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TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA

A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA


TEMAS QUENTES

W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

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W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA


A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

Olá Futuro(a) Residente Jurídico(a) da DPE-RJ,

Você está iniciando hoje as rodadas preparatórias para o concurso de


Residente Jurídico da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Seja
muito bem-vinda(o)! Você perceberá durante todo o estudo o cuidado que
tivemos na seleção de cada tema. Buscamos identificar os assuntos de
maior relevância na atuação prática na Defensoria Pública, temas que são
quentes e podem ser questão do seu certame!

Esta é a primeira rodada de dez. Ao total serão aproximadamente sessenta


questões! O objetivo é treiná-los para prova, então vocês devem tentar
resolver as questões antes de partirem para a leitura do espelho. O
espelho é instrumento essencial para você se aprofundar nos temas,
contudo, antes de abri-lo, treine com o caderno de questões!

Desejamos sorte neste seu objetivo e que este material possa te ajudar a
alcançar a função de Residente Jurídico da Defensoria Pública do Estado do
Rio de Janeiro!

Qualquer dúvida, não deixe de nos procurar!

Até breve,

Coordenação da turma

PRISCILA COTTA
ANALISTA PROCESSUAL DA DPE-RJ
EX-RESIDENTE JURÍDICA DA DPE-RJ

RAONI ARAUJO
COORDENADOR ACADÊMICO DO PED
MESTRE PELA FND/UFRJ

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TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARAA PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA

ESPELHO DA RODADA I
1

QUESTÃO 1 Pedro, professor da rede municipal aposentado, recebe a título


de aposentadoria R$ 4.000,00, fonte única de seu sustento. Ocorre que Pedro
contraiu empréstimos junto à Caixa Econômica Federal, para custear seus
medicamentos, cujas parcelas, somadas, ultrapassam o valor de seus
proventos.

Assim, Pedro buscou a Defensoria Pública para que fosse assistido diante de
seu credor. No primeiro atendimento, Pedro foi informado que se enquadra na
categoria de superendividado e, por isso, faz jus a um pedido de repactuação
de dívidas. Diante do caso em tela, responda fundamentadamente acerca dos
seguintes pontos:

a) O que é superendividamento?
b) Levando em consideração a natureza jurídica do credor, qual é o juízo
competente para o processamento da ação?

PADRÃO DE RESPOSTA

a) Conforme prevê o art. 54-A, §1º do Código de Defesa do Consumidor,


incluído pela lei 14.181/2021, entende-se por superendividamento a
impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a
totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem
comprometer seu mínimo existencial. E, consoante o caso em tela, o §2º do
mesmo artigo dispõe que as dívidas referidas no §1º englobam quaisquer
compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo,
inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação
continuada. Assim, a situação de Pedro estaria abrangida pelo instituto.
b) De acordo com o caso em tela, o credor seria a Caixa Econômica Federal,
uma instituição financeira estatal que possui natureza jurídica de empresa
pública, uma vez que é composta por capital exclusivamente público. Via de
regra o juízo para causas envolvendo a CEF é a Justiça Federal, na forma do
art. 109, I da Constituição.
2
Entretanto, ao apreciar o RE 678162/AL, que versava sobre uma questão
falimentar, o STF interpretou a parte final do referido dispositivo, que
excepciona as falências da competência da Justiça Federal, no sentido de
abranger a insolvência civil numa concepção ampla. Assim, de acordo com o
julgado, o juízo competente para julgar a ação de repactuação de dívidas de
Pedro, embora o credor seja uma empresa pública federal, é a Justiça comum
estadual.

ESPELHO DE CORREÇÃO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Trabalhar o conceito de superendividamento 20

Citar os dispositivos legais 20

Esclarecer a natureza jurídica da CEF 20

Abordar o entendimento do Supremo Tribunal 20


Federal

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 20

COMENTÁRIOS

Um dos princípios básicos do direito do consumidor é a força obrigatória


dos contratos (derivada do conceito de autonomia privada) e que, por vezes,
minimiza o conceito de vulnerabilidade do consumidor.

Ou seja, os contratos devem ser cumpridos, independente da situação


econômica do consumidor, restringindo a possibilidade de revisão de cláusulas
contratuais e, assim, causando a inadimplência de muitos.

ATENÇÃO Justamente em razão da impossibilidade de revisão de cláusulas


3
contratuais, configurando-se, assim, o chamado contrato de adesão (art. 54
CDC), parte da doutrina (v.g. RIZZATTO NUNES) assevera que o brocardo
pacta sunt servanda não se aplica aos contratos de consumo.

Ainda que o adimplemento contratual seja a solução ideal, há casos


especiais que impedem que o consumidor consiga arcar com todas as suas
obrigações, gerando uma situação difícil para todos os envolvidos, com
consequências negativas para devedores e credores.

Se os consumidores devedores, por sua vez, não têm mais condições


financeiras de pagar todas as suas dívidas e, ao mesmo tempo, manter
condições mínimas de sobrevivência digna, ocorre o fenômeno do
superendividamento.

Superendividamento

Ocorre o superendividamento quando:

- o consumidor pessoa física;


- que está de boa-fé;
- não consegue pagar a totalidade de suas dívidas de consumo (exigíveis e
vincendas);
- sem comprometer o seu mínimo existencial.

[ Pessoa física + boa-fé + dívidas de consumo + mínimo existencial ]

O superendividamento está diretamente relacionado com o mínimo


existencial do indivíduo, conforme explicam Pablo Stolze e Carlos Eduardo
Elias de Oliveira:

“O superendividamento contém traços de uma morte civil


social. O indivíduo com o “nome sujo” e sem margem de
4
crédito tende ao ostracismo. Não consegue montar novos
negócios. Enfrenta estigmas ao buscar emprego. Sujeita-
se a viver “de favor”. (...) O motivo é que o
superendividamento fulmina o mínimo existencial do
indivíduo.” (GAGLIANO, Pablo Stolze; OLIVEIRA, Carlos
Eduardo Elias de. Comentários à Lei do
Superendividamento (Lei nº 14.181, de 1º de julho de
2021) e o princípio do crédito responsável. Uma primeira
análise. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,
Teresina, ano 26, n. 6575, 2 jul. 2021. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/91675).

A análise é certeira, tanto que o Código de Defesa do Consumidor, após


a lei 14.181/2021, passou a prever expressamente o seguinte:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo


tem por objetivo o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e
segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a
melhoria da sua qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das relações de consumo,
atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela
Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
(…)
X - prevenção e tratamento do superendividamento como
forma de evitar a exclusão social do consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)

Conforme citado na exposição de motivos do Projeto de Lei 3.515/2015,


que deu origem à Lei 14.181.2021, não se trata de proteger um consumidor
que deliberadamente contraiu dívidas maiores do que pode pagar, mas
daqueles que sofrem por circunstâncias que fogem ao seu controle e que
causam um justificado abalo na situação financeira das famílias.
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Mínimo existencial

Segundo Daniel Sarmento, a primeira formulação jurídica do direito ao


mínimo existencial talvez se deva a um jurista brasileiro – e não a um alemão,
como geralmente se afirma. Já em 1933, Pontes de Miranda se referiu à
existência de um direito público subjetivo à subsistência dentre o elenco dos
“novos direitos do homem” que compreenderia o que chamou de “mínimo vital”.
Nas suas palavras:

Como direito público subjetivo, a subsistência realiza, no


terreno da alimentação, das vestes e da habitação, o
standard of living segundo três números, variáveis para
maior indefinidamente e para menor até o limite, limite
que é dado, respectivamente, pelo indispensável à vida
quanto à nutrição, ao resguardo do corpo e à instalação.
É o mínimo vital absoluto. Sempre, porém, que nos
referirmos ao mínimo vital, deve-se entender o mínimo
vital relativo, aquele que, atentando-se às circunstâncias
de lugar e de tempo, se fixou para cada zona em
determinado período (...). O mínimo vital relativo tem de
ser igual ou maior que o absoluto. O direito à subsistência
torna sem razão de ser a caridade, a esmola, a
humilhação do homem ante o homem. (...) Não se peça a
outrem, porque falte; exija-se do Estado, porque êste
deve. Em vez da súplica, o direito (PONTES DE
MIRANDA, 1933, p. 28-30).
Entretanto, é certamente marcante na trajetória do Direito Constitucional a
formulação alemã do direito ao mínimo existencial, ocorrida no segundo pós-
guerra, já sob a égide da Lei Fundamental de 1949.

6
A ideia de que existe um direito fundamental ao mínimo existencial,
proposta originariamente naquele país, no início dos anos 50, por Otto Bachof,
foi reconhecida pelo Tribunal Administrativo Federal alemão em 1954, a partir
da conjugação do princípio da dignidade da pessoa humana, da cláusula do
Estado Social e dos direitos à liberdade e à vida.

Esta visão foi claramente adotada pela Constituição de 88, da qual se


extrai a garantia do mínimo existencial como direito fundamental. Tal ideia
provém não apenas da positivação dos direitos sociais no texto constitucional,
como também da consagração do princípio da dignidade da pessoa humana
como fundamento do Estado e da ordem jurídica brasileira (art. 1º, III CF/88).

Como dimensão do princípio da dignidade da pessoa humana, o direito ao


mínimo existencial possui caráter universal, sendo titularizado por todas as
pessoas naturais, independentemente de qualquer outra condição. Nesse
ínterim, é evidente que o indivíduo que contrai, de boa-fé, dívidas que podem
vir a comprometer sua subsistência está amparado pela categoria. Por
conseguinte, a garantia de preservação do mínimo existencial foi incluída como
direito básico do consumidor pela Lei nº 14.181/2021.

Nessa toada, em 26 de julho de 2022, foi expedido o Decreto


11.150/2022, que regulamentou a referida lei e instituiu o valor do mínimo
existencial. Nos termos do então artigo 3º, o mínimo existencial corresponderia
a 25% do salário mínimo vigente na data de publicação do decreto – ou seja,
R$ 303,00 – e não estava sujeito à atualização em caso de reajuste do salário
mínimo.

Apesar disso, por ser considerado irrisório e, portanto, insuficiente para


fazer frente às necessidades básicas dos cidadãos, tal valor não vinha sendo
aplicado pela jurisprudência majoritária em casos envolvendo a apuração da
preservação e do não comprometimento do mínimo existencial.

Porém, o Governo Federal anunciou que, em abril deste ano, o valor seria
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dobrado. Foi nesse contexto que, em 20 de junho de 2023, foi publicado e
entrou em vigor o Decreto 11.567/2023, para, em relação ao artigo 3º do
Decreto nº 11.150/2022, alterar o caput, que passou a prever que “considera-
se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural
equivalente a R$ 600,00”; e revogar o parágrafo 2º, que estipulava que o
“reajustamento anual do salário mínimo não implicará a atualização do valor”
do salário mínimo.

Além disso, o Decreto nº 11.567/2023 atribuiu à Secretaria Nacional do


Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em articulação com
os demais órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor nos Estados
(SNDC), no Distrito Federal e nos municípios, a organização periódica de
mutirões para a repactuação de dívidas para a prevenção e o tratamento do
superendividamento por dívidas de consumo.

Processo de repactuação de dívidas

Assim prevê o art. 104-A do CDC:

Art. 104-A. A requerimento do consumidor


superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar
processo de repactuação de dívidas, com vistas à
realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou
por conciliador credenciado no juízo, com a presença de
todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste
Código, na qual o consumidor apresentará proposta de
plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco)
anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da
regulamentação, e as garantias e as formas de
pagamento originalmente pactuadas. (Incluído pela Lei nº
14.181, de 2021).

O pedido do consumidor para instaurara processo de repactuação:


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· não importará em declaração de insolvência civil;

· poderá ser repetido somente após decorrido o prazo de 2 anos, contado


da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento homologado,
sem prejuízo de eventual repactuação.

Deverão constar no plano de pagamento:

I - medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos


da dívida ou da remuneração do fornecedor, entre outras destinadas a facilitar
o pagamento da dívida;
II - referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso;
III - data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de
bancos de dados e de cadastros de inadimplentes;
IV - condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de
condutas que importem no agravamento de sua situação de
superendividamento.

Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a


pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento com a
finalidade de:
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Nesse caso, o juiz fará a citação de todos os credores cujos créditos não
tenham integrado o acordo porventura celebrado.

Competência para processar e julgar o pedido de repactuação

Como vimos acima, o juiz, a requerimento do devedor, poderá instaurar


processo de repactuação de dívidas, tutelado pelo art. 104-A e seguintes,
com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por
conciliador credenciado, com a presença de todos os credores de dívidas,
oportunidade em que o consumidor apresentará proposta de plano de
pagamento com prazo máximo de 5 anos, preservados o mínimo existencial, as
garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.

MUITO IMPORTANTE!!!!!

Esse procedimento é de competência da Justiça Estadual (ou Justiça


Distrital) mesmo que exista uma entidade federal como credora do
consumidor.
O fundamento é a previsão contida na parte final do inciso I do art. 109 da
CF/88. O dispositivo afirma que compete à Justiça Federal julgar as causas em
que houver interesse de órgão ou entidade federal. Ocorre que esse mesmo
10
dispositivo prevê que, se a causa em questão for uma falência, a competência
será da Justiça Estadual, mesmo envolvendo ente federal:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e


julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica


ou empresa pública federal forem interessadas na
condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes,
exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e
as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do
Trabalho;

A insolvência civil é uma espécie de execução coletiva e universal em que


todo o patrimônio do devedor civil (não empresário) será liquidado para
satisfação de suas obrigações.

Faz as vezes de uma “falência”, com a diferença que se trata de devedor


civil (e a falência atinge devedor empresário). O STF, interpretando essa
norma, concluiu que o termo “falência”, contido na parte final do art. 109, I, da
Constituição Federal compreende a insolvência civil. Por essa razão, compete
à Justiça comum estadual, e não à federal, processar e julgar as ações de
insolvência civil ainda que haja interesse da União, entidade autárquica ou
empresa pública federal.

Nesse sentido, decidiu o STF:

A insolvência civil está entre as exceções da parte


final do artigo 109, I, da Constituição da República,
para fins de definição da competência da Justiça
Federal.
STF. Plenário. RE 678162/AL, Rel. Min. Marco Aurélio,
redator do acórdão Min. Edson Fachin, julgado em
11
26/3/2021 (Repercussão Geral – Tema 859) (Info 1011).

Desse modo, apesar de o inciso I do art. 109 falar apenas em “falência”,


deve-se interpretar essa expressão de forma genérica de modo que abrange
também os processos de “recuperação judicial” e de “insolvência civil”.
Previsão expressa nesse sentido veio no art. 45, I, do CPC/2015:

Art. 45. Tramitando o processo perante outro juízo, os


autos serão remetidos ao juízo federal competente se
nele intervier a União, suas empresas públicas, entidades
autárquicas e fundações, ou conselho de fiscalização de
atividade profissional, na qualidade de parte ou de terceiro
interveniente, exceto as ações:

I - de recuperação judicial, falência, insolvência civil e


acidente de trabalho;

Natureza jurídica do processo de repactuação de dívidas

Ainda a luz do julgado acima transcrito, cabe ressaltar que o procedimento


judicial relacionado ao superendividamento, tal como o de recuperação judicial
ou falência, possui inegável e nítida natureza concursal, de modo que as
empresas públicas federais, excepcionalmente, sujeitam-se à competência da
Justiça estadual e/ou distrital, justamente em razão da existência de
concursalidade entre credores, impondo-se, dessa forma, a concentração, na
Justiça comum estadual, de todos os credores, bem como o próprio
consumidor para a definição do plano de pagamento, suas condições, o seu
prazo e as formas de adimplemento dos débitos.
Agora, imagine que, de acordo com o caso narrado no enunciado, Pedro
contraísse dívidas com outras instituições financeiras privadas comuns. Nesse
sentido, poderia haver o desmembramento do processo de repactuação, de
maneira que a dívida da CEF fosse julgada pela Justiça Federal e a das
12
demais instituições pela Justiça Estadual?

Em recente julgado, reiterando a decisão do Supremo, o STJ decidiu ainda


que não poderia haver o desmembramento da dívida (STJ. 2ª Seção. CC
193.066-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 22/3/2023 - Info 768).

Eventual desmembramento ensejaria notável prejuízo ao devedor


(consumidor vulnerável) porque, conforme dispõe o art. 104-A do CDC, todos
os credores devem participar do procedimento, inclusive na oportunidade da
audiência conciliatória.

Caso tramitem separadamente, em jurisdições diversas, federal e


estadual, estaria maculado o objetivo primário da Lei do Superendividamento,
qual seja, a de conferir a oportunidade do consumidor - perante seus credores -
apresentar plano de pagamentos a fim de quitar suas dívidas/obrigações
contratuais.

Haveria, ainda, o risco de decisões conflitantes entre os juízos acerca dos


créditos examinados, em violação ao comando do art. 104-A do CDC, e
colocando em risco a própria segurança jurídica.

Leituras para se aprofundar...

1. https://defensoria.rj.def.br/uploads/arquivos/b7ca8cbd43c24d7f8aa11fce8483026e.pdf
2. https://defensoria.rj.def.br/uploads/imagens/82b0668ad1054eeb964b4a1e4c5a4fac.pdf

QUESTÃO 02 No dia 15 de março de 2023, a Polícia Militar deflagrou uma


operação para apoiar o cumprimento de mandados de prisão, pela Polícia
Civil, numa determinada comunidade dominada por criminosos. Porém, no
mesmo dia, ocorreria um torneio de futsal na quadra de esportes que fica na
entrada da comunidade. Assim, era fato incontroverso que nas vias de acesso
à localidade haveria um grande fluxo de pessoas. Mesmo assim, a par da
13
informação, a Polícia Militar optou por manter a data da operação.
Ao chegar no local, a guarnição da PM foi recebida a tiros, de forma que se
instaurou um intenso tiroteio.
Ocorre que, durante a troca de tiros, uma criança que estava na quadra em
questão foi atingida e veio a falecer.

Os pais da criança buscaram a Defensoria Pública para ingressar com uma


ação indenizatória em face do Estado. Diante do caso narrado, discorra acerca
dos fundamentos que podem ser ventilados em defesa do pleito indenizatório.

PADRÃO DE RESPOSTA

A assistência jurídica gratuita às pessoas vulneráveis é um direito e garantia


fundamental de cidadania, prevista no artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição
da República. Nesse sentido, compete à Defensoria Pública, função essencial
a justiça, na forma do art. 134 CF, a orientação jurídica e defesa, em todos os
graus, dos necessitados. A instituição possui, portanto, o mister de ingressar
em juízo em face do Estado para tutelar direitos e garantias de vítimas de
violência praticada por agentes públicos.
No tocante à responsabilidade civil do estado, o ordenamento pátrio adota a
teoria do risco administrativo, em razão da divisão coletiva do ônus da
máquina pública, e possui caráter objetivo, ou seja, independe de culpa ou
ilicitude, bastando a caracterização do nexo causal entre o fato administrativo e
o dano. Tal entendimento é o que se extrai da ratio legis do artigo 37, §6º da
Constituição, conforme entendimentos da doutrina e da jurisprudência
majoritárias.
Todavia, recentemente decidiu a 2ª turma STF (ARE 1382159) que, mesmo
sem prova de origem do disparo, o Estado responde por "bala perdida".
A tese fixada lastreia-se na ideia de que cabe ao Estado comprovar que uma
ação foi legal quando ocorre uma morte durante operação policial. Nesse
mesmo sentido, ao optar por fazer uso da força em operações de segurança
pública, o Estado assume a responsabilidade objetiva por qualquer dano
14
causado a terceiro nesses atos, conforme estabelecido pelo artigo 37, §6º, da
Constituição. Assim, de acordo com o caso narrado, incidiria a
responsabilidade do estado pela morte da criança, independentemente da
comprovação da origem do disparo, haja vista que, nos dias de hoje, as
operações policiais são baseadas em investigações e planejamentos prévios,
de maneira que, se a corporação decidiu deflagrar a operação no mesmo dia
do evento esportivo assumiu, implicitamente, o ônus de causar dano a
terceiros.

ESPELHO DE CORREÇÃO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

O papel constitucional da Defensoria 25

O regime jurídico da responsabilidade civil do 25


estado

Apresentar jurisprudência acerca do tema 25

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência 25

COMENTÁRIOS

A Defensoria na Constituição

Trata-se de função essencial à justiça, na forma do art. 134 CF, incumbida da


orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados (art. 5º,
LXXIV).
Assim dispõe o art. 134 da Constituição:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente,


15
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-
lhe, como expressão e instrumento do regime
democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a
promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os
graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e
coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados,
na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição
Federal . (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
80, de 2014).

Responsabilidade Civil do Estado

A responsabilidade civil do Estado pode decorrer de três circunstâncias:


1. Ação;
2. omissão ou
3. situação de risco que gera prejuízo a terceiros praticadas pelo Estado.
16

O resultado da ocorrência de dano em razão de quaisquer dessas


situações é a obrigação do Estado de responder patrimonialmente, ou seja,
mediante o pagamento de indenização.

Existem três teses sobre a responsabilidade patrimonial do Estado:

(i) culpa administrativa – exige a comprovação da falta do serviço;


(ii) risco administrativo – basta a ocorrência do dano para gerar
indenização, aceitando hipóteses excludentes da responsabilidade;
(iii) risco integral – entende que o Estado deve indenizar por todo e
qualquer dano, mesmo tendo havido culpa ou dolo da vítima; não são
admitidas excludentes.

No ordenamento pátrio, a responsabilidade civil do Estado é orientada


pela teoria do risco administrativo, em razão da divisão do ônus na máquina
pública por todos e possui caráter objetivo, ou seja, independe de culpa ou
ilicitude, bastando a caracterização do nexo causal entre o fato administrativo e
o dano.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
17
eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Conforme exposto no início, o Estado responde diante de três situações:

• Ação: ocorre um dano em virtude da prática direta de um ato pelo Estado.


Este ato pode ter sido praticado sem culpa e de forma lícita; se gerou prejuízo
a alguém, o Estado deve promover a indenização de forma objetiva.

• Omissão: ocorre quando o Estado tem o dever de agir, mas se mantém


inerte por dolo, desídia ou negligência. Essa modalidade exige a presença de
culpa para caracterizar o dever de indenizar (responsabilidade subjetiva),
conforme entendimento de boa parte da doutrina e da jurisprudência.
A culpa pode se dar em razão de
(i) não funcionamento,
(ii) demora na prestação ou
(iii) ineficiência de um serviço.

Dessa forma, apenas a omissão ilícita do Estado enseja sua


responsabilidade civil. No tocante à comprovação da culpa, é plenamente
possível a presunção relativa da culpa do Estado quando se estiver diante de
uma dificuldade de produção de prova negativa ou quando a lei determinar,
como, por exemplo, faz o Código de Defesa do Consumidor.
• Situação de risco: se dá quando o dano decorre de força natural ou humana
alheia e não é necessária a existência de culpa. É necessário que a relação de
causalidade seja direta com o risco provocado pelo Estado. Exemplos:
18
assassinato de presidiário por outro, fuga de preso que vem a causar dano.

Para que o Estado proceda à indenização pela prática de ato comissivo ou


omissivo ilícito, o dano deve ser sempre:
(i) jurídico, ou seja, deve ocorrer a violação de um direito;
(ii) certo e, mesmo que atual ou futuro, não pode ser apenas eventual.
Em se tratando de ato comissivo ou omissivo lícito, além dos requisitos da
juridicidade e certeza, o dano deve ser ainda
(iii) especial, ou seja, não pode atingir toda a sociedade de forma genérica;
(iv) anormal, aquele inexigível em razão do interesse comum.

A Responsabilidade do estado por bala perdida e o ARE 1.382.159

A responsabilidade do Estado inclui o dever de indenizar as vítimas


quando de sua ação ou omissão, ainda que lícita, resultar-lhes danos. Desta
forma, um ato, ainda que lícito, praticado por agente público e que gere ônus
desproporcional a um cidadão pode resultar em responsabilidade civil do
Estado. Essa é a posição da doutrina majoritária.

Entretanto, tratando-se especificamente do caso das balas perdidas,


decorrentes do confronto entre policiais e marginais, via de regra, não se aplica
a responsabilidade ao Estado. Indeterminada a origem do disparo, em linhas
gerais, não pode haver a responsabilização do Poder Público por ausência de
nexo de causalidade entre sua ação em defesa da coletividade e o dano
causado a terceiro.

Alega-se que o preceito constitucional não responsabilizou a


Administração por atos criminosos de terceiros que só a estes podem ser
imputados. Nesse sentido, há diversos precedentes do TJRJ, aonde algumas
ações foram, inclusive, propostas pela Defensoria Pública:

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. NEXO DE


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CAUSALIDADE. INOCORRÊNCIA.
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. BALA
PERDIDA. OMISSÃO ESPECÍFICA DO ESTADO.
AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. Em havendo
omissão específica por parte de agentes do Estado, a
responsabilidade civil exsurge objetivamente. Todavia, se
para sua configuração é irrelevante o exame da culpa,
nem por isso fica o demandante dispensado da prova da
conduta do agente, do evento danoso e do nexo causal
entre eles existente. Portanto, inexistindo nos autos
comprovação de que o projétil de arma de fogo
causador do ferimento sofrido pela Apelante tenha
partido de uma das armas utilizadas pelos Policiais
Militares que participaram do confronto narrado na
exordial, não há como se imputar ao Estado a
responsabilidade pelo dano a ela causado. Não
restando estabelecido o nexo impossível a cogitação
acerca de eventual responsabilidade. Recurso
desprovido, nos termos do voto do Desembargador
Relator" (RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 2004.001.04270. 7º
Câmara Cível. Relator: Desembargador Ricardo
Rodrigues Cardozo. J. 17 de agosto de 2004.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. NEXO DE
CAUSALIDADE. INOCORRÊNCIA.
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. BALA
PERDIDA. OMISSÃO ESPECÍFICA DO ESTADO.
AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE).
“EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE
CIVIL. AÇÃO POLICIAL. BALA PERDIDA. NEXO
CAUSAL INCOMPROVADO. IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO. PROVIMENTO DO RECURSO. A
20
responsabilidade do Estado, ainda que objetiva em razão
do disposto no art. 37, § 6º da Constituição Federal, exige
a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou a
omissão atribuída a seus agentes e o dano. Não havendo
nos autos prova de que o ferimento causado a vítima
tenha sido provocado por disparo de uma das armas
utilizada pelos Policiais Militares envolvidos no
tiroteio, por improcedente se mostra o pedido
indenizatório. Daí, em sem mais delongas, a razão de
não existir fundamento justo para se imputar ao Estado a
responsabilidade pelo evento danoso, por mais trágico
que tenha sido o ocorrido na vida do autor postulante.
RECURSO PROVIDO” (RIO DE JANEIRO. Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Embargos
Infringentes nº 2006.005.00292. 1ª Câmara Cível. Relator:
Desembargador Maldonado de Carvalho. Julgamento em
30 de janeiro de 2007. EMBARGOS INFRINGENTES.
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO POLICIAL. BALA
PERDIDA. NEXO CAUSAL INCOMPROVADO.
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. PROVIMENTO DO
RECURSO).

“APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO.


RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
FERIMENTOS PROVOCADOS POR BALA PERDIDA
DURANTE CONFRONTO ENTRE POLICIAIS E
TRAFICANTES. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL.
RECURSO IMPROVIDO.1.A responsabilidade do Estado,
em matéria de Segurança Pública, é objetiva, desde que
comprovado o nexo causal entre a ação dos agentes
estatais e o dano experimentado pelas vitimas, surgindo
aí, para este o dever de indenizar. 2.Na hipótese vertente,
durante toda a fase probatória, não ficou esclarecida a
21
procedência do projétil que acabou por ferir os autores no
interior de sua residência. 3. Assim, por mais dramática
que seja a situação vivida pelos autores, como não é
possível afirmar que o tiro partiu da arma de um
agente público, não tem o Estado que indenizar os
danos por estes sofridos.4.Pretensão de reforma da
sentença que não pode subsistir em razão da ausência de
comprovação do nexo causal.5.Recurso que se nega
provimento” (RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº
2007.001.56863. 6ª Câmara Cível. Relator:
Desembargador Benedicto Abicair. Julgamento em 23 de
janeiro de 2008. APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
FERIMENTOS PROVOCADOS POR BALA PERDIDA
DURANTE CONFRONTO ENTRE POLICIAIS E
TRAFICANTES. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL.
RECURSO IMPROVIDO).

ATENÇÃO Entretanto, é importante ressaltar que algumas decisões do TJRJ


consideraram o argumento de que o art. 5º, X da Constituição da República
positivou o princípio impositivo do dever de cuidado (neminem laedere)
como norma de conduta, assegurando proteção à integridade patrimonial e
extrapatrimonial de pessoa inocente, e estabelece como sanção a obrigação
de reparar os danos, sem falar em culpa.

Nesse sentido, a troca de tiros entre policiais e bandidos em via


pública impõe ao Estado o dever de indenizar, sendo irrelevante a origem
da bala. A conduta comissiva perpetrada, qual seja, a participação no evento
danoso causando dano injusto às vítimas inocentes conduz à sua
responsabilização, mesmo com um atuar lícito, estabelecendo-se, assim, o
nexo causal necessário:
22

“DILIGENCIA POLICIAL COM TROCA DE TIROS. BALA


PERDIDA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. OBRIGAÇÂO
DE INDENIZAR. Responsabilidade civil do Estado. Art.
37, par. 6. da CRFB/88. Ato lícito da administração. Troca
de disparos de arma de fogo em via pública. Bala perdida.
Dever de indenizar. O art. 5., X da Lei Maior positivou o
princípio impositivo do dever de cuidado ("neminem
laedere") como norma de conduta, assegurando
proteção à integridade patrimonial e extrapatrimonial
de pessoa inocente, e estabelece como sanção a
obrigação de reparar os danos, sem falar em culpa. A
CRFB/88, em seu art. 37, par. 6, prestigiou a Teoria do
Risco Administrativo como fundamento para a
responsabilidade civil do Estado, seja por ato ilícito da
Administração Pública, seja por ato lícito. A troca de
disparos de arma de fogo efetuada entre policiais e
bandidos conforme prova dos autos impõe à
Administração Pública o dever de indenizar, sendo
irrelevante a proveniência da bala. A conduta comissiva
perpetrada, qual seja, a participação no evento danoso
causando dano injusto à vítima inocente conduz à sua
responsabilização, mesmo com um atuar lícito,
estabelecendo-se, assim, o nexo causal necessário.
Desprovimento do recurso (RIO DE JANEIRO. Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº
2007.001.59401. 15ª Câmara Cível. Relator:
Desembargador Helda Lima Meireles).
Já a decisão da 2ª Turma do STF, no ARE 1.382.159, que decidiu que o
Poder Público é responsável pelas vítimas durante operações policiais, embora
não tenha sido proferida pelo Plenário da Corte, é um sinal de virada
23
jurisprudencial.

Por 4 votos a 1, prevaleceu o entendimento do voto do ministro Gilmar


Mendes, que defendeu que cabe ao Estado comprovar que uma ação foi legal
quando ocorre uma morte durante operação policial.

Essa decisão, aliás, faz parte de um contexto que, pode-se dizer, teve
início com a “ADPF das favelas” (635/RJ).

ADPF das favelas” (635/RJ)

O Partido Socialista Brasileiro (PSB) ajuizou a ADPF, a qual a DPE/RJ


integrou na condição de amicus curiae, pedindo para que fossem reconhecidas
e sanadas o que entende serem graves lesões a preceitos fundamentais da
Constituição praticadas pelo Estado do Rio de Janeiro na elaboração e
implementação de sua política de segurança pública, notadamente no que
tange à excessiva e crescente letalidade da atuação policial. A ação foi
assinada por Daniel Sarmento que, além de professor da UERJ, costuma
compor bancas de concurso do RJ.

A letalidade policial no Rio de Janeiro é a mais desproporcional dentre os


Estado da federação. Nesse sentido, durante a pandemia da COVID-19,
sobretudo em razão das políticas de isolamento social e do lockdown, o STF
decidiu que:

Se forem realizadas operações policiais em


perímetros nos quais estejam localizados escolas,
creches, hospitais ou postos de saúde, deverão ser
observadas as seguintes diretrizes:

a) a absoluta excepcionalidade da medida,


24
especialmente no período de entrada e de saída dos
estabelecimentos educacionais, devendo o respectivo
comando justificar, prévia ou posteriormente, em
expediente próprio ou no bojo da investigação penal que
fundamenta a operação, as razões concretas que
tornaram indispensável o desenvolvimento das ações
nessas regiões, com o envio dessa justificativa ao
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em até
24 horas;

b) a proibição da prática de utilização de qualquer


equipamento educacional ou de saúde como base
operacional das polícias civil e militar, vedando-se,
inclusive, o baseamento de recursos operacionais nas
áreas de entrada e de saída desses estabelecimentos; e

c) a elaboração de protocolos próprios e sigilosos


de comunicação envolvendo as polícias civil e militar, e
os segmentos federal, estadual e municipal das áreas
de educação e de saúde, de maneira que os diretores
ou chefes das unidades, logo após o desencadeamento
de operações policiais, tenham tempo hábil para reduzir
os riscos à integridade física das pessoas sob sua
responsabilidade.
Posteriormente, julgando embargos de declaração propostos em face de
alguns pedidos inicialmente indeferidos, a Suprema Corte ainda determinou
que o Estado do Rio de Janeiro elabore e encaminhe ao STF, no prazo máximo
de 90 dias, um plano visando à redução da letalidade policial e o controle de
25
violações de direitos humanos pelas forças de segurança fluminenses, que
contenha medidas objetivas, cronogramas específicos e a previsão dos
recursos necessários para a sua implementação.
QUESTÃO 03 A Lei Federal nº 11.340, de 07/08/2006, que cria mecanismo
para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, conhecida como
“Lei Maria da Penha”, dispõe expressamente sobre a garantia de assistência
às vítimas de violência doméstica pela Defensoria Pública.
26
Assim, acerca do papel desempenhado pela Defensoria Pública no amparo às
vítimas de violência doméstica, responda: De que forma deve se dar essa
assistência? Qual é a sua finalidade? Esta é semelhante a figura do assitente
da acusação no processo penal?

PADRÃO DE RESPOSTA

A assistência prestada pela Defensoria Pública às vítimas de violência


doméstica se da por meio da chamada assitência qualificada.

A Lei Maria da Penha prevê o direito de toda mulher em situação de violência


doméstica a ter acesso aos serviços da Defensoria Pública mediante
atendimento específico e humanizado. Também prevê que em todos os atos
processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e
familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o caso de
medidas protetivas.

A assistência qualificada tem a finalidade de evitar, por assim dizer, a


chamada vitimização secundária (que é o sofrimento suportado pela vítima nas
fases de inquérito e do processo, em que passa a rememorar todo o sofrimento
causado pelo fato criminoso, através de interrogatórios, depoimentos, ouvida
de testemunhas etc.).

A atuação da Defensoria Pública em defesa da mulher na forma da assistência


qualificada, para parte da doutrina, não deve ser confundida com a atuação do
Ministério Público ou do assistente de acusação, posto que a atuação do
defensor público na Lei Maria da Penha deve se direcionar exclusivamente
para as necessidades apresentadas pela ofendida, ouvindo-se e respeitando-
se as suas manifestações de vontade, após a devida orientação sobre as
consequências jurídicas e processuais de seus atos. Essa é a posição também
defendida pelo Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege).

ESPELHO DE CORREÇÃO 27

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL: ALUNO:

Explicitar o papel da Defensoria Pública na 25


assistência qualificada;
Mencionar sua previsão expressa na LMP; 25

Discorrer sobre a finalidade da assistência 25


qualificada;
Esclarecer que a assistência qualificada não 25
se confunde com a assistência à acusação.

COMENTÁRIOS

Um tema importante e atual diz respeito à assistência qualificada. Vamos


entender.

Segundo o art. 4º, XI, da LC 80/1994, são funções institucionais da Defensoria


Pública, dentre outras: “exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos
da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades
especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros
grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado”.

O artigo 28 da Lei Maria da Penha estabelece: É garantido a toda mulher em


situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria
Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede
policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

Já o art. 27 da Lei Maria da Penha estabelece que em todos os atos


processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e
familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art.
19 desta Lei (medidas protetivas).

Costuma-se apontar, atualmente, duas hipóteses legais de assistência 28

qualificada:

1) Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006)

Previsão legal: Art. 27 e 28

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais,


a mulher em situação de violência doméstica e familiar
deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o
previsto no art. 19 desta Lei.

Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de


violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de
Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita,
nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante
atendimento específico e humanizado.

2) Lei de Crimes de Preconceito (Lei nº 7.716/1989)

Previsão legal: Art. 20-D

Art. 20-D. Em todos os atos processuais, cíveis e


criminais, a vítima dos crimes de racismo deverá
estar acompanhada de advogado ou defensor
público. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

Cabe registrar que há posicionamento de que essa assistência qualificada seria


equivalente à figura do assistente da acusação, o que não reflete o
posicionamento do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais
(Condege), por exemplo, pois para este, a atuação da Defensoria Pública na
defesa da mulher em situação de violência doméstica e familiar, conforme os
artigos 27 e 28 da Lei Maria da Penha, é plena e não se confunde com a
assistência de acusação dos artigos 268 e seguintes do CPP".
29
Nesse sentido o Enunciado VI do Colégio Nacional dos Defensores Públicos-
Gerais (Condege):

"Enunciado VI – Considerando o art. 4º, inciso XI e XVIII,


da Lei Complementar 80/1994, a atuação da Defensoria
Pública na defesa da mulher em situação de violência
doméstica e familiar, conforme os artigos 27 e 28 da Lei
Maria da Penha, é plena e não se confunde com a
assistência de acusação dos artigos 268 e seguintes do
CPP"

TOME NOTA!
Por fim, é bom registrar que a assistência qualificada não é aplicável apenas
no processo penal, mas também em processos cíveis, como estabelece o art.
27 da Lei Maria da Penha.

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais,


a mulher em situação de violência doméstica e familiar
deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o
previsto no art. 19 desta Lei.

Ressaltamos caso recente em que, atuando na condição de “assistente da


vítima”, o que inclui orientação jurídica e suporte amplo, multidisciplinar e
humanizado em todas as etapas do processo, a Defensoria Pública do Rio de
Janeiro garantiu na Justiça a indisponibilidade dos bens de um homem que, em
fevereiro de 2022, matou a tiros a ex-namorada, no município de Sumidouro,
na Região Serrana. O bloqueio visa garantir futuramente a reparação dos
danos materiais e morais causados pelo feminicídio à família da vítima, bem
como o pagamento de despesas do processo.
RJ: DP consegue bloquear
bens de autor de feminicídio
para indenização 30

Fonte: ASCOM/DPERJ
Estado: RJ
A Defensoria Pública do Rio garantiu na Justiça a indisponibilidade dos
bens de um homem que, em fevereiro passado, matou a tiros a ex-
namorada, no município de Sumidouro, na Região Serrana. O bloqueio
visa garantir futuramente a reparação dos danos materiais e morais
causados pelo feminicídio à família da vítima, bem como o pagamento
de despesas do processo.

O caso passou por audiência de instrução e julgamento, no último dia


30, na qual foram ouvidas oito testemunhas e acolhido, pelo Juízo, o
pedido da Defensoria pela indisponibilidade dos bens do réu. Na
mesma audiência, foi prolatada sentença de pronúncia, o que inaugura
uma segunda fase no processo criminal, em que o réu será levado a
julgamento pelo Tribunal do Júri, por se tratar de crime intencional
contra a vida.

A Defensoria atua em nome da moça e da família, na condição de


“assistente da vítima”, o que inclui orientação jurídica e suporte amplo,
multidisciplinar e humanizado em todas as etapas do processo. A
instituição conta com um Grupo de Trabalho para Assistência às
Vítimas Diretas e Indiretas de Feminicídio Consumado ou Tentado, que
assume processos do tipo em todo o Estado do Rio de Janeiro,
representando familiares ou mulheres sobreviventes inclusive em ações
cíveis de alguma forma decorrentes do crime, como guarda de filhos,
divórcio, pensão alimentícia, partilha de bens e reparação por danos
materiais e morais.

— Através do GT Feminicídio, a Defensoria Pública passou a prestar


assistência integral às vítimas diretas e indiretas do crime de feminicídio,
nos processos que tramitam nas Varas do Júri, da mesma forma que
atuava nos processos dos Juizados da Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher. A atuação visa resguardar os direitos das vítimas
enquanto sujeito de direitos no processo e, principalmente, assegurar a
não revitimização, a não culpabilização pela violência sofrida, o direito à
informação e à participação efetiva no processo — explica a
coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher, Flavia Nascimento,
presidenta do grupo de trabalho

O homem foi preso em flagrante, confessou o feminicídio (a vítima foi


morta com quatro tiros no rosto) e teve preventiva decretada em
audiência de custódia. O cartório tem 15 dias para informar ao
Judiciário se o réu possui imóveis na cidade.

Link para a matéria: RJ: DP consegue bloquear bens de autor de


feminicídio para indenização - ANADEP - Associação Nacional das
31
Defensoras e Defensores Públicos
QUESTÃO 04 Discorra acerca do chamado Constitucionalismo Abusivo.

PADRÃO DE RESPOSTA 32

O constitucionalismo, em linhas gerais, como hoje o conhecemos, se origina


nos movimentos revolucionários do século XVIII, com as ideias de repartição e
limitação do poder e de supremacia da lei, através do Estado de direito. Ao
longo dos anos, novas ideias foram incorporadas ao ideal constitucionalista, de
maneira que, a partir do século XX, passou a abarcar também a garantia de
direitos fundamentais bem como a proteção da democracia, originando, assim,
o Estado constitucional democrático.
A democracia, por sua vez, em termos constitucionais, comporta dois sentidos:
formal, que inclui a ideia de governo da maioria e de respeito aos direitos
individuais, frequentemente referidos como liberdades públicas; e material, que,
na expressão de Luís Roberto Barroso, é mais do que o governo da maioria, é
o governo para todos.
E para realizar a democracia nessa dimensão mais profunda, o Estado deve
promover igualmente outros direitos fundamentais, como o direito de
participação. É nesse contexto que se insere o chamado constitucionalismo
abusivo, que, originalmente formulado por David Landau, parte do pressuposto
de que o Poder Executivo se valeria da discricionariedade administrativa para
elaborar normas formalmente legais, porém comprometedoras dos princípios
constitucionais fundamentais.
Nesse ínterim, decidiu o STF na ADPF 622 que são incompatíveis com a
Constituição Federal as regras previstas em Decreto, que, a pretexto de regular
o funcionamento de órgãos de deliberação popular, frustram a participação das
entidades da sociedade civil na formulação e no controle da execução de
políticas públicas.

ESPELHO DE CORREÇÃO
ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Expor o conceito de constitucionalismo 20

Explicar o evolução do conceito 20 33

Conceituar o constitucionalismo abusivo 20

Abordar o entendimento do Supremo Tribunal 20


Federal

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 20

COMENTÁRIOS

Constitucionalismo

J.J. GOMES CANOTILHO identifica vários constitucionalismos, como:

O Inglês O Americano O Francês

Magna Carta (1215) Declaration of Rights do Constituição da França

Petition of Rights (1628), Estado de Virginia (1791)

Habeas Corpus Act (1776)


(1679) e o Bill of Rights Constituição (1787)
(1689)

Ademais, prefere falar em “movimentos constitucionais”.

Conceito

“uma teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado


indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização
político-social de uma comunidade“.
Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica
específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de
constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma
teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do
34
liberalismo.

NICOLA MATTEUCI define como uma técnica de liberdade, através da qual os


direitos fundamentais são garantidos em face do Estado.

Origem

A doutrina divide a origem do constitucionalismo em 2:

i) o Constitucionalismo Antigo; e
ii) o Constitucionalismo Moderno.

O CONSTITUCIONALISMO ANTIGO

ANTIGUIDADE CLÁSSICA

POVO HEBREU, se organizava politicamente por meio do regime teocrático,


regido por convicções da comunidade e por costumes nacionais.

Nesse regime, os detentores do poder estavam limitados pela lei do Senhor,


que também precisava ser respeitada pelos governados. Destaque-se, ainda,
que, no sistema hebreu, os profetas possuíam legitimidade para fiscalizar os
atos dos governantes que extrapolassem a lei do Senhor. Considerando-se que
todo e qualquer Estado tem uma Constituição, a lei do Senhor pode ser vista
como uma verdadeira Constituição em sentido material.

Características:
- leis não escritas e costumes (principal fonte);
- forte influencia da religião (os patriarcas e os sacerdotes eram vistos como
Deus na terra);
- meios de coerção (ordálias); - tendencia a julgar litígios com base em
“precedentes”.
35

CIDADES-ESTADOS GREGAS como exemplo de democracia constitucional,


nas quais vigorava um regime em que havia ampla participação dos
governados na condução do processo político (ex: Constituição de Sólon, em
Atenas). Vigorava a chamada democracia direta, regime em que os
governados participam ativa e diretamente do processo decisório.

Características:
- constituições não escritas
- possibilidade de modificação das proclamações constitucionais
- supremacia do Parlamento; - irresponsabilidade dos governantes.

ROMA (REPUBLICA) o termo“constitutio” era usado desde a época do


Imperador Adriano, mas significava normas editadas pelos imperadores com
valor de lei. Havia uma “separação de poderes” entre os cônsules, senado e
povo, ainda que embrionária. Os romanos reproduziram e
adaptaram/melhoraram a experiência grega. Criou alguns conceitos como res
publica e principado.

IDADE MÉDIA

INGLATERRA: centralizada no princípio do Rule of Law. Diferentemente da


França, o modelo de poder inglês não era absolutista porque o poder real
sempre encontrou algum tipo de limitação, como a Carta Magna de 1215.

A doutrina identifica como manifestações do constitucionalismo inglês o Petition


of Rights (1628), Habeas Corpus Act (1679), o Bill of Rights (1689) o Act of
Settlement (1701), e DANIEL SARMENTO ainda aponta o Human Rigts Act
(1998) e o Constitutional Reform Act (2005). Todos esses foram documentos
que garantiram e garantem proteção aos direitos fundamentais da pessoa
humana, limitando a ingerência estatal na esfera privada.
36

Revolução Gloriosa – 1688 Revolução Francesa - 1789

Pretendia manter e reforçar direitos e Visava destruir o modelo existente


privilégios (ancien régime) para construir um novo
Estado

NOVELINO ressalta que a subordinação do governo ao direito só foi possível


na Inglaterra graças a um fator específico: a independência dos juízes (que
consideravam, ao lado das leis, os precedentes e os princípios gerais do direito
contidos no common law).

Um dos símbolos do constitucionalismo inglês é o Parlamento (democracia de


Westminster), organizado ao longo do séc. XVII. Nesse período surgiram os
partidos políticos ingleses:

Tories Whigs

Maioria de proprietários rurais Liberais

Conservadores puritanos

Ligados ao Anglicanismo tolerantes com os demais protestantes

Queriam uma Coroa forte (direito divino ligados as doutrinas de contrato social
dos reis)

Características:
- Supremacia do Parlamento;
- responsabilidade parlamentar do governo
- monarquia parlamentar
- independência do Judiciário
- carência de um Direito Administrativo formal
- convenções constitucionais

37

O CONSTITUCIONALISMO MODERNO

Vai do fim do séc. XVIII com as Revoluções Liberais até o fim da 1ª


Guerra Mundial (1917).

Embora, num primeiro momento, as ideias do constitucionalismo não


estivessem condicionadas à existência de Constituições escritas, com o tempo
essas se tornaram ferramentas essenciais para o movimento, juridicizando a
relação entre Estado e cidadão.

O constitucionalismo moderno nasce com um forte viés liberal, consagrando


como valores:
- a liberdade, - a proteção à propriedade privada,
- a proteção aos direitos individuais (evidenciando o voluntarismo) e
- a exigência de que o Estado se abstenha de intervir na esfera privada
(abstencionismo estatal).

A) Constitucionalismo Liberal ou Clássico:

Os direitos civis e políticos consagrados nos textos


constitucionais são classificados como a primeira
geração/dimensão dos direitos fundamentais, ligada ao valor
LIBERDADE.

Nessa fase liberal ou clássica há 2 experiências constitucionais


extremamente importantes: a norte-americana e a francesa.
Experiência norte-americana
(constitucionalismo estadualista).

Tem base na doutrina de:


38
- JOHN LOCKE (individualismo e liberalismo) e do
- Barão de MONSTESQUIEU (limitação do poder).

1 - Declaração de Independência: A decisão política de emancipação das 13


Colonias se deu com a publicação da Declaration of Rights do Estado de
Virginia ou Virginia Bill of Rights (12 de junho de 1776) e da Constitution of
Virginia (29 de junho de 1776), elaborada pelos Founding Fathers1 (Mason,
Madison, Jefferson).

2 - Constituição: Em seguida, foi ratificado o Articles of Confederation and


Perpetual Union (1777), instrumento de governo dos 13 Estados recém
independentes (EUA). Depois, foi substituído pela atual Constituição dos EUA
(17 de Setembro de 1787, na Convenção da Filadélfia).

Características:

- primeira Constituição escrita (1787) e foi a partir dela que surgiram ideias
fundamentais, como a ideia de constituição rígida, formal e suprema.
- ideia de controle DIFUSO de constitucionalidade, tendo como parâmetro uma
constituição escrita. Nasceu, pois, com a decisão de 1803, do juiz Marshal, no
caso Marbury VS Madison. Já havia até alguns precedentes, mas essa
sistematizou a ideia.
- Fortalecimento do Judiciário: os americanos tinham receio dos abusos
perpetrados pelo Parlamento inglês, razão pela qual optaram pelo
fortalecimento do Judiciário (judicial review);
- separação dos poderes (check and balance) também foi garantida; nasceu

1 Grupo de figuras notáveis que participaram do processo de independência dos EUA: Declaração
de Independência, Revolução, elaboração da Constituição.
também o federalismo nos moldes hoje conhecidos (houve experiências
diferentes menos importantes anteriores); adotou-se a república e criou-se o
presidencialismo.
- Direitos humanos
39

É, portanto, a primeira constituição no sentido que hoje compreendemos. Um


modelo essencialmente material.

MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO saliente que nos EUA também é


possível identificar outros embriões do constitucionalismo:
- os forais, - cartas de franquia, - os contratos de colonização (Compact
– 1620 e as Fundamental Orders of Connecticut - 1639), mais tarde
confirmadas pelo rei Carlos II, que as incorporou à Carta outorgada em 1662):
imbuídos de igualitarismo, os colonos fixaram, de maneira consensual, as
regras por que haveriam de governar-se,
- bem como a Declaration of Rights do Estado de Virginia (1776).

Experiência francesa (constitucionalismo individualista).

A revolução feita pelo Terceiro estado (em linhas gerais, camponeses e


burguesia ascendente) resultou do inconformismo destes com os privilégios da
nobreza e do clero.

A constituição escrita foi usada como uma arma ideológica contra o Velho
Regime, contra a promiscuidade entre a Monarquia e o Estado.

2 ideias básicas nortearam o constitucionalismo francês:

GARANTIA DOS DIREITOS + SEPARAÇÃO DE PODERES

Resultaria, daí, o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão


de 1789:
A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem
estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.

O constitucionalismo inglês exerceu muita influência, mas os franceses não


40
entenderam muito bem o sistema de precedentes da common law, e acabaram
por adotar aspectos do modelo americano, que, por sua vez, foi influenciado
pelo inglês.

Daí pode-se dizer que o constitucionalismo inglês influenciou o americano e o


francês.

Características:
- 2ª Constituição escrita (3 de junho de 1791);
- extremamente prolixa e analítica, 402 artigos (a dos EUA, que é sintética, tem
7 artigos originais + 27 emendas).
Hoje, muitas das constituições, inclusive a brasileira, são prolixas.
- surgiu a ideia também de Poder Constituinte, nessa época da revolução
francesa.
- supremacia do Parlamento (povo no poder/princípio da Legalidade);
- manutenção da monarquia constitucional;
- limitação dos poderes do Rei;
- separação de poderes;
- surgimento da Escola da Exegese, a partir do Código de Napoleão de 1804
(desconfiança do povo para com os juízes – ausência de controle de
constitucionalidade).

Como quase toda revolução, o ciclo terminou num golpe de Estado,


dando início a ditadura napoleônica, que, por sua vez, não fez nada que presta
do ponto de vista constitucional.

B) Constitucionalismo Social:
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, o liberalismo entrou em crise. A
crise econômica agravou as desigualdades sociais e o liberalismo passou a ser
questionado. Indignadas, as classes menos favorecidas passaram a exigir do
Poder Público não só a garantia das liberdades individuais, mas também
41
direitos prestacionais, como saúde, educação e assistência aos
hipossuficientes. Diante disso, as Constituições começam a consagrar um novo
grupo de direitos, dando início a uma nova fase do constitucionalismo moderno.

Esse novo modelo de constituição tem 2 paradigmas importantes:

As constituições Mexicana (1917) e a de Weimar (Alemanha – 1919).

Essas constituições passam a consagrar os chamados direitos de 2ª


geração/dimensão.

Constituição Mexicana de 1917 Constituição de Weimar de 1919

A 1ª a incluir direitos trabalhistas entre os Consolidou a estrutura da democracia


direitos fundamentais (art. 5º); social desenhada pela CM/17; consagrou
consagrava limitação da jornada, salário direitos fundamentais econômicos e
mínimo, idade mínima de admissão, sociais ligados ao trabalho, a educação e
previdência social, proteção a a seguridade social (arts. 145 a 165).
maternidade e ao salário (art. 123)

Características:
- o Estado Social abandona a postura abstencionista e passa a intervir nas
relações econômicas, sociais e trabalhistas (criação de estatais, regulação,
prestação de serviços, leis trabalhistas).
- papel decisivo na produção e distribuição de bens;
- garantia de um mínimo de bem estar social (Estado do Bem Estar Social).
- Consagra direitos de 2ª geração/dimensão (igualdade material).
- nesse período surge o controle CONCENTRADO de constitucionalidade na
Constituição da Áustria (1920).
ATENÇÃO Gerações de direitos fundamentais. Essa ideia de gerações surgiu
com KAREL VASAK (tcheco-francês), quando ele quis relacionar o surgimento
dos direitos fundamentais com o lema da revolução francesa – Liberdade,
42
Igualdade e Fraternidade. Difundiu-se no mundo por obra de NORBERTO
BOBBIO e, aqui no Brasil, por PAULO BONAVIDES.

Direitos Fundamentais de Primeira geração: surgem nesse


período do constitucionalismo moderno. Direitos associados ao valor
“liberdade” (igualdade formal). Direitos de liberdade. Direitos civis e políticos.
Os direitos civis são direitos de defesa. Além disso, são direitos de status
negativo, que impõem um não fazer do Estado, uma abstenção deste. Já os
direitos políticos são direitos de participação. Através deles os indivíduos
participam da vida política do Estado. Direito de votar e ser votado, etc. As
Constituições americana e francesa traziam basicamente, nesse primeiro
momento, esses direitos civis e políticos. A americana até hoje, pois não
consagra os sociais.

Direitos Fundamentais de Segunda Geração: Direitos de


Igualdade. Qual igualdade? Igualdade material. Direitos cujos principais
destinatários são os hipossuficientes. São os chamados direitos sociais,
econômicos e culturais. São direitos prestacionais, ou direitos a prestações
(nem de defesa nem de participação). Direitos que exigem do Estado
prestações materiais e/ou jurídicas, com vistas à redução das desigualdades.
São mais difíceis de serem implementados.

ATENÇÃO Com a 2ª geração surgem as chamadas “Garantias Institucionais”.


O que são elas?
As garantias individuais são as que protegem direitos dos indivíduos.
As garantias institucionais são garantias de instituições importantes para a
sociedade. Percebeu-se que tão importante quanto proteger o indivíduo era proteger
algumas instituições, como garantir uma imprensa livre, proteger a família, o
funcionalismo público.

Direitos Fundamentais de Terceira geração são os direitos de


fraternidade ou de solidariedade. Rol exemplificativo: direito ao
43
desenvolvimento ou progresso; ao meio ambiente; à autodeterminação dos
povos; direito sobre o patrimônio comum da humanidade; direito de
comunicação. Esses são os mencionados por Paulo Bonavides. Direito do
consumidor e direitos das crianças e dos idosos muitos autores colocam como
de terceira geração. Paulo Bonavides não coloca. Além dessa terceira geração,
que começou a ser considerada após a segunda guerra mundial, Paulo
Bonavides fala em quarta geração.

NEOCONSTITUCIONALISMO

O neoconstitucionalismo, também chamado por alguns de


constitucionalismo contemporâneo, constitucionalismo avançado ou
constitucionalismo de direitos, tem como marco histórico o pós-Segunda
Guerra Mundial. Ele representa uma resposta às atrocidades cometidas pelos
regimes totalitários (nazismo e fascismo) e, justamente por isso, tem como
fundamento a dignidade da pessoa humana.

Esse novo pensamento se reflete no conteúdo das Constituições. Se


antes elas se limitavam a estabelecer os fundamentos da organização do
Estado do Poder, agora passam a prever valores em seus textos
(principalmente referentes à dignidade da pessoa humana) e opções políticas
gerais (redução das desigualdades sociais, por exemplo) específicas (como a
obrigação do Estado de prover educação e saúde).

LUÍS ROBERTO BARROSO, de forma bem objetiva, nos explica que o


neoconstitucionalismo identifica um amplo conjunto de modificações
ocorridas no Estado e no direito constitucional.
Marco Histórico Marco Filosófico Marco Teórico

a formação do é o pós-positivismo, é o conjunto de


Estado Constitucional de que reconhece centralidade mudanças que incluem
Direito, cuja consolidação dos direitos fundamentais e a força normativa da 44
se deu ao longo das reaproxima o Direito e a Constituição, a
últimas décadas do século Ética. O princípio da dignidade expansão da
XX. O Estado da pessoa humana ganha jurisdição
constitucional de Direito relevância; busca-se a constitucional e o
começa ase formar no pós- concretização dos direitos desenvolvimento de
Segunda Guerra Mundial, fundamentais e a garantia de uma nova dogmática
em face do reconhecimento condições mínimas de da interpretação
da força normativa da existência aos indivíduos constitucional.
Constituição. A legalidade, (“mínimo existencial”). Há um
a partir daí, subordina-se processo de
constituição, sendo a constitucionalização de
validade das normas direitos. A Constituição ganha
jurídicas dependente de forte conteúdo axiológico,
sua compatibilidade com incorporando valores como os
as normas de justiça social, moralidade e
constitucionais. Há uma equidade. No pós-positivismo,
mudança de paradigmas: o os princípios passam ser
Estado Legislativo de encarados como verdadeiras
Direito dá lugar ao normas jurídicas (e não mais
Estado Constitucional de apenas como meios de
Direito. integração do ordenamento!).

O reconhecimento da força normativa da Constituição busca garantir


concretização dos valores inseridos no texto constitucional; constituição não
pode (e não deve!) ser vista como uma mera carta de intenções, mas sim como
um conjunto de valores que deve ser realizado na prática.
Com a ênfase dada aos direitos fundamentais, à jurisdição constitucional
ganha novos contornos: passa a ser tarefa, também, do Poder Judiciário
proteger os direitos fundamentais. A Constituição passa a ser o centro do
sistema jurídico; o neoconstitucionalismo está voltado a reconhecer a
45
supremacia da Constituição, cujo conteúdo passou a condicionar validade de
todo o Direito e a estabelecer deveres de atuação para os órgãos de direção
política. A Constituição, além de estar, do ponto de vista formal, no topo do
ordenamento jurídico, é também paradigma interpretativo de todos os
ramos do Direito.

Características:

A força normativa da Constituição. Eram normas meramente


programáticas, programas a serem implementados, mas não eram vinculantes.
Era norma que não era norma. Eram conselhos ao legislador. Por que isso? Na
Europa, o Legislador era visto como um amigo dos direitos. Eles não
desconfiavam do legislador. Por isso não era necessário vincular o legislador.
Já nos EUA eles desconfiavam do legislador, pois já tinham sofrido com o
parlamento inglês. Após a segunda Guerra, essa ideia europeia começa a se
modificar. O alemão Konrad Hesse, em 1949, publicou “A Força Normativa da
Constituição”.

Dentro de uma concepção jurídica de constituição, ela era uma norma!


Normatividade dos princípios. Outra mudança importante foi que as normas
constitucionais passaram a ser vistas de um modo diferente. Antes se
distinguia princípios de normas. Princípios, pois, não vinculavam, eram
conselhos, como as normas programáticas. Após as obras de Ronald Dworkin
e as de Robert Alexy, princípios são também normas! Norma é gênero, do qual
os princípios e as regras são espécies.

A segunda característica é a rematerialização das constituições. As


constituições contemporâneas tendem a ser prolixas, tratando de temas não
essencialmente constitucionais.
A terceira é o fortalecimento da jurisdição constitucional. Se sempre
existiu nos EUA, é novidade na Europa e na América Latina. O Judiciário hoje é
protagonista. Se isso é bom ou ruim, entra numa análise prescritiva, que não é
46
o caso. O professor apenas descreve a realidade.

A quarta é a centralidade da constituição e dos direitos fundamentais.


“Ontem os Códigos, hoje as Constituições” (Paulo Bonavides). A Constituição
ocupa hoje um lugar central no ordenamento jurídico, lugar esse outrora
ocupado pelos Códigos. Essa centralidade tem sido rotulada pela expressão
“Constitucionalização do direito”. Poderíamos organizar a ideia de
constitucionalização do direito em três aspectos:

a) O primeiro aspecto seria a consagração de normas de outros ramos


do direito na Constituição. A CF/88 tem normas de direito penal,
processo penal, tributário, previdenciário, etc. Esse aspecto é o mais
evidente.

b) O segundo aspecto é a chamada filtragem constitucional. Significa a


interpretação de outros ramos do direito à luz da Constituição. Feita
pelo princípio da Interpretação Conforme. Ex.: o realizado pelo STF
no caso das uniões homoafetivas.

O que é filtragem constitucional?


“Ontem os Códigos; hoje as Constituições: a revanche de Grécia contra Roma”
(Paulo Bonavides e Eros Grau).
De acordo com Luís Roberto Barroso, consiste no fenômeno segundo o qual
toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob as lentes da
Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Assim, sob
a égide do neoconstitucionalismo, a Constituição assumiu posição de
centralidade no ordenamento, cujos preceitos são dotados de normatividade e
se irradiam para os outros ramos do Direito, devendo, inclusive, os Códigos
serem interpretados à sua luz.

c) O terceiro e último aspecto da constitucionalização do direito é a


47
chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que nada
mais é que a aplicação dos direitos fundamentais às relações entre
particulares.

Nesse constitucionalismo contemporâneo, passaram a ser consagrados novos


direitos fundamentais.
Paulo Bonavides acrescenta as seguintes gerações de direito:

Quarta geração: direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Outros


autores falam do direito à identificação genética do indivíduo e direitos
relacionados à bioengenharia e à biotecnologia como sendo também de quarta
geração.
a) Democracia: Quando o professor Paulo Bonavides se refere à democracia
como quarta geração, ele se refere à ampliação da ideia de democracia, e não
ao seu surgimento, pois obviamente ela já existia. E o que significa essa
ampliação? A democracia tradicionalmente era vista em seu sentido formal,
associada à vontade da maioria. Hoje temos uma dimensão material, que
significa que ela (a democracia) não se esgota na ideia de vontade da maioria,
mas pressupõe, também, a garantia de direitos básicos para todos, inclusive
para as minorias. Além disso, na democracia atual há uma ampliação nos
mecanismos de participação popular direta. Plebiscito, referendo, iniciativa
popular, etc. Tudo isso justifica a menção de Bonavides ao direito à democracia
como de quarta geração.

b) Informação: O direito à informação, por sua vez, abrange três aspectos: o


direito a ser informado, o direito de se informar e o dever a informar.
c) Pluralismo: Em nossa constituição, é um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil. Mas esse pluralismo político mencionado na CF não se
resume ao pluripartidarismo. É o respeito à diversidade.

48
Quinta geração: Paulo Bonavides fala também em direitos de quinta geração.
Direito à paz. Direito à paz, na verdade, originariamente fazia parte da terceira
geração elaborada por Bonavides. Mas nas edições mais recentes da sua obra,
ele insere como quinta geração, afirmando que é um axioma da democracia,
valor supremo da humanidade e até hoje não foi alcançado em sua plenitude.
Por isso seria importante destacá-lo dos demais. Com isso, Bonavides acaba
descaracterizando a ideia das gerações, porque elas são essencialmente
descritivas, desprovidas de valorações prescritivas.

CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO

No acórdão da ADPF 622, onde a DPE/RJ atuou na condição de amicus


curiae, o relator Min. Luís Roberto Barroso conceituou o constitucionalismo
abusivo como “prática que promove a interpretação ou a alteração do
ordenamento jurídico, de forma a concentrar poderes no Chefe do Executivo e
a desabilitar agentes que exercem controle sobre a sua atuação”.

No caso em tela, o STF decidiu que é inconstitucional norma que, a


pretexto de regulamentar, dificulta a participação da sociedade civil em
conselhos deliberativos.

O objeto da ação foi o Decreto nº 10.003/2019, que, a pretexto de regular o


funcionamento do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda),
frustrou a participação das entidades da sociedade civil na formulação e no
controle da execução de políticas públicas em favor de crianças e
adolescentes.

Breves considerações acerca do julgado


O ECA (Lei nº 8.069/90) previu a necessidade de serem criados conselhos
para deliberar e controlar as ações voltadas à defesa dos direitos das crianças
e dos adolescentes:
49

Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:


(...)
II - criação de conselhos municipais, estaduais e
nacional dos direitos da criança e do adolescente,
órgãos deliberativos e controladores das ações em
todos os níveis, assegurada a participação popular
paritária por meio de organizações representativas,
segundo leis federal, estaduais e municipais;

Em nível federal, a Lei nº 8.242/91 criou o Conanda (Conselho Nacional dos


Direitos da Criança e do Adolescente). Essa lei afirma que o Conanda é
integrado por representantes do Poder Executivo, assegurada a participação
dos órgãos executores das políticas sociais básicas na área de ação social,
justiça, educação, saúde, economia, trabalho e previdência social e, em igual
número, por representantes de entidades não governamentais de âmbito
nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.

Em 2019, o Presidente da República editou o Decreto nº 10.003 alterando as


normas sobre a constituição e o funcionamento do Conanda.
Além disso, os membros do Conselho foram destituídos mesmo estando ainda
no curso dos seus mandatos.

O Procurador-Geral da República ajuizou ADPF contra o referido Decreto


afirmando que a norma impugnada, na prática, esvaziou a participação da
sociedade civil no Conselho, em violação aos princípios da democracia
participativa (arts. 1º, parágrafo único, CF/88), da igualdade (art. 5º, I, CF/88),
da segurança jurídica (art. 5º, CF/88), da proteção à criança e ao adolescente
(art. 227, CF/88) e da vedação ao retrocesso institucional (art. 1º, caput e III;
art. 5º, XXXVI e §1º; art. 60, §4º, CF/88).

O STF decidiu, então, que a estruturação da administração pública federal


insere-se na competência discricionária do Chefe do Executivo federal.
50
Entretanto, o exercício dessa competência encontra limites na Constituição e
nas leis, e deve respeitá-las.
Assim, asseverou que as regras do Decreto contrariam norma constitucional
expressa, que exige a participação, e colocam em risco a proteção integral e
prioritária da infância e da juventude.

Constitucionalismo Abusivo, Legalismo Autocrático e Democracia Iliberal

Como dito, o constitucionalismo abusivo é uma espécie de contraponto a


efetivação do princípio democrático no seu aspecto material.

Pela importância paradigmática do julgado, segue trecho do acórdão:

“Esse fenômeno tem recebido, na ordem internacional, diversas denominações,


entre as quais: “constitucionalismo abusivo”, “legalismo autocrático” e
“democracia iliberal”. Todos esses conceitos aludem a experiências
estrangeiras que têm em comum a atuação de líderes carismáticos, eleitos pelo
voto popular, que, uma vez no poder, modificam o ordenamento jurídico, com o
propósito de assegurar a sua permanência no poder.
O modo de atuar de tais líderes abrange:
(i) a tentativa de esvaziamento ou enfraquecimento dos demais Poderes,
sempre que não compactuem com seus propósitos, com ataques ao
Congresso Nacional e às cortes;
(ii) o desmonte ou a captura de órgãos ou instituições de controle, como
conselhos, agências reguladoras, instituições de combate à corrupção,
Ministério Público etc;
(iii) o ataque a organizações da sociedade civil, que atuem em prol da defesa
de direitos no espaço público;
(iv) a rejeição a discursos protetivos de direitos fundamentais, sobretudo no
que respeita a grupos minoritários e vulneráveis – como negros, mulheres,
população LGBTI e indígenas; e
(v) o ataque à imprensa, quando leva ao público informações incômodas para o
51
governo”.

Em síntese, as medidas promovidas pelo Decreto nº 10.003/2019 visavam


conferir ao Executivo o controle da composição e das decisões do Conanda, o
que o neutralizaria como instância crítica de controle.

Trata-se, portanto, de norma que frustra o comando constitucional que


assegurou participação às entidades representativas da sociedade civil na
formulação e no controle das políticas públicas para crianças e adolescentes.

Não bastasse isso, o decreto viola o princípio da legalidade, uma vez que
desrespeita as normas que regem o Conanda, tal como previstas na Lei nº
8.242/1991. Além disso, ao procurar modificar o funcionamento do Conanda
por meio de decreto, quando seria necessária lei, também excluiu a
participação do Congresso Nacional em debate de extrema relevância para o
país.
QUESTÃO 05 É cediço que o Ministério Público dispõe do chamado poder de
requisição. Entretanto, dispõe a Defensoria Pública da mesma prerrogativa?
Disserte fundamentadamente a luz da jurisprudência.

52

PADRÃO DE RESPOSTA

A Defensoria Pública (art. 134 CF) é uma instituição pública que visa oferecer,
de forma integral e gratuita, assistência e orientação jurídica às pessoas que
não possuem condições financeiras de pagar as despesas destes serviços.
Além disso, promove a defesa dos direitos humanos, direitos individuais e
coletivos e de grupos em situação vulnerável.
A assistência jurídica gratuita às pessoas vulneráveis é um direito e garantia
fundamental de cidadania, prevista no artigo 5º, LXXIV da Constituição.

Os princípios institucionais, por sua vez, podem ser compreendidos como a


base que sustenta e dá estrutura à Defensoria Pública. Eles espelham os
postulados básicos e os valores fundamentais da Instituição, formando o
núcleo essencial de sua sistemática normativa.

Os princípios institucionais são previstos no art. 3º da LC nº 80/94 e, com o


advento da Emenda 80/14, ganharam status constitucional.
O poder de requisição, a seu turno, é uma das prerrogativas mais importantes
conferidas aos membros da Defensoria Pública, uma vez que reforça o
paradigma de priorização de soluções extrajudiciais, na forma do art. 134,
caput, da CF e do sentido principiológico do CPC/2015.
Conforme prevê a LC 80/94, o poder de requisição só pode ser exercido em
face de autoridades e agentes públicos.
Acerca da prerrogativa o STF julgou diversas ADI’s, para determinar que a
Defensoria Pública detém a prerrogativa de requisitar, de quaisquer
autoridades públicas e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias,
diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais
providências necessárias à sua atuação.
ESPELHO DE CORREÇÃO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

53
O papel constitucional da Defensoria 20

O arcabouço normativo da instituição 20

Conceito de poder de requisição 20

Apresentar a jurisprudência do STF 20

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência 20

COMENTÁRIOS

A Defensoria na Constituição

Trata-se de função essencial à justiça, na forma do art. 134 CF, incumbida da


orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados (art. 5º,
LXXIV).

A LC 80/94 organiza a Defensoria Pública da União e Territórios e estabelece


normas gerais para as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal.

O ingresso na carreira se dá mediante aprovação em concurso público de


provas e títulos. Seus membros possuem a garantia da inamovibilidade e lhes
é vedada a advocacia fora das atribuições institucionais.

A instituição goza ainda de autonomia funcional e administrativa e iniciativa de


sua proposta orçamentária, devendo seus recursos ser repassados até o dia 20
de cada mês em duodécimos.
Os principais princípios institucionais são: unidade, indivisibilidade e
independência funcional. Nesse sentido, serão aplicáveis os arts. 93 e 96,
inciso II, da Constituição, no que couber.
54

A Defensoria teve sua fisionomia constitucional gradualmente alterada.

Segue a linha cronológica das Emendas que trataram do tema:

Garantiu autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa


EC 45/2004
de proposta orçamentária às Defensorias Estaduais.

Garantiu autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa


EC 69/2012
de proposta orçamentária à Defensoria do DF de maneira implícita.

EC 74/2013 Garantiu expressamente autonomia funcional e administrativa, bem


como a iniciativa de proposta.

Alterou o caput do art. 134, da CF, tornando a redação idêntica ao art.


EC 80/2014
1º da LC 80/94, com redação dada pela LC 132/2009,
constitucionalizando, assim, as principais prerrogativas da DP.

Princípios institucionais da DP

Os princípios institucionais são previstos no art. 3º da LC 80/94 e, com o


advento da EC 80/14, foram constitucionalizados.

Art. 3º São princípios institucionais da Defensoria Pública


a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

Art. 134, § 4º São princípios institucionais da Defensoria


Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência
funcional, aplicando-se também, no que couber, o
disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta
Constituição Federal. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 80, de 2014)

A constitucionalização dos princípios institucionais da Defensoria


55
assegura sua exigibilidade (eficácia positiva), autoriza a declaração de
inconstitucionalidade de atos que os ofendam (eficácia negativa) e subordina a
aplicação das normas pertinentes aos valores neles contidos (eficácia
interpretativa).

1. Unidade

O princípio da unidade traduz a ideia de que a Defensoria Pública é um todo


orgânico. É uma instituição una.

2. Indivisibilidade

A indivisibilidade como princípio institucional permite que um defensor substitua


outro, sem nenhum prejuízo ao assistido, de forma a garantir a continuidade da
prestação do serviço.

O que se entende por defensor natural?

O art. 4º-A da Lei Complementar nº 80/94 prevê o patrocínio dos direitos e


interesses dos assistidos da Defensoria pelo defensor natural.

Art. 4º-A. São direitos dos assistidos da Defensoria


Pública, além daqueles previstos na legislação
estadual ou em atos normativos internos: (...)
IV – o patrocínio de seus direitos e interesses pelo
defensor natural; (...)

Já decidiu o STJ (RHC nº 61848 / PA) que viola o princípio do defensor natural
a designação de advogado ad hoc para atuar no feito em que já atuava antes a
Defensoria Pública. Neste sentindo, o STF (HC nº 337.754/SC) também se
manifestou no sentido de que só se admite a designação de advogado ad hoc
para atuar no feito quando não há órgão de assistência judiciária na comarca,
56
ou se este não está devidamente organizado na localidade, havendo
desproporção entre os assistidos e os respectivos defensores, chancelando o
princípio do defensor natural.

3. Independência funcional

O princípio da independência funcional possui dois escopos. Como princípio


institucional, a independência funcional é uma prerrogativa da instituição de
não se subordinar a qualquer outro órgão. O outro escopo é a prerrogativa de
que gozam os Defensores Públicos, os quais são dotados de autonomia e
independência no exercício de suas funções, devendo respeito apenas às suas
convicções, à lei e ao que está no processo.

O Defensor Geral, portanto, não pode se imiscuir na convicção de um membro


da Defensoria Pública, que deve ter seu entendimento jurídico respeitado, tal
como ocorre com os membros do Ministério Público.

Em razão da independência funcional, o Defensor pode deixar de patrocinar


a ação quando esta for manifestamente incabível ou inconveniente aos
interesses da parte sob seu patrocínio, comunicando seus fundamentos ao
Defensor Público Geral.

Garantias e Prerrogativas

As garantias institucionais são normas que buscam garantir a plena liberdade


de atuação dos Defensores Públicos, independentemente de pressões internas
ou externas que possam prejudicar o exercício das atribuições legais.
As garantias não devem ser vistas como privilégios corporativos, mas sim
como mecanismos destinados a preservar o interesse público na boa atuação
da Defensoria Pública.

57
As garantias são normas de ordem pública, ou seja, de aplicação obrigatória,
não dependendo de concordância dos Defensores Públicos para sua
aplicabilidade.

Dentre essas garantias encontra-se o poder de requisição. Segundo a LC


80/94, o poder de requisição só pode ser exercido em face de autoridades e
agentes públicos (“requisitar de autoridade pública e de seus agentes exames,
certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações,
esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições”).

PODER DE REQUISIÇÃO DO MP PODER DE REQUISIÇÃO DA DP

- Previsão legal e constitucional; - Previsão somente infraconstitucional (LC


- Pode ser exercido em face de 80/94, art. 128, X) ;
entidades públicas e privadas. - Pode ser exercido somente em face de
entidades públicas.

De acordo com Diogo Esteves e Franklyn Roger, para garantir a plena proteção
dos direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais
da sociedade, a Defensoria Pública deve dispor dos mecanismos jurídicos que
lhe permitam realizar suas finalidades legais. Assim, lecionam:

“Justamente por isso, entendemos que os membros da


Defensoria Pública, quando estiverem no exercício de
atribuições de caráter eminentemente coletivo,
poderão requisitar, de qualquer organismo público ou
particular, certidões, informações, exames ou perícias.

Esse raciocínio decorre logicamente da teoria dos


poderes implícitos, segundo a qual “a outorga de
competência expressa a determinado órgão estatal
importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão,
dos meios necessários à integral realização dos fins que
58
lhe foram atribuídos”.

Defende a doutrina que a requisição expedida pela Defensoria possui a


natureza de ordem, e não de solicitação, sendo ato administrativo revestido de
imperatividade, autoexecutoriedade e presunção de legitimidade, cujo
descumprimento pode acarretar sanções administrativas.

ATENÇÃO DPE/RJ

Na ADI 230 (2010), o STF julgou inconstitucional o art. 178, IV, da Constituição
Estadual do Rio de Janeiro, que assegurava o poder de requisição dos Defensores
Públicos estaduais em face de entidades públicas e privadas.

Na fundamentação, os ministros destacaram que o poder de requisição dos


membros da Defensoria Pública representaria uma “exacerbação das prerrogativas
asseguradas aos demais advogados”. Uma expressão muito marcada na época foi o
dito pela Ministra Carmen Lúcia que alegou que se os Defensores Públicos tiverem a
prerrogativa da Requisição, se tornariam “super advogados”.

Todavia, é importante destacar:

1º) O STF não adota a teoria da transcendência dos motivos determinantes, de


modo que a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo da CE do RJ não
pode se estender automaticamente ao dispositivo da LC nº 80/94, que consagra a
prerrogativa da requisição.

Nesse sentido, o STF decidiu recentemente que a Defensoria Pública detém a


prerrogativa de requisitar, de quaisquer autoridades públicas e de seus
agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos,
documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias
à sua atuação.
Essa prerrogativa está prevista em diversos dispositivos da LC 80/94:

Art. 8º São atribuições do Defensor Público-Geral, dentre


59
outras:
(...)
XVI - requisitar de qualquer autoridade pública e de seus
agentes, certidões, exames, perícias, vistorias,
diligências, processos, documentos, informações,
esclarecimentos e demais providências necessárias à
atuação da Defensoria Pública;

Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria


Pública da União:
(...)
X - requisitar de autoridade pública e de seus agentes
exames, certidões, perícias, vistorias, diligências,
processos, documentos, informações, esclarecimentos e
providências necessárias ao exercício de suas
atribuições;

Art. 56. São atribuições do Defensor Público-Geral:


(...)
XVI - requisitar de qualquer autoridade pública e de seus
agentes, certidões, exames, perícias,vistorias, diligências,
processos, documentos, informações, esclarecimentos e
demais providências necessárias à atuação da Defensoria
Pública;

Art. 89. São prerrogativas dos membros da Defensoria


Pública do Distrito Federal e dos Territórios:
(...)
X - requisitar de autoridade pública ou de seus agentes
exames, certidões, perícias, vistorias, diligências,
processos, documentos, informações, esclarecimentos e
providências necessárias ao exercício de suas
atribuições;
60

LC 80/94: Art. 128. São prerrogativas dos membros da


Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei
local estabelecer:
(...)
X - requisitar de autoridade pública ou de seus
agentes exames, certidões, perícias, vistorias,
diligências, processos, documentos, informações,
esclarecimentos e providências necessárias ao
exercício de suas atribuições;

Mais recentemente, o Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra todos


esses dispositivos da LC 80/94. Propôs ação, ainda, contra as leis
complementares de diversos estados, que também conferem à Defensoria
Pública estadual a possibilidade de requisitar informações e documentos a
autoridades, agentes e órgãos públicos.

O PGR alegou que o poder de requisição atribuído às Defensorias


Públicas padeceria de inconstitucionalidade material. Sustentou que a
atribuição de poder requisitório aos defensores públicos, por revestir-se dos
atributos de autoexecutoriedade, imperatividade e presunção de legitimidade,
violaria o princípio da inafastabilidade da jurisdição e o preceito da paridade
de armas na relação processual, especialmente no tocante à produção de
provas.

O Plenário, por maioria, em análise conjunta de todas as ações, julgou


improcedentes os pedidos declarando a constitucionalidade do poder de
requisição das Defensorias Públicas.
O art. 134 da Constituição Federal, com redação dada pela EC 80/2014,
configura concretização do direito constitucional ao acesso à justiça, insculpido
no art. 5º, LXXIV.

61
Assim, o direito fundamental de assistência jurídica, gratuita e integral
converte-se em verdadeira garantia constitucional, ao atribuir-se à Defensoria
Pública a qualidade de instituição permanente e essencial à função jurisdicional
do Estado.

A Defensoria Pública está erigida como órgão autônomo da administração da


justiça, e, por isso, conta com independência e autonomia administrativa,
financeira e orçamentária, conferidas pelas EC 45/2004, 73 /2013 e 80/2014 e
assentadas também no art. 134 da Constituição Federal.

Delineado o papel atribuído à Defensoria Pública pela Constituição Federal,


resta evidente concluir que ela não é uma categoria equiparada à Advocacia,
seja ela pública ou privada, estando, na realidade, mais próxima ao desenho
institucional atribuído ao próprio Ministério Público.

Nesse sentido, assim como ocorre com o Ministério Público, igualmente


legitimado para a proteção de grupos vulneráveis, os poderes previstos à
Defensoria Pública, seja em sede constitucional - como a capacidade de se
autogovernar - ou em âmbito infraconstitucional - como a prerrogativa
questionada de requisição - foram atribuídos como instrumentos para a
garantia do cumprimento de suas funções institucionais.

Ao conceder tal prerrogativa aos membros da Defensoria Pública, o legislador


buscou propiciar condições materiais para o exercício de suas atribuições, não
havendo que se falar em qualquer espécie de violação ao texto constitucional,
mas, ao contrário, em sua densificação.

A possibilidade de a Defensoria requisitar certidões, informações e documentos


de órgãos públicos, embora não tenha previsão constitucional expressa, é
medida salutar porque permite, inclusive, a solução de demandas pelas vias
administrativas ou transacionais, evitando o ajuizamento de processos judiciais.

Além disso, esse poder de requisição serve como um auxílio para o assistido
62
conseguir obter os documentos que necessita para a garantia de seus direitos,
diminuindo o tempo que os hipossuficientes precisarão esperar para serem
atendidos.

Nesse sentido, a retirada da prerrogativa de requisição implicaria, na prática, a


criação de obstáculo à atuação da Defensoria Pública, a comprometer sua
função primordial, bem como a autonomia que lhe foi garantida.

O poder de requisitar de qualquer autoridade pública e de seus agentes,


certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos,
informações, esclarecimentos e demais providências necessárias ao exercício
de suas atribuições, foi atribuído aos membros da Defensoria Pública porque
eles exercem, e para que continuem a exercer de forma desembaraçada, uma
função essencial à Justiça e à democracia, especialmente, no tocante, a sua
atuação coletiva e fiscalizadora.

Para se aprofundar:

Ler
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=482093&ori=
1
QUESTÃO 06 Discorra, à Luz da Jurisprudência do STF, sobre o Direito à
liberdade de expressão, indicando seus limites, fundamentos e se há eventual
direito ao hate speech.

63

PADRÃO DE RESPOSTA

A liberdade de expressão tem previsão constitucional (art. 5º,IX, CRFB/88)e


enquadramento como Direito Fundamental. Cinge-se, basicamente, ao direito
de se comunicar, sendo interlocutor, orador ou destinatário, podendo
manifestar livremente seu pensamento como extensão da liberdade individual e
corolário lógico da Dignidade Humana – esta última, vale dizer, sobre a qual
repousa toda a pauta substantiva da Constituição Federal de 1988. Todavia,
haja vista que não há viabilidade jurídica em se admitirem direitos absolutos, a
liberdade de expressão encontra limitações em seu conteúdo.

Um desses limites é, justamente, o respeito aos demais preceitos


constitucionais. O STF, quando instado para tratar sobre o assunto, decidiu no
caso Ellwanger que a liberdade de expressão não protege manifestações de
cunho antissemita, que podem ser objeto de persecução penal pela prática do
crime de racismo. Historicamente, a corte suprema têm se mantido na mesma
linha. Aparentemente, poder-se-ia dizer que a limitação do direito constitucional
à liberdade de expressão violaria o Estado Democrático de Direito, sobretudo
no tocante ao risco dessa limitação se transmutar em censura, prática
constante na época ditatorial brasileira e atualmente é rechaçada pela
Constituição Cidadã de 1988. Entretanto, essa premissa não pode ser
verdadeira.

É dizer, caso a Constituição permitisse um discurso livre e irrestrito, ao mesmo


tempo, autorizaria outro resultado igualmente por ela rechaçado, qual seja, a
propagação de notícias e ideias caluniosas, mentirosas e odiosas. A discussão
ganhou contornos relevantes recentemente, com o caso das ‘fake news’. Há
que se ressalvar, ainda, que ‘fake news’ e ‘hate speech’ são conceitos jurídicos
indeterminados e, por assim o serem, demandam uma complexa tarefa
interpretativa, ante a falta de clareza de seu conteúdo. Ato contínuo, deve-se
observar atentamente, no caso concreto, se o direito ao discurso maculou outro
direito igualmente protegido, sob pena de incorrer em prática criminosa e,
portanto, antijurídica e punível pelo ordenamento.

Por fim, para evitar eventuais discursos antidemocráticos, parte da doutrina 64


defende ser aconselhável que sejam criadas políticas estatais punitivas com
vistas a reduzir a incidência do hate speech.

ESPELHO DE CORREÇÃO

Aspectos microestruturais (adequação ao número – 0,0 a 10,00


de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
I
morfossintaxe e propriedade vocabular);

Discorrer sobre o conceito de liberdade de


expressão como Direito Fundamental,
II - 0,0 a 30
contextualizando com a censura com o período
pontos
de Ditadura;

III Mencionar não existir Direito Fundamental - 0,0 a 30


absoluto capaz de legitimar um discurso de ódio, pontos
contextualizando com a problemática dos
posicionamentos racistas e antissemitas

IV Mencionar as teorias interna e externa de - 0,0 a 10


limitação do conteúdo dos Direitos Fundamentais pontos.

Demonstrar conhecimento acerca dos casos - 0,0 a 20


recém-chegados a STF e seus fundamentos; - 0,0 pontos.
a 20 pontos.

TOTAL 100 65

COMENTÁRIOS

O tema da liberdade de expressão é bastante sensível para os ativistas em


Direitos Humanos, justamente em razão de sua interlocução com a censura e
períodos ditatoriais. No Brasil, tivemos um forte movimento de represália à
liberdade de expressão durante a Ditadura Militar, que culminou na aprovação
do tão famoso “A.I 5” de 1968, no Governo Costa e Silva. Como sabemos, a
promulgação da Carta Cidadã de 1988 cuidou de expurgar discursos de ódio
de nosso ordenamento, privilegiando a Pessoa Humana como centro de todo o
texto constitucional (vide ser um dos fundamentos do art. 1º, III, da CRFB/88);

O tema voltou ao foco em 2003, quando chegou ao Supremo Tribunal Federal


um Habeas Corpus de injúria racial e antissemitismo, tendo a corte, em decisão
histórica, assentado que o Direito à Liberdade de Expressão (art. 5º, IX,
CRFB/88) encontra limites no conteúdo de outros direitos fundamentais, ou
seja, que o histórico de censura não pode ser uma “carta branca” para falarem
o que quiserem sem nenhuma consequência jurídica.

Mais recentemente, nos anos de 2020 e 2021, o supremo enfrentou casos


como o inquérito das fake News e o julgamento sobre o Direito ao
Esquecimento, em que também manifestou ser o Direito de Liberdade de
Expressão limitado.

Aqui uma pequena observação: No caso do Direito ao Esquecimento, frise-se,


o STF entendeu que não seria possível retirar dos veículos midiáticos
informação relevante histórica e pertinente para uma matéria jornalística, por
consistir em censura prévia. Todavia, os ministros destacaram que caso
alguém fosse injustamente envolvido ou prejudicado, haveria o direito de
regresso em via própria para se postularem os valores consectários do dano
moral sofrido, se comprovado.

O Caso Ellwanger, objeto do julgamento de 2003, vem sendo revisitado 66


frequentemente para fundamentar decisões contrárias ao discurso de ódio,
justamente pela reafirmação daquela jurisprudência do STF de 20 anos.
Lembrem-se que muitos discursos de ódio foram proferidos nesses últimos 4
anos, e também houve alguns ataques de cunho racista. 2

Sobre isso, um comentário pertinente, e também um conselho: trata-se de um


fato, sem nenhum viés político nesta afirmativa, motivo pelo qual caso seja
essa uma questão na prova jamais o candidato deverá manifestar opiniões
pessoais contra ou a favor de político algum. um movimento de massa muito
maior que qualquer figura política, e afirmar alguma correlação é não só
temerário, mas pode indicar fuga ao tema). O tema é, então, relevante, e
passível de ser cobrado exigindo-se do candidato um entendimento histórico do
assunto, justamente porque mitiga Direitos Fundamentais, noções de Direito
Civil-Constitucional e Direito Penal (com a consequente criminalização da
conduta).

Vale recordar que o hate speech é apenas o início do que pode virar uma ação
planejada e coordenada para a execução de alguma medida contra a
integridade física do alvo dos ataques, e este é um grande problema a ser
combatido. Por tudo quanto exposto, resolvi trazer a liberdade de expressão
como tema dessa questão.

Bem, isso dito, vamos tecer alguns aprofundamentos pertinentes.

Essa é uma questão teórica e, propositalmente, o espelho não exigiu


conhecimento de nenhum julgado recente sobre o tema, mas sim pontuou
o conhecimento lato sensu, de forma ampla, da matéria e da forma através da
qual ela se desenvolve na jurisprudência do STF.

2
A lei que tipifica o crime de racismo é datada de 1989. Contudo, os registros policiais dos casos têm
crescido nos últimos anos e quadruplicaram entre 2018 e 2021: de 1.429 para 6.003 ocorrências,
segundo o IBGE.
Iremos abordar com precisão e de forma sucinta alguns desses temas, para
que, caso seja cobrado no certame, vocês consigam pontuar sendo diretos e
aprofundados, demonstrando, em poucas linhas, conhecimento sobre o
histórico do tema e suas implicações. Neste ponto, relembrem-se de que a
67
questão pediu 3 itens: i) fundamentação constitucional da liberdade de
expressão, ii) eventuais limites e iii) se haveria, com base nela, uma
legitimação para o discurso de ódio (hate speech).

Primeiramente, importante mencionar que o primeiro caso que chegou ao STF


acerca do tema foi há 20 anos, em 2003, quando foi assentada a
criminalização da propagação de ideias nazistas. Ou seja, a Suprema Corte
entendeu que o crime de racismo e a intolerância religiosa não estão
protegidos pela garantia constitucional da liberdade de expressão. O caso teve
como paciente o escritor Siegfried Ellwanger, acusado em 1991 por racismo e
cujo habeas corpus foi negado em 2003, pelo STF. Ellwanger se manifestava
contrariamente ao holocausto, negando sua ocorrência em livros e escritos.

Em sua defesa, trouxe o arcabouço protetivo das liberdades comunicativas,


que tem como fundamento o risco de supressão destes direitos por atos não
democráticos do Poder Público, tão marcantes na história brasileira a partir de
1964, com o Regime Ditatorial Militar.

Todavia, deve-se entender que os direitos e garantias fundamentais não


podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de
atividades ilícitas tampouco como argumento para afastamento ou diminuição
da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de
desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Neste mesmo sentido, decidiu o
STF no HC nº 70.814-5/SP (Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, DJ,
24-6-1994), cuja leitura se recomenda.

Certo é que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais


da sociedade democrática, mas não se pode ignorar sua harmonização com os
demais direitos fundamentais, notadamente no tocante à proteção aos direitos
individuais dos demais. Ao mesmo tempo, a liberdade de expressão não existe
só para proteger as opiniões que estão de acordo com os valores nutridos pela
maioria, mas também aquelas que chocam e agridem, o que poderia justificar a
existência legitima de um discurso de ódio. Mas cuidado!

O tema tem acalorado o STF nos últimos anos, muito em razão do julgamento
das fake News envolvendo os ministros da corte, Inquérito nº 4.781/DF, 68
presidido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. O
Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da ADPF 572
para declarar a legalidade e a constitucionalidade do Inquérito n 4781,
instaurado com o objetivo de investigar a existência de notícias fraudulentas
(fake news), denunciações caluniosas e ameaças contra a Corte, seus
ministros e familiares. Prevaleceu o entendimento do relator, ministro Edson
Fachin, de que a ADPF 572, cujo objeto era a Portaria 69/2019 da Presidência
do STF, que determinou a instauração do inquérito, é totalmente improcedente,
“diante de incitamento ao fechamento do STF, de ameaça de morte ou de
prisão de seus membros e de apregoada desobediência a decisões judiciais”.

Discutiu-se, na ADPF, a legitimidade do inquérito aberto pelo próprio Supremo,


em eventual discordância com o sistema acusatório.

O ministro Luiz Fux afirmou que a legislação brasileira autoriza que juízes, ao
verificar a existência de crime, iniciem investigações, especialmente em defesa
da jurisdição. Segundo ele, os fatos investigados no INQ 4781 (atos de abuso,
de ofensa, de atentado à dignidade da Justiça, do Supremo e da democracia)
são “gravíssimos” e se enquadram no Código Penal, na Lei de Segurança
Nacional e na Lei de Organizações Criminosas. Para o ministro, os atos
investigados são o germe inicial de uma instauração, no Brasil, de atos de
terrorismo, com o objetivo de que os juízes, pelo temor, percam sua
independência, e, por isso, precisam ser coibidos. “Temos de matar no
nascedouro esses atos que estão sendo praticados contra o STF”, afirmou.

O único a divergir foi o ministro Marco Aurélio (hoje aposentado) que entendia
que o artigo 43 do Regimento Interno do STF (fundamento para a instauração
do inquérito) não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Para o ministro,
houve violação do sistema penal acusatório constitucional, que separa as
funções de acusar, pois o procedimento investigativo não foi provocado pelo
procurador-geral da República, e esse vício inicial contamina sua tramitação.
Segundo ele, as investigações têm como objeto manifestações críticas contra
os ministros que, em seu entendimento, estão protegidas pela liberdade de
expressão e de pensamento.
69
Portanto, o termo ‘fake news’ tem sido entendido como a propagação de
notícias falsas. Trata-se de um conceito jurídico indeterminado.
Consequentemente, podendo haver níveis de subjetividade, em que muitas
poderão ser as interpretações e também as intenções do emissor da
mensagem, o que demandem maior clareza quanto à sua apuração.
Certamente, há casos em que é cristalino o conteúdo de ódio. Em outros,
evidente que são manifestações neutras. E entre os dois extremos, há uma
zona cinzenta, com uma infinidade de situações que geram dúvida se há ou
não conteúdo de ódio, os chamados hard cases alcunhados por Ronald
Dworkin.

Historicamente, tanto nos EUA quando na Inglaterra há uma prevalência pela


liberdade de expressão. O Filósofo Inglês John Stuart Mill, por exemplo,
defendia que o ser humano é um ser falível e que, por isso, não seria possível
excluir outras ideias em detrimento de apenas uma. Em apertadíssima síntese,
o filósofo era contrário à ideia de verdade absoluta, rejeitando que uma opinião
pessoal estivesse completamente equivocada. Nessa lógica, proibir a
divulgação de determinados pontos de vista seria um grande erro, pois sua
supressão privaria a sociedade do acesso a algo verdadeiro. Em defesa deste
raciocínio, ponderou o filósofo, ainda, que o confronto de diferentes pontos de
vista é sempre benéfico para a sociedade.

A título de curiosidade, a busca da verdade foi também enfatizada pelo Juiz


norte-americano Oliver Wendell Holmes, em voto dissidente que proferiu no
caso Abrahams vs. United States em 1919 (caso 250 U.S. 616).

Não se pode, contudo, defender um direito ao discurso de ódio no Brasil,


notadamente porque o hate speech se destina, exatamente, a negar a
igualdade entre as pessoas, propagando a inferioridade de alguns e
legitimando a discriminação, maculando os preceitos da Dignidade Humana e
igualdade.

Vejamos, contudo, que Daniel Sarmento3 critica o rechaço ao discurso de ódio


como fim em si mesmo. Segundo o autor: 70

(...) é evidente que a proibição do hate speech, por si só, não resolverá os
problemas de injustiça estrutural e de falta de reconhecimento social que
atingem as minorias. É fundamental para isso implementar ações públicas
enérgicas, como as políticas de ação afirmativa, visando a reduzir as
desigualdades que penalizam alguns destes grupos, e desenvolver, em
paralelo, uma cultura de tolerância e valorização da diversidade, através da
educação e de campanhas públicas. Contudo, nenhuma destas medidas é
incompatível com a proibição das manifestações de ódio e preconceito contra
grupos estigmatizados. Pelo contrário, elas são estratégias complementares e
sinérgicas, que partem do mesmo denominador comum: a necessidade do
Estado posicionar-se com firmeza em favor da igualdade e do respeito aos
direitos dos integrantes dos grupos mais vulneráveis que compõem a
sociedade.

Na doutrina de Robert Alexy, os princípios podem ser concebidos como


mandamentos de otimização, é dizer, normas que ordenam algo que deve ser
realizado na maior medida do possível, dentro das possibilidades jurídicas e
fáticas existentes. Nesse sentido, eventual conflito é meramente uma antinomia
aparente, resolvida mediante um juízo de ponderação. Lembrem-se que no que
diz respeito às leis, estas são normas e, por isso, submetidas a um juízo de
‘tudo ou nada’, devendo ser uma delas afastada para a outra manifestar seu
conteúdo. No que diz respeito aos Direitos Fundamentais, a tratativa melhor é a
que considera que sejam princípios a embasar todo o corpo constitucional
(previstos no art.5º como verdadeiras cláusulas pétreas). Há que se operar,
portanto, um juízo de concessões recíprocas.

3
SARMENTO, Daniel. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O PROBLEMA DO “HATE SPEECH”. Disponível em:
https://professor.pucgoias.edu.br/sitedocente/admin/arquivosUpload/4888/material/a-liberdade-de-
expressao-e-o-problema-do-hate-speech-daniel-sarmento.pdf. Acesso em: 08.jul.2023.
Dentro desse ponto, diferencia-se na pontuação quem mencionar que os
direitos fundamentais não são absolutos e de eficácia plena. São suscetíveis a
restrições no conteúdo e alcance, preservando-se seu núcleo essencial. É
importante relembrar a classificação dada por José Afonso da Silva às normas
71
quanto a sua aplicabilidade. As normas poderão adotar eficácia: plena, contida
ou limitada. No tocante aos direitos fundamentais, considerando não haver
direito fundamental absoluto, tais normas não possuem eficácia plena, podendo
apresentar, conforme a hipótese, eficácia contida (ou restringível) ou limitada.
Nesse sentido, a doutrina majoritária defende que a maioria das normas seriam
de eficácia contida, enquanto a maior parte daquelas que reconhecem os
direitos sociais seriam de eficácia limitada.

Os direitos fundamentais sofrem interferência da chamada teoria do limite dos


limites, sendo esta resumida na seguinte assertiva: “não se pode delimitar tanto
o conteúdo de um direito fundamental a ponto de esvaziá-lo”. Mantenham essa
ideia em mente.

Os Direitos Fundamentais, também, devem ser lidos sob duas correntes: as


teorias interna e externa. Basicamente, para os adeptos da teoria interna, o
limite de um direito está interno a ele. Ou seja, a posição acerca dos limites
imanentes (ou inerentes) é aquela segundo a qual são limites existentes dentro
do próprio direito, por um processo interno, não definido nem influenciado por
aspectos externos (como colisões com outros direitos). Assim, sem a
necessidade de ponderar o direito fundamental com outros de igual status,
analisa-se a priori a extensão do direito (seu âmbito de proteção), verificando
qual seria sua amplitude e, por consequência, quais seriam seus limites.
Nestes termos, a definição do conteúdo e extensão de um direito não depende
de fatores externos a ele e, por isso mesmo, não há que se falar na
possibilidade de restrições. Assim sendo, não existiria a possibilidade de um
direito não poder ser exercido por ter sido restringido. Isso porque a ideia de
restrição (externa) é substituída pela de limite (interno). Tudo que estiver fora
do âmbito de proteção daquele direito é, na realidade, uma conduta desprovida
de amparo na ordem jurídica.
Nas lições de Marcelo Novelino4

“Nos termos da teoria interna, os limites aos direitos


fundamentais são fixados por meio de um processo
interno ao próprio direito, sem a influência de outras 72
normas. O direito e os limites a ele imanentes formam
uma só coisa. Por ser delimitado aprioristicamente através
da interpretação, o direito tem sempre caráter definitivo,
nunca provisório (prima facie), isto é, em termos de
estrutura normativa, possuem sempre a estrutura de
regras, aplicando-se segundo a lógica do ‘tudo ou nada’.
Em outras palavras: por serem definidas
aprioristicamente, as normas garantidoras dos direitos
fundamentais necessariamente serão aplicáveis e
produzirão todos os seus efeitos sempre que ocorrer a
hipótese prevista em seu suporte fático. A teoria interna,
por considerar possível a delimitação rigorosa de cada
direito fundamental, refuta a possibilidade de conflito entre
eles e, por conseguinte, não admite sopesamentos de
princípios. Os direitos fundamentais cuja restrição não
seja expressamente autorizada pela constituição não
podem ser ‘objeto de autênticas limitações (restrições)
legislativas, mas apenas de delimitações, as quais devem
desvelar o conteúdo normativo constitucionalmente
previsto.’”

Assim, para a teoria interna, a imposição de restrições exógenas deve derivar


diretamente do corpo da Constituição ou de Leis. Já para a teoria externa,
haveria limites imanentes aos próprios direitos, resultantes da determinação do
conteúdo. Ou seja, a mesma fonte normativa que prevê o direito também o
limite em conteúdo e alcance.

4
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p. 328.
Finalmente, à luz dessas fundamentações, é passível afirmar que muito
embora haja previsão constitucional de um Direito à Liberdade de Expressão,
esta não pode ser incondicionada, seja porque encontra limitações em outros
direitos igualmente protegidos com status de fundamentais, seja porque
73
encontra limitações em seu conteúdo, a depender da teoria (interna ou externa)
que se adote. De todo modo, incompatível com um Estado Democrático de
Direito a existência de discurso de cunho racista livre de consequências.
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA
A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

1
W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA


A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

Olá Futuro(a) Residente Jurídico(a) da DPE-RJ,

Você está recebendo hoje a segunda rodada de conteúdo direcionado e


preparatório para o concurso de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro. Esperamos que tenha gostado da primeira
rodada! Você se saiu bem? Continuamos com todo o cuidado na seleção de
cada tema. Por aqui continuamos buscamos identificar os assuntos de maior
relevância na atuação prática na Defensoria Pública, temas que são quentes
e podem ser questão do seu certame!

Esta é a segunda rodada de dez. Ao total serão aproximadamente sessenta


questões! O objetivo é treiná-los para prova, então vocês devem tentar
resolver as questões antes de partirem para a leitura do espelho. O
espelho é instrumento essencial para você se aprofundar nos temas,
contudo, antes de abri-lo, treine com o caderno de questões!

Desejamos sorte neste seu objetivo e que este material possa continuar te
ajudar a alcançar a função de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro!

Qualquer dúvida, não deixe de nos procurar! Até breve,

Coordenação da turma

PRISCI LA COT TA
ANALISTA PROCESSU AL DA DPE-RJ
EX-RESIDENTE J URÍDICA DA DPE-RJ
RAONI ARAUJ O
COORDENADOR ACADÊMICO DO PED
MESTRE PELA FND/UFRJ

2
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARAA PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA –RODADA II

ESPELHO

1
QUESTÃO 01 A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro moveu ação
civil pública em face do Município do Rio de Janeiro em razão dos interesses
de crianças de quatro anos de idade que não haviam sido matriculadas na
educação infantil por falta de vagas.
Discorra sobre o fato narrado apontando: (i) se a ação intentada é cabível no
caso narrado e, segundo os tribunais superiores, qual seria a competência
para julgar a ação; (ii) os argumentos legais que deverão ser trazidos pelo
Defensor Público acerca do direito à educação no caso em tela.

PADRÃO DE RESPOSTA
A educação, direito social de segunda dimensão, é direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
O Poder Judiciário pode obrigar o Município a fornecer vaga em creche a
criança de até 5 anos de idade. Isso porque a educação infantil, em creche e
pré-escola, representa prerrogativa constitucional indisponível integrante do
mínimo existencial, garantida às crianças até 5 anos de idade, sendo um dever
do Estado (art. 208, IV, da CF/88). Justamente por ser prerrogativa
constitucional indisponível, não cabe ao Município opor a reserva do possível
para escusar-se de seu cumprimento. Ademais, o art. 208 da CF é norma
autoaplicável.
Deve-se realizar uma interpretação sistemática do ECA e da CF. Primeiro é
importante observar que em matéria de Direito da Criança e do Adolescente a
ACP pode ser manejada para a tutela de interesses individuais, conforme
previsto no art. 201, do ECA.
A CRFB, em seu artigo 134, com redação dada pela EC 80/2014, ampliou o rol
de atuação da Defensoria Pública, legitimando-a a toda demanda que envolva
os interesses de pessoas vulneráveis ou hipossuficientes, seja de forma
individual ou de forma coletiva.
Desta forma, ainda que o ECA não traga previsão expressa da legitimidade da
DPE para promover a ACP para tutelar interesse individual, ainda assim a DPE
estará legitimada, visto que a redação do ECA é anterior à reforma
constitucional que aumentou ou poderes das Defensorias. Portanto, a DPE
pode promover a ACP para tutelar interesses individuais, assim como o MP.
Por fim, segundo o STJ, A Justiça da Infância e da Juventude tem competência
absoluta para processar e julgar causas envolvendo matrícula de menores em
creches ou escolas, nos termos dos arts. 148, IV, e 209 da Lei nº 8.069/90.
2

ESPELHO
TOTAL: ALUNO:

Esclarecer que a ACP é cabível no presente 20


caso;
Discorrer acerca da legitimidade da DPE para 30
intentar a ACP;
Citar que o direito à educação é dever do 30
estado, não sendo oponível o argumento da
reserva do possível;
Afirmar a autoaplicabilidade do art. 208 da 20
CRFB.

COMENTÁRIOS

A Constituição Federal dispõe que os Municípios atuarão prioritariamente no


ensino fundamental e na educação infantil, enquanto o ECA assegura
atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a cinco anos.
Compete ao Poder Público municipal, caso enfrente eventual insuficiência de
vagas, tomar as providências necessárias para que essa falta seja suprida, não
podendo eximir-se do dever que lhe foi imposto pela própria Constituição.
Mais a mais, em se tratando de um aparente conflito de normas em relação ao
direito à educação e normas de matéria orçamentária, é indiscutível a
prevalência do primeiro direito, em face dos artigos 1º, III, 3º, IV, e 5º, caput, da
Constituição Federal, que tratam de princípios e direitos fundamentais.
Segundo o ECA, “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao
pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho”.
O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo, ou
seja, caso o Poder Público não o garanta ou não o faça de maneira regular, o
cidadão tem a possibilidade de exigi-lo judicialmente.
Todos os poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - e níveis da federação -
União, Estados e Municípios - devem efetivar os direitos e garantias previstos,
bem como fiscalizar seu cumprimento, para o quê devem existir órgãos
capacitados e competentes para tal.
Reforçando: prefeituras, governos estaduais e governo federal têm como uma
de suas funções principais promover a política social básica da Educação e são
obrigados a oferecer e cuidar de uma rede constante de ensino.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação chegou em 1996 para especificar que
à União cabe a função de estabelecer uma política nacional de educação, que
aos Estados cabe oferecer o ensino fundamental gratuito e priorizar o ensino
médio e que aos municípios cabe prover o ensino infantil (creche e pré-escola), 3
priorizando o ensino fundamental. E se isto não for disponibilizado, o cidadão
pode recorrer ao Judiciário.

A competência para julgar ações envolvendo matrícula de crianças e


adolescentes em creches ou escolas é da Vara da Infância e da Juventude,
neste sentido:

A Justiça da Infância e da Juventude tem competência


absoluta para processar e julgar causas envolvendo
matrícula de menores em creches ou escolas, nos termos
dos arts. 148, IV, e 209 da Lei nº 8.069/90.
STJ. 1ª Seção. REsp 1846781/MS, Rel. Min. Assusete
Magalhães, julgado em 10/02/2021 (Recurso Repetitivo –
Tema 1058) (Info 685).

A DPERJ possui notícia veiculada em seu portal acerca do assunto,


publicada no dia 09/09/2022, vejamos:
A Defensoria Pública do Rio defendeu no Supremo Tribunal Federal (STF) a
tese de que é dever do Estado assegurar o atendimento em creche e pré-escola
às crianças de até cinco anos. A sustentação oral foi feita na tarde desta quinta-
feira (8), durante o julgamento pelo STF do Recurso Extraordinário (RE)
1008166 que discute o tema.

Durante a sustentação, o defensor público com atuação nos tribunais


superiores, Pedro Carriello, fez uma referência ao impacto desproporcional que
a omissão dos municípios em disponibilizar vaga em creche impõe às mulheres.
O defensor citou uma pesquisa da DPRJ realizada com 792 mães, que mostra
que 91% delas vivem sozinhas com seus(as) filhos(as), reiterando a
necessidade de apoio do Estado para assegurar que essas mães possam deixar
suas crianças em um lugar seguro enquanto buscam meios de sustento.

— A criança tem que ser a prioridade em nossa sociedade. O dia a dia da


defensoria é receber mães que precisam colocar os seus filhos de 0 a 5 anos na
educação infantil. É mais do que uma declaração, é o direito de poder exercer o
mínimo, é o direito de ter esperança — relatou.

Carriello também lembrou da violência de Estado, que tem violado os direitos


das crianças e adolescentes no acesso à educação.

— Além de lutar para conseguir uma vaga em uma creche ou escola, as mães
ainda precisam correr atrás dos benefícios que muitas vezes não se tem acesso
como a merenda escolar, transporte. Fora isso, ainda correm o risco de
perderem seus filhos para violência que atinge até esses locais que deveriam
ser considerados os mais seguros — completa.

A Defensoria Pública do Rio defende a autoaplicabilidade do artigo 208, contido


no inciso IV da Constituição, que afirma ser dever do Estado garantir a
educação infantil em creche e pré-escola, às crianças de até 5 anos. Outro
ponto levantado pela Instituição é que a tese também se sustenta 4
economicamente. Segundo levantamento realizado pelo Ministério Público do
Rio (MP-RJ), os investimentos em desenvolvimento infantil são uma estratégia
necessária para o desenvolvimento humano.

— Desde a gestação até os 6 anos de idade da criança, há uma janela


significativa de oportunidades em que os investimentos na primeira infância
geram retornos, individuais e sociais, eficientes e efetivos. — explica Carriello.

Para o coordenador de Infância e Juventude da DPRJ, Rodrigo Azambuja, muito


embora não obrigatório, o direito à creche deve ser assegurado a todos que
manifestarem interesse.

— Os julgados do STF sempre disseram isso. O voto do Min. Fux deixou clara
essa orientação de ambas as turmas. Estamos com expectativas altas por este
julgamento, que vai impactar positivamente muitas crianças e famílias ainda a
espera por vaga na educação infantil — pontua Azambuja.

Durante o julgamento, o Ministro Luiz Fux votou de acordo com a tese da


Defensoria do Rio. Esta foi a última sessão de Fux como presidente do
Supremo.

Relatório da Defensoria revela dificuldade em conseguir vagas em creches

Entre janeiro e abril de 2022, a Defensoria do Rio recebeu mais de 1.500


demandas referentes à falta de vagas nas creches, número muito superior à
demanda total de 2021. Desde 2018, quando a DPRJ adotou um sistema
eletrônico de cadastro de casos agendados, 12.360 pessoas procuraram
assistência jurídica sobre esse tema.

O relatório também revelou que a procura pelas creches é maior na zona Oeste
da capital, que concentra mais da metade das solicitações recebidas. Esse
padrão já havia sido identificado nos levantamentos anteriores, sendo o motivo
que levou a DPRJ, na ocasião, a realizar mutirões nos núcleos de 1º
atendimento localizados nessa região. Campo Grande, Jacarepaguá, Taquara,
Guaratiba, Curicica e Santa Cruz ficaram entre os bairros com maior déficit de
vagas.

Ainda segundo o levantamento, 94% das pessoas que buscam atendimento são
mulheres e negras (60,7%), somando-se pessoas pretas e pardas, conforme
indica o IBGE. Trata-se, portanto, de um problema que atinge diretamente as
crianças, mas também as mulheres, que sofrem consequências relacionadas à
permanência no mercado de trabalho e consequente manutenção da casa e dos
cuidados com os filhos.
https://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/20480-DPRJ-sustenta-no-STF-direito-
a-creche-para-criancas-de-ate-5
anos#:~:text=09%20de%20setembro%20de%202022,crian%C3%A7as%20de%
20at%C3%A9%20cinco%20anos.
5
JURISPRUDÊNCIA COMPLEMENTAR:
O Estado tem o dever constitucional de assegurar às crianças entre zero e
cinco anos de idade o atendimento em creche e pré-escola.
1. A educação básica em todas as suas fases — educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio — constitui direito fundamental de todas as
crianças e jovens, assegurado por normas constitucionais de eficácia plena e
aplicabilidade direta e imediata.
2. A educação infantil compreende creche (de zero a 3 anos) e a pré-escola
(de 4 a 5 anos). Sua oferta pelo Poder Público pode ser exigida
individualmente, como no caso examinado neste processo.
3. O Poder Público tem o dever jurídico de dar efetividade integral às normas
constitucionais sobre acesso à educação básica.
STF. Plenário. RE 1008166/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 22/9/2022
(Repercussão Geral – Tema 548) (Info 1069).

QUESTÃO 02 João, coproprietário de imóvel urbano de 200m², procura a


defensoria em janeiro de 2023 para propor, em face de José, o outro
proprietário, ação de usucapião pelo fato de José ter se mudado para o
exterior há 4 anos e meio e, desde então, não contribuir com a manutenção
das despesas do imóvel. João vem arcando sozinho com os custos do imóvel
e, por isso, procurou a defensoria para tutelar seus interesses.

Em julho de 2023, data em que se completou 5 anos do abandono do imóvel


por José, este retorna para o Brasil para se defender nos autos, trazendo
como argumentos os seguintes:

(I) A ação de usucapião foi proposta após 4 anos e meio do abandono do


imóvel por José, ou seja, antes do período de 5 anos para
pleitear o direito ao reconhecimento de usucapião e;

(II) João, como coproprietário, não atenderia à regra do art. 1240 do


Código Civil, qual seja, não ser proprietário de imóvel urbano.

Diante do caso exposto, indique a quem assiste razão e apresente os


fundamentos da defensoria na defesa do caso em tela.
PADRÃO DE RESPOSTA
Assiste razão a João. Isso porque, conforme já decidido pelo STJ no REsp
1.361.226-MG (info. 630), é possível o reconhecimento da usucapião de bem
imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da demanda,
6
estando, portanto, incorreta a alegação de defesa no item ‘i’. As ações
possessórias são de natureza dúplice porque, a um só tempo, é permitido que
o réu se defenda e postule pretensão autônoma no bojo da contestação,
independentemente de posterior ação. Foi o que fez José, muito embora no
caso em tela, não lhe assista razão. A usucapião especial urbana é espécie do
gênero usucapião, que por sua vez trata de forma de aquisição originária de
propriedade a partir do pacífico exercício de um direito sobre um bem imóvel
após determinado lapso temporal. Assim, correto dizer que a sentença em uma
ação de usucapião é apenas declaratória, porquanto os requisitos constitutivos
da relação jurídica entre o possuidor e o bem já cuidam de constituir sua
condição de proprietário originário. Por esse motivo, justamente, decidiu o STJ
que caso o prazo de 5 anos para a usucapião especial urbana tenha sido
completado no curso da ação, não há que se falar em improcedência do
pedido, haja vista ter sido o requisito devidamente atendido. Por fim, quanto ao
item ‘ii’, também não está adequado o argumento defensivo de José, visto que
também aquela Corte Superior decidiu que a qualidade de coproprietário não
possui o condão de afastar o reconhecimento da aquisição originária, por meio
de uma interpretação finalística do instituto.

ESPELHO
Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00
I número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
morfossintaxe e propriedade vocabular);

II Apontar que assiste razão a João, e mencionar - 0,0 a 30


que o requisito temporal pode ser atendido no pontos
curso do processo de usucapião, conforme já
decidido pelo STJ;
III Trazer os requisitos legais da usucapião, - 0,0 a 30
conceituando o instituto como forma de pontos
aquisição originaria de propriedade;

7
IV Mencionar que, conforme já decidiu o STJ, o - 0,0 a 30
fato de João (possuidor da metade que visa pontos.
usucapir) ser proprietário de metade do imóvel
usucapiendo não recai na vedação de não
possuir "outro imóvel" urbano.
TOTAL 100

COMENTÁRIOS
A resposta dessa questão passou pelo STJ nos últimos anos, sendo objeto dos
informativos nº 630/2018 e 753/2022.
Vamos, então, aos comentários sobre a questão, para que vocês não errem
caso caia no certame.
Ponto nº 1 – onde está a previsão legal do instituto e qual o conceito?
A usucapião é forma de aquisição originária de propriedade que exime o
possuidor com posse ad usucapionem do pagamento de débitos pretéritos
relacionados ao imóvel, responsabilizando-o somente por aqueles que
incidirem após preenchidos os requisitos legais para a aquisição. E quais
seriam esses requisitos?
No caso em tela, trata-se daquela espécie de usucapião prevista no art. 1.240
do Código Civil:
Art. 1.240 Aquele que possuir, como sua, área
urbana de até duzentos e cinquenta metros
quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
A questão trouxe os seguintes elementos:
i) Imóvel de 200m2 (portanto, dentro do limite legal permitido);
ii) Posse mansa por parte de João, para fins de moradia e com
adimplência dos custos de manutenção do imóvel de copropriedade;
iii) Abandono pelo outro coproprietário (José).
Nestes termos, se induz a crer que João faria jus ao reconhecimento da posse
ad usucapionem, que se transmutaria, após o período de 5 anos, em
propriedade.
Nesse sentido, a sentença proferida no processo de usucapião possui natureza
meramente declaratória (e não constitutiva), pois apenas reconhece, com
oponibilidade erga omnes, um direito já existente com a posse ad
usucapionem, exalando, por isso mesmo, efeitos ex tunc.
Assim, a sentença oriunda do processo de usucapião é tão somente título para
registro e não título constitutivo do direito do usucapiente, buscando este, com
a demanda, atribuir segurança jurídica e efeitos de coisa julgada com a
declaração formal de sua condição
O que restaria definir, no caso, é se o lapso temporal entre o ajuizamento da
ação e a decisão do juiz teria o condão de ser computada para o
preenchimento dos requisitos legais da usucapião especial urbana. Isso
porque, seria preciso o preenchimento de 5 anos de posse ad usucapionem, 8
requisito este faltante quando do ajuizamento.
Por esse motivo, a defesa de José se ateve ao período em que proposta a
ação, com vistas a buscar a improcedência do pedido de João, por ausência de
requisitos essenciais do direito pleiteado. Não obstante, não foi esse o
entendimento que se sagrou vencedor na doutrina, decidindo o STJ que não
haveria óbice para o reconhecimento da usucapião quando o período se
complete no curso da ação. Se não, vejamos:
É possível o reconhecimento da usucapião quando o
prazo exigido por lei se complete no curso do
processo judicial, conforme a previsão do art. 493,
do CPC/2015, ainda que o réu tenha apresentado
contestação. Em março de 2017, João ajuizou ação
pedindo o reconhecimento de usucapião especial
urbana, nos termos do art. 1.240 do CC (que exige
posse ininterrupta e sem oposição por 5 anos). Em
abril de 2017, o proprietário apresentou contestação
pedindo a improcedência da demanda. As
testemunhas e as provas documentais atestaram
que João reside no imóvel desde setembro de 2012,
ou seja, quando o autor deu entrada na ação, ainda
não havia mais de 5 anos de posse. Em novembro
de 2017, os autos foram conclusos ao juiz para
sentença. O magistrado deverá julgar o pedido
procedente considerando que o prazo exigido por lei
para a usucapião se completou no curso do
processo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.361.226-MG, Rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
05/06/2018 (Info 630).

Portanto, manifestamente improcedente a defesa de José, no tocante ao item


‘i’.

Ponto 2 – Interpretação quanto ao requisito de “não ser possuidor de


outro imóvel”:
O caso da defesa ‘ii’ sustentada por José foi recentemente levado ao STJ, que
também decidiu pelo não acolhimento da tese.
No caso real, o juízo de primeira instância julgou o pedido improcedente sob o
argumento de que os autores já seriam proprietários de metade do imóvel.
Reformando a sentença, por sua vez, o STJ afirmou que havia sim direito à
usucapião. A partir de uma interpretação finalística do instituto, o STJ entendeu
que, por ter sido a usucapião especial urbana idealizada para contemplar as
pessoas sem moradia própria, não se poderia deixar de privilegiar o
coproprietário, uma vez que eventualmente deveria remunerar o outro
proprietário pelo uso exclusivo do imóvel em copropriedade.
Isto é, no nosso exemplo, sendo José e João coproprietários, João deveria
pagar um aluguel a José caso resolvesse utilizar a parte do imóvel que não lhe 9
pertencia.
Sob essa perspectiva, justamente, decidiu o STJ o fato de os autores serem
proprietários da metade ideal do imóvel que pretendem usucapir não constitui o
impedimento de que trata o art. 1.240 do Código Civil, pois não possuem
moradia própria, já que eventualmente teriam que remunerar o coproprietário
(em nosso exemplo, João) para usufruir com exclusividade do bem. STJ. 3ª
Turma. REsp 1.909.276-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
27/09/2022 (Info 753).
Por fim, o STJ entende que é perfeitamente possível a usucapião de bem em
condomínio, desde que o condômino exerça a posse do bem com
exclusividade. Nesse sentido, o requisito “outro imóvel” deve ser interpretado
restritivamente (literalmente), não podendo tal vedação abarcar o imóvel em
copropriedade.
Veja-se o precedente, que é originário do ERJ:
RECURSO ESPECIAL Nº 1909276 - RJ
(2019/0300693-7) RELATOR: MINISTRO RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA RECORRENTE: GERARD
ANDRES FISCHGOLD RECORRENTE: MARIA
CRISTINA FISCHGOLD ADVOGADOS: BRUNO
FISCHGOLD - DF024133 BRUNA CAVALCANTE
DRUBI BURGER - RJ138185 RECORRIDO:
GETULIO COSTA DA SILVA RECORRIDO: ELZA
MARIA AMARAL VIEIRA DA SILVA ADVOGADO:
CARLOS AUGUSTO BARBOSA CONCEICAO -
MA013874 EMENTA RECURSO ESPECIAL. CIVIL.
DIREITO DAS COISAS. ALTERAÇÃO FÁTICA
SUBSTANCIAL. NATUREZA. POSSE.
TRANSMUDAÇÃO. POSSIBILIDADE. ANIMUS
DOMINI. CARACTERIZAÇÃO. PROPRIEDADE.
METADE. IMÓVEL. USUCAPIÃO
CONSTITUCIONAL. RECONHECIMENTO.
USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PRAZO. CURSO
DO PROCESSO. CONTESTAÇÃO.
INTERRUPÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Recurso
especial interposto contra acórdão publicado na
vigência do Código de Processo Civil de 2015
(Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2.
Cinge-se a controvérsia a definir se (i) falha a
prestação jurisdicional; (ii) a aquisição de metade do
imóvel usucapiendo caracteriza a propriedade de
outro imóvel, impedindo o reconhecimento da
usucapião constitucional; (iii) o ajuizamento de ação
cautelar de vistoria pode ser considerada como
oposição à posse, impedindo o reconhecimento da
10
usucapião extraordinária e (iv) o caráter original da
posse pode ser transmudado na hipótese dos autos.
3. O fato de os possuidores serem proprietários de
metade do imóvel usucapiendo não recai na
vedação de não possuir "outro imóvel" urbano,
contida no artigo 1.240 do Código Civil. 4. É firme a
jurisprudência desta Corte no sentido de ser
admissível a usucapião de bem em condomínio,
desde que o condômino exerça a posse do bem com
exclusividade. 5. A posse exercida pelo locatário
pode se transmudar em posse com animus domini
na hipótese em que ocorrer substancial alteração da
situação fática. 6. Na hipótese, os possuidores (i)
permaneceram no imóvel por mais de 30 (trinta)
anos, sem contrato de locação regular e sem efetuar
o pagamento de aluguel, (ii) realizaram benfeitorias,
(iii) tornaram-se proprietários da metade do
apartamento, e (iv) adimpliram todas as taxas e
tributos, inclusive taxas extraordinárias de
condomínio, comportando-se como proprietários
exclusivos do bem. 7. É possível o reconhecimento
da prescrição aquisitiva ainda que o prazo exigido
por lei se complete apenas no curso da ação de
usucapião. Precedentes. 8. A contestação não tem a
capacidade de exprimir a resistência do demandado
à posse exercida pelo autor, mas apenas a sua
discordância com a aquisição do imóvel pela
usucapião. 9. Recurso especial conhecido e provido.

Pelo exposto, conclui-se que a pretensão ‘ii’ de José também deve ser
afastada.
Esses seriam, portanto, os dois pontos de enfoque da Defensoria no bojo da
réplica em questão.

*** BÔNUS***
Ponto 3 – Principais modalidades de usucapião – para revisar e fixar:
Vejamos, a seguir, as espécies mais frequentes de usucapião:

1) EXTRAORDINÁRIA (art. 1.238 do CC): 15 anos de posse (regra) ou de 10


anos se:
• Requisitos:
a) o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual;
OU
b) nele tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
11
• Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de
boa-fé.
• Não importa o tamanho do imóvel.

2) ORDINÁRIA (art. 1.242 do CC) Prazo de 10 anos (caput) ou 5 anos


(parágrafo único)
• O prazo da usucapião ordinária será de apenas 5 anos se:
a) o imóvel tiver sido adquirido onerosamente com base no registro e
este registro foi cancelado depois; e
b) desde que os possuidores nele tiverem estabelecido moradia, ou
realizado investimentos de interesse social e econômico.
• Exige justo título e boa-fé.
• Não importa o tamanho do imóvel.

3) ESPECIAL RURAL - (PRO LABORE) (AGRÁRIA) (art. 1.239 do CC) (art.


191 da CF/88)
• Requisitos:
a) 50 hectares: a pessoa deve estar na posse de uma área rural de, no
máximo, 50ha;
b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no
mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém;
c) tornar a terra produtiva: o possuidor deve ter tornado a terra produtiva por
meio de seu trabalho ou do trabalho de sua família, tendo nela sua moradia.
Ou seja: o possuidor, além de morar no imóvel rural, deve ali desenvolver
alguma atividade produtiva (agricultura, pecuária, extrativismo etc.).

d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem
imóvel (urbano ou rural).
e) Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de
boa-fé.

4) ESPECIAL URBANA (PRO MISERO) (PRO HABITATIONE) (art. 1.240 do


CC) (art. 9º do Estatuto da Cidade) (art. 183 da CF/88)
• Requisitos:
a) 250m2: a pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no máximo,
250m2;
b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no
mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém;
c) Moradia: o imóvel deve estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou
de sua família;
d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem
imóvel (urbano ou rural).
Observações: Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou
que estava de boa-fé. O direito não será reconhecido ao mesmo possuidor
mais de uma vez.

5) ESPECIAL URBANA COLETIVA (art. 10 do Estatuto da Cidade)


• Requisitos:
a) existência de um núcleo urbano informal; 12
b) esse núcleo deve viver em um imóvel cuja área total dividida pelo número de
possuidores seja inferior a 250m2;
c) esse núcleo deve estar na posse do imóvel há mais de 5 anos, sem
oposição;
d) os possuidores não podem ser proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Neste caso, poderá haver uma usucapião coletiva da área.

Observações:
• O possuidor pode, para o fim de contar o prazo de 5 anos, acrescentar sua
posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
• A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz,
mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro
de imóveis.
• Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,
independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo
hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais
diferenciadas.
• O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de
extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos
condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do
condomínio.
• As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão
tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também
os demais, discordantes ou ausentes.

6) RURAL COLETIVA (art. 1.228, §§ e 4º e 5º do CC)


O proprietário pode ser privado da coisa se:
• um considerável número de pessoas
• estiver por mais de 5 anos
• na posse ininterrupta e de boa-fé
• de extensa área
• e nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
Neste caso, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o
preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos
possuidores.

QUESTÃO 03 Diante das recentes mudanças legislativas e discussões


acadêmicas acerca da figura jurídica da Empresa Individual de
Responsabilidade Limitada (Eireli), analise os efeitos da sua extinção levando
em consideração aspectos de: i) responsabilidade limitada, ii) flexibilidade na
constituição empresarial e iii) o estímulo ao empreendedorismo e à
formalização de negócios no Brasil.
13

PADRÃO DE RESPOSTA
Com a recente alteração legislativa, em 2021, a EIRELI deixou de existir
enquanto formato empresarial. Tal novidade já era prevista por alguns, desde o
ano de 2019, em que houve a promulgação da Lei da Liberdade Econômica e a
inserção no ordenamento jurídico da figura da Sociedade Limitada Unipessoal
(SLU). Há quem defenda que a extinção da Eireli não precisava ter ocorrido, e
sim a coexistência de ambas as formas (uma societária, e outra não),
justamente para garantir a proteção dos empresários individuais e manter a
flexibilização para a exploração da atividade econômica. Por outro lado, os que
defendem o fim da EIRELI apontam uma maior flexibilização na constituição e
administração empresarial, já que os empreendedores individuais poderão
escolher a estrutura jurídica para seus negócios sem a amarra procedimental
de constituir capital mínimo. Assim, poderiam constituir uma empresa de
responsabilidade limitada (Ltda) ou uma Sociedade Anônima (SA). É dizer, os
mesmos benefícios antes abarcados pela EIRELI foram trazidos pela SLU. Isso
porque, a Sociedade Limitada Unipessoal é espécie de empresa de
responsabilidade limitada, constituída sob o modelo de sociedade, e pressupõe
certo protecionismo ao patrimônio de seus sócios, que só responderão na
proporção do que contribuíram para a integralização do capital social.

ESPELHO
Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00
I número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
morfossintaxe e propriedade vocabular);
Discorrer sobre o fim da EIRELI promovido pela
II alteração legislativa de 2021, não sendo - 0,0 a 20
necessário dispor expressamente o número da pontos
lei, muito embora pontuado diferenciadamente o
candidato que a citar;
14

III Mencionar a diferença entre sociedade e - 0,0 a 30


empresário individual; pontos

Mencionar a responsabilidade aplicável na


IV EIRELI - 0,0 a 10
pontos.

Demonstrar conhecimento acerca do contexto


em que se deu a extinção do instituto, - 0,0 a 30
abordando seus argumentos contrários e pontos.
favoráveis
TOTAL 100

COMENTÁRIOS
Pessoal, resolvemos trazer essa questão por conta da recente alteração que
promoveu o fim da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI).
Para abrir uma EIRELI, era preciso declarar um capital social de, no mínimo,
100 salários-mínimos, totalmente integralizados no momento da abertura.
Após a Lei nº 14.195/21, obrigatoriamente todas as EIRELIs criadas serão
transformadas em Sociedades Limitadas Unipessoais, conforme art. 41
A EIRELI foi extinta, notadamente, em razão de existir figura que atenda de
maneira melhor aos interesses das partes envolvidas, qual seja, a Sociedade
Unipessoal (SLU), que é uma sociedade limitada (LTDA). Na Sociedade
Unipessoal, o capital social mínimo é obrigatório, sendo livremente fixado pelo
sócio e sua responsabilidade está limitada ao montante do capital social, que
pode ser fixado pelo mesmo na constituição em contrato social.
Vejamos o que diz o Código Civil sobre o capital social na sociedade limitada:
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a
responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de
suas quotas, mas todos respondem solidariamente
pela integralização do capital social.
Atenção agora para os parágrafos desse artigo, que tratam da sociedade
15
limitada unipessoal:
§ 1º A sociedade limitada pode ser constituída por
1 (uma) ou mais pessoas. (Incluído pela Lei nº
13.874, de 2019)
§ 2º Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento
de constituição do sócio único, no que couber, as
disposições sobre o contrato social. (Incluído pela
Lei nº 13.874, de 2019)

Importante apontar que a redação desse artigo 1.052 é bastante frequente em


provas. Enquanto não estiver totalmente integralizado o capital social, não
haverá responsabilidade ilimitada dos sócios! Na responsabilidade ilimitada, os
sócios respondem pela integralidade das obrigações sociais. No caso do art.
1.052, continuará havendo uma limitação na obrigação dos sócios, mas não
será mais o valor de sua cota, e sim o valor que falta para a integralização do
capital social.
É dizer, se o capital social estiver totalmente integralizado, a dívida não recai
sobre os bens dos sócios (exceto em casos de IDPJ); mas, se o capital social
não estava totalmente integralizado, pode-se executar eventual dívida social
pendente nos bens dos sócios, tão somente até o limite da integralização
A EIRELI estava prevista no art.980-A do Código Civil, o qual foi revogado
recentemente. Essa novidade, para muitos, já era esperada, em razão da figura
da Sociedade Limitada Unipessoal.
Em 2019, surgiu a Sociedade Limitada Unipessoal – SLU, trazida pela Lei da
Liberdade Econômica, revelando-se como instituto extremamente inovador, e
que teve como objetivo inicial o esvaziamento e, posteriormente, a substituição
da figura da EIRELI.
Em 2021, a Lei do Ambiente de Negócios (Lei nº 14.195/21) cuidou de revogar
expressamente o art. 980-A do CC/02, que tratava da EIRELI.
Vejamos que, logo após a publicação da referida lei, o Ministério da Economia
publicou o Ofício Circular SEI n.º 3510/2021/ME, em setembro de 2021, em
que constam “orientações sobre a realização de arquivamentos, diante da
revogação tácita da empresa individual de responsabilidade limitada constante
do inciso VI, do art. 44 e do art. 980-A e parágrafos, do Código Civil (...)”.
16
Vejamos trecho do Ofício, para melhor explicar o fenômeno de extinção da
EIRELI:
1. Comunicamos que em 27 de agosto do corrente
ano foi publicada, na seção 1, pág. 4, do Diário
Oficial da União (DOU), a Lei n.º 14.195, de 26 de
agosto de 2021, que dispõe, dentre outros assuntos,
sobre "a facilitação para abertura de empresas",
provocando importantes alterações na Lei n.º 8.934,
de 18 de novembro de 1994, na Lei n.º 11.598, de 3
de dezembro de 2007, e no Código Civil. 2. Em linha
com algumas dessas importantes alterações, o art.
41 da Lei n.º 14.195 determina que "as empresas
individuais de responsabilidade limitada existentes
na data da entrada em vigor desta Lei serão
transformadas em sociedades limitadas unipessoais
independentemente de qualquer alteração em seu
ato constitutivo".
3. Considerando o teor do dispositivo, é de rigor
reconhecer que operou-se a revogação tácita do
inciso VI do art. 44 e do art. 980-A e parágrafos,
todos do Código Civil. É que tais dispositivos versam
sobre a Empresa Individual de Responsabilidade
Limitada (Eireli), e como o art. 41 da Lei n.º 14.195 é
totalmente incompatível com a manutenção da
aludida pessoa jurídica no ordenamento jurídico
pátrio, parece-nos óbvio que a mencionada
revogação tácita ocorreu, nos termos do art. 2º, §1º
da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(Decreto-Lei n.º 4.657, de 4 de setembro de 1942):
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei
terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º
A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela
17
incompatível ou quando regule inteiramente a
matéria de que tratava a lei anterior. 4. Nesse
sentido, confira-se o seguinte excerto extraído de
texto publicado no dia 30 de agosto de 2021 pelo
respeitável doutrinador Sérgio Campinho: Vejo o
artigo 41 da Lei n.º 14.195/2021 como dispositivo
que revoga o inciso VI do caput do artigo 44 e o
artigo 980-A do Código Civil por incompatibilidade
(§1º do artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro - LINDB). A revogação tácita, com
efeito, é cercada de complexidade, porquanto nem
sempre a incompatibilidade é objetiva e manifesta.
Melhor seria que viessem de modo expresso as
revogações dos preceitos atinentes à EIRELI. (...)
Cabe ao intérprete (...) extrair as normas que do
texto normativo se devem racionalmente inferir. E,
nesse sentido, o prevalecimento do comando
explícito do artigo 41 citado conduz à revogação dos
dispositivos normativos que tratam da EIRELI. 5.
Não há dúvidas de que a Lei n.º 14.195 teve o claro
objetivo de extinguir a Eireli, razão pela qual,
inclusive, foi redigido o art. 41. Com efeito, o Projeto
de Lei de Conversão da Medida Provisória n.º 1.040,
de 29 de março de 2021 (PLV n.º 15, de 2021), que
originou a Lei n.º 14.195, estabeleceu duas medidas:
(i) no art. 41, determinou-se que todas as Eireli
existentes sejam automaticamente transformadas
em sociedades limitadas; e (ii) no art. 57, inciso
XXIX, alíneas 'a' e 'e', determinou-se a revogação do
inciso VI do art. 44 e do art. 980-A do Código Civil,
justamente os dispositivos que tratam da Eireli (...)
13. Diante do exposto, considerando as
competências legais do DREI, sobretudo as
18
constantes do art. 4º, incisos I a IV e VI, da Lei n.º
8.934, de 1994, bem como o parágrafo único do art.
41 da Lei n.º 14.195, de 2021, exaramos, nesta
oportunidade, a orientação de que operou-se a
revogação tácita do inciso VI do art. 44 e do art. 980-
A e seus parágrafos, todos do Código Civil, devendo
as Juntas Comerciais, até que as adaptações
constantes dos parágrafos 11 a 13 sejam efetivadas,
seguir as seguintes orientações:
a) Incluir na ficha cadastral da empresa individual de
responsabilidade limitada já constituída a informação
de que foi "transformada automaticamente para
sociedade limitada, nos termos do art. 41 da Lei n.º
14.195, de 26 de agosto de 2021".
b) Dar ampla publicidade sobre a extinção da Eireli e
acerca da possibilidade de constituição da sociedade
limitada por apenas uma pessoa, bem como realizar
medidas necessárias à comunicação dos usuários
acerca da conversão automática das Eireli em
sociedades limitadas.
c) Abster-se de arquivar a constituição de novas
empresas individuais de responsabilidade limitada,
devendo o usuário ser informado acerca da extinção
dessa espécie de pessoa jurídica no ordenamento
jurídico brasileiro e sobre a possibilidade de
constituição de sociedade limitada por apenas uma
pessoa.
d) Até o recebimento do ofício mencionado no
parágrafo 12, realizar normalmente o arquivamento
de alterações e extinções de empresas individuais
de responsabilidade limitada, até que ocorra a
efetiva alteração do código e descrição da natureza
jurídica nos sistemas da Redesim.
19
Isso posto, vejamos alguns dos argumentos a favor e contra a EIRELI:

A favor da extinção da Eireli:


1 - Maior flexibilidade na constituição e administração empresarial: A
eliminação da Eireli pode permitir que empreendedores individuais tenham
opções mais flexíveis ao escolherem a estrutura jurídica para seus negócios,
como a criação de uma empresa de responsabilidade limitada (Ltda) ou uma
Sociedade Anônima (SA).
2 - Estímulo ao empreendedorismo e à formalização de negócios: A
obrigatoriedade de um capital social mínimo para constituir uma Eireli.
3 - Redução de burocracia e custos: Ao eliminar a figura da Eireli, pode-se
simplificar o processo de constituição de empresas e reduzir os custos
associados à manutenção da estrutura jurídica.
Veja-se, a título de exemplo, matéria extraída do site do Ministério da
Economia:
O secretário Geanluca ressaltou que a Lei de
Ambiente de Negócios solucionará uma dezena de
obstáculos que afetam todos os setores da
economia brasileira. “Será uma vitória desde o
pequeno até o grande empreendedor, do dono de
uma pequena mercearia ao investidor no mercado
de capitais. É mais um passo rumo a um Brasil mais
competitivo, nos colocando pela primeira vez na
história no top 100 dos melhores ambientes de
negócios no ranking Doing Business do Banco
Mundial", destacou. Mais em:
https://www.gov.br/economia/pt-
br/assuntos/noticias/2021/agosto/sancionada-lei-
sobre-ambiente-de-negocios

Veja-se, por fim, que a própria Lei 14.195/2021 corrobora para a motivação que
ensejou o fim da Eireli, pelo que se extrai abaixo:
LEI Nº 14.195, DE 26 DE AGOSTO DE
2021

Dispõe sobre a facilitação para


abertura de empresas, sobre a
proteção de acionistas minoritários, 20
sobre a facilitação do comércio
exterior, sobre o Sistema Integrado de
Recuperação de Ativos (Sira), sobre
as cobranças realizadas pelos
conselhos profissionais, sobre a
profissão de tradutor e intérprete
público, sobre a obtenção de
eletricidade, sobre a
desburocratização societária e de atos
processuais e a prescrição
intercorrente na Lei nº 10.406, de 10
de janeiro de 2002 (Código Civil);
altera as Leis nºs 11.598, de 3 de
dezembro de 2007, 8.934, de 18 de
novembro de 1994, 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, 7.913, de 7 de
dezembro de 1989, 12.546, de 14 de
dezembro 2011, 9.430, de 27 de
dezembro de 1996, 10.522, de 19 de
julho de 2002, 12.514, de 28 de
outubro de 2011, 6.015, de 31 de
dezembro de 1973, 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105,
de 16 de março de 2015 (Código de
Processo Civil), 4.886, de 9 de
dezembro de 1965, 5.764, de 16 de
dezembro de 1971, 6.385, de 7 de
dezembro de 1976, e 13.874, de 20 de
setembro de 2019, e o Decreto-Lei nº
341, de 17 de março de 1938; e
revoga as Leis nºs 2.145, de 29 de
dezembro de 1953, 2.807, de 28 de
junho de 1956, 2.815, de 6 de julho de
1956, 3.187, de 28 de junho de 1957,
3.227, de 27 de julho de 1957, 4.557,
de 10 de dezembro de 1964, 7.409, de
25 de novembro de 1985, e 7.690, de
15 de dezembro de 1988, os Decretos
nºs 13.609, de 21 de outubro de 1943,
20.256, de 20 de dezembro de 1945, e
84.248, de 28 de novembro de 1979, e
os Decretos-Lei nºs 1.416, de 25 de
agosto de 1975, e 1.427, de 2 de
dezembro de 1975, e dispositivos das
Leis nºs 2.410, de 29 de janeiro de
1955, 2.698, de 27 de dezembro de
1955, 3.053, de 22 de dezembro de
1956, 5.025, de 10 de junho de 1966,
6.137, de 7 de novembro de 1974, 21
8.387, de 30 de dezembro de 1991,
9.279, de 14 de maio de 1996, e
9.472, de 16 de julho de 1997, e dos
Decretos-Lei nºs 491, de 5 de março
de 1969, 666, de 2 de julho de 1969, e
687, de 18 de julho de 1969; e dá
outras providências.

Frise-se, ainda, que futuramente podem surgir algumas questões para discutir
a abertura dessas empresas sem a estipulação mínima de capital social,
referente à capacidade financeira da pessoa física se tornar sócia de uma
sociedade limitada com baixo capital ou de valor contraditório à atividade que
será exercida.
Contra a extinção da Eireli:
1 - Proteção limitada aos empreendedores: A Eireli foi criada com o objetivo de
proporcionar responsabilidade limitada ao empreendedor individual, separando
o patrimônio pessoal do patrimônio empresarial. A extinção da Eireli poderia
aumentar os riscos e a exposição patrimonial do empreendedor.
2 - Prejuízo aos setores que dependem da figura da Eireli: Alguns setores
específicos, como profissionais autônomos ou empreendedores com atividades
de risco, podem se beneficiar da segurança oferecida pela Eireli.
3 - Uniformização internacional: A figura da Eireli é semelhante a estruturas
jurídicas existentes em outros países, o que facilita a compatibilidade e o
entendimento nos negócios internacionais.

Por fim, vale destacar que o fim da Eireli transfere, automaticamente, as


empresas que estavam nesse regime societário para a SLU, destacando a
vantagem de não precisa de integração de capital social mínimo para obtenção
do CNPJ, conforme dispõe o art. 41 da lei.
A Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021, cujo capítulo IX “Da
desburocratização empresarial e dos atos processuais e da prescrição
intercorrente”, em seu artigo 41, determina:
“As Empresas Individuais de Responsabilidade
Limitada existentes na data da entrada em vigor
desta Lei serão transformadas em Sociedades
22
Limitadas Unipessoais independentemente de
qualquer alteração em seu ato constitutivo”.
Desde então, empresas já abertas nesse formato estão migrando
automaticamente para o regime societário SLU. E as novas que não se
enquadram como MEI, podem ser abertas diretamente como Sociedade
Limitada Unipessoal.
É isso, pessoal! Essa era uma questão básica, em que se exigia que o
candidato estivesse antenado às notícias e recentes alterações no código civil,
que impactam a nossa sociedade para além das discussões jurídicas e/ou
acadêmicas.

QUESTÃO 04 Thiago, brasileiro, negro, periférico, entregador, casado e pai de


três filhos. No ano de 2019 teve a sua prisão preventiva decretada com base
unicamente no reconhecimento pessoal em sede investigatória. O
reconhecimento pessoal foi feito por meio de 3 fotos, sendo uma delas obtida
por meio das redes sociais. O procedimento não foi gravado, e o delegado
responsável, que na ocasião estava com dor de cabeça, pediu que o
reconhecimento pessoal fosse repetido duas vezes.

a- O reconhecimento pessoal tem amparo na legislção processual


brasileira?

b- O reconhecimento pessoal tem força probatória absoluta capaz de


embasar a prisão preventiva do acusado?

c- O reconhecmento pessoal pode ser feito por meio de fotografias?

d- O reconhecimento pessoal é procedimento que pode ser repetido


diversas vezes?

O caso foi designado para o Defensor Público ao qual você como residente
está vinculdo. O Defensor Público lhe requisitou uma pesquisa dos quesitos
acima expostos. Justifique suas respostas com base na legislação,
jurisprudência e resolução nº 484 do CNJ.
PADRÃO DE RESPOSTA

a- O reconhecimento pessoal é meio de prova previsto no art. 226 do CPP


e representa um meio de prestação jurisdicional justa.

b- Não! O reconhecimento pessoal não tem força probatória absoluta 23

capaz de embasar a prisão preventiva do acusado. Nesse sentido é o


entendimento do STJ no HC 769.783-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado
em 10/5/2023.

c- O reconhecimento pessoal não pode ser feito por meio fotográfico por
ter frágil valor probante. Ainda que confirmado em juízo. O
reconhecimento fotográfico não pode ser admitido no processo penal,
diante da previsão do art. 226 do CPP.

d- Não é possível a repetição do reconhecimento pessoal. Trata-se de


prova irrepetível e há expressa vedação no art. 2º, §1º da Resolução nº
484 do CNJ.

ESPELHO
Total: Aluno:
I Estrutura, domínio linguístico e utilização dos termos 20
técnicos
II Sim! Vide o art. 226 do CPP 20
III O reconhecimento pessoal não tem força probatória 20
absoluta capaz de embasar a prisão preventiva do
acusado.
IV O reconhecimento pessoal não pode ser feito por meio 20
fotográfico
V Não! É prova irrepetível 20
Total 100

COMENTÁRIOS

Futuros residentes, este tema é muito sensível à atuação da Defensoria


Pública. A Resolução nº 484 do CNJ é importante instrumento para evitar erro
judicial. O reconhecimento pessoal é procedimento em que a vítima ou
testemunha de um fato criminoso é instada a reconhecer pessoa investigada
ou processada, dela desconhecida antes da conduta.
As decisões de prisão preventiva não podem estar fundamentadas tão somente
com base no reconhecimento fotográfico operado sem a observância do
disposto no artigo 226 do CPP. O reconhecimento fotográfico de pessoas não é
regulamrntado no Brasil, situação essa que gera volação de direitos
fundamentais.

Ademais, segundo o STF a inobservância do procedimento previsto no art. 226 24


do CPP gera nulidade: “O descumprimento das formalidades exigidas para o
reconhecimento de pessoas (art. 226 do CPP) gera a nulidade do ato, salvo se
houver provas da autoria que sejam independentes”. STF. 2ª Turma. RHC
206846/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/2/2022 (Info 1045).
Ainda sobre a temática veja como o tema foi cobrado em questão objetiva
recente da DPE-SP (2023):
Ou seja: não basta repetir como “mantra” que os réus foram reconhecidos
pelas vítimas e testemunhas; é preciso se perguntar em que condições o
reconhecimento se deu.
(MATIDA, J.; MIRANDA COUTINHO, J. Nelson de; MORAIS DA ROSA, A.;
NARDELLI, M. Mascarenhas; LOPES JR., A.; HERDY, R. A prova de
reconhecimento de pessoas não será mais a mesma. 2020, ConJur, Limite
Penal. Disponível em: http://www.conjur.com.br/ 2020-out-30/limite-penal-
prova-reconhecimento-pessoas-nao-mesma)
Considerando o trecho acima e o recente entendimento do Superior Tribunal de
Justiça, o reconhecimento
A)fotográfico deve ser realizado mediante a apresentação de álbum
individualizado contendo imagens de pessoas obtidas na internet com
características semelhantes ao acusado.
B)pessoal deve ser realizado em observância ao procedimento legal para que
possa embasar quaisquer decisões, mesmo aquelas que admitem um
rebaixamento do standard probatório. (GABARITO)
C)fotográfico deve ser considerado uma etapa antecedente a eventual
reconhecimento pessoal realizado na fase pré-processual ou em juízo, sendo
de suma importância tal ratificação.
D)pessoal deve ser realizado em observância ao procedimento legal para que
possa induzir à certeza de autoria delitiva quando ausentes outras provas
produzidas por fontes independentes.
E)pessoal deve ser realizado sempre que possível com a apropriação da
tecnologia de reconhecimento facial diante da constatação da fragilidade
epistêmica de tal reconhecimento.
Portanto, é importante conhecer a referida resolução e o recente entendimento
sobre o tema ventilado pelo STJ.
INDICAÇÃO: ver o programa Link CNJ, no qual muitos defensores do Rio de
Janeiro falam sobre o tema: https://www.youtube.com/watch?v=nqGEDsIA_AA

STJ – HC n. 769.783/RJ
HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. DEPOIMENTO DA VÍTIMA.
RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO E PESSOAL. ÚNICOS ELEMENTOS
DE PROVA. CONTRADIÇÕES E INCONSISTÊNCIAS AFERÍVEIS, PRIMO
ICTU OCULI. DESNECESSIDADE DE REEXAME DO ACERVO
PROBATÓRIO. DÚVIDA RAZOÁVEL. IN DUBIO PRO REO. ORDEM
CONCEDIDA.
1. Desde que respeitadas as exigências legais, o reconhecimento de pessoas
pode ser valorado pelo Julgador. Isso não significa admitir que, em todo e
qualquer caso, a afirmação do ofendido de que identifica determinada pessoa
como o agente do crime seja prova cabal e irrefutável. Do contrário, a função
dos órgãos de Estado encarregados da investigação e da acusação (Polícia e 25
Ministério Público) seria relegada a segundo plano. O Magistrado, por sua vez,
estaria reduzido à função homologatória da acusação formalizada pelo
ofendido.

2. Consoante jurisprudência desta Corte, o reconhecimento positivo, que


respeite as exigências legais, portanto, "é válido, sem, todavia, força probante
absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva,
em razão de sua fragilidade epistêmica" (STJ, HC n. 712.781/RJ, relator
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe
de 22/3/2022).

3. O reconhecimento de pessoas que obedece às disposições legais (o que


não as observa é nulo, consoante jurisprudência pacífica desta Corte) não
prepondera sobre quaisquer outros meios de prova (confissão, testemunha,
perícia, acareação, etc.); ao contrário, deve ser valorado como os demais.

4. Há diferentes graus de confiabilidade de um reconhecimento. Se decorrido


curto lapso temporal entre o crime e o ato e se a descrição do suspeito é
precisa, isenta de contradições e de alterações com o passar do tempo - o que
não ocorre no caso em tela - a prova, de fato, merece maior prestígio. No
entanto, em algumas hipóteses o reconhecimento deve ser valorado com maior
cautela, como, por exemplo, nos casos em que já decorrido muito tempo desde
a prática do delito, quando há contradições na descrição declarada pela vítima
e até mesmo na situação em que esse relato porventura não venha a
corresponder às reais características físicas do suspeito apontado.

5. A confirmação, em juízo, do reconhecimento fotográfico extrajudicial, por si


só, não torna o ato seguro e isento de erros involuntários, pois "uma vez que a
testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito, há
tendência, por um viés de confirmação, a repetir a mesma resposta em
reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais ativa e predisposta a
tanto" (STJ, HC n. 712.781/RJ, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ,
Sexta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 22/3/2022).

6. No caso, é incontroverso nos autos que (i) a condenação do Paciente


encontra-se amparada tão somente no depoimento da Vítima e nos
reconhecimentos realizados na fase extrajudicial e em juízo;
(ii) não foram ouvidas outras testemunhas de acusação; (iii) a res furtiva não foi
apreendida em poder do Acusado; (iv) o Réu negou a imputação que lhe foi
dirigida.

7. Constata-se, primo ictu oculi e sem a necessidade de incursão aprofundada


no acervo probatório, que há diversas inconsistências e contradições nas
descrições feitas pela Vítima a respeito dos aspectos fisionômicos do suspeito,
o que indica a possibilidade de reconhecimento falho, dado o risco de
construção de falsas memórias.

O fenômeno não está ligado à ideia de mentira ou falsa acusação, mas sim a
de um erro involuntário, a que qualquer pessoa pode ser acometida. 26
8. Em audiência, a Ofendida nem mesmo afirmou que havia reconhecido o
Paciente, em sede policial, com absoluta certeza. Ao contrário, alegou que,
naquela ocasião, após visualizar as fotos, apenas sinalizou que possivelmente
o Réu seria o autor do crime.

9. Não se desconhece que, na origem, o Paciente responde por dezenas de


acusações relativas à suposta prática de roubo. A própria Defesa, com nítida
boa-fé, enuncia tal fato na inicial, porém alerta que "em vários deles já foi
absolvido em razão de vícios do ato de reconhecimento e de falta de certeza
quanto à autoria delitiva" (fl. 34). O alerta defensivo é corroborado pelo
substancioso estudo anexado aos autos pelo Instituto de Defesa do Direito de
Defesa - Márcio Thomaz Bastos, informando que o Paciente já foi absolvido
"em 17 ações penais, nas quais o próprio Ministério Público opinou pela
improcedência e, por isso, também não interpôs recurso" e que o "principal
motivo das absolvições foi a ausência de ratificação, em Juízo, do
reconhecimento policial". Portanto, as graves incongruências no
reconhecimento do ora Paciente não podem ser sanadas apenas em razão
quantidade de vezes em que este foi reconhecido em outros feitos.

10. Considerando que o decreto condenatório está amparado tão somente nos
reconhecimentos formalizados pela Vítima e, ainda, as divergências e
inconsistências na referida prova, aferíveis de plano e sem a necessidade de
incursão no conjunto fático-probatório, concluo que há dúvida razoável a
respeito da autoria delitiva, razão pela qual é necessário adotar a regra de
julgamento que decorre da máxima in dubio pro reo, tendo em vista que o ônus
de provar a imputação recai sobre a Acusação.

11. Ordem de habeas corpus concedida para absolver o Paciente, com


fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
Concedido habeas corpus ex officio para determinar a soltura imediata do
Paciente em relação a todos os processos, cabendo aos Juízos e Tribunais,
nas ações em curso, e aos Juízos da Execução Penal, nas ações transitadas
em julgado, aferirem se a dinâmica probatória é exatamente a mesma repelida
nestes autos. Determinada a expedição de ofício comunicando a íntegra desse
julgado à Corregedoria de Polícia do Estado do Rio de Janeiro para apuração
de eventuais responsabilidades. (HC n. 769.783/RJ, relatora Ministra Laurita
Vaz, Terceira Seção, julgado em 10/5/2023, DJe de 1/6/2023.)
RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO - JURISPRUDÊNCIA:
“O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao
reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do
reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual
reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação
penal, ainda que confirmado em juízo”. STJ. 6ª Turma. HC 598.886-SC, Rel.
Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/10/2020
Cuidado!
“No caso em que o reconhecimento fotográfico na fase inquisitorial não tenha
observado o procedimento legal, mas a vítima relata o delito de forma que não
denota riscos de um reconhecimento falho, dá-se ensejo a distinguishing
quanto ao acórdão do HC 598.886/SC, que invalida qualquer reconhecimento 27
formal - pessoal ou fotográfico - que não siga estritamente o que determina o
art. 226 do CPP”.STJ. 6ª Turma. REsp 1.969.032-RS, Rel. Min. Olindo
Menezes (Desembargador convocado do TRF da 1ª Região), julgado em
17/05/2022
“O reconhecimento (fotográfico ou presencial) efetuado pela vítima, em sede
inquisitorial, não constitui evidência segura da autoria do delito, dada a
falibilidade da memória humana, que se sujeita aos efeitos tanto do
esquecimento, quanto de emoções e de sugestões vindas de outras pessoas
que podem gerar “falsas memórias”, além da influência decorrente de fatores,
como, por exemplo, o tempo em que a vítima esteve exposta ao delito e ao
agressor; o trauma gerado pela gravidade do fato; o tempo decorrido entre o
contato com o autor do delito e a realização do reconhecimento; as condições
ambientais (tais como visibilidade do local no momento dos fatos); estereótipos
culturais (como cor, classe social, sexo, etnia etc.). Diante da falibilidade da
memória seja da vítima seja da testemunha de um delito, tanto o
reconhecimento fotográfico quanto o reconhecimento presencial de pessoas
efetuado em sede inquisitorial devem seguir os procedimentos descritos no art.
226 do CPP, de maneira a assegurar a melhor acuidade possível na
identificação realizada. Tendo em conta a ressalva, contida no inciso II do art.
226 do CPP, a colocação de pessoas semelhantes ao lado do suspeito será
feita sempre que possível, devendo a impossibilidade ser devidamente
justificada, sob pena de invalidade do ato. O reconhecimento fotográfico serve
como prova apenas inicial e deve ser ratificado por reconhecimento presencial,
assim que possível. E, no caso de uma ou ambas as formas de
reconhecimento terem sido efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância
(parcial ou total) dos preceitos do art. 226 do CPP e sem justificativa idônea
para o descumprimento do rito processual, ainda que confirmado em juízo, o
reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação, como
regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração do restante do conjunto
probatório, produzido na fase judicial.STJ”. 5ª Turma. HC 652284/SC, Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 27/04/2021.

Não deixe de lei a Resolução nº 484 do CNJ.


RESOLVE:

Art. 1º Estabelecer diretrizes para a realização do reconhecimento de pessoas


em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder
Judiciário.
Art. 2º Entende-se por reconhecimento de pessoas o procedimento em que a
vítima ou testemunha de um fato criminoso é instada a reconhecer pessoa
investigada ou processada, dela desconhecida antes da conduta.
§ 1º O reconhecimento de pessoas, por sua natureza, consiste em prova
irrepetível, realizada uma única vez, consideradas as necessidades da
investigação e da instrução processual, bem como os direitos à ampla defesa e
ao contraditório.
§ 2º A pessoa cujo reconhecimento se pretender tem direito a constituir
defensor para acompanhar o procedimento de reconhecimento pessoal ou
fotográfico, nos termos da legislação vigente.
Art. 3º Compete às autoridades judiciais admitir e valorar o reconhecimento de 28
pessoas à luz das diretrizes e procedimentos descritos em lei e nesta
Resolução e zelar para que a prova seja produzida de maneira a evitar a
ocorrência de reconhecimentos equivocados.
Parágrafo único. A observância das diretrizes e dos procedimentos
estabelecidos nesta Resolução e no Código de Processo Penal será
considerada pelos magistrados para avaliação da prova.
Art. 4º O reconhecimento será realizado preferencialmente pelo alinhamento
presencial de pessoas e, em caso de impossibilidade devidamente justificada,
pela apresentação de fotografias, observadas, em qualquer caso, as diretrizes
da presente Resolução e do Código de Processo Penal.
Parágrafo único. Na impossibilidade de realização do reconhecimento
conforme os parâmetros indicados na presente Resolução, devem ser
priorizados outros meios de prova para identificação da pessoa responsável
pelo delito.
Art. 5º O reconhecimento de pessoas é composto pelas seguintes etapas:
I – entrevista prévia com a vítima ou testemunha para a descrição da pessoa
investigada ou processada;
II – fornecimento de instruções à vítima ou testemunha sobre a natureza do
procedimento;
III – alinhamento de pessoas ou fotografias padronizadas a serem
apresentadas à vítima ou testemunha para fins de reconhecimento;
IV – o registro da resposta da vítima ou testemunha em relação ao
reconhecimento ou não da pessoa investigada ou processada; e
V – o registro do grau de convencimento da vítima ou testemunha, em suas
próprias palavras.
§ 1º Para fins de aferição da legalidade e garantia do direito de defesa, o
procedimento será integralmente gravado, desde a entrevista prévia até a
declaração do grau de convencimento da vítima ou testemunha, com a
disponibilização do respectivo vídeo às partes, caso solicitado.
§ 2º A inclusão da pessoa ou de sua fotografia em procedimento de
reconhecimento, na condição de investigada ou processada, será embasada
em outros indícios de sua participação no delito, como a averiguação de sua
presença no dia e local do fato ou outra circunstância relevante.
Art. 6º A entrevista prévia será composta pelas seguintes etapas:
I – solicitação à vítima ou testemunha para descrever as pessoas investigadas
ou processadas pelo crime, por meio de relato livre e de perguntas abertas,
sem o uso de questões que possam induzir ou sugerir a resposta;
II – indagação sobre a dinâmica dos fatos, a distância aproximada a que estava
das pessoas que praticaram o fato delituoso, o tempo aproximado durante o
qual visualizou o rosto dessas pessoas, as condições de visibilidade e de
iluminação no local;
III – inclusão de autodeclaração da vítima, da testemunha e das pessoas
investigadas ou processadas pelo crime sobre a sua raça/cor, bem como
heteroidentificação da vítima e testemunha em relação à raça/cor das pessoas
investigadas ou processadas; e
IV – indagação referente à apresentação anterior de alguma pessoa ou
fotografia, acesso ou visualização prévia de imagem das pessoas investigadas
ou processadas pelo crime ou, ainda, ocorrência de conversa com agente
policial, vítima ou testemunha sobre as características da(s) pessoa(s) 29
investigada(s) ou processada(s).
§ 1º A entrevista será realizada de forma separada e reservada com cada
vítima ou testemunha, com a garantia de que não haja contato entre elas e de
que não saibam nem ouçam as respostas umas das outras, constando o
registro dessas circunstâncias no respectivo termo.
§ 2º Nas hipóteses do inciso IV deste artigo ou naquelas em que a descrição
apresentada pela vítima ou testemunha não coincidir com as características
das pessoas investigadas ou processadas, o reconhecimento não será
realizado.
§ 3º As fichas de autodeclaração e de heterodeclaração de que trata o inciso III
obedecerão ao sistema classificatório utilizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), com as seguintes opções de resposta:
“amarelo, branco, indígena, pardo e preto”.
Art. 7º Imediatamente antes de iniciar o procedimento de reconhecimento, a
vítima ou a testemunha será alertada de que:
I – a pessoa investigada ou processada pode ou não estar entre aquelas que
lhes serão apresentadas;
II – após observar as pessoas apresentadas, ela poderá reconhecer uma
dessas, bem como não reconhecer qualquer uma delas;
III – a apuração dos fatos continuará independentemente do resultado do
reconhecimento;
IV – deverá indicar, com suas próprias palavras, o grau de confiança em sua
resposta.
Parágrafo único. As orientações de que trata este artigo serão apresentadas
sem o fornecimento, à vítima ou testemunha, de informações sobre a vida
pregressa da pessoa investigada ou processada ou acerca de outros
elementos que possam influenciar a resposta da vítima ou testemunha.
Art. 8º O reconhecimento será realizado por meio do alinhamento padronizado
de pessoas ou de fotografias, observada a ordem de preferência do art. 4º, de
forma que nenhuma se destaque das demais, observadas as medidas a seguir:
I – o alinhamento de pessoas ou de fotografias poderá ser simultâneo, de modo
que a pessoa investigada ou processada e as demais pessoas serão
apresentadas em conjunto a quem tiver de fazer o reconhecimento, ou
sequencial, de forma que a pessoa investigada ou processada e as demais
sejam exibidas uma a uma, em iguais condições de espaço e períodos de
tempo;
II – a pessoa investigada ou processada será apresentada com, no mínimo,
outras 4 (quatro) pessoas não relacionadas ao fato investigado, que atendam
igualmente à descrição dada pela vítima ou testemunha às características da
pessoa investigada ou processada.
§ 1º Na realização do alinhamento, a autoridade zelará pela higidez do
procedimento, nos moldes deste artigo, inclusive a fim de evitar a apresentação
isolada da pessoa (show up), de sua fotografia ou imagem.
§ 2º A fim de assegurar a legalidade do procedimento, a autoridade zelará para
a não ocorrência de apresentação sugestiva, entendida esta como um conjunto
de fotografias ou imagens que se refiram somente a pessoas investigadas ou
processadas, integrantes de álbuns de suspeitos, extraídas de redes sociais ou
de qualquer outro meio.
§ 3º Na apresentação de que trata o inciso II, será assegurado que as 30
características físicas, o sexo, a raça/cor, a aparência, as vestimentas, a
exposição ou a condução da pessoa investigada ou processada não sejam
capazes de diferenciá-la em relação às demais.
§ 4º Nos casos em que a vítima ou testemunha manifestar receio de
intimidação ou outra influência pela presença da pessoa investigada ou
processada, a autoridade providenciará para que a pessoa e os demais
participantes do alinhamento não vejam quem fará o reconhecimento.
Art. 9º Após a realização da entrevista prévia, das instruções pertinentes e do
alinhamento, de acordo com os artigos anteriores, a vítima ou a testemunha
será convidada a apontar se reconhece, entre as fotografias ou pessoas
apresentadas, aquela que participou do delito.
Parágrafo único. Após a resposta da vítima ou testemunha, será solicitado que
ela indique, com suas próprias palavras, o grau de confiança em sua resposta,
de modo que não seja transmitida à vítima ou à testemunha qualquer tipo de
informação acerca de sua resposta coincidir ou não com a expectativa da
autoridade condutora do reconhecimento.
Art. 10. O ato de reconhecimento será reduzido a termo, de forma
pormenorizada e com informações sobre a fonte das fotografias e imagens,
para juntada aos autos do processo, em conjunto com a respectiva gravação
audiovisual.
Art. 11. Ao apreciar o reconhecimento de pessoas efetuado na investigação
criminal, e considerando o disposto no art. 2º, § 1º, desta Resolução, a
autoridade judicial avaliará a higidez do ato, para constatar se houve a adoção
de todas as cautelas necessárias, incluídas a não apresentação da pessoa ou
fotografia de forma isolada ou sugestiva, a ausência de informações prévias,
insinuações ou reforço das respostas apresentadas, considerando o disposto
no art. 157 do Código de Processo Penal.
Parágrafo único. A autoridade judicial, no desempenho de suas atribuições,
atentará para a precariedade do caráter probatório do reconhecimento de
pessoas, que será avaliado em conjunto com os demais elementos do acervo
probatório, tendo em vista a falibilidade da memória humana.
Art. 12. Para o cumprimento desta Resolução, os tribunais, em colaboração
com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados e as
demais Escolas de Magistratura, promoverão cursos destinados à permanente
qualificação e atualização funcional dos magistrados e serventuários que
atuam nas Varas Criminais em relação aos parâmetros científicos, às regras
técnicas, às boas práticas, aos problemas identificados pelo GT
Reconhecimento de Pessoas.
§ 1º Os cursos de qualificação e atualização mencionados no caput também
poderão ser oferecidos aos membros do Ministério Público e da Defensoria
Pública, mediante convênio a ser firmado entre o referido órgão e o Poder
Judiciário, respeitada a independência funcional das instituições.
§ 2º Os tribunais, com o apoio do CNJ, poderão firmar convênios com o Poder
Executivo a fim de realizar cursos de qualificação e atualização funcional dos
agentes de segurança pública sobre as diretrizes da presente Resolução.
Art. 13. O Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do
Conselho Nacional de Justiça elaborará, em até 180 (centro e oitenta) dias,
manual de boas práticas quanto à implementação das medidas previstas nesta 31
Resolução.
Art. 14. Esta Resolução entra em vigor em 90 (noventa) dias após a sua
publicação.

Ministra ROSA WEBER

QUESTÃO 05 Eva, vizinha do casal Julia e Pedro, procura a Defensoria Pública


buscando esclarecimentos acerca da negativa de vacinação do filho de 9 anos
do casal contra a Covid-19. O casal já havia respondido algumas vezes que
não pretendia vacinar a criança, por não acreditar na vacina. Eva, preocupada
com os direitos da criança e também com a contaminação no prédio (haja
vista que Julia e Pedro também não se vacinaram), procura atendimento na
Defensoria Pública e questiona sobre a legitimidade da postura adotada pelos
pais da criança.
Responda, fundamentadamente, quais seriam os direitos em conflito bem
como se haveria alguma forma de forçar a vacinação à família.

PADRÃO DE RESPOSTAS
A questão aborda o conflito entre dois direitos fundamentais, quais sejam, o
direito à liberdade de consciência/pensamento de um lado e, do outro, o direito
à vida (ambos constantes do art. 5º, CRFB/88). A não vacinação como reflexo
da liberdade de crença (art. 5º, incisos IV, VIII, CF/88) se contrapõe ao direito à
vida, ambos corolários da Dignidade da Pessoa Humana. Há quem defenda,
todavia, que o direito à vida possuiria um status de sobre direito, motivo pelo
qual dever-se-ia proteger a vida a qualquer custo. Essa máxima, ressalte-se
não é absoluta, muito embora tenha o STF decidido que, no caso da negativa à
vacinação, a vida deveria ser o bem jurídico tutelado em detrimento da
liberdade de opinião/crença/consciência. É dizer, trata-se de aparente
antinomia, resolvida pelo STF a partir da prevalência do Direito à Vida,
legitimando a vacinação compulsória (ou obrigatória). No caso, não seria
possível forçar diretamente os pais da criança a se vacinarem, por consistir em
prática alcunhada de “vacinação forçada”, contrária aos postulados
democráticos. É, contudo, legítimo que se imponham restrições ao direito de ir
32
e vir, notadamente pelo fato de a propagação do vírus é maior em locais
fechados, sendo proporcionais – nos filtros de adequação necessidade e
proporcionalidade – medidas como o passaporte de vacinação, como forma de
induzir a um comportamento sanitário adequado por parte dos cidadãos.
Nestes termos, decidiu o STF ser constitucional a obrigatoriedade de
imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária,
tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou tenha sua
aplicação obrigatória determinada em lei. Por outro lado, no tocante à criança,
a negativa de vacinação transgrediu os artigos 7º, 14 e 249 do ECA, bem como
os artigos 6º (direito à saúde) e 227, da CRF/88. Por esses fundamentos, os
pais poderiam, inclusive, responder pelo ato com o pagamento de multa e, até
mesmo, perder o poder familiar.

ESPELHO

Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00


I número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
morfossintaxe e propriedade vocabular);

Discorrer sobre o Direito Fundamental à


II liberdade de consciência e livre manifestação - 0,0 a 40
do pensamento, conceituando-o, localizando pontos
topograficamente o instituto na Constituição
Federal e tecendo análise crítica sobre sua
irrestrita aplicação;

III Abordar a problemática da ausência de - 0,0 a 30


vacinação diante dos Direitos assegurados à pontos
Criança e ao Adolescente, bem como se os pais
poderiam ser penalizados neste caso.

IV Demonstrar conhecimento acerca do julgado do


STF e seus fundamentos, diferenciando - 0,0 a 20
vacinação obrigatória de vacinação forçada. pontos.
TOTAL 100

COMENTÁRIOS

O tema desta questão trouxe importantíssima jurisprudência firmada pelo STF, 33

em que se discutiu, à luz do direito fundamental de liberdade de consciência,


corolário da Dignidade da Pessoa Humana, se seria possível permitir a não
vacinação contra a COVID-19 em razão de manifesto descontentamento com o
método imunizante, e quais seriam as implicações dessa negativa.
Vamos, então, enfrentar o tema debatido:
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, instituição essencial à
função jurisdicional do Estado à qual incumbe, essencialmente, a promoção
dos direitos humanos e a defesa integral dos direitos individuais e coletivos,
emitiu Nota Técnica esclarecendo qual deveria ser o tratamento do caso.
Na Nota, a instituição alegou ser impossível sustentar a defesa dos direitos
fundamentais (tal como o da liberdade) mediante a invocação de instrumentos
que repudiam a defesa da saúde e da vida da população, composta,
essencialmente, por todos os interesses individuais envolvidos. A partir desse
argumento central, a Defensoria foi ao encontro do que já havia sido defendido
pelo STF, no tocante ao dever de vacinação sob pena de limitações a
liberdades individuais. Prática essa, frise-se, que não se confunde com uma
vacinação forçada. Veja-se, então, trecho da nota:

No Brasil, o marco legal da vacinação obrigatória foi


institucionalizado pela Lei 6.259/1975, regulamentada pelo
Decreto 78.231/1976, diplomas normativos que detalharam
a forma como o Programa Nacional de Imunizações seria
implementado no país.
E exatamente no intuito de garantir o cumprimento da lei, a
Portaria 597/2004 do Ministério da Saúde instituiu inúmeras
medidas indiretas, de restrição ao exercício de certas
atividades ou à frequência de determinados lugares, que há
muito vigoram, sem oposição, em nosso ordenamento
jurídico e convivência social.
Confira-se:
“Art. 4º O cumprimento da obrigatoriedade das
vacinações será comprovado por meio de atestado de
vacinação a ser emitido pelos serviços públicos de
saúde ou por médicos em exercício de atividades
privadas, devidamente credenciadas pela autoridade
de saúde competente.
[...] Art. 5º Deverá ser concedido prazo de 60 (sessenta)
dias para apresentação do atestado de vacinação, nos 34
casos em que ocorrer a inexistência deste ou quando
forem apresentados de forma desatualizada.
§ 1º Para efeito de pagamento de salário-família será
exigida do segurado a apresentação dos atestados de
vacinação obrigatórias estabelecidas nos Anexos I, II
e III desta Portaria.
§ 2º Para efeito de matrícula em creches, pré-escola,
ensino fundamental, ensino médio e universidade o
comprovante de vacinação deverá ser obrigatório,
atualizado de acordo com o calendário e faixa etária
estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria.
§ 3º Para efeito de Alistamento Militar será obrigatória
apresentação de comprovante de vacinação
atualizado.
§ 4º Para efeito de recebimento de benefícios sociais
concedidos pelo Governo, deverá ser apresentado
comprovante de vacinação, atualizado de acordo com
o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I,
II e III desta Portaria.
§ 5º Para efeito de contratação trabalhista, as
instituições públicas e privadas deverão exigir a
apresentação do comprovante de vacinação,
atualizado de acordo com o calendário e faixa etária
estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria”.

Veja-se, então, que o fundamento normativo para impor restrições é datado de


1975, motivo pelo qual a Defensoria alegou ser sequer necessário decreto
atual para delimitar os contornos atinentes ao regular exercício do dever de
vacinação. A Lei nº 6.259/1975, regulamentada pelo Decreto nº 78.231/1976,
instituiu o Programa Nacional de Imunização — PNI, para coordenar as ações
de vacinação em todo o país. Desde 1975, portanto, o PNI integra a estrutura
do Ministério da Saúde.
Ato contínuo, a vacinação é, sem dúvidas, forma segura, cientificamente
comprovada e necessária para conter os avanços de uma epidemia ou crise
sanitária. No caso da COVID-19, notadamente por seu caráter amplo,
pandêmico (e, portanto, mundial), mais razões teria o Estado para promover
restrições a direitos individuais em prol da mais ampla imunização. A
imunização se revela, neste cenário, como interesse juridicamente protegido a
35
medida que reforça o direito fundamental à saúde previsto no art. 6º d
CRFB/88.
Para melhor ilustrar o posicionamento da Defensoria, segue o restante da nota
disponibilizada no sítio oficial do órgão:
Como bem aduziu o Supremo, a obrigatoriedade da
vacinação não contempla a imunização forçada, porquanto
é levada a efeito por meio de sanções indiretas,
consubstanciadas, basicamente, em vedações ao exercício
de determinadas atividades ou à frequência de certos
locais que se afiguram legítimas e proporcionais ante o
objetivo maior de promover a saúde e a vida coletivas, e
todos os demais direitos fundamentais que, como visto,
delas decorrem.
Em tal contexto, a rigor, a previsão de vacinação
compulsória contra a Covid-19, determinada na Lei
13.979/2020, não seria sequer necessária, porquanto a
legislação sanitária, em particular a Lei 6.259/1975 (arts. 3º
e 5º), já contempla a possibilidade da imunização com
caráter obrigatório.
Nesse passo, a oposição a medidas restritivas impostas,
atualmente, de forma análoga, pelos entes federativos (a
exemplo, Decreto Rio nº 49335 de 26 de agosto de 2021)
para garantir o cumprimento da vacinação compulsória
contra a COVID-19, no seio de uma pandemia mundial sem
precedentes, não parece razoável, já que, em sua
essência, tais restrições, além de escoradas em evidências
científicas, são toleradas e há muito consideradas
adequadas pela sociedade.
A Constituição e a lei, insculpidas pelos representantes do
povo, há muito decidiram que a imposição de medidas
restritivas para a garantia da vacinação compulsória é
medida necessária, proporcional e legítima como forma
de dar concreção aos direitos sociais à saúde e à vida,
de modo que o seu desrespeito configura verdadeiro
risco à democracia e à construção de uma sociedade
livre, justa e solidária, capaz de promover o bem de todos.
Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2021.
Ora, as restrições impostas, dentre elas a exigência de apresentação de um
chamado “passaporte de vacinação” para ingresso em locais fechados, são
plenamente possíveis e proporcionais. Vale dizer, sobre isso, que a análise de
proporcionalidade pressupõe observância CUMULATIVA dos subprincípios da
necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito.
Aqui, vale um pequeno recorte: É fundamental que, em uma questão 36
envolvendo conflito de direitos fundamentais, o candidato exponha o princípio
da proporcionalidade (que, além de técnica interpretativa é verdadeiro filtro de
julgamento nesses casos), mas sempre demonstrando conhecimento dos
subprincípios que o integram. Essa técnica, além de metodologicamente
acertada, é vista com bons olhos por examinadores, de modo que não se pode
negligenciar a menção do instituto de forma pormenorizada. Um candidato que
apenas cita o conceito “proporcionalidade” pode não saber explicar os
fundamentos do instituto, ao passo que o candidato que elenque os 3
componentes e seu conceito irá de destacar para o examinador, diferenciando-
se da maioria.
Voltando para as restrições proporcionais ao direito de liberdade, há que se
mencionar, ainda que o Professor DANIEL BUCAR (UERJ) e CAIO PIRES, em
artigo denominado “A vacinação obrigatória contra a COVID-19 e a função
promocional do direito: o caso do “passaporte-vacina”, analisam a pertinência
do documento chamado “passaporte-vacina” como sendo medida
constitucional e adequada no enfrentamento da crise sanitária instaurada pela
COVID-19.
Prosseguem os autores:
Trata-se da oposição contra as medidas restritivas de
enfrentamento ao Covid-19, capitaneada por autoridades e
partidos políticos. O ápice dessa “cruzada” atingiu-se
durante a tentativa de fazer com o Poder Judiciário
reconhecesse uma espécie de direito de não se vacinar
contra a doença supracitada, resumido em buscar a
garantia de que o cidadão possa não praticar tal medida
profilática sem que sua conduta tenha qualquer
consequência negativa. E dentro dessa seara, o
descontentamento de alguns setores da sociedade com o
“passaporte-vacina” é, seguramente, mais uma batalha
inócua de uma guerra já perdida. Isso porque, primeiro, no
plano abstrato, o discurso utiliza-se de antigo, e
equivocado, raciocínio, o qual busca estender para o
ordenamento jurídico brasileiro a posição preferencial das
liberdades individuais em relação aos demais direitos que o
compõe cuja outros países adotam.
(...)
Ademais, o raciocínio exposto utiliza-se de hermenêutica
constitucional inadequada. Enquanto reger-se o direito
brasileiro pela atual Constituição da República, documento
fundante de um Estado Social Democrático de Direto, os
direitos fundamentais individuais e sociais convivem, não
prevalecendo prima
Nestes termos, a tese fixada pelo Supremo foi:
É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio
de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, 37
(i) tenha sido incluída no Programa Nacional de
Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória
determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da
União, estado, Distrito Federal ou município, com base em
consenso médico-científico. Em tais casos, não se
caracteriza violação à liberdade de consciência e de
convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem
tampouco ao poder familiar.
STF. Plenário. ARE 1267879/SP, Rel. Min. Roberto
Barroso, julgado em 16 e 17/12/2020 (Repercussão Geral –
Tema 1103) (Info 1003).
Após a tese, interessante mencionar decisões que deixaram de conceder
liminar em mandado de segurança justamente pelo fato de a exigência de
comprovação da vacinação contra Covid-19, para autorizar o acesso a certos
espaços privados abertos ao público, não configurar violação certa e específica
à liberdade de locomoção do impetrante (TJ RJ, MS n° 0064470.06-8.19.0000,
Des. Caetano Ernesto da Fonseca Costa, julgado em 02/09/2021, TJ RJ, MS n°
0064487-42.2021.8.19.0000, Des. Ana Maria Pereira de Oliveira, decisão
monocrática, julgado em 31/08/2021).

O melhor entendimento deve se filiar à ideia de que a vacinação compulsória


não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do
usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas,
as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas
atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em
lei. É dizer, assume-se posição intermediária segundo a qual ao mesmo tempo
que não se pode obrigar um cidadão a se vacinar, aplicando o que se chama
de vacinação forçada, o estado poderá restringir sua liberdade de locomoção
para induzir à vacinação.

Na ADI n° 6586/DF, ajuizada para discutir a constitucionalidade do art. 3°,


inciso III, alínea ‘d’ da Lei n° 13.979/2020 (lei de medidas para o enfrentamento
da emergência de saúde pública advinda da pandemia), o STF decidiu, de
forma unânime, pela constitucionalidade do dispositivo.

O voto do Ministro Relator Ricardo Lewandowski na ADI afirmou a prevalência


do direito social e fundamental à saúde coletiva – que reflete a solidariedade 38
constitucional - sobre os direitos fundamentais de liberdade individual. Deste
modo, concluiu que é permitido ao Poder Legislativo impor a vacinação
obrigatória e aos entes federativos (União, Estados e Municípios) estipularem
medidas –inclusive, edição de leis e decretos- para efetivar tal comando. Tem-
se, pois, a sobreposição do direito coletivo à vida, saúde e existência dignas
em relação ao direito individual alegado de quem se contrapõe à medida
sanitária.

Nestes termos, a vacinação compulsória/obrigatória é constitucional, e não se


confunde com a vacinação forçada, utilização de força para obter o resultado
pretendido, esta última contrária ao ordenamento pátrio.

Sobre essa afirmação, se posicionam Professor DANIEL BUCAR e CAIO


PIRES no seguinte sentido:

Assim, afasta-se uma primeira premissa do discurso que


busca vincular o controle de entrada nos locais públicos de
acesso privado às medidas de vacinação forçada. Nem
toda sanção é negativa e apenas as sanções negativas
estariam mais próximas dos limites cuja ADI n° 6586/DF
impõe a efetivação da vacinação obrigatória. Utilizando-se
os decretos e leis responsáveis por instituir o “passaporte-
vacina” da técnica de sançao
̃ premial, nao
̃ haveria
grande dúvida a respeito da constitucionalidade de sua
adoção. Todavia, e por fim, convém demonstrar,
igualmente, que as supracitadas medidas não ofendem a
proporcionalidade, imposta como outro filtro para as
estratégias finalizadas a assegurar a vacinação obrigatória.
À luz desta perspectiva, a simples continuidade da crise
sanitária será capaz de afastar qualquer premissa
equivocada (...).

A resposta deveria expressamente indicar que, conforme decidiu o STF, a


medida de vacinação compulsória a que alude o art.3º, III, “d”, da Lei nº 39
13.979/2020 é passível de aplicação por todos os entes federativos, desde que
os imunizantes tenham sua segurança e eficácia atestadas pela comunidade
científica e agência reguladora nacional, sejam distribuídas de forma gratuita e,
ainda, acompanhados de medidas informativas quanto aos seus efeitos, e tal
medida não consistiria em violação a nenhum direito ou garantia fundamentais.
Ou seja, compulsoriedade da vacina não pressupõe violação da
autonomia corporal de alguém.

No tocante, por fim, à criança, a discussão ganha novos contornos,


notadamente porque há expressa previsão constitucional e infralegal (no ECA)
imputando responsabilidade aos pais pela ausência de vacinação de seus
filhos. A seguir, destacamos:

I -Na Constituição Federal

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado


assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

II - Veja-se, agora, os artigos do ECA mencionados na resposta:

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à


vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais
públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento
sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas


de assistência médica e odontológica para a prevenção das
enfermidades que ordinariamente afetam a população
infantil, e campanhas de educação sanitária para pais,
educadores e alunos.
§ 1 É obrigatória a vacinação das crianças nos casos
recomendados pelas autoridades sanitárias.

Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres


inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou
guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária 40
ou Conselho Tutelar

Pena - multa de três a vinte salários de referência,


aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Portanto, os pais devem vacinar a criança, sob pena de incorrerem na infração


prevista no artigo 249, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
podendo, inclusive, sofrer a perda do poder familiar.

Por fim, vale dizer que a ação para a perda do poder familiar é de titularidade
do Ministério Público.

Sugestão de textos para leitura complementar:


STF, ADI n° 6586/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 17/12/2020.
p. 16/20, disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/lewandowski-adis-
obrigatoridade-vacina.pdf.
Nota técnica sobre vacinação -
https://teste.defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/11695-Nota-tecnica-sobre-a-
obrigatoriedade-da-vacinacao

QUESTÃO 06 “Menó”, utilizado como mula no tráfico da Vila Vintém, foi parado
durante operação da polícia militar, tendo sido preso em flagrante com
quantidade expressiva de cocaína. Diante do relato, o MP prestou denúncia
com base nos artigos 33 e 35 do CP. Durante o interrogatório o réu ficou em
silêncio. Após a instrução, em sua manifestação, o MP requereu a
condenação nos moldes da denúncia.
Sobrevindo a Sentença, “Menó” foi condenado como incurso no art. 33, caput,
c/c o art. 40, inciso V, ambos da Lei n. 11.343/2006, à pena de 8 anos e 9
meses de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de
875 dias-multa.
A Defensoria é intimada a se manifestar em defesa do réu, que não possui
passagens pretéritas pela polícia. Indique quais argumentos defensivos e se
caberia sugerir a minorante.

41

PADRÃO DE RESPOSTA
Há que se alegar o constrangimento ilegal, uma vez que não foi reconhecida a
redutora do tráfico prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Ademais, o
réu preenche todos os requisitos necessários para a aplicação da benesse,
uma vez que é primário, não ostenta maus antecedentes (o que se constata do
enunciado, ao fazer menção a ausência de passagens pretéritas pela polícia),
não se dedica às atividades criminosas e não integra organização criminosa.
No tocante à quantidade de droga apreendida, aparentemente poderia se
arguir que tal fator seria um obstáculo à concessão da minorante de pena.
Todavia, esse argumento não merece prosperar, já tendo o STJ recentemente
decidido que a prisão em flagrante de pessoa utilizada como “mula” no tráfico
não pode, por si só, ser motivo hábil e idôneo para evidenciar que o acusado
integra grupo criminoso. Nesse sentido, tanto STF quanto o STJ vêm se
posicionando a respeito de confirmar a possibilidade de concessão do
benefício do tráfico privilegiado, a despeito da apreensão de grande quantidade
de droga nos casos envolvendo “mula”. No âmbito da quantificação da pena,
ainda, pode-se arguir que a redutora deveria ter sido aplicada e, a partir dela,
“Menó” deveria ter seu regime modificado, bem como substituída a pena
privativa de liberdade por restritivas de direitos.

ESPELHO
Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00
I número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
morfossintaxe e propriedade vocabular);
Indicar expressamente a possibilidade de
II aplicação da redutora do tráfico prevista no art. - 0,0 a 30
33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 pontos

42

III Trazer os requisitos que fundamentam a - 0,0 a 30


aplicação da minoração de pena, destacando os pontos
pontos trazidos no enunciado, tal como ser réu
primário, justificando a dosimetria da pena
favorável ao acusado

IV Trazer o conhecimento acerca dos - 0,0 a 30


entendimentos do STF e STJ a respeito da pontos.
condição de mula, e que ela, por si só, não
pode ser causa justa a enquadrar o réu como
integrante de organização criminosa.
TOTAL 100

COMENTÁRIOS
Essa questão foi inspirada em recente precedente do STJ. Vejamos o caso:

O MP se insurgiu quanto à aplicação da minorante do tráfico, argumentando o


não preenchimento dos requisitos necessários para o seu reconhecimento.
Sustentou, ainda, que não haveria ilegalidade em se reconhecer dedicação do
acusado a atividades criminosas porque, no caso concreto, o acusado foi
flagrado transportando, aproximadamente, 208 kg de maconha. Além disso, em
seu aparelho celular foram encontradas fotografias, datadas de pouco mais de
01 mês da prisão em flagrante, em que constavam grande quantidade de
entorpecentes.
A Defesa do acusado, por sua vez, sustentou que o fato de se atribuir
associação criminosa pela simples correlação à quantidade de droga
apreendida seria postura desarrazoada. Aduziu, ainda que não foi reconhecida
a redutora do tráfico prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, muito
embora o acusado preenchesse todos os requisitos necessários para a
aplicação da benesse (primário, sem maus antecedentes, não se dedica às
atividades criminosas e não integra organização criminosa). Adicionalmente,
afirmou a defesa que a condição de mula do tráfico e a quantidade de drogas
não podem servir de fundamento para afastar a minorante, de modo que a
redutora deveria ser aplicada e, consequentemente, a transmutação de regime.

Ora, é certo que a redutora do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 demanda o
preenchimento de quatro requisitos cumulativos, quais sejam:
I) primariedade,
II) bons antecedentes,
III) não se dedicar a atividades criminosas
IV) não integrar organização criminosa.

Por essas razões, em primeira instância, a decisão do caso concreto levado ao


STJ foi no sentido de não admitir a redutora, pressupondo que a quantidade de 43

droga sob posse do acusado desfiguraria os requisitos cumulativos da lei supra


em comento.
É dizer, o fundamento utilizado pela Corte local para afastar o reconhecimento
do tráfico privilegiado foi a presunção de que se tratava de pessoa dedicada às
atividades criminosas devido ao transporte de elevada quantidade de
entorpecente (lembremos, no caso concreto, eram mais de 200 kg de
maconha) e agindo na condição de mula.
Há que se mencionar, contudo, que tal entendimento vai DE ENCONTRO, ou
seja, CONTRARIAMENTE, ao que prevê o Supremo Tribunal Federal.
O Pretório Excelso entende pela possibilidade da concessão do benefício do
tráfico privilegiado, a despeito da apreensão de grande quantidade de droga,
quando estiver caracterizada a condição de 'mula do tráfico'. Em verdade, a
Corte Suprema vem entendendo que a atuação no mero transporte de
entorpecente, ainda que em grande quantidade, não patenteia, de modo
automático, a adesão do acusado à estrutura de organização criminosa ou a
sua dedicação à atividade delitiva.
Se não, vejam os julgados abaixo:

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL E


DIREITO PENAL. PRESSUPOSTOS DE
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL.
COMPETÊNCIA PRECÍPUA DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TRÁFICO DE DROGAS.
DOSIMETRIA. MULA. POSSIBILIDADE DE
APLICAÇÃO DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º,
DA LEI 11.343/2006. REGIME DE CUMPRIMENTO
DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA
DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS.
CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. [...] 2.
Pertinente à dosimetria da pena, encontra-se a
aplicação da causa de diminuição da pena objeto do
§ 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. Para verificar a
adequação da causa de diminuição ao caso
concreto, indispensável observar tanto as condições
individuais do agente quanto as da conduta em
concreto praticada, de todo incabível a concessão do
benefício em caso de reincidência, maus
antecedentes, dedicação a atividades criminosas ou
participação em grupo destinado a esse fim. 3. A
jurisprudência desta Suprema Corte é no sentido
44
de que ‘o exercício da função de mula, embora
indispensável para o tráfico internacional, não
traduz, por si só, adesão, em caráter estável e
permanente, à estrutura de organização
criminosa, até porque esse recrutamento pode
ter por finalidade um único transporte de droga’,
porquanto ‘descabe afastar a incidência da causa de
diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº
11.343/06 com base em mera conjectura ou ilação
de que os réus integrariam organização criminosa’
(HC 124.107/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma,
DJe 24.11.2014). 4. Na hipótese, proporcional e
razoável a fixação da minorante no patamar de 2/3
(dois terços), considerada a inexistência de
circunstância ou fato desabonador ensejador de
aplicação de fração menor. Precedentes: HC
132.459/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª
Turma, votação unânime, DJe 13.02.2017; HC
131.918/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma,
votação unânime, DJe 02.3.2016; e HC 123.534/SP,
Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, votação unânime,
DJe 10.10.2014. [...] 6. Habeas corpus extinto sem
resolução de mérito, mas com concessão de ofício
da ordem, para determinar que o Tribunal Regional
Federal da 3ª Região proceda a nova dosimetria da
pena, mediante a aplicação da causa de diminuição
prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, no
patamar de 2/3 (dois terços), e reexamine, se o
caso, a fixação do regime inicial de cumprimento da
pena e a substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos. (HC 129449, Rel. Ministra
ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe 28-04-2017).

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL


PENAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT,
DA LEI Nº 11.343/06). PENA-BASE. MAJORAÇÃO.
VALORAÇÃO NEGATIVA DA NATUREZA E DA
QUANTIDADE DA DROGA (2.596 G DE COCAÍNA).
ADMISSIBILIDADE. VETORES A SEREM
CONSIDERADOS NECESSARIAMENTE NA
DOSIMETRIA (ART. 59, CP E ART. 42 DA LEI Nº
11.343/06). 'MULA'. APLICAÇÃO DA CAUSA DE
DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI
DE DROGAS. ADMISSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA
DE PROVA DE QUE O PACIENTE INTEGRE
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. IMPOSSIBILIDADE
DE NEGAR A INCIDÊNCIA DA CAUSA DE
DIMINUIÇÃO DE PENA COM BASE EM ILAÇÕES
OU CONJECTURAS. PRECEDENTES. 45
PERCENTUAL DE REDUÇÃO DE PENA: 1/6 (UM
SEXTO). ADMISSIBILIDADE. FIXAÇÃO EM
ATENÇÃO AO GRAU DE AUXÍLIO PRESTADO
PELO PACIENTE AO TRÁFICO INTERNACIONAL.
ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA,
PARA O FIM DE CASSAR O ACÓRDÃO
RECORRIDO E RESTABELECER O JULGADO DO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
FEDERAL. 1. É pacífico o entendimento do Supremo
Tribunal Federal de que a natureza e a quantidade
da droga constituem motivação idônea para a
exasperação da pena-base, nos termos do art. 59 do
Código Penal e do art. 42 da Lei nº 11.343/06.
Precedentes. 2. Descabe afastar a incidência da
causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei
nº 11.343/06 com base em mera conjectura ou
ilação de que o réu integre organização criminosa.
Precedentes. 3. O exercício da função de 'mula',
embora indispensável para o tráfico internacional,
não traduz, por si só, adesão, em caráter estável e
permanente, à estrutura de organização criminosa,
até porque esse recrutamento pode ter por finalidade
um único transporte de droga. Precedentes. 4. O
paciente, procedente da Venezuela, foi flagrado na
posse de 2.596 g de cocaína no aeroporto de
Guarulhos, no momento em que se preparava para
embarcar em voo para a África do Sul, com destino
final em Lagos, na Nigéria. 5. Correta, portanto, a
valoração negativa do grau de auxílio por ele
prestado ao tráfico internacional, na terceira fase da
dosimetria, com a fixação do percentual de redução
em 1/6 (um sexto). 6. Ordem de habeas corpus
concedida, para o fim de se cassar o acórdão
recorrido e de se restabelecer o julgado do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região Federal, que
redimensionou a pena imposta ao paciente para 4
(quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de
reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-
multa. (HC 134597, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI,
Segunda Turma, DJe 9/8/2016).
Vejamos, então, como ficou a ementa do recente julgado (junho/2023) do STJ:
RELATOR Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA (1170) ÓRGÃO JULGADOR T5 -
QUINTA TURMA DATA DO JULGAMENTO
06/06/2023 DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe
29/06/2023 EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.
DECISÃO AGRAVADA QUE APLICOU A 46
REDUTORA DO TRÁFICO PRIVILEGIADO NA
FRAÇÃO DE 1/6. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL.
CONCLUSÃO DE QUE O ACUSADO SE
DEDICAVA A ATIVIDADES CRIMINOSAS
BASEADA EXCLUSIVAMENTE NA QUANTIDADE
DE ENTORPECENTE APREENDIDO. PACIENTE
PRIMÁRIO E SEM MAUS ANTECEDENTES.
FUNÇÃO DE "MULA". CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO
EVIDENCIA, POR SI SÓ, QUE O ACUSADO
INTEGRAVA GRUPO CRIMINOSO. FUNDAMENTO
INIDÔNEO. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA.
AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Agravo regimental
interposto pelo Ministério Público Federal contra
decisão que concedeu a ordem, de ofício, para
aplicar o redutor do tráfico privilegiado na fração de
1/6. 2. Esta Corte vem se manifestando no sentido
de que isoladamente consideradas, a natureza e a
quantidade do entorpecente apreendido, por si sós,
não são suficientes para embasar conclusão acerca
da presença das referidas condições obstativas e,
assim, afastar o reconhecimento da minorante do
tráfico privilegiado (AgR g no REsp n. 1.687.969/SP,
Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 26/3/2018).
3. Nessa linha, precedentes deste Corte e do
Supremo Tribunal Federal firmam a possibilidade de
concessão do benefício do tráfico privilegiado, a
despeito da apreensão de grande quantidade de
droga, quando estiver caracterizada a condição de
"mula" do tráfico, como no caso dos autos. 3. Agravo
regimental não provido.

A contrário senso, veja-se, contudo, entendimento mais antigo do STJ, que


serviu de fundamento para que o MP pleiteasse a manutenção da condenação
de origem:
“Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto esta
Corte Superior de Justiça firmaram o entendimento
de que a apreensão de grande quantidade de
drogas, a depender das peculiaridades do caso
concreto, é hábil a denotar a dedicação do acusado
a atividades criminosas ou mesmo a sua integração
em organização criminosa e, consequentemente, a
impedir a aplicação da causa especial de diminuição
de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.
11.343/2006, porque indica maior envolvimento do
agente com o mundo das drogas. Vale dizer, a
elevada quantidade de drogas apreendidas pode ser
perfeitamente sopesada para aferir o grau de
envolvimento do acusado com a criminalidade
organizada ou de sua dedicação a atividades 47
delituosas”. In: AgRg no HC 647.568/SP, Rel.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA
TURMA, julgado em 16/03/2021, DJe 22/03/2021.

Por fim, frise-se que o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal (e do


STJ) acerca da matéria é no sentido de que a simples atuação como 'mula',
por si só, não induz que o réu integre organização criminosa, de forma
estável e permanente, não constituindo, portanto, fundamento idôneo
para afastar a aplicação do redutor em sua totalidade, rechaçando qualquer
tipo de especulação ou conjectura. Trata-se, em verdade, de manifestação do
primado do in dubio pro réu, a partir de um juízo de razoabilidade necessário.

Sugestões de leitura de julgados:


- AgRg no HC 811.100 / SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, Quinta Turma, DJe 29/06/2023 – junho de 2023
- AgRg no REsp 1.776.471/MS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta
Turma, DJe 19/12/2018
- AgRg no AREsp 1425587/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ,
SEXTA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019
- AgRg no AREsp 1422110/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA,
julgado em 11/06/2019, DJe 25/06/2019
- AgRg no REsp 1772711/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA,
julgado em 11/06/2019, DJe 25/06/2019
- AgRg no AREsp 1425303/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR,
SEXTA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 03/05/2019
- AgRg no AREsp 1246868/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA
TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 30/04/2019
- HC 492885/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 04/04/2019, DJe 30/04/2019
- AgRg no AgInt no AREsp 1431326/MS, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
QUINTA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 21/03/2019
48
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA
A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

1
W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA


A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

Olá Futuro(a) Residente Jurídico(a) da DPE-RJ,

Você está recebendo hoje a terceira rodada de conteúdo direcionado e


preparatório para o concurso de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro. Esperamos que tenha gostado das primeiras
rodada! Você se saiu bem? Continuamos com todo o cuidado na seleção de
cada tema. Por aqui continuamos buscamos identificar os assuntos de maior
relevância na atuação prática na Defensoria Pública, temas que são quentes
e podem ser questão do seu certame!

Esta é a terceira rodada de dez. Ao total serão aproximadamente sessenta


questões! O objetivo é treiná-los para prova, então vocês devem tentar
resolver as questões antes de partirem para a leitura do espelho. O
espelho é instrumento essencial para você se aprofundar nos temas,
contudo, antes de abri-lo, treine com o caderno de questões!

Desejamos sorte neste seu objetivo e que este material possa continuar te
ajudar a alcançar a função de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro!

Qualquer dúvida, não deixe de nos procurar! Até breve,

Coordenação da turma

PRISCI LA COT TA
ANALISTA PROCESSU AL DA DPE-RJ
EX-RESIDENTE J URÍDICA DA DPE-RJ
RAONI ARAUJ O
COORDENADOR ACADÊMICO DO PED
MESTRE PELA FND/UFRJ

2
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA – RODADA III

ESPELHO

1
QUESTÃO 01 Em um determinado estado fictício chamado "Estado Saúde
Plena", uma nova doença contagiosa, denominada "Vírus X", começou a se
espalhar rapidamente, causando preocupação na população e nas autoridades
de saúde. Diante da situação, o Governo do Estado Saúde Plena decidiu
tomar medidas emergenciais para conter a propagação do Vírus X.
O Governo do Estado Saúde Plena publicou um ato normativo infralegal
intitulado "Decreto Estadual nº 123/2023", no qual foram estabelecidas
diversas medidas sanitárias preventivas. Dentre as medidas, destacam-se:
1. Obrigatoriedade do uso de máscaras em ambientes públicos e
privados.
2. Proibição de aglomerações com mais de 50 pessoas.
3. Suspensão temporária de eventos e atividades de grande porte.
4. Restrição de horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais.
A fim de aplicar as medidas sanitárias preventivas, o Governo do Estado
Saúde Plena reconheceu que o artigo 268 do Código Penal brasileiro, que
tipifica a infração de medida sanitária preventiva, contém uma norma penal em
branco, uma vez que não especifica detalhadamente quais são as medidas a
serem observadas.
O Decreto Estadual nº 123/2023 prevê que o não cumprimento das medidas
sanitárias preventivas estabelecidas resultará em penalidades para os
infratores. As penalidades variam de advertências e multas até a
responsabilização criminal nos casos mais graves.
Diante do caso narrado, com base em recente julgado do Supremo Tribunal
Federal, responda:
a) O art. 268 do Código Penal pode ser complementado por atos
normativos infralegais editados pelos Estados, Distrito Federal e
Municípios?
b) Quais são os aspectos da norma penal em branco e suas formas de
complementação?

PADRÃO DE RESPOSTA
a) Segundo decisão recente do Supremo Tribunal Federal o art. 268 do Código
Penal veicula norma penal em branco que pode ser complementada por atos
normativos infralegais editados pelos entes federados (União, Estados, Distrito
Federal e Municípios), respeitadas as respectivas esferas de atuação, sem que
2
isso implique ofensa à competência privativa da União para legislar sobre
direito penal (CF, art. 22, I). Dito de outra forma, A complementação de norma
penal em branco por ato normativo estadual, distrital ou municipal, para
aplicação do tipo de infração de medida sanitária preventiva (Código Penal, art.
268), não viola a competência privativa da União para legislar sobre direito
penal (art. 22, I, CF/88). (ARE 1418846/STF).
b) As normas penais em branco são normas penais cujo preceito secundário
(sancionador) é completo, mas o preceito primário, diferentemente, é
incompleto. Ou seja, é uma norma que depende de complementação. Normal
penal em branco heterogênea (também chamada de norma penal em branco
em sentido estrito ou própria) ocorre quando o complemento da norma penal
em branco possui natureza jurídica diversa e não emana do legislador, mas de
fonte de produção distinta. É o caso da complementação feita por meio de atos
administrativos. Já a norma penal em branco homogênea (também chamada
de norma penal em branco em sentido amplo ou imprópria) ocorre quando
temos, de um lado, a norma penal em branco, prevista em lei, e, de outro, a
sua complementação, feita por outra lei. Ou seja, o complemento da norma
penal em branco homogênea possui a mesma natureza jurídica que ela, emana
da mesma fonte de produção.

ESPELHO
TOTAL: ALUNO:

Definir norma penal em branco 25

Mencionar os tipos de norma penal em branco 25

Discorrer sobre a decisão do STF segundo a 50


qual pode haver a complementação por atos
infralegais.

COMENTÁRIOS

A lei penal pode ser completa ou incompleta.

A completa é aquela que dispensa complemento valorativo (dado pelo juiz na


análise do caso concreto) ou normativo (dado por outra norma). O exemplo
clássico o artigo 121 do CP (homicídio), que dispensa qualquer complemento.

A incompleta é aquela que depende de complemento valorativo


ou normativo. Se depende de complemento valorativo, é
chamada de tipo aberto. 3

Se depende de complemento normativo, é chamada de norma penal em


branco.

1) Tipo aberto:

É uma espécie de lei penal incompleta, pois depende de complemento


valorativo.
O complemento é dado pelo juiz (complemento valorativo), na análise do caso
concreto.

Ex: crimes culposos são descritos em tipos abertos. O legislador não


enuncia as formas de negligência, imprudência ou imperícia, ficando a
análise a critério do magistrado no caso concreto.
Vale registrar a lição de Muñoz Conde que, ao se referir aos crimes culposos,
defende a legalidade das normas de tipo aberto:

“Isto não implica qualquer lesão ao princípio da


legalidade, de vez que a própria natureza das coisas
impede que se possam descrever com maior exatidão
na lei todos os comportamentos negligentes
suscetíveis de ocorrer ou realizar-se.”2

De qualquer forma, para que não haja ofensa ao princípio da legalidade, a


redação típica do tipo aberto deve trazer o mínimo de determinação.

Existem, contudo, exceções. Há casos em que o legislador já anuncia


quais os comportamentos caracterizadores de culpa, a exemplo do que
ocorre com a receptação culposa, prevista no § 3º do art. 180 do Código
Penal, onde há a narração completa do comportamento típico, assim como
o art. 38 da Lei nº 11.343/06.

Art. 180, § 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua


natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço,
ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se
obtida por meio criminoso.

Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas,


sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em
doses excessivas ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar.
2) Norma Penal em branco:

Também é uma lei penal incompleta, mas aqui o complemento é dado por
outra norma (complemento normativo).

Se essa outra norma for diferente de uma lei, teremos uma norma penal em 4
branco em sentido estrito. Se a outra norma for lei temos uma norma penal
em branco em sentido amplo.

a) Norma penal em branco própria / em sentido estrito / heterogênea:

O complemento normativo não emana do legislador, mas sim de fonte


normativa diversa:

Ex: Portaria 344/98 do Ministério da Saúde, que complementa a lei de drogas,


definindo o que são “drogas”.

Há na doutrina vozes de peso que contestam a


constitucionalidade da norma penal em branco heterogênea.
Confira-se o que dizem Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar:

“Não é simples demonstrar que a lei penal em branco


não configura uma delegação legislativa
constitucionalmente proibida. Argumenta-se que há
delegação legislativa indevida quando a norma
complementar provém de um órgão sem autoridade
constitucional legiferante penal, ao passo que quando
complementação emergem da fonte geradora
constitucionalmente legítima não se faz outra coisa
senão respeitar a distribuição da potestade legislativa
estabelecida nas normas fundamentais. O argumento é
válido, mas não resolve o problema. Quando assim se
teorizou, as leis penais em branco eram escassas e
insignificantes: hoje, sua presença é considerável e
tende a superar as demais leis penais, como fruto de
uma banalização e administrativização da lei penal. A
massificação provoca uma mudança qualitativa: através
das leis penais em branco o legislador penal está
renunciando à sua função programadora de
criminalização primária, assim transferida a funcionários
e órgãos do Poder Executivo, e incorrendo, ao mesmo
tempo, na abdicação da cláusula da ultima ratio, própria
do estado de direito.”
tanto a lei penal em branco quanto sua
b) Norma penal em branco imprópria / em sentido amplo / homogênea:

O complemento normativo emana do legislador, ou seja, temos uma lei


complementada por outra lei.
5
Se essa lei for uma lei penal, teremos a chamada norma penal em branco
homogênea homovitelina (homóloga) Ex: peculato – o artigo 327 do CP
explica o que é funcionário público.

Se for uma lei não penal, teremos uma norma penal em branco homogênea
heterovitelina (heteróloga) Ex: ocultação de impedimento para casamento
– o art. 237 do CP é complementado pelo Código Civil, que diz quais são os
casos de impedimento.

O que é norma penal em branco ao revés?

Também chamada de lei penal incompleta, imperfeita ou secundariamente


remetida, ocorre quando o complemento se refere à sanção, ao preceito
secundário, e não ao conteúdo da proibição. O complemento da norma penal
em branco ao revés deve ser necessariamente fornecido por lei, em respeito
ao princípio da legalidade.

Conforme define Luiz Regis Prado4: “a lei penal estruturalmente incompleta,


também conhecida como lei penal imperfeita, é aquela em que se encontra
prevista tão somente a hipótese fática (preceito incriminador), sendo que a
consequência jurídica se localiza em outro dispositivo da própria lei ou em
diferente texto legal”.

Ex: lei de genocídio (art. 1º da Lei nº 2.889/56) o conteúdo é completo,


mas remete às penas do código penal. A pena é incompleta, ela precisa de
complementação.

Art. 268 do CP

O art. 268 do Código Penal é norma penal em branco considerando que


o tipo fala em “infringir determinação do poder público”. Assim, o tipo
deve ser complementado por ato normativo que imponha regras para
impedir a introdução ou a propagação de doença contagiosa.

Seria possível que a complementação dessa norma penal em


branco fosse feita por meio de um ato normativo estadual ou
municipal?
O STF entendeu que sim.
Assim, se o Estado, o Distrito Federal ou o Município editar ato normativo
para combater a propagação de vírus e essa determinação foi
descumprida, essa conduta se mostra apta a se enquadrar, 6
abstratamente, no crime do art. 268 do Código Penal.
Em outras palavras, o complemento normativo do art. 268 do CP não
precisa, necessariamente, ser editado pela União.

Ementa Direito penal. Crime de infração de medida sanitária preventiva (CP,


art. 268). Norma penal em branco. Complementação por ato normativo
estadual ou municipal. Artigo 22, inciso I, da Constituição Federal. Questão
constitucional. Potencial multiplicador da controvérsia. Repercussão geral
reconhecida com reafirmação de jurisprudência. Recurso extraordinário com
agravo a que se dá provimento. 1. Nos termos da jurisprudência desta
Suprema Corte a competência para proteção da saúde, seja no plano
administrativo, seja no plano legislativo, é compartilhada entre a União, o
Distrito Federal, os Estados e os Municípios, inclusive para impor medidas
restritivas destinadas a impedir a introdução ou propagação de doença
contagiosa. 2. A infração a determinações sanitárias do Estado, ainda que
emanada de atos normativos estaduais, distrital ou municipais, permite seja
realizada a subsunção do fato ao crime tipificado no artigo 268 do Código
Penal, afastadas as alegações genéricas de inconstitucionalidade de referidas
normas por violação da competência privativa da União. 3. Agravo em recurso
extraordinário conhecido. Apelo extremo provido. 4. Fixada a seguinte tese: O
art. 268 do Código Penal veicula norma penal em branco que pode ser
complementada por atos normativos infralegais editados pelos entes federados
(União, Estados, Distrito Federal e Municípios), respeitadas as respectivas
esferas de atuação, sem que isso implique ofensa à competência privativa da
União para legislar sobre direito penal (CF, art. 22, I).
(ARE 1418846 RG, Relator(a): MINISTRA PRESIDENTE, Tribunal Pleno,
julgado em 24/03/2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL -
MÉRITO DJe-070 DIVULG 31-03-2023 PUBLIC 03-04-2023)

O art. 268 do Código Penal veicula, em sua redação, o preceito primário


incriminador, isto é, o núcleo essencial da conduta punível. Isso significa que a
União exerceu, de forma legítima e com objetivo de salvaguardar a
incolumidade da saúde pública, sua competência privativa de legislar sobre
direito penal, na forma do art. 22, I, da CF/88.
Por ser uma norma penal em branco heterogênea, ela precisa de
complementação para surtir efeitos e essa complementação se faz mediante
ato do poder público, compreendida a competência de quaisquer dos entes
federados.
Ademais, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, a
competência para proteção da saúde, no plano administrativo e no legislativo, é
compartilhada entre a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios,
inclusive para impor medidas restritivas destinadas a impedir a introdução ou
propagação de doença contagiosa.

Desde modo decidiu o STF:


7
Além da União, os Estados/DF e Municípios também
podem adotar medidas de combate à Covid-19
considerando que a proteção da saúde é de competência
concorrente.
Assim, as providências adotadas pelo Governo Federal
não afastam atos a serem praticados por Estado, o
Distrito Federal e Município considerada a competência
concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior.
STF. Plenário. ADI 6341 MC-Ref/DF, Rel. Min. Marco
Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em
15/4/2020 (Info 973).

Tese fixada pelo STF:

O art. 268 do Código Penal veicula norma penal em branco que pode
ser complementada por atos normativos infralegais editados pelos
entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios),
respeitadas as respectivas esferas de atuação, sem que isso
implique ofensa à competência privativa da União para legislar
sobre direito penal (art. 22, I, CF/88).
STF. Plenário. ARE 1.418.846/RS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em
25/3/2023 (Repercussão Geral – Tema 1246) (Info 1088).
QUESTÃO 02 A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro moveu ação
civil pública contra o Município do Rio de Janeiro diante das condições
precárias das instalações e do atendimento deficitário no Hospital Municipal
Salgado Filho. A DPE – RJ, após entender estar evidenciada a desídia do
administrador em dar cumprimentos a direitos fundamentais, formulou pedidos
de obrigação de fazer. 8

O Juízo singular julgou improcedente a ação, ao fundamento de que não é a


Defensoria Pública legitimada para propor a ação e improcedente no pedido
por encontrar óbice no princípio da separação dos poderes.
Você, como Residente Jurídico, em auxílio ao Defensor (a) Público (a) do
Estado do Rio de Janeiro, recebeu o caso e precisa adotar uma estratégia
defensiva. Então responda de forma fundamentada:

a) A Defensoria Púbica do Estado do Rio de Janeiro tem legitimidade para


propor ação civil pública para defesa de direto de acesso à saúde?

b) Qual meio processual para impugnar a decisão do juízo singular?

c) Houve violação ao princípio da separação de poderes?

PADRÃO DE RESPOSTA

a) A Defensoria Pública foi inserida no rol dos legitimados para propor ação
civil pública pela Lei nº 11.448/2007 (art. 5º, II da Lei da Ação Civil Pública – Lei
nº 7.347/85). Ademais, segundo entendimento consolidado na jurisprudência
do STJ: “A Defensoria Pública detém legitimidade para propor ações coletivas
na defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos”.
(Jurisprudência em Teses edição nº 22). O direito à saúde é direito coletivo
com prestação obrigatória por parte do Estado (art. 196 da CF).

b) O meio processual cabível para impugnar a decisão do juízo de primeiro


grau é o recurso de apelação (art. 1.009 do CPC).

c) Não há violação ao princípio da separação de poderes diante da desídia do


Município do Rio de Janeiro em descumprir medidas que evidenciam a desídia
do administrador em dar cumprimentos a direitos fundamentais e, por
conseguinte, gerar grave violação a direito fundamental. Neste sentido é o
posicionamento do STF no julgamento do RE 684.612 RJ: “é legítima e válida a
atuação excepcional do Poder Judiciário em matéria de políticas públicas
9
quando ficar bem evidenciada a desídia do administrador em dar cumprimentos
a direitos fundamentais”. (tema 698 – repercussão geral)

ESPELHO DE CORREÇÃO

Total: Aluno:
I Estrutura, domínio linguístico e utilização dos termos 10
II A Defensoria Pública é legitimada para propor ação 30
civil pública na defesa do direito de acesso à saúde
III Apelação 30
IV Não houve violação ao princípio da separação de 30
poderes (RE 684.612 RJ)
Total 100

COMENTÁRIOS

O tema da efetivação dos direitos fundamentais é muito caro ao desempenho


da missão institucional da Defensoria Pública, sendo controvertida a temática
do controle judicial das políticas públicas por parte do Poder Judiciário.

O direito à saúde é um direito fundamental de segunda geração, considerado


um “direito social” justamente por se relacionar com objetivo de justiça social.
Por meio dos direitos sociais se intenta estabelecer uma liberdade real e igual
para todos, o que somente é possível através da ação positiva e corretiva dos
Poderes Públicos.

Quando o Estado deixa de proporcionar meios de acesso à fruição do direito à


saúde ocorre a proteção insuficiente do direito fundamental. O princípio da
proibição da proteção deficiente (üntermassverbot) corresponde ao dever do
Estado concretizar os direitos fundamentais e protegê-los de investidas e
condutas ilegítimas. No caso, a omissão deliberada da efetivação de uma
política pública concretizadora do direito torna a proteção deste insuficiente.
10

A nossa questão tem como inspiração uma ação civil pública proposta pelo
Ministério Público do Rio de Janeiro em face do Município do Rio de Janeiro
(RE 684.612). Na ação, o parquet requereu que, em razão de condições
precárias das instalações e do atendimento deficitário no Hospital Municipal
Salgado Filho, a abertura de concurso público de provas e títulos para
provimento dos cargos vagos de médico existentes na estrutura do referido
hospital com o objetivo de suprir o déficit de pessoal no quadro técnico.

O Juízo singular julgou improcedente a ação, ao fundamento de que o pedido


encontra óbice no princípio da separação dos poderes, pois a realização de
concurso público, a admissão, a nomeação e a posse de servidores públicos
encontram-se no âmbito da discricionariedade do Poder Executivo.

Por outro lado, o Ministério Público do Rio de Janeiro apelou da decisão do


juízo. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deu provimento ao
recurso “determinando ao Município do Rio de Janeiro o suprimento do déficit
de pessoal mencionado no demonstrativo encaminhado pela própria direção do
hospital, através da realização de concurso público de provas e títulos para
provimento dos cargos de médico e funcionários técnicos, com a nomeação e
posse dos profissionais aprovados no certame, bem como corrigidos os
procedimentos e sanadas as irregularidades expostas no relatório do Conselho
Regional de Medicina (Fls. 193/352), no prazo de 6 (seis) meses, sob pena de
multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Condena-se, ainda, o réu ao
pagamento dos honorários advocatícios, fixados em R$ 2.000,00, nos termos
do artigo 20, §4° do CPC, a serem revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos
Difusos (artigo 13 da Lei na 7.347/85)” .
O Município do Rio de Janeiro interpôs recurso extraordinário alegando que a
manutenção do acórdão recorrido implica em violação da independência,
harmonia e separação entre os poderes. E que quanto aos atos discricionários,
o administrador público tem oportunidade de escolha de sua conveniência,
11
oportunidade e conteúdo, sendo vedado ao Poder Judiciário substituí-lo. Sendo
incabível o controle judicial de políticas públicas por parte do Poder Judiciário.

Aqui, é importante conhecer a fundamentação do Supremo Tribunal Federal


(STF) no caso paradigma:

1. Intervenção do Poder Judiciário no âmbito das políticas públicas:

“o Poder Judiciário não estar autorizado a formular políticas públicas, mas pode
e deve determinar o efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes,
quando há inescusável desatendimento a direito fundamental”. (grifos nossos)
(...)
“É lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer
consistente na realização de concurso público de provas e títulos para
provimento dos cargos de médico e funcionários técnicos, seguido da
nomeação e posse dos profissionais aprovados, bem como determinar a
correção de procedimentos e o saneamento de irregularidades apontadas em
relatório do Conselho Regional de Medicina". (grifos nossos)
(...)
“Logo, excepcionalmente, em havendo inércia pontual e específica da
Administração Pública, para fins de assegurar o exercício de direitos
fundamentais, nada obsta que, devidamente provocado, o Poder Judiciário
atue de modo emergencial visando ao restabelecimento da plena fruição
desses direitos que se encontram em estado de comprometimento. Consoante
se constata da jurisprudência desta CORTE, não é suficiente para revelar o
quadro propício à efetivação da medida sua mera requisição perante o Poder
Judiciário, sob o risco de não se atentar às balizas que são postas ao Poder
Judiciário quando examina atos do Poder Executivo dotados de
discricionariedade, os quais se amparam nos critérios da oportunidade e
conveniência no momento de sua execução. Ao votar, no presente recurso
paradigma, o Ilustre Relator, Min. RICARDO LEWANDOWISKI, para amparar
sua compreensão no sentido da possibilidade de o Poder Judiciário impor à
Administração Pública a obrigação de fazer consistente na contratação de
12
servidores públicos para atender as demandas na área de saúde, cita a ADPF
45 MC, Dj de 04/05 /2004, na qual o Min. CELSO DE MELLO, Relator,
asseverou não caber a manipulação da atividade financeira do Estado que
inviabilize o estabelecimento e a preservação do direito à saúde. Todavia,
deve-se ter presente que o Ministro CELSO DE MELO, de outro lado, advertiu
que a cláusula da “reserva do possível”, traduz-se em um binômio que
compreende, além da razoabilidade da pretensão individual/social, também a
existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as
prestações positivas dele reclamadas, pois, nas palavras de Sua Excelência,
“ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade
estatal de realização prática de tais direitos”. (grifos nossos)

Diante o exposto, O STF no julgamento do RE 684.612, em sede de


repercussão geral, fixou a seguinte tese:

“1. A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à


realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave
do serviço, não viola o princípio da separação dos poderes.

2. A decisão judicial, como regra, em lugar de determinar medidas pontuais,


deve apontar as finalidades a serem alcançadas e determinar à Administração
Pública que apresente um plano e/ou os meios adequados para alcançar o
resultado.

3. No caso de serviços de saúde, o déficit de profissionais pode ser suprido por


concurso público ou, por exemplo, pelo remanejamento de recursos humanos e
pela contratação de organizações sociais (OS) e organizações da sociedade
civil de interesse público (OSCIP)”. Plenário, Sessão Virtual de 23.6.2023 a
30.6.2023.

Por fim, cabe relembrar de decisão importante do STF sobre a concessão de


13
medicamentos a pessoas necessitadas AI 734.487, onde é possível verificar
que a jurisprudência tem evoluído e admitido, em casos excepcionais, a
atuação do Poder Judiciário em tema de políticas públicas.

“(...)Conforme afirmado, o Plenário desta Corte reconheceu na ADPF 45/DF,


rel. Min. Celso de Mello, DJ 04.05.2004, que o direito a saúde possui uma
dimensão política que lhe impõe o 'gravíssimo encargo de tornar efetivos os
direitos econômicos sociais e culturais que se identificam, enquanto direitos de
segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas, sob pena de
o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição,
comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem
constitucional' . 2. Ambas as Turmas deste Tribunal têm apreciado a questão
dos autos concernente à suscitada ofensa ao art. 2º da CF frente às políticas
públicas, especialmente em se tratando de direito a saúde. Isso se demonstra
pelos precedentes citados na decisão atacada, tanto em julgados mais antigos,
quanto em decisões mais recentes sobre o tema, no sentido de que, na
hipótese, não há falar em ingerência do Poder Judiciário em questão que
envolve o poder discricionário do Poder Executivo, porquanto se revela
possível ao Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando
inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas.
Verifica-se que a jurisprudência tem evoluído e admitido, em casos
excepcionais, a atuação do Poder Judiciário em tema de políticas
públicas. Ressalte-se que o Princípio da Separação dos Poderes não
pode ser utilizado para obstar um direito social reconhecido pela nossa
Constituição Federal (artigos 6º e 196)”.(...) (grifos nossos)
QUESTÃO 03 O adolescente Felipe foi detido pela Polícia Militar portando farta
quantidade de drogas. Todas etiquetadas e embaladas em pequenas porções. 14

Após o procedimento policial, o Ministério Público representou o adolescente


pela prática do ato infracional análogo ao crime do art. 33, caput, da Lei nº
11.343/2006, requerendo que a audiência de apresentação e oitiva do
adolescente fosse o primeiro ato processual instrutório, conforme previsão
expressa dos arts. 184 e 186 do ECA.
Diante do caso em tela, responda:

À luz das garantias processuais, há razão por parte do MP ao requerer a oitiva


prévia? Quais argumentos poderiam ser opostos?

PADRÃO DE RESPOSTA

O interrogatório é, enquanto categoria processual, o momento em que


autoridade judicial argui o réu sobre sua identidade e fatos relacionados à
acusação que lhe é feita. O ato constitui meio de prova e, como consequência,
também recurso de defesa, daí a sua importância como ato processual feito
entre o juiz e a pessoa do acusado, em que aquele tem o primeiro contato
pessoal com o denunciado. É o princípio da imediação, em que é exigido o
contato do juiz com as partes. Considerando as previsões contidas nos artigos
184 e 186 do ECA, seria procedente o requerimento do Ministério Público.
Entretanto, sob o primas das garantias processuais, sobretudo do devido
processo legal (art. 5º, LIV CF/88) e do contraditório substancial e da ampla
defesa (art. 5º, LV CF/88), que visa permitir a participação ativa dos sujeitos
processuais na formulação do ato decisório do julgador, verifica-se que esta
não é a decisão mais adequada a ser tomada pelo magistrado, haja vista o
direito de crianças e adolescentes à absoluta prioridade na garantia dos seus
direitos fundamentais pelo Poder Público (art. 227, CF/88).
Ademais, decidiu recentemente o STF que o art. 400 do Código de Processo
Penal, que determina a oitiva do acusado ao final do procedimento, é aplicável
aos procedimentos criminais regidos por legislação especial, como é o caso do
ECA. Nesse sentido, cabe ainda, com esteio na decisão citada, a alegação de
nulidade de oitiva por ventura realizada.
15

ESPELHO DE CORREÇÃO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Apontar as garantias do devido processo legal e 20


do contraditório e da ampla defesa

Apontar o princípio da prioridade absoluta 20

Apresentar a jurisprudência do STF 20

Apontar o HC como medida cabível 20

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência 20

COMENTÁRIOS:

Interrogatório

O interrogatório é visto por parte da doutrina como o ato mais importante


do processo. Tanto que nem mesmo a defesa técnica pode dispensá-lo.

É o ato onde, via de regra, o acusado terá a oportunidade de se defender


e, eventualmente, contra-argumentar as acusações que foram feitas a ele.

Ada Pellegrini Grinover explica que, através do interrogatório, o juiz (e a


polícia) pode tomar conhecimento de elementos úteis para a descoberta do
delito, mas não é para essa finalidade que o interrogatório está orientado.
Pode constituir fonte de prova, mas não meio de prova. Em outras
palavras, o interrogatório não serve para provar o fato, mas para fornecer
outros elementos de prova que possam conduzir à sua comprovação.
16

Com relação ao valor probatório do interrogatório, Aury Lopes Jr. propõe


um modelo constitucional em que o interrogatório seja orientado pela
presunção de inocência, visto assim como o principal meio de exercício da
autodefesa e que tem, por isso, a função de dar materialmente vida ao
contraditório, permitindo ao sujeito passivo refutar a imputação ou aduzir
argumentos para justificar sua conduta.

No âmbito da AP 470/MG, o então Min. Celso de Mello consignou em voto:

“Agora, de outro lado, tal seja a compreensão que se dê


ao ato de interrogatório, que, mais do que simples meio
de prova, é um ato eminente de defesa daquele que sofre
a imputação penal e é o instante mesmo em que ele
poderá, no exercício de uma prerrogativa indisponível,
que é o da autodefesa e que compõe o conceito mais
amplo e constitucional do direito de defesa, tal seja a
compreensão então que se dê ao ato de interrogatório -
eu, por exemplo, vejo, no interrogatório, um ato de defesa,
e isso foi muito acentuado por essa recente alteração
introduzida pela reforma processual penal de 2008 -,
portanto, a realização do interrogatório do acusado
como o ato final da fase instrutória permitirá a ele ter,
digamos, um panorama geral, uma visão global de
todas as provas até então produzidas nos autos, quer
aquelas que o favorecem, quer aquelas que o
incriminam”.
O devido processo legal

Segundo Humberto Dalla, um dos mais importantes princípios processuais


foi introduzido em nosso ordenamento de forma expressa pela Constituição de
17
1988, em seu art. 5º, LIV, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade
ou dos seus bens sem o devido processo legal”.

Embora o termo em inglês due process of law tivesse sido utilizado pela
primeira vez, em 1354, no reinado de Eduardo III, na Inglaterra, sua origem
remonta à Magna Carta (art. 39), de 1215, assinada por João Sem-Terra.

Nota-se que, embora a garantia do devido processo legal tenha surgido


com índole eminentemente processual, adquiriu, depois, relevante aspecto de
direito material. Assim, teríamos dois aspectos distintos:

a) Substantive due process of law – representando a garantia do trinômio


vida, liberdade e propriedade. Não basta a regularidade formal da decisão, é
necessário que esta seja substancialmente razoável. É dessa garantia que
surgem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade;

b) Procedural due process of law – entendido como garantia do pleno acesso


à Justiça (ou, como prefere Kazuo Watanabe, “acesso a uma ordem jurídica
justa”). É o direito a ser processado e processar de acordo com as normas
previamente estabelecidas para tanto.

Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni observa que não basta,


realmente, que o procedimento viabilize a participação efetiva das partes. É
necessário que as normas processuais outorguem ao juiz e às partes os
instrumentos e as oportunidades capazes de lhes permitir a tutela do direito
material e do caso concreto, bem como viabilizem um processo capaz de
promover a unidade do direito.
Vale lembrar que o Ministro Celso de Mello, em decisão histórica (Pleno,
AgRg em RMS 28.517, j. 25/03/2014), sistematizou os pilares do princípio do
devido processo legal:

18
a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário);
b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação;
c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas;
d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à
defesa técnica);
e) direito de não ser processado e julgado com base em leis ex post facto;
f) direito à igualdade entre as partes;
g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de
ilicitude;
h) direito ao benefício da gratuidade;
i) direito à observância do princípio do juiz natural;
j) direito ao silêncio (privilégio contra a autoincriminação); e
k) direito à prova.

O princípio do contraditório (substancial) e da ampla defesa

Previsto no art. 5º, LV, da CF/88, o contraditório é tão importante no direito


processual a ponto de renomados doutrinadores como Elio Fazzalari e Cândido
Rangel Dinamarco afirmarem que “sem contraditório, não há processo”.

De acordo com a doutrina clássica, o princípio impõe que, ao longo do


procedimento, seja observado verdadeiro diálogo, com participação das partes,
que é a garantia não apenas de ter ciência de todos os atos processuais.
Nessa perspectiva, o contraditório tem dois momentos: informação e reação. É,
essencialmente, o direito de ser informado e de participar do processo com
igualdade de armas.
E por contraditório substancial entende-se o direito de participação na
construção do provimento, sob a forma de uma garantia processual de
influência e não surpresa para a formação das decisões.

19
O direito de ampla defesa, por sua vez, é concebido numa dupla
dimensão:
a) defesa técnica: ninguém pode ser acusado ou julgado sem defensor
(constituído ou dativo), exercida por advogado habilitado, diante da presunção
absoluta de hipossuficiência técnica do réu (arts. 261 do CPP; 5º, LXXIV, e 134
da CF/88; 8.2 da CADH);

b) defesa pessoal ou autodefesa, exercida pelo próprio acusado.


A defesa pessoal subdivide-se ainda em positiva (quando o réu presta
depoimento ou tem uma conduta ativa frente a determinada prova, v.g.
participando do reconhecimento, acareação etc.) ou negativa (utiliza o direito
de silêncio ou se recusa a participar de determinada prova), concretizando o
princípio do nemo tenetur se detegere (nada a temer por se deter) do art. 5º,
LXIII, da CF/88; art. 186 do CPP; e 8.2. “g” da CADH.

Assim, ao indeferir a oitiva do adolescente ao final do procedimento


haveria manifesta violação à ampla defesa, visto que esse só poderá trazer sua
versão dos fatos em momento anterior à oitiva das testemunhas arroladas pelo
Ministério Público.

O réu tem o direito de examinar cada um dos fatos que lhe são imputados,
assim como as provas que os amparam, e também o direito de contestar,
posteriormente, seu inteiro teor; ou seja, o 'direito de falar por último'.

Princípio da prioridade absoluta

O chamado Princípio da Prioridade Absoluta está previsto no art. 227 da


Constituição, que preconiza ser dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

20
O referido Princípio, que trata, portanto, da dignidade da pessoa humana
criança e adolescente, foi esmiuçado no artigo 4° da Lei 8.069 /90:

"É dever da família, da comunidade, da sociedade em


geral e do Poder Público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade, à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer


circunstâncias;
b) a precedência do atendimento nos serviços públicos ou
de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas
sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude".

Nesse sentido, a doutrina majoritária converge ao afirmar que o Princípio


da Prioridade Absoluta não contém conteúdo meramente programático,
configurando-se, na verdade, como norma de eficácia plena e aplicabilidade
imediata, na medida em que traz em seu bojo todos os elementos
imprescindíveis à possibilidade de produção imediata dos efeitos previstos (art.
5°, §1º CF/88).
A decisão do HC 212693

A decisão proferida pela Suprema Corte no referido habeas corpus,


impetrado em relação a processo de apuração de ato infracional, reconheceu
21
nulidade processual, uma vez que não se observou a ordem estabelecida no
art. 400 do Código de Processo Penal (CPP), em flagrante violação ao devido
processo legal e seus corolários necessários – ampla defesa e contraditório –;
e concedeu a ordem para anular a sentença que acolheu a representação,
determinando que fosse proferida nova decisão após as oitivas dos pacientes
em questão, como último ato da instrução. Ela está assim lançada:

Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão


proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça – STJ, que negou provimento ao Agravo
Regimental no Recurso Especial 1.954.991/PR, assim
ementado: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL. PROCEDIMENTO JUDICIAL DE APURAÇÃO
DE ATO INFRACIONAL. PRETENSÃO DE OITIVA DO
ADOLESCENTE APÓS A PRODUÇÃO DAS PROVAS.
INAPLICABILIDADE DAS REGRAS DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL DE FORMA SUBSIDIÁRIA. RITO
PREVISTO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE – ECA. NORMA ESPECIAL. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Nos termos da
jurisprudência desta Corte Superior, o art. 184 do ECA
dispõe que, oferecida a representação, a autoridade
judiciária deve designar audiência especialmente para a
apresentação do adolescente, tratando-se de norma
especial em relação à prevista no art. 400 do Código
Penal, não havendo nulidade quanto à oitiva do
adolescente antes do depoimento das testemunhas.
Precedentes. (HC 434.903/MG, Rel. Ministro NEFI
CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/5/2018, DJe
6/6/2018). 2. Agravo regimental desprovido” (pág. 286 do
doc. eletrônico 2). Neste habeas corpus, a defesa anota o
seguinte: “[...] a sentença e os acórdão já proferidos
22
negaram provimentos aos recursos por entender que não
se aplica do procedimento de apuração de ato infracional
o disposto no art. 400, do Código de Processo Penal, uma
vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente é norma
especial. Ocorre que em nenhum momento, nos recursos
da Defesa, foi mencionado sobre a aplicação do Código
de Processo Penal, mas sim de adequação da
interpretação da norma processual penal juvenil nos
termos da Constituição Federal. Fato é que a Defesa
pleiteou durante todo o processo, e agora neste habeas
corpus, que seja possibilitado aos adolescentes novo
interrogatório ao final da instrução, para que possam
exercer a autodefesa de forma adequada e assim
contrapor as versões das testemunhas. Mais uma vez,
ressalta-se que a Defesa não está pedindo que seja
aplicado o procedimento do Código de Processo Penal,
mas sim que seja dada interpretação conforme a
Constituição Federal ao artigo 184, caput, do ECA” (pág. 6
da petição inicial). Argumenta, nesse contexto, que “[...]
este Supremo Tribunal Federal - STF, no ano de 2016, ao
julgar o habeas corpus 127.900, que versava sobre
procedimento previsto no Código de Processo Penal
Militar, o qual previa o interrogatório como primeiro ato da
instrução processual, declarou a inconstitucionalidade do
dispositivo e fixou a seguinte tese […]. […] Nota-se que o
caso julgado deste E. STF possui certa semelhança com
os casos julgados pelo STJ na hipótese de procedimento
de apuração de ato infracional, uma vez que segundo o
princípio da especialidade as legislações penais
extravagantes deveriam prevalecer sobre o CPP” (págs.
13-14 da petição inicial). Requer, ao final, a concessão da
ordem, “para fins de que seja analisada de forma expressa
a inconstitucionalidade do caput do artigo 184 do Estatuto
23
da Criança e do Adolescente, com base na interpretação
conforme a Constituição e, ao final, seja anulada a
sentença e determinada a renovação da oitiva do
adolescente e declarada ilícita a prova realizada durante a
audiência de apresentação que for contrária ao infante”
(pág. 22 da petição inicial). É o relatório. Decido.
A Lei 11.719/2008 modificou o art. 400 do Código de
Processo Penal – CPP e transferiu o interrogatório para o
final do procedimento, passando o dispositivo a contar
com a seguinte redação: “Art. 400. Na audiência de
instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo
de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de
declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas
arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem,
ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como
aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao
reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em
seguida, o acusado”. A aplicação dessa regra geral a
procedimentos regidos por legislação especial chegou a
ser tangenciado pela primeira vez pelos Ministros desta
Suprema Corte na Sessão Plenária de 7 de outubro de
2010, em questão de ordem suscitada na AP 470/MG.
Naquela oportunidade, a apoiar a tese da transferência do
interrogatório para o final do procedimento, são
elucidativas as considerações tecidas pelo eminente
Ministro Celso de Mello: “[...] Agora, de outro lado, tal seja
a compreensão que se dê ao ato de interrogatório, que,
mais do que simples meio de prova, é um ato eminente de
defesa daquele que sofre a imputação penal e é o instante
mesmo em que ele poderá, no exercício de uma
prerrogativa indisponível, que é o da autodefesa e que
compõe o conceito mais amplo e constitucional do direito
de defesa, tal seja a compreensão então que se dê ao ato
24
de interrogatório - eu, por exemplo, vejo, no interrogatório,
um ato de defesa, e isso foi muito acentuado por essa
recente alteração introduzida pela reforma processual
penal de 2008 -, portanto, a realização do interrogatório do
acusado como o ato final da fase instrutória permitirá a ele
ter, digamos, um panorama geral, uma visão global de
todas as provas até então produzidas nos autos, quer
aquelas que o favorecem, quer aquelas que o incriminam,
uma vez que ele, ao contrário do que hoje sucede - hoje, o
interrogatório como sendo um ato que precede a própria
instrução probatória muitas vezes não permite ao réu que
apresente elementos de defesa que possam suportar
aquela versão que ele pretende transmitir ao juízo
processante -, com a nova disciplina ritual e tendo lugar na
última fase da instrução probatória o ato do interrogatório,
o acusado terá plenas condições de estruturar de forma
muito mais adequada a sua defesa, embora ele, como réu,
não tenha o ônus de provar a sua própria inocência; cabe
sempre o ônus da prova a quem acusa. O órgão do
Ministério Público que deve acusar; deve acusar com base
em provas lícitas e, além de qualquer dúvida, razoável.
Mas, de qualquer maneira, o réu tem o direito de ser
interrogado; pode, eventualmente, calar-se; pode,
eventualmente, abster-se de qualquer resposta. Mas, de
todo modo, tendo uma visão global de todos os elementos
de informação até então produzidos, ele então poderá
estruturar melhor a sua defesa. E, ainda, devemos ter em
consideração que o processo penal é, por excelência, um
instrumento de salvaguarda dos direitos do réu. O Estado
delineia um círculo em cujo âmbito torna-se lícito ao Poder
Público fazer instaurar a persecução penal e praticar todos
os atos que levem à comprovação lícita da imputação
deduzida contra determinada pessoa. O que não se pode
25
é transpor os limites da circunferência, sob pena de o
Estado, em assim agindo, incidir em comportamento ilícito.
Portanto, são regras que claramente vêm definidas em
favor do acusado. Já o dizia o velho João Mendes de
Almeida Júnior, no seu conhecido ‘Curso de Processo
Penal’, em edição de 1911. E essa é uma posição que
vem sendo reafirmada pela doutrina, especialmente hoje
com a constitucionalização do processo, notadamente do
processo penal, em que se estabelece uma clara relação
de polaridade conflitante entre a pretensão punitiva do
Estado, de um lado, e o desejo de liberdade do acusado,
de outro”. Tendo em conta essas judiciosas constatações,
afirmar que é essencial aos sistemas processuais
respeitarem à plenitude o direito de defesa e ao
contraditório afigura-se, no mínimo, despiciendo, pois tais
premissas encontram-se assentadas não apenas no
ordenamento pátrio, mas revelam-se como alguns dos
mais caros valores do Estado Democrático de Direito,
assim sendo reconhecido pela grande maioria das nações
civilizadas. Nessa linha, parece-me relevante constatar
que, se a nova redação do art. 400 do CPP possibilita ao
réu exercer de modo mais eficaz a sua defesa, tal
dispositivo legal deve suplantar o estatuído nos arts. 184 e
186 da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA), em homenagem aos princípios
constitucionais aplicáveis à espécie. Ora, possibilitar que o
adolescente seja ouvido ao final da instrução, depois de
ouvidas as testemunhas arroladas, bem como após a
produção de outras provas, como eventuais perícias, a
meu juízo, mostra-se mais benéfico à defesa, na medida
em que, no mínimo, conferirá ao menor infrator a
oportunidade para esclarecer divergências e
incongruências que, não raramente, afloraram durante a
26
edificação do conjunto probatório. Assim, caso entenda-se
que a nova redação do art. 400 do CPP propicia maior
eficácia à defesa, penso que deve ser afastado o previsto
nos arts. 184 e 186 do ECA, no concernente à oitiva do
menor no início da instrução processual. Num aspecto
mais formal, entendo que o fato de a Lei 8.069/1990 ser
norma especial em relação ao Código de Processo Penal,
de cunho nitidamente geral, em nada influencia o que aqui
se assenta. Aliás, o Plenário desta Corte, no julgamento
do HC 127.900/AM, de relatoria do Ministro Dias Toffoli,
fixou orientação no sentido de que o art. 400 do CPP
aplica-se aos processos penais e a todos os
procedimentos criminais regidos por legislação especial.
Estabeleceu, ainda, um marco temporal para aplicação
desse entendimento. Extraio da ementa desse julgado o
seguinte trecho: “[…] Adequação do sistema acusatório
democrático aos preceitos constitucionais da Carta de
República de 1988. Máxima efetividade dos princípios do
contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV).
Incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de
Processo Penal comum aos processos penais militares
cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o
caso. Ordem denegada. Fixada orientação quanto a
incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de
Processo Penal comum a partir da publicação da ata do
presente julgamento, aos processos penais militares, aos
processos penais eleitorais e a todos os procedimentos
penais regidos por legislação especial, incidindo somente
naquelas ações penais cuja instrução não se tenha
encerrado” (grifei). Como se pode notar, o entendimento
alusivo à aplicação da nova redação do referido art. 400
do Código de Processo Penal aos procedimentos penais
regidos por legislação especial somente é válido para os
27
processos futuros e para aqueles que, à época da
publicação da ata daquele julgamento (11/3/2016), ainda
se encontravam em fase de instrução. No caso, a
representação contra os pacientes foi apresentada em
fevereiro de 2020 (págs. 18-25 do doc. eletrônico 2) e, em
preliminar de alegações finais, a defesa insurgiu-se contra
a oitiva dos menores como primeiro ato da instrução
processual (págs. 40-53 do doc. eletrônico 2). A sentença,
por sua vez, foi proferida em junho de 2020, ocasião em
que o Magistrado de primeiro grau afastou a referida
preliminar, entendendo que “o procedimento previsto pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente é especial, e prevê,
em seus arts. 184 e 186, que primeiro será realizada
audiência de apresentação dos adolescentes, o que foi
devidamente cumprido, conforme ata de seq. 89.1” (pág.
106 do doc. eletrônico 2). Penso, todavia, que a norma
especial prevalece sobre a geral apenas nas hipóteses em
que estiver presente alguma incompatibilidade manifesta e
insuperável entre elas. Nos demais casos, considerando a
sempre necessária aplicação sistemática do direito,
cumpre cuidar para que essas normas aparentemente
antagônicas convivam harmonicamente. Tal como
manifestei-me no HC 127.900/AM, é preciso dar uma
interpretação sistemática e harmônica a todas as normas
que com esse entendimento seja compatível, na mesma
linha de orientação firmada, aliás, na AP 528 AgR/DF,
quando esta Suprema Corte debruçou-se sobre a Lei
8.038/1990 que institui as normas procedimentais para os
processos que especifica, perante o Superior Tribunal de
Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Com essa linha de
pensamento, a propósito, registro a decisão monocrática
proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes no HC
175.751/PA, no qual também se questionava a regra
28
especial do Estatuto da Criança e do Adolescente relativa
à oitiva do menor infrator como primeiro ato da instrução
processual. Nesse processo, Sua Excelência, o relator,
acentuou as seguintes premissas teóricas, trazendo,
inclusive, conceitos do direito comparado e jurisprudência
estrangeira acerca da matéria: “[...] A Constituição Federal
de 1988 incorporou o princípio do devido processo legal,
que remonta à Magna Charta Libertatum de 1215, de vital
importância no direito anglo-saxão. Igualmente, o art. XI,
nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
garante que ‘todo homem acusado de um ato delituoso
tem o direito de ser presumido inocente até que a sua
culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em
julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas
todas as garantias necessárias à sua defesa’. Inovando
em relação às antigas Cartas, a Constituição atual referiu-
se expressamente ao devido processo legal. O devido
processo legal configura dupla proteção ao indivíduo,
atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de
liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe
paridade total de condições com o Estado-persecutor e
plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade
do processo, à citação, direito de produção ampla de
provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente,
aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal). O
devido processo legal tem como corolários a ampla defesa
e o contraditório, que deverão ser assegurados aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral, conforme o texto constitucional
expresso (art. 5º, LV), aplicando-se inclusive ao processo
administrativo, para a apuração de ato infracional
cometido por criança ou adolescente (art. 103 e ss., ECA),
na medida em que seu objetivo é a aplicação de medida
29
socioeducativa pela conduta infracional, a qual se
assemelha à imposição de sanção administrativa. Por
ampla defesa entende-se a salvaguarda que é dada ao
réu de condições que lhe possibilitem trazer para o
processo todos os elementos tendentes a esclarecer a
verdade ou mesmo de omitir-se ou de calar-se, se
entender necessário, enquanto o contraditório é a própria
exteriorização da ampla defesa, impondo a condução
dialética do processo (par conditio), pois a todo ato
produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de
opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe
apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação
jurídica diversa daquela feita pelo autor. A relação de
antagonismo entre as versões da acusação e da defesa e
a necessidade da condução dialética do processo não
deixam dúvidas sobre quem tem o ‘direito de falar por
último’: o acusado. O direito de falar por último está
contido no exercício pleno da ampla defesa englobando a
possibilidade de refutar TODAS, absolutamente TODAS
as informações, alegações, depoimentos, insinuações,
provas e indícios em geral que possam, direta ou
indiretamente, influenciar e fundamentar uma futura
condenação penal. Logo, o réu tem o direito de falar por
último sobre todas as imputações e provas que possam
levar a sua condenação, conforme consagrado em todos
os ordenamentos jurídicos democráticos. O ordenamento
jurídico italiano, por exemplo, ao estabelecer o
desenvolvimento da discussão processual, no Capítulo V,
do artigo 523 do Código Processual, estabelece no item 5,
que ‘De qualquer forma, o acusado e o defensor devem
ter, sob pena de nulidade, a última palavra, se o
solicitarem’. O ordenamento jurídico espanhol, igualmente,
consagrou que sempre haverá vulneração à ampla defesa
30
e um prejuízo real e efetivo aos interesses do réu se não
puder impugnar todos os argumentos apresentados, ou
seja, se lhe for negado o direito à última palavra, com o
conhecimento prévio e pleno de toda a atividade
probatória realizada e de todos os argumentos
apresentados e que possam ter influência em sua eventual
condenação. Nas Sentenças 181/1994, 29/1995, 91/2000,
13/2006 e 258/2007, o Tribunal Constitucional da Espanha
estabeleceu que o ‘direito à última palavra’ no processo
penal deve ser do acusado, que deve ter a oportunidade
final de apresentar suas argumentações como garantia
efetiva do princípio da ampla defesa. Na Alemanha, o
Código de Processo Penal alemão (StPO), em sua Seção
258, 2, determina que O RÉU TERÁ SEMPRE A ÚLTIMA
PALAVRA (‘O promotor público tem o direito de responder;
o réu terá a última palavra’), em todos os procedimentos
penais, inclusive nas hipóteses de delações e Justiça
Premial (BGH 4 StR 240/97 - Urteil vom 28. August 1997 –
LG Dortmund; BGH GSSt 1/04 - Beschluss vom 3. März
2005 – LG Lüneburg/LG Duisburg). Na América do Sul, a
Corte Constitucional colombiana consagrou ao acusado,
com base na ampla defesa, o denominado ‘último turno de
intervenção argumentativa’ (Corte Constitucional
mediante, Sentencia C651 de 2011; Corte Constitucional
mediante Sentencia C-616, de 2014). O devido processo
legal, ampla defesa e contraditório, portanto, exigem que o
réu se manifeste após ter o pleno conhecimento de toda a
atividade probatória realizada durante o processo,
podendo contraditar todos os argumentos trazidos nos
autos. Não foi outro o entendimento da Suprema Corte
Americana, no caso Crawford vs. Washington (2003),
onde decidiu que toda prova utilizada para comprovar a
veracidade de fatos somente poderá ser admitida em juízo
31
se o destinatário da imputação tiver a oportunidade de
examinar e contestar seu integral teor. Esse é o mesmo
posicionamento do Tribunal Europeu de Direitos
Humanos, em diversas decisões (Asch vs. Áustria, 1991;
Isgrò vs. Itália, 1991; Kostovski vs. Países Baixos, 1989;
Camilleri vs. Malta, 2013). O réu tem o direito de examinar
cada um dos fatos que lhe são imputados, assim como as
provas que os amparam, e também o direito de contestar,
posteriormente, seu inteiro teor; ou seja, o ‘direito de falar
por último’. Toda imputação relativa à comprovação do
fato criminoso somente poderá ser fundamento para a
sentença condenatória se o acusado tiver oportunidade
posterior, adequada e suficiente para contestar seu inteiro
teor. Nesse sentido, o Plenário desta CORTE, reiterando a
consagração da plena efetividade do contraditório e da
ampla defesa, no julgamento do HC 127.900, determinou
a obrigatoriedade de realização do interrogatório ao final
da instrução processual (HC 127.900, Rel. Min. DIAS
TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 3/8/2016)”. Isso posto,
com fundamento no art. 192 do Regimento Interno do
STF, concedo a ordem de habeas corpus, tão somente
para anular a sentença condenatória, determinando que
outra seja proferida após a oitiva dos pacientes, como
último ato da instrução. Publique-se. Brasília, 5 de abril de
2022. Ministro Ricardo Lewandowski Relator.

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que, aos


procedimentos que regula, se aplicam subsidiariamente as normas gerais
previstas na legislação processual pertinente (art. 152). Assim, ao
procedimento de apuração de ato infracional são aplicáveis as disposições do
CPP naquilo que couber. Anteriormente ao julgado referido (HC 212.693), a
interpretação adotada com relação ao art. 184 do ECA situava a Audiência de
Apresentação como o primeiro ato da instrução processual, na qual o
32
adolescente tinha oportunidade única para ser escutado, apresentando a sua
versão sobre os fatos a ele imputados, antes da oitiva de testemunhas.

Contudo, em seu art. 400, o CPP estabelece, expressamente, que o


acusado adulto deve ser ouvido por último, sendo seu depoimento, portanto, o
último ato da instrução processual. Ao julgar o Habeas Corpus n. 212.693/PR,
o Min. Lewandowski reconheceu a aplicabilidade do dispositivo ao processo de
apuração de ato infracional e decidiu pela anulação da sentença proferida, haja
vista a não ter sido oportunizado aos adolescentes prestarem seus
depoimentos ao final da instrução.

ATENÇÃO A DPE/RJ atuou em caso semelhante

O Superior Tribunal de Justiça anulou o interrogatório de um adolescente


em medida socioeducativa, determinando que este fosse posto em liberdade e
novamente ouvido ao final da instrução do processo, após a coleta de provas e
o depoimento das testemunhas. O Habeas Corpus, concedido no dia 30 de
novembro de 2022, foi o primeiro obtido pela Defensoria do Rio de Janeiro
desde que, em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou precedente,
reiterando que o direito à última palavra de toda pessoa acusada da prática de
crime é extensivo a suspeitos de terem praticado ato infracional.

— O Estatuto da Criança e do Adolescente, apesar de ser uma lei


bastante avançada em inúmeros pontos, não assegurava ao adolescente
exprimir sua opinião em todas as fases do procedimento, em especial após a
produção de todas as provas. Isso estava em desacordo com as regras
aplicadas aos adultos, e também com manifestações do Comitê sobre Direitos
da Criança, órgão da Organização das Nações Unidas encarregado de zelar
pela implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança — explica o
coordenador de Infância e Juventude da Defensoria do Rio, Rodrigo Azambuja.

O defensor público Pedro Carriello, que atua junto aos tribunais superiores
33
e autor do Agravo Regimental no HC concedido pelo STJ, ressaltou ter havido
violação do direito à ampla defesa, uma vez que o artigo 400 do Código do
Processo Penal (CPP) também deve ser aplicado aos processos com base no
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A decisão reformou acórdão da
5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, que não acatara o
argumento da Defensoria em favor da nulidade do depoimento prestado ao
início do processo.

“Ao indeferir a oitiva do adolescente ao final há manifesta violação à ampla


defesa, visto que o paciente só poderá trazer sua versão dos fatos em
momento anterior à oitiva das testemunhas arroladas pelo Ministério Público.
Entende a defesa que após a coleta da prova testemunhal, deve o adolescente
ser ouvido, para trazer a sua versão dos fatos, se assim requerer, direito que
não foi assegurado pela autoridade coatora no caso concreto”, destacou
Carriello.

A aplicação do artigo 400 do CPP a processos com base no ECA teve


duas decisões favoráveis no STF, esse ano, publicadas em 7 de abril e 28 de
agosto. A primeira delas, proferida pelo ministro Ricardo Levandowski no HC
212693, atendeu a pedido da Defensoria Pública do Paraná para que dois
adolescentes apreendidos por ato infracional equiparado ao crime de tráfico de
drogas fossem ouvidos também ao fim da audiência de instrução, e não
apenas durante a audiência de apresentação dos jovens. Ambos tiveram a
sentença anulada.

O STJ, que agora acatou o pedido dos defensores públicos do Rio de


Janeiro, havia negado a solicitação dos defensores do Paraná, que então
recorreu ao STF, surgindo, assim, o precedente.
A decisão do ministro Levandowski foi considerada foi um marco pela
Comissão de Promoção e Defesa da Criança do Adolescente do Colégio
Nacional de Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege) e pela
34
Comissão de Infância e Juventude da Associação Nacional de Defensoras e
Defensores Públicos (Anadep), que, emitiram Nota Técnica, segundo a qual “o
novo entendimento apenas compatibiliza as garantias e objetivos da justiça
juvenil”.

“A decisão apenas compatibiliza diversas garantias convencionais e


objetivos da justiça juvenil: intervenção precoce; preferência pela utilização de
métodos não judiciais; e direito de ser ouvido em todas as fases do processo,
essa última até então ignorada pela legislação nacional, que não previa o
direito de o adolescente ser escutado na fase do julgamento, imediatamente
após a inquirição de testemunhas e peritos”, resume o documento.

Pela Defensoria do Rio, assinam a Nota Técnica o também coordenador


da comissão do Condege, Rodrigo Azambuja, e a subcoordenadora de Defesa
dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cdedica) e integrante da comissão
da Anadep, Raphaela Jahara.
35
QUESTÃO 04 Preocupado com o aumento da violência policial, João, morador
de uma favela, procura a Defensoria Pública para buscar orientação. Alega
que, durante operações policiais, pessoas são indistintamente agredidas, casas
são invadidas, e, o pior, quase sempre algum inocente é baleado. A par das
queixas, a Defensoria, após prestar o atendimento, informa João que tal
situação é recorrente em outras diversas comunidades, e que, diante da
complexidade do problema, não dispõe dos meios efetivos para solucioná-lo.
Levando em consideração que o problema é sistêmico e decorre de vários atos
comissivos e omissivos do Estado, responda:
a) É cabível alguma medida jurídica no ordenamento jurídico pátrio? Se sim,
discorra acerca dos seus requisitos e fundamentos.
b) À luz da Constituição, quais direitos fundamentais foram diretamente
violados?

PADRÃO DE RESPOSTA

a) Não há dúvidas que o cenário fático narrado é incompatível com a


Constituição. E, levando-se em conta a falta de efetividade dos mecanismos
estaduais, somada a natureza sistêmica do problema, decorrente, por sua vez,
de atos do Poder Público, a medida jurídica mais adequada seria uma Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental, a exemplo da ADPF 635,
admitida pelo STF no contexto do combate a letalidade policial no Rio de
Janeiro.
Prevista no art. 102, § 1°, da CF/88, e regulamentada pela Lei 9.882/1999, é a
ação vocacionada para o enfrentamento da questão. Dessa forma, para o seu
cabimento, é essencial que estejam presentes os requisitos legais de
admissibilidade, a saber: (i) a presença de lesão ou ameaça de lesão a preceito
fundamental, (ii) causada por ato do Poder Público, e (iii) a inexistência de
outro instrumento apto a sanar essa lesão ou ameaça (subsidiariedade).
No tocante aos legitimados para a propositura da referida ação, são os
mesmos da Ação Direita de Inconstitucionalidade, previstos no art. 103, I a IX,
da CF/88 e no art. 2º, I a IX, da Lei 9.868/99 (na forma do art. 2º, I, da Lei
9.882/99).
36
b) A doutrina converge ao afirmar que os direitos fundamentais possuem uma
dimensão negativa e outra positiva. Assim, tais direitos exigem que o Estado se
abstenha de violá-los, mas também demandam uma atuação estatal no sentido
de criar condições materiais para a sua fruição. Essa chamada dimensão
positiva inclui deveres de proteção estatal contra ações do próprio Poder
Público. Com isso, podem ser elencados como direitos fundamentais
diretamente transgredidos (i) o direito à vida (art. 5°, caput, CF/88), (ii) o direito
à segurança (art. 5°, caput, e 144 CF/88), (iii) o direito à inviolabilidade do
domicílio (art. 5°, XI CF/88), todos, por sua vez, decorrentes do princípio da
dignidade humana (art. 1º, III CF/88).

ESPELHO DA CORREÇÃO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Indicar a ADPF como medida cabível 20

Citar a ADPF 635 20

Apresentar os requisitos e os fundamentos 20

Apontar os direitos fundamentais violados 20

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 20

COMENTÁRIOS

ADPF
O contexto fático narrado no enunciado, relativo à segurança pública, é
absolutamente incompatível com a Constituição. O fato do problema ser de
natureza sistêmica e decorrer de vários atos – comissivos e omissivos do
Poder Público - somado a gravidade e a dificuldade de enfrentá-lo, evidenciam
37
a necessidade de intervenção de um órgão superior. Na hipótese, cabe ao
Supremo Tribunal Federal, no desempenho da sua função maior de guardião
da Constituição (art. 102, caput, CF/88).

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,


precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-
lhe:

§ 1º A argüição de descumprimento de preceito


fundamental, decorrente desta Constituição, será
apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma
da lei. (Transformado em § 1º pela Emenda
Constitucional nº 3, de 17/03/93).

Para o cabimento da ADPF, é essencial que estejam presentes os


seguintes requisitos:
a) a presença de lesão ou ameaça de lesão a preceito fundamental,
b) causada por ato do Poder Público, e
c) a inexistência de outro instrumento apto a sanar essa lesão ou ameaça
(subsidiariedade).

Lesão a preceitos fundamentais

Nem a Constituição nem a Lei 9.882/1999 definiram o que são preceitos


fundamentais. Entretanto, há consenso doutrinário (v.g. Gilmar Mendes, Ingo
Sarlet, Luís Roberto Barroso) e jurisprudencial (STF; ADPF 347-MC,) no
sentido de que, nessa categoria, figuram os fundamentos e objetivos da
República, bem como os princípios e direitos fundamentais.
Atos do Poder Público

De acordo com o art. 1º da Lei n° 9.882/1999, os atos que podem ser


38
objeto de ADPF são todos aqueles emanados do Poder Público, aí incluídos
os de natureza normativa, administrativa ou judicial.

Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da


Constituição Federal será proposta perante o
Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar
ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante
de ato do Poder Público.

A ADPF não se presta unicamente a fazer frente a normas jurídicas,


podendo também questionar atos, comportamentos e práticas estatais de outra
natureza. E é o que se verifica no caso em tela já que, como visto, as lesões a
preceitos fundamentais aqui impugnadas se originam de uma multiplicidade de
atos comissivos e omissivos do Poder Público.

Subsidiariedade

Assim dispõe o art. 4º, § 1º, Lei n° 9.882/1999:

Art. 4º A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo


relator, quando não for o caso de argüição de
descumprimento de preceito fundamental, faltar algum
dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.
§ 1° Não será admitida argüição de descumprimento de
preceito fundamental quando houver qualquer outro meio
eficaz de sanar a lesividade.

Doutrina e jurisprudência convergem no entendimento de que o


pressuposto da subsidiariedade da ADPF se configura sempre que inexistirem
outros instrumentos, na esfera da jurisdição constitucional concentrada, aptos
ao enfrentamento da questão constitucional suscitada. Nesse sentido, decidiu
este STF:
39

(…) “13. Princípio da subsidiariedade (art. 4º, § 1º, da Lei


nº 9.882/99): inexistência de outro meio eficaz de sanar a
lesão, compreendido no contexto da ordem constitucional
global, como aquele apto a solver a controvérsia
constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata.
14. A existência de processos ordinários e recursos
extraordinários não deve excluir, a priori, a utilização da
argüição de descumprimento de preceito fundamental,
em virtude da feição marcadamente objetiva desta ação”.
(STF. ADPF n° 33, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJ 27/10/2006. No mesmo sentido, cf. e.g.,
ADPF n° 388, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe 01/08/2016; e ADPF n° 97, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Rosa Weber, DJe 30/10/2014).

No caso enunciado, não há outra medida que permita o questionamento


das numerosas violações à CF/88 perpetradas, de maneira sistemática, no
contexto da segurança pública, senão a ADPF.

DIREITOS FUNDAMENTAIS

A expressão direitos fundamentais surgiu na França durante o movimento


político e cultural que originou a Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789.

Ponto em comum entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos:


protegem e promovem a dignidade, a liberdade e igualdade.

Direitos Fundamentais são DHs consagrados e positivados no plano


40
interno (Constituição); Direitos Humanos, são, portanto, direitos fundamentais
consagrados no plano internacional (Tratados e Convenções internacionais).

Ingo Sarlet: Direitos Fundamentais são todas as posições jurídicas ligadas


às pessoas (naturais ou jurídicas, consideradas na perspectiva individual ou
transindividual) que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram,
expressa ou implicitamente integradas a Constituição e retiradas da esfera de
disponibilidade dos poderes constituídos, bem como todas as posições
jurídicas que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparadas,
tendo, ou não, assento na Constituição formal.

Diante da questão resta evidente que alguns direitos específicos foram


transgredidos pelo Poder Público em razão das incursões policiais.

Dignidade da Pessoa Humana

Segundo Daniel Sarmento, todo ser humano é dotado de dignidade. Em


outras palavras, todo indivíduo possui valor intrínseco apenas por ser pessoa.
Não se admitem quaisquer restrições a essa qualidade essencial de cada um,
seja com base em classe social, gênero, idade ou cor, seja com base em
orientação sexual, nacionalidade ou capacidade física e intelectual. Ademais,
ninguém se despe da dignidade humana, ainda que cometa crimes
gravíssimos, que pratique os atos mais abomináveis. A dignidade, que não é
favor ou privilégio concedido por ninguém, não pode ser retirada pelo Estado
ou pela sociedade, em nenhuma situação.

Desse princípio – alçado à categoria de fundamento da República pelo


art. 1°, III, CF/88, e definido pelo STF como “verdadeiro valor-fonte que
conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país”
(ADI 6.510, Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, DJe 28/05/2010) –, decorre o
imperativo de não instrumentalização da pessoa humana. Nesse ínterim,
41
consoante o caso em tela, não cabe ao Poder Público alegar, em hipótese
alguma, que a violação ao direito à vida de alguns visa “um fim maior” (o
combate às drogas, a promoção da paz, a retomada de territórios dominados
pelo crime, dentre outros).

Direito à vida

Conforme o art. 5°, caput, CF/88

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.

No aspecto negativo, o direito à vida exige que o Estado não atente


contra a vida das pessoas. Trata-se de imperativo dirigido ao ente estatal,
incluindo o seu aparato policial-repressor, para que respeite o direito de todo
indivíduo de viver e de realizar os seus planos e potencialidades. Afinal, como
já decidiu o Supremo Tribunal Federal, com base no art. 6° do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, “nenhuma pessoa pode ser
arbitrariamente privada de sua vida” (ADI n° 5.243, Pleno, Rel. p/ ac. Min.
Edson Fachin, DJe 05/08/2019).

Na dimensão positiva, o direito à vida exige que o Estado implemente


medidas efetivas e concretas, bem como políticas públicas eficientes, para
assegurar materialmente a proteção do referido direito fundamental. Nesse
sentido, já afirmou o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, em seu
Comentário Geral n° 36 sobre o direito à vida, adotado pelo Brasil:
“O dever legal de proteção do direito à vida exige que
qualquer fundamento substantivo para sua privação deve
estar prescrito em lei e deve ser definido com precisão
suficiente para evitar interpretações ou aplicações
42
excessivamente amplas ou arbitrárias. Como a privação
de vida pelas autoridades do Estado é questão de
extrema gravidade, a lei deve controlar e limitar, de forma
estrita, as circunstâncias em que uma pessoa pode ser
privada de sua vida por esses agentes, e os Estados-
parte devem garantir o pleno cumprimento de todos os
requisitos legais. O dever legal de proteger o direito à vida
também exige que os Estados-parte organizem todos os
órgãos estatais e estruturas de governança por meio dos
quais a autoridade pública é exercida, de maneira
consistente com a necessidade de respeitar e garantir o
direito à vida, incluindo estabelecer, por lei, instituições e
procedimentos adequados para prevenir a privação de
vida, investigar e processar casos potenciais de privação
de vida ilegal, impor punições e assegurar reparação total
dos danos."

Nesse sentido, o Estado deve sempre adotar políticas, sobretudo no que


tange a segurança pública, que não coloquem em risco a vida dos cidadãos.

É o que informam os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de


Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, aprovados por
ocasião do 8º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o
Tratamento dos Delinquentes. Segundo esse documento, o Estado deve optar,
em regra, pelo emprego de mecanismos não violentos na solução de conflitos
(art. 4°) e, quando isso não for possível, recorrer ao uso de armas de fogo com
extrema moderação, de modo a minimizar danos e a preservar ao máximo o
direito à vida de terceiros (art. 5°).
ATENÇÃO Ademais, tal preceito encontra ressonância na nossa ordem
constitucional, mais precisamente no art. 4º, VII, que, somado ao disposto no
preâmbulo (que, embora não tenha natureza normativa, serve como vetor
interpretativo) consagra, nas palavras de Diogo de Figueiredo, um verdadeiro
43
dever de consensualidade por parte do Estado.

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em


Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado
Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de(...) uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional,
com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos,
sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas


relações internacionais pelos seguintes princípios:
(...)
VII - solução pacífica dos conflitos;

Direito à segurança

Também contemplado no art. 5°, caput, o direito à segurança demanda do


Estado políticas públicas capazes de garantir a vida, a liberdade, a integridade
física e o patrimônio das pessoas, protegendo-as de quaisquer ameaças.
Trata-se de dever que, desde sempre, figura dentre as próprias justificativas
para a legitimidade do poder do Estado.

Com isso, o Estado tem o dever de, além de se abster de causar


insegurança às pessoas, adotar medidas prestacionais para promover a
segurança física e patrimonial de todos. Nesse aspecto, o direito à segurança
pública encontra amparo não só no art. 5º, caput, mas também no art. 144 da
Constituição, que prevê a segurança pública como dever do Estado, tendo
como um dos seus principais objetivos a incolumidade das pessoas. Sendo
44
assim, a segurança é, ao mesmo tempo, direito fundamental dos cidadãos e
serviço público essencial a ser prestado pelo ente estatal, dentro dos ditames
da Constituição e do Estado Democrático de Direito.

Cláudio Pereira de Souza Neto assevera1:

“O cidadão é o destinatário desse serviço [de segurança


pública]. Não há mais ‘inimigo’ a combater, mas cidadão
para servir. [...] A polícia democrática não discrimina, não
faz distinções arbitrárias: trata os barracos nas favelas
como ‘domicílios invioláveis’; respeita os direitos
individuais, independentemente de classe, etnia e
orientação sexual; não só se atém aos limites inerentes ao
Estado democrático de direito, como entende que seu
principal papel é promovê-lo. A concepção democrática
estimula a participação popular na gestão da segurança
pública; valoriza arranjos participativos e incrementa a
transparência das instituições policiais. Para ela, a função
da atividade policial é gerar ‘coesão social’, não pronunciar
antagonismos; é propiciar um contexto adequado à
cooperação entre cidadãos livres e iguais. O combate
militar é substituído pela prevenção, pela integração com
políticas sociais, por medidas administrativas de redução
dos riscos e pela ênfase na investigação criminal. A
decisão de usar a força passa a considerar não apenas os
objetivos específicos a serem alcançados pelas ações

1 Cláudio Pereira de Souza Neto. “A segurança pública na Constituição Federal de 1988:


conceituação constitucionalmente adequada, competências federativas e órgãos de execução das políticas”, p. 06-
07.Cf.<https://jornalggn.com.br/sites/default/files/documentosSeguranca_Publica_na_Constituicao_Federal_de_19
88. pdf>
policias, mas também, e fundamentalmente, a segurança
e o bem estar da população envolvida.”

Direito à inviolabilidade do domicílio


45

As incursões feitas por agentes de segurança também atingem o


domicílio dos habitantes de áreas conflagradas. Não raro, residências são
invadidas por policiais, sem que haja a apresentação de mandado judicial, e
pertences são furtados. Tais práticas afrontam o direito fundamental à
inviolabilidade do domicílio.

Previsto no art. 5°, XI CF/88, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e


Políticos (Artigo 17.1) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(Artigo 11.2), esse direito proíbe devassas nas casas das pessoas. Como
asseverou o Min. Ricardo Lewandowski no RE 603.616:

(...) “a sociedade precisa também ter uma segurança,


uma salvaguarda, sobretudo, os mais pobres, os mais
humildes, de não terem a sua residência invadida com
truculência por um agente policial” (Pleno, Rel. Min.
Gilmar Mendes, DJe 10/05/2016.).

ADPF 635 – “APDF das Favelas”

Em 19/11/2019, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) ajuizou Arguição de


Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 635) no Supremo Tribunal
Federal pedindo para que fossem reconhecidas e sanadas o que entende
serem graves lesões a preceitos fundamentais da Constituição praticadas pelo
Estado do Rio de Janeiro na elaboração e implementação de sua política de
segurança pública, notadamente no que tange à excessiva e crescente
letalidade da atuação policial. A ação foi assinada pelo constitucionalista
Daniel Sarmento.
Segundo alegou o Partido, a política de segurança pública empreendida
no Estado “expõe os moradores de áreas conflagradas a profundas violações
de seus direitos fundamentais”. O PSB pediu a suspensão de diversas
medidas previstas no Decreto Estadual 27.795/2001 e no Decreto
46
46.775/2019, como o uso de helicópteros como plataformas de tiros em
operações policiais e mandados de busca e apreensão coletivos e genéricos.
Pediu, ainda, a adoção de medidas para a apuração de eventuais excessos
durante as operações policiais, especialmente nas favelas fluminenses, com o
acompanhamento do Ministério Público.

O autor argumentou que, somente nos primeiros nove meses do ano de


2019, haviam sido registradas 1.402 mortes de civis decorrentes de confrontos
com a polícia e que entre agosto e setembro morreram mais de 150 pessoas
no Rio de Janeiro. Essa ação ficou conhecida como “APDF das Favelas”.

Medida cautelar

O Plenário do STF, na sessão virtual encerrada no dia 17/08/2020,


concedeu parcialmente medida cautelar na ADPF 635. Foram deferidos os
seguintes pedidos:

1. As forças de segurança do RJ somente podem utilizar helicópteros nas


operações policiais em caso de estrita necessidade, devendo, ao final da
operação, ser feito um relatório circunstanciado comprovando essa
necessidade.

2. O Estado do Rio de Janeiro deverá orientar seus agentes de segurança e


profissionais de saúde a preservar todos os vestígios de crimes cometidos em
operações policiais, de modo a evitar a remoção indevida de cadáveres sob o
pretexto de suposta prestação de socorro e o descarte de peças e objetos
importantes para a investigação;

3. Os órgãos de polícia técnico-científica do Estado do Rio de Janeiro devem


documentar, por meio de fotografias, as provas periciais produzidas em
investigações de crimes contra a vida, notadamente o laudo de local de crime
e o exame de necropsia, com o objetivo de assegurar a possibilidade de
revisão independente, devendo os registros fotográficos, os croquis e os
47
esquemas de lesão ser juntados aos autos, bem como armazenados em
sistema eletrônico de cópia de segurança para fins de backup;

4. Se forem realizadas operações policiais em perímetros nos quais estejam


localizados escolas, creches, hospitais ou postos de saúde, deverão ser
observadas as seguintes diretrizes:
a) a absoluta excepcionalidade da medida, especialmente no período de
entrada e de saída dos estabelecimentos educacionais, devendo o respectivo
comando justificar, prévia ou posteriormente, em expediente próprio ou no bojo
da investigação penal que fundamenta a operação, as razões concretas que
tornaram indispensável o desenvolvimento das ações nessas regiões, com o
envio dessa justificativa ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em
até 24 horas;
b) a proibição da prática de utilização de qualquer equipamento educacional ou
de saúde como base operacional das polícias civil e militar, vedando-se,
inclusive, o baseamento de recursos operacionais nas áreas de entrada e de
saída desses estabelecimentos; e
c) a elaboração de protocolos próprios e sigilosos de comunicação envolvendo
as polícias civil e militar, e os segmentos federal, estadual e municipal das
áreas de educação e de saúde, de maneira que os diretores ou chefes das
unidades, logo após o desencadeamento de operações policiais, tenham
tempo hábil para reduzir os riscos à integridade física das pessoas sob sua
responsabilidade.

5. Sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de


segurança pública na prática de infração penal, a investigação será atribuição
do órgão do Ministério Público competente. A investigação deverá atender ao
que exige o Protocolo de Minnesota, em especial no que tange à oitiva das
vítimas ou familiares e à priorização de casos que tenham como vítimas as
crianças. Ademais, por ser função essencial do Estado, acolher também o
pedido para determinar que, em casos tais, o Ministério Público designe um
membro para atuar em regime de plantão.

48
Foram indeferidos, pelo menos naquele momento, os seguintes pedidos:

1. O Estado do Rio de Janeiro deverá elaborar plano para redução da


letalidade policial e para o controle de violações de direitos humanos pelas
forças de segurança (obs: veremos que isso foi deferido posteriormente);

2. Os órgãos do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, ao expedir


mandado de busca e apreensão domiciliar, deverão indicar, da forma mais
precisa possível, o lugar, o motivo e o objetivo da diligência, vedada a
expedição de mandados coletivos ou genéricos).

3. Nas operações policiais deverá ser assegurada a presença obrigatória de


ambulâncias e de equipes de saúde, sem prejuízo do reconhecimento do
direito de todo indivíduo ferido ou afetado receber assistência médica o mais
breve possível (obs: veremos que isso foi deferido posteriormente);

4. Deverá ser elaborado ato administrativo que regulamente o envio de


informações relativas às operações policiais pelos agentes policiais ao
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro;

5. Suspensão do sigilo de todos os protocolos de atuação policial, inclusive do


Manual Operacional das Aeronaves pertencentes à frota da Secretaria de
Estado de Polícia Civil;

6. O Estado do Rio de Janeiro deverá instalar equipamentos de GPS e


sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos
agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos
arquivos) (obs: veremos que isso foi deferido posteriormente)
Embargos de declaração

O PSB e os amici curiae (dentre eles a DPE/RJ) opuseram embargos de


declaração contra a decisão acima mencionada, que concedeu parcialmente a
49
medida cautelar. Os embargantes pediram ao STF que determinasse:

a) ao Estado do Rio de Janeiro a elaboração do plano de redução de letalidade


policial;
b) que a prioridade de tramitação das investigações do Ministério Público
abrange também os possíveis crimes em que as vítimas sejam adolescentes; e
c) a suspensão do sigilo de todos os protocolos de atuação policial no Estado
do Rio de Janeiro, inclusive do art. 12 do Manual Operacional das Aeronaves
pertencentes à frota da Secretaria de Estado de Polícia Civil.

O STF, nos dias 02 e 03/02/2022, acolheu parcialmente os embargos de


declaração. O STF determinou que:

1) o Estado do Rio de Janeiro elabore e encaminhe ao STF, no prazo máximo


de 90 dias, um plano visando à redução da letalidade policial e o controle de
violações de direitos humanos pelas forças de segurança fluminenses, que
contenha medidas objetivas, cronogramas específicos e a previsão dos
recursos necessários para a sua implementação;

2) o emprego e a fiscalização da legalidade do uso da força sejam feitos à luz


dos Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, com todos os
desdobramentos daí derivados, em especial, em relação à excepcionalidade
da realização de operações policiais, a serem avaliadas, quando do emprego
concreto, pelas próprias forças, cabendo aos órgãos de controle e ao
Judiciário, avaliar as justificativas apresentadas quando necessário. Assim, no
que tange à aplicação dos Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de
Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, cabe
às forças de segurança examinarem diante das situações concretas a
proporcionalidade e a excepcionalidade do uso da força, servindo os princípios
como guias para o exame das justificativas apresentadas a fortiori.
Cabe ao Executivo local sopesar, de um lado, a necessidade de reduzir o risco
de dano desnecessário aos direitos humanos nas operações policiais nas
50
favelas, e de outro, as ameaças enfrentadas pelos agentes públicos no
cumprimento de seus deveres estatais.
Fica ressalvada a possibilidade, desde que posteriormente justificada, que o
agente do Estado possa desde logo fazer uso de força potencialmente letal,
quando se fizerem necessárias e proporcionais à ameaça vivenciada no caso
concreto. Em qualquer hipótese, colocar em risco ou mesmo atingir a vida de
alguém somente será admissível se, após minudente investigação imparcial,
feita pelo Ministério Público, concluir-se ter sido a ação necessária para
proteger exclusivamente a vida e nenhum outro bem de uma ameaça iminente
e concreta. Cabe às forças de segurança examinarem diante das situações
concretas a proporcionalidade e a excepcionalidade do uso da força, servindo
os princípios como guias para o exame das justificativas apresentadas a
fortiori;

3) seja criado um grupo de trabalho sobre Polícia Cidadã no Observatório de


Direitos Humanos localizado no Conselho Nacional de Justiça;

4) as investigações de incidentes que tenham como vítimas crianças ou


adolescentes terão a prioridade absoluta;

5) No caso de buscas domiciliares por parte das forças de segurança do


Estado do Rio de Janeiro, devem ser observadas as seguintes diretrizes
constitucionais, sob pena de responsabilidade:
(i) a diligência, no caso específico de cumprimento de mandado judicial, deve
ser realizada somente durante o dia, vedando-se, assim, o ingresso forçado a
domicílios à noite;
(ii) a diligência, quando feita sem mandado judicial, pode ter por base denúncia
anônima;
(iii) a diligência deve ser justificada e detalhada por meio da elaboração de
auto circunstanciado, que deverá instruir eventual auto de prisão em flagrante
ou de apreensão de adolescente por ato infracional e ser remetido ao juízo da
audiência de custódia para viabilizar o controle judicial posterior; e
(iv) a diligência deve ser realizada nos estritos limites dos fins excepcionais a
51
que se destina.

6) seja obrigatória a disponibilização de ambulâncias em operações policiais


previamente planejadas em que haja a possibilidade de confrontos armados,
sem prejuízo da atuação dos agentes públicos e das operações;

7) o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 dias, instale


equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas
policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior
armazenamento digital dos respectivos arquivos.

Foram indeferidos os pedidos para:

1) suspender o sigilo dos protocolos de atuação policial;


2) que o CNMP avalie a eficiência e a eficácia da alteração promovida no
GAESP do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro;
3) que eventual descumprimento da decisão proferida por este Tribunal seja
investigado pelo Ministério Público Federal.

PROTOCOLO DE MINNESOTA

O Protocolo de Minnesota sobre Investigação de Mortes Potencialmente


Ilícitas consiste em um conjunto de regras de orientação sobre como proceder
a investigação de mortes que possam ser tidas como ilícitos.

Previsão

A versão original do Protocolo de Minnesota foi desenvolvida em 1991


mediante processo conduzido pelo Comitê Internacional de Direitos Humanos
dos Advogados de Minnesota (por isso é chamado de “Protocolo de
Minnesota”).

Objetivo
52

Busca evitar que a impunidade das violações ao direito à vida possa servir
de estímulo a novas violações, bem como promover o acesso à justiça e o
direito à reparação, por meio de uma investigação eficaz de toda e qualquer
morte potencialmente injusta, inclusive nos casos de suspeita de
desaparecimento forçado:

“O Protocolo estabelece um protocolo de conduta na


investigação de uma morte potencialmente ilícita ou caso
de suspeita de desaparecimento forçado, bem como um
conjunto comum de princípios e diretrizes para Estados,
instituições e indivíduos que participam da investigação”
(RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos,
Saraiva, 2022, p. 175).

Protocolo de Istambul

Considerando o sucesso do Protocolo de Minnesota foi criado também o


Manual sobre a Investigação Efetiva e Documentação da Tortura e Outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Protocolo de
Istambul).

Soft law (não vinculante)

O Protocolo de Minnesota é soft law, ou seja, consiste num conjunto de


normas não vinculantes, mas que serve como guia de interpretação (vetor de
interpretação do dever de prevenção e repressão à violação do direito à vida).

Aplicação
O Protocolo de Minnesota se aplica à investigação de todas as “mortes
potencialmente ilícitas” e, no que for possível, todos os casos de suspeita de
desaparecimento forçado.
53

1. a morte pode ter sido causada por atos ou omissões do


Estado, seus órgãos ou agentes, ou pode ser imputável
ao Estado, em violação de sua obrigação de respeitar o
direito à vida. Inclui, por exemplo, todas as mortes
possivelmente causadas por encarregados da aplicação
da lei ou outros agentes do Estado; mortes causadas por
grupos paramilitares, milícias ou “esquadrões da morte”
suspeitos de agirem sob a direção do Estado ou com seu
consentimento ou aquiescência; bem como mortes
causadas por militares ou forças de segurança privadas
no exercício de funções de Estado;
2. a morte ocorreu quando a pessoa estava detida ou sob
custódia do Estado, seus órgãos ou agentes. Essa
hipótese inclui todas as mortes de pessoas detidas em
prisões, em outros locais de detenção (oficiais ou não) e
em outras instalações onde o Estado exerce maior
controle sobre suas vidas;
3. a morte pode ser o resultado do não cumprimento por
parte do Estado de sua obrigação de proteger a vida. Isso
inclui, por exemplo, qualquer situação em que um Estado
deixe de exercer a devida diligência para proteger uma
pessoa ou pessoas contra ameaças externas previsíveis
ou atos de violência por parte de atores não estatais.

Regras gerais a respeito da condução das investigações

O Protocolo estabelece as seguintes regras gerais a respeito da condução


das investigações, as quais devem ser:
(i) imediatas;
(ii) eficazes e completas;
(iii) independentes e imparciais; e
(iv) transparentes.
54

(i) Imediatas. As investigações sobre mortes


potencialmente ilícitas devem ser conduzidas
prontamente, para assegurar a repressão à violação do
direito à vida e a promoção do direito a um recurso
efetivo. Portanto, as autoridades públicas devem conduzir
a investigação de modo o mais rápido possível, sem
demora injustificada.

(ii) Eficazes e completas. Os investigadores devem, na


medida do possível, colher e verificar todos os
testemunhos, documentos e demais provas. Durante as
investigações, é essencial: (a) identificar a(s) vítima(s); (b)
recuperar e preservar o material probatório relacionado à
causa, circunstâncias da morte e à identidade do(s)
possíveis autor(es); (c) arrolar as testemunhas potenciais
e obter seu depoimento em relação à morte e suas
circunstâncias; (d) determinar a causa, modo, local e hora
da morte e todas as circunstâncias relevantes. A
investigação tem como obrigação distinguir entre morte
por causas naturais, morte por acidente, suicídio e
homicídio; e (e) delimitar os envolvidos e a
responsabilidade individual de cada um.

(iii) Independentes e imparciais. Os investigadores e os


mecanismos de investigação devem ser independentes
(independência subjetiva), imunizados de qualquer
influência indevida, sendo percebidos como tal pela
comunidade (independência objetiva). No tocante à
imparcialidade, os investigadores não podem ter nenhum
outro interesse a não ser o deslinde da situação.

(iv) Transparentes. Os processos e resultados da


55
investigação devem ser transparentes, o que significa que
eles devem estar sujeitos ao escrutínio do público em
geral e das famílias das vítimas, ressalvado o sigilo para
assegurar a efetividade das investigações em curso. Tal
transparência é exigida do Estado de Direito (a
publicidade dos atos estatais é regra – vide art. 37, caput,
da CF/88), permitindo que a idoneidade das investigações
seja averiguada por observadores externos. Permite
também o acompanhamento das investigações pelos
familiares das vítimas.

Considerações finais

“Os Estados devem adotar todas as medidas apropriadas para incorporar


as disposições do Protocolo em seu sistema jurídico interno e promover seu
uso pelo sistema policial e pelo sistema de justiça. No Brasil, recentemente o
STF determinou que, sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes
dos órgãos de segurança pública na prática de infração penal, a investigação
será atribuição do órgão do Ministério Público competente, devendo atender ao
que exige o Protocolo de Minnesota, em especial no que tange à oitiva das
vítimas ou familiares (ADPF n. 635 Medida Cautelar, rel. Min. Edson Fachin,
Plenário, Sessão Virtual de 7-8-2020 a 17-8-2020)” (RAMOS, 2022, p. 175).

Protocolo de Minnesota sobre Investigação de Mortes Potencialmente


Ilícitas
Soft law, mas serve como vetor de interpretação
do dever de prevenção e repressão à violação
Natureza jurídica do direito à vida.

56

Cabe o uso do Protocolo tanto para mortes


causadas por ações ou omissões dos agentes
Ações ou omissões do Estado públicos quanto por particulares (por exemplo,
milícias ou “esquadrões da morte”).

O Protocolo deve ser utilizado em relação a


mortes de pessoas detidas em prisões, em
Morte enquanto estava sob outros locais de detenção (oficiais ou não) e em
custódia todas as instalações onde o Estado tem o dever
de proteção à vida do custodiado.

A morte pode ser o resultado do não


cumprimento por parte do Estado de sua
Morte resultante da não proteção obrigação de proteger a vida. Isso inclui, por
do Estado exemplo, qualquer situação em que um Estado
deixe de exercer a devida diligência para
proteger uma pessoa ou pessoas contra
ameaças previsíveis ou atos de violência por
parte de particulares.

I) imediatas;

As investigações devem ser II) eficazes e abrangentes;

III) independentes e imparciais; e

IV) transparentes.
57

QUESTÃO 05 Caio foi denunciado pela prática do crime de roubo. Durante a


investigação, o Delegado solicitou que a vítima descrevesse as características
físicas do autor do fato. Foi realizado o reconhecimento fotográfico em sede
policial e, no curso do processo, Caio teve sua prisão preventiva decretada,
somente com base no reconhecimento fotográfico operado sem a observância
do art. 226 do CPP.
Discorra sobre o fato narrado apontando se houve alguma violação aos
direitos do acusado, bem como as teses que deverão ser utilizadas pela
Defensoria Pública em sua defesa.

PADRÃO DE RESPOSTA

O reconhecimento é previsto nos arts. 226 a 228 do Código de Processo Penal,


que preceitua que, quando houver a necessidade, este se dará de forma que a
vítima deverá descrever a pessoa a ser reconhecida, devendo esta ser
colocada ao lado de outras que tenham aparência física semelhante.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro possui aviso publicado
recomendando aos magistrados que reavaliem, com a urgência necessária, as
decisões em que a prisão preventiva do acusado foi decretada tão somente
com base no reconhecimento fotográfico operado sem a observância do
disposto no artigo 226 do CPP.
O Defensor Público deve argumentar que o reconhecimento por fotografia,
além de violar frontalmente a regra estabelecida pelo código, somente deve ser
utilizada como procedimento preparatório para o reconhecimento pessoal e,
mesmo assim, é censurável pela contaminação que pode gerar na vítima ou
testemunha, em razão da deturpação e poluição que gera na memória desses
agentes. Ademais, costuma ser utilizada nas hipóteses em que o indiciado/réu
se recusa a participar do reconhecimento, violando o seu direito de não
produzir provas contra si. Logo, deve pleitear, no caso narrado, a nulidade do
procedimento de reconhecimento realizado, com a consequente absolvição do
acusado.

ESPELHO
TOTAL: ALUNO:

Discorrer acerca dos parâmetros legais para a 30


realização do reconhecimento;
Discorrer acerca da violação legal causada 20
pelo reconhecimento fotográfico; 58

Citar que o reconhecimento realizado sem o 20


consentimento do acusado viola o seu direito
de não produzir provas contra si;
Afirmar que o Defensor deve pedir a nulidade 30
do procedimento e absolvição do acusado.

COMENTÁRIOS

O procedimento legal para a realização do reconhecimento de pessoas está


previsto no artigo 226 do CPP. Em decisão importantíssima, a Sexta Turma do
STJ, no HC 598886, impetrado pela Defensoria Pública do Estado do Paraná,
em 27/10/2020, entendeu que o reconhecimento de pessoas deve observar o
procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas
formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição
de suspeito da prática de um crime, e que à vista dos efeitos e dos riscos de
um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida
norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não
poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o
reconhecimento em juízo.
Desta forma, entendeu o Relator Rogério Schietti Cruz que “o reconhecimento
do suspeito por mera exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever
seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto
como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não
pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo”.

A DPERJ possui notícia veiculada em seu portal acerca do assunto,


publicada no dia 13/02/2023, vejamos:
Ministro do STJ debate reconhecimento de pessoas em palestra na
DPRJ

Com objetivo de debater a Resolução 484 do Conselho Nacional de Justiça,


que estabelece diretrizes para prevenir que pessoas sejam presas
injustamente por conta de falhas no reconhecimento fotográfico em
processos criminais, a Defensoria Pública do Rio recebeu, na manhã da
última sexta-feira (10), o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Rogério Schietti Cruz. O evento aconteceu no auditório da sede da DPRJ e
reuniu defensoras(es), juristas e membros da sociedade civil para discutir a
questão.
Aprovada pelo CNJ em dezembro de 2022, a resolução foi fruto de um Grupo
de Trabalho coordenado pelo ministro que contou com a participação de 41
especialistas no tema, entre eles, quatro defensoras e defensores públicos
do Rio. Durante a palestra, Schietti parabenizou a Defensoria por sua
atuação e reiterou que a Instituição tem um papel muito grande não só na
consolidação das novas práticas mas também um dever de buscar a 59
reparação para as pessoas que foram vítimas desse erro.

— Quando prendemos um inocente, cometemos um erro duplo: prendemos


uma pessoa que não cometeu um crime e deixamos solto o verdadeiro
culpado. Eu considero isso um erro duplo com a sociedade como um todo.
Que sejam feitas boas provas para evitar alguém impune por uma conduta e
um inocente condenado — disse.

Neste sentido, o ministro também reforçou que a Defensoria deve zelar para
que as delegacias de polícia não sejam locais indutores de novos atos de
reconhecimento pelos famigerados álbuns de suspeitos, pois eles
representam um perigo muito grande para que pessoas inocentes sejam
condenadas.

— Essa resolução é fruto da ciência e uma interseção na construção do


direito. Estamos dizendo para os juízes que os critérios que podem ser
julgados a partir de uma prova substancial, não podem ser únicos. Mesmo
que o reconhecimento fotográfico seja bem feito, ele não basta para ser
condenatório, pois ainda assim, estaremos sujeitos a falsas memórias —
completou o Ministro.
Já a coordenadora de Defesa Criminal da DPRJ, Lucia Helena de Oliveira,
reiterou que a resolução é histórica e demonstra que o Judiciário, bem como
outros atores do Sistema de Justiça estão preocupados e sensibilizados com
os erros em casos de reconhecimentos de pessoas.

— A resolução ajudará a diminuir as injustiças, condenações por erro e


certamente contribuirá muito para a redução da seletividade penal, que
atingem em grande maioria inocentes jovens, negros e periféricos — destaca
Oliveira.

Em seguida, a coordenadora agradeceu a presença de Alberto Meirelles


Júnior, que em 2019 foi preso por conta de falhas no reconhecimento
fotográfico e com a ajuda da Defensoria, conseguiu provar a sua inocência.

— Machuca muito pagar por um erro que eu não cometi. Preto no Brasil,
infelizmente, vai ser sempre discriminado e acusado dessas coisas. Espero
que a resolução evite que as pessoas passem pelo mesmo que — disse
Alberto.

Lívia Casseres, coordenadora de Promoção da Equidade Racial da


Defensoria do Rio afirma que a vivência criminológica brasileira mostra o
papel dos estereótipos raciais nos processos de criminalização.
- Nós sabemos que o suspeito nos países periféricos na América Latina, nos
países que foram alvo de colonização, a figura do suspeito está muito ligada
ao corpo negro. Isso se reflete nos álbuns de suspeitos das delegacias
policiais. Temos ali uma representação desproporcional de fotografias
negras, não apenas porque essas pessoas são mais criminalizadas pelo
estado brasileiro, mas porque essas pessoas carregam esse estereótipo e 60
estigma de suspeito - define a coordenadora.

Também estiveram presentes no evento a defensora pública-geral, Patrícia


Cardoso; a corregedora-geral, Kátia Varela; a subcoordenadora da
Promoção da Equidade Racial, Daniele Silva; além do coordenador do
Núcleo de Investigação Defensiva, Denis Sampaio.

Entenda os parâmetros da Resolução

Entre os principais aspectos da resolução, destacam-se a delimitação do


reconhecimento de pessoas como prova irrepetível e o estabelecimento de
que o reconhecimento seja realizado preferencialmente pelo alinhamento
presencial de quatro pessoas e, em caso de impossibilidade, pela
apresentação de quatro fotografias, observadas, em qualquer caso, as
diretrizes da resolução e do Código de Processo Penal. A norma também
prevê que, na impossibilidade de realização do reconhecimento conforme
esses parâmetros, outros meios de prova devem ser priorizados.
Além disso, todo o procedimento de reconhecimento deve ser gravado e
disponibilizado às partes, havendo solicitação. Também é necessária a
investigação prévia para colheita de indícios de participação da pessoa
investigada no delito antes de submetê-la a procedimento de reconhecimento
e, ainda, a coleta de autodeclaração racial dos reconhecedores e dos
investigados ou processados, a fim de permitir à autoridade policial e ao juiz
a adequada valoração da prova, considerando o efeito racial cruzado.

A resolução prevê que a autoridade deve zelar pela higidez do procedimento,


evitando a apresentação isolada da pessoa, de sua fotografia ou imagem
(show up), o emprego de álbuns de suspeitos e de fotografias extraídas de
redes sociais ou de qualquer outro meio, além de cuidar para que a pessoa
convidada a realizar o reconhecimento não seja induzida ou sugestionada,
garantindo-se a ausência de informações prévias, insinuações ou reforço das
respostas por ela apresentadas.

https://www.defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/22888-DPRJ-recebe-
ministro-do-STJ-em-debate-sobre-reconhecimento-facial

JURISPRUDÊNCIA DO STJ:
6a Turma: 1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento
previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades
constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito
da prática de um crime; 2) À vista dos efeitos e dos riscos de um
reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida
norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não
poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o
reconhecimento em juízo; 3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de
reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento
probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do
exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o
ato viciado de reconhecimento; 4) O reconhecimento do suspeito por simples 61
exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo
procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa
antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir
como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo. STJ. 6a Turma.
HC 598.886-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/10/2020 (Info
684).

5a Turma: O reconhecimento (fotográfico ou presencial) efetuado pela vítima,


em sede inquisitorial, não constitui evidência segura da autoria do delito,
dada a falibilidade da memória humana, que se sujeita aos efeitos tanto do
esquecimento, quanto de emoções e de sugestões vindas de outras pessoas
que podem gerar “falsas memórias”, além da influência decorrente de
fatores, como, por exemplo, o tempo em que a vítima esteve exposta ao
delito e ao agressor; o trauma gerado pela gravidade do fato; o tempo
decorrido entre o contato com o autor do delito e a realização do
reconhecimento; as condições ambientais (tais como visibilidade do local no
momento dos fatos); estereótipos culturais (como cor, classe social, sexo,
etnia etc.). Diante da falibilidade da memória seja da vítima seja da
testemunha de um delito, tanto o reconhecimento fotográfico quanto o
reconhecimento presencial de pessoas efetuado em sede inquisitorial devem
seguir os procedimentos descritos no art. 226 do CPP, de maneira a
assegurar a melhor acuidade possível na identificação realizada. Tendo em
conta a ressalva, contida no inciso II do art. 226 do CPP, a colocação de
pessoas semelhantes ao lado do suspeito será feita sempre que possível,
devendo a impossibilidade ser devidamente justificada, sob pena de
invalidade do ato. O reconhecimento fotográfico serve como prova apenas
inicial e deve ser ratificado por reconhecimento presencial, assim que
possível. E, no caso de uma ou ambas as formas de reconhecimento terem
sido efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou total) dos
preceitos do art. 226 do CPP e sem justificativa idônea para o
descumprimento do rito processual, ainda que confirmado em juízo, o
reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação, como
regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração do restante do
conjunto probatório, produzido na fase judicial. STJ. 5a Turma. HC
652284/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 27/04/2021.
62
QUESTÃO 06 A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou
o Brasil em caso emblemático sobre feminicídio. Foi a 10ª condenação do
Brasil pela Corte. No dia 7 de setembro de 2021, o Brasil foi declarado
internacionalmente responsável pelo feminicídio de Márcia Barbosa de Souza.
O crime foi praticado por parlamentar que se beneficiou indevidamente de sua
imunidade parlamentar. O fato ocorreu no Estado da Paraíba. Relembrando o
caso responda:

a) O Brasil reconhece a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos


Humanos?

b) Quais foram as violações de Direitos Humanos apontadas pela CIDH?

c) Qual a natureza jurídica da sentença da CIDH na ordem interna do Brasil?

PADRÃO DE RESPOSTA

Trata-se do Caso Márcia Barboda de Souza vs Brasil. A Márcia era uma jovem
de 20 anos do interior do Estado da Paraíba vítima de fiminicídio praticado pelo
deputado estadual Aércio Pereira de Lima, com 54 anos de idade, casado e já
no exercício do quinto mandato como parlamentar.
a- Sim, o Brasil recohece a jurisdição obrigatória e vinculante, bem como a
competência da Corte Interamericana. O ato de reconhecimento data de
10 de dezembro de 1998. Por fim, imperioso mencionar que, o Brasil
ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em 1992.

b- A CIDH ao condenar o Brasil no referido caso considerou como direitos


violados: garantias judiciais; proteção judicial; igual proteção da lei e
proibição de discriminação; e integridade pessoal dos famliares.

c- As sentenças proferidas pela CIDH tem natueza de título executivo no


Brasil, ou seja, dispensam homologação.

Espelho de correção
Total: Aluno:

I Estrutura, domínio linguístico e utilização dos termos 20


técnicos

63
II Brasil reconhce a jurisdição da CIDH 20

IV Os direitos violados são: garantias judiciais; proteção 30


judicial; igual proteção da lei e proibição de
discriminação; e integridade pessoal dos familiares

V Título executivo 30

Total 100

COMENTÁRIOS

O tema da nossa questão é muito importante por ser uma decisão pioneira da
CIDH que trata da violação dos direitos das mulheres. Este foi um caso de
fiminicídio que envolveu também o abuso do poder político e a discriminação e
violação estrutural aos direitos das mulheres no Brasil. Trata-se da primeira
condenação proferida pela Corte ao Estado brasileiro concernente
integralmente à temática de violência contra a mulher.
A CIDH reconheceu que a violência contra as mulheres no Brasil é um
problema estrutural e generalizado, concluindo que altos níveis de tolerância a
esse tipo de violência estão normalmente associados a altas taxas de
feminicídio.
Sobre imunidade parlamentar, a CIDH evidenciou que o seu uso sem qualquer
indicação da presença de elementos de arbitrariedade no exercício da ação
penal, de modo a comprometer a autonomia do legislador, é flagrantemente
arbitrária.
“A imunidade parlamentar é um instituto que foi idealizado como uma garantia
de independência do órgão legislativo em seu conjunto e de seus membros, e
não pode conceber-se como um privilégio pessoal de um parlamentar. Nessa
medida, cumpriria o papel de garantia institucional da democracia. Não
obstante isso, sob nenhuma circunstância, a imunidade parlamentar pode
transformar-se em um mecanismo de impunidade, questão que, caso
ocorresse, acabaria erodindo o Estado de Direito, seria contrária à igualdade
perante a lei e tornaria ilusório o acesso à justiça das pessoas prejudicadas.”
(...)“A Corte faz notar que, por tratar-se de um caso relativo à morte violenta de
uma mulher, o que evidentemente não está relacionado com o exercício das
funções de um deputado, a possibilidade do uso político da ação penal deveria
ter sido analisada com ainda mais atenção e cautela, tendo em consideração o
dever de devida diligência estrita na investigação e sanção de fatos de
violência contra a mulher exigido no regime convencional.” 64

Sobre o dever de diligência em casos de fiminicídio a CIDH asseverou: “A


Corte também indicou que o dever de investigar tem um alcance
adicional quando se trata de uma mulher que sofre uma morte, maltrato ou
violação à sua liberdade pessoal em um contexto geral de violência contra as
mulheres. Com frequência é difícil provar na prática que um homicídio ou ato
de agressão violento contra uma mulher foi perpetrado por razões de gênero.
Essa dificuldade às vezes deriva da ausência de uma investigação profunda e
efetiva por parte das autoridades sobre o incidente violento e suas causas. Por
essa razão as autoridades estatais têm a obrigação de investigar ex officio as
possíveis conotações discriminatórias por razão de gênero em um ato de
violência perpetrado contra uma mulher, especialmente quando existem
indícios concretos de violência sexual, de algum tipo ou evidências de
crueldade contra o corpo da mulher (por exemplo, mutilações), ou mesmo
quando esse ato se enquadra dentro de um contexto de violência contra a
mulher existente em um país ou determinada região. Outrossim, a investigação
penal deve incluir uma perspectiva de gênero e ser realizada por funcionários
capacitados em casos similares e em atenção a vítimas de discriminação e
violência por razão de gênero”.
Por fim, ao final da decisão a CIDH estabelece medidas de reparação integral:
Medidas de satisfação:
1.1) a publicação e a difusão da sentença e de seu resumo oficial; e
1.2) a realização de um ato de reconhecimento de responsabilidade
internacional.
Garantias de não repetição:
2.1) a implementação de um sistema nacional de dados sobre violência contra
as mulheres, que permita análises qualitativas e quantitativas;
2.2) a prática de formação continuada das forças policiais paraibanas com
perspectiva de gênero e raça;
2.3) a realização de uma jornada de reflexão e sensibilização na Assembleia
Legislativa da Paraíba sobre o impacto do feminicídio e da violência contra a
mulher, e sobre a imunidade parlamentar; e
2.4) a adoção e implementação de um protocolo nacional para a investigação
de feminicídios.
Medidas de compensação:

1.1) o pagamento dos valores de indenização por danos materiais e morais à


família de Márcia Barbosa de Souza.

65
É importante ler a sentença para aprofundar o seu conhecimento sobre o tema.
Ela está disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_435_ por.pdf
Indico também conhecer o site da Defensora Pública Patrícia Magno no qual
comentou o caso: https://www.patriciamagno.com.br/dh-na-corte/caso-marcia-
barbosa-de-souza-vs-brasil/
66
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA
A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

1
W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA


A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

Olá Futuro(a) Residente Jurídico(a) da DPE-RJ,

Você está recebendo hoje a quarta rodada de conteúdo direcionado e


preparatório para o concurso de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro. Esperamos que tenha gostado das primeiras
rodada! Você se saiu bem? Continuamos com todo o cuidado na seleção de
cada tema. Por aqui continuamos buscamos identificar os assuntos de maior
relevância na atuação prática na Defensoria Pública, temas que são quentes
e podem ser questão do seu certame!

Esta é a quarta rodada de dez. Ao total serão aproximadamente sessenta


questões! O objetivo é treiná-los para prova, então vocês devem tentar
resolver as questões antes de partirem para a leitura do espelho. O
espelho é instrumento essencial para você se aprofundar nos temas,
contudo, antes de abri-lo, treine com o caderno de questões!

Desejamos sorte neste seu objetivo e que este material possa continuar te
ajudar a alcançar a função de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro!

Qualquer dúvida, não deixe de nos procurar! Até breve,

Coordenação da turma

PRISCI LA COT TA
ANALISTA PROCESSU AL DA DPE-RJ
EX-RESIDENTE J URÍDICA DA DPE-RJ
RAONI ARAUJ O
COORDENADOR ACADÊMICO DO PED
MESTRE PELA FND/UFRJ

2
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARAA PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA – RODADA IV

CADERNO DE QUESTÕES

1
QUESTÃO 01 Em uma noite escura, o museu do Levre, localizado no Rio de
Janeiro, foi alvo de um roubo. Um diamante raro, conhecido como "Estrela do
Oriente", foi roubado de sua vitrine. Após investigação, a polícia prendeu dois
suspeitos: Caio e Tícia.
O julgamento dos suspeitos começou alguns meses após a prisão. Caio e
Tícia foram acusados de roubo qualificado e estavam enfrentando a
possibilidade de longas penas de prisão, caso fossem considerados culpados.
Caio e Tícia foram presos em datas diferentes, mas ambos foram acusados do
mesmo crime, o roubo da "Estrela do Oriente".
O julgamento ocorreu em 1º de junho de 2020, e durante o processo, as
defesas de Caio e Tícia apresentaram argumentos distintos para provar sua
inocência.
Prisão de Caio 1º de março de 2020

Prisão de Tícia 15 de abril de 2020

Início do 1º de junho de 2020


julgamento

O trânsito em julgado da sentença condenatória penal ocorreu em datas


diferentes para a defesa e a acusação de ambos os réus.
Datas dos trânsitos em julgado da sentença penal condenatória:

Defesa de Caio 13 de dezembro de 2020

Acusação de Caio 13 de novembro de 2020

Defesa de Tícia 01 de dezembro de 2020

Acusação de Tícia 10 de outubro de 2020


Diante do caso narrado:
a) Defina o instituto da prescrição da pretensão executória;
b) Indique o fundamento legal e jurisprudencial, de acordo com o
2
entendimento recente do STF, qual será o termo inicial da prescrição da
pretensão executória estatal para ambos os réus.

PADRÃO DE RESPOSTA

A prescrição é a perda do direito ou poder de punir do Estado em virtude do


decurso de tempo, consagrando o controle imposto em lei para que os órgãos
investigatórios e judiciários cumpram o seu dever em prazo determinado,
evitando-se a protelação indeterminada da ameaça punitiva em relação ao
autor da infração penal.
De acordo com o art. 112, I do Código Penal, a prescrição da pretensão
executória ocorre a partir do dia do trânsito em julgado da decisão condenatória
para a acusação. De acordo com a literalidade da norma, a prescrição
começaria a correr nos dias 13 de novembro de 2020 para Caio e 10 de
outubro de 2020, para Tícia.
Contudo, conforme entendimento do STF, o trânsito em julgado para ambas as
partes é condição para a execução da pena, em razão da prevalência do
princípio da presunção de inocência, sendo incompatível com a atual ordem
constitucional a expressão “para a acusação” do art. 112, I, do Código Penal,
sendo necessário interpretá-lo sistemicamente, com a fixação do trânsito em
julgado para ambas as partes como marco inicial da prescrição da pretensão
executória estatal pela pena concretamente aplicada em sentença condenatória.
Por fim, o STF fixou que seu entendimento se aplica aos casos em que (i) a
pena não foi declarada extinta pela prescrição; e (ii) cujo trânsito em julgado
para a acusação tenha ocorrido após o dia 11.11.2020, data em que o Plenário
do STF consolidou o entendimento de que o trânsito em julgado para ambas as
partes é condição para a execução da pena, em razão da prevalência do
princípio da presunção de inocência. Logo, no caso em comento, a prescrição
da pretensão executória do Estado começará a correr:
- Para Caio a partir do dia 13 de Dezembro de 2020, data do trânsito em
julgado para acusação e defesa, conforme decisão do STF
- Para Tícia: a partir do trânsito em julgado para a acusação, ou seja, no dia 10
de Outubro de 2020, por conta do marco temporal imposto pelo STF.

ESPELHO
3
TOTAL: ALUNO:

Definir a prescrição da pretensão executória; 25

Discorrer sobre o posicionamento do STF; 25

Afirmar que tal entendimento se aplica ao caso 50


narrado para Caio, por conta decisão do STF
e não se aplica para Tícia, por conta do marco
temporal imposto na decisão.

COMENTÁRIOS

A questão versa sobre o termo inicial da prescrição da pretensão executória.

O enfoque prescricional concentra-se, basicamente, em dois aspectos: a


perda da pretensão punitiva e a perda da pretensão executória, podendo-se
indicar que a primeira cuida da vedação ao próprio direito de punir, impedindo
que o Estado chegue a uma condenação válida e definitiva, enquanto a
segunda se refere à proibição de executar a pena estabelecida em condenação
válida e definitiva, ambas pelo decurso do prazo estipulado em lei (artigo 109,
CP).

perda da pretensão
punitiva vedação ao direito de punir

PRESCRIÇÃO
perda da pretensão
executória proibição de executar a pena
Quando ocorre a perda da pretensão punitiva, mesmo que haja a decisão
condenatória, esta se dilui como se não houvesse existido para todos os fins,
sem deixar rastro ou macular a folha de antecedentes do agente.
Consolidando-se a perda da pretensão executória, deixa-se de aplicar a pena
4
estabelecida validamente, remanescendo os efeitos penais secundários, como a
viabilidade de figurar como antecedente, a possibilidade de gerar reincidência e
até mesmo se tornando título executivo para a ação civil ex delicto.

Principais artigos sobre o tema no Código Penal:

Prescrição antes de transitar em julgado a sentença

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença


final, salvo o disposto no § 1 o do art. 110 deste Código, regula-se pelo
máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime,
verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito


anos e não excede a doze;

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro


anos e não excede a oito;

IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e


não excede a quatro;

V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou,


sendo superior, não excede a dois;

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um)


ano. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

Prescrição das penas restritivas de direito

Parágrafo único - Aplicam-se às penas restritivas de direito os


mesmos prazos previstos para as privativas de
liberdade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Prescrição depois de transitar em julgado sentença final


condenatória

Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença


condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos
fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o
condenado é reincidente. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
§ 1o A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito
em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso,
regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese,
ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou
queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

§ 2o (Revogado pela Lei nº 12.234, de 2010).


5

Termo inicial da prescrição antes de transitar em julgado a


sentença final

Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença


final, começa a correr: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)

I - do dia em que o crime se consumou; (Redação dada pela Lei


nº 7.209, de 11.7.1984)

II - no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade


criminosa; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a


permanência; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de


assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou
conhecido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

V - nos crimes contra a dignidade sexual ou que envolvam


violência contra a criança e o adolescente, previstos neste Código ou
em legislação especial, da data em que a vítima completar 18
(dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação
penal. (Redação dada pela Lei nº 14.344, de 2022) Vigência

Termo inicial da prescrição após a sentença condenatória


irrecorrível

Art. 112 - No caso do art. 110 deste Código, a prescrição


começa a correr: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória,


para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena
ou o livramento condicional; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)

II - do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o


tempo da interrupção deva computar-se na pena. (Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Antes da decisão condenatória, impondo a pena, a partir da data de


cometimento do delito (forma consumada ou tentada e situações especiais —
artigo 111, CP) inicia-se o curso do prazo prescricional da pretensão
punitiva, calcada na pena máxima abstrata cominada à infração penal.

Exemplo: Crime de Roubo (Artigo 157, caput, do Código Penal Brasileiro)

No Código Penal Brasileiro, o crime de roubo é previsto no Artigo 157 e possui


pena de reclusão, de 4 a 10 anos, e multa.

Roubo
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou
para outrem, mediante grave ameaça ou violência a
pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio,
reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

Vamos nos ater à pena de reclusão para fins do exemplo.

O crime de roubo é considerado um crime hediondo e possui pena máxima de


10 anos de reclusão. Nesse caso, o prazo prescricional será baseado na
pena máxima de 10 anos, desconsiderando a possibilidade de aumento ou
diminuição da pena devido a agravantes ou atenuantes.

Suponhamos que um roubo tenha sido cometido em 1º de janeiro de 2022.

A prescrição ocorrerá após o transcurso do prazo prescricional previsto para o


crime de roubo, que é de 16 anos, de acordo com o artigo 109, inciso II, do
Código Penal.

Portanto, se até o dia 1º de janeiro de 2038, o Estado não tiver executado a


ação penal e não houver uma decisão condenatória, o crime estará prescrito e
o autor não poderá mais ser punido.
Após o advento da decisão condenatória, com seu trânsito em julgado,
passa a existir uma pena concreta, que não mais poderá ser alterada sob o
7
ponto de vista da elevação, de modo que se mostra viável avaliar, ainda, se
houve a perda da pretensão punitiva por meio da prescrição retroativa (entre a
decisão condenatória e o marco imediatamente anterior que, para a maioria dos
casos, é o recebimento da denúncia ou queixa — artigo 117, CP) ou por
intermédio da prescrição intercorrente, subsequente ou superveniente (entre a
decisão condenatória, com trânsito em julgado para a acusação e o trânsito em
julgado para a defesa).

ARE 848.107/DF (INFORMATIVO 1101) - STF

Segundo s literalidade do Código Penal, a prescrição da pretensão executória


ocorre a partir do dia do trânsito em julgado da decisão condenatória para a
acusação até que o sentenciado inicie o cumprimento da pena ou reincida,
cometendo outro crime (art. 112, I, c. c. artigo 117, V e VI, CP).

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no ARE 848.107/DF (INFORMATIVO


1101), julgado em 30/06/2023, fixou a seguinte tese: “o prazo para a
prescrição da execução da pena concretamente aplicada somente
começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em
julgado para ambas as partes, momento em que nasce para o Estado a
pretensão executória da pena, conforme interpretação dada pelo Supremo
Tribunal Federal ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso
LVII, da Constituição Federal) nas ADC 43, 44 e 54”.

Através deste julgado ficou estabelecido que é incompatível com a atual ordem
constitucional — à luz do postulado da presunção de inocência (CF/1988,
art. 5º, LVII) e o atual entendimento do STF sobre ele — a aplicação
meramente literal do disposto no art. 112, I, do Código Penal. Por isso, é
necessário interpretá-lo sistemicamente, com a fixação do trânsito em julgado
para ambas as partes (acusação e defesa) como marco inicial da prescrição
da pretensão executória estatal pela pena concretamente aplicada em
8
sentença condenatória.

Conforme jurisprudência firmada no STF (HC 84.078; ADC 43; ADC 44; ADC
54; HC 115.269 e ARE 682.013 AgR), o Estado não pode determinar a
execução da pena contra condenado com base em título executivo não
definitivo, dada a prevalência do princípio da não culpabilidade ou da
presunção de inocência. Assim, a constituição definitiva do título judicial
condenatório é condição de exercício da pretensão executória do Estado.

Entenda o caso:

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o prazo de prescrição para o


Estado executar a pena começa a ser contado a partir da condenação
definitiva (trânsito em julgado) para a acusação e a defesa. A decisão foi
tomada na sessão virtual encerrada em 30/6, por maioria de votos, no
julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 848107, com
repercussão geral (Tema 788).

O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios


(MPDFT) contra decisão do Tribunal de Justiça local (TJDFT) que havia
reconhecido como marco inicial da contagem do prazo o trânsito em julgado
para a acusação, com base no artigo 112, inciso I, do Código Penal.

Para o MPDFT, a decisão teria contrariado entendimento do STF sobre a


necessidade de trânsito em julgado para ambas as partes a fim de que fosse
iniciada a execução. Segundo seu argumento, a pena não pode ser executada
antes de se tornar definitiva.

Tese

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: "O prazo para a prescrição
da execução da pena concretamente aplicada somente começa a correr do dia
em que a sentença condenatória transita em julgado para ambas as partes,
momento em que nasce para o Estado a pretensão executória da pena,
conforme interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal ao princípio da
9
presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal) nas ADC
43, 44 e 54".

Nesse contexto, a prescrição da pretensão executória pressupõe a inércia do


titular do direito de punir. Portanto, a única interpretação do inciso I do art. 112
do Código Penal compatível com esse entendimento é a que elimina do
dispositivo a locução “para a acusação” e define como termo inicial o
trânsito em julgado para ambas as partes, visto que é nesse momento
que surge o título penal passível de ser executado pelo Estado.

Ademais, a aplicação da literalidade do dispositivo impugnado, além de


contrária à ordem jurídico-normativa, apenas fomenta a interposição de
recursos com fins meramente procrastinatórios, frustrando a efetividade da
jurisdição penal.

Com base nesse e outros entendimentos, o Plenário do STF, por maioria, ao


apreciar o Tema 788 de repercussão geral, negou provimento ao agravo em
recurso extraordinário interposto pelo MPDFT e declarou a não recepção pela
Constituição Federal da locução “para a acusação”, contida art. 112,
inciso I (primeira parte), do Código Penal, conferindo-lhe interpretação
conforme a Constituição no sentido de que a prescrição começa a correr do
dia em que transita em julgado a sentença condenatória para ambas as partes.

IMPORTANTE!

O STF estabeleceu que esse entendimento se aplica aos casos em que


(i) a pena não foi declarada extinta pela prescrição; e

(ii) cujo trânsito em julgado para a acusação tenha ocorrido a partir do dia
12.11.2020.

o tema não se aplica aos processos com trânsito em julgado para a acusação
ocorrido até 11/11/2020 (data do julgamento das ADCs em que o STF estabeleceu
10
que o Estado não pode determinar a execução da pena contra condenado
com base em título executivo não definitivo ) e se aplica àqueles com trânsito
em julgado para a acusação ocorrido após aquela data.
QUESTÃO 02 A escola particular Abecedário da Lulu recebeu um e-mail de
um grupo de pais preocupados com o tratamento dos dados pessoais de
seus filhos, alunos matriculados na instituição. A escola coleta e armazena
informações como nome completo, idade, data de nascimento, endereço,
11
telefone, fotografia, registros acadêmicos e de saúde, entre outros dados, de
todas as crianças e adolescentes matriculados.

Os responsáveis estão preocupados com a falta de clareza sobre como a


escola utiliza esses dados, por quanto tempo eles são mantidos, quem tem
acesso a eles e se há compartilhamento com terceiros. Além disso, eles não
se lembram de terem dado um consentimento específico para o tratamento
dos dados de seus filhos.

Além disso, no email se queixavam da seguinte situação:

A página da escola na rede social instagram publica de forma recorrente


fotos dos alunos em momentos de diversão, aula, além de identificar a turma
que a criança pertence.

Considerando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), analise a situação


e discorra sobre as obrigações da escola em relação ao tratamento dos
dados pessoais de crianças e adolescentes.

PADRÃO DE RESPOSTA

De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o tratamento dos


dados pessoais de crianças e adolescentes é uma questão sensível e deve ser
realizado com especial atenção e cuidado.
A LGPD estabelece que o tratamento de dados pessoais de crianças e
adolescentes menores de 18 anos somente pode ser realizado com o
consentimento específico e por escrito de pelo menos um dos pais ou
responsável legal. Esse consentimento deve ser informado, claro e destacado,
permitindo que os pais compreendam plenamente a finalidade do tratamento.
A escola a partir do momento que possui em seus sistemas informações sobre
dados pessoais dentre outros dados sensíveis, é considerada como
controladora dos citados dados, vez que a ela compete às decisões referentes
ao tratamento daqueles além do dever legal de tratá-los observando as regras
e os princípios traçados pela LGPD, sob pena de ser responsabilizada
civilmente perante o Poder Judiciário e administrativamente junto à Autoridade
12
Nacional de Proteção de Dados. As sanções passíveis poderão consistir em
mera advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas,
ou serem mais drásticas como multa de até 2% do faturamento da pessoa
jurídica de direito privado.

ESPELHO DE CORREÇÃO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Falar sobre art. 14 da LGPD sobre coleta de 25


dados

Compreensão obre a escola como controladora 25


de dados

Sanções passíveis pena ANPD 25

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 25

COMENTÁRIOS

Breve análise sobre a Lei Geral de Proteção de Dados


A proteção de dados pessoais tem ganhado cada vez mais importância na
atual sociedade da informação, tendo em vista a coleta indiscriminada de
dados e o permanente monitoramento das pessoas para atender às crescentes
exigências de segurança interna e externa, interesses de mercado e
reorganização da gestão pública.
Frequentemente, vemos nossos dados sendo coletados por organizações para
o direcionamento de campanhas de publicidade ou até mesmo para decisões
como concessão de crédito ou para a concessão de direitos contemplados por
políticas públicas.
Nas palavras de Gustavo Tepedino

13

Estas questões ganham ainda mais complexidade com o surgimento da


inteligência artificial, que trouxe numerosos desafios para o Direito,
notadamente no que tange à identificação dos responsáveis pelos atos
praticados por robôs, à imputação do dever de indenizar.
Conforme destaca o autor

Desta forma, a proteção de dados deve ser vista como aspecto essencial da
tutela da dignidade da pessoa humana, uma vez que devem ser evitadas
discriminações que não encontrem fundamento constitucional e afastadas
práticas que possam reduzir a liberdade e a autonomia dos indivíduos, a
exemplo de decisões que sejam tomadas a partir da análise de dados não
informada ao seu titular ou à luz de critérios não transparentes.

Contudo, até 2018, o ordenamento jurídico brasileiro não dispunha de uma lei
específica para a proteção de dados pessoais, sendo que sua tutela amparava-
se em dispositivos da Constituição da República (art. 5º, X e XIII, que
contemplam a inviolabilidade da intimidade e da vida privada e o sigilo de
dados), do Código Civil (com o direito fundamental à privacidade previsto no
art. 21) e em outras leis esparsas como o CDC (Código de Defesa do
Consumidor), o Marco Civil da Internet, a Lei de Acesso à Informação e a Lei
do Cadastro Positivo.

Neste sentido, mesmo antes da LGPD, um importante Enunciado chegou a ser


aprovado pela II Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF),
sob coordenação do professor Gustavo Tepedino:
Todavia, de acordo com Gustavo Tepedino

14

Por isto, a aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (L13709 de


2018, vulgarmente conhecida como “LGPD”) foi extremamente importante, haja
vista que o ordenamento jurídico brasileiro passou a contar com uma disciplina
própria voltada à regulamentação da proteção de dados pessoais.
Nada obstante, de acordo com a professora Milena Donato,

Assim, aquele que coleta e trata dados, por lidar com bens alheios, passa a ter
o dever fundamental de prestar contas: como e quais dados são coletados,
como são tratados, armazenados etc.
Note, então, que a “LGPD não tem como fim os dados de empresas ou
instituições públicas e privadas, mas os dados que essas pessoas jurídicas têm
das pessoas físicas, portanto enquadram-se dentro dessas pessoas físicas
protegidas pela LGPD: funcionários, parceiros, clientes, terceiros e acionistas,
entre outros.”
OBSERVAÇÃO! Atualmente a proteção de dados pessoais conta ainda com
previsão no rol do art. 5º da Constituição Federal, fruto das alterações
promovidas pela Emenda Constitucional nº 115 de 2022. Veja:

A conceituação dos institutos previstos na LGPD encontra-se no rol do art. 5º,


cuja leitura é imprescindível.

O conhecimento prévio dos conceitos legais de “dados pessoais”, “dados


pessoais sensíveis”, “titular”, “controlador”, “operador” e “tratamento” é
fundamental para o entendimento holístico do regime jurídico da proteção dos
dados pessoais que é, fundamentalmente, definido pela via legislativa.
15
16
17
18

Dados Pessoais e Dados Pessoais Sensíveis, nas palavras de Anderson


Schreiber
19

Assim, dado pessoal é toda e qualquer informação relacionada a pessoa


natural titular identificada ou identificável. Pode englobar tanto informações que
identifiquem diretamente uma pessoa natural como seu nome completo,
número de CPF, quanto informações a ela relacionadas, de diversas naturezas.

Já os dados pessoais sensíveis, dada a sua intrínseca relação com os


aspectos mais íntimos da personalidade e dignidade humana, são dotados de
proteção maior.

Em relação aos dados pessoais sensíveis confira recente Enunciado do CJF:

Conforme previsto pelo legislador, considera-se “tratamento de dados”


qualquer atividade que utilize um dado pessoal na execução da sua operação.

Trata-se, por exemplo, da coleta, produção, recepção, classificação, utilização,


acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento,
armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação,
comunicação, transferência, difusão ou extração.

Sendo assim, o tratamento envolve toda a vida útil de um dado pessoal, todo
seu histórico, tudo que ocorre com o dado desde seu nascimento, utilização até
sua eliminação. Trata-se de um conceito legal amplo, de sorte que o simples
20
armazenamento do dado, sem utilizá-lo efetivamente para nenhum fim a
princípio, já revela-se uma operação de tratamento.

Desde já, perceba que o tratamento é realizado por um alguém que, segundo a
lei, recebe o nome de “agente de tratamento”, conforme se verá
oportunamente.

Nesse viés, considerando a fundamentalidade (art. 5º, LXXIX, CF88) de que


gozam não só os dados pessoais, como sua proteção em si, o tratamento deve
observar a boa-fé e respeitar certos limites e garantias previstas na lei.

Atrela-se ao tratamento dos dados pessoais, portanto, o dever anexo de


prestação de contas (princípio republicano e democrático), além da garantia da
segurança, bem como transparência e possibilidade de consulta aos titulares.

O artigo 8º trata propriamente do consentimento dos dados, requisito


fundamental para a operação de tratamento. Combinando-o com o art. 11, I da
Lei, fica claro que o titular ou responsável legal pelos dados pessoais deve
consentir, de forma específica e destacada, para que o tratamento se dê
segundo finalidades específicas.

A pessoa que é titular dos dados deve estar ciente da finalidade da coleta e
uso, bem como deve poder acessar seu conteúdo a qualquer momento. Sendo
assim, segundo o regime jurídico da LGPD, o consentimento do titular de
dados é elemento essencial para o legítimo tratamento.

O art. 11 da LGPD trata especificamente do tratamento dos dados pessoais


sensíveis, que goza de maior proteção jurídica. Fique atento que o art. 11, II
21
prevê algumas exceções no que toca à necessidade de consentimento do
titular de dados.

Proteção de dados de crianças e adolescentes


O artigo 14 da lei, em seu caput, diz que o tratamento de dados de crianças e
adolescentes deverá atender ao Princípio do melhor interesse do menor – já
tão enraizado em normas dispostas no ECA e no Código Civil. É em nome
desse princípio, que seus direitos fundamentais são especialmente observados
no regramento jurídico, sendo obrigação do Estado garantir medidas de
proteção à criança e ao adolescente, que deverão ser acompanhadas,
fiscalizadas e cumpridas pela família e comunidade. Em sendo assim, foi
necessário que a LGPD trouxesse um impacto ainda mais protetivo a estes
sujeitos, que têm um papel assíduo na internet, fornecendo seus dados
pessoais.

Entretanto, ao continuar na leitura detida da norma, ela traz um ponto


controvertido em seu parágrafo 1° quando afirma que “o tratamento de dados
pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico e
em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal”, não
fazendo constar, portanto, os “adolescentes” no texto da norma.

ela leitura objetiva do artigo e seus parágrafos, entende-se que o tratamento de


dados pessoais de adolescentes deve atender a seu melhor interesse. Já para
o tratamento de dados pessoais de crianças, deverá haver também o
consentimento específico e em destaque fornecido pela mãe, pai ou
responsável legal.

Resta nítida, pela leitura do artigo 14, que as normas trazidas pelos parágrafos
2° à 6° se referem ao sujeito indicado no parágrafo 1°: as crianças. Isto pois, na
redação de todos estes parágrafos, o legislador fez constar expressões como “
No tratamento de dados de que trata o § 1º deste artigo” ou “dos titulares de
que trata o § 1º deste artigo” ou “consentimento a que se refere o § 1º deste
artigo”.

Partindo deste pressuposto, aos adolescentes, aqueles entre doze e dezoito


anos de idade (conforme artigo 2° do ECA), a LGPD apenas determinou que o
tratamento do dado seja realizado em seu melhor interesse. Já às crianças
(pessoas de até doze anos de idade incompletos), reservou a lei maior
proteção, obrigando à observação não só do melhor interesse, mas ainda do
consentimento livre e inequívoco do responsável legal.

Tendo em vista uma suposta fragilidade no tratamento de dados pessoais de


adolescentes e para que não haja a desproteção destes, é possível que a
Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publique diretrizes
interpretativas pautadas no viés do artigo 14 da Lei. Todavia, ao que parece,
ela está em consonância com a GDPR (General Data Protection Regulation),
lei de proteção de dados da União Europeia, na qual foi inspirada.

No caso dos menores, tem- se, ainda, que discutir a prescrição do


22
consentimento dado pelos pais ou responsáveis, pois a LGPD não define um
prazo prescricional. Sem esta definição, interessante seria atrelar a validade do
consentimento à finalidade da coleta do dado ou ao atingimento da maioridade
pelo titular do dado, ou seja, o consentimento estaria válido até que perdurasse
a finalidade para a qual ele foi dado, e desde que não seja ele retirado pelos
responsáveis legais do menor, ou estaria válido até que o titular complete 18
anos – ressalvadas as hipóstes de emancipação.

Os parágrafos 2° a 6° do artigo 14 (ressalvada crítica que se fará ao parágrafo


6° mais adiante) se referem à proteção de dados pessoais de crianças apenas,
excluindo-se os adolescentes-, ainda vale entender como se daria o
consentimento dos pais ou responsáveis para a coleta de dados pessoais das
crianças.

Isto pois, este consentimento deverá ser uma manifestação livre, informada e
inequívoca, seguindo os parâmetros do artigo 5°, inciso XII da lei, sendo
obrigação do controlador do dado manter pública as informações sobre os
dados coletados (quais foram e como estão sendo utilizados e armazenados) e
realizar todos os possíveis esforços razoáveis para conferir se tal
consentimento foi dado realmente pelo responsável do menor.

Deixemos a seguinte situação a ser analisada: numa sociedade tão vulnerável


à fraudes tecnológicas, como o controlador do dado terá certeza de que este
consentimento foi dado pelo responsável pela criança? A LGPD não traz esta
resposta, que dependerá, certamente, de diretrizes da ANPD- Autoridade
Nacional de Proteção de Dados.
QUESTÃO 03 Luís, cliente do plano de saúde VIP, foi acometido de uma
doença que provoca o desgaste de suas vértebras. Seu médico receitou
determinado procedimento cirúrgico. Ocorre que o plano não autorizou o
custeio argumentando que esse tratamento não está no rol de procedimentos
23
previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, alegando,
portanto, que esse seria taxativo. Diante disso, Luís ajuizou ação contra o
plano de saúde VIP sustentando a tese de que o rol de procedimentos e
eventos da ANS é meramente exemplificativo, e que o procedimento
recomendado é o mais adequado para o tratamento da enfermidade, segundo
pesquisas científicas e o próprio laudo médico.

Conforme o enunciado, responda, fundamentadamente, se há razão por parte


de Luís.

PADRÃO DE RESPOSTA

A saúde suplementar, prevista na CF/88, é o conjunto de ações e serviços


desenvolvidos por operadoras de planos e seguros privados de assistência
médica à saúde sem vínculo com o SUS. Essas operadoras estão submetidas
às normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), regulada pela
lei 9.961/2000. No caso em tela, pode-se dizer que há razão por parte de Luís,
uma vez que o STJ recentemente decidiu que, apesar da natureza taxativa do
rol de procedimentos e eventos da ANS, é abusiva a negativa da cobertura,
pelo plano de saúde, de tratamento considerado apropriado para resguardar a
saúde e a vida do paciente. Ademais, em setembro de 2022 foi sancionada a
lei 14.454 que, alterando a lei 9.656/98 (que dispõe sobre os planos e seguros
privados de assistência à saúde), dispôs que o rol de procedimentos e eventos
em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação,
constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde.
Ou seja, o Poder Legislativo decidiu soberanamente que o rol em questão
possui natureza meramente exemplificativa. Entretanto, ficou previsto na
mesma lei que quando o procedimento não estiver abarcado pelo rol da ANS
deverá preencher algum dos seguintes requisitos: (i) comprovação da eficácia,
à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano
terapêutico; ou (ii) existam recomendações pela Comissão Nacional de
24
Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista
recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em
saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também
para seus nacionais. Assim, resta incontroverso o fato de que há razão por
parte de Luís para que, com amparo na jurisprudência e na lei, tenha seu pleito
atendido.

ESPELHO DE CORREÇÃO

Nesta questão abordamos o ponto "Contratos de plano e de seguro de


saúde" do conteúdo programático

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Discorrer a respeito da saúde suplementar 20

Discorrer a respeito da natureza do rol ANS 20

Citar a jurisprudência do STJ 20

Citar a lei 14.454/2022 20

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 20

COMENTÁRIOS

A saúde suplementar

É o conjunto de ações e serviços desenvolvidos por operadoras de planos


e seguros privados de assistência médica à saúde e que não têm vínculo com
o Sistema Único de Saúde (SUS). Possui base no art. 199 da Constituição:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

25
O principal objetivo da saúde suplementar é auxiliar na garantia do acesso
da população ao plano de saúde e à assistência hospitalar, como forma
adicional de concretização do direito fundamental à saúde (art. 6º e 196
CF/88).

Entretanto, só foi regulamentada em 1998, através da Lei 9.656, que trata


dos Planos de Saúde e as empresas deste ramo. A partir da criação da lei
foram estabelecidos os principais requisitos e diretrizes para o melhor
funcionamento deste segmento.

A regulação e fiscalização dessas atividades é feita pela Agência Nacional


de Saúde Suplementar (ANS), que é disciplinada pela lei 9.961/2000.

Saúde suplementar e relação de consumo

Cabe ressaltar que há relação jurídica de consumo nos planos de saúde,


pois o consumidor é o titular de planos de saúde, seus dependentes, os
agregados, os beneficiários, os usuários, ou seja, todos os que utilizam ou
adquirem planos de saúde como destinatários finais ou equiparados.

E o fornecedor, por sua vez, é a operadora de planos de assistência à


saúde, aquela que oferece serviços de assistência à saúde, isto é, as pessoas
jurídicas constituídas sob a modalidade medicina de grupo, seguradora
especializada em saúde, cooperativa, filantrópica e administradora de
benefício.

A já mencionada lei 9.656/1998, em seu artigo 35 G, dispôs que se


aplicam subsidiariamente aos contratos de planos privados de assistência à
saúde as disposições do Código de Defesa do Consumidor:
"Artigo 35-G. Aplicam-se subsidiariamente aos contratos
entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o
inciso I e o §1º do artigo 1º desta Lei as disposições da
26
Lei nº 8.078, de 1990."

Isto porque o CDC é lei geral e se aplica a toda relação de consumo, a Lei
9.656/1998, por sua vez, é especial, e regula os planos privados de assistência
à saúde, isto é, os planos de saúde, incluindo nesta terminologia os seguros-
saúde.

Cláudia Lima Marques critica a expressão adotada pelo legislador. A


terminologia adequada à aplicação do CDC deveria ser complementar:

"Este artigo da lei especial não está dogmaticamente


correto, pois determina que norma de hierarquia
constitucional, que é o CDC (artigo 48 ADCT/CF88),
tenha apenas aplicação subsidiária a normas de
hierarquia infraconstitucional, que é a Lei 9.656/98, o que
dificulta a interpretação da lei e prejudica os interesses
dos consumidores que queria proteger. Sua ratio deveria
ser a de aplicação cumulativa de ambas as leis, no que
couber, uma vez que a Lei 9.656/98 trata com mais
detalhes os contratos de planos privados de assistência à
saúde do que o CDC, que é norma principiológica e
anterior à lei especial. Para a maioria da doutrina, porém,
a Lei 9.656/98 tem prevalência como lei especial e mais
nova, devendo o CDC servir como lei geral principiológica
a guiar a interpretação da lei especial na defesa dos
interesses do consumidor, em especial na interpretação
de todas as cláusulas na maneira mais favorável ao
consumidor (artigo 47 do CDC). Particularmente defendo,
em visão minoritária, a superioridade hierárquica do
CDC."

Nesse sentido, entende-se, ser perfeitamente admissível a aplicação


cumulativa e complementar da Lei 9.656/98 e do Código de Defesa do
27
Consumidor aos planos de saúde. Da lei geral extraem-se os comandos
principiológicos aplicáveis à proteção do consumidor, ao passo que à
legislação específica caberá reger, de forma minudenciada, os planos de
saúde.

Competência para elaborar a lista de procedimentos

Uma das atribuições da ANS é a de elaborar uma lista de procedimentos


que deverão ser custeados pelas operadoras de planos de saúde. Essa
competência está prevista no art. 4º, III, da Lei nº 9.961/2000:

Art. 4º Compete à ANS:


(...)
III - elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde,
que constituirão referência básica para os fins do disposto
na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas
excepcionalidades;

Assim, se o tratamento estiver previsto no rol da ANS, o plano de saúde


deverá fornecê-lo. Atualmente o rol está previsto na Resolução Normativa RN
465/2021.

Natureza jurídica do rol de procedimentos da ANS

Num primeiro momento, a 2ª seção do STJ (que trata de casos


envolvendo o Direito Privado), no EREsp 1.886.929-SP, julgado em
08/06/2022, assim decidiu:
1 - O rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra,
taxativo;

2 - A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com


28
tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente,
outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

3 - É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo


contratual para a cobertura de procedimento extra rol;

4 - Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol


da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado
pelo médico ou odontólogo assistente, desde que
(i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do
procedimento ao rol da Saúde Suplementar;
(ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em
evidências;
(iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como
CONITEC e NATJUS) e estrangeiros; e
(iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado
com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a
Comissão de Atualização do rol de Procedimentos e Eventos em Saúde
Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a
Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

Nos termos do art. 1º da Lei nº 9.656/98, os planos privados de


assistência à saúde consistem em prestação continuada de serviços ou
cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós-estabelecido, por prazo
indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a
assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais
ou serviços de saúde livremente escolhidos, integrantes ou não de rede
credenciada, contratada ou referenciada, visando à assistência médica,
hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da
operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador,
por conta e ordem do consumidor.

Por clara opção do legislador, extrai-se do art. 10, § 4º, da Lei nº


29
9.656/98, c/c o art. 4º, III, da Lei nº 9.961/2000, que é atribuição da ANS
elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão
referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de
Saúde.

A Medida Provisória nº 1.067, de 2 de setembro de 2021, convertida na


Lei nº 14.307/2022, alterou o art. 10 da Lei nº 9.656/98 para, uma vez mais,
explicitar que, a amplitude da cobertura legal no âmbito da Saúde
Suplementar, será estabelecida em norma editada pela ANS (rol) e sua
atualização a cada 120 dias:

Art. 10 (...)
§4º A amplitude das coberturas no âmbito da saúde
suplementar, inclusive de transplantes e de
procedimentos de alta complexidade, será estabelecida
em norma editada pela ANS. (Redação dada pela Lei nº
14.307, de 2022).

(...)
§8º Os processos administrativos de atualização do rol de
procedimentos e eventos em saúde suplementar
referente aos tratamentos listados nas alíneas c do inciso
I e g do inciso II do caput do art. 12 desta Lei deverão ser
analisados de forma prioritária e concluídos no prazo de
120 (cento e vinte) dias, contado da data em que foi
protocolado o pedido, prorrogável por 60 (sessenta) dias
corridos quando as circunstâncias o exigirem. (Incluído
pela Lei nº 14.307, de 2022).
Por um lado, não se pode deixar de observar que o rol mínimo e
obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia
do consumidor para assegurar direito à saúde, em preços acessíveis,
contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por
30
conseguinte, considerar esse mesmo rol meramente exemplificativo
representaria, na verdade, negar a própria existência do "rol mínimo" e,
reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais extensa faixa da
população.

A submissão ao rol da ANS, a toda evidência, não privilegia nenhuma das


partes da relação contratual, pois é solução concebida e estabelecida pelo
próprio legislador para harmonização da relação contratual.

É importante pontuar que não cabe ao Judiciário, via de regra, se


substituir ao legislador, violando a separação de poderes e suprimindo a
atribuição legal da ANS ou mesmo efetuando juízo voluntarista.

Observa-se que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do


Consumidor devem levar em conta o art. 4º daquele diploma, que contém uma
espécie de lente através da qual devem ser examinados os demais
dispositivos, notadamente por estabelecer os objetivos da Política Nacional
das Relações de Consumo e os princípios que devem ser respeitados, entre
os quais se destacam, no que interessa ao caso concreto, a "harmonia das
relações de consumo" e o "equilíbrio nas relações entre consumidores e
fornecedores".

Na verdade, o contrato de assistência à saúde põe em confronto dois


valores antagônicos. De um lado, a operação econômica, cujo equilíbrio deve
ser preservado como meio de assegurar a utilidade do contrato (a assistência
prometida). De outro lado, o interesse material do consumidor na preservação
da sua saúde. Nesse rumo, é digno de registro que a uníssona doutrina
especializada e a majoritária consumerista alertam para a necessidade de não
se inviabilizar a saúde suplementar, realçando que "uma das grandes
dificuldades em relação ao contrato de seguro e planos de assistência à saúde
diz respeito à manutenção do equilíbrio das prestações no tempo".

A disciplina contratual "exige uma adequada divisão de ônus e benefícios,


31
na linha de que os estudos sobre contratos relacionais no Brasil vêm
desenvolvendo, dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de
interesses, objetivos e padrões. Isso terá de ser observado tanto em relação à
transferência e distribuição adequada dos riscos quanto na identificação de
deveres específicos ao fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo
custos de forma racional e prudente".

A lei 14.454 de 2022

Como já mencionado, em junho de 2022 o STJ decidiu que o rol de


Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo. Ocorre
que, depois de uma grande mobilização popular, o Congresso Nacional editou
a Lei nº 14.454/2022, que buscou superar o entendimento firmado pelo STJ. A
Lei alterou o art. 10 da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98), incluindo o §
12, que passou a prever o caráter exemplificativo do rol da ANS:

Art. 10
(...)
§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde
suplementar, atualizado pela ANS a cada nova
incorporação, constitui a referência básica para os planos
privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º
de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta
Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.

Vale ressaltar, contudo, que, para o plano de saúde ser compelido a


custear, é necessário que esteja comprovada a eficácia do tratamento ou
procedimento, nos termos do § 13, também inserido:
§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito
por médico ou odontólogo assistente que não estejam
previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura
deverá ser autorizada pela operadora de planos de
32
assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da
saúde, baseada em evidências científicas e plano
terapêutico; ou
II - existam recomendações pela Comissão Nacional de
Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde
(Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um)
órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha
renome internacional, desde que sejam aprovadas
também para seus nacionais.

Efeito Backlash

Segundo Robert Post, o chamado efeito backlash pode ser compreendido


como um movimento de grande rejeição/reprovação de certa decisão judicial,
acompanhado da adoção de medidas de resistência que buscam minimizar
sua efetividade, tornando-a inócua, podendo essas medidas serem tomadas,
dentre outros:
i) pelos outros Poderes, que, além de adotarem medidas em sentido
contrário, podem deixar de cumprir a decisão ou a cumprirem de forma irrisória
ou insuficiente, o que pode levar a uma crise institucional;
ii) pela correção legislativa da jurisprudência constitucional, especialmente
por meio de Emendas à Constituição;
iii) pelo próprio povo, que pode não cumprir a decisão ou a cumprir de
forma irrisória ou insuficiente, ou mesmo, resistir a ela (direito de resistência).

Nesse sentido, pode-se dizer que o efeito backlash é uma reação


majoritária contra uma decisão contramajoritária. No caso da decisão do STJ e
do projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional vemos claramente o
backlash sendo aplicado, em face da forte rejeição por parte da sociedade em
decorrência da decisão judicial proferida pelo STJ.

33

Posição do STJ após a lei 14.454/2022

Acerca da temática, existem decisões do STF atribuindo ao rol uma


natureza exemplificativa:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO
DE SAÚDE. COBERTURA. RECUSA INJUSTIFICADA.
ANS. ROL EXEMPLIFICATIVO. TRANSTORNO
DEPRESSIVO GRAVE. TRATAMENTO. DEVER DE
COBERTURA. RECUSA INDEVIDA. DANOS MORAIS.
CARACTERIZAÇÃO. 2. A Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça reafirmou a jurisprudência no sentido
do caráter meramente exemplificativo do rol de
procedimentos da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), reputando abusiva a negativa da
cobertura, pelo plano de saúde, do tratamento
considerado apropriado para resguardar a saúde e a vida
do paciente. 3. A jurisprudência desta Corte Superior
reconhece a possibilidade de o plano de saúde
estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o
tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma
delas. 4. É abusiva a negativa da cobertura, pelo plano de
saúde, de tratamento/medicamento considerado
apropriado para resguardar a saúde e a vida do paciente.
5. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no
sentido de que, tendo se caracterizado a recusa indevida
de cobertura pelo plano de saúde, deve ser reconhecido o
direito à indenização por danos morais, pois tal fato
agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no
espírito do usuário, já abalado e com a saúde debilitada.
(STJ - AgInt no REsp 1976123 / DF, AGRAVO INTERNO
NO RECURSO ESPECIAL 2021/0384772-5, RELATOR
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, ÓRGÃO
34
JULGADOR: T3 - TERCEIRA TURMA, DATA DO
JULGAMENTO: 28/11/2022, DATA DA PUBLICAÇÃO Dje
09/12/2022).

Entretanto, grande parte das decisões ainda apresentam um entendimento


voltado para uma taxatividade mitigada do rol da ANS. Ex: julgamento dos
Embargos de Divergência 1.889.704-SP e 1.886.929-SP, nos quais a 2ª Seção
do STJ, por maioria, fixou entendimento pela taxatividade mitigada do rol da
ANS, ou seja, estabeleceu a taxatividade como regra, mas fixou critérios para a
cobertura de tratamento que não estejam previstos no rol.

Em fevereiro deste ano, o colegiado rejeitou por maioria de votos a


proposta de levar o tema a julgamento por meio de incidente de assunção de
competência (IAC). Trata-se do instrumento jurídico que redireciona a
competência para o julgamento de um caso que se mostre relevante em sua
questão de Direito.

A ideia foi apresentada pelo ministro Raul Araújo. A decisão em IAC tem
caráter vinculante. Assim, além de firmar a posição do STJ sobre o tema,
evitaria decisões divergentes nos juízos e tribunais de segundo grau por todo o
Brasil. A principal decisão a ser tomada é se a lei vai retroagir para situações
consolidadas antes de sua entrada em vigor.

O ministro Raul Araújo ressaltou que essa ideia coloca as instâncias


ordinárias em uma posição complicada: elas têm um precedente vinculante que
aponta para a taxatividade do rol e uma lei posterior que diz que o mesmo é
exemplificativo. Um deles precisará ser ignorado, e isso não acontecerá de
maneira uniforme.
Entretanto, a ministra Nancy Andrighi se opôs ao julgamento do tema em
IAC. Classificou a ideia como prematura e propôs que a discussão seja feita
primeiro em processos julgados pelas 3ª e 4ª Turmas do tribunal, para que a
decisão vinculante eventualmente tomada reflita uma posição amadurecida.
35

Posição do STF acerca das ADIs propostas em face da lei 14.454/2022

O Plenário do Supremo Tribunal Federal determinou o arquivamento das


ações que tratavam do rol de cobertura dos planos de saúde. A matéria era
tratada na ADI 7193 e nas ADPFs 986 e 990, mas, com a edição da Lei
14.454/2022, que disciplinou a matéria, a maioria do Plenário entendeu que a
questão foi solucionada pelo Poder Legislativo.

O Plenário também examinou as ADIs 7088 e 7183, ajuizadas pela


Associação Brasileira de Proteção aos Consumidores de Planos de Saúde -
Saúde Brasil e pelo Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das
Pessoas com Deficiência (CRPD). Além do rol, eles questionavam os prazos
máximos para a atualização do rol e para processo administrativo sobre o
tema, a composição da Comissão de Atualização do Rol e os critérios para
orientar a elaboração de relatório pela comissão. Contudo, esses pedidos, por
maioria, foram julgados improcedentes.

Barroso considerou os prazos razoáveis e concluiu que a resolução da


ANS garante a presença de representantes de entidades de defesa do
consumidor, de associações de usuários de planos de saúde e de organismos
de proteção dos interesses das pessoas com deficiências e patologias
especiais na comissão. Em relação aos critérios para o relatório, o ministro
disse que a avaliação econômica contida no processo de atualização e a
análise do impacto financeiro da incorporação dos tratamentos demandados
são necessárias para garantir a manutenção da sustentabilidade econômico-
financeira dos planos de saúde.
QUESTÃO 04 Ana foi presa preventivamente por crime em que não se verificou
violência ou grave ameaça. Também não foi comprovada a sua influência na
operação, sendo apenas mais uma integrante da quadrilha, e não a líder do
grupo.
36
Considerando que Ana está grávida de 04 meses, questiona-se:
a) a Defensoria Pública é apta para tutelar interesses de nascituros?

b) O que fazer diante de prisão preventiva da ré gestante, poderia a


Defensoria pleitear a substituição da prisão cautelar de Ana por prisão
domiciliar?

PADRÃO DE RESPOSTA

A Defensoria Pública é apta para tutelar interesses de nascituros, notadamente


em razão de ser o nascituro pessoa humana e, por isso, merecedor da tutela
específica de sua integridade e dignidade. Isso porque, muito embora não se
possa falar em personalidade jurídica do nascituro por força do artigo 2º do
CC/02, esse impedimento não se estende à existência da própria pessoa, uma
vez que os conceitos de personalidade e pessoa não se confundem.
Historicamente, se defendia que o Código Civil previa a chamada teoria
natalista, segundo a qual os direitos da personalidade começariam com o
nascimento com vida. Atualmente, esse entendimento foi revisitado pelas
cortes superiores, tendo o STJ se manifestado no sentido de compreender que
as teorias mais restritivas dos direitos do nascituro – natalista e da
personalidade condicional – fincam raízes na ordem jurídica superada pela
Constituição Federal de 1988. Com o Código Civil de 2002, então, não há mais
que se rechaçar a tutela dos interesses dos nascituros, pela encampação da
teoria concepcionista mais protetiva. Portanto, a tutela dos interesses do
nascituro se revela de acordo com os fins institucionais previstos no art. 134 da
CRFB/88. Assim, em caso de ré gestante presa preventivamente, por força do
que prevê o art. 318-A do CPP, a Defensoria deverá sugerir a substituição da
prisão cautelar por prisão domiciliar, caso atendidos os requisitos previstos no
artigo em comento.

37

ESPELHO

Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00


I número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
morfossintaxe e propriedade vocabular);

Indicar expressamente a possibilidade de


II substituição da prisão preventiva, conforme a - 0,0 a 30
recente alteração promovida na redação dos pontos
arts. 318 e 318-A do CPP, apontando, contudo,
seus requisitos concessivos;

Afirmar que há sim dever e legitimidade por


III parte da Defensoria Pública em tutelar os - 0,0 a 40
interesses do nascituro, abordando as principais pontos
teorias acerca da personalidade civil;

IV Trazer o conhecimento acerca dos - 0,0 a 20


entendimentos do STJ e STF, fazendo uma pontos.
abordagem histórica e demonstrando
conhecimento acerca da teoria vigente à época
do antigo código e a defendida pelo atual.
TOTAL 100

COMENTÁRIOS

A questão aborda os chamados “Direitos da Personalidade”.


Em um primeiro momento, a resposta pode parecer óbvia, mas, não se
enganem: a tutela dos interesses de nascituro acautelado injustamente já foi
objeto de bastante discussão doutrinária e jurisprudencial, muitos Habeas
Corpus foram impetrados com vistas à promover a o relaxamento da prisão em
prol do nascituro. E, muitos deles, foram impetrados pela Defensoria Pública.
Nisso, vale recordar o que prevê o texto do artigo 134 da Constituição Federal
de 1988:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição
38
permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe, como expressão e
instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a
promoção dos direitos humanos e a defesa, em
todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos
individuais e coletivos, de forma integral e gratuita,
aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art.
5º desta Constituição Federal. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

Pelo que se extrai do artigo acima, cabe à Defensoria a tutela dos


necessitados, em prol de sua proteção ampla e assegurando-se seus direitos
humanos. Nesse raciocínio, o nascituro, ou seja, aquela criança gerada, porém
ainda não nascida, estando no ventre de sua mãe, também deveria ser
considerada pessoa titular de direitos e deveres não é mesmo?
Vejamos que a situação encontra resposta nos contornos das teorias da
personalidade. Em resumo, o que se pretende aqui explicar é que:
1- Se é a partir da personalidade que a pessoa adquire a capacidade de
ser titular de direitos e deveres na ordem civil, quando se pode
considerar o termo inicial? Seria ele do nascimento com vida, ou da
simples concepção?
2- Caso se entenda que é do nascimento com vida, então, o nascituro não
possui nenhum direito e contra ele podem ser cometidas, inclusive,
violações às liberdades individuais?
3- Caso se entenda que é da concepção, qual seria o papel da Defensoria
Pública no caso de prisão preventiva dessa gestante? Haveria alguma
forma de preservar a integridade do nascituro através do judiciário? Qual
seria ela?
4- Já existe resposta pelos tribunais superiores (STF e STJ) para essas
perguntas acima?
5- Qual a teoria adotada pelo atual Código Civil?

É isso que se passa a demonstrar. 39


Segundo o Código Civil de 2002, o termo inicial dos direitos da personalidade é
o nascimento com vida. Ao contrário de outros ordenamentos jurídicos, o
brasileiro considera que qualquer ser humano, sem distinção, tem total
possibilidade de ser sujeito de direitos e obrigações.
Neste sentido, o artigo 1º do Código Civil anuncia que “toda pessoa é capaz
de direitos e deveres na ordem civil”. Aqui, verifica-se a capacidade de
direito, que não se confunde com a capacidade de exercício ou de fato, que
depende do preenchimento de requisitos legais, para que seja possível exercer
plena e pessoalmente os atos da vida civil.
Ou seja, o ordenamento jurídico brasileiro, na parte inicial do artigo 2º do
Código Civil de 2002, adota a teoria natalista. Todavia, a doutrina vem
recentemente interpretando que o dispositivo traz, na verdade, a teoria
concepcionista, reconhecendo ao nascituro a titularidade de direitos
personalíssimos - vida, nome, proteção pré-natal, etc - condicionando os
direitos patrimoniais ao nascimento com vida.
O STJ admite, inclusive, que o nascituro possa sofrer dano moral. Logo, a
teoria adotada é a concepcionista, doutrinariamente.
Inicialmente, se sustentava que o código preconizava a teoria natalista,
segundo a qual apenas o nascido com vida teria direitos reconhecidos.
Todavia, o mesmo artigo 2º informa que a lei põe a salvo, desde a concepção
os direitos do nascituro (concebido, mas ainda não nascido).

Assim, vejamos os requisitos deste artigo 2º:

- nascimento: é a saída do nascituro para o mundo exterior, sendo


desnecessário o corte do cordão umbilical para que seja considerado o
nascimento.

- com vida: observa-se com a respiração, pela entrada de ar nos pulmões,


momento em que se considera adquirida a personalidade.
Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento
com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos
do nascituro.

Vale mencionar, ainda, que a interpretação do art. 2º, em relação ao momento 40

de início da personalidade civil e ao reconhecimento da personalidade ao


nascituro, encontra divergência na doutrina. Podem ser citadas três teorias que
tentam fixar o exato momento. Vejamos:

1 - Teria natalista – entende que o nascituro não é dotado de personalidade.


Essa teoria adota uma interpretação literal do artigo 2º do Código Civil,
entendendo que a personalidade jurídica somente é adquirida com o
nascimento com vida.

2 - Teoria concepcionista – para esta teoria, o nascituro possui personalidade


jurídica, uma vez que esta seria adquirida no momento da concepção.

3 - Teoria condicionalista – reconhece a personalidade do nascituro desde a


concepção, mas se trata de personalidade sujeita a uma condição suspensiva,
qual seja, o nascimento com vida.

Apesar de não ter afirmado expressamente, de certa forma, o STF adotou


a teoria natalista, conforme se infere das palavras do Ministro Ayres Brito,
quando do julgamento da ADI 3510/DF. Confira-se:

O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana


ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e
qualquer estágio da vida humana um autonomizado bem jurídico,
mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque
nativiva (teoria “natalista”, em contraposição às teorias
“concepcionista” ou da “personalidade condicional”).

Ainda que se adote a teoria natalista, deve-se ter em mente, contudo, que o art.
2 º reconhece que a lei porá a salvo os direitos do nascituro.
Atualmente, há uma forte tendência a se afirmar que a teoria adotada é a que
garante ao nascituro os direitos, de modo que teorias mais restritivas dos
direitos do nascituro – natalista e da personalidade condicional – fincam raízes
na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código
41
Civil de 2002.

A exemplo disso, o STJ já se posicionou no sentido de aceitar a


concepcionista, ao reconhecer a uma mulher o direito de receber o seguro
DPvat após sofrer aborto em decorrência de acidente de carro. Trata-se do
emblemático julgamento do Recurso Especial nº 1.415.727, de relatoria do
ministro Luis Felipe Salomão.

No caso concreto, o STJ modificou a seguinte ementa inicial:

AÇÃO DE COBRANÇA DO SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT.


ACIDENTE DE TRÂNSITO. VÍTIMA QUE ESTAVA GRÁVIDA.
ÓBITO DO FETO. DISCUSSÃO SOBRE A NATUREZA
JURÍDICA DO NASCITURO. EXEGESE DO ARTIGO 3º, INCISO
I, DA LEI N. 6.194/1974. TITULARIDADE DE DIREITOS DA
PERSONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DE
DIREITOS PATRIMONIAIS. CONDIÇÃO. NASCIMENTO COM
VIDA. APELO CONHECIDO E PROVIDO. Não faz jus à
indenização decorrente do seguro obrigatório DPVAT a grávida
que, em razão de evento de trânsito, vem a sofrer aborto. Isso
porque o ordenamento jurídico brasileiro, notadamente o artigo 2º
do Código Civil de 2002, adota a teoria condicionalista,
reconhecendo ao nascituro a titularidade de direitos
personalíssimos - vida, nome, proteção pré-natal, etc -
condicionando os direitos patrimoniais ao nascimento com

A decisão supra foi expressamente clara no sentido de adotar a teoria


condicional da personalidade.
O entendimento acima esposado, todavia, foi reformado pela seguinte decisão
do STJ:
EMENTA DIREITO CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO.
ABORTO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO.
DPVAT. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ENQUADRAMENTO
42
JURÍDICO DO NASCITURO. ART. 2º DO CÓDIGO CIVIL DE
2002. EXEGESE SISTEMÁTICA. ORDENAMENTO JURÍDICO
QUE ACENTUA A CONDIÇÃO DE PESSOA DO NASCITURO.
VIDA INTRAUTERINA. PERECIMENTO. INDENIZAÇÃO
DEVIDA. ART. 3º, INCISO I, DA LEI N. 6.194/1974. INCIDÊNCIA.
1. A despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil – que
condiciona a aquisição de personalidade jurídica ao nascimento –,
o ordenamento jurídico pátrio aponta sinais de que não há essa
indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e o conceito
de pessoa, de personalidade jurídica e de titularização de direitos,
como pode aparentar a leitura mais simplificada da lei. 2. Entre
outros, registram-se como indicativos de que o direito brasileiro
confere ao nascituro a condição de pessoa, titular de direitos:
exegese sistemática dos arts. 1º, 2º, 6º e 45, caput, do Código
Civil; direito do nascituro de receber doação, herança e de ser
curatelado (arts. 542, 1.779 e 1.798 do Código Civil); a especial
proteção conferida à gestante, assegurando-se-lhe atendimento
pré-natal (art. 8º do ECA, o qual, ao fim e ao cabo, visa a garantir
o direito à vida e à saúde do nascituro); alimentos gravídicos, cuja
titularidade é, na verdade, do nascituro e não da mãe (Lei n.
11.804/2008); no direito penal a condição de pessoa viva do
nascituro – embora não nascida – é afirmada sem a menor
cerimônia, pois o crime de aborto (arts. 124 a 127 do CP) sempre
esteve alocado no título referente a "crimes contra a pessoa" e
especificamente no capítulo "dos crimes contra a vida" – tutela da
vida humana em formação, a chamada vida intrauterina
(MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume II. 25
ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 62-63; NUCCI, Guilherme de
Souza. Manual de direito penal. 8 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, p. 658). 3. As teorias mais restritivas dos direitos
do nascituro – natalista e da personalidade condicional – fincam
raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de
1988 e pelo Código Civil de 2002. O paradigma no qual foram
43
edificadas transitava, essencialmente, dentro da órbita dos
direitos patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se
sustenta. Reconhecem-se, corriqueiramente, amplos catálogos de
direitos não patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa – como
a honra, o nome, imagem, integridade moral e psíquica, entre
outros. 4. Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das
outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade
de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à
vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de
direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz
sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à
vida, que é direito pressuposto a todos os demais. 5. Portanto, é
procedente o pedido de indenização referente ao seguro DPVAT,
com base no que dispõe o art. 3º da Lei n. 6.194/1974. Se o
preceito legal garante indenização por morte, o aborto causado
pelo acidente subsume-se à perfeição ao comando normativo,
haja vista que outra coisa não ocorreu, senão a morte do
nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina. 6. Recurso
especial provido.
Neste ponto, Anderson Schreiber sustenta que:
Embora o Código Civil brasileiro tenha seguido
indiscutivelmente a corrente natalista, a parte final do
dispositivo “põe, a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro”.
Tal posição é reforçada na doutrina:
A explicação é muito simples: conquanto não seja pessoa, por
não ter nascido, o nascituro já goza de direitos; é, portanto, sujeito
de direitos sem personalidade (FIUZA, César. Teoria filosófico-
dogmática dos sujeitos de direito sem personalidade. p. 13-17).
Sobre isso, vale frisar: embora não seja ainda dotado de personalidade em
sentido subjetivo, isto é, de aptidão genérica para ser titular de direitos e
obrigações, o nascituro tem alguns de seus interesses (futuros e eventuais)
44
protegidos, desde logo, pela ordem jurídica.
Vejamos, também, que o STJ em diversas ocasiões resguarda os interesses do
nascituro e, inclusive, reconhece que este pode sofrer danos morais, os quais
deverão ser devidamente compensados:

EMENTA AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.


RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO.
SOFRIMENTO FETAL DURANTE O PARTO. DANOS
NEUROPSICOMOTORES IRREVERSÍVEIS.
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DA MÃE DO VITIMADO.
AFASTAMENTO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DO
AGRAVO INTERNO. APLICAÇÃO DO DIREITO À
ESPÉCIE. ANÁLISE DO DIREITO À INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS SOFRIDOS PELA MÃE DA VÍTIMA E A
PENSIONAMENTO, TENDO EM VISTA A DEPENDÊNCIA
DO FILHO DO AUXÍLIO DA MÃE PARA AS MAIS
COMEZINHAS ATIVIDADES DIÁRIAS. 1. Ausência de
dúvidas acerca da existência de relação contratual entre a
parturiente e o hospital que realizou o procedimento do
qual advieram os danos, cuja reparação é pleiteada. 2.
Danos físicos e mentais causados ao nascituro
ocasionados por sofrimento intrautero. Falha na
prestação dos serviços do nosocômio reconhecida na
origem. Dependência total do menor vitimado da ajuda de
terceiros para realizar qualquer atividade cotidiana. Direito
à indenização por danos morais sofridos pela mãe que se
revela evidente. 3. Pensionamento da mãe devido em face
da necessidade da genitora auxiliar o seu filho em tempo
integral para fazer frente às mais comezinhas atividades
diárias. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. AgInt no
REsp 1733243 / SP AGRAVO INTERNO NO RECURSO
ESPECIAL 2018/0075305-9 RELATOR Ministro PAULO DE
TARSO SANSEVERINO (1144) ÓRGÃO JULGADOR T3 -
45
TERCEIRA TURMA DATA DO JULGAMENTO 15/08/2022
DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 18/08/2022.

É justamente sobre esse ponto o caso de hoje, que permite a tutela, por parte
da defensoria pública, do nascituro e dos interesses que melhor lhe
resguardem.
Por outro lado, em razão da multiplicidade de teorias existentes, há quem
sustente não haver direito a feto, acautelado indevidamente no sistema
carcerário, porquanto não haveria de fato violação a uma liberdade individual
neste caso, uma vez que estar-se-ia falando de nascituro e não de recém-
nascido. É dizer, estar-se-ia falando apenas de titular de EXPECTATIVA de
direitos da personalidade.
Em um recente caso concreto em que a Defensoria Pública do Estado do Rio
de Janeiro atuou, a paciente já se encontrava com 4 (quatro) meses e foi
impetrado Habeas Corpus com vistas a possibilitar a revogação da prisão
preventiva. No caso, sob a alegação de que a gestação já havia alcançado
entre 13 (treze) a 16 (dezesseis) meses, sendo certo que o parto já se
encontrava próximo, o defensor impetrante sustentou pela substituição da
preventiva por prisão domiciliar em prol dos interesses do nascituro. (Trata-se
do processo originário de nº 000382-61.2018.8.19.0000).
O caso é datado de 2018, do mesmo ano em que a Lei 13.769/18 alterou o
Código de Processo para nele inserir o artigo 318-A, vedando a regra da prisão
preventiva decretada sobre a mulher gestante ou que for mãe ou responsável
por crianças ou pessoas com deficiência.
O dispositivo prevê que a prisão cautelar será substituída por prisão domiciliar,
desde que a presa: I – não tenha cometido crime com violência ou grave
ameaça a pessoa; II – não tenha cometido o crime contra seu filho ou
dependente.
Atenção: o código já permitia que a prisão fosse substituída, todavia, a
alteração foi no sentido de que o que antes era uma mera faculdade do juiz
passasse, agora, a ser dever (alteração que se infere da mudança dos termos
“o juiz poderá substituir” para “será substituída”).
Vejamos o CPP:
46
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que
for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência
será substituída por prisão domiciliar, desde que:
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a
pessoa
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.
Há que se mencionar, ainda, que esse permissivo não é absoluto e irrestrito,
pelo contrário, deverá ser observado em conjunto com outras regras
procedimentais do CPP. Destaque-se, ao comentário, o caso do HC
426.526/RJ, julgado em 12/02/2019, em que a impetrante era acusada de ter
cometido tráfico de drogas em associação com o Comando Vermelho, sendo
identificada como líder do tráfico na região.
No caso, a quinta turma do STJ entendeu que, muito embora a paciente
estivesse grávida, pela utilização de arma de fogo, pela função da paciente e
pela apreensão de grande quantidade de drogas sob sua responsabilidade
(470g de maconha e 857g de cocaína) não seria possível conceder o benefício.
Isso porque, o viés do legislador foi manter a figura do juiz enquanto fonte de
decisão sobre a prisão, preservando o que já havia sido feito pelo STF no HC
143.641.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC coletivo 143.641, ao
conceder a ordem "para determinar a substituição da prisão preventiva pela
domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas
previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes,
puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, nos termos do
art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências
(Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.14 6/2015), relacionadas nesse
processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal
condição", excetuou "os casos de crimes praticados por elas mediante
violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações
excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas
pelos juízes que denegarem o benefício", sendo a ordem estendida, "de
oficio, às demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e
de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas
47
socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as
restrições previstas acima".
Portanto, conforme o entendimento acima, o argumento para se manter a
prisão é o de que a norma prevista no artigo 318, do Código de Processo
Penal, não constitui direito subjetivo da ré, eis que, considerando sua aplicação
de forma automática e indiscriminada, evidentemente, colocaria em risco o
próprio objeto que busca tutelar, bem como poderia estimular a participação
de mulheres na prática de crimes, devendo ser avaliado de acordo com as
características do caso concreto, sempre objetivando a melhor e maior
proteção aos menores e nascituros.
Vejamos, por fim, um julgado do mês de junho de 2023 que ilustra exatamente
os parâmetros acima esposados:
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.
TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO
PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.
GRAVIDADE CONCRETA.
QUANTIDADE DE DROGA. PRISÃO DOMICILIAR.
FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA NEGAR O PLEITO.
CRIME COMETIDO DENTRO DA RESIDÊNCIA DA
AGRAVANTE. CASO DOS AUTOS ENCONTRADO NAS
EXCEÇÕES ESTABELECIDAS PELO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL NO HC N. 143.641/SP.
CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA.
1. A validade da segregação cautelar está condicionada à
observância, em decisão devidamente fundamentada, aos
requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo
Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em
que consiste o periculum libertatis.
2. No caso, a prisão preventiva está justificada, pois,
segundo a decisão que a impôs, foi apreendida grande
quantidade e variedade de drogas, a saber, 2kg (dois
quilos) de maconha, 8g (oito gramas) de crack e 18g
48
(dezoito gramas) de cocaína. Dessarte, evidenciadas a
periculosidade da ré e a necessidade da segregação como
forma de acautelar a ordem pública.
3. O afastamento da prisão domiciliar para mulher
gestante ou mãe de filho menor de 12 anos exige
fundamentação idônea e casuística, independentemente
de comprovação de indispensabilidade da sua presença
para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao
art. 318, inciso V, do CPP, inserido pelo Marco Legal da
Primeira Infância (Lei n. 13.257/2016).
4. Não bastasse a compreensão já sedimentada nesta
Casa, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n.
143.641/SP, concedeu habeas corpus coletivo "para
determinar a substituição da prisão preventiva pela
domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das
medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de
todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães
de crianças e deficientes sob sua guarda, nos termos do
art. 2º do ECA e da Convenção de Direitos das Pessoas
com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei
13.146/2015), relacionadas nesse processo pelo DEPEN e
outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal
condição, excetuados os casos de crimes praticados por
elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus
descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas,
as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos
juízes que denegarem o benefício (...)" (STF, HC n.
143.641/SP, relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI,
SEGUNDA TURMA, julgado em 20/2/2018, DJe de
21/2/2018).
5. No caso dos autos, a negativa da prisão domiciliar à
acusada teve como lastro o fato de o delito ter sido
cometido em sua própria residência, com
49
armazenamento de grande quantidade e variedade de
drogas em ambiente onde habitava com os filhos,
colocando-os em risco, circunstância apta a afastar a
aplicação do entendimento da Suprema Corte.
6 . Agravo regimental desprovido, ratificados os termos da
decisão de e-STJ fls. 116/122. AgRg no HC 805493 / SC
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
2023/0062734-9. Rel.: Ministro ANTONIO SALDANHA
PALHEIRO. T6 - SEXTA TURMA. DJe 23/06/2023

Pedimos atenção, também, para a seguinte matéria veiculada no site do STF,


em março de 2023:
Em uma decisão histórica, a Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu habeas
corpus coletivo para determinar a substituição da
prisão preventiva por domiciliar de gestantes,
lactantes e mães de crianças de até 12 anos ou de
pessoas com deficiência, em todo o território
nacional. O Habeas Corpus (HC) 143641 foi julgado
em 20/2/2018, e a ordem foi concedida por quatro
votos a um, nos termos do voto do relator, ministro
Ricardo Lewandowski. Deficiência estrutural
Segundo Lewandowski, a situação degradante nas
penitenciárias brasileiras já havia sido discutida pelo
Supremo na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 347. Ao apontar uma
gravíssima deficiência estrutural no sistema prisional
do país, especialmente para a mulher presa, o
Plenário reconheceu o estado de coisas
inconstitucional nessa área. A partir desse
entendimento, a Segunda Turma decidiu acolher o
pedido da Defensoria Pública da União (DPU) e do
50
Coletivo de Advogados em Direitos Humanos para
conceder o HC a essas gestantes e mães. O
entendimento foi o de que a situação em que se
encontram encarceradas viola o artigo 227 da
Constituição, que estabelece prioridade absoluta na
proteção às crianças. Segundo o relator, as
mulheres estão efetivamente sujeitas a situações
degradantes na prisão, em especial privadas de
cuidados médicos pré-natal e pós-parto e de
berçários e creches para as crianças. Essa falha
estrutural no sistema prisional, a seu ver, agrava a
“cultura do encarceramento” vigente no país, que se
manifesta “pela imposição exagerada de prisões
provisórias a mulheres pobres e vulneráveis”. Ele
apontou ainda, em seu voto, precariedades no
acesso à Justiça das mulheres presas e questões
sensíveis como separação precoce de mães e filhos
e internação da criança junto com a mãe presa,
mesmo quando há família extensa disponível para
cuidá-la. Primeira infância Citando o Estatuto da
Primeira Infância (Lei 13.257/2016), o ministro disse
que o Legislativo tem se mostrado sensível à
realidade dessas mulheres, tanto que trouxe
avanços. Uma alteração no artigo 318 do Código de
Processo Penal (CPP) permite ao juiz converter a
prisão preventiva em domiciliar quando a mulher
estiver grávida ou quando for mãe de filho de até 12
anos incompletos. A decisão da Turma excluiu
apenas os casos de crimes praticados por mulheres
mediante violência ou grave ameaça contra seus
descendentes ou, ainda, em situações
excepcionalíssimas, que deverão ser devidamente
fundamentadas pelos juízes que negarem o
51
benefício. Ficou vencido o ministro Edson Fachin,
que considerou que a substituição da prisão
preventiva pela domiciliar não deve ser automática.
Pare ele, apenas com base nos casos concretos é
possível avaliar todas as alternativas aplicáveis.
Agenda 2030 A série de matérias "O STF e os
direitos das mulheres" está alinhada com o Objetivo
de Desenvolvimento Sustentável nº 5 da Agenda
2030 da Organização das Nações Unidas (ONU),
que visa alcançar a igualdade de gênero e
empoderar todas as mulheres e meninas.
A íntegra do acórdão do julgamento do HC 143641
encontra-se disponível em >
https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp
?id=15338809875&ext=.pdf
Por outro lado... à luz de todo o ensaio aqui trazido:
Sob o viés de defensoria, contudo, se recomenda indicar que o permissivo não
é incondicionado em relação às demais regras dos Códigos Penal e de
Processo Penal, contudo, deve-se resguardar o interesse do nascituro
enquanto pessoa humana, permitindo-se, sempre que possível, a prisão
domiciliar.
QUESTÃO 05 Matheus, 04 anos de idade, foi diagnosticado com Transtorno
do Espectro Autista (TEA). O tratamento recomendado pelo médico para
Matheus foi o método da Análise do Comportamento Aplicada (ABA), que
abrange psicoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicopedagogia e
musicoterapia. Os pais da criança são trabalhadores e recebem um s alário
mínimo por mês cada. Porém, com muito esforço pagam o plano de saúde do 52
filho.
No dia 10/07/2022 os pais de Matheus tiveram tratamento do filho negado pela
operadora do plano de saúde sob o argumento de que o método ABA não
estava previsto na lista da ANS. Em desespero, no mesmo dia, os pais de
Matheus buscaram empréstimo para custear o tratamento do filho de forma
particular fora da rede credenciada pelo plano de saúde.
Depois de 06 meses e, sem recursos, os pais da criança procuraram a
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro para buscar ajuda. Os pais de
Matheus foram recebidos por você, residente jurídico, e fizeram as seguintes
perguntas:

a) A Defensoria Pública pode defender os direitos de Matheus?

b) A operadora do plano de saúde é obrigada a custear tratamento


para TEA?

c) É possível pedir o reembolso ao plano de saúde referente ao valor


pago fora da rede credenciada do plano de saúde?

Padrão de resposta:

a) A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro pode atuar no caso,


pois Matheus está abarcado pelo conceito de hipossuficiente
considerada a hipossuficiência de seus genitores. Sendo missão
institucional da DPE-RJ atender pessoas em situação de vulnerabilidade
assistência jurídica integral e gratuita, judicial e extrajudicial, no âmbito
individual e coletivo, assegurando-se seus direitos humanos. Com fulcro
no art. 134 da CF. Ademais, segundo a LC 80/94, art. 4º, inciso X e XI,
compete à Defensoria Pública a importante função de promover a ampla
defesa dos direitos individuais e coletivos das pessoas com deficiência,
por causa de sua vulnerabilidade. No caso, ora em comento, Matheus
será representado por seus pais na ação promovida pela Defensoria
Pública.
b) A recusa do tratamento pela operadora do plano de saúde foi ilegal, pois
ainda que fora do rol de tratamento previsto na lista da ANS, por lei,
diante da comprovação da eficácia do tratamento cabe a plano de saúde
a cobertura de sessões de terapias especializadas prescritas para o
tratamento de transtorno do espectro autista (TEA) (art. 10 da Lei nº
9.656/98). Ademais, segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no
53
EREsp 1.889.704/SP, concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de
sessões de terapias especializadas prescritas para o tratamento de
transtorno do espectro autista (TEA). Portanto, segundo o STJ (REsp
2.043.003-SP): “A musicoterapia foi incluída à Política Nacional de
Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de
Saúde, que visa à prevenção de agravos e à promoção e recuperação
da saúde, com ênfase na atenção básica, voltada para o cuidado
continuado, humanizado e integral em saúde (Portaria n. 849, de 27 de
março de 2017, do Ministério da Saúde), sendo de cobertura obrigatória
no tratamento multidisciplinar, prescrito pelo médico assistente e
realizado por profissional de saúde especializado para tanto, do
beneficiário portador de transtorno do espectro autista”. (grifos nossos)

c) É cabível o reembolso por parte do plano de saúde referente aos valores


pagos pelos pais de Matheus no período de 06 meses. A Agência
Nacional da Saúde (ANS) publicou em 01 de julho de 2022 a Resolução
Normativa 539/2022. Na qual tornou obrigatória a cobertura para
qualquer método ou técnica indicado pelo médico assistente para o
tratamento do paciente portador de transtorno global do
desenvolvimento. E ato seguinte, a ANS expediu o Comunicado nº 95,
de 23/06/2022, por meio do qual impôs a todas as operadoras de planos
de saúde que, por determinação judicial ou por mera liberalidade,
estivessem atendendo aos beneficiários portadores de transtornos
globais do desenvolvimento em determinada técnica/método/abordagem
indicado pelo médico assistente, tal como a ABA, o dever de
manutenção do tratamento, estabelecendo, expressamente, que a sua
suspensão configuraria negativa indevida de cobertura. Portanto, todo o
valor pago no tratamento de Matheus do dia 10/07/22 até 10/01/23 deve
ser reembolsado pela operadora de saúde. Com base no entendimento
jurisprudencial firmado pelo STJ no REsp 2.043.003-SP.

Espelho de correção:

Total: Aluno:

I Estrutura, domínio linguístico e utilização dos termos 10


técnicos

II Sim! A Defensoria Pública pode defender os direitos 30


de Matheus ele é hipossufciente

III Cabe a operadora do plano de saúde dar cobertura 30


obrigatória no tratamento multidisciplinar, prescrito
pelo médico assistente ao beneficiário portador de 54

transtorno do espectro autista. (STJ)

IV Cabe o reembolso integral do tratamento de Matheus 30


pago por seus pais (STJ)

Total 100

Comentários sobre o assunto tratado na questão:

Futuros residentes,
O tema acesso à saúde é muito sensível à atuação da Defensoria Pública que
possui como missão institucional e constitucional a defesa dos direitos
fundamentais dos vulneráveis. Em especial sobre a temática do autismo a
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro tem atuação institucional
específica na proteção das pessoas deficientes. A DPE-RJ conta com o Núcleo
de Atendimento à Pessoa com Deficiência (NUPED).
A nossa questão teve como inspiração recente entendimento firmado pelo STJ
que é de fundamental importância você como candidato conhecer.

Não vá para a prova sem saber!

REsp 2.043.003-SP: “Até 1/7/2022, data da vigência da Resolução Normativa


n. 539/2022 da ANS, é devido o reembolso integral de tratamento
multidisciplinar para beneficiário portador de transtorno do espectro autista
realizado fora da rede credenciada, inclusive às sessões de musicoterapia, na
hipótese de inobservância de prestação assumida no contrato ou se ficar
demonstrado o descumprimento de ordem judicial.
(...)O propósito recursal é decidir sobre a obrigação de reembolso integral das
despesas assumidas pelo beneficiário com o custeio do tratamento realizado
fora da rede credenciada.
Embora fixando a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de
procedimentos e eventos em saúde da ANS, a Segunda Seção negou
provimento ao EREsp 1.889.704/SP da operadora do plano de saúde, para
manter acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de
cobertura de sessões de terapias especializadas prescritas para o tratamento
de transtorno do espectro autista (TEA). 55

Ao julgamento realizado pela Segunda Seção, sobrevieram diversas


manifestações da ANS, no sentido de reafirmar a importância das terapias
multidisciplinares para os portadores de transtornos globais do
desenvolvimento, dentre os quais se inclui o transtorno do espectro autista, e
de favorecer, por conseguinte, o seu tratamento integral e ilimitado.
A musicoterapia foi incluída à Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde, que visa à prevenção
de agravos e à promoção e recuperação da saúde, com ênfase na atenção
básica, voltada para o cuidado continuado, humanizado e integral em saúde
(Portaria n. 849, de 27 de março de 2017, do Ministério da Saúde), sendo de
cobertura obrigatória no tratamento multidisciplinar, prescrito pelo médico
assistente e realizado por profissional de saúde especializado para tanto, do
beneficiário portador de transtorno do espectro autista.
Segundo a jurisprudência, o reembolso das despesas médico-hospitalares
efetuadas pelo beneficiário com tratamento/atendimento de saúde fora da rede
credenciada pode ser admitido somente em hipóteses excepcionais, tais como
a inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado
no local e urgência ou emergência do procedimento, e, nessas circunstâncias,
poderá ser limitado aos preços e às tabelas efetivamente contratados com o
plano de saúde.
Distinguem-se, da hipótese tratada na orientação jurisprudencial sobre o
reembolso nos limites do contrato, as situações em que se caracteriza a
inexecução do contrato pela operadora, causadora de danos materiais ao
beneficiário, a ensejar o direito ao reembolso integral das despesas realizadas
por este, a saber: inobservância de prestação assumida no contrato,
descumprimento de ordem judicial que determina a cobertura do tratamento ou
violação de atos normativos da ANS.
No caso, conquanto a Resolução Normativa 469/2021 da ANS tenha
estabelecido a cobertura obrigatória de número ilimitado de sessões com
psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, para o
tratamento/manejo do transtorno do espectro autista (TEA), inclusive com
orientação acerca da possibilidade de aplicação do método ABA, não havia, à
época, determinação expressa no rol de procedimentos e eventos em saúde
que obrigasse as operadoras a custeá-lo.
No âmbito judicial, até o julgamento, pela Segunda Seção, do EREsp
1.889.704/SP, em 8/6/2022 (DJe de 3/8/2022), havia divergência no STJ sobre
a obrigatoriedade de cobertura de procedimentos e eventos não listados no rol
da ANS, considerando que a Terceira Turma entendia se tratar de rol
exemplificativo, enquanto a Quarta Turma defendia a sua natureza taxativa.
A reboque desse precedente, a ANS publicou a Resolução Normativa
539/2022, com vigência a partir de 1/7/2022, que tornou obrigatória a cobertura
56
para qualquer método ou técnica indicado pelo médico assistente para o
tratamento do paciente portador de transtorno global do desenvolvimento, e
logo expediu o Comunicado n. 95, de 23/6/2022 (DOU 24/6/2022), por meio do
qual impôs a todas as operadoras de planos de saúde que, por determinação
judicial ou por mera liberalidade, estivessem atendendo aos beneficiários
portadores de transtornos globais do desenvolvimento em determinada
técnica/método/abordagem indicado pelo médico assistente, tal como a ABA, o
dever de manutenção do tratamento, estabelecendo, expressamente, que a
sua suspensão configuraria negativa indevida de cobertura.
Assim, até 1/7/2022, data da vigência da Resolução Normativa 539/2022, havia
dúvida razoável quanto à cobertura obrigatória das terapias multidisciplinares
pelo método ABA ou outras terapias assemelhadas prescritas para os
portadores de transtornos globais do desenvolvimento, sendo certo que, desde
24/6/2022 (data da publicação do Comunicado n. 95 da ANS), as operadoras
de planos de saúde já estavam proibidas de suspender os tratamentos em
curso.
Do exposto se pode inferir que, enquanto amparada em cláusula contratual
redigida com base nas normas editadas pela agência reguladora, a recusa da
operadora não caracteriza a inexecução do contrato apta a justificar o
reembolso integral. Noutro ângulo, a inobservância de prestação assumida no
contrato, o descumprimento de ordem judicial que determina a cobertura ou a
violação de atos normativos da ANS pela operadora podem gerar o dever de
indenizar, mediante o reembolso integral, ante a caracterização da negativa
indevida de cobertura.
Com efeito, sendo as decisões anteriores a 1/7/2022, o reembolso integral
pretendido será devido apenas se demonstrado o descumprimento da ordem
judicial que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela. Do contrário, eventual
reembolso de despesas assumidas pelo beneficiário com tratamento realizado
fora da rede assistencial se dará nos limites do contrato”. STJ. REsp
2.043.003-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade,
julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023.

O NUPED atuou em casos relevantes aos portadores da TEA.


“Em importante vitória obtida pela Defensoria Pública do Estado do Rio de
Janeiro junto ao Superior Tribunal de Justiça, a operadora de planos de saúde
Unimed Rio não vai mais poder limitar o número de sessões de terapias
multidisciplinares (fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e
fisioterapeutas) para o tratamento de pessoas que têm transtorno do espectro
autista (TEA).
Na ação, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), afirma que cabe
apenas ao corpo médico e demais profissionais especialistas que acompanham
um paciente determinar o tratamento adequado para cada caso. No entanto,
57
além de limitar a quantidade de sessões, alguns planos de saúde têm como
costume negar a cobertura de vários tratamentos, mesmo cientes da
necessidade de cuidados especiais para a pessoa diagnosticada com TEA.
De acordo com o coordenador do Nudecon, Eduardo Chow, a negativa dos
planos nestes casos é uma violação do direito do consumidor que apresenta
laudo médico atestando a necessidade de determinado tratamento ou
procedimento. O defensor também destacou que a ação serve de parâmetro e
exemplo para todos os planos de saúde.
- Essa decisão do STJ é uma importante vitória dos usuários mais vulneráveis
portadoras do transtorno do espectro autista, e esperamos que os demais
planos de saúde observem essas diretrizes firmadas pela Corte Superior em
suas relações com seus consumidores - ressalta Chow.
O Núcleo de Defesa do Consumidor da DPRJ destaca ainda que a decisão do
STJ ratifica o entendimento da cobertura obrigatória para todos os tipos de
terapia e sem limite de quantidade para os portadores do transtorno do
espectro autista. O Nudecom destaca, ainda, que o Recurso Especial do
presente caso foi realizado pelos defensores públicos de Classe Especial,
Arnaldo Goldemberd e Ana Paula Prata de Freitas Viana”.
https://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/22941-Unimed-Rio-nao-podera-
mais-limitar-sessoes-de-terapias-para-autistas
O NUPED atuou em casos de acesso à educação:
“As frequentes quedas na escola e os fatores cognitivos observados no filho
por Carine Gabriel de Melo chamaram a atenção da mãe para o fato de que
esses episódios poderiam ter alguma relação com a dificuldade de fala e de
interação dele com os colegas. Preocupada também com a falta de sono do
filho nos primeiros meses de vida e em busca de respostas para o caso, a
moradora de Brás de Pina recebeu dos médicos o diagnóstico de autismo
quando o menino tinha três anos e hoje, já com oito, busca a assistência da
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) para obter o
tratamento especializado integral na rede pública.
Dona de casa e sem condições financeiras de arcar com as despesas em
unidades particulares, Carine aguarda decisão da Justiça sobre ação ajuizada
pelo Núcleo de Atendimento à Pessoa com Deficiência (NUPED) que requer,
entre outros pontos, a condenação do Estado e do Município a fornecer ao
menino um tratamento adequado perto de sua residência. Embora previsto em
lei de forma multidisciplinar, o atendimento hoje conferido a ele no serviço
público resume-se à consulta com psicopedagoga uma vez por semana e
mesmo assim em Centro de Atenção Psicossocial voltado à infância e
adolescência (CAPSI), ou seja, em um serviço para casos de saúde mental que
não conta com a interação própria para as pessoas com autismo.
– A busca por tratamento especializado é uma peregrinação na rede pública e
58
quando a gente encontra algo nunca é o tratamento integral e multidisciplinar
completo e necessário ao desenvolvimento da pessoa com autismo. Eu mesmo
faço algumas atividades com meu filho em casa e hoje ele fala e, além disso,
apresenta uma evolução melhor. Não adianta procurar a clínica da família
porque o encaminhamento é sempre para os CAPSI e, assim como nas ONGs,
ele já não é visto com tanta prioridade, e o motivo é porque consegue falar –
lamenta Carine.
De acordo com o coordenador do NUPED, Pedro González, a garantia da
Saúde e da própria vida das pessoas é dever inquestionável do Poder Público
e isso inclui o fornecimento do tratamento específico para autismo que,
segundo a lei, deve ser integral, especializado e multidisciplinar.
– O Transtorno do Espectro Autista exige múltiplos tratamentos e o
fornecimento desse acompanhamento é dever do Estado e do Município.
Infelizmente, a rede pública de Saúde e de Assistência Social não vêm
observando isso junto à população e parece que só atenta para as questões
referentes à saúde mental – destaca González.
Família paga terapia para menino de 10 anos
A falta de acompanhamento especializado para autismo no serviço público e,
além disso, a redução do atendimento nas ONGs também por razões
financeiras levou ao ajuizamento de ação pelo NUPED, com o mesmo objetivo,
para outro menino, de 10 anos. Diagnosticado com Transtorno do Espectro
Autista aos três anos, ele recebe acompanhamento de psicopedagoga em
consultório particular – e mesmo assim uma vez por semana – para que não
fique totalmente desassistido.
– Meu filho chegou a fazer Ecoterapia anteriormente e até ser chamado
aguardou quatro anos na fila da rede pública. Com apenas dois anos e meio, o
tratamento foi encerrado e tudo isso deixa a gente bastante esgotado. O vai e
vem nas unidades de saúde e de assistência é desgastante e por isso tivemos
que pagar pela terapia particular uma vez na semana. Não é o ideal, mas pelo
menos é alguma coisa – observa Maria Marlene, mãe do menino.
– O tratamento do autismo é muito caro nas clínicas particulares e por isso as
famílias dependem do serviço público, da ajuda de terceiros ou de instituição
filantrópica onde, muitas vezes, não há vagas para todos. Sem o
acompanhamento adequado, a pessoa autista regride e não desenvolve todas
as potencialidades que deveria – ressalta Pedro González.
Sentença determina criação de unidades especializadas
A possibilidade de um acordo da DPRJ com o Estado está em fase de
negociação para fins de cumprimento da sentença proferida em ação coletiva
ajuizada, em 2005, pela instituição. A decisão determina a criação de centros
especializados voltados especificamente ao tratamento das pessoas com
autismo e o caso também foi levado pela Defensoria à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, que aceitou a denúncia e no momento 59
analisa os autos para decisão.
– O tratamento do autismo é uma questão relacionada aos direitos humanos e
uma responsabilidade do Estado brasileiro em geral, e não importa para o
cidadão se a atribuição é federal, estadual ou municipal. Levando o caso à
Comissão, vamos contar com o ponto de vista internacional em relação à
omissão do Poder Público em fornecer o tratamento especializado para o
autismo – observa o coordenador do NUPED”.
https://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/8771-DPRJ-quer-tratamento-
especializado-para-autismo-no-servico-publico

O NUPED atuou em casos do uso de canabidiol para cianças autista:


“A Defensoria do Estado do Rio conseguiu o fornecimento gratuito de
Canabidiol (CDB) para uma criança de 9 anos, residente de Seropédica,
diagnosticada com o quadro grave de Transtorno de Espectro Autista. Antes da
decisão, o garoto fazia uso de altas doses de medicação psicótica através do
tratamento de autismo realizado sob as diretrizes do SUS.
Por causa da agressividade dos remédios, foi indicado que o menino fizesse,
então, o uso do canabidiol para sua saúde terapêutica e tratamento global da
doença. Sem condições de arcar com os custos do medicamento (cada frasco
de CBD custa em torno de R$470,00), a mãe da criança procurou a Defensoria
que encaminhou o caso à Justiça, em outubro deste ano.
Inicialmente, o juízo em que a ação foi distribuída remeteu o processo ao
Núcleo de Assistência Técnica, que solicitou que o médico que acompanha o
garoto prescrevesse o medicamento Risperidona, que consta na lista do SUS.
Como esse era um dos remédios que o menino já fazia uso, foi feita uma
manifestação ressaltando a necessidade do Canabidiol para o tratamento
integral da criança.
Diante esses argumentos, o juiz deferiu a tutela de urgência requerida e
determinou que Estado e Município forneçam o Canabidiol ao menino. Além do
CDB, a DPRJ conseguiu também que o assistido tenha acesso a qualquer
exame, medicamento, procedimento ou cirurgia necessária para a manutenção
de sua saúde, sob pena de multa diária de R$ 300,00.
Para João Victor Cremonez, servidor da DPRJ em Seropédica e que
acompanhou o caso, a Defensoria Pública tem papel fundamental na
efetivação dos direitos de pessoas que se encontram em situação de
vulnerabilidade, principalmente aqueles relacionados à saúde.
- Garantir o acesso à um medicamento ao qual a família da criança não possui
condições de arcar é efetivar o direito à saúde, promovendo a dignidade da
pessoa humana e garantindo o seu tratamento integral de acordo com o
60
princípio da absoluta prioridade na efetivação dos direitos da criança, previsto
tanto na Constituição de 1988 quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente,
diz o servidor.
Já a defensora Rafaela Mazeliah, que atuou no caso, ressalta que é importante
que o sistema de justiça se debruce às múltiplas vulnerabilidades que
circundam o caso de famílias como essa.
- Através de um olhar sensível dos atores de justiça é possível de, fato, no
cotidiano, promover o artigo 1º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o qual
busca assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à
sua inclusão social e cidadania, conclui Mazeliah

CDB como tratamento para pessoas no espectro autista

O Canabidiol, como tratamento do autismo, é uma alternativa que alivia


sintomas, com menos efeitos colaterais que os tratamentos tradicionais. O CDB
modula as mensagens das células nervosas em regiões do cérebro que
regulam a ansiedade, a função executiva e o comportamento, bloqueando os
sinais para os principais receptores neuronais que, quando superestimulados,
podem desencadear convulsões. Contudo, por ser um produto novo e
importado, possui um custo elevado para grande parte da população que, sem
o fornecimento pelo Estado, ficam privadas do tratamento.
Extraída da Cannabis Sativa L, popularmente conhecida como a planta da
maconha, o CBD é utilizado exclusivamente para fins medicinais, diferente do
Tetrahidrocanabinol (THC), que é a substância psicotrópica da planta. Um
estudo realizado em 2017, pela Academia Americana de Ciência, Medicina e
Engenharia, constatou que o extrato de cannabis é eficaz para combater vários
tipos de doenças”.
https://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/21700-DPRJ-consegue-canabidiol-
gratuito-para-crianca-no-espectro-autista
QUESTÃO 06 Eva procura a Defensoria Pública buscando esclarecimentos
acerca da negativa de vacinação do filho de 09 anos do casal Julia e Pedro,
seus vizinhos, contra a Covid-19.
O casal já havia respondido algumas vezes que não pretendia vacinar a
61
criança, por não acreditar na vacina.
Eva, preocupada com os direitos da criança e também com a contaminação no
prédio (haja vista que Julia e Pedro também não se vacinaram), procura
atendimento na Defensoria Pública e questiona sobre a legitimidade da
postura adotada pelos pais da criança.
Responda, fundamentadamente, quais seriam os direitos fundamentais em
conflito bem como se haveria alguma forma de forçar a vacinação à família.

PADRÃO DE RESPOSTA
A questão aborda o conflito entre dois direitos fundamentais, quais sejam, o
direito à liberdade de consciência/pensamento de um lado e, do outro, o direito
à vida (ambos constantes do art. 5º, CRFB/88). A não vacinação como reflexo
da liberdade de crença (art. 5º, incisos IV, VIII, CF/88) se contrapõe ao direito à
vida, ambos corolários da Dignidade da Pessoa Humana. Há quem defenda,
todavia, que o direito à vida possuiria um status de sobre direito, motivo pelo
qual dever-se-ia proteger a vida a qualquer custo. Essa máxima, ressalte-se
não é absoluta, muito embora tenha o STF decidido que, no caso da negativa à
vacinação, a vida deveria ser o bem jurídico tutelado em detrimento da
liberdade de opinião/crença/consciência. É dizer, trata-se de aparente
antinomia, resolvida pelo STF a partir da prevalência do Direito à Vida,
legitimando a vacinação compulsória (ou obrigatória). No caso, não seria
possível forçar diretamente os pais da criança a se vacinarem, por consistir em
prática alcunhada de “vacinação forçada”, contrária aos postulados
democráticos. É, contudo, legítimo que se imponham restrições ao direito de ir
e vir, notadamente pelo fato de a propagação do vírus ser maior em locais
fechados, sendo proporcionais – nos filtros de adequação necessidade e
proporcionalidade – medidas como o passaporte de vacinação, como forma de
induzir a um comportamento sanitário adequado por parte dos cidadãos.
Nestes termos, decidiu o STF ser constitucional a obrigatoriedade de
imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária,
tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou tenha sua
aplicação obrigatória determinada em lei. Por outro lado, no tocante à criança,
62
a negativa de vacinação transgrediu os artigos 7º, 14 e 249 do ECA, bem como
os artigos 6º (direito à saúde) e 227, da CRF/88. Por esses fundamentos, os
pais poderiam, inclusive, responder pelo ato com o pagamento de multa e, até
mesmo, perder o poder familiar.

ESPELHO

Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00


I número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
morfossintaxe e propriedade vocabular);

Discorrer sobre o Direito Fundamental à


II liberdade de consciência e livre manifestação - 0,0 a 40
do pensamento, conceituando-o, localizando pontos
topograficamente o instituto na Constituição
Federal e tecendo análise crítica sobre sua
irrestrita aplicação;

III Abordar a problemática da ausência de - 0,0 a 30


vacinação diante dos Direitos assegurados à pontos
Criança e ao Adolescente, bem como se os pais
poderiam ser penalizados neste caso.

IV Demonstrar conhecimento acerca do julgado do


STF e seus fundamentos, diferenciando - 0,0 a 20
vacinação obrigatória de vacinação forçada. pontos.
TOTAL 100

COMENTÁRIOS

O tema desta questão trouxe importantíssima jurisprudência firmada pelo STF,


em que se discutiu, à luz do direito fundamental de liberdade de consciência,
corolário da Dignidade da Pessoa Humana, se seria possível permitir a não
vacinação contra a COVID-19 em razão de manifesto descontentamento com o
método imunizante, e quais seriam as implicações dessa negativa.
Vamos, então, enfrentar o tema debatido:
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, instituição essencial à
função jurisdicional do Estado à qual incumbe, essencialmente, a promoção
63
dos direitos humanos e a defesa integral dos direitos individuais e coletivos,
emitiu Nota Técnica esclarecendo qual deveria ser o tratamento do caso.
Na Nota, a instituição alegou ser impossível sustentar a defesa dos direitos
fundamentais (tal como o da liberdade) mediante a invocação de instrumentos
que repudiam a defesa da saúde e da vida da população, composta,
essencialmente, por todos os interesses individuais envolvidos. A partir desse
argumento central, a Defensoria foi ao encontro do que já havia sido defendido
pelo STF, no tocante ao dever de vacinação sob pena de limitações a
liberdades individuais. Prática essa, frise-se, que não se confunde com uma
vacinação forçada. Veja-se, então, trecho da nota:

No Brasil, o marco legal da vacinação obrigatória foi


institucionalizado pela Lei 6.259/1975, regulamentada pelo
Decreto 78.231/1976, diplomas normativos que detalharam
a forma como o Programa Nacional de Imunizações seria
implementado no país.
E exatamente no intuito de garantir o cumprimento da lei, a
Portaria 597/2004 do Ministério da Saúde instituiu inúmeras
medidas indiretas, de restrição ao exercício de certas
atividades ou à frequência de determinados lugares, que há
muito vigoram, sem oposição, em nosso ordenamento
jurídico e convivência social.
Confira-se:
“Art. 4º O cumprimento da obrigatoriedade das
vacinações será comprovado por meio de atestado de
vacinação a ser emitido pelos serviços públicos de
saúde ou por médicos em exercício de atividades
privadas, devidamente credenciadas pela autoridade
de saúde competente.
[...] Art. 5º Deverá ser concedido prazo de 60 (sessenta)
dias para apresentação do atestado de vacinação, nos
casos em que ocorrer a inexistência deste ou quando
forem apresentados de forma desatualizada.
§ 1º Para efeito de pagamento de salário-família será
exigida do segurado a apresentação dos atestados de
vacinação obrigatórias estabelecidas nos Anexos I, II
e III desta Portaria.
§ 2º Para efeito de matrícula em creches, pré-escola,
ensino fundamental, ensino médio e universidade o
comprovante de vacinação deverá ser obrigatório,
atualizado de acordo com o calendário e faixa etária 64
estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria.
§ 3º Para efeito de Alistamento Militar será obrigatória
apresentação de comprovante de vacinação
atualizado.
§ 4º Para efeito de recebimento de benefícios sociais
concedidos pelo Governo, deverá ser apresentado
comprovante de vacinação, atualizado de acordo com
o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I,
II e III desta Portaria.
§ 5º Para efeito de contratação trabalhista, as
instituições públicas e privadas deverão exigir a
apresentação do comprovante de vacinação,
atualizado de acordo com o calendário e faixa etária
estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria”.

Veja-se, então, que o fundamento normativo para impor restrições é datado de


1975, motivo pelo qual a Defensoria alegou ser sequer necessário decreto
atual para delimitar os contornos atinentes ao regular exercício do dever de
vacinação. A Lei nº 6.259/1975, regulamentada pelo Decreto nº 78.231/1976,
instituiu o Programa Nacional de Imunização — PNI, para coordenar as ações
de vacinação em todo o país. Desde 1975, portanto, o PNI integra a estrutura
do Ministério da Saúde.
Ato contínuo, a vacinação é, sem dúvidas, forma segura, cientificamente
comprovada e necessária para conter os avanços de uma epidemia ou crise
sanitária. No caso da COVID-19, notadamente por seu caráter amplo,
pandêmico (e, portanto, mundial), mais razões teria o Estado para promover
restrições a direitos individuais em prol da mais ampla imunização. A
imunização se revela, neste cenário, como interesse juridicamente protegido a
medida que reforça o direito fundamental à saúde previsto no art. 6º d
CRFB/88.
Para melhor ilustrar o posicionamento da Defensoria, segue o restante da nota
disponibilizada no sítio oficial do órgão:
Como bem aduziu o Supremo, a obrigatoriedade da
vacinação não contempla a imunização forçada, porquanto
é levada a efeito por meio de sanções indiretas,
consubstanciadas, basicamente, em vedações ao exercício
de determinadas atividades ou à frequência de certos
locais que se afiguram legítimas e proporcionais ante o
65
objetivo maior de promover a saúde e a vida coletivas, e
todos os demais direitos fundamentais que, como visto,
delas decorrem.
Em tal contexto, a rigor, a previsão de vacinação
compulsória contra a Covid-19, determinada na Lei
13.979/2020, não seria sequer necessária, porquanto a
legislação sanitária, em particular a Lei 6.259/1975 (arts. 3º
e 5º), já contempla a possibilidade da imunização com
caráter obrigatório.
Nesse passo, a oposição a medidas restritivas impostas,
atualmente, de forma análoga, pelos entes federativos (a
exemplo, Decreto Rio nº 49335 de 26 de agosto de 2021)
para garantir o cumprimento da vacinação compulsória
contra a COVID-19, no seio de uma pandemia mundial sem
precedentes, não parece razoável, já que, em sua
essência, tais restrições, além de escoradas em evidências
científicas, são toleradas e há muito consideradas
adequadas pela sociedade.
A Constituição e a lei, insculpidas pelos representantes do
povo, há muito decidiram que a imposição de medidas
restritivas para a garantia da vacinação compulsória é
medida necessária, proporcional e legítima como forma
de dar concreção aos direitos sociais à saúde e à vida,
de modo que o seu desrespeito configura verdadeiro
risco à democracia e à construção de uma sociedade
livre, justa e solidária, capaz de promover o bem de todos.
Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2021.

Ora, as restrições impostas, dentre elas a exigência de apresentação de um


chamado “passaporte de vacinação” para ingresso em locais fechados, são
plenamente possíveis e proporcionais. Vale dizer, sobre isso, que a análise de
proporcionalidade pressupõe observância CUMULATIVA dos subprincípios da
necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito.
Aqui, vale um pequeno recorte: É fundamental que, em uma questão
envolvendo conflito de direitos fundamentais, o candidato exponha o princípio
da proporcionalidade (que, além de técnica interpretativa é verdadeiro filtro de
julgamento nesses casos), mas sempre demonstrando conhecimento dos
subprincípios que o integram. Essa técnica, além de metodologicamente
acertada, é vista com bons olhos por examinadores, de modo que não se pode
negligenciar a menção do instituto de forma pormenorizada. Um candidato que
apenas cita o conceito “proporcionalidade” pode não saber explicar os
fundamentos do instituto, ao passo que o candidato que elenque os 3
componentes e seu conceito irá de destacar para o examinador, diferenciando-
se da maioria.
Voltando para as restrições proporcionais ao direito de liberdade, há que se
mencionar, ainda que o Professor DANIEL BUCAR (UERJ) e CAIO PIRES, em 66
artigo denominado “A vacinação obrigatória contra a COVID-19 e a função
promocional do direito: o caso do “passaporte-vacina”, analisam a pertinência
do documento chamado “passaporte-vacina” como sendo medida
constitucional e adequada no enfrentamento da crise sanitária instaurada pela
COVID-19.
Prosseguem os autores:
Trata-se da oposição contra as medidas restritivas de
enfrentamento ao Covid-19, capitaneada por autoridades e
partidos políticos. O ápice dessa “cruzada” atingiu-se
durante a tentativa de fazer com o Poder Judiciário
reconhecesse uma espécie de direito de não se vacinar
contra a doença supracitada, resumido em buscar a
garantia de que o cidadão possa não praticar tal medida
profilática sem que sua conduta tenha qualquer
consequência negativa. E dentro dessa seara, o
descontentamento de alguns setores da sociedade com o
“passaporte-vacina” é, seguramente, mais uma batalha
inócua de uma guerra já perdida. Isso porque, primeiro, no
plano abstrato, o discurso utiliza-se de antigo, e
equivocado, raciocínio, o qual busca estender para o
ordenamento jurídico brasileiro a posição preferencial das
liberdades individuais em relação aos demais direitos que o
compõe cuja outros países adotam.
(...)
Ademais, o raciocínio exposto utiliza-se de hermenêutica
constitucional inadequada. Enquanto reger-se o direito
brasileiro pela atual Constituição da República, documento
fundante de um Estado Social Democrático de Direto, os
direitos fundamentais individuais e sociais convivem, não
prevalecendo prima
Nestes termos, a tese fixada pelo Supremo foi:
É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio
de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária,
(i) tenha sido incluída no Programa Nacional de
Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória
determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da
União, estado, Distrito Federal ou município, com base em
consenso médico-científico. Em tais casos, não se
caracteriza violação à liberdade de consciência e de
convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem
tampouco ao poder familiar.
STF. Plenário. ARE 1267879/SP, Rel. Min. Roberto
Barroso, julgado em 16 e 17/12/2020 (Repercussão Geral –
Tema 1103) (Info 1003).
67
Após a tese, interessante mencionar decisões que deixaram de conceder
liminar em mandado de segurança justamente pelo fato de a exigência de
comprovação da vacinação contra Covid-19, para autorizar o acesso a certos
espaços privados abertos ao público, não configurar violação certa e específica
à liberdade de locomoção do impetrante (TJ RJ, MS n° 0064470.06-8.19.0000,
Des. Caetano Ernesto da Fonseca Costa, julgado em 02/09/2021, TJ RJ, MS n°
0064487-42.2021.8.19.0000, Des. Ana Maria Pereira de Oliveira, decisão
monocrática, julgado em 31/08/2021).

O melhor entendimento deve se filiar à ideia de que a vacinação compulsória


não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do
usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas,
as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas
atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em
lei. É dizer, assume-se posição intermediária segundo a qual ao mesmo tempo
que não se pode obrigar um cidadão a se vacinar, aplicando o que se chama
de vacinação forçada, o estado poderá restringir sua liberdade de locomoção
para induzir à vacinação.

Na ADI n° 6586/DF, ajuizada para discutir a constitucionalidade do art. 3°,


inciso III, alínea ‘d’ da Lei n° 13.979/2020 (lei de medidas para o enfrentamento
da emergência de saúde pública advinda da pandemia), o STF decidiu, de
forma unânime, pela constitucionalidade do dispositivo.

O voto do Ministro Relator Ricardo Lewandowski na ADI afirmou a prevalência


do direito social e fundamental à saúde coletiva – que reflete a solidariedade
constitucional - sobre os direitos fundamentais de liberdade individual. Deste
modo, concluiu que é permitido ao Poder Legislativo impor a vacinação
obrigatória e aos entes federativos (União, Estados e Municípios) estipularem
medidas –inclusive, edição de leis e decretos- para efetivar tal comando. Tem-
se, pois, a sobreposição do direito coletivo à vida, saúde e existência dignas
em relação ao direito individual alegado de quem se contrapõe à medida
sanitária.

Vejamos, inclusive, o que dispõe artigo científico multidisciplinar elaborado por


pesquisadores da Fiocruz em colaboração com pesquisadores e estudantes da 68
Universidade Federal Fluminense (UFF) acerca dos impactos e fundamentos
dessa decisão do STF no tocante à obrigatoriedade da vacinação:

Inicialmente, o STF salientou a diferença entre a


vacinação compulsória e a vacinação forçada. A
primeira decorre de consentimento do usuário, ou
seja, o indivíduo tem a liberalidade para
aceitar/recusar a vacina, não sendo possível
empregar o uso da força ou qualquer medida
invasiva para que seja aplicada, em decorrência
do direito à inviolabilidade e integridade do
corpo e à liberdade (26), além de explicitar, nos
pontos (i) a (v) alguns requisitos para que possa ser
implementada. A Corte esclareceu que a Lei n⁰
13.979/2020 em momento algum se refere à
vacinação forçada, entretanto, institui a
vacinação compulsória, a qual pode ser efetivada
com a utilização de medidas indiretas de
coerção, balizadas nos princípios da
proporcionalidade e razoabilidade, como por
exemplo, a suspensão temporária do direito de
livre circulação; a limitação da frequência em
determinados locais, a vedação ao desempenho
de algumas atividades, principalmente, as coletivas
(26).Em um primeiro momento, a obrigatoriedade da
vacina pode soar como uma medida muito incisiva,
demasiadamente restritiva de direitos. Entretanto,
alternativas para o combate ao coronavírus podem
se revelar, na prática, ainda mais invasivas,
tendentes a cercear direitos como a liberdade de
reunião ou de locomoção, a exemplo do isolamento
social (26). Esse cenário produz impactos em
diversos setores, como a economia, a saúde pública
e a educação. Conforme elucidam Wang, Moribe e
Arruda (24), a ausência ou a insuficiência de
intervenção estatal para a promoção de saúde
coletiva também restringe direitos.
Na dinâmica do conflito de direitos e interesses do
julgamento, de um lado, o princípio da dignidade
humana, considerado na esfera dos direitos
individuais concernentes ao corpo e à liberdade e,
de outro, os interesses coletivos, os impactos da
imunização em larga escala na saúde pública (2), o
STF ponderou que o dispositivo em análise (art. 3º,
III, ‘d’, da Lei nº 13.979/2020) deve ser interpretado à
luz da Constituição Federal, declarando
constitucional a obrigatoriedade da vacinação,
desde que observados os requisitos
69
supramencionados, sendo possível a adoção de
medidas indiretas àqueles que se recusarem a se
vacinar (27). O ministro Gilmar Mendes, em seu
voto, discorreu no sentido de que nos casos em que
houver conflitos entre direitos voltados à liberdade
individual –autonomia individual–e direitos
pertinentes à saúde coletiva, a técnica
hermenêutica da ponderação deve ser aplicada,
buscando-se uma atuação conforme o princípio da
proporcionalidade para prover os interesses
coletivos e as restrições individuais (30). O Tribunal
Superior salientou que a obrigatoriedade ou
compulsoriedade da vacinação não confrontam os
direitos individuais e nem esvaziam os preceitos
constitucionais. O ministro Lewandowski (26), em
seu voto, destaca que a saúde coletiva “[...] não
pode ser prejudicada por pessoas que
deliberadamente se recusam a ser vacinadas”.
Segundo a Corte, para ser medida legítima, a
imunização compulsória deve obedecer às
condições previstas na própria Lei nº13.979/2020,
em seu artigo 3º, §2º, incisos I, II e III, quais sejam, o
direito à informação, à assistência familiar, ao
tratamento gratuito e, também, ao “[...] pleno respeito
à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais das pessoas[...]” (13).A
imprescindibilidade da ampla publicização no
plano de vacinação de informações referentes à
eficácia, segurança e contraindicações dos
imunizantes, além do embasamento científico do
imunizante são exigências essenciais, afinal, difundir
tais informações significa promover a educação
sanitária da população, enfraquecendo boatos ou
fake news, e permitindo que, devidamente instruída
e conscientizada, a população possa decidir acerca
do recebimento ou não do imunizante. Em síntese, o
STF considerou que o Estado pode estabelecer a
vacinação obrigatória da população, incluindo a
vacinação contra a COVID-19. A Corte entendeu
por uma interpretação em conformidade com
várias normas constitucionais, especialmente as
relacionadas à dignidade da pessoa humana e ao
direito fundamental e social básico à saúde.
Ademais, as sanções limitadoras indiretas podem
ser concretizadas, todavia, estão suprimidas
medidas invasivas, como o uso da força, para
exigir a vacinação (...).

Íntegra do artigo disponível em:


70
https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/ca
dernos/article/view/865/899 .

Nestes termos, concluímos que a vacinação compulsória/obrigatória é


constitucional, e ela não se confunde com a vacinação forçada (utilização de
força para obter o resultado pretendido), esta última contrária ao ordenamento
pátrio.

Sobre essa afirmação, se posicionam Professor DANIEL BUCAR e CAIO


PIRES no seguinte sentido:

Assim, afasta-se uma primeira premissa do discurso que


busca vincular o controle de entrada nos locais públicos de
acesso privado às medidas de vacinação forçada. Nem
toda sanção é negativa e apenas as sanções negativas
estariam mais próximas dos limites cuja ADI n° 6586/DF
impõe a efetivação da vacinação obrigatória. Utilizando-se
os decretos e leis responsáveis por instituir o “passaporte-
vacina” da técnica de sançao
̃ premial, nao
̃ haveria
grande dúvida a respeito da constitucionalidade de sua
adoção. Todavia, e por fim, convém demonstrar,
igualmente, que as supracitadas medidas não ofendem a
proporcionalidade, imposta como outro filtro para as
estratégias finalizadas a assegurar a vacinação obrigatória.
À luz desta perspectiva, a simples continuidade da crise
sanitária será capaz de afastar qualquer premissa
equivocada (...).

A resposta deveria expressamente indicar que, conforme decidiu o STF, a


medida de vacinação compulsória a que alude o art.3º, III, “d”, da Lei nº
13.979/2020 é passível de aplicação por todos os entes federativos, desde que
os imunizantes tenham sua segurança e eficácia atestadas pela comunidade
científica e agência reguladora nacional, sejam distribuídas de forma gratuita e,
ainda, acompanhados de medidas informativas quanto aos seus efeitos, e tal
medida não consistiria em violação a nenhum direito ou garantia fundamentais.
Ou seja, compulsoriedade da vacina não pressupõe violação da
71
autonomia corporal de alguém.

No tocante, por fim, à criança, a discussão ganha novos contornos,


notadamente porque há expressa previsão constitucional e infralegal (no ECA)
imputando responsabilidade aos pais pela ausência de vacinação de seus
filhos. A seguir, destacamos:

I -Na Constituição Federal

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado


assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

II - Veja-se, agora, os artigos do ECA mencionados na resposta:

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à


vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais
públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento
sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas


de assistência médica e odontológica para a prevenção das
enfermidades que ordinariamente afetam a população
infantil, e campanhas de educação sanitária para pais,
educadores e alunos.

§ 1 É obrigatória a vacinação das crianças nos casos


recomendados pelas autoridades sanitárias.

Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres


inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou
guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária
ou Conselho Tutelar

Pena - multa de três a vinte salários de referência,


aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Portanto, os pais devem vacinar a criança, sob pena de incorrerem na infração
prevista no artigo 249, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
podendo, inclusive, sofrer a perda do poder familiar.
72

Observação adicional: Está tramitando no Senado o PL 5099 de 2019 que


acrescenta dispositivo à Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para tornar obrigatório o
estabelecimento de prazo para apresentação da Caderneta de Saúde da
Criança, ou documento equivalente, no ato de matrícula na educação infantil.
Hoje, inexiste prazo. Com o PL, haveria então um prazo razoável, compatível
com a realidade local, para apresentação da caderneta de saúde da criança ou
documento equivalente, essenciais para matrícula na educação infantil.

Vejamos o texto:
O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º O caput do
art. 12 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa
a vigorar acrescido do seguinte inciso XII:
“Art. 12. ...............................
...................................................
XII – estabelecer, nos termos do § 1º do art. 14 da Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990, no ato da matrícula na
educação infantil ou no de sua renovação, prazo
condizente com a realidade local para que os pais ou
responsáveis apresentem Caderneta de Saúde da Criança
atualizada, ou documento equivalente, orientá-los para sua
obtenção e notificar o Conselho Tutelar do Município do
não cumprimento do prazo.”(NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
CÂMARA DOS DEPUTADOS, de setembro de 2019.
RODRIGO MAIA
Presidente

Por fim, vale rememorar que o poder familiar está disciplinado nos arts. 1.630 a
1.638 do Código Civil de 2002 (CC), legislação que, todavia, não define o
instituto, visto que o citado art. 1.630 limita-se a determinar que "os filhos estão
sujeitos ao poder familiar, enquanto menores". Ainda, vale dizer que a ação
para a perda do poder familiar é de titularidade do Ministério Público.

Sugestão de textos para leitura complementar: 73


STF, ADI n° 6586/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 17/12/2020.
p. 16/20, disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/lewandowski-adis-
obrigatoridade-vacina.pdf.
Nota técnica sobre vacinação -
https://teste.defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/11695-Nota-tecnica-sobre-a-
obrigatoriedade-da-vacinacao
Artigo “Implicações da autonomia na recusa de vacinação contra a
COVID-19: reflexões a partir do entendimento do Supremo Tribunal Federal
“https://www.cadernos.prodisa.fiocruz.br/index.php/cadernos/article/view/865/89
9
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA
A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

1
W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA


A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

Olá Futuro(a) Residente Jurídico(a) da DPE-RJ,

Você está recebendo hoje a quinta rodada de conteúdo direcionado e


preparatório para o concurso de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro. Chegamos na metade! Esperamos que tenha
gostado das primeiras quatro rodadas! Você se saiu bem? Continuamos com
todo o cuidado na seleção de cada tema. Por aqui continuamos buscamos
identificar os assuntos de maior relevância na atuação prática na Defensoria
Pública, temas que são quentes e podem ser questão do seu certame!

Esta é a quinta rodada de dez. Ao total serão aproximadamente sessenta


questões! O objetivo é treiná-los para prova, então vocês devem tentar
resolver as questões antes de partirem para a leitura do espelho. O
espelho é instrumento essencial para você se aprofundar nos temas,
contudo, antes de abri-lo, treine com o caderno de questões!

Desejamos sorte neste seu objetivo e que este material possa continuar te
ajudar a alcançar a função de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro!

Qualquer dúvida, não deixe de nos procurar! Até breve,

Coordenação da turma

PRISCI LA COT TA
ANALISTA PROCESSU AL DA DPE-RJ
EX-RESIDENTE J URÍDICA DA DPE-RJ
RAONI ARAUJ O
COORDENADOR ACADÊMICO DO PED
MESTRE PELA FND/UFRJ

2
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARAA PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA – RODADA V

ESPELHO

QUESTÃO 01 Nilton, que devido necessidades financeiras, e desemprego de 1

sua esposa, buscava através de corridas de carro via aplicativo complementar


a renda familiar, passava as noites em serviço. Determinado dia, retornou mais
cedo que o habitual, e foi surpreendido ao entrar em casa e ver Ana sua
esposa há 8 anos, com o porteiro de seu prédio em conjunção carnal.
Imediatamente golpeia o porteiro Francisco que desmaia, e difere série de
agressões a Ana que faleceu momentos depois. Diante da recente decisão do
STF, a tese utilizada em sua defesa, desde a fase de inquérito, de que o fato
ocorreu devido estar sob forte emoção, em legitima defesa da honra é correta?

Padrão de Resposta

Não há que se falar em legítima defesa, instituto constante no art. 23, II do


Código Penal, uma vez que tal instituto é uma excludente de ilicitude, e existe
para situações em que a conduta até então tipificada como criminosa possui
justificativa plausível tamanha a excluir a licitude. A legítima defesa da honra,
conforme entendimento recente consolidado pelo STF não pode ser utilizada
como tese de defesa, seja direta ou indiretamente, sob pena de nulidade do ato
e julgamento. Por conta disso o STF entendeu, em decisão unânime, que o uso
da tese contraria os princípios constitucionais da dignidade humana, da
proteção à vida e da igualdade de gênero.

Tal alegação tem sede em no crime não recepcionado de adultério, que advém
de cultura patriarcal, o que não coaduna com a atual Constituição que prega
dignidade da pessoa humana, dos direitos à vida e à igualdade entre homens e
mulheres (art. 1º, inciso III , e art. 5º, caput e inciso I, da CF/88)

ESPELHO
ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Excludente de ilicitude 25

STF e o entendimento sobre legitima defesa da 25 2

honra

Legitima defesa da honra versus atual 25


constituição

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 25

COMENTÁRIOS

Recentemente, houve um julgado marcante para o Direito Penal, após o


ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), defender que a Corte
máxima declare a inconstitucionalidade a tese de "legítima defesa da honra" —
usada como argumento para justificar feminicídios em ações criminais,
sobretudo quando os réus são levados a júri popular.

A tese costuma ser usada pela defesa de réus que respondem por
crimes de natureza passional, onde a culpa do delito passa a ser o
comportamento da vítima. A tese é usada principalmente em casos de
feminicídio e agressões contra mulheres.

A discussão do tema foi marcada por manifestações dos ministros sobre


a necessidade de o STF declarar a inconstitucionalidade da "legítima defesa da
honra". Para o relator, a tese consiste em "recurso argumentativo/retórico
odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio
ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias
mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a
perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil".

Destacando a quão "esdrúxula e malfadada" é a tese de "legítima defesa


da honra", o ministro Edson Fachin propôs que o Supremo estabeleça a
3
possibilidade de Tribunais de Justiça admitirem recursos contra decisões de
júris de femincídio sob o argumento de provas contrárias aos autos. A ideia é o
Supremo entenda que a anulação de julgamentos em que foi evocada a
"legítima defesa da honra" é válida e compatível com a soberania dos
veredictos do tribunal do júri. Assim, os tribunais poderão determinar novos
julgamentos em casos em que a tese foi usada no júri.
Feminicídio: Trata-se do homicídio praticado contra a mulher por razões
da condição do sexo feminino. Se difere do feminicídio, que se caracteriza
como qualquer homicídio que tenha como vítima uma mulher.
Feminicídio (Incluído pela Lei nº
13.104, de 2015)
VI - contra a mulher por razões da
condição de sexo feminino: (Incluído pela
Lei nº 13.104, de 2015)
VII – contra autoridade ou agente
descrito nos arts. 142 e 144 da
Constituição Federal, integrantes do
sistema prisional e da Força Nacional de
Segurança Pública, no exercício da
função ou em decorrência dela, ou contra
seu cônjuge, companheiro ou parente
consanguíneo até terceiro grau, em razão
dessa condição: (Incluído pela Lei nº
13.142, de 2015)
VIII - (VETADO): (Incluído pela Lei
nº 13.964, de 2019)
Pena - reclusão, de doze a trinta
anos.
§ 2o-A Considera-se que há razões
de condição de sexo feminino quando o
crime envolve: (Incluído pela Lei nº
13.104, de 2015)
I - violência doméstica e familiar;
(Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II - menosprezo ou discriminação à
condição de mulher. (Incluído pela Lei nº
13.104, de 2015)
Questão: É possível o acúmulo da qualificadora do feminicídio com
outra qualificadora, como, por exemplo, por motivo torpe? Sim! A jurisprudência
é uníssona quanto ao acúmulo da qualificadora do feminicídio com outras, pois
ao passo que a qualificadora do feminicídio se dá em razão de uma condição
específica da vítima, a qualificadora do motivo torpe, por exemplo, se dá em
4
virtude da motivação do agente para praticar o crime.
Sendo assim, é necessário também ressaltar que existe uma violação ao
princípio da não discriminação, pois, no que tange ao aspecto normativo
nacional e internacional em específico, o Brasil é signatário da Convenção
sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher
(CEDAW), logo, define-se no art.1, a conceituação sobre a discriminação,
sendo esta prevista no dispositivo abaixo:
Artigo 1o: Para os fins da presente
Convenção, a expressão "discriminação
contra a mulher" significará toda a
distinção, exclusão ou restrição baseada
no sexo e que tenha por objeto ou
resultado prejudicar ou anular o
reconhecimento, gozo ou exercício pela
mulher, independentemente de seu
estado civil, com base na igualdade do
homem e da mulher, dos direitos
humanos e liberdades fundamentais
nos campos político, econômico, social,
cultural e civil ou em qualquer outro
campo.
Desta forma, é importante destacar que mesmo que a lei em sentido
geral, contenha um sentido neutro, esta pode ter um conteúdo discriminatório,
perante os resultados de suas aplicações. Isto é, diante de atos jurídicos ou até
mesmo de omissões jurídicas, os resultados de uma lei, como no caso da “tese
da legítima defesa da honra”, podem inferir em diversas esferas da vida da
mulher, podendo até incluir a esfera cultural e social, resultando um certo
desrespeito e violação no que tange ao direito das mulheres e aos
demais grupos vulneráveis que se concretizam através dos direitos das
mulheres.

Ademais, no que tange ao caso, também existe uma violação ao


princípio da igualdade. Todavia, é preciso ressaltar que com a Constituição de
5
1988, marcando o fim de um período marcado por regimes autoritários, em
teve a ocorrência de longos conflitos e violação de direitos individuais. É
importante destacar, que neste contexto houve uma mudança
significativa no sistema jurídico brasileiro ao definir e disciplinar os
direitos fundamentais, como clausulas pétreas

Uma análise contraditória

Sabe-se, nos termos da Constituição Federal, artigo 5º, XXXVIII, que é


reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados: a) a plenitude da defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania
dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra
a vida.
Porém, mesmo que por mais inconstitucional que pareça ser, cabe ao
réu ter garantido seu direito de alegar os fatos que compete em sua defesa, e
ainda podemos falar que esta colocação do réu deva ser argumentada pela
acusação. Uma vez que, mesmo com o avanço no reconhecimento de
inúmeros direitos as mulheres, a cultura de inferiorizarão da mulher é um traço
cultural, que ainda sonda em sua maioria na sociedade brasileira, por ter um
forte histórico machista e patriarcal como já mencionado.

Assim, é importante observar que não é possível a defesa do réu,


usar este tipo de argumentação para compor a sua defesa, mas o réu pode
em favor da alegação de fatos, que descrevam suas motivação para o
cometimento do delito. Visto que, o defensor ao trazer meios de defesas
possíveis para convencimento dos jurados, deva conter em sua argumentação
um mínimo de ética possível, em que seja respeitado os direitos das
mulheres, principalmente como um direito humano e também como um direito
constitucional.
Sendo assim, quanto a absolvição genérica no Tribunal do Júri, nos
termos do art. 483, § 2 do Código de Processo Penal, é importante
observar que não é possível defender a possibilidade de apelação com
6
base neste artigo. Visto que, a hipótese de cabimento é com base no quesito
genérico, logo, não haveria como avaliar as razões pelas quais os jurados
julgaram o réu a tal veredicto absolutório, pois, sabe-se que no Tribunal
do Júri, é possível tanto argumentos jurídicos e extrajurídicos como motivo
de absolvição, logo, não há como saber qual destes argumentos os jurados
levaram em consideração.

Sobre a ADPF 799

Impetrada pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, a ADPF 779


elencou como preceitos fundamentais violados por atos do poder público: (i)
direito fundamental à vida (art. 5º, caput, da CF); (ii) princípio da dignidade da
pessoa humana (art. º 1º, III, da CF); (iii) princípio da não-discriminação (art. 3º,
IV, da CF); (iv) os princípios do Estado de Direito (art. 1º da CF), da
razoabilidade e da proporcionalidade (art. 5º, LIV, da CF).

Solicitou que fosse dada interpretação conforme à constituição aos


dispositivos: art. 23, II do CP, que exclui a existência do crime quando o agente
o pratica numa relação de legítima defesa; art. 25, caput, CP, que define como
estado de legítima defesa a ação praticada por quem, usando moderadamente
dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu
ou de outrem; e art. 65, CPP, que preconiza fazer coisa julgada no cível a
sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de
necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no
exercício regular de direito.

O que a Suprema Corte realizou, no bojo da ADPF 779 , não foi mitigar o
Júri ou suas prerrogativas. Todas as garantias, sobretudo a plenitude de defesa
e soberania dos vereditos continuam com a mesma eficácia, sem perder
nenhuma atribuição. Por outro lado, o que houve foi uma ratificação da posição
do Sistema Processual Penal brasileiro como instrumento século XXI, que não
admitirá posições ultrapassadas sob nenhuma justificativa.

7
Desse modo, é necessário encarar a decisão do STF não como qualquer
limítrofe imposto à atuação do advogado ou um cerceamento da plenitude de
defesa; mas sim como a verdadeira consagração do direito como um reflexo
social. Se a práxis da ciência jurídica se faz por meio da argumentação e essa
diz sobre quem somos como sociedade e principalmente juristas, é preciso
adequá-las, mesmo através de um instrumento impositivo, a concepção de
justiça social atual.

Ademais, a inconstitucionalidade dessa tese só ratifica a eficiência dos


instrumentos normativos criados para mitigar a violência contra a mulher, tais
qual a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio, bem como a
constitucionalidade da igualdade de gênero.
DECISÃO RECENTE!
Por unanimidade dos votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou
inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em crimes de
feminicídio ou de agressão contra mulheres. O julgamento do mérito da
matéria, objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) 779, foi retomado na sessão plenária do dia 01/08/2023, em que a
Corte deu início às atividades do segundo semestre de 2023.

Breve compreensão sobre Tribunal do Júri


O Tribunal do Júri é um instituto presidido por um juiz togado e 25 (vinte
e cinco) cidadãos maiores de 18 anos de idade e de boa índole que são eleitos
por meio de sorteio. A publicação da lista geral dos jurados escolhidos deve ser
publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e disponibilizada
por meio de editais que ficarão afixados à porta do Tribunal.

Até o dia 10 de novembro, quando a lista se torna definitiva, poderá ser


alterada por meio de ofício ou reclamação junto ao juiz-presidente, conforme
esclarece o art. 426, § 1º do Código de Processo Penal, e, a partir da
publicação da lista definitiva, não será mais possível propor recurso em sentido
estrito conforme análise de Fernando Capez.
8

Art. 426. A lista geral dos jurados,


com indicação das respectivas profissões,
será publicada pela imprensa até o dia 10
de outubro de cada ano e divulgada em
editais afixados à porta do Tribunal do
Júri.
§ 1° A lista poderá ser alterada, de
ofício ou mediante reclamação de
qualquer do povo ao juiz presidente até o
dia 10 de novembro, data de sua
publicação definitiva.

Excepcionalmente, no momento da sessão, poderá haver a escolha de


jurados suplentes ao ser constatado que não há o número mínimo de quinze
para dar início ao trabalho. Portanto, deverão ser sorteados tantos suplentes
quantos forem necessários para compor o grupo de, no máximo, vinte e cinco,
designando-se assim nova data para o julgamento.

Cabe destacar que prestar serviço ao júri é ato obrigatório e o não


comparecimento de modo injustificado constitui crime de desobediência.
Estão isentos de prestar serviço ao júri as pessoas elencadas no art. 437
do Código de Processo Penal:
Art. 437. Estão isentos do serviço
do júri:
I – o Presidente da República e os
Ministros de Estado;
II – os Governadores e seus
respectivos Secretários;
III – os membros do Congresso
Nacional, das Assembléias Legislativas e
das Câmaras Distrital e Municipais;
IV – os Prefeitos Municipais;
V – os Magistrados e membros do
Ministério Público e da Defensoria
Pública; 9
VI – os servidores do Poder
Judiciário, do Ministério Público e da
Defensoria Pública;
VII – as autoridades e os
servidores da polícia e da segurança
pública;
VIII – os militares em serviço ativo;
IX – os cidadãos maiores de 70
(setenta) anos que requeiram sua
dispensa;
X – aqueles que o requererem,
demonstrando justo impedimento.
Para Badaró (2014, p. 495), “a recusa ao serviço do júri, motivada por
convicção religiosa, filosófica ou política, importará o dever de prestar serviço
alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto o serviço
não for prestado”.
Os cidadãos, que participarem efetivamente do Tribunal do Júri como
jurados, obtém os seguintes privilégios:
[...] presunção de idoneidade,
prisão especial por crime comum, até o
julgamento definitivo (CPP, art. 439), e
preferência, em igualdade de condições,
nas licitações públicas e no provimento,
mediante concurso, de cargo ou função
pública, bem como nos casos de
promoção funcional ou remoção
voluntária (CPP, art. 440) (CAPEZ, 2011,
p. 635-636).
O estudioso destaca que compreende participação efetiva no Tribunal do
Júri, conforme mencionado nos trechos anteriores, o jurado que, mesmo não
sendo designado para integrar o Conselho de Sentença, faz-se presente no dia
da sessão do Júri.
Breve compreensão sobre excludente de ilicitude

A ILICITUDE consiste na CONTRARIEDADE entre o FATO TÍPICO


praticado pelo agente (conduta + resultado + nexo causal + tipicidade) e o
10
ORDENAMENTO JURÍDICO. Isto é, constatada a tipicidade penal de uma
conduta (identidade entre o fato e a previsão típica penal), é preciso verificar se
tal fato típico também se reveste de ilicitude (se contraria o ordenamento
jurídico).
O Código Penal Brasileiro não traz um conceito expresso de ilicitude,
porém traz um conceito negativo ao elencar as situações que excluem a
ilicitude de um fato. Dessa maneira, numa conceituação legal, ILÍCITO é todo o
FATO TÍPICO em que se encontra AUSENTE qualquer CAUSA de EXCLUSÃO
da ILICITUDE.
A ILICITUDE apresenta DUAS DIMENSÕES:
- FORMAL – consistente na simples contradição entre o fato praticado e
o ordenamento jurídico vigente (é a ilicitude propriamente dita);
- ILICITUDE MATERIAL (também denominada SUBSTANCIAL) – é o
conteúdo material da ilicitude, ou seja, o caráter antissocial do comportamento
ilícito do agente. A dimensão material tem especial relevância eis que é a partir
dela que se constroem, doutrinária e jurisprudencialmente, as denominadas
CAUSAS SUPRALEGAIS de EXCLUSÃO da ILICITUDE.
CAUSAS EXCLUDENTES DA ILICITUDE
As CAUSAS EXCLUDENTES da ILICITUDE são circunstâncias fáticas e
jurídicas que afastam a natureza ilícita de um fato, assim excluindo a infração
penal. Em outras palavras podemos dizer que as CAUSAS EXCLUDENTES da
ILICITUDE são as situações que, uma vez presentes, fazem com que um
determinado fato deixe de ser considerado contrário ao ordenamento jurídico e
assim deixe de constituir crime.
Nomenclatura:
O Código Penal não adotou expressamente nenhuma denominação para
as excludentes. A doutrina e jurisprudência, por sua vez, apresentam diversas
designações: CAUSAS EXCLUDENTES DA ILICITUDE, CAUSAS DE
JUSTIFICAÇÃO, JUSTIFICATIVAS, DESCRIMINANTES, TIPOS PENAIS
PERMISSIVOS E EXIMENTES.
Espécies
Há TRÊS grandes CONJUNTOS de EXCLUDENTES da ILICITUDE, a
saber:
11
a) CAUSAS GERAIS de EXCLUSÃO da ILICITUDE (previstas na Parte
Geral do Código Penal);
b) CAUSAS ESPECIAIS de EXCLUSÃO da ILICITUDE (previstas de
forma esparsa na Parte Especial do Código Penal e na Legislação Penal
Extravagante); e
c) CAUSAS SUPRALEGAIS de EXCLUSÃO da ILICITUDE.

Sobre a Legítima Defesa


A LEGÍTIMA DEFESA encontra fundamento legal nos artigos 23, inciso
II, e 25 do Código Penal. Verifica-se a LEGÍTIMA DEFESA quando o autor do
fato típico o pratica para repelir INJUSTA AGRESSÃO, atual ou iminente, a
direito próprio ou alheio, usando MODERADAMENTE dos MEIOS
12
NECESSÁRIOS.

Ou seja, considera-se em LEGÍTIMA DEFESA quem, usando


moderadamente dos meios necessários, afasta injusta agressão a direito
próprio ou alheio. Ainda, a injusta agressão deve ser atual ou iminente.
A LEGÍTIMA DEFESA deve ser oposta a uma AGRESSÃO HUMANA,
tendo em vista que uma agressão é um ato de vontade e, dessa maneira,
somente pode partir da conduta humana. A reação contra animais ou coisas
caracteriza hipótese de estado de necessidade.
Os MEIOS NECESSÁRIOS são aqueles que o agente tem à disposição
no momento em que é praticada a injusta agressão.
O USO MODERADO consiste no emprego dos meios necessários na
medida estritamente suficiente para afastar a injusta agressão.
A LEGÍTIMA DEFESA pode ser:
• PRÓPRIA, quando o autor da legítima defesa defende direitos próprios,
ou DE OUTREM, quando visa preservar direito de terceiro;
• REAL, quando a situação de perigo é real (é causa excludente da
ilicitude), ou PUTATIVA, quando a situação de perigo é erroneamente
imaginada pelo agente em razão das circunstâncias – tal hipótese não
configura a situação de exclusão da ilicitude, mas pode configurar causa de
exclusão da culpabilidade, nos termos do disposto nos artigos 20 e 21 do
Código Penal.
QUESTÃO 02 João, coproprietário de imóvel urbano de 200m², procura a
DPERJ em janeiro de 2023 para propor, em face de José, o outro proprietário,
ação de usucapião pelo fato de José ter se mudado para o exterior há 4 anos
e meio e, desde então, não contribuir com a manutenção das despesas do 13

imóvel. João vem arcando sozinho com os custos do imóvel e, por isso,
procurou a defensoria para tutelar seus interesses.

Em julho de 2023, data em que se completou 5 anos do abandono do imóvel


por José, este retorna para o Brasil para se defender nos autos, trazendo
como argumentos os seguintes:

(I) A ação de usucapião foi proposta após 4 anos e meio do abandono do


imóvel por José, ou seja, antes do período de 5 anos para
pleitear o direito ao reconhecimento de usucapião e;

(II) João, como coproprietário, não atenderia à regra do art. 1240 do


Código Civil, qual seja, não ser proprietário de imóvel urbano.

Diante do caso exposto, indique a quem assiste razão e apresente os


fundamentos da defensoria na defesa do caso em tela.

PADRÃO DE RESPOSTA
Assiste razão a João. Isso porque, conforme já decidido pelo STJ no REsp
1.361.226-MG (info. 630), é possível o reconhecimento da usucapião de bem
imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da demanda,
estando, portanto, incorreta a alegação de defesa no item ‘i’. As ações
possessórias são de natureza dúplice porque, a um só tempo, é permitido que
o réu se defenda e postule pretensão autônoma no bojo da contestação,
independentemente de posterior ação. Foi o que fez José, muito embora no
caso em tela, não lhe assista razão. A usucapião especial urbana é espécie do
gênero usucapião, que por sua vez trata de forma de aquisição originária de
propriedade a partir do pacífico exercício de um direito sobre um bem imóvel
após determinado lapso temporal. Assim, correto dizer que a sentença em uma
ação de usucapião é apenas declaratória, porquanto os requisitos constitutivos
da relação jurídica entre o possuidor e o bem já cuidam de constituir sua
14
condição de proprietário originário. Por esse motivo, justamente, decidiu o STJ
que caso o prazo de 5 anos para a usucapião especial urbana tenha sido
completado no curso da ação, não há que se falar em improcedência do
pedido, haja vista ter sido o requisito devidamente atendido. Por fim, quanto ao
item ‘ii’, também não está adequado o argumento defensivo de José, visto que
também aquela Corte Superior decidiu que a qualidade de coproprietário não
possui o condão de afastar o reconhecimento da aquisição originária, por meio
de uma interpretação finalística do instituto.

ESPELHO

Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00


I número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
morfossintaxe e propriedade vocabular);

II Apontar que assiste razão a João, e mencionar - 0,0 a 30


que o requisito temporal pode ser atendido no pontos
curso do processo de usucapião, conforme já
decidido pelo STJ;

III Trazer os requisitos legais da usucapião, - 0,0 a 30


conceituando o instituto como forma de pontos
aquisição originaria de propriedade;

IV Mencionar que, conforme já decidiu o STJ, o - 0,0 a 30


fato de João (possuidor da metade que visa pontos.
usucapir) ser proprietário de metade do imóvel
usucapiendo não recai na vedação de não
possuir "outro imóvel" urbano.
TOTAL 100
COMENTÁRIOS

A resposta da questão de hoje passou pelo STJ nos últimos anos, sendo objeto
15
dos informativos nº 630/2018 e 753/2022.
Vamos, então, aos comentários sobre a questão, para que vocês não errem
caso caia no certame.

Ponto nº 1 – onde está a previsão legal do instituto e qual o conceito?


A usucapião é forma de aquisição originária de propriedade que exime o
possuidor com posse ad usucapionem do pagamento de débitos pretéritos
relacionados ao imóvel, responsabilizando-o somente por aqueles que
incidirem após preenchidos os requisitos legais para a aquisição. E quais
seriam esses requisitos?
No caso em tela, trata-se daquela espécie de usucapião prevista no art. 1.240
do Código Civil:
Art. 1.240 Aquele que possuir, como sua, área
urbana de até duzentos e cinquenta metros
quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
A questão trouxe os seguintes elementos:
i) Imóvel de 200m2 (portanto, dentro do limite legal permitido);
ii) Posse mansa por parte de João, para fins de moradia e com
adimplência dos custos de manutenção do imóvel de copropriedade;
iii) Abandono pelo outro coproprietário (José).

Nestes termos, se induz a crer que João faria jus ao reconhecimento da posse
ad usucapionem, que se transmutaria, após o período de 5 anos, em
propriedade.
Nesse sentido, a sentença proferida no processo de usucapião possui natureza
meramente declaratória (e não constitutiva), pois apenas reconhece, com
oponibilidade erga omnes, um direito já existente com a posse ad
usucapionem, exalando, por isso mesmo, efeitos ex tunc.
Assim, a sentença oriunda do processo de usucapião é tão somente título para
registro e não título constitutivo do direito do usucapiente, buscando este, com
16
a demanda, atribuir segurança jurídica e efeitos de coisa julgada com a
declaração formal de sua condição.
O que restaria definir, no caso, é se o lapso temporal entre o ajuizamento da
ação e a decisão do juiz teria o condão de ser computada para o
preenchimento dos requisitos legais da usucapião especial urbana. Isso
porque, seria preciso o preenchimento de 5 anos de posse ad usucapionem,
requisito este faltante quando do ajuizamento.
Por esse motivo, a defesa de José se ateve ao período em que proposta a
ação, com vistas a buscar a improcedência do pedido de João, por ausência de
requisitos essenciais do direito pleiteado. Não obstante, não foi esse o
entendimento que se sagrou vencedor na doutrina, decidindo o STJ que não
haveria óbice para o reconhecimento da usucapião quando o período se
complete no curso da ação. Se não, vejamos:

É possível o reconhecimento da usucapião quando o


prazo exigido por lei se complete no curso do
processo judicial, conforme a previsão do art. 493,
do CPC/2015, ainda que o réu tenha apresentado
contestação. Em março de 2017, João ajuizou ação
pedindo o reconhecimento de usucapião especial
urbana, nos termos do art. 1.240 do CC (que exige
posse ininterrupta e sem oposição por 5 anos). Em
abril de 2017, o proprietário apresentou contestação
pedindo a improcedência da demanda. As
testemunhas e as provas documentais atestaram
que João reside no imóvel desde setembro de 2012,
ou seja, quando o autor deu entrada na ação, ainda
não havia mais de 5 anos de posse. Em novembro
de 2017, os autos foram conclusos ao juiz para
sentença. O magistrado deverá julgar o pedido
procedente considerando que o prazo exigido por lei
para a usucapião se completou no curso do
processo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.361.226-MG, Rel.
17
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
05/06/2018 (Info 630).

Assim, para o autor, a ação de usucapião tem natureza declaratória e por isso,
ainda que se considerasse o prazo estabelecido no Código Civil de 1916, nada
impediria que a propriedade pela usucapião fosse declarada quando o prazo de
20 anos se completasse durante o curso do processo, como ocorreu no caso.
Foi a tese encampada pelo STJ.

Vejamos a notícia veiculada no site do STJ:

Prazo para usucapião pode ser completado no decorrer do


processo judicial (24/08/2018)

É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel


na hipótese em que o requisito temporal exigido pela lei é
implementado no curso da respectiva ação judicial, ainda
que o réu tenha apresentado contestação.

Esse foi o entendimento da Terceira Turma do Superior


Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso
especial decorrente de ação cujo autor visava o
reconhecimento da usucapião extraordinária de imóvel sob
a alegação de possuir posse mansa, pacífica e contínua do
bem por mais de 17 anos, conforme estabelecido
pelo artigo 1.238 do Código Civil de 2002.

O pedido foi julgado improcedente no juízo de origem, que


entendeu que o caso se enquadra no artigo 550 do Código
Civil de 1916 e, em razão disso, o prazo para
a usucapião extraordinária é de 20 anos. O autor apelou,
mas a apelação não foi provida.

Para o autor, a ação de usucapião tem natureza


declaratória e por isso, ainda que se considerasse o prazo 18

estabelecido no Código Civil de 1916, nada impediria que a


propriedade pela usucapião fosse declarada quando o
prazo de 20 anos se completasse durante o curso do
processo, como ocorreu no caso.

Economia processual

No STJ, o ministro relator do processo, Villas Bôas Cueva,


acolheu a alegação do recorrente e entendeu que é
possível complementar o prazo da usucapião no curso da
demanda judicial, visto que “é dever do magistrado levar
em consideração algum fato constitutivo ou extintivo do
direito ocorrido após a propositura da ação, podendo fazê-
lo independentemente de provocação das partes”,
conforme o artigo 462 do Código de Processo Civil de
1973.

“O legislador consagrou o princípio de que a decisão deve


refletir o estado de fato e de direito no momento de julgar a
demanda, desde que guarde pertinência com a causa de
pedir e com o pedido”, afirmou o magistrado.

Para o ministro, com essa conduta evita-se que o Judiciário


seja demandado novamente para apreciar a existência de
direito que já poderia ter sido reconhecido se o juiz tivesse
analisado eventual fato constitutivo superveniente, o que é
compatível com “os princípios da economia processual e da
razoável duração do processo”.

Contestação
Villas Bôas Cueva também destacou que a citação feita ao
proprietário do imóvel não é suficiente para interromper o
prazo da prescrição aquisitiva, a não ser na situação “em
que o proprietário do imóvel usucapiendo conseguisse
19
reaver a posse”.

“Incumbe ressaltar que a contestação apresentada pelo réu


não impede o transcurso do lapso temporal. Com efeito, a
mencionada peça defensiva não tem a capacidade de
exprimir a resistência do demandado à posse exercida pelo
autor, mas apenas a sua discordância com a aquisição do
imóvel pela usucapião. Contestar, no caso, impõe mera
oposição à usucapião postulada pelos autores, e não à
posse”, disse o relator.

Link para acesso ao processo disponível em:


https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=pr
ocessos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=R
Esp%201361226

Portanto, manifestamente improcedente a defesa de José, no tocante ao item


‘i’.

Ponto 2 – Interpretação quanto ao requisito de “não ser possuidor de


outro imóvel”:
O caso da defesa ‘ii’ sustentada por José foi recentemente levado ao STJ, que
também decidiu pelo não acolhimento da tese.
No caso real, o juízo de primeira instância julgou o pedido improcedente sob o
argumento de que os autores já seriam proprietários de metade do imóvel.
Reformando a sentença, por sua vez, o STJ afirmou que havia sim direito à
usucapião. A partir de uma interpretação finalística do instituto, o STJ entendeu
que, por ter sido a usucapião especial urbana idealizada para contemplar as
pessoas sem moradia própria, não se poderia deixar de privilegiar o
coproprietário, uma vez que eventualmente deveria remunerar o outro
proprietário pelo uso exclusivo do imóvel em copropriedade.
Isto é, no nosso exemplo, sendo José e João coproprietários, João deveria
pagar um aluguel a José caso resolvesse utilizar a parte do imóvel que não lhe
pertencia.
Sob essa perspectiva, justamente, decidiu o STJ o fato de os autores serem
20
proprietários da metade ideal do imóvel que pretendem usucapir não constitui o
impedimento de que trata o art. 1.240 do Código Civil, pois não possuem
moradia própria, já que eventualmente teriam que remunerar o coproprietário
(em nosso exemplo, João) para usufruir com exclusividade do bem. STJ. 3ª
Turma. REsp 1.909.276-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
27/09/2022 (Info 753).
Por fim, o STJ entende que é perfeitamente possível a usucapião de bem em
condomínio, desde que o condômino exerça a posse do bem com
exclusividade. Nesse sentido, o requisito “outro imóvel” deve ser interpretado
restritivamente (literalmente), não podendo tal vedação abarcar o imóvel em
copropriedade.
Veja-se o precedente, que é originário do ERJ:
RECURSO ESPECIAL Nº 1909276 - RJ
(2019/0300693-7) RELATOR: MINISTRO RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA RECORRENTE: GERARD
ANDRES FISCHGOLD RECORRENTE: MARIA
CRISTINA FISCHGOLD ADVOGADOS: BRUNO
FISCHGOLD - DF024133 BRUNA CAVALCANTE
DRUBI BURGER - RJ138185 RECORRIDO:
GETULIO COSTA DA SILVA RECORRIDO: ELZA
MARIA AMARAL VIEIRA DA SILVA ADVOGADO:
CARLOS AUGUSTO BARBOSA CONCEICAO -
MA013874 EMENTA RECURSO ESPECIAL. CIVIL.
DIREITO DAS COISAS. ALTERAÇÃO FÁTICA
SUBSTANCIAL. NATUREZA. POSSE.
TRANSMUDAÇÃO. POSSIBILIDADE. ANIMUS
DOMINI. CARACTERIZAÇÃO. PROPRIEDADE.
METADE. IMÓVEL. USUCAPIÃO
CONSTITUCIONAL. RECONHECIMENTO.
USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PRAZO. CURSO
DO PROCESSO. CONTESTAÇÃO.
INTERRUPÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Recurso
especial interposto contra acórdão publicado na
21
vigência do Código de Processo Civil de 2015
(Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2.
Cinge-se a controvérsia a definir se (i) falha a
prestação jurisdicional; (ii) a aquisição de metade do
imóvel usucapiendo caracteriza a propriedade de
outro imóvel, impedindo o reconhecimento da
usucapião constitucional; (iii) o ajuizamento de ação
cautelar de vistoria pode ser considerada como
oposição à posse, impedindo o reconhecimento da
usucapião extraordinária e (iv) o caráter original da
posse pode ser transmudado na hipótese dos autos.
3. O fato de os possuidores serem proprietários de
metade do imóvel usucapiendo não recai na
vedação de não possuir "outro imóvel" urbano,
contida no artigo 1.240 do Código Civil. 4. É firme a
jurisprudência desta Corte no sentido de ser
admissível a usucapião de bem em condomínio,
desde que o condômino exerça a posse do bem com
exclusividade. 5. A posse exercida pelo locatário
pode se transmudar em posse com animus domini
na hipótese em que ocorrer substancial alteração da
situação fática. 6. Na hipótese, os possuidores (i)
permaneceram no imóvel por mais de 30 (trinta)
anos, sem contrato de locação regular e sem efetuar
o pagamento de aluguel, (ii) realizaram benfeitorias,
(iii) tornaram-se proprietários da metade do
apartamento, e (iv) adimpliram todas as taxas e
tributos, inclusive taxas extraordinárias de
condomínio, comportando-se como proprietários
exclusivos do bem. 7. É possível o reconhecimento
da prescrição aquisitiva ainda que o prazo exigido
por lei se complete apenas no curso da ação de
usucapião. Precedentes. 8. A contestação não tem a
22
capacidade de exprimir a resistência do demandado
à posse exercida pelo autor, mas apenas a sua
discordância com a aquisição do imóvel pela
usucapião. 9. Recurso especial conhecido e provido.

Pelo exposto, conclui-se que a pretensão ‘ii’ de José também deve ser
afastada.
Esses seriam, portanto, os dois pontos de enfoque da Defensoria no bojo da
réplica em questão.

Ponto 3 – Principais modalidades de usucapião – para revisar e fixar:


Vejamos, a seguir, as espécies mais frequentes de usucapião:

1) EXTRAORDINÁRIA (art. 1.238 do CC): 15 anos de posse (regra) ou de 10


anos se:
• Requisitos:
a) o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual;
OU
b) nele tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

• Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de
boa-fé.
• Não importa o tamanho do imóvel.

2) ORDINÁRIA (art. 1.242 do CC) Prazo de 10 anos (caput) ou 5 anos


(parágrafo único)
• O prazo da usucapião ordinária será de apenas 5 anos se:
a) o imóvel tiver sido adquirido onerosamente com base no registro e
este registro foi cancelado depois; e
b) desde que os possuidores nele tiverem estabelecido moradia, ou
realizado investimentos de interesse social e econômico.
• Exige justo título e boa-fé.
• Não importa o tamanho do imóvel.
23

3) ESPECIAL RURAL - (PRO LABORE) (AGRÁRIA) (art. 1.239 do CC) (art.


191 da CF/88)
• Requisitos:
a) 50 hectares: a pessoa deve estar na posse de uma área rural de, no
máximo, 50ha;
b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no
mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém;
c) tornar a terra produtiva: o possuidor deve ter tornado a terra produtiva por
meio de seu trabalho ou do trabalho de sua família, tendo nela sua moradia.
Ou seja: o possuidor, além de morar no imóvel rural, deve ali desenvolver
alguma atividade produtiva (agricultura, pecuária, extrativismo etc.).

d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem
imóvel (urbano ou rural).
e) Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de
boa-fé.

4) ESPECIAL URBANA (PRO MISERO) (PRO HABITATIONE) (art. 1.240 do


CC) (art. 9º do Estatuto da Cidade) (art. 183 da CF/88)
• Requisitos:
a) 250m2: a pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no máximo,
250m2;
b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no
mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém;
c) Moradia: o imóvel deve estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou
de sua família;
d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem
imóvel (urbano ou rural).
Observações: Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou
que estava de boa-fé. O direito não será reconhecido ao mesmo possuidor
mais de uma vez.

5) ESPECIAL URBANA COLETIVA (art. 10 do Estatuto da Cidade)


24
• Requisitos:
a) existência de um núcleo urbano informal;
b) esse núcleo deve viver em um imóvel cuja área total dividida pelo número de
possuidores seja inferior a 250m2;
c) esse núcleo deve estar na posse do imóvel há mais de 5 anos, sem
oposição;
d) os possuidores não podem ser proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Neste caso, poderá haver uma usucapião coletiva da área.

Observações:
• O possuidor pode, para o fim de contar o prazo de 5 anos, acrescentar sua
posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
• A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz,
mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro
de imóveis.
• Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,
independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo
hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais
diferenciadas.
• O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de
extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos
condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do
condomínio.
• As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão
tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também
os demais, discordantes ou ausentes.

6) RURAL COLETIVA (art. 1.228, §§ e 4º e 5º do CC)


O proprietário pode ser privado da coisa se:
• um considerável número de pessoas
• estiver por mais de 5 anos
• na posse ininterrupta e de boa-fé
• de extensa área
25
• e nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
Neste caso, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o
preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos
possuidores.

QUESTÃO 03 Maria é exposta em vazamento de dados em que houve


exposição de seu procedimento de transgenitalização, tendo sido
frequentemente abordada por empresas estética na intenção de lhe vender
procedimentos para a manutenção de sua ‘aparência feminina’. Tendo em
vista que o ocorrido lhe tem causado enorme constrangimento, analise o tema,
sob a ótica da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), abordando:
i) A (im)possibilidade de imputação de multa ou outra penalidade pelo 26
vazamento de dados;
ii) O dever de indenizar no caso concreto, à luz da jurisprudência dos
Tribunais Superiores.

PADRÃO DE RESPOSTA
Trata-se de caso grave de vazamento de dados, cuja aplicação da multa
deverá adotar como parâmetro o direito de privacidade e intimidade violados,
verdadeiras cláusulas pétreas trazidas no art. 5º, CF/88. O caso também
envolve o Direito Fundamental à privacidade e proteção de dados (art.5º, XII
CRFB). Acerca de eventual imputação de multa, a questão hoje encontra-se
pacificada, tendo em vista a recente publicação da Resolução ANPD nº
04/2023, em cujo texto constam expressamente as hipóteses para a fixação de
multa, sua forma de cálculo e dosimetria da penalidade. Vale mencionar que
esse procedimento de responsabilização encontrava óbice na ausência de
regulamentação, o que causava, na prática, certa impunidade para aqueles
responsáveis pelo vazamento. Hoje, conforme o artigo 8º, §3º, ‘d’, do
regulamento supramencionado, a conduta é punível por se tratar de infração
grave, portanto, a resposta para o item ‘i’ é positiva, graças à recente
regulamentação. No passado, as hipóteses de responsabilização cingiam-se,
em sua grande maioria, ao ajuizamento de ações de responsabilidade civil por
danos (o que, cumulativamente à infração devida, ainda pode ser feito). Acerca
do ponto, e respondendo ao perguntado no item ‘ii’, o caso chegou ao STJ
recentemente (AREsp n. 2.130.619/SP), tendo a corte decidido não ser o
vazamento de dados pessoais, por si só, evento responsável por atrair a
sistemática da responsabilização civil por dano moral, cabendo ao autor da
ação comprovar efetivo prejuízo decorrente das informações vazadas. No caso
sob análise, o melhor entendimento deve ser aquele apto a atrair a
responsabilização, tendo o enunciado destacado a espécie de dado objeto do
vazamento (dado sensível), bem como o constrangimento sofrido.

ESPELHO:
Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00
número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
I
morfossintaxe e propriedade vocabular);
Dizer que os artigos imputando infrações estavam
II pendentes de regulamentação e, por isso, a multa - 0,0 a 30
respectiva não poderia ser aplicada, situação que pontos
se resolveu com a resolução da ANPD nº
27
04/2023.

III Traçar a distinção entre dados pessoais sensíveis - 0,0 a 30


e dados pessoais, abordando o conceito de pontos
dados anonimizados. sendo até 10
pontos para
cada conceito
exposto

IV Mencionar, no tocante ao item ‘ii’, a conclusão a - 0,0 a 30


que chegou o STJ realizando um distinguishing pontos.
em relação ao caso posto, por se tratar aqui de
dado sensível
TOTAL 100

COMENTÁRIOS:
Em primeiro lugar, vejam que nossa questão está no ponto 2, dentro da
disciplina “consumidor e proteção de dados pessoais”:
‘2. Proteção de dados pessoais. Lei 13.709/2018. Princípios e fundamentos.
Dados pessoais sensíveis. Dados pessoais de crianças e adolescentes. LGPD
no setor público. Lei de acesso à informação.’
Passemos às informações da temática:

I – Explicações iniciais sobre o caso da questão:


Certo é que vivemos em um mundo globalizado, onde os serviços são
cada vez mais executados pelo meio eletrônico e a facilidade da internet
proporciona uma economia de recursos e tempo imensuráveis. Todavia, esse
cenário não está imune a críticas e desafios, haja vista a ocorrência de crimes
online, vazamento de dados, fraudes e outras situações que extrapolam o mero
dissabor do consumidor.
Foi nesse cenário que a edição de uma Lei Geral de Proteção de Dados
ganhou extrema relevância prática. Trata-se da Lei nº 13.709, publicada em
2018.
Acerca da imputação de sanções, frise-se que esses dispositivos estavam
pendentes de regulamentação pela ausência de um órgão de controle.
28
O diploma legal é bastante elucidativo, e nesse aspecto se recomenda a leitura
dos artigos 1º a 7º, que elencam conceitos importantes para nós.
A lei possui como finalidade regular o tratamento de dados pessoais, inclusive
nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público
ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e
de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
Na lei, importante é a distinção entre dados pessoais sensíveis e dados
anonimizados, veja-se o que dispõe o artigo 5º:
Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:
I - dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural
identificada ou identificável;
II - dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem
racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política,
filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso,
filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida
sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a
uma pessoa natural;
III - dado anonimizado: dado relativo a titular que não
possa ser identificado, considerando a utilização de meios
técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu
tratamento;
V - titular: pessoa natural a quem se referem os dados
pessoais que são objeto de tratamento;
(...)
XI - anonimização: utilização de meios técnicos razoáveis
e disponíveis no momento do tratamento, por meio dos
quais um dado perde a possibilidade de associação,
direta ou indireta, a um indivíduo;
Os dados pessoais correspondem a toda informação relacionada à pessoa
natural identificada ou identificável e se tornará sensível quando disser respeito
à origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a
sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado
referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando
vinculado a uma pessoa natural.
Isso dito, dados pessoais sensíveis são aqueles cujo teor não pode ser
livremente disponibilizado, sob pena de incorrer em violação aos direitos
fundamentais de liberdade e intimidade.
Já os dados de natureza comum são pessoais, mas não são íntimos. Esses
dados pessoais servem apenas para identificação da pessoa natural e não
29
podem ser classificados como sensíveis.
O que ocorre com os dados anonimizados é justamente a proteção, com
ocultação de informações sensíveis, de dados do particular para que ele não
seja exposto desnecessariamente. É dizer, enquanto o vazamento de dados
pessoais corresponde a medida a ser punida com as sanções da LGPD, a
anonimização dos dados torna atípica a conduta pela impossibilidade de se
associar o dado à pessoa a quem ele se refere.
Art. 12. Os dados anonimizados não serão considerados
dados pessoais para os fins desta Lei, salvo quando o
processo de anonimização ao qual foram submetidos for
revertido, utilizando exclusivamente meios próprios, ou
quando, com esforços razoáveis, puder ser revertido.
§ 1º A determinação do que seja razoável deve levar em
consideração fatores objetivos, tais como custo e tempo
necessários para reverter o processo de anonimização,
de acordo com as tecnologias disponíveis, e a utilização
exclusiva de meios próprios.
§ 2º Poderão ser igualmente considerados como dados
pessoais, para os fins desta Lei, aqueles utilizados para
formação do perfil comportamental de determinada
pessoa natural, se identificada.
§ 3º A autoridade nacional poderá dispor sobre padrões e
técnicas utilizados em processos de anonimização e
realizar verificações acerca de sua segurança, ouvido o
Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais.
O princípio da boa-fé induz ao aspecto da responsividade sob os dados
fornecidos. Caso violado o dever de proteção a eles, a Lei n. 13.709/2018
estabelece como princípios a responsabilização e a prestação de contas,
sendo responsabilidade do controlador demonstrar a adoção de medidas
eficazes e capazes de comprovar a observância e o cumprimento das normas
de proteção de dados pessoais e, inclusive, da eficácia dessas medidas.
Ponto de atenção: não foi perguntado na questão, mas as instituições
públicas também estão sujeitas aos ditames da LGPD:
Ver-se-á, pela leitura do art. 3º da lei, que as instituições públicas estão
alcançadas pelo espectro da lei, desde que a coleta (inciso III) e a
operação (inciso I) de tratamento de dados seja realizada em território
nacional, independentemente do meio, do país de sua sede ou do país
onde estejam localizados os dados, e que esse tratamento tenha por
objetivo a oferta ou o fornecimento de bens ou serviços no território
nacional (inciso II).
Por fim, a Lei Geral de Proteção de Dados possui a premissa de que os
agentes de tratamento de dados pessoais devem seguir princípios em suas
30
atividades de tratamento de dados. Dentre eles, o princípio da transparência,
da finalidade e necessidade.
Assim, exige-se que qualquer organização que vá coletar e tratar dados
pessoais deve ser transparente e informar como se dará o tratamento, por qual
motivo os dados estão sendo coletados, por quanto tempo serão usados, se
haverá compartilhamento de dados, sob qual fundamento legal o dado está
sendo coletado etc. Normalmente essas informações são disponibilizadas em
avisos de privacidade.
Passemos, agora, à eventual multa:
II – Sobre a imputação de multa pelo vazamento e regulamentação das
sanções da LGPD:
Acerca das consequências do descumprimento da nova lei, o período que
sucedeu a publicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi marcado
por diversas controvérsias quanto a esses possíveis impactos. Um dos pontos
centrais de dúvida dizia respeito ao momento no qual as penalidades previstas
passariam a ser efetivamente aplicadas.
Naquela época, muitos eram os impeditivos para a imposição de sanções, uma
vez que não existia um órgão estruturado ou uma metodologia para condução
do processo administrativo.
Superando os impeditivos acima listados, neste ano de 2023, foi criado órgão
responsável pela fiscalização e aplicação de sanções, qual seja, a “Autoridade
Nacional de Proteção de Dados” (ANPD).
Atualmente, já é viável a penalização administrativa dos agentes que violarem
a LGPD, sendo toda a procedimentalização de Dosimetria e Aplicação de
Sanções Administrativas trazida na Resolução ANPD nº 04/2023.
Referido documento dispõe sobre como classificar as infrações e aplicar a
sanção correspondente ao ilícito praticado. Agora, é importante conhecer os
pontos centrais do regulamento, bem como o impacto deste sobre os agentes
de tratamento.
No tocante à criança e ao adolescente, a situação se agrava. Seus direitos
fundamentais à liberdade e ao livre desenvolvimento estão, inclusive, previstos
na Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018). No caso de
vazamento, o controlador desses dados deve notificar à ANPD e ao titular de
dados sobre o ocorrido e informar quais medidas estão sendo adotadas, dentre
outras informações, para mitigar o risco.
Como não poderia deixar de ser, o regulamento trata da aplicação das
penalidades já previstas no artigo 52 da LGPD, quais sejam: advertência, multa
simples, multa diária, publicização da infração, bloqueio dos dados pessoais e
proibição do tratamento.
A definição de qual sanção será aplicada parte, em primeiro lugar, da
31
gravidade da infração, podendo ela ser leve, média ou grave. Existe uma regra
de subsidiariedade para classificar a infração como leve, ou seja, aquela
infração que não puder ser enquadrada como média ou grave será,
necessariamente, leve (artigo 8º, §1º do Regulamento).
Para a infração ser classificada como média, deverá ser apurado o impacto da
violação sobre os interesses e direitos dos titulares afetados (artigo 8º, §2º do
regulamento).
Já a infração grave é aquela que implique em obstrução à atividade de
fiscalização ou que, em caso de uma infração já classificada como média, ela
também apresente uma das seguintes características (artigo 8º, §3º do
regulamento):
● envolva tratamento de dados pessoais em larga escala;
● tenha proporcionado ou tenha como objetivo auferir vantagem econômica;
● implique risco à vida dos titulares;
● envolva tratamento de dados pessoais sensíveis ou de dados pessoais de
crianças, de adolescentes ou de idosos;
● envolva tratamento de dados sem amparo nas hipóteses legais previstas na
LGPD;
● tratamento com efeitos discriminatórios ilícitos ou abusivos;
● seja verificada a adoção sistemática de práticas irregulares pelo infrator.
O valor-base das multas será diretamente proporcional à classificação da
infração (artigo 11, I, II e III e Apêndice I do regulamento), e serão aplicáveis,
conforme o caso, agravantes e atenuantes (artigos 12 e 13 do regulamento) de
modo proporcional ao caso. A título de exemplo, a adoção de boas práticas em
proteção de dados pode diminuir o valor da sanção de multa simples.
A agravantes são situações que podem levar ao aumento do valor-base da
multa simples. São elas: (1) reincidência do infrator; (2) descumprimento de
medida de orientação ou preventiva no processo fiscalizatório ou no
procedimento preparatório, anteriores ao processo administrativo sancionador;
e o (3) descumprimento de medida corretiva.
Por sua vez, a ANPD considerará como circunstâncias atenuantes, ou seja, de
diminuição do valor-base: (1) cessação da infração até a decisão em primeira
instância do processo administrativo sancionador; (2) implementação de boas
práticas e de governança; (3) adoção reiterada e demonstrada de
procedimentos e mecanismos internos capazes de minimizar os danos aos
titulares; (4) comprovação de implementação de medidas capazes de reverter
ou mitigar os efeitos da infração sobre os titulares afetados; e (5) cooperação
ou boa-fé do infrator.
32
Um ponto de atenção é que, caso o infrator se encaixe em mais de uma das
hipóteses dos incisos dos artigos 12 e 13, os percentuais ali descritos serão
somados. Nesta hipótese, um infrator que descumpre tanto medidas
preventivas como corretivas, poderá ter um aumento significativo no valor da
multa, que poderá chegar a até mais de 90%. Por outro lado, um infrator que
consegue cessar a infração antes da instauração do procedimento preparatório
pela ANPD e que implementou políticas de boas práticas e governança até a
decisão de primeira instância, poderá ter a multa reduzida em 95%.
Agora, vejamos de forma esquematizada as sanções que já podem ser
aplicadas (desde 27 de fevereiro de 2022):

(i) advertência;
(ii) multa simples, de até 2% do faturamento da pessoa jurídica,
grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos
os tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 por infração;
(iii) multa diária, observado o limite total acima;
(iv) publicização da infração;
(v) bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua
regularização;
(vi) eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração;
(vii) suspensão parcial do funcionamento do banco de dados a que
se refere a infração, por até 6 meses, prorrogáveis por igual período,
até a regularização da infração;
(viii) suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados
pessoais a que se refere a infração por até 6 meses, prorrogáveis
por igual período; e
(ix) proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas
a tratamento de dados.

As sanções (vii) a (ix) somente podem ser aplicadas após a imposição de uma
das sanções descritas nos itens (ii) a (vi) para o mesmo caso. As sanções são
engatilhadas sempre que há qualquer descumprimento de qualquer obrigação
estabelecida pela LGPD.
1) O Regulamento se aplica aos processos administrativos em curso;

2) O Regulamento estabeleceu o conceito de “grupo ou conglomerado de


empresas”1, e faturamento. Tais conceitos impactam diretamente na base de
cálculo da multa de até 2% do faturamento esse grupo no Brasil.

3) A ANPD poderá somar os faturamentos em todos os ramos de atividade


empresarial afetados quando:
(i) a infração tenha ocorrido em mais de um ramo de atividade
empresarial ou

(ii) os dados pessoais abrangidos pela infração são aproveitados,


relacionados, ou utilizados como fontes de informação para
processos de outros ramos de atividade da empresa, do grupo ou do 33
conglomerado.

4) Infrações serão majoradas em três níveis, conforme breve detalhamento a


seguir:
● Leves:
Estabelecida por critério de eliminação, ou seja, é caracterizada quando os
elementos das infrações de natureza média e grave não estão presentes.
● Médias:

Caracterizada quando a infração afetar significativamente interesses e


direitos fundamentais dos titulares. Isso ocorre, dentre outras situações,
naquelas em que a atividade de tratamento puder impedir o exercício de
direitos ou a utilização de um serviço, e/ou ocasionar danos materiais ou
morais aos titulares, tais como discriminação, violação à integridade física, ao
direito à imagem e à reputação, fraudes financeiras ou roubo de identidade.

● Graves:
Quando a infração constituir obstrução à atividade de fiscalização ou quando
uma infração média for verificada juntamente à alguma das seguintes
hipóteses:

(a) envolver tratamento de dados pessoais em larga escala (número


significativo de titulares ou de dados pessoais envolvidos, longa duração ou
frequência, ou, ainda, significativa extensão geográfica)
(b) o infrator aufira ou pretendia auferir vantagem econômica em decorrência
da infração cometida;
(c) a infração implicar risco à vida ou à integridade física dos titulares;
(d) a infração envolver tratamento de dados sensíveis ou de dados pessoais de
crianças e adolescentes e/ou de idosos;
(e) o infrator realizar tratamento de dados pessoais sem amparo em uma das
hipóteses legais previstas na LGPD;
(f) o infrator realizar tratamento com efeitos discriminatórios ilícitos ou abusivos;
ou
(g) verificada a adoção sistemática de práticas irregulares.

5) A partir da determinação da gravidade da infração, a ANPD determinará


quais são as sanções administrativas cabíveis. O Regulamento estabelece
a hipótese de aplicação de cada sanção da LGPD:
34

6) O Regulamento de Dosimetria também detalha como será realizado o


cálculo da multa simples. A multa diária também levará em conta a
classificação da infração (leve, média ou grave), assim como o grau do dano a
ser exposto a seguir. A metodologia envolve as seguintes fases:

A. Classificar a infração em leve, média ou grave, como detalhado


anteriormente.
B. Aferir o percentual do faturamento, caso o infrator seja pessoa jurídica
com faturamento, conforme abaixo:

35

Para aquelas pessoas jurídicas sem faturamento no último exercício, deve-se


considerar no valor-base de cálculo da multa: (i) o valor do último faturamento
apurado pelo infrator, excluídos os tributos, atualizado até o último dia do
exercício anterior à aplicação da sanção, ou (ii) na ausência deste, as
seguintes faixas de valores absolutos:

C. Determinar o grau do dano. A ANPD disponibilizou uma tabela com a


descrição dos graus possíveis, que acompanham um fator de multiplicação
para a multa:
36

D) Cálculo da multa base. Conforme passos 1 a 4 acima, a alíquota base da


multa é calculada com base na seguinte fórmula:

Alíquota base = (A2 – A1 ) x Grau do Dano + A1


3

Nesse sentido, o valor-base da multa, sobre o qual incidirão agravantes e


atenuantes, é verificado a partir do seguinte cálculo:
Multa-base = Alíquota base x (faturamento – tributos)
Para as pessoas jurídicas sem faturamento, o valor-base da multa será
calculado da seguinte forma:

Multa-base = (V2 – V1 ) x Grau do Dano + V1


3

E) Analisar se irão incidir agravantes e/ou atenuantes. Uma vez auferida a


multa base, o Regulamento determina um percentual de acréscimo ou redução
para diversas situações listadas, que podem ser cumuladas, somando-se os
percentuais, sendo agravantes ou atenuantes.
37
38

→ Resta evidente que manter um programa de governança em proteção de


dados é relevante e significativo para a ANPD, figurando como atenuante das
multas.

F) Determinar o valor final.


O valor final da multa, tanto para pessoas jurídicas com ou sem faturamento,
será determinado da seguinte forma:
Valor da multa = Multa-base x (1 + soma das agravantes – soma das
atenuantes)
O Regulamento determina, ainda, que o valor da multa simples não poderá ser 39
inferior ao dobro da vantagem auferida ou pretendida, quando estimável.
Além desse padrão mínimo auferido a partir da vantagem, em qualquer caso o
valor final da multa não pode ser inferior aos valores mínimos descritos abaixo
para pessoas jurídicas com faturamento:

Para pessoas jurídicas sem faturamento, os valores mínimos serão:

G. Exceção à metodologia acima

A ANPD poderá afastar toda a metodologia de dosimetria prevista acima, “nos


casos em que for constatado prejuízo à proporcionalidade entre a gravidade da
infração e a intensidade da sanção” (art. 27). Segundo o Regulamento de
Dosimetria, a decisão que venha a afastar a metodologia deverá demonstrar “a
necessidade e a adequação da medida imposta, a desproporcionalidade
constatada, o interesse público a ser protegido e os parâmetros adotados na
aplicação da sanção, consideradas as consequências práticas da decisão”
(parágrafo único do art. 27).

8. Pagamento

Como regra geral, a multa simples como a diária devem ser pagas em até 20
dias úteis4. A multa simples será contada da ciência oficial da decisão que a
aplicou. A multa diária, por sua vez, deverá ser contada a partir da ciência
oficial da decisão que tenha apurado o respectivo montante devido.

Caso o infrator não pague a multa dentro desse prazo, correrão juros de mora
pela Selic, acrescidos de 1% no mês do pagamento, além de multa moratória
de 0,33% por dia de atraso, até o limite de 20%.
Caso o infrator não efetue o pagamento dentro dos prazos descritos acima,
também perderá a redução de 25% no valor da multa, que eventualmente
tenha garantido por renunciar ao direito de recorrer da decisão de primeira
instância.
Diante da entrada em vigor do Regulamento de Dosimetria, fica claro que a
conformidade com a LGPD e com a regulação da ANPD, além de ser uma
questão de boa prática e ética empresarial, é uma necessidade legal para
qualquer entidade que queira realizar negócios com dados pessoais.

40
III - Sobre o dever de indenizar pelo vazamento de dados e cabimento de
danos morais, à luz do Código Civil:
Como antecipado no espelho de resposta, a resposta do item ‘ii’ foi objeto de
recente análise pelo STJ. Restou decidido que para se caracterizar dano moral
a ensejar reparação civil pelo art. 927, CC/02, o fato deve gerar grave ofensa à
honra, à dignidade ou a atributo da personalidade da pessoa, de modo que o
simples fato de ter ocorrido o vazamento de dados pessoais não enseja o
pagamento de indenização considerando que não houve prova do dano moral
sofrido. Portanto, de acordo com a corte, apesar de ser uma falha indesejável
da empresa no tratamento de informações pessoais de terceiros, o vazamento
de dados não tem a capacidade, por si só, de gerar dano moral indenizável. Ou
seja, não é um dano in re ipsa, devendo haver a comprovação in concreto, pela
parte supostamente lesada, de que o vazamento lhe causou prejuízos.
MUITA ATENÇÃO: Muito embora tenha o STJ assim se posicionado, essa
argumentação não pode servir de resposta ao caso em tela. Estamos,
justamente, diante de exceção, haja vista o envolvimento de dados sensíveis
capazes de gerar mácula à honra dignidade e à personalidade de Maria. Os
dados a respeito de seu procedimento de mudança de sexo dizem respeito à
intimidade da pessoa natural, e o vazamento implicou em práticas abusivas e
invasivas de empresas que, munidas dessa informação, passaram a lhe
oferecer serviços. Neste caso, então, poderíamos falar em dano moral
presumido.
O art. 5º, II, da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709/2018,
prevê que determinados dados pessoais devem ser qualificados como
“sensíveis”, exigindo exigir um tratamento diferenciado por parte de quem
armazena essas informações.
Portanto, não confundam: o vazamento de dados pessoais não gera dano
moral presumido, já o vazamento de dados pessoais sensíveis é prejudicial in
re ipsa, apto a ensejar dano moral presumido.
Trata o tópico ‘ii’ de tese fixada pela 2ª Turma do STJ no AREsp 2.130.619-SP,
de Relatoria do Min. Francisco Falcão, julgado em 7/3/2023 (Informativo 766).

Recentemente, a ANPD aplicou sua primeira multa, por indícios de infração à


Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Uma microempresa de
telecomunicações recebeu advertência e multa total de R$ 14,4 mil em razão
de não ter indicado o responsável pelo tratamento de dados.
Haja vista o poder de polícia atribuído ao órgão, como consequência do não
cumprimento da decisão, o processo administrativo será encaminhado à
Procuradoria Federal Especializada da ANPD para execução da multa, sob
pena de inscrição da autuada na dívida ativa da União e no Cadastro
Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin).
41
Por fim, para que percebam como o tema é importante e está “na moda”,
vejamos algumas assertivas de concursos recentes que cobraram o
entendimento de dados pessoais sensíveis:

(Promotor MP/TO CESPE 2022) É vedado o tratamento de dados sensíveis,


assim considerados, entre outros, os concernentes a origem étnica, convicção
política e religiosa, saúde e vida sexual. Resposta: Errado.

(Juiz Federal TRF4) Os dados pessoais sensíveis apenas poderão ser tratados
com o consentimento do titular.
Resposta: Errado.

(Juiz Federal TRF3 2022) Pesquisadores da área de saúde de uma


Universidade pública federal estão realizando uma pesquisa para investigar a
hipótese de que a COVID-19 impactou de maneira desigual a população negra
no país. Para tanto, requereram o acesso à base de dados pessoais do
Sistema Único de Saúde às autoridades sanitárias federais.
Assinale a alternativa CORRETA quanto à incidência da Lei Geral de Proteção
de Dados à hipótese:
(A) Como o dado sobre a origem racial ou étnica é considerado um dado
pessoal sensível pela legislação, apenas com o consentimento de cada
indivíduo seria possível esse acesso.
(B) Na realização de estudos em saúde pública, os órgãos de pesquisa
poderão ter acesso a bases de dados pessoais, inclusive a origem racial ou
étnica, desde que os estudos sejam mantidos em ambiente controlado e
seguro, respeitando-se, sempre que possível, a anonimização ou
pseudonimização dos dados, e observância dos padrões éticos nos termos da
legislação.
(C) O órgão de pesquisa será o responsável pela segurança da informação,
admitindo-se, apenas em circunstâncias excepcionais, a transferência dos
dados a terceiros como previsto na legislação.
(D) A Lei Geral de Proteção de Dados não tem disciplina sobre tratamento de
dados pessoais realizados para fins exclusivamente acadêmicos.
Gabarito: Letra B

Recomendações de textos informativos para leitura:


42

https://www.conjur.com.br/2023-jul-06/anpd-aplica-primeira-sancao-
violacao-
lgpd#:~:text=As%20san%C3%A7%C3%B5es%20previstas%20na%20lei,e
%20o%20bloqueio%20dos%20dados.
https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-publica-
regulamento-de-dosimetria
QUESTÃO 04 Maria, de 11 anos, é estuprada por seu tio e, a partir do ato,
engravida do mesmo. Transcorrido certo tempo, a professora do colégio de
Maria repara que sua barriga está um pouco maior, e que todo o seu corpo
estaria, de certa forma, mudando. A professora, então, chamou uma
43
assistente social, que entrou em contato com o tio de Maria para levá-la ao
hospital e averiguar uma possível gravidez na menina. O tio, desde então, está
desaparecido, tendo deixado a menor sozinha. O caso foi levado a
conhecimento público devido a sua natureza e ao tamanho da cidade, tendo a
menina relatado às autoridades que havia engravidado do próprio tio, foragido.
Os pais da menina já eram falecidos, seu tio era o único parente vivo e,
portanto, seu curador legal.
Diante do cenário, a menina foi direcionada a curador nos moldes do art. 72 do
CPC/15, que ingressou judicialmente com pedido de interrupção legal da
gravidez diante do estupro e da idade da menor. Não obstante, um grupo
conservador da cidade interveio no processo, tendo alegado que o aborto
seria impossível, haja vista os direitos do feto. Ato contínuo, enviaram ofício à
Defensoria Pública para que a instituição intervenha no processo em prol da
tutela do feto, como seu curador especial e em defesa da vida na ação judicial
em comento.
A par da situação acima exposta, comente se cabe a intervenção da
Defensoria Pública no caso e quais os interesses em jogo.

PADRÃO DE RESPOSTA:

A questão coloca sob foco o aparente choque entre dois direitos fundamentais,
quais sejam, a vida a ser expectada pelo feto e a vida e a integridade física da
criança gestante. Também são violados diversos direitos da criança e
adolescente previstos, sobretudo, nos arts. 1º a 3º do ECA. Descabe a figura
do curador para feto, não só pela ausência do devido respaldo legal, como
também pelo fato de que a nomeação da curadoria poderia trazer morosidade
excessiva ao deslinde dos processos de aborto por mulheres e meninas
estupradas. Sob o aspecto civilista, conforme a teoria adotada pelo código civil,
apenas o nascido com vida teria condão de ser titular de direitos da
personalidade, sem os quais não há que se falar em direito a ser curatelado.
Ademais, o direito de aborto conferido à mulher vítima de abuso sexual
encontra, este sim, previsão legal. Não se ignora que a convenção
interamericana de Direitos Humanos garanta o direito à vida desde a
concepção (art. 4.1), trazendo previsão mais protecionista que aquela prevista
pela codificação civil, todavia, há que se lembrar que a proteção ao feto só se
realiza através da proteção da mulher e dos seus desejos. É dizer, em um
conflito entre os interesses de vida do feto e da gestante, deverão prevalecer
os dessa última, posto que é detentora de direitos da personalidade e possui o
status de pessoa humana para todos os fins.
Não bastassem essas justificativas, a nomeação de curador especial também
não está prevista no permissivo legal autorizador do aborto (artigo 128 do
Código Penal) que exige, para a sua realização, apenas o consentimento da
gestante ou de seu representante legal. Assim, não há que se falar em
curadoria do feto, seja em razão do código civil adotar a teoria natalista,
segundo a qual os direitos da personalidade são conferidos aquele que nasça 44
com vida, seja porque a teoria concepcionista encampada pelo STJ não tem o
condão de, por si só, rechaçar o direito da gestante. Por essas razões,
descabida é a pretensão do grupo conservador, sendo viável e legítimo de
pleno direito o procedimento em que se busca o aborto de criança estuprada
por familiar. Esse permissivo se reforça, por exemplo, pela leitura do art. 8º do
ECA, que ao conferir às mulheres acesso a políticas públicas de saúde
reprodutiva nada menciona sobre os direitos do feto.

ESPELHO:
Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00
número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
I
morfossintaxe e propriedade vocabular);

Indicar que descabe atuação da defensoria em


prol do feto, trazendo as teorias da
II - 0,0 a 30
personalidade para justificar a ausência de
pontos
proteção, mencionando que a ausência de
personalidade jurídica impediria a curatela.

Afirmar que há sim previsão na convenção


interamericana de Direitos Humanos de direito à
III - 0,0 a 40
vida desde a concepção, mas que esse direito é
pontos
assegurado em consonância aos interesses da
gestante, e não deve ser analisado

IV Trazer o conhecimento acerca dos dispositivos - 0,0 a 20


do ECA que conferem proteção à criança e ao pontos.
adolescente, abordando que, pela idade, a
gestante é criança e merece o tratamento do
diploma legal, sobretudo no tocante ao pleno
desenvolvimento.
TOTAL 100
COMENTÁRIOS

Pessoal, a questão aborda duas questões relevantes: os chamados “Direitos


da Personalidade” e o direito ao aborto, tendo como contrapartida a vida.

Os pontos principais da questão são compreender a proteção data ao 45

nascituro, proteção esta condicionada aos interesses da gestante (detentora de


direitos da personalidade e pessoa humana para todos os fins), compreender
os argumentos segundo os quais se defendia a tutela do caso pela defensoria
pública e compreender, em consequência, o descabimento da curadoria para o
feto, trazendo como conclusão a legitimidade do aborto, inclusive com
recomendação de atuação da defensoria pública em prol da criança gestante.

Ora, pelo o Estatuto da Criança e do Adolescente, estes gozam de todos os


direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhes assegurado por
lei ou por outros meios, todas as oportunidades es facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade.

Por outro lado, segundo o Código Civil de 2002, o termo inicial dos direitos da
personalidade é o nascimento com vida. Ao contrário de outros ordenamentos
jurídicos, o brasileiro considera que qualquer ser humano, sem distinção, tem
total possibilidade de ser sujeito de direitos e obrigações.

Neste sentido, o artigo 1º do Código Civil anuncia que “toda pessoa é capaz
de direitos e deveres na ordem civil”. Aqui, verifica-se a capacidade de
direito, que não se confunde com a capacidade de exercício ou de fato, que
depende do preenchimento de requisitos legais, para que seja possível exercer
plena e pessoalmente os atos da vida civil.

Ou seja, o ordenamento jurídico brasileiro, na parte inicial do artigo 2º do


Código Civil de 2002, adota a teoria natalista. Todavia, a doutrina vem
recentemente interpretando que o dispositivo traz, na verdade, a teoria
concepcionista, reconhecendo ao nascituro a titularidade de direitos
personalíssimos - vida, nome, proteção pré-natal, etc - condicionando os
direitos patrimoniais ao nascimento com vida.
O STJ admite, inclusive, que o nascituro possa sofrer dano moral. Logo, a
teoria adotada é a concepcionista, doutrinariamente.

Inicialmente, se sustentava que o código preconizava a teoria natalista,


segundo a qual apenas o nascido com vida teria direitos reconhecidos. 46

Todavia, o mesmo artigo 2º informa que a lei põe a salvo, desde a concepção
os direitos do nascituro (concebido, mas ainda não nascido).

Assim, vejamos os requisitos deste artigo 2º:

- nascimento: é a saída do nascituro para o mundo exterior, sendo


desnecessário o corte do cordão umbilical para que seja considerado o
nascimento.

- com vida: observa-se com a respiração, pela entrada de ar nos pulmões,


momento em que se considera adquirida a personalidade.

Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento


com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos
do nascituro.

Vale mencionar, ainda, que a interpretação do art. 2º, em relação ao momento


de início da personalidade civil e ao reconhecimento da personalidade ao
nascituro, encontra divergência na doutrina. Podem ser citadas três teorias que
tentam fixar o exato momento. Vejamos:

1 - Teria natalista – entende que o nascituro não é dotado de personalidade.


Essa teoria adota uma interpretação literal do artigo 2º do Código Civil,
entendendo que a personalidade jurídica somente é adquirida com o
nascimento com vida.

2 - Teoria concepcionista – para esta teoria, o nascituro possui personalidade


jurídica, uma vez que esta seria adquirida no momento da concepção.
3 - Teoria condicionalista – reconhece a personalidade do nascituro desde a
concepção, mas se trata de personalidade sujeita a uma condição suspensiva,
qual seja, o nascimento com vida.

47

Apesar de não ter afirmado expressamente, de certa forma, o STF adotou


a teoria natalista, conforme se infere das palavras do Ministro Ayres Brito,
quando do julgamento da ADI 3510/DF. Confira-se:

O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana


ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e
qualquer estágio da vida humana um autonomizado bem jurídico,
mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque
nativiva (teoria “natalista”, em contraposição às teorias
“concepcionista” ou da “personalidade condicional”).

Ainda que se adote a teoria natalista, deve-se ter em mente, contudo, que o art.
2 º reconhece que a lei porá a salvo os direitos do nascituro.

Atualmente, há uma forte tendência a se afirmar que a teoria adotada é a que


garante ao nascituro os direitos, de modo que teorias mais restritivas dos
direitos do nascituro – natalista e da personalidade condicional – fincam raízes
na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código
Civil de 2002.

A exemplo disso, o STJ já se posicionou no sentido de aceitar a


concepcionista, ao reconhecer a uma mulher o direito de receber o seguro
DPvat após sofrer aborto em decorrência de acidente de carro. Trata-se do
emblemático julgamento do Recurso Especial nº 1.415.727, de relatoria do
ministro Luis Felipe Salomão.

No caso concreto, o STJ modificou a seguinte ementa inicial:

AÇÃO DE COBRANÇA DO SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT.


ACIDENTE DE TRÂNSITO. VÍTIMA QUE ESTAVA GRÁVIDA.
ÓBITO DO FETO. DISCUSSÃO SOBRE A NATUREZA
JURÍDICA DO NASCITURO. EXEGESE DO ARTIGO 3º, INCISO
I, DA LEI N. 6.194/1974. TITULARIDADE DE DIREITOS DA
PERSONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DE
48
DIREITOS PATRIMONIAIS. CONDIÇÃO. NASCIMENTO COM
VIDA. APELO CONHECIDO E PROVIDO. Não faz jus à
indenização decorrente do seguro obrigatório DPVAT a grávida
que, em razão de evento de trânsito, vem a sofrer aborto. Isso
porque o ordenamento jurídico brasileiro, notadamente o artigo 2º
do Código Civil de 2002, adota a teoria condicionalista,
reconhecendo ao nascituro a titularidade de direitos
personalíssimos - vida, nome, proteção pré-natal, etc -
condicionando os direitos patrimoniais ao nascimento com

A decisão supra foi expressamente clara no sentido de adotar a teoria


condicional da personalidade.

O entendimento acima esposado, todavia, foi reformado pela seguinte decisão


do STJ:

EMENTA DIREITO CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO.


ABORTO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO.
DPVAT. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ENQUADRAMENTO
JURÍDICO DO NASCITURO. ART. 2º DO CÓDIGO CIVIL DE
2002. EXEGESE SISTEMÁTICA. ORDENAMENTO JURÍDICO
QUE ACENTUA A CONDIÇÃO DE PESSOA DO NASCITURO.
VIDA INTRAUTERINA. PERECIMENTO. INDENIZAÇÃO
DEVIDA. ART. 3º, INCISO I, DA LEI N. 6.194/1974. INCIDÊNCIA.
1. A despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil – que
condiciona a aquisição de personalidade jurídica ao nascimento –,
o ordenamento jurídico pátrio aponta sinais de que não há essa
indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e o conceito
de pessoa, de personalidade jurídica e de titularização de direitos,
como pode aparentar a leitura mais simplificada da lei. 2. Entre
outros, registram-se como indicativos de que o direito brasileiro
confere ao nascituro a condição de pessoa, titular de direitos:
exegese sistemática dos arts. 1º, 2º, 6º e 45, caput, do Código
49
Civil; direito do nascituro de receber doação, herança e de ser
curatelado (arts. 542, 1.779 e 1.798 do Código Civil); a especial
proteção conferida à gestante, assegurando-se-lhe atendimento
pré-natal (art. 8º do ECA, o qual, ao fim e ao cabo, visa a garantir
o direito à vida e à saúde do nascituro); alimentos gravídicos, cuja
titularidade é, na verdade, do nascituro e não da mãe (Lei n.
11.804/2008); no direito penal a condição de pessoa viva do
nascituro – embora não nascida – é afirmada sem a menor
cerimônia, pois o crime de aborto (arts. 124 a 127 do CP) sempre
esteve alocado no título referente a "crimes contra a pessoa" e
especificamente no capítulo "dos crimes contra a vida" – tutela da
vida humana em formação, a chamada vida intrauterina
(MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume II. 25
ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 62-63; NUCCI, Guilherme de
Souza. Manual de direito penal. 8 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, p. 658). 3. As teorias mais restritivas dos direitos
do nascituro – natalista e da personalidade condicional – fincam
raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de
1988 e pelo Código Civil de 2002. O paradigma no qual foram
edificadas transitava, essencialmente, dentro da órbita dos
direitos patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se
sustenta. Reconhecem-se, corriqueiramente, amplos catálogos de
direitos não patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa – como
a honra, o nome, imagem, integridade moral e psíquica, entre
outros. 4. Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das
outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade
de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à
vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de
direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz
sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à
vida, que é direito pressuposto a todos os demais. 5. Portanto, é
procedente o pedido de indenização referente ao seguro DPVAT,
com base no que dispõe o art. 3º da Lei n. 6.194/1974. Se o
50
preceito legal garante indenização por morte, o aborto causado
pelo acidente subsume-se à perfeição ao comando normativo,
haja vista que outra coisa não ocorreu, senão a morte do
nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina. 6. Recurso
especial provido.

Neste ponto, Anderson Schreiber sustenta que:

Embora o Código Civil brasileiro tenha seguido


indiscutivelmente a corrente natalista, a parte final do
dispositivo “põe, a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro”.

Esse é o grande problema da questão. Além de toda a previsão interna, há


também dispositivo na Convenção interamericana de Direitos Humanos que
prevê a proteção ao feto. Ou seja, traria uma hipótese garantidora dos direitos
do nascituro, em detrimento à teoria civilista que condiciona os direitos da
personalidade ao nascimento com vida.
No caso concreto posto sob análise, a atuação da defensoria pública seria
defensável, sob uma ótica conservadora, a partir da premissa de que a
convenção previu o direito à vida ao feto e que, por assim o ser, deveria ser
rechaçada a possibilidade do aborto da menor.
Não obstante, não foi esse o entendimento do parecer do Núcleo de Promoção
e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) da Defensoria Pública que, ao
emitir Nota técnica, defendeu o dever Estatal não de garantir o direito do feto,
mas sim ao abortamento legal ou antecipação terapêutica do parto às crianças
e adolescentes vítimas de violência sexual.
É justamente sobre esses pontos defendidos na nota técnica que repousa a
correta resolução da questão posta nesta rodada, notadamente por dialogar
com a outra questão de nascituro, envolvendo o HC para o feto, e a gestante
presa preventivamente. No outro caso, foi acertada a intervenção da
Defensoria, isso porque os interesses do feto e da gestante estavam
convergentes. O mesmo não se pode afirmar do caso em tela, conforme será
visto a seguir.
O caso se baseou em notícia verídica, recentemente noticiada nos veículos
midiáticos, envolvendo o ocorrido no Estado de Santa Catarina, em que uma
criança de 11 anos, vítima de estupro, teve negado o direito ao abortamento
legal pelo sistema de saúde e ao socorrer-se do judiciário foi vítima de uma
série de violências institucionais, provocando manifestações conservadoras a
respeito da manutenção de sua gravidez, em prol dos supostos direitos do feto. 51
O caso envolveu forte corrente dogmática, de cunho religioso, segundo a qual
toda vida é digna e que seria “pecado” interromper o milagre divino da
gravidez.
Nos certames de provas para concursos jurídicos, não se deve trazer
impressões e opiniões de cunho pessoal, mas é recomendável abordar alguma
dessas nuances caso seja o fundamento para algum dos tópicos da resposta.
É o caso. Assim, não se recomenda criticar o posicionamento, mas apenas
mencionar a existência dessa ideologia segundo a qual não se poderia
interromper a gravidez promovida por estupro, mesmo havendo permissivo
legal descriminalizando a conduta.
Além das consequências a médio e longo prazo na vida dessas crianças ainda
em fase de desenvolvimento, a gestação nos corpos de meninas tão novas
quanto a gestante do caso concreto (de apenas 11 anos) representaria risco às
suas vidas. Esse fato, por si só, deveria bastar para a interrupção da gravidez e
a proteção da criança, nos ditames do seu pleno desenvolvimento psíquico,
mental, físico e social, segundo prevê o ECA.

Contudo, o que se verifica na prática é que o acesso à interrupção da gestação


ou antecipação terapêutica do parto vem sendo continuamente obstaculizado
no sistema de saúde que, sob fundamento na idade gestacional ou na objeção
de consciência, tem negado sistematicamente o acesso a esse direito às
meninas e mulheres em todo o território nacional.

Visando trazer maior segurança jurídica a essas vítimas de estupro, a


Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou em 2022 documento 1 em que
recomenda que os Estados respeitem, protejam e cumpram os direitos sexuais
e reprodutivos das mulheres e meninas que buscam o aborto, tomando
medidas positivas para assegurar um ambiente regulatório e político favorável

1
World Health Organization (WHO). Abortion care guideline. Geneva: WHO, 2022.License: CC BY-CC-SA
3.0 IGO. DIsponível em: https://srhr.org/abortioncare/ . Acesso em 02 ago. 2023
e buscando superar as barreiras que impedem o acesso ao procedimento
seguro e de qualidade, que incluem justificativas de negativas baseadas no
limite a idade gestacional.

É dizer, em reforço aos preceitos protetivos à crianças e adolescentes, as 52

gestantes que forem meninas e /ou adolescentes devem ser tratadas como
sujeitas de direito, devendo ser respeitadas em suas vontades autônomas
manifestadas pelo consentimento livre e informado quanto à interrupção ou
manutenção da gestação. Ou seja, não pode sua vontade ser submetida a
eventual direito do feto a expectativa de nascimento com vida, tal como
defende a teoria condicionalista, ou tampouco deverá ser assegurado o direito
desse feto, no caso de aborto, desde a concepção (nidação), conforme
preceitua a teoria concepcionista.

Frise-se, também, que não há previsão de curador especial no artigo que


descriminaliza o aborto (artigo 128 do Código Penal). Este exige, para a sua
realização, apenas o consentimento da gestante ou de seu representante legal.
Essa é uma argumentação em prol dos direitos da gestante, pondo-a em
posição superior àquela em que se encontraria o feto. De igual modo, em
reforço a essa negativa, o art. 142, parágrafo único, do ECA estabelece que
somente à criança e à/ao adolescente deve ser nomeado curador especial, em
caso de conflito de interesses com genitoras/genitores.

Não bastasse isso, fetos/embriões não possuem capacidade de ser parte ou


estar em juízo, como decorrência lógica da ausência de personalidade jurídica.
Não há dispositivo legal, no ordenamento jurídico internacional ou nacional,
que admita essa possibilidade.

Veja-se trecho de artigo publicado no CONJUR a respeito do caso do aborto da


menina de 11 anos:

No âmbito do direito internacional, a Convenção


Interamericana de Direitos Humanos estabelece que "toda
pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse
direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o
momento da concepção". A partir do julgamento do
caso Artavia Murillo y otros vs. Costa Rica, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos recriou as discussões
em torno do dispositivo acima e chegou à conclusão de que
a intenção da norma não é elevar o embrião ao status de
53
pessoa. Na verdade, a concepção é juridicamente
protegida porque se pretende proteger a pessoa que gesta,
já que aquela ocorre dentro do corpo desta. Ou seja, a
proteção do nascituro se realiza através da proteção da
mulher. Tampouco a Convenção Sobre os Direitos da
Criança, em seus artigos 1 e 6.1, estabelece, de maneira
explícita, a proteção absoluta da pessoa não nascida.

A mesma conclusão é obtida a partir da análise da


legislação brasileira. No âmbito da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 3.510, o Supremo Tribunal Federal
estabeleceu que a Constituição Federal não dispõe sobre o
início da vida humana ou o preciso instante em que ela
começa

"[…] E quando se reporta a 'direitos da pessoa humana' e


até aos ‘direitos e garantias individuais' como cláusula
pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-
pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais 'à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade', entre outros direitos e garantias igualmente
distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como
direito à saúde e ao planejamento familiar)".

Na mencionada ação ficou consignado que a expressão


"criança" também não se confunde com embrião ou
feto, "pelo que somente é tido como criança quem
ainda não alcançou 12 anos de idade, a contar do
primeiro dia de vida extrauterina" (ADI 3.510).
Grifos nossos.

O artigo conclui afirmando que feto, de forma autônoma, não pode ser titular de
direitos, já que estes são conferidos apenas a pessoas já nascidas. A
personalidade civil somente será adquirida a partir do nascimento com vida 54

(artigo 2º do Código Civil e ADI 3.510) e, em razão dessa ausência, também


não se pode falar em capacidade de ser parte (autor e réu em relação
processual). Assim, como as figuras da assistência, representação processual
e curadoria destinam-se ao suprimento material e processual da capacidade de
direito ou da capacidade de estar em juízo, o que não se aplica a
fetos/embriões, porquanto destituídos de personalidade jurídica e capacidade
de direito, não se pode falar em curadoria do feto por parte da defensoria
pública.

Ora, o próprio ECA, em seu art. 142, parágrafo único, estabelece que somente
à criança e à/ao adolescente deve ser nomeado curador especial, em caso de
conflito de interesses com genitoras/genitores.

A melhor solução ao caso deve ser a que privilegia a proteção da


menina/adolescente/mulher vítima de abuso sexual (estupro) cujo resultado
imediato foi a gravidez indesejada, inexistindo conflito (se não, apenas
aparente) entre direitos fundamentais do feto e da gestante.

Portanto, deve a defensoria se manifestar rechaçando a argumentação


conservadora que assegura direitos ao feto. O papel da Defensoria Pública, em
caso de gravidez decorrente de violência sexual, deve ser o de assegurar que
a menina e a mulher tenham preservados seus interesses e direitos da
personalidade, por tudo quanto acima exposto.

SUGESTÕES DE LEITURA:

1) STF - ADI 3510

2) https://www.conjur.com.br/2023-fev-13/opiniao-impossibilidade-
defensoria-curadora-feto
3) https://www.migalhas.com.br/quentes/381491/defensorias-emitem-nota-
tecnica-contra-nomeacao-de-curador-para-feto

55

QUESTÃO 05 Patrícia, durante a gestação, fez o acompanhamento junto ao


seu obstetra no hospital referência do SUS buscando o sonho do parto normal,
e com exatas 38 semanas, entrou naturalmente em trabalho de parto, mas
após evolução lenta, a médica plantonista se aborrece com a mesma e chama
a enfermeira que, com intuito de ajudar, fez uma manobra de apoio sobre seu
ventre para uma tentativa de parto normal, porém sem sucesso, a médica
então faz um corte em seu períneo e não informa a mesma.
A médica reclamou junto aos presentes sobre a parturiente ser “fresca e chata,
além de muito ‘reclamona’” dentre outras ofensas.
Após o término do parto ficou constatada que a costela da parturiente estava
quebrada, razão de sua dor intensa, e que o bebê era natimorto, com sinais de
lesões. Além disso, a médica efetuou pontos extras em sua genitália, sem
consentimento, para fins meramente estéticos.
Com base no caso, responda de forma fundamentada:
a) As ações da equipe podem ser entendidas como violência obstétrica?
b) Neste caso, há possibilidade de pretensão punitiva contra o Estado, uma
vez que “violência obstétrica” não está tipificado?

PADRÃO DE RESPOSTA

a) Trata-se de enquadramento no conceito de violência obstétrica, o qual


não possui texto legal definidor, o que não impede o reconhecimento
das ilegalidades sofridas. A mulher é amparada por leis
estaduais/municipais e a nível federal pelos direitos e princípios
fundamentais constitucionais como a dignidade da pessoa humana (art.
1º, III, CF/88), o princípio da igualdade (art. 5º, I, CF/88), o princípio da
56
legalidade (art. 5º, II, CF/88), proteção à vida, à saúde (acesso,
segurança), à maternidade e à infância.
Tendo em vista tal fato, a parturiente pode fazer valer de instrumentos
da normal Penal, nesse caso, Difamação (art. 139 do Código Penal)
Ameaça (art.147 do Código Penal), e, em se tratando das lesões
físicas a então gestante causada pela má assistência médica, ocorre
lesão corporal culposa, art. 129, §6º do Código Penal. Caso
resultante da inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício,
aplica-se a causa de aumento de 1/3 da pena prevista no artigo 121,
§4º do Código Penal.

b) Ainda que não tipificado como crime, a conduta é reconhecida pela OMS
e por órgãos de saúde, assim sendo as ocorrências dizem respeito a
Responsabilidade civil do Estado pelos danos causados por seus
agentes (equipe médica do hospital) a terceiros é, em regra, objetiva
(art. 37, §6º da CF), observando-se a teoria do risco administrativo,
segundo a qual não se perquire a culpa, mas sim o nexo de causalidade
entre o serviço público oferecido e o dano sofrido pelo administrado,
devendo ser verificada a ocorrência dos seguintes elementos: i) o ato
ilícito praticado pelo agente público; ii) o dano específico ao
administrado; e iii) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano
sofrido. No caso de suposto dano cometido pela rede de saúde pública,
a responsabilidade estatal é subjetiva, fundada na teoria da "falta do
serviço", sendo imprescindível a comprovação da conduta imprudente,
negligente ou imperita do profissional.

ESPELHO
ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Trabalhar sobre violência obstétrica não estar 25


tipificado
57
Citar os dispositivos legais cabíveis às 25
ilegalidades

Responsabilidade Civil do Estado 25

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 25

COMENTÁRIOS

Sobre a Violência Obstétrica:

Para a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a violência obstétrica


caracteriza-se como “a apropriação do corpo e processos reprodutivos das
mulheres pelos profissionais de saúde, através de tratamentos
desumanizados, abuso na medicalização e patologização dos processos
naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente
sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de
vida das mulheres”.

“A violência obstétrica, conhecida também como violência institucional na


atenção obstétrica corresponde a uma forma específica da violência de
gênero” é a acepção conforme doutrina de Dalmo Mattos Silva, sendo uma
violência cometida contra a mulher e sua família em serviços de saúde durante
a assistência ao pré-natal, parto, pós-parto, cesárea e abortamento.

A violência obstétrica relaciona-se a uma forma específica de violência


institucional e de gênero, uma vez que há utilização arbitrária do conhecimento
por parte de profissionais da saúde no controle dos corpos e da sexualidade
das parturientes. Inclusive, aludida violência foi reconhecida pela OMS, em
2014, como uma violação aos direitos humanos.
58

Da não positivação

Apesar do Brasil não ter recepcionado nenhuma lei específica que trate a
violência obstétrica no seu ordenamento jurídico como conduta criminosa, há
uma política brasileira de combate à violência, como no ano de 2000 foi
instituído pelo Ministério da Saúde uma portaria de número 569,
estabelecendo um programa de humanização no Pré-natal e Nascimento,
criação da Lei 11.108/2005, que dá o direito às parturientes a ter um
acompanhante durante o parto e pós parto nos hospitais do SUS, criação da
Rede Cegonha em 2011 pelo Governo Federal com objetivo de humanização e
criação de casas de parto normal, e a produção de documentários, como
“Renascimento do parto”(NETFLIX), todos com o objetivo de dar visibilidade à
causa.

Todavia, a inadequada omissão do direito brasileiro no que se refere à


proteção da mulher gestante, parturiente ou em estado puerperal não é
completamente absoluta, tendo em vista que existem projetos de leis que
tramitam em âmbito federal sobre a temática, como é o caso dos Projetos de
Leis nº 7.633/2014, nº 7867/2017, nº 8219/2017, bem como leis federais,
estaduais e municipais que correlacionam-se com o tema e merecem ser
abordadas - é o caso da lei nº 11.108/05, que alterou a lei 8.080/90 para
garantir as parturientes o direito à presença de um acompanhante durante o
trabalho de parto e pós-parto no Sistema Único de Saúde.

No que concerne ao direito da mulher parturiente em ter um


acompanhante durante todo o período do trabalho de parto, parto e pós-parto,
a Lei Federal nº 11.108/05, seguida pela Lei do Estado do Rio de Janeiro nº
6.628/2013 e Lei do Município do Estado do Rio de Janeiro nº 5.762/2014,
obriga os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde, rede própria ou
conveniada, a permitir que a parturiente permaneça com um acompanhante
durante todo o período indicado. Aludida lei expressa, in verbis:
Art. 19-J. Os serviços de saúde do
59
Sistema Único de Saúe - SUS, da rede
própria ou conveniada, ficam obrigados a
permitir a presença, junto à parturiente,
de 1 (um) acompanhante durante todo o
período de trabalho de parto, parto e
pósparto imediato.
§ 1 O acompanhante de que trata o
caput deste artigo será indicado pela
parturiente.
§ 2 As ações destinadas a viabilizar o
pleno exercício dos direitos de que trata
este artigo constarão do regulamento da
lei, a ser elaborado pelo órgão
competente do Poder Executivo.

Legislação sobre doulas- um avanço regional

No que diz respeito a ao acompanhamento específico de doulas, vigora no


Estado do Rio de Janeiro, a Lei nº 7.314/2016, reforçada pela Lei Municipal do
Rio de Janeiro nº 6.305/2017, que permitem a presença de referidas
profissionais nos estabelecimentos hospitalares durante o período de trabalho
de parto, parto e pós-parto imediato.

Ressalta-se que as doulas constituem-se importantes personagens em um


parto humanizado, tendo em vista que são acompanhantes profissionais
treinadas para dar suporte físico e emocional às mulheres gestantes,
entretanto, estas não se confundem com enfermeiras obstetras visto que não
são responsáveis por procedimentos técnicos no decorrer do parto.

A Organização Mundial de Saúde identifica a doula como: “prestadora de


serviços que recebeu treinamento básico sobre o parto e que está
60
familiarizada com uma ampla variedade de procedimentos de assistência.
Fornece apoio emocional, consistindo de elogios, reafirmação medidas para
aumentar o conforto materno, contato físico, como friccionar as costas da
parturiente e segurar suas mãos, explicações sobre o que está acontecendo
durante o trabalho de parto e uma presença amiga constante”.

Importante anunciar que a presença de referidas prestadoras de serviços


não deveria excluir a presença do acompanhante instituída pela Lei federal nº
11.108/2005, no entanto, ainda não há lei federal que trate sobre o assunto .

Administrativo. Direito da parturiente à


presença do acompanhante durante o
pré-parto, o parto e o pós-parto. Art. 19-J
da Lei Federal 8.080/90. Hospital que
impediu que o marido acompanhasse a
esposa na maternidade sem, sequer,
exigir exame de Covid-19. Conduta do
órgão municipal que contrariou a
recomendação do Ministério da Saúde na
Nota Técnica nº 9/2020. Parturiente
submetida à episiotomia sem seu
conhecimento. Violência obstétrica. Falha
na prestação do serviço público.
Responsabilidade objetiva (artigo 37, §
6º, da Constituição). Dano moral in re
ipsa. Indenização arbitrada em R$
10.000,00 para cada demandante.
Quantia que se adequa às peculiaridades
do caso concreto. Juros e correção
monetária que deverão observar a EC nº
113/21. Inversão da sucumbência.
Apelação dos autores provida.
(0003321-97.2021.8.19.0003 -
61
APELAÇÃO. Des(a). BERNARDO
MOREIRA GARCEZ NETO - Julgamento:
21/06/2023 - SEGUNDA CAMARA DE
DIREITO PUBLICO (ANTIGA 10ª CÂMA)

No entanto, alguns estados já legislaram sobre o assunto, como o Estado


do Rio de Janeiro, que determinou que a presença da doula não exclui a
presença do acompanhante, consoante o art. 1, da lei nº 7.314/2016, in verbis:
Art. 1º Ficam, as maternidades,
casas de parto e estabelecimentos
hospitalares congêneres, da rede pública
e privada do Estado do Rio de Janeiro,
obrigados a permitir a presença de
doulas durante todo o período de trabalho
de parto, parto e pósparto imediato,
sempre que solicitadas pela parturiente,
sem ônus e sem vínculos empregatícios
com os estabelecimentos especificados.
§ 2º A presença das doulas não se
confunde com a presença do
acompanhante instituído pela Lei federal
nº 11.108, de 7 de abril de 2005.

Para além disso, importante destacar a promulgação de lei federal nº


13.434/2017, que acrescentou parágrafo único ao art. 292 do Código de
Processo Penal, a fim de vedar o uso de algemas em mulheres grávidas
durante o parto e em mulheres durante a fase de puerpério imediato, o que
demonstrou grande avanço no âmbito da violência obstétrica, tendo em vista
que algemar a mulher parturiente, retirando-lhe sua movimentação é uma
forma de manifestação desta violência de gênero.

Compreensão como violência de gênero

62
Sobre a violência de gênero, Flávia Piovesan explica: “A violência baseada
no gênero ocorre quando um ato é dirigido contra uma mulher, porque é
mulher, ou quando atos afetam as mulheres de forma desproporcional. A
Declaração da ONU sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher e a
Convenção de “Belém do Pará” afirmam que a violência baseada no gênero
reflete relações de poder historicamente desiguais e assimétricas entre
homens e mulheres”.

Abordar a magnitude e a natureza da violência sofrida pelas mulheres na


obstetrícia é imperioso para que se possa enfrentar essa espécie de violência
superando os obstáculos como a falta de informação e o protagonismo no
médico obstetra ao invés da mulher, que limitam o acesso das mulheres à um
parto humanizado.

Sobre os danos sofridos

Muito embora sua não positivação, enseja a reparação de dano moral pelo
agente causador do dano à mulher. Segundo Maria Helena Diniz, o
fundamento primário da reparação está no erro de conduta do agente, se o
agente procede em termos contrários ao direito, há um primeiro impulso, no
rumo do estabelecimento do dever de reparar. Há também o dano material e
estético, onde o Hospital e o Agente de saúde devem reparar à mulher que
impossibilitada de trabalhar fique mediante os atos violentos, e ainda, os
gastos com despesas médicas advindas de tratamento de possíveis
lacerações, cicatrizes, cuidados especiais e até tratamentos psicológicos de
possíveis traumas.

O código de ética por sua vez, também prevê responsabilidade


profissional quando causar dano ao paciente, por ação ou omissão, decorrente
de imperícia, imprudência ou negligência. Há o ensejo de punições
administrativas e penais. Além do mais, o médico também será
responsabilizado de acordo com o mesmo documento, caso desrespeitar o
direito do paciente de escolherem livremente as práticas terapêuticas, e
63
também de não informar os riscos do tratamento. Assim, são inúmeras
previsões no Código de Ética profissional que o responsabiliza.

O primeiro caso de condenação do Estado por morte materna durante o


parto ocorreu ainda em 2011, onde o Brasil foi denunciado à Organização das
nações Unidas e condenado a pagar indenização para a família de Alyne
Pimentel. Alyne, 27 anos, mulher negra, grávida, em 2002 procurou a
maternidade que fazia o Pré-Natal em Belford Roxo, e após sangrar o dia todo,
conseguiu vaga de transferência para o Hospital de Nova Iguaçu, que após
constatar que não havia leito emergencial, fez a gestante passar oito horas no
corredor, no fim, a mulher teve uma parada cardiorrespiratória, Alyne e seu
bebê Esther, morreram, vítimas de um sistema de saúde precário. Foi o
primeiro caso de mortalidade materna julgado pelo Comitê da ONU para
Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra Mulheres.

No Rio de Janeiro, as mulheres que se encontram ou estiveram em


situação de violência obstétrica podem denunciar os agressores ao Ministério
Público, que realiza diversos debates à respeito do Tema, e ainda assim,
procurar a Defensoria Pública. No Rio de Janeiro, o NUDEM (Núcleo de
Defesa dos Direitos da Mulher), da defensoria, realiza um trabalho com
mulheres vítimas e onde muitas conseguem amparo legal para propositura de
ações que visem a reparação.

A Violência Obstétrica no cenário internacional

Em 18 de janeiro de 2023, a Corte Interamericana de Direitos Humanos


proferiu sua primeira sentença em uma situação de violência obstétrica. Deu-
se no caso Britez Arce e Outros vs. Argentina. A cidadã argentina Cristina
Britez Arce estava grávida em 1992, quando morreu por falha do serviço de
saúde, em Buenos Aires.

Para a Corte IDH, a violência exercida contra a mulher durante a gravidez


e o parto ou no pós-parto constitui uma forma de violência de gênero
64
denominada “violência obstétrica”. A Corte reconheceu ter havido violação aos
direitos à vida, à integridade física e à saúde de Cristina Britez, todos eles
previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).

Na sentença, a Corte IDH também reconheceu ter havido ofensa ao art. 7º


da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 1994, em prejuízo dos filhos
da vítima morta. Tal dispositivo lista os deveres dos Estados, entre eles os de
agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a
mulher; e de incorporar na sua legislação interna normas penais, civis,
administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir,
punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas
administrativas adequadas que forem aplicáveis.

Nos termos do art. 2º da Convenção de Belém do Pará, a violência contra


a mulher pode ser física, sexual ou psicológica, abrangendo, entre outras, a
ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, “incluindo, entre
outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres,
prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no local de trabalho, bem
como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local”.

A decisão da Corte Interamericana em Britez Arce (2023) junta-se às


visões adotadas pelo Comitê da Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979), no caso Alyne da
Silva Pimentel Teixeira vs. Brasil (2011) e no caso N.A.E vs. Espanha (2022).

A sentença interamericana no caso Britez Arce é histórica, a Corte IDH


tratou expressamente do direito à saúde da gestante e afirmou que os Estados
têm a obrigação de oferecer “serviços de saúde adequados, especializados e
diferenciados durante a gravidez, o parto e em período razoável após o parto,
a fim de garantir o direito à saúde da mãe e prevenir a mortalidade e a
morbidade maternas”. O Tribunal afirmou ainda que a não adoção de medidas
adequadas por um Estado Parte para prevenir a mortalidade materna viola o
65
direito das gestantes à vida.

O Comitê da CEDAW, que tem em Genebra, opera nos termos da


Convenção de 1979 e do seu Protocolo Facultativo, que foi promulgado no
Brasil pelo Decreto 4.316/2002. Alyne morreu em Belford Roxo/RJ, em 2002.
Seu caso foi o primeiro a resultar em uma reprimenda internacional ao Brasil
por imposição do CEDAW.

A conceituação desse tipo de violência na esfera jurisdicional


interamericana é muito importante para orientar a atuação dos Estados Partes.
A CEDAW, de 1979, e a Convenção de Belém do Pará, de 1994, não definem
a violência obstétrica. A lei federal brasileira tampouco o faz.

O art. 34 da Lei 18.322/2022 do Estado de Santa Catarina a definiu como


o “ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, por um familiar ou
acompanhante que ofenda, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes,
em trabalho de parto ou, ainda, no período puerpério.”

A Responsabilidade Civil do Estado

Embora muito tenha-se controvertido tanto pela doutrina, quanto pela


jurisprudência, hoje os Tribunais utilizam o Código de Defesa do Consumidor
para regular relações na área da saúde. Para se estudar este assunto, utilizar-
se-á o Código de Defesa do Consumidor, o Código de Ética Médica, o Código
Civil e outras leis que tratem sobre temas específicos, sempre sob as linhas
guias e mandamentos da Constituição Federal.

Na época atual, como mencionado anteriormente, entende-se a relação


médico hospitalar como uma relação de consumo e por isso é disciplinada pelo
Código de Defesa do Consumidor, tratando-se da rede privada. Através desta
perspectiva, o paciente é tido como um consumidor, sendo, em regra, o polo
mais fraco da relação de consumo, enquanto os estabelecimentos de saúde e
66
seus profissionais são os fornecedores, sendo, também em regra, o polo mais
forte da relação.

Para tal, o artigo 2º e 3º caput do texto legal supramencionado,


respectivamente, estabelece que:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa
física ou jurídica que adquire ou utiliza
produto ou serviço como destinatário final.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa
física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os
entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.

Ao examinar exclusivamente a responsabilidade dos hospitais entende-se


que a responsabilidade civil é objetiva, conforme estabelece o caput do artigo
14 do Código de Defesa do Consumidor. O estabelecimento de saúde será
responsabilizado no que se refere à estadia do paciente, às instalações, aos
equipamentos e serviços auxiliares. Sendo assim, a entidade hospitalar irá
responder por qualquer dano que ocorra durante a prestação de serviços,
independentemente da apuração de culpa, uma vez que a responsabilidade
objetiva é fundada no risco.

A responsabilidade civil é a melhor ferramenta pela busca de justiça nos


casos de violência obstétrica quando não for possível a realização de um
acordo entre as partes, uma vez que esse instituto não busca somente
restabelecer a integridade física e psicológica da vítima, como também visa
ressarcir o dano sofrido.

Destarte, os danos médicos indenizáveis podem abranger todos os tipos,


geralmente de qualquer natureza de responsabilidade civil, podendo ser
materiais ou imateriais. Os danos imateriais são aqueles que trazem um
prejuízo corporal, incluindo os danos estéticos, a dor sofrida, o mal-estar,
constrangimento, entre outros, enquanto os materiais, em sua maioria, são
consequência dos danos imateriais, como por exemplo as despesas médico-
hospitalares. 67

Deste modo, para que ocorra a reparação do dano é necessário que os


requisitos de responsabilidade civil sejam preenchidos, como se viu nos
capítulos anteriores, com o fim de resultar em sua liquidação. Para isso é
crucial determinar o quantum em pecúnia que o causador deverá despender
em prol do lesado.

A violência obstétrica pode, portanto, acarretar danos materiais ou


imateriais, sendo que o primeiro equivale aos prejuízos ou perdas no
património da vítima, seja de bens móveis ou imóveis, enquanto os danos
imateriais correspondem a uma violação ou ofensa, atingindo a honra,
dignidade ou sentimentos, podendo ou não causar danos ou estragos ao
patrimônio da vítima, abrangendo os danos estéticos, a dor sofrida, o mal-estar,
constrangimento e outros. A reparação dos danos materiais busca
reestabelecer a condição anterior ao dano.

No caso do médico, há situações que podem identificar sua


responsabilidade objetiva, como se constata das decisões da jurisprudência,
como segue. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que negou
seguimento a recurso extraordinário interposto de acórdão, cuja segue
transcrita:
APELAÇÃO CÍVEL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS
MATERIAIS E MORAIS. LUCROS
CESSANTES. PARTO NORMAL.
EPISIOTOMIA. LASCERAÇÃO PERINAL
DE 4º GRAU. SUTURA DESCONTROLE
NA ELIMINAÇÃO DE DEJETOS.
INSUCESSO NA TENTATIVA DE
CORREÇÃO. DANOS EVIDENTES.
ERRO GROSSEIRO. IMPERÍCIA.
NEGLIGÊNCIA. NEXO CAUSAL. CULPA
RECONHECIDA. DEVER DE
INDENIZAR. 1. Responsabilidade do
médico: A relação de causalidade é
verificada em toda ação do requerido,
evidente o desencadeamento entre o
parto, a alta prematura e os danos físicos
e morais, causando situação deplorável à
apelante, originada de dilaceração
perineal de 4º grau. Configurado erro
grosseiro, injustificável, com resultado
nefasto, o qual teve por causa a
imprudência e negligência do requerido.
Dever de indenizar 2. Danos morais:
evidentes, procedimento realizado de
forma atécnica, causando sofrimento
físico e moral, constrangimento,
humilhação, angustia, impossibilidade de 68
levar uma vida normal, desemprego, alto
estresse familiar. Procedência3. Danos
materiais: comprovados através de
recibos e notas fiscais. Procedência4.
Pensionamento: paralisação da atividade
produtiva da vítima, enquanto perdurou o
tratamento para reconstrução do períneo.
Parcial procedência. DERAM PARCIAL
PROVIMENTO AO APELO (STF - AI:
810354 RS, Relator: Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Data de Julgamento:
15/12/2010, Data de Publicação: DJe-001
DIVULG 04/01/2011 PUBLIC 01/02/2011).

Ainda, o julgado do TJRJ, em que constatada a Responsabilidade


Objetiva em razão da conduta negligente na prestação do serviço:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO


INDENIZATÓRIA. MUNICÍPIO DO RIO
DE JANEIRO. ARTIGO 37, §6º, DA
CRFB. RESPONSABILIDADE OBJETIVA
DO MUNICÍPIO QUE NÃO DISPENSA A
PROVA DE QUE O DANO SOFRIDO
DECORRE DA CONDUTA CULPOSA DE
SEU AGENTE. ALEGADA PRESSÃO
FEITA SOBRE A BARRIGA DA
GESTANTE PARA FORÇAR A
PASSAGEM DO BEBÊ QUE
CORRESPONDE A VIOLÊNCIA
OBSTÉTRICA REPUDIADA NAS
DIRETRIZES DO PARTO NORMAL.
PRESENÇA DE RESTOS
PLACENTÁRIOS NO ÚTERO DA
AUTORA/RECORRENTE. PROVA
TÉCNICA QUE FOI CATEGÓRICA AO
AFIRMAR QUE TAL FATO NÃO PODE
SER CONSIDERADO ERRO MÉDICO,
MAS SIM COMPLICAÇÃO DA CIRURGIA
CESÁREA, QUE NÃO AFASTA OS
INDÍCIOS DA VIOLÊNCIA SOFRIDA
PELA AUTORA PARA VIABILIZAR O
PARTO NATURAL, O QUAL NÃO FOI
POSSÍVEL. PRONTUÁRIO QUE INDICA
QUE A AUTORA/APELANTE AMEAÇAVA
CHAMAR A POLÍCIA QUE DEIXA
ENTREVER QUE ALÉM DAS DORES
EXASPERADAS PRÓPRIAS DO PARTO
NORMAL, A PARTURIENTE SOFRIA
TAMBÉM COM A CONDUÇÃO DO 69
PARTO PELA EQUIPE MÉDICA. FALHA
DO SERVIÇO PRESTADO PELA
MATERNIDADE LEILA DINIZ. DANO
MORAL CONFIGURADO.INDENIZAÇÃO
DE R$ 12.000,00 (DOZE MIL REAIS)
QUE ATENDE A LÓGICA DO
RAZOÁVEL. FATO LESIVO QUE NÃO
GEROU INCAPACIDADE TOTAL
TEMPORÁRIA, A QUAL DECORREU DA
CIRURGIA CESÁREA, INEVITÁVEL NA
HIPÓTESE EM QUESTÃO.
PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
(0374421-60.2012.8.19.0001 -
APELAÇÃO. Des(a). MYRIAM
MEDEIROS DA FONSECA COSTA -
Julgamento: 05/11/2020 - QUARTA
CÂMARA CÍVEL)

Em caso de morte do paciente o responsável ficará incumbido de pagar


as despesas do tratamento, funeral, o luto da família e os alimentos que a
vítima devia. Pode ainda ser o caso do cabimento da perda de uma chance,
uma vez perdida a chance de nascimento em condições básicas e necessárias.
Em caso de danos permanentes e/ou inaptidão ao trabalho serão restituídas as
despesas com o tratamento e uma pensão vitalícia, já em outros casos terá
cabimento o ressarcimento pelos lucros cessantes; ou seja, aquilo que a vítima
deixou de ganhar enquanto estava na situação lesiva.

Apelação Cível. Ação Indenizatória.


Direito Constitucional à saúde. Parturiente
com deficiência, que é a genitora do
Autor. Prolapso de cordão umbilical.
Ultrassonografia anterior indicando que o
cordão umbilical era de tamanho grande e
estava enrolado no pescoço do feto.
Recém-nascido com sequelas
neurológicas irreversíveis, ante parada
cardiorrespiratória e hipóxia. Internação
hospitalar. Alegação de falha na
prestação dos serviços. Relação de
Consumo. Erro médico. Relação
Médico/Paciente. Conduta Antiética e
Negligente. Dever de Informação e de
atenção peculiar à paciente com
deficiência. Inversão do ônus da prova.
Sentença de improcedência. Reforma.
Paciente grávida, que é pessoa com
deficiência auditiva, e tal condição era do
pleno conhecimento do médico e do
hospital. Impedimento imposto, e não 70
justificado, de permanência de
acompanhante durante o processo de
parto. Violação da acessibilidade
comunicacional. Evento que configura
violência obstétrica, na forma do atual
art.26, parágrafo único, da Lei nº
13.146/2015 (L.B.I.), ainda que os fatos
tenham ocorrido em 2011, ante pré-
existência das normativas da chamada
Convenção de Nova Iorque, de 2007,
erigida à Emenda Constitucional, por meio
do Decreto nº 6.949 de 22/08/2009, nos
termos do art.5º, §3º da CRFB.
Inteligência dos: art.18, §4º, VII, §5º e 22,
§1º, da atual Lei Brasileira de Inclusão
(Estatuto da Pessoa com Deficiência);
art.8º, §6º, do Estatuto da Criança e do
Adolescente e art.14 do Código de Ética
Médica, além da Lei 8080/90(Lei
11.108/2005). Princípio da Eficácia
Horizontal dos Direitos e Garantias
Fundamentais, estendendo deveres e
obrigações até aos particulares, art.18,
§5º, da Lei 13.146/2015 (L.B.I.).
Incidência da Teoria da Perda de Uma
Chance. Autor que teve ceifada a
oportunidade de nascer em boas
condições de saúde, caso tivesse sido
respeitado o dever de prestar à
parturiente com deficiência o atendimento
adequado, com a possibilidade de
permanência de seu marido, e tradutor,
no processo de parto. Paciente que ficou
horas na sala de pré-parto, com dores
intensas. Nosocômio que não fez prova
de respeito à acessibilidade
comunicacional. Médico que realizou o
parto também acompanhou a parturiente,
mãe do autor, durante o pré-natal, e atuou
com negligência, ao não assegurar sua
comunicabilidade em momento tão
crucial. Lapso temporal transcorrido em
demasia, entre o último monitoramento da
parturiente e o exame de toque, que
revelou a situação do prolapso de cordão,
com a consequente asfixia do feto,
mesmo tendo sido realizada a cesariana
logo. Laudo pericial que não observou
documentos médicos apócrifos, nem 71
sobre a dinâmica exata dos fatos em
exame, se atendo apenas, e
praticamente, ao relatório do médico réu e
as situações em tese. Nosocômio e
médico que estavam coligados.
Responsabilidade solidária. Danos morais
configurados. Autor que terá de conviver
por toda sua vida com as sequelas
neurológicas, necessitando dos cuidados
de terceiros para sobreviver. Verba fixada
em R$400.000,00 (quatrocentos mil
reais). Respeito aos Princípios da
Razoabilidade e da Proporcionalidade.
Juros de mora a contar da citação.
Correção monetária na forma da Súmula
362 do E.STJ. Pensionamento vitalício
devido de 1(hum) salário mínimo nacional,
a partir da data do parto até a sua
sobrevida, diante da incapacidade total
permanente. Inversão dos ônus
sucumbenciais. Jurisprudência e
precedentes citados: 0034800-
95.2013.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a).
CINTIA SANTAREM CARDINALI -
Julgamento: 29/06/2021 - VIGÉSIMA
QUARTA CÂMARA CÍVEL; AREsp
1211941 ¿ Relator: Min Gurgel de Faria ¿
Data Julgamento: 28/04/2018 ¿ Dje:
07/05/2018; REsp 1702460 ¿ Relator:
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva ¿ Data
julgamento18/02/2019 ¿ Dje: 01/03/2019;
0031681-71.2010.8.19.0021 -
APELAÇÃO. Des(a). SÉRGIO SEABRA
VARELLA - Julgamento: 05/02/2020 -
VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL.
PROVIMENTO DO RECURSO.
(0440549-57.2015.8.19.0001 -
APELAÇÃO. Des(a). REGINA LUCIA
PASSOS - Julgamento: 22/03/2023 -
VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL)

Quanto aos danos imateriais, o quantum indenizatório deverá respeitar o


sistema bifásico, onde, na primeira fase, arbitra-se o valor inicial, levando-se
em consideração o interesse do lesado e a jurisprudência de casos
semelhantes. Na segunda fase procede-se à fixação definitiva da indenização,
com base nas peculiaridades do caso como o grau da culpa, a intensidade e
duração do sofrimento, as consequências do ato lesivo, a condição
sócioeconômica do lesante e do lesado, e outras.
72
QUESTÃO 06 Paulo, aposentado, na condição de presidente da associação de
moradores do seu bairro, uma comunidade carente, procura a Defensoria
Pública Estadual para representá-los numa demanda em face da
concessionária de energia elétrica, em razão da súbita interrupção no
73
fornecimento. Paulo relata, ainda, que uma moradora, que faz aplicação diária
de insulina, perdeu o medicamento por conta da falta de energia para manter a
refrigeração adequada do medicamento.
Após a análise do caso, a Defensoria decidiu ingressar com uma Ação civil
pública.
Entretanto, o juízo de primeiro grau indeferiu a petição inicial alegando a
ilegitimidade da DPE para a propositura da ação. Posteriormente, a Defensoria
interpôs recurso de apelação pugnando pela sua legitimidade. Porém, ao
receber a peça recursal, o magistrado de pronto retratou-se da primeira
decisão, deferindo, assim, a ACP.
Diante do caso narrado, responda:
a) É cabível juízo de retratação diante da interposição de um recurso de
apelação? Se sim, qual o prazo?
b) Qual a natureza da sentença proferida na primeira decisão?
c) À luz da teoria geral dos recursos, que nome se dá ao efeito processual em
questão?

PADRÃO DE RESPOSTA

De antemão, cabe ressaltar que a Defensoria Pública é legitimada para a


propositura da Ação civil pública na defesa de direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos, na forma do art. 5º, II da lei 7.347/85, com redação
dada pela Lei 11.448/2007, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF
(ADI 3943/DF). Nesse sentido, a Defensoria possui legitimidade para ingressar
com a ação, bem como possui legitimidade recursal.
a) Com isso, é cabível ao juízo de primeiro grau retratar-se quando, perante
uma decisão sua, é interposto um recurso de apelação (art. 1009 CPC). O juízo
de retratação funciona como uma forma do juiz rever sua decisão, podendo
assim, modificá-la, se reconhecer necessidade, encontrando alguma razão que
possa fazer com que ele mude suas fundamentações acerca do julgamento
proferido, resultando no prosseguimento do processo na primeira instância.
Trata-se de uma medida que concretiza o princípio da primazia do julgamento
de mérito (art. 4º CPC), o princípio da cooperação (art. 6º CPC) e o princípio da
74
economia processual (art. 139, II CPC).
A medida encontra previsão expressa no art. 485, §7º do CPC/15 que, por sua
vez, faz menção aos incisos do mesmo artigo, dentre os quais está o inciso I,
que trata da hipótese de indeferimento da petição inicial. O prazo para a
retratação do juízo é de 5 dias.
b) A sentença proferida pelo juízo de primeiro grau, no caso em tela, possui
natureza terminativa (art. 485 CPC), por tratar-se de uma sentença que
extinguiu o processo sem exame do mérito.
c) Com relação ao efeito processual gerado pela interposição da apelação, a
doutrina converge em chamá-lo de efeito regressivo. O efeito regressivo é
também conhecido como juízo de retratação.

ESPELHO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Discorrer acerca da legitimidade da DP para 20


propor ACP

Apontar o cabimento do juízo de retratação no 20


prazo de 5 dias

Informar a natureza da sentença terminativa 20

Discorrer sobre o efeito regressivo da apelação à 20


luz do CPC/15

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência 20

COMENTÁRIOS
Legitimidade da Defensoria Pública

A Defensoria Pública pode propor ação civil pública na defesa de direitos


75
difusos, coletivos e individuais homogêneos. O STF decidiu que é
constitucional a Lei 11.448/2007 (ADI 3943/DF), que alterou a Lei 7.347/85,
prevendo a Defensoria Pública como um dos legitimados para propor ação civil
pública.

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a


ação cautelar:
II — a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº
11.448/2007).

ATENÇÃO Entretanto, antes mesmo da Lei 11.448/2007, a Defensoria


tinha legitimidade para propor ACP. Considerando que o art. 5º, da LACP e o
art. 82, II, do CDC já previam que a ACP poderia ser proposta pela União e
pelos Estados, a jurisprudência majoritária entendia que a DPU, como órgão
da União, e a DPE como órgão do Estado, já possuíam legitimidade para a
ACP mesmo antes da Lei 11.448/2007. Neste sentido:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. DEFENSORIA


PÚBLICA. INTERESSE. CONSUMIDORES. A Turma, por
maioria, entendeu que a defensoria pública tem
legitimidade para propor ação civil pública na defesa do
interesse de consumidores. Na espécie, o Nudecon,
órgão vinculado à defensoria pública do Estado do Rio de
Janeiro, por ser órgão especializado que compõe a
administração pública direta do Estado, perfaz a condição
expressa no art. 82, III, do CDC. (...) STJ. 3ª Turma. REsp
555.111-RJ, Rel. Min. Castro Filho, julgado em 5/9/2006.
A alteração promovida pela Lei nº 11.448/2007 foi, no entanto, muito
importante porque reforçou ainda mais essa legitimidade, eliminando, assim,
qualquer margem de dúvida.
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) foi
76
quem questionou a constitucionalidade da questão perante o STF.

Para a entidade, a inclusão da Defensoria Pública afrontaria também os


arts. 5º, LXXIV e 134, caput, da CF/88, considerando que a função
constitucional da instituição seria a de prestar assistência jurídica integral e
gratuita apenas aos hipossuficientes e, no bojo de uma ACP, não teria como ter
certeza se a ação estaria beneficiando apenas pessoas carentes ou também
indivíduos economicamente ricos. Assim, a CONAMP pediu que esta inclusão
fosse declarada inconstitucional ou, então, que o STF dissesse que a
Defensoria Pública não pode ajuizar ACP em matéria de direitos difusos ou
coletivos.

Segundo a tese da autora, a Defensoria, se pudesse propor ACP, somente


poderia fazê-lo quanto a direitos individuais homogêneos e desde que ficasse
individualizada e identificada a presença de pessoas economicamente
hipossuficientes. Segundo a autora, a Defensoria Pública foi criada para
atender, gratuitamente, aqueles que possuem recursos insuficientes para se
defender judicialmente ou que precisam de orientação jurídica, de modo que
seria impossível a sua atuação na defesa de interesses difusos e coletivos em
razão da dificuldade de identificar quem é carente. No seu entendimento, os
atendidos pela Defensoria Pública devem ser, pelo menos, individualizáveis,
identificáveis, para que se saiba se a pessoa atendida pela Instituição não
possui recursos suficientes para o ingresso em juízo.

O STF, por sua vez, julgou que não há qualquer inconstitucionalidade na


previsão da Lei 11.448/2007. Ao contrário, essa lei já era compatível com o
texto originário da CF/88 e isso ficou ainda mais claro quando o Congresso
Nacional aprovou a EC 80/2014, que alterou a redação do art. 134 da CF/88
prevendo expressamente que a Defensoria Pública tem legitimidade para a
defesa de direitos individuais e coletivos (em sentido amplo).

Desse modo, seja antes da EC 80/2014 e com maior razão depois, a


77
Defensoria Pública possui sim legitimidade para propor ação civil pública na
defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Segundo pontuou a Ministra Cármen Lúcia, em um país como o nosso,


marcado por graves desigualdades sociais e pela elevada concentração de
renda, uma das grandes barreiras para a implementação da democracia e da
cidadania ainda é o efetivo acesso à Justiça. Somente se conseguirá promover
políticas públicas para reduzir ou suprimir essas enormes diferenças se forem
oferecidos instrumentos que atendam com eficiência às necessidades dos
cidadãos na defesa de seus direitos. Nesse sentido, destaca-se a ação civil
pública. Dessa feita, não interessa à sociedade restringir o acesso à justiça dos
hipossuficientes.

A interpretação sugerida pela CONAMP restringe, sem fundamento


jurídico, a possibilidade de utilização da ação civil pública, que é instrumento
capaz de garantir a efetividade de direitos fundamentais de pobres e ricos a
partir de iniciativa processual da Defensoria Pública. Exigir que a Defensoria
Pública, antes de ajuizar a ACP, comprove a pobreza do público-alvo não é
condizente com os princípios e regras norteadores dessa instituição
permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, menos ainda com a
norma do art. 3º da CF/88.

Vale ressaltar que no momento da liquidação e execução de eventual


decisão favorável na ação coletiva, a Defensoria Pública irá fazer a assistência
jurídica apenas dos hipossuficientes. Nesta fase é que a tutela de cada
membro da coletividade ocorre separadamente.

Além disso, deve-se lembrar que a CF/88 não assegura ao Ministério


Público a legitimidade exclusiva para o ajuizamento de ação civil pública. Em
outras palavras, a Constituição em nenhum momento disse que só o MP pode
propor ACP. Ao contrário, o § 1º do art. 129 da CF/88 afirma que a legitimação
do Ministério Público para as ações civis não impede a de terceiros, nas
78
mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

Algumas questões controversas

A legitimidade da Defensoria para a ACP é irrestrita, ou seja, a instituição


pode propor ACP em todo e qualquer caso?

Apesar de não ser um tema ainda pacífico, a resposta que prevalece é


que NÃO. Assim, a Defensoria Pública, ao ajuizar uma ACP, deverá provar que
os interesses discutidos na ação têm pertinência com as suas finalidades
institucionais.

Por que se diz que a legitimidade da Defensoria não é irrestrita?

Porque a legitimidade de nenhum dos legitimados do art. 5º é irrestrita,


nem mesmo do Ministério Público. O STJ já decidiu, por exemplo, que “o
Ministério Público não tem legitimidade ativa para propor ação civil pública na
qual busca a suposta defesa de um pequeno grupo de pessoas - no caso, dos
associados de um clube, numa óptica predominantemente individual.” (REsp
1109335/SE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/06/2011).

Qual é o parâmetro para a legitimidade da Defensoria na ACP?

A doutrina majoritária tem defendido que a Defensoria só tem adequada


representação se estiver defendendo interesses relacionados com seus
objetivos institucionais e que se encontram previstos no art. 134 da CF. Em
outras palavras, a Defensoria Pública somente poderia propor uma ACP se os
direitos nela veiculados, de algum modo, estiverem relacionados à proteção
dos interesses dos hipossuficientes (“necessitados”, ou seja, indivíduos com
“insuficiência de recursos”). Esse foi o entendimento sustentado pela 4ª Turma
do STJ no REsp 1.192.577-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
15/5/2014.
79

Segundo a posição pacífica no STJ, a Defensoria Pública só tem


legitimidade ativa para ações coletivas se elas estiverem relacionadas com as
funções institucionais conferidas pela CF/88, ou seja, se tiverem por objetivo
beneficiar os necessitados que não tiverem suficiência de recursos (CF/88, art.
5º, LXXIV).

A própria Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94) nos leva a


concluir dessa forma:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria


Pública, dentre outras:
(...)
VII – promover ação civil pública e todas as espécies
de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos
direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos
quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo
de pessoas hipossuficientes; (Redação dada pela LC
132/2009).
VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses
individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e
dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do
art. 5º da Constituição Federal; (Redação dada pela LC
132/2009).
(...)
X – promover a mais ampla defesa dos direitos
fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos
individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e
ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de
ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela;
(Redação dada pela LC 132/2009).
XI – exercer a defesa dos interesses individuais e
80
coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da
pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher
vítima de violência doméstica e familiar e de outros
grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção
especial do Estado; (Redação dada pela LC 132/2009).

Se o interesse defendido beneficiar pessoas economicamente abastadas


e também hipossuficientes, a Defensoria terá legitimidade para a ACP?

Sim, considerando que, no processo coletivo, vigoram os princípios do


máximo benefício, da máxima efetividade e da máxima amplitude. Dessa feita,
podendo haver hipossuficientes beneficiados pelo resultado da demanda deve-
se admitir a legitimidade da Defensoria Pública.
É o caso, por exemplo, de consumidores de energia elétrica, que tanto podem
abranger pessoas com alto poder aquisitivo como hipossuficientes:

LEGITIMIDADE. DEFENSORIA PÚBLICA. AÇÃO


COLETIVA. A Turma, ao prosseguir o julgamento,
entendeu que a Defensoria Pública tem legitimidade para
ajuizar ação civil coletiva em benefício dos consumidores
de energia elétrica, conforme dispõe o art. 5º, II, da Lei nº
7.347/1985, com redação dada pela Lei nº 11.448/2007.
(...) REsp 912.849-RS, Rel. Min. José Delgado, julgado
em 26/2/2008.

Exemplo em que o STJ reconheceu não haver legitimidade, no caso


concreto, para a Defensoria Pública propor ACP
Segundo decidiu o STJ, a Defensoria Pública não tem legitimidade para
ajuizar ACP em favor de consumidores de plano de saúde particular. Para a
Corte, ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não
81
se está diante de um consumidor que possa ser considerado necessitado, a
ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública.

Ao revés, trata-se de grupo que, ao demonstrar capacidade para arcar


com assistência de saúde privada, presume-se em condições de arcar com as
despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de
sua subsistência, não havendo que se falar em hipossuficiência. Assim, o
grupo em questão não é apto a conferir legitimidade ativa adequada à
Defensoria Pública, para fins de ajuizamento de ação civil. (STJ. 4ª Turma.
REsp 1.192.577-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/5/2014).

O juízo de retratação – Efeito regressivo da apelação

Efeitos recursais

- Efeito Obstativo: O recurso impede o trânsito em julgado da decisão


recorrida. É um efeito de todo e qualquer recurso.

- Efeito Substitutivo (art. 1008): a decisão proferida em sede de recurso


substitui a decisão recorrida. O acórdão do tribunal, por exemplo, substitui a
sentença. Isso tem importância principalmente para fins de ação rescisória,
pois em virtude desse efeito é o acórdão que deve ser objeto da rescisão, e
não a sentença substituída.

- Efeito Suspensivo: O CPC/15 determina que o recurso, em regra, não terá


efeito suspensivo, salvo:
i) nas hipóteses previstas pelo próprio Código (efeito suspensivo ope legis);
ii) quando o juiz o conceder(efeito suspensivo ope judicis);
-O efeito suspensivo ope judicis pode ser uma tutela de urgência: quando a
suspensão da decisão exija o risco de dano grave, de difícil ou impossível
reparação (é o caso do art. 995, parágrafo único, que é o regramento geral dos
82
recursos); ou pode ser uma tutela de evidência, quando a probabilidade de
provimento do recurso, de reversão da decisão recorrida, por si só, já seja
suficiente: é a previsão do art. 1012, §4º (regramento específico da Apelação).
Com base nessa diferença, parcela da doutrina defende a aplicação da regra
do art. 1012, mais ampla, a todos os recursos, não apenas à Apelação.

- Efeito regressivo – é aquele que possibilita a revisão/reforma da decisão


recorrida, pelo juiz, antes mesmo do recebimento (admissão) do recurso; o
efeito decorre tão só da interposição.

O CPC/15 prevê o efeito regressivo para alguns recursos:

→ Para o Agravo Interno: Art. 1021 § 2º.


→ Para o Agravo da decisão que inadmitir Recurso Extraordinário/Especial: art.
1042, §4º
→ Para a Apelação, em 3 casos.

No CPC/1973, uma vez interposta a apelação, só era permitido ao juiz


prolator da sentença se retratar em duas hipóteses: rejeição liminar da
inicial(art. 296 — prazo de 48 horas) e sentença liminar de improcedência em
causa repetitiva (art. 285-A, § 1° — prazo de 5 dias).

No CPC/2015, essas hipóteses de retratação (efeito regressivo dos


recursos) foram ampliadas.

1. Apelação que ataca sentença de INDEFERIMENTO liminar da petição inicial


— o juiz poderá se retratar em 5 dias (art. 331).
2. Apelação que ataca sentença de IMPROCEDÊNCIA liminar da petição inicial
— o juiz poderá se retratarem CINCO dias (art. 332, § 3°);

3. Apelação que ataca sentenças extintas SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, as


83
famosas "terminativas".

Dispõe o art. 485, §7°:

"Interposta a apelação em QUALQUER dos casos de que


tratam os incisos deste artigo (todas as hipóteses de
sentenças sem resolução de mérito), o juiz terá 5 (cinco)
dias para retratar-se”

Essa última é a maior inovação, pois o Legislador generalizou a chance de


retratação EM SENTENÇAS TERMINATIVAS. Também foi bacana a
uniformização dos prazos de retratação (todos agora são de 5 dias).

Por fim, fique atento ao Enunciado 68 da i Jornada de DPC do CJF:


"A intempestividade da apelação desautoriza o órgão a quo a proferir juízo
positivo de retratação:'

Até porque, se o recurso é intempestivo, a decisão já transitou em julgado.


Portanto, o juiz nada mais poderá fazer em respeito à coisa julgada já
existente.

Natureza jurídica da sentença que indefere a petição inicial

O conceito de sentença sempre gerou muita discussão doutrinária.


Tentando solucionar o problema, o CPC/2015 trouxe uma nova definição, mas
que a meu ver continua com imperfeições.
Dispõe o art. 203, § 1°:

"Ressalvadas as disposições expressas dos


procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento
84
por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e
487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum,
bem como extingue a execução”.

A doutrina, por sua vez, critica a redação do dispositivo transcrito aduzindo


que, em verdade, a sentença é o ato do juiz que encerra a fase cognitiva do
procedimento comum (se não houver necessidade de liquidação). Pois, caso
exista, mesmo após a sentença, o juiz continuará exercendo atividade
cognitiva.

Na classificação das sentenças, a doutrina costuma assim dispor quanto


ao enfrentamento ou não do mérito:

- Terminativas: extinguem o processo sem resolução do mérito. Terminam


com o processo, mas não com o conflito de interesses. Estão previstas no art.
485 do CPC/15.

- Definitivas: resolvem o mérito do processo, pondo fim ao conflito de


interesses. Estão previstas no ar. 487 do CPC/15.

SENTENÇAS TERMINATIVAS SENTENÇAS DEFINITIVAS


Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: Art. 487. Haverá resolução de
mérito quando o juiz:
I - indeferir a petição inicial;
I - acolher ou rejeitar o pedido
II - o processo ficar parado durante mais de 1 formulado na ação ou na
(um) ano por negligência das partes; reconvenção; 85

III - por não promover os atos e as diligências II - decidir, de ofício ou a


que lhe incumbir, o autor abandonar a causa requerimento, sobre a ocorrência
por mais de 30 (trinta) dias; de decadência ou prescrição;

IV - verificar a ausência de pressupostos de III - homologar:


constituição e de desenvolvimento válido e
a) o reconhecimento da
regular do processo;
procedência do pedido formulado
V - reconhecer a existência de perempção, de na ação ou na reconvenção;
litispendência ou de coisa julgada;
b) a transação;
VI - verificar ausência de legitimidade ou de
interesse processual; c) a renúncia à pretensão
formulada na ação ou na
VII - acolher a alegação de existência de reconvenção.
convenção de arbitragem ou quando o juízo
arbitral reconhecer sua competência; Parágrafo único. Ressalvada a
hipótese do § 1o do art. 332, a
VIII - homologar a desistência da ação; prescrição e a decadência não
serão reconhecidas sem que antes
IX - em caso de morte da parte, a ação for seja dada às partes oportunidade
considerada intransmissível por disposição de manifestar-se.
legal; e
Art. 488. Desde que possível, o juiz
X - nos demais casos prescritos neste Código.
resolverá o mérito sempre que a
§ 1º Nas hipóteses descritas nos incisos II e III, decisão for favorável à parte a
a parte será intimada pessoalmente para suprir quem aproveitaria eventual
a falta no prazo de 5 (cinco) dias. pronunciamento nos termos do art.
485 por abandono da causa pelo
§ 2º No caso do § 1º, quanto ao inciso II, as autor depende de requerimento do
partes pagarão proporcionalmente as custas, réu.
e, quanto ao inciso III, o autor será condenado
ao pagamento das despesas e dos honorários § 7o Interposta a apelação em
de advogado. qualquer dos casos de que tratam
os incisos deste artigo, o juiz terá 5
§ 3o O juiz conhecerá de ofício da matéria (cinco) dias para retratar-se.
constante dos incisos IV, V, VI e IX, em
qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto
não ocorrer o trânsito em julgado.

§ 4o Oferecida a contestação, o autor não


poderá, sem o consentimento do réu, desistir
da ação.
86
§ 5o A desistência da ação pode ser
apresentada até a sentença.

§ 6o Oferecida a contestação, a extinção do


processo.

§ 7o Interposta a apelação em qualquer dos


casos de que tratam os incisos deste artigo, o
juiz terá 5 (cinco) dias para retratar-se.
Assim, conforme exposto no caso em tela, o juízo de retratação é
perfeitamente cabível, uma vez que trata-se de sentença terminativa de
improcedência da petição inicial, hipótese expressamente prevista no art. 485,
87
§7º, abrangendo, portanto, o inciso do I do mesmo dispositivo.
QUESTÃO EXTRA Sobre os direitos indígenas responda:

a) A Convenção 169 da OIT é vinculante?


b) Qual o critério de identificação é utilizado pela Convenção 169?
c) Qual foi o conceito de posse e propriedade considerado pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos no Caso Povo Indígena Xucuru e seus 88
membros vs. Brasil?
d) As comunidades tradicionais têm direito à consulta prévia, livre, informada e
de boa-fé encontra previsão na Convenção 169, da Organização Internacional
do Trabalho?

Padrão de resposta

a) A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é um


instrumento internacional vinculante, pois detém natureza de tratado
internacional de direitos humanos, incorporado na ordem jurídica interna
brasileira (Decreto 10.088/2019). É considerada uma norma hard law no Direito
Internacional.

b) A Convenção 169 da OIT em seu art. 1º utiliza como critério de identificação


o critério da autoidentificação. Ela adota um critério subjetivo em que a
identidade de um povo indígena ou tribal é resultado de seu próprio
reconhecimento.
PARTE 1 - POLÍTICA GERAL Artigo 1º 1. A presente convenção aplica-se:
(...) 2. A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser
considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se
aplicam as disposições da presente Convenção.

c) A CIDH flexibilizou o conceito tradicional de posse e propriedade e adotou


interpretação extensiva do art. 21 da CADH e reconheceu a relação imemorial
das comunidades indígenas e seus territórios. Portanto, privilegiou a
imemorialidade.

d) Sim! As comunidades tradicionais têm direito à consulta prévia, livre,


informada e de boa-fé encontra previsão na Convenção 169, da OIT. O art. 6º
da Convenção 169 da OIT prevê o chamado direito de consulta às
comunidades tradicionais.

ESPELHO DE CORREÇÃO
89

Total: Aluno:
I Estrutura, domínio linguístico e utilização dos termos - 20
II A Convenção 169 é vinculante (hard law) 20
III A Convenção 169 da OIT adota o critério da 20
autoidentificação
IV A CIDH reconheceu a relação imemorial das 20
comunidades indígenas e seus territórios
V Sim! Por previsão na Convenção 169 20
Total 100

COMENTÁRIOS

a) A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é um


instrumento internacional vinculante, pois detém natureza de tratado
internacional de direitos humanos, incorporado na ordem jurídica interna
brasileira (Decreto 10.088/2019). É considerada uma norma hard law no Direito
Internacional.

A Convenção 169 da OIT trata dos direitos dos povos indígena e tribais foi
aprovada em Genebra em 27 de junho de 1989. E entrou em vigor
internacional em 5 de setembro de 1991. Em âmbito interno a Convenção 169
da OIT foi aprovada pelo Congresso Nacional em 2002. E incorporada pelo
Decreto 10.088/2019.

b) A Convenção 169 da OIT em seu art. 1º utiliza como critério de identificação


o critério da autoidentificação. Ela adota um critério subjetivo em que a
identidade de um povo indígena ou tribal é resultado de seu próprio
reconhecimento.

PARTE 1 - POLÍTICA GERAL Artigo 1º


90

1. A presente convenção aplica-se:

a) aos povos tribais em países independentes, cujas condições sociais,


culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional,
e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou
tradições ou por legislação especial (conceito de povos tribais);

b) aos povos em países independentes, considerados indígenas pelo fato de


descenderem de populações que habitavam o país ou uma região geográfica
pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do
estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for sua situação
jurídica, conservam todas as suas próprias instituições sociais, econômicas,
culturais e políticas, ou parte delas.

c) A CIDH flexibilizou o conceito tradicional de posse e propriedade e adotou


interpretação extensiva do art. 21 da CADH e reconheceu a relação imemorial
das comunidades indígenas e seus territórios. Portanto, privilegiou a
imemorialidade.

Vide a jurisprudência da Corte IDH.

“A jurisprudência da Corte IDH reconheceu reiteradamente o direito de


propriedade dos povos indígenas sobre seus territórios tradicionais e o dever
de proteção que emana do artigo 21 da Convenção Americana, à luz das
normas da Convenção 169 da OIT e da Declaração das Nações Unidas sobre
os Direitos dos Povos Indígenas, bem como os direitos reconhecidos pelos
Estados em suas leis internas ou em outros instrumentos e decisões
internacionais, constituindo, desse modo, um corpus juris que define as
obrigações dos Estados-partes na Convenção Americana, em relação à
proteção dos direitos de propriedade indígena” (MAZZUOLI, Valerio. Direitos
humanos na jurisprudência internacional, Grupo GEN, 2019, p. 538).

91

d) Sim! As comunidades tradicionais têm direito à consulta prévia, livre,


informada e de boa-fé encontra previsão na Convenção 169, da OIT. O art. 6º
da Convenção 169 da OIT prevê o chamado direito de consulta às
comunidades tradicionais.

O direito de consulta é muito importante. As comunidades tradicionais possuem


o direito de consulta e participação antes de qualquer imposição relativa à
política pública que as possa afetar. Este é entendido como um direito
vinculante pela Corte Internacional de Direitos Humanos.
Nesta esteira, é importante lembrar da decisão do STF no Caso Raposa Serra
do Sol. Hoje há recurso afetado em sede de repercussão geral na Corte para
discutir o marco temporal da demarcação das terras indígenas. Importante
acompanhar.

Convenção 169 da OIT

Artigo 6º

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e,


particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que
sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los
diretamente;

b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam


participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da
população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições
efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas
políticas e programas que lhes sejam concernentes;

c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e


92
iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos
necessários para esse fim.

2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser


efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o
objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das
medidas propostas.
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA
A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

1
W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA


A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

Olá Futuro(a) Residente Jurídico(a) da DPE-RJ,

Você está recebendo hoje a sexta rodada de conteúdo direcionado e


preparatório para o concurso de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro. Já superamos cinco rodadas! Esperamos que
tenha gostado da primeira metada das rodadas! Você se saiu bem?
Continuamos com todo o cuidado na seleção de cada tema. Por aqui
continuamos buscamos identificar os assuntos de maior relevância na
atuação prática na Defensoria Pública, temas que são quentes e podem ser
questão do seu certame!

Esta é a sexta rodada de dez. Ao total serão aproximadamente sessenta


questões! O objetivo é treiná-los para prova, então vocês devem tentar
resolver as questões antes de partirem para a leitura do espelho. O
espelho é instrumento essencial para você se aprofundar nos temas,
contudo, antes de abri-lo, treine com o caderno de questões!

Desejamos sorte neste seu objetivo e que este material possa continuar te
ajudar a alcançar a função de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro!

Qualquer dúvida, não deixe de nos procurar! Até breve,

Coordenação da turma

PRISCI LA COT TA
ANALISTA PROCESSU AL DA DPE-RJ
EX-RESIDENTE J URÍDICA DA DPE-RJ
RAONI ARAUJ O
COORDENADOR ACADÊMICO DO PED
MESTRE PELA FND/UFRJ

2
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARAA PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA – RODADA VI

ESPELHO

1
QUESTÃO 01 Em 2022, um grupo de integrantes do Partido Comunista X
realizou manifestações em prol do movimento sem terra no estado do Mato
Grosso do Sul. Ocorre que, durante uma manifestação, o grupo foi
interrompido por agentes policiais, que os levaram para um lugar afastado e ali
lhe aplicaram diversos golpes com armas e outros objetos. Os integrantes do
grupo não resistiram aos ataques, e, seus corpos não foram mais encontrados.
O caso chegou à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Discorra acerca do caso narrado, apontando:
a) No que consiste o desaparecimento forçado;
b) Caso o Brasil venha a editar lei concedendo anistia aos policiais do
seguinte caso, essa será válida de acordo com o entendimento da
Corte IDH?

PADRÃO DE RESPOSTA

Entende-se por desaparecimento forçado a prisão, detenção, sequestro ou


qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes
do Estado, ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com autorização,
apoio ou aquiescência do Estado, e a subsequente recusa em admitir privação
de liberdade ou a ocultação do destino ou o paradeiro da pessoa desaparecida,
privando-o, assim, da proteção da Lei.
Nenhuma pessoa será submetida a desaparecimento forçado. No mesmo
sentido, nenhuma circunstância excepcional, seja estado de guerra ou ameaça
de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública.
Nenhuma ordem ou instrução de uma autoridade pública, seja ela civil, militar
ou de outra natureza, poderá ser invocada para justificar um crime de
desaparecimento forçado A prática generalizada ou sistemática de
desaparecimento forçado constitui crime contra a humanidade.
São inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o
estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a
investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos
humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias e
os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas, por violar direitos
inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.
ESPELHO
TOTAL: ALUNO:

Definir o desaparecimento forçado; 25 2

Discorrer sobre a responsabilização do Estado 25


brasileiro;
Afirmar que a lei de anistia, nesse caso, não 50
será válida;

COMENTÁRIOS

A questão versa sobre desaparecimento forçado e tortura, bem como sobre a


implementação das decisões da Corte IDH em âmbito nacional.

O tema envolve o ponto 4 do edital de direitos humanos. Vejamos:


4. Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Histórico.
Formação. Organização. Órgãos. Comissão IDH. Corte IDH.
Defensor Interamericano. Comissão IDH. Organização.
Competência. Funções. Procedimento de Petição Individual. Corte
IDH. Organização. Competência. Funções. Implementação das
Decisões em Âmbito Nacional. Controle de Convencionalidade.
Valor Jurídico dos Informes da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos.

SISTEMA INTERAMERICANO
O Brasil faz parte desse sistema desde o seu advento (1948), bem como é parte
da Convenção Americana desde 1992 (vide melhor adiante).
Assim, o defensor público utilizará em seu cotidiano as normas interamericanas
de direitos humanos aceitas pelo Brasil, bem como as decisões proferidas por
esse sistema, sobretudo as decisões envolvendo o Brasil. Não procede a ideia
de que os direitos humanos são para poucos, afinal, as normas protetivas
interamericanas de direitos humanos também são parte de todo ordenamento
jurídico brasileiro.
De modo geral, o sistema interamericano pode ser definido como o “conjunto de
órgãos, entidades e mecanismos de variados propósitos e estruturas, assim
3
como de tratados e outros instrumentos que regulam uma infinidade de matérias
a nível regional” (F.V. García Amador apud TRINDADE, Antônio Augusto
Cançado, 2012, p. 320).
Tal sistema é ilustrado sobretudo pela ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS, denominada comumente pela sua sigla: OEA.
Visite o site da OEA: http://www.oas.org/pt/.
Atualmente, essa organização internacional, de caráter intergovernamental
(portanto, detentora de personalidade jurídica de Direito Internacional), se
localiza em Washington – Estados Unidos. Saliente-se que o sistema
interamericano não cuida tão somente de matéria de direitos humanos, mas
também analisa temas ligados à DEMOCRACIA, SEGURANÇA E
DESENVOLVIMENTO. Por certo, esses quatro pilares “conversam” entre si,
sendo que um assunto envolvendo direitos humanos pode, também, dizer
respeito à democracia, por exemplo. Juridicamente, envolvendo a temática de
direitos humanos, são documentos básicos: - A Carta da OEA, aprovada em
1948, com vigência em 1951 e posteriormente reformada pelo Protocolo de
Buenos Aires (1967), pelo Protocolo de Washington (1992) e pelo Protocolo de
Managuá (1993).
- Convenção Americana sobre Direitos Humanos (=Pacto de San José da Costa
Rica), conhecida como o “tratado regente de todo o sistema interamericano dos
direitos humanos”, que surge oficialmente em 1969 e entra em vigor em 1978.
→O Brasil é parte da Convenção Americana desde 25 de setembro de 1992,
sendo que tal documento internacional promulgado no país por meio do Decreto
nº 678 de 06 de novembro de 1992.
- Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos (= Protocolo
de San Salvador), que cuida dos direitos sociais, econômicos e culturais. Surge
em 1988, mas só entra em vigor em 1999.
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - ESTRUTURA:
PARTE I – DEVERES DOS ESTADOS E DIREITOS PROTEGIDOS →Art. 1º a
art. 32. → Destaque para:
*Artigos 1º e 2º (obrigação de respeitar os direitos e dever de adotar as 4

disposições de direito interno)


* Artigos 4º e 5º (direito à vida e à integridade pessoal)
* Art. 6º (proibição da escravidão e da servidão) → verificar as exceções e
conceitos.
* Art. 7º (direito à liberdade pessoal)
*Art. 8º (garantias judiciais) → caiu na penúltima última prova.
*Art. 13 (liberdade de pensamento e de expressão) → caiu na penúltima prova
(dissertativa)
*Art. 18 (direito ao nome)
PARTE II – MEIOS DE PROTEÇÃO → Art. 33 a art. 73.
PARTE III – DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS → Art. 74 a art. 82.

ÓRGÃOS DO SISTEMA INTERAMERICANO


Dentro da Convenção Americana de Direitos Humanos foram instituídas a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, que são importantes para verificação da proteção dos
direitos humanos e cumprimento dos Estados-parte da Convenção.
OBS: A Comissão e a Corte são instituições criadas pela Convenção
Americana, mas não são as únicas dentro de todo sistema interamericano. Há
outros órgãos da OEA que também observam o respeito aos direitos humanos,
como a Assembleia Geral da OEA e o Conselho Permanente; além do
Conselho Interamericano para o Desenvolvimento Integral.→ Ainda assim, a
Comissão e a Corte é a que mais nos interessa nos estudos das provas de
Defensorias Públicas.

Para diferenciar a Comissão da Corte Interamericana, lembre:


COMISSÃO INTERAMERICANA → Funciona como uma espécie de “Ministério
Público” (Mas não é o MP, não faz parte do MP). A Comissão representa todos
os Membros da OEA (art. 35)
→Art. 34 em diante da Convenção Americana → É ela quem irá receber as
5
petições e comunicações apresentadas por indivíduos ou grupos de indivíduos,
ou, ainda, entidade não governamental (art. 44). → Na análise de um caso, a
Comissão irá se manifestar em um relatório (= primeiro informe, que não possui
caráter vinculante).
Após, se o caso não for solucionado, realiza um segundo informe. Nesse
segundo informe a Comissão decidirá se remete o caso à Corte ou não. Não há
como a Corte exigir o cumprimento das recomendações feitas em seus
informes, mas o Estado deve observar o princípio da boa-fé.
OBS: A Comissão pode realizar investigações in loco. No caso do Brasil, porém,
tal inspeção depende de anuência expressa do Estado.
CORTE INTERAMERICANA → É o Tribunal interamericano de direitos
humanos. Responsável por julgar os casos envolvendo direitos humanos na
esfera interamericana (competência contenciosa/jurisdicional), bem como é
responsável por analisar e se manifestar sobre consultas formuladas pelos
Estados-partes (competência consultiva). →Art. 52 em diante da Convenção
Americana.
OBS: Não se pode esquecer que tanto a Corte quanto a Comissão também
podem proferir medidas cautelares (provisórias). – REQUISITOS: extrema
gravidade, urgência e irreparabilidade do dano. (Art. 25 do Regulamento da
Corte IDH).

DISCUSSÕES DE DIREITOS HUMANOS QUE ENVOLVEM O SISTEMA


INTERAMERICANO E QUE SÃO IMPORTANTES NA ATUAL CONJUNTURA

Reputamos importante frisar certas discussões que envolvem o sistema


interamericano e o Brasil, tais como:
* Desacato →Apesar de só ganhar discussão no Brasil recentemente, o
desacato vem sendo contestado desde 1992, quando na solução amistosa no
caso Verbitsky vs. Argentina, em sede de Comissão Interamericana de Direitos
Humanos. Verbitsky teria veiculado opinião jornalística chamando um juiz
argentino de “asqueroso!”.
6
Outro país, o Chile, chegou a enfrentar situação pior: sofreu responsabilização
por parte da Corte Interamericana, tendo que retirar o delito de desacato de seu
Código Penal (caso PalamaraIribarne vs. Chile – 2005). A questão é complexa
pois HÁ ENTENDIMENTOS DIFERENCIADOS ENTRE A COMISSÃO E A
CORTE SOBRE O TEMA. Para Comissão, a mera presença do delito de
desacato configura violação ao direito humano à liberdade de expressão. Já
para Corte Interamericana, nem todo caso de desacato leva à
responsabilização.
*Caso Luiza Melinho – aceito pela Comissão Interamericana, trata de caso
envolvendo cirurgia de afirmação sexual. É relevante pois recentemente a Costa
Rica realizou consulta perante à Corte questionando sobre a alteração do nome
e identidade de pessoas.
*Trabalho Escravo e Trabalho Análogo à Escravidão → Com a mais recente
decisão do caso “Fazenda Brasil Verde”, o combate ao trabalho escravo ficou
patente como um dever do Estado brasileiro. Contudo, mais recente portaria do
Ministério do Trabalho alterou conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva
e condições análogas à de escravo, o que pode gerar discussões se está em
conformidade com a decisão da Corte Interamericana.
LEMBRAR: ART. 6º DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
* Caso Favela Nova Brasília→ Talvez seja a decisão que merece mais atenção,
já que a DPRJ recentemente denunciou o Brasil perante a Comissão
Interamericana por violações de diretos humanos em favelas.
LEMBRAR: ART. 7º DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Atentamos para dois casos da Corte IDH que envolvem o tema do


desaparecimento forçado, sendo um deles do Brasil. Vejamos:
Caso Velásquez Rodrigues vs Honduras

Este caso está relacionado à denúncia apresentada pela Comissão


Interamericana de Direitos Humanos à Corte IDH, na qual a Comissão informou
que o estudante chamado Ángel Manfredo Velásquez Rodríguez havia sido 7

detido de forma violenta e sem ordem judicial, por integrantes da Direção


Nacional de Investigação das Forças Armadas de Honduras.
Segundo a denúncia apresentada perante a Comissão, e a informação
complementar recebida nos dias imediatamente seguintes, o estudante
Manfredo Velásquez “foi detido de forma violenta e sem intermédio de ordem
judicial de prisão, por elementos da Direção Nacional de Investigação e do G-2
(Inteligência) das Forças Armadas de Honduras”.
Na denúncia, foi dito que várias testemunhas oculares teriam afirmado ter sido
Ángel Manfredo Velásquez Rodríguez levado junto com outros detidos às celas
da II Estação da Força de Segurança Pública localizadas no Bairro El Manchén
de Tegucigalpa, onde foi submetido a “duros interrogatórios sob cruéis torturas,
acusado de supostos delitos políticos”. E que em 17 de setembro de 1981, foi
transferido ao I Batalhão de Infantaria onde prosseguiram os interrogatórios e
que, apesar disto, todas as forças policiais e de segurança negaram sua
detenção.

Segundo a doutrina, a Corte IDH concluiu que:


1) havia uma prática de desaparecimentos cumprida ou tolerada pelas
autoridades hondurenhas entre os anos 1981 e 1984, que
(2) o desaparecimento de Velásquez Rodriguez ocorreu por obra ou com a
tolerância dessas autoridades dentro do marco dessa prática e que
(3) o governo de Honduras se omitiu na garantia dos direitos humanos afetados
por essa prática. E, assim, a Corte IDH assentou que o governo de Honduras
violou os direitos de Velásquez Rodríguez à liberdade pessoal, à integridade
pessoal e à vida, condenando o Estado demandado a pagar uma justa
indenização compensatória aos familiares da vítima.

DECISÃO: “A CORTE, por unanimidade, desconsidera a exceção preliminar


de não esgotamento dos recursos internos oposta pelo Governo de Honduras.
Por unanimidade declara que Honduras violou os deveres de respeito e de
garantia do direito à liberdade pessoal, reconhecido no artigo 7 da Convenção,
em relação ao artigo 1.1 da mesma, em detrimento de Ángel Manfredo
8
Velásquez Rodríguez. Por unanimidade declara que Honduras violou os
deveres de respeito e de garantia do direito à integridade pessoal, reconhecido
no artigo 5 da Convenção, em relação ao artigo 1.1 da mesma, em detrimento
de Ángel Manfredo Velásquez Rodríguez. Por unanimidade declara que
Honduras violou o dever de garantia do direito à vida, reconhecido no artigo 4
da Convenção, em relação ao artigo 1.1 da mesma, em detrimento de Ángel
Manfredo Velásquez Rodríguez. Por unanimidade 5. decide que Honduras
está obrigada a pagar uma justa indenização compensatória aos familiares da
vítima. 6. Decide que a forma e a quantia desta indenização serão fixadas pela
Corte caso o Estado de Honduras e a Comissão não se ponham de acordo a
respeito num período de seis meses, contados a partir da data desta sentença,
e deixa aberto o procedimento para esse efeito.”

Caso Gomes Lund vs Brasil

(...) Popularmente conhecido como Guerrilha do Araguaia, trata


da responsabilidade do Estado Brasileiro pela detenção arbitrária,
tortura e desaparecimento forçado de aproximadamente setenta
pessoas, dentre elas integrantes do PCB (Partido Comunista
Brasileiro) e camponeses da Região do Araguaia, situada no
Estado do Tocantins, entre 1972 e 1975. A maioria das vítimas
desaparecidas integrava (ou pelo menos havia uma suspeita que
o fizessem) o movimento de resistência intitulado “Guerrilha do
Araguaia”, conhecido por realizar atos de residência aos militares.
Naquela época, o governo do Estado brasileiro implementou
ações com o objetivo de exterminar todos os integrantes do
movimento Guerrilha do Araguaia, no que teve êxito. Ocorre que,
no dia 28 de agosto de 1979, o Brasil aprovou a Lei Federal
6.683, conhecida popularmente como “Lei da Anistia”. Esse
diploma normativo perdoou todos aqueles que haviam cometidos
crimes políticos ou conexos com eles no período da ditadura
militar, o que acabou gerando a irresponsabilidade de todos os
9
agentes do Estado Brasileiro que participaram dos massacres
ocorridos no período da ditadura. A controvérsia chegou até a
CIDH (Comissão) (...). Após o Brasil não ter se manifestado sobre
os relatórios da CIDH, a demanda foi submetida à Corte (...) No
dia 24 de novembro de 2010, a Corte IDH sentenciou o Caso
Gomes Lund, responsabilizando o Estado Brasileiro pelas
violações ocorridas (...) (PAIVA, Caio; HEEMANN, Thimotie
Aragon. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 3ª
Edição. Belo Horizonte. Editora CEI, 2020, p. 377/378)

No Caso Gomes Lund vs Brasil uma das exceções preliminares alegadas pelo
Brasil foi a incompetência da Corte IDH para apreciar o caso, considerando que
os fatos ocorreram após o Brasil reconhecer a competência contenciosa da
Corte (que foi em 10/12/1998), mais de 20 anos após os acontecimentos dos
fatos na região do Araguaia.
Então, em tese, como os fatos se deram ANTES do reconhecimento da função
contenciosa (jurisdicional) da Corte pelo Brasil, eles não poderiam ser julgados
pela Corte Interamericana? A resposta da Corte foi negativa.
Recentemente, em março de 2021, o STJ aprovou a Súmula 647, no sentido
de que são imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e
materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos
fundamentais ocorridos durante o regime militar:

Súmula 647: São imprescritíveis as ações indenizatórias por


danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição
política com violação de direitos fundamentais ocorridos
durante o regime militar.

Uma das determinações da Corte IDH no Caso Gomes Lund vs Brasil foi a
instituição da denominada Comissão Nacional da Verdade.

No Brasil não há previsão do crime de “desaparecimento forçado”. Assim, a


Corte IDH poderia ter responsabilizado o Brasil no Caso Gomes Lund em razão
10
do crime de desaparecimento forçado, ainda que na legislação interna não haja
esse delito?
A resposta é sim.
Segundo a doutrina, esse já era o entendimento da Corte no Caso Caballero
Delgado e Santana vs Guatemala (1993), no sentido de que a ausência de
tipificação do delito de desaparecimento forçado não deve impedir a
condenação do Estado em âmbito internacional. O fato de o Estado ainda
não ter criminalizado a conduta de desaparecimento forçado deve servir como
mola propulsora para uma condenação no âmbito internacional e, por
conseguinte, uma futura tipificação do delito em análise.
QUESTÃO 02 A Defensoria Pública intentou Ação Civil Pública em favor de
uma comunidade localizada no interior do estado, habitada por diversas
famílias. O Núcleo de Habitação e Urbanismo da defensoria foi procurado por
essas famílias, que informaram que haviam sido notificados pelo Município
para deixarem suas casas, sob pena de reintegração de posse, eis que se
tratava de área de proteção ambiental. Assim, a DPE ajuizou ação pleiteando 11
a concessão de liminar para que o Município se abstivesse de demolir as
casas e inscrevesse os ocupantes em seus programas habitacionais.
Diante do caso narrado discorra aceca do direito à moradia e da remoção
forçada, apontando as teses para a defesa desses direitos.

PADRÃO DE RESPOSTA

O direito à moradia ingressou na Constituição da maneira expressa no ano


2000, por intermédio da Emenda Constitucional 26. O direito à moradia é um
direito social, prestacional e de segunda dimensão. Existem ainda diversos
Tratados Internacionais que tratam do direito à moradia, que o Brasil é
signatário, dentre eles: a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
(artigo XXV, item I), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as
Formas de Discriminação Racial (1965) etc.
O direito à moradia é uma garantia constitucional (art. 5, §1°, da CF/88) e está
enumerado entre outros direitos sociais elencados no art. 6°, da CRFB/88. Para
que seja possível a realização da política urbana e a promoção das funções
sociais da cidade, são previstos importantes instrumentos, como as edificações
e obras, além dos Planos Diretores Municipais.
Já a expressão “remoções forçadas” se define como a remoção, permanente
ou temporária, realizada contra a vontade dos indivíduos, famílias e/ou
comunidades das casas e/ou terras que ocupam, sem o fornecimento e o
acesso a formas adequadas de proteção legal ou de outro tipo de moradia.
Em casos de desocupação e demolição de núcleo urbano informal, o Poder
Público municipal tem obrigação de garantir o direito à moradia aos ocupantes
atingidos pelo deslocamento forçado.
Cabe destacar que o aluguel provisório é uma política paliativa, que reproduz a
insegurança habitacional, e ainda funciona como uma indexação pública para
os preços do mercado imobiliário informal, fazendo com que os preços de
locação aumentem nos locais para onde essas pessoas se destinam. Esta
acaba sendo, portanto, mais uma forma de gestão neoliberal da precariedade
da moradia. Mas, em alguns casos, essa é a única solução.
ESPELHO
TOTAL: ALUNO:

Definir o direito à moradia; 25 12

Definir remoção forçada; 25

Discorrer acerca das possíveis teses de 50


defesa do direito à moradia em casos de
remoções ou ameaças de remoções forçadas;

COMENTÁRIOS

A questão versa sobre o direito a moradia.

Hoje, o direito à moradia está previsto expressamente como direito social no art.
6º da CF/88. Porém, ele não está lá desde 1988.

CAPÍTULO II DOS DIREITOS SOCIAIS


Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

O professor Pedro Lenza, em seu Curso de Direito Constitucional (2021, p.


1.848), que o direito à moradia foi previsto de modo expresso como direito
social pela EC n. 26/2000.

Apesar disso, o autor lembra que desde a promulgação da Constituição o direito


de moradia já estava amparado, pois, na dicção do art. 23, IX, todos os entes
federativos têm competência administrativa para promover programas de
construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de
saneamento básico.
Nesse sentido:
(...) Apesar dessa incorporação tardia ao texto, desde a
promulgação da Constituição o direito de moradia já estava
13
amparado, pois, na dicção do art. 23, IX, todos os entes
federativos têm competência administrativa para promover
programas de construção de moradias e melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico. Também,
partindo da ideia de dignidade da pessoa humana (art. 1.º,
III), direito à intimidade e à privacidade (art. 5.º, X) e de ser
a casa asilo inviolável (art. 5.º, XI), não há dúvida de que o
direito à moradia busca consagrar o direito à habitação
digna e adequada, tanto é assim que o art. 23, X,
estabelece ser atribuição de todos os entes federativos
combater as causas da pobreza e os fatores de
marginalização, promovendo a integração social dos
setores desfavorecidos. (LENZA, Pedro, 2021, p. 1.848).

Primeiramente, é importante destacar que o art. 11, §1o, do PIDESC estabelece


que os Estados partes “reconhecem o direito de todos a um padrão de vida
adequado para si e sua família, incluindo alimentação, vestuário e habitação, e
para a melhoria contínua das condições de vida”.

O direito humano à moradia adequada é, portanto, derivado do direito a um


padrão de vida adequado, pois interfere diretamente no gozo de todos os
direitos econômicos, sociais e culturais. Por isso, costuma-se dizer que o direito
à moradia é a porta de entrada para os outros direitos.

Vale lembrar que o Comentário Geral no 7o do PIDESC (Pacto Internacional


sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) trata do direito à moradia, mas
com enfoque na proteção contra os despejos forçados.
Segurança jurídica da posse: A posse assume uma variedade de formas, como
o aluguel (público e privado), a moradia em cooperativa, o arrendamento, a
ocupação pelo próprio proprietário, a moradia de emergência e assentamentos
informais, incluindo a ocupação da terra ou da propriedade.
14

Independentemente do tipo de posse, todas as pessoas devem possuir um grau


de segurança, que lhes garanta proteção legal contra despejo forçado, assédio
ou quaisquer outras ameaças. Os Estados Partes devem, portanto, tomar
medidas imediatas para conferir segurança jurídica da posse às pessoas e
propriedades que careçam atualmente de tal proteção, consultando
efetivamente as pessoas e grupos afetados, e levando em consideração seus
posicionamentos.

A bandeira do direito à moradia (considerada uma “porta de entrada” para os


outros direitos) ganhou destaque no Brasil entre 1970/80, através das lutas dos
movimentos sociais urbanos. Como consequência disso, a redação da
Constituição Federal de 1988 abarca a questão urbana em alguns dispositivos
(art. 21, XX; art. 24, I; art. 30, VIII; art. 156, I; art. 191; art. 216, V), além do
capítulo intitulado “Da política urbana” (art. 182 e 183).

Em 2001, entrou em vigor o Estatuto da Cidade (Lei Federal no. 10.257/2001),


que prevê o direito à moradia (art. 2°), como um direito que faz parte do
desenvolvimento das funções sociais da cidade. Neste mesmo ano, também
entrou em vigor a Medida Provisória n°. 2220, que regulamentou o direito à
concessão especial de uso para fins de moradia (art. 183, §1o da CF/88).

O direito à moradia é uma garantia constitucional (art. 5, §1°, da CF/88) e está


enumerado entre outros direitos sociais elencados no art. 6°, da CRFB/88. Para
que seja possível a realização da política urbana e a promoção das funções
sociais da cidade, são previstos importantes instrumentos, como as edificações
e obras, além dos Planos Diretores Municipais.
Esse amplo arcabouço legislativo visa ampliar o acesso à terra e diminuir
desigualdades espaciais. Não obstante, são crescentes os números de déficits
habitacionais, calculados através das seguintes categorias: habitação precária;
ônus excessivo com aluguel; coabitação familiar (cômodos cedidos ou
15
alugados); e adensamento urbano.

Durante a pandemia, a questão da moradia (ou a ausência dela) esteve na


ordem do dia. Nesse período, mais de 175 organizações, entidades,
movimentos sociais e coletivos lançaram a “Campanha Despejo Zero”, que
resultou na ADPF 828, em que a Defensoria do Rio de Janeiro participou como
amicus curiae, que o Ministro Barroso suspendeu, em junho de 2021, por seis
meses as ordens de remoção e despejos de áreas coletivas habitadas antes da
pandemia. Ele considerou que despejos em meio à crise da Covid-19 prejudica-
riam as famílias mais vulneráveis. No fim de 2021, o ministro prorrogou a
proibição de despejos até 31 de março de 2022. Depois, em uma terceira
decisão, deu prazo até 31 de junho e, por fim, estendeu a proibição até 31 de
outubro de 2022.

Muitos casos de remoções forçadas são associados à violência, como os


causados por conflitos armados internacionais, conflitos internos e violências
comunitárias ou étnicas. Em outros momentos, essas remoções podem ser
motivadas pela pressão do mercado imobiliário ou pela realização de grandes
eventos, que buscam projetar as cidades internacionalmente.

Nesse sentido, tem-se como exemplo o famoso e emblemático caso da Vila


Autódromo, em que uma série de moradores foram removidos para ceder
espaço para as obras das Olímpiadas, sendo o “Programa Minha Casa, Minha
Vida” utilizado como moeda de troca para realocar as famílias pobres para
regiões cada vez mais distantes do centro urbano, sendo esse processo
também conhecido como “gentrificação”.
Contudo, por vezes, essas remoções ocorrem sem fundamentos jurídicos, como
é o caso dos argumentos ambientais, que podem servir para os pobres que
vivem em um morro, mas não para os ricos que vivem em área semelhante,
mas em casas mais estruturadas.
16
QUESTÃO 03 Jonathan, pai da criança Juliana, de 07 anos, da qual a mãe
detém a guarda, pratica ato de violência doméstica e familiar contra a sua
filha, consistente em agressão sexual. Ao ser notificado acerca dos fatos pela
escola da criança, o Conselho Tutelar promove o afastamento do agressor do
17
lar, requerendo ao juiz a aplicação de medida protetiva de urgência de
proibição de aproximação da vítima.

Após tal fato, a menor é encontrada morta no lar de seu genitor que fora
preso em flagrante. Na Delegacia o autor do fato disse que “queria dar um
fim na filha para não ser julgado pela agressão sexual que cometeu contra
ela”.

Assim sendo, com base no caso, responda fundamentadamente.

A) Diante da situação, está correta a capacidade postulatória do conselho


tutelar?

B) Sendo o denunciante um educador escolar do menor, existe


possibilidade de medidas de segurança para o mesmo?

C) Discorra sobre qual crime(s) o genitor se enquadra. Destacando se


trata de crime hediondo e se há qualificadora e/ou aumento da pena.

PADRÃO DE RESPOSTA

a) De acordo com art. 14, § 1º da Lei 14.344/22, o Conselho Tutelar,


após recebida denúncia a respeito de abuso, deve postular junto a
autoridade. Além da possibilidade de representação pela medida protetiva de
afastamento do agressor do lar ou do local de convivência, é possível que o
Conselho Tutelar, a partir da análise particular de cada caso, requeira às
autoridades citadas a aplicação de medidas de urgência diversas (art. 16,
caput, da Lei Henry Borel) ou requeira a revisão de medidas já concedidas,
se entender necessário (art. 16, § 3º).
b) Sim, segundo a Lei nº 14.344 o ente público, estabelecerá meio de
proteção ao denunciante, conforme indica o caput do art. 24 da referida lei, e
antes mesmo do denunciante prestar as informações, poderá requerer que as
medidas de segurança sejam antes deferidas, de acordo com § 3º da mesma
lei. Tais medidas não dizem respeito somente ao momento da denúncia,
sofrendo ameaça ou coação após tê-lo feito, poderá requerer tais medidas. O
juiz pode ainda, de ofício ou a requerimento, providenciar medidas cautelares
18
direta ou indiretamente ligadas à eficácia da proteção.
c) Trata-se de homicídio qualificado, de acordo com art. 121, § 2º, inciso V
do Código Penal, uma vez que o homicídio ocorre para a impunidade do crime
de estupro de vulnerável. De acordo com as alterações na Lei de Crimes
Hediondo trazidas pela lei Henry Borel, o crime de homicídio contra menores
de 14 anos é considerado crime hediondo, com pena aumentada em 2/3 uma
que vez o autor do crime é o genitor do mesmo.

ESPELHO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Trabalhar a possibilidade de denúncia pelo 25


Conselho Tutelar

Explicar a proteção ao denunciante conforme Lei 25

Definição do crime de homicídio qualificado pela 25


alteração na Lei de Crimes Hediondos

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 25

COMENTÁRIOS

Proteção à Criança: mecanismos

Conforme preceitua a própria Constituição, a proteção à criança é um


dever não somente como sociedade, mas do Estado. Tal informação encontra-
se no art. 227 da Constituição Federal "É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão"
19

A criação do Estatuto da Criança e do Adolescente foi um importante


marco no reconhecimento da necessidade promoção da proteção a criança e
infância, sendo comentada no cenário internacional como referência em
implementação da Convenção da ONU sobre os Direito da Criança. Tal
instrumento não foi medida suficiente para uma real implementação,
mostrando-se parcialmente ineficaz como como medida de proteção a criança.

Caráter pedagógico da pena

Crimes ocorridos de forma cruel e com grande comoção nacional, foram


meios incentivadores a alterações legislativas urgentes a fim de que fossem
coibidos através do caráter pedagógico da pena, caso da teoria eclética da
pena em que se deflagra a tríplice compreensão da pena: retribuição,
prevenção geral e prevenção especial. Ocorreu tal fenômeno em umas das
primeiras alterações da Lei de crimes hediondos, movida pela comoção
público com assassinato da atriz, Daniela Perez, incluindo o homicídio
qualificado no rol dos crimes hediondos.
A lei da palmada (Lei 13.010/2014), teve origem em caso de comoção
nacional do menor Boldrini, morto de forma cruel pela madrasta mesmo após
pedido pessoal ao judiciário feito pelo mesmo. Tal caso levantou
questionamentos sobre o dever enquanto sociedade com menores, assim a lei
assegura a crianças e adolescentes o direito de serem criados e educados
sem o uso de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante. É definido
como castigo físico o uso da força física que resulta em sofrimento ou lesão
física, mesmo que disponha de natureza disciplinar ou corretiva. Tratamento
cruel ou degradante é considerada a conduta que humilha, a ameaça grave ou
a postura que ridicularize. A lei da palmada foi uma primeira fonte de limitação
do poder familiar por parte do Estado.
Ainda assim, outro caso de comoção nacional foi fonte de uma grande e
urgente alteração. O caso recente da morte do menor Henry Borel por seu
padrasto. O jovem residindo com mãe e padrasto sofria maus tratos dos quais
sua genitora tinha ciência, ocasionando no seu falecimento.
20
A alteração que a Lei Henry Borel trouxe para o Direito de Família e para o
Direito Penal foram significativas, diante de anos de evoluções na promoção
dos direitos e proteção á criança, o ponto significativo foi tornar homicídio
praticado contra menor de 14 anos crime hediondo.
Ponto importante que merece análise, fala sobre o dever de comunicação,
impulsionado pelo caso concreto do jovem Henry que havia buscado ajuda,
porém sem efetividade. O art. 23 da Lei indica como dever a comunicação de
fato que constitua violência doméstica e familiar contra a criança e o
adolescente. Ademais, em seu art. 26 impõe como crime a não comunicação
de tal ocorrência as autoridades.

Conselho Tutelar
A Lei trouxe mais autonomia ao Conselho Tutelar, em seu art. 14, no qual
o Conselho Tutelar pode representar às autoridade e requerer imediato
afastamento do agressor, do lar ou convivência, além de outras medidas:
XIII - adotar, na esfera de sua
competência, ações articuladas e efetivas
direcionadas à identificação da agressão, à
agilidade no atendimento da criança e do
adolescente vítima de violência doméstica e
familiar e à responsabilização do agressor;
(Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022)

XIV - atender à criança e ao


adolescente vítima ou testemunha de
violência doméstica e familiar, ou submetido
a tratamento cruel ou degradante ou a
formas violentas de educação, correção ou
disciplina, a seus familiares e a
testemunhas, de forma a prover orientação
e aconselhamento acerca de seus direitos e
dos encaminhamentos necessários;
(Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022)
21

XV - representar à autoridade judicial ou


policial para requerer o afastamento do
agressor do lar, do domicílio ou do local de
convivência com a vítima nos casos de
violência doméstica e familiar contra a
criança e o adolescente; (Incluído pela Lei
nº 14.344, de 2022)

XVI - representar à autoridade judicial


para requerer a concessão de medida
protetiva de urgência à criança ou ao
adolescente vítima ou testemunha de
violência doméstica e familiar, bem como a
revisão daquelas já concedidas; (Incluído
pela Lei nº 14.344, de 2022) Vigência

XVII - representar ao Ministério Público


para requerer a propositura de ação
cautelar de antecipação de produção de
prova nas causas que envolvam violência
contra a criança e o adolescente; (Incluído
pela Lei nº 14.344, de 2022)

XVIII - tomar as providências cabíveis,


na esfera de sua competência, ao receber
comunicação da ocorrência de ação ou
omissão, praticada em local público ou
privado, que constitua violência doméstica e
familiar contra a criança e o adolescente;
(Incluído pela Lei nº 14.344, de 2022)

XIX - receber e encaminhar, quando for


22
o caso, as informações reveladas por
noticiantes ou denunciantes relativas à
prática de violência, ao uso de tratamento
cruel ou degradante ou de formas violentas
de educação, correção ou disciplina contra
a criança e o adolescente; (Incluído pela
Lei nº 14.344, de 2022)

XX - representar à autoridade judicial ou


ao Ministério Público para requerer a
concessão de medidas cautelares direta ou
indiretamente relacionada à eficácia da
proteção de noticiante ou denunciante de
informações de crimes que envolvam
violência doméstica e familiar contra a
criança e o adolescente. (Incluído pela
Lei nº 14.344, de 2022)

Parágrafo único. Se, no exercício de


suas atribuições, o Conselho Tutelar
entender necessário o afastamento do
convívio familiar, comunicará incontinenti o
fato ao Ministério Público, prestando-lhe
informações sobre os motivos de tal
entendimento e as providências tomadas
para a orientação, o apoio e a promoção
social da família. (Incluído pela Lei nº
12.010, de 2009) Vigência
Lei nº 9.099/95 (seu afastamento)

Determina o legislador o afastamento da Lei n. 9.099/95 do âmbito de


incidência dos crimes elencados no Estatuto da Criança e Adolescente.
23
Vejamos:

Art. 226. Aplicam-se aos crimes


definidos nesta Lei as normas da
Parte Geral do Código Penal e,
quanto ao processo, as pertinentes
ao Código de Processo Penal.
(Estatuto da Criança e
Adolescente). § 1º Aos crimes
cometidos contra a criança e o
adolescente, independentemente
da pena prevista, não se aplica a
Lei nº 9.099, de 26 de setembro de
1995.

Há um impasse devido a esta determinação legal, a Lei Henry Borel, em que


pese não falar, expressamente, sobre a competência judiciária, no seu art. 33
determina que, com relação aos procedimentos previstos em seu bojo, deverão
ser aplicadas, subsidiariamente, as disposições do Estatuto da Criança e do
Adolescente, da Lei Maria da Penha e da Lei Federal n. 13.431/2017, vejamos:
Art. 33. Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente,
no que couber, as disposições das Leis nºs 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente), 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei
Maria da Penha), e 13.431, de 4 de abril de 2017).

Por outro lado, a Lei Maria da Penha traz dispositivo que indica que "enquanto
não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para
conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e
familiar contra a mulher" (artigo 33 da LMP, sem grifo no original). Esse mesmo
artigo serve como bússola para a definição da competência judicial para
apreciação das medidas protetivas da Lei Henry Borel, isto é, até a criação das
varas especializadas em crimes contra a criança e o adolescente, as varas
24
criminais comuns acumularão, portanto, a competência para apreciar medidas
de natureza cível e criminal.
Assentada a competência da vara criminal para apreciação das medidas
protetivas de urgência da Lei Henry Borel quando o agressor for imputável,
pelas mesmas razões, as varas da infância e juventude serão competentes tão
somente quando o autor da violência for menor de 18 anos, tal como já ocorre
nas medidas protetivas de urgência da lei Maria da Penha. Sobre as medidas
protetivas de urgência da Lei Maria da Penha, o Fórum da Justiça Juvenil
possui enunciado: Enunciado 31: Sendo o adolescente o autor da violência, o
Juízo da Infância e Juventude é competente para analisar o pedido de medidas
protetivas previstas na Lei n.º 11.340/06 (Lei Maria da Penha).
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em embargos
de divergência julgados no dia 26/10/2022, que, nas comarcas em que não
houver vara especializada em crimes contra criança e adolescente, prevista no
artigo 23 da Lei nº 13.431/2017, os casos de estupro com vítimas menor,
cometidos no ambiente doméstico e familiar, deverão ser processados e
julgados nas varas especializadas em violência doméstica e, somente na
ausência destas, nas varas criminais comuns. A competência para apreciar as
medidas protetivas de urgência da Lei Henry Borel, por excelência, será da
Vara Especializada em Crimes contra a Criança e o Adolescente e, na sua
falta, da Vara Criminal Comum, ressalvados os casos em que haja violência
doméstica contra meninas em razão do gênero feminino e, nos casos de
estupro com vítimas menor, cometidos no ambiente doméstico e familiar, os
quais deverão ser processados e julgados nas varas especializadas em
violência doméstica.
QUESTÃO 04 Uma comunidade indígena brasileira vem sofrendo diversas
violações em seu território, com invasões em sua terra, impedimentos de
realização de seus rituais sagrados e ridicularização de sua cultura. A
comunidade sofreu invasões e tomada de parte de seu território por parte de
fazendeiros locais e, ao suscitar ajuda aos entes federativos, estes nada
fizeram em seu favor. 25

Comente o caso narrado apontando as violações constitucionais e legais


ocorridas, bem como as possíveis medidas que devem ser tomadas pelo
Estado brasileiro para a proteção do povo indígena em situação de
vulnerabilidade.

PADRÃO DE RESPOSTA
O reconhecimento das terras indígenas está diretamente relacionado com a
condição de indígena, consoante disposto nos artigos 231 e 232 da
Constituição Federal. Referida condição se estabelece por meio de
comunidades culturais e não se funda no fator biológico, que está atualmente
superado.
As previsões constitucionais acerca dos direitos dos indígenas, em
especial a superação da concepção integracionista e de assimilação
natural, adotadas pelo Estatuto do Índio, são elogiados pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. Critica-se, porém, o fato de que as
áreas indígenas no Brasil são bens da União e não das comunidades
indígenas.
Assim, a incapacidade do Brasil em assegurar a propriedade e a posse
pacíficas da terra indígena constitui violação ao artigo 21, em conexão com os
artigos 1.1 e 2, todos da Convenção Americana, a partir da ratificação pelo
Brasil, que se deu em 25.09.1992.
Em virtude da insegurança e da violência sofridas pelos índios, decorrentes da
falta de reconhecimento oportuno, da falta de proteção eficaz e a ineficácia da
desintrusão, considera-se violado também o disposto no artigo 5.1 da
Convenção Americana e nos arts. 231 e 232 da CRFB.
Seriam possíveis as seguintes recomendações para o Estado brasileiro: a)
adotar as medidas, inclusive administrativas e legislativas, para realizar a
desintrusão efetiva do território do Povo Indígena, permitindo que os membros
do povo indígena possam viver de forma pacífica o seu modo de vida
tradicional; b) reparar no âmbito individual e coletivo as consequências da
violação dos direitos dos indígenas, especialmente os danos provocados pela
demora no reconhecimento, demarcação e delimitação das terras, bem como a
falta de desintrusão do território ancestral; c) adotar as medidas necessárias
para evitar que no futuro ocorram fatos similares, em especial adotando um
recurso simples, rápido e efetivo que tutele o direitos dos povos indígenas
do Brasil.

ESPELHO
26
TOTAL: ALUNO:

Apontar os dispositivos constitucionais e legais 30


violados;
Mencionar que a CRFB atribui a titularidade 35
das terras indígenas à União e criticar essa
posição;
Apontar medidas cabíveis para a atuação do 35
Estado na prevenção e solução das violações
aos direitos dos povos indígenas;

COMENTÁRIOS

A CRFB concedeu hierarquia constitucional aos direitos dos povos indígenas


sobre suas terras, territórios e recursos. Segundo o artigo 20 da Constituição,
as áreas indígenas são propriedade da União, que concede a posse
permanente aos indígenas bem como o usufruto exclusivo dos recursos nelas
existentes.
Atualmente, está em vigência a Convenção 169, de 27.06.1989, da OIT, sobre
Povos Indígenas e Tribais, internalizada no Brasil pelo Decreto nº 5.051, de
19.04.2004, segundo a qual os governos, com a participação dos interessados,
devem proteger os direitos dos povos indígenas e garantir o respeito pela sua
integridade (artigo 2º da Convenção). A consciência acerca da identidade
indígena ou tribal é o critério fundamental para determinar a condição indígena.
A Constituição Federal de 1988, seguindo tendência mundial, reconheceu
diversos direitos aos índios, concernentes a “organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
O artigo 20, inciso XI, da Constituição Federal estabelece que as terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União. Aos índios, nos
termos do artigo 231, §2º, da CF, reserva-se a “posse permanente, cabendo-
lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas
existentes”. Porém, o artigo 14 da Convenção 169 da OIT é mais amplo e
garante também o direito de propriedade e não apenas a posse das terras
pelos indígenas. O artigo 14.2 complementa a disposição, salientando que
“Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para
determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e
garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse”.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao julgar o caso da Comunidade
Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua, sentença de 31.08.2001, § 151,
destacou que o direito consuetudinário dos povos indígenas deve ser levado
especialmente em conta. Salientou que, como produto do costume, a posse da
terra basta para que as comunidades indígenas obtenham o reconhecimento
oficial da propriedade e o consequente registro. Na ocasião, a Corte IDH
registrou (§ 149) que entre os indígenas existe uma tradição comunal de
propriedade coletiva da terra, que não se centra no indivíduo, mas no grupo e 27
sua comunidade. Acrescentou que a estreita relação dos indígenas com a terra
ancestral deve ser reconhecida e compreendida como a base fundamental da
cultura, da vida espiritual, da integridade e da sobrevivência econômica da
comunidade. O vínculo com a terra não é apenas econômico, mas necessário
para preservar o legado cultural. No caso da Comunidade Indígena
Sawhoyamaxa vs. Paraguai, sentença de 29.03.2006, § 128, a Corte IDH foi
ainda mais incisiva e afirmou que a posse tradicional dos indígenas sobre suas
terras equivale ao título de domínio expedido pelo Estado.
Vejamos o art. 231 da CRFB:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas
em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e
dos lagos nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais
energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só
podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as
comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da
lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os
direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad
referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que
ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após
deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno
imediato logo que cesse o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham
por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este
artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o
que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a
indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às
benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3º e 4º.
Notícia importante:
Washington, D.C.- A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
em 24 de abril de 2023 emitiu a Resolução 25/2023, por meio da qual
concedeu medidas cautelares em favor dos membros do Povo Indígena Pataxó
das Terras Indígenas Barra Velha e Comexatibá, na Bahia, Brasil, após
identificar que se encontram em situação de grave e urgente risco de dano
irreparável aos seus direitos.
O Povo Indígena Pataxó está composto por cerca de 12 mil pessoas, 28
distribuídas em 29 comunidades que alcançam os municípios de Porto Seguro,
Itamajuru, Itabela e Prado, no estado da Bahia, Brasil. Segundo a parte
solicitante, o Povo Pataxó vem enfrentando um cenário de "violência
continuada" desde junho de 2022 no marco de conflitos relacionados a
determinação do seu território. As pessoas beneficiárias teriam passado a
sofrer retaliações por meio de ameaças, cercos armados, tiroteios, difamação e
campanhas de desinformação, culminando em três assassinatos de indígenas,
entre eles dois adolescentes. Os alegados ataques seriam perpetrados por
"fazendeiros e milicianos" com o uso de armas de fogo e o suposto
envolvimento direto de forças de segurança do Estado nos eventos de risco.
O Estado reconheceu a situação de risco alegada, indicando que vem
adotando medidas enfrentá-la. Nesse sentido, indicou a criação e reforço de
força tarefa para impedir novos conflitos, a prisão de policiais militares
suspeitos dos homicídios de três indígenas Pataxós, apreensão de armas e
material bélico, reforço com guarnições as forças de segurança da região,
criação da Força Integrada de Combate a Crimes Comuns envolvendo Povos e
Comunidades tradicionais, apresentação do Plano de Atuação Integrada de
Enfrentamento à Violência contra Povos e Comunidades Tradicionais, entre
outros.
A Comissão avaliou positivamente as medidas adotadas pelo Estado para
responder à situação de risco, assim como para abordar a raiz da disputa de
território. Entretanto, observou que, apesar destas, a situação de risco das
pessoas beneficiárias do Povo Pataxó permanecia, indicando a continuidade
de um cenário de desproteção. Nesse sentido, a CIDH observou que várias
medidas propostas pelo Estado permaneciam pendentes de implementação,
como visita in loco por parte de missão instituída pelo Gabinete de Crise. Da
mesma forma, a Comissão não recebeu informações sobre medidas de
proteção concretas implementadas a favor dos líderes Pataxós inclusos no
Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humano.
Nos termos do artigo 25 de seu Regulamento, a CIDH decidiu conceder a
medida cautelar e solicitou ao Estado do Brasil que:
a. adote as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade
pessoal dos membros do Povo Indígena Pataxó conforme identificados,
inclusive de atos perpetrados por terceiros, levando em consideração a
pertinência cultural das medidas adotadas;

b. coordene as medidas a serem adotadas com as pessoas beneficiárias e


seus representantes; e

c. informe sobre as ações adotadas para a investigação dos fatos que


motivaram a adoção desta medida cautelar e, assim, evitar sua
repetição.
A concessão da medida cautelar e sua adoção pelo Estado não constitui um
pré-julgamento de uma eventual petição perante o Sistema Interamericano em
que se alegue violações dos direitos protegidos na Convenção Americana e em
outros instrumentos aplicáveis.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados
Americanos (OEA), cujo mandato deriva da Carta da OEA e da Convenção 29
Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem o
mandato de promover a observância e a defesa dos direitos humanos na
região e atua como um órgão consultivo da OEA nessa matéria. A CIDH é
composta por sete membros independentes que são eleitos pela Assembleia
Geral da OEA em sua capacidade pessoal e não representam seus países de
origem ou residência.
QUESTÃO 05 Pedro, acometido de doença grave, necessita fazer uso
contínuo do medicamento X sob risco de agravamento do seu quadro de
saúde e óbito. Sem condições de arcar com a compra dos referidos
medicamentos, Pedro procura o Núcleo de Primeiro Atendimento da
Defensoria Pública de Niterói, município de sua residência, munido de
prescrição médica que atestava a imprescindibilidade do uso contínuo de tais 30
medicamentos em face da gravidade do seu quadro de saúde. Assistido pela
Defensoria Pública, Pedro ingressou com ação judicial na Justiça Estadual,
postulando a condenação do Município de Niterói e do Estado do Rio de
Janeiro ao fornecimento do medicamento X, indispensável à manutenção de
sua saúde e própria vida. Em sede de contestação, o Município pleiteou sua
ilegitimidade passiva, alegando ser responsabilidade da União. Comente sobre
o caso narrado esclarecendo, conforme posicionamento jurisprudencial atual,
de quem será a competência para a ação narrada.

PADRÃO DE RESPOSTA
Conforme entendimento do STF, os três entes federativos possuem
responsabilidade (União, Estados/DF e Municípios).
O STF firmou entendimento de que a atuação do Poder Judiciário seja regida
pelos seguintes parâmetros: (i) nas demandas judiciais envolvendo
medicamentos ou tratamentos padronizados: a composição do polo passivo
deve observar a repartição de responsabilidades estruturada no Sistema Único
de Saúde, ainda que isso implique deslocamento de competência, cabendo ao
magistrado verificar a correta formação da relação processual, sem prejuízo da
concessão de provimento de natureza cautelar ainda que antes do
deslocamento de competência, se o caso assim exigir; (ii) nas demandas
judiciais relativas a medicamentos não incorporados: devem ser processadas e
julgadas pelo Juízo, estadual ou federal, ao qual foram direcionadas pelo
cidadão, sendo vedada, até o julgamento definitivo do Tema 1234 da
Repercussão Geral, a declinação da competência ou determinação de inclusão
da União no polo passivo; (iii) diante da necessidade de evitar cenário de
insegurança jurídica, esses parâmetros devem ser observados pelos processos
sem sentença prolatada; diferentemente, os processos com sentença prolatada
até a data da decisão devem permanecer no ramo da Justiça do magistrado
sentenciante até o trânsito em julgado e respectiva execução.

ESPELHO
TOTAL: ALUNO:

Esclarecer que a competência para o 30


fornecimento de medicamentos é solidária
entre os entes federativos;
Discorrer sobre o posicionamento do STF no 30
Tema de Repercussão Geral nº 1234;
Explicitar os parâmetros abordados pelo STF 40
para o critério de definição da competência.

31

COMENTÁRIOS

A questão versa sobre o Tema de Repercussão Geral nº 1234. Recurso


extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 23, II, 109, I, 196, 197 e 198,
I, da Constituição Federal, a obrigatoriedade de a União constar do polo
passivo de lide que verse sobre a obtenção de medicamento ou tratamento não
incorporado nas políticas públicas do SUS, embora registrado pela Anvisa.
Considerando o arcabouço institucional que o Legislador, no exercício de sua
liberdade de conformação, deu ao Sistema Único de Saúde, a Jurisprudência
pátria avançou no conceito de solidariedade. A solidariedade, entretanto, é
ainda um conceito em desenvolvimento, inclusive no âmbito do Tema de
Repercussão Geral. Com efeito, o Min. Edson Fachin, no voto condutor do
Tema 793, notou a necessidade de aprimoramento da jurisprudência quanto à
solidariedade como a "possibilidade de dar um passo à frente para racionalizar
o sistema do SUS, conferir-lhe eficiência, incluindo a economia (com menos
recursos, obter melhores resultados)."
Ressalve-se que, a tese firmada com o Tema 793 não aludiu a uma
solidariedade irrestrita, mas à compartimentalização de responsabilidades à luz
da estrutura do SUS. Em outras palavras, embora a solidariedade quanto às
prestações na área da saúde seja um conceito em desenvolvimento, inclusive
no âmbito do STF, as demandas judiciais em que se pleiteia medicamentos
padronizados devem ser direcionadas aos entes por eles responsáveis no
âmbito da política pública. Solução em sentido contrário implicaria a completa
desorganização da política pública, com a formação do polo passivo baseada
em mero elemento de vontade da parte autora, em aceno de desrespeito à
política pública e de incentivo ao ente federativo faltoso no cumprimento de
suas obrigações legais.
É nesse contexto que sobreleva a importância de se trabalhar a competência
para demandar medicamentos registrados na ANVISA mas não incorporados
pelo SUS. A questão foi objeto do Recurso Extraordinário (RE) 1366243, que,
por unanimidade, teve repercussão geral reconhecida (Tema 1.234).
O STF referendou a decisão antecipatória, no sentido de conceder
parcialmente o pedido formulado em tutela provisória incidental, para
estabelecer que, até o julgamento definitivo do Tema 1234 da Repercussão
Geral, a atuação do Poder Judiciário seja regida pelos seguintes parâmetros:
(i) nas demandas judiciais envolvendo medicamentos ou tratamentos
padronizados: a composição do polo passivo deve observar a repartição de
responsabilidades estruturada no Sistema Único de Saúde, ainda que isso
implique deslocamento de competência, cabendo ao magistrado verificar a
correta formação da relação processual, sem prejuízo da concessão de
provimento de natureza cautelar ainda que antes do deslocamento de
competência, se o caso assim exigir;
(ii) nas demandas judiciais relativas a medicamentos não incorporados: devem
ser processadas e julgadas pelo Juízo, estadual ou federal, ao qual foram
direcionadas pelo cidadão, sendo vedada, até o julgamento definitivo do Tema
1234 da Repercussão Geral, a declinação da competência ou determinação de
inclusão da União no polo passivo; 32
(iii) diante da necessidade de evitar cenário de insegurança jurídica, esses
parâmetros devem ser observados pelos processos sem sentença prolatada;
diferentemente, os processos com sentença prolatada até a data desta decisão
(17 de abril de 2023) devem permanecer no ramo da Justiça do magistrado
sentenciante até o trânsito em julgado e respectiva execução (adotei essa
regra de julgamento em: RE 960429 ED-segundos Tema 992, de minha
relatoria, DJe de 5.2.2021);
(iv) ficam mantidas as demais determinações contidas na decisão de
suspensão nacional de processos na fase de recursos especial e
extraordinário".

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO


DE COMPETÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. DISPENSAÇÃO DE
MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO AO SUS. REGISTRO NA ANVISA.
TEMA 793 DA REPERCUSSÃO GERAL. SOLIDARIEDADE ENTRE OS
ENTES DA FEDERAÇÃO. OCORRÊNCIA. INTERESSE JURÍDICO DA
UNIÃO. EXAME. JUSTIÇA FEDERAL. CONFLITO NEGATIVO DE
COMPETÊNCIA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.
INEXISTÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. COMPETÊNCIA.
1. O STF, embora tenha mantido a orientação dominante nas Cortes
Superiores acerca da responsabilidade solidária dos entes federados em
matéria de saúde, com fundamento nos arts. 23, II, e 198 da CF/1988,
quando julgou os EDcl no RE n. 855.178/SE (Tema 793), acabou inovando o
cenário jurídico, ao exigir, de forma expressa, que o magistrado direcione o
cumprimento da obrigação, segundo as normas de repartição de
competências do SUS, assim como determine à pessoa política legalmente
responsável pelo financiamento da prestação sanitária ressarcir a quem
suportou tal ônus.
2. Essa mudança de cenário, por sua vez, acarretou uma divergência de
interpretação do Tema 793 do STF entre as Justiças estadual e Federal e fez
renascer a discussão relacionada à natureza do litisconsórcio formado em
tais casos, há muito pacificada nos tribunais superiores.
3. Não obstante o disposto nos arts. 109, I, da CF/1988 e 45 do CPC/2015,
bem como o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça nas
Súmulas 150 e 254, imensa quantidade de conflitos de competência a
respeito da aludida matéria começou a chegar diariamente a esta Corte de
Justiça, notadamente após o julgamento do Tema 793 (Emb. Decl. no RE
855.178/SE) pelo STF.
4. No julgamento do Tema 793, o STF não avançou nas questões de
natureza processual que normalmente são debatidas no âmbito do conflito de
competência, a título de exemplo: a) a maneira como a União irá assumir a
posição de parte nos processos relativos à saúde, vale dizer, a modalidade
de intervenção, b) a competência estabelecida no art. 109, I, da CF/1988
(ratione personae) e c) o juízo competente para decidir sobre eventual
formação de litisconsórcio passivo.
5. A Primeira Seção desta Corte de Justiça, com fulcro nos arts. 947 do
Código de Processo Civil/2015 e 271-B do RISTJ, afetou os Conflitos de
Competência n. 187.276/RS, 187.533/SC e 188.002/SC à sistemática do
incidente de assunção de competência (IAC 14), para definir o juízo 33
competente para o julgamento de demanda relativa à dispensação de
tratamento médico não incluído nas políticas públicas, sendo o conflito de
competência a via adequada para dirimir a questão de direito processual
controvertida.
6. A controvérsia objeto do RE 1.366.243/SC - Tema 1234 do STF - não
prejudica o exame da temática delimitada no IAC 14/STJ por esta Corte de
Justiça, já que a suspensão ali determinada é dirigida aos recursos especiais
e recursos extraordinários em que haja discussão sobre a necessidade de
inclusão da União no polo passivo da demanda.
7. Embora seja possível aos entes federais organizarem-se de maneira
descentralizada com relação às políticas públicas na área da saúde, essa
organização administrativa não afasta o dever legal de o Estado (latu sensu)
assegurar o acesso à medicação ou ao tratamento médico a pessoas
desprovidas de recursos financeiros, em face da responsabilidade solidária
entre eles. Em outras palavras, a possibilidade de o usuário do SUS escolher
quaisquer das esferas de poder para obter a medicação e/ou os insumos
desejados, de forma isolada e indistintamente - conforme ratificado pelo
próprio STF no julgamento do Tema 793 -, afasta a figura do litisconsórcio
compulsório ou necessário, por notória antinomia ontológica.
8. A dispensação de medicamentos é uma das formas de atender ao direito à
saúde, que compõe a esfera dos direitos fundamentais do indivíduo, mas não
é, em si, o objeto principal da obrigação de prestar assistência à saúde de
que trata o art. 196 da Constituição Federal.
9. As regras de repartição de competência administrativa do SUS não devem
ser invocadas pelos magistrados para fins de alteração do polo passivo
delineado pela parte no momento do ajuizamento da demanda, mas tão
somente para redirecionar o cumprimento da sentença ou de determinar o
ressarcimento da entidade federada que suportou o ônus financeiro no lugar
do ente público competente, nos termos do decidido no julgamento do Tema
793 do STF.
10. O julgamento do Tema 793 do STF não modificou a regra de que
compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que
justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas
públicas (Súmula 150 do STJ), bem como de que não cabe à Justiça
estadual reexaminar a decisão, manifestando-se contrariamente (Súmula 254
do STJ).
11. Quanto ao ônus financeiro da dispensação do medicamento, insumos e
tratamentos médicos, nada impede que o ente demandado se valha do
estatuído no art. 35, VII, da Lei n. 8.080/1990, que prevê a possibilidade de
"ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de
governo" caso, ao final, demonstre não ser sua a atribuição para o
fornecimento do fármaco, assim como do disposto nos arts. 259, parágrafo
único, 285 do Código Civil/2002 e 23 do Decreto n. 7.508/2011.
12. Ainda que haja entraves burocráticos para o ressarcimento, a solução
para o problema não é transferir a demanda para a Justiça Federal em
situações em que isso não é cabível, ao arrepio da legislação processual civil
e da Constituição Federal, sob pena de impor diversos obstáculos ao
paciente que depende de fármaco e/ou tratamento médico urgente para
evitar o agravamento de sua doença ou até mesmo o risco de morte. 34
13. Quando o magistrado determinar que a obrigação de fornecer
medicamento fora da lista do SUS seja cumprida por determinado ente
público, nada impede que, posteriormente, reconheça-se a possibilidade de
ressarcimento por outro, caso se entenda ser deste último o dever de
custeio. Precedente do STJ.
14. A jurisprudência desta Corte, consolidada no REsp n. 1.203.244/SC, no
sentido de inadmitir o chamamento ao processo dos demais devedores
solidários em demandas de saúde contra o SUS, na forma do art. 130 do
CPC/2015, deve ser mantida, exceto se houver posterior pronunciamento do
STF em sentido contrário.
15. Solução do caso concreto: na hipótese, a parte autora escolheu litigar
contra o Estado do Rio Grande do Sul e o Município de Vacaria. Contudo, o
Juiz estadual determinou a remessa dos autos à Justiça Federal, por
entender que a União deve figurar no polo passivo da demanda, sem que
haja nenhuma situação de fato ou de direito que imponha a formação de
litisconsórcio passivo necessário, de modo que a ação deve ser processada
na Justiça estadual.
16. Tese jurídica firmada para efeito do artigo 947 do CPC/2015:
a) Nas hipóteses de ações relativas à saúde intentadas com o objetivo de
compelir o Poder Público ao cumprimento de obrigação de fazer consistente
na dispensação de medicamentos não inseridos na lista do SUS, mas
registrado na ANVISA, deverá prevalecer a competência do juízo de acordo
com os entes contra os quais a parte autora elegeu demandar;
b) as regras de repartição de competência administrativas do SUS não
devem ser invocadas pelos magistrados para fins de alteração ou ampliação
do polo passivo delineado pela parte no momento da propositura da ação,
mas tão somente para fins de redirecionar o cumprimento da sentença ou
determinar o ressarcimento da entidade federada que suportou o ônus
financeiro no lugar do ente público competente, não sendo o conflito de
competência a via adequada para discutir a legitimidade ad causam, à luz da
Lei n. 8.080/1990, ou a nulidade das decisões proferidas pelo Juízo estadual
ou federal, questões que devem ser analisada no bojo da ação principal.
c) a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88, é
determinada por critério objetivo, em regra, em razão das pessoas que
figuram no polo passivo da demanda (competência ratione personae),
competindo ao Juízo federal decidir sobre o interesse da União no processo
(Súmula 150 do STJ), não cabendo ao Juízo estadual, ao receber os autos
que lhe foram restituídos em vista da exclusão do ente federal do feito,
suscitar conflito de competência (Súmula 254 do STJ).
17. Conflito de competência conhecido para declarar competente para o
julgamento da causa o Juízo de Direito da Vara da Fazenda Pública de São
José/SC.
(CC n. 188.002/SC, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado
em 12/4/2023, DJe de 18/4/2023.)

Após a decisão, o TJRJ editou o Comunicado nº 23 acerca do tema.


Vejamos:
COMUNICADO TJ Nº 23/ 2023
O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE 35
JANEIRO, Desembargador RICARDO RODRIGUES CARDOZO, no uso de
suas atribuições legais,
COMUNICA a todos os Desembargadores e Juízes do Estado do Rio de
Janeiro, especialmente aos Juízos de 1º grau e às Turmas Recursais de
Juizados Especiais, bem como aos membros do Ministério Público, da
Defensoria Pública, das Procuradorias do Estado e dos Municípios, advogados,
servidores e demais interessados que o Plenário do E. Supremo Tribunal
Federal, no Recurso Extraordinário n. 1366243 TPI/SC, referendou decisão
proferida em 17/04/2023 para conceder parcialmente o pedido incidental de
tutela provisória formulado pelo CONPEG, com fundamento no art. 300 do
Código de Processo Civil, para estabelecer que, até o julgamento definitivo do
Tema 1234 da Repercussão Geral , a atuação do Poder Judiciário seja regida
pelos seguintes parâmetros:
“(i) nas demandas judiciais envolvendo medicamentos ou
tratamentos padronizados: a composição do polo passivo deve observar a
repartição de responsabilidades estruturada no Sistema Único de Saúde, ainda
que isso implique deslocamento de competência, cabendo ao magistrado
verificar a correta formação da relação processual, sem prejuízo da concessão
de provimento de natureza cautelar ainda que antes do deslocamento de
competência, se o caso assim exigir;
(ii) nas demandas judiciais relativas a medicamentos não incorporados: devem
ser processadas e julgadas pelo Juízo, estadual ou federal, ao qual foram
direcionadas pelo cidadão, sendo vedada, até o julgamento definitivo do Tema
1234 da Repercussão Geral, a declinação da competência ou determinação de
inclusão da União no polo passivo;
iii) diante da necessidade de evitar cenário de insegurança jurídica, esses
parâmetros devem ser observados pelos processos sem sentença
prolatada; diferentemente, os processos com sentença prolatada até a data
desta decisão (17 de abril de 2023) devem permanecer no ramo da Justiça do
magistrado sentenciante até o trânsito em julgado e respectiva execução
(adotei essa regra de julgamento em: RE 960429 ED-segundos Tema 992, de
minha relatoria, DJe de 5.2.2021);
iv) ficam mantidas as demais determinações contidas na decisão de suspensão
nacional de processos na fase de recursos especial e extraordinário. ”
QUESTÃO 06 Em um domingo nublado, Pedro, Thiago e João, munidos de
autorização prévia do IBAMA para uma caçada esportiva de javali no interior
do Estado do Rio de Janeiro, saíram cedo para a empreitada. Mesmo com
condições climáticas desfavoráveis, eles seguiram seu plano. Após quase
duas horas de caminhada, Pedro avistou o que ele acreditava ser um grupo de
javalis. Movido pela empolgação, Pedro começou a realizar disparos com sua 36
arma de fogo em direção ao que ele pensava serem os animais. No entanto,
após Tiago começar a gritar, Pedro parou imediatamente de atirar e, ao
verificar a situação, percebeu que havia atingido Thiago, causando ferimentos
graves que resultaram em seu falecimento no local.

Levando em consideração essa situação, pode-se argumentar que Pedro agiu


em erro de tipo? Por qual crime Pedro vai responder? Explique sua resposta.

PADRÃO DE RESPOSTA

A questão narra um típico exemplo de erro de tipo. Estamos diante de um erro


de tipo essencial. No erro de tipo o agente tem uma falsa percepção da
realidade. No caso, Pedro considerava estar alvejando o grupo de javali e não
o seu amigo Thiago. Pedro age em erro de tipo inescusável, ou seja, o erro
decorre da culpa do agente, pois ele não empregou cautela ao efetivar os
disparos (art. 20 do CP). O erro de tipo inescusável exclui o dolo da conduta do
agente, por isso, Pedro irá responder por homicídio culposo (art. 121, §3º, do
CP).

ESPELHO

Total: Aluno:

I Estrutura, domínio linguístico e utilização dos termos 20


técnicos

II Erro de tipo essencial (art. 20 do CP) 40

III Pedro vai responder por homicídio culposo 40

Total 100

COMENTÁRIOS
Futuros residentes, este tema é cobrado nas provas de concurso. Em especial
a diferença entre erro de tipo e erro de proibição.
Segundo Cleber Masson, “erro e tipo é a falsa percepção da realidade acerca
dos elementos constitutivos do tipo penal. Extrai-se essa conclusão do art. 20,
caput, do Código Penal, que somente menciona as elementares. È o chamado
37
erro de tipo essencial”.
Assim, no erro de tipo o agente não sabe o que faz. O erro de tipo pode ser:
essencial ou acidental. No erro de tipo essencial o agente ignora ou erra sobre
elemento constitutivo do tipo penal. E nele, quando a agente é comunicado
sobre o erro ele para imediatamente a ação (art. 20, caput, do CP). Por outro
lado, o erro de tipo acidental recai sobre elementos secundários do tipo penal.
E quando comunicado do erro o agente prossegue com a sua conduta.

Na questão em comento estamos tratando do erro essencial. É imperioso


mencionar que o erro do tipo essencial pode ser:

Erro de tipo essencial inevitável Erro de tipo essencial evitável


é modalidade de erro que não deriva é modalidade de erro que decorre da
de culpa do agente, ou seja, mesmo culpa do agente, ou seja, se ele
quando o agente tivesse agido com empregasse cautela poderia evitar o
prudência, ainda assim, não seria resultado. Logo, o agente seria capaz
possível evitar a falsa percepção da de compreender o caráter criminoso
realidade sobre os elementos do tipo. do fato.

→ EFEITOS:

O erro de tipo, evitável ou inevitável, gera como consequência a exclusão do


dolo. O erro de tipo evitável ou inescusável exclui o dolo, mas permite a
punição por crime culposo, desde que previsto em lei. É o caso do nosso
agente da questão. O Pedro vai responder por homicídio culposo.

Por fim, é importante conhecer a diferença entre erro de tipo e erro de


proibição:

No erro de proibição não há falsa percepção da realidade. Aqui, o agente não


sabe que a sua conduta é ilícita. Segundo Francisco de Assis Toledo: “Dá-se o
erro sobre a ilicitude do fato ou erro de proibição (direto) sempre que o agente
supõe praticar uma conduta legal ou legítima, mas que em verdade configura
ilícito penal. Enfim, há erro de proibição sempre que o autor carecer da
consciência da ilicitude do fato. Ou, como diz Francisco de Assis Toledo, há
erro de proibição quando o agente realiza uma conduta proibida, seja por
desconhecer a norma proibitiva, seja por conhecê-la mal, seja por não
compreender o seu verdadeiro âmbito de incidência. (...) No erro de proibição,
portanto, o agente erra quanto ao caráter proibido de sua conduta, ao
supor lícita uma ação ilícita”. (...) (grifos nossos) 38

A consequência do erro de proibição é a diminuição da pena. CUIDADO!


Erro sobre a ilicitude do fato
Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do
fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a
um terço.
Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite
sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas
circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

Essa questão tem como inspiração um caso que ocorreu recentemente no


Estado de São Paulo, veja as reportagens:

https://www.maisgoias.com.br/brasil/homem-mira-em-javali-mas-mata-amigo-
com-tiro-durante-cacada/
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/05/07/homem-morte-
pindamonhangaba.htm

COMO O TEMA VEM SENDO COBRADO NAS PROVAS PARA DEFENSOR


PÚBLICO?
DPE-PI – CESPE - 2022
Fernando estava sentado no banco de uma praça, jogando dominó quando
visualizou uma pessoa com capacete e viseira escura fechada e que
gesticulava, dando mostras de irritação. De repente, essa pessoa correu em
sua direção e Fernando, acreditando que seria atacado, precipitadamente,
pegou uma pedra e arremessou contra o desconhecido. Devido a sua má
pontaria, Fernando errou o homem e acertou uma criança, que passava pelo
local. A criança faleceu em decorrência da pedrada. Nesse momento, o homem
tirou o capacete e Fernando o reconheceu. Era Roberto, seu primo. Como não
se viam há muito tempo, Roberto queria apenas lhe dar um abraço acalorado
quando correu em sua direção.
Considerando o disposto no Código Penal, assinale a opção correta, acerca da
situação hipotética apresentada.
Fernando, em aberratio ictus, poderá ser responsabilizado pelo homicídio 39
culposo, diante do erro de tipo permissivo vencível, que exclui o dolo, mas não
a culpa, em atenção à teoria limitada da culpabilidade.

DPE – RS – CESPE – 2022


Acerca da estrutura analítica do crime, julgue o item a seguir.
O erro de tipo tem como consequência jurídica a exclusão do dolo enquanto
elemento subjetivo, sendo vedada, nesse caso, a responsabilização penal do
agente por crime culposo.
ERRADA.
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA
A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

1
W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA


A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

Olá Futuro(a) Residente Jurídico(a) da DPE-RJ,

Você está recebendo hoje a sétima rodada de conteúdo direcionado e


preparatório para o concurso de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro. Já passamos da metade das rodadas! Você se
saiu bem? Continuamos com todo o cuidado na seleção de cada tema. Por
aqui continuamos buscamos identificar os assuntos de maior relevância na
atuação prática na Defensoria Pública, temas que são quentes e podem ser
questão do seu certame!

Esta é a sétima rodada de dez. Ao total serão aproximadamente sessenta


questões! O objetivo é treiná-los para prova, então vocês devem tentar
resolver as questões antes de partirem para a leitura do espelho. O
espelho é instrumento essencial para você se aprofundar nos temas,
contudo, antes de abri-lo, treine com o caderno de questões!

Desejamos sorte neste seu objetivo e que este material possa continuar te
ajudar a alcançar a função de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro!

Qualquer dúvida, não deixe de nos procurar! Até breve,

Coordenação da turma

PRISCI LA COT TA
ANALISTA PROCESSU AL DA DPE-RJ
EX-RESIDENTE J URÍDICA DA DPE-RJ
RAONI ARAUJ O
COORDENADOR ACADÊMICO DO PED
MESTRE PELA FND/UFRJ

2
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARAA PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA – RODADA VII

ESPELHO

1
QUESTÃO 01 Mariana procura a Defensoria Pública e relata que fez uma
inseminação caseira, estando grávida de 8 meses. Narra que é casada com
Vivien, e que juntas constituem núcleo familiar. Mariana manifesta o desejo de
registrar a dupla maternidade assim que a criança nascer, para que Vivien
também conste como mãe no Registro de Nascimento da criança.

Diante do caso exposto, responda:


a) É possível o duplo registro?

b) Caso positiva a resposta anterior, é necessário ingressar com ação


judicial para viabilizar esse direito?

c) Poderá o mesmo ser revertido ou revogado no futuro, no caso de


dissolução do casal?

PADRÃO DE RESPOSTA
Sim, é possível o duplo registro, calcado no reconhecimento constitucional da
família homoafetiva, mas também à luz do interesse superior do nascituro -
princípio consagrado no art. 100, inciso IV, do Estatuto da Criança e do
Adolescente -, segundo o qual as mães possuem as condições e interesse em
criar a criança. Assim, a medida ais adequada a garantir a fiel
representatividade da filiação é o registro de nascimento em nome de ambas, a
fim de conferir o reconhecimento jurídico do status de filho, o que se justifica
pelo próprio Código Civil, em seu artigo 1.593, que possibilita que as relações
biológica e socioafetiva sejam reconhecidas conjuntamente. Em inseminações
artificiais (realizadas em clínicas) não há necessidade de ingressar em juízo,
bastando o registro em cartório após o nascimento da criança. Todavia, caso
haja a negativa de registro ou caso queiram as partes se resguardar antes
mesmo do nascimento, poderá ser ajuizada ação para o reconhecimento do
direito ao duplo registro em razão da multiparentalidade. No caso em tela, em
se tratando de inseminação caseira, a resolução nº 63/2017 do CNJ não
autoriza o registro em cartório, havendo a necessidade de recorrer ao judiciário
para o reconhecimento do direito. Por fim, o registro é ato irretratável, exceto se
comprovado algum vício no negócio jurídico capaz de atrair a aplicação da
teoria das nulidades.
2

ESPELHO
Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00
I número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
morfossintaxe e propriedade vocabular);

II Apontar a possibilidade do duplo registro e - 0,0 a 30


fundamentar com base na multiparentalidade pontos
admitida pelo ordenamento

III Afirmar que o registro da dupla maternidade é - 0,0 a 30


ato irretratável e, portanto, irrevogável. pontos

IV Mencionar que não se trata de inseminação - 0,0 a 30


artificial em que o registro poderá ser efetuado pontos.
diretamente em cartório, afirmando que as
partes deverão ingressar em juízo, buscando
apoio da Defensoria para a tutela dos seus
interesses.
TOTAL 100

COMENTÁRIOS
A questão trata da multiparentalidade e suas implicações nos registros de
nascimento.
Conforme o evoluir da sociedade, o direito também deve se aprimorar. A
multiparentalidade passou a reconhecer o vínculo afetivo de dois pais ou mães,
sem a necessidade de que um deles tenha ascendência biológica.
Posteriormente, a multiparentalidade veio abarcar também situações de filiação
afetiva e biológica, tornando possível a uma pessoa fazer constar em seus
registros a dupla paternidade ou maternidade, adicionando o genitor afetivo
àqueles já constantes em seus documentos.
Problema da inseminação caseira é que, por não ter sido realizado o
procedimento de reprodução assistida formal, em clínica especializada, não há
previsão legal que autorize o registro materno com as interessadas, somente
para aquela que, efetivamente, gere o nascituro. Essa situação levou a debates
acerca do direito da outra mãe, que não a genitora, em constar no registro. 3
Ademais, nada impede que o doador do sêmen, que não será anônimo, pleiteie
o registro da paternidade da criança. Esse também é um risco.
O importante para a questão dessa semana é afirmar, como
posicionamento institucional da Defensoria Pública, que hoje é possível
registrar as duas mães (gestante e não gestante) por meio de um
processo judicial.
Como não se trata de inseminação artificial, há certa resistência em se
reconhecer diretamente em cartório o direito ao registro, notadamente pela
informalidade do procedimento de inseminação caseira. Na inseminação
tradicional artificial e realizada em clínicas de reprodução humana, existem dois
caminhos a seguir. Conforme já ventilado no padrão de resposta, a primeira
hipótese é aguardar a criança nascer e o cartório negar esse registro para
depois recorrer ao Judiciário. Já na segunda, há a possibilidade de ingresso no
judiciário assim que se confirmar a gravidez, antes mesmo do nascimento. Não
é o caso da inseminação caseira, em que só há uma opção: a via judicial.
Vale o destaque para matéria veiculada no site da CNN a respeito (a qual
consta na íntegra ao final deste espelho, e cuja leitura se recomenda):

(...)
Judicialização
Justamente por não estar prevista em
nenhuma norma, a inseminação caseira tem
sido debatida na Justiça. Os casos levados
aos tribunais dizem respeito ao registro das
crianças nascidas nessas condições: afinal,
esses bebês devem ser registrados com os
nomes de quem? A Associação Nacional dos
Registradores de Pessoas Naturais (Arpen)
explica que não há lei prevendo o registro em
caso de inseminação caseira. Quando o casal
que fez a inseminação caseira é de duas
mulheres, cria-se um imbróglio no cartório:
uma regra do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) determina a apresentação de laudo da
clínica de fertilização – o que elas não têm. A
filha de Tatiane, por exemplo, foi registrada
apenas com o nome dela. No cartório, não foi
possível incluir o registro de Thaiza e agora o
casal pretende entrar com ação para
conseguir a dupla maternidade. Casos assim
têm se tornado frequentes, segundo o Instituto
Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que
apontou, em parecer de maio ao CNJ,
sobrecarga no Judiciário para garantir o direito
ao registro no caso de inseminação caseira. O
instituto pede ao Conselho Nacional de
Justiça a revogação da exigência de
documento da clínica de reprodução assistida
para registrar a criança em cartório, a fim de 4
que as famílias da inseminação caseira não
tenham de recorrer à Justiça. “Acaba
demorando e cria prejuízo à criança”, diz
Maria Berenice Dias, vice-presidente do
IBDFAM, que afirma ver ainda discriminação
econômica, já que casais que têm acesso às
clínicas conseguem o registro sem ter de
apelar para a via judicial. Ela cita que o
registro duplo é benéfico para a criança, por
exemplo, para acesso ao plano de saúde ou
para que fique resguardada em caso de morte
de uma das mães. A instrutora de trânsito
Andressa Medeiros, 34, aguarda decisão
judicial em Santa Catarina sobre o registro da
filha de 1 ano, nascida após inseminação
caseira feita por falta de dinheiro. O
procedimento teve custo de R$ 6: “o potinho e
a seringa”. Na certidão, só há o nome da mãe
que gestou, apesar de Andressa ter
acompanhado a gravidez desde o início. “Sem
papel, não sou nada”, diz. O doador de
sêmen, diz ela, foi intimado a participar da
audiência e explicou que abria mão da
paternidade. O CNJ não tem prazo para
decidir sobre isso, mas pediu posicionamento
de outras entidades. A Associação de Direito
de Família e das Sucessões (ADFAS) se
manifestou, no mês passado, contrária por
entender que o fim da exigência de laudo da
clínica de reprodução assistida incentivaria a
inseminação caseira, o que é prejudicial à
saúde coletiva.

Recentemente, têm se obtido decisões favoráveis à dupla maternidade no


registro de inseminações caseiras, passo importantíssimo para legitimar a
relação materna das duas mulheres com a criança e, também, para reafirmar a
tutela do direito da criança, que, ao nascer, já fica sob a responsabilidade
destas.
Antigamente, seu reconhecimento somente poderia ser realizado diretamente
nos cartórios civis nos casos de inseminação artificial realizada por casais
homoafetivos, bastando a apresentação do laudo médico que comprovasse o
procedimento. Nos demais casos, o reconhecimento da multiparentalidade
exigia o reconhecimento judicial da situação.
Desde 2017, a situação mudou, e pode-se afirmar que hoje o direito ao duplo
registro é amplamente reconhecido, graças ao Provimento nº 63 do CNJ, que
fixou as regras para o reconhecimento da filiação socioafetiva nos cartórios
civis, sem a necessidade de ações judiciais. Tal ato normativo estabeleceu que
o reconhecimento deve ser voluntário e, caso o filho seja maior de 12 anos,
deverá haver o consentimento deste para o reconhecimento, bem como o pai e 5
a mãe registrais deverão manifestar concordância.
O provimento nº 63 institui modelos únicos de certidão de nascimento, de
casamento e de óbito, a serem adotadas pelos ofícios de registro civil das
pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação
da paternidade e maternidade socioafetiva e sobre o registro de nascimento e
emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida.
Destaque para o artigo 8º:
Art. 8º O oficial de registro civil das pessoas naturais
não poderá exigir a identificação do doador de
material genético como condição para a lavratura do
registro de nascimento de criança gerada mediante
técnica de reprodução assistida.
O provimento teve como motivação as seguintes considerações:
CONSIDERANDO o reconhecimento da união
contínua, pública e duradoura entre pessoas do
mesmo sexo como família, com eficácia erga omnes
e efeito vinculante para toda a administração pública
e demais órgãos do Poder Judiciário (Supremo
Tribunal Federal, ADPF n. 132/RJ e ADI n.
4.277/DF);
CONSIDERANDO a garantia do direito ao
casamento civil às pessoas do mesmo sexo
(Superior Tribunal de Justiça, REsp n.
1.183.378/RS);
CONSIDERANDO as normas éticas para uso de
técnicas de reprodução assistida, tornando-as
dispositivo deontológico a ser seguido por todos os
médicos brasileiros (Resolução CFM n. 2.121, DOU
de 24 de setembro de 2015);
CONSIDERANDO a necessidade de uniformização,
em todo o território nacional, do registro de
nascimento e da emissão da respectiva certidão
para filhos havidos por técnica de reprodução
assistida de casais homoafetivos e heteroafetivos;
CONSIDERANDO a competência da Corregedoria
Nacional de Justiça de expedir provimentos e outros
atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das
atividades dos serviços notariais e de registro (art.
8º, X, do Regimento Interno do Conselho Nacional
de Justiça);
Portanto, vale afirmar que, hoje, a multiparentalidade é não só uma realidade
fática, mas também jurídica, gerando direitos e obrigações filiais recíprocos.
Isso nos leva à outra indagação proposta na pergunta: Essa situação pode ser
revertida? Não. Não há riscos de alteração, revogação ou retratação de
registro. É dizer, o reconhecimento é irretratável, salvo se for comprovado
judicialmente vício de vontade, fraude ou simulação, hábeis à anulação do ato
jurídico, conforme as hipóteses arroladas nos artigos 138 a 165 do Código Civil
de 2002.
Também é importante registrar que o reconhecimento de filiação socioafetiva 6
não permite acrescer mais de dois genitores no campo referente à filiação
constante no assento de nascimento. Na propositura da ação judicial as partes
são advertidas de que a dupla maternidade ou paternidade gera direitos
sucessórios, obrigações alimentares, de guarda, previdenciários, entre outros.
Assim, considerando todas as implicações inerentes ao instituto da
multiparentalidade, esse reconhecimento da dupla paternidade ou maternidade
deve ser realizado com responsabilidade.

Dito isso, passemos a um esclarecimento prático: o que seria, então, a


inseminação caseira e qual sua diferença em relação à reprodução assistida?
Na Inseminação caseira o casal utiliza do sêmen de um doador e, com uma
seringa, introduz no corpo da mulher que pretende gestar o feto. A nidação
ocorre, então, de forma mais arriscada, com exposição da receptora à doenças
e com riscos de não se obter o resultado pretendido, haja vista a falta de
técnica e preparo adequados. Nestes casos, o registro duplo acontece após a
decisão judicial e apenas a mãe gestante faz o registro no cartório. Portanto, a
mãe não gestante terá seu nome incluído só depois da conclusão do processo;

 Como documentação, é necessário apresentar a declaração de


nascimento com vida, documentos das mães e demonstração de que a
criança foi um planejamento do casal (embora o material genético seja
apenas de uma).

Reprodução assistida

 O registro duplo é feito logo após o nascimento da criança, direto no


cartório;
 A certidão de nascimento é registrada constando a dupla maternidade;
 É necessário apresentar a declaração do diretor da clínica de
reprodução assistida, e a certidão de casamento ou união estável (esta
última só se as duas mães não estiverem presentes).

Veja-se o art. 16 do Provimento do CNJ:

Da Reprodução Assistida

Art. 16. O assento de nascimento de filho havido por


técnicas de reprodução assistida será inscrito no
Livro A, independentemente de prévia autorização
judicial e observada a legislação em vigor no que for
pertinente, mediante o comparecimento de ambos os
pais, munidos de documentação exigida por este
provimento. § 1º Se os pais forem casados ou
conviverem em união estável, poderá somente um
deles comparecer ao ato de registro, desde que
apresente a documentação referida no art. 17, III,
deste provimento. 7

Por fim, para ilustrar todo o cenário aqui trazido e a relevância do tema, vejam
matéria no site da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro:

Em abril do ano passado, Priscilla Lopes e Jéssica


Silva precisaram adiar a realização do maior sonho
de suas vidas: o de se tornarem mães. O casal, que
está junto há sete anos e casado há dois, planejava
engravidar em 2020, mas foi impedido pela
pandemia. A decisão foi tomada para que tudo
corresse bem com o bebê, segundo elas. O plano só
foi retomado em abril deste ano. Já vacinadas,
Priscilla e Jéssica começaram a tentar engravidar a
partir de uma inseminação caseira — método
irregular, mas comum entre casais de mulheres que
não conseguem pagar o procedimento em clínicas
especializadas. O resultado positivo chegou na
segunda tentativa. Mas, na euforia das
comemorações, o casal se viu diante de um novo
desafio: o de não conseguir registrar o bebê com o
nome das duas mães.
A preocupação não é descabida. As famílias que
utilizam o método de inseminação caseira não
conseguem registrar os seus filhos no ato do
nascimento.
- O Conselho Nacional de Justiça só admite o
registro de duas mães se a criança for fecundada em
clínicas, com assistência médica, que é o
procedimento legalizado - explica Mirela Assad,
coordenadora do Núcleo de Defesa da Diversidade
Sexual e dos Direitos Homoafetivos (Nudiversis) da
Defensoria, que atuou no caso.
Embora tivessem conhecimento dessa realidade,
Priscilla e Jéssica decidiram tentar obter autorização
da justiça para registrar a criança no ato do
nascimento. Elas buscaram ajuda em escritórios de
advocacia, mas os honorários não cabiam no
orçamento. Foi então que decidiram procurar
assistência da Defensoria Pública do Rio.
- Contamos a nossa história e, imediatamente, o
Nudiversis acolheu o nosso sonho - contou Jéssica.
A instituição nunca havia lidado com um caso
semelhante. Segundo Mirela Assad, geralmente, as
famílias só buscam ajuda depois do nascimento do
bebê. 8

- Quando o filho está com quase 1 ano, as mães


entram com uma ação na justiça para incluir os dois
nomes na certidão, mas isso deixa a criança
desprotegida - disse. - Se a mãe que registrou o
bebê no ato do nascimento sofre algum acidente, ele
perde a sua única responsável legal e os seus
direitos ficam em risco - completou Mirella.
A resposta para o pedido da Defensoria chegou na
manhã do último dia 10 de setembro. Em decisão
excepcional, a justiça concedeu um alvará para o
casal registrar a filha no ato do nascimento. Sarah
ainda não nasceu, mas tem assegurada a
maternidade de Priscilla Lopes e Jéssica Silva.
- Saímos do tribunal com o coração quentinho por
saber que não estamos sozinhas nessa luta -
comemorou Priscilla.
O casal acredita que abrir precedentes para outras
famílias foi tão importante quanto garantir o registro
da filha. Nas redes sociais, elas compartilharam a
própria história e convidaram outros casais de
lésbicas a procurarem a Defensoria. Mirela Assad
lembra que a equipe do Nudiversis está pronta e
entusiasmada para receber mais casos desse tipo.
- A fecundação caseira pode ser clandestina, mas
acontece diariamente, é uma realidade. A Justiça
não pode mais fechar os olhos. Independentemente
da forma como foram concebidas, essas crianças
têm o direito de serem registradas pelas pessoas
que decidiram tê-las - disse a defensora.
Desde a publicação feita pelo casal nas redes
sociais, a Defensoria já recebeu mais de dez
pedidos de ajuda de famílias que também realizaram
procedimentos caseiros de fecundação. Com o
objetivo de atender casos semelhantes e outras
demandas da comunidade LGBTQIA+, o Nudiversis
está planejando uma grande ação social para o final
do ano.
Mais em:
https://www.defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/1168
4-Casal-de-mulheres-registra-bebe-antes-do-
nascimento-com-ajuda-da-DP.

SUGESTÕES DE LEITURA
Íntegra do Provimento nº 63/2017 do CNJ:
https://atos.cnj.jus.br/files/compilado00430220210303603edb96ccae9.pdf
https://www.tjmt.jus.br/noticias/66835
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/inseminacao-caseira-para-engravidar-
cresce-no-brasil-entenda-os-riscos/
10
QUESTÃO 02 Jurandir, que se encontra há 8 anos em regime fechado
cumprindo pena de 29 anos relativa a homicídio qualificado e estupro de
vulnerável, é indiciado de novo crime, baseado no uso de seu material
genético constante em base de informações genéticas catalogadas, que fora
colhido faz 4 anos. O fato imputado a ele, estupro e homicídio qualificado,
ocorreu há 10 anos. Através da Defensoria ele busca retirada de seu material
genético desse catálogo. Pensando em tese defensiva para o senhor Jurandir,
analise a legalidade da providência a luz da Lei nº 12.654/12?

Padrão de Resposta

A coleta e o armazenamento de material genético de indivíduos que


cometeram crimes hediondos ou contra dignidade sexual em base de dados é
obrigatória conforme preceitua o Art. 9-A da Lei de Execuções Penais.
Assim, a ausência do procedimento quando da entrada em regime fechado não
inviabiliza posterior coleta, ainda que durante o cumprimento da pena, nos
termos do §4º do mesmo artigo. É dizer, a coleta encontra-se dentro dos
preceitos legais. Uma vez que terão os dados genéticos coletados aqueles em
condição carcerária, pessoas de camadas sociais historicamente prejudicadas,
há de se vislumbrar possíveis ofensas ao art. 1º, III (dignidade da pessoa
humana) e ao art. 5º, incisos X (inviolabilidade da intimidade), LIV (devido
processo legal) e LXIII (princípio da não autoincriminação), todos da CRFB/88.
Essa fração da população estará sujeita a erros provocados por falhas
humanas em coletas e nos ambientes da ocorrência dos crimes, motivos pelos
quais deverão ser analisados casuisticamente, devendo ser a coleta analisada
sob o filtro da proporcionalidade. Ademais, o cadastramento de perfis rotula
não apenas Jurandir, mas também seus descendentes, ascendentes e
colaterais: coloca-os sob suspeita, analisando parte de seu material genético a
cada nova conferência. Portanto, em defesa de Jurandir, pode ser suscitado
que a medida é necessária, mas não adequada e proporcional, maculando o
filtro da proporcionalidade a que se sujeitam as restrições a direitos
fundamentais como a inviolabilidade da intimidade e a dignidade humana.
11

ESPELHO
Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00
I número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
morfossintaxe e propriedade vocabular);

II Falar sobre coleta de material segundo a LEP, - 0,0 a 30


afirmando não haver ilegalidade na coleta, por si pontos
só.

III Abordar a razoabilidade a que se submete a - 0,0 a 30


coleta de material genético, devendo ser pontos
verificado se a medida é necessária adequada e
proporcional em sentido estrito (submissão da
medida ao filtro da proporcionalidade)

IV Mencionar a ofensa aos princípios constitucionais, - 0,0 a 30


abordando que o cadastramento de perfis rotula pontos.
não só o apenado, mas seus descendentes,
ascendentes e colaterais, e que pode consistir em
uma sentença condenatória por si só, sobretudo
pelo descaso com essa parcela populacional,
hipervulnerável.
TOTAL 100

COMENTÁRIOS

Esse tema engloba questões de direitos fundamentais, notadamente


pela abordagem do perfil genético e armazenamento desses dados sensíveis,
e matérias de direito penal e de processo penal. É uma questão muito
recorrente nas Defensorias e, por isso, resolvemos abordá-la com vocês.
De início, vejam que os objetivos da execução penal estão delineados
no artigo 1º da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal). Confira:
12
Art. 1º da Lei 7.2010/1984: A
execução penal tem por objetivo efetivar
as disposições de sentença ou decisão
criminal e proporcionar condições para a
harmônica integração social do
condenado e do internado.
a) Promover a reintegração do sentenciado ao convívio social; b)
Proporcionar meios para que a sentença seja integralmente cumprida.
Na doutrina penalista majoritária, a pena possui tríplice função:
retributiva, preventiva e reeducativa.
A prevenção geral é direcionada a sociedade, tendo atuação antes do
cometimento de qualquer infração penal, promovendo a conscientização do
valor que o direito atribui ao bem jurídico tutelado.
O caráter retributivo e a prevenção especial possuem incidência
durante a imposição e execução da pena.
O caráter reeducativo só atua na fase de execução. Nesta fase, o
objetivo não é apenas de efetivar as disposições da sentença, mas também de
buscar a ressocialização do condenado, de modo que no futuro possa
reingressar ao convívio social.
A respeito da natureza jurídica da execução penal há divergência
doutrinária, com a existência de três posicionamentos:
1ª posição: caráter puramente administrativo. Essa corrente não tem
prevalecido, pois a execução não tem natureza de caráter puramente
administrativo, tendo em vista que a todo o momento há decisões de caráter
jurisdicional. Essa ideia estava baseada na doutrina política de Montesquieu
sobre a separação de poderes.
2ª posição: caráter eminentemente jurisdicional. Essa corrente também
não tem prevalecido, eis que no âmbito da execução penal não há
exclusividade de atos jurisdicionais.
O art. 6º da Resolução nº 113 do CNJ, dando cumprimento do previsto
no artigo 1º da Lei 7.210/1984, dispõe:
“O juízo da execução deverá,
dentre as ações voltadas à integração
13
social do condenado e do internado, e
para que tenham acesso aos serviços
sociais disponíveis, diligenciar para que
sejam expedidos seus documentos
pessoais, dentre os quais o CPF, que
pode ser expedido de ofício, com base no
art. 11, da Instrução Normativa RFB nº
864, de 25 de julho de 2008”.

3ª posição: caráter misto. Essa é a corrente que prevalece na doutrina,


vez que não obstante os incidentes do processo se desenvolvam no âmbito
judicial, diversos aspectos da execução dependem da atuação administrativa,
especialmente a direção, chefia de disciplina e secretaria de estabelecimentos
penais.
Nesse sentido, cabe destacar o entendimento da saudosa Ada Pellegrini
Grinover: “não se nega que a execução penal é atividade complexa, que se
desenvolve entrosadamente nos planos jurisdicional e administrativo. Nem se
desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estatais: o Judiciário
e o Executivo”.
PRINCÍPIOS DA EXECUÇÃO PENAL
É importante ter em mente que os princípios da execução penal são
meios limitadores do poder executório estatal sobre os indivíduos.
Princípio da Humanidade:
Pela importância deste princípio, é necessário saber que há a sua
previsão em diversos documentos internacionais, tais como:
➔ No artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(“ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante”).
➔ Na regra 31 das Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos, da
ONU (“as penas corporais, a colocação em cela escura, bem como todas as
punições cruéis, desumanas ou degradantes devem ser completamente
proibidas como sanções disciplinares”). No artigo 10, item 1 do Pacto
14
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU (“toda pessoa privada de
sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade
inerente à pessoa humana”).
No Brasil, o princípio decorre do fundamento da DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA (artigo 1º, III da CF) e do PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA
DOS DIREITOS HUMANOS (artigo 4º, II da CF), dando sustento ao Estado
Democrático de Direito.
Com repercussão na execução penal, o princípio serve como contenção
do poder punitivo, visualizado na proibição de tortura e tratamento cruel e
degradante (artigo 5º, III da CF), na individualização da pena (artigo 5º, III da
CF) e na proibição das penas de morte, cruéis ou perpétuas (artigo 5º, XLVII da
CF).
A Lei de Execução Penal alude ao princípio ao prever que as sanções
disciplinares não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do
condenado (art. 45, §1º), além de vedar o emprego de cela escura (art. 45,
§2º).
Em que pese à amplitude das normas de caráter protetivo, diversos
exemplos de ferimentos da humanidade no âmbito da execução penal são
identificados diariamente.
Exemplos retirados do citado livro “Execução Penal: teoria crítica”:
1) A obrigação de usar uniformes com cores chamativas (ex: verde
limão, rosa) também importa clara transgressão ao princípio da humanidade,
pois afeta a própria intimidade e dignidade dos condenados, à revelia da
inviolabilidade constitucional da intimidade, vida privada, honra e imagem das
pessoas (artigo 5º, X da CF).
2) A obrigação imposta aos presos do sexo masculino de cortar cabelos,
retirar barbas ou bigodes ou realizar quaisquer outras modificações de
aparência. Tal prática é fundamentada sob o pretexto da higiene, ordem e
disciplina nos estabelecimentos penais. É incontestável que o cabelo e outros
caracteres da aparência são componentes da própria personalidade humana,
possuindo inconteste valor para a formação da individualidade. O direito de
definir a própria aparência é expressão do direito ao livre e pleno
desenvolvimento da personalidade, presente no art. 29 da Declaração
15
Universal dos Direitos Humanos e art. 29 da Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem.
Princípio da Legalidade:
Também, pela relevância deste princípio, é necessário saber que há a
sua tutela em diversos documentos internacionais, tais como:
➔ No artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(“ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento,
não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco
será imposta pena mais forte da aquela que, no momento da prática, era
aplicável ao fato delituoso”).
➔ No item 30, n. 01 das Regras Mínimas para o Tratamento de
Reclusos da ONU (“um recluso só pode ser punido de acordo com as
disposições legais ou regulamentares e nunca duas vezes pela lesma
infração”).
➔ No artigo 9º, item 1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos da ONU (“ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos
motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos”).
No Brasil, o princípio é disposto no artigo 5º, XXXIX da CF e no artigo 1º
do CP, que estabelecem que não haverá crime sem lei anterior que o defina,
nem pena sem prévia cominação legal.
No âmbito da Lei de Execução Penal, o princípio tem previsão no artigo
45 da LEP:
Art. 45: “Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e
anterior previsão legal ou regulamentar”.
O princípio tem por escopo servir como instrumento de contenção da
discricionariedade da Administração Penitenciária e do arbítrio judicial, sempre
que acionados de forma lesiva aos direitos fundamentais das pessoas privadas
da liberdade.
- Funções do princípio da legalidade:
a) Nullum crimen, nulla poena sine lege praevia (nulo o crime, nula a
pena sem lei prévia): determina como regra a irretroatividade da lei penal, salvo
para beneficiar o réu de um processo penal ou de um processo disciplinar.
16
b) Nullum crimen, nulla poena sine lege certa (nulo o crime, nula a pena
sem lei certa): tem por efeito a proibição da criação e aplicação de tipos penais
e disciplinares vagos ou indeterminados.
Exemplo de elemento vago e indeterminado que viola o princípio da
legalidade é a exigência de “demonstração do merecimento do condenado”,
para a recuperação do direito a saída temporária, conforme dispõe o artigo
125, parágrafo único da LEP.
c) Nullum crimen, nulla poena sine lege stricta (nulo o crime, nula a pena
sem lei estrita): essa função veda a utilização de analogia para criar crimes e
faltas disciplinares e para aplicar e executar penas ou sanções disciplinares.
Na punição por falta grave da conduta de possuir, utilizar ou fornecer
chips, baterias de telefones celulares (HC 105973/RS, STF), não se interpreta
de forma estrita o tipo disciplinar do artigo 50, VII da LEP, que apenas
menciona, como objetos, o aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permite
a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.
d) Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta (nulo o crime, nula a
pena sem lei escrita): essa última função do princípio da legalidade prescreve a
proibição da criação de infrações penais, faltas disciplinares, penas ou sanções
disciplinares pelos costumes. Somente a lei escrita pode criar crimes, faltas,
penas e sanções.
Princípio da Individualização da Pena:
De acordo com o artigo 5º, XLVI da CF a lei regulará a individualização
da pena. Nesse sentido, as autoridades responsáveis pela execução penal
possuem o dever de enxergar o preso como verdadeiro indivíduo, com a
consideração das suas reais necessidades, na qualidade de SUJEITO DE
DIREITOS.
Decorre do princípio em espécie, a necessidade de apreciação do caso
concreto, no âmbito administrativo e judicial, sem se pautar em considerações
genéricas ou de índole preventiva, notadamente em matéria disciplinar, pois
qualquer medida que importe em elevação do sofrimento carcerário já
naturalmente experimentado não pode se dar com o objetivo de promover
exemplo aos demais, mas tão somente em virtude da atuação específica do
apenado.
17
Princípio da Culpabilidade:
Como é sabido, a responsabilidade penal deve refletir um
comportamento típico, antijurídico e culpável. No que concerne à culpabilidade,
ela possui os seguintes elementos: a imputabilidade, a exigibilidade de conduta
diversa e a potencial consciência da ilicitude.
A Lei de Execução Penal adotou taxativamente o princípio da
culpabilidade ao estabelecer que são vedadas as sanções coletivas, nos
termos do artigo 45, §3º. Com essa previsão normativa, buscou-se impedir a
punição disciplinar daqueles que sequer tiveram dolo ou culpa na ocorrência de
determinado resultado lesivo.
Como primeira consequência da aplicação deste princípio, tem-se a
impossibilidade de punição de todos os habitantes de determinada cela ou
galeria, quando nelas são encontrados objetos ilícitos (ex: celulares e drogas).
Neste caso, sendo impossível a individualização da conduta, deve ocorrer a
absolvição de todos os habitantes da cela ou galeria, por aplicação do princípio
da culpabilidade.
O STJ já se manifestou sobre o tema no seguinte julgado, com o nosso
destaque:
“EXECUÇÃO PENAL. HABEAS
CORPUS. FALTA GRAVE.
HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE
INDIVIDUALIZAÇÃO DO
COMPORTAMENTO. SANÇÃO
COLETIVA. ILEGALIDADE.
RECONHECIMENTO. 1. É ilegal a
aplicação de sanção de caráter coletivo,
no âmbito da execução penal, diante de
depredação de bem público quando,
havendo vários detentos num ambiente,
não for possível precisar de quem seria a
responsabilidade pelo ilícito. O princípio
da culpabilidade irradia-se pela execução
penal, quando do reconhecimento da
18
prática de falta grave, que, à evidência,
culmina por impactar o status libertatis do
condenado. 2. Ordem concedida, acolhido
o parecer ministerial, para anular o
reconhecimento de falta grave, que teria
sido perpetrada em 15 de abril de 2008, e
seus consectários legais. (HC
177293/SP).”
Uma prática que atenta ao princípio da culpabilidade é a imposição de
juízos valorativos negativos sobre a pessoa presa, sem qualquer vinculação
com a ocorrência de fatos determinados.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONDENADOS
Na Lei de Execução Penal, a classificação dos condenados está
disposta no artigo 5º:
Art. 5º: Os condenados serão
classificados, segundo os seus
antecedentes e personalidade, para
orientar a individualização da execução
penal.
Portanto, de acordo com esse art. 5º da Lei 7.210/1984, os condenados
serão classificados segundo os seus antecedentes e personalidade, buscando,
desse modo, separar os presos primários dos reincidentes, os condenados por
crimes graves dos condenados por crimes menores, dentre outros.
a) antecedentes: é o histórico da vida criminal do reeducando.
b) personalidade: considera-se a estrutura complexa de fatores que
determinam as formas comportamentais do reeducando.
Dentro desse contexto, a Lei 13.167/2015 alterou o art. 84 da LEP para
estabelecer critérios para a separação de presos nos estabelecimentos penais.
A classificação deve ser realizada por uma Comissão Técnica de
Classificação (CTC), incumbida de elaborar o programa individualizar
adequado ao reeducando.
CUIDADO! O exame criminológico, previsto no artigo 8º da LEP e
utilizado para individualizar determinadas execuções envolvendo fatos mais
19
gravosos não se confunde com o exame de classificação tratado no art. 5º da
LEP. Vejamos, em resumo, as diferenças no quadro abaixo:
Exame Criminológico:
Esse exame é mais restrito, analisa questões de ordem psicológica e
psiquiátrica do condenado, visando revelar elementos como maturidade,
frustrações, vínculos afetivos, grau de agressividade e periculosidade e, a partir
daí, prognosticar a potencialidade de novas práticas criminosas. É incompatível
com pena privativa de liberdade em regime aberto e com pena restritiva de
direito.
Exame de Classificação:
Esse exame é amplo, apresenta a situação do condenado de forma
genérica, com ênfase em aspectos objetivos de sua personalidade,
antecedentes, aspectos sociais e familiares, capacidade laborativa, entre
outros destinados a orientar o modo como deve cumprir a pena no
estabelecimento penitenciário.
Exame Criminológico e progressão de regime:
É preciso separar o estudo deste tema antes e depois do advento da Lei
10.792/2003:
- Antes da Lei 10.792/2003: era obrigatório o exame criminológico, como
também o parecer prévio da Comissão Técnica de Classificação, com base na
redação antiga do artigo 112 da LEP.
- Depois da Lei 10.792/2003: de acordo com o artigo 112 da LEP, o
apenado precisará cumprir dois requisitos: a) objetivo (transcurso do tempo); b)
subjetivo (para a lei é uma certidão de bom comportamento carcerário). Nota-
se que o aspecto subjetivo não é auferido em exame criminológico e nem em
parecer prévio da comissão.
Exame criminológico e livramento condicional:
Importante que saibam que há divergência a respeito da possibilidade de
ser realizado exame criminológico para obtenção do livramento condicional, em
virtude do disposto no artigo 83, parágrafo único do CP:
Art. 83, parágrafo único: Para o
condenado por crime doloso, cometido
com violência ou grave ameaça à pessoa,
20
a concessão do livramento ficará também
subordinada à constatação de condições
pessoais que façam presumir que o
liberado não voltará a delinquir.
- 1ª corrente: deve ser exigido o exame criminológico para a concessão
do livramento condicional, por imposição legal. De acordo com o doutrinador
Guilherme de Souza Nucci o exame não pode ser dispensado, pois com a
alteração promovida pela Lei 10.792/2003 houve alteração para o artigo 112 da
LEP e não para o artigo 83 do CP, assim como não alterou o artigo 131 da
LEP.
- 2ª corrente: em regra não deverá ser realizado o exame criminológico,
apenas de modo excepcional diante do caso concreto e com base em decisão
motivada. Esse é o posicionamento prevalecente e adotado no âmbito do STJ:
“Para a concessão do benefício do
livramento condicional, nos termos do art.
83 do Código Penal, deve o reeducando
preencher os requisitos de natureza
objetiva (fração de cumprimento da pena)
e subjetiva (comportamento satisfatório
durante a execução da pena, bom
desempenho no trabalho que lhe foi
atribuído e aptidão para prover ao próprio
sustento de maneira lícita), podendo as
instâncias ordinárias, excepcionalmente,
diante das peculiaridades do caso
concreto, determinar a realização de
exame criminológico para aferir o mérito
do apenado, desde que essa decisão seja
adequadamente motivada.” (STJ, HC
379.664/SP, DJe 02/03/2017)
- 3ª corrente: não deve ser admitida a realização do exame criminológico
para a obtenção do livramento condicional, uma vez que cria requisito subjetivo
não previsto expressamente no artigo 83, parágrafo único do CP e artigo 131
21
da LEP, o que fere o princípio da legalidade. Além disso, pode-se sustentar
violação ao princípio da culpabilidade, pois se estaria admitindo a utilização do
famigerado direito penal do autor.
Agora, passemos ao outro ponto:
Identificação do Perfil Genético:
Essa temática encontra-se inserida dentro do capítulo “Da Classificação”
da Lei de Execução Penal. Vejamos:
Art. 9º-A. O condenado por crime doloso
praticado com violência grave contra a
pessoa, bem como por crime contra a
vida, contra a liberdade sexual ou por
crime sexual contra vulnerável, será
submetido, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético, mediante
extração de DNA (ácido
desoxirribonucleico), por técnica
adequada e indolor, por ocasião do
ingresso no estabelecimento prisional.
(Redação dada pela Lei nº 13.964, de
2019) (Vigência)
§ 1o A identificação do perfil
genético será armazenada em banco de
dados sigiloso, conforme regulamento a
ser expedido pelo Poder Executivo.
(Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)
§ 1º-A. A regulamentação deverá
fazer constar garantias mínimas de
proteção de dados genéticos, observando
as melhores práticas da genética forense.
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
(Vigência)
§ 2o A autoridade policial, federal
ou estadual, poderá requerer ao juiz
22
competente, no caso de inquérito
instaurado, o acesso ao banco de dados
de identificação de perfil genético.
(Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)
§ 3º Deve ser viabilizado ao titular
de dados genéticos o acesso aos seus
dados constantes nos bancos de perfis
genéticos, bem como a todos os
documentos da cadeia de custódia que
gerou esse dado, de maneira que possa
ser contraditado pela defesa. (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 4º O condenado pelos crimes
previstos no caput deste artigo que não
tiver sido submetido à identificação do
perfil genético por ocasião do ingresso no
estabelecimento prisional deverá ser
submetido ao procedimento durante o
cumprimento da pena. (Incluído pela Lei
nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 5º A amostra biológica coletada
só poderá ser utilizada para o único e
exclusivo fim de permitir a identificação
pelo perfil genético, não estando
autorizadas as práticas de fenotipagem
genética ou de busca familiar. (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 6º Uma vez identificado o perfil
genético, a amostra biológica recolhida
nos termos do caput deste artigo deverá
ser correta e imediatamente descartada,
de maneira a impedir a sua utilização para
qualquer outro fim. (Incluído pela Lei nº
23
13.964, de 2019) (Vigência)
§ 7º A coleta da amostra biológica
e a elaboração do respectivo laudo serão
realizadas por perito oficial. (Incluído pela
Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 8º Constitui falta grave a recusa
do condenado em submeter-se ao
procedimento de identificação do perfil
genético. (Incluído pela Lei nº 13.964, de
2019) (Vigência)
De acordo com a previsão legal, os condenados pelos crimes descritos
no artigo 1º da Lei 8.072/1990 serão submetidos obrigatoriamente à extração
de DNA, armazenados em banco de dados sigilosos. Nota-se que no
dispositivo não é exigido autorização judicial para essa extração.
É constitucional a extração do DNA do condenado para formação do
cadastro geral?
- Entendimento pela inconstitucionalidade: Violação da presunção de
inocência; - (Re) estigmatiza os condenados por crimes hediondos e por delitos
cometidos com violência de natureza grave contra a pessoa; - Representa uma
política típica do direito penal do inimigo e faz renascer a Escola Penal
Lombrosiana.
Entendimento pela constitucionalidade:
- O acesso ao banco de dados somente se dará mediante requerimento
e decisão judicial; - A inserção do material genético no banco nacional permitirá
desvendar inúmeros crimes cuja autoria não se tem notícia, o que viabiliza não
apenas a condenação de culpados, mas também a absolvição de inocentes; -
Há o atendimento ao princípio da proporcionalidade, tendo em vista que
somente os condenados por crimes de elevada gravidade serão submetidos à
coleta.
QUESTÃO 03 Paulo, jovem negro estudante universitário, foi preso em
razão de fato criminoso a ele imputado, ocorrido em uma loja do aeroporto
de sua cidade. Informado das circunstâncias, Paulo afirma que não estava
na cidade na data do evento delituoso, valendo-se de elementos que
24
comprovam sua alegação. Porém, a autoridade policial, contradizendo
Paulo, alega que ele foi identificado via reconhecimento fotográfico.
De posse das imagens do circuito interno da loja, policiais do setor de
inteligência conseguiram localizar, através do cruzamento de dados feito por
um software, o perfil de Paulo em determinada rede social. E a foto do seu
perfil foi, de pronto, reconhecida por uma funcionária da loja, que alegou que
a aparência física de Paulo era compatível com a do criminoso.

De acordo com o caso narrado, discorra:

a) Paulo pode ser condenado apenas com base no reconhecimento


fotográfico?

b) Neste caso, para a aferição do reconhecimento fotográfico, existe algum


procedimento a ser seguido?

Padrão de Resposta

O reconhecimento pessoal, gênero cujo o reconhecimento fotográfico seria, para


parcela da doutrina, uma espécie, pode ocorrer na fase policial ou na fase
processual, e está previsto como meio de prova nos artigos 226 e seguintes do
Código de Processo Penal. A condenação de Paulo, de acordo com a
jurisprudência e o art. 226 do CPP, não pode basear-se somente no
reconhecimento fotográfico. Segundo Aury Lopes Jr., o reconhecimento
fotográfico somente pode ser utilizado como ato preparatório do
reconhecimento pessoal presencial, nos termos do art. 226, inciso I, do CPP,
nunca como um substitutivo àquele ou como uma prova inominada. Assim, não
poderá Paulo ser condenado apenas com base no reconhecimento fotográfico.
Ademais, nesse caso, trata-se de reconhecimento facial através de coleta de
dados de software com uso de algoritmos. A Lei Geral de Proteção de Dados
(13.709/2018) impede o uso de tecnologias de reconhecimento facial para fins
criminais, pois há vedação expressa nesse sentido no art. 4º, III, alíneas “a” e
25
“d”. No § 1º do mesmo artigo 4º, a lei estabelece que as exceções previstas no
inciso III deverão ser disciplinadas através de legislação específica.

Em relação ao procedimento a ser seguido no reconhecimento fotográfico, já


decidiu o Supremo Tribunal Federal (RHC 206.846) que deve ser observado o
preceito do art. 226 do CPP, cujas formalidades constituem garantia mínima
para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para
uma verificação dos fatos mais justa e precisa. Em síntese, prevê o art. 226: (i)
a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a
pessoa que deva ser reconhecida; (ii) a pessoa, cujo reconhecimento se
pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem
qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a
apontá-la; (iii) se houver razão para recear que a pessoa chamada para o
reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a
verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade
providenciará para que esta não veja aquela; (iv) do ato de reconhecimento
lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa
chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas
presenciais. Nesse sentido, o STF consignou que a inobservância do
procedimento descrito na referida norma torna inválido o reconhecimento da
pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual
condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado
o reconhecimento em Juízo.

A questão em tela tangencia o tópico 8 do programa de Processo Penal, o


tópico 8 de Direitos Humanos, bem como o tópico 2 relacionado à LGPD.

ESPELHO
ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Abordar o reconhecimento como meio de prova 20


26

Impossibilidade da condenação 20

Vedação da LGPD 20

Jurisprudência dos Tribunais superiores 20

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 20

COMENTÁRIOS

Reconhecimento de pessoas e coisas

É o ato pelo qual uma pessoa afirma como certa a identidade de outra, ou
a qualidade de uma coisa. Trata-se de um meio de prova. A pessoa descreve a
pessoa a ser reconhecida; posteriormente, a pessoa cujo reconhecimento se
pretende é colocada ao lado de outras pessoas, se possível com
características semelhantes, convidando-se quem tiver que fazer o
reconhecimento a apontá-la.

Caso esta pessoa se sinta intimidada, a autoridade providenciará para que


ela não seja vista pela pessoa a ser reconhecida. Será lavrado auto
pormenorizado e assinado por quem reconheceu e por duas testemunhas
presenciais. Se várias pessoas forem chamadas para fazerem o
reconhecimento, cada uma fará prova em separado a fim de evitar a
comunicação entre elas e avaliar a qualidade probatória.

O STF vêm admitindo o reconhecimento de pessoas e coisas por


fotografias, desde que observado o procedimento previsto no art. 226 do CPP.
Sua inobservância, entretanto, acarreta a nulidade do reconhecimento. Eis os
requisitos:

“I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será


convidada a descrever a pessoa que deva ser
27
reconhecida;

Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será


colocada, se possível, ao lado de outras que com ela
tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem
tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada


para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra
influência, não diga a verdade em face da pessoa que
deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para
que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto


pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela
pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e
por duas testemunhas presenciais.”

O Min. Gilmar Mendes, em seu voto no RHC 206846/SP, registra que na


prática, a regra é o desrespeito do procedimento básico previsto no art. 226 do
CPP, visto que em geral o método utilizado é de showup, ou seja, a exibição de
somente um suspeito para que seja reconhecido. Tal sistemática é amplamente
criticada por especialistas, visto que “expõe a vítima/testemunha à possível
distorção de sua memória para o verdadeiro suspeito” (Ministério da Justiça.
Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao
Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses. Lilian Stein coord.
Pensando o Direito n. 59, p. 50).
Todavia, o Ministro é categórico: “trata-se de meio de prova típico, que
deve seguir o rito legalmente determinado para a sua produção. Ainda que o
dispositivo preveja que a forma deve ser atendida ““se possível””, tal
flexibilização somente pode ser admitida em casos excepcionais, quando
28
totalmente inviável a conformidade ao modelo legal e após atuação ativa dos
órgãos estatais para tentar atendê-lo, o que deverá ser detalhadamente
justificado pelo juízo”.

Portanto, como regra geral, o reconhecimento fotográfico deve seguir as


diretrizes determinadas pelo art. 226 do Código de Processo Penal, de modo
que a irregularidade deve ocasionar a nulidade do elemento produzido,
tornando-se imprestável para justificar eventual sentença condenatória em
razão de sua fragilidade cognitiva.

Entretanto, em sede doutrinária, Gustavo Badaró critica a categoria do


reconhecimento fotográfico enquanto meio de prova:

“O reconhecimento fotográfico não é prova atípica, mas


um meio de prova irritual, que vulnera o procedimento
probatório previsto no art. 226, substituindo a segunda
fase de comparação física e ao vivo da pessoa a ser
reconhecida pela comparação fotográfica. Não se trata,
pois, de um simples caso de prova atípica, que seria
admissível ante a regra do livre convencimento judicial. As
formalidades de que se cerca o reconhecimento pessoal
são a própria garantia da viabilidade do reconhecimento
como prova, visando a obtenção de um elemento mais
confiável de convencimento.”

Por outro lado, a partir de estudos científicos, pode-se sustentar que, se


atendidos os parâmetros de integridade em seu procedimento, “não há
substanciais vantagens epistêmicas na adoção do reconhecimento presencial
em detrimento do reconhecimento fotográfico” (MATIDA, Janaina;
CECCONELLO, William W. Reconhecimento fotográfico e presunção de
inocência. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, vol. 7, n. 1, p. 409-
440, jan./abr. 2021).

29
Por fim, cabe mencionar o PL 676/2021, que busca dar um tratamento
mais adequado ao reconhecimento pessoal previsto no art. 226 do CPP, à luz
da jurisprudência dos Tribunais superiores.

Reconhecimento fotográfico e LGPD

O reconhecimento fotográfico é muito utilizado pelas delegacias para fins


de investigação e persecução penal. Por conta disso, uma série de prisões de
pessoas inocentes têm sido noticiadas em todo o país. Em setembro de 2021,
um cientista de dados foi preso acusado de integrar milícia de bairro no qual
nunca residiu; outro homem foi acusado 9 vezes por crimes que não cometeu
por ter sua imagem no álbum de suspeitos da 57ª Delegacia do Rio de Janeiro;
além de dezenas de outros casos semelhantes relatados pela Folha de São
Paulo ao redor do Brasil.

Em 2022 um Grupo de Trabalho foi instaurado no Conselho Nacional de


Justiça (CNJ) para traçar protocolos que evitem novas prisões de inocentes. O
debate, no entanto, precisa avançar para um tema ainda incipiente: a proteção
de dados pessoais na esfera penal.

A existência dos álbuns de suspeitos faz indagar como essas imagens


foram parar nas delegacias. É recorrente que sua origem sejam redes sociais,
flagrantes ou grupos em aplicativos de comunicação utilizados por policiais.
Sem saber o porquê, essa arbitrariedade na definição de “suspeito” pode
fazer com que uma acusação inverídica fundamente decisão judicial
condenatória. A exibição das fotos viola não apenas o direito constitucional à
intimidade (art. 5º, X), como também a presunção de inocência (art. 5º, LVII) –
já que, se está naquele catálogo, assume-se ser um criminoso, mesmo sem
provas.
Essa violação tem viés racial evidente: segundo o relatório do
CONDEGE, 80% de erros em reconhecimentos fotográficos são de pessoas
negras, dado reiterado pela Coordenação de Defesa Criminal da Defensoria
30
Pública do Estado do Rio de Janeiro, com 83% de pessoas negras apontadas
como suspeitas sendo inocentadas após reconhecimento fotográfico em sede
policial.

Nesse sentido, cabe ressaltar que o direito à proteção de dados foi


considerado fundamental (art. 5º, LXXIX) a partir da Emenda Constitucional
115/2022, de modo que a aplicação de seus princípios efetivam garantias e
liberdades constitucionalmente garantidas. E é justamente nesse sentido que
deve ser interpretado o art. 4º, III, da Lei 13.709/2018 (LGPD), que, em suas
alíneas “a” e “d”, veda expressamente a utilização de dados pessoais para fins
de segurança pública e atividades de investigação e repressão de infrações
penais.

ATENÇÃO Acerca da temática do reconhecimento facial, algoritmo e racismo


estrutural, a examinadora Daniele da Silva de Magalhães deixou clara sua
posição no VI Encontro de Atuação Estratégica da Defensoria Pública (2022):

“Se a seletividade penal já existe no mundo analógico, o


uso da tecnologia pode piorar esse cenário. Além de
amplificarem o viés racial já presente nas forças de
segurança, ela também está sujeita a erros, como
pudemos ver diversos casos na imprensa. Vários estudos
já mostraram que pessoas negras são mais identificadas
erroneamente por sistemas de reconhecimento facial. As
tecnologias de reconhecimento fácil tendem a cair numa
descriminação algorítmica”.

Durante o encontro, foram apresentados diversos dados, como estudos e


casos da defensoria, que exemplificam a problemática do reconhecimento
facial que reforça o racismo estrutural presente em nossas sociedade.

Julgados relevantes

31
O Julgado a seguir diz respeito à uniformização da jurisprudência da 3ª
Seção do STJ acerca do reconhecimento fotográfico.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.


CRIMES DE ROUBO E EXTORSÃO. ABSOLVIÇÃO.
AUTORIA DELITIVA E PROVA DA MATERIALIDADE.
RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. ART. 226 DO
CPP. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE
PROVA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
Como é de conhecimento, "Em revisão à anterior
orientação jurisprudencial, ambas as Turmas Criminais
que compõem esta Corte, a partir do julgamento do HC n.
598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz),
realizado em 27/10/2020, passaram a dar nova
interpretação ao art. 226 do CPP, segundo a qual a
inobservância do procedimento descrito no mencionado
dispositivo legal torna inválido o reconhecimento da
pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual
condenação, mesmo se confirmado em juízo" (AgRg no
AREsp n. 2.109.968/MG, relator Ministro JOEL ILAN
PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 18/10/2022, DJe
de 21/10/2022). 2. Na hipótese, o Tribunal a quo
consignou que o Delegado da Polícia Civil, ouvido em
juízo, relatou que sua equipe conseguiu levantar a
identidade da quadrilha que estava realizando assaltos a
bancos na região, que foram comparadas as imagens das
câmeras de segurança da casa da vítima com algumas
obtidas em redes sociais, sendo passível identificá-lo. 3.
Por conseguinte, verifica-se que a autoria delitiva dos
crimes em questão não tem como único elemento de
prova eventual reconhecimento viciado realizado pelas
vítimas na fase policial, mas também a prova oral colhida
durante instrução criminal, o que gera distinguishing em
32
relação ao acórdão paradigma da alteração
jurisprudencial, o HC n. 598.886/SC, da relatoria do E.
Ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ. 4. A reversão das
premissas fáticas das instâncias ordinárias, em relação ao
conteúdo das imagens obtidas por meio das câmeras de
segurança, a fim de desconstituir a autoria delitiva,
depende de reexame de fatos e provas, o que atrai o
óbice da Súmula 7 do STJ. 5. Agravo regimental
desprovido. (AgRg no REsp n. 2.061.969/MG, relator
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma,
julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023.)

Decisão do TJSP, em relação ao sistema de reconhecimento facial


implementado na VIAQUATRO do metrô de São Paulo, onde os
parâmetros levantam questionamentos.

As entidades alegaram que o sistema implementado pelo Metrô de São


Paulo não atendia aos requisitos legais previstos na Lei Geral de Proteção de
Dados (LGPD), no Código de Defesa do Consumidor, no Código de Usuários
de Serviços Públicos, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na
Constituição Federal e nos tratados internacionais.

“(…) a questão em debate diz respeito ao contrato


para concepção do sistema de monitoração eletrônica –
SME de algumas linhas do Metrô decorrente de licitação
internacional e visa a modernização do sistema de
vigilância já existente nas dependências do Metrô. O
conflito envolve matéria extremamente complexa e
técnica. É fato incontroverso que o sistema de
reconhecimento facial é uma das funcionalidades do
sistema contratado. O sistema de reconhecimento facial
está em fase de implantação, ou seja, ainda não se
encontra em execução. O contrato não especifica como
33
se dará tal funcionalidade. O documento CS-
9.83.ME.XX/7XX.0015, anexo ao processo de licitação
LPI nº 10014557, traz os requisitos técnicos mínimos,
indicando, dentre outras coisas, que: i) o sistema de
monitoração eletrônica envolverá o reconhecimento
facial; ii) necessariamente deverá ser usado um software
privado, chamado SecurOS; iii) as imagens de todos os
usuários serão armazenadas; iv) o sistema deverá estar
preparado para carregamento de dados internos e
externos; v) o sistema poderá entrar em operação
integrada com outros sistemas de monitoração eletrônica
com reconhecimento facial. Entretanto, como anotado na
inicial, nos documentos do edital, no contrato ou nos
questionamentos feitos no âmbito do referido processo
licitatório, não foi disponibilizada qualquer informação
sobre os critérios, condições, propósitos da
implementação do sistema de reconhecimento facial pela
Ré Companhia do Metropolitano de São Paulo. O Metrô,
até o momento, não apresentou informações precisas
sobre o armazenamento das informações e utilização do
sistema de reconhecimento pessoal. Alega que No mais
das vezes, no entanto, o tratamento de dados pessoais
realizado pelo SME-3 nas estações de Metrô estará
ligado à Segurança Pública e/ou atividades de
investigação e repreensão a infrações penais no âmbito
da Cia., de forma que o caso será de enquadramento no
inciso III do art. 4º da LGPD, como tratamento de dado
necessário à execução de políticas públicas de
segurança. Porém, nada está formalizado. A utilização
do sistema para atender órgãos públicos, por ora, não
passa de mera conjectura, fato que, por si só, indica a
insegurança do sistema que se pretende implantar. Há
uma série de questões técnicas que necessitam de
34
dilação probatória para serem dirimidas. Todavia,
presente a potencialidade de se atingir direitos
fundamentais dos cidadãos com a implantação do
sistema. Por outro lado, há de ser considerado que o
contrato administrativo está em vigor, e que houve
investimento de grande monta por parte do Metrô. Além
disso, não há dúvida que suspender a execução do
contrato no tocante a instalação do sistema poderá gerar
prejuízos irreversíveis. Assim, sopesando as
consequências, de rigor a concessão da liminar para
impedir a execução do sistema de captação e tratamento
de dados biométricos dos usuários de metrô para sua
utilização em sistemas de reconhecimento facial,
admitindo-se apenas a instalação.” (Processo nº:
1010667-97.2022.8.26.0053 Classe – Assunto: Ação
Civil Pública - Defensoria Pública Requerente:
Defensoria Pública do Estado de São Paulo e outros
Requerido: COMPANHIA DO METROPOLITANO DE
SÃO PAULO).

A atuação da DPE/RJ no HC 769.783

O Superior Tribunal de Justiça determinou a soltura imediata de Paulo


Alberto da Silva Costa, acusado em mais de 60 processos baseados em
reconhecimento fotográfico. A decisão foi tomada no dia 10/05/2023 pela
Terceira Seção do órgão, ao julgar habeas corpus feito pela Defensoria
Pública do Rio de Janeiro. A Coordenação de Defesa Criminal da DPRJ atuou
em parceria com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) na análise
das ações penais do réu.

Homem negro, de 35 anos, Paulo Roberto estava preso na Cadeia Pública


José Antônio da Costa Barros, no Complexo de Gericinó, desde março de
35
2020. No julgamento, os ministros entenderam que as ações foram baseadas
apenas no reconhecimento fotográfico falho e chegaram a mencionar o
racismo.

Alguns dados do estudo conduzido pelo IDDD sobre o caso merecem


destaque. Com mais de 60 processos analisados, em nenhum deles Paulo foi
ouvido em sede policial. A conclusão sobre a autoria no inquérito policial se dá,
em todos as ocasiões, por meio do reconhecimento realizado por fotografia.
Em pelo menos dois casos, foi identificado nos autos do próprio inquérito
policial que o reconhecimento se deu a partir da visualização de fotografia de
Paulo Alberto em um mural de suspeitos que se localizava na entrada da 54ª
Delegacia de Polícia. Em todos os demais, o reconhecimento se deu pela
apresentação de fotografias de redes sociais (Facebook), selfies ou fotografias
de origem desconhecida. Ambas as práticas são condenadas em razão de se
tratar de procedimento indutivo com alto potencial de acarretar em falsas
memórias.

“Em todos os 62 processos de Paulo, os reconhecimentos


são repletos de inconsistências e estão marcados pelo
viés racial. Ainda assim, a polícia os considerou
suficientes para levar ao pronto encerramento das
investigações. O reconhecimento fotográfico é utilizado
frequentemente em delegacias, por isso, temos certeza de
que muitas pessoas estão passando pelas mesmas
injustiças que Paulo. E o STJ pode contribuir para
começar a mudar essas histórias” - aponta Guilherme
Ziliani Carnelós, presidente da diretoria do IDDD.
Não há nenhuma informação oficial nos autos dos inquéritos policiais que
indiquem o motivo pelo qual Paulo Alberto da Silva Costa, que não tinha sequer
uma passagem pela polícia e nunca foi preso em flagrante delito, tornou-se
suspeito da prática de crimes patrimoniais na região daquela delegacia.
36

A coordenadora de defesa criminal da DPRJ, defensora Lucia Helena


Barros, lembra que pesquisas recentes da Defensoria apontaram que oito em
cada dez presos injustamente por reconhecimento fotográfico são
negros.

“Os casos de erros em reconhecimento fotográfico


acabam provocando prisões e/ou condenações injustas,
além de reforçarem a seletividade de nosso sistema
penal. É necessário um esforço conjunto de todos que
atuam no processo penal para se evitar injustiças, que
acabam culminando com prejuízos irreparáveis à pessoa
condenada, familiares e, também, à sociedade. A decisão
do STJ em muito contribuirá no reconhecimento de
pessoas no Brasil, que vem causando injustiças em razão
de constantes erros judiciários nas condenações” - disse
a coordenadora.

A ementa do julgado fico assim consignada:

HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO.


DEPOIMENTO DA VÍTIMA. RECONHECIMENTO
FOTOGRÁFICO E PESSOAL. ÚNICOS ELEMENTOS DE
PROVA. CONTRADIÇÕES E INCONSISTÊNCIAS
AFERÍVEIS, PRIMO ICTU OCULI. DESNECESSIDADE
DE REEXAME DO ACERVO PROBATÓRIO. DÚVIDA
RAZOÁVEL. IN DUBIO PRO REO. ORDEM
CONCEDIDA. 1. Desde que respeitadas as exigências
legais, o reconhecimento de pessoas pode ser valorado
pelo Julgador. Isso não significa admitir que, em todo e
qualquer caso, a afirmação do ofendido de que identifica
37
determinada pessoa como o agente do crime seja prova
cabal e irrefutável. Do contrário, a função dos órgãos de
Estado encarregados da investigação e da acusação
(Polícia e Ministério Público) seria relegada a segundo
plano. O Magistrado, por sua vez, estaria reduzido à
função homologatória da acusação formalizada pelo
ofendido. 2. Consoante jurisprudência desta Corte, o
reconhecimento positivo, que respeite as exigências
legais, portanto, "é válido, sem, todavia, força probante
absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à
certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade
epistêmica" (STJ, HC n. 712.781/RJ, relator Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em
15/3/2022, DJe de 22/3/2022). 3. O reconhecimento de
pessoas que obedece às disposições legais (o que não as
observa é nulo, consoante jurisprudência pacífica desta
Corte) não prepondera sobre quaisquer outros meios de
prova (confissão, testemunha, perícia, acareação, etc.);
ao contrário, deve ser valorado como os demais. 4. Há
diferentes graus de confiabilidade de um reconhecimento.
Se decorrido curto lapso temporal entre o crime e o ato e
se a descrição do suspeito é precisa, isenta de
contradições e de alterações com o passar do tempo – o
que não ocorre no caso em tela – a prova, de fato,
merece maior prestígio. No entanto, em algumas
hipóteses o reconhecimento deve ser valorado com maior
cautela, como, por exemplo, nos casos em que já
decorrido muito tempo desde a prática do delito, quando
há contradições na descrição declarada pela vítima e até
mesmo na situação em que esse relato porventura não
venha a corresponder às reais características físicas do
suspeito apontado. 5. A confirmação, em juízo, do
reconhecimento fotográfico extrajudicial, por si só, não
38
torna o ato seguro e isento de erros involuntários, pois
"uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece
alguém como o autor do delito, há tendência, por um viés
de confirmação, a repetir a mesma resposta em
reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais
ativa e predisposta a tanto" (STJ, HC n. 712.781/RJ,
relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta
Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 22/3/2022). 6. No
caso, é incontroverso nos autos que (i) a condenação do
Paciente encontra-se amparada tão somente no
depoimento da Vítima e nos reconhecimentos realizados
na fase extrajudicial e em juízo; (ii) não foram ouvidas
outras testemunhas de acusação; (iii) a res furtiva não foi
apreendida em poder do Acusado; (iv) o Réu negou a
imputação que lhe foi dirigida. 7. Constata-se, primo ictu
oculi e sem a necessidade de incursão aprofundada no
acervo probatório, que há diversas inconsistências e
contradições nas descrições feitas pela Vítima a respeito
dos aspectos fisionômicos do suspeito, o que indica a
possibilidade de reconhecimento falho, dado o risco de
construção de falsas memórias. O fenômeno não está
ligado à ideia de mentira ou falsa acusação, mas sim a de
um erro involuntário, a que qualquer pessoa pode ser
acometida. 8. Em audiência, a Ofendida nem mesmo
afirmou que havia reconhecido o Paciente, em sede
policial, com absoluta certeza. Ao contrário, alegou que,
naquela ocasião, após visualizar as fotos, apenas
sinalizou que possivelmente o Réu seria o autor do crime.
9. Não se desconhece que, na origem, o Paciente
responde por dezenas de acusações relativas à suposta
prática de roubo. A própria Defesa, com nítida boa-fé,
enuncia tal fato na inicial, porém alerta que "em vários
deles já foi absolvido em razão de vícios do ato de
39
reconhecimento e de falta de certeza quanto à autoria
delitiva" (fl. 34). O alerta defensivo é corroborado pelo
substancioso estudo anexado aos autos pelo Instituto de
Defesa do Direito de Defesa - Márcio Thomaz Bastos,
informando que o Paciente já foi absolvido "em 17 ações
penais, nas quais o próprio Ministério Público opinou pela
improcedência e, por isso, também não interpôs recurso"
e que o "principal motivo das absolvições foi a ausência
de ratificação, em Juízo, do reconhecimento policial".
Portanto, as graves incongruências no reconhecimento do
ora Paciente não podem ser sanadas apenas em razão
quantidade de vezes em que este foi reconhecido em
outros feitos. 10. Considerando que o decreto
condenatório está amparado tão somente nos
reconhecimentos formalizados pela Vítima e, ainda, as
divergências e inconsistências na referida prova, aferíveis
de plano e sem a necessidade de incursão no conjunto
fático-probatório, concluo que há dúvida razoável a
respeito da autoria delitiva, razão pela qual é necessário
adotar a regra de julgamento que decorre da máxima in
dubio pro reo, tendo em vista que o ônus de provar a
imputação recai sobre a Acusação. 11. Ordem de habeas
corpus concedida para absolver o Paciente, com
fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo
Penal. Concedido habeas corpus ex officio para
determinar a soltura imediata do Paciente em relação a
todos os processos, cabendo aos Juízos e Tribunais, nas
ações em curso, e aos Juízos da Execução Penal, nas
ações transitadas em julgado, aferirem se a dinâmica
probatória é exatamente a mesma repelida nestes autos.
Determinada a expedição de ofício comunicando a íntegra
desse julgado à Corregedoria de Polícia do Estado do Rio
de Janeiro para apuração de eventuais responsabilidades.
40
QUESTÃO 04 Augusto, preso em flagrante pelo crime de tráfico de drogas e
porte ilegal de arma de fogo, foi conduzido diretamente à autoridade policial
que, ato contínuo, lavrou o auto de prisão e o encaminhou para a cadeia
pública da localidade. Posteriormente, ao ser atendido por um Defensor
41
público, foi informado que teve sua prisão em flagrante convertida, de ofício,
em prisão preventiva. Após, foi indagado a respeito do que havia alegado
durante a audiência de custódia. E, para a surpresa do Defensor, Augusto
disse que a audiência não ocorreu, e que sequer foi informado dos motivos.
Diante do caso em tela, responda:
a) Qual a natureza jurídica da audiência de custódia?
b) O que acontece se, injustificadamente, não for realizada?
c) Pode o juiz converter, de ofício, a prisão em flagrante em prisão preventiva?

Padrão de Resposta

Toda pessoa que sofra prisão em flagrante, qualquer que tenha sido a
motivação ou a natureza do ato criminoso, deve ser obrigatoriamente
conduzida, à presença da autoridade judiciária competente, para que esta,
ouvido o custodiado sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão e
examinados os aspectos de legalidade formal e material do auto de prisão em
flagrante, possa: (i) relaxar a prisão, se constatar a ilegalidade do flagrante, (ii)
conceder liberdade provisória, se estiverem ausentes as situações referidas no
art. 312 do CPP ou se incidirem, na espécie, quaisquer das excludentes de
ilicitude previstas no art. 23 do CP, ou, ainda, (iii) converter o flagrante em
prisão preventiva, se presentes os requisitos dos arts. 312 e 313 do CPP.
Nesse sentido, decidiu o STF que a audiência de custódia (ou de
apresentação) possui natureza jurídica de direito público subjetivo, de caráter
fundamental, assegurado por convenções internacionais de direitos humanos a
que o Estado brasileiro aderiu, já incorporadas ao direito positivo interno
(Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos). Traduz, assim, prerrogativa não suprimível
assegurada a qualquer pessoa. Encontra ressonância na jurisprudência (ADPF
347) e no ordenamento positivo (Lei 13.964/2019 e Resolução 213/2015 CNJ).
Quanto a não realização, a ausência da audiência de custódia qualifica-se
como causa geradora da ilegalidade da própria prisão em flagrante, com o
consequente relaxamento da privação cautelar da liberdade. Se o magistrado
42
deixar de realizar a audiência de custódia e não apresentar uma motivação
idônea para essa conduta, ele estará sujeito à tríplice responsabilidade, nos
termos do art. 310, § 3º do CPP, qual seja a administrativa, civil e penal.
Já no tocante a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, de
ofício, cabe ressaltar que de acordo com a redação do art. 310, II, do CPP,
dada pela Lei 13.964/19, verificada a legalidade da prisão em flagrante, o juiz
poderá fundamentadamente converter a prisão em flagrante em preventiva,
quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem
inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão,
hipótese em que deverá ser expedido um mandado de prisão. Para tanto, é
indispensável que seja provocado nesse sentido, pois jamais poderá fazê-lo de
ofício, sob pena de violação aos arts. 3º-A, 282, §§2º e 4º, e 311, todos do
CPP, com redação dada pela Lei 13.964/19. Nesse sentido, já decidiu o STJ
que a Lei 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art.
282, § 2º, e do art. 311, ambos do CPP, vedou, de forma absoluta, a
decretação da prisão preventiva sem o prévio requerimento das partes ou
representação da autoridade policial.

ESPELHO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Prisão em flagrante 20

Natureza da audiência de custódia STF 20

Consequências da não realização da audiência 20

Impossibilidade da conversão de ofício 20


Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 20

COMENTÁRIOS
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Prisão preventiva

A prisão preventiva é a prisão cautelar por excelência, pois pode ser


decretada pelo juiz a fim de evitar algum prejuízo para a instrução ou para a
sociedade. Sua previsão está no art. 311 do CPP:

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do


processo penal, caberá a prisão preventiva decretada
pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do
querelante ou do assistente, ou por representação da
autoridade policial. (Redação dada pela Lei no 13.964, de
2019).

Legitimados:

Podem requerer a prisão preventiva:

• Ministério público
• Querelante
• Assistente de acusação,
• Autoridade policial

Momento para a decretação:

A prisão preventiva pode ser decretada tanto na fase investigação policial


quanto no curso do processo penal.

Pressupostos e requisitos:
Exige prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (fumus
comissi delicti), associado ao periculum libertatis (consubstanciado em uma
das situações listadas abaixo).
44

➔A prisão preventiva poderá ser decretada:


- para garantia da ordem pública,
- para garantia da ordem econômica
- para conveniência da instrução criminal,
- para assegurar a aplicação da lei penal
- em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força
de outras medidas cautelares.

Além disso, só pode ser decretada nas hipóteses do art. 313:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será


admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação
dada pela Lei no 12.403, de 2011).
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de
liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em
sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no
inciso I do caput do art. 64 do Decreto- Lei no 2.848, de 7
de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar
contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou
pessoa com deficiência, para garantir a execução das
medidas protetivas de urgência;

§ 1o Também será admitida a prisão preventiva quando


houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou
quando esta não fornecer elementos suficientes para
esclarecê-la, devendo o preso ser colocado
imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se
outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
(Redação dada pela Lei no 13.964, de 2019)
45

§ 2o Não será admitida a decretação da prisão preventiva


com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena
ou como decorrência imediata de investigação criminal ou
da apresentação ou recebimento de denúncia. (Incluído
pela Lei no 13.964, de 2019)

Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a


identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes
para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade
após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da
medida.

Audiência de custódia

No âmbito dos tratados de direitos humanos, a audiência de custódia


encontra-se prevista no art. 7o item 5 do Pacto de San José da Costa Rica e no
art. 9o item 3 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

O art. 306, §1o do CPP dispõe que em até 24 horas o auto de prisão em
flagrante deve ser encaminhado ao juiz, porém não prevê a possibilidade de
eventual contato físico do preso com o juiz.

A audiência de custódia pretende a “humanização” do processo penal.


Com uma apresentação pessoal, o juiz poderá colher mais informações e obter
subsídios para deliberar de forma mais segura a respeito da necessidade da
manutenção da prisão ou da concessão da liberdade provisória.

Nesse passo, sob o fundamento de adequar o CPP aos tratados e


convenções firmados pelo Brasil, em 2011 foi apresentado o Projeto de Lei do
Senado no 554 de 2011 que modifica o art. 306 do CPP para estabelecer que o
custodiado deva ser apesentado pessoalmente a um juiz no período máximo
de 24 horas após a prisão. Contudo, até hoje, essa lei não entrou em vigor no
46
ordenamento jurídico brasileiro.

Ante o descumprimento das disposições presentes nos tratados


internacionais ratificados pelo Brasil, na prática judicial associada ao grave
quadro carcerário brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça, conjuntamente
com o Ministério da Justiça e com o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, implementou o Projeto Audiência de Custódia no Estado de São Paulo
em 2015. O TJSP instituiu o Provimento no 03/2015 regulamentando o
mecanismo procedimental da Audiência de Custódia.

Esse citado provimento foi objeto da ADI 5240 proposta pela Associação
dos Delegados de Polícia do Brasil, que foi julgada improcedente:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


PROVIMENTO CONJUNTO 03/2015 DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE SÃO PAULO. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA.
1. A Convenção Americana sobre Direitos do Homem, que
dispõe, em seu artigo 7o, item 5, que “toda pessoa presa,
detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à
presença de um juiz”, posto ostentar o status jurídico
supralegal que os tratados internacionais sobre direitos
humanos têm no ordenamento jurídico brasileiro, legitima
a denominada “audiência de custódia”, cuja denominação
sugere-se “audiência de apresentação”. 2. O direito
convencional de apresentação do preso ao Juiz,
consectariamente, deflagra o procedimento legal de
habeas corpus, no qual o Juiz apreciará a legalidade da
prisão, à vista do preso que lhe é apresentado,
procedimento esse instituído pelo Código de Processo
Penal, nos seus artigos 647 e seguintes. 3. O habeas
corpus ad subjiciendum, em sua origem remota, consistia
na determinação do juiz de apresentação do preso para
aferição da legalidade da sua prisão, o que ainda se faz
47
presente na legislação processual penal (artigo 656 do
CPP). 4. O ato normativo sob o crivo da fiscalização
abstrata de constitucionalidade contempla, em seus
artigos 1o, 3o, 5o, 6o e 7o normas estritamente
regulamentadoras do procedimento legal de habeas
corpus instaurado perante o Juiz de primeira instância, em
nada exorbitando ou contrariando a lei processual vigente,
restando, assim, inexistência de conflito com a lei, o que
torna inadmissível o ajuizamento de ação direta de
inconstitucionalidade para a sua impugnação, porquanto o
status do CPP não gera violação constitucional, posto
legislação infraconstitucional. 5. As disposições
administrativas do ato impugnado (artigos 2o, 4° 8°, 9o, 10
e 11), sobre a organização do funcionamento das
unidades jurisdicionais do Tribunal de Justiça, situam-se
dentro dos limites da sua autogestão (artigo 96, inciso I,
alínea a, da CRFB). Fundada diretamente na Constituição
Federal, admitindo ad argumentandum impugnação pela
via da ação direta de inconstitucionalidade, mercê de
materialmente inviável a demanda. 6. In casu, a parte do
ato impugnado que versa sobre as rotinas cartorárias e
providências administrativas ligadas à audiência de
custódia em nada ofende a reserva de lei ou norma
constitucional. 7. Os artigos 5o, inciso II, e 22, inciso I, da
Constituição Federal não foram violados, na medida em
que há legislação federal em sentido estrito legitimando a
audiência de apresentação. 8. A Convenção Americana
sobre Direitos do Homem e o Código de Processo Penal,
posto ostentarem eficácia geral e erga omnes, atingem a
esfera de atuação dos Delegados de Polícia, conjurando a
alegação de violação da cláusula pétrea de separação de
poderes. 9. A Associação Nacional dos Delegados de
Polícia – ADEPOL, entidade de classe de âmbito nacional,
48
que congrega a totalidade da categoria dos Delegados de
Polícia (civis e federais), tem legitimidade para propor
ação direta de inconstitucionalidade (artigo 103, inciso IX,
da CRFB). Precedentes. 10. A pertinência temática entre
os objetivos da associação autora e o objeto da ação
direta de inconstitucionalidade é inequívoca, uma vez que
a realização das audiências de custódia repercute na
atividade dos Delegados de Polícia, encarregados da
apresentação do preso em Juízo. 11. Ação direta de
inconstitucionalidade PARCIALMENTE CONHECIDA e,
nessa parte, JULGADA IMPROCEDENTE, indicando a
adoção da referida prática da audiência de apresentação
por todos os tribunais do país. (ADI 5240, Relator(a): Min.
LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2015.
PUBLIC 01-02-2016).

Após o julgamento da referida ADI, o PSOL propôs a ADPF 347 em


defesa dos direitos humanos da população carcerária. Teve como objeto as
violações das garantias constitucionais, as condições sub-humanas e indignas
que são submetidas aos presos e, também, houve requerimento de medida
liminar para determinar a obrigatoriedade da realização das Audiências de
Custódia.

No julgamento da ADPF 347, o STF determinou a obrigatoriedade da


apresentação da pessoa presa à autoridade judicial competente. Nesse
sentido, o Ministro Relator Marco Aurélio ressaltou em seu voto:

“AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA


OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais,
observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e
Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências
de custódia, viabilizando o comparecimento do preso
49
perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24
horas, contado do momento da prisão. (...) audiência de
custodia, instrumento ao qual o ministro Ricardo
Lewandowski, como Presidente do Conselho Nacional de
Justiça – CNJ, vem dando atenção especial, buscando
torna-lo realidade concreta, no Judiciário, em diferentes
unidades federativas e combatendo a cultura do
encarceramento. A imposição da realização de audiências
de custodias há de ser estendida a todo o Poder
Judiciário do país. A medida está prevista nos artigos 9.3
do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da
Convenção Interamericana de Direitos Humanos, já
internalizados no Brasil. O que lhes confere hierarquia
legal. A providência conduzirá, de início, a redução da
superlotação carcerária, além de implicar diminuição
considerável dos gastos com a custodia cautelar – o custo
médio mensal individual seria, aproximadamente, de R$
2.000,00. A pretensão também merece acolhimento.”

Nota-se que as decisões proferidas pelo STF nos citados julgados tiveram
um papel relevante para a efetivação das Audiências de Custódia. Um efeito
prático de sucesso do projeto inicial do Estado de São Paulo e das decisões do
STF foi a que até o final de 2015, todos os Tribunais de Justiça do país já
haviam instituído a Audiência de Custódia nas capitais dos Estados brasileiros.

O CNJ em dezembro de 2015 regulamentou através da Resolução no


213/2015, o funcionamento das audiências de custódia em todo o país.

Sob o fundamento de que o CNJ ofendeu o art. 22, I da CF e exorbitou a


sua competência legislativa, a ANAMAGES (Associação Nacional dos
Magistrados Estaduais) ajuizou a ADI 5448 suscitando a inconstitucionalidade
da Res. 213/2015.

50
O STF não reconheceu a legitimidade ativa ad causam da ANAMAGES:

“Agravo regimental em ação direta de


inconstitucionalidade. Resolução no 213/2015 do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre a
apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial
no prazo de 24 horas. Norma que repercute sobre toda a
magistratura nacional. Associação Nacional de
Magistrados Estaduais (ANAMAGES). Entidade
representativa dos interesses dos magistrados que
integram a Justiça dos estados da Federação e do Distrito
Federal e Territórios. Parcela da categoria profissional.
Ilegitimidade ativa. Agravo a que se nega provimento. 1. A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orientou-se
no sentido de que não detém legitimidade ativa ad
causam para o controle concentrado de
constitucionalidade a associação que represente apenas
parcela da categoria profissional sobre a qual repercute o
ato normativo impugnado. Precedentes. 2. A Associação
Nacional de Magistrados Estaduais (ANAMAGES),
entidade representativa dos interesses dos magistrados
que integram a Justiça dos Estados da Federação e do
Distrito Federal e Territórios (art. 2o, a, do Estatuto), não
tem legitimidade para impugnar a Resolução no 213/2015
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre
a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial
no prazo de 24 horas, a qual contém dispositivos que
repercutem sobre toda a magistratura nacional. 3. Agravo
regimental a que se nega provimento. (ADI 5448 AgR,
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado
em 09/12/2016, PUBLIC 01-03-2017).”

A Audiência de Custodia é um mecanismo de combate à violência


51
praticada contra os presos em sede policial, por meio da fiscalização realizada
pelo Poder Judiciário, razão pela qual esta deve ser realizada o mais rápido
possível para que o juiz possa verificar a ocorrência de abusos por parte dos
agentes estatais.

Na audiência, o juiz irá verificar possíveis ocorrências de tortura e maus


tratos contra o preso em sede policial, sendo dever do magistrado tomar
providências cabíveis, determinando a realização de corpo de delito. Ademais,
o magistrado deverá encaminhar eventuais relatos de maus tratos para os
órgãos responsáveis pela apuração das denúncias e responsabilização dos
policiais.

A apresentação pessoal dever ser realizada de maneira mais rápida


possível, pois, diante um eventual abuso do Estado é possível minimizar os
efeitos maléficos oriundos da decretação ilegal da prisão como, por exemplo, a
inserção de um indivíduo em um presídio sob condições degradantes e o seu
contato com presos perigosos.

A Resolução no 213/2015, que regulamenta as Audiências de Custodias


em âmbito nacional, ampliou o seu âmbito de aplicação também às prisões
cautelares e definitivas. Levando-se em consideração que, nesses casos a
prisão foi emanada pelo Poder Judiciário, não se questionaria a legalidade
dessa segregação ou a aplicabilidade de medidas cautelares e sim a
integridade psíquica e física do conduzido de modo a fiscalizar possíveis
ocorrências de violências praticadas pelos policias.

Audiência de Custódia no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro foi o 20º Estado da Federação a aderir ao Projeto da


Audiência de Custódia de iniciativa do CNJ. O lançamento ocorreu no dia 18 de
setembro de 2015 e através da Resolução TJ/OE No 29, publicada em
26/8/2015 (alterada pela Resolução TJ/OE/RJ no 32/2015, de 09/09/2015), o
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro disciplinou o procedimento da Audiência
52
de Custódia a ser adotado no Estado e criou a Central de Audiência de
Custódia.

A Resolução no 29 elaborada pelo TJ/RJ não estabelecia um prazo


especifico para que o detido fosse apresentado ao magistrado, somente
condicionava a Audiência de Custódia, ao preso em flagrante e não obrigava a
presença do Ministério Público e do defensor/advogado na audiência. Em 1º de
fevereiro de 2016, entrou em vigor a Resolução no 213 feita pelo CNJ, que
estabeleceu o prazo de 90 dias para que os Tribunais de Justiça e os Tribunais
Regionais Federais implantassem a Audiência de Custódia conforme o previsto
na referida Resolução.

Entre as disposições previstas pela Resolução do CNJ divergentes da


Resolução emanada pelo TJ/RJ, tem-se a determinação do prazo máximo de
24 horas para que ocorra a apresentação do detido a autoridade competente, a
presença obrigatória do Ministério Público e da Defensoria Pública (ou
advogado constituído) na audiência e a ampliação do instituto a todas as
pessoas presas, não apenas às presas em flagrante, mas também em
decorrência de mandado de prisão cautelar e definitiva.

Na prática, vislumbra-se que o procedimento adotado na realização das


Audiências de Custódias na Comarca da Capital do RJ adere conjuntamente às
diretrizes previstas tanto na Resolução no 213 do CNJ quanto na Resolução no
29 emitida pelo TJ/RJ.

O preso em flagrante é conduzido a presença do juiz sem demora (em


regra, o TJ/RJ está cumprindo o prazo de 24 horas) para que, através de uma
entrevista pessoal, o magistrado possa obter mais elementos de convicção
para deliberar acerca da legalidade da prisão, manutenção do cárcere ou da
concessão da liberdade provisória (com ou sem a imposição de medidas
cautelares), além de constatar a possível ocorrência de maus-tratos contra o
conduzido em sede policial.

53
Além do mais, o projeto demonstra o seu viés social e humanitário com os
presos ao disponibilizar uma assistência psicossocial, através da equipe
multidisciplinar na Central da Audiência de Custódia (nas próprias
dependências do TJ/RJ) que, a partir da abordagem feita através de uma
“entrevista social” com o conduzido/detido, encaminha-o para uma rede de
tratamento específico visando a sua reinserção na sociedade e evitando a sua
reincidência. Em que pese o acórdão proferido no bojo do HC 0064910-
46.2014.8.19.0000, prolatado pela 6a Câmara Criminal do TJ/RJ ter concedido
a ordem de relaxamento da prisão preventiva, tendo em vista que esta foi
decretada sem a prévia realização da Audiência de Custódia, este não é o
entendimento majoritário adotado pelo referido Tribunal.

Infelizmente, a jurisprudência do TJ/RJ mais recente consolida o


entendimento de que a impossibilidade da realização da Audiência de Custódia
não é suficiente para gerar a nulidade da prisão preventiva convertida a partir
da prisão em flagrante. Justifica-se a partir do disposto no art. 5o, LXII da CF e
do art. 306, §1o do CPP, a despeito do previsto nos tratados internacionais, da
orientação fixada pelo CNJ e da própria Resolução do TJ/RJ.

À título exemplificativo, cita-se a Apelação Criminal no 0012612-


25.2015.8.19.0006, na qual a Defensoria Pública do RJ requereu em sede
preliminar: o reconhecimento da nulidade de todo o processo em razão da não
determinação e da não realização da Audiência de Custódia. No entanto, o
Desembargador Relator não reconheceu tal preliminar, sob o fundamento de
que o sistema da Audiência de Custódia foi implementado na Comarca da
Capital, estando em vias de expandi-lo para todo o Estado, mas que na
Comarca do processo de origem ainda não havia o funcionamento da
Audiência de Custódia, logo não haveria nulidade no caso concreto.
O entendimento de que a inobservância da Audiência de Custódia não
torna ilegal a prisão cautelar é visualizado também em decisões recentes do
STJ:

54
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO
PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO
PARA O TRÁFICO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO
FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA DE
CUSTÓDIA. QUESTÃO SUPERADA. FLAGRANTE
HOMOLOGADO PELO JUIZ E CONVERTIDO EM
PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO PREVENTIVA.
FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GRAVIDADE CONCRETA.
PERICULOSIDADE SOCIAL. NECESSIDADE DA
PRISÃO PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.
CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS.
IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES DO ART. 319
DO CPP. INVIABILIDADE. COAÇÃO ILEGAL NÃO
DEMONSTRADA. 1. O habeas corpus não pode ser
utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de
que não se desvirtue a finalidade dessa garantia
constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade
apontada é flagrante, hipótese em que se concede a
ordem de ofício. 2. A não realização da audiência de
custódia, por si só, não é apta a ensejar a ilegalidade da
prisão cautelar imposta ao paciente, uma vez respeitados
os direitos e garantias previstos na Constituição Federal e
no Código de Processo Penal. Ademais, operada a
conversão do flagrante em prisão preventiva, fica
superada a alegação de nulidade na ausência de
apresentação do preso ao Juízo de origem, logo após o
flagrante. Precedentes. 3. A privação antecipada da
liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de
caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico, e a
medida deve estar embasada em decisão judicial
fundamentada (art. 93, IX, da CF), que demonstre a
existência da prova da materialidade do crime e a
presença de indícios suficientes da autoria, bem como a
55
ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do
Código de Processo Penal. Exige-se, ainda, na linha
perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior
Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a
decisão esteja pautada em motivação concreta, vedadas
considerações abstratas sobre a gravidade do crime. 4.
Na hipótese, é necessário verificar que a decisão do
Magistrado de primeiro grau e o acórdão impetrado
encontram-se fundamentados na garantia da ordem
pública, considerando, sobretudo, a expressiva
quantidade e variedade das drogas apreendidas – 321,8 g
de maconha, distribuídas em 253 sacos plásticos, 570,85
gramas de cocaína, acondicionados em 640 frascos do
tipo eppendorf e 130,5 g de crack, divididos em 435
invólucros plásticos -, circunstâncias essas que
evidenciam a gravidade da conduta perpetrada e a
periculosidade social do acusado, justificando-se, nesse
contexto, a segregação cautelar como forma de
resguardar a ordem pública. 5. Eventuais condições
subjetivas favoráveis ao paciente, tais como primariedade,
bons antecedentes e residência fixa, por si sós, não
obstam a segregação cautelar, quando presentes os
requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Precedentes. 6. Mostra-se indevida a aplicação de
medidas cautelares diversas da prisão, quando a
segregação encontra-se fundada na gravidade concreta
do delito, indicando que as providências menos gravosas
seriam insuficientes para acautelar a ordem pública 7.
Habeas corpus não conhecido. (HC 344989/RJ)”.
Natureza jurídica da audiência de custódia - HC 188888/MG

Segundo Caio Paiva, a audiência de custódia tem as funções essenciais de


56
controlar abusos das autoridades policiais e evitar prisões ilegais , arbitrárias
ou , por algum motivo , desnecessárias. No Habeas Corpus mencionado, o
STF decidiu que a natureza jurídica da audiência de custódia constitui direito
público subjetivo, de caráter fundamental, assegurado por convenções
internacionais de direitos humanos a que o Estado brasileiro aderiu
(Convenção Americana de Direitos Humanos, Artigo 7, nº 5, e Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos , Artigo 9, nº 3) e que já se acham
incorporadas ao plano do direito positivo interno de nosso País (Decreto nº
678/92 e Decreto nº 592/92, respectivamente), não se revelando lícito ao
Poder Público transgredir essa essencial prerrogativa instituída em favor
daqueles que venham a sofrer privação cautelar da liberdade individual.

Cabe lembrar que no julgamento do RE 466.343, com repercussão geral (Tema


60), o Supremo decidiu que os tratados e as convenções internacionais sobre
direitos humanos, se não incorporados como emenda constitucional, como é o
caso das convenções acima citadas, têm natureza de normas supralegais,
paralisando, assim, a eficácia de todo o ordenamento infraconstitucional em
sentido contrário.

A não realização da audiência de custódia

Em razão da natureza atribuída pelo STF à audiência de custódia, a ausência


da sua realização, tendo em vista a sua essencialidade e considerando os fins
a que se destina, qualifica-se como causa geradora da ilegalidade da própria
prisão em flagrante, com o consequente relaxamento da privação cautelar da
liberdade individual da pessoa sob o poder do Estado.
Nesse sentido a doutrina é convergente: AURY LOPES JR. (“Direito
Processual Penal”, p. 674/680, item n. 4.7, 17ª ed., 2020, Saraiva), EUGÊNIO
PACELLI e DOUGLAS FISCHER (“Comentários ao Código de Processo Penal
e sua Jurisprudência”, p. 792/793, item n. 310.1, 12ª ed., 2020, Forense),
GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ (“Processo Penal”, p. 1.206, item n. 18.2.5.5,
8ª ed., 2020, RT), RENATO BRASILEIRO DE LIMA (“Manual de Processo
Penal”, p. 1.024/1.025, 8ª ed., 2020, JusPODIVM) e RENATO MARCÃO
57
(“Curso de Processo Penal”, p. 778/786, item n. 2.12, 6ª ed., 2020, Saraiva).

A impossibilidade da conversão, de ofício, da prisão em flagrante em


preventiva

A reforma introduzida pela Lei 13.964/2019 (“Lei Anticrime”) modificou a


disciplina referente às medidas de índole cautelar, notadamente aquelas de
caráter pessoal, estabelecendo um modelo mais consentâneo com as novas
exigências definidas pelo moderno processo penal de perfil democrático e
assim preservando, em consequência, de modo mais expressivo, as
características essenciais inerentes à estrutura acusatória do processo penal
brasileiro.

A Lei 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art.


282, §§ 2º e 4º, e do art. 311, todos do Código de Processo Penal, vedou, de
forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio “requerimento
das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da
autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público”, não mais
sendo lícita , portanto, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação
“ex officio ” do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade .

A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz dos arts. 282,
§§ 2º e 4º, e 311, do mesmo estatuto processual penal, a significar que se
tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de
ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo
necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do
Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante
ou do assistente do MP.
QUESTÃO 05 Após intenso trabalho investigativo, a autoridade policial
instaurou inquérito para relatar que, valendo-se do medo, traficantes estariam
utilizando casas de diversos moradores de determinada localidade de uma
favela, para guardar armas e munições. De posse do inquérito, o Ministério
58
Público requereu ao juízo a expedição de um mandado de busca e apreensão
coletivo, uma vez que, embora o inquérito informe a localidade, não se sabe
com precisão quais residências seriam. A par das informações, e com base na
eficiência e na economia processual, o magistrado deferiu o mandado. Acerca
do caso narrado, discorra:
a) O mandado de busca e apreensão coletivo é lícito?
b) Qual seria o instrumento jurídico apto a neutralizar seus efeitos?

Padrão de resposta

Via de regra, o mandado de busca e apreensão traduz-se numa ordem do juiz,


mandando que se apreenda coisa em poder de outrem ou em certo lugar, para
ser trazida a juízo e aí ficar sob custódia do próprio juiz, mesmo que em poder
de um depositário por ele designado ou do depositário público. Encontra
previsão do artigo 240 ao 250 do Código de Processo Penal.
Acerca do mandado coletivo, decidiu o STJ que é ilegal a decisão judicial que
autoriza busca e apreensão coletiva em residências, feita de forma genérica e
indiscriminada. Segundo o Tribunal, a falta de individualização contraria
diversos dispositivos legais, como os artigos 240, 242, 244, 245, 248 e 249 do
CPP bem como o artigo 5°, XI, da Constituição Federal, que traz como direito
fundamental a inviolabilidade do domicílio.
Em face da ilegalidade da medida judicial que defere o mandado coletivo de
busca e apreensão, é cabível, ao mesmo passo, o habeas corpus coletivo. É
bem verdade que o artigo 654, §1°, "a", do CPP exige, para a petição de
Habeas Corpus, o nome da pessoa a ser beneficiada com a ordem. Cumpre
ressaltar, entretanto, que esse dispositivo advém da redação originária do
Decreto-Lei 3.689/41, sendo necessária sua releitura consoante os parâmetros
da Constituição de 1988. Nesse sentido, cabe observar que as ações
constitucionais de natureza cível (ação civil pública, mandado de segurança)
admitem tutela coletiva, o que permite considerar também válida a proteção
coletiva na esfera penal, conforme já decidiu o STJ (HC nº 575.495).
ESPELHO
59

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Busca e apreensão 20

A ilegalidade do mandado coletivo 20

O HC coletivo como medida adequada 20

Apresentar a jurisprudência 20

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência 20

COMENTÁRIOS

A busca e apreensão (art. 240 ao art. 250 do CPP)

A busca e apreensão é a diligência que determina a procura de bens e


pessoas, bem como sua posterior apreensão por aqueles que possuam
competência para o ato. Em geral, é uma medida bastante comum. Uma leitura
integral dos dispositivos em comento é fundamental.

A ilegalidade do mandado coletivo de busca e apreensão - HC 435.934 -


RJ

O Superior Tribunal de Justiça anulou a busca e apreensão coletiva em


casas numa favela do Rio de Janeiro. A decisão é proveniente de julgamento
de habeas corpus apresentado pela Defensoria Pública do Estado (DPRJ)
contra a medida autorizada em mandado judicial genérico, que não citava os
nomes das pessoas investigadas nem os endereços a serem verificados.

O recurso foi protocolado no STJ pelo Núcleo de Defesa dos Direitos


Humanos da Defensoria Pública, para questionar o mandado de busca e
60
apreensão concedido no plantão judiciário. Na época, o órgão concedeu uma
liminar proibindo a revista nas casas.

No recurso, a Defensoria Pública destacou que os moradores do


Jacarezinho e adjacências têm direito à privacidade, propriedade, liberdade e
segurança individual. “Muito além de ofender a garantia constitucional que
protege o domicílio da pessoa humana e as disposições do Código de
Processo Penal brasileiro a respeito da expedição de mandados de busca e
apreensão domiciliar, o ato viola o dever de fundamentação das decisões
judiciais”, afirmou a defensoria no HC.

O STJ destacou que o artigo o 5º, inciso XI, da Constituição Federal


estabelece que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Por esse motivo, mandados de busca e apreensão coletivos são ilegais, pois
caracterizam “ofensa ao direito fundamental à inviolabilidade do domicílio” e
“constrangimento ilegal”.

– Reitero, portanto, o meu entendimento de que não é possível a concessão de


ordem indiscriminada de busca e apreensão para a entrada da polícia em
qualquer residência. A carta branca à polícia é inadmissível, devendo-se
respeitar os direitos individuais. A suspeita de que na comunidade existam
criminosos e que crimes estejam sendo praticados diariamente, por si só, não
autoriza que toda e qualquer residência do local seja objeto de busca e
apreensão – afirmou o ministro Sebastião Reis Júnior, relator do HC da
Defensoria, no julgamento.
Busca indiscriminada

61
O defensor público Pedro Carriello, que representa a DPRJ nas ações
judiciais em tramitação nos tribunais superiores, destacou que a busca e
apreensão genérica violou uma série de direitos dos moradores e que a
decisão do STJ vem restabelecer a ordem constitucional.

– A decisão marca a admissibilidade do HC coletivo na defesa de direitos


fundamentais de pessoas vulneráveis. A decisão também tem enorme peso
diante do contexto social e político, ao impor limites ao estado policial –
afirmou.

A defensora Lívia Casseres, que atua no Nudedh, também destacou a


importância do posicionamento firmado pelo STJ. Segundo explicou, os
mandados genéricos de busca e apreensão legitimam uma série de violações
de direitos humanos.

– A decisão representa uma importante conquista da população do


Jacarezinho, pois reafirma a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos e
cidadãs contra atuações abusivas do estado a pretexto do combate à
criminalidade – ressaltou.

Princípio da inviolabilidade domiciliar

Inicialmente, vejamos o disposto no art. 5º, inciso XI da Constituição


Federal de 1988:

XI – a casa é , ninguém nela podendo penetrar sem

consentimento do morador, salvo em caso de flagrante


delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o

dia, por determinação judicial.

62

O objetiva proteger a intimidade e a vida privada do indivíduo. Além disso,

visa garantir-lhe, especialmente no período noturno, o sossego e a

tranquilidade.

Para que melhor possamos compreender o art. 5º, XI da CF/ 88, é de

fundamental importância saber qual é o conceito de “casa”.

De acordo com o, o conceito de “casa” revela-se abrangente, estendendo-

se a:

1.Qualquer compartimento habitado;

2.Qualquer aposento ocupado de habitação coletiva; e

3.Qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém

exerce profissão ou atividade pessoal.

Portanto, tal conceito também abrange escritórios profissionais,

consultórios médicos e odontológicos, trailers, barcos e aposentos de

habitação coletiva (como, por exemplo, o quarto de hotel).

Hipóteses permissivas - Busca e apreensão domiciliar

Neste ponto, veremos em quais hipóteses se pode penetrar na casa de

um indivíduo:
1.Com o consentimento do morador;

2.Sem o consentimento do morador, . Desse modo, não será possível o

ingresso na casa do indivíduo no período noturno, ainda que se tenha


63
ordem judicial.

3.A qualquer hora, sem o consentimento do indivíduo, em caso de

flagrante delito ou desastre, ou, ainda, para prestar socorro.

Em resumo, a regra geral é que somente é possível o ingresso na casa do

indivíduo com o seu consentimento. Entretanto, será possível penetrar na casa

do indivíduo mesmo sem o consentimento, desde que amparado por ordem

judicial (durante o dia) ou, a qualquer tempo, em caso de flagrante delito ou

desastre, ou para prestar socorro.

Conceito de “dia” e horário para cumprimento do mandado de busca e


apreensão domiciliar

A doutrina sempre divergiu acerca do conceito de “dia” para fins de

aplicação do art. 5º, XI, CF/88.

Alguns autores entendem que “dia” é o período compreendido entre as

06:00h e as 18:00h. Apesar das divergências doutrinárias, a partir de setembro

de 2019 passamos a ter parâmetros legais e objetivos para regulamentar o

conceito de “dia” em nosso ordenamento jurídico. A lei 13.869/2019 (Lei do

abuso de autoridade), tipificou como crime a conduta daquele que cumpre

mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou

antes das 5h (cinco horas). Logo, atualmente considera-se “dia” o horário que

vai das 5h até as 21h.


O cabimento de HC coletivo como medida adequada para sustar os

efeitos de mandado de coletivo de busca e apreensão

64

Habeas Corpus consiste no remédio jurídico constitucional que visa a

proteção da liberdade de locomoção do indivíduo quando ameaçada por

qualquer ilegalidade ou abuso de poder, salvo nos casos de punição disciplinar.

A Constituição Federal concede o direito à liberdade de locomoção e o

assegura através do habeas corpus previsto pelos incisos XV e LXVIII do art.

5º:

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo

de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele

entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que

alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência

ou coação em sua liberdade de locomoção, por

ilegalidade ou abuso de poder.

O Código de Processo Penal também traz a previsão ao Habeas Corpus,

o elencando dentro do título referente a recursos. Apesar disso, entende-se

majoritariamente que a natureza jurídica do HC é de ação autônoma, primeiro

porque recurso pressupõe o transito em julgado da sentença; e também porque

o recurso é interposto sempre de decisão judicial e o habeas corpus pode ser

impetrado contra ato de autoridade administrativa ou, como veremos adiante,

inclusive de ato de particular.


Tipos de HC

65

Cabimento

O CPP estabelece no seu art. 648 um rol de situações em que restará

configurado constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. Trata-se de um

rol exemplificativo, haja vista que a própria Carta Magna diz que o HC é o

remédio cabível diante de todo e qualquer tipo de ameaça ou restrição da

liberdade de locomoção, decorrente de ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º,

LXVIII).

Rol ilustrativo do CPP com as hipóteses de cabimento do habeas corpus:

Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:

I - quando não houver justa causa;

II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que

determina a lei;

III - quando quem ordenar a coação não tiver competência

para fazê-lo;

IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a

coação;

V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos


casos em que a lei a autoriza;

VI - quando o processo for manifestamente nulo;

VII - quando extinta a punibilidade.

66

A impetração do Habeas Corpus coletivo, embora não tenha previsão


expressa, encontra amparo legal no artigo 654, §2°, do CPP, que admite
concessão de ordem, de ofício, em favor de pessoa identificada, bem como no
artigo 580 do CPP, que possibilita a extensão da ordem de Habeas Corpus a
pessoas que se enquadrem na mesma hipótese processual.
É bem verdade que o artigo 654, §1°, "a", do CPP exige, para a petição de
Habeas Corpus, o nome da pessoa a ser beneficiada com a ordem. Cumpre
ressaltar, entretanto, que esse dispositivo advém da redação originária do
Decreto-Lei 3.689/41, sendo necessária sua releitura consoante os parâmetros
da Constituição de 1988.

Ademais, o nome expresso da pessoa é prescindível ao oferecimento de


denúncia e prosseguimento da persecução penal, nos termos dos artigos 41 e
259, ambos do CPP, exigindo-se em tais situações apenas dados aptos a
identificar o acusado. Se a ausência do "nome" autoriza a persecução penal,
como poderia ser empecilho para a concessão da liberdade [5]? Cabível, nessa
esteia argumentativa, a regra de hermenêutica sintetizada no brocardo ubi
eadem legis ratio ibi eadem dispositio, ou seja, onde há a mesma razão de ser,
deve prevalecer a mesma razão de decidir (STF, AI 835.442/RJ — ministro
Luiz Fux).

Outra observação é que as ações constitucionais de natureza cível (ação


civil pública, mandado de segurança) admitem tutela coletiva, o que nos
conduz a considerar também válida a proteção coletiva na esfera penal.
Colaciona-se trecho extraído do HC nº 575.495, decidido pela 6° Turma do
STJ: "No que diz respeito ao cabimento do Habeas Corpus coletivo, diante dos
novos conflitos interpessoais resultantes da sociedade contemporânea —
'sociedade de massa' —, imprescindível um novo arcabouço jurídico-
processual que abarque a tutela de direitos coletivos, também no âmbito
penal".

Outrossim, a "segunda onda" de acesso à Justiça compreende a tutela dos


67
direitos coletivos. A utilização do writ coletivo é constitucional, por ser um
importante instrumento de efetivação do direito fundamental à liberdade,
especialmente em favor dos grupos socioeconomicamente mais vulneráveis.
QUESTÃO 06 Em 2022, um grupo de integrantes do Partido Comunista X
realizou manifestações em prol do movimento sem terra no estado do Mato
Grosso do Sul. Ocorre que, durante uma manifestação, o grupo foi
interrompido por agentes policiais, que os levaram para um lugar afastado e ali
lhe aplicaram diversos golpes com armas e outros objetos. Os integrantes do
grupo não resistiram aos ataques, e, seus corpos não foram mais encontrados. 68

O caso chegou à Corte Interamericana de Direitos Humanos.


Discorra acerca do caso narrado, apontando:
a) No que consiste o desaparecimento forçado;
b) Caso o Brasil venha a editar lei concedendo anistia aos policiais do
seguinte caso, essa será válida de acordo com o entendimento da
Corte IDH?

PADRÃO DE RESPOSTA

Entende-se por desaparecimento forçado a prisão, detenção, sequestro ou


qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes
do Estado, ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com autorização,
apoio ou aquiescência do Estado, e a subsequente recusa em admitir privação
de liberdade ou a ocultação do destino ou o paradeiro da pessoa desaparecida,
privando-o, assim, da proteção da Lei.
Nenhuma pessoa será submetida a desaparecimento forçado. No mesmo
sentido, nenhuma circunstância excepcional, seja estado de guerra ou ameaça
de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública.
Nenhuma ordem ou instrução de uma autoridade pública, seja ela civil, militar
ou de outra natureza, poderá ser invocada para justificar um crime de
desaparecimento forçado A prática generalizada ou sistemática de
desaparecimento forçado constitui crime contra a humanidade.
São inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o
estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a
investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos
humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias e
os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas, por violar direitos
inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.

ESPELHO
TOTAL: ALUNO:
Definir o desaparecimento forçado; 25

Discorrer sobre a responsabilização do Estado 25


brasileiro;
Afirmar que a lei de anistia, nesse caso, não 50 69
será válida;

COMENTÁRIOS

A questão versa sobre desaparecimento forçado e tortura, bem como sobre a


implementação das decisões da Corte IDH em âmbito nacional.

O tema envolve o ponto 4 do edital de direitos humanos. Vejamos:


4. Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Histórico.
Formação. Organização. Órgãos. Comissão IDH. Corte IDH.
Defensor Interamericano. Comissão IDH. Organização.
Competência. Funções. Procedimento de Petição Individual. Corte
IDH. Organização. Competência. Funções. Implementação das
Decisões em Âmbito Nacional. Controle de Convencionalidade.
Valor Jurídico dos Informes da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos.

SISTEMA INTERAMERICANO
O Brasil faz parte desse sistema desde o seu advento (1948), bem como é parte
da Convenção Americana desde 1992 (vide melhor adiante).
Assim, o defensor público utilizará em seu cotidiano as normas interamericanas
de direitos humanos aceitas pelo Brasil, bem como as decisões proferidas por
esse sistema, sobretudo as decisões envolvendo o Brasil. Não procede a ideia
de que os direitos humanos são para poucos, afinal, as normas protetivas
interamericanas de direitos humanos também são parte de todo ordenamento
jurídico brasileiro.
De modo geral, o sistema interamericano pode ser definido como o “conjunto de
órgãos, entidades e mecanismos de variados propósitos e estruturas, assim
como de tratados e outros instrumentos que regulam uma infinidade de matérias
a nível regional” (F.V. García Amador apud TRINDADE, Antônio Augusto
Cançado, 2012, p. 320).
70
Tal sistema é ilustrado sobretudo pela ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS, denominada comumente pela sua sigla: OEA.
Visite o site da OEA: http://www.oas.org/pt/.
Atualmente, essa organização internacional, de caráter intergovernamental
(portanto, detentora de personalidade jurídica de Direito Internacional), se
localiza em Washington – Estados Unidos. Saliente-se que o sistema
interamericano não cuida tão somente de matéria de direitos humanos, mas
também analisa temas ligados à DEMOCRACIA, SEGURANÇA E
DESENVOLVIMENTO. Por certo, esses quatro pilares “conversam” entre si,
sendo que um assunto envolvendo direitos humanos pode, também, dizer
respeito à democracia, por exemplo. Juridicamente, envolvendo a temática de
direitos humanos, são documentos básicos: - A Carta da OEA, aprovada em
1948, com vigência em 1951 e posteriormente reformada pelo Protocolo de
Buenos Aires (1967), pelo Protocolo de Washington (1992) e pelo Protocolo de
Managuá (1993).
- Convenção Americana sobre Direitos Humanos (=Pacto de San José da Costa
Rica), conhecida como o “tratado regente de todo o sistema interamericano dos
direitos humanos”, que surge oficialmente em 1969 e entra em vigor em 1978.
→O Brasil é parte da Convenção Americana desde 25 de setembro de 1992,
sendo que tal documento internacional promulgado no país por meio do Decreto
nº 678 de 06 de novembro de 1992.
- Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos (= Protocolo
de San Salvador), que cuida dos direitos sociais, econômicos e culturais. Surge
em 1988, mas só entra em vigor em 1999.
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - ESTRUTURA:
PARTE I – DEVERES DOS ESTADOS E DIREITOS PROTEGIDOS →Art. 1º a
art. 32. → Destaque para:
*Artigos 1º e 2º (obrigação de respeitar os direitos e dever de adotar as 71

disposições de direito interno)


* Artigos 4º e 5º (direito à vida e à integridade pessoal)
* Art. 6º (proibição da escravidão e da servidão) → verificar as exceções e
conceitos.
* Art. 7º (direito à liberdade pessoal)
*Art. 8º (garantias judiciais) → caiu na penúltima última prova.
*Art. 13 (liberdade de pensamento e de expressão) → caiu na penúltima prova
(dissertativa)
*Art. 18 (direito ao nome)
PARTE II – MEIOS DE PROTEÇÃO → Art. 33 a art. 73.
PARTE III – DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS → Art. 74 a art. 82.

ÓRGÃOS DO SISTEMA INTERAMERICANO


Dentro da Convenção Americana de Direitos Humanos foram instituídas a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, que são importantes para verificação da proteção dos
direitos humanos e cumprimento dos Estados-parte da Convenção.
OBS: A Comissão e a Corte são instituições criadas pela Convenção
Americana, mas não são as únicas dentro de todo sistema interamericano. Há
outros órgãos da OEA que também observam o respeito aos direitos humanos,
como a Assembleia Geral da OEA e o Conselho Permanente; além do
Conselho Interamericano para o Desenvolvimento Integral.→ Ainda assim, a
Comissão e a Corte é a que mais nos interessa nos estudos das provas de
Defensorias Públicas.

Para diferenciar a Comissão da Corte Interamericana, lembre:


COMISSÃO INTERAMERICANA → Funciona como uma espécie de “Ministério
Público” (Mas não é o MP, não faz parte do MP). A Comissão representa todos
os Membros da OEA (art. 35)
→Art. 34 em diante da Convenção Americana → É ela quem irá receber as
72
petições e comunicações apresentadas por indivíduos ou grupos de indivíduos,
ou, ainda, entidade não governamental (art. 44). → Na análise de um caso, a
Comissão irá se manifestar em um relatório (= primeiro informe, que não possui
caráter vinculante).
Após, se o caso não for solucionado, realiza um segundo informe. Nesse
segundo informe a Comissão decidirá se remete o caso à Corte ou não. Não há
como a Corte exigir o cumprimento das recomendações feitas em seus
informes, mas o Estado deve observar o princípio da boa-fé.
OBS: A Comissão pode realizar investigações in loco. No caso do Brasil, porém,
tal inspeção depende de anuência expressa do Estado.
CORTE INTERAMERICANA → É o Tribunal interamericano de direitos
humanos. Responsável por julgar os casos envolvendo direitos humanos na
esfera interamericana (competência contenciosa/jurisdicional), bem como é
responsável por analisar e se manifestar sobre consultas formuladas pelos
Estados-partes (competência consultiva). →Art. 52 em diante da Convenção
Americana.
OBS: Não se pode esquecer que tanto a Corte quanto a Comissão também
podem proferir medidas cautelares (provisórias). – REQUISITOS: extrema
gravidade, urgência e irreparabilidade do dano. (Art. 25 do Regulamento da
Corte IDH).

DISCUSSÕES DE DIREITOS HUMANOS QUE ENVOLVEM O SISTEMA


INTERAMERICANO E QUE SÃO IMPORTANTES NA ATUAL CONJUNTURA

Reputamos importante frisar certas discussões que envolvem o sistema


interamericano e o Brasil, tais como:
* Desacato →Apesar de só ganhar discussão no Brasil recentemente, o
desacato vem sendo contestado desde 1992, quando na solução amistosa no
caso Verbitsky vs. Argentina, em sede de Comissão Interamericana de Direitos
Humanos. Verbitsky teria veiculado opinião jornalística chamando um juiz
argentino de “asqueroso!”.
73
Outro país, o Chile, chegou a enfrentar situação pior: sofreu responsabilização
por parte da Corte Interamericana, tendo que retirar o delito de desacato de seu
Código Penal (caso PalamaraIribarne vs. Chile – 2005). A questão é complexa
pois HÁ ENTENDIMENTOS DIFERENCIADOS ENTRE A COMISSÃO E A
CORTE SOBRE O TEMA. Para Comissão, a mera presença do delito de
desacato configura violação ao direito humano à liberdade de expressão. Já
para Corte Interamericana, nem todo caso de desacato leva à
responsabilização.
*Caso Luiza Melinho – aceito pela Comissão Interamericana, trata de caso
envolvendo cirurgia de afirmação sexual. É relevante pois recentemente a Costa
Rica realizou consulta perante à Corte questionando sobre a alteração do nome
e identidade de pessoas.
*Trabalho Escravo e Trabalho Análogo à Escravidão → Com a mais recente
decisão do caso “Fazenda Brasil Verde”, o combate ao trabalho escravo ficou
patente como um dever do Estado brasileiro. Contudo, mais recente portaria do
Ministério do Trabalho alterou conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva
e condições análogas à de escravo, o que pode gerar discussões se está em
conformidade com a decisão da Corte Interamericana.
LEMBRAR: ART. 6º DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
* Caso Favela Nova Brasília→ Talvez seja a decisão que merece mais atenção,
já que a DPRJ recentemente denunciou o Brasil perante a Comissão
Interamericana por violações de diretos humanos em favelas.
LEMBRAR: ART. 7º DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Atentamos para dois casos da Corte IDH que envolvem o tema do


desaparecimento forçado, sendo um deles do Brasil. Vejamos:
Caso Velásquez Rodrigues vs Honduras

Este caso está relacionado à denúncia apresentada pela Comissão


Interamericana de Direitos Humanos à Corte IDH, na qual a Comissão informou
que o estudante chamado Ángel Manfredo Velásquez Rodríguez havia sido 74

detido de forma violenta e sem ordem judicial, por integrantes da Direção


Nacional de Investigação das Forças Armadas de Honduras.
Segundo a denúncia apresentada perante a Comissão, e a informação
complementar recebida nos dias imediatamente seguintes, o estudante
Manfredo Velásquez “foi detido de forma violenta e sem intermédio de ordem
judicial de prisão, por elementos da Direção Nacional de Investigação e do G-2
(Inteligência) das Forças Armadas de Honduras”.
Na denúncia, foi dito que várias testemunhas oculares teriam afirmado ter sido
Ángel Manfredo Velásquez Rodríguez levado junto com outros detidos às celas
da II Estação da Força de Segurança Pública localizadas no Bairro El Manchén
de Tegucigalpa, onde foi submetido a “duros interrogatórios sob cruéis torturas,
acusado de supostos delitos políticos”. E que em 17 de setembro de 1981, foi
transferido ao I Batalhão de Infantaria onde prosseguiram os interrogatórios e
que, apesar disto, todas as forças policiais e de segurança negaram sua
detenção.

Segundo a doutrina, a Corte IDH concluiu que:


1) havia uma prática de desaparecimentos cumprida ou tolerada pelas
autoridades hondurenhas entre os anos 1981 e 1984, que
(2) o desaparecimento de Velásquez Rodriguez ocorreu por obra ou com a
tolerância dessas autoridades dentro do marco dessa prática e que
(3) o governo de Honduras se omitiu na garantia dos direitos humanos afetados
por essa prática. E, assim, a Corte IDH assentou que o governo de Honduras
violou os direitos de Velásquez Rodríguez à liberdade pessoal, à integridade
pessoal e à vida, condenando o Estado demandado a pagar uma justa
indenização compensatória aos familiares da vítima.

DECISÃO: “A CORTE, por unanimidade, desconsidera a exceção preliminar


de não esgotamento dos recursos internos oposta pelo Governo de Honduras.
Por unanimidade declara que Honduras violou os deveres de respeito e de
garantia do direito à liberdade pessoal, reconhecido no artigo 7 da Convenção,
em relação ao artigo 1.1 da mesma, em detrimento de Ángel Manfredo
75
Velásquez Rodríguez. Por unanimidade declara que Honduras violou os
deveres de respeito e de garantia do direito à integridade pessoal, reconhecido
no artigo 5 da Convenção, em relação ao artigo 1.1 da mesma, em detrimento
de Ángel Manfredo Velásquez Rodríguez. Por unanimidade declara que
Honduras violou o dever de garantia do direito à vida, reconhecido no artigo 4
da Convenção, em relação ao artigo 1.1 da mesma, em detrimento de Ángel
Manfredo Velásquez Rodríguez. Por unanimidade 5. decide que Honduras
está obrigada a pagar uma justa indenização compensatória aos familiares da
vítima. 6. Decide que a forma e a quantia desta indenização serão fixadas pela
Corte caso o Estado de Honduras e a Comissão não se ponham de acordo a
respeito num período de seis meses, contados a partir da data desta sentença,
e deixa aberto o procedimento para esse efeito.”

Caso Gomes Lund vs Brasil

(...) Popularmente conhecido como Guerrilha do Araguaia, trata


da responsabilidade do Estado Brasileiro pela detenção arbitrária,
tortura e desaparecimento forçado de aproximadamente setenta
pessoas, dentre elas integrantes do PCB (Partido Comunista
Brasileiro) e camponeses da Região do Araguaia, situada no
Estado do Tocantins, entre 1972 e 1975. A maioria das vítimas
desaparecidas integrava (ou pelo menos havia uma suspeita que
o fizessem) o movimento de resistência intitulado “Guerrilha do
Araguaia”, conhecido por realizar atos de residência aos militares.
Naquela época, o governo do Estado brasileiro implementou
ações com o objetivo de exterminar todos os integrantes do
movimento Guerrilha do Araguaia, no que teve êxito. Ocorre que,
no dia 28 de agosto de 1979, o Brasil aprovou a Lei Federal
6.683, conhecida popularmente como “Lei da Anistia”. Esse
diploma normativo perdoou todos aqueles que haviam cometidos
crimes políticos ou conexos com eles no período da ditadura
militar, o que acabou gerando a irresponsabilidade de todos os
76
agentes do Estado Brasileiro que participaram dos massacres
ocorridos no período da ditadura. A controvérsia chegou até a
CIDH (Comissão) (...). Após o Brasil não ter se manifestado sobre
os relatórios da CIDH, a demanda foi submetida à Corte (...) No
dia 24 de novembro de 2010, a Corte IDH sentenciou o Caso
Gomes Lund, responsabilizando o Estado Brasileiro pelas
violações ocorridas (...) (PAIVA, Caio; HEEMANN, Thimotie
Aragon. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 3ª
Edição. Belo Horizonte. Editora CEI, 2020, p. 377/378)

No Caso Gomes Lund vs Brasil uma das exceções preliminares alegadas pelo
Brasil foi a incompetência da Corte IDH para apreciar o caso, considerando que
os fatos ocorreram após o Brasil reconhecer a competência contenciosa da
Corte (que foi em 10/12/1998), mais de 20 anos após os acontecimentos dos
fatos na região do Araguaia.
Então, em tese, como os fatos se deram ANTES do reconhecimento da função
contenciosa (jurisdicional) da Corte pelo Brasil, eles não poderiam ser julgados
pela Corte Interamericana? A resposta da Corte foi negativa.
Recentemente, em março de 2021, o STJ aprovou a Súmula 647, no sentido
de que são imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e
materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos
fundamentais ocorridos durante o regime militar:

Súmula 647: São imprescritíveis as ações indenizatórias por


danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição
política com violação de direitos fundamentais ocorridos
durante o regime militar.

Uma das determinações da Corte IDH no Caso Gomes Lund vs Brasil foi a
instituição da denominada Comissão Nacional da Verdade.

No Brasil não há previsão do crime de “desaparecimento forçado”. Assim, a


Corte IDH poderia ter responsabilizado o Brasil no Caso Gomes Lund em razão
77
do crime de desaparecimento forçado, ainda que na legislação interna não haja
esse delito?
A resposta é sim.
Segundo a doutrina, esse já era o entendimento da Corte no Caso Caballero
Delgado e Santana vs Guatemala (1993), no sentido de que a ausência de
tipificação do delito de desaparecimento forçado não deve impedir a
condenação do Estado em âmbito internacional. O fato de o Estado ainda
não ter criminalizado a conduta de desaparecimento forçado deve servir como
mola propulsora para uma condenação no âmbito internacional e, por
conseguinte, uma futura tipificação do delito em análise.
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA
A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

1
W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA


A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

Olá Futuro(a) Residente Jurídico(a) da DPE-RJ,

Você está recebendo hoje a oitava rodada de conteúdo direcionado e


preparatório para o concurso de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro. Estamos quase terminando as rodadas! Você
está se saindo bem? Continuamos com todo o cuidado na seleção de cada
tema. Por aqui continuamos buscamos identificar os assuntos de maior
relevância na atuação prática na Defensoria Pública, temas que são quentes
e podem ser questão do seu certame!

Esta é a oitava rodada de dez. Ao total serão aproximadamente sessenta


questões! O objetivo é treiná-los para prova, então vocês devem tentar
resolver as questões antes de partirem para a leitura do espelho. O
espelho é instrumento essencial para você se aprofundar nos temas,
contudo, antes de abri-lo, treine com o caderno de questões!

Desejamos sorte neste seu objetivo e que este material possa continuar te
ajudar a alcançar a função de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro!

Qualquer dúvida, não deixe de nos procurar! Até breve,

Coordenação da turma

PRISCI LA COT TA
ANALISTA PROCESSU AL DA DPE-RJ
EX-RESIDENTE J URÍDICA DA DPE-RJ
RAONI ARAUJ O
COORDENADOR ACADÊMICO DO PED
MESTRE PELA FND/UFRJ

2
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARAA PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA – RODADA VIII

ESPELHO

QUESTÃO 01 Em 2004 foi veiculado um programa televisivo que dramatizava 1


um brutal assassinato ocorrido em 1958, o que levou familiares da vítima a
ajuizar uma ação com a pretensão de reparação de danos morais, materiais e
à imagem decorrentes da exibição do programa, sustentando o direito ao
esquecimento em relação à tragédia familiar ocorrida há tanto tempo. De
acordo com a atual posição do Supremo Tribunal Federal, é possível que a
demanda proposta seja procedente?

PADRÃO DE RESPOSTA
O direito ao esquecimento trata sobre a possibilidade de desconsiderar fatos
vexatórios que aconteceram no passado, considerados danosos à honra e à
privacidade do indivíduo. Mesmo que verídicas, essas informações não devem
ser de conhecimento público após determinado tempo decorrido.
Contudo, em 2021, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese em repercussão
geral que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal,
se entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a
divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em
meios de comunicação social. Eventuais excessos ou abusos no exercício da
liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a
partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da
honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral.
Logo, no caso em questão, levando em consideração o caso paradigmático
julgado pelo STF, seria improcedente a demanda.

ESPELHO
TOTAL: ALUNO:

Esclarecer o que é o direito ao esquecimento; 20

Discorrer sobre o posicionamento do STF 30


acerca da incompatibilidade do direito ao
esquecimento com a Constituição Federal;
Citar que excessos ou abusos no exercício da 30
liberdade de expressão e de informação
devem ser analisados caso a caso;
Afirmar que a demanda será improcedente. 20

COMENTÁRIOS
2
A questão tratou do Caso Aída Curi (REsp 1.335.153)
O segundo caso analisado pelo STJ foi o dos familiares de Aída Curi, abusada
sexualmente e morta em 1958 no Rio de Janeiro. A história desse crime, um
dos mais famosos do noticiário policial brasileiro, foi apresentada pela rede
Globo, também no programa “Linha Direta”, tendo sido feita a divulgação do
nome da vítima e de fotos reais, o que, segundo seus familiares, trouxe a
lembrança do crime e todo sofrimento que o envolve. Em razão da veiculação
do programa, os irmãos da vítima moveram ação contra a emissora, com o
objetivo de receber indenização por danos morais, materiais e à imagem.
A 4ª Turma do STJ entendeu que não seria devida a indenização, considerando
que, nesse caso, o crime em questão foi um fato histórico, de interesse público
e que seria impossível contar esse crime sem mencionar o nome da vítima, a
exemplo do que ocorre com os crimes históricos, como os casos “Dorothy
Stang” e “Vladimir Herzog”.
Mesmo reconhecendo que a reportagem trouxe de volta antigos sentimentos
de angústia, revolta e dor diante do crime, que aconteceu quase 60 anos atrás,
a 4ª Turma do STJ entendeu que o tempo, que se encarregou de tirar o caso
da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a
honra e a dignidade dos familiares.
Na ementa, restou consignado: “(...) o direito ao esquecimento que ora se
reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o caso dos autos, em
que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o
domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa
para o desiderato de retratar o caso Aída Curi, sem Aída Curi.”
Em suma, atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro não consagra o
denominado direito ao esquecimento.

Passemos à análise dos direitos fundamentais


Definição: Os direitos fundamentais são direitos subjetivos, que gozam de
maior carga valorativa em relação aos demais, compondo o núcleo da proteção
da dignidade da pessoa humana.
Natureza jurídica: Segundo jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão,
os direitos fundamentais possuem natureza jurídica dúplice: são uma categoria
especial de direitos subjetivos, ligados à condição de pessoa humana, e,
concomitantemente, parte integrante do direito objetivo, possuindo estrutura de
princípio. É o que alguns autores chamam, respectivamente, de “dimensão
subjetiva” e “dimensão objetiva” dos direitos fundamentais.
A dimensão subjetiva corresponde à característica desses direitos de
ensejarem uma pretensão a que se adote um determinado comportamento
(negativo ou positivo) ou de produzirem efeitos sobre certas relações jurídicas.
Já a dimensão objetiva revela a aptidão que os direitos fundamentais têm de
influírem em todo o ordenamento jurídico, servindo de norte para a ação de
todos os poderes constituídos; são os direitos fundamentais como “princípios
básicos” da ordem jurídica.
Assim sendo, o aspecto objetivo dos direitos fundamentais comunica-lhes uma
eficácia irradiante, que os converte em diretriz para interpretação e aplicação
das normas, ensejando, ainda, a discussão sobre a eficácia horizontal dos
direitos fundamentais, que será trabalhada logo adiante.
Essas duas dimensões – subjetiva e objetiva – interagem entre si, mantendo 3
uma relação de remissão e complemento recíproco.
Concepções filosóficas justificadoras dos direitos fundamentais:
Há uma disputa entre vertentes filosófico-jurídicas. De um lado, estão os
jusnaturalistas, que entendem que os diretos do homem são imperativos do
direito natural, anteriores e superiores a qualquer vontade do Estado. De outro
lado, há os positivistas, que defendem que os direitos do homem são
faculdades outorgadas pela lei e por ela reguladas.
Há também os chamados idealistas, que entendem que os direitos humanos
são ideias, princípios abstratos que a realidade vai acolhendo ao longo do
tempo; já os realistas veem os direitos do homem como o resultado direto de
lutas sociais e políticas.
Gerações dos direitos fundamentais:
Uma perspectiva histórica dos direitos fundamentais os situa em três gerações:
▪ 1ª geração: nesse primeiro momento, os direitos fundamentais surgiram para
fixar uma esfera de autonomia pessoal refratária às expansões do Poder
Estatal, consubstanciando-se em postulados de abstenção dos governantes,
criando obrigações de não fazer, de não intervir, por parte do Estado. Referem-
se, sobretudo, às liberdades individuais e ao direito de propriedade.
▪ 2ª geração: os direitos de segunda geração são os chamados “direitos
sociais”, justamente por se relacionarem a objetivos de justiça social. Por meio
deles, se intenta estabelecer uma liberdade real e igual para todos, o que
somente é possível através da ação positiva e corretiva dos Poderes Públicos.
Ganham realce, nesse contexto, o princípio da isonomia material (igualdade de
fato) e as liberdades sociais, como a de sindicalização e o direito de greve,
cabendo ao Estado fornecer as condições materiais para o gozo de tais
direitos.
▪ 3ª geração: os direitos de terceira geração peculiarizam-se por sua
titularidade difusa ou coletiva, uma vez que não foram concebidos para a
proteção do homem individualmente considerado, mas sim, para a proteção da
coletividade como um todo ou de grupos sensibilizados. Tem-se aqui o direito à
paz, ao desenvolvimento, a um meio ambiente sadio, à conservação do
patrimônio histórico e cultural. ▪ 4ª geração? Será que existe alguma 4ª
geração? Alguns autores consideram que sim. Paulo Bonavides considera que
são direitos de quarta geração os direitos ligados à democracia participativa, ao
direito à informação e ao pluralismo. Já outros autores, mencionam como
direitos de 4ª geração questões ligadas à bioética, como, por exemplo, a
fertilização in vitro, o descarte de embriões, a clonagem de indivíduos, as
pesquisas com células-tronco, a barriga de aluguel e etc.

Importante saber que os direitos das novas gerações convivem com os direitos
das gerações anteriores, isto é, os direitos mais antigos não se extinguem ou
apagam pelo simples surgimento de novos direitos; no máximo, podem ter seu
sentido adaptado aos novos anseios constitucionais, por isso alguns autores
preferem a expressão “dimensões de direitos” em vez de “gerações de
direitos”, já que a expressão “geração de direitos” pode dar a entender que o
direito de uma categoria substitui o anterior.
Pode ocorrer, ainda, de “novos direitos” serem, na realidade, nada mais que
antigos diretos adaptados às novas exigências do momento. Poderia, talvez,
ser o caso dos direitos decorrentes da “engenharia genética”, que Noberto 4
Bobbio entende como de “quarta geração”; para outros autores são nada mais
que novas manifestações do clássico direito à vida.

Características dos direitos fundamentais:


a) Universais: todas as pessoas são titulares de direitos fundamentais – a
simples condição humana é suficiente para atribuir à pessoa a qualidade
de titular de direitos fundamentais. Mas, cuidado: alguns direitos
fundamentais são específicos, isto é, não dizem respeito a toda e
qualquer pessoa, por sua própria essência. É o caso dos direitos dos
trabalhadores, por exemplo.

Os direitos fundamentais são absolutos?


Segundo Gilmar Mendes, não, pois todo direito fundamental pode ser objeto de
limitação. Há quem diga que o direito a não ser torturado e não ser reduzido à
condição de escravo são direitos absolutos, mas nem todos concordam.
No que consiste o processo de “especificação dos direitos
fundamentais”?
De acordo com Norberto Bobbio, a especificação dos direitos humanos seria
um processo de aprofundamento da tutela, que deixa de considerar apenas os
destinatários genéricos – o ser humano, o cidadão –, objeto do processo de
generalização, e passa a cuidar do ser em situação, a partir da tutela específica
de grupos em estado de maior vulnerabilidade.
Nessa esteira o autor cita dois exemplos de especificação no plano
internacional: a Convenção da ONU de 1965 para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial e a Convenção para a Prevenção e
Repressão do Crime de Genocídio de 1948. Nestes cenários houve uma
intensa preocupação com minorias étnicas em situação de vulnerabilidade,
especialmente após o Holocausto nazista e os conflitos étnicos na Europa, Ásia
e África do pós-guerra.
Assim, é possível dizer que o processo de especificação nada mais é do que
surgimento de direitos fundamentais vinculados a determinados grupos
especialmente vulneráveis (Exemplos: direitos fundamentais de minorias
étnicas, de crianças, de presos políticos, dos índios, de refugiados políticos
etc). Trata-se de um processo de intensificação da tutela, uma vez que tais
grupos não gozam de condições de igualdade perante o restante da sociedade,
demandando uma especial proteção do Estado.
b) Historicidade: a História altera os direitos fundamentais; os direitos se
conformam aos novos tempos, sendo suscetíveis de modificações.

c) Inalienáveis e indisponíveis: os direitos fundamentais não são


passíveis de alienação, o que quer dizer que não se admite que o seu
titular o torne impossível de ser exercitado para si mesmo, seja física,
seja juridicamente. Isso resulta da fundamentação dos direitos
fundamentais na dignidade da pessoa humana, e o direito não pode
permitir que o homem se prive de sua dignidade.

Atenção! A respeito da indisponibilidade, o que é vedado é que um indivíduo


abra mão irrevogavelmente dos direitos fundamentais. No entanto, nada 5
impede que o exercício de certos direitos fundamentais seja pontualmente
restringido em prol de uma finalidade acolhida ou tolerada pela ordem
constitucional. Assim, admite-se a disponibilidade momentânea para o
cumprimento de determinado fim contratual, desde que essa finalidade seja
legítima.
d) Irrenunciabilidade: é semelhante ao que ocorre na indisponibilidade. O
direito não pode ser renunciado; é possível, contudo, o não exercício
voluntário do direito. O titular não abdica a titularidade, tão somente do
exercício do direito.

e) Imprescritibilidade: o não exercício voluntário de um direito fundamental


não enseja a perda do direito via usucapião. O não exercício, por si só,
não significa renúncia. Mas, o não exercício somado a algum outro fator
pode ensejar a perda – ex.: perda da propriedade sobre bem imóvel pelo
não uso.

Aplicabilidade dos direitos fundamentais:


I. Aplicabilidade IMEDIATA dos direitos fundamentais:

Sobretudo após o nazismo na Alemanha, quando a noção de que os direitos


previstos na Constituição não se aplicavam imediatamente e a falta de uma
proteção judicial efetiva desses direitos abriram espaço para as atrocidades
cometidas por tal regime, fez-se necessário superar a concepção formal do
Estado de Direito, segundo a qual os direitos fundamentais só ganhariam
densidade após regulados por lei.
A partir de então, as Constituições buscaram firmar-se em princípios como o da
proteção judicial dos direitos fundamentais, o da vinculação dos poderes
públicos aos direitos fundamentais e o da aplicação direta e imediata destes,
independentemente de intermediação jurídica pelo legislador.
No Brasil, o art. 5º, §1º, da CRFB, consagrou essa ideia, dispondo que “as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata”, ressaltando, assim, o caráter PRECEPTIVO, e não meramente
programático, das normas que definem direitos fundamentais. Essa norma se
refere a todos os direitos fundamentais, e não apenas aos direitos individuais.
Assim, deve-se ter presente a noção de que os direitos fundamentais se
fundam na Constituição, e não na lei, e não são meras normas matrizes de
outras normas jurídicas, mas normas diretamente reguladoras de situações
jurídicas.
O art. 5º, §1º, da CF, autoriza que os operadores do direito, mesmo à falta de
comando legislativo, venham a concretizar direitos fundamentais pela via
interpretativa. Aliás, mais do que isso, os juízes podem, inclusive, dar aplicação
a direitos fundamentais mesmo contra a lei, sempre que ela não se conformar
ao sentido constitucional daqueles.

II. Eficácia HORIZONTAL dos direitos fundamentais

O reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, cuja


6
eficácia irradiante faz com que seus valores se espraiem por todos os ramos do
Direito, despertou a discussão acerca da aplicabilidade dos direitos
fundamentais às relações entre particulares. É o chamado efeito externo ou
eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais, em regra, são direitos subjetivos públicos, o que
significa dizer que nessa relação jurídica típica o titular do direito é o indivíduo e
o devedor é o Estado. Isso porque os direitos fundamentais, tradicionalmente,
foram concebidos como limitadores da atividade estatal, de modo que a
concepção clássica dos direitos fundamentais tem o indivíduo no polo ativo
(aquele que pode exigir uma prestação) e o Estado no polo passivo (aquele
que deve prestações, positivas ou negativas, aos indivíduos). Trata-se de uma
relação vertical.
Claro que, atualmente, existem, na nossa Constituição, alguns direitos
fundamentais concebidos exatamente para serem exercidos em face de
particulares, como é o caso dos direitos dos trabalhadores, por exemplo. Esses
direitos têm aplicação direta em face de pessoas privadas. Quanto a esses
direitos não se discute sua aplicabilidade direta e imediata nas relações
privadas.
Há, ainda, a eficácia diagonal dos direitos fundamentais, referentes à aplicação
dos direitos fundamentais nas relações privadas, nas quais estejam os
particulares em posição de desigualdade, havendo vulnerabilidade de uma
parte. Como exemplo, pode-se mencionar as relações de trabalho, empregador
x empregado.

JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA:

1) Poder Judiciário pode determinar que o Google desvincule o nome de


determinada pessoa, sem qualquer outro termo empregado, com fato
desabonador a seu respeito dos resultados de pesquisa; isso não se
confunde com direito ao esquecimento.
RECURSO ESPECIAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO (CPC/2015, ART. 1.040,
INCISO II). TESE FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM
REPERCUSSÃO GERAL, DE SER INCOMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL O CHAMADO DIREITO AO ESQUECIMENTO, ASSIM ENTENDIDO
COMO O PODER DE OBSTAR A DIVULGAÇÃO DE FATOS OU DADOS
VERÍDICOS, EM RAZÃO DA PASSAGEM DO TEMPO (TEMA 786/STF).
ACÓRDÃO DA TERCEIRA TURMA DO STJ QUE NÃO AFRONTOU O
REFERIDO ENTENDIMENTO. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO DE
EXCLUSÃO DA PESQUISA NO BANCO DE DADOS PERTENCENTES ÀS
RÉS, HAVENDO APENAS A DETERMINAÇÃO DA DESVINCULAÇÃO DO
NOME DA AUTORA, SEM QUALQUER OUTRO TERMO, COM A MATÉRIA
DESABONADORA REFERENTE À FRAUDE EM CONCURSO PÚBLICO.
PRESERVAÇÃO DO CONTEÚDO. CONCILIAÇÃO ENTRE O DIREITO
INDIVIDUAL À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE E O DIREITO COLETIVO À
INFORMAÇÃO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NÃO EXERCIDO, MANTENDO-SE,
NA ÍNTEGRA, O ACÓRDÃO PROFERIDO NO BOJO DO PRESENTE
RECURSO ESPECIAL.

1. Autos devolvidos para análise de eventual juízo de retratação, nos termos do 7


art. 1.040, inciso II, do CPC/2015, em decorrência do julgamento do RE n.
1.010.606/RJ, em que o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese (Tema
786/STF): "É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao
esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da
passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente
obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais.
Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de
informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros
constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem,
da privacidade e da personalidade em geral - e as expressas e específicas
previsões legais nos âmbitos penal e cível".

2. Da análise do acórdão proferido no presente recurso especial, verifica-se


que não foi determinada a exclusão das notícias desabonadoras envolvendo a
autora nos bancos de dados pertencentes às rés - isso nem sequer foi
pleiteado na ação de obrigação de fazer -, havendo tão somente a
determinação da desvinculação do nome da autora, sem qualquer outro termo,
com a matéria referente à suposta fraude no concurso público da Magistratura
do Rio de Janeiro (desindexação). O conteúdo, portanto, foi preservado.

3. Na verdade, a questão foi decidida sob o prisma dos direitos fundamentais à


intimidade e à privacidade, bem como à proteção de dados pessoais, e não
com base no direito ao esquecimento, que significaria permitir que a autora
impedisse a divulgação das notícias relacionadas com a fraude no concurso
público, o que, como visto, não ocorreu.

4. Destaca-se, ainda, que no voto do Ministro Relator proferido no RE n.


1.010.606/RJ, que deu origem à tese fixada no Tema 786/STF, constou
expressamente que o Supremo Tribunal Federal, naquele julgamento, não
estava analisando eventual "alcance da responsabilidade dos provedores de
internet em matéria de indexação/desindexação de conteúdos obtidos por
motores de busca", pois não se poderia confundir "desindexação com direito ao
esquecimento", "porque o tema desindexação é significativamente mais amplo
do que o direito ao esquecimento", o que corrobora a ausência de qualquer
divergência do entendimento manifestado por esta Corte Superior com a tese
vinculante firmada pelo STF.

5. Recursos especiais parcialmente providos. Ratificação do julgamento


originário, tendo em vista a ausência de divergência com os fundamentos
apresentados pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 786/STF.

(REsp n. 1.660.168/RJ, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma,


julgado em 21/6/2022, DJe de 30/6/2022.)
2) O direito ao esquecimento não justifica a exclusão de matéria
jornalística.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
OBRIGAÇÃO DE FAZER. MATÉRIA JORNALÍSTICA. NEGATIVA DE
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. 8
AUSÊNCIA. EXCLUSÃO DA NOTÍCIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO. NÃO
CABIMENTO.
1. Ação de obrigação de fazer ajuizada em 29/06/2015, da qual foi extraído o
presente recurso especial interposto em 13/10/2020 e concluso ao gabinete em
19/08/2021.
2. O propósito recursal é definir se a) houve negativa de prestação jurisdicional
e b) o direito ao esquecimento é capaz de justificar a imposição da obrigação
de excluir matéria jornalística.
3. Não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem,
aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a
controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela
pretendida pela parte.
4. O direito à liberdade de imprensa não é absoluto, devendo sempre ser
alicerçado na ética e na boa-fé, sob pena de caracterizar-se abusivo. A esse
respeito, a jurisprudência desta Corte Superior é consolidada no sentido de que
a atividade da imprensa deve pautar-se em três pilares, a saber: (i) dever de
veracidade, (ii) dever de pertinência e (iii) dever geral de cuidado. Ou seja, o
exercício do direito à liberdade de imprensa será considerado legítimo se o
conteúdo transmitido for verdadeiro, de interesse público e não violar os
direitos da personalidade do indivíduo noticiado.
5. Em algumas oportunidades, a Quarta e a Sexta Turmas desta Corte Superior
se pronunciaram favoravelmente acerca da existência do direito ao
esquecimento. Considerando os efeitos jurídicos da passagem do tempo,
ponderou-se que o Direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao
futuro por meio de diversos institutos (prescrição, decadência, perdão, anistia,
irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa
julgada). Ocorre que, em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal
definiu que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição
Federal (Tema 786). Assim, o direito ao esquecimento, porque incompatível
com o ordenamento jurídico brasileiro, não é capaz de justificar a atribuição da
obrigação de excluir a publicação relativa a fatos verídicos.
6. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1961581/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021)
QUESTÃO 02 A Defensoria Pública intentou Ação Civil Pública em favor de
uma comunidade localizada no interior do estado, habitada por diversas
famílias. O Núcleo de Habitação e Urbanismo da defensoria foi procurado por
essas famílias, que informaram que haviam sido notificados pelo Município
para deixarem suas casas, sob pena de reintegração de posse, eis que se
tratava de área de proteção ambiental. Assim, a DPE ajuizou ação pleiteando 9
a concessão de liminar para que o Município se abstivesse de demolir as
casas e inscrevesse os ocupantes em seus programas habitacionais.
Diante do caso narrado discorra aceca do direito à moradia e da remoção
forçada, apontando as teses para a defesa desses direitos.

PADRÃO DE RESPOSTA

O direito à moradia ingressou na Constituição da maneira expressa no ano


2000, por intermédio da Emenda Constitucional 26. O direito à moradia é um
direito social, prestacional e de segunda dimensão. Existem ainda diversos
Tratados Internacionais que tratam do direito à moradia, que o Brasil é
signatário, dentre eles: a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
(artigo XXV, item I), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as
Formas de Discriminação Racial (1965) etc.
O direito à moradia é uma garantia constitucional (art. 5, §1°, da CF/88) e está
enumerado entre outros direitos sociais elencados no art. 6°, da CRFB/88. Para
que seja possível a realização da política urbana e a promoção das funções
sociais da cidade, são previstos importantes instrumentos, como as edificações
e obras, além dos Planos Diretores Municipais.
Já a expressão “remoções forçadas” se define como a remoção, permanente
ou temporária, realizada contra a vontade dos indivíduos, famílias e/ou
comunidades das casas e/ou terras que ocupam, sem o fornecimento e o
acesso a formas adequadas de proteção legal ou de outro tipo de moradia.
Em casos de desocupação e demolição de núcleo urbano informal, o Poder
Público municipal tem obrigação de garantir o direito à moradia aos ocupantes
atingidos pelo deslocamento forçado.
Cabe destacar que o aluguel provisório é uma política paliativa, que reproduz a
insegurança habitacional, e ainda funciona como uma indexação pública para
os preços do mercado imobiliário informal, fazendo com que os preços de
locação aumentem nos locais para onde essas pessoas se destinam. Esta
acaba sendo, portanto, mais uma forma de gestão neoliberal da precariedade
da moradia. Mas, em alguns casos, essa é a única solução.
ESPELHO
TOTAL: ALUNO:

Definir o direito à moradia; 25 10

Definir remoção forçada; 25

Discorrer acerca das possíveis teses de 50


defesa do direito à moradia em casos de
remoções ou ameaças de remoções forçadas;

COMENTÁRIOS

A questão versa sobre o direito a moradia.

Hoje, o direito à moradia está previsto expressamente como direito social no art.
6º da CF/88. Porém, ele não está lá desde 1988.

CAPÍTULO II DOS DIREITOS SOCIAIS


Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

O professor Pedro Lenza, em seu Curso de Direito Constitucional (2021, p.


1.848), que o direito à moradia foi previsto de modo expresso como direito
social pela EC n. 26/2000.

Apesar disso, o autor lembra que desde a promulgação da Constituição o direito


de moradia já estava amparado, pois, na dicção do art. 23, IX, todos os entes
federativos têm competência administrativa para promover programas de
construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de
saneamento básico.
Nesse sentido:
(...) Apesar dessa incorporação tardia ao texto, desde a
promulgação da Constituição o direito de moradia já estava
11
amparado, pois, na dicção do art. 23, IX, todos os entes
federativos têm competência administrativa para promover
programas de construção de moradias e melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico. Também,
partindo da ideia de dignidade da pessoa humana (art. 1.º,
III), direito à intimidade e à privacidade (art. 5.º, X) e de ser
a casa asilo inviolável (art. 5.º, XI), não há dúvida de que o
direito à moradia busca consagrar o direito à habitação
digna e adequada, tanto é assim que o art. 23, X,
estabelece ser atribuição de todos os entes federativos
combater as causas da pobreza e os fatores de
marginalização, promovendo a integração social dos
setores desfavorecidos. (LENZA, Pedro, 2021, p. 1.848).

Primeiramente, é importante destacar que o art. 11, §1o, do PIDESC estabelece


que os Estados partes “reconhecem o direito de todos a um padrão de vida
adequado para si e sua família, incluindo alimentação, vestuário e habitação, e
para a melhoria contínua das condições de vida”.

O direito humano à moradia adequada é, portanto, derivado do direito a um


padrão de vida adequado, pois interfere diretamente no gozo de todos os
direitos econômicos, sociais e culturais. Por isso, costuma-se dizer que o direito
à moradia é a porta de entrada para os outros direitos.

Vale lembrar que o Comentário Geral no 7o do PIDESC (Pacto Internacional


sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) trata do direito à moradia, mas
com enfoque na proteção contra os despejos forçados.
Segurança jurídica da posse: A posse assume uma variedade de formas, como
o aluguel (público e privado), a moradia em cooperativa, o arrendamento, a
ocupação pelo próprio proprietário, a moradia de emergência e assentamentos
informais, incluindo a ocupação da terra ou da propriedade.
12

Independentemente do tipo de posse, todas as pessoas devem possuir um grau


de segurança, que lhes garanta proteção legal contra despejo forçado, assédio
ou quaisquer outras ameaças. Os Estados Partes devem, portanto, tomar
medidas imediatas para conferir segurança jurídica da posse às pessoas e
propriedades que careçam atualmente de tal proteção, consultando
efetivamente as pessoas e grupos afetados, e levando em consideração seus
posicionamentos.

A bandeira do direito à moradia (considerada uma “porta de entrada” para os


outros direitos) ganhou destaque no Brasil entre 1970/80, através das lutas dos
movimentos sociais urbanos. Como consequência disso, a redação da
Constituição Federal de 1988 abarca a questão urbana em alguns dispositivos
(art. 21, XX; art. 24, I; art. 30, VIII; art. 156, I; art. 191; art. 216, V), além do
capítulo intitulado “Da política urbana” (art. 182 e 183).

Em 2001, entrou em vigor o Estatuto da Cidade (Lei Federal no. 10.257/2001),


que prevê o direito à moradia (art. 2°), como um direito que faz parte do
desenvolvimento das funções sociais da cidade. Neste mesmo ano, também
entrou em vigor a Medida Provisória n°. 2220, que regulamentou o direito à
concessão especial de uso para fins de moradia (art. 183, §1o da CF/88).

O direito à moradia é uma garantia constitucional (art. 5, §1°, da CF/88) e está


enumerado entre outros direitos sociais elencados no art. 6°, da CRFB/88. Para
que seja possível a realização da política urbana e a promoção das funções
sociais da cidade, são previstos importantes instrumentos, como as edificações
e obras, além dos Planos Diretores Municipais.
Esse amplo arcabouço legislativo visa ampliar o acesso à terra e diminuir
desigualdades espaciais. Não obstante, são crescentes os números de déficits
habitacionais, calculados através das seguintes categorias: habitação precária;
ônus excessivo com aluguel; coabitação familiar (cômodos cedidos ou
13
alugados); e adensamento urbano.

Durante a pandemia, a questão da moradia (ou a ausência dela) esteve na


ordem do dia. Nesse período, mais de 175 organizações, entidades,
movimentos sociais e coletivos lançaram a “Campanha Despejo Zero”, que
resultou na ADPF 828, em que a Defensoria do Rio de Janeiro participou como
amicus curiae, que o Ministro Barroso suspendeu, em junho de 2021, por seis
meses as ordens de remoção e despejos de áreas coletivas habitadas antes da
pandemia. Ele considerou que despejos em meio à crise da Covid-19 prejudica-
riam as famílias mais vulneráveis. No fim de 2021, o ministro prorrogou a
proibição de despejos até 31 de março de 2022. Depois, em uma terceira
decisão, deu prazo até 31 de junho e, por fim, estendeu a proibição até 31 de
outubro de 2022.

Muitos casos de remoções forçadas são associados à violência, como os


causados por conflitos armados internacionais, conflitos internos e violências
comunitárias ou étnicas. Em outros momentos, essas remoções podem ser
motivadas pela pressão do mercado imobiliário ou pela realização de grandes
eventos, que buscam projetar as cidades internacionalmente.

Nesse sentido, tem-se como exemplo o famoso e emblemático caso da Vila


Autódromo, em que uma série de moradores foram removidos para ceder
espaço para as obras das Olímpiadas, sendo o “Programa Minha Casa, Minha
Vida” utilizado como moeda de troca para realocar as famílias pobres para
regiões cada vez mais distantes do centro urbano, sendo esse processo
também conhecido como “gentrificação”.
Contudo, por vezes, essas remoções ocorrem sem fundamentos jurídicos, como
é o caso dos argumentos ambientais, que podem servir para os pobres que
vivem em um morro, mas não para os ricos que vivem em área semelhante,
mas em casas mais estruturadas.
14
QUESTÃO 03 Defina o constitucionalismo latino-americano. E diferencie as
características do neoconstitucionalismo e do constitucionalismo latino-
americano.

Padrão de resposta:
15
O constitucionalismo latino-americano é um novo modelo de constitucionalismo
decorrente de reivindicações sociais de parcelas historicamente excluídas do
processo decisório nesses países, notadamente a população indígena. O
constitucionalismo latino-americano pode ser chamado de “constitucionalismo
pluralista”. O movimento propõe uma nova institucionalização do Estado,
propõe um Estado plurinacional. Este Estado deve ser baseado em novas
autonomias, no pluralismo jurídico, em um regime político calcado na
democracia intercultural e em novas individualidades particulares e coletivas.

O constitucionalismo latino-americano busca a ressignificação de conceitos


como legitimidade, participação popular e os direitos fundamentais da
população, de modo a incorporar as reivindicações das parcelas historicamente
excluídas do processo decisório.
Muito embora o neoconstitucionalismo tenha como características: o
reconhecimento de força normativa à Constituição; a expansão da jurisdição
constitucional; e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação
constitucional. O constitucionalismo latino-americano, por outro lado, tem como
características: Estado e a Constituição são a representação de uma única
nação; participação popular na elaboração e interpretação constitucionais; e
garantia de participação e reconhecimento de todas as etnias formadoras das
nações latino-americanas. Estas são algumas das diferença entre estes
movimentos teóricos.

Espelho de correção:

Total: Aluno:

I Estrutura, domínio linguístico e utilização dos termos 20


técnicos

II Conceito de constitucionalismo latino-americano 40

III Características do neoconstitucionalismo do 40


constitucionalismo latino-americano

Total 100
Comentários sobre o assunto tratado na questão:

16

O tema da nossa questão é muito importante para tratar de um


constitucionalismo mais inclusivo na esfera da América Latina.
Do ponto de vista normativo o denominado constitucionalismo latino-americano
nasce a partir das Constituições do Equador de 2008 e da Bolívia de 2009. E
se apresenta como uma ressignificação do modelo das tradicionais bases do
constitucionalismo de matriz europeia.
Esse constitucionalismo surge no contexto de busca pela promoção de um
Estado Plurinacional. A fundamentação teórica é a de que os Estados
nacionais modernos foram criados a partir da lógica da homogeneização e
uniformização. Por outro lado, o constitucionalismo latino-americano visa dar
maior proteção a diversividade.

Segundo o professor Fernando Antônio de Carvalho Dantas (2012), “o novo


constitucionalismo tem como principais características: substituição da
continuidade constitucional pela ruptura; inovação dos textos legais e das
constituições; institucionalização baseada em princípios, e não em regras;
extensão do texto constitucional baseado em linguagem acessível; proibição de
que os poderes constituídos estabeleçam formas de reforma constitucional;
maior grau de rigidez no processo constituinte (na Bolívia, a Constituição de
2009 foi promulgada e posteriormente foi submetida a um referendo);
reconstrução do sistema de democracia participativa, representativa e
comunitária; e integração de povos e recursos naturais, fazendo surgir um novo
modelo de constituição econômica”.
Indicação para aprofundamento:
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva,
2019.
QUESTÃO 04 A Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro iniciou investigação
contra Lucas diante de indícios de participação em organização criminosa de
hackers que teriam furtado dinheiro de correntistas de bancos. Em meio à
investigação, o Delegado responsável entendeu pertinente a interceptação
telefônica do réu. Após manifestação favorável do Ministério Público estadual,
tal medida foi deferida pelo magistrado competente, de forma motivada e pelo 17
prazo de 15 dias, findo o qual as interceptações foram imediatamente
cessadas. Todavia, ao produzir o relatório, a Polícia Civil mencionou que dos
15 dias de interceptação, 05 deles foram excluídos sumariamente pela própria
equipe policial da base do sistema, por não interessar ao caso. Com base no
conteúdo das interceptações o Ministério Público, então, requereu ao juiz
competente a prisão preventiva do investigado. Lucas foi preso e, na ocasião,
foi apreendido seu computador e não houve registro documental dos
procedimentos adotados pela polícia para a preservação da integridade,
autenticidade e confiabilidade dos elementos informáticos.
1 - Qual meio processual para reverter a prisão preventiva do assistido?
2 - Qual tese defensiva pode ser manejada no caso?

Padrão de resposta

1. O meio processual cabível é a impetração de Habeas Corpus com


fulcro no art. 647 do CPP.

2. A tese defensiva é a quebra da cadeia de custódia também conhecida


como break in the chain of custody. A quebra da cadeia de custódia
ocorreu e dois momentos distintos:

i) quando da produção do relatório, a Polícia Civil excluiu 05 dias da


interceptação da base do sistema por não interessar ao caso sem
ter dado tratamento adequado ao armazenamento da prova. Ao
retirar parte da intercepção deixou de observar o princípio da
mesmidade das fontes das provas. O princípio da mesmidade
consiste em garantir que a prova valorada é exatamente e
integralmente aquela que foi colhida.

ii) quando não houve o registro documental dos procedimentos


adotados pela polícia para a preservação da integridade,
autenticidade e confiabilidade dos elementos informáticos
decorrentes da apreensão do computador do Lucas.

Por fim, importante mencionar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem
jurisprudência firmada no sentido de serem inadmissíveis as provas digitais
sem registro documental acerca dos procedimentos adotados pela polícia
para a preservação da integridade, autenticidade e confiabilidade dos
elementos informáticos.
Diante do exposto cabe o relaxamento da prisão de Lucas diante de sua
flagrante ilegalidade.

Espelho de correção: 18

Total: Aluno:

I Estrutura, domínio linguístico e utilização dos termos 10


técnicos

II Habeas corpus 30

III Quebra da cadeia de custódia 30

III Ilegalidade da prisão por inadmitindo-se as provas 40


obtidas por falharem num teste de confiabilidade
mínima.

Total 100

Comentários

A temática cadeia de custódia foi introduzida pelo legislador no Código de


Processo Penal no Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) no art. 158-A, 158-B,
158-C, 158-D, 158-E e 158-F.

Segundo Renato Brasileiro a cadeia de custódia “consiste em mecanismo


garantidor da autenticidade das evidências coletadas e examinadas,
assegurando que correspondem ao caso investigado, sem que haja lugar para
qualquer tipo de adulteração. Funciona, pois, como a documentação formal de
um procedimento destinado a documentar a história cronológica de uma
evidência, evitando-se, assim, eventuais interferências internas e externas
capazes de colocar em dúvida o resultado da atividade probatória,
assegurando, assim, o rastreamento da evidência desde o local do crime até o
tribunal” (LIMA, Rentado Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 9ª ed.
Salvador: JusPodivm, 2021, p. 608).
O conceito de cadeia de custódia é dado pelo art. 158-A, caput do CPP.
Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os
procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do
vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e
manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.
19
O início da cadeia de custódia se dá com a preservação do local de crime ou
com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência
de vestígio.
Art. 158-A (...) § 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do
local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja
detectada a existência de vestígio.
A legislação também expõe as fases do rastreamento do vestígio:
● fase externa – art. 158- B, I a VII, do CPP e
● fase interna - art. 158- B, VIII a X do CPP.
Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas
seguintes etapas:
I - reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse
para a produção da prova pericial;
II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e
preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de
crime
III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de
crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser
ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua
descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo
atendimento;
IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial,
respeitando suas características e natureza;
V - acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é
embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas,
químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e
nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;
VI - transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando
as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de
modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o
controle de sua posse;
VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve
ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de
procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome
de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame,
tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;
VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo
com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e
químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado
em laudo produzido por perito;
IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições
adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de 20

contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo


correspondente;
X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a
legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.
A quebra da cadeia de custódia consiste na não observância do procedimento
legal previsto para a colheita da prova. Sendo assim, entende a doutrina
majoritária e o Superior Tribunal de Justiça, que a quebra da cadeia de
custódia das provas não leva, obrigatoriamente, à ilicitude ou à ilegitimidade da
prova, devendo ser analisado o caso concreto.
Dentre os defensores dessa corrente, Leonardo Barreto Moreira Alves
assevera:
“É dizer, a quebra da cadeia de custódia não resulta, necessariamente, em
prova ilícita ou ilegítima, interferindo apenas na valoração dessa prova pelo
julgador. A irregularidade na cadeia de custódia reduzirá a credibilidade da
prova, diminuirá o seu valor, passando-se a ser exigido do juiz um reforço
justificativo caso entenda ser possível confiar na integridade e na autenticidade
da prova e resolva utilizá-la na formação do seu convencimento. Enfim, “a
quebra da cadeia de custódia não significa, de forma absoluta, a inutilidade da
prova colhida. É preciso não se esquecer que a cadeia de custódia existe não
para provar algo, mas para garantir uma maior segurança – dentro do possível
– à colheita, ao armazenamento e à análise pericial da prova [...]. Desta forma,
a análise do elemento coletado e periciado, se houver quebra dos
procedimentos de cadeia de custódia, interferirá apenas e tão somente na
valoração dessa prova pelo julgador”. (Manual de Processo Penal. Salvador:
Juspodivm, 2021, p. 754).
E segundo a 6ª Turma do STJ: “As irregularidades constantes da cadeia de
custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos
produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável”. STJ. 6ª Turma.
HC 653.515-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 23/11/2021 (Info 720).
No entanto, segundo uma perspectiva de tese defensiva, a consequência
decorrente da quebra da cadeia de custódia (break in the chain of custody) é a
ilicitude da prova, com a sua exclusão, assim como das demais provas dela
derivadas na perspectiva da teoria da árvore envenenada. Essa posição foi
sustentada pela DPE-RJ em HC perante o STJ antes do Pacote Anticrime.
https://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/11846-STJ-concede-HC-com-base-
no-vicio-da-cadeia-de-custodia
Ademais, o STJ tem importante julgado sobre serem inadmissíveis as provas
digitais sem registro documental acerca dos procedimentos adotados pela
polícia para a preservação da integridade, autenticidade e confiabilidade dos
elementos informáticos. No qual, destacamos a definição do princípio da
mesmidade.
21
“A principal finalidade da cadeia de custódia, enquanto decorrência lógica do
conceito de corpo de delito (art. 158 do Código de Processo Penal), é garantir
que os vestígios deixados no mundo material por uma infração penal
correspondem exatamente àqueles arrecadados pela polícia, examinados e
apresentados em juízo. Busca-se assegurar que os vestígios são os mesmos,
sem nenhum tipo de adulteração ocorrida durante o período em que
permaneceram sob a custódia do Estado.
No caso, a defesa sustenta que a polícia não documentou nenhum de seus
procedimentos no manuseio dos computadores apreendidos na casa do
investigado e, portanto, aferir sua procedência demanda apenas que se avalie
a existência da documentação referente à cadeia de custódia, ou seja, se
foram adotadas pela polícia cautelas suficientes para garantir a mesmidade
das fontes de prova arrecadadas no inquérito, especificamente envolvendo os
conteúdos dos computadores apreendidos na residência do acusado.
Em que pese a intrínseca volatilidade dos dados armazenados digitalmente, já
são relativamente bem delineados os mecanismos necessários para assegurar
sua integridade, tornando possível verificar se alguma informação foi alterada,
suprimida ou adicionada após a coleta inicial das fontes de prova pela polícia.
Pensando especificamente na situação, a autoridade policial responsável pela
apreensão de um computador (ou outro dispositivo de armazenamento de
informações digitais) deve copiar integralmente (bit a bit) o conteúdo do
dispositivo, gerando uma imagem dos dados: um arquivo que espelha e
representa fielmente o conteúdo original.
Aplicando-se uma técnica de algoritmo hash, é possível obter uma assinatura
única para cada arquivo - uma espécie de impressão digital ou DNA, por assim
dizer, do arquivo. Esse código hash gerado da imagem teria um valor diferente
caso um único bit de informação fosse alterado em alguma etapa da
investigação, quando a fonte de prova já estivesse sob a custódia da polícia.
Mesmo alterações pontuais e mínimas no arquivo resultariam
numa hash totalmente diferente, pelo que se denomina em tecnologia da
informação de efeito avalanche.
Desse modo, comparando as hashes calculadas nos momentos da coleta e da
perícia (ou de sua repetição em juízo), é possível detectar se o conteúdo
extraído do dispositivo foi alterado, minimamente que seja. Não havendo
alteração (isto é, permanecendo íntegro o corpo de delito), as hashes serão
idênticas, o que permite atestar com elevadíssimo grau de confiabilidade que a
fonte de prova permaneceu intacta.
Contudo, no caso, não existe nenhum tipo de registro documental sobre o
modo de coleta e preservação dos equipamentos, quem teve contato com eles,
quando tais contatos aconteceram e qual o trajeto administrativo interno
percorrido pelos aparelhos uma vez apreendidos pela polícia. Nem se precisa
questionar se a polícia espelhou o conteúdo dos computadores e calculou
a hash da imagem resultante, porque até mesmo providências muito mais 22
básicas do que essa - como documentar o que foi feito - foram ignoradas pela
autoridade policial.
Salienta-se, ainda, que antes mesmo de ser periciado pela polícia, o conteúdo
extraído dos equipamentos foi analisado pela própria instituição financeira
vítima. O laudo produzido pelo banco não esclarece se o perito particular teve
acesso aos computadores propriamente ditos, mas diz que recebeu da polícia
um arquivo de imagem. Entretanto em nenhum lugar há a indicação de como a
polícia extraiu a imagem, tampouco a indicação da hash respectiva, para que
fosse possível confrontar a cópia periciada com o arquivo original e, assim,
aferir sua autenticidade.
Por conseguinte, os elementos comprometem a confiabilidade da prova: não há
como assegurar que os elementos informáticos periciados pela polícia e pelo
banco são íntegros e idênticos aos que existiam nos computadores do réu, o
que acarreta ofensa ao art. 158 do CPP com a quebra da cadeia de custódia
dos computadores apreendidos pela polícia, inadmitindo-se as provas obtidas
por falharem num teste de confiabilidade mínima; inadmissíveis são,
igualmente, as provas delas derivadas, em aplicação analógica do art. 157, §
1º, do CPP”. STJ. 5ª Turma. RHC 143169/RJ, Rel. Min. Messod Azulay Neto,
Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 7/2/2023 (Info 763).
QUESTÃO 05 Renata procura a Defensoria Pública para tutelar seus
interesses em juízo diante da rescisão unilateral de seguradora de plano de
saúde que, sem confirmar o recebimento de notificação acerca do
inadimplemento da penúltima parcela por parte de Renata, cancelou o seu
contrato.
Ela, agora, precisava realizar exames para uma cirurgia, e foi surpreendida 23
pelo laboratório ao ouvir que não haveria plano para cobrir os custos, e que
ela deveria arcar com o pagamento particular dos exames pretendidos.
Renata procura o atendimento da Defensoria Pública e cabe a você assisti-la
com as orientações cabíveis. Indique as providencias a serem adotadas
judicialmente e se a conduta da empresa foi adequada.

PADRÃO DE RESPOSTA
A postura da seguradora de saúde não está adequada à melhor interpretação
viola a boa-fé objetiva, notadamente pela ausência de confirmação acerca do
recebimento de notificação para o pagamento da parcela em atraso. Essa
medida consiste em procedimento prévio à rescisão do contrato, conforme já
decidiu o STJ. Ademais, a conduta é eivada de má-fé pois quebra a confiança
depositada pela beneficiária do contrato e a deixa sem assistência em período
tão sensível, qual seja, a necessidade de realização de exames para fins
cirúrgicos. Diante do cancelamento arbitrário e unilateral, deverá ser proposta
ação de obrigação de fazer para o reestabelecimento do plano, cumulado com
pedido de danos morais pelo constrangimento sofrido e com cabimento da
tutela de urgência (art. 300, CPC/15), pleiteando desde logo a cobertura pelos
exames necessários. É nesse sentido que se manifesta o STJ, mas também é
a ratio da nova redação da Lei 9656/98 (Lei dos Planos de Saúde), que com as
alterações promovidas em 2022 pela Lei nº 14.454/2022, previu em seu art. 1º
a submissão dos contratos à sistemática protetiva do Código de Defesa do
Consumidor.

ESPELHO
Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00
I número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
morfossintaxe e propriedade vocabular);

Abordar a necessidade de ingressar em juízo


II para a tutela dos direitos do consumidor, inclusive - 0,0 a 30
com cabimento de tutela de urgência visando a pontos
cobertura dos exames. Indicar a ação de
reestabelecimento de plano de saúde, com
pedido de danos morais.
III Mencionar que o CDC pode ser aplicado a planos - 0,0 a 20
de saúde, conforme alteração legislativa pontos
promovida na lei de planos de saúde em 2022.
IV Abordar o entendimento do STJ que, à luz da - 0,0 a 40
boa-fé como princípio e norma de conduta, traz pontos
balizas ao comportamento das partes
24
contratantes, e privilegia os usuários de planos
de saúde haja vista a submissão da avença à
codificação consumerista, mais protetiva.

TOTAL 100

COMENTÁRIOS

A questão teve como inspiração um caso concreto, em que se discutiu resilição


unilateral do contrato do plano de saúde pela operadora, baseada no não
pagamento de uma mensalidade por um período superior a 60 dias, e cuja
notificação foi realizada depois de ultrapassado o prazo de 50 dias,
estabelecido no art. 13 da Lei 9656/98, dos planos de saúde.
A questão chegou ao STJ, que decidiu pela necessidade de notificação prévia
com vistas a garantir a manutenção do contrato e resguardar o direito do
consumidor.
Nesses termos, pelo voto da Ministra Nancy Andrighi, verifica-se que o STJ
admite a resilição unilateral do contrato nos casos de comprovado atraso
superior a 60 dias, mas a notificação prévia da dívida é condição para essa
rescisão. A notificação visa permitir que o beneficiário tenha a oportunidade de
fazer o pagamento e assim evitar o cancelamento do serviço.
Vejamos a jurisprudência do STJ nesse sentido, que serviu de paradigma para
a questão:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.887.705 - SP
(2020/0097977-9) RELATORA: MINISTRA NANCY
ANDRIGHI RECORRENTE : LAURA DIAS KIMOTO
ADVOGADO : HEITOR ALVES PINHEL - SP284167
RECORRIDO : ASSISTÊNCIA MÉDICO
HOSPITALAR SÃO LUCAS S/A ADVOGADOS :
ABRAHÃO ISSA NETO - SP083286 JOSE MARIA
DA COSTA E OUTRO(S) - SP037468 EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE
FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL.
PLANO DE SAÚDE INDIVIDUAL. NÃO-
PAGAMENTO DE MENSALIDADE POR PERÍODO
SUPERIOR A 60 DIAS. NOTIFICAÇÃO PELA 25
OPERADORA APÓS O QUINQUAGÉSIMO DIA.
CONCESSÃO DE PRAZO RAZOÁVEL PARA O
PAGAMENTO. INADIMPLEMENTO.
RESILIÇÃOUNILATERAL JUSTIFICADA.
JULGAMENTO: CPC/2015. 1. Ação de obrigação de
fazer c/c compensação por dano moral ajuizada em
28/02/2019, da qual foi extraído o presente recurso
especial, interposto em 10/10/2019 e concluso ao
gabinete em 07/08/2020. 2. O propósito recursal é
decidir sobre a resilição unilateral do contrato de
plano de saúde individual pela operadora,
fundada no não-pagamento de mensalidade por
período superior a 60 dias e cuja notificação foi
realizada depois de ultrapassado o prazo de 50
dias estabelecido no art. 13, parágrafo único, II, da
Lei 9.656/1998. 3. A jurisprudência do STJ admite
a resilição unilateral do contrato de plano de
saúde individual por parte da operadora, quando
comprovado o atraso superior a 60 (sessenta) dias
e desde que seja feita a notificação prévia do
consumidor. 4. A notificação prévia, enquanto
condição sine qua non para o exercício do direito de
resilição unilateral do contrato pela operadora, visa a
permitir que o beneficiário tenha a oportunidade de
purgar a mora e, assim, evitar o cancelamento do
serviço; para isso, evidentemente, não basta a mera
comunicação do não-pagamento, sendo
indispensável, por força da boa-fé objetiva e da
função social do contrato, que assim o faça a
operadora em tempo razoável, de modo a permitir a
regularização do pagamento da mensalidade pelo
beneficiário. 5. Hipótese em que, a despeito de
terem sido ultrapassados os 50 dias para a
comunicação do inadimplemento, a operadora
concedeu tempo razoável para a regularização
pela beneficiária (10 dias), de tal modo que,
superado tal prazo após a notificação, sem o
efetivo pagamento, mostra-se legítima a resilição
unilateral do contrato. 6. Recurso especial
conhecido e desprovido, com majoração de
honorários.
{grifos nossos}
Veja-se também matéria extraída do site do TJDF1 acerca de cancelamento
unilateral em que se reforça a ilegalidade dessa rescisão unilateral:
Cancelamento unilateralmente de plano de saúde
sem comunicação prévia é ilegal por AR —
publicado há 3 anos 26
O cancelamento unilateralmente de contrato de
plano de saúde sem comunicação formal prévia à
beneficiária é ilegal e gera dever de indenizar. O
entendimento foi firmado pela 6ª Turma Cível ao
julgar recurso interposto pela Amil Assistência
Médica Internacional e pela Qualicorp
Administradora de Benefícios contra decisão que
acatou pedido de reembolso e indenização de
usuária que teve o plano de saúde cancelado sem
notificação. Constam nos autos que a beneficiária
teve atendimento médico negado em um hospital de
Unaí-MG sob o argumento de que o plano havia sido
cancelado. Ela narra que, ao retornar a Brasília,
precisou pagar R$ 5 mil para ser atendida em um
hospital e que o tratamento médico foi de R $
193.992,14. A autora ressalta que não foi notificada
previamente do cancelamento unilateral do plano e
que estava com as mensalidades em dia. Alega
ainda que houve ilegalidade das rés no
indeferimento da cobertura do tratamento e pede o
reembolso das despesas pagas e indenização por
danos morais. Em primeira instância, o juiz da 2ª
Vara Cível, de Família e de Órfãos e Sucessões de
São Sebastião julgou procedente os pedidos. As rés
recorreram da sentença. No recurso, a Amil afirma
que a autora deixou de pagar a mensalidade do mês
de fevereiro de 2019 e que todos os procedimentos
cabíveis para a extinção do contrato foram adotados,
incluindo a comunicação à beneficiária. Enquanto
isso, a Qualicorp esclarece que, de acordo com o
manual do beneficiário, a mensalidade deve ser
adimplida até o último dia da vigência referente ao
mês não pago, sob pena de cancelamento
automático do contrato. A administradora afirma
ainda que o pagamento do mês em aberto ocorreu
somente em maio, quando foi gerado um novo
boleto. As duas rés ressaltam que não praticaram
1
Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2020/abril/plano-de-saude-
deve-notificar-beneficiario-sobre-
cancelamento#:~:text=Cancelamento%20unilateralmente%20de%20plano%20de%20sa%C3%BAde%20s
em%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20pr%C3%A9via%20%C3%A9%20ilegal,-
por%20AR%20%E2%80%94%20publicado&text=O%20cancelamento%20unilateralmente%20de%20cont
rato,e%20gera%20dever%20de%20indenizar. Acesso em: 15.ago.2023.
ilegalidade e pedem para que a sentença seja
reformada. Ao analisar o recurso, o desembargador
relator observou que as rés não demonstraram a
necessária notificação acerca do cancelamento do
plano e que o envio de mensagens SMS não se
presta para essa finalidade, “uma vez que a aludida 27
ciência acerca do cancelamento do plano deve se
dar de modo formal e inequívoco”. Para o
magistrado, “não há como deixar de reconhecer
a ilegalidade na conduta da administradora do
plano, de cancelar unilateralmente o contrato
sem notificar a consumidora”. O desembargador
lembrou ainda que a atitude das prestadoras de
serviço de cancelar o contrato de forma repentina
“viola a boa-fé objetiva, quebra a confiança”
depositada pela beneficiária do contrato e a deixa
sem assistência, fato caracterizador de abalo e
angústia. Além disso, as rés aceitaram o pagamento
da parcela em atraso para depois se “recusar a
adimplir as despesas havidas em decorrência da
internação da segurada”. Dessa forma, a Turma
negou provimento, por unanimidade, ao recurso das
rés e manteve a sentença que as condenou a pagar
a autora a quantia de R$ 10 mil a título de danos
morais. As rés terão ainda que restituir à autora o
valor de R$ 5 mil e assumir os gastos com a
cobertura do tratamento hospitalar.
PJe2: 0702136-57.2019.8.07.0012

Vejam que, inclusive, o plano rescindir o contrato por inadimplemento do


usuário e posteriormente enviar guias de pagamento configura ato ilícito, na
medida que é venire contra factum proprium, agindo a seguradora de saúde
com má-fé. Nesse sentido, inclusive, já decidiu o STJ:

EMENTA. CIVIL. RECURSO ESPECIAL


MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. PLANO DE
SAÚDE. CANCELAMENTO POR FALTA DE
PAGAMENTO. RECEBIMENTO DE MENSALIDADE
APÓS A INADIMPLÊNCIA E DA EXTINÇÃO DO
CONTRATO. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA
BOA-FÉ E DO INSTITUTO DA SURRETCIO.
RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO. RECURSO
PROVIDO.
1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos
do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo
Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos
recursos interpostos com fundamento no CPC/2015
(relativos a decisões publicadas a partir de 18 de
março de 2016) serão exigidos os requisitos de
admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. Nos termos do art. 13, parágrafo único, inciso
II, da Lei nº 9.656/98, inadimplido o pagamento da
mensalidade, o plano de saúde deverá notificar o
28
segurado para regularizar o débito.
3. A notificação, além de apontar o inadimplemento,
deverá informar os meios hábeis para a realização
do pagamento, tal como o envio do boleto ou a
inserção da mensalidade em atraso na próxima
cobrança.
4. Vencida a notificação e o encaminhamento
adequado de forma a possibilitar a emenda da mora,
só então poderá ser considerado rompido o contrato.
5. É exigir demais do consumidor que acesse o sítio
eletrônico da empresa e, dentre os vários links, faça
o login, que possivelmente necessita de cadastro
prévio, encontre o ícone referente a pagamento ou
emissão de segunda via do boleto, selecione a
competência desejada, imprima e realize o
pagamento, entre outros tantos obstáculos. O
procedimento é desnecessário e cria dificuldade
abusiva para o consumidor.
5. O recebimento das mensalidades posteriores ao
inadimplemento, inclusive a do mês subsequente ao
cancelamento unilateral do plano de saúde, implica
violação ao princípio da boa-fé objetiva e ao
instituto da surretcio.
6. Recurso especial provido.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.887.705-SP, Rel. Min. Moura
Ribeiro, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, julgado em
14/09/2021.

{grifos nossos}
Sobre a aplicação do CDC aos contratos de planos de saúde:

Não pairam dúvidas hoje que há relação jurídica de consumo nos planos de
saúde. Muito já se discutiu acerca da natureza jurídica desses contratos, tendo
pacificado a doutrina e jurisprudência que indubitavelmente se trata de relação
de consumo, com assimetria informacional, vulnerabilidade e hipossuficiência.

É dizer, contratos de plano de saúde são contratos de adesão firmados por


particular com uma seguradora de saúde, em que se espera a utilização
eventual de um serviço caso haja necessidade por razão de saúde. Nesse
sentido, o consumidor é o titular do plano de saúde e/ou seus dependentes, os
beneficiários e todos os que dele sejam usuários. Vale mencionar que, como
relação consumerista, há a presença do instituto do consumidor por
equiparação, não importando quem conste como pagante no contrato, e sim a
29
gama de beneficiários/dependentes do contrato.

Nesse contexto, o fornecedor é a operadora de planos de assistência à saúde,


aquela que oferece serviços de assistência à saúde, através dos planos de
saúde no mercado de consumo, isto é, as pessoas jurídicas constituídas sob a
modalidade “medicina em grupo”, “seguradora especializada em saúde”,
“cooperativa”, ou outras obrigatória e devidamente registradas na Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A ANS é agência reguladora do setor,
incumbida de regulamentar fiscalizar e monitorar o mercado de saúde
suplementar, sempre com foco na qualidade da assistência à saúde.

Assim, resta nítido que a relação entre os particulares e as empresas que


oferecem serviços de assistência à saúde está amparada pelo CDC.

Todavia, nem sempre esse entendimento foi sólido.

Historicamente, a Lei 9.656/1998, em seu artigo 35 G, dispõe que se aplicam


subsidiariamente aos contratos de planos privados de assistência à saúde as
disposições do Código de Defesa do Consumidor:

"Artigo 35-G. Aplicam-se subsidiariamente aos


contratos entre usuários e operadoras de produtos
de que tratam o inciso I e o §1º do artigo 1º desta Lei
as disposições da Lei nº 8.078, de 1990."

O problema dessa redação, antes da mudança pela Lei nº 14.454/2022, era


prever a subsidiariedade em detrimento da aplicação
complementar/suplementar. Afinal, o Código de Defesa do Consumidor é lei
geral principiológica com roupagem constitucional (art. 48 do ADCT) e se aplica
a toda relação de consumo, a Lei 9.656/1998, por sua vez, é especial que
regula os planos privados de assistência à saúde, isto é, os planos de saúde,
incluindo nesta terminologia os seguros-saúde.
O CDC deveria, então, servir como lei geral principiológica a guiar a
interpretação da lei especial na defesa dos interesses do consumidor, em
especial na interpretação de todas as cláusulas na maneira mais favorável ao
consumidor.
30

Assim, a melhor terminologia, salvo melhor juízo, deveria prestigiar a aplicação


complementar.

Esse problema se resolveu em 2022, ano em que a Lei nº 9.656/98 foi alterada
para prever em seu art. 1º a aplicação do CDC e seus princípios aos contratos
de saúde. Se não, vejamos:
LEI Nº 9.656, DE 3 DE JUNHO DE 1998
Dispõe sobre os planos e seguros privados de
assistência à saúde.
Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as
pessoas jurídicas de direito privado que operam
planos de assistência à saúde, sem prejuízo do
cumprimento da legislação específica que rege a sua
atividade e, simultaneamente, das disposições
da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código
de Defesa do Consumidor), adotando-se, para fins
de aplicação das normas aqui estabelecidas, as
seguintes definições: (Redação dada pela Lei nº
14.454, de 2022)

Com a previsão de que os planos de saúde são submetidos à codificação


consumerista, o legislador veio pacificar positivamente a celeuma.
Ademais, conforme a redação do artigo 13, p.ú, da Lei dos Planos de Saúde
(Lei nº 9.656/1998), a operadora pode cancelar o contrato após 60 dias de
inadimplemento, desde que notifique o consumidor até, no máximo, 50 dias —
o que confere dez dias para pagar a dívida. Ou seja, no caso, antes do
cancelamento do contrato, Renata deveria ter recebido uma notificação com no
mínimo 10 dias de antecedência para que pudesse regularizar o pagamento.
Vejamos o artigo supracitado:
Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o
inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei têm renovação
automática a partir do vencimento do prazo inicial de
vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou
qualquer outro valor no ato da renovação. (Redação
dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput,
contratados individualmente, terão vigência mínima
31
de um ano, sendo vedadas: (Redação dada pela
Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
(...)
II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato,
salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade
por período superior a sessenta dias, consecutivos
ou não, nos últimos doze meses de vigência do
contrato, desde que o consumidor seja
comprovadamente notificado até o qüinquagésimo
dia de inadimplência; (Redação dada pela Medida
Provisória nº 2.177-44, de 2001)

Extrai-se da literalidade da norma que a resilição unilateral do contrato de plano


de saúde individual pela operadora é medida excepcional, somente autorizada
nas hipóteses restritas estabelecidas pelo legislador, dentre as quais está o
não-pagamento de mensalidade por prazo superior a 60 dias dentro de um
ano, desde que o beneficiário seja comprovadamente notificado até o
qüinquagésimo dia de inadimplência. A intenção do legislador, ao assim
estabelecer, é assegurar a preservação do contrato, levando em consideração
a sua natureza cativa e a posição de dependência do usuário com relação ao
serviço, qualificado pelo constituinte como de relevância pública (art. 197 da
CF/1988).
Há casos em que a seguradora não cumpre o prazo, e outros em que
simplesmente ignora esse aviso. Em ambas as hipóteses, seja como for,
deverá ser proposta a ação judicial de obrigação de fazer visando o
reestabelecimento, como medida de assegurar a cobertura dos exames.
Assim, a respeito dessa medida judicial cabível, cumpre esclarecer que não era
o foco da questão abordar a fundo a questão processual, bastando que o aluno
indicasse o que seria providenciado pela Defensoria. Ato contínuo, a ação de
obrigação de fazer deveria ter como pedido principal o reestabelecimento do
plano de saúde, cabendo tutela de urgência e cumulação de pedido de danos
morais pela mácula à dignidade.
Nesse sentido, vejamos a disposição do CPC acerca dos requisitos de perigo
32
da demora e fumaça do bom direito, aptos a habilitar a utilização da tutela no
caso da questão proposta.
Até porque, lembremos que a fundamentação de direito encontra respaldo no
entendimento do STJ, segundo o qual deveria ser oportunizada ao usuário a
resposta e a possibilidade de adimplemento da parcela em atraso antes do
cancelamento do plano. A urgência, com o perigo da demora na tutela
jurisdicional pretendida, por sua vez, se justifica pela natureza do serviço
contratado, e comprova-se pelo plano fático do caso, com a demonstração de
necessidade de intervenção cirúrgica.
Vejam o que dispõe o art. 300 do CPC/15:

TÍTULO II

DA TUTELA DE URGÊNCIA

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 300. A tutela de urgência será concedida


quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou
o risco ao resultado útil do processo.

§ 1 o Para a concessão da tutela de urgência,


o juiz pode, conforme o caso, exigir caução
real ou fidejussória idônea para ressarcir os
danos que a outra parte possa vir a sofrer,
podendo a caução ser dispensada se a parte
economicamente hipossuficiente não puder
oferecê-la.

§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida


liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3º A tutela de urgência de natureza


antecipada não será concedida quando
houver perigo de irreversibilidade dos efeitos
da decisão.

A respeito dos entraves que enfrentam os consumidores, vale dizer que o STJ 33

tem sido bastante protetivo aos usuários de planos de saúde, ao prever,


inclusive, que o não envio de 2 via física para idosa pode ensejar o dever de
indennizar por dano moral, além de obrigar ao reestabelecimento do plano.

Vejam, sobre esse ponto, interessante trecho de artigo informativo publicado


em 2021 no site Conjur2:

Operadora que não enviou segunda via de


boleto a idosa deve reativar plano, diz STJ:

Ao notificar um cliente de que há mensalidade


do plano de saúde em atraso, a operadora
deve facilitar o pagamento e conferir prazo
suficiente para o adimplemento antes cancelar
o contrato, especialmente quando se tratar de
pessoa idosa.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do


Superior Tribunal de Justiça condenou uma
operadora de plano de saúde a reativar o
contrato de uma mulher de 82 anos, o qual
havia sido rompido devido ao não pagamento
de uma das mensalidades.

(...)

O problema é que o pagamento não foi


facilitado. A notificação informou a idosa de 82
anos do atraso de pagamento e recomendou
acessar o site da operadora para imprimir a
segunda via. A empresa poderia ter enviado
diretamente o boleto em anexo, mas não o
fez.

2
www.conjur.com.br/2021-dez-21/stj-manda-reativar-plano-saude-notificacao-
insuficiente#:~:text=Segundo%20o%20artigo%2013%2C%20parágrafo,operadora%20não%20cumpriu%
20esse%20prazo. Acesso em: 14.ago.2023
(...)

Dificultou para cancelar


Para a maioria encabeçada pelo voto
divergente do ministro Moura Ribeiro, houve
quebra da boa-fé objetiva, pois o plano de 34
saúde continuou recebendo as mensalidades
subsequentes, mas depois cancelou o plano
da idosa sem lhe facilitar o único pagamento
em atraso.

"É exigir demais de uma idosa que acesse o


sítio eletrônico da empresa e, dentre os vários
links, faça o login na 'área do beneficiário',
que possivelmente necessita de cadastro
prévio, encontrar o ícone referente a
pagamento ou emissão de segunda via do
boleto, selecionar a competência desejada,
imprimir e realizar o pagamento. O
procedimento é por demais extenuante",
afirmou.

Como a cobrança não seguiu a forma


costumeira (envio do boleto), o prazo de dez
dias para o pagamento da mensalidade
atrasada não pode ser considerado razoável.
A divergência foi acompanhada pelos
ministros Paulo de Tarso Sanseverino e
Marco Aurélio Bellizze.

A recorrida, ao notificar a recorrente deveria


ter facilitado o exercício do seu direito de
purgar a mora adequadamente (anexando à
notificação o boleto da mensalidade
inadimplida), sobretudo por ser idosa — e, por
isso, vulnerável —, situação que atrai especial
proteção do ordenamento jurídico pátrio
(Estatuto do Idoso)", disse o ministro Bellizze,
no voto-vista de desempate.

Como visto, o cancelamento do plano é possível, mas a legislação estabelece


diversas regras a serem observadas a fim de proteger o consumidor, defendo a
atuação da Defensoria se pautar no descumprimento destas para tutelar os
interesses da assistida.
SUGESTÃO DE LEITURA:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.887.705 - SP (2020/0097977-9)

35
QUESTÃO 06 Fernanda, inimputável, condenada por crime cuja pena em
abstrato é de 12 (doze) anos, foi identificada como vítima de maus tratos após
visita da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro no Hospital de
Custódia onde cumpria Medida de Segurança. Devido ao seu estado
36
desorientado e confuso, e por estar com sinais de maus tratos físicos, foram
realizadas pesquisas a seu respeito, onde se verificou que a mesma já estava
no estabelecimento há 20 (vinte) anos.
Diante dos fatos, disserte sobre o caso de Fernanda, em especial sobre o
prazo de cumprimento de sua medida de segurança, justificando, de acordo
com a jurisprudência, se a sua internação pode se dar por tempo
indeterminado.

PADRÃO DE RESPOSTA

O caso apresentado demonstra grave violação aos direitos humanos, tendo em


vista os maus tratos sofridos. A Resolução nº 487/2023 do CNJ dispõe acerca
dos parâmetros que devem ser utilizados para que seja dado tratamento
adequado às pessoas com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência
psicossocial que estejam custodiadas, sejam investigadas, acusadas, rés ou
privadas de liberdade, em cumprimento de pena ou de medida de segurança,
em prisão domiciliar, em cumprimento de alternativas penais, monitoração
eletrônica ou outras medidas em meio aberto.
No que tange ao caso de Fernanda, os tribunais brasileiros divergem quanto ao
prazo de cumprimento da medida de segurança. O STF possui julgados
afirmando que a medida de segurança deverá obedecer ao prazo máximo de
40 anos, fazendo uma analogia ao art. 75 do CP e considerando que a CF/88
veda as penas de caráter perpétuo. Já o STJ possui entendimento sumulado,
no enunciado nº 527, aduzindo que o tempo de duração da medida de
segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente
cominada ao delito praticado.
Logo, segundo o entendimento do STF a internação de Fernanda estaria
dentro do prazo máximo de 40 anos. Contudo, seguindo-se o entendimento do
STJ, a internação seria ilegal, de modo que o Defensor público poderia pleitear
a extinção da medida de segurança.

ESPELHO

TOTAL: ALUNO:

Afirmar que os maus tratos sofridos por 25


Fernanda constituem violação aos direitos
humanos;
Mencionar a Resolução nº 487 do CNJ; 25

Discorrer acerca do entendimento do STF e do 50


STJ acerca do prazo de cumprimento da
medida de segurança. 37

COMENTÁRIOS

Medida de segurança

“Medida de segurança é a modalidade de sanção penal com finalidade


exclusivamente preventiva, e de caráter terapêutico, destinada a tratar
inimputáveis e semi-imputáveis portadores de periculosidade, com o escopo
de evitar a prática de futuras infrações penais.” (MASSON, Cleber. Direito
Penal esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 815).

Assim, a medida de segurança é aplicável para o indivíduo que praticou uma


conduta típica e ilícita, mas, no tempo do fato, ele era totalmente incapaz
(inimputável) ou parcialmente capaz (semi-imputável) de entender o caráter
ilícito de sua conduta e de se autodeterminar segundo tal entendimento. Em
razão disso, em vez de receber uma pena, ele estará sujeito a receber uma
medida de segurança (AVENA, Norberto. Execução penal esquematizado. São
Paulo: Método, p. 363).

Qual é o procedimento necessário para se constatar a necessidade ou


não de aplicação da medida de segurança?

Se houver séria dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz


determina a instauração de um incidente de insanidade mental.
O réu será submetido a um exame médico-legal que irá diagnosticar se ele, ao
tempo da ação ou da omissão criminosa, tinha capacidade de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Quais as conclusões que o juiz pode chegar com o incidente de
insanidade?
Após o incidente e com base nas conclusões do médico perito, o juiz poderá
concluir que o réu é:
38
 imputável: nesse caso, ele será julgado normalmente e poderá ser
condenado a uma pena;
 inimputável: se ficar provado que o agente é inimputável, ou seja, que
por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado
ele era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento, ele ficará isento de pena (art. 26 do CP) e poderá
ou não receber uma medida de segurança, a depender de existirem ou
não provas de que praticou fato típico e ilícito;
 semi-imputável: se ficar provado que, em virtude de perturbação de
saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado,
o agente não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, ele poderá: 1)
ser condenado, mas sua pena será reduzida de 1/3 a 2/3, nos termos
do parágrafo único do art. 26 do CP; OU 2) receber medida de
segurança, se ficar comprovado que necessita de especial tratamento
curativo (art. 98 do CP).

Espécies de medida de segurança

Existem duas espécies de medida de segurança (art. 96 do CP):

 DETENTIVA (INTERNAÇÃO)
Consiste na internação do agente em um hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico.
Obs.: se não houver hospital de custódia, a internação deverá ocorrer em outro
estabelecimento adequado.
É chamada de detentiva porque representa uma forma de privação da
liberdade do agente.
 RESTRITIVA (TRATAMENTO AMBULATORIAL)
Consiste na determinação de que o agente se sujeite a tratamento
ambulatorial.
39
O agente permanece livre, mas tem uma restrição em seu direito, qual seja, a
obrigação de se submeter a tratamento ambulatorial.

Prazo de duração da medida de segurança


O Código Penal afirma que a medida de segurança será aplicada por tempo
indeterminado e que deverá ser mantida enquanto o indivíduo for considerado
perigoso:

Art. 97 (...)
§ 1º A internação, ou tratamento ambulatorial, será por
tempo indeterminado, perdurando enquanto não for
averiguada, mediante perícia médica, a cessação de
periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3
(três) anos.

Desse modo, pela redação literal do CP, a medida de segurança poderia durar
por toda a vida do indivíduo já que, enquanto não ficasse provado que cessou
a periculosidade, ele ainda teria que permanecer internado ou em tratamento
ambulatorial.

Essa leitura do § 1º do art. 97 do CP é compatível com a CF/88? O prazo


de cumprimento da medida de segurança é ilimitado?

NÃO. O prazo de cumprimento da medida de segurança não pode ser


ilimitado. Isso porque, conforme vimos acima, a medida de segurança é uma
espécie de sanção penal e a CF/88 afirmou expressamente que, em nosso
ordenamento jurídico não pode haver “penas de caráter perpétuo” (art. 5º,
XLVII). Quando a Constituição fala em “penas de caráter perpétuo”, deve-se
interpretar a expressão em sentido amplo, ou seja, são proibidas sanções
penais de caráter perpétuo, incluindo, portanto, tanto as penas como as
medidas de segurança.

Desse modo, atualmente, tanto o STJ como o STF afirmam que existe sim
40
prazo máximo de duração das medidas de segurança porque estas possuem
caráter punitivo.

A pergunta que surge, então, é a seguinte: qual é o prazo máximo de


duração das medidas de segurança?

Posição do STF:
40 anos*
O STF possui julgados afirmando que a medida de segurança deverá
obedecer a um prazo máximo de 40 anos*, estabelecendo uma analogia ao
art. 75 do CP, e considerando que a CF/88 veda as penas de caráter perpétuo.
(...) Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que o prazo máximo de
duração da medida de segurança é o previsto no art. 75 do CP (...) (STF. 1ª
Turma. HC 107432, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 24/05/2011)
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de
liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos. (redação
dada pela Lei 13.964/2019)
§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de
liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem
elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
(redação dada pela Lei 13.964/2019)

* o art. 75 do CP previa o prazo máximo de 30 anos de cumprimento de pena.


Este dispositivo foi, contudo, alterado pela Lei nº 13.964/2019, de sorte que o
prazo passou a ser de 40 anos.

Posição do STJ:
Máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.
Súmula 527-STJ: O tempo de duração da medida de segurança
não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente
cominada ao delito praticado.

Ex.: João, inimputável, pratica fato previsto como furto simples (art. 155, caput,
41
do CP); o juiz aplica a ele medida de segurança de internação; após 4 anos
cumprindo medida de segurança, o magistrado deverá determinar a
desinternação de João, considerando que foi atingido o máximo da pena
abstratamente cominada para o furto (“reclusão, de um a quatro anos, e
multa”).

A conclusão do STJ é baseada nos princípios da isonomia e proporcionalidade


(proibição de excesso). Não se pode tratar de forma mais gravosa o infrator
inimputável quando comparado ao imputável. Ora, se o imputável somente
poderia ficar cumprindo a pena até o máximo previsto na lei para aquele tipo
penal, é justo que essa mesma regra seja aplicada àquele que recebeu
medida de segurança.

Resolução CNJ n. 487/2023

A Resolução institui a Política Antimanicomial no âmbito do Poder Judiciário,


prevendo procedimentos para o tratamento das pessoas com transtorno
mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial que estejam custodiadas,
sejam investigadas, acusadas, rés ou privadas de liberdade, em cumprimento
de pena ou de medida de segurança, em prisão domiciliar, em cumprimento de
alternativas penais, monitoração eletrônica ou outras medidas em meio aberto,
além de conferir diretrizes para assegurar os direitos dessa população.

Resolução disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4960

Notícia veiculada no site da DPE/RJ sobre o tema:


Condege emite Nota Técnica sobre comunidades terapêuticas
O Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege)
divulgou nesta quinta-feira, 18, Dia Nacional da Luta Antimanicomial, Nota
Técnica contrária ao financiamento público de vagas nas chamadas
comunidades terapêuticas, em detrimento da Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS) do Sistema Único de Saúde (SUS), que já oferece serviços
especializados de atenção e cuidado às pessoas com uso prejudicial de crack,
42
álcool e outras drogas.
A Nota Técnica, assinada pelo presidente do Condege e defensor público-geral
de São Paulo, Florisvaldo Antonio Fiorentino Junior, ressalta que o aporte de
recursos públicos para a manutenção de comunidades terapêuticas fere,
inclusive, a Lei nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental.
“Nesse sentido, a implantação de uma estrutura específica no governo federal,
junto à Secretaria Executiva do Ministério de Desenvolvimento e Assistência
Social, Família e Combate à Fome, com igual magnitude que a estrutura
prevista para a temática de saúde mental, álcool e outras drogas no Ministério
da Saúde, bem como de importantes temas relevantes que tiveram o mesmo
nível hierárquico, representa retrocesso à política antimanicomial implantada no
país e afronta a lista de prioridades na área social que devem ser objeto de
atenção pela gestão federal”, destaca o documento.
O Condege prossegue:
“As comunidades terapêuticas, no entanto, têm se estabelecido como um
equipamento fora da rede de saúde e da assistência social. Trata-se de
estabelecimentos privados, que se pautam pela segregação de pessoas que
fazem algum tipo de uso de álcool e outras drogas, com ou sem outros
transtornos mentais, em locais afastados das zonas urbanas e que se baseiam
pelo tratamento entre pares. Não há equipes de saúde ou de assistência social,
e, via de regra, não existe articulação com os serviços públicos de saúde ou de
assistência social”.
Por fim, o Condege afirma que “as Defensorias Públicas do Brasil se
manifestam pela defesa das normas nacionais e internacionais de direitos
humanos por uma política de saúde mental baseada em evidências científicas
e pautada pelo cuidado em liberdade, expressando, ainda, preocupação com
financiamento público de entes privados denominados comunidades
terapêuticas”.
Nota técnica disponível em:
https://sistemas.rj.def.br/publico/sarova.ashx/Portal/sarova/imagem-
dpge/public/arquivos/Nota_Te%CC%81cnica_-
43
_Releva%CC%82ncia_Comunidades_Terape%CC%82uticas_e_Financiament
o_Pu%CC%81blico.pdf
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA
A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

1
W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA


A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

Olá Futuro(a) Residente Jurídico(a) da DPE-RJ,

Você está recebendo hoje a penúltima rodada de conteúdo direcionado e


preparatório para o concurso de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro. Estamos quase terminando as rodadas! Você
está se saindo bem? Continuamos com todo o cuidado na seleção de cada
tema. Por aqui continuamos buscamos identificar os assuntos de maior
relevância na atuação prática na Defensoria Pública, temas que são quentes
e podem ser questão do seu certame!

Esta é a nona rodada de dez. Ao total serão aproximadamente sessenta


questões! O objetivo é treiná-los para prova, então vocês devem tentar
resolver as questões antes de partirem para a leitura do espelho. O
espelho é instrumento essencial para você se aprofundar nos temas,
contudo, antes de abri-lo, treine com o caderno de questões!

Desejamos sorte neste seu objetivo e que este material possa continuar te
ajudar a alcançar a função de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro!

Qualquer dúvida, não deixe de nos procurar! Até breve,

Coordenação da turma

PRISCILA COTTA
ANALISTA PROCESSUAL DA DPE-RJ
EX-RESIDENTE JURÍDICA DA DPE-RJ

RAONI ARAUJO
COORDENADOR ACADÊMICO DO PED
MESTRE PELA FND/UFRJ

2
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARAA PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA – RODADA IX

ESPELHO

QUESTÃO 01 Duas influencers muito populares nas redes sociais decidem 1

criar um vídeo para o seu canal no YouTube, que tem milhões de seguidores.
Elas planejam realizar um "experimento social" que envolve crianças negras e
apresentam-no como uma brincadeira divertida. As influencers selecionam
duas crianças negras, uma menina e um menino, ambos com
aproximadamente 10 anos de idade, para participar do vídeo. No vídeo, as
influencers começam por apresentar presentes atraentes para as crianças,
como brinquedos e dinheiro. As crianças são informadas de que podem
escolher entre receber dinheiro imediatamente ou um presente misterioso que
está embrulhado em papel colorido. As crianças, empolgadas, escolhem os
presentes misteriosos. As influencers entregam os presentes às crianças, que
desembrulham com ansiedade. Para a surpresa e choque das crianças e da
audiência, os presentes revelam-se uma banana e um macaco de pelúcia. As
influencers começam a rir e fazem comentários desagradáveis sobre como
esses presentes são perfeitos para as crianças, insinuando estereótipos raciais
que associam pessoas negras a macacos. As crianças, inicialmente
entusiasmadas, ficam visivelmente desconfortáveis e confusas com a situação.
Elas não compreendem por que estão sendo alvo de risos e comentários
discriminatórios. A audiência nas redes sociais fica dividida, com alguns
espectadores defendendo o vídeo como uma brincadeira inofensiva e outros
condenando-o como racista e prejudicial.

O que constitui racismo recreativo e por que os vídeos em que as


influencers oferecem presentes com conotações racistas às crianças
negras se enquadram nessa categoria? Há previsão legal que aborda o
caso narrado?

PADRÃO DE RESPOSTA
O racismo recreativo ocorre quando as pessoas fazem piadas ou ações que
perpetuam estereótipos raciais e causam dano emocional ou psicológico às
pessoas de determinada raça ou etnia. Isso geralmente é feito de forma
disfarçada como uma brincadeira, mas tem um impacto prejudicial real. A partir
de janeiro de 2023, foi incluído o art. 20-A na Lei de crimes raciais, que agora
dispõe expressamente que quando o crime racial ocorrer em contexto ou com
2
intuito de descontração, diversão ou recreação, as penas devem ser
aumentadas até a metade.

ESPELHO

TOTAL: ALUNO:

Definição de racismo recreativo 50

Indicação da definição na norma 50

COMENTÁRIOS

Esse caso levanta a questão do racismo recreativo, em que as influencers


usam a raça das crianças como parte de uma piada, perpetuando estereótipos
prejudiciais e causando potencial dano emocional às crianças. o racismo
recreativo se tornou pauta nas redes sociais após duas influenciadoras
publicarem vídeos em que dão de presente para crianças negras uma banana
e um macaco de pelúcia.
O racismo recreativo como um conjunto de práticas sociais que operam por
meio do uso estratégico do humor hostil, do humor racista. Essas práticas
englobam brincadeiras, piadas, mensagens e imagens que têm como objetivo
principal promover a degradação moral de minorias raciais.
A Lei nº 14.532/2023 inseriu a previsão de que haverá crime mesmo que a
conduta racista seja praticada “em contexto ou com intuito de descontração,
diversão ou recreação”. Aliás, não apenas será considerada crime como
também haverá uma causa de aumento de pena:

Art. 20-A. Os crimes previstos nesta Lei terão as penas


aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando
ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração,
diversão ou recreação.

3
Assim, em tese, uma piada de cunho homofóbico ou envolvendo negros,
judeus, etc. pode, a depender do caso concreto, enquadrar-se como
manifestação racista gerando a punição pelos crimes do art. 2º-A ou do art. 20
com a causa de aumento de pena do art. 20-A da Lei nº 7.716/89:

“O dispositivo estabelece uma causa de aumento flexível quando o


racismo por praticado para fins de descontração, diversão ou recreação.
Pune-se com maior rigor o chamado “racismo recreativo” ou “racismo de
entretenimento”. Tais condutas, apesar de não possuírem a intenção
deliberada de agredir ou ofender diretamente à vítima, decorrem do
chamado “racismo estrutural”, em que as pessoas praticam a condutas
ofensivas e atentatórias a dignidade humana, acreditando que não o
estão fazendo, pois se trataria de uma brincadeira. Desse modo, o
“animus jocandi”, ou seja, intenção de ironizar, debochar, ainda que com
a intenção de diversão, constitui motivo causa de aumento. Há que se
ter o cuidado para que a causa de aumento e os próprios crimes de
injúria preconceituosa e racismo não fulminem manifestações artísticas e
culturais que não tenham o dolo específico de diminuir pessoas e atentar
contra a sua dignidade. É preciso atenção para que a causa de
aumento, indireta e inconscientemente, não suprima uma necessária
constatação antecedente: deve estar configurado o dolo próprio do crime
sobre o qual incidirá a majorante. Assim, diante de uma piada ou
brincadeira, não há que se considerar este fato de forma autônoma, mas
como circunstância complementar ao juízo prévio de tipicidade da
conduta praticada. Haverá, certamente, uma zona cinzenta a ser muito
bem avaliada e conformada de acordo com o caso concreto para que
não haja interpretações desproporcionais dos novos dispositivos
legais. Ainda, o dispositivo legal menciona ser aplicável “aos crimes
previstos nesta lei”, podendo constituir por causa de aumento de
qualquer um deles, especialmente nos crimes de injúria preconceituosa
e racismo por raça, cor, etnia e procedência nacional e racismo religioso.
Como referido anteriormente, a causa de aumento apresenta estrutura
flexível ou seja, aplica-se de 1/3 até a metade, situação diversa da causa
de aumento prevista para a injúria preconceituosa quando o crime é
cometido por 2 ou mais pessoas (art. 2º-A, parágrafo único).”
(https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/01/15/a-lei-14-532-
2023-e-as-mudancas-promovidas-na-legislacao-criminal-brasileira/)

AFRODESCENDENTES: documentos principais (não são taxativos):

PROTEÇÃO GLOBAL PROTEÇÃO REGIONAL PROTEÇÃO


NACIONAL
Convenção Internacional Convenção Interamericana CONSTITUIÇÃO
sobre a Eliminação de contra o Racismo, BRASILEIRA
Todas as Formas de Discriminação Racial e +
Discriminação Racial formas correlatas de Lei 7.716/89 ( =
Intolerância (2013). Lei Caó) 4
OBS: DECRETO Nº 10.932, +
DE 10 DE JANEIRO DE Art. 140, §3º do
2022 Promulga a Código Penal
Convenção Interamericana +
contra o Racismo, a Lei 12.888/10
Discriminação Racial e (Estatuto da
Formas Correlatas de Igualdade Racial)
Intolerância, firmado pela
República Federativa do
Brasil, na Guatemala, em 5
de junho de 2013
Frisar que há a existência - Vide caso Simone André
de um comitê para Diniz (abaixo).
monitoramento do tratado, - Relatoria sobre os Direitos
existente desde 1969, com dos Afrodescendentes e
competência para receber e contra a Discriminação
examinar relatórios, Racial
denúncias individuais e A Situação das Pessoas
denúncias de um Estado- Afrodescendentes nas
parte contra outro. Pode Américas. 🡪 Comissão
fornecer recomendações Interamericana (vide
aos Estados (vide aula de abaixo).
sistema global).

QUESTÕES:
* O que foi o caso Simone André Diniz?
R: Foi um caso que chegou ao sistema interamericano de direitos humanos, no
qual a Comissão avaliou a denúncia feita por Simone Andre Diniz e
recomendou uma série de medidas reparadoras ao Brasil, em 2006. A situação
versou sobre Simone Andre Diniz, candidata a uma vaga de empregada
doméstica em São Paulo, sendo que ao pleitear emprego e mencionar que era
negra, o recrutador avisou que ela não preencheria os requisitos da vaga, que
solicitava expressamente uma pessoa branca.
OBS: A Comissão Interamericana, percebendo que situações ligadas à raça
eram uma constante na América, fez uma Relatoria especial sobre os direitos
Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial (2005), no qual examina a
situação dos afrodescendentes nas América.

*Ações Afirmativas: em 2012 o STF decidiu, por unanimidade, pela


constitucionalidade das cotas raciais nas Universidades (ADPF 186). Em
junho de 2017, decidiu o STF, também, constitucionalidade da Lei de Cotas
no serviço público federal (ADC 41), reconhecendo a validade da Lei
12.990/2014, que reserva 20% das vagas oferecidas em concursos públicos.

5
Saiu no site da DPERJ:

Racismo recreativo: DPRJ vai apurar responsabilidade de influencers

05 de junho de 2023 às 16:00

Influenciadoras exibiram vídeos em que presenteiam crianças negras com uma


banana e um macaco de pelúcia (Imagem: Reprodução)

A Defensoria Pública do Rio, por meio do Núcleo de Combate ao Racismo e à


Discriminação Étnico-Racial (Nucora) e das coordenadorias de Promoção da
Equidade Racial (Coopera) e da Infância e Juventude (Coinfância), irá apurar,
através de procedimento instrutório, a responsabilidade pela prática de racismo
recreativo, cometido pelas influenciadoras Kerollen Cunha e Nancy Gonçalves.
O episódio veio à tona na última terça-feira (30), após a divulgação de vídeos
em que as influencers aparecem ao lado de crianças negras e perguntam se
elas preferem receber dinheiro ou um presente fechado e embalado. Duas
crianças optam pelos presentes, e quando abrem, veem que são uma banana
e um macaco de pelúcia.
— O racismo recreativo contribui não só para a opressão, mas também para a
exclusão da população negra. É preciso, urgentemente, que o sistema de
justiça rompa o racismo institucional, acolhendo as vítimas e fornecendo
respostas eficientes e razoáveis a essas condutas criminosas — ressalta a
coordenadora da Coopera, Daniele da Silva.
A Defensoria Pública, também oficiará a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos
de Intolerância (Decradi) e o Ministério Público do Rio de Janeiro, solicitando a 6
instauração de inquérito policial e apoio nas investigações, para apuração da
conduta tipificada na Lei 7716/89.
- A partir de janeiro deste ano, foi incluído o art. 20-A na Lei de crimes raciais,
que agora dispõe expressamente que quando o crime racial ocorrer em
contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação, as penas
devem ser aumentadas até a metade — disse a coordenadora do Nucora,
Anne Caroline Nascimento.
— Entendemos que essas condutas vitimam não apenas as duas crianças,
mas todos os meninos e meninas negras. Por isso, cobraremos medidas para
que esses fatos não se repitam — completou o coordenador da Coinfância,
Rodrigo Azambuja.

Texto: Jéssica Leal

Link: Defensoria Pública do Rio de Janeiro (rj.def.br)

IMPORTANTE!!! Lei 14.532/2023: alterações na Lei do Crime Racial

A Lei nº 14.532/2023 promoveu importantes mudanças, dentre elas:

· transportou a injúria racial do Código Penal para a Lei do Crime Racial


(Lei nº 7.716/89), afirmando expressamente que a injúria racial é uma forma de
racismo;

· promoveu mudanças no crime de racismo do art. 20 da Lei nº 7.716/89


com a inclusão de figuras equiparadas e causas de aumento de pena;

· previu pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por


funcionário público.
QUESTÃO 02 Luísa Marcela, de 17 anos, é uma influencer conhecida
mundialmente. Começou a trabalhar com 4 anos de idade, data na qual seus
pais constituíram pessoa jurídica para administrar seus bens e gerir seus 7

contratos. A jovem não costuma tomar decisões a respeito do seu patrimônio,


e sequer tem conhecimento de quanto possui e de quais contratos/transações
seus pais celebraram em seu nome. Como a jovem já está em vias de
completar 18 anos, requereu assistência jurídica para administrar seus bens,
tendo comunicado a seus pais acerca dessa decisão. Soube, todavia, que logo
após o comunicado sua mãe transferiu 66% do patrimônio para uma conta
conjunta com o pai de Luísa Marcela, alegando se tratar da parte que lhes
cabia na repartição desse patrimônio. Está correto o posicionamento da mãe?
Justifique fundamentadamente, abordando os institutos de direito civil
pertinentes ao caso.

PADRÃO DE RESPOSTA
Não está correto o posicionamento da mãe da jovem, pois os bens
administrados pelos pais do menor a ele exclusivamente pertencem, o que
desautoriza a livre disposição por parte dos pais. Ademais, não há que se falar
em direito à repartição do patrimônio administrado, justamente pela distinção
axiológica entre gestão de bens e transferência de patrimônio. No caso, os
bens jamais pertenceram aos pais, mas sim à jovem que, por força da
menoridade e das implicações civis na sua autonomia da vontade, estaria
representada pelo poder familiar de seus pais (art. 1.630 a 1.638 CC/02),
maiores e capazes de tomar decisões que melhor salvaguardassem o
patrimônio da filha. Não há, contudo, que se conferir qualquer repartição de
patrimônio em razão da gestão exercida. Por força do art. 1.689 do CC/02, os
pais da jovem poderiam apenas usar e fruir do patrimônio, percebendo seus
frutos, mas reservando a parcela de patrimônio para a jovem, quando
alcançada a maioridade. Ademais, frise-se que a partir dos 16 e até os 18
anos, tem a menor capacidade relativa para o exercício de atos da vida civil,
sendo-lhe conferido direito de opinar na gestão de seus bens. Por fim, caso os
pais, no exercício da administração dos bens dos filhos, transfiram para si o
patrimônio destes, isto pode, mediante análise judicial, ser anulado, em razão
de vedação expressa (art. 117 CC/02) em prol da proteção contra conflito de
8
interesses na administração dos pais sobre o patrimônio dos filhos, bem como
da necessidade de autorização judicial expressa.

ESPELHO
Aspectos microestruturais (adequaçãoao – 0,0 a 10,00
I pontos
número de linhas, coesão, coerência, ortografia,
morfossintaxe e propriedade vocabular);

- 0,0 a 30
II pontos
Afirmar que não assiste razão à mãe da menor,
em razão de ser o patrimônio desta última,
cabendo a seus pais apenas a percepção dos
frutos (art. 1689 CC/02.

II - 0,0 a 30
Mencionar o Poder Familiar (art. 1.630, CC/02) e
pontos
abordar que este confere aos pais prerrogativa,
sob presunção relativa, de gestão dos bens do
filho menor atendendo aos seus melhores
interesses.

III Abordar a representação (art.115 a 120 CC/02) - 0,0 a 30


e a necessidade de autorização judicial pontos
expressa para transferência de patrimônio para
conta de titularidade dos próprios pais, sob
pena de configurar conflito de interesses
invalidante da transação.
TOTAL 100

COMENTÁRIOS:
A questão versa sobre um tema que está popular na mídia pelo recente caso
da atriz Larissa Manoela, de 22 anos, que decidiu romper com os pais e
abordar as questões que enfrenta acerca da gestão patrimonial de sua fortuna.
A jovem revelou não possuir independência financeira, enfrentando sérios
9
embates com os pais para gastos triviais do cotidiano. Esse caso nos leva a
reanalisar a legislação civilista, notadamente o artigo 1.689 e seguintes do
CC/02. Vejamos, então, o que diz o Código Civil:
SUBTÍTULO II
Do Usufruto e da Administração dos Bens de
Filhos Menores

Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no


exercício do poder familiar:
I - são usufrutuários dos bens dos filhos;
II - têm a administração dos bens dos filhos
menores sob sua autoridade.

Art. 1.690. Compete aos pais, e na falta de um


deles ao outro, com exclusividade,
representar os filhos menores de dezesseis
anos, bem como assisti-los até completarem a
maioridade ou serem emancipados.
Parágrafo único. Os pais devem decidir em
comum as questões relativas aos filhos e a
seus bens; havendo divergência, poderá
qualquer deles recorrer ao juiz para a solução
necessária.

Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou


gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem
contrair, em nome deles, obrigações que
ultrapassem os limites da simples
administração, salvo por necessidade ou
evidente interesse da prole, mediante prévia
autorização do juiz.

Parágrafo único. Podem pleitear a declaração


de nulidade dos atos previstos neste artigo:

I - os filhos;
II - os herdeiros;
III - o representante legal.

Art. 1.692. Sempre que no exercício do poder


familiar colidir o interesse dos pais com o do
filho, a requerimento deste ou do Ministério
Público o juiz lhe dará curador especial.

Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da


administração dos pais:
10
I - os bens adquiridos pelo filho havido fora do
casamento, antes do reconhecimento;
II - os valores auferidos pelo filho maior de
dezesseis anos, no exercício de atividade
profissional e os bens com tais recursos
adquiridos;
III - os bens deixados ou doados ao filho, sob
a condição de não serem usufruídos, ou
administrados, pelos pais;
IV - os bens que aos filhos couberem na
herança, quando os pais forem excluídos da
sucessão.

Ora, pela leitura dos dispositivos em comento, os pais são usufrutuários e


meros administradores dos bens do menor, não havendo que se falar em
titularidade do patrimônio, e sim em gestão de negócios.

É dizer, os pais podem gerir os bens do menor, que não possui plena
capacidade de direito para manifestar transferência de poderes através de
mandato, mas são administradores e usufrutuários no sentido de usar, possuir,
fruir, receber os frutos dessa gestão patrimonial. Trata-se do exercício do
PODER FAMILIAR (antigo pátrio poder, cuja nomenclatura foi alterada
recentemente, à luz de uma interpretação conforme à Constituição).

Vejamos a previsão do poder familiar no Código Civil

Do Poder FAMILIAR
Seção I - Disposições Gerais

Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder


familiar, enquanto menores.
{...}

Seção II - Do Exercício do Poder Familiar


Art. 1.634. Compete a ambos os pais,
11
qualquer que seja a sua situação conjugal, o
pleno exercício do poder familiar, que consiste
em, quanto aos filhos:
(...)
VII - representá-los judicial e
extrajudicialmente até os 16 (dezesseis)
anos, nos atos da vida civil, e assisti-los,
após essa idade, nos atos em que forem
partes, suprindo-lhes o
consentimento; (Redação dada pela Lei nº
13.058, de 2014)

A administração dos bens dos filhos menores de 16 anos é realizada


exclusivamente pelos seus representantes. Entre 16 e 18 anos, os pais devem
administrar os bens em conjunto com os filhos. No caso da jovem, de 17 anos,
ela deveria ter direito de opinar acerca da destinação dos seus bens e deveria
poder fruir do patrimônio.

Nestes termos, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2020, p. 585)
aduzem que:

Essa limitação da autonomia da vontade dos pais na


administração dos bens se justifica exatamente pela
busca da preservação dos interesses dos menores.
Se os bens não são de titularidade dos pais, mas,
sim, dos próprios menores, a responsabilidade pela
eventual dilapidação desse patrimônio, sem motivo
razoável, justificaria a intervenção judicial.
(GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO,
Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: direito de
família. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
v. 6)
Vejam, ainda, as hipóteses de extinção desse poder familiar para além da
maioridade, são elas:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua 12


autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes
ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz,
requerendo algum parente, ou o Ministério Público,
adotar a medida que lhe pareça reclamada pela
segurança do menor e seus haveres, até
suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o


exercício do poder familiar ao pai ou à mãe
condenados por sentença irrecorrível, em virtude de
crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o
pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons


costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no


artigo antecedente.

V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para


fins de adoção. (Incluído pela Lei nº 13.509, de
2017)
Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o
poder familiar aquele que: (Incluído pela Lei nº
13.715, de 2018)

I – praticar contra outrem igualmente titular do


mesmo poder familiar: (Incluído pela Lei nº 13.715,
de 2018)

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de


natureza grave ou seguida de morte, quando se
tratar de crime doloso envolvendo violência
doméstica e familiar ou menosprezo ou
discriminação à condição de mulher; (Incluído pela
Lei nº 13.715, de 2018)
b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual
sujeito à pena de reclusão; (Incluído pela Lei nº
13.715, de 2018)

II – praticar contra filho, filha ou outro


descendente: (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)
13

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de


natureza grave ou seguida de morte, quando se
tratar de crime doloso envolvendo violência
doméstica e familiar ou menosprezo ou
discriminação à condição de mulher; (Incluído pela
Lei nº 13.715, de 2018)

b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime


contra a dignidade sexual sujeito à pena de
reclusão. (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)

Importante ressaltar também que o Estatuto da Criança e do Adolescente


(ECA) prevê que o Ministério público deverá promover, de ofício ou por
solicitação dos interessados, a especialização e a inscrição de hipoteca legal e
a prestação de contas dos tutores, curadores e quaisquer administradores de
bens de crianças e adolescentes (art. 201, IV, do ECA):

Art. 201. Compete ao Ministério Público:


I - conceder a remissão como forma de
exclusão do processo;
II - promover e acompanhar os procedimentos
relativos às infrações atribuídas a
adolescentes;
III - promover e acompanhar as ações de
alimentos e os procedimentos de suspensão e
destituição do poder familiar , nomeação e
remoção de tutores, curadores e guardiães,
bem como oficiar em todos os demais
procedimentos da competência da Justiça da
Infância e da Juventude;
IV - promover, de ofício ou por solicitação dos
interessados, a especialização e a inscrição de
hipoteca legal e a prestação de contas dos
tutores, curadores e quaisquer
administradores de bens de crianças e
adolescentes nas hipóteses do art. 98;
Não há que se confundir, portanto, que os bens administrados pelos pais do
menor a ele exclusivamente pertencem, o que desautoriza a livre disposição
por parte dos pais. Mais grave ainda é a disposição e transferência de bens
dos filhos para os pais durante o período de incapacidade do menor. A
14
transferência de patrimônio dos filhos, cujas providências são todas assinadas
pelos pais, depende de autorização judicial.

A autorização judicial visa conferir maior segurança jurídica aos interesses do


menor e, também, proporcionar a multiplicação de seu patrimônio a partir de
decisões de seus pais, presumidamente benéficas ao filho representado e à
maximização de seus ganhos. Os pais administram e usufruem dos bens dos
filhos, mas se for necessário aliená-los ou alterar a propriedade, a autorização
judicial é requerida, sob pena do ato ser declarado nulo.

Insta mencionar, ainda, que a transferência do patrimônio para os próprios


pais, para além de autorização judicial, pode configurar conflitos de interesses.
É dizer, cabe dúvida razoável se, neste caso, os pais estariam observando o
melhor interesse do menor ou o próprio. É exatamente por esta razão que a
autorização judicial é solicitada nestes casos.

Por isso que caso os pais, exercendo a administração dos bens dos filhos,
transfiram para si o patrimônio destes, o ato estará passível de convalidação
judicial, sob pena de ser anulado em razão da vedação expressa, proteção do
menor ao conflito de interesses na administração dos pais sobre o patrimônio
dos filhos, bem como a necessidade de autorização judicial expressa.

É bom dizer que não serão objeto de administração e/ou usufruto pelos pais o
patrimônio adquirido pelos filhos após estes completarem 16 anos, no exercício
de suas atividades profissionais. Atingida a maioridade (18 anos), o menor terá
plena autonomia para administrar seu próprio patrimônio sem a ingerência dos
pais, inclusive aqueles constituídos na menoridade.
É essencial que se compreenda que mesmo a representação legal da menor
não autorizaria aos pais, sem análise do judiciário, transferir e/ou dilapidar seu
patrimônio.

15
No caso de Larissa Manoela, para contextualizar, seus pais haviam constituído
empresa em nome próprio para explorar a carreira da filha, empresa cuja
participação da jovem era ínfima em relação a dos pais, o que pode suscitar
dúvidas acerca de um conflito de interesses nessa gestão.

SUGESTÃO DE LEITURA:
 Reler a parte de direitos da personalidade do espelho da questão sobre
nascituro – RODADA 4

https://www.migalhas.com.br/depeso/391727/o-caso-larissa-manoela-e-a-
violencia-patrimonial
https://www.migalhas.com.br/quentes/391714/caso-larissa-manoela-
advogadas-analisam-o-que-lei-pode-garantir
16
QUESTÃO 03 A esposa de Emilson procura a Defensoria Pública para
“processar por dano moral” um veículo midiático que divulgou as seguintes
informações a respeito de seu marido:
1) Nome completo
2) Nível de escolaridade
3) Local onde trabalhava (mesmo local do crime)
4) Sua relação com crime cometido na última semana em estabelecimento
industrial e
5) Resultado de investigação policial concluída, em que se confirmava a
autoria de crime de furto de materiais de alumínio.
Uma amiga da família ouviu falar em LGPD, e que segundo essa lei não
poderiam ser divulgados dados pessoais, caso contrário haveria dever de
indenizar a parte que teve suas informações amplamente divulgadas. A par
dessa orientação, então, a esposa de Emilson indaga se haveria possibilidade
de ingresso em juízo para pleitear algum tipo de retratação, ou indenização.
Responda fundamentadamente com base no enunciado descrito.

PADRÃO DE RESPOSTA:
Não há qualquer interesse juridicamente tutelável no caso em tela pois o
ordenamento jurídico expressamente excetua a divulgação das informações
arroladas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Trata-se de exceção
prevista no art. 4º, suscetível de enquadramento tanto no inciso II, ‘a’ bem
como inciso III, ‘d’. Não existe sequer direito a esquecimento no ordenamento
jurídico brasileiro, o que poderia ensejar retratação ou até mesmo reparação
civil caso fosse o fato muito antigo e sem relevância atual. No caso narrado, ao
revés, o crime fora cometido na semana que antecedeu a notícia, servindo a
matéria apenas para aclarar os fatos e prestar um papel informativo à
sociedade a respeito da repressão de ilícitos. É dizer, trata-se de informação
cuja função extrapola o mero entretenimento, se revelando como verdadeira
prestação de contas à sociedade e aferindo os padrões de eficiência da polícia
local, trazendo mais segurança aos expectadores. Há que se mencionar, ainda,
que nenhum dado fornecido é enquadrado como sensível à luz da LGPD, e a
17
informação acerca da ocupação profissional de Emilson se revela proporcional
a medida que demonstra o liame relacional entre ele e a empresa, sendo
informação relevante pois se trata do mesmo local do crime cometido.

ESPELHO:
Aspectos microestruturais (adequação ao – 0,0 a 10,00
I número de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
morfossintaxe e propriedade vocabular);

II Falar sobre a ausência de transgressão a - 0,0 a 50


legislação, em razão de serem as informações pontos
prestadas verdadeira exceção constante do art. 4º
da LGPD;

III Abordar a proporcionalidade de se revelar o - 0,0 a 40


local de trabalho e ocupação de Emilson, haja pontos
vista se tratar do mesmo endereço do
estabelecimento em que foi praticado o crime
de furto. Assim, opinar pela ligação entre o
autor do crime e o local, podendo, inclusive, ser
a condição de empregado da empresa
facilitadora do crime;
TOTAL 100

COMENTÁRIOS:

O tema nitidamente aborda a Lei Geral de Proteção de Dados, matéria


constante da banca I.
Vocês devem ter em mente que não é qualquer dado que está protegido pelo
escopo da lei, mas tão somente aqueles considerados sensíveis. Ademais,
como já tratamento em outra questão dessa turma, os dados, caso
anonimizados, poderão sim ser tratados, divulgados, armazenados e
18
administrados.
No caso em tela, todavia, a questão é mais simples que isso. Não se trata de
anonimização, e sim de dado que fora excetuado pela literalidade da lei, não
havendo discussão acerca de eventual direito à reparação.

A LGPD tem como fundamentos os seguintes:

 o respeito à privacidade, ao assegurar os direitos fundamentais de


inviolabilidade da intimidade, da honra, da imagem e da vida privada

 a autodeterminação informativa, ao expressar o direito do cidadão


ao controle, e assim, à proteção de seus dados pessoais e íntimos

 a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de


opinião, que são direitos previstos na Constituição brasileira

 o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação, a partir


da criação de um cenário de segurança jurídica em todo o país

 a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor, por


meio de regras claras e válidas para todo o setor privado

 os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a


dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas.

Tais fundamentos constam do rol do artigo 2º da lei, in verbis:


Art. 2º A disciplina da proteção de dados
pessoais tem como fundamentos:
I - o respeito à privacidade;
II - a autodeterminação informativa;
III - a liberdade de expressão, de informação, 19
de comunicação e de opinião;
IV - a inviolabilidade da intimidade, da honra e
da imagem;
V - o desenvolvimento econômico e
tecnológico e a inovação;
VI - a livre iniciativa, a livre concorrência e a
defesa do consumidor; e
VII - os direitos humanos, o livre
desenvolvimento da personalidade, a
dignidade e o exercício da cidadania pelas
pessoas naturais.

Vejamos o que diz a LGPD, que em seu art. 4º elenca as exceções

Art. 4º Esta Lei não se aplica ao tratamento de


dados pessoais:
I - realizado por pessoa natural para fins
exclusivamente particulares e não
econômicos;
II - realizado para fins exclusivamente:
a) jornalístico e artísticos; ou
b) acadêmicos, aplicando-se a esta hipótese
os arts. 7º e 11 desta Lei;
III - realizado para fins exclusivos de:
a) segurança pública;
b) defesa nacional;
c) segurança do Estado; ou
d) atividades de investigação e repressão
de infrações penais;

As informações destacadas no artigo supra permitem concluir que o caso em


tela se amolda a esses dois casos, pois pode ser alegado que trata de
investigação com fim de combater infração penal ou, também, de dado pessoal
realizado exclusivamente para fins jornalísticos.
Neste ponto, portanto, não assistiria nenhuma razão à esposa de Emilson,
indiciado, acusado e comprovadamente autor do crime de furto veiculado pela
matéria.

Sobre esse ponto, importante tecer um comentário sobre eventual direito ao


esquecimento para aqueles que cometeram crimes, por ser matéria
20
recentemente pacificada pelo STF, que assim se posicionou a respeito:
É incompatível com a Constituição a ideia de
um direito ao esquecimento, assim entendido
como o poder de obstar, em razão da
passagem do tempo, a divulgação de fatos ou
dados verídicos e licitamente obtidos e
publicados em meios de comunicação social
analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou
abusos no exercício da liberdade de
expressão e de informação devem ser
analisados caso a caso, a partir dos
parâmetros constitucionais – especialmente
os relativos à proteção da honra, da imagem,
da privacidade e da personalidade em geral –
e as expressas e específicas previsões legais
nos âmbitos penal e cível. STF. Plenário. RE
1010606/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em
11/2/2021 (Repercussão Geral – Tema 786)
(Info 1005).

A título de curiosidade, cumpre esclarecer o que seria esse tal ‘direito ao


esquecimento’. Direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de
não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado
momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe
sofrimento ou transtornos. O caso que chegou ao STF teve origem no TJRJ, e
por isso sua relevância apta a ensejar comentário no presente caso, ainda que
tangencie a matéria. Trata-se do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº
1.010.606/RJ.
Na lição de Anderson Schreiber:
“(...) o direito ao esquecimento é, portanto, um direito
(a) exercido necessariamente por uma pessoa
humana; (b) em face de agentes públicos ou
privados que tenham a aptidão fática de promover
21
representações daquela pessoa sobre a esfera
pública (opinião social); incluindo veículos de
imprensa, emissoras de TV, fornecedores de
serviços de busca na internet etc.; (c) em oposição a
uma recordação opressiva dos fatos, assim
entendida a recordação que se caracteriza, a um só
tempo, por ser desatual e recair sobre aspecto
sensível da personalidade, comprometendo a plena
realização da identidade daquela pessoa humana,
ao apresenta-la sob falsas luzes à sociedade.”
(Anderson SCHREIBER. Direito ao esquecimento e
proteção de dados pessoais na Lei 13.709/2018. In:
TEPEDINO, G; FRAZÃO, A; OLIVA, M.D. Lei geral
de proteção de dados pessoais e suas repercussões
no direito brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters
Brasil, 2019, p. 376).
O direito ao esquecimento também é chamado de “direito de ser deixado em
paz” ou o “direito de estar só”. Em outros países, é conhecido como the right to
be let alone ou derecho al olvido.
No Brasil, o direito ao esquecimento possui assento constitucional e legal,
considerando que é uma consequência do direito à vida privada (privacidade),
intimidade e honra, assegurados pela CF/88 (art. 5º, X) e pelo CC/02 (art. 21).
Alguns autores também afirmam que o direito ao esquecimento é uma
decorrência da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88).
Poder-se-ia alegar que uma matéria que mencionasse um crime de baixa
repercussão social muitos anos depois violaria o direito à privacidade
intimidade e honra do condenado. No caso da questão, muito embora se trate
de infração penal comum, não havendo grandes escândalos ou questões
submetidas ao Juri (crimes dolosos contra a vida), Emilson até poderia ventilar
direito ao esquecimento, ou violação a sua privacidade e a dados, mas não é o
caso, se tratando de crime recém cometido e sendo a matéria informativa, de
natureza jornalística, e trazendo informação relevante sobre investigação em
curso.
22
Esse contexto, o direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de
não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado
momento possa lhe constranger ou causar injusto prejuízo a sua honra,
privacidade e outros direitos fundamentais invioláveis. Não é, repita-se, o caso
de Emilson.
Por fim, o direito ao esquecimento negado pelo STF não se confunde com
desindexação de conteúdo, que consiste em retirar o conteúdo de irrelevante
ou superado interesse público nos buscadores da internet.
O próprio Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, em seu art. 2º, dispõe
que "a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela
veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público". Isso é, devem ser
sopesados os direitos à privacidade e liberdade de imprensa e expressão, não
sendo razoável abdicar de um por inteireza para que prevaleça o outro.
É importante que se realize um juízo de ponderação no caso concreto. Assim,
no caso da questão, analisando as nuances trazidas pelo enunciado, a melhor
solução seria aplicar a literalidade do art. 4º da LGPD, para privilegiar a
informação em detrimento de suposto direito à privacidade de Emilson, sob
alegação de se tratar de matéria jornalística e com conteúdo relativo a
investigações penais em curso.
A vista de conclusão, ao excluir o regramento de proteção de dados da
atividade jornalística, certamente o legislador quis garantir que a LGPD não
fosse vista como um instrumento de censura, muito embora a lei não seja clara
quanto à amplitude do termo "fins jornalísticos". E é nesse sentido que
devemos analisar cuidadosamente, na prática, os limites da liberdade de
imprensa face aos direitos fundamentais do indivíduo.
23

QUESTÃO 04 Bruna e Carla, adolescentes, foram assaltadas por Igor


enquanto passeavam por Ipanema. Preso, Igor foi denunciado pelo Ministério
Público na 3ª Vara Criminal da Comarca da Capital. Houve condenação.
Representando Igor, a Defensoria Pública apelou alegando a nulidade da
condenação pela incompetência do juízo. Ela argumentou que as duas vítimas
eram adolescentes, motivo pelo qual o feito deveria ter sido distribuído para
uma das varas especializadas em crimes praticados contra a criança e
adolescente.

a) Há razão por parte da defesa?

b) Se sim, todos os atos praticados seriam anulados?

Padrão de Resposta:

a) O Direito da Criança e do Adolescente encontra fundamento constitucional


no art. 227, que consagrou a doutrina da proteção integral, elencando diversos
direitos fundamentais da criança e do adolescente e o princípio da absoluta
prioridade. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) regulamenta
o mandamento constitucional, estabelecendo regras de direito material, normas
processuais, princípios interpretativos, tipos penais, política legislativa etc. A
Lei 13.431/17, por sua vez, visa evitar que crianças e adolescentes que foram
vítimas ou testemunhas de alguma forma de violência (física, sexual, etc.)
sofram de qualquer modo nova violação dos seus direitos. Por buscar
resguardar os direitos das crianças e adolescentes, é possível afirmar que a
nova Lei reforça a ideia de proteção integral. Ademais, a Lei em questão, em
seu art. 23, afirma que poderão ser criadas varas para apurar crimes contra a
criança e o adolescente. Nesse sentido, sim, há razão por parte da defesa,
uma vez que o STJ decidiu que havendo juízo especializado para apurar e
julgar crimes praticados contra criança e adolescente, é este o competente
independentemente do tipo de crime.
b) A nulidade no processo penal pode ser definida como a inobservância de
24
exigências legais ou uma falha jurídica que invalida ou pode invalidar o ato
processual ou todo o processo. A nulidade pode ser do processo, quando o
vício atinge toda a atividade processual, como a hipótese de suspeição do juiz
(art. 564, I), ou do procedimento, quando é atingida somente parte da atividade
processual, como a que anula apenas os atos decisórios (art. 567 do CPP) ou
exclusivamente do ato ou parte dele na hipótese de não contaminar qualquer
outro ato processual. No caso em tela o STJ decidiu que era o caso de se
aplicar a teoria do juízo aparente, segundo a qual o reconhecimento da
incompetência do juízo que era aparentemente competente não enseja, de
imediato, a nulidade dos atos processuais já praticados no processo, pois tais
atos podem ser ratificados ou não pelo Juízo que vier a ser reconhecido como
competente para processar e julgar o feito.

Nesta questão abordamos ponto específico do conteúdo programático de


Direito da Criança e do Adolescente

ESPELHO DE CORREÇÃO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Introdução sobre a base legal do Direito da criança e 20


do adolescente

Citar a lei 13.431/2017 20

Citar a jurisprudência do STJ 20

Citar a teoria do juízo aparente 20


Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 20

COMENTÁRIOS
25
Direito da Criança e do Adolescente

O Direito da Criança e do Adolescente, matéria de competência


legislativa concorrente (art. 24, XV, CRFB/88), encontra fundamento
constitucional no art. 227, que consagrou a doutrina da proteção integral,
elencando diversos direitos fundamentais da criança e do adolescente – tais
como: vida, saúde, alimentação, educação, lazer, convivência familiar, entre
outros – e o princípio da absoluta prioridade, nos seguintes termos:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do


Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre: XV – proteção à
infância e à juventude.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) regulamenta o


mandamento constitucional, estabelecendo regras de direito material, normas
processuais, princípios interpretativos, tipos penais, política legislativa etc.

Desse modo, além do rol de direitos assegurados pelo Estatuto, o novo


Diploma trouxe também uma vasta previsão de instrumentos legais destinados
a tutelar os direitos da criança e do adolescente. Esse arcabouço jurídico que
prevê um extenso catálogo de direitos da criança e do adolescente e assegura
a proteção dos seus interesses consubstancia a chamada proteção integral.

O princípio da proteção integral deve ser associado ao princípio da


26
absoluta prioridade, por força do qual as demandas de crianças e
adolescentes devem ser prioritariamente atendidas.

Da combinação dos dois princípios, nota-se que crianças e adolescentes


são titulares dos mesmos direitos assegurados aos adultos (além de outros
específicos da sua condição de criança ou adolescente), devendo ter
atendimento priorizado pela família e pelo Poder Público – no que toca, por
exemplo, à destinação de recursos públicos e formulação de políticas públicas
para a efetivação desses direitos.

O art. 4º caput, do ECA, contempla esse princípio e elenca, em seu


parágrafo único, as formas de garantia da prioridade.

Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da


sociedade em geral e do poder público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade
compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em
quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços
públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das
políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas
áreas relacionadas com a proteção à infância e à
juventude.

Ademais, da adoção do princípio da proteção integral decorre o princípio


do melhor interesse, segundo o qual, diante do caso concreto, deve sempre ser
27
perseguida a solução que melhor atenda aos interesses da criança ou
adolescente, isto é, aquela que traga maiores benefícios ao seu
desenvolvimento.

Ao lado do direito à convivência familiar, o princípio do melhor interesse


terá reflexo relevante na decisão acerca da colocação em família substituta.

O Princípio do Direito de Participação (Art. 100, § único, XII do ECA), que


garante a participação de crianças em processos administrativos e judiciais de
seu interesse. Esse princípio dentro do microssistema de proteção confere uma
flexibilização a capacidade civil descrita nos art. 3º e 4º do Código Civil,
permitindo que crianças pleiteiem seus próprios direitos, levando em
consideração sua maturidade e idade.

Há também os Princípios da Atualidade, Proporcionalidade, Intervenção


Mínima e Intervenção Precoce – Art. 100, § único, VI, VII e VIII do ECA:

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em


conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se
aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários.
Parágrafo único. São também princípios que regem a
aplicação das medidas: (Incluído pela Lei no 12.010, de
2009) Vigência
I - condição da criança e do adolescente como
sujeitos de direitos: crianças e adolescentes são os
titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem
como na Constituição Federal; (Incluído pela Lei no
12.010, de 2009) Vigência
II - proteção integral e prioritária: a interpretação e
aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei
deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos
direitos de que crianças e adolescentes são titulares;
28
(Incluído pela Lei no 12.010, de 2009) Vigência
III - responsabilidade primária e solidária do poder
público: a plena efetivação dos direitos assegurados a
crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição
Federal, salvo nos casos por esta expressamente
ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária
das 3 (três) esferas de governo, sem prejuízo da
municipalização do atendimento e da possibilidade da
execução de programas por entidades não
governamentais; (Incluído pela Lei no 12.010, de 2009)
Vigência
IV - interesse superior da criança e do adolescente: a
intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e
direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da
consideração que for devida a outros interesses legítimos
no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso
concreto; (Incluído pela Lei no 12.010, de 2009) Vigência
V - privacidade: a promoção dos direitos e proteção
da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito
pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida
privada; (Incluído pela Lei no 12.010, de 2009) Vigência
VI - intervenção precoce: a intervenção das
autoridades competentes deve ser efetuada logo que a
situação de perigo seja conhecida; (Incluído pela Lei no
12.010, de 2009) Vigência
VII - intervenção mínima: a intervenção deve ser
exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições
cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos
direitos e à proteção da criança e do adolescente;
(Incluído pela Lei no 12.010, de 2009) Vigência
VIII - proporcionalidade e atualidade: a intervenção
deve ser a necessária e adequada à situação de perigo
em que a criança ou o adolescente se encontram no
29
momento em que a decisão é tomada; (Incluído pela Lei
no 12.010, de 2009) Vigência
IX - responsabilidade parental: a intervenção deve ser
efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres
para com a criança e o adolescente; (Incluído pela Lei no
12.010, de 2009) Vigência
X - prevalência da família: na promoção de direitos e
na proteção da criança e do adolescente deve ser dada
prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem
na sua família natural ou extensa ou, se isso não for
possível, que promovam a sua integração em família
adotiva; (Redação dada pela Lei no 13.509, de 2017)
XI - obrigatoriedade da informação: a criança e o
adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e
capacidade de compreensão, seus pais ou responsável
devem ser informados dos seus direitos, dos motivos que
determinaram a intervenção e da forma como esta se
processa; (Incluído pela Lei no 12.010, de 2009) Vigência
XII - oitiva obrigatória e participação: a criança e o
adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de
responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os
seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a
participar nos atos e na definição da medida de promoção
dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente
considerada pela autoridade judiciária competente,
observado o disposto nos §§ 1 o e 2 o do art. 28 desta Lei.
(Incluído pela Lei no 12.010, de 2009) Vigência

Código de Menores (Lei 6.697/79) x ECA (Lei 8.069/90).


Até o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, vigorava no
ordenamento o Código de Menores, que era norteado pela doutrina da situação
irregular.
30

O Código de Menores considerava o menor de 18 anos como objeto de


tutela, e sua aplicação alcançava os menores em situação irregular – isto é,
menores abandonados, autores de ato infracional e carentes. Entendia-se que
as crianças e adolescentes em situação de carência teriam mais tendência a
delinquir, o que justificaria a intervenção estatal (binômio carência =
delinquência). Nesse sentido, a segregação e a privação da liberdade,
representada sobretudo pela internação, guiavam a sistemática trazida pelo
Código de Menores em 1979.

As hipóteses de atuação do Estado tipificadas no Código de Menores


basicamente eram as famílias sem recursos materiais para cuidar dos próprios
filhos e os menores que praticam atos infracionais.

De outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente, seguindo o


mandamento constitucional, rompeu com o regramento vigente até então e
adotou a doutrina da proteção integral (art. 1º, ECA), elevando a criança e o
adolescente a condição de sujeito de direito.

Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à


criança e ao adolescente.

Como sujeitos de direito, crianças e adolescentes passaram a ser titulares


de direitos fundamentais, inerentes à pessoa humana (art. 3º), deixando de ser
vistos como mero objeto de proteção, como estabelecia a doutrina da situação
irregular.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os


direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social,
31
em condições de liberdade e de dignidade.

Assim, a restrição da liberdade, no ECA, ganhou dimensão de medida


excepcional, na medida em que a criança e o adolescente têm direito à
liberdade.

Nesse contexto, os direitos da criança e do adolescente ganharam


especial destaque com o advento da Lei 13.257/16, que incluiu o art. 265-A ao
Estatuto, prevendo o dever do Poder Público de promover a ampla divulgação
desses direitos nos meios de comunicação social, com linguagem clara,
especialmente para crianças de até 6 anos (período da chamada primeira
infância).

Art. 265-A. O poder público fará periodicamente


ampla divulgação dos direitos da criança e do adolescente
nos meios de comunicação social (Incluído pela Lei
13.257/16).
Parágrafo único. A divulgação a que se refere o
caput será veiculada em linguagem clara, compreensível
e adequada a crianças e adolescentes, especialmente às
crianças com idade inferior a 6 (seis) anos (Incluído pela
Lei 13.257/16).

Também em decorrência da adoção da proteção integral, o novo


regramento passou a ser aplicado a todas as crianças e adolescentes
indistintamente, e não apenas àquelas em situação irregular, como se nota do
teor do art. 5º, reforçado pelo art. 3º, parágrafo único, acrescentado pela Lei
13.257/16.
Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto
de qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão, punido na
forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos
32
seus direitos fundamentais.

Art. 3.º - Parágrafo único. Os direitos enunciados


nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes,
sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade,
sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência,
condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem,
condição econômica, ambiente social, região e local de
moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as
famílias ou a comunidade em que vivem (Incluído pela Lei
13.257/16).

A Lei 13.431/17 - sistema de garantia de direitos da criança e do


adolescente vítima ou testemunha de violência

A Lei 13.431/17 visa evitar que crianças e adolescentes que foram vítimas
ou testemunhas de alguma forma de violência (física, sexual, psicológica, entre
outros) sofram de qualquer modo nova violação dos seus direitos (art. 1º).

Art. 1º. Esta Lei normatiza e organiza o sistema de


garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou
testemunha de violência, cria mecanismos para prevenir e
coibir a violência, nos termos do art. 227 da Constituição
Federal, da Convenção sobre os Direitos da Criança e
seus protocolos adicionais, da Resolução no 20/2005 do
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas e de
outros diplomas internacionais, e estabelece medidas de
assistência e proteção à criança e ao adolescente em
situação de violência.
Por buscar resguardar os direitos das crianças e adolescentes, é possível
afirmar que a nova Lei reforça a ideia de proteção integral.

33
O art. 4º da Lei elenca 4 formas distintas de violência, das quais se
destaca a violência institucional, a qual fica suscetível a criança e o
adolescente no contexto de sua oitiva quando vítima ou testemunha de um
crime, provocando um processo de revitimização.

Art. 4º. Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da


tipificação das condutas criminosas, são formas de
violência: IV – violência institucional, entendida como a
praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive
quando gerar revitimização.

A revitimização ocorre quando a vítima de algum crime sofre ao relatar os


fatos ocorridos, na medida em que revive os momentos pelos quais passou.
Assim, a vítima deve ser protegida pelo Poder Público, e não sofrer
novamente, o que configura a violência institucional.

Para proteger a criança e o adolescente dessa forma de violência, a Lei


13.431/17 previu instrumentos jurídicos como a escuta especializada e o
depoimento especial (cujo procedimento está previsto no art. 12), o que a
doutrina denominou de depoimento sem dano.

Art. 4º. §1º. Para os efeitos desta Lei, a criança e o


adolescente serão ouvidos sobre a situação de violência
por meio de escuta especializada e depoimento especial.

A escuta especializada é definida como o procedimento de entrevista


sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede
de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento
de sua finalidade (art. 7º).
A Lei 13.431/2017 estabelece o sistema de garantia de direitos da criança
e do adolescente vítima ou testemunha de violência. O art. 23 dessa Lei
preceitua que:
34

Art. 23. Os órgãos responsáveis pela organização


judiciária poderão criar juizados ou varas especializadas
em crimes contra a criança e o adolescente.

Parágrafo único. Até a implementação do disposto no


caput deste artigo, o julgamento e a execução das causas
decorrentes das práticas de violência ficarão,
preferencialmente, a cargo dos juizados ou varas
especializadas em violência doméstica e temas afins.

Essas varas apuram crimes contra criança e adolescente mesmo que não
sejam delitos contra a dignidade sexual

O caso concreto não envolve delito contra a dignidade sexual, tendo


ocorrido um roubo praticado contra duas adolescentes.

Nos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, o STJ já


pacificou o entendimento no sentido de que “somente nas comarcas em que
não houver varas especializadas em violência contra crianças e adolescentes
ou juizados/varas de violência doméstica é que poderá a ação tramitar na vara
criminal comum” (EAREsp 2.099.532/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior,
Terceira Seção, DJe 30/11/2022). Em outras palavras: havendo juízo
especializado, esse deve prevalecer sobre os demais.

Esse mesmo entendimento deve ser estendido outros crimes, como na


hipótese em análise.
Como há vara criminal especializada para apurar e julgar crimes
praticados contra criança e adolescente, este é o juízo competente para julgar
a ação penal, sendo irrelevante o delito.

35
Em suma: Havendo juízo especializado para apurar e julgar crimes
praticados contra criança e adolescente, é este o competente
independentemente do tipo de crime. STJ. 5ª Turma. HC 807.617-BA, Rel.
Min. Ribeiro Dantas, julgado em 11/4/2023 (Info 773).

No tocante às invalidades supostamente cominadas , já decidiu o STJ


que, considerando a finalidade da norma (Lei 13.431/2017), que é garantir os
direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, a
Corte entendeu que era caso de se aplicar a teoria do juízo aparente,
segundo a qual “o reconhecimento da incompetência do juízo que era
aparentemente competente não enseja, de imediato, a nulidade dos atos
processuais já praticados no processo, [...], pois tais atos podem ser ratificados
ou não pelo Juízo que vier a ser reconhecido como competente para processar
e julgar o feito” (RHC 116.059/PE, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca,
Quinta Turma, DJe 4/10/2019).

Diante disso, a 5ª Turma do STJ reconheceu, no caso concreto, a


incompetência do juízo da 3ª Vara Criminal de Salvador/BA e determinou a
remessa dos autos para a vara especializada, que deverá considerar a
possibilidade de aproveitamento dos atos processuais já praticados (inclusive
decisórios), caso sejam ratificados pelo juízo competente.

A jurisprudência do STJ se posicionou no sentido de que, mesmo para os


casos de incompetência absoluta no processo penal, somente os atos
decisórios são anulados, sendo possível, por conseguinte, a ratificação dos
atos não-decisórios. O próprio STF admite a possibilidade de ratificação pelo
juízo competente inclusive dos atos decisórios.
36

QUESTÃO 05 Cláudio foi condenado a 2 anos de reclusão por porte ilegal de


arma de uso permitido. Houve o trânsito em julgado. Em audiência, o Juízo da
Vara de Execução, ao estabelecer as condições de cumprimento das penas,
determinou, de ofício, o pagamento da multa criminal, no valor de R$ 692,69. A
Defensoria Pública, presente na audiência, impugnou a determinação sob o
argumento de que essa execução deveria ser iniciada pelo Ministério Público.
O Juízo da execução penal indeferiu o pedido, afirmando que, após a alteração
promovida pela Lei nº 13.964/2019 no art. 51 do CP, ficou claro que o Juízo da
Execução Penal possui a competência para a execução da pena de multa.

Diante do caso narrado, responda:

a) Qual a natureza jurídica da execução penal?

b) Qual a diferença da pena de multa para a pena de prestação pecuniária?

c) Agiu corretamente o juiz?

Padrão de Resposta:

a) Embora haja divergência na doutrina, a posição que prevalece é a corrente


da natureza mista, vez que não obstante os incidentes do processo se
desenvolvam no âmbito judicial, diversos aspectos da execução dependem da
atuação administrativa, especialmente a direção, chefia de disciplina e
secretaria de estabelecimentos penais. Expoente dessa corrente foi a
professora Ada Pellegrini Grinover.
b) Enquanto a pena de multa é uma pena autônoma, a prestação pecuniária é
uma das espécies de penas restritivas de direito. E além da diferença entre os
valores a serem arbitrados pelo juízo, diferenciam-se também no tocante ao
destinatário. Enquanto os valores da pena de multa são direcionados ao Fundo
Penitenciário Nacional, o montante decorrente da prestação pecuniária é
destinado à vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privada com
destinação social.
37
c) Não. Conforme decidiu o STF, ao julgar a ADI 3.150/DF, a multa é espécie
de pena aplicável em retribuição e em prevenção à prática de crimes. Com
base nessa premissa, a legitimidade para a execução da multa resultante de
uma condenação criminal transitada em julgado, devido à sua natureza penal,
recai prioritariamente sobre o Ministério Público, ainda que não de forma
exclusiva. A Fazenda Pública tem a legitimidade subsidiária para propor a
execução fiscal, somente em caso de omissão do órgão ministerial dentro do
prazo estabelecido de 90 dias a partir da intimação para a execução da
penalidade. Assim, a Súmula 521 do STJ, que preconizava a legitimidade da
Procuradoria da Fazenda Pública, foi superada. Isso porque a decisão do STF
acima citada foi proferida em ação direta de inconstitucionalidade possuindo,
portanto, eficácia erga omnes e efeito vinculante (art. 102, § 2º, da CF/88).
Desse modo, não pode o juiz, de ofício, iniciar a execução da multa.

Nesta questão abordamos o ponto 17 do conteúdo programático de


Execução Penal

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Discorrer sobre a natureza da execução penal 20

Diferenciar multa de prestação pecuniária 20

Citar a jurisprudência do STF 20

Citar a superação da súmula 521 STJ 20

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 20


COMENTÁRIOS

Natureza jurídica da Execução Penal

Os objetivos da execução penal encontram-se delineados no artigo 1º da 38

Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal). Confira:

art. 1º - A execução penal tem por objetivo efetivar as


disposições de sentença ou decisão criminal e
proporcionar condições para a harmônica integração
social do condenado e do internado.

a) Promover a reintegração do sentenciado ao convívio social;


b) Proporcionar meios para que a sentença seja integralmente cumprida.

Na doutrina penalista majoritária, a pena possui tríplice função: retributiva,


preventiva e reeducativa.

A prevenção geral é direcionada a sociedade, tendo atuação antes do


cometimento de qualquer infração penal, promovendo a conscientização do
valor que o direito atribui ao bem jurídico tutelado.

O caráter retributivo e a prevenção especial possuem incidência durante a


imposição e execução da pena.

O caráter reeducativo só atua na fase de execução. Nesta fase, o objetivo


não é apenas de efetivar as disposições da sentença, mas também de buscar a
ressocialização do condenado, de modo que no futuro possa reingressar ao
convívio social.

Nesse sentido, a respeito da natureza jurídica da execução penal há


divergência doutrinária, com a existência de três posicionamentos:
1ª posição: caráter puramente administrativo. Essa corrente não tem
prevalecido, pois a execução não tem natureza de caráter puramente
administrativo, tendo em vista que a todo o momento há decisões de caráter
jurisdicional. Essa ideia estava baseada na doutrina política de Montesquieu
39
sobre a separação de poderes.

2ª posição: caráter eminentemente jurisdicional. Essa corrente também não


tem prevalecido, eis que no âmbito da execução penal não há exclusividade de
atos jurisdicionais.

O art. 6º da Resolução nº 113 do CNJ, dando cumprimento do previsto no


artigo 1º da Lei 7.210/1984, dispõe:

“O juízo da execução deverá, dentre as ações voltadas à


integração social do condenado e do internado, e para
que tenham acesso aos serviços sociais disponíveis,
diligenciar para que sejam expedidos seus documentos
pessoais, dentre os quais o CPF, que pode ser expedido
de ofício, com base no art. 11, da Instrução Normativa
RFB nº 864, de 25 de julho de 2008”.

3ª posição: caráter misto. Essa é a corrente que prevalece na doutrina, vez


que não obstante os incidentes do processo se desenvolvam no âmbito judicial,
diversos aspectos da execução dependem da atuação administrativa,
especialmente a direção, chefia de disciplina e secretaria de estabelecimentos
penais. Nesse sentido, cabe destacar o entendimento da saudosa Ada
Pellegrini Grinover: “não se nega que a execução penal é atividade complexa,
que se desenvolve entrosadamente nos planos jurisdicional e administrativo.
Nem se desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estatais: o
Judiciário e o Executivo”.

A pena de multa
A pena de multa pode ser abstrata, quando cominada no próprio tipo penal
e aplicada diretamente pelo juiz na sentença, ou substitutiva (vicariante),
quando aplicada em substituição a uma pena privativa de liberdade, ainda que
não prevista no tipo penal (art. 60, §2º).
40

Art. 58 - A multa, prevista em cada tipo legal de crime, tem os


limites fixados no art. 49 e seus parágrafos deste Código.
Parágrafo único - A multa prevista no parágrafo único do art. 44 e
no § 2º do art. 60 deste Código aplica-se independentemente de
cominação na parte especial.

Art. 60, § 2º - A pena privativa de liberdade aplicada, não superior


a 6 (seis) meses, pode ser substituída pela de multa, observados
os critérios dos incisos II e III do art. 44 deste Código.

Valor da multa:
A pena de multa é estabelecida com base no critério dos dias-multa. O juiz
irá arbitrar a pena de multa dentro do patamar de 10 a 360 dias-multa.

Depois que fixada a quantidade de dias-multa, o juiz irá estabelecer o


valor unitário do dia-multa, com base no valor do salário-mínimo vigente à
época do delito. Esse valor unitário poderá variar de 1/30 a 5 vezes o maior
salário-mínimo vigente à época do crime. Não importa o salário-mínimo no
momento da condenação, mas sim na época do crime.

CP, Art. 49 - A pena de multa consiste no pagamento ao fundo


penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-
multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360
(trezentos e sessenta) dias-multa.
§ 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser
inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao
tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.
§ 2º - O valor da multa será atualizado, quando da execução,
pelos índices de correção monetária

A multa arbitrada pode ainda ser triplicada, caso o juiz considere que ela
seja ineficaz (art. 60, §1).
41

§ 1º - A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz


considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é
ineficaz, embora aplicada no máximo.

Destinatário da multa:
A multa é paga em favor do Fundo Penitenciário Nacional, que é um fundo
mantido pela União, com parte da renda revertida aos Estados-membros.

Prazo para pagamento:


A multa deve ser paga em até 10 dias, a contar do trânsito em julgado da
sentença que a instituiu.

Art. 50 - A multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de


transitada em julgado a sentença. A requerimento do condenado
e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o
pagamento se realize em parcelas mensais.

A pena pode ser paga de forma parcelada, desde que isto seja requerido
pela parte interessada (o próprio condenado). O juiz, observando o caso
concreto, vai deferir ou não o parcelamento.

O parcelamento deverá ser feito antes de esgotado o prazo de 10 dias. O


Juiz, antes de decidir, poderá determinar diligências para verificar a real
situação econômica do condenado e, ouvido o Ministério Público, fixará o
número de prestações (art. 169, § 1º da LEP).

A multa também pode ser descontada em folha, ou seja, ser descontada


dos vencimentos ou do salário do condenado.
Ao não pagar a multa, o condenado pode ser preso?

Não!
42
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa
será executada perante o juiz da execução penal e será
considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à
dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às
causas interruptivas e suspensivas da prescrição. (Redação
dada pela Lei nº 13.964, de 2019).

• Antes: se o condenado, deliberadamente, deixasse de pagar a pena de


multa, ela deveria ser convertida em pena de detenção. Em outras palavras, a
multa era transformada em pena privativa de liberdade.
• Atualmente: a Lei nº 9.268/96 alterou o art. 51 do CP e previu que, se a
multa não for paga, ela será considerada dívida de valor e deverá ser exigida
por meio de execução, perante o juízo da execução penal (não se permite mais
a conversão da pena de multa em detenção).

Qual a diferença entre a pena de multa e pena de prestação pecuniária?

Muito cuidado para não confundir as duas penas! Enquanto a pena de


multa é uma pena autônoma, a prestação pecuniária é uma das espécies de
penas restritivas de direito. Ademais, o valor e os destinatários também são
diferentes. Veja o quadro:

PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA PENA DE MULTA

Classificação Pena restritiva de direito Pena autônoma

Vítima, seus dependentes ou


Destinatário entidade pública ou privada Fundo Penitenciário Nacional
com destinação social
Valor 1 a 360 salários mínimos 10 a 360 dias-multa.

Legitimidade de execução da multa


43

Importante esclarecer que, mesmo com essa mudança feita pela Lei nº
9.268/96, a multa continua tendo caráter de sanção criminal, ou seja,
permanece sendo uma pena, por força do art. 5º, XLVI, “c”, da CF/88:

Art. 5º (...)
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as
seguintes:
c) multa;

Assim, a única coisa que a Lei nº 9.268/96 fez foi mudar a forma de
cobrança da multa não paga: antes, ela virava pena de detenção; agora, deve
ser cobrada por meio de execução.

Quem executa a pena de multa?

No final de 2018, o STF decidiu o seguinte:

• A multa deve ser executada prioritariamente pelo Ministério Público, na vara


de execução penal, aplicando-se a LEP.

• Caso o MP se mantenha inerte por mais de 90 dias após ser devidamente


intimada: a Fazenda Pública irá executar, na vara de execuções fiscais,
aplicando-se a Lei nº 6.830/80.

A Lei nº 9.268/96, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não


retirou dela o caráter de sanção criminal.
Diante de tal constatação, não há como retirar do MP a competência para
a execução da multa penal, considerado o teor do art. 129 da CF/88, segundo
o qual é função institucional do MP promover privativamente a ação penal
pública, na forma da lei.
44

Promover a ação penal significa conduzi-la ao longo do processo de


conhecimento e de execução, ou seja, buscar a condenação e, uma vez obtida
esta, executá-la. Caso contrário, haveria uma interrupção na função do titular
da ação penal.

Ademais, o art. 164 da LEP é expresso ao reconhecer essa competência


do MP. Esse dispositivo não foi revogado expressamente pela Lei nº 9.268/96.

Vale ressaltar, entretanto que, se o titular da ação penal, mesmo intimado,


não propuser a execução da multa no prazo de 90 dias, o juiz da execução
criminal deverá dar ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública
(federal ou estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria
vara de execução fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/80.

Foi o que decidiu o STF:

O Ministério Público possui legitimidade para propor a cobrança de multa


decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, com a
possibilidade subsidiária de cobrança pela Fazenda Pública. STF. Plenário. ADI
3150/DF, Rel. para acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 12 e 13/12/2018
(Info 927). STF. Plenário. AP 470/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em
12 e 13/12/2018 (Info 927).

O que acontece com a Súmula 521 do STJ?

A Súmula 521 do STJ, editada em 2015, afirmava o seguinte:

Súmula 521-STJ: A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de


pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da
Fazenda Pública.

Esse entendimento está superado. Isso porque a decisão do STF acima


45
explicada foi proferida em ação direta de inconstitucionalidade possuindo,
portanto, eficácia erga omnes e efeito vinculante (art. 102, § 2º, da CF/88).

Pacote anticrime e alteração do art. 51 do CP


Em 2019, o chamado Pacote Anticrime alterou a redação do art. 51 do CP.
Compare:
Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE

Art. 51. Transitada em julgado a sentença Art. 51. Transitada em julgado a sentença
condenatória, a multa será considerada condenatória, a multa será executada
dívida de valor, aplicando-se-lhes as perante o juiz da execução penal e será
normas da legislação relativa à dívida considerada dívida de valor, aplicáveis as
ativa da Fazenda Pública, inclusive no que normas relativas à dívida ativa da
concerne às causas interruptivas e Fazenda Pública, inclusive no que
suspensivas da prescrição. concerne às causas interruptivas e
suspensivas da prescrição.

Com a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), a Fazenda Pública ainda


detém legitimidade subsidiária para executar a pena de multa
(legitimidade para executar depois de 90 dias)? Esse entendimento do
STF (ADI 3150/DF) ainda persiste?
Sim!

O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da


pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, sendo que a Fazenda
Pública mantém a competência subsidiária para execução dos respectivos
valores, mesmo após a alteração decorrente da nova redação do art. 51 do
Código Penal pela Lei 13.964/2019. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp
1.993.920/RS, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do
TJDFT), julgado em 22/11/2022.

Mesmo após a alteração decorrente da nova redação do art. 51 do Código


Penal pela Lei 13.964/2019, a Fazenda Pública mantém a competência
46
subsidiária para execução dos respectivos valores. STJ. 5ª Turma. AgRg no
AREsp 2.096.601/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 24/8/2022.

Portanto, conforme vimos acima, o STF, ao julgar a ADI 3.150/DF,


declarou que a multa é espécie de pena aplicável em retribuição e em
prevenção à prática de crimes. Com base nessa premissa, a legitimidade para
a execução da multa resultante de uma condenação criminal transitada em
julgado, devido à sua natureza penal, recai prioritariamente sobre o Ministério
Público, ainda que não de forma exclusiva. A Fazenda Pública tem a
legitimidade subsidiária para propor a execução fiscal, somente em caso de
omissão do órgão ministerial dentro do prazo estabelecido de 90 dias a partir
da intimação para a execução da penalidade. Desse modo, não pode o juiz, de
ofício, iniciar a execução da multa.

Reiterando o entendimento, decidiu o STJ:


Não cabe a determinação do pagamento da pena de multa, de ofício, ao
juízo da execução.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.222.146-GO, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, julgado em 9/5/2023 (Info 779).
QUESTÃO 06 Tiago, adolescente, praticou ato infracional análogo ao tráfico de
drogas. O juiz da Vara da Infância e Juventude julgou procedente a
representação ministerial proposta e determinou que ele cumprisse medida
socioeducativa de internação, pelo prazo máximo de 3 anos, com reavaliação
47
em 6 meses, nos termos do art. 121, §§ 2º e 3º do ECA.

Porém, com um mês de internação, a equipe técnica do centro socioeducativo


elaborou um parecer favorável sugerindo a extinção da medida, conforme o
plano individual de atendimento, que destacou a boa capacidade de
responsabilização do adolescente. O MP também concordou com a extinção da
internação. O juiz, contudo, manteve a internação sob o argumento de que o
período em que o adolescente ficou internado não seria suficiente para a
reflexão sobre os atos que cometeu. Afirmou que o jovem, com longo histórico
infracional, faz uso de substâncias ilícitas e encontra-se inserido em um
contexto infracional grave. Diante disso, entendeu necessária a medida para
afastá-lo da ilicitude.
Diante do caso narrado, responda:

a) Qual a natureza jurídica da medida socioeducativa?

b) Na condição de Residente, instado a se manifestar acerca do caso, quais


argumentos poderiam ser arguidos em defesa de Tiago?

Padrão de Resposta:

a) Acerca do tema houve discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a


natureza das medidas, se estas gozavam de cunho apenas pedagógico e não
punitivo, ou se possuíam caráter sancionatório, responsabilizador ou
repressivo. O STJ, considerando o vácuo legislativo quanto à aplicação do
instituto prescricional, editou, em 2007, a Súmula 338, decidindo o embate
doutrinário e jurisprudencial acerca da matéria, com fundamento nos artigos
226 do ECA e no art. 109, do CP. Com isso, restou indubitável o caráter
sancionatório da resposta socioeducativa do Estado em face do ato infracional.
b) Um dos argumentos que podem ser utilizados em defesa de Tiago é o fato
de que a fundamentação utilizada pelo magistrado foi inidônea e que a
manutenção da medida é ilegal, por afrontar os princípios regentes da
execução das medidas socioeducativas da individualização, que considera a
idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente, e da mínima
48
intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida,
previstos no art. 35 incisos VI e VII da lei do SINASE (12.594/2012). Ademais,
caberia alegar, com base em decisão recente do STJ, que a execução da
medida socioeducativa é informada pelos princípios da brevidade e
excepcionalidade, previsto no art. 46, II da lei do SINASE, que dispõe, por sua
vez, que não há tempo pré-estabelecido de duração para a medida, bastando
para sua extinção, que atenda sua finalidade.

Nesta questão abordamos ponto do conteúdo programático de Direito da


criança e do adolescente

ESPELHO DE CORREÇÃO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Discorrer sobre a natureza da medida 20

Citar a Súmula 338 STJ 20

Citar a jurisprudência do STJ 20

Citar os dispositivos do ECA e do SINASE 20

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 20

COMENTÁRIOS:

Natureza jurídica da Medida Socioeducativa

As medidas socioeducativas, elencadas no art. 112 em rol taxativo,


somente podem ser aplicadas a adolescentes, em decorrência da prática de
ato infracional.

A medida socioeducativa é aplicada a partir de uma ação socioeducativa,


49
que visa a apuração do ato infracional (autoria e materialidade).

Somente o Juiz pode aplicar medida socioeducativa (Súmula 108, STJ e


art. 148, I), e deverá fazê-lo tendo por base a capacidade do adolescente em
cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração (art. 112, §1.o).

Súmula 108. A aplicação de medidas


socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato
infracional, é da competência exclusiva do juiz.

Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é


competente para:
I – conhecer de representações promovidas pelo
Ministério Público, para apuração de ato infracional
atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis.

Art. 112. §1º. A medida aplicada ao adolescente


levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as
circunstâncias e a gravidade da infração.

Assim como as medidas protetivas, a aplicação das medidas


socioeducativas deve ser orientada pela necessidade pedagógica, na medida
em que visam a ressocialização do adolescente autor de ato infracional, não
tendo caráter retributivo.

A gravidade da conduta em abstrato não justifica a aplicação de medida


mais grave.

A Súmula 492, STJ informa que o ato infracional análogo ao tráfico de


drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida
socioeducativa de internação do adolescente.

As medidas socioeducativas podem ser:


50

a) Medidas em meio aberto (art. 112, I a IV): são as medidas de


advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade
e liberdade assistida.

b) Medidas que importam em restrição da liberdade (art. 112, V e VI):


regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional.

A obrigação de reparar o dano normalmente é aplicada no caso de atos


infracionais com reflexo patrimonial (art. 116).

A prestação de serviços à comunidade consiste na realização de tarefas


gratuitas de interesse geral, pelo período máximo de 6 meses, em entidades
assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos, bem como em
programas comunitários ou governamentais (art. 117). Realizada a atividade, a
medida socioeducativa considera-se extinta.

A liberdade assistida tem a finalidade de acompanhar, auxiliar e orientar


o adolescente (art. 118, caput), a partir da atuação de um orientador (art. 119).
A medida terá duração mínima de 6 meses, podendo a qualquer tempo ser
prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o
Ministério Público e o defensor (art. 118, §2.o).

Não há, porém, um prazo máximo de duração dessa medida, de sorte


que deve ser aplicado por analogia o prazo máximo da internação (3 anos).

A semiliberdade consiste em medida de restrição da liberdade,


permanecendo o adolescente parte do tempo na instituição e outra parte com
a família e a comunidade.
É uma medida que importa na privação da liberdade, ainda que em
menor que a internação, sendo possível a realização de atividades externas
independentemente de autorização judicial.
51

A semiliberdade pode ser determinada desde o início ou como forma de


transição para o meio aberto.

Assim como em relação à liberdade assistida, também na semiliberdade


deve ser usado o prazo máximo de 3 anos previsto para a internação como
limite de duração da medida.

No que diz respeito à natureza da medida socioeducativa propriamente,


cabe informar que durante muito tempo houve uma acirrada discussão
doutrinária e jurisprudencial sobre a natureza jurídica das medidas
socioeducativas, se estas gozavam de cunho apenas pedagógico e não
punitivo, ou se possuíam caráter sancionatório, responsabilizador ou
repressivo.

Até 2007, havia uma discussão quanto à aplicabilidade do instituto


benéfico da prescrição17 penal para as medidas socioeducativas. Este
instituto era previsto apenas no Código Penal, existindo omissão legislativa
quanto à sua aplicabilidade as medidas socioeducativas.

Em não aplicando o instituto da prescrição, o Estado podia agir de forma


mais invasiva, e a qualquer tempo, a liberdade do adolescente, do que se o
mesmo ato fosse realizado por um adulto.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2007, considerando o vácuo


legislativo quanto à aplicação do instituto prescricional, editou a súmula 338,
decidindo o embate doutrinário e jurisprudencial acerca da matéria, com
fundamento nos artigos 226 do ECA e no art. 109, do CP, bem como no
caráter sancionatório da resposta socioeducativa do Estado em face do ato
infracional, consolidando a prescritibilidade da pretensão socioeducativa por
parâmetros no Código Penal.

Ressalta-se que quem defendia que não se aplicava a prescrição,


52
considerava que as medidas socioeducativas gozavam de natureza jurídica
educativa e pedagógica, sendo assim, a qualquer tempo, o adolescente
poderia ser processado pela prática de ato infracional, bem como poderia ser
executada a medida socioeducativa.

Nesse passo, em 2012, a Lei do SINASE enuncia o caráter sancionatório


das medidas socioeducativas, acompanhadas de proposta pedagógica, ao
estabelecer como objetivo destas ― a responsabilização do adolescente
quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível
incentivando a sua reparação, no inciso I, § 2º do art. 1º.

Internação:
A internação pode ser vista como:

a) internação provisória (obs.: estudada no tópico do ato infracional);

b) medida socioeducativa, que pode ser aplicada sem prazo determinado


(art. 112, I e II) ou com prazo determinado (art. 112, III).

Obs.: Atividades pedagógicas são obrigatórias tanto durante o período da medida de


internação quanto durante a internação provisória (art. 123, parágrafo único).

A internação é a medida socioeducativa privativa de liberdade por


excelência do ECA, sendo o autor do ato infracional transferido a uma entidade
exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo
(art. 123).
Em que pese a privação da liberdade, admite-se a realização de
atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade em que o
adolescente se encontra (art. 121, §1.o).

53
A internação sujeita-se aos princípios da (art. 121, caput):

a) brevidade (art. 121, §§2.o e 3.o);


b) excepcionalidade (art. 122, §2.o);
c) respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 123,
caput).

A medida em regra não comporta prazo determinado, isto é, a sentença


não estabelece o tempo que o adolescente cumprirá a medida, devendo a sua
manutenção durar até que seja alcançada a necessária ressocialização, sendo
reavaliada a sua necessidade no máximo a cada 6 meses (art. 121, §2.o).

Entretanto, a medida somente pode durar até o prazo máximo de 3 anos,


que em nenhuma hipótese poderá ser excedido (§3.o), devendo o
adolescente, ao seu término, ser liberado, colocado em regime de
semiliberdade ou de liberdade assistida (§4.o).

A liberação será compulsória se dá aos 21 anos de idade (§5.o), lapso


temporal em que cessa a aplicação do ECA (conforme estudado no tópico de
noções introdutórias).

A desinternação deve, necessariamente, será precedida de autorização


judicial, ouvido o Ministério Público.

A medida de internação é subsidiária, somente podendo ser aplicada


após:
* a análise da capacidade de cumprimento, das circunstâncias e da
gravidade da infração;
* verificado que nenhuma outra medida é apta a alcançar o fim da
ressocialização;
* verificada uma hipótese de cabimento do art. 122, incisos.

54
Essa operação deve nortear a aplicação da medida socioeducativa de
internação, dado o seu caráter excepcional. Nesse sentido, informa o art. 122,
§2º:

§2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra


medida adequada. São hipóteses que podem ensejar a aplicação da medida
de internação (art. 122):
a) ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a
pessoa;
b) reiteração no cometimento de outras infrações graves;
c) descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente
imposta (internação-sanção).

A internação-sanção é uma hipótese em que a medida terá prazo


determinado, que não poderá superar 3 meses (§1.o).

Tabela comparativa: medidas protetivas x medidas socioeducativas


MEDIDAS PROTETIVAS MEDIDAS
SOCIOEDUCATIVAS

SUJEITOS Crianças e adolescentes Adolescentes

PREVISÃO LEGAL Art. 101, incisos Art. 112, I a VI

ROL Exemplificativo Taxativo

(numerus apertus) (numerus clausus)

HIPÓTESES DE Situação de risco Prática de ato infracional

CABIMENTO
APLICAÇÃO E Isolada ou cumulativa, e Isolada ou cumulativa
substituída a qualquer (inclusive com medidas
SUBSTITUIÇÃO tempo protetivas) e substituída a
qualquer tempo

55
QUEM APLICA Juiz e Juiz, com Juiz, com exclusividade
exclusividade Conselho
Tutelar (art. 101, I a VII)

APLICAÇÃO Necessidade pedagógica Necessidade pedagógica


da medida da medida
ORIENTADA PELA

PRIVAÇÃO DE Não importam em privação Podem importar em


LIBERDADE de liberdade privação de liberdade (ex.:
internação)

A finalidade da medida socioeducativa e a decisão do STJ

Como aludido na resposta da questão, caberia apontar que a


fundamentação utilizada pelo magistrado foi inidônea e que a manutenção da
medida é ilegal, por afrontar o previsto no art. 35, VI e VII da Lei nº
12.594/2012 e o art. 122, § 2º do ECA:

Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-


se-á pelos seguintes princípios:

(...)

VI - individualização, considerando-se a idade,


capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente;

VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a


realização dos objetivos da medida;

Art. 122. (...)


§ 2º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação,
havendo outra medida adequada.

Nesse sentido, julgando caso semelhante, o STJ consignou que a


execução da medida socioeducativa, embora ostente viés retributivo, está 56

conformada pelos princípios da brevidade e excepcionalidade, não havendo


tempo preestabelecido de sua duração, bastando para sua extinção, que
atenda sua finalidade, nos termos do art. 46, II, da Lei nº 12.594/2012:

Art. 46. A medida socioeducativa será declarada extinta:

(...)

II - pela realização de sua finalidade;

Vale ressaltar que não há vinculação do juiz ao laudo multidisciplinar


elaborado no curso da execução da medida socioeducativa. Em outra palavras,
o magistrado pode discordar fundamentadamente do laudo com base no
princípio do livre convencimento motivado. Nesse sentido:

O parecer psicossocial não possui caráter vinculante e representa apenas um


elemento informativo para auxiliar o magistrado na avaliação da medida
socioeducativa mais adequada a ser aplicada. A partir dos fatos contidos nos autos, o
juiz pode decidir contrariamente ao laudo com base no princípio do livre
convencimento motivado. STF. 1ª Turma. RHC 126205/PE, rel. Min. Rosa Weber,
julgado em 24/3/2015 (Info 779).

No entanto, no caso concreto, o fundamento utilizado pelo magistrado teve


caráter exclusivamente retributivo, finalidade que, embora presente na
imposição e execução da medida socioeducativa, escapa à dosagem judicial,
remanescendo apenas enquanto não atingidas as finalidades estabelecidas no
plano individual de atendimento (art. 52 da Lei nº 12.594/2012), não
constituindo critério legal invocável pelo juiz para manter em curso medida que
já atingiu sua finalidade, principalmente a título de dilação temporal.

Na situação concreta, mesmo a equipe técnica tendo indicado que foi


cumprida a finalidade da medida, o juiz e o TJ mantiveram a internação por
entenderem que o período pelo qual se encontra acautelado o adolescente não 57

foi suficiente para que ele refletisse sobre os graves atos que cometeu.

Ocorre que esse argumento não possui amparo legal. Além disso, a
alegada insuficiência do período em que acautelado não está ancorada em
qualquer critério legal aferível, controlável. Pouco tempo de internação é um
argumento muito subjetivo.

Desse modo, como esse fundamento invocado não tem previsão legal,
torna-se arbitrária a manutenção da medida de internação.

Considerando os postulados da brevidade e da excepcionalidade, que na


execução da medida socioeducativa restringem a intervenção do Estado ao
necessário para atingimento da finalidade da medida, inviável manter a
execução apenas pela menção genérica à insuficiência do tempo, a despeito,
ainda, da menção ao histórico infracional do menor.
TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA
A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

1
W W W .P O R T A L E S T U D A N D O D IR E I T O . C O M . B R
@ C U R S O P E D

TURMA DE RESOLUÇÃO DE QUESTÕES PARA


A PROVA DA DPERJ - RESIDÊNCIA JURÍDICA
TEMAS QUENTES

Olá Futuro(a) Residente Jurídico(a) da DPE-RJ,

Você está recebendo hoje a última rodada de conteúdo direcionado e


preparatório para o concurso de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro. terminamos as rodadas! Você se saiu bem?
Tivemos todo o cuidado na seleção de cada tema e buscamos identificar os
assuntos de maior relevância na atuação prática na Defensoria Pública,
temas que são quentes e podem ser questão do seu certame!

Esta é a décima rodada de dez. Ao total foram aproximadamente sessenta


questões! O objetivo é treiná-los para prova, então vocês devem tentar
resolver as questões antes de partirem para a leitura do espelho. O
espelho é instrumento essencial para você se aprofundar nos temas,
contudo, antes de abri-lo, treine com o caderno de questões!

Desejamos sorte neste seu objetivo e que este material possa continuar te
ajudar a alcançar a função de Residente Jurídico da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro!

Qualquer dúvida, não deixe de nos procurar! Até breve e boa prova,

Coordenação da turma

PRISCI LA COT TA
ANALISTA PROCESSU AL DA DPE-RJ
EX-RESIDENTE J URÍDICA DA DPE-RJ
RAONI ARAUJ O
COORDENADOR ACADÊMICO DO PED
MESTRE PELA FND/UFRJ

2
QUESTÃO 01 É possível Medida Provisória para organizar a Defensoria Pública? Por
quê?

Padrão de Resposta

De antemão, cabe ressaltar que a medida provisória é espécie legislativa prevista no


art. 59, V da CF, e caracteriza-se como um ato normativo primário, editado pelo chefe
do Poder Executivo no exercício de sua função atípica de legislar. Trata-se de espécie
normativa inaugurada pela Constituição Federal de 1988, em substituição do Decreto-
Lei. Embora a espécie não seja propriamente lei, a Constituição assevera em seu art.
62, que a medida provisória tem força de lei.
A Defensoria Pública, enquanto órgão constitucional autônomo (STF, RE 114005 -
Tema 1002 da RG) integrante do sistema de justiça, extrai suas diretrizes básicas da
própria Constituição. Nesse sentido, o art. 134, §1º da CR (com redação dada pela EC
45/2004, chamada de “Reforma do Judiciário”, por introduzir diversos dispositivos na
Constituição para facilitar o acesso ao Judiciário; leia-se Justiça), dispõe que lei
complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos
Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados. Nesse
sentido, não seria possível ao chefe do Executivo editar medida provisória para tratar
da organização da Defensoria por uma expressa vedação constitucional prevista no art.
62, §1º, inciso III. A regra em comento veda a edição de medida provisória para tratar
de matéria que deva ser regulamentada por lei complementar. Ademais, como já
reiterado pelo STF (ADI 2903), trata-se de matéria submetida ao regime de
competência concorrente (CF, art. 24, XIII). Ou seja, haverá fixação, pela União, de
diretrizes gerais (LC 80/94) e, pelos Estados-membros, de normas suplementares. (ex:
LC 06/77 do ERJ). Nesse âmbito, em função do princípio da simetria, a Defensoria
Pública dos Estados também devem ser organizadas através de Lei complementar.

Nesta questão abordamos o ponto 7 do conteúdo programático de Direito


Constitucional

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO


Mencionar a MP como espécie normativa 20

Citar a previsão constitucional da DP 20

Citar a vedação de MP para matéria de LC 20

Citar o princípio da simetria e a aplicação aos 20


Estados

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 20

COMENTÁRIOS

Processo Legislativo

O processo legislativo pode ser caracterizado como o conjunto de atos


necessários à elaboração das normas jurídicas.

O art. 59, da Constituição Federal de 1988 determina as espécies normativas


abarcadas pelo processo legislativo.

CF, Art. 59. O processo legislativo compreende a


elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.

Tais normas são chamadas de atos normativos primários, ou seja, possuem


fundamento de validade diretamente na Constituição. Dessa forma, podem criar direitos
e obrigações, inovando na ordem jurídica.
Os atos normativos secundários, por sua vez, apenas regulamentam os atos
normativos primários, não lhes sendo permitido, portanto, a instituição de direitos e
obrigações por fundamento próprio.

A observância das regras constitucionais no processo legislativo é de extrema


importância para fins de avaliar a constitucionalidade da espécie normativa editada,
analisando uma eventual ocorrência de vício formal ou material.

Leis Complementares

Tanto as leis ordinárias quanto as leis complementares passam pelo mesmo


procedimento no momento de sua elaboração, observando-se as fases de iniciativa,
deliberação, sanção/veto, promulgação e publicação.

No entanto, há duas grandes diferenças entre elas. A primeira distinção tem


natureza formal, que diz respeito ao quórum para aprovação. A lei complementar exige
o quórum de maioria absoluta para que seja aprovada, ao passo que a lei ordinária
exige apenas maioria simples. A outra distinção é de natureza material, que refere-se
ao fato de que as leis complementares só podem tratar das matérias taxativamente
previstas na Constituição, enquanto que as leis ordinárias têm caráter residual,
incidindo sobre o que não é reservado à lei complementar e que seja passível de
regulamentação por lei.

É importante destacar que não há hierarquia entre lei ordinária e lei


complementar. Muito embora haja divergência doutrinária a respeito, a corrente
majoritária e alinhada com o STF entende dessa forma (Ver STF, RE 419.629).

Por fim, cabe ressaltar que em dezembro de 2019 foi publicado um importante
julgado tratando sobre a temática das leis complementares. A questão foi debatida na
ADI 5003, na qual o STF entendeu que a Constituição estadual só pode exigir lei
complementar para tratar das matérias que a Constituição Federal também exigiu
lei complementar. Na oportunidade, os Ministros afirmaram que: “A aprovação de leis
complementares depende de mobilização parlamentar mais intensa para a criação de
maiorias consolidadas no âmbito do Poder Legislativo, bem como do dispêndio de
capital político e institucional que propicie tal articulação, processo esse que nem
sempre será factível ou mesmo desejável para a atividade legislativa ordinária, diante
da realidade que marca a sociedade brasileira – plural e dinâmica por excelência – e da
necessidade de tutela das minorias, que nem sempre contam com representação
política expressiva. A ampliação da reserva de lei complementar, para além daquelas
hipóteses demandadas no texto constitucional, portanto, restringe indevidamente o
arranjo democrático-representativo desenhado pela Constituição Federal, ao permitir
que Legislador estadual crie, por meio do exercício do seu poder constituinte
decorrente, óbices procedimentais – como é o quórum qualificado – para a discussão
de matérias estranhas ao seu interesse ou cujo processo legislativo, pelo seu objeto,
deva ser mais célere ou responsivo aos ânimos populares.”

Medidas Provisórias

As medidas provisórias também são atos normativos primários editados pelo


Presidente da República, no exercício de sua função atípica de legislar.

Trata-se de espécie normativa introduzida pela Constituição Federal de 1988,


visando a extinção do Decreto-Lei. Tal espécie não é propriamente uma lei, no entanto
a Constituição assevera em seu art. 62, que a medida provisória tem força de lei.

Para a edição da medida provisória, é necessária a presença dos requisitos de


relevância e urgência. Não se admite a presença de um ou outro apenas, sendo
obrigatória a presença de ambos, portanto, são cumulativos. A análise da relevância e
urgência trata-se de um juízo político e discricionário do Presidente da República, mas
que será analisado posteriormente pelo Congresso Nacional e, excepcionalmente, pode
vir a ser controlado pelo Judiciário.

O procedimento legislativo das medidas provisórias se dá da seguinte forma: o


Presidente da República edita a medida provisória e a encaminha para o Congresso
Nacional. A MP vigora pelo período 60 dias, que poderá ser prorrogado por mais 60
dias, caso ainda não tenha sido apreciada pelo Poder Legislativo. Destaque-se que na
prática esse período poderá ser maior, pois não corre o prazo da MP durante o recesso
parlamentar.

Ao receber a medida provisória, o Congresso Nacional inicia a votação do projeto


de lei para a conversão da MP em lei no prazo de 45 dias.

Caso este prazo não seja observado, ocorrerá o procedimento denominado de


“trancamento da pauta”, de modo que não poderão ser votados outros projetos, pois
todas as deliberações da respectiva Casa legislativa ficariam sobrestadas. Tal previsão
está disciplinada no art. 62, § 6º, CF/88.

CF, Art. 62, § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até


quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em
regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas
do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a
votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em
que estiver tramitando.

No Congresso Nacional, forma-se uma Comissão Mista que vai analisar a


urgência e relevância da medida provisória. Veja-se o art. 60, §5º, CF/88:

CF, Art. 60, § 5º A deliberação de cada uma das Casas do


Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias
dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus
pressupostos constitucionais.

Em relação ao mérito da medida provisória, cabe destacar que determinadas


matérias não poderão ser objeto de MP. Tais vedações constam do art. 60, § 1º, CF/88.
CF, Art. 62, § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre
matéria:
I - relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e
direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a
carreira e a garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e
créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art.
167, § 3º;
II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança
popular ou qualquer outro ativo financeiro;
III - reservada a lei complementar;
IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso
Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da
República.

Esse rol é taxativo ou exemplificativo?


Embora a Emenda Constitucional n. 32/2001 tenha estabelecido limitações
materiais expressas à adoção de medidas provisórias, a doutrina majoritária
argumenta que o art. 62, § 1º, da Constituição da República veicula rol
exemplificativo, não impedindo o reconhecimento de outras matérias que não
podem ser reguladas por essa espécie normativa:

“A EC 32/2001, apesar dos avanços, ficou aquém das


expectativas. Ao vedar a veiculação de determinadas matérias por
medidas provisórias, permitiu, consequentemente, que as
matérias não contidas no rol fossem veiculadas por tal ato.
Todavia, em consonância com a interpretação sistemática da
Constituição, afirma-se continuar existindo limites implícitos
à edição de medidas provisórias. O rol de vedações trazido
pela Emenda é apenas exemplificativo. As limitações
materiais, portanto, não param por aí” (CLÈVE, Clèmerson
Merlin. Medidas provisórias. 3. ed. rev. atual e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. p. 127).

(...) a medida provisória continua sendo ato excepcional, cuja


interpretação deve ser restritiva. Nesse sentido, ainda que não
enumerada no § 1º do artigo 62, se há matéria cuja natureza não
se harmoniza com a urgência da medida provisória, é forçoso
reconhecer que por ela não pode ser tratada“ (NIEBUHR, Joel de
Menezes. O novo regime constitucional da medida provisória. São
Paulo: Dialética, 2001. p. 109-110).

Assim, por exemplo, seria inviável a edição de medida provisória sobre matéria
de iniciativa legislativa exclusiva de outro Poder ou de competência exclusiva
do Congresso ou de suas Casas, conquanto a Emenda Constitucional n.
32/2001 não tenha estabelecido tal vedação de forma expressa.

Seguindo essa linha, o STF entendeu recentemente que o art. 225, § 1º, inc. III,
da Constituição da República, ao dispor que apenas a lei pode alterar ou
suprimir espaços territoriais especialmente protegidos (dos quais são espécie
as unidades de conservação) afasta a possibilidade de utilização da medida
provisória para este fim. Assim, não pode haver a edição de MP para
alteração ou supressão de espaços territoriais protegidos, muito embora o tema
não esteja no rol do art. 62, §1º.

A melhor exegese do art. 225, § 1º, inc. III, da Constituição da República,


portanto, impõe que a alteração ou supressão de espaços territoriais
especialmente protegidos somente pode ser feita por lei formal, com amplo
debate parlamentar e participação da sociedade civil e dos órgãos e instituições
de proteção ao meio ambiente, em observância à finalidade do dispositivo
constitucional, que é assegurar o direito de todos ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado (STF, ADI 4717).
Após a análise da medida provisória pela Câmara e pelo Senado, poderá haver a
rejeição ou a perda da eficácia da MP. Contudo, ainda assim a medida provisória terá
produzido efeitos. Para conferir segurança jurídica às relações estabelecidas, o
Congresso Nacional deverá editar um decreto legislativo regulando as relações
jurídicas constituídas pela medida provisória.

CF, Art. 62, § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto


nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem
convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos
termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso
Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas
delas decorrentes.

Por fim, é necessário ressaltar que caso o decreto legislativo não seja editado em
até sessenta dias após a rejeição ou perda da eficácia da medida provisória, esta
continuará produzindo seus efeitos para preservar as relações jurídicas por ela
estabelecidas.

CF, Art. 62, § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere
o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de
medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes
de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela
regidas.

Há alguns julgados recentes e importantes a respeito das medidas provisórias.


Confira-se abaixo.

- No julgamento da ADI 5717, realizado em 2019, o STF asseverou


expressamente o entendimento de que “É vedada reedição de medida provisória que
tenha sido revogada, perdido sua eficácia ou rejeitada pelo Presidente da República na
mesma sessão legislativa.” Tal previsão consta do art. 62, § 10, CF/88 e foi reafirmada
pelo julgado.

- Na ADI 4717 debateu-se a possibilidade de edição de medida provisória sobre


meio ambiente. Na oportunidade, o STF entendeu que é possível editar medidas
provisórias sobre matéria ambiental, desde que as normas sejam favoráveis ao meio
ambiente. Assim, declarou inconstitucional a supressão, por MP, de espaços territoriais
protegidos, sem respeito ao devido processo legislativo e à observância de reserva
legal para a matéria.

3. As medidas provisórias não podem veicular norma que altere espaços


territoriais especialmente protegidos, sob pena de ofensa ao art. 225, inc.
III, da Constituição da República.
4. As alterações promovidas pela Lei n. 12.678/2012 importaram
diminuição da proteção dos ecossistemas abrangidos pelas unidades de
conservação por ela atingidas, acarretando ofensa ao princípio da
proibição de retrocesso socioambiental, pois atingiram o núcleo essencial
do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
previsto no art. 225 da Constituição da República

Convém ressaltar que, no voto da Min. Carmen Lúcia, sustentou-se também


violação ao princípio da proibição de retrocesso socioambiental. O princípio da
proibição de retrocesso socioambiental decorre diretamente do princípio da proibição
de retrocesso social, o qual, segundo Canotilho, impede que o núcleo essencial dos
direitos sociais já realizado e efetivado por medidas legislativas seja simplesmente
aniquilado por medidas estatais.

No Direito Ambiental, parte da doutrina sustenta que o princípio da proibição de


retrocesso, embora não expressamente previsto na Constituição da República, assume
papel de verdadeiro princípio geral, à luz do qual deve ser avaliada a legitimidade de
medidas legislativas que objetivem reduzir o patamar de tutela legal do meio ambiente.
Assim, muito embora não se vede qualquer tipo de restrição em matéria ambiental, é
necessário que se faça, no caso concreto, uma análise de proporcionalidade e
razoabilidade da medida, bem como do respeito ao núcleo essencial dos direitos
socioambientais pela referida restrição.

Para a relatoria, no caso em análise, algumas das alterações promovidas


importaram em gravosa diminuição da proteção dos ecossistemas abrangidos pelas
unidades de conservação acima referidas, acarretando ofensa ao princípio da proibição
de retrocesso socioambiental, ao atingirem o núcleo essencial do direito fundamental
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da Constituição da
República.

- Na ADI 5012, foi debatido o tema da emenda parlamentar em medida provisória.


No julgamento do caso, os Ministros entenderam pela possibilidade de emenda
parlamentar em sede de medida provisória, desde que haja uma relação de pertinência
temática entre a emenda apresentada e o assunto tratado na MP. No julgamento foi
dito que “Afronta ao princípio democrático, ao postulado da separação entre os Poderes
e à garantia do devido processo legislativo, à ausência de pertinência temática entre a
matéria veiculada na emenda parlamentar e o objeto da medida provisória submetida à
conversão em lei.”

Trata-se da vedação ao chamado “contrabando legislativo”, caracterizado pela


introdução de matéria estranha a medida provisória submetida à conversão. Tal medida
caracteriza não apenas mera inobservância de formalidade, mas também procedimento
marcadamente antidemocrático, na medida em que, intencionalmente ou não, subtrai
do debate público e do ambiente deliberativo próprios ao rito ordinário dos trabalhos
legislativos a discussão sobre as normas que irão regular a vida em sociedade.
Ressalte-se que o contrabando legislativo (ou “emendas jabuti”) inclusive já haviam
sido rechaçados pelo STF em precedente anterior, com efeitos “ex nunc”:

1. Viola a Constituição da República, notadamente o princípio


democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput,
parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da
inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo
de conversão de medida provisória em lei, de matérias de
conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida
provisória.
2. Em atenção ao princípio da segurança jurídica (art. 1º e 5º,
XXXVI, CRFB), mantém-se hígidas todas as leis de conversão
fruto dessa prática promulgadas até a data do presente
julgamento, inclusive aquela impugnada nesta ação. 3. Ação
direta de inconstitucionalidade julgada improcedente por maioria
de votos”. (ADI 5127, Tribunal Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, Rel.
P/ Acórdão Min. Edson Fachin, DJe 10.05.2016; grifei)

- No julgamento da ADI 4029, discutiu-se sobre a importância da manifestação da


Comissão Mista de deputados e senadores em relação à medida provisória. O STF
entendeu que se trata de uma fase de observância obrigatória no processo de
tramitação da medida provisória. Neste sentido, foi afirmado que: “As Comissões Mistas
e a magnitude das funções das mesmas no processo de conversão de Medidas
Provisórias decorrem da necessidade, imposta pela Constituição, de assegurar uma
reflexão mais detida sobre o ato normativo primário emanado pelo Executivo, evitando
que a apreciação pelo Plenário seja feita de maneira inopinada, percebendo-se, assim,
que o parecer desse colegiado representa, em vez de formalidade desimportante, uma
garantia de que o Legislativo fiscalize o exercício atípico da função legiferante pelo
Executivo.”

- Súmula Vinculante 54: A medida provisória não apreciada pelo congresso nacional
podia, até a Emenda Constitucional 32/2001, ser reeditada dentro do seu prazo de
eficácia de trinta dias, mantidos os efeitos de lei desde a primeira edição.

A Defensoria Pública na Constituição

A Defensoria, enquanto órgão integrante do sistema de justiça, encontra previsão


no art. 134 da CF, que no seu §1º dispõe acerca das regras de organização:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial
à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão
e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a
orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa,
em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e
coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma
do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal . (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União


e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais
para sua organização nos Estados, em cargos de carreira,
providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e
títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da
inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das
atribuições institucionais. (Renumerado do parágrafo único pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Com isso, a organização da instituição através de Medidas provisórias é


absolutamente vedada, pois o próprio texto constitucional, no art. 62, §1º, inciso III,
assim determina:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da


República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei,
devendo submetê-las de imediato ao Congresso
Nacional.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de
2001)

§1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:


(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

(…)

III - reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda


Constitucional nº 32, de 2001)
QUESTÃO 02 Teresa foi citada na condição de executada em um processo de
execução fiscal movido pela Autarquia de água e esgoto do município em que reside,
em razão de débitos acumulados de tarifas de água e esgoto. Alegando
hipossuficiência, buscou a Defensoria Pública. De acordo com o caso em tela,
responda:

a) Qual é a defesa cabível e quais são seus requisitos?

b) A gratuidade de assistência judiciária exime Teresa da comprovação de


hipossuficiência para outros fins?

Padrão de Resposta

a) Conforme prevê o art. 39, §2º da lei 4.320/64, as tarifas e os preços públicos
constituem dívida ativa não tributária da fazenda pública, podendo assim, serem
cobradas através do rito executivo fiscal previsto na lei 6.830/80 (LEF).
Nesse sentido, a defesa cabível seriam os embargos à execução fiscal, na forma do art.
16 da LEF, e seus requisitos intrínsecos são o prazo próprio de 30 dias e a garantia da
execução, segundo o §1º do art. 16. Porém, já decidiu o STJ que, embora a garantia do
juízo continua a ser uma condição específica da ação, se não houver a garantia ou esta
for insuficiente, os embargos não devem ser rejeitados de plano. Deve ser concedido
um prazo para que o executado apresente ou reforce a garantia. Na mesma linha,
também já decidiu o STJ que deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a
oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o
devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo, tudo em
homenagem à garantia fundamental do acesso a justiça (art. 5º, XXXV CF).

b) Como se sabe, para que a Defensoria Pública patrocine uma pessoa, esta, em linha
gerais, precisa demonstrar que não possui condições de contratar um advogado
particular. Isso se dá através do preenchimento de alguns requisitos específicos, como
a comprovação de renda. Entretanto, decidiu o STJ pela possibilidade do recebimento
dos embargos à execução fiscal sem a apresentação de garantia do juízo, quando
efetivamente comprovado o estado de hipossuficiência patrimonial do devedor, não
sendo suficiente, para esse mister, a concessão da assistência judiciária gratuita por
parte da Defensoria Pública. Para a Corte, caso assim fossem admitidos os embargos,
ocorreria uma injustificada inversão do ônus probatório em face do exequente, o que
inverte a lógica do art. 16 §1º da Lei de Execuções fiscais, enquanto norma especial.
Nesse sentido, apesar de ser beneficiária da assistência judiciária gratuita, para que
seus embargos sejam admitidos, Teresa deve comprovar, na ação de execução fiscal,
sua hipossuficiência, para assim ser dispensada da apresentação de bens à garantia.

Nesta questão abordamos o ponto 4 do conteúdo programático de Direito


Processual Civil.

ESPELHO DE CORREÇÃO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Natureza da Tarifa e possibilidade de cobrança via 10


execução fiscal

Embargos a execução como defesa cabível 10

Citar os requisitos dos embargos 20

Citar a mitigação da regra da garantia (STJ) 20

Citar a jurisprudência acerca da necessidade de 20


comprovação de hipossuficiência (STJ)

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 20

COMENTÁRIOS

Execução fiscal

A norma geral que regulamenta o procedimento de execução fiscal é a Lei


6.830/80 (Lei de Execução Fiscal - LEF). Importante mencionar também o art. 98 da
LEI 8.212, que só se aplica às execuções fiscais propostas pela União e pelo INSS, no
tocante às contribuições previdenciárias. É um procedimento relativamente diferente,
em relação às execuções fiscais.

De acordo com o art. 1º da LEF, também poderá ser aplicado o NCPC (norma
geral) em caso de lacuna. No entanto, em alguns casos, a LEF não é lacunosa,
trazendo um tratamento diferenciado. Nesse ponto, há discussões nas ocasiões em
que o regime do NCPC é mais favorável ao credor do que aquele trazido pela LEF
para o credor fazendário. Assim, defende-se que seja aplicável a norma geral do
NCPC, aplicando-se a teoria do diálogo das fontes, para dar coerência ao sistema,
uma vez que não haveria sentido que o credor fazendário tivesse um regramento
menos benéfico que o credor geral. Veremos algumas situações mais à frente.

Legitimidade Ativa:

De acordo com o art. 1º da LEF, os legitimados ativos seriam os entes


federativos (União, Estados, DF e Municípios) e as autarquias. Dentro das
autarquias, incluem-se também as fundações públicas de direito público (autarquias
fundacionais).

Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União,


dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas
autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de
Processo Civil.

Veja que a LEF só diz respeito a pessoas jurídicas de direito público, que se
inserem no conceito de fazenda pública.

Inscrição em dívida ativa:

Art. 2º da Lei 6.830/80 - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública


aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de
17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui
normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos
orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do
Distrito Federal.

Os créditos não-tributários estão definidos no art. 39, §2º da Lei 4.320/64.


Nesse conceito estão incluídas as:

1. Multas administrativas (Ex: multas ambientais, multas de trânsito etc), que


podem ser inscritas em dívida ativa e cobradas por execução fiscal.
2. Preços públicos e as tarifas, que também poderiam ser cobrados por execução
fiscal.
3. Foro e o laudêmio, que são verbas contratuais relativas a enfiteuses (não são
tributos).
4. Restituições: verbas pagas pelo ente indevidamente (Ex: verbas pagas a
servidor que pediu exoneração, mas que o pedido demorou a ser processado).
5. Indenizações, relacionadas à responsabilidade civil.
6. Multas contratuais.

ATENÇÃO Nos créditos não - tributários, não há lançamento e, portanto, aqui não há
a presunção de legitimidade que encontramos nos créditos tributários. Assim, o STJ
entende que, para se inscrever em dívida ativa, o crédito precisa ser exigível, líquido
e certo; é necessário um processo de liquidação do crédito, em que se assegure a
ampla defesa e o contraditório. O ente não pode simplesmente pegar a obrigação
contratual e inscrever em dívida ativa.

Requisitos para Inscrição em dívida ativa:

(Art. 2º, §5º e 6º da Lei 6.830/80 e Art. 202 do CTN)

 Nome do devedor, dos corresponsáveis e domicílio.


 Valor originário da dívida, termo inicial e forma de cálculo dos juros e demais
encargos.
 Origem, natureza e fundamento legal ou contratual da dívida.
 Indicação se a dívida está sujeita à correção monetária.
 Data e número de inscrição no registro de dívida ativa
 Número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver
apurado o valor da dívida. Não é sempre obrigatório constar o número do
processo administrativo, pois às vezes ele nem existe (quando não há
impugnação, por exemplo).

§ 5º - O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:


1. - o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que
conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros;
2. - o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma
de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei
ou contrato;
3. - a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da
dívida;
4. - a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização
monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo
inicial para o cálculo;
5. - a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e
6. - o número do processo administrativo ou do auto de infração, se
neles estiver apurado o valor da dívida.

A CDA conterá os mesmos elementos do termo de inscrição.

§ 6º - A Certidão de Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do


Termo de Inscrição e será autenticada pela autoridade competente.

Faltando um desses requisitos, aquela inscrição não será válida, mas sim nula
por vício de forma (art. 2º, §8º da LEF e art. 203 do CTN). No entanto, essa nulidade
pode ser sanada até a decisão de primeira instância.
§ 8º - Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa
poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a
devolução do prazo para embargos.
Ademais a jurisprudência tem aplicado o brocardo “pas de nullité sans grief” (não
há nulidade sem prejuízo), pois se a CDA indica perfeitamente o devedor e
especifica a exigência fiscal, eventual omissão incapaz de gerar prejuízo ao
executado (Ex: ausência de indicação do livro ou da folha de inscrição) não gera a
nulidade do processo.

Por fim, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem rechaçado


alegações quanto à necessidade de incluir informações adicionais na petição
inicial da execução fiscal. Nesse sentido, vale a leitura das súmulas do Superior
Tribunal de Justiça referente ao tema:

Súmula 559: Em ações de execução fiscal, é desnecessária a instrução da petição


inicial com o demonstrativo de cálculo do débito, por tratar-se de requisito não previsto
no art. 6º da Lei n. 6.830/1980.

Súmula 558: Em ações de execução fiscal, a petição inicial não


pode ser indeferida sob o argumento da falta de indicação do
CPF e/ou RG ou CNPJ da parte executada.

Legitimidade Passiva:

A Lei de Execução Fisca traz, em seu art. 4º, os legtimados passivos, senão
vejamos:

Art. 4º - A execução fiscal poderá ser promovida contra:


I – o devedor;
II - o fiador;
III - o espólio;
IV - a massa;
V - o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou
não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e
VI - os sucessores a qualquer título.

Os §1º e seguintes tratam dos casos de responsabilidade. A doutrina e a


jurisprudência entendem que prevalece o CTN em caso de eventual conflito com a
LEF, em virtude do art. 146, III, b, que exige lei complementar para tratar de normas
gerais sobre crédito tributário. Assim, no caso de crédito tributário, não haverá sempre
a responsabilidade solidária prevista no §1º, podendo ser caso de aplicação da
responsabilidade subsidiária do art. 134 do CTN. Em outras palavras, é preciso
sempre fazer uma análise das legislações especiais.

Já o §3º prevê a possibilidade de os responsáveis indicarem bens do devedor


principal suficientes à execução. É o chamado benefício de ordem.

No entanto, em matéria tributária, quando a responsabilidade é solidária, o CTN


expressamente exclui o benefício de ordem (art. 134, PU).

§ 3º - Os responsáveis, inclusive as pessoas indicadas no § 1º deste


artigo, poderão nomear bens livres e desembaraçados do devedor,
tantos quantos bastem para pagar a dívida. Os bens dos responsáveis
ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes
à satisfação da dívida.

Por fim, o 4º determina a aplicação de algumas garantias do crédito tributário ao


crédito não- tributário.

§ 4º - Aplica-se à Dívida Ativa da Fazenda Pública de natureza não


tributária o disposto nos artigos 186 e 188 a 192 do Código Tributário
Nacional.

Citação (art. 8º da Lei 6.830/80):


Na execução fiscal o executado é citado para pagar ou garantir a execução, e
não para se defender. É um prazo de 5 dias, os quais, se ultrapassados, abrem
possibilidade para a penhora de bens.
Art. 8º - O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar
a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na
Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as
seguintes normas:

A regra geral é que a citação é feita por AR (aviso de recebimento).

Art. 8º, I - a citação será feita pelo CORREIO, com aviso de recepção,
se a Fazenda Pública não a requerer por outra forma;
II - a citação pelo correio considera-se feita na data da entrega da carta
no endereço do executado, ou, se a data for omitida, no aviso de
recepção, 10 (dez) dias após a entrega da carta à agência postal;

A citação será considerada válida mesmo se quem assinar o AR não for


propriamente o executado. No entanto, a consequência é que a intimação da
penhora precisa ser pessoal (art. 12, §3º), pois é a partir dela que contará o prazo
para embargos. É o único caso em que a LEF exige a intimação pessoal (quando o
AR não é assinado pelo próprio executado).

Art. 12 - Na execução fiscal, far-se-á a intimação da penhora ao


executado, mediante publicação, no órgão oficial, do ato de juntada do
termo ou do auto de penhora.
§ 3º - Far-se-á a intimação da penhora pessoalmente ao executado se,
na citação feita pelo correio, o aviso de recepção não contiver a
assinatura do próprio executado, ou de seu representante legal.

Não há aplicação subsidiária do CPC, para fins de fixação do termo a quo do


prazo a que se refere o art. 8º da LEF. Assim, o prazo começa a contar desde a data
em que a carta tenha sido entregue no endereço do executado, e não da juntada aos
autos do AR.

É possível também a citação por oficial de justiça, quando o AR não retornar no


prazo de 15 dias.

Art. 8º, III - se o aviso de recepção não retornar no prazo de 15 (quinze)


dias da entrega da carta à agência postal, a citação será feita por
Oficial de Justiça ou por edital;

IV - o edital de citação será afixado na sede do Juízo, publicado uma só


vez no órgão oficial, gratuitamente, como expediente judiciário, com o
prazo de 30 (trinta) dias, e conterá, apenas, a indicação da exeqüente,
o nome do devedor e dos co-responsáveis, a quantia devida, a
natureza da dívida, a data e o número da inscrição no Registro da
Dívida Ativa, o prazo e o endereço da sede do Juízo.

De acordo com os incisos III e IV, também é possível a citação por edital. No
entanto, de acordo com o Resp 1103050 e a Súmula 414 do STJ, não se trata de uma
alternativa à fazenda. Primeiro tem que citar por oficial de justiça e só vai se chegar à
citação por edital quando esgotadas as tentativas de citação pessoal. A citação por
edital, por ser ficta, precisa ser vista como última opção.

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL.


CITAÇÃO POR EDITAL. CONDIÇÃO DE CABIMENTO: FRUSTRAÇÃO
DAS DEMAIS MODALIDADES DE CITAÇÃO (POR CORREIO E POR
OFICIAL DE JUSTIÇA). LEI
6830/80, ART. 8º. 1. Segundo o art. 8º da Lei 6.830/30, a citação por
edital, na execução fiscal, somente é cabível quando não exitosas as
outras modalidades de citação ali previstas: a citação por correio e a
citação por Oficial de Justiça. Precedentes de ambas as Turmas do
STJ. 2. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao regime do art.
543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08
(STJ - REsp: 1103050 BA)
SÚMULA N. 414-STJ - A citação por edital na execução fiscal é cabível
quando frustradas as demais modalidades.

Havendo citação por edital, é obrigatória a nomeação de curador especial. Aqui é


aplicável o CPC, diante da lacuna da LEF (art. 72, II do NCPC). Esse curador especial
possui legitimidade para oferecer embargos à execução, conforme Súmula 196 do STJ.

Súmula 196/STJ - Ao executado que, citado por edital ou por hora


certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com
legitimidade para apresentação de embargos.

O art. 20 da Lei 6.830/80 ainda menciona a citação por carta precatória, quando
a pessoa está localizada em uma outra comarca.

Art. 20 - Na execução por carta, os embargos do executado serão


oferecidos no Juízo deprecado, que os remeterá ao Juízo deprecante,
para instrução e julgamento.
Parágrafo Único - Quando os embargos tiverem por objeto vícios ou
irregularidades de atos do próprio Juízo deprecado, caber-lhe -á
unicamente o julgamento dessa matéria.

Não existe na LEF a previsão de citação por carta rogatória. E não se trata de
uma lacuna: se a pessoa está fora do país, a solução dada pela LEF é a citação por
edital, independentemente de estar em local certo e sabido:

Art. 8º, § 1º - O executado ausente do País será citado por edital, com
prazo de 60 (sessenta) dias.

Também não há menção na LEF à citação por hora certa. Assim, alguns
autores, como Mauro Luis Rocha Lopes, entendem que a mesma não seria possível,
de modo que frustrada a citação pessoal, o caminho será a citação editalícia. No
entanto, a jurisprudência tem entendido ser possível, como uma forma de citação por
oficial de justiça.

Embargos à execução:

São a “defesa” do executado na execução fiscal. No entanto, possuem a


natureza de ação, seguindo o rito comum e correndo em apenso à execução fiscal.
Devem também observar todos os requisitos da inicial no CPC.

O valor da causa normalmente é o valor da execução, salvo se os embargos


forem parciais.

Prazo:

Art. 16 - O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta)


dias, contados:
I - do depósito;
II - da juntada da prova da fiança bancária ou do
seguro garantia; (Redação dada pela Lei nº 13.043, de
2014)
III - da intimação da penhora.

O prazo para oferecimento de embargos é de 30 dias. A discussão se dá em


relação ao termo inicial de contagem, havendo inclusive entendimento contra legem
do STJ.

Em caso de garantia em DEPÓSITO de dinheiro, de acordo com a lei, seria


contado o prazo desde a efetivação do depósito. No entanto, o STJ entende que o
prazo é contado a partir da intimação do termo de penhora do depósito (EREsp
1062537 e REsp 1506980). Não é da data do depósito!

“Feito o depósito em garantia pelo devedor, deve ele ser formalizado,


reduzindo-se a termo, sendo que o prazo para oposição de embargos
inicia-se a partir da intimação”

No caso de FIANÇA BANCÁRIA OU SEGURO GARANTIA, o prazo seria


contado de acordo com a juntada da prova da fiança ou do seguro. No entanto, o
STJ entende também que deve ser lavrado um termo de penhora da fiança bancária,
sendo que o prazo começará a contar da intimação deste termo (REsp 1254554).

O fundamento para tais entendimentos é que a partir daí que o exequente e o


juízo irão tomar ciência, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. GARANTIA DA EXECUÇAO POR MEIO DE


FIANÇA BANCÁRIA. TERMO INICIAL DO PRAZO PARA OPOSIÇAO
DE EMBARGOS. INTIMAÇAO DO EXECUTADO.
1. Não obstante o art. 16, I, da Lei 6.830/80 disponha que o executado
oferecerá embargos no prazo de 30 (trinta) dias, contados do
depósito, a Corte Especial, ao julgar os EREsp 1.062.537/RJ (Rel.
Min. Eliana Calmon, DJe de 4.5.2009), entendeu que, efetivado o
depósito em garantia pelodevedor, é aconselhável seja ele
formalizado, reduzindo-se a termo, para dele tomar
conhecimento o juiz e o exeqüente, iniciando-se o prazo para
oposição de embargos a contar da data da intimação do termo,
quando passa o devedor a ter segurança quanto à aceitação do
depósito e a sua formalização.
1. Semelhantemente, em se tratando de garantia da execução
mediante oferecimento de fiança bancária, a Quarta Turma, ao
julgar o REsp 621.855/PB, sob a relatoria do Ministro Fernando
Gonçalves, deixou consignado que o oferecimento de fiança
bancária no valor da execução não tem o condão de alterar o março
inicial do prazo para os embargos do devedor, porquanto, ainda
assim, há de ser formalizado o termo de penhora, do qual o
executado deverá ser intimado, e, partir de então, fluirá o lapso
temporal para a defesa (DJ de 31.5.2004, p. 324).
2. Esta Turma, ao julgar o REsp 851.476/MG (Rel. Min. Humberto
Martins, DJ de 24.11.2006, p. 280), depois de observar que o art. 16
da Lei n. 6.830/80, em seu inciso II, refere-se à juntada da prova da
fiança bancária como termo inicial para a oposição de embargos à
execução, decidiu que, nada obstante, tal inciso deve ser
interpretado de maneira conjugada com o III do mesmo artigo,
requestando a lavratura do termo de penhora, da qual o executado
deve ser intimado para que flua o prazo para apresentação de
embargos à execução.
3. É certo que a Lei n. 6.830/80 não se refere à necessidade de
intimação da Fazenda Pública a propiciar a aceitação ou recusa da
garantia da execução fiscal por meio de fiança bancária. Mas,
consoante decidido pela Primeira Turma, no julgamento do REsp
461.354/PE (Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 17.11.2003, p. 206), quando
o juiz da execução intima o exequente para referida finalidade,
instaura-se um incidente processual, motivo pelo qual, em face do
princípio do devido processo legal, a parte executada deve ser
intimada do ato ensejador de sua defesa. Trata-se de situação
processual que não possui expressa previsão legal, implicando a
integração legislativa mediante a aplicação da regra geral dos
prazos processuais, segundo a qual o termo a quo se perfaz no
primeiro dia útil seguinte após a intimação (art. 184, 2º, do CPC).
Instaurado um incidente processual para propiciar a aceitação ou
recusa da fiança bancária oferecida como garantia da execução
fiscal, somente a partir da intimação da parte executada inicia-se a
contagem do prazo de 30 (trinta) dias para a oposição dos
embargos, haja vista que referido incidente posterga a efetiva
garantia do juízo à aceitação da exequente.
4. Recurso especial provido.
Por fim, no caso de PENHORA feita pela fazenda, o prazo é contado a partir da
intimação da penhora (da publicação no D.O ou da data em que a pessoa assinou o
mandado, e não da juntada aos autos) -> Resp 1112416

O STJ também entende que deve constar expressamente do mandado de


intimação da penhora o prazo para oferecimento de embargos e o termo inicial, sob
pena de nulidade do mandado -> EResp 1269069

2. A respeito do tema, a jurisprudência mais recente do Superior


Tribunal de Justiça tem se orientado no sentido de que "no processo de
execução fiscal, para que seja o devedor efetivamente intimado da
penhora, é necessária a sua intimação pessoal, e deve constar,
expressamente, como requisito no mandado, a advertência do
prazo para o oferecimento dos embargos à execução" (...) 3. Com
efeito, é exatamente porque a intimação é feita na pessoa do
empresário que o mandado deve registrar, expressamente, o prazo de
defesa, de modo que o cidadão comum possa dimensionar o espaço
temporal de que dispõe para constituir advogado com vistas à defesa
técnica que lhe asseguram os princípios constitucionais do contraditório
e da ampla defesa 4. Embargos de Divergência providos.

O STJ também tem uma jurisprudência pacifica entendendo que o prazo para
embargar começa a contar da intimação da primeira penhora, ainda que esta tenha
sido insuficiente. Assim, o prazo começa da primeira penhora, e não da data do
eventual reforço de penhora ou da substituição do bem, que não irão reabrir o prazo
para embargos. Ademais, só seriam possíveis novos embargos se estes versarem
sobre algum vício da nova penhora ou do reforço ou sobre matérias cognoscíveis de
ofício:

RESP 1116287 PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE


CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO.
EMBARGOS DO EXECUTADO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DO
FATURAMENTO DA EMPRESA APÓS A OCORRÊNCIA DE LEILÃO NEGATIVO DO
BEM ANTERIORMENTE PENHORADO. NOVOS EMBARGOS. POSSIBILIDADE.
DISCUSSÃO ADSTRITA AOS ASPECTOS FORMAIS DA PENHORA. ARTIGO 538,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. EXCLUSÃO DA

MULTA IMPOSTA. SÚMULA 98/STJ. 1. A anulação da penhora


embargar, não assim o reforço ou a redução, posto permanecer de
pé a primeira constrição, salvo para alegação de matérias
suscitáveis a qualquer tempo ou inerente ao incorreto reforço ou
diminuição da extensão da constrição. 2. É admissível o
ajuizamento de novos embargos de devedor, ainda que nas
hipóteses de reforço ou substituição da penhora, quando a
discussão adstringir-se aos aspectos formais do novo ato
constritivo . 3. A penhora supostamente irregular é, hodiernamente,
matéria passível de alegação em embargos, o que, outrora, reclamaria
simples pedido. (...)
(STJ - REsp: 1116287 SP 2009/0006320-5, Relator: Ministro LUIZ FUX,
Data de Julgamento: 02/12/2009, CE - CORTE ESPECIAL, Data de
Publicação: DJe 04/02/2010)

No entanto, se houver anulação da primeira penhora, aí sim será reaberto


integralmente o prazo.

Garantia da Execução

Art. 16, § 1º da LEF - Não são admissíveis embargos do executado


antes de garantida a execução.

ATENÇÃO! No CPC, desde 2005, não é mais necessária a garantia do juízo


como condição de admissibilidade da ação de embargo. A LEF, no entanto, não foi
alterada: a garantia do juízo continua a ser uma condição específica da ação.

O STJ, no entanto, entende que se não houver a garantia ou esta for


insuficiente, os embargos não devem ser rejeitados de plano. Deve ser concedido
um prazo para que o executado apresente ou reforce a garantia, em virtude da
garantia constitucional de acesso à justiça.
Há doutrina e precedentes entendendo que se houver prova inequívoca de que o
executado não tem patrimônio para garantir a execução, seria possível receber os
embargos (Resp 1127815).

"Caso o devedor não disponha de patrimônio suficiente para a garantia


integral do crédito exequendo, cabe-lhe comprovar inequivocamente tal
situação. Neste caso, dever-se-á admitir os embargos,
excepcionalmente, sob pena de se violar o princípio da isonomia sem
um critério de discrímen sustentável, eis que dar seguimento à
execução, realizando os atos de alienação do patrimônio penhorado e
que era insuficiente para garantir toda a dívida, negando ao devedor a
via dos embargos, implicaria restrição dos seus direitos apenas em
razão da sua situação de insuficiência patrimonial. Em palavras
simples, poder-se-ia dizer que tal implicaria em garantir o direito de
defesa ao "rico", que dispõe de patrimônio suficiente para segurar o
Juízo, e negar o direito de defesa ao "pobre", cujo patrimônio
insuficiente passaria a ser de pronto alienado para a satisfação parcial
do crédito. Não trato da hipótese de inexistência de patrimônio
penhorável pois, em tal situação, sequer haveria como prosseguir com
a execução, que restaria completamente frustrada."(Leandro Paulsen,
in Direito Processual Tributário, Processo Administrativo Fiscal e
Execução Fiscal à luz da Doutrina e da Jurisprudência, Ed. Livraria do
Advogado, 5ª ed.; p. 333/334)

Neste sentido, confira-se recente precedente noticiado no Informativo 650 do


STJ:

“Deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a


oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado
inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para
garantia do crédito exequendo”. STJ. 1ª Turma. (REsp 1487772/SE,
Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
28/05/2019, DJe 12/06/2019)

Não havendo garantia do juízo, qual o termo inicial de contagem do prazo para
embargos?

O STJ entende que se conta o prazo da intimação da decisão que dispensou a


garantia (Resp 1440639), sem que haja a necessidade de, nessa intimação, constar
o prazo para embargar.

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRAZO


NAS SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS EM QUE A JURISPRUDÊNCIA
AFASTA A NECESSIDADE DE GARANTIA PRÉVIA.
1. O prazo para oferecer embargos à execução fiscal, nos casos
em que a garantia é expressamente dispensada pelo juízo de
execução, deve ter início na data da intimação da decisão que
dispensou a apresentação de garantia, já que é esse o ato que
caracteriza a informação aos atores processuais da desnecessidade
da garantia e a aptidão para embargar, não havendo a
necessidade de, na intimação da dispensa de garantia, se
informar expressamente o prazo para embargar.
2. Aplicação por analogia do disposto no art. 16, da Lei n. 6.830/80 e
dos seguintes precedentes: REsp 1.126.307-MT, Primeira Turma,
Rel.Min. Luiz Fux, julgado em 1º/3/2011; EREsp 767.505-RJ,
Primeira Seção, Rel. Min. Denise Arruda, julgados em 10/9/2008;
REsp 244.923-RS, Rel. Min. Franciulli Netto, julgado em 16/10/2001;
EREsp 1.062.537/RJ, Corte Especial, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe
4/5/2009; REsp 1112416 / MG, Primeira Seção, Rel. Min. Herman
Benjamin, julgado em 27.05.2009; REsp 983734 / SC, Segunda
Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 23.10.2007. Recurso
especial provido.
(REsp 1440639/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 10/06/2015).
Decisão do STJ: AgInt no RESP 1836609/TO

No julgado em questão, o STJ assim decidiu:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.


HIPOSSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL. GARANTIA DO JUÍZO.
DISPENSA. POSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO A CARGO DO
EMBARGANTE. NECESSIDADE. 1. É possível o recebimento dos
embargos à execução fiscal sem a apresentação de garantia do
juízo, quando efetivamente comprovado o estado de
hipossuficiência patrimonial do devedor, não sendo suficiente,
para esse mister, a concessão da assistência judiciária
gratuita. Precedente: REsp 1.487.772/SE, Relator Ministro Gurgel
de Faria, Primeira Turma, DJe 12/06/2019. 2. Hipótese em que o
acórdão recorrido destoa, em parte, da aludida orientação
jurisprudencial, uma vez que dispensou a apresentação de
garantia para a oposição dos embargos à execução fiscal apenas
pelo fato de os embargantes estarem assistidos pela gratuidade
da justiça e representados pela defensoria pública, razão pela
qual os autos devem retornar ao Tribunal de origem para que
reexamine o tema mediante a análise da prova produzida pelos
embargantes sobre a sua alegada hipossuficiência patrimonial,
convertendo o feito em diligência, se necessário for. 3. Agravo
interno não provido.

No julgado restou consignado que não é cabível, diante da especialidade da regra


contida no art. 16, §1º da LEF, que o embargante assistido pela Defensoria Pública
requeira a dispensa da garantia da execução pelo simples fato de ser beneficiário da
assistência judiciária gratuita. O STJ entendeu que, com isso, estaria invertendo a
lógica do ônus probatório fixado no precedente da Primeira Turma (REsp 1.487.772/SE,
Relator Ministro Gurgel de Faria, DJe 12/06/2019), que determinou que, para o
deferimento da dispensa da garantia do juízo, em sede de embargos à execução fiscal,
o embargante é quem deve comprovar sua hipossuficiência, de maneira que esta não
pode ser presumida da mera condição de representado pela Defensoria.
QUESTÃO 03 “A Defensoria Pública detém a prerrogativa de requisitar, de quaisquer
autoridades públicas e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias,
diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais
providências necessárias à sua atuação” (STF. Plenário. ADI 6852/DF e ADI 6862/PR,
Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 18/2/2022).

Considerando a decisão transcrita, o Estado do Rio de Janeiro editou Lei


Complementar conferindo a prerrogativa de os membros de sua Defensoria Pública
requisitarem a instauração de inquérito policial.
Discorra acerca da (in) constitucionalidade da previsão.

Padrão de Resposta

De início, cabe ressaltar que a possibilidade de a Defensoria requisitar certidões,


informações e documentos de órgãos públicos, embora não tenha previsão
constitucional expressa, é medida salutar porque permite, inclusive, a solução de
demandas pelas vias administrativas ou transacionais, evitando o ajuizamento de
processos judiciais. Além disso, esse poder de requisição serve como um auxílio para o
assistido conseguir obter os documentos que necessita para a garantia de seus
direitos, diminuindo o tempo que os hipossuficientes precisarão esperar para serem
atendidos. Nesse sentido, a retirada da prerrogativa de requisição implicaria, na prática,
a criação de obstáculo à atuação da Defensoria Pública, a comprometer sua função
primordial, bem como a autonomia que lhe foi garantida. O poder de requisitar de
qualquer autoridade pública e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias,
diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais
providências necessárias ao exercício de suas atribuições, foi atribuído aos membros
da Defensoria Pública porque eles exercem, e para que continuem a exercer de forma
desembaraçada, uma função essencial à Justiça e à democracia, especialmente, no
tocante, a sua atuação coletiva e fiscalizadora.
Entretanto, no tocante à instauração de inquérito policial, a lei estadual em questão
adentra a seara processual. Nesse sentido, decidiu o STF que seria o caso de violação
da competência privativa da União para legislar sobre matéria processual (art. 22, I CF),
uma vez que a lei estadual atribui competência a Defensores Públicos para requisição
de diligências voltadas a apurar crimes de ação penal pública. Segundo a Corte,
caberia ao Ministério Público, órgão titular da ação penal, a atribuição de requisitar a
instauração de inquérito policial para averiguação de crimes de ação penal pública.
Nesse contexto, o Código de Processo Penal, norma editada no exercício da
competência privativa da União para legislar sobre direito processual, já delimitou essa
atribuição, conferindo-a somente à autoridade judiciária ou ao Ministério Público,
conforme previsto no art. 5º, incisos I e II.

Nesta questão abordamos os pontos 2 e 11 do conteúdo programático de Direito


Constitucional

ESPELHO DE CORREÇÃO

ESPELHO DE CORREÇÃO TOTAL ALUNO

Discorrer sobre o poder de requisição da DP 20

Apontar a inconstitucionalidade da LC 20

Citar os dispositivos legais 20

Citar a decisão do STF 20

Bom vocabulário jurídico, coesão e coerência; 20

COMENTÁRIOS

A Defensoria na Constituição

Trata-se de função essencial à justiça, na forma do art. 134 CF, incumbida da


orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados (art. 5º, LXXIV).

A LC 80/94 organiza a Defensoria Pública da União e Territórios e estabelece


normas gerais para as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal.
O ingresso na carreira se dá mediante aprovação em concurso público de provas e
títulos. Seus membros possuem a garantia da inamovibilidade e lhes é vedada a
advocacia fora das atribuições institucionais.

A instituição goza ainda de autonomia funcional e administrativa e iniciativa de sua


proposta orçamentária, devendo seus recursos ser repassados até o dia 20 de cada
mês em duodécimos.

Os principais princípios institucionais são: unidade, indivisibilidade e independência


funcional. Nesse sentido, serão aplicáveis os arts. 93 e 96, inciso II, da Constituição, no
que couber.

A Defensoria teve sua fisionomia constitucional gradualmente alterada.

Segue a linha cronológica das Emendas que trataram do tema:

Garantiu autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa


EC 45/2004
de proposta orçamentária às Defensorias Estaduais.

Garantiu autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa


EC 69/2012
de proposta orçamentária à Defensoria do DF de maneira implícita.

EC 74/2013 Garantiu expressamente autonomia funcional e administrativa, bem


como a iniciativa de proposta.

Alterou o caput do art. 134, da CF, tornando a redação idêntica ao art.


EC 80/2014
1º da LC 80/94, com redação dada pela LC 132/2009,
constitucionalizando, assim, as principais prerrogativas da DP.

Princípios institucionais da DP

Os princípios institucionais são previstos no art. 3º da LC 80/94 e, com o advento


da EC 80/14, foram constitucionalizados.
Art. 3º São princípios institucionais da Defensoria Pública a
unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

Art. 134, § 4º São princípios institucionais da Defensoria


Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência
funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto
no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

A constitucionalização dos princípios institucionais da Defensoria assegura sua


exigibilidade (eficácia positiva), autoriza a declaração de inconstitucionalidade de atos
que os ofendam (eficácia negativa) e subordina a aplicação das normas pertinentes aos
valores neles contidos (eficácia interpretativa).

1. Unidade

O princípio da unidade traduz a ideia de que a Defensoria Pública é um todo


orgânico. É uma instituição una.

2. Indivisibilidade

A indivisibilidade como princípio institucional permite que um defensor substitua


outro, sem nenhum prejuízo ao assistido, de forma a garantir a continuidade da
prestação do serviço.

O que se entende por defensor natural?

O art. 4º-A da Lei Complementar nº 80/94 prevê o patrocínio dos direitos e interesses
dos assistidos da Defensoria pelo defensor natural.
Art. 4º-A. São direitos dos assistidos da Defensoria Pública,
além daqueles previstos na legislação estadual ou em atos
normativos internos:
(...)
IV – o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor
natural;

Já decidiu o STJ (RHC nº 61848/PA) que viola o princípio do defensor natural a


designação de advogado ad hoc para atuar no feito em que já atuava antes a
Defensoria Pública. Neste sentindo, o STF (HC nº 337.754/SC) também se manifestou
no sentido de que só se admite a designação de advogado ad hoc para atuar no feito
quando não há órgão de assistência judiciária na comarca, ou se este não está
devidamente organizado na localidade, havendo desproporção entre os assistidos e os
respectivos defensores, chancelando o princípio do defensor natural.

3. Independência funcional

O princípio da independência funcional possui dois escopos. Como princípio


institucional, a independência funcional é uma prerrogativa da instituição de não se
subordinar a qualquer outro órgão. O outro escopo é a prerrogativa de que gozam os
Defensores Públicos, os quais são dotados de autonomia e independência no exercício
de suas funções, devendo respeito apenas às suas convicções, à lei e ao que está no
processo.

O Defensor Geral, portanto, não pode se imiscuir na convicção de um membro da


Defensoria Pública, que deve ter seu entendimento jurídico respeitado, tal como ocorre
com os membros do Ministério Público.

Em razão da independência funcional, o Defensor pode deixar de patrocinar a


ação quando esta for manifestamente incabível ou inconveniente aos interesses da
parte sob seu patrocínio, comunicando seus fundamentos ao Defensor Público
Geral.

Garantias e Prerrogativas
As garantias institucionais são normas que buscam garantir a plena liberdade de
atuação dos Defensores Públicos, independentemente de pressões internas ou
externas que possam prejudicar o exercício das atribuições legais.

As garantias não devem ser vistas como privilégios corporativos, mas sim como
mecanismos destinados a preservar o interesse público na boa atuação da Defensoria
Pública.

As garantias são normas de ordem pública, ou seja, de aplicação obrigatória, não


dependendo de concordância dos Defensores Públicos para sua aplicabilidade.

Dentre essas garantias encontra-se o poder de requisição. Segundo a LC 80/94, o


poder de requisição só pode ser exercido em face de autoridades e agentes públicos
(“requisitar de autoridade pública e de seus agentes exames, certidões, perícias,
vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e
providências necessárias ao exercício de suas atribuições”).

PODER DE REQUISIÇÃO DO MP PODER DE REQUISIÇÃO DA DP

- Previsão legal e constitucional; - Previsão somente infraconstitucional;


- Pode ser exercido em face de - Pode ser exercido somente em face de
entidades públicas e privadas. entidades públicas.

De acordo com Diogo Esteves e Franklyn Roger, para garantir a plena proteção
dos direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais da
sociedade, a Defensoria Pública deve dispor dos mecanismos jurídicos que lhe
permitam realizar suas finalidades legais. Assim, lecionam:

“Justamente por isso, entendemos que os membros da


Defensoria Pública, quando estiverem no exercício de
atribuições de caráter eminentemente coletivo, poderão
requisitar, de qualquer organismo público ou particular,
certidões, informações, exames ou perícias.

Esse raciocínio decorre logicamente da teoria dos poderes


implícitos, segundo a qual “a outorga de competência
expressa a determinado órgão estatal importa em
deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios
necessários à integral realização dos fins que lhe foram
atribuídos”.

Defende a doutrina que a requisição expedida pela Defensoria possui a natureza


de ordem, e não de solicitação, sendo ato administrativo revestido de imperatividade,
autoexecutoriedade e presunção de legitimidade, cujo descumprimento pode acarretar
sanções administrativas.

ATENÇÃO DPE/RJ

Na ADI 230 (2010), o STF julgou inconstitucional o art. 178, IV, da Constituição
Estadual do Rio de Janeiro, que assegurava o poder de requisição dos Defensores
Públicos estaduais em face de entidades públicas e privadas.

Na fundamentação, os ministros destacaram que o poder de requisição dos


membros da Defensoria Pública representaria uma “exacerbação das prerrogativas
asseguradas aos demais advogados”.

Todavia, é importante destacar:

1º) O STF não adota a teoria da transcendência dos motivos determinantes


(tema cobrado no 13º exame de Residência da PGE/RJ!), de modo que a declaração
de inconstitucionalidade do dispositivo da CE do RJ não pode se estender
automaticamente ao dispositivo da LC nº 80/94, que consagra a prerrogativa da
requisição.

Nesse sentido, o STF decidiu recentemente que a Defensoria Pública detém a


prerrogativa de requisitar, de quaisquer autoridades públicas e de seus agentes,
certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações,
esclarecimentos e demais providências necessárias à sua atuação.

Essa prerrogativa está prevista em diversos dispositivos da LC 80/94:

Art. 8º São atribuições do Defensor Público-Geral, dentre


outras:

(...)

XVI - requisitar de qualquer autoridade pública e de seus


agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências,
processos, documentos, informações, esclarecimentos e
demais providências necessárias à atuação da Defensoria
Pública;

Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria


Pública da União:

(...)

X - requisitar de autoridade pública e de seus agentes


exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos,
documentos, informações, esclarecimentos e providências
necessárias ao exercício de suas atribuições;

Art. 56. São atribuições do Defensor Público-Geral:

(...)

XVI - requisitar de qualquer autoridade pública e de seus


agentes, certidões, exames, perícias,vistorias, diligências,
processos, documentos, informações, esclarecimentos e
demais providências necessárias à atuação da Defensoria
Pública;
Art. 89. São prerrogativas dos membros da Defensoria
Pública do Distrito Federal e dos Territórios:

(...)

X - requisitar de autoridade pública ou de seus agentes


exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos,
documentos, informações, esclarecimentos e providências
necessárias ao exercício de suas atribuições;

Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria


Pública do Estado, dentre outras que a lei local estabelecer:

(...)

X - requisitar de autoridade pública ou de seus agentes


exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos,
documentos, informações, esclarecimentos e providências
necessárias ao exercício de suas atribuições;

O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra todos esses dispositivos da


LC 80/94. Propôs ação, ainda, contra as leis complementares de diversos estados, que
também conferem à Defensoria Pública estadual a possibilidade de requisitar
informações e documentos a autoridades, agentes e órgãos públicos.

O PGR alegou que o poder de requisição atribuído às Defensorias Públicas


padeceria de inconstitucionalidade material. Sustentou que a atribuição de poder
requisitório aos defensores públicos, por revestir-se dos atributos de
autoexecutoriedade, imperatividade e presunção de legitimidade, violaria o princípio da
inafastabilidade da jurisdição e o preceito da paridade de armas na relação processual,
especialmente no tocante à produção de provas.
O Plenário, por maioria, em análise conjunta de todas as ações, julgou
improcedentes os pedidos declarando a constitucionalidade do poder de requisição das
Defensorias Públicas.

O art. 134 da Constituição Federal, com redação dada pela EC 80/2014, configura
concretização do direito constitucional ao acesso à justiça, insculpido no art. 5º, LXXIV.

Assim, o direito fundamental de assistência jurídica, gratuita e integral converte-se


em verdadeira garantia constitucional, ao atribuir-se à Defensoria Pública a qualidade
de instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado.

A Defensoria Pública está erigida como órgão autônomo da administração da


justiça, e, por isso, conta com independência e autonomia administrativa, financeira e
orçamentária, conferidas pelas EC 45/2004, 73 /2013 e 80/2014 e assentadas também
no art. 134 da Constituição Federal.

Delineado o papel atribuído à Defensoria Pública pela Constituição Federal, resta


evidente concluir que ela não é uma categoria equiparada à Advocacia, seja ela pública
ou privada, estando, na realidade, mais próxima ao desenho institucional atribuído ao
próprio Ministério Público.

Nesse sentido, assim como ocorre com o Ministério Público, igualmente legitimado
para a proteção de grupos vulneráveis, os poderes previstos à Defensoria Pública, seja
em sede constitucional - como a capacidade de se autogovernar - ou em âmbito
infraconstitucional - como a prerrogativa questionada de requisição - foram atribuídos
como instrumentos para a garantia do cumprimento de suas funções institucionais.

Ao conceder tal prerrogativa aos membros da Defensoria Pública, o legislador


buscou propiciar condições materiais para o exercício de suas atribuições, não havendo
que se falar em qualquer espécie de violação ao texto constitucional, mas, ao contrário,
em sua densificação.
A possibilidade de a Defensoria requisitar certidões, informações e documentos de
órgãos públicos, embora não tenha previsão constitucional expressa, é medida salutar
porque permite, inclusive, a solução de demandas pelas vias administrativas ou
transacionais, evitando o ajuizamento de processos judiciais.

Além disso, esse poder de requisição serve como um auxílio para o assistido
conseguir obter os documentos que necessita para a garantia de seus direitos,
diminuindo o tempo que os hipossuficientes precisarão esperar para serem atendidos.

Nesse sentido, a retirada da prerrogativa de requisição implicaria, na prática, a


criação de obstáculo à atuação da Defensoria Pública, a comprometer sua função
primordial, bem como a autonomia que lhe foi garantida.

O poder de requisitar de qualquer autoridade pública e de seus agentes, certidões,


exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações,
esclarecimentos e demais providências necessárias ao exercício de suas atribuições,
foi atribuído aos membros da Defensoria Pública porque eles exercem, e para que
continuem a exercer de forma desembaraçada, uma função essencial à Justiça e à
democracia, especialmente, no tocante, a sua atuação coletiva e fiscalizadora.

Decisão do STF na ADI 4346/MG – 2023

O poder de requisitar a instauração de inquérito policial está intrinsecamente ligado


à persecução penal no País, o que exige uma disciplina uniforme em todo o território
nacional.

Nesse contexto, o Código de Processo Penal — norma editada no exercício da


competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I, CF/88)
— já delimitou essa atribuição, conferindo-a somente à autoridade judiciária ou ao
Ministério Público, conforme previsto no art. 5º:

CF/88
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,


marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

CPP
Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será
iniciado:
I - de ofício;
II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério
Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver
qualidade para representá-lo.

Logo, o legislador estadual usurpou a competência privativa da União.

Não se poderia dizer que essa norma trata sobre procedimentos e sobre
Defensoria Pública, matérias que são de competência concorrente (art. 24, XI e
XIII, da CF/88)?

Mesmo que se adotasse essa premissa, a lei continuaria sendo inconstitucional. A


Constituição diz o seguinte:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal


legislar concorrentemente sobre:
(...)
XI - procedimentos em matéria processual;
(...)
XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;

Ainda que se considerasse que a norma impugnada foi editada no exercício de


competência concorrente pra dispor sobre procedimento em matéria processual (art.
24, XI, CF/88) ou sobre assistência jurídica e defensoria pública (art. 24, XIII, CF/88), o
art. 45, XXI, da Lei Complementar nº 65/2003, do Estado de Minas Gerais, seria
inconstitucional, por colidir com o previsto no art. 5º do CPP, que já regulou a
titularidade do poder de requisição de instauração de inquérito policial.
QUESTÃO 04 Carla foi denunciada pelo crime de injúria racial em face de Júlio.
Durante a instrução criminal, esta apresentou sua defesa alegando que o crime já
estaria prescrito, tendo em vista o lapso temporal.
Diante do exposto, responda:
A) Existe diferença entre racismo e injúria racial?
B) Há prescrição no caso narrado?

PADRÃO DE RESPOSTA
A injúria racial implica uma conduta discriminatória direcionada dolosamente a uma só
pessoa, capaz de ferir sua honra subjetiva, ao passo que o racismo seria direcionado a
um grupo todo de pessoas (ainda que proferido contra uma só pessoa).
Desde janeiro deste ano, a partir de uma alteração legislativa, o crime de injúria racial
passou a ser equiparado ao de racismo. Isso significa a possibilidade de aplicação de
penas maiores àqueles que são responsabilizados por cometerem atos de
discriminação em função de cor, raça ou etnia, e o fato de tornar-se imprescritível,
podendo ser julgado a qualquer tempo. Além disso, deixou de haver a possibilidade de
os réus desses casos responderem ao processo em liberdade, a partir do pagamento
de fiança, que antes podia ser fixada pela autoridade policial.
Logo, na situação fática descrita, o crime em comento é imprescritível.

ESPELHO

TOTAL: ALUNO:

Diferenciar injúria racial e racismo; 25

Afirmar que não há mais que se falar em 25


prescrição do crime de injúria racial;

Afirmar que o crime de injúria racial foi 50


equiparado ao crime de racismo.

COMENTÁRIOS

Desde 12 de janeiro de 2023, com a sanção da Lei 14.532, a prática de injúria racial
passou a ser expressamente uma modalidade do crime de racismo, tratada de acordo
com o previsto na Lei 7.716/1989. Até então, a injúria racial estava prevista apenas no
Código Penal, com penas mais brandas e algumas possibilidades que agora deixam de
existir.
A mudança foi importante por reconhecer que a injúria racial também consiste em ato
de discriminação por raça, cor ou origem que tem como finalidade, a partir de uma
ofensa, impor humilhação a alguém. A alteração legislativa acompanha recentes
entendimentos dos Tribunais Superiores que já vinham afirmando que o crime de
injúria racial não prescreve e que poderiam ser enquadrados como racismo.
Prescrição e fiança
Uma das alterações diz respeito a não ser mais possível àqueles que cometem o crime
de injúria racial responderem ao processo em liberdade, a partir do pagamento de
fiança arbitrada pelo Delegado de Polícia – o que antes era possível.
Outra mudança importante é que agora a injúria racial é um crime imprescritível, ou
seja, a qualquer tempo, independente de quando o fato aconteceu, o mesmo pode ser
investigado e os responsáveis processados pelos órgãos do sistema de justiça e, se
condenados, receberam as penas previstas na legislação.
Penas aumentadas
Com o novo texto, a pena prevista para o crime de injúria racial – caracterizado quando
a motivação é relacionada a raça, cor, etnia ou procedência nacional – que era de um
a três anos, passou a ser de dois a cinco anos de reclusão.
Racismo recreativo
Também houve mudança para o tratamento do chamado racismo recreativo, que
consiste em ofensas supostamente proferidas como “piadas” ou “brincadeiras”, em
contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação, mas que tenham
caráter racista. Para esses casos, a pena foi aumentada de um terço até a metade,
podendo ainda ser agravada se cometida ou difundida por meio de redes sociais ou
publicações de qualquer natureza.

OBS: O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o crime de injúria racial
configura uma forma de racismo e é imprescritível. Por maioria de votos, o colegiado negou
o Habeas Corpus (HC) 154248, em que a defesa de uma mulher condenada por ter ofendido
uma trabalhadora com termos racistas pedia a declaração da prescrição da condenação,
porque tinha mais de 70 anos quando a sentença foi proferida.
Injúria qualificada

L.M.S., atualmente com 80 anos, foi condenada, em 2013, a um ano de reclusão e 10


dias-multa pelo juízo da Primeira Vara Criminal de Brasília (DF) por ter ofendido uma
frentista de posto de combustíveis, chamando-a de “negrinha nojenta, ignorante e
atrevida”. A prática foi enquadrada como crime de injúria qualificada pelo preconceito
(artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal). Ao analisar recurso, o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) entendeu que o crime de injúria racial seria uma categoria do crime de
racismo, que é imprescritível.

Equivalência

Em voto apresentado em novembro de 2020, o relator do HC, ministro Edson Fachin,


concordou com o entendimento do STJ e negou o habeas corpus. Segundo o ministro,
com a alteração legal que tornou pública condicionada (que depende de representação
da vítima) a ação penal para processar e julgar os delitos de injúria racial, o crime
passou a ser equivalente ao de racismo e, portanto, imprescritível, conforme previsto
na Constituição Federal (artigo 5º, inciso LXII).

Crime inafiançável

Em voto-vista, o ministro Alexandre de Moraes observou que a Constituição é explícita


ao declarar que o racismo é crime inafiançável, sem fazer distinção entre os diversos
tipos penais que configuram essa prática. O ministro lembrou que, segundo os fatos
narrados nos autos, a conduta praticada por L.M.S. foi uma manifestação ilícita,
criminosa e preconceituosa em relação à condição de negra da vítima. “Como dizer
que isso não é a prática de racismo?”, indagou.

Inferiorização da vítima

Segundo ele, não é possível reconhecer a prescrição em um caso em que foi


demonstrado que a agressora pretendeu, claramente, inferiorizar sua vítima. Ele
considera necessário interpretar de forma plena o que é previsto pela Constituição
quanto ao crime de racismo, incluindo a imprescritibilidade, para produzir resultados
efetivos para extirpar essa prática, “promovendo uma espécie de compensação pelo
tratamento aviltante dispensado historicamente à população negra no Brasil e
viabilizando um acesso diferenciado à responsabilização penal daqueles que,
tradicionalmente, vêm desrespeitando os negros”, afirmou.

Caso Simone André Diniz

Foi um caso que chegou ao sistema interamericano de direitos humanos, no qual a


Comissão avaliou a denúncia feita por Simone André Diniz e recomendou uma série de
medidas reparadoras ao Brasil, em 2006. Simone Andre Diniz, candidata a uma vaga
de empregada doméstica em São Paulo, ao pleitear emprego e mencionar que era
negra, o recrutador a avisou que ela não preencheria os requisitos da vaga, que
solicitava expressamente uma pessoa branca.
OBS: A Comissão Interamericana, percebendo que situações ligadas à raça eram uma
constante na América, fez uma Relatoria especial sobre os direitos Afrodescendentes e
contra a Discriminação Racial (2005), no qual examina a situação dos
afrodescendentes nas América.
Algumas observações importantes do CASO SIMONE ANDRÉ DINIZ VS. Brasil:
Contexto: uma mulher fez inserir num jornal de grande circulação em SP que gostaria
de contratar uma empregada doméstica de cor branca. Simone André Diniz, negra,
apresentou-se para a vaga e foi recusada. O MPSP não viu racismo. O TJSP também
não. O caso foi arquivado na Justiça brasileira e o Brasil, depois, condenado na
Comissão Interamericana.
4 PONTOS IMPORTANTES:
1) Primeira vez que um país membro da OEA é responsabilizado na CIDH por racismo;
2) O caso se tornou paradigma do chamado racismo institucional, que ocorre quando o
sistema de justiça tolera práticas racistas;
3) O caso é exemplo de responsabilização do Estado por ato atribuído a particular; 4)
Atente-se que a responsabilização do Brasil ocorreu na Comissão, não tendo o caso
sido submetido à Corte IDH.

OBS.: →ACONTECIMENTOS RELEVANTES QUE O ALUNO DEVE TER EM MENTE


AO FAZER UMA PROVA DE DEFENSORIA:
*Ações Afirmativas: em 2012 o STF decidiu, por unanimidade, pela
constitucionalidade das cotas raciais nas Universidades (ADPF 186).

Recentemente, em junho de 2017, decidiu o STF, também, constitucionalidade da Lei


de Cotas no serviço público federal (ADC 41), reconhecendo a validade da Lei
12.990/2014, que reserva 20% das vagas oferecidas em concursos públicos.

1. MOVIMENTO “VIDAS NEGRAS IMPORTAM”:

O racismo foi escancarado no Brasil e no mundo ao longo de 2020. Os protestos


contra a discriminação, o preconceito e o extermínio das populações negras se
intensificaram em maio, após George Floyd ser assassinado por policiais brancos nos
EUA. No Brasil, entre vários outros casos, João Alberto Silveira Freitas foi morto por
seguranças em um supermercado de Porto Alegre na véspera do Dia da Consciência
Negra.
O movimento Vidas Negras importam e o combate ao racismo estrutural (ou racismo
institucional) precisam se manter entre as tendências para 2021, com ações
afirmativas e formas de garantir a efetividade das leis já existentes.

2. “CASO GEORGE FLOYD”:

Foi o homicídio de George Floyd, 46, um homem negro, em Minnesota, nos Estados
Unidos, causou uma onda de indignação depois da divulgação de um vídeo que mostra
um policial branco usando o joelho para asfixiá-lo.

3. RACISMO ESTRUTURAL/INSTITUCIONAL:

Trata-se de um processo histórico e político no qual as condições de subalternidade ou


de privilégio de sujeitos racializados é estruturalmente reproduzida, de forma que o
racismo é tido como normalidade, funcionando tanto como uma ideologia quanto como
uma prática de naturalização da desigualdade. Nesse sentido, eis o conceito dado
pela Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial da ONU:
"Artigo 1º §1. Para fins da presente Convenção, a expressão
“discriminação racial” significará toda distinção, exclusão,
restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou
origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado
anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um
mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e
liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social,
cultural ou em qualquer outro campo da vida pública.
(…)
§4. Não serão consideradas discriminação racial as medidas
especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso
adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos
que necessitem da proteção que possa ser necessária para
proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício
de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais
medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de
direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam
após terem sido alcançados os seus objetivos."

4. DEFENSORIA DO RIO CRIA COORDENADORIA DE PROMOÇÃO DA EQUIDADE


RACIAL – “COOPERA”:

Em 07/08/2020, foi lançada a Coordenadoria da Promoção da Equidade Racial –


COOPERA, que pretende incentivar ações práticas que promovam a igualdade racial.
Segundo explicou a defensora Lívia Casseres, que responderá pela nova
coordenadoria, o órgão será o responsável por formular estratégias de combate às
desigualdades raciais no acesso à justiça.
A nova coordenadoria irá contar com o Núcleo Contra a Desigualdade Racial
(NUCORA), órgão especializado e de atendimento ao público externo, que passará a
funcionar sob a nova estrutura administrativa. "Entendo que a Defensoria Pública dá
mais um importante passo em direção ao objetivo da equidade racial, ao comprometer
sua estrutura de gestão com o enfrentamento do racismo institucional e permitir que
seja refletida e formulada uma política antirracista de acesso à justiça em todos os
campos de sua atuação", afirmou Lívia Casseres.
QUESTÃO 05 Pedro, ao ser atendido por um Defensor Público do Estado do Rio
de Janeiro na unidade prisional de Bangu, onde atualmente cumpre pena,
questionou a respeito do cálculo de penas elaborado pelo juízo no processo de
execução criminal. Pedro foi condenado a cumprir pena de seis anos e quatro
meses de reclusão pela prática do delito de roubo em concurso de pessoas, em
razão de fato praticado em 01 de janeiro de 2021. Em sede de sentença foi
reconhecida a sua reincidência, em função de uma condenação anterior pela
prática do crime de furto, cuja pena já havia sido cumprida integralmente no ano
de 2020. Ao examinar o documento apresentado por Pedro, o Defensor Público
verificou que o juiz havia considerado o lapso temporal de 30% para fins de
progressão de regime.
Diante disso, responda, fundamentando, se o lapso temporal considerado pelo
magistrado está correto.

PADRÃO DE RESPOSTA

No caso narrado, Pedro era reincidente, mas não em crime com violência/grave
ameaça (reincidente específico).
Só incidirá a porcentagem de 30% se o apenado for reincidente específico. No caso da
questão ele era reincidente genérico porque sua condenação anterior era por um crime
de furto. Assim, errado o entendimento do juiz, já que diante da lacuna deixada pelo
legislador, impõe-se a analogia in bonam partem, para aplicação, inclusive retroativa, do
inciso III do artigo 112 da LEP (lapso temporal de 25%) ao condenado por crime
cometido com violência à pessoa ou grave ameaça reincidente não específico.
Conforme já decidido pelo STJ, ao sentenciado que cometeu crime com violência
contra a pessoa ou grave ameaça, mas não é reincidente em delito da mesma
natureza (reincidente específico) – portanto, primário ou reincidente genérico –, deve
ser aplicado o patamar de 25% de cumprimento da pena, como prevê o inciso III do
artigo 112 da LEP.

ESPELHO

TOTAL: ALUNO:

Afirmar que o cálculo está incorreto; 25

Afirmar que se Pedro fosse reincidente 25


específico a porcentagem de 30% se aplicaria;
Afirmar que o lapso temporal correto será 50
25%.

COMENTÁRIOS

A questão versa sobre progressão e regressão dos regimes de cumprimento de pena.

Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita


à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos
regimes mais rigorosos, quando o condenado:
I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;
II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao
restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo
111).
§ 1° O condenado será transferido do regime aberto se, além das
hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da
execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente
imposta.
§ 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser
ouvido previamente o condenado.
Art. 119. A legislação local poderá estabelecer normas
complementares para o cumprimento da pena privativa de
liberdade em regime aberto (artigo 36, § 1º, do Código Penal).

Falta Grave
Lei de Execução Penal - LEP
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de
liberdade que:
I - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a
disciplina;
II - fugir;
III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a
integridade física de outrem;
IV - provocar acidente de trabalho;
V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas;
VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo
39, desta Lei.
VII - tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico,
de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos
ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007)

REGIMES DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

Com previsão a partir do art. 33 do CP.


Se apresentam em três modalidades, que sistematizamos são suas características
principais:

REGIMES DE CUMPRIMENTO

1 – Regime fechado: é a execução da pena nos estabelecimentos de segurança


máxima ou média; sendo o regime inicial próprio dos condenados com penas
superiores a oito anos; o condenado fica sujeito ao trabalho no período diurno e com
isolamento no período do repouso noturno; terá o trabalho feito em comum dentro do
estabelecimento prisional, na medida das aptidões ou ocupações anteriores do próprio
condenado, uma vez que compatíveis com a execução da pena; é aceito e permito o
trabalho externo, no regime fechado, tendo os serviços ou obras cunho público.

2 – Regime semiaberto: a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou


estabelecimento semelhante; sabendo ainda que é o regime próprio dos condenados
de penas superiores a quatro anos e que não exceda a oito anos; ficará o condenado
sujeito a trabalho em comum pelo período diurno, em colônia agrícola, industrial ou
estabelecimento semelhante; sendo ainda o trabalho externo permitido, bem como a
sua frequência em cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau
ou superior.

3 – Regime aberto: é a execução da pena em casa de albergado ou outro


estabelecimento adequado; sendo o regime inicial próprio dos condenados a penas
menores de quatro anos; se fundamente na autodisciplina e senso de responsabilidade
do próprio condenado; devendo o condenado, externamente ao estabelecimento e sem
vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade que lhe fora
autorizada, porém se permanece recolhido no período noturno e em seus dias de folga.

Se faz necessário ainda versar sobre um regime especial, sendo aplicável às mulheres
em razão de suas condições e direitos pessoais:

“CP, art. 37. As mulheres cumprem pena em estabelecimento


próprio, observando-se os deveres e direitos inerentes à sua
condição pessoal, bem como, no que couber, o disposto neste
Capítulo.”

PONTOS ESPECIAIS DOS REGIMES DE CUMPRIMENTO DE PENA

• Regime fechado e a gravidade criminal: não é justificável a imposição do regime


mais grave daquele previsto em lei para o imputado baseado somente na gravidade
abstrata do fato punível. A motivação central reside no fato que o próprio legislador
promoveu um desvalor em abstrato do fato no processo de criminalização legislativa.
Frente a esse entendimento, a Súmula nº 718 do STF: “a opinião do julgador sobre a
gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de
regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada”.
Nessa seara, porém, será possível com base em elementos concretos e verificados em
tempo da prática do crime, o magistrado fixe o regime fechado em detrimento da pena
se adequar a regime semiaberto ou aberto. Caso esse que será destinatário de forte
ônus argumentativo, devendo ainda estar com amparo em elementos fáticos do crime.

• Regime semiaberto aos reincidentes: tem a possibilidades em certas situações nos


moldes da Súmula nº 269 do STJ, que privilegiou o princípio da individualização da
pena, ao estabelecer que o magistrado, superando a rígida base legal, deverá prestar
atenção às particularidades do fato punível para ser estabelecido não somente o
montante de pena mais adequado e proporcional, mas, também, a eficácia na
qualidade da execução dessa quantidade. Dessarte, veja:

“Súmula nº 269, STJ: É admissível a adoção do regime prisional


semiaberto aos reincidentes condenados à pena igual ou inferior a
quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais.”

• São critérios para a progressão do regime após a Lei nº 13.964/2019 (Lei


Anticrime): a legislação citada promoveu mudanças consideráveis no tocante à
execução penal. As mais sensíveis alterações foram feitas nos requisitos objetivos
para a progressão de regime prisional. Ponto esse, que está dessa forma:

“Lei nº 7.210/1984, art. 112. A pena privativa de liberdade será


executada em forma progressiva com a transferência para regime
menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver
cumprido ao menos:

I − 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário


e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave
ameaça;

II − 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente


em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;

III − 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for


primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou
grave ameaça;

IV − 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente


em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;

V − 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for


condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for
primário;

VI − 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: a)


condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com
resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de
organização criminosa estruturada para a prática de crime
hediondo ou equiparado; ou c) condenado pela prática do crime de
constituição de milícia privada;
VII − 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for
reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; VIII −
70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em
crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o
livramento condicional.”

Somado aos requisitos objetivos gerais, o art. 112, § 1º, da LEP, exige também um
requisito objetivo para a possibilidade de progressão.

“Art. 112. (...) § 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à


progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária,
comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as
normas que vedam a progressão.”

Em casos de mulher gestante ou que seja mãe ou responsável por crianças ou


pessoas com deficiência, é seguida a seguinte forma:

“LEP, art. 112. § 3º (...) No caso de mulher gestante ou que for


mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os
requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
I − não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a
pessoa;
II − não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III − ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime
anterior;
IV − ser primária e ter bom comportamento carcerário,
comprovado pelo diretor do estabelecimento;
V − não ter integrado organização criminosa.”

A progressão de regime nas hipóteses de crimes cometidos contra a administração


pública: a lei penal cobra um requisito em particular para ser dada a progressão:

“CP, art. 33. (...) § 4º O condenado por crime contra a


administração pública terá a progressão de regime do
cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que
causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os
acréscimos legais.”

RE 1.910.240/MG STJ - Ao sentenciado que cometeu crime com violência contra


a pessoa ou grave ameaça, mas não é reincidente em delito da mesma
natureza (reincidente específico) – portanto, primário ou reincidente genérico –,
deve ser aplicado o patamar de 25% de cumprimento da pena, como prevê o
inciso III do artigo 112 da LEP.

Notícia veiculada no site da DPE/RJ em 26/08/2022:


Vara de Execuções Penais terá que reavaliar regressão de pena
A Vara de Execuções Penais (VEP) da Justiça terá que reavaliar decisões que
mandaram de volta para a cadeia presos no regime aberto monitorados com
tornozeleiras eletrônicas. A decisão da Terceira Câmara Criminal, publicada nesta
quinta-feira (25), atendeu parcialmente pedido da Defensoria Pública do Rio.
No último dia 18, a DPRJ apresentou à Segunda Instância do Tribunal de Justiça um
habeas corpus coletivo solicitando que a VEP deixasse de fazer uso de uma "decisão
genérica" contra presos suspeitos de violar o monitoramento eletrônico.
A decisão da Terceira Câmara Criminal entendeu como ilegal a decisão da VEP e
acrescentou que a medida pressupôs o "cometimento de falta grave" só porque o
nome do preso constava em relação da Secretaria de Administração Penitenciária
(Seap).
O subcoordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário, defensor João Gustavo
Fernandes Dias, explica que a Defensoria não é absolutamente contra as decisões da
VEP, mas ressaltou que é necessário analisar caso a caso.
- A partir do momento que a gente começou a se deparar com decisões que foram
proferidas em processos em que as pessoas já tinham justificado, já tinham ganhado
benefícios melhores, então, tinham pessoas que já tinham cumprido a pena, por
exemplo, a gente começou a ver que isso foi feito de uma maneira um pouco açodada,
um pouco indiscriminada, afirmou o defensor.
— A decisão de regressão da pena, ou não, deve variar de acordo com as
especificidades da situação jurídica de cada pessoa. Importante dizer, ainda, que é
necessária a manifestação da defesa, quer através da Defensoria Pública ou
advogadas(os), garantindo-se, também, a ampla defesa, complementa Lucia Helena
Oliveira, coordenadora de Defesa Criminal da DPRJ.
QUESTÃO 06 Maria da Silva foi vítima de violência doméstica, tendo
procurado a defensoria para lhe assistir judicialmente perante a Vara Criminal
na tutela da sua integridade física, moral e psicológica. A Defensora
responsável pelo caso pede a outro residente para redigir a minuta da peça, e
este apresenta algumas dúvidas, quais sejam:

(i) se caberia pedir, no bojo da mesma ação e perante o juízo criminal, os


danos morais referentes ao ocorrido e, se sim,

(ii) se seria necessário incluir expressamente nos pedidos da ação o


pedido de indenização a título de danos morais e seu valor.

(iii) Se posterior reconciliação entre as partes poderia obstaculizar a


reparação, servindo de argumento pelo advogado de defesa do
réu/agressor.

PADRÃO DE RESPOSTAS

A resposta para ambas as indagações é positiva, havendo que se ressaltar, todavia,


que não é necessário indicar o valor do dano moral, haja vista ser este arbitrado pelo
juízo. Não se confundem a reparação civil e penal dos danos, mas o juízo criminal
poderá conceder e arbitrar, desde que expressamente pleiteada, a indenização pelo
dano moral sofrido em decorrência da agressão. Isso porque, existe uma necessária
relação de causalidade entre o ilícito penal e a reparação, no caso em tela. Toda
violação que consista em ilícito penal também macula o direito civil, posto que se revela
como ilícito, passível de indenização por meio do instituto da responsabilidade civil.
Ademais, conforme já pacificado pelo STJ no tema 983, é possível a fixação de valor
mínimo indenizatório por danos morais, ainda que não especificada a quantia, e
independentemente de instrução probatória para esse fim. O dano moral decorrente da
violência domestica é in re ipsa, não necessitando de dilação probatória. Há, também,
que se destacar, que a reconciliação entre vítima e agressor em nada prejudica o curso
da reparação, não podendo ser alegada na defesa do réu para afastar a obrigação de
indenizar. Isso porque, tal indenização não se subordina ao liame subjetivo entre as
partes envolvidas, e sim envolve um dano em si considerado, decorrente da violação ao
direito fundamental à Dignidade, integridade física, moral e psicológica da vítima.
Portanto, a posterior reconciliação não é fundamento suficiente a afastar a aplicação do
art. 387, IV, do CPP.

ESPELHO:

Aspectos microestruturais (adequação ao número – 0,0 a 10,00


de linhas, coesão, coerência, ortografia, pontos
I
morfossintaxe e propriedade vocabular);

Discorrer sobre a possibilidade de, em sede de


juízo criminal, se postular indenização a título de
II - 0,0 a 30
danos morais, sem que seja necessário ingressar
pontos
no juízo cível para pleitear a reparação, haja vista
a interdependência do dano moral com ao
agressão sofrida.

Afirmar não haver necessidade de fixação do


valor, mas que o pedido deverá ser feito
III - 0,0 a 30
expressamente pela vítima ou acusação no
pontos
processo.

Mencionar que o dano é in re ipsa, não havendo


necessidade de dilação probatória, bastando o
IV - 0,0 a 30
pedido expresso. Por esse motivo, também, a
pontos.
reconciliação posterior não poderia ser alegada
como razão hábil a afastar o dever de indenizar.

TOTAL 100
COMENTÁRIOS:

Olá, futuros residentes, como vocês estão? Chegamos à última rodada.

O gabarito dessa questão foi enfrentado pelo STJ recentemente, motivo pelo qual
achamos interessante abordar aqui e trazer para a preparação de vocês.

Trata o caso de vítima de violência doméstica que, ao procurar a defensoria para a


responsabilização de seu agressor na esfera penal, terá revertida em seu favor
indenização civil por danos morais a sua dignidade humana, por conta da agressão
sofrida.

Apreciando o Tema 983 sob a sistemática dos recursos repetitivos, o colendo STJ
sedimentou o entendimento de que, nos casos de violência contra a mulher praticados
no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório por
danos morais, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução
probatória para esse fim.

Ademais, sendo o direito penal a ultima ratio, toda e qualquer infração penal também é
um ilícito civil, que causa, in re ipsa, ao menos dano moral, de modo que a fixação de
valor mínimo sob esse título não macula o processo penal.

O ilícito penal é passível de responsabilização e enseja o dever de indenizar.

E isso por quê? Porque o principal objetivo da ordem jurídica é proteger o lícito e
reprimir o ilícito. Nesses termos, vejam o que leciona Sérgio Cavalieri filho:

Para atingir esse desiderato, a ordem jurídica estabelece


deveres que, conforme a natureza do direito a que
correspondem, podem ser positivos, de dar ou fazer, como
negativos, de não fazer ou tolerar alguma coisa. Fala-se, até,
em um dever geral de não prejudicar a ninguém, expresso
pelo Direito Romano através da máxima neminem laedere.
(FILHO. Sergio Cavalieri. PROGRAMA DE
RESPONSABILIDADE CIVIL. P.26)
Havendo a violação a um dever jurídico, nasce o dano. Assim, no caso narrado pela
questão, a violação foi ao dever jurídico de inviolabilidade física, moral e psicológica do
outro, decorrente do direito fundamental à Dignidade Humana. A obrigação, portanto,
era a de não macular a integridade de Maria. Violada essa obrigação (Shuld), então,
nasce o dever de indenizar, decorrente da responsabilidade civil (haftung).

Sobre esse ponto, vale frisar que em uma prova, é importante classificar a
responsabilidade civil como acessória ao dever originário de não causar dano a
ninguém, é secundária, portanto, somente existindo após a violação.

Tanto é assim que o Código Civil faz essa distinção entre obrigação e responsabilidade
no seu art. 389.

"Art. 389 Não cumprida a obrigação [obrigação


originária], responde o devedor por perdas e danos

Sobre o ponto, Sérgio Cavalieri Filho leciona:

Da obrigação de indenizar: O Código Civil, no


título que figura em cima do seu art. 927 (parte
Especial, Livro I, Título IX), categoriza o dever de
indenizar como uma obrigação. Vale dizer, entre as
modalidades de obrigações existentes (dar, fazer, não
fazer), o Código incluiu mais uma - a obrigação de
indenizar. Sempre se disse que o ato ilícito é uma das
fomes da obrigação, mas nunca a lei indicou qual
seria essa obrigação. Agora o Código diz - aquele que
comete ato ilícito fica obrigado a indenizar. A
responsabilidade civil opera a partir do ato ilícito, com
o nascimento da obrigação de indenizar, que tem por
finalidade tornar indemne o lesado, colocar a vítima na
situação em que estaria sem a ocorrência do fato
danoso. Qual a natureza jurídica dessa obrigação
de indenizar? Segundo certa nomenclatura as
obrigações podem repartir-se em voluntárias e legais.
As primeiras são aquelas criadas por negócios
jurídicos, trate-se de contratos ou não, em função do
princípio da autonomia da vontade. Obrigações, em
suma, que existem porque as partes quiseram que
elas existissem e que têm justamente o conteúdo que
lhes quiseram imprimir. As segundas são as
obrigações impostas pela lei, dados certos
pressupostos; existem porque a lei lhes dá vida e
com o conteúdo por ela definido. A vontade das
partes só intervém como condicionadora, e não como
modeladora dos efeitos jurídicos estatuídos na lei.
Pois bem, a obrigação de indenizar é legal, vale dizer,
é a própria lei que determina quando a obrigação
surge e a precisa conformação que ela reveste. Não
se trata, portanto, de obrigação desejada e perseguida
pelo agente, mas, como bem coloca o insigne
Humberto Theodoro Júnior, "de uma obrigação-
sanção que a lei lhe impõe como resultado necessário
do comportamento infringente de seus preceitos. Ao
contrário do ato jurídico lícito, em que o efeito
alcançado, para ° Direito, é o mesmo procurado pelo
agente, no ato jurídico ilícito o resultado é o
surgimento de uma obrigação que independe da
vontade do agente e que, até, pode, como de regra
acontece, atuar contra a sua intenção" (Comentários
ao novo Código Civil, v. m, t. lI/18, Forense, 2003).
Outra característica da obrigação de indenizar é a
sucessividade, pois, como já ressaltado, sempre
decorre da violação de uma obrigação anterior,
estabelecida na lei, no contrato ou na própria ordem
jurídica.

{grifos nossos}
(p. 29/30)

A leitura do trecho acima nos permite concluir 2 coisas:

1 –não há responsabilidade, em qualquer modalidade, sem violação de dever jurídico


preexistente

2 - para se identificar o responsável é necessário precisar o dever jurídico violado e


quem o descumpriu.

Como elementos essenciais da responsabilidade, podemos destacar 3, quais sejam:

1) a conduta do agente (omissiva ou comissiva),


2) o nexo causal, e
3) o evento danoso.

Os dispositivos principais sobre responsabilidade civil estão no Código Civil, sendo


eles: art. 186, art 187 e art. 927.

TÍTULO III

Dos Atos Ilícitos

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,


negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um


direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social,
pela boa-fé ou pelos bons costumes.

CAPÍTULO I
Da Obrigação de Indenizar
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,


independentemente de culpa, nos casos especificados
em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem.

Agora vejam o que diz o art. 387 do CPP:

Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:

IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos


causados pela infração, considerando os prejuízos
sofridos pelo ofendido; (Redação dada pela Lei nº
11.719, de 2008).

Portanto, cabe ao juiz fixar o valor, o que nos responde a pergunta acerca da
(des)necessidade da parte autora indicar o valor que deseja, bastando que explicite nos
pedidos o desejo de pleitear a indenização por danos morais cabível.

Sobre essa fixação, vale colacionar alguns julgados, com as seguintes premissas: 1 –
deve haver proporcionalidade na fixação do valor, 2 – o caráter pedagógico impõe que
o valor não seja irrisório e 3 – desnecessidade da estimativa de valor pela parte, por
conta do próprio art. 387, IV, do CPP:

1- Proporcionalidade e razoabilidade na fixação do "quantum" “(...)

3. Mantem-se o valor da indenização fixada a título de


danos morais quando este se encontra em
conformidade aos princípios da proporcionalidade e
razoabilidade.” Acórdão 1276556,
07112954220198070006, Relator: CRUZ MACEDO,
Primeira Turma Criminal, data de julgamento:
20/8/2020, publicado no PJe: 2/9/2020. STJ Recurso
repetitivo 983

2 – desnecessidade de estimativa de valor

“Nos casos de violência contra a mulher praticados no


âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de
valor mínimo indenizatório a título de dano moral,
desde que haja pedido expresso da acusação ou da
parte ofendida, ainda que não especificada a quantia,
e independentemente de instrução probatória.” REsp
1675874/MS e REsp 1643051/MS.

3 – Do caráter pedagógico segundo o STF:

Vejamos que o STF (no ARE 1260888/MS) determinou que, em razão do caráter
pedagógico do valor fixado para indenização por danos morais no caso de violência
doméstica, este não poderá ser nem irrisório e nem elevado demais a ponto de reduzir
o devedor ao mínimo existencial.

In verbis:

“(...) IV – O valor fixado a título de mínimo


indenizatório, em razão dos danos morais
experimentados pela vítima, não pode perder o seu
caráter pedagógico, consubstanciando-se em quantia
irrisória, e muito menos deve representar
enriquecimento desmedido para o lesado.
Considerando as circunstâncias do caso concreto,
revela-se razoável e proporcional a quantia arbitrada,
R$ 3.000,00 (três mil reais), a qual atende aos
objetivos legais, nos termos do artigo 387, inciso IV,
do CPP. Precedentes deste Sodalício.”
Trazendo para o caso do enunciado sugerido na rodada desta semana, temos que:

A conduta no caso concreto foi a agressão cometida.

O evento danoso foi a violência e suas repercussões físicas e psicológicas na vítima.

O nexo causal é o liame subjetivo que interliga os dois elementos supra, de modo a
vincular a causalidade entre a conduta do agente e o resultado, comprovando que sem
que aquele tenha praticado o ato, não haveria resultado danoso apto a ensejar o dever
de indenizar.

O Código Civil estabelece que qualquer pessoa que cometa um crime contra outra,
causando algum tipo de dano, é obrigada a repará-lo. Vejam ainda trechos de alguns
julgados do STJ em que a responsabilidade civil foi atraída para a esfera penal, como
decorrência lógica do dever de indenizar pela violência causada à vítima:

No caso concreto, verifico que a ofendida suportou


malefícios causados pela violência sofrida na condição
de mulher, transtornos e aborrecimentos que lhe
causaram sofrimento, fato que causa lesão à
dignidade subjetiva da vítima, configurando danos
morais. Assim, a condenação em danos morais se
impõe." (grifamos) Acórdão 1282740,
00058745220188070005, Relator: DEMETRIUS
GOMES CAVALCANTI, Terceira Turma Criminal, data
de julgamento: 10/9/2020, publicado no PJe:
22/9/2020.

“(...) 3. Segundo a jurisprudência consolidada pelo


STJ, em Recurso Especial representativo da
controvérsia, em se tratando de crimes praticados no
âmbito doméstico e familiar contra a mulher, é viável
fixar reparação a título de dano moral, contanto que
haja pedido expresso feito pela acusação ou pela
vítima, devendo a fixação levar em conta a extensão
do dano e a capacidade econômica do ofensor.”
Acórdão 1280957, 00020516720188070006, Relator:
JESUINO RISSATO, Terceira Turma Criminal, data de
julgamento: 3/9/2020, publicado no PJe: 14/9/2020.

- Dano moral "in re ipsa" - presunção em favor da vítima de violência doméstica

“(...) 8. Conforme REsp 1.643.051 - MS, condenado o


réu por crime ou contravenção cometido em cenário
de violência doméstica contra mulher, o dano moral é
in re ipsa, restando ao julgador a estipulação de seu
quantum mínimo.” Acórdão 1281122,
07075851720198070005, Relator: CARLOS PIRES
SOARES NETO, Primeira Turma Criminal, data de
julgamento: 3/9/2020, publicado no PJe: 15/9/2020.

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