Você está na página 1de 9

EXCELENTÍSSMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO

DA ____ VARA CÍVEL DA COMARCA DE SÃO PAULO

FERNANDA, brasileira, funcionária pública municipal, portadora do


CPF 111.222.333.44 residente à ------, no estado de São Paulo, por meio de sua
advogada, infra-assinado, conforme procuração anexada, vem respeitosamente
à presença de Vossa Excelência, ajuizar a presente

AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS PREVISTA NO ARTIGO


104-A DO CDC (INTRODUZIDO PELA LEI 14.181/21 –
SUPERENDIVIDAMENTO)

em face de BANCO ITUBANK, pessoa jurídica de direito privado,


inscrita no CNPJ nº 00.000.333/0001-90, endereço: -------------,
BANCO NESCO, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ nº
00.000.111/0001-90, endereço: -------------,
FINANCEIRA BOA GRANA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita
no CNPJ nº 00.000.222/0001-90, endereço: -------------, pelos fatos e fundamentos
a seguir expostos:

DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA

O Requerente encontra-se em delicada situação pecuniária, pois está


passando por sérias dificuldades financeiras, razão pela qual, não tem
condições de arcar com custas e demais despesas processuais desta demanda,
demonstrando isso por meio de farta documentação.

Diante desta lastimável situação, consequentemente, torna-se inviável o


custeio das despesas processuais, pleiteando, portanto, os benefícios da
JUSTIÇA GRATUITA, assegurados pela Lei nº 1060/50 e consoante o art. 98,
caput, do novo CPC/2015, in verbis:

“Art. 98.A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira,


com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas
processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da
justiça, na forma da lei.”

Infere-se do excerto acima que qualquer uma das partes no processo


pode usufruir do benefício da justiça gratuita. Logo, a Requerente faz jus ao
benefício, haja vista não ter condições de arcar com as despesas do processo
sem prejuízo de sua manutenção.

O entendimento jurisprudencial pacificado pelos tribunais pátrios


corrobora a pretensão argumentada, conforme se vislumbra da análise do
precedente declinado:

“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE


INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS CAPAZES
DE INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO
AGRAVADA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.
HIPOSSUFICIÊNCIA. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE.
REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7. Não merece provimento
recurso carente de argumentos capazes de desconstituir a
decisão agravada. As pessoas pobres na forma da lei têm direito
à concessão do benefício da assistência judiciária gratuita desde
que comprovem a incapacidade de arcar com as custas
processuais em detrimento da manutenção da empresa". (...)
(AgRg no Ag XXXXX / RJ; Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento, 2006/XXXXX-3, Relator, Ministro Humberto Gomes
de Barros, Terceira Turma, DJ 11.09.2006 p. 277.)”
Mister frisar, ainda, que, em conformidade com o art. 99, § 1º, do novo
CPC/2015, o pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado por petição
simples e durante o curso do processo, tendo em vista a possibilidade de se
requerer em qualquer tempo e grau de jurisdição os benefícios da justiça
gratuita, ante a alteração do status econômico.

Assim, à pessoa natural basta a mera alegação de insuficiência de


recursos, sendo desnecessária a produção de provas da hipossuficiência
financeira.

Corroborando com esse entendimento, o NCPC incorporou a


jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema.
Especificamente, a Súmula nº 481, transcrita a seguir:

“Súmula nº 481. Faz jus ao benefício da justiça gratuita a


pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua
impossibilidade de arcar com os encargos processuais.”

PRELIMINARMENTE

A– DA ESCOLHA DO RITO PROCESSUAL

Inicialmente, esclarece a parte autora que formula a causa de pedir e os


pedidos de sua petição inicial utilizando como fundamento jurídico a Lei do
Superendividamento (Lei 14.181/21), tendo em vista que se trata de pessoa
superendividada, nos termos da própria Lei.

Neste sentido, cabe ressaltar que a parte autora não pretende esquivar-se
do pagamento de suas dívidas, muito pelo contrário, utiliza-se da nova Lei do
Superendividamento justamente para criar um plano de pagamento e
permanecer adimplente com todos os seus credores.

B - DA INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO 11.150/2022

O Decreto nº 11.150, de 26 de julho de 2022, editado pelo Presidente da


República para regulamentar o conceito de mínimo existencial inserido no
Código de Defesa Consumidor a partir da edição da Lei 14.181/2021, deve ter
sua aplicação afastada neste caso, porquanto eivado do vício insanável de
inconstitucionalidade e ilegalidade.

A proteção do consumidor é um dever constitucional do Estado, que


aqui deve ser compreendido em seu sentido amplo (art. 5º, XXXI, CRFB/88).
Dessa forma, é preciso compreender que a proteção do consumidor é um
comando constitucional não só para o Legislativo, mas também para os Poderes
Executivo e Judiciário, a fim de fazer valer a eficácia vertical e horizontal desse
direito fundamental.

A lei do superendividamento decorre da necessidade de evitar a exclusão


social, quando que o decreto questionado acaba por colocar a pessoa
superendividada na linhada miséria.

Assim, para que sejam preservados os direitos (constitucionais e legais)


dos consumidores superendividados, é necessário o afastamento dos efeitos do
decreto 11.150/2022 no julgamento do caso presente, adotando-se como critério
de mínimo existencial o que doravante se expõe.

C - DO MÍNIMO EXISTENCIAL

Como o decreto 11.150/22 deve ter sua aplicação afastada, volta-se à


situação de ausência de regulamentação da figura do mínimo existencial
previsto no Código de Defesa do Consumidor.

Mas isso não é óbice à repactuação de dívidas e nem ao processo de


superendividamento.

Com isso, até que seja editado um regulamento constitucional,


compreende-se que o melhor caminho é limitar os descontos dos empréstimos e
dívidas a 30% da remuneração do devedor, porque somente assim é que haverá
a preservação do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana.

Essa limitação é imprescindível para que a parte autora faça frente às


suas necessidades vitais com alimentação, habitação, vestuário, saúde,
transporte e higiene.
DOS FATOS

A parte autora enquadra-se na definição legal do superendividamento,


conforme a expressa previsão da recente lei 14.181/2021, que acrescentou
diversos dispositivos ao Código de Defesa do Consumidor.

O parágrafo § 1º do artigo 54-A do CDC prevê:

§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade

manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé,

pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e

vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos

termos da regulamentação.

Este é exatamente o caso da parte autora, que se vê na contingência de


propor a presente demanda judicial, com o objetivo de ver repactuadas as suas
obrigações com as instituições qualificadas no preâmbulo, e assim readquirir a
sua dignidade e reabilitar-se nos mercados de consumo e de crédito.

A requerente recebe vencimentos de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por mês,


mas está repleta de dívidas com empresas de cartão de crédito e bancos, além
de já ter perdido o seu veículo, o apartamento em que vive e o seu plano de
saúde, pois ao enfrentar algumas dificuldades nos últimos anos, passou a não
quitar as faturas de seus cartões de crédito, levando ao constante parcelamento
e pagamento do mínimo previsto, o chamado crédito rotativo e as contas do
cartão superavam em muito o valor de seu salário levando a um novo
empréstimo consignado para realizar a quitação da dívida.

Contudo, o valor do empréstimo impossibilitou-a de realizar outros


pagamentos, devendo se valer de novos empréstimos consignados para
pagamento das dívidas anteriores e se manter, levando a venda do seu carro e
compra de outro financiado, na tentativa de pagar alguns dos empréstimos com
o valo.
No entanto, perdeu o valor de entrada e permaneceu com a nova dívida
referente ao veículo pois não conseguiu pagar as parcelas e teve que entregar o
carro para leilão.

Fernanda tentou realizar uma conciliação perante o Procon da capital de


São Paulo, conforme documentos comprobatórios em anexo (-), mas não houve
acordo, uma vez que os parcelamentos oferecidos comprometiam integralmente
o seu salário.

DO DIREITO

SUPERENDIVIDAMENTO

In casu, se está diante de uma clara situação de hiper vulnerabilidade da


parte autora frente aos demandados.

O Código de Defesa do Consumidor no seu art. 4º, inc. I, dispõe acerca


da vulnerabilidade do consumidor, a saber:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem


por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o
respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus
interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem
como a transparência e harmonia das relações de consumo,
atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no


mercado de consumo;

A lei 14.181/2021 acresceu ao artigo 4º os incisos IX e X, a saber:

IX - fomento de ações direcionadas à educação financeira e


ambiental dos consumidores; X - prevenção e tratamento do
superendividamento como forma de evitar a exclusão social do
consumidor.”
Deve-se destacar que o fenômeno do superendividamento não é
exclusivo das classes sociais menos favorecidas economicamente, porquanto a
realidade imperativa na atual sociedade de consumo, na qual o crédito é
concedido sem nenhuma averiguação do histórico e da efetiva possibilidade de
adimplemento da dívida assumida, reverbera situações em que mesmo aquela
pessoa com altos proventos, em razão da sua hiper vulnerabilidade, assuma
mais dívidas do que é capaz de adimplir.

Como se vê, no texto legal já mencionado, parágrafo § 1º do artigo 54-A


do CDC que prevê:

“§ 1º Entende-se por superendividamento a


impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de
boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e
vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos
da regulamentação.”

DA EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS

A parte autora não detém as vias de todos os contratos celebrados com as


instituições financeiras demandadas, no entanto, tais documentos são
fundamentais até mesmo para que se conclua a proposta de plano de
pagamento a ser apresentada por ocasião da audiência de conciliação prevista
neste procedimento.

Por tal razão, desde já requer sejam os demandados intimados a


apresentar os contratos de empréstimos.

Tal pedido encontra guarida no art. 396 e seguintes do CPC, sob as


consequências do art. 400 do mesmo diploma legal, bem como já foi objeto de
definição do TEMA 411, em repetitivo junto ao STJ:

“É cabível a inversão do ônus da prova em favor do


consumidor para o fim de determinar às instituições
financeiras a exibição de extratos bancários, enquanto não
estiver prescrita a eventual ação sobre eles, tratando-se de
obrigação decorrente de lei e de integração contratual
compulsória, não sujeita à recusa ou condicionantes, tais
como o adiantamento dos custos da operação pelo
correntista e a prévia recusa administrativa da instituição
financeira em exibir os documentos, com a ressalva de que
ao correntista, autor da ação, incumbe a demonstração da
plausibilidade da relação jurídica alegada, com indícios
mínimos capazes de comprovar a existência da contratação,
devendo, ainda, especificar, de modo preciso, os períodos
em que pretenda ver exibidos os extratos.”

DOS PEDIDOS

Diante de todo o exposto, requer à Vossa Excelência:

Seja a presente recebida e conhecida, bem como os documentos que a


acompanham, para o fim de:

a) A citação da ré para, querendo, contestar a presente demanda no


prazo legal, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato;

b) A concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, nos termos dos arts. 98


a 102 do Código de Processo Civil, em virtude da hipossuficiência econômica
da autora;

c) Determinar a juntada pelas instituições financeiras dos contratos que a


parte autora não apresenta nos autos, uma vez que não possui as cópias, nos
termos dos arts. 6º, VIII do CDC e 396 do CPC;

d) A produção de todas as provas admitidas em direito, especialmente


documental, testemunhal, pericial e depoimento pessoal da ré.

e) A condenação das empresas ao pagamento das custas processuais e


honorários advocatícios.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.100.000.00 (um milhão e cem mil reais) para
fins fiscais e de alçada.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 21 de março de 2024.

Assinado digitalmente
ADVOGADA
OAB/SP

Você também pode gostar