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Transcrição de Direito Comercial I

Aula dia 07/04/2011

Senhores, vista a questão da atividade, podemos ver agora uma outra coisa, que é o FUNDO DE
EMPRESA. Nas aulas passadas, vimos o que era a atividade empresária.

Pauta de Aula:

1. Definição
2. Elementos
3. Clientela
4. Aviamento
5. Natureza Jurídica
6. Cessão de Fundo
7. Oneração de Fundo

1) Definição

A atividade empresária se desdobra em dois aspectos: identificamos o primeiro aspecto como sendo
aquele do ponto de vista de quem exerce a atividade empresária (a figura do empresário, ponto de
vista subjetivo) e, de outro lado, temos os instrumentos utilizados para o exercício dessa atividade
empresária. Ou seja, para possibilitar o exercício da atividade empresária, o empresário utiliza
determinados instrumentos que constituem o chamado fundo de empresa ou estabelecimento.

Antigamente, a expressão usada era a do “fundo de comércio”, por se tratar do fundo utilizado pelos
comerciantes para o exercício de suas atividades. Hoje em dia, havendo a substituição da figura do
comerciante pela figura do empresário, fala-se em fundo de empresa ou estabelecimento.

Antes de mais, uma questão de precisão terminológica. “Estabelecimento” em Direito Comercial


não tem o conteúdo que tem a palavra “estabelecimento” na linguagem comum. Na linguagem
comum, quando se fala em “estabelecimento do comerciante” (do João, da Maria, etc.) vocês estão
se referindo à loja física da pessoa. O conceito jurídico de estabelecimento ou fundo de empresa
é diferente, corresponde ao conjunto de elementos reunidos pelo empresário para o exercício
da atividade empresária.

Então, quando se fala no estabelecimento com sentido de loja (linguagem comum), eu pergunto a
vocês: o vendedor ambulante (camelô) teria estabelecimento?

Resposta da turma:

Aluno 1: “Não, porque fica num lugar público, no meio da rua, lugar comum, não é lugar dele ou
alugado.”
Aluno 2: “Sim, porque não precisa ser especificamente um lugar dele, mas qualquer local que ele
exerça sua atividade, sendo um elemento do seu estabelecimento. A barraquinha, a mesinha, o pano
que ele usa para correr...”

O ambulante/camelô vai ter também estabelecimento, uma vez que no sentido jurídico o
estabelecimento é o conjunto de elementos reunidos pelo empresário para o desenvolvimento da
atividade empresária.

Então ele vai ter estabelecimento da mesma maneira que aquele sujeito que tem uma loja no
shopping tem estabelecimento, da mesma maneira que uma usina hidroelétrica tem estabelecimento.
Todos reúnem elementos para o exercício de uma atividade empresarial.

Aluno: Não entendi a diferença entre estabelecimento e fundo de empresa.

Fundo de empresa e Estabelecimento são exatamente a mesma coisa, são duas palavras que são
sinônimas uma da outra, do ponto de vista jurídico.

Aluno: Mas o camelô tem estabelecimento mesmo nos casos em que não tiver autorização para
exercer sua atividade?

Uma terceira coisa que veremos, na próxima aula, é a questão do registro e da legalidade do
exercício da atividade. Não existe nenhum requisito, do ponto de vista do direito de empresa, para o
exercício da atividade empresária. Então se a atividade é exercida por um sujeito que está
devidamente registrado ou não está devidamente registrado, isso é absolutamente irrelevante para
definir a natureza da atividade. O que importa com relação à atividade é aquilo que está contido no
caput do art. 966 CC:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada
para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Então o fato do camelô vender sem autorização é absolutamente irrelevante.

Entendido, portanto, a definição do que é fundo de comércio? Não confundir fundo de comercio
ou estabelecimento com loja. Não tem nada a ver com loja!

Aluno: (inaudível)

Fundo de comércio estava ligado ao comerciante, mas no momento em que você abandona o
conceito de comerciante para empresário, deixa de usar essa terminação por ser mais genérico e
vago.

Quais são os elementos que compõem o fundo de empresa? Há uma primeira observação
preliminar: não existem dois fundos de empresa iguais. Por quê? Ora, em virtude da sua própria
definição: se fundo de empresa é aquilo que é reunido pelo empresário para o exercício da atividade
empresaria, cada empresário é senhor da decisão de quais elementos deseja reunir. Então, seja em
razão da atividade exercida, seja em razão da figura do empresário, não haverá dois
estabelecimentos iguais.

O estabelecimento sempre vai reunir elementos de natureza e características diferentes. Não existe,
portanto, um padrão para o estabelecimento, não existe algo que diga o que um estabelecimento
deve ter ou não ter.

2) Elementos

Olhando o estabelecimento e seus elementos, é possível classificar e organizar materialmente esses


elementos, e a primeira classificação que se faz é entre os elementos materiais e imateriais.

Materiais: Produtos; Estoque; Móveis; Máquinas; Veículos;...

Imateriais: Marca; Tecnologia; Patentes; Direitos Autorais; Modelo de Utilidade; Nome do


Estabelecimento; Ponto
Categoria à parte: Pessoas, Contratos, e Imóveis que serão definidos posteriormente!

Portanto, todos esses elementos que podem ser reunidos pelo empresário para o exercício de sua
atividade são considerados elementos de natureza material. Falamos aqui de bens móveis que
integram o fundo de empresa.

Os elementos materiais do fundo de empresas são esses e quaisquer outros que vocês possam
pensar. É tudo aquilo que pertence à categoria de bens móveis materiais e que pode ser usado pelo
empresário para o exercício de sua atividade.

E no rol dos elementos imateriais o que temos?

Marca: Vivemos hoje sob o império das marcas. Falamos no direito ao uso de uma marca, que seria
seu elemento de identificação. Para que serve uma marca? Serve para identificar aquele
determinado produto com relação aos demais produtos. As marcas nasceram no passado quando os
comerciantes marcavam seus produtos para separá-los dos demais. Depois, a marca vira sinônimo
de qualidade, ou seja, definia os produtos que se destacavam por terem melhor qualidade do que os
outros. Logo, a marca virou um elemento para identificar a qualidade dos produtos ou serviços.
Juridicamente falando, a marca é um elemento de identificação de um produto ou serviço. E o que
é juridicamente protegido é o direito ao uso dessa marca. O direito ao uso de uma marca decorre do
registro dessa marca no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Intelectual). Assim sendo, a marca
é um elemento imaterial do fundo de empresa.

Tecnologia: Associada à tecnologia encontramos as criações intelectuais, porém nem todas seriam
protegidas pelo direito. Dentre aquelas protegidas encontramos: as marcas, as patentes, os direitos
autorais e um outro direito de propriedade industrial chamado modelo de utilidade, que seria uma
nova utilidade dada a uma patente.

Patente: É o direito de proteger a invenção que tenha uma utilidade industrial ou técnica dado pelo
Estado. Enquanto a marca protege o elemento de identificação, a patente protege a criação
intelectual ou industrial. A patente, portanto, tal como a marca tem a característica da novidade, é
algo que não existe, que foi criado, e o que o direito está protegendo aí é a inventividade através do
uso exclusivo daquela patente ou marca. A diferença além da criação protegida é uma diferença
temporal, a marca tem uma duração ilimitada (pode-se renovar ad infinito, como vemos a Coca-
Cola) enquanto a patente tem uma duração limitada no tempo. O direito só da exclusividade do
uso durante um determinado período de tempo, de modo a permitir que as criações intelectuais
possam beneficiar em seguida todos aqueles que estiverem interessados. Vocês vêem
periodicamente determinadas patentes que se tornam de domínio público, o que significa que aquela
invenção pode ser explorada por qualquer um.

Direitos autorais: A mesma coisa acontece com os direitos autorais. O que seriam os direitos
autorais? Seria aquilo que protege a criação intelectual. Os direitos autorais têm dois
desdobramentos, em primeiro lugar, o direito de ser reconhecido, acolhido, ou seja, o direito do
criador de ser identificado como o autor daquela obra, e uma vertente patrimonial que é o direito de
receber uma remuneração pelo uso, ou melhor, é a comercialização daquela obra.

Todos já ouviram falar das obras que estão no domínio publico, mas o que isso significa? Significa
dizer que já se passaram “não sei quantos anos”1 desde a primeira publicação daquela obra, e,
1
Lei 9.610, de 19/02/1998 Art. 41. “Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de
janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.”
portanto, qualquer pessoa pode hoje publicar e comercializar aquela obra sem ter que pagar os
direitos autorais, sem ter que pagar pelos elementos patrimoniais daquele direito autoral.

Pergunta: Professor, a patente protege a inventividade e a marca ... (professor interrompe o aluno)

A inventividade industrial está relacionada ao uso, à criação de algum processo industrial ou a


algum mecanismo industrial, já a marca protege o elemento de identificação.

Modelo de utilidade: É uma nova utilidade, uma derivação da patente, que da uma nova utilidade a
um determinado produto ou determinado invento, melhor dizendo.

Esses são elementos imateriais do fundo de empresa, mas existem outros...

Vou fazer uma pergunta: aonde você comprou esse computador?


R: Comprei no “info-centro”.
Professor: Mas o que é a palavra Info-centro?

Falta aqui uma coisa que vocês esqueceram. O nome do estabelecimento é um elemento imaterial
importante, pois permite identificar aquele estabelecimento.

Aonde você comprou esse código?


R: Na Saraiva.

Portanto, o nome do estabelecimento é também um elemento imaterial do estabelecimento, se


amanhã o Senhor Saraiva vende as livrarias saraiva, ele poderá vender também o nome do
estabelecimento.

Qual a diferença entre nome do estabelecimento e marca?

Quando você vai no Mc Donald's, qual o nome do estabelecimento?


R: Mc Donald's
Quando você come um Big Mac, qual é a marca?
R: Big Mac

No caso do Mc Donald's, você tem uma marca Mc Donald's certamente, mas você tem também Mc
Donald´s como nome do estabelecimento. Alem de ter Mc Donald's como nome do estabelecimento
e como marca, você tem depois marcas que definem os produtos que são vendidos lá.

Aluno: Nome do estabelecimento é sinônimo de razão social?

O nome do estabelecimento identifica o estabelecimento, e razão social identifica o empresário. É


uma das modalidades do nome do empresário.

Então qual a diferença entre nome do estabelecimento, nome do empresário e marca?

Nome do empresário é um elemento de identificação do empresário, nome do estabelecimento


é a identificação do estabelecimento, e marca é a identificação de um produto ou serviço.

Aluno: E o nome de fantasia?

O nome do estabelecimento pode corresponder também ao nome de fantasia. O nome de fantasia é


o nome sobre o qual os comerciantes podiam exercer suas atividades. Então você tinha “João da
Silva e Cia”, que atuava como uma firma - como um tipo social chamado firma -, e obviamente
“João da Silva e Cia”, não era algo que tinha grande apelo comercial, então a sociedade chamava
“João Silva e Cia” e tinha o nome de fantasia “Melhores Biscoitos do Mundo”, por exemplo, logo,
você passava a ter o nome de fantasia associado ao nome do empresário.

Aluno: O nome do empresário pode ser uma pessoa jurídica?

Claro, se o empresário for uma pessoa jurídica.

Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás) é o que? É um nome de um empresário. Petrobrás é um


empresário. Esse é um outro problema de terminologia, nós normalmente estamos acostumados a
usar a palavra empresário na linguagem comum, como sujeito, aquela pessoa natural que exerce a
atividade empresaria. O Sr. Gabrielli não é empresário coisa nenhuma, ele é diretor-presidente da
Petrobrás. Quem é o empresário é a Petrobrás. O Eike Batista não é empresário. Eles são diretores
de sociedades empresarias. Quem exerce a atividade empresarial não é o Sr. Eike, mas a sociedade
que investe em companhias limitadas.

Aluno: Pode a sociedade ser um empresário?

Pode, claro.

Alguém já teve a curiosidade de ler o que está escrito no ticket do caixa do Mc Donald's?
É um nome que não tem rigorosamente nada a ver com Mc Donald's, Big Mac, Mc Lanche Feliz,
etc. O resultado prático disso ilustra claramente que o nome do empresário não tem
rigorosamente nada a ver com o nome do estabelecimento ou com a marca. Podem ser
coincidentes, com certeza, pode haver uma coincidência, mas não quer dizer que seja a regra. Por
exemplo, você não pede um “Mc Donald's” no Mc Donald’s.

Aluno: (inaudível)

Dentro de um mesmo estabelecimento você pode vender produtos e serviços de diversas marcas.
Como o caso das roupas, que são vendidas diferentes marcas dentro de uma loja.

Entendido isso, os diferentes elementos imateriais?

Naquela categoria à parte encontramos Pessoas, Imóveis e Contratos, e alguém poderia ter dito
também Dívidas.

Pessoas: As pessoas fazem parte do fundo de empresa? Obviamente, ao afirmar isso, você se
colocava na posição de empresário, e não na posição de comércio. Como se diz, ele não tem nada
contra a escravidão por ser dono de escravo, é uma questão de perspectiva de como o direito de
comporta.
As pessoas não podem fazer parte do fundo de empresa, pois o fundo de empresa é um objeto de
direito. E eu disse a vocês que o fundo de empresa é um conjunto de elementos reunidos pelo
empresário para o exercício da atividade empresarial. Portanto, o conjunto de elementos é o objeto
através do qual o empresário exerce a sua atividade. Razoavelmente, não é possível um ser
humano ser objeto de uma relação jurídica, ninguém pode comprar ou vender uma pessoa.

Contrato: O contrato integra o fundo de comércio? Seria parte do fundo de comércio?


O contrato pode ser cedido. Mas então qual seria a regra? A regra é a seguinte, os contratos não
fazem parte do fundo de comercio, no entanto, os contratos podem ser objeto de cessão,
quando é cedido o fundo de comercio.
Por favor, leia o artigo 1.148 do código civil:

Art. 1.148. Salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente


nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal,
podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência,
se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante.

O que quer dizer este artigo? Ele estabelece que havendo cessão do estabelecimento há sub-rogação
dos contratos, o que significa que os contratos não são propriamente elementos do fundo de
empresa, mas são acessórios, estão relacionados e vinculados ao fundo de empresa, e,
portanto, sofrem as conseqüências da cessão do mesmo. Então, o contrato não é propriamente
um objeto, ou um elemento do fundo de empresa, mas está diretamente vinculado a ele. É o caso,
por exemplo, do contrato de locação de máquinas e equipamentos, do contrato de locação de
móveis, do contrato de trabalho... Tais contratos vão ter o mesmo destino que for dado ao fundo de
empresa

Pergunta da turma: (inaudível)

Diz-se cessão de contrato de trabalho, e não das pessoas.

Dívidas: As dívidas se encontram na mesma situação dos contratos. O que é uma divida? Ora, uma
dívida nada mais é do que uma obrigação, podendo ser de natureza contratual ou de natureza legal.
Então a divida não vai integrar propriamente o fundo de empresa, mas se ela decorrer de uma
relação contratual, ela vai ser transferida junto com o fundo de empresa.

Imóveis: A questão dos imóveis é uma questão peculiar. Os imóveis só não integram o fundo de
empresa em razão da natureza jurídica do fundo de empresa, que a gente vai ver aqui, que é a
de um bem móvel, e, portanto sendo de um bem móvel, ela não pode, em princípio, carregar dentro
de si, o bem imóvel.

Entendida a parte dos elementos do fundo de empresa?

Aluno: Dívidas legais não podem ser repassadas?

Dívidas legais pertencem à pessoa. O tributo devido é normalmente devido por aquele que exerce a
atividade e não por seu sucessor. Apesar de que, conforme nós veremos aqui, o Código Tributário
Nacional estabelece uma previsão de responsabilidade por sucessão, tanto do sucessor quanto do
adquirente do fundo. Mas por regra, a dívida pertence à pessoa que a contraiu. Vejamos o que diz o
CTN:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por
qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e
continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome
individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a
data do ato:
       I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
      II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis
meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio,
indústria ou profissão.
    §1o O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial: 
       I – em processo de falência; 
       II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.
       §2o Não se aplica o disposto no §1o deste artigo quando o adquirente for: 
        I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo
devedor falido ou em recuperação judicial;
        II – parente, em linha reta ou colateral até o 4 o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do
devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou (
        III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo
de fraudar a sucessão tributária.
        §3o Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade
produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo
de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de
créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário.

Aluno: (inaudível)

Quando eu transfiro o fundo de comércio, não necessariamente eu transfiro o imóvel. Por exemplo,
dívida com o FGTS, contribuição social dos empregados, imposto de renda, ICMS, ISS, tudo isso
em princípio é do empresário que realizou a atividade. No caso de cessão do fundo a um terceiro, o
empresário inicial continua responsável: o que pode acontecer em determinadas circunstâncias é
uma responsabilidade do sucessor.

Aluno: (inaudível)

Os contratos podem ser cedidos porque o art. 1.148 do Código Civil 2 prevê essa hipótese, mas
vejam que o mesmo artigo estabelece uma ressalva. O contratante tem o direito de dizer em 90 dias
que não quer contratar com o Fernandinho Beira-Mar, por exemplo. Se antigamente eu tinha um
contrato com a Madre Tereza de Caucutá, agora não me interessa fazê-lo com o Fernandinho Beira-
Mar, quero continuar tendo meu contrato com a Madre Tereza.

Aluno: (inaudível)

Isso ai são os documentos relativos aos empresários. A carteira de identidade do camelô faz parte
do fundo? Não! Os documentos são do empresário, não do fundo.

Aluno: (inaudível)

Se eu sou devedor dela, eu não posso chegar e pagar a ele. Estamos pulando para a sobremesa sem
comer o prato principal. A transferência significa, de acordo com o artigo 1.148, que cedidos os
elementos do fundo, considera-se que estão cedidos também os contratos ali relativos, salvo os
contratos de natureza pessoal. No entanto, tem o credor desses contratos o direito de dizer o
seguinte: “não aceito continuar fornecendo ao seu João ou ao seu Manoel”.

Duas questões a serem vistas em termos de fundo de empresa são a da clientela e do aviamento.
2
Art. 1.148. Salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos
estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o
contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a
responsabilidade do alienante.
3) Clientela

Em primeiro lugar, o que é a clientela? Você é cliente? Sim. O que significa ser cliente? Significa
ser cliente de um determinado empresário ou de um determinado estabelecimento?

Você vai ao cabeleireiro?


Aluna: Sim.
Se a moça que atende você mudar do seu salão para um salão B, você vai atrás dela?
Aluna: Acho que sim.

A sua resposta nos mostra que existem dois tipos de clientela: a clientela do estabelecimento e a
clientela do empresário. Clientela, portanto, são todas aquelas pessoas que contratam com o
empresário através do estabelecimento.
Clientela do estabelecimento: Se um sujeito faz compra num supermercado X e amanhã aquele
estabelecimento for cedido para outro empresário, o sujeito vai continuar a fazer compras naquele
supermercado X. O relevante é a atividade que é prestada ou o produto que é vendido através
daquele estabelecimento, e não a figura do empresário.
Pode, no entanto, acontecer à figura da clientela ser do empresário, e não a clientela do
estabelecimento.

Temos também a clientela permanente e a clientela flutuante. Aqueles são os sujeitos que são
contumazes3 de um determinado estabelecimento e esses são os que vão ali esporadicamente. Então
clientela tem essa outra característica. E eu pergunto a vocês, qual é a natureza jurídica dessa
clientela? Essa clientela é um elemento de um fundo de empresa? É obvio que a clientela não vai
ser um elemento do fundo de empresa, pelas mesmas razões que as pessoas ou empregados não
podem ser elementos do fundo de empresa.

A clientela nada mais é que uma por seqüência, um elemento de uma outra coisa chamada
aviamento.

4) Aviamento

Aviamento é uma velha expressão do direito comercial, da Idade Média, que os “moderninhos”
sacrificaram e a transformaram em uma expressão inglesa. O aviamento nada mais é do que a
capacidade do fundo de empresa de ser rentável. Isto é, o empresário, ao iniciar a sua atividade,
reúne uma série de elementos no fundo de empresa, sendo que tais elementos podem ter sido
adequadamente reunidos ou inadequadamente reunidos. Se forem adequados, esse fundo de
empresa vai ganhar muito dinheiro, proporcionando ao seu empresário uma rentabilidade. Por outro
lado, se esses elementos forem mal reunidos, vão proporcionar ao empresário um prejuízo. A
maneira mais fácil que vocês podem compreender isso é assistindo a um filme clássico chamado
“Uma Linda Mulher”. Qual era a atividade que exercia o Richard Gere? Aparentemente ele era um
vagabundo, só namorava a moça, mas ele tinha uma atividade profissional. Qual era a atividade
profissional dele?

Aluno: Ele comprava empresas falidas.


Professor: Como?
Aluno: Ele comprava empresas falidas.

É isso, com duas correções. Se você me disser no dia da prova que ele comprava empresas falidas,
3
Aquele que constitui hábito; costumaz, costumeiro, habitual.
eu vou responder 2 vezes que você está reprovado na primeira prova, não precisa nem fazer
segunda prova ou prova final.

A atividade dele era comprar sociedades que estavam falidas, mas ele não revendia essas
sociedades. Ele pegava o fundo de comércio dessas sociedades, separava os diferentes elementos e
os vendia separadamente, individualmente.

Vamos imaginar que eu tenha um estoque de produtos que vale R$100, móveis que valem R$30,
máquinas que valem R$70 e veículos que valem R$10. Considerando cada um dos elementos, eu
vejo que meu fundo de empresa tem um valor de R$210. Mas seria esse um valor que os outros
estariam dispostos a pagar pelo meu fundo de empresa? Como meu fundo de empresa dá prejuízo,
acredito que ninguém vai querer comprar por R$210. Podem comprar talvez por R$ 150. Então é
mais vantajoso pegar esses elementos e reparti-los, vendendo os produtos para uns, máquinas para
outros, veículos para outros, etc.

Outro exemplo. Abrimos uma loja de roupa muito cara no meio da favela da Rocinha. As pessoas
que são os clientes naturais dessa loja vão subir no meio do morro para comprar? Não vão. Do
mesmo modo, se a gente abrir uma joalheria caríssima aqui no morro da Mangueira as pessoas não
vão subir. Mas nós fizemos uma loja com chão de mármore, cadeiras incríveis, luminárias
fantásticas, etc. Nosso fundo de empresa, com cada um desses elementos somados daria um milhão
de reais, mas esse fundo de empresa valeria um milhão de reais? Claro que não. Então o aviamento
dele é negativo. Mas agora se nos pegarmos essa mesma loja, e colocarmos no meio do Leblon,
provavelmente o aviamento dessa loja vai ser positivo, pois as pessoas vão achar o máximo comprar
ali. E aquele fundo de empresa vai gerar uma enorme receita e uma enorme rentabilidade.

Aluno: Não entendi direito o que é o aviamento.

É o quanto vale, é a mais valia do fundo de empresa, podendo ser positivo ou negativo, apesar de
obviamente a palavra “mais-valia” indicar algo positivo. Mas enfim, se traduz na capacidade do
fundo de empresa de gerar lucro ou prejuízo.

Então a clientela está diretamente vinculada ao aviamento, porque em ultima análise o fundo de
empresa existe para a clientela. Ninguém exerce uma atividade para si mesmo, a não ser que o
sujeito esteja acometido de um narcisismo exacerbado, querendo ser ele mesmo seu melhor cliente.
Então, no resultado prático, esses dois conceitos andam sempre juntos, clientela e aviamento.

Aluno: (inaudível)

Se eu vender o fundo de empresa da CSL (que fabrica aço e vende para montadoras, construção
civil, etc.), a montadora pode dizer o seguinte: não antigamente eu comprava da Madre Tereza de
Calcutá e agora estou comprando do Fernandinho Beira Mar, não, não quero. Então, a mesma regra
do art. 1.148 aplica-se para todos os casos.

Portanto, clientela e aviamento traduzem a capacidade de geração de riqueza do fundo de


empresa.

5) Natureza Jurídica

O que é o fundo de empresa? Até 2002, não havia no direito brasileiro qualquer definição. Não
havia, na lei brasileira, nenhuma regra aplicável ao fundo de empresa. Ou seja, não existia um
regime próprio dentro do direito brasileiro. Foi apenas com o Código Civil de 2002 que se passou a
tratar do fundo de empresa, (artigo 1.142 e seguintes). E durante muitos e muitos anos discutia-se
no direito brasileiro o que seria esse fundo de empresa e qual seria a sua natureza jurídica.

Para alguns, o fundo de empresa era um sujeito de direito, ou seja, o fundo de empresa era a
entidade que exercia a atividade empresária. Essa classificação está errada por uma razão muito
simples: a personalidade jurídica, a qualidade de sujeito de direito, é atribuída por lei. A lei
estabelece quem são os sujeitos de direitos, e, portanto, não podem existir outros sujeitos de direito
além daqueles estabelecidos por lei.

A segunda tentativa para tentar definir a natureza jurídica do fundo de empresa consistia em
classificá-lo como patrimônio de afetação. Como vocês estudaram em introdução ao direito,
patrimônio de afetação é o conjunto de bens de um determinado patrimônio que são afetados pelo
titular do patrimônio para o exercício de uma atividade. Em conseqüência disso, esses bens
respondem apenas pelas conseqüências do exercício dessa atividade, sem prejudicar os demais
patrimônios do devedor. Este sistema corresponde efetivamente à definição do fundo de empresa.

Se vocês pegarem a definição do artigo 1.142, fundo de empresa é definido como o conjunto de
elementos reunidos pelo empresário para o exercício da atividade, o que corresponde exatamente à
noção de patrimônio de afetação. Só que no direito brasileiro não existe patrimônio de afetação,
existem apenas poucos casos, dois ou três, de patrimônio de afetação, e para eles a lei criou
uma exceção. A regra do direito brasileiro é a regra da unidade patrimonial, todos nós temos
apenas um único patrimônio. Se atropelarmos alguém, vamos responder com a integralidade do
nosso patrimônio pelo ato que cometermos. Então a responsabilidade é uma responsabilidade
absoluta, uma responsabilidade total, porque o patrimônio é único. No resultado prático, a teoria do
patrimônio de afetação, na ausência de previsão legal expressa, não funciona para justificar o que é
fundo de empresa.

Qual a única explicação razoável de acordo com a lei brasileira para o fundo de empresa?

O fundo de empresa é uma universalidade. E o que é uma universalidade? Uma universalidade


é o conjunto de bens que têm em conjunto um tratamento diferente do tratamento que é dado
individualmente a cada um desses bens. E nesse sentido o artigo 1.143 CC, diz expressamente
que:

Art. 1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou
constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.

Portanto, o art. 1.143 irremediavelmente obriga a classificar o fundo de empresa como uma
universalidade. Existem dois tipos de universalidade, a universalidade de fato e a de direito. A
universalidade de direito é aquela universalidade constituída por força de lei (casos típicos: a
herança, a massa falida, etc.), ou seja, são conjuntos patrimoniais reunidos por determinação legal.
O fundo de comercio não é reunido por determinação legal. É reunido por vontade do
empresário. Então o fundo de empresa deve ser considerado como uma universalidade de
fato.

6) Cessão do fundo de empresa

Vocês há poucos perguntaram o seguinte: por que o imóvel não esta dentro do fundo de empresa?

Senhores, qual é a forma exigida por lei para transferir a propriedade de um imóvel?

A transferência de um imóvel está sujeita a escritura pública se o imóvel for acima de um


determinado valor. Lembrando também que são requisitos do ato jurídico, para que o mesmo não
seja nulo, que o agente seja capaz, a forma seja prescrita ou não defesa em lei, e que o objeto seja
lícito. A forma tem que ser a prevista em lei ou não pode ser por ela proibida. Se o imóvel integrasse
o fundo de empresa, como nos faríamos se quiséssemos transferir a propriedade do imóvel?
Precisaríamos fazer uma escritura pública?

Aluno: Acho que sim.

Só que o fundo de empresa sendo uma universalidade é um bem móvel, e como você transfere a
propriedade um bem móvel? Entenderam a dificuldade? Portanto, por uma incompatibilidade de
forma, o imóvel não pode integrar o fundo de empresa, porque a alienação de um imóvel obriga a
escritura pública, e obriga também ao registro no RGI 4. Já a cessão de um bem móvel no fundo de
comércio se faz com a transmissão daquele conjunto de bens. Então seria um meio de fraudar a
forma de transmissão dos bens imóveis se estes integrassem o fundo de empresa.

O imóvel então não faz parte do fundo de empresa.

Porém, um “ponto” faria parte do fundo de empresa? O que é um “ponto”?

Aluno: Um local?

Acertou. O ponto é a localização. Quando dizemos que o fundo de empresa não inclui o imóvel, não
quer dizer que o fundo de empresa não inclua o “ponto”. O ponto faz parte do fundo de empresa.
Camelô tem ponto? Tem, pois você sabe exatamente aonde encontrá-lo. O comerciante tem ponto, o
ambulante tem ponto... Ambulante tem imóvel? Não, claro que não.

Qual é o propósito do exemplo? É demonstrar que o ponto não tem rigorosamente nada a ver com
imóvel. É obvio que determinados fundos de empresas vão estar relacionados a um ponto que está
relacionado com o imóvel, mas outros fundos de empresa nada têm a ver com imóvel ou com o fato
daquela atividade ser exercida num imóvel. Existe um sujeito aqui no caminho para o metrô que
fica vendendo bala, qual é o ponto dele? O ponto dele é o portão da UERJ. Esse ponto pertence a
ele? Claro que pertence, imagine o que acontece se você abrir uma barraquinha na frente da dele?
Ele vai bater em você, destruir a sua barraca e tudo mais.

Aluno: Você tem um ponto, mas você não pode exercer aquilo ali como imóvel?

Não, mas por exemplo, suponha que você alugou uma loja no centro da cidade, abriu sua
lanchonete e tempos depois você decide se aposentar. Quando você for vender aquela lanchonete a
um terceiro, o que você vai levar em consideração? Você vai analisar os produtos, equipamentos,
móveis, etc... Ainda que para você poder usar aquele imóvel você tenha um contrato de locação com
o proprietário. Suponha que você tenha que levar o cessionário do seu fundo de comércio para uma
conversa com esse proprietário, para propor a esse proprietário que ele continue como seu sucessor
nesse contrato de locação. O sujeito vai estar disposto a pagar mais pelo seu fundo de comércio se o
ponto for legal e menos se o ponto for ruim. Se o ponto for no Mangue ele não vai pagar o mesmo
que pagaria se seu ponto fosse ali no Buxixo, onde existe uma maior clientela que possa pagar mais.
Então é óbvio que você não pode impor ao novo locatário o seu locador, mas o seu ponto tem um
valor.

Aluno: (inaudível)
A cessão pode ter por objeto a totalidade do fundo ou somente parte do fundo. No caso da herança o
Código a define e determina quais direitos hereditários só podem ser transferidos por escritura
publica, o que faz com que você tenha uma coincidência de formas entre uma situação e outra.
4
RGI = Registro Geral do Imóvel
Eu posso ceder o estabelecimento se eu assim desejar. Eu não sou obrigado a morrer vassalo do
estabelecimento. Sendo o estabelecimento um objeto de direito, pode ser objeto de negócio jurídico.
Essa cessão pode ser feita a título gratuito ou oneroso, e pode ser total ou parcial. Algumas questões
são importantes quando se fala em cessão do fundo de empresa. A primeira é um requisito de
validade dessa cessão. Diz o artigo 1144:

Art. 1.144. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só
produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da
sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.

Isso quer dizer, portanto, que a cessão do estabelecimento tem que cumprir um requisito de
formalidade para ter validade perante terceiros. Esse requisito de validade é o registro do contrato,
no caso, na junta comercial. Então a cessão é valida entre o cedente e o cessionário desde o
momento em que ela é praticada, mas essa cessão só é valida perante terceiros se houver esse
registro. A conseqüência disso é que para um terceiro, enquanto não houver o registro, o
proprietário do fundo de empresa vai ser o cedente e não o cessionário. Para um terceiro, o
cessionário não terá qualquer responsabilidade, porque o cessionário não existe em tese para esse
terceiro enquanto não houver o registro.
Isso também é importante para as cláusulas limitativas de responsabilidade que nós vamos ver em
seguida.

A primeira questão importante então é a formalidade da cessão.

A segunda questão importante é a conseqüência da cessão. Quais são os efeitos dessa cessão? Um
efeito dessa cessão, por óbvio, é que o cedente deixa de ser o proprietário daquele fundo de empresa
e o cessionário passa a ser o proprietário. Mas qual é a conseqüência disso em termos de
responsabilidade?

Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da
alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento
destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação.
Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à
transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo
solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da
publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.
Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer
concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência. (aluna pergunta e prof.
manda ler este artigo também)

Qual é a regra? É o início da atividade. Houve aqui a cessão do estabelecimento. Podem acontecer
diversas situações.
Primeira situação: uma obrigação que tem como fato gerador esse momento aqui (FG01) e que é
cobrada aqui (Cob 01).
Segunda possibilidade: é uma obrigação cujo fato gerador surge aqui (FG02) e é cobrada somente
aqui (Cob 02).
Terceira situação: eu tenho uma obrigação cujo fato gerador é posterior a cessão, mas que a
cobrança é também posterior à cessão.
(Refere-se à linha do tempo abaixo)

Qual a responsabilidade do cedente e do cessionário em cada uma dessas situações?


Isso aí vai ser o dever de casa para trazer na próxima aula.

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