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DIREITO INTERNACIONAL

RESPONSABILIDADE
INTERNACIONAL DO
ESTADO POR
VIOLAÇÃO DE
DIREITOS HUMANOS
André de Carvalho Ramos

RESUMO

Analisa os avanços da responsabilidade internacional do Estado por violações de direitos humanos, na teoria e prática. Para tanto, descreve os
elementos caracterizadores de tais violações, bem como as formas de reparação e sanção possíveis.
Alega que, no Brasil, o tema passou a constar da agenda nacional após o reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Assim, afirma ser urgente a conscientização de todos os agentes públicos acerca da necessidade de cumprimento dos compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil e da adoção de medidas para prevenir novas violações e reparar os danos causados às vítimas.

PALAVRAS-CHAVE
Direito Internacional; Estado; responsabilidade; Corte Interamericana de Direitos Humanos; Convenção Americana de Direitos Humanos; direitos
humanos; sanção; reparação.

R. CEJ, Brasília, n. 29, p. 53-63, abr./jun. 2005 53


1 INTRODUÇÃO: importância aos olhos dos estudio- No caso da proteção de direi-
RESPONSABILIDADE sos, na exata medida da adesão a tos humanos, não mais se discute,
INTERNACIONAL E DIREITOS mecanismos judiciais internacionais na atualidade, a força vinculante do
HUMANOS de sua aferição, uma vez que os paí- Direito Internacional dos Direitos Hu-
ses, finalmente, responderão pelos manos. Esse ramo do Direito Interna-

C
umprir ou não suas obrigações compromissos internacionais válidos, cional consiste no conjunto de direi-
internacionais? Em tese, há so- mas violados, devendo reparar os tos e faculdades previsto em normas
mente essas duas opções aos danos causados às vítimas ou sofrer internacionais, que assegura a digni-
Estados, mas vários deles aprovei- sanções de coerção. dade da pessoa humana e beneficia-
tam a inexistência de tribunais inter- Destarte, vê-se que a respon- se de garantias internacionais institu-
nacionais de jurisdição obrigatória e sabilidade internacional do Estado cionalizadas8. Sua evolução nessas
criam uma terceira: não cumprir, mas consiste, para parte da doutrina, em últimas décadas é impressionante:
sustentar (perante o público interno e uma obrigação internacional de repa- desde a Carta de São Francisco de
externo) que cumprem! Essa mágica ração em face de violação prévia de 1945 e a Declaração Universal dos
de ilusionista é possível por ser a norma internacional 1. A responsabili- Direitos Humanos de 1948, dezenas
sociedade internacional paritária e dade é característica essencial de um de tratados e convenções consagra-
descentralizada, na qual o Estado é, sistema jurídico, como pretende ser ram a preocupação internacional com
ao mesmo tempo, produtor, destina- o sistema internacional de regras de a proteção de direitos de todos os
tário e aplicador da norma, ou seja, conduta2, tendo seu fundamento de indivíduos, sem distinção9. Com isso,
seu intérprete pode descumprir uma Direito Internacional no princípio da consolidou-se no Direito Internacional
obrigação internacional, mas afirmar igualdade soberana entre os Estados. contemporâneo um catálogo de direi-
que, sob sua ótica peculiar, está cum- Com efeito, todos os Estados reivin- tos fundamentais da pessoa; também
prindo-a fielmente. Ocorre que tal dicam o cumprimento dos acordos e foram estabelecidos mecanismos de
ilusionismo já é velho, e o truque, co- tratados que os beneficiam e, por supervisão e controle do respeito,
nhecido. Para combatê-lo, há um an- conseqüência, não podem recusar-se pelo Estado, desses mesmos direi-
tídoto eficaz: a criação de mecanis- a cumprir os acordos e tratados, uma tos protegidos10. Ao Estado incumbe,
mos jurisdicionais nos quais as con- vez que todos eles são iguais3. Sen- então, respeitar e garantir os direitos
dutas dos Estados serão avaliadas do assim, um Estado não pode rei- elencados nas normas internacionais.
por juízes neutros e imparciais, que vindicar para si uma condição jurídi- Por outro lado, o problema grave de
poderão verificar se o Estado cum- ca que não reconhece a outro 4. nosso tempo, na leitura de Bobbio,
pre a obrigação previamente acorda- Por seu turno, a jurisprudência não é mais declarar ou fundamentar
da. Assim, as interpretações unilate- internacional determinou que a respon- os direitos humanos, mas sim prote-
rais dos Estados serão apresentadas sabilidade internacional do Estado é gê-los com efetividade, ou seja,
aos juízes internacionais e, se des- um princípio geral do Direito Interna- implementá-los11. Nesse diapasão,
cabidas, não serão aceitas, e o Esta- cional. Para citar algumas decisões podemos observar que, na Declara-
do será condenado por violação de judiciais, vê-se que, no caso do S.S. ção e Programa de Ação da Confe-
seus compromissos internacionais. Wimbledon, decidiu a então existen- rência Mundial de Direitos Humanos
Por isso, vários Estados, inclusive o te Corte Permanente de Justiça Inter- de Viena de 1993, foi firmado o dever
mais poderoso na atualidade, de- nacional que o descumprimento de dos Estados de implementar os di-
monstram receio de aceitar qualquer uma obrigação internacional gerava a reitos previstos nos tratados e con-
jurisdição internacional obrigatória. O obrigação de efetuar reparação, o venções internacionais 12. No Progra-
prestidigitador odeia ver seu passe que, para a Corte, constituía-se em ma de Ação de Viena há um capítulo
de mágica revelado. um princípio de Direito Internacional5. sobre “Métodos de implementação e
No entanto, esse ilusionismo A Corte Permanente de Justiça In- controle”, no qual constam diversas
não possui mais espaço no tocante ao ternacional consagrou esse princípio recomendações para aumentar o grau
Brasil e à Convenção Americana de na análise dos fatos envolvendo a de aplicação das normas internacio-
Direitos Humanos. O Brasil, em 1998, Fábrica de Chorzów, determinando nais de proteção dos direitos huma-
reconheceu a jurisdição obrigatória da que o Estado deve, na máxima ex- nos.
Corte Interamericana de Direitos Hu- tensão possível, eliminar todas as Porém, resta aberta a ferida,
manos, e, assim, submete-se a suas conseqüências de um ato ilegal e res- que é a contínua violação das normas
sentenças. Já não há lugar para a tra- tabelecer a situação que existiria, com internacionais. Afinal, basta uma mera
dicional postura do Estado na maté- toda probabilidade, caso o citado ato lembrança das diversas situações de
ria: ratificar os tratados internacionais não houvesse sido realizado 6. desrespeito aos direitos humanos no
de direitos humanos e continuar per- Observadas essas definições mundo, para se constatar a amplitu-
mitindo violações dos direitos prote- doutrinárias e jurisprudenciais, consi- de da missão de implementação prá-
gidos em seu território ou, ainda, pos- deramos, em essência, que a respon- tica dos direitos humanos.
tergar medidas duras de reforma de sabilidade internacional do Estado é Esse novo foco (implemen-
legislações e de instituições para pro- uma reação jurídica, qualificada como tação dos direitos protegidos) da pro-
mover e garantir os direitos de sua sendo instituição, princípio geral de teção internacional dos direitos huma-
população. Caso o Brasil mantenha direito, obrigação jurídica ou mesmo nos exige acurada análise da respon-
uma conduta inerte, será condenado situação jurídica pela doutrina e juris- sabilidade internacional do Estado. É
na Corte Interamericana e terá de prudência, pela qual o Direito Inter- graças ao instituto da responsabili-
implementar as sentenças, que podem nacional justamente reage às viola- dade internacional do Estado que
conter inclusive obrigações de refor- ções de suas normas, exigindo a pre- podemos observar como o Direito In-
ma de nossa Constituição. servação da ordem jurídica vigente ternacional combate as violações a
Assim sendo, a responsabili- por meio da reparação aos danos suas normas jurídicas e busca a re-
dade internacional do Estado ganha causados7. paração do dano causado. Portanto,

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a internacionalização da temática dos imputabilidade consiste no vínculo injustificadamente, na prevenção ou
direitos humanos implicou a concor- entre a conduta do agente e o Esta- repressão de violações realizadas por
dância com a responsabilização in- do responsável. particulares17. Nesse sentido, estabe-
ternacional dos Estados faltosos. Com efeito, o Estado comete leceu a Corte Interamericana de Direi-
Caberia, logo, a implementação prá- atos violadores do Direito Internacio- tos Humanos ser imputável ao Estado
tica dos citados direitos universais e nal por intermédio de pessoas e é toda violação de direitos reconhecidos
positivados por meio da respon- sempre necessário avaliar quais atos pela Convenção Americana de Direi-
sabilização do Estado infrator e de por elas cometidos podem vincular o tos Humanos realizada por ato do Po-
sua condenação à reparação do dano. Estado15. Essa operação de discrimi- der Público ou por pessoas ocupan-
Assim, o estudo da proteção nação entre os diversos fatos do tes de cargos oficiais18. Por outro lado,
internacional aos direitos humanos mundo fenomênico é consubstan- há dois aspectos críticos da respon-
está intimamente relacionado ao es- ciada no conceito jurídico de imputa- sabilidade internacional do Estado por
tudo da responsabilidade internacio- ção, que, longe de ser uma mera ope- ato do Poder Executivo que merecem
nal do Estado, pois tal responsa- ração causal natural, é simplesmen- atenção. O primeiro refere-se à con-
bilização é essencial para reafirmar a te o resultado de uma análise lógica duta de um agente público atuando
juridicidade das normas internacionais efetuada por uma regra de direito. A de modo ultra vires; o segundo diz
de direitos humanos. Com efeito, a imputação é um nexo jurídico e não respeito à ocorrência de um ato de
negação dessa responsabilidade natural entre determinado fato (ação particular, mas que é imputado ao Es-
acarreta a negação do caráter jurídi- ou omissão) e um Estado. Dessa for- tado pela omissão injustificada dos
co da norma internacional13. Além dis- ma, não há atividade própria de Es- agentes públicos.
so, a existência de regras de respon- tado, fruto da natureza das coisas. O ato ultra vires de determina-
sabilização para o Estado infrator tem Pelo contrário, a imputação de certa do órgão estatal deve ser atribuído
o efeito de evitar novas violações de conduta ao Estado é, antes de tudo, ao Estado em razão de sua própria
normas internacionais e, com isso, uma operação jurídica. Tal imputação conduta, ao escolher agente que ul-
assegurar o desenvolvimento das re- ocasiona a responsabilidade do Es- trapassou as competências oficiais
lações entre Estados com base na tado por violação de direitos huma- do órgão. Os funcionários exercem o
paz e na segurança coletiva. nos, não importando a natureza ou o poder somente porque estão a servi-
Destarte, o estudo da respon- tipo de ato. Conseqüentemente, mes- ço do Estado, que deve, então, res-
sabilidade internacional do Estado mo a decisão judicial transitada em ponder pela escolha daqueles19. O
também ganha importância na medi- julgado ou a norma constitucional Estado responde por ato ultra vires
da em que são justamente os meca- podem gerar a responsabilidade in- como conseqüência de estar o ato
nismos de responsabilização do Es- ternacional do Brasil. Conforme voto sob autoridade aparente do funcioná-
tado que conferem uma carga de do Juiz Cançado Trindade, cualquier
ineditismo e relevância aos diplomas acto u omisión del Estado, por parte
normativos internacionais de direitos de cualquier de los Poderes –
humanos 14. O Direito interno brasilei- Ejecutivo, Legislativo o Judicial – o
ro já reproduz, em linhas gerais, o rol agentes del Estado, independien-
internacional dos direitos humanos temente de su jerarquía, en violación
protegidos, devendo agora o estudo de un tratado de derechos humanos,
recair sobre as fórmulas internacionais genera la responsabilidad internacio-
que obrigam o Estado a proteger tais nal del Estado Parte en cuestión16. (...) o estudo da proteção
direitos. Veremos a seguir de que forma os
atos dos Poderes do Estado ensejam internacional aos direitos
2 OS ELEMENTOS DA a responsabilidade do Brasil. humanos está intimamente
RESPONSABILIDADE
INTERNACIONAL 3 ATOS OU OMISSÕES QUE relacionado ao estudo da
ACARRETAM A responsabilidade internacional
De acordo com a prática inter- RESPONSABILIZAÇÃO
nacional, são três os elementos da INTERNACIONAL DO ESTADO
do Estado, pois tal
responsabilidade internacional do responsabilização é essencial
Estado. O primeiro deles é a existên- 3.1 RESPONSABILIDADE para reafirmar a juridicidade
cia de um fato internacionalmente ilí- INTERNACIONAL PELA CONDUTA
cito. O segundo elemento é o resul- DO PODER EXECUTIVO, COM das normas internacionais de
tado lesivo. O terceiro é o nexo ENFOQUE ESPECIAL SOBRE OS direitos humanos. Com efeito,
causal entre o fato e o resultado le- ATOS ULTRA VIRES E A OMISSÃO
sivo. No caso da proteção internacio- EM FACE DE ATOS PARTICULARES a negação dessa
nal dos direitos humanos, o fato inter- responsabilidade acarreta a
nacionalmente ilícito consiste no São os atos do Estado-Admi-
descumprimento dos deveres bási- nistrador, quer comissivos ou omis- negação do caráter jurídico da
cos de garantia e respeito aos direi- sivos, que ensejam, em geral, a res- norma internacional.
tos fundamentais inseridos nas deze- ponsabilidade internacional por viola-
nas de convenções internacionais ção de direitos humanos, uma vez que
ratificadas pelos Estados. Já o resul- cabe ao Estado respeitar e garantir tais
tado lesivo é toda a gama de prejuí- direitos. Essas duas obrigações bási-
zos materiais e morais causados à cas ensejam a responsabilização do
vítima e familiares e, quanto ao ter- Estado quando seus agentes violam
ceiro elemento, observamos que a direitos humanos ou se omitem,

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rio ou como conseqüência de ter sido Nada impede que uma lei apro- Tentação de Cristo, no qual o Chile
praticado o ato (apesar de clara falta vada pelo Parlamento local viole os foi condenado pela Corte Inter-
de competência do agente para as- direitos humanos. Portanto, mesmo se americana de Direitos Humanos a al-
sim atuar) em virtude dos meios as leis tiverem sido adotadas de acor- terar o art. 19 de sua Constituição,
disponibilizados ao agente pelo Es- do com a Constituição, e em um Es- que violava a liberdade de expressão
tado20. A leitura dos casos internacio- tado democrático, isso não as exime garantida na Convenção Americana
nais de violações de direitos huma- do confronto com os dispositivos in- de Direitos Humanos 31. Assim, cami-
nos demonstra ser justamente a atua- ternacionais de proteção aos direitos nha-se para a mesma solução dada
ção ultra vires, abusiva e arbitrária, humanos 26. A razão de ser do Direito ao ato legislativo comum. As instân-
que acarreta, em geral, a responsa- Internacional dos Direitos Humanos é cias internacionais apreendem as leis
bilidade internacional por violação de justamente oferecer uma garantia sub- internas, inclusive as normas consti-
direitos protegidos 21. sidiária e mínima aos indivíduos, em tucionais, como meros fatos, analisan-
No caso de atos de particula- especial às minorias. do se houve ou não violação das obri-
res, observa-se que, em determina- Forma-se, então, o chamado gações internacionais assumidas pelo
das hipóteses, o ato de um mero par- “controle de convencionalidade de leis Estado32.
ticular pode acarretar a responsabili- perante o Direito Internacional dos
dade internacional do Estado. O pon- Direitos Humanos”. Há o crivo direto 3.3 RESPONSABILIDADE
to relevante é a responsabilização do de leis internas em face da norma- INTERNACIONAL PELA CONDUTA
Estado quando seus órgãos são omis- tividade internacional dos direitos DO PODER JUDICIÁRIO, COM
sos quanto à realização dos atos de humanos, na medida em que sua ENFOQUE ESPECIAL SOBRE A
particulares. Essa omissão consiste aplicação possa constituir violação de IMPUNIDADE DOS VIOLADORES
no descumprimento de um de dois um dos direitos assegurados pelos DOS DIREITOS
deveres: dever de prevenção ou de- tratados de direitos humanos27. No
ver de punição. Foi o que decidiu a caso Suárez Rosero, a Corte Inter- Para o Direito Internacional, o
Corte Interamericana de Direitos Hu- americana de Direitos Humanos es- ato judicial é um fato a ser analisado
manos no caso Godinez Cruz, in tabeleceu que o art. 114 do Código como qualquer outro33 . A respon-
verbis: Com efeito, um fato inicialmen- Penal equatoriano, ao privar os acu- sabilização internacional por violação
te não é imputável diretamente a um sados de tráfico ilegal de entorpecen- de direitos humanos pela conduta do
Estado, por exemplo, por ser obra de tes ilegais da garantia judicial da du- Poder Judiciário pode ocorrer em
um particular ..., pode acarretar a res- ração razoável do processo, violou o duas hipóteses: quando a decisão
ponsabilidade internacional do Esta- art. 2º da Convenção Americana de judicial é tardia ou inexistente (no
do, não por esse fato em si mesmo, Direitos Humanos. De modo inovador, caso da ausência de remédio judicial)
mas por falta da devida diligência para a Corte Interamericana de Direitos ou quando a decisão judicial é tida,
prevenir a violação (...)22. Essa devi- Humanos decidiu que a violação da no seu mérito, como violadora de di-
da diligência constitui um agir razoá- Convenção Americana de Direitos reito protegido 34.
vel para prevenir ou punir situações Humanos ocorre mesmo sem a apli- Na hipótese de decisão tardia,
de violação de direitos humanos 23. A cação concreta do citado art. 114. Ou argumenta-se que a delonga impede
prevenção consiste em medidas de seja, a Corte proferiu uma decisão uma prestação jurisdicional útil e efi-
caráter jurídico, político e administra- analisando, em abstrato, a compati- caz. A doutrina consagrou a expres-
tivo, que promovam o respeito aos bilidade de determinado dispositivo são “denegação de justiça” (ou déni
direitos humanos e que sancionem os legal com a Convenção Americana de de justice), que engloba tanto a
eventuais violadores24. Na falta des- Direitos Humanos28. O Estado é, as- inexistência do remédio judicial (re-
se agir razoável de prevenir ou punir sim, responsável pelos atos do legis- cusa de acesso ao Judiciário) como
o infrator, o Estado deve reparar os lador, mesmo quando não toma qual- as deficiências deste, o que ocorre,
danos causados, podendo, é claro, quer medida concreta de aplicação por exemplo, quando há demora na
cobrar regressivamente do particular da citada norma. Basta a possibili- prolação do provimento judicial devi-
que cometeu o ato. Um dos casos dade de aplicação da lei. E, no caso do ou quando inexistem tribunais35.
mais famosos contra o Brasil, nas ins- de ausência desta, a responsabilida- Um exemplo interessante de dene-
tâncias internacionais, o caso José de do Estado também é concretiza- gação de justiça analisado por órgãos
Pereira, é, na essência, de respon- da, tendo em vista o seu dever de internacionais de direitos humanos foi
sabilização internacional por ato de assegurar os direitos humanos. Bus- o caso Genie Lacayo, no qual a Nica-
particular. O Brasil reconheceu sua ca-se, com isso, o aumento da prote- rágua foi acusada pela Comissão
responsabilidade por ter-se omitido ção ao indivíduo, já que a mera edi- Interamericana de Direitos Humanos
em prevenir o trabalho escravo e por ção de lei (auto-aplicável ou não) de- de delonga injustificada na prolação
não ter conseguido punir os respon- monstra descumprimento da obriga- de sentenças contra os responsáveis
sáveis por essa prática odiosa, gra- ção internacional de prevenção, não pelo desaparecimento e morte de
ças à falência de nosso sistema de devendo ser esperada a concre- Jean Paul Genie Lacayo36. A Corte
justiça penal e do obsoletismo de tização do dano ao particular 29. considerou que a morosidade judicial
nossa estrutura legal de persecução Como conseqüência do já ex- (e conseqüente impunidade dos au-
penal25. posto, mesmo normas constitucionais tores do delito) violava a Convenção
podem ser sujeitas a um controle de Americana de Direitos Humanos 37.
3.2 RESPONSABILIDADE convencionalidade por parte de uma Já a segunda hipótese de vio-
INTERNACIONAL PELA CONDUTA instância internacional de direitos hu- lação de obrigação internacional por
DO PODER LEGISLATIVO: O manos, como ocorreu no caso Open ato judicial ocorre quando a decisão
CONTROLE DE Door and Dublin Well Woman, da Cor- judicial, em seu mérito, é injusta e vio-
CONVENCIONALIDADE DE LEIS E te Européia de Direitos Humanos30, ou la direito internacionalmente protegi-
DA CONSTITUIÇÃO no caso da censura ao filme A Última do. A hipótese abre espaço para uma

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valoração internacional do litígio dife- cessário que se assinale, de maneira tos humanos perpetrada pelo Poder
rente da valoração interna. clara, que, para o Direito Internacio- Judiciário deve ser aceita de maneira
Tal responsabilização do Esta- nal, há a constatação da responsabi- natural, mesmo diante de eventuais
do por ato judicial sempre foi tema lidade do Estado por violação de di- resistências internas.
explosivo e merecedor de críticas. reitos humanos, em virtude de qual- Resta analisar o sensível tema
Alega-se que não depende do Poder quer fato a ele imputável, quer judi- da impunidade, relacionado por cer-
Executivo a “aceleração” de proces- cial ou não, devendo o Estado to com a atividade judicial criminal.
sos judiciais demorados (no caso de implementar a reparação porventura Impunidade, conforme o conceito da
delonga) ou a reforma de decisões acordada. Assim, o órgão internacio- Corte Interamericana de Direitos Hu-
judiciais consideradas “injustas”, em nal que constata a responsabilidade manos, é a falta, em seu conjunto, de
virtude das normas constitucionais internacional do Estado não possui o investigação, persecução criminal,
instituidoras da separação dos Pode- caráter de um tribunal de apelação ou condenação e detenção dos respon-
res. Tais alegações são encontradas cassação, contra o qual possa ser sáveis pelas violações de direitos
em diversas passagens de manifes- oposta a exceção da coisa julgada 40. humanos44.
tações de Estados, em especial no Logo, quando analisa a responsabili- A Conferência Mundial de Di-
campo ora em estudo, da responsa- dade internacional do Estado não fica reitos Humanos de Viena de 1993 dis-
bilidade internacional por violação de sujeito às limitações de um tribunal cutiu profundamente a impunidade,
direitos humanos. Por exemplo, no nacional (que deve respeitar a coisa que serve como estímulo certo de
caso Villagrán Morales (o caso dos julgada local), mas somente àquelas novas violações. No § 60 do Progra-
meninos de rua), a Guatemala, Esta- impostas pelo Direito Internacional 41. ma de Ação, ficou estipulado que os
do-réu, alegou, em sua defesa quan- Afinal, uma análise mais acu- Estados devem ab-rogar leis con-
to à violação do art. 25 da Conven- rada do instituto da coisa julgada, que ducentes à impunidade de pessoas
ção Americana de Direitos Humanos fundamenta a pretensa imutabilidade responsáveis por graves violações de
(direito à proteção judicial), que tal das decisões internas, demonstra a direitos humanos, como a tortura, e
violação fora ocasionada pelo Poder impossibilidade de utilizarmos tal ins- punir criminalmente essas violações,
Judiciário, o qual seria “independen- tituto em sede internacional, já que proporcionando, assim, uma base
te” do Poder Executivo. Todavia, não seria necessária a identidade de par- sólida para o Estado de Direito 45. Com
é o Poder Executivo o ente responsa- tes, pedido e causa de pedir entre a isso, existe o dever do Estado de re-
bilizado por descumprimento de obri- causa local e a causa internacional, o primir a impunidade por todos os
gação internacional, mas sim o Esta- que não ocorre. Na jurisdição interna- meios legais disponíveis, evitando a
do como um todo, no qual se inclui, cional, as partes e o conteúdo da con- repetição crônica das violações de
por certo, também o Poder Judiciá- trovérsia são, por definição, distintos direitos humanos. Para dissipar qual-
rio. Por sua vez, decidiu a Corte dos da jurisdição interna. Nesta, ana-
Interamericana de Direitos Humanos lisa-se se determinado indivíduo vio-
que es un principio básico del lou lei interna, por exemplo, cometen-
derecho de la responsabilidad inter- do certo delito, enquanto na jurisdi-
nacional del Estado, recogido por el ção internacional discute-se a possí-
Derecho Internacional de los Derechos vel conduta violadora do Estado dian-
Humanos, que todo Estado es inter- te de suas obrigações internacionais,
nacionalmente responsable por todo tendo o Direito Internacional como Para o Direito Internacional, o
y cualquier acto u omisión de nova causa de pedir, podendo gerar
cualesquiera de sus poderes u decisão internacional oposta à deci- ato judicial é um fato a ser
órganos en violación de los derechos são judicial interna. analisado como qualquer
internacionalmente consagrados 38.No Portanto, as instâncias interna-
mesmo sentido, sustentou o Juiz cionais não reformam a decisão inter- outro. A responsabilização
Cançado Trindade, em voto concor- na, mas sim condenam o Estado in- internacional por violação de
rente, que la distribución de frator a reparar o dano causado 42. No
competencias entre los poderes y caso Cesti Hurtado, a Corte Inter-
direitos humanos pela
órganos estatales, y el principio de la americana de Direitos Humanos refu- conduta do Poder Judiciário
separación de poderes, aunque sean tou a exceção preliminar de coisa pode ocorrer em duas
de la mayor relevancia en el ámbito julgada apresentada pelo Estado pe-
del derecho constitucional, no ruano. De fato, o Peru argumentou que hipóteses: quando a decisão
condicionan la determinación de la a pena privativa de liberdade impos- judicial é tardia ou inexistente
responsabilidad internacional de un ta ao senhor Cesti Hurtado revestia-
Estado Parte en un tratado de se do manto da imutabilidade, já que (no caso da ausência de
derechos humanos 39. a sentença penal condenatória tran- remédio judicial) ou quando a
Quanto ao caso da decisão ju- sitara em julgado. Considerou o Peru
dicial injusta ou contrária aos direitos tal sentença como irreversível, deven- decisão judicial é tida, no seu
humanos, é comum a alegação de do a Corte arquivar o caso. Entretan- mérito, como violadora de
respeito à coisa julgada como escu- to, a Corte reconheceu que, para o
sa à responsabilização do Estado por Direito Internacional dos Direitos Hu- direito protegido.
violação de direitos humanos. Essa manos, não há identidade de deman-
escusa baseia-se no caráter imutável das, como visto acima, sendo impos-
que adquire uma sentença judicial sível a alegação de res judicata 43.
transitada em julgado, insuscetível, Com isso, a possibilidade de
por definição, de ser alterada por nova um Estado ser condenado internacio-
apreciação do caso. Todavia, é ne- nalmente a reparar violação de direi-

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quer dúvida, trago à colação impor- A reparação é conseqüência gente e dos lucros cessantes. Atual-
tante passagem de sentença da Cor- maior do descumprimento de uma mente, discute-se uma nova concep-
te Interamericana de Direitos Huma- obrigação internacional. Logo, aque- ção de lucros cessantes e danos
nos, na qual foi realçado que o Esta- le Estado que descumpriu obrigação emergentes, que seria mais adequa-
do tem a obrigação de combater tal internacional prévia deve reparar os da à dimensão da proteção internacio-
situação [impunidade] por todos os danos causados53. nal dos direitos humanos. Essa nova
meios legais disponíveis, já que a Por reparação entenda-se toda concepção denomina-se “projeto de
impunidade propicia a repetição crô- e qualquer conduta do Estado infra- vida” e vem a ser o conjunto de op-
nica das violações de direitos huma- tor para eliminar as conseqüências do ções que pode ter o indivíduo para
nos e a total falta de defesa das víti- fato internacionalmente ilícito, o que conduzir sua vida e alcançar o desti-
mas e de seus familiares46. compreende uma série de atos, inclu- no a que se propõe56. Esse conceito
Logo, talvez para espanto de sive as garantias de não-repetição. é distinto do conceito de dano emer-
alguns, a ação penal é considerada Com isso, o retorno ao status quo ante gente, já que não corresponde à le-
um dever fundamental do Estado, é a essência da reparação, mas não são patrimonial derivada imediata e
especialmente necessário para a pre- exclui outras fórmulas de reparação diretamente dos fatos. Quanto aos
venção de crimes contra os direitos do dano causado. lucros cessantes, observamos que
humanos, na medida em que seus A necessidade de reparação foi estes se referem à perda de ingres-
violadores não mais terão a certeza amplamente mencionada em diversos sos econômicos futuros, o que é pos-
da impunidade47. Desse modo, a in- textos internacionais de direitos hu- sível quantificar a partir de certos in-
vestigação de fatos e a persecução manos. Com efeito, a Declaração Uni- dicadores objetivos. Já o projeto de
criminal dos responsáveis por viola- versal de Direitos Humanos, peça- vida diz respeito a toda realização de
ções de direitos humanos decorrem chave no arcabouço internacional pro- um indivíduo, considerando-se, além
da obrigação de assegurar o respei- tetor dos direitos humanos, estabele- dos futuros ingressos econômicos,
to a esses direitos. No Brasil, Flávia ce que toda pessoa vítima de viola- todas as variáveis subjetivas, como
Piovesan sustenta que, (...) em um ção de sua esfera juridicamente pro- vocação, aptidão, potencialidades e
Estado democrático de Direito, a víti- tegida tem direito a um recurso efeti- aspirações diversas, que permitem
ma de um crime tem o direito funda- vo perante os tribunais nacionais, para razoavelmente determinar as expec-
mental à proteção judicial, não poden- a obtenção de reparação. No seio da tativas de alcançar o projeto em si.
do a lei excluir da apreciação do Po- Organização das Nações Unidas, Assim, as violações de direi-
der Judiciário lesão ou ameaça a di- cite-se o trabalho desenvolvido por tos humanos interrompem o previsí-
reito (como prevê a própria Constitui- Theo Van Boven, relator especial da vel desenvolvimento do indivíduo,
ção, no artigo 5º, XXXV)48. Ensina, Comissão de Direitos Humanos para mudando drasticamente o curso de
com a habitual maestria, a citada Pro- a redação de resolução contendo os sua vida, impondo muitas vezes cir-
fessora: Ao princípio do livre acesso Princípios Básicos do Direito à Repa- cunstâncias adversas que impedem
ao Poder Judiciário conjuga-se o de- ração das Vítimas de Violações de a concretização de planos que alguém
ver do Estado de investigar, proces- Direitos Humanos e do Direito Inter- formula e almeja realizar. A existên-
sar e punir aqueles que cometeram nacional Humanitário54. cia de uma pessoa vê-se alterada
delitos 49 . Sendo assim, o Estado Inicialmente, a vítima tem o di- por fatores estranhos a sua vontade,
pode ser também responsabilizado reito de exigir do autor do ato interna- que lhe são impostos de modo arbi-
pela omissão em punir, o que carac- cionalmente ilícito a restitutio in trário, muitas vezes violento, e invaria-
terizaria denegação de justiça, com integrum, ou seja, o retorno ao status velmente injusto, com violação de
o nascimento da sua responsa- quo ante. Essa forma de reparação é seus direitos protegidos e quebra da
bilização internacional. A ausência de considerada pela doutrina e jurispru- confiança que todos possuem no Es-
punição aos agressores geraria, no dência internacional a melhor fórmula tado (agora violador de direitos hu-
mínimo, um dano moral à vítima ou a na defesa das normas internacionais, manos), criado justamente para a
seus familiares 50. Nesse diapasão, a já que permite a completa eliminação busca do bem comum.
Corte Interamericana de Direitos Hu- da conduta violadora e de seus efei- Por outro lado, o Direito Inter-
manos já decidiu que a ausência de tos. Busca-se, prioritariamente, por nacional não aceita a impossibilida-
investigação por parte das autorida- meio dos mecanismos da responsa- de do Direito interno como justificati-
des públicas gera um sentimento de bilidade internacional do Estado, o va para o não-cumprimento da repa-
insegurança, frustração e impotência, retorno à situação internacional ante- ração. Pelo contrário, exige-se a adap-
o que concretiza o dano moral 51. rior à violação constatada 55. No caso tação do Direito interno e a elimina-
É necessário mencionar que a de violações de direitos humanos, a ção das barreiras normativas nacio-
obrigação de investigar e punir é uma primazia do retorno ao status quo ante nais com vistas à plena execução da
obrigação de meio e não de resulta- é de grande importância, já que os reparação exigida. No sistema inter-
do, conforme já reconheceu reitera- direitos protegidos referem-se, por americano de proteção dos direitos
damente a Corte Interamericana de definição, a valores fundamentais à humanos, o Juiz Cançado Trindade
Direitos Humanos. Assim, provado dignidade humana, sendo difícil a declarou em voto concorrente que no
que o Estado brasileiro, por meio do preservação desses valores pelo uso existe obstáculo o imposibilidad jurí-
Ministério Público, desempenhou a de fórmulas de equivalência pecu- dica alguna a que se apliquen
contento seu mister, mesmo com o fra- niária. Tais fórmulas, então, só devem directamente en el plano de Derecho
casso das investigações, o Estado não ser utilizadas como ultima ratio, quan- interno las normas internacionales de
será responsabilizado por isso52. do o retorno ao statu quo ante for im- protección, sino lo que se requiere es
possível. la voluntad (animus) del poder públi-
4 A REPARAÇÃO A eliminação de todos os efei- co (sobretodo el judicial) de aplicarlas,
4.1 CONCEITO E RESTITUIÇÃO NA tos da violação é uma tarefa hercúlea, en medio a la comprensión de que
ÍNTEGRA que leva à reparação do dano emer- de ese modo se estará dando expre-

58 R. CEJ, Brasília, n. 29, p. 53-63, abr./jun. 2005


sión concreta a valores comunes su- rar, mas também pelas formas tradi- ver a obrigação de incluir em manuais
periores, consustanciados en la cionais que assume 60. escolares textos relatando as viola-
salvaguardia eficaz de los derechos Logo, podemos citar três mo- ções de direitos humanos. Por seu
humanos 57. dalidades distintas de satisfação ad- turno, a preocupação com a educa-
mitidas na prática histórica do Direito ção e a saúde dos filhos das vítimas
4.2 A CESSAÇÃO DO ILÍCITO Internacional. tem gerado interessantes obrigações
A primeira é relativa à declara- de fazer, tais quais as observadas no
O Estado violador de obriga- ção da infração cometida e possível caso Aloeboetoe, no qual a Corte
ção internacional deve interromper demonstração de pesar pelo fato. Interamericana de Direitos Humanos
imediatamente sua conduta ilícita, Nessa categoria incluem-se as obri- determinou a abertura de um posto
sem prejuízo de outras formas de re- gações do Estado violador de reco- médico e escolar na comunidade in-
paração. A cessação da conduta nhecer a ilegalidade do fato e decla- dígena à qual pertenciam as vítimas63.
violadora do Direito Internacional é rar seu pesar quanto ao ocorrido.
considerada exigência básica para A segunda modalidade consis- 4.4 INDENIZAÇÃO
a completa eliminação das conse- te na fixação de somas nominais e
qüências do fato ilícito internacional, indenização punitiva, os chamados No caso de a violação não po-
podendo servir como preservação do “punitive damages”, nos casos de der ser completamente eliminada pelo
comando da norma primária median- sérias violações de obrigação inter- retorno ao status quo ante, deve o
te a utilização das normas secun- nacional. O valor a ser pago, então, Estado violador indenizar pecuniaria-
dárias da responsabilidade internacio- seria proporcional à gravidade da mente a vítima pelos danos causados.
nal do Estado 58. ofensa. No caso das violações de di- A indenização tem-se mostra-
Com efeito, a violação de nor- reitos humanos, cabe aqui a ressalva do como a forma corrente de repara-
ma de Direito Internacional pode de que toda a quantia apurada deve ção de violação de direitos humanos,
ensejar, se aceita pelo Estado lesa- ser revertida à vítima. porque possibilita reparar a lesão por
do e pelos Estados da comunidade A terceira modalidade refere-se meio do pagamento de valores
internacional, uma modificação do às diversas obrigações de fazer, não pecuniários64.
próprio Direito Internacional. Nesse inclusas nas categorias acima men- A indenização deve ser utiliza-
sentido, a cessação da conduta ilí- cionadas, que permitem um amplo da como forma complementar à resti-
cita interessa a todos os Estados que leque de escolha ao juiz internacio- tuição na íntegra, se esta última for
não desejem a alteração da norma nal, como veremos a seguir 61. insuficiente para reparar os danos
internacional para o sentido obtido De fato, há uma série de obri- constatados. Como já vimos, a inde-
pela violação. Assim, em termos teó- gações de fazer que servem para re- nização só deve ser aplicada como
ricos, a cessação da conduta ilícita parar adequadamente as vítimas de
está na encruzilhada entre as normas violações de direitos humanos, sen-
primárias e as normas secundárias do abarcadas pelo elástico conceito
de responsabilidade internacional do de satisfação visto acima.
Estado. A primeira delas é a reabili-
No caso de violações de direi- tação, que vem a ser o apoio médi-
tos humanos, como o de detenção co e psicológico necessário às víti-
arbitrária ou ilegal, é certo que o tem- mas de violações de direitos huma-
po de prisão influenciará na repara- nos. A reabilitação pode ser feita
ção dos danos materiais e morais mediante reinserção da vítima no Com efeito, a violação de
sofridos pelo detento. Como exemplo meio social, através do retorno a seu
de reparação mediante a cessação trabalho, com a anulação de todos os norma de Direito Internacional
do ilícito, cite-se o caso Loayza registros desabonadores oriundos da pode ensejar, se aceita pelo
Tamayo, no qual a Corte Interame- violação constatada de seus direitos.
ricana de Direitos Humanos decidiu No caso Loayza Tamayo, a vítima Estado lesado e pelos Estados
pela libertação da Sra. Maria Elena solicitou que a Corte Interamericana da comunidade internacional,
Loayza Tamayo em um prazo razoá- de Direitos Humanos ordenasse sua
vel. A Corte prolatou sua decisão em reincorporação a todas as atividades uma modificação do próprio
17 de setembro de 1997, atestando a docentes de caráter público que exer- Direito Internacional. Nesse
ilegalidade da detenção da Sra. cia antes de sua detenção ilegal. A
Tamayo, e, em 16 de outubro de 1997, Corte decidiu, então, que o Peru está
sentido, a cessação da conduta
o Estado peruano cumpriu tal deci- obrigado a realizar todas as gestões ilícita interessa a todos os
são, libertando a vítima 59. necessárias para reincorporar a víti- Estados que não desejem a
ma a suas atividades docentes ante-
4.3 SATISFAÇÃO riores à detenção. Também ordenou alteração da norma
a anulação de quaisquer anteceden- internacional para o sentido
A satisfação é considerada tes penais da vítima, estabelecendo,
como um conjunto de medidas, além disso, que nenhum efeito nega- obtido pela violação.
aferidas historicamente, capazes de tivo poderia ser-lhe oposto em virtu-
fornecer fórmulas extremamente fle- de de sua detenção 62.
xíveis de reparação a serem esco- A segunda espécie de obriga-
lhidas, em face dos casos concre- ção de fazer vista na prática interna-
tos, pelo juiz internacional. Então, a cional é o estabelecimento de datas
satisfação não é definida somente comemorativas em homenagem às
pelas formas de dano que visa repa- vítimas. Finalmente, é possível pre-

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forma de reparação caso seja cons- No tocante ao tema em estu- pulação da defesa dos direitos huma-
tatada a impossibilidade material do do, vê-se que, diante da gravidade nos pode erodir a legitimidade do
retorno ao status quo ante. Somente das condutas de violação de direitos tema no cenário internacional73.
quando for impossível o gozo do di- humanos, pode ser fixado o dever do Por outro lado, as sanções co-
reito ou liberdade violados, deve a Estado de investigar e punir os res- letivas são aquelas oriundas de or-
indenização ser o conteúdo da repa- ponsáveis pelas violações, de modo ganizações internacionais e visam
ração devida65. a evitar a impunidade e prevenir a coagir os Estados infratores a cum-
No caso Suárez Rosero, por ocorrência de novas violações. Tal prir obrigações internacionais viola-
exemplo, a Corte Interamericana de objetivo de prevenção da ocorrência das. Cabe a cada organização inter-
Direitos Humanos decidiu ser impos- de novas violações insere o chama- nacional identificar a violação da obri-
sível o retorno ao estado anterior, vis- do “dever de investigar, processar e gação internacional pelo Estado infra-
to ser a demanda relativa ao direito à punir” como forma de garantia de não- tor e adotar as medidas de reação e
liberdade e a um processo de dura- repetição. suas formas de implementação74. Por
ção razoável. Logo, a violação de tais A Corte Interamericana de Di- sanções das organizações internacio-
direitos foi reparada, no entender da reitos Humanos, no célebre caso nais entenda-se toda medida adota-
Corte, pelo pagamento de uma justa Velásquez Rodriguez, sustentou que da em reação à violação prévia de
indenização. Segundo aquele órgão, tal dever de investigar, processar e obrigação internacional, quer tenha
es evidente que en el presente caso punir é fruto do disposto no art. 1.1 a medida caráter de mera retorsão
la Corte no puede disponer que se da Convenção Americana de Direitos (ou seja, danosa aos interesses do
garantice al lesionado en el goce de Humanos 69. Ora, tal artigo impõe aos Estado infrator, porém lícita aos olhos
su derecho o libertad conculcados. Estados a obrigação de garantir o res- do Direito Internacional) ou de repre-
En cambio, es procedente la repara- peito aos direitos protegidos pela sálias (medida que seria ilícita, caso
ción de las consecuencias de la Convenção, o que significa dizer que não houvesse sido tomada em rea-
situación que ha configurado la cabe aos Estados prevenir a ocorrên- ção ao comportamento ilícito anterior
violación de los derechos específicos cia de novas violações. do Estado infrator) 75.
en este caso, que debe comprender Assim, o “dever de investigar, No caso interamericano, que
una justa indemnización y el resar- processar e punir” imposto corriquei- interessa ao Brasil, cabe lembrar que
cimiento de los gastos en que la ramente aos Estados contratantes da o golpe haitiano foi o impulso final
victima o sus familiares hubieran Convenção pela Corte Interamericana para a redação do Protocolo de
incurrido en las gestiones relaciona- de Direitos Humanos, desde os cha- Washington de 14 de dezembro de
das con este proceso 66. mados casos hondurenhos, é moda- 1992, que reformou a Carta da OEA.
Essa impossibilidade material lidade de “garantia de não-repetição”. Graças a esse Protocolo, deu-se nova
existe também no tocante à repara- Conforme já expus em livro redação ao art. 9º da Carta, permitin-
ção dos danos morais. Na clássica anterior, a questão da investigação e do suspender qualquer Estado mem-
decisão do caso Lusitânia, a decisão punição enquanto reparação especí- bro cujo governo tenha sido destituí-
final sustentou a existência de danos fica de violação de direitos humanos do pela força, por maioria de dois ter-
morais, salientando que o fato de se- aponta para a necessidade de pre- ços76.
rem difíceis de mesurar em termos venção de futuros abusos. Como se No Direito Internacional dos
monetários não os tornam menos sabe, uma sociedade que esquece Direitos Humanos, o termo “sanção”
reais e nem proporcionam uma razão suas violações presentes e passadas é aplicado também à chamada “pres-
pela qual a vítima ou seus familiares de direitos humanos está fadada a são moral ou social” (mobilisation de
não possam ser compensados, ao repeti-las70. Para Jete Jane Fiorati, a la honte), tanto por parte de Estados
menos financeiramente67. Corte demonstrou, assim, que é de- quanto por parte da denominada “opi-
ver dos Estados prevenir, investigar nião pública mundial”. Tal sanção
4.5 AS GARANTIAS DE NÃO- e punir as violações dos direitos con- social, usando a expressão de
REPETIÇÃO sagrados na Convenção71. Lattanzi, consiste na pressão moral
ou política de grupos de Estados, em
As garantias de não-repetição 5 AS SANÇÕES face de outros Estados77 em que pese
consistem na obtenção de salvaguar- não ser vinculante, pode ser útil para
das contra a reiteração da conduta A comunidade internacional convencer o Estado infrator a adotar
violadora de obrigação internacio- pode lançar mão de sanções para medidas reparadoras de violação dos
nal. Sendo assim, as garantias de coagir o Estado a respeitar os direi- direitos humanos.
não-repetição não são aplicáveis a tos humanos, alçados agora ao status
todo fato internacionalmente ilícito, so- de obrigação internacional. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
mente quando existe a possibilidade A sanção unilateral ou contra-
da repetição da conduta. medida é conduta de um Estado, que, A responsabilidade internacio-
É importante ainda ressaltar se não fosse justificada como reação nal do Estado brasileiro por violação
que todas as outras formas de repa- à prévia violação de obrigação inter- de direitos humanos deixou de ser um
ração também possuem, de maneira nacional por parte de outro Estado, tema para “iniciados” e passou a
reflexa, um aspecto preventivo. O seria, por seu turno, ilícita em face do constar da agenda nacional, em es-
caráter autônomo dessa forma de re- Direito Internacional 72. O uso de pecial após o reconhecimento da ju-
paração repousa na sua natureza ex- contramedidas na defesa de direitos risdição obrigatória da Corte Inter-
clusivamente preventiva de novos humanos é polêmico e questionável, americana de Direitos Humanos.
comportamentos ilícitos, sendo, por pois surge o perigo do abuso de Urge, assim, a conscientização de
outro lado, uma verdadeira forma de poder por parte de Estados mais for- todos os agentes públicos, e, entre
reparação, pois exige uma prévia vi- tes, redundando em seletividade e eles, os magistrados, da necessida-
olação de obrigação internacional68. double standard. Tal risco de mani- de de cumprimento dos compromis-

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sos internacionais assumidos pelo indemonstrável ‘competência nacional livre e pleno exercício dos direitos huma-
Brasil, especialmente a Convenção exclusiva’. nos. (Corte Interamericana de Direitos
Americana de Direitos Humanos, de (TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Humanos, caso Godinez Cruz - Mérito,
A proteção internacional dos direitos sentença de 20 de jan. de 1989, Série C,
modo a evitar futuras condenações da humanos: Fundamentos e instrumentos n. 5, § 176, tradução livre. Ver os
Corte Interamericana de Direitos Hu- básicos. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 3). comentários aos casos contenciosos e
manos. Os mais de cem casos con- 10 Sobre o processo de internacionalização consultivos da Corte Interamericana de
tra o Brasil perante a Comissão do tema de direitos humanos, ver Direitos Humanos. In: RAMOS, André de
Interamericana de Direitos Humanos TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Carvalho. Direitos humanos em juízo. São
mostram a necessidade da adoção Tratado de Direito Internacional dos direitos Paulo: Max Limonad, 2001).
de medidas imediatas voltadas a pre- humanos. V. 1. Porto Alegre: Sérgio 18 Para a Corte Interamericana de Direitos
Antônio Fabris, 1997. RAMOS, André de Humanos, es, pues, claro que, en
venir novas violações e a reparar os
Carvalho. Teoria geral dos direitos principio, es imputable al Estado toda
danos causados às vítimas. humanos na ordem internacional. Rio de violación a los derechos reconocidos por
Janeiro: Renovar, 2005 (no prelo). la Convención cumplida por un acto del
REFERÊNCIAS 11 De acordo com Bobbio, não se trata de poder público o de personas que actúan
saber quais e quantos são esses direitos, prevalidas de los poderes que ostentan
qual é sua natureza e seu fundamento, por su carácter oficial. In Corte Interame-
1 É o que expõe Combacau, afirmando que se são direitos naturais ou históricos, ricana de Direitos Humanos, caso
La responsabilité, en droit international, absolutos ou relativos, mas sim qual é o Velasquez Rodriguez, sentença de 29 de
comme ailleurs, consiste dans la mise à la modo mais seguro para garanti-los, para jul. de 1988, Série C, n. 4, § 172, p. 70.
charge d’un sujet d’une obligation de impedir que, apesar das solenes decla- 19 ANZILOTTI, Dionisio. Cours de Droit
réparer les conséquences d’un dommage. rações, eles sejam continuamente International. Trad. de Gilbert Gidel. Paris :
COMBACAU, Jean; SUR, Serge. Droit violados. (BOBBIO, Norberto. A era dos Sirey, 1929. p.75.
International Public. 2. ed. Paris: direitos. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. 20 Sobre o ato ultra vires, ver RAMOS,
Montchrestien, 1995. p. 673. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 25) Responsabilidade internacional... op. cit.,
2 RAMOS, André de Carvalho. Respon- 12 Consta do §13 da Declaração de Viena: p.159 e ss.
sabilidade internacional por violação de Os Estados e as organizações interna- 21 A Corte Interamericana de Direitos
direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, cionais, em regime de cooperação com Humanos considerou ser um princípio do
2004. as organizações não-governamentais, Direito Internacional a responsabilização
3 Para Cohn, Un État ne peut pas avoir le devem criar condições favoráveis nos do Estado pelos atos ultra vires de seus
droit d’accomplir envers d’autres un acte níveis nacional, regional e internacional agentes. Segundo a Corte, (...) é um
qu’il ne veut pas tolérer de leur part. Ce para garantir o pleno e efetivo exercício princípio de Direito Internacional que o
fait implique un élement purement logique, dos direitos humanos. Os Estados devem Estado responde pelos atos de seus
qui peut être très utile pour la constatation eliminar todas as violações de direitos agentes realizados amparados por suas
de la responsabilité internationale. COHN, humanos e suas causas, bem como os funções oficiais e pelas omissões dos
M.G. La théorie de la responsabilité obstáculos à realização desses direitos. mesmos, mesmo se atuaram fora dos
internationale, 68 Recueil des Cours de 13 No mesmo sentido expõe enfaticamente limites de suas competências ou em
l’Académie de Droit Internationale de la Eustathiades: On n’a jamais songé à nier violação ao Direito interno. Corte Inter-
Haye (1939), p. 270. cette responsabilité sans nier en même americana de Direitos Humanos, caso
4 De acordo com Dupuy, C´est précisement temps le caractère obligatoire du d.i” Velasquez Rodriguez, sentença de 29 de
parce que tous jouissent formellement (EUSTATHIADES, Constantin T. Les sujets jul. de 1988. Série C, n.4, § 170, p. 70,
d´une égale souveraineté que chacun a du Droit International et la responsabilité tradução livre.
le droit de demander à l´autre de “répondre” internationale: nouvelles tendances, 84 22 Corte Interamericana de Direitos Huma-
de ses actes, c´est-à-dire d´être Recueil des Cours de l’Académie de Droit nos, caso Godinez Cruz, sentença de 20
responsable. DUPUY, Pierre-Marie. La International de La Haye (1953), p. 403). de jan. de 1989. Série C, n. 5, § 182, p.
responsabilité internationale des États, 188 Por sua vez, Max Huber estabeleceu, em 74, tradução livre.
Recueil des Cours de l´Academie de Droit seu laudo arbitral no caso das reclama- 23 Este é o ensinamento mencionado no voto
International de La Haye (1984), p.109. ções britânicas no atual Marrocos, que: dissidente conjunto de Cançado Trindade,
5 Corte Permanente de Justiça Interna- La responsabilité est le corollaire nécessaire Aguiar-Aranguren e Picado Sotela, para
cional, caso S.S. Wimbledon, P.C.I.J Series du droit. Touts droits d’ordre international os quais, a devida diligência impõe aos
A, n. 1, 1923, p.15. ont pour conséquence une responsabilité Estados o dever de prevenção razoável
6 Corte Permanente de Justiça Interna- internationale. Ver Affaire des biens naquelas situações – como agora sub
cional, case concerning the factory at britanniques au Maroc espagnol . In: judice – que podem redundar, inclusive
Chorzów (Jurisdiction), sentença de 26 de Recueil des Sentences Arbitrales, publi- por omissão, na supressão da inviola-
jul. de 1927, P.C.I.J. Series A, n. 9, p. 21, e cação da Organização das Nações bilidade do direito à vida. (Corte Inter-
Corte Permanente de Justiça Interna- Unidas, vol. 2. p. 641. americana de Direitos Humanos, caso
cional, case concerning the factory at 14 RAMOS. Responsabilidade internacio- Gangaram Panday, sentença de 21 de
Chorzów (Merits), julgamento de 13 de nal..., op. cit., p. 20. jan. de 1994, Série C, n. 16, voto dissidente
Set. de 1928, P.C.I.J. Series A, n. 17, p. 15 SHAW, Malcolm. International Law. 3rd. ed. conjunto dos juízes Antônio Augusto
29. Cambridge: Grotius Publications / Cançado Trindade, Asdrúbal Aguiar-
7 RAMOS, op. cit., p. 74. Cambridge University Press, 1995. p. 488. Aranguren e Sonia Picado Sotela, p. 35,
8 RAMOS, André de Carvalho. Processo 16 Corte Interamericana de Direitos Huma- tradução livre).
internacional de direitos humanos – nos, caso La Última tentación de Cristo, 24 Nesse diapasão, cite-se que, no caso
análise dos sistemas de apuração de voto concorrente do Juiz Cançado Velasquez Rodriguez, decidiu a Corte
violações dos direitos humanos e a Trindade, sentença de mérito de 5 de fev. Interamericana de Direitos Humanos que
implementação das decisões no Brasil. de 2001, Série C, n. 73, § 40. el deber de prevencion abarca todas
Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 25. 17 De fato, conforme já reconheceu a Corte aquellas medidas de carácter jurídico,
9 Para Cançado Trindade, o desenvol- Interamericana de Direitos Humanos, a político, administrativo y cultural que
vimento histórico da proteção interna- obrigação de garantir o livre e pleno promevan la salvaguarda de los derechos
cional dos direitos humanos gradualmente exercício dos direitos humanos não se humanaos y que aseguren que las
superou barreiras do passado: compreen- esgota na existência de uma ordem eventuales violaciones a los mismos sean
deu-se, pouco a pouco, que a proteção normativa teórica, mas sim abrange efectivamente considereadas y tratadas
dos direitos básicos da pessoa humana também a necessidade de uma conduta como un hecho ilicito que, como tal, es
não se esgota, como não poderia esgotar- governamental que assegure a existência, susceptible de acarrear sanciones para
se, na atuação do Estado, na pretensa e na realidade, de uma eficaz garantia do quien las cometa, asi como la obligación

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de indemnizar a las víctimas por sus 2º da Convenção Americana de Direitos sentença de mérito, sentença de 19 de
consecuencias perjudiciales (...). (Corte Humanos. (TRINDADE, Antônio Augusto nov. de 1999, § 221).
Interamericana de Direitos Humanos, Cançado. Thoughts on recent 39 Corte Interamericana de Direitos
Caso Velasquez Rodriguez, sentença de developments in the case-law of the Inter- Humanos, caso La Última Tentación de
29 de jul. de 1988, Série C, n. 4, § 175, American Court of Human Rights: Cristo, voto concorrente do Juiz Cançado
p.71). selected aspects. In: American Society Trindade, sentença de mérito de 5 de fev.
25 Ver o caso José Pereira, envolvendo a of International Law - Proceedings of the de 2001, Série C, n. 73, § 40.
omissão em investigar e punir os respon- 92nd Annual Meeting, Abr. - 1998, p. 200). 40 RAMOS, Responsabilidade internacional
sáveis pela submissão de trabalhador à 30 Corte Européia de Direitos Humanos, caso por violação..., op. cit., p.181.
condição análoga de escravo. No mês Open Door and Dublin Well Woman versus 41 Como exemplo, há a possibilidade de
de outubro de 2003, em audiência em Irlanda, julgamento de 29 de out. de 1992, alegação da exceção de coisa julgada
Washington, o Brasil ratificou perante a Série A, n. 246, § 80. internacional, quando o caso concreto de
Comissão Interamericana de Direitos 31 Corte Interamericana de Direitos violação de direitos humanos já tiver sido
Humanos da Organização dos Estados Humanos, caso La Última Tentación de apreciado em outra instância interna-
Americanos (OEA) os termos do Acordo Cristo, sentença de mérito de 5 de fev. de cional, como abordado em obra anterior
de Solução Amistosa alcançado no caso 2001, Série C, n. 73, § 40. sobre mecanismos coletivos de averi-
José Pereira vs. Brasil. No acordo 32 Nesse sentido, a Corte Interamericana de guação da responsabilidade internacional
celebrado pelo Brasil com os repre- Direitos Humanos estabeleceu que no do Estado por violação de direitos
sentantes da vítima, ficou reconhecida a âmbito internacional, o que interessa humanos. (RAMOS, Processo interna-
responsabilidade estatal pela violação de determinar é se uma lei viola as obrigações cional de direitos humanos..., op. cit.,
direitos reconhecidos em tratados interna- internacionais assumidas por um Estado p.275 e ss).
cionais de direitos humanos dos quais em virtude de um tratado. (Corte Intera- 42 RAMOS, Responsabilidade internacional
Brasil é parte, tendo sido também mericana de Direitos Humanos, Parecer por violação..., op. cit., p. 182-183.
assumidos compromissos de combate ao Consultivo sobre certas atribuições da 43 Corte Interamericana de Direitos Huma-
trabalho escravo e concessão de inde- Comissão Interamericana de Direitos nos, caso Cesti Hurtado, Exceções
nização à vítima em tela. Foi editada, na Humanos – arts. 41, 42, 44, 46, 47, 50 e preliminares, sentença de 26 de jan. de
esteira do acordo, a Lei n. 10.706/2003, 51, Parecer n. 13/94, de 16 de jul. de 1999, Série C, n. 49, § 47.
cujo art. 1º dispõe: Art. 1o Fica a União 1994, Série A, n. 13, § 30, p. 14). 44 Corte Interamericana de Direitos Huma-
autorizada a conceder indenização de R$ 33 No sentido do texto, ver VERDROSS, nos, caso Paniagua Morales y otros,
52.000,00 a José Pereira Ferreira, portador Alfred. Derecho Internacional Público. sentença de 8 de março de 1998, Série
da carteira de identidade RG no 4.895.783 Trad. de A. Truyol y Serra, Madrid: Aguilar, C, n. 37, § 173.
e inscrito no CPF sob o n. 779.604.242- 1957. p. 281. 45 No § 91 do Programa de Ação de Viena,
68, por haver sido submetido à condição 34 Para Cançado Trindade, é possível que estabeleceu-se que a Conferência
análoga à de escravo e haver sofrido os órgãos de supervisão venham a Mundial sobre Direitos Humanos vê com
lesões corporais, na fazenda denominada ocupar-se, no exame dos casos con- preocupação a questão da impunidade
Espírito Santo, localizada no Sul do Estado cretos, e.g., de erros de fato ou de direito dos autores de violações de direitos
do Pará, em setembro de 1989. cometidos pelos tribunais internos, na humanos e apoia os esforços empre-
26 Para a Corte, então, poderiam ser medida em que tais erros pareçam ter endidos pela Comissão de Direitos
mencionadas situações históricas nas resultado em violação de um dos direitos Humanos e pela Comissão de Prevenção
quais alguns Estados promulgaram leis de assegurados pelos tratados de direitos da Discriminação e Proteção de Minorias,
conformidade com sua estrutura jurídica, humanos. (TRINDADE, A incorporação.., no sentido de examinar todos os aspectos
mas que não ofereceram garantias op. cit., p. 216). da questão.
adequadas para o exercício dos direitos 35 No mesmo sentido, De Vissher preleciona 46 Corte Interamericana de Direitos Huma-
humanos, impondo restrições inacei- que le déni de justice, stricto sensu, est nos, caso Paniagua Morales y otros,
táveis, ou simplesmente desconside- constitué par le refus d’accès aux sentença de 8 de mar. de 1998, Série C,
rando-os. (Corte Interamericana de tribunaux ou par les retards ou entraves n. 37, § 173.
Direitos Humanos Parecer Consultivo injustifiés opposés au plaideur étranger. 47 No sentido do texto, já apontava o mestre
sobre certas atribuições da Comissão (DE VISSHER, Charles, Le déni de justice Accioly, em clássico estudo da década
Interamericana de Direitos Humanos – en droit international, 52 Recueil des Cours de 50, a possibilidade da responsa-
arts. 41, 42, 44, 46, 47, 50 e 51 –, Parecer de l’Academie de Droit International de La bilização internacional do Estado por
n. 13/94, de 16 de jul. de 1994, Série A, n. Haye, 1935, p. 388). ausência de diligência na busca pela
13, § 28, p. 13, tradução livre. Ver maior 36 Corte Interamericana de Direitos Huma- punição do indivíduo culpado. Segundo o
análise sobre esse Parecer. In: RAMOS, nos, caso Genie Lacayo, sentença de 29 jurista brasileiro, L’État pourra être
Direitos humanos em juízo..., op. cit., p. de jan. de 1997, § 80, p.23. responsable aussi du manque de diligence
430 e ss). 37 Para a Corte, até a atualidade em que, en ce qui concerne la punition de l’individu
27 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado todavia, não foi pronunciada sentença coulpable. (ACCIOLY, Hildebrando.
(Org.). A incorporação das normas final, transcorreram-se mais de cinco anos Principes généraux de la responsabilité
internacionais de proteção dos direitos de processo, lapso que esta Corte internationale d’après la doctrine et la
humanos no Direito brasileiro. Brasília/São considera que ultrapassa os limites de jurisprudence, 96 Recueil des Cours de
José : IIDH, 1996. p. 216. razoabilidade previstos no artigo 8.1 da l’Académie de Droit International de La
28 O § 98 da sentença da Corte Interame- Convenção. (Corte Interamericana de Haye (1959). p. 405).
ricana de Direitos Humanos é revelador Direitos Humanos, caso Genie Lacayo, 48 PIOVESAN, Flávia. Imunidade parla-
desta tendência: 98 (...) A Corte observa, sentença de 29 de jan. de 1997, § 81, p. mentar: prerrogativa ou privilégio, Folha
ademais, que, a seu juízo, essa norma 23, tradução livre). Ver mais sobre o caso. de São Paulo, p. A3, 4 de jul. de 2001.
per se viola o artigo 2 da Convenção In: RAMOS, Direitos humanos em juízo..., Nesse artigo, Piovesan combate a
Americana, independentemente de que op. cit., p. 237 e ss. existência da imunidade processual
tenha sido aplicada ao presente caso. 38 Para a Corte Interamericana de Direitos parlamentar para crime comum, modi-
(Corte Interamericana de Direitos Huma- Humanos, de lo expuesto se colige que ficada pela Emenda Constitucional n. 35.
nos, caso Suárez Rosero, sentença de Guatemala no puede excusarse de la 49 Idem.
12 de nov. de 1997, § 98, p. 30, tradução responsabilidad relacionada con los actos 50 RAMOS, Responsabilidade internacional
livre). u omisiones de sus autoridades judiciales, por violação..., op. cit., p.191.
29 Não podemos deixar de mencionar que ya que tal actitud resultaría contraria a lo 51 Na sentença de reparação do caso de
Cançado Trindade considera esse caso dispuesto por el artículo 1.1 en conexión Nicholas Blake (jornalista norte-americano
como uma cause célèbre do sistema con los artículos 25 y 8 de la Convención. vítima de desaparecimento forçado na
interamericano, pois concretiza o dever (Corte Interamericana de Direitos Huma- Guatemala), a Corte Interamericana de
de prevenção constante nos arts. 1º e nos, caso Villagrán Morales y otros, Direitos Humanos considerou que a

62 R. CEJ, Brasília, n. 29, p. 53-63, abr./jun. 2005


omissão na investigação e punição processo deve produzir efeito legal ABSTRACT
acarreta dano moral. (Corte Interame- algum, do qual emerge a anulação de
ricana de Direitos Humanos, caso Blake, todos os antecedentes respectivos.
Reparações, sentença de 22 de jan. de (Corte Interamericana de Direitos The author analyses the advances of
1999, Série C, n. 48, § 57. Ver mais Humanos, caso Loayza Tamayo , the State international liability for violations of
comentários sobre esse caso em RAMOS, Reparações, sentença de 27 de nov. de human rights, both in theory and practice. In
Direitos humanos em juízo..., op. cit.). 1998, Série C, n. 42, § 122, tradução order to achieve that, he describes the
52 Ramos, Responsabilidade internacional livre. Ver mais comentários sobre esse characteristic elements of such violations, as
por violação..., op. cit., p.192. caso em RAMOS, direitos humanos em well as possible forms of recovery and
53 Nesse sentido, a Corte Permanente de juízo..., op. cit.). punishment.
Justiça Internacional decidiu que a 63 Corte Interamericana de Direitos Huma- He affirms that, in Brazil, the matter
responsabilidade internacional do Estado nos, caso Aloeboetoe y otros - was inserted into the national agenda after the
acarreta a reparação do dano sofrido. Reparações, sentença de 10 de set. de acknowledgment of the mandatory jurisdiction
Para a Corte, it is a principle of 1993, Série C, n. 15, § 96. p. 39. Ver of the Inter-American Court of Human Rights.
international law that the breach of an mais comentários sobre esse caso Hence, the author states to be urgent all public
engagement involves an obligation to RAMOS, Direitos humanos em juízo..., agents’ awareness of the need to fulfill the
make reparation in an adequate form. op. cit. international commitments taken over by Brazil
(Corte Permanente de Justiça Inter- 64 RAMOS, Responsabilidade internacional and the adoption of measures in order to
nacional, Case concerning the factory por violação..., op. cit., p. 285 e ss. prevent new violations as well as repair damages
at Chorzów, Publications P.C.I.J., Série 65 No caso, foi presumida a morte do to the victims.
A, n. 17, julgamento de 13 set. de 1928. estudante Manfredo Velasquez. (Corte
p. 47). Interamericana de Direitos Humanos, KEYWORDS – International Law; State;
54 Texto original E/CN.4/Sub.2/1993/8, caso Velasquez Rodriguez, sentença liability; Inter-American Court of Human Rights;
denominado “Basic principles and de 28 de jul. de 1988. Série C, n.4, § American Convention of Human Rights; human
guidelines on the right to reparation for 189, p. 78). rights; sanction; repair.
victims of [Gross] violations of human 66 Corte Interamericana de Direitos Huma-
rights and international humanitarian nos, caso Suáres Rosero, sentença de
Law”. Texto revisado E/CN.4/1997/104. 12 de nov. de 1997, § 108, p. 31-32.
Cabe salientar que a Subcomissão de 67 Reports of International Arbitral Awards -
Prevenção de Discriminação e Proteção RIAA, The Lusitania - United States And
de Minorias decidiu, em sua Resolução Germany Mixed Claims Commission, v.
1996/28, enviar o texto revisado do 7, p. 35 e ss.
projeto de resolução de Theo Van Boven 68 RAMOS, Responsabilidade internacional
à Comissão de Direitos Humanos para por violação... op. cit., p. 290 e ss.
sua consideração. A Comissão, por seu 69 Artigo 1º - Obrigação de respeitar os
turno, pediu comentários aos Estados, direitos. 1. Os Estados-partes nesta
tendo sido publicado o conjunto deles Convenção comprometem-se a respeitar
no documento E/CN.4/1998/34. os direitos e liberdades nela reconhecidos
55 RAMOS, Responsabilidade internacional e a garantir seu livre e pleno exercício a
por violação ..., op. cit., p. 252 e ss. toda pessoa que esteja sujeita à sua
56 A Corte Interamericana de Direitos jurisdição, sem discriminação alguma, por
Humanos reconheceu esse conceito de motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião,
“projeto de vida” em sua recente sentença opiniões políticas ou de qualquer
de reparação no caso Loayza Tamayo. natureza, origem nacional ou social,
(Corte Interamericana de Direitos Huma- posição econômica, nascimento ou
nos, caso Loayza Tamayo, Reparações, qualquer outra condição social.
sentença de 27 de nov. de 1998, Série 70 RAMOS, Direitos humanos em juízo, op.
C, n. 42, §§ 144-154). cit., p. 145.
57 Corte Interamericana de Directos Huma- 71 FIORATI, Jete Jane. A evolução jurispru-
nos, caso La Última Tentación de Cristo, dencial dos sistemas regionais interna-
voto concorrente do Juiz Cançado cionais de proteção aos direitos
Trindade, sentença de mérito de 5 de humanos. Revista dos Tribunais, v. 84, p.
fev. de 2001, Série C, n. 73, § 40. 20, dez. 1995.
58 RAMOS, Responsabilidade internacional 72 RAMOS, Responsabilidade internacional
por violação..., op. cit., p. 267. por violação..., p. 327 e ss.
59 Nessa recente sentença de 17 de 73 Remiro-Brotóns ensina que, (...) sin
setembro de 1997, a Corte constatou a avances institucionales, cuya progresión
violação dos direitos estabelecidos nos es mucho más dificultosa (...) podrían
arts 5º, 7º, 8.1, 8.2, 8.4 e 25, combinados aparecer cabalgando falsos llaneros
com o art. 1.1 da Convenção. (Corte solitarios – un papel al alcance sólo de
Interamericana de Direitos Humanos, los Estados mas fuertes – ocultando en
caso Loayza Tamayo, sentença de 17 la silla, con la envoltura de principios
de set. de 1997). superiores, intereses particulares.
60 RAMOS, Responsabilidade internacional REMIRO-BROTONS, Antonio. Derecho
por violação..., op. cit., p. 270 e ss. International Público. Principios
61 Corte Interamericana de Direitos Huma- fundamentales. Madrid: Tecnos, 1982. p.
nos, caso Aloeboetoe e outros- Repa- 64.
rações, sentença de 10 de set. de 1993, 74 RAMOS, Responsabilidade internacional
Série C, n. 15. por violação..., op. cit., p. 316.
62 Para a Corte, (...) o Peru está obrigado a 75 Idem, p. 394.
adotar todas as medidas de direito interno 76 Idem, p. 397.
que sejam oriundas da declaração de 77 LATTANZI, Flavia. Garanzie dei diritti dell’
que o segundo processo ao qual foi uomo nel diritto internazionale generale. André de Carvalho Ramos é Procurador
submetida a vítima foi violatório da Milano: Giuffrè , 1983. p. 61. Regional da República e Professor do
Convenção. Por esse motivo, nenhuma Curso de Mestrado da Universidade
resolução adversa emitida neste Artigo recebido em 16/1/2005. Bandeirante, em São Paulo-SP.

R. CEJ, Brasília, n. 29, p. 53-63, abr./jun. 2005 63

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