Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Andre Ramos
Andre Ramos
RESPONSABILIDADE
INTERNACIONAL DO
ESTADO POR
VIOLAÇÃO DE
DIREITOS HUMANOS
André de Carvalho Ramos
RESUMO
Analisa os avanços da responsabilidade internacional do Estado por violações de direitos humanos, na teoria e prática. Para tanto, descreve os
elementos caracterizadores de tais violações, bem como as formas de reparação e sanção possíveis.
Alega que, no Brasil, o tema passou a constar da agenda nacional após o reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Assim, afirma ser urgente a conscientização de todos os agentes públicos acerca da necessidade de cumprimento dos compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil e da adoção de medidas para prevenir novas violações e reparar os danos causados às vítimas.
PALAVRAS-CHAVE
Direito Internacional; Estado; responsabilidade; Corte Interamericana de Direitos Humanos; Convenção Americana de Direitos Humanos; direitos
humanos; sanção; reparação.
C
umprir ou não suas obrigações compromissos internacionais válidos, cional consiste no conjunto de direi-
internacionais? Em tese, há so- mas violados, devendo reparar os tos e faculdades previsto em normas
mente essas duas opções aos danos causados às vítimas ou sofrer internacionais, que assegura a digni-
Estados, mas vários deles aprovei- sanções de coerção. dade da pessoa humana e beneficia-
tam a inexistência de tribunais inter- Destarte, vê-se que a respon- se de garantias internacionais institu-
nacionais de jurisdição obrigatória e sabilidade internacional do Estado cionalizadas8. Sua evolução nessas
criam uma terceira: não cumprir, mas consiste, para parte da doutrina, em últimas décadas é impressionante:
sustentar (perante o público interno e uma obrigação internacional de repa- desde a Carta de São Francisco de
externo) que cumprem! Essa mágica ração em face de violação prévia de 1945 e a Declaração Universal dos
de ilusionista é possível por ser a norma internacional 1. A responsabili- Direitos Humanos de 1948, dezenas
sociedade internacional paritária e dade é característica essencial de um de tratados e convenções consagra-
descentralizada, na qual o Estado é, sistema jurídico, como pretende ser ram a preocupação internacional com
ao mesmo tempo, produtor, destina- o sistema internacional de regras de a proteção de direitos de todos os
tário e aplicador da norma, ou seja, conduta2, tendo seu fundamento de indivíduos, sem distinção9. Com isso,
seu intérprete pode descumprir uma Direito Internacional no princípio da consolidou-se no Direito Internacional
obrigação internacional, mas afirmar igualdade soberana entre os Estados. contemporâneo um catálogo de direi-
que, sob sua ótica peculiar, está cum- Com efeito, todos os Estados reivin- tos fundamentais da pessoa; também
prindo-a fielmente. Ocorre que tal dicam o cumprimento dos acordos e foram estabelecidos mecanismos de
ilusionismo já é velho, e o truque, co- tratados que os beneficiam e, por supervisão e controle do respeito,
nhecido. Para combatê-lo, há um an- conseqüência, não podem recusar-se pelo Estado, desses mesmos direi-
tídoto eficaz: a criação de mecanis- a cumprir os acordos e tratados, uma tos protegidos10. Ao Estado incumbe,
mos jurisdicionais nos quais as con- vez que todos eles são iguais3. Sen- então, respeitar e garantir os direitos
dutas dos Estados serão avaliadas do assim, um Estado não pode rei- elencados nas normas internacionais.
por juízes neutros e imparciais, que vindicar para si uma condição jurídi- Por outro lado, o problema grave de
poderão verificar se o Estado cum- ca que não reconhece a outro 4. nosso tempo, na leitura de Bobbio,
pre a obrigação previamente acorda- Por seu turno, a jurisprudência não é mais declarar ou fundamentar
da. Assim, as interpretações unilate- internacional determinou que a respon- os direitos humanos, mas sim prote-
rais dos Estados serão apresentadas sabilidade internacional do Estado é gê-los com efetividade, ou seja,
aos juízes internacionais e, se des- um princípio geral do Direito Interna- implementá-los11. Nesse diapasão,
cabidas, não serão aceitas, e o Esta- cional. Para citar algumas decisões podemos observar que, na Declara-
do será condenado por violação de judiciais, vê-se que, no caso do S.S. ção e Programa de Ação da Confe-
seus compromissos internacionais. Wimbledon, decidiu a então existen- rência Mundial de Direitos Humanos
Por isso, vários Estados, inclusive o te Corte Permanente de Justiça Inter- de Viena de 1993, foi firmado o dever
mais poderoso na atualidade, de- nacional que o descumprimento de dos Estados de implementar os di-
monstram receio de aceitar qualquer uma obrigação internacional gerava a reitos previstos nos tratados e con-
jurisdição internacional obrigatória. O obrigação de efetuar reparação, o venções internacionais 12. No Progra-
prestidigitador odeia ver seu passe que, para a Corte, constituía-se em ma de Ação de Viena há um capítulo
de mágica revelado. um princípio de Direito Internacional5. sobre “Métodos de implementação e
No entanto, esse ilusionismo A Corte Permanente de Justiça In- controle”, no qual constam diversas
não possui mais espaço no tocante ao ternacional consagrou esse princípio recomendações para aumentar o grau
Brasil e à Convenção Americana de na análise dos fatos envolvendo a de aplicação das normas internacio-
Direitos Humanos. O Brasil, em 1998, Fábrica de Chorzów, determinando nais de proteção dos direitos huma-
reconheceu a jurisdição obrigatória da que o Estado deve, na máxima ex- nos.
Corte Interamericana de Direitos Hu- tensão possível, eliminar todas as Porém, resta aberta a ferida,
manos, e, assim, submete-se a suas conseqüências de um ato ilegal e res- que é a contínua violação das normas
sentenças. Já não há lugar para a tra- tabelecer a situação que existiria, com internacionais. Afinal, basta uma mera
dicional postura do Estado na maté- toda probabilidade, caso o citado ato lembrança das diversas situações de
ria: ratificar os tratados internacionais não houvesse sido realizado 6. desrespeito aos direitos humanos no
de direitos humanos e continuar per- Observadas essas definições mundo, para se constatar a amplitu-
mitindo violações dos direitos prote- doutrinárias e jurisprudenciais, consi- de da missão de implementação prá-
gidos em seu território ou, ainda, pos- deramos, em essência, que a respon- tica dos direitos humanos.
tergar medidas duras de reforma de sabilidade internacional do Estado é Esse novo foco (implemen-
legislações e de instituições para pro- uma reação jurídica, qualificada como tação dos direitos protegidos) da pro-
mover e garantir os direitos de sua sendo instituição, princípio geral de teção internacional dos direitos huma-
população. Caso o Brasil mantenha direito, obrigação jurídica ou mesmo nos exige acurada análise da respon-
uma conduta inerte, será condenado situação jurídica pela doutrina e juris- sabilidade internacional do Estado. É
na Corte Interamericana e terá de prudência, pela qual o Direito Inter- graças ao instituto da responsabili-
implementar as sentenças, que podem nacional justamente reage às viola- dade internacional do Estado que
conter inclusive obrigações de refor- ções de suas normas, exigindo a pre- podemos observar como o Direito In-
ma de nossa Constituição. servação da ordem jurídica vigente ternacional combate as violações a
Assim sendo, a responsabili- por meio da reparação aos danos suas normas jurídicas e busca a re-
dade internacional do Estado ganha causados7. paração do dano causado. Portanto,