos os
benefícios esperados da modelagem regulatória. Da mesma forma, se o
regulador se concentrar na negociação e atitude cooperativa descurando-se
da escalada de constrangimentos, também estará abrindo mão dos
benefícios dessa atitude.277
Finalmente, foi deixado por último a recomendação da teoria
da regulação responsiva que parece ter sido elaborada pensando-se no setor
de telecomunicações, segundo a qual, nas indústrias de transformações
tecnológicas céleres, o regulador deve apostar pesadamente em persuasão,
ao invés da punição.278 Essa afirmação deve ser lida, obviamente, em
conjunto com o corpo de recomendações da regulação responsiva,
eminentemente apoiada em medidas de reação equivalente contingenciais,
de reavaliação constante, de regimes de comportamento e motivações dos
regulados, de contínua e episódica escalada e desescalada de
constrangimentos e de disponibilidade de um amplo arsenal de medidas
punitivas.

2.9.5 AS PIRÂMIDES REGULATÓRIAS

De forma didática, as pirâmides regulatórias foram desenhadas


a seguir, inserindo-se nelas medidas específicas como exemplos para, em
seguida, promover-se a sua explicação, com o benefício visual de remissão
às figuras correspondentes, lembrando-se que a apresentação visual das
pirâmides é uma forma de sintetizar passos heurísticos representativos da
teoria da regulação responsiva e, à exceção das pirâmides de perfis dos
regulados (Figura 3) e de finalidades regulatórias (Figura 4), contêm
medidas exemplificativas que não esgotam as possibilidades de inovação
regulatória por parte do regulador. É comum, na literatura responsiva, até
mesmo evitar-se preencher as pirâmides com medidas específicas,

277
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 38.
278
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 26.

124
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

diminuindo-se o trabalho dos teóricos, mas remetendo-se ao regulador o


esforço de preenchimento.279
Para facilitar a leitura, preferiu-se reunir todas as técnicas
citadas na literatura esparsa nas figuras abaixo, sem que elas esgotem o
espectro de possibilidades regulatórias responsivas.
Atente-se também para o fato de que tais pirâmides são
representações simplificadas da teoria que professam e que o apego
somente à forma pode levar o pesquisador a negligenciar aspectos centrais
da teoria da regulação responsiva, como salientado por Mascini.280
As pirâmides e suas derivações devem ser analisadas tendo-se
em mente que a teoria da regulação responsiva intencionalmente abre mais
questões para serem resolvidas pela prática regulatória e por estudos
científicos, e que ela é, ao mesmo tempo, “muito complexa para ser
implementada e tão intuitiva quanto jardinagem ou criação de filhos”281.

279
É o que ocorre em GOSSUM, Peter Van; ARTS, Bas; VERHEYEN, Kris.
"Smart Regulation": Can Policy Instrument Design solve Forest Politcy Aims of
Expansion and Sustainability in Flanders and the Netherlands? Forest Policy
and Economics, v. 16, p. 23-34, 2012, p. 26.
280
MASCINI, Peter. Why was the Enforcement Pyramid so Influential? And
what price was paid? Regulation & Governance, v. 7, p. 48-60, 2013.
281
PARKER, Christine. Twenty Years of Responsive Regulation: An
Appreciation and Appraisal. Regulation & Governance, v. 7, p. 2-13, 2013.

125
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

ESTRATÉGIAS REGULATÓRIAS

regulação
por sanções
vinculadas

regulação por sanções


discricionárias

autorregulação regulada

autorregulação

Figura 1 – Pirâmide de estratégias regulatórias


Fonte: John Braithwaite (To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine Safety, 1985, p. 142) e
Ian Ayres e John Braithwaite (Responsive Regulation: Transcending the Deregulation Debate, 1992,
p. 39).

126
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

MEDIDAS DE CONSTRANGIMENTO

revogação
da licença
de operar

suspensão
temporária de
licença de
operar

sanção penal

sanção cível

advertência

persuasão

Figura 2 – Pirâmide de constrangimento


Fonte: Ian Ayres e John Braithwaite (Responsive Regulation: Transcending the Deregulation Debate,
1992, p. 35).

127
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

TELEOLOGIA DAS MEDIDAS


PERFIS DOS REGULADOS
DE CONSTRANGIMENTO

Figura 3 – Pirâmide de perfis Figura 4 – Pirâmide de finalidades


dos regulados ou de suposições regulatórias, de teleologia das
regulatórias medidas de constrangimento ou
Fonte: John Braithwaite (The Essence of de justiças restaurativa, dissuasiva
Responsive Regulation, 2011, p. 486; Responsive e incapacitante
Regulation and Developing Economies, 2006, p.
887). Fonte: Com enfoque na finalidade regulatória, Peter
Drahos (Intellectual Property and Pharmaceutical
Makets: A Nodal Governance Approach, 2004, p.
412); e, com enfoque em justiça restaurativa, John
Braithwaite (The Essence of Responsive
Regulation, 2011, p. 486; Responsive Regulation
and Developing Economies, 2006, p. 887).

128
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

INTEGRAÇÃO DE PERFIS DE REGULADOS E FINALIDADES


REGULATÓRIAS

Ator incapaz ou
irracional
incapacitação

Ator racional dissuasão

justiça
Ator virtuoso
restaurativa

Figura 5 – Pirâmide de Pareamento entre Perfis dos Regulados e


Justiças restaurativa, dissuasiva e incapacitante
Fonte: John Braithwaite (Restorative Justice & Responsive Regulation, 2002, p. 32); John
Braithwaite (Regulatory Capitalism: How it Works, Ideas for Making it Work Better, 2008, p. 91).

129
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

RECOMPENSAS (supports) SANÇÕES (sanctions)

Figura 6 – Pirâmide de Figura 7 – Pirâmide de sanções


recompensas ou strenghts-based ou pirâmide regulatória
pyramid Pirâmide de sanções ou punições, ligeiramente
Pirâmide de apoios, reforço positivo ou adaptada para situações-problema genéricas
recompensas, ligeiramente adaptada para Fonte: John Braithwaite, Toni Makkai e Valerie
situações-problema genéricas Braithwaite (Regulating Aged Care: Ritualism and
Fonte: John Braithwaite, Toni Makkai e Valerie the New Pyramid, 2007, p. 319); John Braithwaite
Braithwaite (Regulating Aged Care: Ritualism and (The Essence of Responsive Regulation, 2011, p.
the New Pyramid, 2007, p. 319); John Braithwaite 482)
(The Essence of Responsive Regulation, 2011, p.
482)

130
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

GOVERNANÇA REGULATÓRIA EM REDE

Regulação em
Rede Plus-Plus

Regulação em Rede
Plus

Regulação em Rede

Autorregulação

Figura 8 – Pirâmide de regulação em rede


Pirâmide de governança regulatória em rede ou apoiada em nós de governança em rede
Fonte: John Braithwaite (Responsive Regulation and Developing Economies, 2006, p. 890); John
Braithwaite, Toni Makkai e Valerie Braithwaite (Regulating Aged Care: Ritualism and the New Pyramid,
2007, p. 316); John Braithwaite (Responsive Regulation and Developing Economies, 2007, p. 155).

131
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

DIAMANTE REGULATÓRIO

Selos de qualidade e de
comportamento ético e
obrigações de que empresas
divulguem certos
comportamentos, como, por
exemplo, resultados de
auditorias
Regulação Aspiracional

Normas estatais que encoragem


melhoria de performance, como
divulgação de boas práticas de gestão
empresarial e identificação de
soluções técnicas de ponta

Normas não-jurídicas
e.g. códigos de conduta da indústria, orientações
operacionais internas de empresas (códigos de
responsabilidade social), códigos de conduta pessoal de
matiz religiosa ou ética

Legislação e regulação setorial com padrãos mínimos de comportamento

Respostas regulatórias de cunho


dialógico, colaborativo e voluntário
Regulação de Conformidade

(enfoque persuasivo)

Punições menos graves


(enfoque dissuasivo)

Punições
graves
(enfoque
incapacitante)

Figura 9 – Diamante Regulatório


Diamante Regulatório, preenchido com exemplos inexistentes no desenho original, mas derivados de
propostas da teoria da regulação responsiva aspiracional ou do diamante regulatório. Fonte:
composição nossa, apoiada em Jonathan Kolieb (When to Punish, When to Persuade and When to
Reward: Strengthening Responsive Regulation with the Regulatory Diamond, 2015, p. 150) para
desenho da forma, com preencimento de exemplos constantes da exposição dissertativa da teoria.

132
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

MECANISMOS REGULATÓRIOS282

Comando e
Controle
- Sanções penais ou civis
- Revogação ou
suspensão de licença ...

Metarregulação
- Autorregulação regulada
- Exigência de melhoria contínua
- Auditoria externa
- Exigência de que se reportem
incidentes
- Proteção de denunciantes
- Exigência de que se promova ao
estudo das causas
- Publicação de indicadores de
performance
-Comitê de reclamações de
consumidores...
Autorregulação
Acreditação voluntária; Objetivos de
performance; Benchmarking; Revisão por
pares; Transparência...

Mecanismos de Mercado
Competição; Contratos; Informação de consumo

Voluntarismo
Protocolos e Orientação; Monitoramento pessoal; Educação
continuada; Novas tecnologias

Figura 10 – Pirâmide de mecanismos regulatórios


Fonte: John Braithwaite, Judith Healy e Kathryn Dwan (The Governance of Health Safety and
Quality, 2005, p. 15); Judith Healy e John Braithwaite (Designing Safer Health Care Through
Responsive Regulation, 2006, p. S57).

282
O texto de onde se extraiu esta pirâmide não a chamou de pirâmide de
mecanismos regulatórios, mas simplesmente de pirâmide regulatória. Todavia,
durante a explicação do posicionamento das estratégias regulatórias nesta
pirâmide, fala-se em típicos modos, modalidades ou mecanismos regulatórios,
pelo que se optou por atribuir o termo acima como o mais apropriado para esta
apresentação da pirâmide regulatória. O conteúdo da pirâmide foi ligeiramente
adaptado a um cenário mais amplo que não se restringisse ao setor de origem
das fontes pesquisadas

133
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

MODELO EXPANDIDO DE PIRÂMIDE REGULATÓRIA

Organizações
comerciais e não-
Governo como Negócios como
comerciais como
regulador autorreguladores
reguladores
substitutos

Primeiros atores Segundos atores Terceiros atores


Figura 11 – Pirâmide Tridimensional
Fonte: Neil Gunnigham e Darren Sinclair (Smart Regulation: Designing Environmental Policy, 1998, p.
398).

A pirâmide regulatória de matiz responsiva foi primeiramente


proposta por Braithwaite no seu livro de 1985 sobre punição e persuasão na
regulação de segurança do trabalho em minas de carvão283 sob o argumento
de que a conformidade à norma seria mais provável quando o regulador
explicitasse uma pirâmide de constrangimento, “pirâmide escalonada de
regimes intervencionistas”284, ou enforcement pyramid. Essa pirâmide de
constrangimento representa o tipo e a proporção relativa de atividades de
constrangimento do regulador.
Um primeiro passo à compreensão da pirâmide regulatória
está em entendê-la como várias pirâmides de escaladas punitivas e
desescaladas persuasivas (Figura 1 e Figura 2). Assim, a primeira referência
à pirâmide regulatória foi proposta como uma pirâmide de estratégias
regulatórias – pyramid of regulatory strategies – e uma pirâmide de níveis de
atividades de constrangimento ou simplesmente pirâmide de
constrangimento – enforcement pyramid. A pirâmide de estratégias regulatórias,
ao contrário do que ocorre com a pirâmide de constrangimento, não
explicita as técnicas ou instrumentos específicos, mas se concentra em
descrever as formas de regulação que devem guiar a abordagem do
regulador desde espaços deixados à autorregulação, passando pela

283
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985.
284
GOETTENAUER, Carlos. Regulação Responsiva e a Política de Segurança
Cibernética do Sistema Financeiro Nacional. Revista de Direito Setorial e
Regulatório, v. 5, n. 1, p. 131-146, maio 2019, p. 137.

134
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

autorregulação com constrangimento normativo estatal e por comandos


punitivos discricionários até chegar a punições vinculadas à imagem e
semelhança da estratégia de incêndio de pontes, ou burning bridges, cujo
conteúdo de incentivo está em comunicar ao regulado a intenção de nunca
retroceder.285
A pirâmide de estratégias regulatórias tem escalonados, da
base para o topo:286 a) a autorregulação, ou self-regulation; b) a autorregulação
regulada, ou autorregulação com constrangimento normativo
governamental, ou enforced self-regulation; c) a regulação por sanções
discricionárias, ou regulação por comandos normativos com
discricionariedade para punir, ou command regulation with discretionary
punishment; d) a regulação por sanções vinculadas, ou regulação por
comandos normativos punitivos vinculados, ou command regulation with
nondiscretionary punishment. O rol de estratégias não é um dado pronto e
acabado, como demonstra a pirâmide de mecanismos regulatórios,287 que
insere, ainda abaixo da autorregulação, os mecanismos de mercado e o
voluntarismo (Figura 10).
Por sua vez, a pirâmide de constrangimento é estruturada
contendo, em sua base, exemplificativamente, a persuasão, escalando para
advertência, sanção cível, sanção penal, suspensão temporária de licença de
operar e revogação da licença de operar.
É precisamente no rol de técnicas regulatórias da pirâmide de
constrangimento onde o regulador deve exercitar seu esforço inovador,
pois para cada setor e conjuntura regulatória, haverá diferentes técnicas, tais
como as seguintes aventadas em estudo empírico australiano sobre a prática
de diversos setores, procurando trazê-las, da prática regulatória, para o
formato responsivo piramidal: a) na seara de regulação de empresas,
privilegia-se a autorregulação sob fiscalização regulatória, o monitoramente
regular de determinados mercados, e a investigação criminal por
provocação;288 b) na regulação ambiental, são utilizados o licenciamento, os

285
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 38.
286
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 142.
287
HEALY, Judith; BRAITHWAITE, John. Designing Safer Health Care
Through Responsive Regulation. The Medical Journal of Australia, v. 184, n.
10, p. S56-S59, May 2006, p. S57.
288
GRABOSKY, Peter; BRAITHWAITE, John. Of Manners Gentle:
Enforcement Strategies of Australian Business Regulatory Agencies. Melbourne:
Oxford Universit Press/Australian Institute of Criminology, 1986, p. 12-16.

135
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

relatórios de auto-avaliação compulsórios ou voluntários, e o


automonitoramento de atividades por parte da empresa;289 c) na regulação
de saúde e segurança do trabalho, são comuns a judicialização de condutas,
o enfoque em fiscalizações relâmpago sobre áreas de competência do
regulador, ou seja, episódio ou blitz fiscalizatória, as ações educativas e de
persuasão, o incentivo à formação de comitês privados fiscalizadores, a
aplicação de constrangimentos informais de aumento de fiscalização
quando detectado o descumprimento de normas, e a preferência ao uso de
punições de suspensão de atividade empresarial em comparação a multas;290
na regulação nuclear, aplicam-se auditorias independentes,
automonitoramento e fiscalização governamental da atividade de
automonitoramento, pirâmide de constrangimento despida de ameaça de
judicialização, mas fazendo uso de advertência branda, advertência grave e
ameaça de perda de licença de operação;291 na regulação consumerista,
aplicam-se fiscalização reativa, dependente de provocação, fiscalização
proativa, campanhas educativas, mediação de conflitos, enfoque sobre casos
repetitivos em que a negociação com as empresas produzam melhores
resultados do que uma postura de litigância, desmascaramento de falsos
esquemas de autorregulação, corregulação, publicidade governamental de
más práticas dos regulados, dissuasão à composição voluntária de conflitos,
blitz fiscalizatória dirigida e realizada por departamento povoado de fiscais
com especialidade persecutória;292 na regulação alimentar, há,
predominantemente, o comando e controle reforçado por um estado de
competição entre os reguladores quanto ao número de penalidades
aplicadas, com exemplos de persuasão e campanhas educativas, e enfoque
no resultado final do processo produtivo;293 na regulação de medicamentos
e produtos de saúde, aplicam-se controle indireto de preços por inscrição de
medicamento em tabela de subsídio governamental, autorregulação regulada
por código de práticas de produção farmacêutica, monitoramento de
compliance ao código, ameaça de recall de produtos, monitoramento de
propaganda e promoções, e campanhas educativas;294 na regulação de
segurança de transporte, aplica-se um sistema de aprovação prévia para
comercialização de novos produtos, visitas regulares de fiscalização, análise
de relatórios empresariais de testes, detalhada regulamentação de padrões,
fiscalização randômica, uso de empregados privados acreditados para

289
GRABOSKY, Peter; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 34-37.
290
GRABOSKY, Peter; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 61-65.
291
GRABOSKY, Peter; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 75-76.
292
GRABOSKY, Peter; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 81-87.
293
GRABOSKY, Peter; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 100-104.
294
GRABOSKY, Peter; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 110-113.

136
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

averiguação da atuação do regulado;295 na regulação bancária, o predomínio


de consultas informais e persuasão, a ameaça não concretizada de severas
penalidades e extensos poderes de intervenção e revogação de licenças de
operar, o reforço da confiança e entendimento mútuo entre regulador e
regulado, em que o regulador considera sua função a de garantir a
viabilidade do negócio;296 na radiodifusão, um monitoramento seletivo
quase que exclusivamente oriundo de reclamações, demonstrando uma
postura eminentemente reativa, bem como a presença de ameaças nunca
concretizadas mas draconianas de cassação de licenças e raras advertências,
apoiando-se, entretanto, na força da renovação das licenças que funcionam
como incentivos à autorregulação.297
Para além da Austrália, uma análise de comportamento
internacional a partir de constrangimentos hospedados em normas dos
Estados Unidos da América referentes à proteção de propriedade
intelectual na indústria farmacêutica e sob o enfoque de nós de governança
evidenciou, da base ao topo da pirâmide, medidas persuasivas, na forma de
diálogo informal e diálogo formal, medidas dissuasivas, na forma de
publicação anual de ranking de proteção da propriedade intelectual, inclusão
em listas de acompanhamento especial, inclusão em listas de prioridade de
acompanhamento, abertura de procedimentos de investigação, e medidas
incapacitantes, na forma de aplicação de sanções.298
Em alguns casos, o diagnóstico sobre a forma de estruturação
da pirâmide de constrangimento é o resultado natural do setor regulado.
Por exemplo, a opção por uma eventual fiscalização proativa por parte de
agências de proteção do consumidor seria impossível, haja vista tais
reguladores não terem como desprezar reclamações dos consumidores ao
perseguirem um estilo regulatório proativo.299 Essa constatação é,
entretanto, empírica. Ela obviamente depende das condições jurídicas do
ambiente regulado. Uma consequência relevante da comparação de diversas
estratégias regulatórias está na conclusão de que estratégias de regulação
cooperativa ou conciliatória são menos orientadas a objetivos ou metas

295
GRABOSKY, Peter; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 116-122.
296
GRABOSKY, Peter; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 132-134.
297
GRABOSKY, Peter; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 178-181.
298
DRAHOS, Peter. Intellectual Property and Pharmaceutical Makets: A Nodal
Governance Approach. Temple Law Review, v. 77, p. 401-424, 2004, p. 412.
299
GRABOSKY, Peter; BRAITHWAITE, John. Of Manners Gentle:
Enforcement Strategies of Australian Business Regulatory Agencies. Melbourne:
Oxford Universit Press/Australian Institute of Criminology, 1986, p. 80.

137
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

regulatórias do que a estratégia de comando e controle.300 A teoria da


regulação responsiva evidenciará a vantagem comparativa de medidas
conciliatórias frente às de comando de controle para alcance efetivo de
metas regulatórias.
Tais recomendações de técnicas regulatórias escalonadas
seguem a lógica geral da pirâmide de constrangimento ao assumir que há
três grande tipos de atores dispostos da base ao topo da pirâmide, o que
representa uma pirâmide de perfis de regulados (Figura 3), que,
entretanto, não foi tratada nos escritos inaugurais da teoria da regulação
responsiva de 1982 a 1992: o virtuoso; o racional; e o irracional.301 Essa
divisão de perfis dos regulados sofre melhorias também, na evolução da
teoria da regulação responsiva, como é o caso do proposto por Drahos,302
ao intercalar entre o ator racional e o irracional, o resistente à norma. Trata-
se de uma pirâmide de perfis de atores regulados, que justifica a ordem de
técnicas aplicáveis aos diversos níveis de constrangimento. Nesse formato, a
sanção estaria reservada a atores irracionais e resistentes, e ela seria
qualificada pela função de incapacitar o agente. Sob esse enfoque, há ainda
uma quarta pirâmide regulatória teleológica ou funcional ou de
finalidades das medidas de constrangimento (Figura 4): a persuasiva; a
dissuasiva; e a incapacitante. Isso demonstra como, no momento inaugural
da teoria da regulação responsiva, havia ainda confusão entre a persuasão –
inserida na base da pirâmide de constrangimento – e os instrumentos de
persuasão – ausentes naquela primeira pirâmide de constrangimento
proposta por Ayres e Braithwaite. Ali (Figura 2), utilizou-se de uma
finalidade – persuasão – para descrição da base da pirâmide, enquanto se
fez uso de instrumentos regulatórios para os demais níveis de
constrangimento.
A compreensão da teoria da regulação responsiva depende da
identificação das pirâmides. Até o momento, a literatura de regulação
responsiva identificou não menos que onze pirâmides, sem entretanto
sistematizá-las, ou mesmo, reconhecer a existência de todas elas. São elas: a
pirâmide de estratégias regulatórias; a pirâmide de constrangimento;
a pirâmide de perfis dos regulados; a pirâmide finalidades

300
GRABOSKY, Peter; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 229.
301
BRAITHWAITE, John. The Essence of Responsive Regulation. University of
British Columbia Law Review, v. 44, p. 475-520, 2011, p. 486;
BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation and Developing Economies.
World Development, v. 34, n. 5, p. 884-898, 2006, p. 887.
302
DRAHOS, Peter. Intellectual Property and Pharmaceutical Makets: A Nodal
Governance Approach. Temple Law Review, v. 77, p. 401-424, 2004, p. 411.

138
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

regulatórias; a pirâmide de pareamento entre perfis de regulados e


tipos de justiça; a pirâmide de recompensas; a pirâmide de sanções; a
pirâmide de regulação em rede; o diamente regulatório, que, na
verdade, contém duas pirâmides – a aspiracional e a de conformidade
–; a pirâmide de mecanismos regulatórios; e a pirâmide
tridimensional.
Na base da pirâmide de constrangimento estão os
instrumentos brandos, ou soft tools, tais como orientações de conduta,
protocolos, estratégias educativas, reunidos no termo genérico de
instrumentos de diálogo e persuasão apoiados no perfil de regulado
tendente a cooperar. Tais instrumentos passam a assumir um caráter mais
coercitivo à medida que sobem em direção ao ápice da pirâmide, podendo
lançar mão, a depender do setor regulado, de prisão, suspensão de
atividades, perda de licença de operar, dentre outros.303
A existência de duas pirâmides (Figuras 1 e 2) na formulação
inaugural da teoria da regulação responsiva pode dar a impressão de que a
descrição das pirâmides seria espelhada, ou seja, de que o observador teria
condições de sobrepor a pirâmide de estratégias à pirâmide de atividades de
constrangimento, bem como que elas teriam o mesmo número de níveis e
que, para cada estratégia, haveria uma atividade de constrangimento
correspondente. Ocorre, entretanto, que a descrição das pirâmides não
segue uma divisão estanque de níveis, mas tem efeito demonstrativo de que
há prioridades de atuação regulatória distribuídas desde a base até o topo da
pirâmide. Tentativas de espelhamento das pirâmides regulatórias geram
desalinhamentos decorrentes do fato de que a teoria da regulação
responsiva não se prende em níveis predeterminados de escalonamento,
mas os propõem como abordagens iniciais demonstrativas.
Esse relativo descasamento entre a pirâmide de estratégias
regulatórias e a pirâmide de constrangimento fica evidente quanto se
pretende inserir técnicas de constrangimento da segunda pirâmide nas
estratégias previstas na primeira pirâmide (Figuras 1 e 2). Enquanto a
pirâmide de estratégias regulatórias detém quatro níveis, a de
constrangimentos detém seis níveis. Assim, constrangimentos de ordem
penal – quarta camada da pirâmide de constrangimentos – podem estar
presentes no nível de autorregulação regulada – segunda camada da base da
pirâmide de estratégias regulatórias. Da mesma forma, todas as camadas

303
DRAHOS, Peter. Intellectual Property and Pharmaceutical Makets: A Nodal
Governance Approach. Temple Law Review, v. 77, p. 401-424, 2004, p. 410-
411.

139
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

intermediárias da pirâmide de constrangimento podem estar presentes na


terceira camada da pirâmide de estratégias regulatórias, como formas de
regulação por comandos normativos com discricionariedade. A segunda
camada da pirâmide de estratégias regulatórias – autorregulação regulada ou
com constrangimento normativo estatal – partilhará de técnica de persuasão
própria à primeira camada da pirâmide de constrangimento e de técnica de
dissuasão própria às camadas subsequentes da pirâmide de
constrangimento. Como se pode ver, as pirâmides ordenam as posições
relativas do que representam, mas não são espelháveis, ou seja, não detêm o
mesmo número de camadas e as camadas de uma pirâmide podem ser
reunidas ou distribuídas por uma ou mais camadas de outra pirâmide.
Existem pirâmides dentro das pirâmides.
As pirâmides propostas por Braithwaite – de estratégias
regulatórias e de constrangimento – têm função demonstrativa e podem ter,
para cada ambiente regulado, mais ou menos camadas. Isso é evidenciado
no formato da pirâmide (Figura 8) proposta para países em
desenvolvimento304 voltado a contornar as deficiências institucionais de tais
países. Além disso, a pirâmide de constrangimento não foi desenhada
tendo-se em mente sua aplicação a quaisquer setores ou circunstâncias. As
técnicas regulatórias de persuasão, advertência, sanção cível, sanção penal,
suspensão de licença e revogação de licença são adequadas às questões de
regulação de saúde e segurança do trabalho, meio ambiente e asilos, mas
não são adequadas a outros setores, que devem construir suas próprias
pirâmides.305 O conjunto de instrumentos persuasivos depende do setor
regulado, da cultura de negócios, da tradição jurídica, enfim, de
circunstâncias, cabendo ao regulador desenhar a pirâmide regulatória
segundo as características do setor regulado, do segmento do setor regulado
e mesmo das condições próprias a cada regulado.
Embora as pirâmides regulatórias possam ter mais ou menos
camadas e tipos de constrangimento, elas revelam algo em comum: as áreas
de cada nível da pirâmide são proporcionais às atividades descritas e
esperadas do regulador. Portanto, a pirâmide não é simplesmente uma
demonstração de que a maior parte dos atores e comportamentos estarão

304
BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation and Developing Economies.
World Development, v. 34, n. 5, p. 884-898, 2006; BRAITHWAITE, John.
Responsive Regulation and Developing Economies. In: BROWN, D.; WOODS,
N. Making Global Self-Regulation Effective in Developing Economies.
Oxford: Oxford University Press, 2007. p. 149-174.
305
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 36.

140
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

na sua base, mas uma recomendação de que o regulador concentre esforços


em direção à base mediante incentivos persuasivos distribuídos por toda a
pirâmide.
Outra é a preocupação relacionada a suprir deficiências de
persuasão e constrangimento estatal no esquema de incentivos inscrito na
pirâmide regulatória. Quando a teoria responsiva se debruça sobre
problemas de efetividade do processo regulatório, exsurgem soluções que
apontam para atribuição de funções diferenciadas aos partícipes.
Em sua origem, a pirâmide de constrangimento, ao lidar com
o problema do risco de cooptação e corrupção do regulador pelo regulado,
supostamente ampliado pela maior aproximação entre ambos, conforme
reforço da postura cooperativa nos moldes responsivos, deve ser
acompanhada, segundo Ayres e Braithwaite,306 pelo que chamam de
tripartismo, como meio de contornar medidas prejudiciais à responsividade,
mas usualmente levantadas para combate à captura em sentido vulgar:
limitações à discricionariedade; multiplicidade de competências regulatórias
incidentes sobre a mesma indústria, e rotatividade de pessoal no ambiente
regulador. Tais medidas são contraproducentes quando se pretende
incentivar o comportamento cooperativo, bem como tendem a eliminar a
chamada captura desejada, eficiente ou efficient capture.307 No caso brasileiro,
a última delas é, inclusive, ilegal, ferindo de frente o princípio de
estabilidade do servidor público. A solução trazida pela teoria responsiva é
de se substituir tais medidas pelo reforço ou potencialização de grupos de
interesse público no processo regulatório, bem como de uma cultura
republicanamente imbuída no regulador de ser duro com empresas
trapaceiras na linha da proposta do comunitarismo regulatório.308 Assim, a
teoria da regulação responsiva, ainda em seu nascedouro, buscava o apoio
de terceiros com o objetivo de fugir da dicotomia entre regulado e
regulador, algo que somente veio a ser explorado em profundidade quando
ela internalizou o discurso da governança nodal ao se debruçar sobre a
viabilidade da aplicação da pirâmide regulatória em países em
desenvolvimento.309 Vários estudos se preocuparão em apontar que um dos

306
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 54-100.
307
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 64-92.
308
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending
the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992, p. 92-94.
309
DRAHOS, Peter. Intellectual Property and Pharmaceutical Makets: A Nodal
Governance Approach. Temple Law Review, v. 77, p. 401-424, 2004;

141
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

problemas da regulação responsiva está em precisamente depender de


repetidos encontros entre regulador e regulado;310 essa proximidade entre
regulador e regulado é resolvida na formulação originária da teoria
responsiva, por Ayres e Braithwaite, mediante o tripartismo regulatório, ou
em formulações seguintes de Braithwaite, mediante a estratégia da
governança nodal.
Por outras razões, que incluem, mas vão além da preocupação
com a captura ineficiente, a teoria da regulação responsiva, com o tempo,
passou a propor a estratégia da governança nodal como forma
alternativa aos constrangimentos estatais na pirâmide de constrangimento
(Figura 8).
Em 2004, inaugurou-se um ramo da teoria da regulação
responsiva apoiado na ideia de que a teoria da governança nodal explicaria a
crescente globalização da propriedade intelectual de fármacos por
intermédio de coordenação nodal de uma pirâmide de constrangimento
internacional (international enforcement pyramid), que possibilitaria a atores não-
estatais garantirem a conformidade dos países a padrões globais de direitos
de propriedade intelectual que, por sua vez, configuram os mercados de
patentes farmacêuticas reguladas.311 Em outras palavras, Drahos312, fazendo
uso do caso dos direitos de propriedade intelectual farmacêutica, descreve
como o setor privado pode potencializar os efeitos das pirâmides de
constrangimento por meio de nós de governança.

BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation and Developing Economies.


World Development, v. 34, n. 5, p. 884-898, 2006.
310
GUNNINGHAM, Neil; GRABOSKY, Peter. Smart Regulation: Designing
Environmental Policy. Oxford: Clarendon Press, 1998; GUNNINGHAM, Neil;
JOHNSTONE, Richard. Regulating Workplace Safety: Systems and Sanctions.
Oxford: Oxford University Press, 1999; SCOTT, Colin. Regulation in the Age of
Governance: The Rise of the Post Regulatory State. In: JORDANA, J.; LEVI-
FAUR, D. The Politics of Regulation: Institutions and Regulatory Reforms for
the Age of Governance. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2004. p. 145-176;
NIELSEN, Vibeke Lehmann; PARKER, Christine. Testing Responsive
Regulation in Regulatory Enforcement. Regulation & Governance, v. 3, p.
376-399, 2009.
311
DRAHOS, Peter. Intellectual Property and Pharmaceutical Makets: A Nodal
Governance Approach. Temple Law Review, v. 77, p. 401-424, 2004.
312
DRAHOS, Peter. Op. cit., p. 411-419.

142
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

Entende-se por nós, nessa teoria de governança nodal,


inspirado no conceito de redes de Castells,313 os “meios organizacionais
específicos, por meio dos quais são concentrados recursos de múltiplas
redes para produção de ação”314 ou “conhecimento, capacidade e recursos
mobilizados em um sistema gerador de resultados para gestão de um curso
de eventos”315. Por outro lado, ela adota um conceito amplo de governança
como “gestão do curso de eventos em um sistema social”316. Utilizando-se
da teoria de governança nodal, Drahos317 propõe pirâmides de coordenação
nodal ou nodally coordinated pyramids, que teriam por efeito proeminente o de
ampliar o alcance do constrangimento.
Drahos e Braithwaite318 evidenciam também que a atuação dos
Estados Unidos na regulação internacional de aplicação da propriedade
intelectual segue uma pirâmide de constrangimento com medidas de
dissuasão escalonadas e pautadas por listas mantidas pelo Office of the United
States Trade Representative (USTR) – mais um exemplo de medidas dissuasivas
para o agente racional. A escalada de constrangimentos é pautada por listas
de conformidade, que inscrevem países como bons cumpridores, maus
cumpridores, potenciais descumpridores, entre outros, resultando em
alteração de comportamento dos países que se veem inscritos em listas
progressivas de ameaças e no raro uso de sanções de banimento do
mercado americano. Dos únicos 11 casos abertos contra 7 países até 2002,
somente um deles resultaria em aplicação de medidas tarifárias punitivas: o
país era o Brasil.319 Os demais países, inclusive a China, souberam jogar o
jogo responsivo e fugir da categorização de ator incapaz. Afora a revelação
dessa fatalidade que atingiu em cheio o Brasil, a contribuição do estudo de
Drahos foi o de abrir espaço ao próprio Braithwaite para agregar
constrangimentos em rede à pirâmide de constrangimento.

313
CASTELLS, M. Materials for an Exploratory Theory of the Network Society.
British Journal of Sociology, v. 51, n. 1, p. 5-24, Jan./Mar. 2000.
314
DRAHOS, Peter. Intellectual Property and Pharmaceutical Makets: A Nodal
Governance Approach. Temple Law Review, v. 77, p. 401-424, 2004, p. 410.
315
BURRIS, Scott; DRAHOS, Peter; SHEARING, Clifford. Nodal Governance.
Australian Journal of Legal Philosophy, v. 30, p. 30-58, 2005, p. 37.
316
BURRIS, Scott; DRAHOS, Peter; SHEARING, Clifford. Op. cit., p. 30.
317
DRAHOS, Peter. Intellectual Property and Pharmaceutical Makets: A Nodal
Governance Approach. Temple Law Review, v. 77, p. 401-424, 2004.
318
DRAHOS, Peter; BRAITHWAITE, John. Information Feudalism: Who
Owns the Knowledge Economy? Londres: Earthscan Publications Ltd, 2002.
319
DRAHOS, Peter; BRAITHWAITE, John. Information Feudalism: Who
Owns the Knowledge Economy? Londres: Earthscan Publications Ltd, 2002, p.
99.

143
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

A estratégia de governança nodal conversa com arquiteturas


de regulação descentralizada,320 ou decentered regulatory architectures, já
identificadas, em certa medida, na prática institucional brasileira de
telecomunicações.321 Ela também traduz o acoplamento estrutural de
sistemas relacionados de forma reflexiva, da teoria dos sistemas
autopoiéticos, para o termo mais amigável ao campo de estudos
comportamental: os “nós de governança em rede”322. A pirâmide
regulatória de governança em rede (Figura 8) faz uso de parceiros privados
para contornar o déficit de capacidade regulatória de países em
desenvolvimento, desonerando a estrutura estatal do ônus de implementar
as medidas de incentivo à conformidade normativa do regulado, mediante a
crescente agregação de atores principalmente não-estatais na rede de
governança em progressiva oneração ou pressão sobre o ator regulado em
desconformidade, lançando-se mão, até mesmo, de recompensas
motivadoras de agentes privados para a descoberta de atitudes desviantes da
norma por parte dos regulados.323
Outra vertente da teoria da regulação responsiva passou a
reforçar um aspecto que não era evidente nas primeiras formulações da
teoria: o da conformidade para além das regras. Essa proposta ainda pouco
conhecida de regulação responsiva propõe o desenho do chamado diamante
regulatório, que desvia o foco da teoria responsiva de busca da
conformidade a padrões de comportamento extrinsecamente definidos. Em
grande medida, a proposta do diamante regulatório é uma proposta de
ampliação do conceito de regulação com a referência ao comportamento
para além da conformidade, ou beyond compliance.324
A regulação, segundo a teoria responsiva do diamante
regulatório, deveria ter seu conceito ampliado, abandonando-se uma visão
restritiva de que seria sinônimo de métodos e mecanismos de conformidade
a regras ou constrangimentos derivados de regras regulatórias para abraçar

320
BLACK, Julia. Critical Reflections on Regulation. Australian Journal of
Legal Philosophy, v. 27, p. 1-35, 2002.
321
ARANHA, Marcio Iorio. Telecommunications Regulatory Design in Brazil:
Networking around State Capacity Deficits. Economia Pubblica, v. 25, n. 2, p.
83-105, 2016.
322
BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation and Developing Economies.
World Development, v. 34, n. 5, p. 884-898, 2006, p. 885.
323
BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 894.
324
BORCK, Jonathan C.; COGLIANESE, Cary. Beyond Compliance:
Explaining Business Participation in Voluntary Environmental Programs. In:
PARKER, C.; NIELSEN, V. L. Explaining Compliance: Business Responses
to Regulation. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2011. p. 139-169.

144
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

um conceito mais amplo: o de regulação como algo que engloba também


métodos e mecanismos de incentivo aos regulados para irem além de
padrãos normativos de conduta voltados à satisfação de objetivos
regulatórios.325
O diamante regulatório, tal como a pirâmide regulatória, é
uma representação simplificada da teoria. A diferença da proposta de
diamante regulatório está em que, ao enfatizar tanto padrões e incentivos
comportamentais de conformidade à norma, quanto incentivos ao
regulados de irem além do exigido pela normatização, cada metade do
diamante regulatório representa um aspecto da regulação; a metade inferior
do diamante é dedicada a representar as contribuições sedimentadas da
pirâmide regulatória brathwaitiana invertida, reunindo-se ali as medidas
punitivas e persuasivas da pirâmide de constrangimento com finalidade de
regulação para conformidade às normas – regulação de conformidade ou
compliance regulation –, enquanto a metade superior dedica-se a representar a
contribuição originária de estudos sobre conformidade para além das
normas – regulação aspiracional326 ou aspirational regulation.
Há várias semelhanças entre o diamante regulatório e a
pirâmide regulatória que vão além do fato de que a parte inferior do
diamante é composta pela própria pirâmide regulatória invertida. A parte
central do diamante, que coincide com as bases das pirâmides de
conformidade e de aspiração representam o espaço regulatório onde ocorre
a maioria das interações regulatórias apoiadas em medidas educativas e
mecanismos cooperativos apoiados no diálogo entre regulador e
regulado.327
A identidade teórica do diamante regulatório encontra-se no
fato de que, enquanto a pirâmide regulatória corresponde a modos
regulatórios que se concentram na conformidade às normas – compliance-
centred models –, o diamante regulatório representa modos abertos também à
manifestação regulatória de atuação para além da conformidade às normas.

325
KOLIEB, Jonathan. When to Punish, When to Persuade and When to Reward:
Strengthening Responsive Regulation with the Regulatory Diamond. Monash
University Law Review, v. 41, n. 1, p. 136-162, 2015, p. 137.
326
Optou-se aqui pela tradução mais próxima ao termo em inglês, ao invés do
recomendado termo do vernáculo de regulação aspirante, por ser a que melhor
expressa o significado desse tipo regulatório do ponto de vista comunicacional.
327
KOLIEB, Jonathan. When to Punish, When to Persuade and When to Reward:
Strengthening Responsive Regulation with the Regulatory Diamond. Monash
University Law Review, v. 41, n. 1, p. 136-162, 2015, p. 152.

145
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Outro aspecto de fundo herdado da teoria da regulação


responsiva piramidal braithwaitiana está na adoção, pela teoria da regulação
responsiva de Kolieb, do incremento contínuo próprio à pirâmide
responsiva, segundo o qual estratégias de influência sobre comportamentos
devem utilizar de persuasão e sanção. No diamante regulatório, essas
estratégias são ampliadas para englobarem, para além de metas mínimas de
comportamento, metas idealizadas com mecanismos regulatórios voltados a
atingir ambas.328
No diamante regulatório, os padrões normativos de conduta
ocupam o espaço em que as pirâmides se tocam, servindo como ponto de
partida para as estratégias de constrangimento e de aspiração.329 Essa linha
divisória entre as pirâmides, no diamante regulatório, é ocupada pela
regulação, trazendo as normas jurídicas para dentro da representação de
modelagem regulatória.
Uma consequência marcante da proposta do diamante
regulatório está em definitivamente separar as metas regulatórias positivadas
em normas de conduta das metas ideais ou desejáveis da regulação.330 A
adesão às normas não significa, por si só, a solução de todas as aspirações
sociais e esse destaque entre o objetivos normativos expressos e os
objetivos regulatórios ideais abre uma nova forma de se ver a função do
direito na regulação como instrumento regulatório relevante para definição
de padrões mínimos, mas ao mesmo tempo, insuficiente para a projeção de
padrões ideais.
A relação entre a regulação, as normas – estas entendidas no
sentido atribuído por Foucault,331 como matéria prima para as leis, mais
especificamente aqui entendidas como medidas-padrão comuns de
comportamento de um grupo social332 – e a prática dos atores atingidos por
tais normas é complexa.333

328
KOLIEB, Jonathan. Op. cit., p. 151.
329
KOLIEB, Jonathan. Op. cit., p. 152.
330
Id. ibid.
331
FOUCAULT, Michel. Security, Territory, Population: Lectures at the
Collège de France 1977-78. Basingstoke, UK: Palgrave Macmillan, 2007, p. 56.
332
EWALD, François. Justice, Equality, Judgement: On "Social Justice", p. 91-
110. In: TEUBNER, G. Juridification of Social Spheres: A Comparative
Analysis in the Areas of Labor, Corporate, Antitrust and Social Welfare Law.
Berlin: Walter de Gruyter, 1987. p. 108.
333
DENT, Chris. Relationships Between Laws, Norms and Practices. Griffith
Law Review, v. 21, n. 3, p. 708-727, 2012.

146
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

A contribuição do diamante regulatório está em unir os pólos


aspiracionais e de conformidade em torno às normas, revelando que o
cumprimento das normas não esgota a relação regulatória.334 Embora se
possa dizer – e com razão – que o diamante regulatório não teria inovado
nos mecanismos de incentivo ao bom comportamento, fossem eles de
conformidade ou de reforço positivo de condutas, o diferencial
inquestionável da teoria da regulação responsiva aspiracional está em
revelar que um modelo regulatório pode, em certos casos, ter que partir de
modelagem aspiracional, em especial quando se trata de atividade
inicialmente desregulada. Outra consequência da adoção do diamante
regulatório é o de diferenciar o comportamento virtuoso de conformidade
do comportamento virtuoso ideal. Em verdade, Kolieb335 vai mais além ao
dizer que não há nada de virtuoso em simplesmente cumprir as
normas; o comportamento de conformidade na base da pirâmide
regulatória, para Kolieb, nada mais é do que uma mistura entre virtude e
racionalidade, e a parte superior do diamante regulatório orientada por uma
regulação aspiracional serve ao fim de criar um mercado para a virtude.336

2.9.6 AUTORREGULAÇÃO VOLUNTÁRIA,


AUTORREGULAÇÃO CONSTRANGIDA E COMANDOS
NORMATIVOS IMPOSITIVOS
A autorregulação é uma forma genérica de regulação que
detém significados variados de acordo com a teoria/modelo regulatório
adotado.
Para a teoria responsiva, autorregulação voluntária não
significa simplesmente ausência de controles extrínsecos, mas presença
correspondente de controles internos presumivelmente mais severos para o
indivíduo que as punições do poder público.
A estratégia regulatória de substituição de regulação
ordenadora preexistente por autorregulação deve ser ainda mais cuidadosa
do que a mera idealização de espaços autorregulados, recomendando-se, a
partir da teoria da regulação responsiva, que sejam incluídas previsões de
reversão em todas as iniciativas de desregulação.

334
KOLIEB, Jonathan. When to Punish, When to Persuade and When to Reward:
Strengthening Responsive Regulation with the Regulatory Diamond. Monash
University Law Review, v. 41, n. 1, p. 136-162, 2015, p. 155.
335
KOLIEB, Jonathan. Op. cit., p. 159.
336
KOLIEB, Jonathan. Op. cit., p. 162.

147
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Existe, portanto, uma diferença de postura por parte do


regulador quanto à introdução da autorregulação voluntária em áreas nunca
antes reguladas e áreas em que a autorregulação somente pode ser
introduzida mediante procedimento prévio de desregulação, por definição,
mais arriscado.337
A compreensão do conceito de autorregulação, nesse aspecto,
é fundamental para melhor delimitação da utilidade de cada técnica em uma
teoria regulatória.
Ao se partir, por exemplo, de um conceito usual de
autorregulação de “fornecimento de bens para além do que é requerido pela
norma”338, tem-se uma definição ampla que abraça aquilo que, na teoria da
regulação responsiva, é representado pela pirâmide aspiracional ou de
recompensas (Figura 6 e Figura 8), e por ao menos três camadas de
manifestações da pirâmide regulatória, como é o caso da pirâmide de
mecanismos regulatórios (Figura 10). A pirâmide de mecanismos
regulatórios evidencia que a autorregulação da teoria responsiva não tem o
condão de englobar tudo que esteja fora das normas, pois se diferencia de
voluntarismo e de mecanismos de mercado.
Mesmo a definição ampla de autorregulação não é capaz,
entretanto, de absorver o tipo autorregulatório próprio da origem da teoria
da regulação responsiva, ou seja, a autorregulação regulada, obrigatória
ou constrangida, que incorpora consequências punitivas estatais na
disciplina normativa proposta pelo regulado e ratificada pelo regulador. Por
outro lado, mesmo o conceito usual de autorregulação comporta variações,
pois uma coisa é a chamada autorregulação unilateral, ou unilateral self-
regulation de uma única empresa, e outra é a chamada autorregulação da
indústria, ou industry self-regulation, pressupondo atuação coletiva para
melhoria da reputação do setor como um todo.339

337
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 122-124.
338
LENOX, Michael. Do Voluntary Standards Work Among Corporations? The
Experience of the Chemicals Industry. p. 62-77. In: BROWN, D. L.; WOODS,
N. Making Global Self-Regulation Effective in Developing Countries.
Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 62.
339
LENOX, Michael. Do Voluntary Standards Work Among Corporations? The
Experience of the Chemicals Industry. p. 62-77. In: BROWN, D. L.; WOODS,
N. Making Global Self-Regulation Effective in Developing Countries.
Oxford: Oxford University Press, 2007.

148
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

É seguro dizer-se que a teoria da regulação responsiva aceita


todos esses tipos de técnicas regulatórias, pois não afasta, por princípio,
nenhuma técnica regulatória, mas é necessário que se façam distinções
sobre que tipo de autorregulação é uma contribuição própria dessa teoria e
os outros tipos que comporão os ingredientes gerais a serem utilizados em
estratégias regulatórias responsivas. Ou seja, a regulação responsiva não é
avessa à autorregulação propriamente dita, seja ela unilateral ou da indústria,
mas reserva essa técnica a um espaço próprio de regulação aspiracional em
momentos mais recentes da teorização responsiva. Em outra frente, a
regulação responsiva proporá que se avance na autorregulação regulada ou
obrigatória, com ênfase no tipo autorregulatório unilateral, pois bebe das
peculiaridades de cada empresa.
A autorregulação regulada, autorregulação constrangida, ou
enforced self-regulation é um meio termo entre a estratégia de autorregulação
propriamente dita e a de comando e controle em que a empresa é obrigada
a produzir um conjunto de normas que cubram uma determinada área de
preocupação do regulador, submetendo-as a ele para ratificação, com a
possibilidade de que sejam reenviadas ao regulado para aprimoramentos.
Após ratificação, suas eventuais violações são punidas com atuação direta
do regulador. O diferencial dessa estratégia para a de comando e controle
está em que o regulado passa a ser regido por um regime jurídico específico,
sem que o Estado seja obrigado a idealizar normas com pretensão de
aplicação universal desconectadas das reais condições de implementação e
motivações de cada ator regulado.
Além dessa característica de existência de normas escritas
privadamente e ratificadas publicamente, outro elemento próprio à
autorregulação regulada da teoria responsiva está em se exigir da empresa
que internalize custos de fiscalização por intermédio da criação de
departamento ou grupo de conformidade interno à empresa com o objetivo
de monitorar a observância das normas e recomendar ações disciplinares
contra os infratores. O fracasso em reverter a situação de desconformidade
por parte da empresa, de corrigir a atuação desconforme ou de implementar
recomendações de punições disciplinares resulta em comunicação
compulsória, por parte da diretoria de compliance, à agência reguladora.
A estratégia da autorregulação regulada exige, do regulador,
que: a) somente ratifique regras de conduta empresarial que satisfaçam as
políticas públicas governamentais; b) garanta que o departamento ou grupo
de compliance da empresa tenha independência na estrutura hierárquica
societária; c) realize a averiguação dos livros de registro da atuação desse
grupo; d) implemente fiscalizações pontuais para avaliar se o grupo está
cumprindo sua finalidade de detecção de violações às normas; e e) abra

149
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

processos administrativos contra empresas que tenham subvertido a


atuação do grupo de compliance.340
Também é relevante pontuar que a autorregulação regulada,
ou mesmo a autorregulação voluntária, são manifestações de estratégias
regulatórias apropriadas a áreas de regulação complexa, multifacetada e
sujeita a constantes transformações tecnológicas.341 Em um mesmo setor de
atividades, existem espaços de certezas tecnológicas perenes e princípios e
direitos que são constantes axiológicas, cujo espaço adequado de
representação regulatória é o de comandos normativos impositivos. As
estratégias regulatórias de autorregulação voluntária e regulada têm limites
de utilidade e não servem como panaceia para todos os males, sob pena de
se estar manietando um modelo responsivo dependente da sinergia
entre espaços de liberdade, liberdade controlada e controle estatal.
Uma das características marcantes da teoria da regulação
responsiva está em afirmar categoricamente que a autorregulação depende
do reforço da regulação extrínseca – de comando e sanção – para funcionar
adequadamente.342 Essa conclusão é reforçada por um relatório
encomendado pelo Governo do Reino Unido e finalizado em 2006 sobre
efetividade das ‘sanções regulatórias’ em um amplo escopo de áreas de
regulação e níveis regulatórios nacional e local,343 que, por sua vez,
originou-se de relatório, no qual se recomendava que o regime punitivo
deveria estar apoiado no risco de nova ofensa e em seu impacto, com uma
escalada de penalidades de fácil e célere aplicação para a maioria das
infrações, reservadas penalidades mais duras para os que persistissem no
desrespeito às regras.344

340
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 125-132;
BRAITHWAITE, John. Enforced Self-Regulation: A New Strategy for
Corporate Crime Control. Michigan Law Review, v. 80, n. 7, p. 1466-1507,
Jun. 1982.
341
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 134.
342
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 136.
343
MACRORY, Richard B. Regulatory Justice: Making Sanctions Effective.
London: Chancellor of the Duchy of Lancaster, Cabinet Office, UK, 2006.
344
HAMPTON, Philip. Reducing Administrative Burdens: Effective Inspection
and Enforcement. Norwich, UK: Controller of Her Majesty's Stationery Office,
2005.

150
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

Os comandos normativos discricionários e vinculados,


embora se situem em posição superior da pirâmide de estratégias
regulatórias, não se apresentam, necessariamente, como mais punitivos que
a autorregulação regulada, embora se espere da autorregulação uma vivência
institucional de menor número de punições efetivamente implementadas. O
diferencial entre elas reside em outra seara: a da característica universal das
regras e sua gestação e aprovação no seio do Estado, evidenciando um
conjunto normativo muito mais assentado em requisitos técnicos estáveis.
Daí a importância de que um desenho regulatório
responsivo seja acompanhado de evidências e estudos tecnológicos
sobre a perenidade ou efemeridade de padrões de conformação
técnica.345 Enquanto a autorregulação regulada é o ambiente normativo
apropriado às particularidades dos atores regulados e a áreas de regulação
de caráter dinâmico, a estratégia de comandos normativos discricionários
aplica-se mais propriamente a regras gerais de caráter técnico resiliente. As
estratégias de comando também se afastam das de autorregulação regulada
por preverem a aplicação direta de sanções como método de assegurarem a
conformidade à norma, enquanto a autorregulação regulada recorre à
sanção apenas indiretamente para reforçar a atuação dos constrangimentos
internos da empresa.
Essa diferença geral entre elas não pode, entretanto, ofuscar o
fato de que a ameaça de sanções por uma estratégia de comandos
normativos puníveis implica também em reforço às forças internas de
compliance da empresa, ou seja, a punição, na teoria da regulação responsiva,
é, ao mesmo tempo direta e um instrumento de incentivo ao compliance
interno empresarial.346 Por isso, dizer-se que tais modos de regular não são
meras opções do regulador disponíveis em gôndolas de supermercado, mas
um pacote que somente faz sentido em conjunto. Para que se justifique,
entretanto, o uso da forma regulatória de comando-sanção, o regulador
deve: a) identificar interesses envolvidos ou potencialmente afetados de tal
monta e importância que não justifiquem arriscar a adoção de formas
cooperativas; b) identificar o risco de que formas autorregulatórias
reguladas gerem cooptação; c) demonstrar que os custos envolvidos na
autorregulação regulada excedem os benefícios por se tratar de padrões ou

345
GIBSON, D. et al. Evaluating Quality of Care in Australian Nursing Homes.
Australian Journal on Ageing, v. 11, n. 4, p. 3-9, 1992.
346
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 134.

151
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

requisitos que seriam melhor aplicáveis a todo um setor ou conjunto de


regulados uniformemente.347
Finalmente, sobre o tema da opção entre sanções
discricionárias e vinculadas, o principal argumento constante da teoria da
regulação responsiva para reforço das punições vinculadas sobre as
discricionárias está no pressuposto de que seria muito difícil para as
agências reguladoras, na tradição jurídica dos Estados Unidos da América,
limitar a discricionariedade da fiscalização regulatória. O Brasil, graças à
desproteção do agente público no exercício de seu juízo de eficiência
administrativa, está vacinado contra esse mal pelo terror imposto por
órgãos de controle – não todos e não em todos os casos, como ocorre com
recomendações da CGU sobre uso comedido de medidas disciplinares em
troca de compromissos de bom comportamento –, que geram um estado de
fato em que o agente público prefere aplicar punições ineficientes a arriscar
ser responsabilizado pelo exercício de um juízo discricionário.
A despeito do sinal invertido da tradição jurídica que vigora
no Brasil frente à tradição inspiradora dos estudos empíricos que balizaram
a regulação responsiva, ela reforça o clamor de que os responsáveis pela
fiscalização regulatória não sejam autômatos cumpridores das leis, mas fiéis
depositários da confiança em sua sabedoria garantida por orientações
normativas flexíveis de fiscalização regulatória.
Essa maleabilidade da regulação por recurso à
discricionariedade também é reforçada pelas distorções que técnicas de
incentivo ao exercício da função sancionatória geram na Administração
Pública. O exemplo de avaliação do nível de cooptação de reguladores por
volume de procedimentos abertos e as evidentes distorções que essa prática
ocasiona são lembretes de como um sistema normativo regulatório
inflexível apoiado no mantra da aplicação mecânica das normas, em vez de
sustentado por juízos conscientes dos servidores imbuídos de funções de
fiscalização regulatória, gera uma distorção das prioridades regulatórias.348
A forma de regulação por comandos com sanções vinculadas
somente é recomendada, na teoria da regulação responsiva, quando do risco
de cooptação do regulador pelo regulado para “ofensas significativas e
substanciais”349 claramente definidas como um espaço inegociável de
fronteira além da qual quaisquer atos assim classificados terão as portas

347
BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 137.
348
BRAITHWAITE, John. To Punish or Persuade: Enforcement of Coal Mine
Safety. Albany: State University of New York Press, 1985, p. 138.
349
BRAITHWAITE, John. Op. cit., p. 141.

152
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

fechadas para juízos discricionários voltados à preservação de incentivos


intrínsecos.

2.10 TEORIA DA REGULAÇÃO INTELIGENTE

Outro exemplo de teoria regulatória processual que tenta se


afastar de abordagens ordenadoras de comando e controle (command and
control) encontra-se na proposta de uma regulação inteligente (smart
regulation) de Gunningham350, segundo o qual o momento de se abandonar a
regulação ordenadora em prol de métodos regulatórios mais sutis estaria na
detecção de uma ‘comunidade de destino partilhado’ (community of shared
fate), quando a performance negativa de um de seus membros prejudica a
todos, o que promoveria um incentivo processual a que todos os atores
setoriais, inclusive competidores, se apoiassem para evitarem efeitos
perniciosos do mau desempenho de um sobre todos.351
Tida como um tipo de regulação responsiva, a regulação
inteligente é, por sua própria denominação, uma regulação desejável.
Todavia, precisamente por ser um termo cobiçado e manipulável, ela exige
detido escrutínio. Mesmo quando o termo é utilizado sem o compromisso
com uma teoria específica, mas como jogo de marketing de reformas
regulatórias, como foi o caso da proposta canadense, em 2005, de um
grande plano federal de reestruturação regulatória em diversos setores da
economia sob o codinome de Estratégia de Regulação Inteligente, sua descrição

350GUNNINGHAM, Neil; GRABOSKY, Peter. Smart Regulation: Designing


Environmental Policy. Oxford: Clarendon Press, 1998.
351No Brasil, o Decreto 5.288/2004, ao regulamentar o Programa Nacional de

Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), instituído pela Medida Provisória nº


226, de 2004, convertida na Lei 11.110/2005, previu a figura do aval solidário, em
que o tomador do empréstimo de microcrédito produtivo orientado, quando
constituído de grupo solidário de, no mínimo, três participantes, substitui a exigência
de garantias reais, evidenciando uma manifestação de estratégia processual
regulatória pautada em incentivos de destinos compartilhados. Ao se entender que a
regulação desse tipo se apoia na regulação inteligente, esta pode ser utilizada como
parâmetro para evidenciar a deficiência do modelo de PNMPO, que aplica os
incentivos processuais somente ao tomador do empréstimo, que é a parte mais fraca
da relação, enquanto que a regulação pró incentivo às instituições financeiras para
abraçarem a causa do microcrédito se restringe, dentre outras coisas, à esterelização
do capital não utilizado para o fim esperado.

153
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

não foge do lugar comum de expressar o desiderato de alcance de um


sistema mais responsivo, mesmo que a responsividade seja aqui utilizada em
sua apreensão vulgar e ampla de um sistema em constante renovação,
aberto à interação com a comunidade e com maior flexibilidade ao regulado
para o atingimento de seus objetivos.352
Essa responsividade capturada por programas políticos de
governo, entretanto, não é assimilada em termos científicos na gramática
das medidas inteligentes, mas como retórica equívoca de predomínio de uma
abordagem regulatória – a redução de complexidade e o aumento da
eficiência – sobre a abordagem regulatória apoiada em padrões de
comportamento decorrentes de exigências normativas.353 É importante
lembrar que o maior esforço da teoria da regulação responsiva está em
obter conformidade normativa, ou seja, coincidência do comportamento
efetivo do regulado com a norma ou objetivo estatal nela expresso.
Para além do esforço retórico de marketing de propostas de
desregulação camufladas do termo regulação inteligente, é possível
identificar-se a cadeia de estudos que divisa significado científico à teoria da
regulação inteligente, ou smart regulation theory.
Por se tratar de uma teoria que partilha da proposta de solução
do choque entre visões antagônicas de reforço da regulação estatal versus
desregulação, ela bebe do manancial da teoria da regulação responsiva e,
comumente,354 é identificada como tendo surgido a partir de um conjunto
de estudos, iniciando pelo livro mais conhecido de Ian Ayres e John
Braithwaite (Responsive Regulation: Transcending the Deregulation
Debate, de 1992) e artigo de Neil Gunningham e Mike D. Young (Toward
Optimal Environmental Policy: The Case of Biodiversity Conservation, de
1997) muito embora, em nenhum momento tais autores se refiram à
regulação inteligente em seus textos.
A teoria da regulação inteligente é, entretanto, expressamente
apoiada na teoria da regulação responsiva em seus autores centrais e em

352
LUSSIER, Gaëtan et al. Smart Regulation: A Regulatory Strategy for
Canada. Ottawa: External Advisory Committee on Smart Regulation, 2004, p.
12, 16 e 143.
353
GRAHAM, Janice. Smart Regulation: Will the Government's Strategy Work?
Canadian Medical Association Journal, 173, n. 12, 6 Dec 2005. 1469-1470.
354
GOSSUM, Peter Van; ARTS, Bas; VERHEYEN, Kris. "Smart Regulation":
Can Policy Instrument Design solve Forest Politcy Aims of Expansion and
Sustainability in Flanders and the Netherlands? Forest Policy and Economics,
v. 16, p. 23-34, 2012.

154
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

teóricos da regulação que propõem uma visão mais ampla sobre o


significado de regular.355 Ela segue a tradição responsiva de um novo
paradigma “capaz de transcender a dicotomia regulação-desregulação”356 e
pode ser resumida em quatro eixos fundamentais: a) seu posicionamento
para além do antagonismo entre regular e desregular; b) sua valorização da
autorregulação regulada ou obrigatória, assim entendida aquela em que os
regulados desenvolvem eles mesmos seus programas de conformidade –
compliance programs – que, então, são submetidos à aprovação das autoridades
regulatórias; c) seu pressuposto de atuação regulatória obediente ao
republicanismo regulatório – regulatory republicanism –, em que um setor
privado iluminado e um público informado, por intermédio de deliberação
e participação construtiva, podem contribuir para o processo regulatório; e
d) uma visão comum de pluralismo jurídico – legal pluralism.
O termo regulação inteligente, ou smart regulation, surgirá
propriamente com o livro de Gunningham e Grabosky (Smart Regulation:
Designing Enviornmental Policy, 1998) sobre o desenho inteligente de
política ambiental, cujo capítulo final, que se concentra em um desenho
regulatório apoiado em princípios, foi antecipado em artigo resumido de
Neil Gunningham e Darren Sinclair (Designing Smart Regulation, 1998) e
divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico.
Após isso, houve uma verdadeira explosão do uso do termo
regulação inteligente357 ou de referências a fontes comuns,358 a conceitos

355
BRAITHWAITE, John. Crime, Shame and Reintegration. Cambridge:
Cambridge University Press, 1989; HAHN, Robert W. A Primer on
Environmental Policy Design. London: Harwood Academic Publishers, 1989;
SUNSTEIN, Cass Robert. Paradoxes of the Regulatory State. University of
Chicago Law Review, v. 57, p. 407-441, 1990; SUNSTEIN, Cass Robert. After
the Rights Revolution: Reconceiving the Regulatory State. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 1993; HAHN, Robert W. Toward a New
Environmental Paradigm. Yale Law Journal, v. 102, n. 7, p. 1719-1761, 1993;
FISSE, Brent; BRAITHWAITE, John. Corporations, Crime and
Accountability. Cambridge: Cambridge University Press, 1993; AYRES,
Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending the
Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992; KETTL,
Donald F. Sharing Power: Public Governance and Private Markets.
Washington: Brookings Institution, 1993.
356
GUNNINGHAM, Neil; GRABOSKY, Peter. Smart Regulation: Designing
Environmental Policy. Oxford: Clarendon Press, 1998, p. 11.
357
GOSSUM, Peter Van; ARTS, Bas; VERHEYEN, Kris. From "Smart
Regulation" to "regulatory arrangements". Policy Sci, v. 43, p. 245-261, 2010;

155
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

comuns de base, como o de direito reflexivo, definido por Teubner359 como


aquele que se utiliza de meios indiretos para atingir finalidades sociais
abrangentes, reconhecida a progressiva incapacidade da regulação estatal
para lidar com questões sociais cada vez mais complexas,360 e a fontes que
assumem que, embora o maior motivador para melhoria da conformidade
às normas esteja, na maior parte dos casos, nas próprias normas,361 em
certos casos, abordagens mercadológicas, parcerias privadas e incentivos à
performance podem oferecer melhores resultados a custos menores
mediante recompensas aos líderes, ao invés de meramente procurar arrastar
os regulados diletantes, ou melhor dizendo, lanterninhas, ou laggards, para
um patamar mínimo de conformidade,362 por definição, distante do ideal.
Nesse ponto, a proposta de regulação inteligente bebe
também do acréscimo à pirâmide de constrangimento da pirâmide de
recompensas (Figura 6 e Figura 7), também encontrada na figura do
diamante regulatório (Figura 9) e em outras fontes que não se utilizam do
termo “inteligente”, mas avançam a proposta de um desenho regulatório
complexo com base em regulação responsiva, como o estudo de Farber,363
avisando sobre os perigos de um desenho regulatório ultra complexo no

SCHULKE, Daniel F. The Regulatory Arms Race: Mobile-Health Applications


and Agency Posturing. Boston University Law Review, v. 93, p. 1699-1752,
2013.
358
GUNNINGHAM, Neil; SINCLAIR, Darren. Organizational Trust and the
Limits of Management-Based Regulation. Law & Society Review, v. 43, n. 4, p.
865-899, 2009.
359
TEUBNER, Gunther. Substantive and Reflexive Elements in Modern Law.
Law & Society Review, v. 17, p. 239-, 1983.
360
TEUBNER, Gunhter; FARMER, L.; MURPHY, D. (Eds.). Environmental
Law and Ecological Responsibility: The Concept and Practice of Ecological
Self-Organization. Chichester, UK: John Wiley, 1994.
361
HENRIQUES, I.; SADORSKY, P. The Determinants of an Environmentally
Responsive Firm: An Empirical Approach. Ontario: York University, Faculty of
Administrative Studies, 1995; ENDS. DoE Rediscovered Business Benefits of
Environmental Policy: ENDS Report 266. Conpenhagen: Environmental Data
Services, 1997.
362
GUNNINGHAM, Neil; SINCLAIR, Darren. Leaders & Laggards: Next-
Generation Environmental Regulation. Sheffield, UK: Greenleaf Publishing
Limited, 2002, p. 191.
363
FARBER, Daniel A. Five Regulatory Lessons from REACH. Berkeley, CA:
UC Berkeley Public Law Research Paper no. 1301306, 2008.

156
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

tema do registro, avaliação, autorização e restrição de produtos químicos e


seus efeitos reais na União Europeia.364
À semelhança do que ocorre com a regulação responsiva, a
regulação inteligente propõe o uso de uma variedade de abordagens mais
flexíveis e pluralistas que não cedam à tentação dos extremos de abordagens
exclusivamente pautadas em sanções pelo descumprimento da norma ou
ilusões de que a desregulação trará um equilíbrio natural ao sistema
regulado.365
A razão de surgimento da proposta de regulação inteligente é
expressiva: ela residiu na constatação de que abordagens de comando e
controle do início da década de 1970 mundo afora, ou seja, abordagens
apoiadas exclusivamente na introdução de regulamentação estatal inflexível,
centralizada e oriunda da fixação de padrões a partir da burocracia, que
proibia determinados comportamentos prejudiciais ao meio-ambiente e os
associava a consequências sancionatórias, resultaram em maior resistência
por parte dos regulados, maior ineficiência e foram tidos como
contraprodutivos.366
O papel de técnicas de comando e controle é preservado na
regulação inteligente e, à semelhança do que ocorre com a regulação
responsiva, o comando e controle tem sua razão funcional alterada de fator
exclusivo para a conformidade do comportamento regulado para assumir a
razão de ser de componente essencial às parcerias de regulação civil,
reflexiva ou de pluralismo regulatório.367
O pluralismo regulatório é uma das características comuns à
recomendação de desenho regulatório, embora não seja essencial; ele
significa uma opção por abordagens regulatórias apoiadas em múltiplos
instrumentos bem ajustados quanto às suas forças e fraquezas, mas também

364
SCHULTE, Christoph et al. Five Years REACH - lessons learned and first
experiences: An Authorities' View. Environmental Sciences Europe, v. 24, p.
1-10, 2012.
365
GUNNINGHAM, Neil; GRABOSKY, Peter. Smart Regulation: Designing
Environmental Policy. Oxford: Clarendon Press, 1998.
366
VOGEL, Daniel. National Styles of Regulation: Environmental Policy in
Great Britain and the United States. Ithaca, NY: Cornell University Press, 1986;
BARDACH, Eugene; KAGAN, Robert A. Going by the Book: The Problem of
Regulatory Unreasonableness. Philadelphia: Temple University Press, 1982.
367
GUNNINGHAM, Neil; SINCLAIR, Darren. Leaders & Laggards: Next-
Generation Environmental Regulation. Sheffield, UK: Greenleaf Publishing
Limited, 2002, p. 203.

157
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

estar aberto à utilização de somente um instrumento quando o setor, o


contexto normativo e as peculiaridades do caso assim o exigirem.368
A teoria da regulação inteligente apresenta-se como uma
proposta de desenho regulatório que combine um mix de mecanismos e
instrumentos motivacionais e informacionais, instrumentos voluntários,
instrumentos mercadológicos apoiados em preço e em direitos de
propriedade e instrumentos propriamente regulatórios.369 A inteligência
regulatória concentra-se, assim, no desenho regulatório de combinações
possíveis de instrumentos apoiadas em critérios ou princípios,370
levando-se em conta seus pontos fortes e fracos. Ao não se utilizar das
recomendações da regulação inteligente, isso não significa que o regulador
esteja adotando uma regulação ‘burra’, pois a regulação inteligente é uma
estratégia regulatória principiológica da regulação responsiva e, portanto,
não resume todas as contribuições da teoria responsiva e, por princípio
responsivo, não pode ser o melhor desenho para todos os setores,
arcabouços normativos, tradições jurídicas e casos específicos.
A regulação inteligente deve ser percebida pelo que ela é: uma
das muitas estratégias regulatórias responsivas. Seu estudo é essencial para
melhoria do arsenal regulatório e para padronização de cartas de navegação
regulatória, mas o regulador não se resume ao uso de combinações de
técnicas sob estratégia responsiva inteligente (smart); a depender do caso,
existirão outras combinações mais inteligentes (smarter). Isso não impede,
entretanto, que, em termos de discurso de aprovação ou de adoção de
políticas públicas, o termo seja usado em seu sentido mais amplo. O Brasil
não estaria mal acompanhado, como demonstra o exemplo canadense.
A regulação inteligente, embora expressamente apoiada na
responsividade, procura acrescentar um aspecto que não constava da
formulação inaugural da teoria da regulação responsiva, ou seja, a existência
da uma terceira faceta da pirâmide de constrangimento na figura dos
terceiros interessados de caráter comercial e não-comercial. Para a
formulação inaugural da regulação inteligente, a pirâmide de escalada de

368
GUNNINGHAM, Neil; SINCLAIR, Darren. Regulatory Pluralism:
Designing Policy Mixes for Environmental Protection. Law & Policy, v. 21, n.
1, Jan. 1999, p. 49.
369
GUNNINGHAM, Neil; YOUNG, Mike D. Toward Optimal Environmental
Policy: The Case of Biodiversity Conservation. Ecology Law Quarterly, v. 24,
n. 2, p. 243-298, Mar 1997, p. 253-279.
370
GUNNINGHAM, Neil; YOUNG, Mike D. Op. cit., p. 279-296.

158
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

constrangimentos teria essa terceira faceta para além das facetas do


regulador e dos negócios regulados.371
Com isso, a regulação inteligente propõe um modelo
expandido da pirâmide regulatória, ou regulação tridimensional em que a
escalada de constrangimentos ocorre nos três níveis: governamental; de
negócios regulados; e de terceiros interessados. Ainda mais importante é o
fato de que a escalada de coerção, na pirâmide do modelo expandido de
regulação inteligente, implica a interação entre instrumentos distintos mas
complementares e as três partes integrantes do processo regulatório em
misturas produtivas de instrumentos regulatórios, mediante combinações
recomendadas (positivas), não recomendadas (negativas) ou dependentes do
contexto específico (contextuais), em uma tabela relacional.372

2.10.1 CARTA DE NAVEGAÇÃO DA REGULAÇÃO


INTELIGENTE
Gossum, Arts e Verheyen373 identificam, a partir da literatura
sobre regulação responsiva e regulação inteligente, com certa liberdade
científica de fontes, oito princípios, indicadores e estados preferenciais dos
indicadores para mensuração do nível de inteligência do desenho
regulatório.
Tais princípios, indicadores e estados preferenciais de
indicadores fornecem um mapa de atuação do regulador para avaliação da
atuação regulatória inteligente, demonstrando que a regulação inteligente, tal
como a regulação responsiva, concentra-se no desenho regulatório e na
consciência de que cada contexto institucional, setor e tempo demandam a
construção de uma pirâmide regulatória específica, com o diferencial de que
os estudos de regulação inteligente estarão dedicados a padronizar
expectativas na forma de princípios orientadores do desenho regulatório e,
ao mesmo tempo, evidenciar como, em um mesmo setor regulado,

371
GUNNINGHAM, Neil; GRABOSKY, Peter. Smart Regulation: Designing
Environmental Policy. Oxford: Clarendon Press, 1998, p. 398.
372
GUNNINGHAM, Neil; GRABOSKY, Peter. Smart Regulation: Designing
Environmental Policy. Oxford: Clarendon Press, 1998, p. 428-429.
373
GOSSUM, Peter Van; ARTS, Bas; VERHEYEN, Kris. "Smart Regulation":
Can Policy Instrument Design solve Forest Politcy Aims of Expansion and
Sustainability in Flanders and the Netherlands? Forest Policy and Economics,
v. 16, p. 23-34, 2012, p. 24-26.

159
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

instrumentos regulatórios podem ter sucesso com determinado perfil de


regulado e serem inúteis para outro perfil de regulado.374
Os oito princípios (Tabela 1, p. 160) são derivados de Ayres e
Braithwaite (Responsive Regulation: Transcending the Deregulation
Debate, 1992), Gunningham e Young (Toward Optimal Environmental
Policy: The Case of Biodiversity Conservation, 1997), Gunningham e
Grabosky (Smart Regulation: Designing Environmental Policy, 1998) e
Howlett e Rayner ((Not so) "Smart Regulation"? Canadian Shellfish
Aquaculture Policy and the Evolution of Instrument Choice for Industrial
Development, 2004).
Tabela 1 – Princípios, Indicadores e Status Preferencial da Regulação
Inteligente
Princípios Indicador Estado desejável do
indicador
Inexistência de efeitos Ausência de efeitos Efeitos perversos são
perversos de outras perversos ausentes ou pequenos
políticas
Uma grande diversidade de
Amplo espaço para Diversidade instrumentos são utilizados
instrumentos para solução do problema
complementares
Ampla variedade de Ausência de efeitos Efeitos perversos são
instituições perversos ausentes ou pequenos
Desenvolvimento e Uso desses instrumentos Os instrumentos apoiados
uso de instrumentos apoiados em preços em mercado são utilizados
apoiados em preços para melhoria do mix de
instrumentos existentes
Invoque instrumentos Uso de instrumentos Os regulados sabem a razão
motivacionais e motivacionais ou da política pública e dos
informativos informativos instrumentos utilizados para
regulá-los. Adicionalmente,
eles detêm conhecimento
suficiente e estão motivados
para implementação da
política.
Prefira medidas menos Preferência por medidas Formuladores de política (e
intervencionistas menos intervencionaistas reguladores) iniciam com o
menor nível possível de
intervenção

Promova a escalada da Sequência de instrumentos Mais instrumentos

374
THORNTON, Dorothy; KAGAN, Robert A.; GUNNINGHAM, Neil. When
Social Norms and Pressures Are Not Enough: Environmental Performance in
the Trucking Industry. Law & Society Review, v. 43, n. 2, p. 405-435, 2009.

160
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

pirâmide regulatória intervencionistas podem ser


utilizados quando os de
menor intervenção falharem.
Grandes porretes Grandes porretes existem e
serão utilizados quando
necessário.

Ganho para os regulados Regulados percebem a


Ganha-ganha
política como vantajosa

Ganho para o governo* Monitoramento adequado e


explícito dos parâmetros
existentes
Fonte: GOSSUM, Peter Van; ARTS, Bas; VERHEYEN, Kris. "Smart Regulation": Can
Policy Instrument Design solve Forest Politcy Aims of Expansion and Sustainability in Flanders and
the Netherlands? Forest Policy and Economics, v. 16, p. 23-34, 2012, p. 24-26. Traduzida
e ligeiramente adaptada. *Tradução literal referente a política e governo, mas, quando
aplicada a reguladores, quer dizer ganho para a finalidade regulatória.
Howlett e Rayner,375 por sua vez, resumirão a regulação
inteligente a quatro sugestões de desenho regulatório:
a) o desenho de estratégias que empregue um conjunto de
instrumentos cuidadosamente escolhidos para criar
interações positivas entre eles e para responder a
características específicas do setor regulado e
dependentes do contexto;
b) levar em consideração todos os instrumentos regulatórios
disponíveis quando se desenha uma estratégia regulatória,
ao invés de pressupor que se deve escolher entre
regulação e mercado;
c) entre as técnicas preferidas pela regulação inteligente,
estão as baseadas em incentivos, formas de
autorregulação, envolvimento de terceiros voltados a
reforçar a conformidade do comportamento regulado,
inclusive auditorias e certificadores;
d) ênfase na procura incessante por novos instrumentos
regulatórios.

375
HOWLETT, Michael; RAYNER, Jeremy. (Not so) "Smart Regulation"?
Canadian Shellfish Aquaculture Policy and the Evolution of Instrument Choice
for Industrial Development. Marine Policy, v. 28, p. 171-184, 2004, p. 173.

161
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

A teoria da regulação inteligente reforça a procura por novos


instrumentos de implementação de políticas públicas. Todavia, pelo fato de
sua origem empírica concentrar-se no direito ambiental, essa teoria valoriza
incidentalmente os chamados instrumentos apoiados em mercado, ou
market-based instruments (MBIs), também chamados instrumentos
econômicos, ou economic instruments, instrumentos apoiados em preços, ou
price-based instruments, e novos instrumentos de política ambiental, ou new
environmental policy instruments (NEPIs). Eles consistem no uso de mercados,
preços e variáveis econômicas como incentivos para redução de
externalidades ambientais negativas.
Tais mecanismos apoiados em mercado são alternativas aos
instrumentos regulatórios de comando e controle, significando uma forma
de regulação própria, mas inserida no esquema responsivo de aversão a
fórmulas exclusivas, beneficiando-se do recurso a diversas estratégias
regulatórias sem a pretensão de afirmarem soluções independentes de um
desenho regulatório responsivo.
Embora inicialmente concebida para o tipo regulatório geral
ambiental e, portanto, transversal aos tipos regulatórios setoriais
preocupados com os diversos setores da economia e de bens jurídicos não
econômicos, a introdução de mecanismos de tipo mercadológico, como o
uso de direitos de propriedade, contratos e incentivos motivacionais e
informacionais376 se aplica aos diversos setores da economia que lidam com
bens comuns, como é o caso das telecomunicações, energia e transportes.
O uso de NEPIs na modelagem regulatória não é senão uma forma de
aplicar um princípio, agora sim, fundamental para a regulação inteligente: o
princípio da preferência a medidas menos intervencionistas (Tabela 1, p.
160, penúltima linha).
As NEPIs não são, entretanto, essenciais, mas recomendáveis
nos casos em que a medida de NEPI também detenha caráter menos
intervencionista, pois, da mesma forma que medidas menos
intervencionistas, como uma brochura informativa, não são NEPIs, nem
toda NEPI é menos intervencionista, como ocorre, por exemplo, com a
certificação florestal, eminentemente intervencionista em sua dimensão
prescritiva.377

376
JORDAN, Andrew et al. European Governance and the Transfer of 'New'
Environmental Policy Instruments (NEPIs) in the European Union. Public
Administration, v. 81, n. 3, p. 555-574, 2003.
377
GOSSUM, Peter Van; ARTS, Bas; VERHEYEN, Kris. “Smart Regulation”:
Can Policy Instrument Design solve Forest Politcy Aims of Expansion and

162
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

2.11 SÍNTESE SOBRE A TEORIA JURÍDICA DA


REGULAÇÃO

Os exemplos de propostas de abordagem regulatória apoiadas


em concepções jurídicas processuais ou substantivas são vários,
restringindo-se aqui a enumerar os mais significativos, comparando-se,
onde possível, os olhares da economia e do direito.
Assim, o método jurídico-regulatório de coerção extrínseca
reforçará a visão da regulação como impositiva, em que o sistema do direito
se impõe sobre o da vida econômica e social. O método jurídico-regulatório
de coerção instrínseca, por sua vez, valorizará o reforço das normas
próprias ao sistema econômico e social, a comunicação e o realinhamento
contínuo entre os sistemas. Gunther Teubner explicará essa interação
intersistêmica via compreensão do direito como sistema autopoiético378,
fechado em si mesmo, ampliando seus horizontes via processo reflexivo 379
com o meio regulado. Como se pode ver, a teoria dos sistemas também
detém sua vertente de teoria regulatória.
Em síntese, a análise jurídica da regulação contempla duas
vertentes. As teorias substantivas ou materiais da regulação afirmam o
conteúdo substantivo da regulação na sua juridicização, nos direitos sociais,
ou segundo o proposto neste manual, nos direitos fundamentais,
submetendo a regulação às diretrizes materiais dos direitos em uma teoria
da regulação de direito consentânea com a tradição do direito continental,
em que o fenômeno regulatório é finalmente abraçado pelo
constitucionalismo e serve ao fim maior de garantia institucional dos
direitos fundamentais. Já as teorias processuais de regulação, em sua
variedade de abordagens, apresentam técnicas de regulação voltadas ao

Sustainability in Flanders and the Netherlands? Forest Policy and Economics,


v. 16, p. 23-34, 2012.
378Vide TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. Trad. José
Engrácia Antunes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.
379Sobre o significado de modernização reflexiva, vide: BECK, Ulrich; GIDDENS,

Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva. Trad. Magda Lopes. São Paulo:
Editora Unesp, 1995.

163
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

alcance do interesse público via desenho regulatório responsivo ou


simplesmente de direito público processual-administrativo.

164
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Parte III

MODERNIZAÇÃO DO DIREITO
ADMINISTRATIVO

165
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

166
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

3.1 VELOCIDADE DA INOVAÇÃO


TECNOLÓGICA, LINGUAGEM SETORIAL E
ESPECIALIZAÇÃO REGULATÓRIA
O componente inovador de transformação constante do sentido
das disposições normativas para atualização do sistema jurídico à realidade
existencial foi sobremaneira incrementado nas últimas décadas em razão do
fator velocidade. A transformação, antes tida como antípoda do regramento,
passou a compor sua essência. Há cada vez menos espaço para a cogitação
de regramentos estanques, quando se trata de normatizar setores complexos
de atividades ou subsistemas jurídicos, cuja característica central é a
constante atualização dos fatores influentes sobre os rumos do setor, dentre
eles, o tecnológico.
A velocidade de transformação tecnológica é um dos fatores
de desestabilização do sistema normativo. Não se quer dizer, com isso, que se
exija do regramento respostas às necessidades dos atores setoriais – governo,
empresas, usuários/consumidores – para facilitar-lhes a consecução de seus
objetivos. O ordenamento jurídico, pelo contrário, traduz em preceitos a
política pública setorial segundo filtros normativos de nível constitucional e
infraconstitucional, direcionando380, portanto, a realidade.
Dada a especificidade de cada setor regulado, a eficácia da
influência pretendida pelos preceitos normativos é diretamente
proporcional a sua sintonia com a linguagem falada no setor, ou seja, com a
conformação e dinâmica setorial. A indução de comportamento na direção
do interesse público em um complexo setor de atividades depende de visão
abrangente sobre o passado do setor e sobre a sua forma específica de ser,

380Não se fala em direção no sentido absoluto de crença moderna no devir em


detrimento do ser, mas exatamente na constatação de que o estudo da normatização
de condutas é um processo próprio ao ser social e não simplesmente de predefinição
de condutas individuais capazes de, por si só, esgotarem a realidade. A propósito da
persistência do ser, no século inaugurador moderno (séc. XVII), como categoria
maior do pensamento a conviver com a proposta racionalista do devir, vide:
BAUMER, Franklin Le Van. O pensamento europeu moderno: séculos XVII e
XVIII. Vol. I, Lisboa: Edições 70, 1990, p. 47. Não se pode fugir, aqui, entretanto, à
crítica de subserviência ao pensamento moderno de substituição da meta
contemplativa dos Antigos (de estabilidade) por um fim utilitário e ativista (de
movimento) dos Modernos, embora temperado, nesta exposição, pela compreensão
de que a previsibilidade não é o único fundamento para o esforço de se influenciar a
realidade.

167
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

algo somente possível de se exercitar por estruturas especializadas e


estruturadas para a função de acompanhamento pari passu das alterações
conjunturais.
A política pública setorial depende, portanto, do
conhecimento setorial para produzir regramentos viáveis. Ela depende
de acompanhamento do desenvolvimento tecnológico para orientar
eventuais desígnios utilitaristas de mercado (ou dos atores do mercado) na
direção do interesse público.

3.2 GLOBALIZAÇÃO, CONHECIMENTO E


POLÍTICA PÚBLICA SETORIAL
Não é somente o desenvolvimento tecnológico que impõe
valorização da perspectiva dinâmica do ordenamento jurídico. O termo
globalização, por intermédio de seus inúmeros significados381, exige a
adaptação do ordenamento jurídico mediante uniformização internacional, cujo
efeito intensificador da superação das fronteiras nacionais gera a cogitação de
um direito global382.
Em poucas palavras, a globalização é um processo383, que se
apresenta com significados complementares nos ramos do conhecimento
científico. Comumente, aponta-se a liberdade de mercado internacional como a
síntese econômica da globalização orientada por discursos de deificação das

381Vide BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globalismo, respostas da


globalização. Trad. André Carone, São Paulo: Paz e Terra, 1999.
382Sundfeld define o ‘direito global’ como o que se opõe ao direito doméstico. “O

direito global extrapola largamente as fronteiras do Estado Nacional para buscar


suas fontes também fora dele [mas] a simples existência de órgãos e de fontes
normativas internacionais nem constitui novidade nem basta para caracterizar uma
“nova era”. Esta é derivada, portanto, não do surgimento, mas da intensificação do
fenômeno” (SUNDFELD, Carlos Ari. A Administração Pública na era do direito global.
p. 157-158. In: SUNDFELD, Carlos Ari e VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito global.
São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 157-168).
383A globalização não é um acontecimento estanque, é uma “onda que traduz uma

nova cultura (...) é o produto inevitável do chamado ‘efeito demonstração’ derivado


dos extraordinários avanços da tecnologia” (CHACEL, Julian (org.). A globalização em
debate. p. 5. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro, v. 46, n. 546, p. 3-14, set. de 2000).
Pode-se identificar a globalização como “um processo e não como um fato
consumado” (CALDAS, Ricardo W. O Brasil e o mito da globalização. São
Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 18).

168
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

economias modernas.384 Aliás, a terminologia adotada para designar o processo


de aproximação mundial denota a posição central do aspecto econômico de
abertura comercial.385 Para sua instrumentalização, idealizou-se a
uniformização normativa, a estandardização social em padrões culturais e a
padronização técnica, reflexo tecnológico do movimento de globalização.
Neste último item, evidencia-se melhor a importância da linguagem setorial.
Ao lado dessas características, costumam-se enumerar também outros
fatores como a crescente influência das multinacionais, da tecnologia da informação,
do consumismo, da integração regional, da internacionalização dos direitos humanos,
das redes temáticas de pessoas386. A rede de influência social sobre a política
pública ampliou-se em complexidade e extensão, gerando novas exigências
de estruturação do Estado e da sociedade. Com a aproximação dos
interesses internacionais das fronteiras estatais, o foro de discussão da
legislação setorial foi, em parte, deslocado para organismos internacionais e
acordos bilaterais. Os países periféricos deixaram de deter as rédeas de

384O comentário de Eros Roberto Grau é revelador: “Modernas são a economia


japonesa e os regimes de protecionismo econômico interno norte-americano e
europeu, que não fazem nenhum exemplo de mercado livre. De modo que ser
moderno, hoje, é no mínimo já ter consciência de que o mercado é impossível sem
uma legislação que o proteja e uma vigorosamente racional intervenção, destinada a
assegurar sua existência e preservação” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o
direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 92). Ser verdadeiramente
moderno é intervir com vigor, força, conhecimento, prospecção, enfim, é desenhar e
implementar política pública.
385“O termo de origem francesa ‘mundialização’ (mondialisation) encontrou

dificuldades para se impor, não apenas em organizações internacionais, mesmo que


supostamente bilíngues, como a OCDE, mas também no discurso econômico e
político francês. Isso se deve (...) ao fato de que o termo ‘mundialização’ tem o
defeito de diminuir, pelo menos um pouco, a falta de nitidez conceitual dos termos
‘global’ e ‘globalização’.” (CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São
Paulo: Xamã Editora, 1996, p. 24 – Original: La mondialisation du capital. Paris: Syros,
1994).
386A mundialização significa “que as decisões já não são nacionais ou locais,

pertencendo a alguma congregação supranacional de caráter mundial. Mas para a


Comissão Internacional de Juristas, o sentido talvez mais importante [da
globalização] é que ela evoca as novas redes que os cidadãos estão formando e as
relações cada vez mais estreitas, que matêm o movimento de direitos humanos”
(CLAPHAM, Andrew. La mundialización y el imperio del Derecho. p. 17. In: La Revista
de la Comisión Internacional de Juristas – mundialización, derechos
humanos e imperio del derecho. n. 61, 1999, p. 17-37).

169
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

opção política e passaram a ter de negociar suas legislações nacionais,


gerando o fenômeno do realinhamento constitucional387.
A partir de então, o conhecimento detém peso decisivo na
determinação da política pública setorial, pois dele depende o convencimento
dos demais partícipes da comunidade internacional quanto à necessidade ou
irrelevância de cada opção política interna. Somente o conhecimento
setorial habilita os países a fazerem frente à crítica de mera recepção
dos padrões internacionais388. Isso ocorre porque a globalização carrega
consigo a uniformização jurídica. As políticas públicas nacionais não mais
podem destacar-se das ponderações internacionais. Ampliado o rol de
partícipes na formulação da política pública, também foi potencializada a
inovação. No plano privado, a referência à tecnoestrutura de Galbraith389

387O termo ‘realinhamento constitucional’ é utilizado por Oscar Vieira para designar
a influência dos fatores de pressão internacionais sobre os sistemas constitucionais
nacionais. Conferir: VIEIRA, Oscar Vilhena. Realinhamento constitucional. In:
SUNDFELD, Carlos Ari e VIEIRA, Oscar Vilhena (coord.). Direito global. São
Paulo: Max Limonad, 1999, p. 15-48.
388Ao analisar a globalização sob o tríplice enfoque de regionalização, direitos humanos e

economia, Oscar Vieira identifica um realinhamento bidirecional nos movimentos de


regionalização (VIERIA, Oscar. op.cit., p. 28) e direitos humanos (VIERIA, Oscar.
op.cit., p. 29). Haveria, nestes, uma influência recíproca entre os movimentos
citados e as posições políticas dos países da comunidade internacional. Já no que diz
respeito à globalização econômica como “liberdade total ao capital internacional”
(VIERIA, Oscar. op.cit., p. 17), o autor não consegue identificar o movimento de
influência dos países neste fenômeno uniformizador: “Diferentemente dos demais
fenômenos da globalização, não temos neste caso [da globalização econômica] a já
mencionada via de duas mãos. Há apenas uma assimilação dos padrões
internacionais, sob a perspectiva de que são essenciais para se participar do processo
de globalização” (VIERIA, Oscar. op.cit., p. 46-47).
389Vide GALBRAITH, John Kenneth. O novo Estado Industrial. São Paulo:

Editora Nova Cultural, 1997. Para Galbraith, a substituição do sistema de mercado pelo
sistema de planejamento teria modificado a estrutura de poder nas empresas e na
sociedade em razão do aumento da escala de produção, do avanço da tecnologia e do
conhecimento interdisciplinar, que exigem elevado tempo de maturação dos
empreendimentos cada vez mais complexos. A decisão teria migrado da propriedade
do capital para sua gestão. O controle, agora, estaria nas mãos do administrador
qualificado pelo conjunto de informações necessárias à gestão do negócio mediante a
criação de novas necessidades moldadas pelo aparato propagandístico, derrubando
por terra a soberania do consumidor. Tal inteligência organizada da empresa constituiria sua

170
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

esclarece o movimento de transformação do mercado, que deixa de ser o


mecanismo de alocação eficiente de recursos viabilizado pelo Estado390, e
passa a ser dirigido pela inteligência organizada da empresa e, portanto, pelo
investimento na criação de necessidades por via de estratégias de marketing.
Disso tudo resulta a constatação de valorização do momento
dinâmico presente na implementação das políticas públicas. Não é mais
suficiente tratar a realidade com previsões abstratas petrificadas em
instrumentos normativos perenes, que teoricamente absorveriam a
maior parte da carga de litigiosidade. Hoje, é necessário que o Estado
trabalhe com a realidade mediante estabelecimento de metas variáveis de acordo
com as situações que se põem.391 A política pública encontra-se espelhada
na evolução de cada setor de atividades relevantes, constituindo um dos
elementos necessários para qualificação de tais atividades em direção à
produção de bem-estar.

tecnoestrutura, cujas decisões técnicas e impessoais – tecnocracia – acabariam por suplantar


a liberdade individual de direcionar o desenvolvimento.
390Bresser Pereira, ao definir o mercado como o mecanismo de alocação eficiente de

recursos por excelência, afirma a precedência do Estado moderno ao mercado


capitalista na medida em que é o Estado que garante os direitos de propriedade e a
execução dos contratos. Vide PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do
Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da
Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, p. 9-10.
391“Não basta editar uma lei abstrata, genérica e distante, dizendo que nenhuma

exploração da atividade industrial pode ultrapassar certo limite de poluição,


causando dano à saúde do vizinho. É preciso que o Estado vá trabalhando com a
realidade todo o tempo, para definir, nas situações que se põem, o que é ou não uma
emissão de poluentes aceitável; assim obter-se-á a paulatina diminuição da emissão
de poluentes. É preciso impor graus crescentes de restrições à emissão de poluentes, e
para isso a lei é insuficiente. Ninguém imagina que o legislador vá cuidar de regular
o nível de emissão de poluentes do bairro do Maracanã no ano de 1998; e, em
janeiro de 99, editar outra lei para estabelecer que já é hora de diminuir ainda mais o
nível de emissão de poluentes; e, no meio do ano, considerando que aquele nível
eleito foi otimista demais, editar nova lei para voltar atrás. Alguém imagina que o
legislador possa fazer isso, dedicando-se, ele próprio, a um verdadeiro gerenciamento
normativo da realidade?” (SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos
valores e conflitos. p. 1293-1294. In: Anais da XVII Conferência Nacional dos
Advogados. Justiça: realidade e utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos
Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297).

171
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Tais considerações situam-se no âmbito do chamado governo


por políticas (government by policies) como qualificativo representativo do
século XX. Como consequência, a intervenção estatal nos setores relevantes
de atividades é um pressuposto para se relacionar a evolução setorial com o
adensamento dos direitos fundamentais em sua dimensão concreta. Por
tudo isso o conhecimento é tão relevante: conhecimento setorial para
ponderação das fronteiras de regulação no gerenciamento normativo
da realidade voltado à otimização da eficiência392 dos setores
representativos da economia nacional dentro de patamares éticos de
desenvolvimento. A introdução de entes de direito público tematicamente
especializados – as agências reguladoras –, principalmente a partir da
segunda metade da década de 1990, no Brasil, responde, em parte, à referida
demanda por um conhecimento setorial capaz de produzir regulação em
ambientes complexos e em constate transformação.

3.3 REGIMES JURÍDICOS DE PRESTAÇÃO DE


SERVIÇOS
Alterada a perspectiva no tratamento da política pública
setorial, velhos temas de direito administrativo, que passaram despercebidos
enquanto o estudo jurídico não se via ameaçado por novas demandas de
otimização e de dinamização393, exigiram maior aprofundamento.
O fenômeno da publicatio394, predominante na história
administrativa brasileira dos três primeiros quartéis do século XX e de
nítida tradição francesa, evidenciou tratamentos jurídicos estanques entre o
serviço considerado público e o privado. Esgotadas as forças de divisão

392Eficiência esta que foi elevada à categoria constitucional com a Emenda


Constitucional nº 19/98, que alterou o art.37, caput da Constituição Federal brasileira
de 1988.
393O direito administrativo sempre sofreu os influxos da evolução tecnológica, como

bem demonstram as regulamentações municipais do direito de construir, que


acompanham a evolução das técnicas de construção e do crescimento
correspondente dos riscos. A novidade de hoje está na ampliação sensível deste
fenômeno de regulamentação conjuntural para setores da economia, no Brasil,
submetidos a escassa regulamentação estatal direta devido à suficiência da
autorregulamentação das então empresas estatais.
394O termo publicatio é utilizado para denotar a transferência da titularidade de

atividades das mãos privadas para o Estado.

172
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

precisa entre papel estatal e liberdade individual, o serviço reservado ao


Estado deixou de carregar o caráter de exclusividade ao mesmo tempo que
a atividade privada passou a comportar interferências públicas, ambos
cedendo espaço para a apropriação de um conceito anglo-saxão mais
abrangente: o de atividade regulamentada.395
No campo do tratamento jurídico dos direitos fundamentais, a
passagem do Estado Liberal para o Estado Social produziu claras
transformações de pontos de vista, que obrigaram o mundo jurídico a
contemplar a face objetiva de concretização dos direitos ao lado da face
subjetiva de sua pura titularidade. Enquanto isso, no que diz respeito à
postura estatal frente aos setores da economia, o efeito do mesmo período
histórico foi exatamente o inverso, na medida em que ocorreu o
fortalecimento do movimento liberal de separação entre o público e
privado, agora sob o enfoque da prestação estatal de serviços. O diferencial
do Estado Social nesse particular não foi, portanto, o de se alterar a
percepção jurídica de segmentação entre prestações públicas e privadas, mas
o de ampliar, consideravelmente, o rol de atividades reservadas ao Estado,
como ocorreu com as inversões estatais dos setores de energia e
telecomunicações de meados do século XX no Brasil como forma de
arrogar a si as necessidades da coletividade para promoção de bem-estar.
O fenômeno de prestação de serviços e sua normatização não
foi enfraquecido pelo pensamento social como ocorreu com a visão
individualista dos direitos fundamentais. Nestes, a evolução concreta das
tensões sociais da segunda metade do século XIX exigiu participação ativa
estatal para reequilibrar as situações jurídicas individuais, facultando a todos
usufruírem das previsões abstratas de direitos mediante fornecimento, pelo
Estado, das condições concretas de acesso aos direitos de liberdade. Os
direitos à vida, à propriedade, à liberdade e à igualdade formal, entre outros,
foram melhor concretizados com o incremento de direitos a prestações
positivas estatais, tais como a previdência social, a tutela do hipossuficiente
no direito do trabalho, a atividade de fomento a juros baixos para aquisição
da casa própria e o acesso gratuito ao Judiciário. Para consecução desses
objetivos, embasado na tradição francesa de segregação dos serviços, o
Estado assumiu setores de atividades econômicas, buscando compensar o
déficit de acesso da população a serviços básicos ou mesmo viabilizar a
padronização de atividades produzidas em larga escala.

395Vide GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e sua
transformação, p. 64. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo
econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 39-71.

173
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

A tradição liberal de separação entre Estado e sociedade deu


origem à segregação entre serviços públicos e privados como
compartimentos estanques do sistema normativo brasileiro. Não se quer
dizer, com isso, que a distinção entre serviços públicos e privados esteja em
decadência, pois o que caracteriza o direito brasileiro é exatamente a
submissão da Administração a um direito especial destacado do direito
comum396, mas a compreensão de que a característica pública ou privada não
está eternamente amarrada a um determinado serviço, que pode perder sua
essencialidade com o tempo ou mesmo ganhá-la. Além disso, a
compreensão de que um mesmo rol de serviços pode conter âmbitos de
prestação em regime público, convivendo com formas de prestação em
regime privado revela a complexidade da dinâmica regulatória. Um
fenômeno muito próximo se fez presente na história jurídico-constitucional
brasileira desde a Constituição Federal de 1934397, em que os chamados
doutrinariamente de serviços sociais submeteram-se, e se submetem até hoje, a
regimes jurídicos público ou privado conforme a pessoa que os presta.

396Sobre as características e distinções entre o Direito Administrativo anglo-


americano e o Direito Administrativo de matriz francesa, vide: PESSOA,
Robertônio. Curso de direito administrativo. Brasília: Editora Consulex, 2000, p.
51-58.
397O art.149 da Constituição Federal de 1934 estabelecia o dever do Estado e da

família de prestar educação. O anteprojeto da Carta Constitucional de 1934 era mais


claro, pois previa, no título XI (Da Cultura e do Ensino), no art.112: “O ensino será
público ou particular, cabendo àquele, concorrentemente à União, aos Estados e aos
Municípios. O regime do ensino, porém, obedecerá a um plano geral traçado pela
União, que estabelecerá os princípios normativos da organização escolar e
fiscalizará, por funcionários técnicos privativos, a sua execução”. A Constituição
Federal de 1937 foi mais clara: “Art.129. À infância e à juventude, a que faltarem os
recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos
Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino
em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas
faculdades, aptidões e tendências vocacionais”. A Constituição de 1946, por sua vez,
assim disciplinou: “Art.167. O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos
podêres públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem”. A
Constituição Federal de 1967 e Emenda nº1 de 1969 seguiram a mesma linha:
“Art.168. (...) §2o Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa
particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Podêres Públicos,
inclusive bôlsas de estudo”. Finalmente, a Constituição Federal de 1988 disciplina:
“Art.205. A educação, direito de todos e dever do Estado (...); Art.209. O ensino é
livre à iniciativa privada (...)”. Históricos normativos semelhantes podem ser
desenhados para os setores de saúde, abastecimento alimentar e sistema financeiro.

174
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Enquanto os serviços forem definidos, a priori e ad eternum,


como públicos ou privados, a realidade de aplicação do direito continuará
destoando muito da previsão normativa. Para fugir da decisão casuística
e não-programada, mas pressionada pela realidade, o Direito
brasileiro absorveu a maleabilidade na percepção da realidade de um
serviço, ou seja, na percepção de seu caráter concreto de
essencialidade. Os serviços mudam e as necessidades da coletividade
também. De que adianta fincar-se a bandeira do serviço público em serviços
que sofrem defasagem de interesse social em curto espaço de tempo. É o
direito tramando contra sua própria função de orientador de condutas. Um
serviço hoje tido por essencial – portanto público –, como a telefonia fixa,
pode perder seu status ou ombrear com outros serviços mais abrangentes,
como promete o fenômeno da convergência tecnológica no âmbito das
telecomunicações. O ordenamento jurídico petrificado ostentaria um
serviço morto como palavra de ordem publicista e o restante dos serviços
restaria abandonado a sua própria fortuna pelo simples fato de que a
imprecisão terminológica entre serviços públicos e privados decorre
exatamente da procura exagerada por uma definição eterna e universal do
que é público, acorrentando-o em dispositivos exclusivistas.398 Atente-se,
por fim, para o fato de que não se está aqui defendendo a extinção da
distinção entre regimes público e privado, mas a simples possibilidade de
que seus objetos – serviços públicos e privados – sejam melhor ponderados
e atualizados às transformações ínsitas à regulação setorial e que não se
rendam a definições simplistas399, que substituem a maleabilidade jurídica
pela imprecisão terminológica tão propícia às negociações privadas do
interesse público.

398“A frustação com estas categorias ubíquas [de público e privado] surge
parcialmente porque elas são posicionadas para descreverem oposições em nosso
pensamento. No cerne de muitas de suas aplicações aparecem as duas ideias de que
o público está para o privado tal como aberto está para fechado e como o todo está para a
parte.” – tradução livre do original (STARR, Paul. The meaning of privatization. p. 16. In:
KAMERMAN, Sheila B. & KAHN, Alfred J. Privatization and the Welfare State.
Princeton: Princeton University Press, 1989).
399O conceito de serviço público como o “serviço disponível ao público” serviu à

justificação da provisão privada de serviços públicos sob a óptica econômica de estratégias


de fomento do mercado, mas não se adequa nem satisfaz as exigências jurídicas de
orientação da prestação de serviços públicos e privados. Conferir: ROTH, Gabriel.
The private provision of public services in developing countries. Washington:
Economic Development Institute, 1987, p. 1.

175
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

O que se apresenta hoje é mais uma etapa de reaproximação,


que demanda correspondência no ordenamento jurídico mediante
modernização do direito administrativo. Se por um lado, a prestação exclusiva dos
serviços públicos pelas mãos do Estado sofreu críticas de eficiência,
universalização e modicidade de tarifas, por outro lado, a complexidade dos
setores de atividades e suas inter-relações levaram o Estado a repensar o
benefício do sistema exclusivista e segregado entre serviços públicos e
privados. A partir daí, a transformação do modelo dispôs-se à coexistência de
regimes jurídicos no mesmo rol de serviços para congregar a dinâmica,
eficiência e concorrência de preços (não necessariamente a livre
concorrência e a livre iniciativa400) com o desígnio público de
universalização e continuidade. A etapa atual da regulação foi o caminho
aberto para compatibilizar dois sistemas, cuja convivência parecia inaceitável
no modelo anterior de absoluto antagonismo entre público e privado.401 A
partir de então, à sociedade, por suas instituições, foram abertos espaços de
atuação no desenvolvimento setorial, principalmente por meio das figuras
da audiência pública e da consulta pública. Presente, diretamente, na
prestação dos serviços, o Estado não pôde, isolado da sociedade, responder
às demandas de rápida evolução social. A modernização do direito
administrativo desloca o Estado para o intervencionismo indireto,
resultando na entrega de maior poder normativo às instituições
reguladoras coerentemente com o novo modelo de prestação de
serviços públicos.

3.4 REGIMES JURÍDICOS DE PRESTAÇÃO DE


SERVIÇOS REGULADOS: DIVISÃO
CONSTITUCIONAL DE TITULARIDADE

400Argumentando pela caracterização do modelo regulatório, segundo a ideologia


constitucionalmente adotada pela Constituição Federal de 1988 no Brasil, como
afeto um ambiente concorrencial, mas avesso ao jogo dos mercados, assim
entendido aquele caracterizado pela livre iniciativa e a livre concorrência, vide:
CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços Públicos na
Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey,
2007.
401Daí a afirmação de Eros Roberto Grau de que “a privatização dos serviços públicos

instala um autêntico caos em suas teorizações [do direito administrativo], abalando a


própria noção de serviço público, que lhe tem servido de sustentáculo” (GRAU, Eros
Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros,
2000, p. 125).

176
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

As mudanças introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro


rumo à modernização do direito administrativo, entretanto, precisam ser
justificadas em meio às críticas de carência de sintonia entre as mudanças
idealizadas e as assimiladas pelo direito, que remontam à discussão de fundo
sobre a natureza e o regime jurídico de prestação de um serviço regulado.
As emendas constitucionais setoriais de 1995 enfatizaram a
imperfeição da tradicional classificação de direito administrativo, que
gravava um rol de atividades, em seu conjunto, pelo caráter público ou
privado. A pergunta aprofundada após as emendas setoriais encontra-se na
cogitação do regime jurídico aplicável aos serviços regulados. Estariam eles,
agora, submetidos, ao regime público ou ao privado? Tais serviços
regulados, enfim, estariam submetidos, integralmente ao regime público ou
a um duplo regime, público e privado?
Para compreensão destas indagações, dois conceitos devem
ser esclarecidos: regime jurídico; e titularidade constitucional das atividades
econômicas em sentido amplo.
Regime é o sistema de uma disciplina jurídica. Assim, é o
conjunto de regras jurídicas integradas para consecução de uma finalidade
comum. Quando esta finalidade é de interesse público em meio a uma relação
vertical402 caracterizada pela manifestação de poder extroverso estatal, chama-se
dito sistema de regime público. Poder extroverso, por sua vez, é a
possibilidade de imposição de deveres ao outro sujeito da relação jurídica
sem sua concordância. Decorre do poder público, da prevalência do
interesse público e da possibilidade do uso da força física e sua
exclusividade pelo Estado. Trata-se da manifestação do poder político assim
entendido quando um centro de imputação normativa interfere
unilateralmente na esfera jurídica de outrem. Poder extroverso é, portanto,
a possibilidade de obrigar unilateralmente a terceiros. Opõe-se, portanto, ao
chamado poder interno, que é o poder próprio das relações privadas
consubstanciado na possibilidade do sujeito de direitos constranger sua
própria esfera jurídica.
Um dos elementos fundamentais para determinação do regime
a ser aplicado a uma relação jurídica qualquer é a natureza da atividade em
jogo. Se a atividade for considerada exclusiva do Estado, ou mesmo privativa

402Diz-se da relação em que o Estado detém uma posição privilegiada, gerando


efeitos de subordinação. Conferir: SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de
direito público. São Paulo: Malheiros Editores, 1992, p. 68.

177
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

do Estado, o regime jurídico aplicável será o público, em maior ou menor


extensão conforme o caso. Se a atividade for considerada um serviço social, o
regime variará conforme a pessoa prestadora. Finalmente, se a atividade
estiver caracterizada como atividade econômica, o regime a ela aplicável será,
em regra, o privado, à exceção de atividade monopolista.
Embora a distinção acima apresentada seja relativamente clara,
a definição da natureza das atividades não o é. O índice mais seguro para se
estabelecer a distinção provém do texto constitucional, embora ele não seja
uma fonte autoexplicativa e didática. É dele, portanto, que se extrai a
titularidade das atividades em geral.
Há atividades que são atribuídas ao Estado de forma exclusiva,
tais como as atividades de trato soberano, como jurisdição, normatização,
poder de polícia, tributação e orçamento. São de titularidade do Estado e
são impassíveis de transferência aos particulares.
Próximas às atividades exclusivas encontram-se as atividades
privativas do Estado. Elas são de titularidade estatal, mas a própria
constituição permite a transferência de sua prestação ao particular. Como a
prestação de ditas atividades somente pode ser transferida aos particulares
por intermédio de contratos administrativos de concessão ou de permissão
(art.175 da Constituição Federal de 1988), o Estado continua responsável
subsidiariamente por sua prestação.
Dentre as atividades privativas, encontra-se a parcela de
serviços regulados essenciais à sociedade em seu conjunto e que abrangem,
a depender do autor, todos ou parcela dos serviços de telecomunicações,
energia elétrica, mineração, transportes, dentre outros.
Há uma categoria especial de serviços, que são de titularidade
integralmente tanto do Estado como dos particulares, como os serviços de
saúde e de educação. Quando prestados pelo Estado diretamente, ou por
intermédio de terceiros, submetem-se a regime público. Se, entretanto,
forem prestados por conta e risco dos particulares, submetem-se a regime
privado.
Finalmente, o campo das atividades econômicas é residual.
Enquadram-se nessa categoria todas as atividades não expressamente
definidas como atividades exclusivas, privativas ou sociais pela Constituição
Federal de 1988.
O conceito de serviço público surge assim como um elemento
aglutinador das atividades de titularidade do Estado, e por consequência,
tidas como essenciais à sociedade.

178
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Tradicionalmente, os serviços regulados, no Brasil, foram


considerados serviços públicos e, portanto, submetidos, via de regra, a regime
especial administrativo (regime público). Com a modificação implementada
pelas emendas setoriais de 1995, o tratamento dos serviços exprimiu uma
cisão dos setores em atividades submetidas a regime público e atividades
submetidas a regime privado, mediante a expurgação do termo serviço público
do texto correspondente a cada setor e a introdução de competência da
União para autorização de serviços regulados. Ao lado, portanto, dos
contratos administrativos de concessão e de permissão de serviços públicos
regulados, surgiu a possibilidade de mera liberação de amarras
administrativas ao exercício de atividades econômicas reguladas. É sobre
essa novidade constitucional que se apoia o modelo brasileiro atual de
regulação de atividades essenciais.
Em resposta à questão formulada mais acima sobre que
regime jurídico deveria ser aplicado aos setores regulados, a prática das
instituições reguladoras tomou a frente dos administrativistas brasileiros
para revelar o que já se praticava em diversos setores muito antes de ditas
emendas constitucionais: a atribuição de regime jurídico público ou
privado, não a um setor em seu conjunto, mas a segmentos de
atuação concreta intestinos a um setor essencial de atividades. O
serviço universal obrigatório passou a se dirigir a um subconjunto de
atividades de um setor regulado403: à cobertura de determinadas linhas
regulares, no setor de transportes; ao serviço postal de cartas, nos correios;
ao atendimento médico patrocinado pelo Estado, no setor de saúde; aos
serviços básicos de telefonia, a um serviço universal de TV por assinatura, e
à eventual extensão à banda larga, nas telecomunicações; ao gerador em
regime de serviço público, no setor elétrico.

3.5 AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇOS


A discussão existente na doutrina brasileira sobre o conceito
de autorização de serviços na Constituição Federal de 1988 decorre de acusada
incongruência constitucional no emprego do termo. Enquanto o art. 175
trata da prestação dos serviços públicos por concessão ou permissão, os arts. 21,

403Vide GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e sua
transformação, p. 63-64. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 39-71.

179
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

XI e XII e 223 prevêem serviços inscritos na competência da União, mas


passíveis de prestação indireta mediante concessão, permissão ou autorização.
As hipóteses interpretativas podem ser resumidas em duas: (i)
a autorização prevista nas emendas setoriais de 1995 nada mais seria do que
uma terceira forma de delegação da prestação de serviços públicos e,
portanto, o art. 175 teria estabelecido requisitos específicos para prestação
de serviços públicos em regimes de concessão e de permissão, remetendo,
implicitamente, o tratamento dos serviços públicos prestados por meio de
autorização às regras gerais do regime público ou a um regime especial
despido de certas exigências do regime público, tais como a exigência de
reversibilidade dos bens afetos ao serviço público e o princípio da
generalidade na prestação do serviço público; (ii) a autorização prevista nas
emendas setoriais de 1995, por outro lado, indicaria o reconhecimento
constitucional de que subconjuntos dos serviços regulados são, na verdade,
atividades econômicas em sentido estrito, dependentes do cumprimento de
normas administrativas para seu exercício por particulares, resultando na
compreensão da coexistência entre serviços públicos (concessão e
permissão) e atividades econômicas stricto sensu (autorização) no mesmo rol
de serviços regulados404.
A par dessas considerações, há ainda a crítica à aplicação
prática do instituto da autorização, que, embora qualificado pela doutrina
tradicional como ato unilateral, discricionário e precário, apresenta, por
exemplo, na Lei Geral de Telecomunicações brasileira (Lei nº 9.472/97),
característica de vinculação, que seria própria da licença.405
Não se deve esquecer, todavia, que a base argumentativa
contra o uso do instituto da autorização para atividades econômicas stricto

404Autorização seria, neste caso, o “ato do Poder Público que libera o desempenho
de atividade econômica, a qual continua sujeita ao seu regime próprio, de direito
privado” (NETO, Benedicto Porto. Concessão de serviço público no regime da
Lei n. 8.987/95: conceitos e princípios. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 140). Os
arts.126 e 131 da Lei Geral de Telecomunicações são exemplos característicos desta
concepção: “Art.126. A exploração de serviço de telecomunicações no regime
privado será baseada nos princípios constitucionais da atividade econômica”.
“Art.131. A exploração de serviço no regime privado dependerá de prévia
autorização da Agência, que acarretará direito de uso das radiofrequências
necessárias”.
405Vide DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública:

concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 3a ed., São


Paulo: Atlas, 1999, p. 122-129.

180
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

sensu assenta-se na defesa da discricionariedade como elemento essencial de sua


definição e na insistência de que aquele instituto teria significado unívoco.
Ou seja, o fundamento teórico que vem sendo utilizado por parcela da
doutrina administrativista brasileira para justificar a exclusividade de
serviços públicos no rol de atividades reguladas decorre de uma posição
intransigente sobre o conceito jurídico de autorização. Essa intransigência
não tem sido confirmada, em mais de duas décadas de vigência do atual
modelo regulatório brasileiro, pelas agências reguladoras, pela legislação
setorial ou mesmo pelo Poder Judiciário.406 A Constituição não esgota o
sentido, nem limita de forma apriorística e precisa, a autorização. Ela
dificilmente dará a solução didática e unívoca para satisfação do intérprete.
Ela muito menos se arvora na condição de carrasco da evolução do
direito.407 Isso não quer dizer que a norma infraconstitucional esteja livre
para criar qualquer regime jurídico, mas não se pode utilizar da Constituição
para embasamento de argumentos totalizantes, que retirem da discussão
jurídica o ensaio de soluções melhoradas e desviem a atenção dos
aplicadores do direito.
A autorização, portanto, tem sido aceita, na prática brasileira,
embora questionada em teoria, como instrumento de reconhecimento
administrativo do cumprimento dos requisitos impostos aos administrados
para exercício de atividades já previamente inscritas em sua esfera jurídica
privada.

406Em sede da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1668,


julgada em 20 de agosto de 1998, e referente a diversos dispositivos da Lei Geral de
Telecomunicações (Lei 9.472/97), o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se pela
constitucionalidade do disposto no art. 65, III e §2º, que trata expressamente da
concomitância de prestação dos serviços de telecomunicações em regime público e
privado. No âmbito dos transportes, o Recurso Extraordinário nº 220.999-7
resultou no posicionamento da Corte no sentido de não se considerar como serviço
público a atividade de transporte aquaviário exclusivamente de mercadorias de
empresas privadas.
407Como dizia Miguel Reale, ao analisar a Constituição de 1988, a Assembleia

Constituinte sofre limites naturais em fixar “qualquer opção normativa que implique
uma ‘situação bloqueio’, com olvido de que uma autêntica Carta Magna deve ser o
início de uma caminhada de homens livres, e não um comando a homens
impedidos, desde o começo, de fazer opções futuras” (REALE, Miguel. Estrutura da
Constituição de 1988. p. 5. In: Revista de Direito Administrativo, vol. 175, jan/mar
de 1989, p. 1-46).

181
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

3.6 REGIMES JURÍDICOS DAS ESTATAIS


As empresas estatais desempenham um papel relevante no
esquema de forças reguladoras da vida social, embora, no Brasil, sirvam
também a fins políticos desconectados de suas finalidades institucionais.
Para os fins do direito regulatório, tais empresas podem fazer
parte de estratégias de regulação de setores ou atividades relevantes ao
servirem, por exemplo, como parâmetros para medição da eficiência
empresarial e fixação de preço-teto na prestação de serviços regulados, ou
mesmo para implementação de infraestrutura essencial em regiões sem
atratividade econômica, enfim, para garantia de direitos fundamentais
inacessíveis quando da prestação exclusiva de serviços pela iniciativa
privada. Os regimes jurídicos a que se submetem tais empresas são
fundamentais para que sejam reveladas as oportunidades e limitações de seu
uso como mecanismos regulatórios voltados a prestação de serviços
regulados de forma eficiente e protetiva de direitos fundamentais.
Apesar de não ser pacífico, as primeiras sociedades de
economia mista teriam surgido com a Companhia das Índias Orientais e a
Companhia das Índias Ocidentais, afirmação disputada por autores que
fixarão a origem dessas sociedades no vasto período entre os séculos XV e
XVIII na Inglaterra, nos Estados Gerais dos Países Baixos Unidos ou no
Império Austro-Húngaro.408
No Brasil, costuma-se apontar como primeiras empresas
estatais o Instituto de Resseguros do Brasil, de 1939, seguido da Companhia
Siderúrgica Nacional, de 1941, da Companhia Vale do Rio Doce, de 1942,
da Companhia Nacional de Ácalis, de 1943, da Companhia Hidrelétrica do
São Francisco, de 1945, da Fábrica Nacional de Motores, de 1946, e várias
outras a partir de então, como a Petrobrás, em 1953, a NOVACAP, em
1956, a Rede Ferroviária Federal, em 1957, e a Eletrobrás, em 1961.409 A
primeira delas, entretanto, criada expressamente sob a insígnia de empresa
pública, foi a Embratel, pelo Código Brasileiro de Telecomunicações de
1962,410 sem se descuidar do aviso de que o nomen juris não é decisivo,
exigindo-se, para a determinação do regime jurídico a que se submetem tais

408DAVIS, M. T. de Carvalho Britto. Tratado das Sociedades de Economia


Mista. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, v. I, 1969, p. 31-63.
409TÁCITO, C. As empresas públicas no Brasil. Revista de Direito

Administrativo, v. 84, p. 432-439, 1966.


410MUNIZ, Álvaro Caminha. A empresa pública no direito brasileiro. Rio de

Janeiro: Edições Trabalhistas, 1972.

182
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

empresas, a pertinência entre sua qualificação jurídica e os aspectos efetivos


de sua instituição.411
O Projeto de Lei Orgânica do Sistema Administrativo Federal,
de 1963, considerava a sociedade de economia mista e a empresa pública
como componentes da administração paraestatal.412 As duas décadas que se
seguiram à edição do Decreto-lei 200/67 presenciaram o esforço da
doutrina nacional em aprofundar estudos que se dirigiam a esclarecer a
posição institucional das empresas estatais como agentes de políticas do
Estado,413 como ação suplementar à iniciativa privada,414 como longa manus
do Estado submetida a controle político,415 com enfoque, e.g., na disciplina
do seu planejamento, programação, acompanhamento, controle e
avaliação.416 O certo é que as empresas estatais, desde seu surgimento na
vida econômica do Brasil, são campo fértil a propostas de melhoria do

411FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Empresas públicas e sociedades de economia


mista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 81-85.
412Projeto 1.492, publicado no Diário do Congresso Nacional de 15 de dezembro de

1963, Seção I, Suplemento A.


413ABRANCHES, Sérgio Henrique. A empresa pública como agente de políticas do Estado:

fundamentos teóricos do seu papel, inclusive em face de nossas relações com o exterior. In: A
empresa pública no Brasil: uma abordagem multidisciplinar. Brasília: Instituto de
Planejamento Econômico e Social / Secretaria de Modernização e Reforma
Administrativa, 1980. p. 5-32.
414REZENDE, Fernando. A empresa pública e a intervenção do Estado na economia: ação

suplementar à iniciativa privada - perspectivas em face da conjuntura atual. In: A empresa


pública no Brasil: uma abordagem multidisciplinar. Brasília: Instituto de
Planejamento Econômico e Social / Secretaria de Modernização e Reforma
Administrativa, 1980. p. 33-86.
415DALLARI, Adilson Abreu. O controle político das empresas públicas. In: A empresa

pública no Brasil: uma abordagem multidisciplinar. Brasília: Instituto de


Planejamento Econômico e Social / Secretaria de Modernização e Reforma
Administrativa, 1980. p. 169-201; GRAU, Eros Roberto. O controle político sobre as
empresas públicas: objetivos, processos, extensão e conveniência. In: A empresa pública no
Brasil: uma abordagem multidisciplinar. Brasília: Instituto de Planejamento
Econômico e Social / Secretaria de Modernização e Reforma Administrativa, 1980.
p. 203-258.
416AMADO, Antônio Augusto Oliveira. O planejamento nas empresas públicas:

programação, acompanhamento, controle e avaliação - ajustamento aos planos e programas de


governo. In: A empresa pública no Brasil: uma abordagem multidisciplinar. Brasília:
Instituto de Planejamento Econômico e Social / Secretaria de Modernização e
Reforma Administrativa, 1980. p. 383-449.

183
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

equacionamento de suas relações com o governo417 e de autonomia


decisória de sua tecnoburocracia.418
Em âmbito constitucional, a redação original do art. 173, § 1º
da Constituição Federal de 1988 previa o mesmo regime jurídico para
quaisquer entidades exploradoras de atividade econômica, equiparando o
regime da empresa pública, da sociedade de economia mista e de outras
entidades que explorassem atividade econômica ao regime jurídico das
empresas privadas.
No processo constituinte de 1987-1988, afora pequenos
ajustes na redação original do Substitutivo 1, da Comissão de
Sistematização, de 26/08/1987, que ressalvava o tratamento diferenciado às
fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público quanto à imunidade
recíproca, não houve preocupação do constituinte em apartar o regime
jurídico de empresas privadas do regime jurídico das estatais, sob o
fundamento implícito de que todas as empresas, fossem públicas ou
privadas, deveriam estar situadas no mesmo patamar para fins de igualdade
de condições concorrenciais, um dos pressupostos aliás do atual Estado
Regulador. A redação final aprovada na Assembleia Constituinte expurgou
a referência às fundações já no início do segundo turno de votação plenária,
no âmbito do Projeto B da Constituição, de 5 de julho de 1988,419 revelando
a consciência de que o regime das estatais exploradoras de atividade
econômica seria distinto do regime próprio às autarquias e fundações
instituídas e mantidas pelo Poder Público segundo interpretação sistemática
da Constituição. O texto final promulgado da Constituição de 1988
reproduziu o texto inaugurado pela Constituição de 1967 (art. 163, § 2º) e
Emenda Constitucional nº 1, de 1969 (art. 170, § 2º), somente se
distanciando dele ao acrescentar referência a outras entidades exploradoras

417VIEIRA, José Paulo Carneiro. Padrões de atuação, controle organizacional e controle


político das empresas públicas no Brasil. In: A empresa pública no Brasil: uma
abordagem multidisciplinar. Brasília: Instituto de Planejamento Econômico e Social
/ Secretaria de Modernização e Reforma Administrativa, 1980. p. 259-321.
418REIS, Fernando Antônio Roquette. A administração federal direta e as empresa pública:

análise de suas relações, recomendações e alternativas para seu aprimoramento. In: A empresa
pública no Brasil: uma abordagem multidisciplinar. Brasília: Instituto de
Planejamento Econômico e Social / Secretaria de Modernização e Reforma
Administrativa, 1980. p. 141-167.
419LIMA, João Alberto de Oliveira; PASSOS, Edilenice; NICOLA, João Rafael. A

gênese do texto da Constituição de 1988. Brasília: Senado Federal, Coordenação


de Edições Técnicas, 2013, p. 302.

184
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

de atividade econômica e à sua expressa equiparação quanto às obrigações


tributárias.420
Quase dez anos se passaram da promulgação da Constituição
Federal de 1988 até que a redação do art. 173, § 1º fosse alterada pela
Emenda à Constituição nº 19, de 1998, não sem que as empresas estatais
exploradoras de atividades econômicas tivessem que travar uma batalha
ingrata pelo esclarecimento jurisprudencial de seu regime jurídico, que
apesar de apoiado na redação do art. 173, § 1º, de equiparação de regimes
com as empresas privadas, não se puderam furtar à implacável incidência
concomitante do regime de direito público derivado da natural proximidade
de tais empresas ao Poder Público. Mesmo após a aprovação da EC nº
19/98, o discurso doutrinário de que a personalidade de direito privado das
empresas estatais as entregaria prevalentemente ao regime de direito
privado421 não esmaeceu.
Desde a reinauguração de seu regime com a nova ordem
constitucional de 1988, as empresas estatais manifestam-se como seres
híbridos, cujos regimes foram progressivamente esclarecidos por atuação
administrativa e jurisdicional em meio a uma persistente instabilidade gerada
pela ausência, até o advento da Lei 13.303, de 30 de junho de 2016, da
regulamentação legislativa do dispositivo constitucional disciplinador das
empresas estatais exploradoras de atividade econômica stricto sensu.
Em outra seara, consolidou-se na jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal que o art. 173, § 1º da CF/88 somente atingiria empresas
estatais na condição de agentes empresariais, ou seja, no exercício de
atividade econômica em concorrência com a iniciativa privada.422
Nada obstante as empresas estatais prestadoras de serviço
público não se encaixarem na previsão constitucional do art. 173, §§ 1º e 2º,
elas também não são investidas, como regra, de atributos próprios das
entidades da administração direta ou indireta, embora não faltem adeptos à

420LOPES, Carlos Alberto de S.; AGUIAR, Paulo R. M. de; KRONENBERGER,


Alcides J. Constituição da República Federativa do Brasil: Quadro
Comparativo. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1991, p.
470-471.
421MUKAI, Toshio. O direito administrativo e os regimes jurídicos das

empresas estatais. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 361-362.


422STF, RE 407.099, rel. min. Carlos Velloso, j. 22/06/2004, Segunda Turma, DJ

06/08/2004; STF, ADI 1.642, rel. min. Eros Grau, j. 03/04/2008, Plenário, DJE de
19/09/2008; STF, ARE 689.588 AgR, rel. min. Luiz Fux, j. 27/11/2012, Primeira
Turma, DJE de 13/02/2012.

185
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

corrente doutrinária defensora de que o processo ou método de


organização do serviço público não poderia alterar sua substância e, com
isso, aos menos as empresas públicas não poderiam ser revestidas de
roupagem de empresas privadas.423 Nem tanto lá, nem tanto cá, as empresas
estatais não se rendem a um único índice para fixação de seu regime
jurídico, mesmo em se tratando do onipresente conceito de serviço público.
As empresas estatais são infensas, por exemplo, ao qualificativo de entidade
governamental ou de caráter público e, portanto, há ilegitimidade passiva na
impetração de habeas data para acesso, retificação ou complementação de
registros ou bancos de dados de empresas estatais.424 O próprio movimento
do Estado Regulador de progressiva abertura de setores antes reservados ao
monopólio estatal tem ampliado o rol de serviços públicos sob regime
concorrencial e, via de regra, reforçado a importância da intervenção
regulatória para garantia do acesso universal a serviços essenciais, da
viabilidade mercadológica do negócio e da qualidade dos serviços.425
Ainda mais desconcertante para a frustrada pretensão de
uniformização de regimes jurídicos das estatais foram as decisões do
Supremo Tribunal Federal que, a partir de 2000, acrescentaram um terceiro
regime para as empresas públicas com características especiais,
denominando-o regime de privilégio constitucional, que resultou em ainda
maior discriminação entre os regimes da empresa pública e da sociedade de
economia mista, algo mais à frente pormenorizado.
A despeito do regime híbrido público-privado próprio à
empresa estatal, ela incorpora a característica nuclear empresarial orientada
à garantia de competividade e sustentabilidade comercial,426 caracterizada
pela gestão estratégica de custos e da cadeia de valor, bem como outros
métodos próprios aos negócios privados.427 A empresa estatal é, entretanto,

423NASCIMENTO, Carlos Valder do. Empresa pública e a inadequação do seu


conceito legal: regime tributário e de bens. Fórum Administrativo, v. 7, n. 74, p. 7-
16, 2007.
424STF, RE 165.304, rel. min. Octavio Gallotti, j. 19/10/2000, Plenário, DJ de

15/12/2000.
425RIBEIRO, Diogo Albaneze Gomes. Serviço público e concorrência. Revista

Brasileira de Direito Público - RBDP, v. 13, n. 51, p. 137-154, 2015.


426RAUPP, Abrina Weiss; BORGERT, Altair; NUNES, Patrícia; FERRARI, Mara

Juliana. O processo de implementação da gestão estratégica de custos em uma empresa estatal de


energia elétrica. Estratégia & Negócios, p. 137-166, 2012.
427SANTOS, Leandro Salatti dos. Gestão estratégica de custos em empresas de

terceirização de serviços de instalação e manutenção de redes de

186
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

uma empresa sui generis dotada de natureza institucional e estrutura de


controle em que digladiam necessidades governamentais e da sociedade em
geral, convivendo com expectativas de retorno financeiro dos sócios
privados no caso de sociedades de economia mista, representando a
diferença entre a empresa pública, como entidade voltada ao aumento da
eficiência e eficácia na exploração e produção de bens e serviços, e a
sociedade de economia mista, como entidade guiada pela atração de
investidores privados.428
É nesse contexto de empresas estatais sob diversos regimes
jurídicos decorrentes da natureza da atividade ou de sua composição
societária que a Lei 13.303, de 30 de junho de 2016, foi publicada após
quase trinta anos de ajustes institucionais de ordem legislativa,
administrativa e jurisdicional contados da promulgação da Constituição de
1988. Tais alterações e interpretações nos fornecem hoje um caleidoscópio
de regimes jurídicos com várias nuances devidamente consolidadas quanto à
repercussão tributária, trabalhista, civil, administrativa ou processual na
figura jurídica da empresa estatal.
Embora o Estatuto Jurídico das Estatais (Lei 13.303/2016)
trate de qualquer empresa pública e sociedade de economia mista de todos
os entes federados, sejam exploradoras de atividade econômica de produção
ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, mesmo que sujeita
a regime de monopólio ou classificada como serviço público, diversos
regimes jurídicos persistem incólumes ao advento da Lei 13.303/2016 e sua
regulamentação pelo Decreto 8.945, de 27 de dezembro de 2016. É o caso,
por exemplo, mas não somente, dos regimes aplicáveis: a) ao processo
jurisdicional, quanto à equiparação ou não da empresa estatal à Fazenda
Pública e consequente habilitação da empresa estatal para fruir de
privilégios processuais de foro, custas e prazos; b) ao processo
administrativo, que inexiste em âmbito de empresa estatal, embora ela se
submeta aos princípios gerais da administração pública; c) à disciplina cível
referente à possibilidade ou não de penhora de bens da empresa estatal; d) à
prestação mesma de serviços, cujo regime jurídico depende essencialmente
da natureza da atividade, seja ela serviço público ou atividade econômica em

telecomunicações. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul


(Dissertação - Programa de Pós-Graduação em Economia), 2004.
428FONTES FILHO, Joaquim Rubens; PICOLIN, Lidice Meireles. Governança

corporativa em empresas estatais: avanços, propostas e limitações. Revista de Administração


Pública, v. 42, n. 6, p. 1163-1188, 2008.

187
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

sentido estrito; e) às relações comerciais dependentes do caráter


monopolístico, concorrencial ou de exclusividade estatal da atividade; f) às
relações de emprego e requisitos especiais para admissão de pessoal e sua
dispensa; g) à tributação, que ora nega o gozo da imunidade recíproca por
empresas estatais, ora as equipara à administração indireta autárquica para
sua fruição; h) às limitações administrativas pertinentes à vedação de
acumulação de empregos e funções, à consideração da natureza dos atos
das estatais como atos de autoridade para fins de impetração de mandado
de segurança, entre outros. Nenhum desses regimes foi sequer tangenciado
pelo Estatuto Jurídico da Empresa Estatal.
Antes da edição da Lei 13.303/2016, a compreensão do
regime jurídico das empresas estatais já se apresentava como uma tarefa
árdua em parte pela característica camaleônica de tais empresas em se
comportar ora como entidades submetidas a regime público, ora privado.
Precisamente pela variedade de circunstâncias que orbitam a
categoria da empresa estatal, ela somente pode ser devidamente desvendada
quando se implementam recortes de análise. Para o fim de esclarecimento
dos regimes jurídicos a que se submetiam as empresas estatais antes do
advento da Lei 13.303/2016 e ainda se submetem na maior parte dos casos,
pode-se identificar três recortes principais: a) o recorte do regime
institucional; b) o recorte do regime de prestação de serviços ou exploração
de atividades; e c) o recorte do regime organizacional ou estrutural de tais
empresas.
Quanto ao recorte institucional e, portanto, fundante da
empresa estatal, ela faz parte da Administração Indireta (art. 4º, II, b e c do
Decreto-lei 200/67) e se submete aos princípios gerais da Administração
Pública elencados no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, quais
sejam, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade
e eficiência. É devido à incidência, e.g., do princípio da impessoalidade, em
sua dimensão de neutralidade orgânica,429 que as empresas estatais, embora
submetidas ao regime celetista de relações empregatícias, são obrigadas a
realizar concurso público para seleção de empregados430 e submetem-se à
exigência de fundamentação da decisão para dispensa de pessoal, ambas

429ZAGO, Livia Maria Armentano Koenigstein. O princípio da impessoalidade.


Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 303.
430STF, MS 21.322, rel. min. Paulo Brossard, j. 03/12/1992, Plenário, DJ

23/04/1993; AI 680.938 AgR, rel. min. Eros Grau, j. 27/11/2007, Segunda Turma,
DJE de 1º/02/2008; STF, RE 558.833 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 08/09/2009,
Segunda Turma, DJE de 25/09/2009.

188
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

exigências próprias do regime de direito público indiretamente incidindo


sobre a relação privada de emprego de tais empresas decorrente da
consideração de que a inexistência de concurso público e de dispensa
motivada carrearia consigo o germe do desvio a finalidades pessoais de seus
administradores, que respondem ao sócio majoritário ou único proprietário,
que é, afinal, o Estado.
Sua personalidade é de direito privado, conforme antes
anotado no Decreto-lei nº 200/67, dependendo de autorização para sua
instituição por lei (art. 37, XIX, da Constituição Federal de 1988). O regime
jurídico geral aplicável também é de direito privado, conforme o art. 173, §
1º, II, da Constituição Federal de 1988, embora as exceções a esse regime
sejam precisamente as que fornecem uma apresentação variada de regimes
às empresas estatais. Como regra, elas podem desenvolver atividades
econômicas ou prestar serviços públicos e se submetem a controle judicial,
via inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88), a controle
financeiro (art. 70, caput e parágrafo único, da CF/88) e ao poder de tutela
ou supervisão ministerial (art. 26 do Decreto-lei nº 200/67), afastado,
portanto, o reexame de conveniência e oportunidade de seus atos.
Ao fazer parte da Administração Indireta, seu regime de
direito privado é repleto de exceções, como, por exemplo, as limitações
específicas dirigidas à administração pública de utilização da arbitragem para
dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis e de que a
arbitragem que envolva a administração pública seja sempre de direito e
respeite o princípio da publicidade, conforme disposições presentes na Lei
de Arbitragem (art. 1º, § 1º e art. 3º, caput, da Lei 9.307/96, e alterações
advindas da Lei 13.129/2015).
Nesse particular, a empresa estatal é de natureza privada, mas
guiada por interesse público, mesmo quando em configuração de sociedade
de economia mista voltada a responder também às expectativas de lucro
dos investidores privados, pois tais expectativas são temperadas com a
autorização legal ao Estado para, enquanto acionista controlador,
influenciar a atuação da companhia rumo ao interesse público que justificou sua
criação, conforme disposto no art. 238 da Lei 6.404/76. A crise de identidade
da configuração lucrativa da empresa estatal reside precisamente na
necessária conciliação entre interesse público e finalidade lucrativa em sua

189
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

apresentação simbiótica delimitadora inclusive da função social da


empresa.431
Em outro recorte da vida das empresas estatais, elas podem
explorar atividades econômicas em sentido estrito, ou seja, aquelas
atividades de cunho econômico não enquadráveis nas categorias de
atividades próprias, privativas ou serviços sociais constitucionais. Nesse
caso, as empresas estatais estarão submetidas ao regime prestacional de
natureza privada, conforme prescrito no art. 173, § 1º, II da CF/88.
Outra opção de regime prestacional decorre da prestação de
serviços públicos por tais empresas, quando o regime aplicável à atividade
estará regido pelo art. 175 da CF/88, ou seja, típico regime de direito
público prestacional próprio aos serviços públicos.
Hoje, com a evolução de regimes especiais regulatórios, que
tornaram mais nebulosa a relação entre regime público prestacional e o
conceito de serviço público, a afirmação acima deve ser ligeiramente
ajustada para contemplar correntes doutrinárias que incorporam o regime
de autorização de serviços à categoria de serviço público, fazendo com que
a prestação de serviços públicos por empresas estatais dependa, para
qualificação de seu regime jurídico prestacional, da lei setorial específica,
que poderá submetê-lo ao regime de concessão ou permissão, mediante
aplicação dos princípios da continuidade e da generalidade ou
universalidade dos serviços, ou ao regime de autorização, em que
predomina o direito privado.
Até aqui, não há surpresas ou novidades, senão quanto ao
progressivo efeito disruptivo do direito setorial sobre o mar de
tranquilidade que a anterior relação umbilical existente entre os serviços
públicos e os regimes de concessão e permissão fornecia ao jurista também
usualmente desconectado das minúcias dos setores regulados da economia.
A diversidade de regimes jurídicos das estatais alça voo
propriamente quando se avaliam os efeitos que os tipos específicos de
atividades geram na atuação de tais empresas, chegando a transmutá-las em
regimes jurídicos antes somente desfrutados por entes públicos. O ingresso
de um regime jurídico próprio às estatais em decorrência do serviço
prestado, mas não restrito a prestação mesma do serviço, foi sendo
consolidado na jurisprudência brasileira com direito a críticas de que o STF

431PINTO Jr., Mario Engler. A atuação empresarial do Estado e o papel da empresa estatal.
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 48, n.
151/152, p. 256-280, 2009.

190
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

teria confundido o regime da natureza jurídica das empresas com o regime


próprio da prestação de serviços.432 As diversas decisões do Supremo,
entretanto, deixaram claro que a Corte estava precisamente inaugurando um
novo regime organizacional da empresa influenciado por diversos fatores,
entre os quais, o da natureza do serviço prestado.
Quanto ao aspecto organizacional, o regime jurídico das
estatais é modificado segundo três espécies de atividades por elas
desempenhadas: a) ao prestarem serviço público em regime concorrencial,
tais empresas submetem-se, em sua organização empresarial, relações
jurídicas com terceiros não usuários e atuação no mercado, ao regime de
direito privado, em especial, aos princípios da livre concorrência e
excepcionalidade do tratamento mais favorecido (arts. 170, IV e IX da
CF/88), com exceções advindas do regime aplicável ao serviço público, do
manuseio e destinação do patrimônio público nelas investido e da aplicação
dos princípios gerais da administração pública, em especial o da
impessoalidade; b) ao explorarem atividades econômicas em sentido estrito,
submetem-se ao regime de direito privado próprio das empresas privadas
(art. 173, § 1º, II da CF/88), evidente a aplicação dos princípios da ordem
econômica, em especial, os da livre concorrência e excepcionalidade do
tratamento mais favorecido (arts. 170, IV e IX da CF/88), com as ressalvas
advindas do manuseio e destinação do patrimônio público nelas investido e
da aplicação dos princípios gerais da administração pública; c) finalmente,
ao prestarem serviço público em regime de privilégio constitucional ou de
exclusividade, mesmo assim somente enquanto qualificado pela ausência de
distribuição de lucros a particulares, o Supremo Tribunal Federal inovou, a
partir de 2000, ao inseri-las no regime de direito público organizacional
próprio das autarquias e fundações públicas, ausente a competição e, por
decorrência, os princípios de livre concorrência e vedação de tratamento
mais favorecido, gozando de imunidade recíproca sobre seu patrimônio,
renda ou serviços, impenhorabilidade de bens, renda e serviços, direito à
execução por precatório, persistindo, entretanto, efeitos de sua condição de
ente de direito privado não integrante da administração pública, tais como a
ausência de processo administrativo em empresa estatal ou garantia de
estabilidade no emprego.433

432NASSER, Maria Virginia Nabuco do Amaral Mesquita. Impenhorável porque afeto à


prestação de serviço público, e não porque pertencente à empresa estatal - um critério ainda a ser
encontrado pelo Supremo Tribunal Federal. Revista de Direito Administrativo
Contemporâneo, v. 3, n. 19, p. 43-56, 2015.
433STF, AI 468.580 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 13/12/2005, Segunda Turma, DJ

24/02/2006.

191
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Dessas três categorias de empresas estatais segundo o tipo de


atividade prestada, a mais inovadora é a terceira, que tem sido referida pelo
codinome de regime de privilégio constitucional destinada às chamadas empresas
públicas especiais. Ainda há referência doutrinária, entretanto, ao monopólio
como fundamento justificador do regime especial de empresas públicas
prestadoras de serviços públicos sob exclusividade estatal, mas a referência
ao monopólio inicialmente esboçada nas decisões do Supremo Tribunal
Federal que inauguraram o tratamento diferenciado de tais empresas estatais
não se revelou suficiente para a diferenciação pretendida, inaplicável, por
exemplo, às sociedades de economia mista com pretensão distributiva de
lucros, como foram os casos da Petrobrás434 e da Eletronorte435. E qual era
a diferenciação pretendida? Dar-se às empresas estatais pleiteantes
tratamento diferenciado de impenhorabilidade, imunidade recíproca e
privilégios processuais próprios à Fazenda Pública. Em especial, a
imunidade recíproca e a impenhorabilidade constituíam os itens mais
cobiçados e, portanto, foram objeto de maior preocupação por parte da
doutrinadores e pareceristas.436
Até os anos 2000, o STF mantinha sua tradicional
jurisprudência de afastamento das pretensões das empresas estatais de se
aproximarem dos efeitos civis, processuais e tributários do regime de direito
público. O então ministro do STF, Francisco Resek, sintetizou a posição da
Corte ao reconhecer a plausibilidade jurídica de que um serviço públco não
o deixaria de ser pelo simples fato de materializar-se em empresa estatal,
mas embora a proposta não tivesse nada de extravagante, colidiria com os
ensinamentos da nossa prática tributária.437
O caso líder da guinada de entendimento do STF sobre a
aplicação de regime de direito público próprio à Fazenda Pública para
empresas estatais foi o Caso ECT (Empresa Brasileira de Correios e

434STF, RE 285.716 AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 02/03/2010, Segunda


Turma, DJe 055, publicado em 26/03/2010.
435STF, RE 599.628, rel. p/ o ac. min. Joaquim Barbosa, j. 25/05/2011, Tribunal

Pleno, DJE de 17/10/2011, com repercussão geral.


436LIMA, Luatom Bezerra Adelino de. Da extensão da imunidade recíproca às empresas

públicas e sociedades de economia mista e os impostos indiretos. Revista de Estudos


Tributários, v. 10, n. 57, p. 116-125, 2007; PICININ, Juliana de Almeida;
GOUVÊA, Cybele Oliveira e Souza de. Sociedade de economia mista prestadora de serviço
público: impenhorabilidade dos bens afetados ao serviço. Fórum de Contratação e Gestão
Pública - FCGP, v. 5, n. 55, p. 7455-7459, 2006.
437STF, ADI 1.089-1, rel. min. Francisco Resek, j. 12/09/1996, Tribunal Pleno, DJ

27/06/1997.

192
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Telégrafos). Nele, o STF analisou a competência da União para manter o


serviço postal e correio aéreo nacional (art. 21, X da CF/88) em batimento
com o art. 12 do Decreto-lei nº 509, de 1969, instituidor da ECT, que
previa que a empresa pública gozaria dos privilégios concedidos à Fazenda
Pública, quer no tocante à imunidade recíproca, quer no concernente à
impenhorabilidade de seus bens, renda e serviços, quer em relação a
privilégios de foro, prazos e custas processuais. Todos eles – privilégios
tributários, civis e processuais, inclusive o regime de precatórios –
representam a cereja do bolo do regime de direito público, destacando-se a
entidade que deles desfrute do mar comum de relações concorrenciais
privadas.
A construção jurisprudencial do regime especial a que se
submete hoje a ECT decorreu de decisões pontuais proferidas entre os anos
2000 a 2013, em que se afirmou, progressivamente, a impenhorabilidade
dos bens, renda e serviços da ECT e observância do regime de precatório
em execuções,438 a imunidade tributária recíproca de patrimônio, renda e
serviços,439 não atingindo, por óbvio, outras espécies tributárias que não os
impostos,440 mas avançando sobre outro fundamento antes intocado pela
jurisprudência do STF, qual seja, a extensão, em 2013, da imunidade à
atuação empresarial não incluída no núcleo central das atividades de serviço
público de privilégio para o fim de financiamento da atividade principal.441
Outras empresas estatais procuraram enquadrar-se no regime
de privilégio constitucional com e sem sucesso. A Empresa Brasileira de
Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO), por exemplo, obteve
pronunciamentos favoráveis do STF à sua pretensão de gozo do regime de
privilégio constitucional em decisões inauguradas em 2008, tendo sido
equiparada à Fazenda Pública para fins de imunidade de cobrança do ISS e

438STF, RE 220.699, rel. min. Moreira Alves, j. 12/12/2000, Primeira Turma, DJ


16/03/2001; STF, RE 220.906, rel. min. Maurício Corrêa, j. 16/11/2000, Tribunal
Pleno, DJ 14/11/2002; STF, RE 230.051 ED, rel. min. Maurício Corrêa, j.
11/06/2003, Tribunal Pleno, DJ 08/08/2003.
439STF, RE 407.099, rel. min. Carlos Velloso, j. 22/06/2004, Segunda Turma, DJ

06/08/2004; STF, ACO 765 AgR, rel. min. Marco Aurélio, j. 05/10/2006, Tribunal
Pleno, DJ 15/12/2006; STF, AI 718.646 AgR, rel. min. Eros Grau, j. 16/09/2008,
Segunda Turma, Dje 202, publicado em 24/10/2008.
440STF, RE 364.202, rel. min. Carlos Velloso, j. 05/10/2004, Segunda Turma, DJ

28/10/2004.
441STF, RE 601.392, com Repercussão Geral do mérito, rel. min. Gilmar Mendes, j.

28/02/2013, Tribunal Pleno, DJe 105, publicado em 05/06/2013.

193
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

do IPTU,442 com as mesmas ressalvas aplicadas à ECT quanto à tradicional


limitação da imunidade recíproca a impostos,443 abarcando também
atividades desempenhadas em áreas aeroportuárias, suas instalações,
equipamentos e facilidades transferidas em subconcessões mediante ônus
por sua utilização, bem como atividades-fim e atividades-meio para
consecução de sua função,444 sob o fundamento de se tratar de atividade
sob reserva constitucional de monopólio estatal desempenhada por
entidade criada como instrumentalidade administrativa da União Federal.445
Decerto, a terminologia vacilante nos julgados do STF não afasta a
constatação de que a figura do privilégio constitucional depende da
atribuição constitucional exclusiva de atividades estatais desempenhadas
sem repercussão lucrativa a particulares.
A construção jurisprudencial do regime de privilégio
constitucional manteve, todavia, os efeitos decorrentes da personalidade
jurídica das empresas estatais ao manter firme o entendimento de
inaplicabilidade do processo administrativo em tais empresas, como
também a inexistência da garantia de estabilidade dos empregados. Na
mesma linha, manteve-se o entendimento comum de exigência de
motivação para dispensa de empregado e de obrigatoriedade de realização
de concurso público com esteio no princípio da impessoalidade.446
Algumas arestas do âmbito de aplicação do regime de
privilégio constitucional somente foram definidas mais tarde com o
julgamento de casos envolvendo a Petrobrás, que embora explore, em

442STF, RE 501.639, rel. min. Eros Grau, j. 23/06/2008, decisão monocrática, DJe
142, publicado em 1º/08/2008; STF, RE 524.615 AgR, rel. min. Eros Grau, j.
09/09/2008, Segunda Turma, DJe 187, publicado em 03/10/2008; STF, RE
607.535, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 03/03/2010, decisão monocrática, Dje
047, publicado em 16/03/2010; STF, ARE 638.315 RG, rel. min. Cezar Peluso, j.
09/06/2011, Tribunal Pleno, Dje 167, publicado em 31/08/2011; STF, AI 797.034
AgR, rel. min. Marco Aurélio, j. 21/05/2013, Primeira Turma, Dje 111, publicado
em 13/06/2013.
443STF, RE 901.412 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 27/10/2015, Segunda Turma, DJe

249, publicado em 11/12/2015.


444STF, RE 577.511, rel. min. Cármen Lúcia, j. 1º/02/2010, decisão monocrática,

Dje 031, publicado em 22/02/2010 (muito embora a decisão tenha sido pela
negativa de seguimento do recurso extraordinário por falta de prequestionamento).
445STF, RE 363.412 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 07/08/2007, Segunda Turma,

DJe 177, publicado em 19/09/2008.


446STF, RE 589.998, com Repercussão Geral do mérito, rel. min. Ricardo

Lewandowski, j. 20/03/2013, Tribunal Pleno, Dje 179, publicado em 12/09/2013.

194
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

regime de monopólio constitucional expresso, a pesquisa e a lavra das


jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, a
refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, a importação e exportação
dos produtos e derivados básicos e o transporte marítimo do petróleo (art.
177 da CF/88), não logrou inserir-se no regime de privilégio constitucional
construído em decisões do Supremo Tribunal Federal da década de 2000.
Três razões afastaram a Petrobrás do regime de privilégio
constitucional, quais sejam: a) a caracterização econômica da atividade que
desempenha como lucrativa, inscrita em sua apresentação institucional de
sociedade de economia mista em benefício de seus acionistas, sejam pessoas
de direito público ou privado, haja vista a salvaguarda da imunidade
recíproca e outras características próprias ao regime de privilégio
constitucional estejam umbilicalmente ligadas à consecução do interesse
público primário; b) a capacidade contributiva da sociedade de economia
mista para apoio econômico aos entes federados, pois sua constituição
societária visaria a distribuição de lucros; c) a ausência de risco ao pacto
federativa quando da tributação de atividade econômica lucrativa.447
Afora, portanto, o caso específico das sociedades de economia
mista, que, mesmo no exercício de monopólio estatal, afora o caso
excepcional de empresas estatais de saneamento básico,448 não se
equiparariam à Fazenda Pública, as empresas públicas prestadoras de
atividades exclusivas do Estado como instrumentalidade administrativa de
entes políticos gozam de efeitos jurídicos antes somente extensíveis às
autarquias e fundações públicas instituídas e mantidas pelo Poder Público.
Mesmo um regime criado por jurisprudência recente do STF
que exacerba o caráter público de um rol de empresas públicas em regime
de privilégio constitucional não chegou, entretanto, a afastá-las do regime
híbrido público-privado, exacerbando, contudo, o conjunto de
características de direito público presentes em tais entidades.
O hibridismo de regime público-privado é uma característica
ínsita às empresas estatais.

447STF, RE 285.716 AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 02/03/2010, Segunda


Turma, DJe 055, publicado em 26/03/2010.
448As sociedades de economia mista prestadoras de serviço público primário não

concorrencial em regime de exclusividade têm direito, por exemplo, ao


processamento de execução por meio de precatório, conforme entendimento do
STF (RE 852.302, rel. min. Dias Toffoli, j. 15-12-2015, 2ª Turma, Informativo 812).

195
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Se os regimes jurídicos a que se submetem as empresas


estatais fossem apresentados de forma pictórica, eles teriam que ser
dispostos em dégradé, partindo-se das empresas com maior incidência de
direito público, embora não exclusivamente submetidas a regime de direito
público, até as que mais se aproximam do regime de direito privado, mas
que também não se submetem exclusivamente a esse regime.
Por mais próximas que possam estar do regime público graças
a interpretações quanto à natureza jurídica de suas atividades, as empresas
estatais estarão sempre submetidas a efeitos decorrentes da natureza de
pessoa de direito privado, infensas, portanto, à existência de processo
administrativo em sua atuação. Por outro lado, por mais próximas que
possam estar do regime de direito privado em virtude de interpretações
referentes à natureza jurídica de suas atividades e de sua personalidade
jurídica, as empresas estatais terão sempre um viés público decorrente do
componente estatal de seu capital social e da incidência de princípios gerais
da administração pública.
Ao serem enfileiradas a partir do critério de proximidade com
o regime de direito público, tem-se a seguinte ordem de classificação das
empresas estatais segundo regimes especiais: a) empresas públicas
prestadoras de serviço público não concorrencial em regime de privilégio
constitucional; b) empresas públicas exploradoras de atividade econômica
não concorrencial ou monopolística em regime de privilégio constitucional;
c) sociedades de economia mista prestadoras de serviço público não
concorrencial; d) sociedades de economia mista exploradoras de atividade
econômica não concorrencial ou monopolística; e) empresas estatais
prestadoras de serviço público em regime concorrencial; f) empresas
estatais exploradoras de atividade econômica em regime concorrencial.
Estes seis regimes especiais híbridos público-privados das empresas estatais
não esgotam todas as possibilidades, mas servem de guia seguro para a
distinção dos principais regimes jurídicos das empresas estatais como
definidos pela jurisprudência brasileira.
O Estatuto Jurídico das Empresas Estatais (Lei 13.303/2016)
inovou ao tratar, em um único diploma normativo, das empresas estatais e
de suas subsidiárias, inclusive empresas estatais dependentes (art. 1º, § 2º) –
que consistem em conceito restritivo449 caracterizado pela circunstancial
dependência financeira dos entes controladores para cobertura de seus

449TOSTES, Alécia Paolucci N. Bicalho. A interpretação do conceito de empresa estatal


dependente na Lei de Responsabilidade Fiscal. Fórum de Contratação e Gestão Pública,
v. 1, n. 3, p. 308-312, 2002.

196
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

déficits e regime jurídico especial limitador de despesas com pessoal, nível


de endividamento e geração de despesas450 – partícipes de consórcio (art. 1º,
§ 5º) ou de propósito específico controladas por estatais (art. 1º, § 6º), em
suas diversas conformações prestacionais – exploradoras de atividades
econômicas tanto em regime concorrencial quanto em regime de
monopólio, tanto pertinentes à atividade econômica em sentido estrito
quanto a serviços públicos – e de produção ou comercialização de bens (art.
1º, caput), reservando regimes específicos para certas categorias.
Uma dessas categorias específicas consiste nas empresas
estatais e subsidiárias de receita operacional bruta inferior a noventa
milhões de reais (art. 1º, § 1º), que têm afastadas de si previsões legais de: a)
gestão de riscos e controle interno (art. 9º); b) criação e transparência dos
atos de comitê estatutário para acompanhamento do processo de indicação
e de avaliação de membros para o Conselho de Administração e para o
Conselho Fiscal (art. 10); c) diretrizes e restrições a serem consideradas
quando da elaboração do estatuto da companhia (art. 13); d) previsões
específicas de deveres e responsabilidades do acionista controlador (arts. 14
e 15), do administrador (arts. 16 e 17), do conselho de administração (arts.
18 ao 20), inclusive seu membro independente (art. 22), da diretoria (art.
23), do comitê de auditoria estatutário (arts. 24 e 25) e do conselho fiscal
(art. 26), desde que o Poder Executivo correspondente edite ato
disciplinador de regras de governança substitutivas (art. 1º, § 3º) dentro de
180 dias a partir da publicação da Lei 13.303/2016 (art. 1º, § 4º).
Em outra frente, o Estatuto não cria propriamente um regime
jurídico diferenciado para a sociedade empresarial com participação de
empresas estatais, embora sem seu controle acionário, mas impõe práticas
de governança e controle proporcionais à relevância, materialidade e riscos
do negócio de que participam (art. 1º, § 7º).
O posicionamento das empresas estatais no esquema geral da
Administração Pública continua regido, na esfera federal, pelo Decreto-lei
200/67, incluindo-as na Administração Indireta, mantido o formato
tradicional de vinculação ministerial, disposição orçamentária e hipóteses de
dissolução e incorporação, evidenciando-se que o Estatuto Jurídico das
Empresas Estatais não alterou relações administrativas externas à gestão societária

450SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. A superação da condição de


empresa estatal dependente. Revista de Direito Público da Economia, v. 3, n. 12, p. 9-
49, 2005.

197
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

da empresa. Também não abordou a temática candente dos regimes jurídicos


das empresas públicas especiais e das empresas públicas sociais.451
A disciplina da utilização da arbitragem por tais empresas
também sequer foi tangenciada pelo Estatuto, que poderia ter avançado
sobre os temas propriamente sujeitos à arbitralidade objetiva nos
contratos,452 o uso de critérios extralegais em arbitragens internacionais, a
excepcional aplicação do sigilo quando estiver em risco a segurança da
sociedade ou do Estado ou informações pessoais críticas, a disciplina da
relativização de prerrogativas administrativas, os critérios para definição de
arbitragem ad hoc ou institucional, o tipo monocrático ou colegiado de
arbitragem aplicável, ou a exigência de licitação para contratação do árbitro
ou tribunal arbitral.453 Os limites para o uso da arbitragem e salvaguarda do
interesse público cobiçados pela doutrina454 não foram endereçados pelo
Estatuto.
Não passa despercebida, entretanto, a disposição de referência
expressa às subsidiárias das empresas estatais como meios aptos à
exploração de atividade econômica pelo Estado (art. 2º, caput), figura
esquecida pelo Decreto-lei 200/67, mas lembrada pela Constituição Federal
de 1988, art. 37, XX. Coube à Lei 13.303/2016 qualificar a exigência
constitucional de prévia autorização legal para criação de subsidiárias de
empresas estatais ou sua participação em empresas privadas com a exigência
expressa de que o objeto social da subsidiária tenha relação ao da empresa
investidora (art. 2º, § 2º).
Outras disposições do Estatuto trouxeram à superfície a
exigência de que a instituição das empresas estatais dependa de prévia
autorização legal qualificada pela indicação clara dos requisitos de relevante
interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional (art. 2º, § 1º) em

451CUNHA JUNIOR, Luiz Arnaldo Pereira da; AURELIANO JUNIOR, Eurípedes.


Empresa Pública "Social" (EPS): alternativa às fundações de direito privado instituídas por lei
para a execução de políticas públicas na área social. Revista Brasileira de Direito
Público, v. 13, n. 48, p. 89-106, 2015.
452SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. O cabimento da arbitragem nos

contratos administrativos. Revista de Direito Administrativo, p. 117-126, 2008.


453OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A arbitragem nos contratos da Administração

Pública e a Lei n. 13.129/2015: novos desafios. Revista Brasileira de Direito Público,


v. 13, n. 51, p. 59-79, 2015.
454HIGA, Alberto Shinji. Notas sobre o uso da arbitragem pela Administração Pública.

Revista Brasileira de Direito Público, v. 13, n. 50, p. 135-163, 2015.

198
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

evidente integração dos dispositivos constitucionais dos arts. 37, XIX e 173,
caput.
O Estatuto também redefiniu a empresa pública e a sociedade
de economia mista nos arts. 3º e 4º, sem entretanto, revogar expressamente
o art. 5º, II e III do Decreto-lei 200/67, conforme alteração do Decreto-lei
900/69. A nova definição trazida pelo Estatuto Jurídico das Empresas
Estatais de empresa pública eliminou a ressalva do DL 200/67 e DL
900/69 de que empresas públicas se prestariam somente à exploração de
atividade econômica que o governo fosse levado a exercer por força de
contingência ou de conveniência administrativa, uniformizando e atualizando os
requisitos à Constituição de 1988 para que a autorização legal para
constituição de empresas estatais indique, de forma clara, relevante interesse
coletivo ou imperativo de segurança nacional na dicção do art. 2º, § 1º do Estatuto.
Persiste, assim, mais evidente aquilo que a clássica doutrina administrativa
brasileira já reconhecia como próprio da empresa pública como a resultante
da necessidade do Estado interferir na vida econômica, distinguindo-se da
empresa privada em virtude da aplicação de autênticas e inconfundíveis disposições
de direito público.455
A leitura do Estatuto também revela que, embora seguindo
sua proposta inicial de abarcar todas as empresas estatais exploradoras de
atividade econômica em sentido amplo, ou seja, inclusive prestadoras de
serviços públicos, o campo de abrangência dos dispositivos do Estatuto é
naturalmente delimitado pela impossibilidade jurídica de uniformização
plena dos diversos regimes das empresas estatais.
Um exemplo claro da influência que os regimes decorrentes
do recorte organizacional das empresas estatais detêm sobre o Estatuto está
na exigência do art. 8º, § 2º, de que as empresas estatais que explorem
atividade econômica e assumam obrigações ou responsabilidades em
condições distintas às de qualquer outra empresa do setor privado
detenham expressa previsão normativa a respeito, como também previsão
em contrato, convênio ou ajuste celebrado com o ente público competente,
bem como tenham o custo dessas obrigações e receitas discriminados e
divulgados de forma transparente, inclusive no plano contábil. Por óbvio, o
regime de privilégio constitucional divisado pelo Supremo Tribunal Federal
durante toda a década de 2000 não é afetado por esse dispositivo,
precisamente pelo fato de que as empresas que dele usufruem estão em
ambiente isolado ou de exclusividade, retirando-as do âmbito de aplicação

455TOURINHO, Arx da Costa. Empresa pública e direito público. Revista Forense, v.


74, n. 262, p. 381-387, 1978, p. 387.

199
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

do dispositivo do art. 8º, § 2º do Estatuto, que expressamente somente


atinge empresas estatais em condições distintas às de qualquer outra empresa do
setor privado. Quando inexistente a possibilidade jurídico-constitucional de
atuação privada em regime concorrencial, toda empresa pública atingida
pelo regime especial de privilégio constitucional estará fora do escopo
daquela regra de dependência de previsão legal específica dos privilégios da
Fazenda Pública, à exceção da hipótese de subconcessões no âmbito
daquele regime.
O Estatuto Jurídico das Empresas Estatais concentrou-se no
esclarecimento do regime societário (Título I, Capítulo II) e de licitação e
contratos (Título II, Capítulos I e II) da empresa pública, sociedade de
economia mista, suas subsidiárias, inclusive empresas estatais dependentes,
partícipes de consórcio ou de propósito específico controladas por estatais,
exploradoras de atividades econômicas tanto em regime concorrencial
quanto em regime de monopólio, tanto pertinentes à atividade econômica
em sentido estrito quanto a serviços públicos e de produção ou
comercialização de bens.
Com isso, a influência do Estatuto Jurídico das Empresas
Estatais sobre os efeitos externos ao regime societário e licitatório foi
preponderamente cosmética, com a finalidade de atualização do conceito de
empresa pública e sociedade de economia mista e de seu processo de
criação, em nada afetando a miríade de regimes próprios a tais empresas.
Assim, as empresas públicas sob regime de privilégio
constitucional continuam gozando de privilégios processuais da Fazenda
Pública, inclusive do regime do precatório, seus bens, renda e serviços são
impenhoráveis, o regime prestacional é o público, não se submetem a
princípios de livre iniciativa ou vedação de tratamento mais favorecido ao
abraçarem a exclusividade estatal da atividade e servirem de
instrumentalidade administrativa do ente político correspondente, suas
relações empregatícias continuam regidas pela CLT, embora temperada pela
exigência de concurso público e motivação para dispensa herdadas do
princípio geral da administração pública da impessoalidade, beneficiam-se
da imunidade recíproca de impostos sobre seu patrimônio, renda e serviços
e não fogem à regra geral de inexistência de processo administrativo.
As sociedades de economia mista exploradoras de atividades
econômicas em sentido estrito em regime de monopólio, por sua vez,
mesmo que aparentemente merecedoras do mesmo regime das empresas
públicas sob regime de privilégio constitucional, em virtude da distribuição
de lucros, perdem a condição de beneficiárias de privilégios processuais,
seus bens são penhoráveis, submetem-se à CLT em suas relações
empregatícias, mas também à exigência de concurso público e dispensa

200
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

motivada por aplicação do princípio da impessoalidade, não se beneficiam


da imunidade recíproca e não fogem à regra geral da inexistência de
processo administrativo.
Ligeiramente distinto, o regime da sociedade de economia
mista prestadora de serviço público em regime concorrencial difere do
anterior apenas na impenhorabilidade dos bens afetados e do regime de
preço público controlável.
A mesma clareza não ocorre quanto ao regime jurídico das
sociedades de economia mista prestadoras de serviço público em ambiente
não concorrencial ou de exclusividade estatal, que, embora não se tenham
historicamente beneficiado do regime de privilégio constitucional, têm
direito ao processamento da execução por meio de precatório e percorrem,
hoje, o caminho antes percorrido pelas empresas públicas sob regime de
privilégio constitucional.456
As empresas públicas prestadoras de serviço público não
exclusivo em regime concorrencial, por sua vez, têm seus bens penhoráveis,
senão os afetados à prestação do serviço, não gozam de privilégios
processuais extensíveis à Fazenda Pública, adotam o regime celetista,
embora exigindo-se concurso público e fundamentação de dispensa por
força do princípio da impessoalidade, não gozam de imunidade recíproca e
também não são campo propício ao processo administrativo.
As empresas públicas exploradoras de atividade econômica em
sentido estrito em regime concorrencial, por sua vez, estão afastadas dos
privilégios extensíveis à Fazenda Pública, seus bens são penhoráveis e
seguem o mesmo regime geral das empresas privadas.
O Estatuto Jurídico das Empresas Estatais certamente
contribuiu para ampliar as matizes de regimes existentes ao disciplinar
especificidades também no regime societário e licitatório e de contratos.
Não por acaso, ele tem sido chamado de Lei de Responsabilidade das
Estatais. O real efeito da Lei 13.303/2016 sobre a complexidade de regimes
aplicáveis às empresas estatais, paradoxalmente, foi o de ampliá-la.
Enquanto não se der a devida atenção à consolidação das leis e demais atos
normativos, conforme determinação da Lei Complementar 95/98, novos
diplomas normativos poderão preencher lacunas, como foi o caso do

456STF, RE 852.302, rel. min. Dias Toffoli, j. 15/12/2015, Segunda Turma,


Informativo 812; STF, ARE 698.357 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 18/09/2012,
Segunda Turma, DJe 195, publicado em 04/10/2012; RE 599.628 RG, rel. min.
Ayres Britto, j. 11/03/2010, Tribunal Pleno, Dje 055, publicado em 26/03/2010.

201
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Estatuto ora analisado, mas produzirão invariavelmente um sistema jurídico


cada vez mais pulverizado, mesmo quando o título da lei pretende
transparecer uma unidade de regime jurídico das estatais frente à sua real
diversidade.
Em suma, os regimes jurídicos das estatais, hoje, informam ao
menos seis grupos distintos de atributos jurídicos a depender da
caracterização da empresa estatal como empresa pública ou sociedade de
economia mista, da natureza do serviço prestado, seja ele serviço público
em regime concorrencial ou exclusivo, ou atividade econômica em sentido
estrito, ou mesmo a característica específica de finalidade primária de
distribuição de lucros.
Uma empresa pública prestadora de serviço público não
concorrencial em regime de privilégio constitucional gozará dos
privilégios processuais da Fazenda Pública, inclusive o processamento de
execução por meio de precatório, terá seus bens, rendas e serviços
impenhoráveis, sejam ou não vinculados a sua atividade-fim, beneficiar-se-á
da imunidade recíproca, inclusive sobre atividades acessórias de subsídio
cruzado à sua atividade principal, terá por regime prestacional o regime
público, por regime de pessoal o celetista, a despeito da exigência de
concurso público e fundamentação para dispensa de empregado em virtude
da incidência do princípio da impessoalidade e não se submeterá, como
qualquer outra empresa estatal, ao processo administrativo, embora
aplicáveis os princípios gerais da Administração Pública.
Uma empresa pública exploradora de atividade
econômica em sentido estrito não concorrencial ou monopolística em
regime de privilégio constitucional gozará do mesmo regime acima,
exceto o regime prestacional regido pelo direito privado.
Quando se tratar, entretanto, de uma sociedade de
economia mista prestadora de serviço público não concorrencial em
regime de privilégio constitucional, porque considerada uma longa manus
do Estado sem o objetivo primário de acumulação patrimonial e
distribuição de lucros, ela gozará do mesmo regime aplicável à empresa
pública sob privilégio constitucional, exceto, é claro, o correspondente ao
tratamento societário de participação da iniciativa privada no seu capital.
Já uma sociedade de economia mista prestadora de
serviço público sob regime concorrencial ou sob monopólio que não
consiga comprovar que atua prioritariamente em prol de seus acionistas, ou
que não consiga comprovar que seu aumento patrimonial esteja associado
ao interesse público primário, não gozará da imunidade recíproca, dos
privilégios processuais da Fazenda Pública ou da impenhorabilidade

202
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

irrestrita de bens, rendas e serviços. Somente serão impenhoráveis os bens


afetos ao serviço público em decorrência do princípio da continuidade do
serviço público. Seu regime prestacional, portanto, será o de direito público
e as demais características de regime trabalhista e administrativo seguirão a
lógica comum a todas as empresas estatais, ou seja, a aplicação do regime
celetista, a despeito da exigência de concurso público e fundamentação para
dispensa de empregado em virtude da incidência do princípio da
impessoalidade, e a não submissão ao processo administrativo, embora
aplicáveis os princípios gerais da Administração Pública.
Uma empresa estatal, seja empresa pública ou sociedade
de economia mista, que preste serviço público em regime
concorrencial, somente gozará de regime público naquilo que decorrer da
incidência dos princípios gerais da Administração Pública (e.g., exigência de
concurso público e fundamentação para dispensa de empregado) e da
incidência do regime prestacional do serviço público (e.g.,
impenhorabilidade de bens afetos ao serviço público), não se beneficiando
da imunidade recíproca, da impenhorabilidade irrestrita de bens, rendas e
serviços e dos privilégios processuais da Fazenda Pública.
Finalmente, na posição mais distante do regime jurídico de
direito público, em último lugar na classificação dos regimes jurídicos das
empresas estatais, encontra-se uma empresa estatal exploradora de
atividade econômica em sentido estrito em regime concorrencial.
Mesmo ela será informada pelos princípios gerais da Administração Pública,
exigindo, por exemplo, a realização de concurso público e a fundamentação
da dispensa de empregado, mas se submeterá ao regime prestacional de
direito privado.

203
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

204
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

Parte IV

FUNDAMENTOS DE
DIREITO REGULATÓRIO

205
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

206
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

4.1 DIREITO REGULATÓRIO, ESTADO


REGULADOR E REGULAÇÃO

O posicionamento jurisprudencial e doutrinário que vem se


cristalizando no ordenamento jurídico brasileiro acerca de novas formas de
tratamento jurídico-administrativo de setores de atividades relevantes
transparece especialização suficiente para a cogitação de um ramo de
estudos direcionado às especificidades da regulação, à semelhança do
ocorrido, em outros tempos, com o direito do trabalho, o direito financeiro,
o direito tributário, o direito do consumidor, o direito ambiental.
Em busca de elementos comuns que viabilizem uma visão
mais ampla e construtiva do fenômeno setorial, o direito da regulação, ou
direito regulatório, encontra-se nesse estágio já vivenciado por outras
disciplinas e caracterizado pela sedimentação de índices distintivos de seu
estudo, cujo ponto de partida é o de formulação de princípios intersetoriais
comuns aptos a retratarem um ramo de conhecimento útil à compreensão e
solução de questões alinhadas à regulação.457
Algumas considerações já podem ser encontradas na literatura
de direito administrativo econômico sobre o tema.458
É possível enumerar, como princípio intersetorial do modelo
brasileiro atual de regulação a desintegração vertical459 entre infraestruturas de
uso comum e serviços singularizados, viabilizando a chamada transparência

457Vide ORTIZ, Gaspar Ariño; MARTINEZ, J. M. De La Cuétera; LÓPEZ-


MUNIZ, J.L. El nuevo servicio público. Madri: Marcial Pons, 1997.
458Vide GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e sua

transformação, p. 62. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo


econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 39-71.
459Exemplo esclarecedor da desintegração vertical consta em Grotti: “É o que já ocorre,

no Brasil, com os serviços de navegação aérea ou de transporte rodoviário: os


aeroportos e rodovias são objeto de monopólio natural, atividade não-competitiva
de infraestrutura; essa infraestrutura é utilizada, com liberdade e igualdade de acesso,
pelos inúmeros prestadores de serviço individuais” (GROTTI, Dinorá Adelaide
Musetti. Teoria dos serviços públicos e sua transformação, p. 63. In: SUNDFELD, Carlos
Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
39-71).

207
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

informativa, veículo necessário ao controle das subvenções cruzadas. A este,


pode-se acrescentar a conexão de infraestruturas, como determinação normativa
de manutenção ou edificação de uma infraestrutura essencial para um
determinado setor de atividades, e a compatibilização de regimes jurídicos, em
que, a partir da tradicional distinção entre os serviços públicos (ou serviços
submetidos ao regime público) – essenciais, universais, contínuos e
subsidiados por fundos – e os serviços privados (ou serviços submetidos ao
regime privado) sujeitos a efetivos dissabores de riscos de mercado460,
inserem-se, nos arcabouços normativos setoriais, disposições que viabilizem
a convivência de serviços prestados nos dois regimes jurídicos.
Revela-se mais adequado, todavia, assentar-se o direito
regulatório na procura por princípios ou instituições verdadeiramente gerais
norteadores da regulação como um todo, ou ainda, distintivos da regulação
enquanto tal frente a conceitos próximos, como o de intervenção, de
controle e de poder de polícia, e que não pactuem com ideologias
ocasionais de escolha do melhor direcionamento econômico da atividade,
pois, se se quisesse detalhar o rol de princípios intersetoriais enunciados no
parágrafo anterior, dever-se-ia começar pela própria orientação à concorrência
como requisito do modelo atual de regulação inscrito na compatibilização
de regimes jurídicos, algo que não se afigura essencial para a cogitação da
regulação.
O esforço de identificação desses índices de regulação setorial
dos nossos tempos em detrimento de índices gerais é, certamente, meritório
para o desenvolvimento do pensamento setorial, mas não pode macular a
regulação com o estigma – certo ou errado segundo cada ideologia que o
analisa – da competição e orientação pelo mercado. As instituições de
regulação são neutras quanto à aplicação isenta das estações de humor
político, embora conscientes de sua presença no jogo político e de seus
reflexos no ordenamento jurídico. Em outras palavras, dizer que a
‘convivência de regimes jurídicos em um mesmo rol de atividades’ ou a
‘desagregação vertical’ são instituições intersetoriais hoje predominantes
não significa dizer que a regulação somente seja objeto de estudo do direito
regulatório se qualificada por tais índices. Esses índices – desagregação

460Fala-se,aqui, em riscos do serviço privado em si: se o serviço deixar de ser


prestado, o Estado não intervem para prestá-lo ele próprio. Não se está
comentando, neste diapasão, o risco dirigido ao prestador do serviço, pois, neste
caso, mesmo o prestador de serviços públicos está sujeito ao risco natural do
negócio. A propósito, as definições de concessão e permissão na Lei Geral de
Concessões determinam que o concessionário e permissionário de serviços públicos
os prestarão por “sua conta e risco” (art. 2o, II, III e IV da Lei 8.987/95).

208
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

vertical, compatibilização de regimes jurídicos, conexão de


infraestruturas – são qualificativos específicos da regulação, mas não
são características inerentes a ela, pois orientações regulatórias distintas
podem exigir, por exemplo, ordens normativas que privilegiem a duplicação
de infraestruturas ao invés do trânsito de serviços por uma infraestrutura
única, bem como a horizontalização de uma cadeia produtiva, ou mesmo a
segmentação de serviços em determinado setor de atividades em silos
isolados de regimes públicos e privados.
No Brasil, a conformação regulatória predominante na
segunda metade da década de 1990 até os dias de hoje revela a opção por
uma forma de regulação com características específicas. Ela não resume o
significado da regulação enquanto objeto de estudo de um direito
regulatório que pretenda transcender as configurações presentes no
ordenamento jurídico nacional, em que sequer há a previsão de órgãos
reguladores para todos os setores regulados.
Embora, sob o ponto de vista estritamente constitucional,
somente exista a previsão de estruturas reguladoras especializadas para dois
setores (serviços de telecomunicações, no art. 21, XI, e pesquisa, lavra,
refinação, importação, exportação e transporte de petróleo, gás natural e
outros hidrocarbonetos fluidos e seus derivados, no art. 177, §2º, III), pode-
se afirmar que o arcabouço normativo infraconstitucional expandiu
consideravelmente esse modelo de regulação assentado em órgãos
reguladores para o conjunto dos setores regulados, como se verá mais a
frente, com o detalhamento das estruturas regulatórias brasileiras.
Apenas a título exemplificativo, no país tido como fonte do
modelo regulatório das agências independentes, vale dizer, nos Estados
Unidos da América, não há previsão constitucional de nenhuma autoridade
administrativa independente.461
O importante, assim, é ter-se em mente que a presença de tais
estruturas se insere dentre as formas teóricas possíveis de regulação, quais
sejam: a regulação pelo mercado, em que se confia na densidade da concorrência
para corrigir distorções; a regulação por órgãos reguladores, em que se
criam superestruturas estatais técnicas para acompanhamento setorial; a
regulação endógena, alcançada via estatização dos prestadores dos serviços
regulados462; a regulação por contrato, que se satisfaz com regras

461VideBURNHAM, William. Introduction to the Law and Legal System of the


United States. 4ª ed., St. Paul: Thomson/West, 2006.
462Em revisão da literatura sobre política regulatória, estudo da Revista Brasileira de

Informação Bibliográfica em Ciências Sociais salienta a insuficiência da tradicional

209
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

contratuais acordadas caso a caso e, portanto, em termos jurídico-


administrativos, resume-se às normas firmadas em contratos
administrativos (concessão e permissão). Segundo essa classificação, o
modelo regulatório brasileiro pré-1995 pode ser perfeitamente
compreendido como um modelo misto de regulação tradicional via
contratos administrativos e de regulação endógena via estatização da
prestação dos serviços.
Assim, a opção por um modelo de regulação dependerá das
peculiaridades de cada modelo regulatório463, dentro das possibilidades abertas pelo
texto constitucional464 e, por isso, o conceito geral de direito da regulação
não se restringe ao modelo regulatório brasileiro vigente, muito embora
suas instituições – desagregação vertical, conexão e compartilhamento de
infraestruturas, compatibilização de regimes jurídicos, competição – sejam
importantes objetos de estudo. Nenhum deles, entretanto, se apresenta
como característica intrínseca à regulação em si mesma.
Deve-se, portanto, entender a regulação por suas instituições
básicas para, a partir deste núcleo de significado, expandir o conhecimento
geral, regional ou setorial a princípios comuns, como os dirigidos à
regulação setorial vigente.

divisão binomial entre dois tipos de regulação pública: regulação por agência
regulatória; e regulação pela estatização. Conferir: MELO, Marcus André. Política
regulatória: uma revisão da literatura. p. 8-9. In: Revista Brasileira de Informação
Bibliográfica em Ciências Sociais, nº 50, 2o semestre de 2000, p. 7-43. A
distinção tradicional entre regulação via propriedade pública e via agência ou comissão
independente é imprecisa sob o enfoque jurídico, pois pressupõe que a existência de
bens públicos afasta a técnica de regulação via agência, o que, de fato, pode ser
verdade nos modelos de tradição anglo-americana, mas não no modelo brasileiro,
que comporta um rol mais elaborado de espécies de regulação.
463Vide STRAUBHAAR, Joseph. Tendências mundiais, p. 47. In: SIQUEIRA,

Ethevaldo (et al.). Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress


Editora, 1993, p. 42-47. Relatando as esperadas diferenças entre modelos
regulatórios no mundo, cita, em 1993, a experiência da Jamaica, que optara por
contratos detalhados ao invés da criação de órgãos reguladores.
464Vide CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços Públicos

na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey,


2007.

210
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

Enfim, a identidade do direito regulatório depende do


enunciado do significado da regulação propriamente dita esmiuçado no
capítulo 1.2.8 deste livro e desenvolvido em suas formas de manifestação
adiante.
Em uma primeira abordagem do significado de regulação, é
esclarecedor que se faça um exercício comparativo que, embora
simplificador de momentos históricos, divisa o aspecto regulador de outras
opções de atuação estatal.
Como oposição à opção histórica de proeminência da função
reguladora estatal, tem-se, de um lado, o papel empreendedor ou prestador
de serviços do Estado, ou também chamado Estado provedor de bem-estar,
interventor direto e executor. Trata-se, em outras palavras, do papel
complementar ou substitutivo do Estado ao mercado como Estado
concentrado na atuação social e empresarial, sem que isso signifique
inexistência de regulação. Esse tipo estatal é representado pelos termos
Estado de Bem-Estar Social (welfare state), Estado Providência (État-
providence)465 ou Estado Desenvolvimentista e variantes do Estado Social,
como o Estado Empresário.466
Inteiramente distinto do Estado Providência, mas ainda
oposto à proeminência da função reguladora estatal, tem-se, de outro lado,
a centralidade do mercado como mecanismo de alocação eficiente de recursos por
excelência. Em tal configuração estatal, ao mercado é dado o papel de
coordenador das atividades econômicas e ao Estado, o papel de garantidor
unicamente da propriedade e dos contratos essenciais ao bom
funcionamento do mercado excluídas funções de intervenção no plano
econômico e social. O Estado ainda tem um papel, mas este se restringe a
de um redutor de riscos para a atividade econômica; sua intervenção na
economia toma a forma de um princípio de segurança.467 Fala-se, nesse

465Vide ROSANVALLON, Pierre. A crise do Estado-providência. Trad. Joel


Pimentel de Ulhôa, Goiânia: Editora Universidade Federal de Goiás e Editora da
Universidade de Brasília, 1997.
466O Estado Empresário é comumente descrito como uma variante do Estado Social

da metade do século XX, assim entendido aquele que se caracteriza pela atuação
direta do Estado na produção de bens e serviços econômicos. Cf. BEMQUERER,
Marcos. O regime jurídico das empresas estatais após a Emenda
Constitucional nº 19/1988. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 30-32.
467Vide NUNES, António Avelãs. Do capitalismo e do socialismo: polêmica

com Ian Tinbergen, prêmio Nobel de Economia. Coimbra: Vértice/Atlântida


Editora, 1972.

211
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

último caso, do Estado mínimo ou abstencionista, cujas funções


reguladoras também presentes se ocupam da preservação da fronteira entre
a atuação estatal e as atividades econômicas.
Como diferencial dos dois modelos ideais de Estado liberal e
de Estado social, encontra-se o chamado Estado regulador, que se define
pela proeminência não da interferência direta para promoção do
desenvolvimento econômico social, nem mesmo da não-intervenção para
dinamização do mercado, mas pelo papel de coordenação, de
gerenciamento, de controle, de intervenção indireta468, ou sinteticamente, de
regulação estatal, entendendo-se esta última como resultado da
compreensão do Estado e do mercado não mais como entes estanques ou
antípodas, mas como fenômenos interdependentes e essenciais à
consolidação dos direitos fundamentais.
Assim, a regulação não é, em si mesma, uma característica
diferencial do modelo atual de Estado regulador, pois a presença de
competências regulatórias no Estado brasileiro não é recente.469
Pela mesma razão, a característica distintiva do Estado
regulador como apoiado na proteção dos direitos fundamentais descrita no
capítulo de pressupostos teóricos do Estado regulador não esgota todo o
significado da regulação. O diferencial moderno inscrito no significado de
Estado regulador está na proeminência de uma espécie de regulação estatal
presente na conformação atual dada ao Estado.
Da mesma forma, o Estado regulador não se consubstanciou
em oposição somente a um Estado Social-Burocrático empregador de
prestadores de serviços essenciais à sociedade, mas também como opositor
a um Estado caracterizado pela inexistência ou aversão à interferência no
âmbito econômico e social, ou seja, à crença no mercado autorregulado
como excludente da atuação reguladora do Estado.
O Estado regulador, portanto, não é um Estado
intervencionista, nem mesmo abstencionista,470 no sentido que se costuma

468Costuma-se apontar a alteração de postura de intervenção direta para a de


intervenção indireta como resultado da crise fiscal do Estado dos anos 80 e 90.
Conferir: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90:
lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e
Reforma do Estado, 1997, p. 11-13.
469Vide SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica:

Princípios e Fundamentos Jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001.

212
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

atribuir às expressões, mas um Estado que, embora não promova


diretamente o desenvolvimento econômico e social (nos moldes de
estratégias compensatórias do Estado de Bem-Estar Social ou segundo
estratégias corporativas do Estado Social em resposta situada e datada às
consequências da industrialização) nem opte pela entrega dessa função a um
terceiro mediante mera desregulação do mercado (Estado mínimo), atua
como “regulador e facilitador ou financiador a fundo perdido desse
desenvolvimento”471. O Estado regulador, portanto, é definido pelo caráter
dirigente e gerencial de que se reveste a Administração Pública para
conformação das atividades essenciais segundo ordens de promoção dos
direitos fundamentais delas dependentes.
Enquanto o Estado de Bem-Estar Social se legitima mediante
a distribuição compensatória de bens, o Estado regulador também se
legitima pela prestação de utilidades, mas estas, ao invés de serem
produzidas pelo Estado paternalista, são fornecidas principalmente por
parcerias entre Estado e particulares, por particulares contratados pelo
Estado, pelo planejamento estatal do conjunto de atividades econômicas via
estímulos e contra-estímulos, pela produção, comercialização e prestação de
serviços em regimes público ou privado que exijam, por imperativo
constitucional de defesa de direitos fundamentais, o acompanhamento pari
passu de atividades de interesse público, ou seja, sua regulação.
Fala-se, no Estado regulador, de uma Administração
Pública gerencial no lugar de uma Administração Pública
burocrática.
Enquanto, na Administração Pública burocrática, a garantia
dos direitos sociais é remetida à contratação direta de servidores públicos
atuantes nos diversos ramos das atividades econômicas, na Administração
Pública gerencial, o mercado é tomado como instrumento para consecução
dos direitos fundamentais mediante acompanhamento conjuntural e
ponderado de custos, infraestrutura, serviços, bens públicos, tarifas, áreas

470Essacaracterística de, ao mesmo tempo controlar e libertar é descrita por King


como o enigma do Estado Regulador: KING, Roger. The Regulatory State in the
Age of Governance: Soft Words and Big Sticks. Houndmills, Basingstoke,
Hampshire, UK: Palgrave Macmillan, 2007, p. 3.
471PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e

mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma


do Estado, 1997, p. 17.

213
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

de cobertura, dentre outros componentes das opções de investimento de


um setor regulado.
Em outras palavras, no Estado regulador, há um
acompanhamento gerencial da concretização dos direitos fundamentais
mediante opções regulatórias de encaminhamento do setor. Nesse sentido,
o Estado regulador é um fenômeno recente caracterizado por transcender a
visão maniqueísta de oposição entre Estado e mercado, ou entre Estado e
sociedade, de conflito entre forças ilusórias que, afinal de contas, são um
único substrato utilizado para consecução dos direitos fundamentais.
O Estado regulador é um Estado reconciliado com o
mercado, entendendo-o não como um ser autônomo e independente, mas
como produto de regulação estatal. Da mesma forma, a inserção do
mercado na equação regulatória não se presta à extinção da equação em
prol da atuação autônoma do mercado. O mercado se justifica enquanto
dirigido pela regulação rumo ao interesse público. O pressuposto do Estado
regulador é a persistência de ambos.
O Estado regulador, portanto, é um modelo estatal assentado
na atuação concertada de intervenção estatal frente aos reflexos verificados
pari passu no setor regulado. Por isso, dizer-se que o Estado regulador
envolve atuação administrativa conjuntural, pois dependente de
acompanhamento pari passu do desenvolvimento de um setor de atividades
essenciais, que está em constante mutação, dependente que é da conjuntura.
Assim, tanto o mercado, quanto a intervenção estatal, são colocados, para o
Estado regulador, como variáveis, cujo comportamento interfere nos rumos
tomados por uma Administração Pública gerencial em prol da consecução
dos direitos fundamentais.
No Estado regulador, há a substituição da parcela de
desenvolvimento econômico e social antes absorvida na estrutura
burocrática estatal do Estado Social por um controle indireto regulatório
sobre os mercados. A posição do Estado regulador como meio termo entre
dois modelos ideais ideologicamente bem definidos – Estado Liberal e
Estado Social – explica o porquê do surgimento dessa figura de Estado
regulador em conjunto com propostas de desregulação ou desregulamentação,
assim entendidas como a diminuição do papel estatal regulamentador das
atividades econômicas.472 Dita desregulação nunca foi, entretanto, projetada
como uma ode contra a regulação. Pelo contrário, o alvo da desregulação

472PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e
mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma
do Estado, 1997, p. 32 e seguintes.

214
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

dirigiu-se aos excessos ou desfuncionalidades da regulação. Exemplo


esclarecedor dessa postura está no fato de que a atividade reguladora foi
reforçada pelo inaugurador das privatizações europeias, o Reino Unido,
onde “os monopólios naturais privatizados exigiam agora redobrada
regulação”473.
Não é difícil, em meio a todas essas considerações, confundir-
se Estado regulador com a regulação que lhe é peculiar, já que esse tipo de
Estado se preocupou em encastelar a regulação em sua própria designação.
A regulação, em si mesma, não foi erigida como bastião do Estado
regulador brasileiro, mas uma forma de regulação: a regulação por intervenção
estatal indireta de atividades essenciais e presumivelmente competitivas.474
Além disso, a regulação do Estado Regulador é um processo dotado de
orientação valorativa rumo à proteção dos direitos fundamentais, como
direitos em constante institucionalização e, portanto, dependentes da
administração das leis. Não se deve confundir essa compreensão da
regulação com a proposta da regulação como proteção de direitos
individuais de primeira geração pautada exclusivamente pela proteção da
propriedade, do contrato e, portanto, de cunho preponderamente civilista e
que justifica a crítica de Sunstein de rejeição de concepções de regulação
apoiadas em direitos individuais, como concepções infensas à proteção de
direitos sociais.475

473PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e
mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma
do Estado, 1997, p. 33. “Para a agenda liberal tornava-se, agora, necessário, ao
mesmo tempo desregular e regular: desregular para reduzir a intervenção do Estado;
regular, para viabilizar a privatização”.
474Há proposta de terminologia específica para os serviços submetidos ao

tratamento dito competitivo, em que coexistem regimes jurídicos distintos na prestação


da mesma atividade, como ocorre com as telecomunicações, energia elétrica,
vigilância sanitária dentre outros. A proposta de Sundfeld segue orientação europeia,
que passou a chamá-los serviços de interesse econômico geral. Conferir, a respeito:
SUNDFELD, Carlos Ari. A Administração Pública na era do direito global. p. 161: nota 6.
In: SUNDFELD, Carlos Ari & VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito global. São Paulo:
Max Limonad, 1999, p. 157-168. Persiste, todavia, a questão de se saber se a adoção
desta terminologia esclarecerá ou confundirá ainda mais o esforço de divisão do
regime aplicado a cada tipo de serviço relativo a setores econômicos.
475SUNSTEIN, Cass Robert. After the Rights Revolution: Reconceiving the

Regulatory State. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1993, p. 230.

215
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

4.2 REGULAÇÃO: OBJETO DE ESTUDO DO


DIREITO REGULATÓRIO

Tendo em vista o posicionamento teórico do Estado


regulador, já se pode antecipar a conclusão de que o Estado regulador não é
o objeto de estudo do direito regulatório, mesmo porque, se assim o fosse,
a disciplina jurídica dependeria de um fenômeno político-jurídico situado e
datado no tempo e, portanto, fadado a ser superado. O ramo de estudo de
direito preocupado com a regulação certamente não se presta ao estudo de
um momento histórico somente, mas de um fenômeno jurídico que teve
uma de suas manifestações – a intervenção estatal indireta sobre a atividade
econômica em sentido amplo – erigida a qualificativo identificador do
Estado contemporâneo: a regulação propriamente dita.
O objeto de estudo do Direito regulatório é, portanto, a
regulação em si mesma, que detém diversas dimensões. É, portanto,
relevante, para o entendimento do objeto do direito regulatório, o estudo
das espécies de regulação. Por esse meio, restará mais claro o fato da
regulação, enquanto fenômeno abrangente, transitar entre tipos distintos de
intervenção, resguardando-se a concepção mais ampla de regulação como
acompanhamento do destino de atividades essenciais à sociedade.

4.2.1 FORMAS DE REGULAÇÃO

O grau de centralização regulatória de serviços transparece a


maior ou menor confiança do Estado no alcance do interesse público,
mediante outorga de sua prestação à iniciativa privada.476 Há dois conceitos
que evidenciam como a regulação dos serviços públicos opera ao longo da
história: controle pela descentralização e controle pela centralização.477

476Vide AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São


Paulo: Max Limonad, 1999, p.164.
477Preferiu-se a utilização do conceito de centralização e descentralização por revelar, na

sua ancianidade, a ligação de subordinação à Administração Pública, que é o sentido


visado na diferenciação entre controle pela centralização e controle pela
descentralização. Para uma análise da centralização como subordinação, vide:
URUGUAI, Paulino José Soares de Souza, Visconde de. Ensaio sobre o direito
administrativo. Fac-símile da edição de 1960, Brasília: Imprensa Nacional, 1997, p.

216
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

Controle pela descentralização implica a aceitação, pelo Estado, de que suas


finalidades possam ser plenamente alcançadas pela ação dos particulares.
Fala-se, então, em “regulação desconcentrada”478 como sinônimo de
desregulamentação, esta comumente utilizada em diversos significados. Por
outro lado, o controle pela centralização denota falta de confiança na iniciativa
privada para o alcance espontâneo dos fins patrocinados pelo Estado

346. Para uma análise da centralização como unidade, vide: DEBBASCH, Charles.
Droit administratif. Paris: Éditions Cujas, 1972, p. 87-88. Themistocles Cavalcanti,
por sua vez, deriva a descentralização da necessidade de especialização em face da
complexidade funcional do Estado: CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado
de direito administrativo. Vol. II, 5ªed., Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos,
1964, p. 83-84. Finalmente, esmiuçando a evolução dos significados dos termos
centralização e descentralização (descentralização política versus administrativa;
descentralização da decisão versus da gestão; territorial versus por serviços ou
institucional – p. 17 e seguintes) e criticando a concepção unívoca de
descentralização como transferência de competências a pessoas jurídicas (p. 59),
ressaltando a independência como essencial ao conceito de descentralização (p. 69),
vide: ORTIZ, Gaspar Ariño. Descentralización y planificación. Madri: Instituto
de Estudios de Administracion Local, 1972. (Colección Estudios de Administración
Local).
478AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São

Paulo: Max Limonad, 1999, p. 165 e seguintes; 181 e seguintes. “Observamos que a
preferência pela expressão “regulação desconcentrada” em detrimento da expressão
consagrada “desregulamentação” se prende a que entendemos que a ausência de
regulamentação é uma forma de regulação imposta pelo Estado” (p. 165). Aguillar
defende a adoção da primeira nomenclatura, pois entende que a liberdade desfrutada
pela iniciativa privada nas atividades econômicas desregulamentadas é
“consequência de uma política regulatória estatal, uma política de regulação pela
desconcentração” (p. 211). O autor não utiliza o termo desconcentração no sentido técnico-
jurídico de oposição à descentralização – diferença já sedimentada na doutrina de
direito administrativo. Conferir: DEBBASCH, Charles. Droit administratif. Paris:
Éditions Cujas, 1972, p. 88-89; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
administrativo. São Paulo: Atlas; GASPARINI, Diogenes. Direito
administrativo. São Paulo: Saraiva; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
administrativo brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais; MELLO, Celso
Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros;
MUKAI, Toshio. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

217
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

independentemente de sua intromissão. Fala-se então em “regulação


concentrada”479, ou impropriamente, em regulamentação.
A par dos conceitos de centralização regulatória ou descentralização
regulatória, existe o esforço de distinção quanto às formas de manifestação
da regulação, apresentando-se basicamente como: regulação operacional;
e regulação normativa.
Regulação operacional ou diz respeito a afetar atividades à iniciativa
privada ou ao Estado. É a referência ao plano físico-estrutural da regulação
dos serviços. Pergunta-se: quem irá exercê-los? Responde-se pela opção
quanto à regulação operacional dos serviços. Regulação operacional,
portanto, é a intensidade com que o Estado avoca a si e a suas entidades a tarefa de
desempenhar certas atividades.480
Por outro lado, a regulação normativa diz respeito à ampliação ou
à restrição das atividades alcançadas por regramento estatal direto.481
Tal distinção entre regulação operacional e regulação
normativa permite analisar com maior precisão a forma de concentração
regulatória dos serviços públicos e das atividades econômicas. A
concentração regulatória pode ocorrer somente no âmbito operacional ou
somente no âmbito normativo. A tendência482 mais recente é a de regulação
descentralizada operacionalmente e de normatividade complexa, ou seja, de
regulação normativa centralizada, mas remetida a autoridades
administrativas.

479AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São


Paulo: Max Limonad, 1999, p. 191 e seguintes.
480Vide AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São

Paulo: Max Limonad, 1999, p. 212. A regulação operacional “é manifestada pela


preferência outorgada à iniciativa privada ou às empresas e órgãos estatais para o
desempenho de certas atividades de interesse público” (p. 164).
481A regulação normativa “diz respeito ao poder de regulamentar efetivamente o

setor que interessa ao Estado” (AGUILLAR, Fernando Herren. op.cit., p. 164).


482Fala-se em tendência, pois a opção regulatória estatal não está entre dois pólos, mas

em um continuum de centralização e descentralização, como ressalta um pequeno


estudo dirigido à Administração Pública Federal: MARCELINO, Gileno Fernandes.
Descentralização: um modelo conceitual. Brasília: Fundação Centro de
Formação do Servidor Público – FUNCEP, 1988, p. 28.

218
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

4.2.2 EFEITOS DAS OPÇÕES REGULATÓRIAS

Em síntese, de um lado tem-se a pergunta sobre quem


prestará o serviço e então se trata de falar em regulação operacional centralizada
– intervencionismo direto483 – ou descentralizada. Por outro lado, questiona-
se se há regramento específico da atividade, remetendo-se agora aos
conceitos de regulação normativa centralizada – intervencionismo indireto
– ou descentralizada.
A regulação normativa centralizada permite que sejam
identificadas, no Estado, atividades de fomento, regulamentação, monitoramento,
mediação, fiscalização, planejamento e ordenação da economia484 sem que ele assuma
a prestação direta dos serviços. Assim, a opção pela regulação operacional
descentralizada não esgota as opções estatais regulatórias. O fato do
Estado não mais intervir sob o ponto de vista operacional – de não
mais prestar diretamente uma utilidade à população – não significa
que ele esteja intervindo menos. Tanto é assim, que o que caracteriza o
conceito de agência reguladora, analisado mais a frente, é a estrutura
normativa de maior intervencionismo estatal, pois a política de baixo
intervencionismo estatal é abraçada pela forma tradicional de regramento
jurídico geral, abstrato e totalizante, que transfere ao Judiciário a solução
das peculiaridades geradas pela dinâmica social; é a crença de que a mão
invisível do mercado solucionará percentual elevado de transgressões
normativas e que o Poder Judiciário lidará com o ilícito remanescente485. Na

483A terminologia intervencionismo direto e intervencionismo indireto também é utilizada,


mas não permite todas as combinações possíveis como ocorre com os termos
regulação operacional e normativa, centralizada e descentralizada. Adotando os conceitos de
intervencionismo direto e indireto, vide: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A
nova regulação estatal e as agências independentes. p. 74. In: SUNDFELD, Carlos Ari
(coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98.
484Para Floriano Marques, o intervencionismo indireto é caracterizado pela concreta

atuação do Estado “no fomento, na regulamentação, no monitoramento, na


mediação, na fiscalização, no planejamento, na ordenação da economia”
(MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências
independentes. p. 74. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo
econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98).
485“O Estado tem que se organizar para fazer mais do que editar uma lei geral para

vigorar por tempo indeterminado e depois cuidar dos conflitos individuais. E, para
isso ele tem de intervir mais. Aqui está a questão. O modelo que conhecemos – a
separação de poderes tradicional e as funções que competiam aos Poderes Judiciário
e Legislativo – era perfeitamente coerente com o baixo intervencionismo estatal. Se

219
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

regulação operacional descentralizada, para a qual o Brasil tem se inclinado,


o Estado continua detendo uma margem de manobra normativa, que não se
resume à simples opção entre exarar ou não regramento sobre o serviço. Ao
optar pela regulação normativa centralizada, o Estado, agora, enfrenta outra
questão, tão antiga quanto o conceito de interesse público: a de se definir a
forma de controle da prestação dos serviços pelos particulares; a de se saber
para onde estará orientada a política estatal de regulação dos serviços
descentralizados; enfim, a de se escolher a corrente de pensamento que
orientará a regulação.
Duas correntes clássicas de pensamento se opõem, sabendo-se
que a divisão é didática e imprecisa, comportando diversas subdivisões: uma
delas voltada a colocar em primeiro plano a remuneração do capital
empregado no serviço para atração de investimentos estrangeiros; a outra,
voltada a valorizar os conceitos de interesse público, de adequação do
serviço e do bem-estar do consumidor, condicionando o retorno do
investimento aos níveis de satisfação e à continuidade do serviço.486

o Estado não está muito preocupado em gerenciar a realidade ambiental de modo a


ir apertando paulatinamente as exigências para melhorar o meio ambiente; se quer
deixar os membros da sociedade acertarem suas diferenças independentemente da
ordem jurídica, aí pode realmente editar uma norma geral que vigore por sessenta ou
mais anos, como o Código Civil, e depois solucionar os conflitos pelo Poder
Judiciário. Mas, se o Estado quer perseguir concretamente o valor ambiental, vair ter
que intervir mais, editando normas seguidamente, dando-lhes conteúdos cada vez
menos gerais, tratando de temas cada vez mais particulares. Assim, poderá realizar
o gerenciamento normativo dos conflitos (...) Como o Estado é obrigado a
intervir [normativamente, em princípio], ele criou as agências reguladoras” – grifos
nossos (SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos valores e conflitos, p.
1294 e 1296. In: Anais da XVII Conferência Nacional dos Advogados. Justiça:
realidade e utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos Advogados do Brasil, 1999,
p. 1291-1297). Tal gerenciamento normativo dos conflitos somente pode ser alcançado por
mecanismos institucionais de organização dinâmica e de contato direto setorial,
como as agências reguladoras. Planejar e replanejar constantemente: estes são os
conceitos basilares da política regulatória normativa centralizada.
486Themistocles Cavalcanti posiciona-se nitidamente a favor da segunda corrente:

“No primeiro grupo encontram-se as empresas, alguns contabilistas incapazes de


adaptarem os seus conhecimentos ao problema mais geral, e finalmente alguns
economistas e financistas clássicos, temerosos de uma intervenção do Estado, no
pressuposto de sua incapacidade para administrar (....). Do segundo grupo, são os

220
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

4.2.3 FUNÇÃO NORMATIVA CONJUNTURAL DO EXECUTIVO

A função regulamentar representa a parte normativa da


regulação que cabe ao Executivo, sem, todavia, esgotá-la, pois ela é uma
normatividade condicionada à legalidade da medida e, portanto, submissa às
diretivas de políticas públicas de regulação exaradas pelo Legislativo. A
prescrição de comportamentos para orientação de condutas por intermédio
de previsões de situações de fato, ao lado das determinações de diretrizes e
metas de desempenho, representam uma margem de manobra normativa
em um modelo que exige a coexistência de regimes distintos no mesmo rol
de atividades, gerando, com isso uma normatividade complexa.
Exatamente no que diz respeito à citada margem de manobra
normativa é que dito modelo de normatividade complexa encontra críticas. Elas
estão centradas na alegação de que o Executivo estaria invadindo
prerrogativas legislativas ao se utilizar da regulamentação de setores para
implementação de políticas públicas. O fenômeno se avolumou com a
descentralização operacional dos serviços públicos, desviando o foco de
preocupação do Estado Social, que era definido pela intervenção direta,
para o incremento da produção normativa. O Estado deixou de prestar ele
mesmo o serviço, passando-o às mãos dos particulares, mas, para tanto,
ultimou um projeto normativo mais elaborado voltado às especificidades de
cada setor econômico. Este projeto evidencia mais nitidamente o papel do
Poder Legislativo como formulador de políticas públicas gerais e de
estruturação dos setores de interesse público, enquanto o Poder Executivo
assume, com clareza, a função normativa conjuntural destinada a
acompanhar o setor no seu dinamismo, mas dentro da legalidade.
A substituição que o Estado Social determinou na política
pública liberal do government by law pela política pública social do government by
policies perpetuou-se como exigência de acompanhamento da realidade por
produção normativa voltada à política de orientação da conjuntura

que se colocam na posição de equilíbrio entre os interesses das empresas e dos


consumidores, mas consideram, em primeiro plano, os interesses desses últimos
para quem os serviços foram criados e a cujos interesses, portanto, devem atender
precipuamente” (CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de direito
administrativo. Vol. II, 5ªed., Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1964, p. 500-
501).

221
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

econômica não mais sob a forma de intervenção direta, mas mediante


regulação normativa centralizada em entes estatais autônomos. A questão
que surge, neste ponto, está em saber se, de fato, o ocorrido evidenciaria
migração de funções do Poder Legislativo para o Poder Executivo, por
intermédio das agências criadas para o fim de produção normativa
complementar ou se refletiria um aclaramento da sempre existente especialização
funcional dos poderes.487

2.2.3.1 ATIVIDADE NORMATIVA DO EXECUTIVO E O PRINCÍPIO


DA SEPARAÇÃO DE PODERES
A hipótese de que teria havido transferência de poderes
normativos do Legislativo para o Executivo, ferindo, assim, a cláusula
pétrea constitucional brasileira da separação de poderes despreza a evolução
de seu sentido histórico sintetizada em Montesquieu488 e fundamentada nas
abordagens dadas por Aristóteles489, Bolingbroke490 e Locke491.
Dentre as atividades entregues ao Executivo por Montesquieu,
estão as ações momentâneas ou instantâneas492, que são, portanto, conjunturais,
dinâmicas, instáveis. A capacidade normativa de conjuntura de que fala Eros

487Analisando a posição institucional dos poderes políticos adotada pela Constituição


Federal de 1988 do Brasil, vide: FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre
poderes: o poder congressual de sustar atos normativos do Poder Executivo.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.
488MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O

espírito das leis. 2aed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, p. 118-119.
489Aristóteles divide em três partes as que devem compor as formas de constituição

encarregadas de: deliberação sobre assuntos públicos; funções públicas (executivas);


e do poder judiciário. Conferir: ARISTÓTELES. Política. Trad. Mário da Gama
Kury, 3aed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 151-160.
490Apontado como o inaugurador da doutrina teorético-constitucional do equilíbrio dos

poderes, Bolingbroke a enunciou em escritos exparsos. Conferir: SCHMITT, Carl.


Teoría de la constitución. Trad. Francisco Ayala, Madri: Alianza Editorial, 1992,
p. 187.
491Locke ultima a divisão de funções em divisão de poderes legislativo de um lado e

executivo e federativo de outro. Conferir: LOCKE, John. Segundo tratado sobre o


governo. Trad. E. Jacy Monteiro, São Paulo: Instituto Brasileiro de Difusão
Cultural, 1963, p. 91-93 (Coleção Clássicos da Democracia 11).
492Vide MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O

espírito das leis. 2a ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, p. 121.

222
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

Roberto Grau493 está inserida no contexto de produção normativa por


órgãos e entes da Administração para o fim de acompanhamento setorial,
exercendo, com isso, função própria – não delegada –, pois inerente à
condição dinâmica e flexível do Poder Executivo. Assim, o Executivo
exerce função normativa, que difere da função legislativa. Esta última é
definida a partir de critério subjetivo – orgânico ou institucional –, em que

493Quando o direito passou a funcionar como instrumento de implementação de


políticas públicas (regulação não exclusivamente de situações estruturais mas
conjunturais), “o direito torna-se contingente e variável. A ‘lei’, texto normativo
produzido pelo Legislativo, não pode mais ser tomada como categoria absoluta: é
necessário, mais do que nunca, distinguir entre lei em sentido formal e lei em sentido
material. Interpenetram-se os campos de atuação do Executivo e do Legislativo:
aquele a exercitar, amplamente, função normativa; este, a produzir leis-medida. A leitura
tradicionalmente desenvolvida da ‘separação dos poderes’ perde todo o seu sentido”
(GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3a ed., São Paulo:
Malheiros, p. 136). E continua em outro capítulo: “a instabilidade de determinadas
situações e estados econômicos, sujeitos a permanentes flutuações – flutuações que
definem o seu caráter conjuntural –, impõe sejam extremamente flexíveis e
dinâmicos os instrumentos normativos de que deve lançar mão o Estado para dar
correção a desvios ocorridos no desenrolar do processo econômico e no curso das
políticas públicas que esteja a implementar. Aí, precisamente, o emergir da capacidade
normativa de conjuntura, via da qual se pretende conferir respota à exigência de
produção imediata de textos normativos, que as flutuações da conjuntura econômica
estão a todo o tempo, a impor (...) [Dita capacidade normativa] somente estará
ungida de legalidade quando e se ativada nos quadrantes da lei (...) O exercício da
capacidade normativa de conjuntura estaria, desde a visualização superficial dos arautos da
“separação” de poderes, atribuído ao Poder Legislativo, não ao Poder Executivo. A
doutrina brasileira tradicional do direito administrativo, isolando-se da realidade,
olimpicamente ignora que um conjunto de elementos de índole técnica, aliado a
motivações de premência e celeridade na conformação do regime a que se subordina
a atividade de intermediação financeira, tornam o procedimento legislativo, com
seus prazos e debates prolongados, inadequado à ordenação de matérias
essencialmente conjunturais. Por isso não estão habilitados, os seus adeptos, a
compreender o particular regime de direito a que se submete [um] segmento da
atividade econômica” (GRAU, Eros Roberto. op.cit., p. 172-173). Não se pode
olvidar, no entanto, que essa argumentação implica o reposicionamento do
Legislativo à semelhança da desregulamentação exigida na proposta neoliberal:
“substituição de regras rígidas, dotadas de sanção jurídica, por regras flexíveis,
meramente indutoras de comportamentos”, gerando “ampliação do conteúdo dos
regulamentos (atos do Poder Executivo em geral), instalando uma nova
contradição” (GRAU, Eros Roberto. op.cit., p. 98).

223
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

vale mais para sua definição o conjunto dos atores do Poder Legislativo que
propriamente sua função494. Já a função normativa é divisada não a partir dos
Poderes estatais – Legislativo, Executivo, Judiciário –, mas das matérias
neles inseridas sem caráter de exclusividade. Tanto é assim, que a
Constituição Federal de 1988 enuncia, em diversos dispositivos, os atos
normativos dos três poderes (CF/88: art. 49, V; art. 97, caput; art. 102, I, a; art.
102, §2o; art. 103, §3o; art. 125, §2o; art. 169, §4o). Não se olvida o fato de
que as ações abstratas de análise da constitucionalidade de atos normativos
não podem ser suscitadas contra regulamentos em geral do Poder
Executivo495, mas a razão deste posicionamento do STF está na questão
estrutural em jogo: o juízo destas ações é de constitucionalidade, enquanto a
análise dos regulamentos é de legalidade. Dessa forma, o termo ato normativo
dos artigos correspondentes ao controle abstrato de constitucionalidade
inscritos na Constituição Federal de 1988 não exclui os regulamentos por
não serem prescrições normativas, mas em razão do requisito do juízo de
constitucionalidade da medida.496 Além disso, se há atos normativos com força de
lei para os fins de questionamento de constitucionalidade e de competência
do STF497, é porque há ato normativo sem força de lei no sistema jurídico
brasileiro. Não há, portanto, delegação de poderes, em sentido próprio, mas

494“A classificação das funções estatais em legislativa, executiva e jurisdicional é corolário


da consideração do poder estatal desde o seu aspecto subjetivo: desde tal
consideração, identificamos, nele, centros ativos que são titulares, precipuamente, de
determinadas funções. Estas são assim classificadas em razão das finalidades a que se
voltam seus agentes – isto é, finalidades legislativas, executivas e jurisdicionais. Tal
classificação, como vimos, tem caráter orgânico ou institucional.” (GRAU, Eros
Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros,
2000, p. 176).
495Vide CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da
constitucionalidade no direito brasileiro. 2a ed., São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000, p. 211.
496Críticas são levantadas contra a ausência de um controle efetivo de

constitucionalidade dos atos normativos do Executivo, propondo-se, até mesmo, a


criação de uma ação direta de ilegalidade. Conferir: A fiscalização abstrata da
constitucionalidade no direito brasileiro. 2a ed., São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000, p. 215. No entanto, a discussão deveria, primeiramente, internalizar
a compreensão da submissão estrutural do Executivo à lei ao lado da inovação
normativa funcional que lhe é própria.
497Tratando da Medida Provisória como ato normativo com força de lei e extraindo desta

característica a impossibilidade de sua retirada do Congresso Nacional, pelo


Executivo, conferir: Ação Direta de Inconstitucionalidade 221/DF, relatoria do
Ministro Moreira Alves, j.29.03.1990, DJ 22.10.1993, p. 22.251 e RTJ 151/331-355.

224
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

utilização de função normativa originariamente atribuída ao Executivo. Isso


não significa que ele possa exercê-la quando quiser e independentemente de
prévia atuação legislativa. O sistema constitucional brasileiro, em razão das
vinculações estruturais da separação de poderes, impõe que o espaço
normativo do Executivo esteja previamente aberto por dispositivo de lei e
daí a característica de fonte secundária a seguir esmiuçada.498 Esse raciocínio
evita a perplexidade comumente verificada na análise da jurisprudência
norte-americana ao constatar que o princípio básico de proibição de
delegação funcional entre os poderes (non-delegation) somente é aplicado em
casos extremos.499 São extremos porque excepcionais, já que os demais casos tidos
como de aplicação tímida do princípio, na verdade são de utilização de
competência própria do Executivo.
A função normativa está assentada na primariedade do
enunciado normativo: ela se impõe por força própria, podendo existir em
decorrência do exercício de poder originário – Legislativo (em sentido
subjetivo) – ou em decorrência de poder derivado – Executivo (em sentido
subjetivo).500 O conceito de função normativa, portanto, abarca a função
legislativa, a função regulamentar e a função regimental.501 Estas funções não se

498Vide texto correspondente à nota de rodapé nº 507.


499Vide MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di indirizzo della pubblica
amministrazione nell’esperienza degli USA. p. 117-123. In: CARETTI, Paolo &
SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione
dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 111-
140.
500“Entende-se como função normativa a de emanar estatuições primárias, seja em

decorrência do exercício do poder originário para tanto, seja em decorrência de


poder derivado, contendo preceitos abstratos e genéricos” (GRAU, Eros Roberto.
O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p.
180).
501Partindo de definição de Alessi de que os regulamentos são estatuições primárias

impostas por força própria, mas emanadas de poder derivado, “em uma tentativa de
conciliação de critérios, teremos que a função normativa (material) compreende a
função legislativa e a função regulamentar (institucionais) – mais a função regimental, se
considerarmos a normatividade emanada do Poder Judiciário” (GRAU, Eros
Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros,
2000, p. 181). Assim, “quando o Executivo expede regulamentos – ou, o Judiciário,
regimentos –, não o faz no exercício de delegação legislativa (...) Logo, quando o
Executivo e o Judiciário emanam atos normativos de caráter não legislativo –
regulamentos e regimentos, respectivamente –, não o fazem no exercício de função

225
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

confundem com a possibilidade de controle dos demais poderes pelo


Legislativo, que Montesquieu chamou de poder regulador.502
O art. 25, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, da Constituição Federal de 1988, suscita certas considerações
que, aparentemente, indicariam a proibição constitucional da presença de
atos normativos do Executivo no novo ordenamento jurídico instaurado.
Segundo o dispositivo:

Constituição Federal brasileira de 1988


Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da
promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação
por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem
a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela
Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que
tange a:
I - ação normativa;
II - alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.

Da leitura do art. 25 do ADCT, poder-se-ia extrair a conclusão


de que a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, não
poderia mais existir lei que atribuísse competência legislativa ao Executivo
exceto em caso de sua prorrogação mediante decisão do próprio
Legislativo, que, por ser exceção, não se poderia estender ao infinito. É
exatamente isso que o dispositivo diz e deve ser precisamente isso o
aplicado. O desejo do constituinte de extirpar do ordenamento jurídico
dispositivos legais que ferissem o princípio da não-delegação de poderes
está evidente no art. 25 do ADCT. Ele significa a proibição de delegação de
poder legislativo por lei ao Executivo à exceção, é claro, da previsão
expressa constitucional de lei delegada, com as respectivas limitações contidas
no art. 68 da Constituição Federal de 1988. Não há nada a ser reparado no
enunciado constitucional. Ele não diz respeito ao tema ora analisado do
exercício de poder normativo próprio do Executivo mediante abertura legal
exigida pela separação de poderes vista sob o enfoque estrutural. Não há

legislativa, mas sim no desenvolvimento de função normativa.” (GRAU, Eros Roberto.


op.cit., p. 184).
502Vide MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O

espírito das leis. 2a ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, p. 121.

226
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

delegação de poder normativo, mas reconhecimento e autorização de seu


exercício dentro da sistemática de distribuição de funções normativas para o
Executivo. Ele – Poder Executivo – não pode exercer competências
normativas reservadas ao Congresso Nacional nem que estas lhe sejam
entregues por lei, mas não se pode furtar, e portanto deve exercer suas
competências normativas abertas por dispositivos legais que definam
parâmetros de atuação normativa regulamentar.

2.2.3.2 ATIVIDADE NORMATIVA DO EXECUTIVO E O PRINCÍPIO


DA LEGALIDADE
No contexto da regulação, o respeito à legalidade apresenta
dois sentidos: a) submissão do órgão ou ente da Administração responsável
pela emissão de regulamentos setoriais à correspondente lei definidora de
competências; b) respeito aos dispositivos emanados de normas legais ou
regulamentares. Este último entendimento ameniza a enraizada polêmica da
existência de conflito entre a legalidade e o poder regulamentar, viabilizando
o modelo atual de escala industrial de produção de regulamentos por órgãos
reguladores.
Note-se que não há aqui apologia à produção em escala de
regulamentos, mas justificação do modelo de regulação instaurado no Brasil
perante o art. 5o, II, da Constituição Federal de 1988503: “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
O termo lei aqui referido não pode ser compreendido no seu sentido mais
estrito e isso não é nenhuma novidade ou argumentação puramente
doutrinária: é a própria prática do sistema constitucional brasileiro aplicada
pelo Supremo Tribunal Federal. É cediço que um dos argumentos
proibitivos de tratamento de matéria penal substantiva por medida
provisória é o de que o art.5o, XXXIX, da Constituição Federal de 1988, ao
prescrever que “não há crime sem lei anterior que o defina” exprimiu lei em
seu sentido “exclusivamente formal”504. Por isso, mesmo a medida
provisória – ato normativo com força de lei – não pode tratar de
disposições que definam crimes e cominem penas. Se o termo lei do art.5o,
XXXIX, da Constituição Federal de 1988 é tão restrito a ponto de
inviabilizar o uso da medida provisória, mesmo antes das limitações

503Para a exposição completa deste argumento com fundamentação exaustiva,


conferir: GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed.,
São Paulo: Malheiros, 2000, p. 182-189.
504Ação Direta de Inconstitucionalidade 221/DF, Relator Min. Moreira Alves,

j.29.03.1990, DJ 22.10.1993, p.22.251 e RTJ 151/331-355.

227
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

expressas advindas da Emenda Constitucional n. 32, de 2001 (art. 62, §1º, I,


b da CF/88), isso significa que a previsão de lei do art.5o, II, da Constituição
Federal de 1988 é, no mínimo, menos restritiva, pois não se pode sustentar
que ele não se refira a disposições veiculadas por medidas provisórias. Se
assim o é, o argumento comumente utilizado contra a existência de poder
normativo do Executivo de que o termo lei do art.5o, II, ou do restante da
Constituição Federal de 1988, deve ser interpretado restritivamente é falho,
pois, ao menos há níveis de sua extensão: lei estritamente formal do
Legislativo; lei, como instrumento normativo com força de lei formal; e –
porque não – lei como ato normativo.
Ainda, poder-se-ia acenar com argumentos periféricos, como
o que se assenta na redação do art. 5o, II, da Constituição Federal de 1988,
que proíbe o constrangimento de direitos exceto em virtude de lei. Segundo
este argumento, o texto constitucional não resumiria o condicionamento de
direitos a comando legal. Toda limitação decorrente de prévia abertura legal,
inclusive por ato normativo da Administração, seria, assim, condizente com
o texto constitucional, desde que não ultrapassasse o âmbito de atuação
permitido por lei. Mas este argumento não se sustenta se não estiver clara a
questão da delegação inconstitucional de funções legislativas, ou seja, da distinção
entre função legislativa e função normativa.505
Sob o ponto de vista estrutural, a legalidade exige lei que
atribua506 competência executiva secundária507, pois pressupõe prévia abertura

505O trecho a seguir, que parece propositalmente inconclusivo, representa bem a


inutilidade do argumento gramatical em face da questão maior de proibição de
delegação de funções constitucionais: “Poder-se-ia argumentar, em contrário, que o art. 5 o,
II, da Constituição não exige tanto [tamanha restrição à atividade normativa da
Administração]. Não dispõe ele que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer algo senão por comando legal; quer apenas que ninguém seja constrangido senão
em virtude de lei. Bastaria assim a lei conferir genericamente o poder ao administrador,
para que as normas que este viesse a editar encontrassem conforto constitucional.
Mas o problema se reconduz aqui ao da impossibilidade de delegação de funções
entre Legislativo e Executivo. Em outras palavras, a interpretação do art. 5 o, II,
requer necessariamente a consideração do limite a partir do qual se incidiria em
inconstitucionalidade por delegação indevida do poder de legislar.” (SUNDFELD,
Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. 1aed., 2atir., São Paulo: Malheiros,
1997, p. 35).
506Sobre os regulamentos de atribuição, vide: DELPÉRÉE, Francis. Le fonti normative

secondarie nel diritto belga. p. 51-52. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere
regolamentare e strumenti di direzione dell’amministrazione: profili
comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 47-67.

228
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

legal, e não simplesmente subordinada, para produção de regulamentos


setoriais. A mesma legalidade também justifica a vinculação dos atores
setoriais (prestadoras e usuários/consumidores) à orientação emanada da
função normativa conjuntural do Executivo (em geral, por meio de
superestruturas administrativas autônomas) pela produção de disposições
regulamentares – parte da função normativa que foi distribuída entre os
poderes estatais no diploma constitucional. A regulamentação emanada do
Executivo, neste caso, não desrespeitará a hierarquia normativa, pois
mesmo que seja independente de atribuição explícita e pontual de função
normativa, afigura-se como atribuição implícita decorrente da destinação de
competências de certos setores ao Executivo. A lei em sentido formal –
decorrente de processo legislativo – é, portanto, o único caminho
constitucionalmente autorizado a abrir espaço à interferência do Executivo
na precisão dos direitos, como historicamente ocorre em questões como as
de posturas urbanas e regras de trânsito.508

507Norma secundária é considerada a “norma cujo titular não possa nunca agir de
iniciativa própria ou autonomamente”. Subordinadas são as normas que “encontram
seu fundamento na própria Constituição” – tradução livre do original: DELPÉRÉE,
Francis. Le fonti normative secondarie nel diritto belga. p. 49-50. In: CARETTI, Paolo &
SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione
dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 47-67.
A competência subordinada existiria se se aceitasse, no Brasil, a presença de poderes
implícitos (inherent powers) no Executivo para produzir normas regulamentares em
espaços não atingidos por dispositivos legais: sua competência seria subordinada,
pois restringível por lei, mas não secundária, pois não necessitaria de prévia abertura
legal. A característica subordinada da competência do Executivo brasileiro depende,
no Brasil, segundo a teoria hoje predominante, de prévia abertura legal: deve ser,
portanto, secundária. A jurisprudência norte-americana se afina com a doutrina
brasileira neste ponto: “a atribuição de poder à burocracia, tal como ao Presidente,
deve ter fundamento normativo em uma lei” (MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-
legislativi di indirizzo della pubblica amministrazione nell’esperienza degli USA. p. 138. In:
CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di
direzione dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino,
1991, p. 111-140: tradução livre do italiano).
508Ao analisar o conceito de administração ordenadora como sucedâneo do termo poder

de polícia, Sundfeld salienta seu caráter derivado (secundário) capaz de interferir nos
contornos da vida privada: “Cada vez mais a lei se ocupa em disciplinar diretamente as
variadas facetas da vida privada. A lei pode prever ou não a interferência do

229
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

O reconhecimento da existência destes regulamentos


problematiza a questão, que deixa de ser analisada e discutida quando
simplesmente se nega constitucionalidade aos inúmeros atos normativos do
Executivo, que, por serem indesejados, não são menos reais.509 Não menos
real também é a constatação da presença de função administrativa no
Legislativo quando da implementação de políticas concretas de governo por
via de leis formais no auge do Estado Social, resultando nas chamadas leis-
medida (Massnahmegesetze). A distinção existente entre lei e regulamento,
submetendo este àquela não significa eliminar a função normativa do
Executivo, mas parametrizá-la segundo uma hierarquia510 prevista no sistema
constitucional sem olvidar a divisão material dos conteúdos normativos
entre os poderes estruturais do Estado.
Superados os obstáculos à possibilidade de atividade
normativa regulamentar – função normativa do Executivo –, enfatiza-se a
compreensão de que o Poder Executivo desvia a finalidade desta atividade
se substitui manifestações propriamente legislativas.

Executivo em sua aplicação. Em caso positivo, estaremos diante de normas de


direito administrativo (ex.: leis municipais sobre construções urbanas, regras de
trânsito, disciplina dos preços na economia). (...) A administração ordenadora surge
apenas na primeira hipótese. Assim, inexiste setor que lhe pertença, por natureza. Só
existirá administração ordenadora se, quando, como e na medida em que o
legislador, ao regulamentar a vida dos indivíduos, houver cominado à Administração
um papel ativo em seu cumprimento.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Direito
administrativo ordenador. 1a ed., 2a tir., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 21).
509“Evidentemente não estou a propor a liberação do Executivo para “legislar”. Pelo

contrário, reconhecer o desenho correto do princípio, tal como contemplado pelo


direito brasileiro, significa possibilitarmos o controle do exercício da função
regulamentar pelo Executivo, ao que se recusam nossos publicistas, sob o argumento
de que os regulamentos são inconstitucionais...” (GRAU, Eros Roberto. O direito
posto e o direito pressuposto. 3a ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 189).
510A característica hierárquica atribuída à distinção entre lei e regulamento é “de tipo

orgânico” como ocorre no relato de Delpérée sobre o poder regulamentar na


Bélgica, em que os poderes legislativo e executivo estão inseridos em uma relação
“entre poder soberano e poder subordinado” (DELPÉRÉE, Francis. Le fonti
normative secondarie nel diritto belga. p. 47-48. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de.
Potere regolamentare e strumenti di direzione dell’amministrazione: profili
comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 47-67).

230
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

2.2.3.3 ATIVIDADE NORMATIVA DO EXECUTIVO E ENTES


ADMINISTRATIVOS AUTÔNOMOS
A discussão sobre a plausibilidade jurídica da regulação como
ela se apresenta hoje no ordenamento jurídico brasileiro não se esgota na
discussão da plausibilidade jurídica da produção normativa do Executivo.
Há uma questão subsequente: como aceitar a presença de entes
administrativos ditos independentes para o desempenho desta função
normativa natural ao Executivo se a Constituição Federal de 1988 atribuiu
competência exclusiva ao Chefe do Executivo para expedir decretos e
regulamentos para fiel execução da lei (art. 84, IV e parágrafo único) e para a
direção superior da Administração Pública (art. 84, II)?
A primeira parte da questão é dirigida aos chamados
regulamentos executivos, que tiveram seu significado restrito doutrinariamente à
orientação de atuação da Administração Pública, com fundamento no
poder hierárquico do Chefe do Executivo, para instrumentalizá-la ao
cumprimento das disposições legais. O enunciado constitucional de
competência exclusiva do Chefe do Executivo para expedição de decretos e
regulamentos para fiel execução de lei não esgota, portanto, o sentido da
função normativa do Executivo. Esta se apresenta incólume no âmbito de
preenchimento normativo do ordenamento jurídico que não se resuma a
ordens estruturadoras da Administração para viabilização da lei. Persiste a
possibilidade de utilização da função normativa do Executivo para
regulamentar atividades expressamente atribuídas por lei, em que
implicitamente se destina função normativa ao órgão ou ente competente
para fazer funcionar o setor mediante preenchimento regulamentar
submisso à legalidade, esta sim, fonte definidora da política pública setorial.
O art.84, IV, da Constituição Federal de 1988, explicita a condição
infralegal, mas não despida de normatividade, do Chefe do Executivo
quando da orientação estrutural da Administração Pública a partir da
hierarquia inerente ao Poder Executivo.
Não há, portanto, proibição ao exercício de função
regulamentar por intermédio de entes administrativos com competência
atribuída à gestão de um conjunto de atividades, muito embora isto não
signifique alienação do Executivo frente à lei em sentido formal. Esse
raciocínio evita a perplexidade que se apresenta nas exposições doutrinárias
brasileiras sobre o tema, que, cientes da realidade constitucional do país,
vêem-se obrigadas a encerrar sua argumentação com o reconhecimento do
fracasso histórico do esforço de efetividade das disposições constitucionais
do art.84, IV, e parágrafo único, apontando para a “antiga, difundida e

231
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

tolerada (...) prática de que órgãos autárquicos regulamentem as leis”511. O


que falta, portanto, é o aprofundamento dogmático da questão para que
fique bem definida a fronteira além da qual o poder normativo do
Executivo deixa de ser secundário, transformando-se em inconstitucional.
A acusação de inconstitucionalidade total e apriorística de qualquer
normatização de entes autárquicos do Executivo levou à ridicularização do
argumento jurídico frente à imposição prática da natureza das relações
funcionais do Estado.
A análise do art. 84, II, da Constituição Federal de 1988,
assenta-se em argumentos semelhantes. Ao se dizer que o Chefe do
Executivo desempenha a direção superior da Administração Pública, isso
não significa subserviência de consciência, nem muito menos
disponibilidade de cargos segundo a vontade do Presidente soberano da
República: a maior parte da carreira administrativa está fora do alcance do
juízo de oportunidade do Chefe do Executivo, pois garantida pela
burocracia que a protege. Logo, não há nada de excepcional em permitir-se
a presença de conselheiros ou diretores de entes da Administração indireta
que não estejam envergados ao gosto e desgosto do Chefe do Executivo.
Aspecto inteiramente distinto encontra-se na consideração dificilmente
encontrada nos críticos do modelo regulatório atual e pertinente à
impossibilidade de análise final de decisão da Administração por ausência
de recursos administrativos que cheguem ao Chefe do Executivo, tolhendo
o juízo final de oportunidade que lhe teria sido outorgado pelo art. 84, II, da
Constituição Federal de 1988. Essa argumentação poderia levar a certa
perplexidade se já não se convivesse com modelos de tribunais
administrativos afastados da revisão de suas decisões pelo Ministério a que
estão vinculados, pois, de fato, o que o art.84, II, diz é que a estrutura da
Administração Pública encontra-se submetida às orientações
hierarquicamente superiores do Chefe do Executivo. Contudo, o
dispositivo constitucional não torna a matéria normativa exclusiva do último
escalão da estrutura administrativa, remetendo esta consideração à
produção legislativa, de cujo processo, não se deve esquecer, o Chefe do
Executivo faz parte.

511FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Reforma do Estado: o papel das agências


reguladoras e fiscalizadoras. p. 256. In: Fórum Administrativo, ano 1, nº 3, maio de
2001, p. 253-257. Continua, na mesma página: “igualmente se pode dizer que a
prática é antiga, difundida e tolerada. Todos têm presente as circulares e portarias de
que certos órgãos da Administração Pública usam e abusam, fazendo “leis” que não
raro mais interferem na vida do cidadão que as leis propriamente ditas.”

232
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

Tais considerações não desconhecem a possibilidade de


superação da discussão sobre a constitucionalidade de entidades
administrativas regulatórias mediante a referência à previsão constitucional
de dois dos atuais órgãos reguladores – ANATEL e ANP512. Previstos na
Constituição Federal de 1988, eles encarnariam exceções aos dispositivos de
competência reservada ao Chefe do Executivo (art. 84, II e IV, da
Constituição Federal de 1988). Esse ponto de vista, que apoia a
constitucionalidade de regulamentação infralegal de atividades essenciais na
presença de referência expressa a órgãos reguladores revela, contudo, dois
problemas: a) somente duas das atuais agências reguladoras seriam regulares e
estariam aptas a cumprir suas funções regulamentares; b) mesmo estas duas
agências poderiam ter sua autonomia questionada por violação da separação
dos poderes por via transversa ao implementarem exceção a incisos do art.
84, que funciona como divisor de águas entre o Legislativo e o Executivo.
Desta forma, a explicação da autonomia regulatória das agências por meio
de normas constitucionais excepcionais peca por privilegiar soluções
pontuais, quando a presença de tais entidades já decorre naturalmente da
harmonia preconizada entre os poderes por meio de distribuição não
exclusiva de funções. O argumento da previsão constitucional
‘excepcionadora’ obedece ao pressuposto, acima questionado, de
exclusividade de tratamento normativo pelo Poder Legislativo e que não
condiz com a complexidade institucional atual.
E qual seria, portanto, o efeito jurídico da previsão
constitucional de ditos órgãos reguladores? Como não existem termos inúteis
no ordenamento jurídico, as previsões concernentes à regulação do petróleo
e das telecomunicações devem operar algum efeito. Este efeito está na
distinção entre poder normativo secundário e subordinado explicitada
linhas acima. Por estarem expressamente previstos na Constituição Federal
de 1988 como órgãos reguladores, eles não tem somente a tradicional
competência secundária, mas também subordinada, pois a dicção

512Floriano Marques divide o problema de acordo com o tipo de órgão regulador: a)


órgãos reguladores de natureza constitucional (ANATEL e ANP); b)órgãos
reguladores criados exclusivamente por lei (ANEEL, ANVS, Câmara de Saúde
Suplementar); c)órgãos reguladores de natureza constitucional imprópria, que
encontram referência no texto constitucional só que sem designação expressa da sua
constituição como órgão regulador em sentido próprio (Banco Central – art.192, IV
e Superintendência de Seguros Privados – art.192, II da CF/88). Conferir, a
respeito: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências
independentes. p. 93-94: nota 49. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98.

233
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

constitucional exige que o tratamento legal de tais órgãos lhes defina com
os elementos característicos da regulação setorial.

2.2.3.4 ATIVIDADE NORMATIVA DO EXECUTIVO E REVISÃO


JUDICIAL
Finalmente, a atividade normativa do Executivo, no âmbito da
regulação de atividades essenciais, suscita também questões referentes à
extensão de sua revisão pelo Poder Judiciário. Sob o enfoque estritamente
jurídico-formal, a Constituição Federal de 1988 estipula expressamente a
inafastabilidade da jurisdição quanto a qualquer lesão ou ameaça a direito (art. 5o,
XXXV). Entretanto, não se pode furtar à discussão do grau de atuação
jurisdicional daí decorrente. Em outras palavras, até onde irá, de fato, a
revisão, pelo Judiciário, da produção normativa conjuntural do Executivo,
que é, por natureza, técnica e, às vezes, fundada em prognósticos da
Administração sobre a evolução futura de um setor de atividades?
O termo comumente utilizado para descrever o fenômeno de
abertura de opções administrativas por meio da definição técnica como
argumento de autoridade é o da discricionariedade técnica da
Administração Pública. Esse termo transparece a afirmação de que certas
decisões, por sua elevada complexidade de ordem técnica, somente
poderiam ser tomadas por quem nelas é especializado, deixando ao
Judiciário a possibilidade de se pronunciar somente quanto aos erros
manifestos.
O próprio conceito de discricionariedade técnica é atacado como
uma contradição em si, pois reuniria em sua postulação termos que se
anulariam, já que a discricionariedade pressupõe espaço decisório aberto
por lei, enquanto a tecnicidade carregaria, em si, uma determinação precisa
de critérios a serem seguidos, estrangulando aquele espaço que se pretendia
previsto em lei, transformando, assim, o ato cogitado em ato vinculado, ou
seja, em ato no qual não há margem de opções possíveis a serem tomadas,
mas somente um comportamento previamente estabelecido a ser
implementado pela Administração Pública.
Para compreensão da questão da discricionariedade técnica, é
necessário primar por precisão terminológica. Há um grande salto entre os
conceitos de discricionariedade externa e discricionariedade interna.
A discricionariedade externa, impropriamente inserida em casos de
discricionariedade técnica, significa a margem de opções possíveis do
administrador prevista em formulação jurídica que contém, entre outros,
dados técnicos. Neste caso, o administrador deve partir dos elementos
técnicos já esclarecidos na fundamentação de sua decisão e lançar mão da

234
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

clássica discricionariedade administrativa aberta expressamente pelo texto


legal. Seria o caso de uma norma que estabelecesse opções para o
administrador destruir ou apreender uma substância tóxica. A determinação
da natureza da substância é um juízo técnico prévio à opção do
administrador entre destruir ou apreender o produto. Logo, a
discricionariedade externa pressupõe a solução do significado dos dados
técnicos contidos na previsão normativa.
Já a discricionariedade interna revela a verdadeira temática da
discricionariedade técnica e se define pela cogitação de um espaço discricionário
aberto pela dificuldade de se determinar o sentido do termo técnico inscrito
na lei. A discricionariedade técnica está na entranha dos juízos técnicos.513
Quem conhece tecnicamente, é verdade, tem condições de
decidir melhor sobre o significado objetivo514 de um termo técnico, mas
não necessariamente de forma mais adequada ao ordenamento jurídico, que
agrega caráter teleológico aos dados técnicos, vinculando-os a uma
finalidade específica normativa, cuja prerrogativa de proteção última situa-se
no Poder Judiciário. A tecnicidade do tema afasta, na prática, a ponderação
científica do juiz sobre os prós e contras da opção por uma ou outra
tecnologia (esta é uma constatação fática); ela reserva a órgãos formados
por especialistas de cada área a definição da extensão de certos conceitos,
como os de substância tóxica, de margem de segurança, de medicamento, de
bioequivalência, de interferência prejudicial eletromagnética, mas não inviabiliza –
antes indica em face da presença de standards precisos515 –, a necessidade de,

513Salaverría esclarece a distinção entre discricionariedade interna e externa: “há que se


furtar ao perigo de se confundirem duas maneiras distintas em que comparece esta
mistura de ‘técnica’ e ‘discricionariedade’ (pois somente a uma delas cabe conceber
como genuína ‘discricionariedade técnica’). Com efeito, uma coisa é entregar-se ao
exercício da discricionariedade sobre a base de – entre outros – dados técnicos
(econômicos, demográficos etc), e outra coisa distinta é que o espaço discricional
irrompa na entranha dos juízos técnicos mesmos” (SALAVERRÍA, Juan Igartua.
Discrecionalidad técnica, motivación y control jurisdicional . Madri: Editorial
Civitas, 1998, p. 26).
514A própria objetividade dos dados técnicos é questionável. A “realidade ensina que

a técnica não é sempre e necessariamente fonte de regras objetivamente válidas”


(SALAVERRÍA, Juan Igartua. Discrecionalidad técnica, motivación y control
jurisdicional. Madri: Editorial Civitas, 1998, p. 27).
515Esta postura é criticável em face da já comentada ausência de objetividade nos

critérios técnicos, no entanto, é adotada por juristas de peso. “Se a decisão é técnica,
evidentemente há standards, e muito precisos, a serem estrita e rigorosamente

235
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

a partir de laudos técnicos, verificar a pertinência da decisão tomada frente


às determinações legais. Finalmente, deve-se levantar a questão de que tais
standards precisos não são assim entendidos por serem predeterminados,
mas por estarem remetidos à motivação da decisão administrativa, analisada
no controle judicial do ato, que confirmará ou não a determinação concreta
dos parâmetros técnicos razoáveis frente ao contato da norma com o plano
fático.516 Ditos parâmetros técnicos são esculpidos na motivação da decisão
administrativa, o que gera a possibilidade e exigência de revisão judicial dos
critérios técnicos utilizados para tomada de posição do administrador.
O juízo de legalidade é prerrogativa inafastável do Poder
Judiciário, que, por outro lado, deve cingir-se, quanto ao juízo de oportunidade
do administrador, à verificação da proporcionalidade da medida. Neste
caso, as valorações do administrador, desde que legais, vinculam a atuação
estatal mesmo que em detrimento da melhor solução segundo novos
parâmetros de quem enxerga, do futuro, o fenômeno completo, muito
embora se possa exigir a melhor solução possível segundo o nível de dados
disponíveis e assimiláveis no momento da decisão. A par do juízo de
oportunidade do administrador, há a opção por critérios técnicos, que
carregam consigo certo grau de hermetismo. Por isso, exige-se consciência
setorial do julgador para compreensão das implicações menos óbvias das
opções do administrador, bem como se exige ampla motivação da decisão
administrativa para permitir o controle judicial. O conhecimento, por parte
do julgador, dos meandros técnicos dos setores de atividades relevantes
para o Estado é condição para o necessário controle judicial da assim
chamada discricionariedade técnica. Em outras palavras, a tecnicidade pode
encobrir, no juízo de oportunidade, o juízo de legalidade; pode tomar
decisões, no juízo de oportunidade do especialista, que diminuam as opções
de legalidade do julgador sem que ele perceba tais decisões, fechando as
soluções antes abertas pela legislação. Tais características afloradas no
modelo regulatório estatal evidenciam a necessidade do Judiciário, bem

atendidos por quem toma a decisão!” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o
direito pressuposto. 3a ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 159).
516Vide SALAVERRÍA, Juan Igartua. Discrecionalidad técnica, motivación y

control jurisdicional. Madri: Editorial Civitas, 1998, p. 13. O pensamento do autor


pode ser resumido assim: a determinação da discricionariedade somente é
evidenciada definitivamente in concreto (p. 38) e frente a uma decisão razoável do
administrador, que assim afastaria a crítica do arbítrio, cuja garantia para controle está
na motivação essencial à ponderação da discricionariedade (p. 44 e seguintes).

236
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

como das estruturas postulatórias perante o Judiciário, de se empenharem


em tomar consciência das perspectivas abertas pela tecnicidade das questões
setoriais, que obscurece a nitidez das fronteiras limitadoras dos juízos de
oportunidade, que, por natureza estão vinculados aos parâmetros dos juízos
de legalidade.
Além da ampla discussão gerada pela discricionariedade
técnica, a atividade normativa do Executivo depara-se com a influência de
políticas orientadoras de decisões setoriais. O modelo de regulação desloca
para órgãos e entes administrativos específicos decisões de intenso caráter
prognóstico carregadas de orientações políticas de planificação administrativa.
Essa é, por exemplo, a opção pela forma de se implementar a competição
em determinado setor. Os casos de implementação de orientações
planificadas na esfera do Executivo, ao contrário do que ocorre com a
discricionariedade técnica, não se submetem à interferência do Judiciário no
cerne das opções políticas, pois disso resultaria restrição, por parte do
Judiciário, das funções naturais ao Executivo. Não é, no entanto, o
Executivo somente que delimita o cerne de seu poder de orientação política
por planificação administrativa. Cabe ao Legislativo estabelecer os standards
dentro dos quais o Executivo produz suas políticas próprias, tanto no
tocante à sua estruturação517, quanto para normatização de setores
relevantes de atividades. A pertinência entre os prognósticos legislativos e
executivos inscritos em suas correspondentes produções normativas, por
óbvio, encontra-se no campo do juízo jurisdicional.

4.2.4 CONCEITO DE REGULAÇÃO

Ao se tratar da produção normativa do Poder Executivo,


abordou-se apenas uma manifestação regulatória, que é parte do seu
significado e, embora seja um dos significados mais característicos da
regulação, não a representa em sua integralidade.
A regulação é um fenômeno mais abrangente descrito no
capítulo 1.2.8 de interferência estatal na atividade econômica em sentido
amplo, envolvendo os serviços públicos e as atividades econômicas em

517Vide MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di indirizzo della pubblica


amministrazione nell’esperienza degli USA. p. 119. In: CARETTI, Paolo & SIERVO,
Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione dell’amministrazione:
profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 111-140.

237
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

sentido estrito. Mas a definição de regulação como um fenômeno fático é


insuficiente ao estudo do direito. O objeto de estudo do direito
regulatório, por princípio, é algo jurídico e, portanto, para os fins do
direito regulatório, a regulação, como objeto de estudo, encontra-se
vertida no termo regime jurídico regulatório.
O uso do termo regime jurídico regulatório responde à busca de
um significado mais palpável à imprecisão terminológica trazida pelo
enunciado da regulação.
Como explica Sueli Dallari, a regulação foi definida, no século
XVIII, como um mecanismo técnico voltado à preservação de uma
constante em meio a perturbações exteriores para alcance de estabilidade,
por exemplo, um termostato. No século XIX, foi definida como um
conjunto de ajustamentos biológicos capazes de preservar o equilíbrio
dinâmico de um corpo. O século XX trouxe para o termo o significado de
mecanismo promotor de correções da atuação de um sistema qualquer por
intermédio da avaliação dinâmica das informações recebidas do ambiente
regulado. Como teoria dos sistemas, introduziu-se na economia, na
sociologia, na ciência política e no direito.518
Na economia, o conceito de regulação tomou matiz próprio
ao encobrir a característica sistêmica propriamente reguladora sob o
significado projetado a partir do final do século XIX de atividade estatal
voltada a suprir as falhas de mercado.519 Já, na tradição anglo-saxã, o
significado de regulação foi apropriado como o conjunto de atos de controle e
direção, assim entendidos como normas legais e outras medidas de comando e
controle de intervenção pública sobre o mercado.520 Em âmbito internacional, o
Bando Mundial assimilou esse último significado da regulação como controles
impostos pelo governo sobre aspectos de negócios, distinguindo-os da propriedade
estatal dos meios de produção e da atividade de fomento por incentivos
fiscais.521 A regulação, portanto, internaliza em seus enunciados jurídico-

518Vide DALLARI, Sueli Gandolfi. Direito Sanitário. p. 55 e seguintes. In: ARANHA,


Márcio Iorio (org.). Direito sanitário e saúde pública: coletânea de textos. Vol.
I, Brasília: Ministério da Saúde, 2003. (Série E. Legislação de Saúde)
519JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das agências reguladoras independentes. São Paulo:

Dialética, 2002, p. 31.


520Vide PROSSER, Tony. Law and the Regulators. Oxford: Claredon Press, 1997.
521“Regulation means government-imposed controls on particular aspects of

business activity. Note: This does not mean that each and every business decision
requires prior government approval. Instead, control will usually be exercised
through a mix of prior approvals (for example, a request for a tariff increase) or

238
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

administrativos, direta ou indiretamente, a característica de atuação gerencial


da administração, que se torna visível no direcionamento do setor por
interferências estatais ponderadas pari passu e por constante reavaliação da
pertinência entre o caminho seguido pelo ambiente regulado e os direitos
afetados. O mercado e os seus senhores jurídicos – a livre iniciativa e a livre
concorrência – podem ser itens diretores de parcela da atuação regulatória,
mas não se apresentam como princípios jurídicos exigíveis para o conjunto
das atividades reguladas.522
A regulação, enquanto regime jurídico regulatório, apresenta-
se como um conjunto de disposições normativas e administrativas
caracterizadas por seu caráter conjuntural de influência ou controle523 sobre
o ambiente regulado mediante batimento entre resultados esperados e
resultados efetivamente alcançados. O mecanismo regulador presente na
origem terminológica da regulação apresenta-se como um diferencial do
regime jurídico regulatório, revelando-o como um conjunto de atuações
normativas e administrativas capazes de interagir pari passu com os rumos
efetivamente detectados no ambiente regulado para redirecioná-lo aos
deveres normativos de concretização dos direitos fundamentais.
O regime jurídico regulatório transparece o conjunto de
produções não só normativas524, mas administrativas de diuturna

after-the-fact reviews of performance (for example, connection of a specified


number of new customers). Regulation is only one form of government control.
Governments can also control enterprises through ownership and fiscal
incentives).” (BROWN, Ashley C.; STERN, Jon; TENENBAUM, Bernard. World
Bank Handbook for Evaluating Infrastructure Regulatory Systems.
Washington: World Bank, 2006, p. 16).
522Vide CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços Públicos

na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey,


2007.
523Definindo regulação como forma de controle estatal, vide: GARNER, Bryan A.

(org.). Black’s Law dictionary. 8ª ed., St. Paul: West Publishing Co., 2004, p. 1311.
524“Embora a etimologia sugira a associação da função reguladora com o

desempenho de competências normativas, seu conteúdo [da regulação] é mais amplo


e variado (...) a regulação contempla uma gama mais ampla de atribuições,
relacionadas ao desempenho de atividades econômicas e à prestação de serviços
públicos, incluindo sua disciplina, fiscalização, composição de conflitos e aplicação
eventual de sanções” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito
regulatório: a alternativa participativa flexível para a administração pública

239
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

reconfiguração do ambiente regulado, como também do formato estatal de


ataque aos problemas nele detectados, entendida a indispensabilidade de
atuação estatal no que se refere à preservação dos princípios do serviço
público, mediante políticas regulatórias ínsitas aos princípios jurídicos
inscritos na ideologia constitucionalmente adotada.525 Dita diuturna
reconfiguração é voltado tanto para o ambiente regulado quanto para a
própria conformação estatal interventora, na medida em que a projeção da
atuação estatal regulatória parte do pressuposto de atuação dinâmica e
proativa governamental, ou seja, da consciência, por parte do governo de
plantão, de que sua atuação é necessária à concretização dos direitos
fundamentais. O depoimento de George Soros sobre a crise financeira
iniciada em 2007 e resultante do déficit regulatório do sistema financeiro
norte-americano dirige-se ao cerne da questão ao defender a necessidade de
um governo que acredite no governo526, vale dizer, de um governo que acredite no
seu papel decisivo e imprescindível para aperfeiçoamento do sistema
democrático e das relações econômicas a ele subjacentes. Em outras
palavras, a regulação integra o modo de ser da liberdade democrática ao
representar a convicção de que não existe uma região de atividades
econômicas livre de leis; não há um setor desregulado no sentido preciso da
palavra. Uma sociedade pautada pela liberdade não significa uma sociedade
avessa à regulação. Mesmo Friedrich Hayek confirma a onipresença da
regulação em qualquer modelo estatal.527
Não menos relevante para a definição de regulação é a
compreensão sistêmica e hermenêutica do fenômeno regulatório. Como
esboçado linhas atrás, a regulação tem sua origem em noções de
funcionamento sistêmico de corpos vivos, que interagem com o meio
exterior ao interpretá-lo por seus próprios códigos internos, pelo
reconhecimento da natureza autopoiética (autocriação) de células vivas, pela

de relações setoriais complexas no Estado Democrático. Rio de Janeiro:


Renovar, 2003, p. 45).
525Vide CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços Públicos

na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey,


2007.
526Entrevista dada por George Soros na CNN, Fareed Zakaria GPS, em 12 de

outubro de 2008.
527“In no system that could be rationally defended would the state just do nothing”

(HAYEK, Friedrich. The Road to Serfdom. Chicago: University of Chicago Press,


1944, p. 38-39).

240
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

compreensão dos sistemas sociais como sistemas de códigos próprios que


ditam suas ações pelos mesmos códigos provocados por estímulos
externos, pelo imanente funcionamento da linguagem, que por intermédio
da abordagem hermenêutica prescritiva, reconhece os sistemas sociais como
recriações de significados pelo receptor.
À medida que os sistemas econômicos são vistos como
objetos de regulação, a regulação informada por tais noções encarna o
reconhecimento de que a influência sobre esses sistemas exige a
decodificação dos seus códigos internos para preservação ou incremento da
eficiência da própria influência. Ou seja, a regulação importa em
reconhecimento de possibilidade de interferência em outros sistemas
sociais, em geral com forte caráter econômico, mediante métodos que
compreendem o fenômeno sistêmico e hermenêutico de reprodução em tais
sistemas de impulsos externos segundo os códigos internos desses sistemas,
e consequente compreensão de que regular é uma transformação
conjuntural de si mesmo frente à decodificação contínua do Outro.
Em síntese, regulação é um continuum de decodificação e
adaptação.
Algo antigo que, entretanto, é novo para o mundo da
regulação encontra-se na assimilação da contribuição hermenêutica em seu
conceito. Se, como explica a hermenêutica prescritiva, não absorvemos
nada do mundo exterior; pelo contrário, recriamos em nós mesmos os
significados mediante tipos-ideais preexistentes, isso implica compreender o
fenômeno regulatório de contínua decodificação e adaptação como uma
constante decorrente da natureza do fenômeno hermenêutico, ou seja, a
regulação não é adaptativa por ser essa a melhor estratégica, mas por sua
natureza hermenêutica de sistema incapaz de absorver o mundo exterior,
mas capaz de recriá-lo em si mesmo. A natureza hermenêutica do
fenômeno regulatório significa entender que a regulação não substitui o
ambiente regulado, que existe enquanto sistema autônomo capaz de ser
compreendido se os tipos-ideais ou códigos internos do sistema regulatório
forem idealizados como códigos abertos à compreensão hermenêutica. A
origem da regulação está na conformação de um código regulatório que tem
por princípio reconhecer os sistemas regulados por sua dinâmica de
relações de seus códigos internos com o mundo exterior e, com isso, recriar
comandos regulatórios com potencial de repercussão em tais códigos. A
consequência disso está em que regular é atuar normativa ou
administrativamente otimizando a repercussão de tais atos nos tipos-
ideiais dos sistemas regulados.
Dentre as categorias de atuação estatal reveladas no estudo do
regime jurídico regulatório, encontram-se: fomento, regulamentação,

241
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

monitoramento, mediação, fiscalização, planejamento528 e ordenação da


economia;529 gerenciamento normativo de conflitos;530 regulamentação de
atividades inseridas em âmbito de competência estatal;531 ordenação da
atividade econômica532, inclusive da atividade monopolista533; outorga de
serviços e autorização de uso de meios para universalização ou expansão
geográfica, enfim, atividades de índole normativa e administrativa úteis, sob
o ponto de vista individual, e necessárias, se vistas em conjunto, ao
acompanhamento e redirecionamento de atividades econômicas em sentido
amplo. A composição das funções normativa e administrativa em um
ambiente de acompanhamento e controle é, em síntese, o diferencial de
autonomia do ramo de estudos do direito regulatório.

528As funções de fiscalização, incentivo e planejamento constam das raras passagens


constitucionais (art. 174, caput da Constituição Federal de 1988) expressamente
atinentes à atividade reguladora do Estado.
529Vide MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências

independentes. p. 74. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo


econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98).
530Para uma concepção de regulação como gerenciamento normativo de conflitos, vide:

SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos valores e conflitos, p. 1294. In:
Anais da XVII Conferência Nacional dos Advogados. Justiça: realidade e
utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-
1297. “O que é regular? É fazer este ‘gerenciamento’ que referi. Não limitar-se à
distante edição de normas abstratas capazes de cuidar da sociedade durante oitenta
anos sem transformação mais profunda (...)” (SUNDFELD, Carlos Ari. op. cit., p.
1295).
531Observe-se que, aqui, regulamentação está sendo tratada como meio de regulação

estatal. Outra concepção dos termos regulação e regulamentação, guardando sintonia


com a terminologia – deregulation x regulation – e a preocupação atual norte-americana
de oposição entre regulação estatal (exo-regulação) e regulação social (auto-regulação),
encontra-se em: GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto.
3a ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 93.
532Eros Grau define a regulação como a atividade de “dar ordenação à atividade

econômica” e a regulamentação como uma sua espécie voltada a dar ordenação à


atividade econômica “através de preceitos de autoridade, ou seja, jurídicos” (GRAU,
Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3a ed., São Paulo:
Malheiros, 2000, p. 96).
533A relação da regulação com monopólios da União vem inscrita no art. 177, §2º,

III, da Constituição Federal de 1988, referente ao petróleo, gás natural e outros


hidrocarbonetos fluidos.

242
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

A regulação, em síntese, é a presença de regras e atuação


administrativa (law and government)534 de caráter conjuntural
apoiadas sobre o pressuposto de diuturna reconfiguração das normas
de conduta e dos atos administrativos pertinentes para a finalidade
de redirecionamento constante do comportamento das atividades
submetidas a escrutínio, tendo-se por norte orientador parâmetros
regulatórios definidos a partir dos enunciados de atos normativos e
administrativos de garantia dos direitos fundamentais.
Traduzindo-se o enunciado da regulação em termos práticos, a
regulação, por exemplo, do Serviço Telefônico Fixo Comutado – atividade
submetida a exame e acompanhamento estatal minucioso – faz-se por
intermédio de disciplina normativa infralegal da Agência Nacional de
Telecomunicações (resoluções), e por atos administrativos pertinentes, tais
como autorizações, concessões, atos de fiscalização, monitoramento e
mediação de disputas, segundo parâmetros de comportamento das
atividades reguladas derivados do enunciado constitucional dos direitos
fundamentais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
minudenciados nas políticas públicas setoriais emanadas da normatização
secundária do Ministério das Comunicações (portarias ministeriais) e da
Presidência da República (decretos presidenciais), em prol do objetivo de
maior aproximação possível entre a prestação efetiva do serviço e a
prestação do serviço esperada da integral aplicação de regras e princípios
jurídicos. A regulação apresenta-se como o rol de atividades de reorientação
diuturna dos atores setoriais – governo, empresas, usuários/consumidores,
cidadãos e estrutura regulatória – rumo à maior sintonia possível entre o
modelo ideal de funcionamento do ambiente regulado ordenado pelo
Direito e o efetivo comportamento das atividades reguladas. Regulação é a
reconfiguração conjuntural do ambiente regulado voltada à
consecução de um modelo ideal de funcionamento do sistema e
dirigida por regras e princípios inscritos e espelhados nos direitos
fundamentais.
No presente contexto regulatório brasileiro inaugurado em
meados da década de 1990, o rol de instituições jurídicas características da
regulação resume-se aos conceitos de gerenciamento normativo da realidade,
outorgas de serviços, controle de meios, assimetria regulatória e fiscalização. Todos eles
são compatíveis com a dinâmica vislumbrada na evolução do direito

534Cass Sunstein utiliza, indiferentemente, os termos regulation, law and government,


government regulation e legal regulation, no sentido de intervenção em atividades de
interesse público. Conferir: SUNSTEIN, Cass R. Republic.com 2.0. Princeton and
Oxford: Princeton University Press, 2007.

243
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

administrativo para o acompanhamento cotidiano das transformações nas


atividades de interesse público. Eles, todavia, não esgotam o substrato de
estudo do direito regulatório, que se projeta para além de atividades de
intervenção indireta no mercado e alcança, como se viu, atividades de
fomento, de planejamento, de intervenção direta, enfim, a interferência
estatal em atividades econômicas lato sensu. Regulação, enfim, é intenção de
direcionamento conjuntural da atividade econômica no Estado.
Tais instituições regulatórias – regulamentação,
monitoramento, fiscalização, planejamento, ordenação, fomento, outorgas,
alocação de meios – abrem espaço para políticas públicas que não estejam
integralmente entregues, por exemplo, ao ideal de otimização funcional por
intermédio da concorrência. Uma teoria jurídica de caráter generalizante
não serviria a seus propósitos se inviabilizasse sua adequação a tipos de
regulação fundados em pressupostos de política pública distintos. Em
outras palavras, não se pode propor uma teoria jurídica da regulação que esteja
comprometida com ideais, sejam eles de competição ou de monopólio, de
mercado ou de planificação estatal, mas como instrumento de reunião dos
sucessos e fracassos das políticas públicas de fontes ideológicas distintas. A
teoria jurídica da regulação serve como seara de discussão e de orientação a
quem não se rende a argumentos unificadores e destruidores da diversidade
de pontos de vista, que é característica do estudo científico.
Para compreensão dos princípios e das instituições
regulatórias, é essencial a pesquisa sobre o histórico regulatório brasileiro
em geral.

4.2.5 REGULAÇÃO VERSUS DESREGULAÇÃO

O estudo da regulação nos obriga a cogitar dos nossos


pressupostos jurídicos. Enquanto juristas, temos a consciência de que o
esquema de forças sociopolíticas detém um componente normativo
subjacente, ou seja, de que a realidade de forças sociais, como a vemos hoje,
assenta-se em pressupostos de convivência social e em pressupostos
estritamente jurídicos, como os conceitos de propriedade, de igualdade, de
liberdade.
Quando a regulação é lançada para discussão como a presença
organizada do Estado em setores relevantes, há o natural questionamento
originado de concepções de eficiência econômica, de que a interferência
estatal deveria se restringir ao mínimo necessário para preservação da esfera
de atuação livre do particular no mercado. A vulgarização dessa concepção

244
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

econômica leva, indevidamente, à conclusão de que uma opção de política


pública setorial poderia ser a desregulação do setor para que o mercado
caminhe livre, mas essa não é uma proposta que se sustente quando se parte
do pressuposto de que o que se considera como mercado, hoje, não passa
de um produto normativo, protegido por direitos de propriedade, de
igualdade, de liberdade. Em outras palavras, o substrato dos modelos de
negócio, da eficiência e da possibilidade de sucesso do próprio mercado, é
um conjunto complexo de disposições normativas que garantem, às
expensas dos tributos de toda a sociedade, a lucratividade e a própria
viabilidade de um setor de atividades.
No setor de atividades mais festejado como a forma de
organização social do século XXI – a chamada sociedade da informação, do
conhecimento ou de rede535 – é ainda mais evidente que a lucratividade dos
negócios do setor depende primordiamente dos pilares jurídicos de
proteção dos direitos de propriedade afirmados na normatização setorial e
garantidos por caras estruturas executivas e judiciárias de fiscalização e
aplicação do direito.
A desregulação eventualmente proposta em um determinado
setor de atividades relevantes significa, portanto, não a extinção da
regulação, mas a diminuição de apenas uma dimensão da regulação estatal,
que é a que procura dirigir o mercado ou impor compensações pelos
benefícios garantidos pelo Estado para quem nele opera negócios. O
primeiro pressuposto, portanto, quando se trata de discutir a regulação é o
de que ao se propor a desregulação de um setor, o argumento por detrás da
desregulação nunca poderá ser o de que o setor funcionaria melhor sem
intervenção estatal. O fundamento para a chamada desregulação resulta,
pelo contrário, de uma ponderação sobre os ganhos sociais oriundos da
atitude de diminuição da regulação estatal voltada à compensação social ou
à orientação do mercado. O afastamento do Estado dessas espécies de
regulação somente se justifica se comprovada que a abstenção estatal no
direcionamento do setor regulado rumo à compensação social e à eficiência
do mercado resultaria em maior eficácia dos direitos fundamentais
envolvidos. Não faz parte, portanto, do discurso jurídico, a cogitação da
desregulação como um fenômeno apoiado no argumento de que um setor
de atividades relevantes tem seu valor e eficiência diminuídos pela simples

535Sobre o conceito de sociedade-rede, vide: CASTELLS, Manuel. The Network


Society: From Knowledge to Policy. In CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo. The
Network Society: From Knowledge to Policy. Washington: Johns Hopkins
Center for Transatlantic Relations, 2006, p. 3-21.

245
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

existência da regulação: um setor de atividades relevantes é um produto da


regulação jurídica.
O exemplo da internet é marcante quando se trata de
evidenciar a insuficiência da afirmação do mercado como um ente vivo
inteligente e eficiente, ao invés de entendê-lo como um produto da atuação
regulatória, ou seja, de atuação concertada e inteligente do ambiente
político-jurídico capaz de formatá-lo em benefício dos direitos
fundamentais. Se não fosse uma atuação governamental ativa, o mercado
teria enterrado o projeto que deu vida à internet, deixando o mundo preso
na idade do papel.536 Por diversas vezes, o governo norte-americano e um
centro de pesquisa europeu tentaram convencer a iniciativa privada a
encampar o projeto da rede mundial de computadores, mas a resposta foi
unânime de que, na década de 1970, o projeto não diria respeito aos
negócios de interesse de uma grande empresa de telecomunicações, a
AT&T, e, mais tarde, na década de 1980, já com a World Wide Web, seria
um sistema “muito complicado”. Em outras palavras, a lógica da iniciativa
privada expressou sua visão da internet como um negócio não correlato ao
das telecomunicações. Se não fosse o investimento governamental em
estudos universitários e a necessidade de uma rede eletrônica de
informações para o desenvolvimento de tais estudos, o mundo não teria a
feição marcante da idade da internet e do seu substrato econômico: a sociedade-
rede.

536“We are used to hearing tales of the unintended bad consequences of government
action. The Internet is an unintended good consequence of government action, by
the Department of Defense no less.” (SUNSTEIN, Cass R. Republic.com 2.0.
Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2007, p. 157).

246
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

4.3 REGULAÇÃO NO BRASIL

4.3.1 FASES DA REGULAÇÃO NO BRASIL

Uma visão histórica das fases de regulação dos serviços


públicos no Brasil sofre estudo aprofundado e responsável em Aguillar 537 e
compõe passo fundamental à compreensão do período atual de
conformação da regulação operacional e normativa brasileira.
Do Brasil Colônia ao Primeiro Império, vigorou um modelo
regulador de serviços públicos comprometido com a concepção
patrimonialista de Estado. Daí se identificar com a fase da regulação
patrimonialista, “sinônimo de apropriação do Estado por seus
governantes”538, cuja legitimidade esteve apoiada na probabilidade de
reconhecimento de uma estrutura de autoridade539 representada, no Brasil, pelo
caráter tradicional de legitimidade advinda da pessoa do governante assentada
na devoção aos costumes. Isso tudo transparecia, nessa fase, um momento
em que se entendia o próprio Estado como propriedade privada do
soberano e, portanto, remetia a extensão da regulação à vontade subjetiva
do detentor do poder político. A prestação dos serviços públicos, nessa
fase, é pequena e sua evolução aponta para a correlação entre o fenômeno
da prestação de serviços públicos e o da urbanização do país: construção de edifícios
públicos civis e militares; medidas de saneamento básico; serviço de
iluminação pública; serviço de correios e telégrafos; serviços bancários, com
o Banco do Brasil, em 1808. Em grande parte, as atividades eram
puramente controladas por regulação normativa sem intervenção direta
estatal portuguesa. A única atividade oficial era a chamada feitoria, que visava
exploração da madeira para a indústria têxtil europeia. O pau-brasil estava
submetido a regime de monopólio português, utilizando-se dos mecanismos
jurídicos da concessão e do arrendamento para a sua exploração. O Brasil
Colônia, portanto, é caracterizado como período de regulação por
descentralização operacional – prestação de serviços afastada do Estado – e

537Vide AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São


Paulo: Max Limonad, 1999, p. 163-209.
538AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São

Paulo: Max Limonad, 1999, p.165.


539Vide WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora Universidade de

Brasília, 1991, p. 140.

247
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

por centralização normativa – concentração de normatização sobre


atividades reguladas –, reforçando-se a ideia de privilégio e monopólio estatal de
todas as atividades relevantes. A manifestação de descentralização da
regulação operacional somente se justificava, então, pelo desinteresse do
governo português em viabilizar, com recursos próprios, a colonização do
Brasil.540
A fase de regulação desconcentrada sucedeu a de regulação
patrimonialista e está situada do Segundo Império até os anos 30 do século
XX. O liberalismo econômico desempenhou seu papel, imprimindo a ideia
de regulação normativa descentralizada, ou, em outras palavras, de
desregulamentação da atividade econômica541. Da mesma forma, esse
movimento também surtiu efeitos na regulação operacional, que passou a
ser descentralizada com intensa participação de capital estrangeiro. A ideia
do liberalismo econômico extremado de que tudo que o Estado faz, faz
mal, e mesmo que fizesse bem, mal faz, serviu de fator de contenção da
interferência estatal tanto normativa quanto operacional à exceção das
ferrovias e da infraestrutura portuária.542
Da década de 30 ao final da década de 80 do século XX, o
advento progressivo do Estado Social legitimou o controle estatal dos
serviços de interesse público em face da derrocada do modelo de economia
de mercado abstencionista e abriu espaço para a fase de regulação
concentrada, cujos postulados também estavam afinados com a irrupção
do nacionalismo, que, por sua vez, desempenhou relevante papel na
concentração de setores como o de energia elétrica e o de
telecomunicações. Em termos jurídico-positivos, foi a primeira referência
constitucional ao regime das concessões expressa no art. 137 da

540Vide AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São


Paulo: Max Limonad, 1999, p. 165-181.
541Verificou-se a tendência de passagem do “poder de gerir a coisa pública das mãos

privadas do Imperador para inúmeros novos centros de poder” (AGUILLAR,


Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max
Limonad, 1999, p.181).
542Este fenômeno não foi uniforme, como nada na história o é. Daí Aguillar ressaltar

uma manifestação de regulação normativa concentrada nas concessões de


construção e exploração de ferrovias a partir da primeira metade do século XIX e na
regulamentação da infraestrutura portuária. Conferir: AGUILLAR, Fernando
Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p.
184.

248
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

Constituição Federal brasileira de 1934543. A legislação federal genérica


sobre o regime jurídico da concessão, no entanto, teve de aguardar a Lei
8.987, de 1995, muito embora regulamentações específicas já fossem
implementadas desde então. Na década de 30, o regime da concessão foi
transformado, tolhendo-se a garantia de juros mínimos ao concessionário
mediante o art. 142 da Constituição Federal brasileira de 1934544. Outras
referências históricas evidenciam a mudança de perspectiva regulatória
como demonstra a edição do Código das Águas (Decreto 24.643/34) e a
criação das primeiras ‘agências’ estatais no Período Vargas, como órgãos de
implementação de planejamento e fiscalização das políticas setoriais:
Conselho Nacional do Petróleo; Conselho Nacional de Águas e Energia
Elétrica; Departamento Nacional da Produção Mineral; Departamento
Administrativo do Serviço Público; Coordenação de Mobilização
Econômica; Departamento Nacional de Estradas de Rodagem;
Departamento Nacional dos Portos; Comissão Administrativa de Defesa
Econômica, embrião remoto do atual Conselho Administrativo de Defesa
Econômica; Inspetoria de Obras Contra as Secas. A fase de regulação
concentrada, enfim, foi caracterizada como de regulação centralizada
operacional e normativa. Já com a volta de Getúlio Vargas, em 1951,
ocorreu o que se convencionou chamar de inversões estatais em energia
elétrica com a paulatina estatização do setor mediante a criação da
Eletrobrás. Os setores de telecomunicações545, energia, transportes, correios
e saneamento básico foram intensamente regulados já durante o Governo
Militar tanto normativa como operacionalmente.
A fase seguinte é a do Estado Regulador, em que as posturas
clássicas do Estado Mínimo (liberal) e do Estado Provedor (intervencionista)

543Art.137.A lei federal regulará a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços
explorados por concessão, ou delegação, para que, no interesse collectivo, os lucros
dos concessionarios, ou delegados, não excedam a justa retribuição do capital, que
lhes permitta attender normalmente ás necessidades publicas de expansão e
melhoramento desses serviços. (CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE,
Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13ªed., São Paulo: Atlas, 1999. p. 722) –
mantida a redação original da época.
544O art. 142 da CF/34 proibiu a garantia de juros aos concessionários. Constituição

Federal brasileira de 1934: “Art. 142. A União, os Estados e os Municípios não


poderão dar garantia de juros a empresas concessionarias de serviços publicos”.
545Esse período presenciou a criação do Conselho Nacional de Telecomunicações

com o Decreto 50.666/61 e a instituição do Código Brasileiro de Telecomunicações


(Lei 4.117/62) revogado em sua maior parte pela Lei 9.472/97.

249
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

abrem espaço para o ideal contemporâneo546 de menor intervencionismo


direto e maior intervencionismo indireto, ou, em outras palavras, regulação
operacional descentralizada e regulação normativa centralizada e qualificada
pela delegação de poderes ao ente regulador, separando-se as figuras do
controlador e do prestador.547
Nesta fase, tomou força o princípio da subsidiariedade, gerando
outro termo designador daquele momento histórico: o Estado
Subsidiário, cujas diretrizes apontam para a revalorização da autonomia
individual em detrimento do controle social, para a abertura de espaços nas
instituições públicas de participação direta da sociedade, para fomento e
regulamentação das atividades privadas, visando otimizar seu sucesso, e
para a promoção de parcerias entre o público e o privado como auxílio à
viabilização de atividades antes fora do alcance deste último.548

546Um dos objetivos fundamentais da Reforma Estrutural do Setor de


Telecomunicações proposta e já implementada pelo Governo brasileiro desde 1995
foi “fortalecer o papel regulador do Estado e eliminar seu papel de empresário”
mediante a privatização e a criação do órgão regulador. Conferir: BRASIL,
Ministério das Comunicações. Diretrizes Gerais para a Abertura do Mercado de
Telecomunicações. Título II (Os fundamentos da proposta), Capítulo 2 (Os
objetivos da reforma), Figura 6. Esclarecedora a posição exarada pelo Banco
Mundial na Americas Telecom 2000, realizada entre 10 e 15 de abril de 2000, no Rio de
Janeiro, quando seu representante, Carlos Braga, foi questionado pelo Governo de
Porto Rico sobre a ausência de linhas de crédito para empresas estatais prestadoras
de serviços de telecomunicações. A resposta revelou a decisão do Banco Mundial
em somente fomentar o desenvolvimento de empresas privadas de
telecomunicações em mercados livres, pois partiu do pressuposto de que a
concentração do serviço de telecomunicações nas mãos do Estado não satisfaria as
exigências de tecnologia e dinamização em um mundo globalizado.
547As transformações implementadas ocorreram porque o controle da regulação pelo

próprio gestor do serviço (DNAEE, DNER, TELEBRÁS, ELETROBRÁS) fazia


prevalecer o interesse da burocracia (interesse secundário) sobre o interesse do
consumidor (interesse primário). Conferir: MARQUES NETO, Floriano Azevedo.
A nova regulação estatal e as agências independentes. p. 77. In: SUNDFELD, Carlos Ari
(coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98.
548Esmiuçando o conceito de Estado Subsidiário, vide: DI PIETRO, Maria Sylvia

Zanella. Parceriais na Administração Pública: concessão, permissão, franquia,


terceirização e outras formas. 3a ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 24-31.

250
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

O marco normativo dessa transição para o Estado Regulador


encontra-se no início do processo descentralizador549, no Programa Nacional de
Desburocratização do final da década de 1970, objetivando dinamizar e
simplificar o funcionamento da Administração Pública Federal550. Na década
seguinte, o Decreto 95.886, de 29 de março de 1988, deu novo impulso,
transferindo “para a iniciativa privada determinadas atividades econômicas
exploradas pelo Poder Público”551. O preceito ditado pelo art. 173, da
Constituição Federal de 1988, de limitação da interferência do Estado na
atividade econômica, exceto se presentes imperativos de segurança nacional ou
relevante interesse coletivo, forneceu o arcabouço normativo para a introdução
do Programa Nacional de Desestatização por intermédio da Medida
Provisória 155/90 convertida na Lei 8.031, de 12 de abril de 1990. As
forças políticas favoráveis ao novo modelo de política de descentralização
encontraram ambiente favorável para aprovação das Emendas
Constitucionais números 6, 8 e 9, de 1995, que possibilitaram a abertura dos
setores de petróleo e telecomunicações ao capital estrangeiro e à iniciativa
privada nacional mediante privatização de empresas estatais com a venda
dos ativos públicos em telecomunicações.552
A partir de então, a assimetria regulatória foi eleita a palavra
de ordem para viabilizar a convivência dos conceitos de competição (ou mais
propriamente, ambiente concorrencial553) e da universalização. Tal assimetria, em
termos gerais, significa a distinção de tratamento regulatório entre os

549Vide TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio de
Janeiro 45(529): 33-44, abril 1999, p. 34.
550O Decreto 83.740/79 estebeleceu um Ministro Extraordinário do Programa

Nacional de Desburocratização. Dentre os objetivos do Programa, estava o de


“impedir o crescimento desnecessário da máquina administrativa federal, mediante o
estímulo à execução indireta, utilizando-se, sempre que praticável, o contrato com
empresas privadas capacitadas e o convênio com órgãos estaduais e municipais”
(art.3o, g, do Decreto 83.740/79). Visava, também, o incentivo de uma “política de
contenção da criação indiscriminada de empresas públicas, promovendo o
equacionamento dos casos em que for possível e recomendável a transferência do
controle para o setor privado” (art.3o, h, do Decreto 83.740/79).
551Art.1o, I do Decreto 95.886, de 29 de março de 1988.
552Para a análise do histórico dos dispositivos normativos da desestatização no

Brasil, vide: MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5a ed., São


Paulo: RT, 2001, p. 106 e seguintes.
553Vide CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços Públicos

na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey,


2007.

251
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

participantes operacionais dos serviços públicos e das atividades a eles


conexas. De um lado encontram-se os prestadores de serviços públicos
sujeitos ao regime de direito público e, por isso, carregando ônus maiores
para implementação dos seus objetivos; de outro lado, os prestadores de
serviços em regime privado. Na relação entre eles, a assimetria regulatória
desenha um parâmetro de competição, que exige diferença de tratamento
normativo para possibilitar isonomia entre prestadores de serviços em
regime público e privado. Essa nova estrutura regulatória ampliou a
viabilidade do controle social da prestação de serviços públicos em virtude
da abertura inserida nas estruturas das atuais agências reguladoras. Todas
estas modificações na concepção de prestação de serviços e controle de
atividades ainda foram acrescidas das inovações da Emenda Constitucional
nº 19, de 4 de junho de 1998 – a conhecida Reforma Administrativa –, em
que os conceitos de eficiência, produtividade, participação popular e autonomia
viabilizaram novas formas de relação do Estado com órgãos, com entidades
da administração direta e indireta, ou mesmo, com pessoas de direito
privado, mediante contratos de gestão e fixação de metas de desempenho.

4.3.2 ESPÉCIES DE REGULAÇÃO

A regulação, assim entendida como atuação normativa e


administrativa diuturna para reconfiguração do ambiente regulado, pode se
apresentar em três categorias, a depender do critério de segmentação do que
se pretende regular. Fala-se, assim, em regulação regional, geral ou setorial.
Entende-se como regulação regional aquela voltada ao controle
de atividades econômicas lato sensu, tendo em conta a divisão espacial
federativa de poder político. Dita regulação regional pode ser identificada,
no sistema brasileiro, nos regimes especiais de tributação.554 Neles, a intervenção por
indução reflete uma regulação que leva em conta a disposição espacial de
poder político.555 Trata-se também de regulação regional o chamado
federalismo fiscal direcionado às regiões menos desenvolvidas com base na

554CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art.151, I.


555Da mesma forma, as chamadas sanções premiais são intervenção por indução, mas não se
caracterizam como regulação regional e sim geral ou setorial dependendo do caso.
Incentivos fiscais à indústria, em geral, para investimento em meio ambiente não se
configuram regulação regional, mas geral sobre o subsistema ordenamental
ambiental. Se tais incentivos fiscais fossem dirigidos à determinado setor, eles se
apresentariam também gravados do caráter de regulação setorial.

252
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

distribuição de percentuais do valor de certos impostos a fundos de


desenvolvimento dessas regiões.556
Já, a regulação geral destina-se a implementar o controle estatal
sobre a totalidade da economia independentemente da consideração de regiões
ou setores557. A regulação geral está desconectada de setores da economia,
desligando-se de um rol de prestações setoriais específicas, devendo, portanto,
ser encarada como regulação de áreas de interesse estatal, como é o caso
das opções políticas geradoras do regime jurídico do consumidor, da
concorrência e do meio ambiente. Podem ser visualizadas, no Brasil: em
certos entes reguladores estaduais e municipais558; nos mecanismos de
controle da concorrência direcionados a todos os setores da economia559;
nos mecanismos de proteção do consumidor; nos mecanismos de proteção
do meio ambiente; e nos demais instrumentos fixadores de pautas em
subsistemas jurídicos560.
Finalmente, a regulação setorial diferencia-se das demais por
operar em determinados segmentos de atividades definidas
convencionalmente como afins. Temas como educação, saúde,
telecomunicações, energia, petróleo, transportes, recursos hídricos, sistema
financeiro, entre outros, justificam a referência setorial. A regulação
setorial é, sem dúvida, a mais representativa dos estudos de direito
regulatório muito em virtude da coincidência de sua projeção em
conjunto com as reformas estruturais do Estado brasileiro de meados
da década de 1990.
Exemplos históricos de entes estatais voltados à regulação de
setores, ou à regulação de atividades específicas de setores, todos de
interesse público, demonstram que este tipo de regulação não é recente no
Brasil: Comissariado de Alimentação Pública, criado em 1918, de funções
emergenciais voltadas a racionalizar as dificuldades de abastecimento
advindas da primeira guerra mundial; Instituto de Defesa Permanente do Café,
criado em 1923 e sucedido primeiramente pelo Conselho Nacional do Café, de
1931, e em seguida, pelo Departamento Nacional do Café, de 1933, até o

556CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art.159, I, c.


557AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São
Paulo: Max Limonad, 1999, p. 214.
558Como exemplo, vide, mais adiante, nota 628.
559No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). No Reino

Unido, a Monopolies and Merger Commission (MMC). Nos EUA, a Federal Trade
Commission (FTC).
560É o caso do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil.

253
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

aparecimento da autarquia de regulação econômica561 denominada Instituto


Brasileiro do Café – IBC, em 1952562; Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA,
também uma autarquia de regulação econômica, criada em 1933563; Instituto
Nacional do Mate, de 1938; Instituto Nacional do Sal, de 1940; Instituto Nacional
do Pinho, de 1941; Departamento Nacional de Energia Elétrica – DNAEE, de

561À época de criação destas autarquias, costumava-se distinguir, por inspiração do


direito italiano, entre autarquias econômicas, voltadas a regular a produção e o
comércio, autarquias industriais, autarquias de crédito, autarquias de previdência,
autarquias corporativas, autarquias educacionais. FERREIRA FILHO, Manoel
Gonçalves. Reforma do Estado: o papel das agências reguladoras e fiscalizadoras. p. 254. In:
Fórum Administrativo, ano 1, nº 3, maio de 2001, p. 253-257.
562O Instituto Brasileiro do Café (IBC) apresentava-se como entidade autárquica

criada pela Lei 1.779, de 22 de dezembro de 1952. O art.1 o, I, e da Lei 8.029, de 12


de abril de 1990, autorizou o Poder Executivo a extinguir o IBC, o que se
concretizou com o Decreto 99.240, de 7 de maio de 1990. Atualmente, o
Departamento do Café (DECAF) é responsável pelo planejamento, coordenação e
supervisão das políticas públicas concernentes ao setor cafeeiro e integra a Secretaria
de Produção e Comercialização na estrutura do Ministério da Agricultura e do
Abastecimento.
563O Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) foi criado pelo Decreto 22.789, de 1 o de

junho de 1933. O art.1o, I, d da Lei 8.029, de 12 de abril de 1990 autorizou o Poder


Executivo a extinguir o IAA, o que se concretizou com o art.1 o, I, d do Decreto
99.240, de 7 de maio de 1990. O Decreto 99.288, de 6 de junho de 1990, transferiu
as atribuições do extinto IAA para a Secretaria de Desenvolvimento Regional da
Presidência da República (SDR/PR), que foi transformada em Secretaria do
Ministério da Integração Regional (MIR) pela Lei 8.490, de 19 de novembro de
1992. Com a Medida Provisória 987, de 28 de abril de 1995, o Ministério da
Indústria, do Comércio e do Turismo (MICT) assumiu os encargos do MIR. Em 22
de dezembro de 1995, o art.2o, III, b do Anexo I do Decreto 1.757 criou o
Departamento de Açúcar e do Álcool integrante da estrutura do então MICT.
Finalmente, a Medida Provisória 1.911-8, de 29 de julho de 1999 transferiu para o
Ministério da Agricultura e do Abastecimento a competência sobre a matéria de
política sucroalcooleira, onde funciona o Departamento do Açúcar e do Álcool
integrante da Secretaria de Produção e Comercialização na estrutura do Ministério
da Agricultura e do Abastecimento. Atualmente, a política pública sucroalcooleira
concentra-se no Programa de Equalização de Custos de Produção nos Estados do
Nordeste em detrimento de programas de incentivo específico de plantadores de
cana. Tal programa foi instituído pela Resolução nº 5, de 10/12/1998, do Conselho
Interministerial do Açúcar e do Álcool (CIMA), criado pelo Decreto sem número de
21/08/1997 revogado pelo Decreto atual de regência do CIMA: Decreto 3.546, de
17/07/2000.

254
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

1968564, cujas funções foram assimiladas pela ANEEL; Conselho Nacional do


Petróleo – CNP565. A eles, são acrescidas as atuais agências reguladoras
federais566: AEB567; ANATEL568; ANEEL569; ANP570; ANVISA571; ANS572;

564O DNAEE originou-se da Divisão de Águas (criada pelo Decreto 6.402, de


28/10/1940) do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM – (criado
na Reforma Juarez Távora, em agosto de 1934) então pertencente ao Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio. Com a criação do Ministério das Minas e Energia,
em 1961, o DNPM foi vinculado a este ministério. Sua Divisão de Águas foi
transformada no Departamento Nacional de Águas e Energia – DNAE (Lei 4.904,
de 17/12/1965) e teve sua denominação alterada para Departamento Nacional de
Águas e Energia Elétrica – DNAEE pelo Decreto 63.951, de 31/12/1968.
565O Conselho Nacional do Petróleo (CNP) foi criado pelo Decreto nº395/38 e teve

suas atribuições definidas pela Lei 2.004, de 03 de outubro de 1953.


566Deste rol de agências reguladoras está excluída a Agência Brasileira de Inteligência

(ABIN), que assimilou a terminologia aplicada às autarquias autônomas de regulação


setorial, mas não detém suas características distintivas. A ABIN não tem
personalidade jurídica própria. É um órgão integrante do Subsistema de Inteligência
de Segurança Pública (art. 2o do Decreto 3.448/2000), criado no âmbito do Sistema
Brasileiro de Inteligência (SISBIN) da Presidência da República (arts. 1 o e 3o da Lei
9.883/99), sob supervisão interna da Câmara de Relações Exteriores e Defesa
Nacional do Conselho de Governo (art. 5 o da Lei 9.883/99) e sob controle externo
do Congresso Nacional (art. 6o da Lei 9.883/99). Está sob a direção monocrática de
um Diretor-Geral (art. 8o da Lei 9.883/99), ao contrário do modelo das agências
reguladoras pautado em colegiados. Assemelha-se, contudo, às agências reguladoras
no procedimento de nomeação de seu Diretor-Geral, mediante indicação e
nomeação pelo Presidente da República após sabatina no Senado Federal (art. 11,
parágrafo único da Lei 9.883/99). O Conselho Especial do Subsistema de
Inteligência de Segurança Pública, sob administração da ABIN, é vinculado ao
Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (art. 3 o do Decreto
3.448/2000) e tem o seu Regimento Interno aprovado pelo Chefe do Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência da República, que é a via de interação da
Agência com os interessados no exercício de seu direito a autodeterminação das
informações pessoais.
567Agência Espacial Brasileira (AEB) foi instituída pela Lei 8.854, de 10 de fevereiro

de 1994, com competência, dentre outras, de estabelecer normas e expedir licenças e


autorizações relativas às atividades espaciais (art.3º,XIII) bem como aplicar as
normas de qualidade e produtividade em tais atividades (art.3º,XIV).
568Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) foi instituída pela Lei 9.472,

de 16 de julho de 1997, regulamentada pelo Decreto 2.338, de 7 de outubro de 1997,


com função de disciplinamento e fiscalização da execução, comercialização e uso
dos serviços de telecomunicações e da implantação e funcionamento de redes de

255
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

ANA573; ANTT574; ANTAQ575; ANCINE576. O modelo brasileiro tem


semelhança com modelos de regulação setorial implantados em outros

telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de


radiofrequências. Tem fundo próprio submetido a sua exclusiva administração
(Fundo de Fiscalização das Telecomunicações – FISTEL), criado pela Lei 5.070, de
7 de julho de 1966.
569Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) foi instituída pela Lei 9.427, de

26 de dezembro de 1996 com a finalidade de regular e fiscalizar a produção,


transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade
com diretrizes do Governo Federal e com poderes regulamentados pelo Decreto
2.335, de 6 de outubro de 1997. Sucedeu ao Departamento Nacional de Águas e
Energia Elétrica (DNAEE). Tem atribuição de celebrar e gerir contratos de
concessão e de permissão no setor e de dirimir, no âmbito administrativo,
divergências entre concessionárias e consumidores.
570Agência Nacional do Petróleo (ANP), instituída pela Lei 9.478, de 6 de agosto de

1997, teve suas atividades regulamentadas pelo Decreto 2.455, de 14 de janeiro de


1998. Como autarquia reguladora da indústria do petróleo, tem funções de
normatização, contratação e fiscalização das atividades econômicas integrantes da
indústria do petróleo.
571Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) foi instituída pela Lei 9.782,

de 26 de janeiro de 1999 e teve suas atividades regulamentadas pelo Decreto 3.029,


de 16 de abril de 1999. Sua sigla foi mudada de ANVS para ANVISA pela Medida
Provisória 2.134-25, de 28/12/2000, produto de modificação das prorrogações da
Medida Provisória originária de número 1.814, de 26/02/1999. Autarquia especial
vinculada ao Ministério da Saúde, tem por objetivos, dentre outros, promover a
proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e
da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive
dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados,
bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.
572Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi criada pela Lei 9.961, de 28 de

janeiro de 2000, também vinculada ao Ministério da Saúde e com a finalidade de


promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde,
normatizando a atuação das operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações
com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento de ações em
âmbito nacional.
573Agência Nacional das Águas (ANA) foi instituída pela Lei 9.984, de 17 de julho de

2000, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, integrante do Sistema Nacional de


Gerenciamento de Recurso Hídricos.

256
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

países. No Reino Unido: OFWAT577; OFCOM578; OFGEM579. Nos


Estados Unidos da América: ICC580; FCC581; FERC582. Na Alemanha:

574Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), instituída pela Lei 10.233,


de 5 de junho de 2001, autarquia especial supervisionada pelo Ministério dos
Transportes com independência administrativa, autonomia financeira e funcional e
mandato fixo de seus dirigentes (art.21,§2º) e competência para regulação do
transporte ferroviário de passageiros e cargas ao longo do Sistema Nacional de
Viação (art.22,I), de exploração da infraestrutura ferroviária e arrendamento dos
ativos operacionais correspondentes (art.22,II), do transporte rodoviário
interestadual e internacional de passageiros (art.22,III), do transporte rodoviário de
cargas (art.22,IV), da exploração da infraestrutura rodoviária federal (art.22,V), do
transporte multimodal (art.22,VI) e do transporte da cargas especiais e perigosas em
rodovias e ferrovias (art.22,VII).
575Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), instituída pela Lei

10.233, de 5 de junho de 2001, autarquia especial supervisionada pelo Ministério dos


Transportes com independência administrativa, autonomia financeira e funcional e
mandato fixo de seus dirigentes (art.21,§2º) e competência para regular a navegação
fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio portuário, de cabotagem,
de longo curso (art.23,I), os portos organizados (art.23,II), os terminais portuários
privativos (art.23,III), o transporte aquaviário de cargas especiais e perigosas
(art.23,IV) e a exploração da infraestrutura aquaviária federal (art.23,V).
576Agência Nacional do Cinema (ANCINE), instituída pela Medida Provisória 2.228,

de 6 de setembro de 2001, autarquia especial supervisionada pelo Ministério do


Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior com autonomia administrativa e
financeira (art.5º,caput) e mandato fixo de seus dirigentes (art.8º,caput) e competência
para regular as atividades cinematográficas e videofonográficas (art.7º), com
detalhamento do audiovisual advindo da Lei 12.485, de 12 de setembro de 2011.
577Office of Water Services (OFWAT), cujo Diretor (Director General of Water

Services) vem definido como o regulador econômico da indústria de água e esgoto


da Inglaterra e do País de Gales na Parte I, Artigo 1º, Parágrafo 1º, do Water
Industry Act 1991 (WIA91), fixando preços pelos serviços de fornecimento de água
e de esgoto, fiscalizando a qualidade dos serviços, fiscalizando a saúde das empresas
do setor, incentivando a eficiência e a competição.
578Precedida pela OFTEL (Office of Telecommunications), que fora criada pelo

Telecommunications Act de 1984, a Office of Communications (OFCOM), com formato


definido pelo Communications Act de 2003, assimilou, dentre outras, as competências
da OFTEL e hoje se apresenta como reguladora da indústria de comunicações do Reino
Unido, envolvendo serviços de televisão, rádio, telecomunicação e comunicação sem
fio.

257
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Bundesnetzagentur583; entre vários outros. O modelo também encontra


sintonia no ambiente internacional: UIT584; OMS585; FAO586; UNESCO587;
UPU588; IAEA589, e está apoiado na divisão funcional ligada a conjuntos de
temas unidos por um conhecimento técnico-científico específico.

579The Office of Gas and Electricity Markets (OFGEM) surgiu da reunião do


OFFER (Office of Electricity Regulation) com o OFGAS (Office of Gas Suply),
cujas bases normativas remontam ao Gas Act de 1986. Trata-se do regulador da
indústria britânica de gás e eletricidade.
580Interstate Commerce Commission (ICC), festejada como a primeira agência reguladora

federal norte-americana, foi instituída pelo Interstate Commerce Act de 1887 destinada a
regular transportes em geral, à exceção do transporte aéreo, tendo sido extinta em
1995.
581Federal Communications Commission (FCC), instituída pelo Communications Act de 1934

e qualificada como agência independente, responde pela regulação da comunicação


interestadual e internacional por rádio, televisão, par de cobre, satélite ou cabo.
582Federal Energy Regulatory Commission (FERC), foi a sucessora da antiga Federal Power

Commission (FPC), que, embora existente desde 1920, adquiriu as características de


uma agência governamental independente a partir de 1930. Criada em 1977, a FERC
é citada oficialmente como agência governamental independente que regula a
transmissão interestadual de gás natural, petróleo e eletricidade dos Estados Unidos
da América.
583Regulierungsbehörde für Telekommunikation und Post (RegTP), trata-se da Autoridade

Reguladora para Telecomunicações e Correios da Alemanha, entidade reguladora


dos setores de telecomunicações e correios instituída a partir de 1996 com a
correspondente Lei Geral de Telecomunicações (Regelungen des
Telekommunikationsgesetzes – TKG). Em 13 de julho de 2005, foi renomeada para
Bundesnetzagentur. Conferir: FARIA, Patrick. A Agência Federal de Redes na República
Federal da Alemanha. In: Anais do I Seminário de Regulação de Serviços
Públicos - Direito Comparado da Energia Elétrica e das Telecomunicações.
Brasília, 2007.
584União Internacional de Telecomunicações (International Telecommunication Union –

ITU).
585World Health Organization (WHO) – Organização Mundial da Saúde (OMS).
586Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO).
587United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO).
588Universal Postal Union International (UPU).
589International Atomic Energy Agency (IAEA) – Organismo Internacional de Energia

Atômica (OIEA).

258
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

Das espécies de regulação anteriormente apresentadas, a que


maior presença institucional obteve na década de 1990, em âmbito federal,
no Brasil, foi a setorial, revelando a preocupação de reestruturação estatal e
investimento em instituições capazes de promover o preenchimento
normativo de diretrizes regulatórias atualizáveis no ritmo de alteração da
própria atividade regulada, ou seja, em instituições capazes de promover à
regulação, atuando retroalimentada pelas reconfigurações diuturnas do
setor. Visualizado o campo de atividades que demanda intromissão estatal,
seja pela natureza da atividade, seja pela finitude590 do meio de sua
manifestação, ou mesmo pelo dever estatal de otimização do potencial uso
de um bem público, as instituições reguladoras passaram a desempenhar
papel nuclear na dinâmica organizacional daquelas atividades.
Por força da novidade terminológica das agências reguladoras, o
resgate de estruturas administrativas do passado revelará aspectos mais
precisos do formato de regulação setorial adotado no Brasil.
Abre-se parêntese para ressaltar que a diferença conceitual
entre regulação geral e regulação setorial opera efeitos concretos, pois
permite a compreensão de um conceito necessário à fixação da competência
regulatória: a chamada imunidade antitruste. Entende-se por imunidade
antitruste a blindagem de determinado comportamento empresarial contra
o regulador antitruste em virtude da ausência de margem de autonomia de
comportamento empresarial ocasionada por disciplina exaustiva do
regulador setorial pertinente.
Em outras palavras, quando um agente econômico carece de
margem de autonomia para a prática de determinado ato usualmente
considerado infração à concorrência por estar seguindo determinação de
política regulatória setorial, seu ato é imunizado do controle antitruste, pois
retirou-se da conduta o elemento essencial de causalidade volitiva por
inexistir comportamento autônomo do agente econômico a ser apenado.
Como se pode ver, a compreensão da imunidade antitruste, que é, por si só,
um argumento jurídico poderoso em causas disputadas no âmbito do
CADE, no Brasil,591 depende da diferenciação entre regulação setorial e
regulação geral concorrencial.

590No setor de telecomunicações, o espectro de radiofrequência e os recursos de órbita são


exemplos de bens finitos ou escassos.
591Vide, a respeito, a análise do caso VU-M pelo CADE em: CAIXETA, Deborah

Batista. Imunidade antitruste às ações governamentais no contexto da desregulação do setor de


telecomunicações: uma análise a partir do julgamento do caso VU-M pelo CADE. In: Revista
de Direito, Estado e Telecomunicações 6(1): 127-158, 2014.

259
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

Ao se separar conceitualmente tais espaços regulatórios


setorial e geral, criam-se efeitos jurídicos inexistentes em ambientes
institucionais em que a regulação setorial encontra-se absorvida pela
concorrencial, ou vice-versa.
E por que interessa coligar os conceitos de regulação
setorial/geral com o de imunidade antritruste? Porque dessa relação surge a
ilação de que, por detrás do conceito de imunidade antitruste, encontra-se a
ideia de que a regulação setorial substitui o processo competitivo, afastando
a incidência da regulação geral concorrencial. Somente a partir dessa
compreensão pode-se dar um passo além na discussão sobre os
fundamentos da imunidade antitruste, sua extensão e aplicação a casos
concretos.

4.3.3 ESTRUTURAS DE REGULAÇÃO SETORIAL

4.3.3.1 CONSELHOS ECONÔMICOS


A partir da década de 1930, surgiram, no Brasil, os assim
chamados conselhos econômicos resultantes da ampliação e da especialização das
atividades estatais. A origem592 da preocupação de criação de conselhos
consultivos para fornecimento de bagagem técnica às decisões políticas foi
evidenciada na Constituição Federal brasileira de 1934, que facultou a
criação, por lei ordinária, de Conselhos Technicos e Conselhos Geraes para
assistirem os Ministérios, chegando mesmo a vincular a deliberação do
Ministro de Estado correspondente.593 Embora a Constituição de 1934

592Já na primeira metade do século XIX, os conselhos administrativos eram tidos como
auxiliares dos agentes políticos “para que a deliberação e a ação que [deles] resulta
seja ilustrada e acertada; para que esta melhor possa ser fiscalizada; para que a
responsabilidade seja mais patente e justa” (URUGUAI, Paulino José Soares de
Souza, Visconde de. Ensaio sobre o direito administrativo. Fac-símile da edição
de 1960, Brasília: Imprensa Nacional, 1997, p. 126).
593CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1934: “Art. 103. Cada

Ministerio será assistido por um ou mais Conselhos Technicos, coordenados,


segundo a natureza dos seus trabalhos, em Conselhos Geraes, como órgãos
consultivos da Camara dos Deputados e do Senado Federal. §1o A lei ordinaria
regulará a composição, o funccionamento e a competencia dos Conselhos
Technicos e dos Conselhos Geraes. §2 o Metade, pelo menos, de cada Conselho será
composta de pessoas especializadas, estranhas aos quadros do funccionalismo do
respectivo Ministerio. §3o Os membros dos Conselhos Technicos não perceberão
vencimentos pelo desempenho do cargo, podendo, porém, vencer uma diaria pelas

260
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

previsse expressamente o Conselho Superior de Segurança Nacional (art. 159) e o


Conselho Nacional de Educação (art. 152), a repercussão prática da novidade foi
tímida, resumindo-se à criação do Conselho Nacional de Educação pela Lei 174,
de 1936, e à previsão, na Constituição de 1937 (arts. 57 a 63) do Conselho da
Economia Nacional, que não se repetiu nas constituições de 1946 (art. 148,
caput) e 1967 (art. 57, VI), inclusive Emenda Constitucional nº 1, de 1969
(art. 160, V).
Da imprecisão semântica dos conselhos, podem-se extrair,
todavia, certos elementos conceituais como o da colegialidade de funções,
cuja definição weberiana se dá por sua oposição à autoridade monocrática594. O
plural, o corpo, o coletivo, a reunião, enfim, a assembleia decisória fazem
parte do significado histórico dos conselhos. Tais características
incrementam o caráter institucional de convencimento e discussão,
chegando, no direito espanhol, a ser erigido à condição de princípio
definidor da natureza dos órgãos consultivos595. A colegialidade permite,
assim, maior profundidade das decisões, que é obtida às custas de maior grau

sessões, a que comparecerem. §4o É vedado a qualquer Ministro tomar deliberação,


em materia da sua competencia exclusiva, contra o parecer unanime do respectivo
Conselho.” (CAMPANHOLE, Hilton Lobo; CAMPANHOLE, Adriano.
Constituições do Brasil. 13aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 712).
594Max Weber utiliza o conceito de colegialidade como meio específico de mitigação da

dominação. A colegialidade de funções diferencia-se, no pensamento de Weber, da


colegialidade de cassação. Nesta última, persiste a decisão monocrática em meio a outras
instâncias monocráticas de adiamento ou cassação da decisão. Na colegialidade de
funções, a autoridade monocrática é substituída pela autoridade institucional, em que a
vontade de um é substituída pela cooperação de alguns. Conferir, a respeito: WEBER,
Max. Economia e sociedade. Vol.I, Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1991, p. 178-188.
595Sobre o princípio da colegialidade, García-Trevijano Fos esclarece que “constitui

(....) o último dos que integram as bases fundamentais de toda organização


administrativa. Dividíamos os órgãos em ativos, deliberantes, consultivos e de
controle. Teoricamente, todos eles podem ser unipessoais ou colegiados com uma
única exceção: a dos órgãos consultivos, que têm sempre natureza colegial (....). Os
órgãos ativos costumam ser – na administração geral do Estado – unipessoais. Os
de controle costumam ser, ao contrário, colegiados.” – tradução livre do original:
FOS, Jose Antonio Garcia-Trevijano. Tratado de derecho administrativo. Tomo
II, Vol. I, 2ªed., Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1971, p. 480.

261
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

de imprecisão e morosidade.596 Ela divide a responsabilidade da decisão,


atomizando-a em manifestações parciais.597
Pode-se dizer, portanto, que isenção, profundidade e morosidade
identificam a forma colegial de decisão. Entretanto, não depõem, a priori,
contra ou a favor do modelo de decisão colegial, mas indicam os limites
para sua manifestação. A presença dos conselhos pode ser vista como uma
resposta estatal ao desequilíbrio gerado pela especialização do ambiente
privado sobre determinados setores tidos por relevantes para o Estado. O
conhecimento especial superior dos interessados atores de um determinado setor da
economia, que, por serem partes, são naturalmente facciosos, somente pode
ser contrastado mediante a presença de conselhos econômicos no ambiente
estrutural do Estado para nortearem a regulação estatal. A existência dos
conselhos segue uma constatação de Max Weber, de que o conhecimento
técnico dos privados é superior ao da burocracia pública. Daí a importância
de uma estrutura poderosa, especializada e independente para o exercício da
atividade regulatória, que tenha acesso ao conhecimento técnico produzido
em nível dos conselhos, ou mesmo, em nível acadêmico-institucional.598

596Ao analisar os progressos do princípio burocrático monocrático, Weber aponta


defeitos e virtudes da forma colegial de decisão: “O trabalho organizado em forma
colegial (...) condiciona atritos e retardações, compromissos entre opiniões e
interesses contraditórios, realizando-se, portanto, com menos precisão e menos
dependência de autoridades superiores e, por isso, de maneira menos uniforme e
mais lenta” (WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. II, Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1999, p. 212).
597Vide WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. I, Brasília: Editora

Universidade de Brasília, 1991, p. 183.


598“Superior ao conhecimento especial da burocracia é apenas o conhecimento

especial dos interessados da economia privada, na área ‘econômica’. Isto porque, para
eles, o conhecimento exato dos fatos de sua área é diretamente uma questão de sua
existência econômica: erros numa estatística oficial não trazem consequências
diretamente econômicas para o funcionário responsável, mas erros nos cálculos de
uma empresa capitalista causam-lhe perdas, ameaçando, talvez, sua existência. E
também o ‘segredo’, como meio de poder, está mais seguramente guardado no livro
comercial de um empresário do que na documentação das autoridades. Já por isso, a
influência oficial sobre a vida econômica, na era capitalista, tem limites muito
estreitos, e as medidas do Estado nesta área desembocam tão frequentemente em
caminhos imprevistos e despropositados ou tornam-se ilusórias devido ao
conhecimento especial superior dos interessados” (WEBER, Max. Economia e
sociedade. Vol. II, Brasília. Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 227).

262
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

Opõe-se a tal constatação de imprescindibilidade dos


conselhos, sua imprecisão terminológica e consequente aplicação casuísta.
No que tange à imprecisão terminológica, tem-se a divisão
entre conselhos de especialização, conselhos consultivos e instâncias colegiais
controladoras. De um lado, há as corporações de especialização, que são formadas
dentro da estrutura burocrática estatal por técnicos habilitados em razão de
seus conhecimentos especiais. Ditas corporações ombreiam com as
corporações consultivas, que, na classificação de Weber, são formadas por
interessados privados no setor em pauta. Por outro lado, as instâncias colegiais
controladoras estão presentes nas conformações burocráticas da economia
privada, como o conselho fiscal de uma empresa.599
Dita classificação, no entanto, não foi absorvida pela prática
institucional brasileira, o que não impede a conclusão de que há ao menos
duas formas essencialmente distintas de manifestação dos conselhos: os de
produção de massa crítica para outros atores do processo decisório estatal; e
os de influência no processo decisório por parte do diálogo estabelecido
entre o Estado e o setor regulado, diálogo este inserido na instituição estatal
dos conselhos, ou seja, na possibilidade da interferência dos interessados na
escolha dos temas e na solução dos problemas referentes ao setor de
atividades visado. Seguindo esta classificação, os conselhos integrantes da
estrutura estatal diferenciam-se das instâncias colegiais controladoras presentes
na economia privada pelo critério da força das decisões. Os conselhos
presentes na economia privada fornecem a própria deliberação perseguida,
enquanto os da esfera estatal refletem funções basicamente técnicas e
opinativas.
Emerge destas constatações, que o conceito de conselho,
embora tenha hoje perdido sua dimensão inicial, tem sua contribuição de
conceito geral do qual derivaram outros atualmente festejados, como o de
comissão e o de agência. Antes, os conselhos exerciam função meramente
consultiva, mas, com o tempo, alguns deles foram além em face de sua
especialização e de sua condição de complexos perenes frente a autoridades
efêmeras.600

599Vide WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. II, Brasília. Editora


Universidade de Brasília, 1999, p. 228-229.
600O trecho a seguir é esclarecedor da abertura conceitual sofrida pelo conceito de

conselho: “Enquanto o conhecimento especial em assuntos administrativos era


exclusivamente produto de longa prática empírica e as normas administrativas não
eram regulamentos, mas componentes da tradição, o conselho dos anciãos, muitas
vezes com participação dos sacerdotes, dos “velhos estadistas” e dos honoratiores, era

263
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

A abertura conceitual do termo conselho gerou o surgimento de


outros termos que denotam vinculação decisória para se contraporem ao
aspecto consultivo agregado aos conselhos hoje existentes. Isso não quer
dizer que todos os conselhos do Estado brasileiro estejam maculados com a
função meramente consultiva601, mas esta é, sem dúvida, a característica
mais difundida.602
O aspecto consultivo dos conselhos inseriu neles a demanda
de composição plural para formação de consenso.603 A participação de

tipicamente a forma adequada de tais instâncias, que inicialmente apenas


aconselhavam o senhor, porém, mais tarde, por serem complexos perenes diante
dos soberanos alternantes, frequentemente usurpavam o poder efetivo. Assim, o
senado romano e o conselho veneziano, bem como o areópago ateniense até sua
derrubada em favor do domínio dos ‘demagogos’.” (WEBER, Max. Economia e
sociedade. Vol. II, Brasília. Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 228).
601São exemplos conhecidos de “conselhos” com função decisória, no Brasil, o

Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e os Conselhos de


Contribuintes. O Conselho Nacional de Desestatização – CND, criado pela Lei
8.031/90 e integrado por cinco ministros de estado tem amplos poderes sobre todo
o processo de privatização, desde a escolha das atividades ou empresas a serem
privatizadas até a forma de privatização e o destino dos recursos. Eventualmente
deliberam nas sessões, o presidente do Banco Central e outros ministros de Estado.
O presidente do Conselho é o Ministro do Planejamento e Orçamento. Mesmo o
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), com atribuição de propor
medidas relativas aos recursos energéticos ao Presidente da República (art.2 o da Lei
9.478/97), transpareceu vinculação das suas emanações por força do Decreto
2.455/98, que, ao estabelecer as finalidades da Agência Nacional do Petróleo,
vinculou-a às diretrizes emanadas do Conselho Nacional de Política Energética (art.2o do
Decreto 2.455/98), que foge à característica meramente consultiva em razão de seu
funcionamento periódico e função específica de propostas políticas energéticas. Não
se quer dizer com isso que suas decisões vinculam sem a necessária aprovação do
Presidente da República.
602A presença, na Constituição Federal brasileira de 1988, do Conselho da República

e do Conselho de Defesa Nacional como órgãos meramente opinativos é


significativa.
603Nem todos os exemplos são tão lúcidos assim. O Conselho Monetário Nacional

(CMN) tem sua composição restrita a 3 membros do Executivo exclusivamente,


quais sejam: Ministro de Estado da Fazenda; Ministro de Estado do Planejamento e
Orçamento; Presidente do Banco Central. Funcionam junto ao Conselho Monetário

264
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

diversas tendências e interesses erigiu-os a colaboradores e principais


enriquecedores da discussão implementada em outras instituições
decisórias. Isso é melhor visualizado na recente criação de conselhos no
âmbito das agências administrativas reguladoras.604

4.3.3.2 CONSELHOS VERSUS AGÊNCIAS


A procura por índices de diferenciação entre os conselhos e as
agências esbarra na consciência de que os critérios daí extraídos são muito
mais apanhados de aspectos formais reincidentes do que propriamente
distinções de essência entre as duas instituições. Não se pode esquecer a
paulatina evolução conceitual dos conselhos, desembocando na imprecisão
dos termos que hoje designam as instituições estatais de controle. Mas esta
constatação não chega ao ponto de desmerecer divisões didáticas, que
existem para possibilitar a melhor visualização do contexto conceitual de
conselhos e agências.
Desse modo, no tocante ao seu funcionamento, os conselhos
estão voltados à solução de questões específicas em razão das quais houver
sido suscitada sua reunião, enquanto as agências possuem um quadro
permanente destinado a funcionamento ostensivo. Por isso, em geral, os
membros de conselhos não se afastam de outras funções na esfera pública
ou privada, ao passo que se exige, dos membros de agências, especial
dedicação à atividade que lá desempenham.605 A personalidade jurídica de
direito público interno é da essência das agências administrativas, enquanto
os conselhos, em geral, consubstanciam-se em órgãos, portanto, centros de
competências despersonalizados do Estado. Enfim, a agência, enquanto
terminologia, surgiu, no Brasil, na década de 1990, respondendo a uma
demanda de precisão terminológica das colegialidades funcionais de caráter
regulatório, que eram relegadas a adotarem os conceitos de conselhos ou
comitês e que, assim, não transpareciam, de imediato, suas referidas

Nacional comissões consultivas estritamente técnicas (Normas e Organização do Sistema


Financeiro, Mercado de Valores Mobiliários e de Futuros, Crédito Rural, Crédito
Industrial, dentre outros).
604Como exemplo, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) comporta

um Conselho Consultivo definido como órgão de “participação institucionalizada da


sociedade na Agência” (art.33 da Lei 9.472/97).
605AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São

Paulo: Max Limonad, 1999, p. 226.

265
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

peculiaridades, sofrendo, como sofriam, ingerência política acentuada.606 O


caso do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) é exemplo de
conselho criado com características autônomas de comissão interministerial607,
ou mesmo, de órgão similar à Federal Communications Commission (FCC)
norte-americana608, que foi sendo progressivamente esvaziado e suplantado
pela Administração direta do Estado.
Com isso, pode-se definir agência administrativa como uma
autarquia609 especial identificada como instituição estatal de regulação

606Sobre os conselhos, “continuava a operar, de direito ou de fato, o controle


político, pela via de supervisão ministerial e a competência do Congresso, definindo
metas e a atribuição de recursos” (TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In:
Carta Mensal, Rio de Janeiro 45(529): 33-44, abril 1999, p. 36).
607Considerando o CONTEL como comissão interministerial, vide: BRASIL.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Segurança n. 19.227/DF, relator


Min. Themístocles Cavalcanti, Tribunal Pleno, unânime, j. 09/04/1969.
608Murilo César Ramos analisa a semelhança entre o CONTEL brasileiro e a FCC

norte-americana e atesta o processo de centralização ministerial como o fator de


extinção do órgão regulador das telecomunicações no Brasil ao falar do “órgão
colegiado criado pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, emulado, ainda que
frouxamente, na Federal Communications Commission (FCC) norte-americana.
CONTEL que iria ser esvaziado progressivamente até sua extinção total nos anos
70, substituído de fato e de direito por um Ministério altamente centralizador e
concentrador de poder.” (RAMOS, Murilo César. Saúde, novas tecnologias e políticas
públicas de comunicações. In: PITTA, Áurea Maria da Rocha (org). Saúde &
Comunicação: visibilidades e silêncios. São Paulo: Hucitec, 1995. p. 69-70).
609Expressão originária do italiano autarchia. O termo “foi usado pela primeira vez

pelo publicista italiano Santi Romano, em 1897, para identificar a situação de entes
territoriais e institucionais do Estado unitário italiano” (MEDAUAR, Odete.
Direito administrativo moderno. 5a ed., São Paulo: RT, 2001, p. 77). O conceito
basilar de autarquia está na personalidade jurídica dotada de auto-administração e
autosuficiência, conforme enuncia a doutrina italiana em face de sua etimologia: “A
palavra italiana ‘autarquia’ traduz duas expressões gregas distintas e tem dois
significados em virtude desta origem distinta: em um primeiro significado, indica a
condição de um sujeito que é capaz de bastar a si próprio, de prover suas próprias
necessidades (autosuficiência); no segundo, serve para indicar a posição de um ente
a quem é reconhecida a capacidade de se governar, de administrar os próprios
interesses (auto-administração)” (ZANOBINI, Guido. Corso di diritto
amministrativo. Vol. I, 8ª ed., Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1958, p. 124).
Tradução livre do original: “La parola italiana ‘autarchia’ traduce due diverse parole greche e
ha due significati, secondo che deriva dall’una o dall’altra di esse: in um primo significato, indica la

266
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

operacional ou normativa, que passou a integrar os aspectos estruturais e


organizacionais do Estado para fins de especialização, celeridade e maior
autonomia decisória. Tais características das agências administrativas vêm
mensuradas para que sua atuação, embora protegida da influência variável
da política de governo, permaneça vinculada à política de Estado, pois os
aspectos de segregação da agência frente ao Estado somente se justificam
para o alcance da finalidade de sua existência, qual seja, a desobstrução do
formalismo burocratizante de seus procedimentos610, desde que instrumental ao
cumprimento dos fins públicos que qualificam uma autarquia.
As agências administrativas dividem-se em duas modalidades
no Brasil: agências executivas; e agências reguladoras. Destas, as agências
reguladoras alcançaram status evidente na organização (aspecto dinâmico) e
estruturação (aspecto estático) do Estado brasileiro de finais do século XX.

4.3.3.3 AGÊNCIAS EXECUTIVAS VERSUS AGÊNCIAS REGULADORAS


Previstas na segunda metade da década de 1990611, as agências
executivas significam um signo, sinal, insígnia, rótulo, enfim, um símbolo
identificador da regulação operacional descentralizada. O nome ‘executiva’
indica que suas atribuições não são normativas, mas operacionais. Sua
criação busca administrar políticas públicas em matéria de serviços públicos,
diferenciando-as das agências reguladoras, que se preocupam também com
o preenchimento normativo secundário a partir das políticas públicas
oriundas do processo legislativo primário. O foco das agências reguladoras,
portanto, é a regulação normativa. A diferença entre agências executivas e
reguladoras é, portanto, funcional.
Agências executivas são autarquias e fundações públicas
federais612 que se candidatam a receber a insígnia de agência executiva,

condizione di un soggetto che è capace di bastare a se stesso, di provvedere da sè ai propri bisogni


(autosufficienza); nel secondo, vale a indicare la posizione di un ente cui è riconosciuta la capacità di
governarsi da sè, di amministrare da sè i propri interessi (autoamministrazione)”.
610TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro

45(529): 33-44, abril 1999, p. 37.


611Lei 9.649, de 27 de maio de 1998, produto da Medida Provisória 1.549-28,

regulada pelos Decretos 2.487 e 2.488, ambos de 2 de fevereiro de 1998.


612Fala-se em autarquias e fundações públicas federais, pois a lei criadora das

agências executivas é federal. Isso não impede a criação de agências executivas

267
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

mediante submissão a um contrato de gestão, onde se estabelecem metas a


serem alcançadas mediante apresentação de um plano estratégico de
reestruturação e desenvolvimento e níveis de qualidade na prestação de
serviços a usuários. A formação da agência executiva implica processo interno
de autonomia613. O rótulo de agência executiva, no entanto, não transforma a
natureza da pessoa jurídica de direito público interno, que continua como
autarquia ou fundação pública614. O que ocorre é que estas autarquias ou
fundações públicas com status de agências executivas são destinatárias de
mais um rol de normas que estabelecem prerrogativas especiais derivadas da
lei e que não derrogam o regime público – e nem poderiam –, mas
amenizam as limitações intestinas à própria estrutura hierárquica da
Administração Pública, refletindo-se, por exemplo, na maior autonomia
para abrir concursos, desde que haja vagas e recursos disponíveis, podendo
editar regras próprias de avaliação dos servidores para progressão funcional,
além da impossibilidade, por parte do Executivo, de contingenciamento de
recursos. Em troca desses benefícios, surgem deveres específicos da
autarquia para com o poder central, deveres estes derivados do contrato de
gestão firmado. Por isso, a agência executiva, em si mesma, não é exceção
ao regime público, desde que compreendida a extensão do que pode vir a
ser tratado no contrato de gestão. As críticas615 dirigidas às agências

semelhantes às federais no âmbito estadual e municipal, desde que existam leis


destes entes para embasarem o ato da Administração.
613TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro

45(529): 33-44, abril 1999, p. 36.


614Em razão de sua natureza jurídica de direito público interno, a ela se aplica o rol

de características publicistas, tais como: responsabilidade objetiva do poder; controle


dos atos estatais; fundamentação dos atos do poder; discricionariedade; publicidade;
transparência; supremacia do interesse público; legalidade estrita; processo de
produção de atos do poder; dever de prestar contas; licitação etc. A respeito da
caracterização do regime de direito público, conferir a obra precisa, embora sintética
e introdutória: SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. São
Paulo: Malheiros, 1992.
615Quanto aos efeitos do decreto, qualificando autarquias ou fundações como

agências executivas, Di Pietro defende que “dificilmente se poderá ampliar a


autonomia dessas entidades, por meio de decreto ou de contrato de gestão [embora
deixando em aberto à lei prevista no art.37, §8 o da CF/88 a possibilidade de
ampliação de dita autonomia], porque esbarrarão os mesmos em normas legais e
constitucionais” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 11a
ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 388).

268
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

executivas, portanto, não revelam incoerência de concepção, mas


evidenciam o risco da utilização de seu conceito para ultrapassagem de
fronteiras impostas pelo regime público.
A novidade no sistema das agências executivas está na sua
íntima conexão com as propostas recentes de compromisso da própria
entidade da administração indireta com o poder central e de aferição de
resultados como requisito de sua sobrevivência616, algo caro à proposta, cuja
tramitação se iniciou no Congresso Nacional em 2004, para aplicação do
contrato de gestão também a todas as agências reguladoras brasileiras. A
criação de uma agência executiva, enfim, por se tratar tão-somente de signo
aposto a uma entidade de direito público preexistente, depende de Decreto
do Presidente da República, após o processo previsto na Lei 9.649/98, cuja
primeira concretização ocorreu na qualificação do Instituto Nacional de
Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (INMETRO) como
agência executiva, por meio do Decreto sem número de 29 de julho de
1998.
Por outro lado, como instituições de regulação, em regra,
setorial, as agências reguladoras ou agências reguladoras e fiscalizadoras
brasileiras617 surgiram como mecanismos reguladores normativos, que
operam com poderes de supervisão, fiscalização e normatização618 de

616Nas agências executivas, predomina “o sentido de prévio compromisso e a


aferição de resultados como requisito de sobrevivência” (TÁCITO, Caio. Novas
agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro 45(529): 33-44, abril 1999, p.
39).
617FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Reforma do Estado: o papel das agências

reguladoras e fiscalizadoras. In: Fórum Administrativo, ano 1, nº 3, maio de 2001, p.


253-257.
618No Brasil, as agências reguladoras manifestam-se por diversos atos (súmula,

aresto, ato, portaria, consulta, resolução). Destes, somente a resolução tem


propriamente caráter normativo qualificado como um poder não-delegado e
“temperado” (CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder
normativo. São Paulo: Dialética, 2001, 142) ou mesmo como uma espécie de
alargamento do poder normativo do Executivo por intermédio de lei-quadro (loi-
cadre) correspondente (BRUNA, Sérgio Varella. Agências reguladoras: poder
normativo, consulta pública e revisão judicial. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2003, p. 73). Nos EUA, têm-se como exemplos da diversidade de atos
produzidos no âmbito das agencies norte-americanas dotadas de poder normativo:
rules, adjudicatory orders, licenses, policy statements, manuals, circulars, memoranda, advisory
opinions, waivers, recommendations, regulations (MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di
indirizzo della pubblica amministrazione nell’esperienza degli USA. p. 117. In: CARETTI,

269
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

atividades, sendo dotadas de maior agilidade na implementação de políticas


públicas em razão de sua estrutura especializada. Foram um novo passo no
processo descentralizador619 da Administração Pública, que se diferenciou dos
anteriores pela visível postura de maior desvinculação de suas decisões
frente a pressões políticas, como também à tentativa de redirecionamento
da política regulatória para os interesses dos usuários dos serviços
concedidos, permitidos ou simplesmente fiscalizados.
A inserção dos serviços em um regime especial, que partilha a
competição com os desígnios sociais, fez com que as agências reguladoras
brasileiras desempenhassem três tipos de regulação: regulação dos serviços
públicos, que são de titularidade do Estado; regulação das atividades econômicas
stricto sensu, que são de titularidade dos particulares; e regulação social,
mediante vinculação do setor ao dever de generalidade dos serviços, de
cumprimento da função social da propriedade afeta ao serviço, ou mesmo,
de potencialização do uso de bens públicos essenciais ao serviço regulado.
Como se pode notar, as categorias regulatórias variam, mormente segundo
critérios de escopo da atividade reguladora: regional, geral, setorial, sobre
serviços públicos, sobre atividades econômicas em sentido estrito, rumo aos
princípios de regulação social, entre outros.
A singularidade das agências reguladoras na estrutura
administrativa do Estado brasileiro não está isolada como política pública,
mas inserida no flanco de um movimento de objetivos mais abrangentes,
cuja compreensão é exigida para formação de visão multifacetada sobre este
fenômeno estatal.
Por detrás da criação das agências reguladoras, há política
pública voltada à consecução de medidas que aumentem a atratividade do
mercado brasileiro para o financiamento de infraestrutura. Em outras
palavras, a introdução do modelo de agências reguladoras na Administração
Pública brasileira resultou da identificação de um déficit de regulamentação
traduzido nos seguintes aspectos620, cuja concretização persegue: política

Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione


dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 111-
140).
619TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro

45(529): 33-44, abril 1999, p. 34.


620MORAES, Luiza Rangel de. A reestruturação dos setores de infra-estrutura e a definição

dos marcos regulatórios. In: PAULA, Tomás Bruginski de; REZENDE, Fernando

270
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

tarifária definida e estável; marcos regulatórios mais claros, que detalhem as


relações entre os diversos atores de cada setor, seus direitos e obrigações;
mecanismo ágil e eficiente para a solução de divergências e conflitos entre o
poder concedente e a concessionária; garantias contra os riscos econômicos
e políticos dos investimentos em setores econômicos. Ditos aspectos
contribuíram para a criação de entes reguladores setoriais dotados de
atributos de especialidade, imparcialidade e autonomia decisória. As novas
características de maior autonomia e promoção dos interesses dos usuários
são, portanto, comumente esclarecidos por sua motivação de aproximação
ao mercado e de incentivo à competição, argumentos estes que fugiriam à
tradição jurídico-institucional brasileira.621
O modelo adotado na década de 1990, no Brasil, entretanto,
não se rende a dita simplificação. Nem mesmo a afirmação de semelhança
entre dito modelo e o praticado nas commissions622 norte-americanas623,

(coordenadores). Infra-estrutura: perspectivas de reorganização (Caderno de


Regulação). Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 1997, p.
12.
621Fala-se, então, da dificuldade de assimilação do novo modelo de “instituições

independentes e com grande autonomia de ação” (Ibid., p. 5).


622Parker assimila o conceito de commission ao de independent agency. Também registra a

qualificação de quarto poder atribuída às independent agencies norte-americanas pelos


órgãos de cúpula dos poderes Legislativo e Executivo. Conferir: PARKER,
Reginald. Administrative Law. Indianápolis: The Bobbs-Merrill Company, 1952, p.
94: nota 62.
623Deve-se atentar para a consideração de Caio Tácito sobre a impropriedade da

aproximação exagerada entre os conceitos de agências reguladoras do Brasil e as


commissions dos EUA, pois ela seria “antes terminológica do que real” (TÁCITO,
Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro 45(529): 33-44,
abril 1999, p. 37). Há, entretanto, aproximações úteis à compreensão das agências
reguladoras: a) o interesse no estudo do conceito de public utility commission regulation
está na discussão e fixação do grau de interferência do Poder Judiciário nas suas
decisões. A análise dos limites dos clássicos cases envolvendo as commissions norte-
americanas pode ser conferida em: CAVALCANTI, Themistocles Brandão.
Tratado de direito administrativo. Vol. II, 5ª ed., Rio de Janeiro: Livraria Freitas
Bastos, 1964, p. 496-499. Desta discussão surge a extensão do poder revisório
judicial frente à discricionariedade do ato administrativo regulatório estatal; b) a
origem da cogitação das commissions aproxima-se muito do objetivo das agências
reguladoras brasileiras, pois aquelas foram introduzidas com intuito de otimizar o

271
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

inicialmente esboçadas nas chamadas railroad commissions624, é convincente, já


que o pressuposto existente no modelo brasileiro de titularidade de grande
gama de atividades prestacionais pelo próprio Estado não encontra,
segundo uma abordagem jurídico-formal, similar no modelo norte-
americano.
Pode-se, entretanto, afirmar que as agências reguladoras
servem como modelo regulador alternativo à regulação pelo próprio mercado ou à
regulação por intermédio de contratos administrativos. As agências reguladoras
vieram nesse contexto de satisfação da demanda por prestação de serviços
públicos e fiscalização de serviços privados mediante regulação. Enfim, o
modelo brasileiro de agências reguladoras assimila, em uma mesma
estrutura administrativa, duas formas de regulação de setores, quais sejam:
controle de andamento das atividades setoriais pelas agências; transferência
da prestação dos serviços públicos de um determinado setor para empresas
privadas e sua consequente regulação por intermédio de contratos
administrativos acompanhados pari passu por estruturas dotadas de
conhecimento técnico.
O ano de 1995 foi decisivo para introdução do modelo de
agências reguladoras no Brasil e a Lei Geral de Concessões e Permissões
(Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995) foi um marco fundamental, que,
coerente com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado proposto pelo
Executivo em 1995, determinou, no seu art. 29, I, ser incumbência do

controle das atividades estatais delegadas, outorgando-se poderes de regular e de


controlar de forma contínua as concessões públicas por órgãos com conhecimento
técnico necessário ao direcionamento de determinados setores de atividade
econômica; c) as commissions também partilharam o momento histórico de retirada do
Estado da interferência operacional na economia, remetendo à função legislativa a
definição de standards, cuja regulamentação ficaria a cargo de órgão técnico
especializado.
624Estas primeiras comissões estaduais norte-americanas ainda não detinham caráter

imperativo, mas simplesmente de estudos e consultas. Tais comissões podiam ser


vistas nos estados de Rhode Island (1836), New Hampshire (1844), Connecticut
(1853), Vermont (1855) e Maine (1858). Comissões de caráter mandatório foram
inauguradas em 1855, no estado de Minnesota e Massachussets. Somente em 1871,
o estado de Illinois instituiu a primeira comissão com poderes de fixação de preços
de serviços. Conferir, a respeito: MELO, José Luis de Anhaia. Problemas de
urbanismo: o problema econômico dos serviços de utilidade pública. São
Paulo: s/e, 1940, p. 101.

272
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

poder concedente regular e fiscalizar o serviço concedido e, no art. 30,


previu que a fiscalização do serviço seria realizada por órgão técnico do
poder concedente ou por entidade com ele conveniada e, periodicamente,
por comissão composta por representantes do poder concedente, da
concessionária e dos usuários. Um parêntese para retomada do tema das
comissões, que em nada se aproximam das commissions norte-americanas,
para que se evidencie que, no Brasil, elas têm caráter de ajuste periódico dos
interesses em jogo, possibilitando um ambiente interativo de construção de
soluções e de levantamento de problemas. Afiguram-se, portanto, em meio
de sensibilização da agência reguladora para questões relevantes na óptica
dos partícipes do processo, como também em meio para alcance de
consenso na diversidade.
Não foi somente a Lei Geral de Concessões e Permissões que
marcou o ano de 1995. As modificações constitucionais foram decisivas e
transpareceram, basicamente, não-discriminação entre capital nacional e
internacional aliado à abertura para o controle privado de atividades antes
reservadas ao Estado, como a possibilidade de concessão dos serviços
locais de gás canalizado (Emenda Constitucional n. 5, de 15/08/95), a
extinção do tratamento diferenciado dado às antes consideradas empresas
brasileiras de capital nacional (Emenda Constitucional n. 6, de 15/08/95), a
retirada da referência constitucional à predominância de armadores
nacionais e navios de bandeira e registros brasileiros e à reserva da
navegação de cabotagem e da navegação interior às embarcações nacionais
(Emenda Constitucional n. 7, de 15/08/95), a possibilidade de concessão,
permissão e autorização de serviços de telecomunicações não mais taxados,
a priori, de públicos, juntamente com a previsão de criação de um órgão
regulador do setor (Emenda Constitucional n. 8, de 15/08/95) e a retirada
da proibição dirigida à União de conceder qualquer tipo de participação na
exploração de jazidas de petróleo ou gás natural simultaneamente à
introdução da previsão de órgão regulador do monopólio de pesquisa e
lavra de jazidas de petróleo e gás natural, de refinação do petróleo, sua
importação, exportação e transporte (Emenda Constitucional n. 9, de
09/11/95).
Todas essas modificações implementadas pela política pública
setorial fizeram com que o sistema brasileiro de regulação migrasse do
modelo de estruturas integrantes dos respectivos Ministérios ou da
Presidência da República, com dependência orçamentária e decisória, para
um modelo pautado progressivamente na titularidade de instrumentos de

273
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

regulação e fiscalização setorial por parte de autarquias especiais, com


orçamentos próprios e relativa autonomia financeira do Poder Executivo.625
Dessas considerações preliminares resulta a identificação das
agências reguladoras brasileiras como formas de regulação setorial com
personalidade de direito público interno, e função normativa secundária,
que excepcionalmente exteriorizam caráter operacional, como no caso do
mecanismo da intervenção, revelando a finalidade de fiscalização da prestação
dos serviços públicos concedidos ou permitidos, dos bens escassos
correspondentes e das atividades privadas afins.
As agências reguladoras brasileiras passaram por um processo
de especialização.626 Elas transpareceram a especialização funcional exigida por
seu objeto de análise e, assim, compõem a equação de edificação do
correspondente subsistema jurídico.627
Existem, no Brasil, agências federais, estaduais ou municipais,
de acordo com a competência político-administrativa do poder concedente.
Visualizando-as a partir da especialização funcional, as agências federais
apresentam-se, hoje, como setoriais, remetendo-se aos setores de
telecomunicações, energia elétrica, petróleo e gás natural, vigilância sanitária, saúde
suplementar, recursos hídricos, transportes terrestres, transportes aquaviários, mineração,
dentre outros. No campo estadual e municipal, inaugurou-se uma maior

625Caio Tácito enumera as características comuns às agências reguladoras:


“constituídas como autarquias especiais, destacam-se da estrutura hierárquica dos
Ministérios e da direta influência da conduta política do governo; gozam de
autonomia financeira, administrativa e especialmente de poderes normativos
complementares à legislação; dotados de poderes amplos de fiscalização, operam
como instância administrativa final em litígios sobre matéria de sua competência; e
respondem, fundamentalmente, pelo cumprimento de metas fixadas e pelo
desempenho das atividades dos prestadores de serviço, segundo as diretrizes do
Governo e em defesa do interesse da comunidade” (TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 42).
626Sobre o fenômeno de especialização das agências reguladoras, conferir: MORAES, Luiza

Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista de Informação


Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171, janeiro/março 1999, p. 151.
627O subsistema jurídico apresenta-se como um “conjunto de regras, normas,

princípios, finalidades e pressupostos adstritos a um dado setor da vida humana”


(MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências
independentes. p. 84. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo
econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98).

274
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

presença de agências de regulação geral, como a ADM628, embora


convivendo com agências setoriais, como a AMSS629 e a CSPE630, ou
mesmo, multissetoriais631, tais como ASEP632, AGERGS633, ARCE634,
ARCON635, ARSEP636 e AGERBA637. O modelo estadual tende a formar

628Agência Municipal de Desenvolvimento, criada pela Lei Municipal nº 1.565, de


30/12/1996, de Niterói, com o intuito de formulação de políticas de
desenvolvimento econômico-social do Município.
629Agência Municipal de Serviços de Saneamento de Cuiabá (AMSS), criada pela Lei

Complementar nº41, de 23/12/1997. Embora tivesse caráter operacional, por ter


reassumido os serviços de água e esgoto de Cuiabá antes exercidos pela Companhia
de Saneamento do Estado, o fim que motivou sua criação como agência,
substituindo a anterior Secretaria de Saneamento, foi o de regular e controlar as
delegações para prestação dos serviços públicos de saneamento no município de
Cuiabá.
630Comissão de Serviços Públicos de Energia, criada pela Lei Complementar nº 833,

de 17 de outubro de 1997, do Estado de São Paulo, e inaugurada em 14 de abril de


1998 para exercer funções de regulação dos serviços concedidos pelo poder
concedente estadual com funções delegadas da Agência Nacional do Petróleo ou da
Agência Nacional de Energia Elétrica, mediante convênios.
631Para uma exposição sobre as vantagens do modelo multissetorial das agências

estaduais, vide: CONFORTO, Gloria. Descentralização e regulação de gestão


dos serviços públicos. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, FGV,
32(1):27-40, jan/fev 1998.
632Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de

Janeiro (ASEP-RJ), criada pela Lei Estadual nº 2.686, de 12/02/1997, cabendo-lhe o


exercício do Poder Regulador sobre as concessões e permissões de serviços públicos
nas quais o Estado do Rio de Janeiro figure, por disposição legal ou pactual, como
Poder Concedente ou Permitente.
633Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande

do Sul (Agergs), criada pela Lei Estadual nº 10.931, de 09/01/1997, alterada pela Lei
11.292, de 23/12/1998, onde consta expressa comunicação à Assembleia Legislativa
do teor de audiência pública sobre avaliação dos indicadores de qualidade dos
serviços e de pesquisa de opinião (art.14, §1o).
634Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (ARCE),

criada pela Lei nº 12.786, de 30/12/1997, destina-se à direção, regulação e


fiscalização dos serviços públicos delegados no Estado (art. 3 o da Lei estadual
nº12.786).
635Agência Estadual de Regulação e Controle de Serviços Públicos (ARCON), criada

pela Lei estadual nº 6.099, de 30/12/1997, cuja função é de regular e controlar a


prestação dos serviços públicos cuja exploração tenha sido delegada a terceiros (art.
1o da Lei 6.099/97).

275
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

núcleos de competência setorial específicas em razão de sua potencial


relação de fomento com a União, já que, no modelo brasileiro, a atividade
reguladora vinculada à gestão dos serviços públicos pode ser transferida da
União para os Estados-Membros da Federação por intermédio de
convênio638, em face no disposto no art. 241 da Constituição Federal brasileira
de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional nº19/98, que
autoriza a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou
parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços
transferidos. A possibilidade de convênio, no entanto, depende da existência
de lei, autorizando a gestão associada dos serviços pretendidos, como
ocorre com o setor de energia elétrica, em que a lei regente639 permite a

636Agência Reguladora de Serviços Públicos do Rio Grande do Norte (ARSEP),


criada pela Lei estadual nº 7.758, de 09/12/1999, mediante transformação da
Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado do Rio Grande do Norte
(ASEP-RN), criada pela Lei nº 7.463, de 02/03/1999, com finalidade de regular,
controlar e fiscalizar os serviços públicos delegados (art. 2o da Lei 7.758/99).
637Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transporte e

Comunicações da Bahia (AGERBA), criada pela Lei estadual nº 7.314, de


19/05/1998.
638Os convênios são acordos entre entes públicos ou entre estes e privados para

consecução de objetivos comuns dentro de competências institucionais comuns para o alcance


de resultado comum em um ambiente de mútua colaboração entre os partícipes. Conferir:
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública.
Concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 3a ed., São
Paulo: Atlas, 1999, p. 177-179. Assim, os convênios diferenciam-se dos contratos
pelos aspectos: a)estrutural, que se refere ao conteúdo da vontade expressa pelas
partes. Nos contratos, as partes visam a objetivo diverso, no acordo, ambas
pretende alcançar o mesmo fim; b) funcional, pois ligado ao interesse que se
pretende satisfazer. No contrato, as partes compõem seus interesses; no acordo, elas
os unificam por serem comuns; c) teleológico, que diz respeito à satisfação
específica do interesse público. O contrato é finalístico. A Administração Pública é
uma das partes, que obtém a satisfação do interesse público mediante a prestação da
outra parte. O acordo é instrumental, pois o atingimento do interesse público se dá
pela via da cooperação entre entidades públicas; d) patrimonial, referente à
transferência econômica, que está presente nos contratos e é estranha ao acordo de
natureza pública. Nestes últimos, os recursos continuam afetados ao interesse
público que os motivou.
639Lei 9.427, de 26/12/1996, art. 20, caput. O mesmo ocorre com o setor do

petróleo, em que a Lei 9.478, de 06/08/1997 prevê, no seu art. 8 o, VII e XV a

276
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

execução das atividades complementares de regulação, controle e


fiscalização dos serviços e instalações de energia elétrica pelos Estados e
pelo Distrito Federal, mediante convênio de cooperação. O convênio, por
sua natureza, não transfere a titularidade do serviço do ente regulador, que
pode retomá-lo a qualquer momento, exigíveis as devidas compensações.
A partir do momento em que foram introduzidas no modelo
regulatório brasileiro, as agências reguladoras fizeram aflorar o conceito de
otimização funcional, que vem exigir dois requisitos para sua implementação640:
autonomia da agência reguladora; e escolha de instrumentos que incentivem
a eficiência produtiva e alocativa. Fala-se muito em independência da agência
reguladora, cuja origem tem como referência natural a distinção da doutrina
norte-americana entre as regular ou oldline agencies e as independent agencies641,
mas para maior precisão terminológica, o ideal seria a utilização do conceito
de autonomia, mais condizente com a necessária interpenetração estrutural
do Estado.642 Tal autonomia não deve ser entendida como arbítrio do
colegiado decisório – autonomia sem vínculo finalístico. Ela é exatamente
definida pelo seu fim de promoção do interesse público visualizado
preponderantemente, quanto aos serviços, no interesse do usuário e da sociedade

possibilidade de fiscalização das atividades integrantes e a aplicação de sanções por


Estados ou pelo Distrito Federal mediante convênio. De fato, a Comissão de
Serviços Públicos de Energia – CSPE, criada pela Lei Complementar 833/97, no
Estado de São Paulo, tem competências no setor de eletricidade, por delegação da
ANEEL, no setor de petróleo e gás, por delegação da ANP, e no setor de gás
canalizado, como longa manus estadual, que é o poder concedente deste serviço (art.
25, §2o da CF/88). A lei brasileira de telecomunicações não abre tal possibilidade.
640MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista de

Informação Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171, janeiro/março 1999, p. 145.


641PARKER, Reginald. Administrative Law. Indianápolis: The Bobbs-Merrill

Company, 1952, p. 95.


642“Independência é uma expressão certamente exagerada. No mundo jurídico,

preferimos falar em autonomia. Mas garantir a independência é fazer uma afirmação


retórica com o objetivo de acumular o desejo de que a agência seja ente autônomo
em relação à Administração Pública, que atue de maneira imparcial e não flutue sua
orientação de acordo com as oscilações próprias do Poder Executivo, por força até
do sistema democrático.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos
valores e conflitos, p. 1296. In: Anais da XVII Conferência Nacional dos
Advogados. Justiça: realidade e utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos
Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297).

277
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

e, quanto à política industrial, de um lado, na eficiência da atividade regulada e


de outro, na vinculação da atividade ao fim de incremento do espaço
público. Estes fatores, sob um ponto de vista jurídico, prevalecem sobre
outros objetivos de maximização do lucro e concentração de empresas em setores mais
rentáveis do mercado, do ponto de vista das prestadoras, e maximização das
receitas fiscais, do ponto de vista do Estado.643
A autonomia característica das agências reguladoras não se
restringe à ideia abstrata de menor vinculação política. Ela demanda
conformações estruturais e organizações concretas, que se manifestam na
personalidade de direito público interno, na autonomia de objetivos, de instrumentos,
orçamentária, financeira e na autonomia decisória, que engloba o processo de
indicação e inamovibilidade de seus membros e irrecorribilidade das suas decisões.
O primeiro passo para visualização de um grau de
independência das agências está na sua natureza jurídica de pessoa de direito
público interno, revelando, assim, seu destaque da Administração direta como
autarquia federal, estadual ou municipal, conforme o ente político – União,
Estados-Membros, Distrito Federal ou Municípios – a que estiver ligada.
Argumentos como o descrédito do dirigismo estatal absoluto,
a ineficiência e comprometimento político das atividades desempenhadas
pelas empresas estatais e as pressões internacionais de abertura dos setores
econômicos são carregados de preconcepções de mundo que valorizam um
dos inúmeros aspectos exaltados no momento histórico da opção pela
introdução das agências reguladoras na década de 1990 no Brasil. Eles
teriam feito com que uma das características apontadas ou desejadas para as
agências reguladoras fosse a sua autonomia do poder público central.
Pode-se enunciar, ainda, como outra causa da autonomia das
agências frente ao poder público central, a busca por um espaço público,
cuja presença somente pode ser sentida quando este não se confunde com
os interesses de governo. Ao controlar o órgão regulador, a Administração
Direta do Estado faz prevalecer o interesse político sobre a eficiência e
qualidade da prestação do serviço, sobre o próprio interesse público de
modicidade das tarifas e sobre o interesse público no equilíbrio da relação.
Apesar da fluidez das análises esboçadas, sob quaisquer dos pontos de vista
citados, a questão da autonomia de gestão da agência reguladora apresenta-
se como a pedra de toque do modelo idealizado no Brasil.

643MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista de
Informação Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171, janeiro/março 1999, p. 146.

278
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

Independentemente do acerto ou equívoco das afirmações


anteriores, o fato é que a estrutura desenhada para regulação setorial, no
Brasil, permitiu a fixação de um esquema de forças quadripartite: a) produtor
da utilidade pública; b) usuário/consumidor; c) Poder Público detentor da rede
essencial à prestação do serviço ou titular do monopólio de exploração e,
finalmente; d) o próprio ente regulador. O modelo brasileiro posicionou a
agência reguladora em local equidistante dos outros três atores do esquema
de relativa autonomia. O ente regulador pode sobrevalorizar um dos outros
três componentes, mas o fará sob pena de perder sua condição de espaço
público de discussão e contato entre os atores setoriais e, portanto, em
detrimento da credibilidade perante os demais atores preteridos. O próprio
esquema de forças vem simplificado ao extremo, pois não contempla a
distinção intestina de interesses, por exemplo, aos próprios
usuários/consumidores, já que há usuários e consumidores efetivos e
potenciais; há usuários e consumidores assinantes e eventuais. Por exemplo,
os usuários e consumidores efetivos detêm o interesse natural de
diminuição tarifária, que poderá levar a diminuir o ritmo de expansão do
serviço para aqueles que ainda não o alcançaram, contrastando, assim, com
o interesse dos usuários e consumidores potenciais.644
A complexidade do esquema de forças e, em certos setores,
como o de telecomunicações, energia, petróleo e saúde, do expressivo peso
do poder econômico, aumenta a preocupação com o conhecido risco de
captura da agência pelo setor regulado. O esforço em se evitar que as agências
passassem a fazer às vezes de meras promotoras do sucesso econômico do
setor regulado em detrimento dos valores públicos que as justificaram não
necessariamente resultou na conformação dos mecanismos de controle
social visualizados nas agências da década de 1990, mas serve como aceno
de composição do modelo de regulação setorial para um viés de

644Prezando pela modicidade das tarifas como a necessária ponderação entre todos
os interesses em jogo, inclusive o dos consumidores potenciais na ampliação da área
de prestação do serviço e contra o que chama de populismo regulatório, vide:
MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências
independentes. p. 86: nota 38. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98.

279
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

publicização das discussões. Aqui, a valorização do controle social645 previsto


nas estruturas centrais de decisão das agências reguladoras.646

4.3.3.4 AUTONOMIA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS


No tocante à relação entre a agência reguladora e o poder
público, existem aspectos reveladores do seu grau de autonomia, que
auxiliam na compreensão do modelo regulador brasileiro. São eles: o
processo de indicação dos membros da agência e de seu afastamento;
autonomia orçamentária e financeira; garantia de inamovibilidade de seus
membros; irrecorribilidade das decisões de sua competência na esfera
administrativa; reserva de poderes normativos suficientes à adequação das
metas setoriais à dinâmica de cada atividade.
Iniciando por esse último índice de autonomia, o poder
normativo das agências reguladoras tratado acima costuma ser acusado de
usurpar função reservada ao Poder Legislativo. Poder normativo da
Administração Pública somente pode existir sob a égide da submissão das
atividades das agências reguladoras à lei, ou seja, à normatização primária.
Assim, o poder normativo da agência reguladora não pode ser convertido
em criação normativa independente da norma primária sobre a qual se
apoia. Por outro lado, a constitucionalidade da lei atributiva de poder
normativo à agência reguladora correspondente dependerá da previsão
simultânea de “standards suficientes” capazes de afastarem a acusação de
“delegação pura e simples de função legislativa”647.

645A radicalização da transparência e da publicidade da atividade regulatória é a forma


existente de fazer frente à tendência de captura da agência pelos regulados. Vide:
Ibid., p. 89.
646Entendendo a estrutura organizacional das agências como fortes indicadores da

autonomia do órgão regulador, vide: PECI, Alketa; CAVALCANTI, Bianor Scelza.


Reflexões sobre a autonomia do órgão regulador: análise das agências reguladoras
estaduais. p. 106. In: Revista de Administração Pública, vol. 34, nº 5, set/out de
2000, p. 99-118.
647“Quando reconheço ser constitucionalmente viável que elas [as agências

reguladoras] desfrutem de um tal poder [poder normativo], de modo algum estou


sugerindo que elas produzam “regulamentos autônomos” ou coisa parecida, pois
todas as suas competências devem ter base legal – mesmo porque só a lei pode criá-
las, conferindo-lhes (ou não) poder normativo [§] A constitucionalidade da lei
atributiva depende de o legislador haver estabelecido standards suficientes, pois do
contrário haveria delegação pura e simples de função legislativa” (SUNDFELD,
Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras, p. 27. In: SUNDFELD, Carlos Ari

280
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

Ao lado da reserva de poderes normativos suficientes à


otimização dos interesses envolvidos na regulação setorial, existem outros
índices úteis a evitar que a agência seja sufocada pela exiguidade de espaço
para promoção de estratégias setoriais.
Os títulos de independência de uma agência reguladora que a
qualificam como tal são: independência decisória, independência de objetivos,
independência de instrumentos e independência financeira. Destacando-se das
nuanças cotidianas das políticas de governo, o Estado implementa políticas
públicas por intermédio das agências, mas estas não se podem tornar
instrumentos do jogo político em particular.648
A independência decisória consiste em dar condições para que a
agência reguladora resista às pressões de grupos de interesse, mediante
procedimento compartilhado de nomeação dos dirigentes com participação
necessária do Executivo e Legislativo e fixação de mandatos de longo prazo
escalonados e não coincidentes com o período eleitoral. Associado a isso,
encontram-se regras legais definidoras das formas de perda dos cargos de
direção da agência, visando afastá-la, ao máximo, de interferências indesejáveis
por parte do governo ou da indústria regulada.649 Esse quadro de proteção
expressa dos cargos decisórios das agências reguladoras podia ser visto na
legislação de telecomunicações, em que, para proteção do mandato de seus
dirigentes, estipulava, até sua alteração pela Lei 9.986, de 18 de julho de
2000, que somente podiam perdê-lo em razão de renúncia, condenação
judicial transitada em julgado ou processo administrativo disciplinar.650

(coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 17-


38).
648A independência proposta “deve servir para que o órgão regulador seja um

instrumento de política governamental, e não um instrumento de política de um


governo” (MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Op. cit., p. 87).
649MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista de

Informação Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171, janeiro/março 1999, p. 146.


650A previsão expressa da referida proteção estava contida no art. 26, caput, da Lei

Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), mas foi revogado pela Lei 9.986, de 18
de julho de 2000. Para o caso da ANEEL, a Lei 9.427/96 prevê a nomeação
compartilhada dos diretores para mandatos não coincidentes, não os protejendo
expressamente da demissão ad nutum. Sobre a fragilidade, no Brasil, da proteção do
mandato com base em decisões do Supremo Tribunal Federal, vide: SILVA,

281
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

A decisão colegiada produz, em tese, os efeitos já


mencionados da colegialidade de funções, atomizando a responsabilidade e
impondo maior discussão e oportunidade de participação dos interessados
na questão mediante mecanismos de consulta pública. As decisões do
colegiado não estão sujeitas à revisão na esfera administrativa, submetendo-
se, entretanto, à cláusula pétrea brasileira de inafastabilidade da jurisdição.
Para o fechamento do modelo, as regras de preenchimento
dos cargos de direção das agências prevêem mecanismos de isenção dos
seus ocupantes frente aos interesses privados tutelados, tais como regras
proibitivas de vínculos dos diretores das agências com os setores
regulados651 e regras de incompatibilidades de mandatos, que imponham
exclusividade na função dirigente da agência652. Um dos mecanismos de
proteção das agências reguladoras contra a confusão entre interesses
privados e os desígnios públicos reguladores encontra-se na quarentena, que
visa impedir o recrutamento imediato de dirigentes das agências pelo setor
regulado mediante custeio indenizatório do período em que os ex-dirigentes
das agências permanecem tolhidos do pleno desempenho de suas
atividades.653
Quanto à possibilidade de exoneração dos diretores das agências
reguladoras, o Supremo Tribunal Federal brasileiro pronunciou-se
liminarmente sobre a questão, posicionando-se pela impossibilidade de

Fernando Quadros da. Agências reguladoras: a sua independência e o


princípio do Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, 2003, p. 130-134.
651A Lei Geral de Telecomunicações proíbe, no seu art.29, que o conselheiro tenha

interesse significativo, direto ou indireto, em empresa relacionada com


telecomunicações. Além disso, o conselheiro da ANATEL não pode representar
qualquer pessoa ou interesse perante a Agência no prazo de um ano após ter
ocupado o cargo (art.30).
652Os diretores das agências não devem ocupar outras funções públicas ou privadas.

O caso da Asep (Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos) do Rio de


Janeiro exemplifica o comprometimento que o modelo de autonomia das agências
procura evitar. Cf. PECI, Alketa; CAVALCANTI, Bianor Scelza. Reflexões sobre a
autonomia do órgão regulador: análise das agências reguladoras estaduais. p. 112. In: Revista
de Administração Pública, vol.34, nº.5, set/out de 2000, p. 99-118.
653Defendendo a tese de pagamento aos ex-dirigentes das agências por período

mínimo de 12 meses após o fim do mandato para indenizá-los da restrição do direito


individual de trabalhar, vide: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Op. cit., p. 85-86:
nota 37.

282
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

interferência unilateral legislativa na exoneração de dirigentes de agência


reguladora654, exigindo-se, no entanto, justo motivo para afastamento de
dirigente de agência pelo Chefe do Executivo em virtude da fixação de
mandato por lei e da forma complexa de nomeação com participação dos
poderes Executivo e Legislativo.
Independência de objetivos significa a determinação das finalidades
da agência em lei, afastando-a da hierarquia administrativa quanto à
identificação de pautas de conduta. Eventualmente, essa autonomia pode
vir a ser ampliada mediante um contrato de gestão.655
Ainda, a independência de instrumentos implica o fornecimento de
um rol de meios para que a agência reguladora possa dosar a aplicação de
sanções com os objetivos perseguidos. A presença da hipótese de fixação de
multas, de tarifas, extinção da concessão, permissão ou autorização e
intervenção na prestadora de serviço público evidencia a preocupação
normativa com a disponibilidade de instrumentos eficazes para atuação
direcionada às peculiaridades de cada caso.
Finalmente, a independência financeira manifesta-se na presença
de recursos materiais e humanos compatíveis com as finalidades a serem
atingidas pela agência reguladora. Ela é alcançada, em geral, com a fixação
de taxas de fiscalização, preços de utilização de bens escassos e percentuais
de tarifas para formação de fundos geridos pelas agências. Mesmo presentes
tais entradas de recursos, tem-se verificado a fragilidade de tal
independência, tendo-se em vista que, na dinâmica brasileira de orçamento
indicativo, há possibilidade de contingenciamento de recursos pelo
Executivo.
Há, ainda, dois conceitos que devem ser levados em conta
para análise da progressiva autonomia das agências reguladoras e seus
limites. Diferencia-se doutrinariamente autonomia de autorregulação. A
autorregulação é caracterizada pela gestão de uma atividade pelos próprios

654ADIn1949-0/RS, relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, por


maioria suspendeu liminarmente a eficácia do art.8 o, da Lei 10.931, de 09/01/1997:
“Art. 8o O Conselheiro só poderá ser destituído, no curso do seu mandato, por
decisão da Assembleia Legislativa”.
655A independência de objetivos da ANEEL é ampliada mediante um contrato de

gestão negociado e celebrado entre a Diretoria e o Poder Executivo, como


instrumento de controle e avaliação de desempenho. (art. 7 o, da Lei 9.427/96). Tal
previsão não existe para o setor de telecomunicações brasileiro.

283
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

regulados.656 Dar autonomia a um ente de direito público interno autárquico


para que regule um âmbito de atividades de sua competência é
sensivelmente diferente de se prever a gestão de atividades pelos próprios
regulados. No Brasil, o setor de comunicação de massa e o setor postal
resistem à regulação normativa centralizada acenando com os benefícios da
autorregulação. A substituição da exorregulação – regulação pelo Estado –
pela autorregulação sofre críticas doutrinárias por levarem à
“institucionalização de autênticas corporações de ofício”657, o que afastaria
das instituições de autorregulação o aspecto de espaços públicos.
O limite da autonomia de setores regulados apresenta-se no
conceito de autorregulação, que não condiz com o poder de polícia
exercido pelas agências reguladoras.658
Estas exercem regulação de caráter público659, mas inseridas em
ambiente autônomo.
O fato de um ente público ter autonomia não desvirtua seu
caráter público, pelo contrário, o enfatiza mediante sua isenção de interesses

656O Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária é um exemplo vivo de


autorregulação voluntária. Apresenta-se como organização não-governamental –
sociedade civil sem fins lucrativos –, fundada em 5 de maio de 1980, constituída por
entidades representativas das agências de publicidade, dos veículos de comunicação, de anunciantes e
de todas as demais entidades que aderirem ao Código Brasileiro de Auto-Regulamentação
Publicitária e se comprometerem a seguir as decisões do Conselho de Ética e do Conselho Superior
do Conar (art.9o do Estatuto Social do Conar), tendo por objetivos sociais, dentre
outros, zelar pela comunicação comercial, promover a liberdade de expressão publicitária e a defesa
das prerrogativas constitucionais da propaganda comercial (art. 5º, I e VI do Estatuto Social
do Conar). O desrespeito de suas recomendações dá ensejo a advertências, censuras públicas,
suspensão ou eliminação do quadro social (art.15 do Estatuto Social do Conar).
657GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São

Paulo: Malheiros, 2000, p. 95.


658A escassa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro sobre o tema

aponta a exigência de natureza jurídica de direito público para o exercício de poder


de polícia. A Representação nº 1.169/DF – relator Min. Soares Muñoz,
j.08/08/1984 (RTJ 111/87) – apresenta os conselhos federais de fiscalização de
profissionais liberais como autarquias corporativas. O Mandado de Segurança nº
22.643-9/SC – relator Min. Moreira Alves, DJ 04.12.1998, Ementário nº1934-01 –
determina a submissão dos Conselhos Regionais de Medicina, como autarquias, à
prestação de contas ao TCU.
659Floriano Marques utiliza o termo regulação de caráter público para diferenciar da

autorregulação. Conferir: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Op. cit., p. 83.

284
FUNDAMENTOS DE DIREITO REGULATÓRIO

políticos momentâneos em nome de interesses políticos permanentes


plasmados no texto constitucional e reproduzidos na legislação
infraconstitucional. A crítica à progressiva autonomia das agências
reguladoras seria pertinente se a independência fosse total. Por isso, embora
a legislação setorial brasileira, em geral, fale em independência, o termo
jurídico mais apropriado será sempre autonomia regulatória.
Os índices de autonomia regulatória foram finalmente
explicitados pela Lei 13.848, de 25 de junho de 2019, aplicável a todas as
agências reguladoras, que ficou conhecida como a Lei das Agências
Reguladoras. Ela dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório
e o controle social das agências reguladoras, alterando as leis setoriais e
enumerando as onze agências reguladoras federais objeto da disciplina
unificada sobre o seu processo decisório. Pode-se dizer que ela inaugurou
um verdadeiro novo regime jurídico processual-administrativo
regulatório caracterizado, por exemplo: a) pela realização de Análise de
Impacto Regulatório (AIR) prévia à adoção e às propostas de alteração de
atos normativos; b) pelo princípio de adequação entre meios e fins, vedada
a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquela
necessária ao atendimento do interesse público; c) pelo caráter colegiado e a
exigência de deliberação por maioria absoluta do conselho diretor ou
diretoria colegiada da agência em processo de decisão referente à regulação;
d) pela obrigatoriedade de consulta pública prévia à tomada de decisão
sobre minutas e propostas de alteração de atos normativos de interesse
geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços
prestados, entre outros.
A Lei das Agências Reguladoras também manteve as
características garantidoras da autonomia das agências reguladoras próprias
aos seus marcos regulatórios setoriais e reafirmou, com o requinte de eximi-
las da tulela ministerial, a afirmação de que a agência reguladora, agora
como categoria jurídica geral, é caracterizada pela ausência de tutela ou de
subordinação hierárquica, pela autonomia funcional, decisória,
administrativa e financeira e pela investidura a termo de seus dirigentes e
estabilidade durante os mandatos.

285
MANUAL DE DIREITO REGULATÓRIO

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