Você está na página 1de 50

INTRODUÇÃO

A disciplina Introdução à Gerontologia visa contribuir na formação do tecnólogo em


Gerontologia, abordando temas e conceitos referentes ao processo do envelhecimento e
longevidade, teorias e fisiologia do envelhecimento, envelhecimento populacional e o impacto
sócio econômico, política nacional da saúde e estatuto do idoso. Também, será contemplado o
suporte social e familiar na velhice, qualidade de vida na terceira idade, capacidade funcional
do idoso, o trabalho em equipe multidisciplinar na atenção à saúde do idoso, promoção de
saúde no envelhecimento e cuidados paliativos. A disciplina contemplará ainda o estudo para
reconhecimento de atividades nas diferentes alterações que acometem o idoso.
Iniciaremos o estudo de Introdução à Gerontologia, que tem por objetivo apresentar conteúdos
referentes ao processo de envelhecimento e que servirão para embasar sua aprendizagem e
formação acadêmica e crítica como futuro tecnólogo em gerontologia.
Em um primeiro momento, apresentaremos os conceitos de envelhecimento, velhice, velho,
idoso, terceira idade; visto que a forma como essas representações foram construídas
socialmente, influencia a maneira como enxergamos, encaramos e valorizamos o processo de
envelhecimento. Sendo assim:
• Envelhecimento: processo dinâmico e progressivo, pautado por modificações morfológicas,
funcionais, bioquímicas e psicológicas que determina a perda da capacidade de adaptação
culminando em maior vulnerabilidade e incidência de processos patológicos que ocasionam a
morte (PAPALÉO NETTO, 2007).
• Velhice: fase da vida marcada pela idade avançada, presença de deficiências e perdas
biológicas que causam a redução da capacidade funcional, aumentam a fragilidade e
impotência do indivíduo e assim, ocasionam a perda dos papéis sociais, solidão e perdas
psicológicas, motoras e afetivas (PAPALÉO NETTO, 2007).
• Velho: conjunto de atribuições e transformações negativas ligadas à estagnação e perdas que
levam a ruptura e ao isolamento e que significam um final de vida, falta de capacidade
pessoal, necessidade de cuidados e incapacidades (DIAS, 1998).
• Idoso: denominação oficial de todos os indivíduos que tenha sessenta anos de idade ou mais
(OMS, 2005).
• Terceira idade: termo utilizado para determinar uma fase da vida, entre aposentadoria e
envelhecimento, caracterizada pelo envelhecimento ativo e independente, voltado para a
integração e a autogestão (PEIXOTO, 1998).
Ao analisar os termos anteriores, verificamos a presença de valores sociais positivos e
negativos atribuídos em seus significados o que facilita a compreensão dos motivos que levam
o envelhecimento ser um tema de difícil discussão na sociedade, apesar de ser algo inevitável
à vida humana.
O aumento da longevidade criou demandas políticas e sociais que necessitaram reverter o
processo de depreciação do velho, sendo necessários ajustes nas representações sociais para
promover à inclusão social dessa nova população a sociedade. De acordo com Rodrigues e
Soares (2006), a introdução dos termos idosos e terceira idade trouxeram o estabelecimento
de novas necessidades e aspirações aos indivíduos com mais idade, fazendo com que as
características de incompetência, dependência e incapacidade física e mental fossem
substituídas por uma autoimagem positiva, com práticas de atenção e cuidados com a saúde,
vida social ativa, exercícios de cidadania e a busca pela qualidade de vida.
Os autores, ainda afirmam que, com essa nova forma de ver o envelhecimento o indivíduo
torna-se responsável pela sua própria forma de envelhecer, e que tal responsabilidade
contribui com o aparecimento de angústias e culpas pelo seu envelhecimento (RODRIGUES;
SOARES, 2006). Dessa forma, a inserção de novas terminologias em nada contribuiu para a
modificação da construção social do envelhecimento, visto que ainda são enraizadas nas
representações sociais pejorativas dos séculos 19 e 20.
Porém, a partir do momento que nos colocamos como atores sociais, cabe um novo estudo,
compreensão e discussão dessas terminologias, visto que são elas que determinam a forma
como a sociedade encara e constrói suas políticas públicas e assistenciais. Portanto, é
necessária a desconstrução dessa imagem depreciativa do envelhecimento, visto que esse não
é homogêneo e sim individualizado e particular a cada ser humano.
Com o objetivo de realizar essa desconstrução, surge a Gerontologia, o qual se refere ao
segundo ponto importante a ser apresentado a você nessa introdução.
A Gerontologia configura-se como disciplina do século 20, direcionando-se para um “olhar
especializado para os chamados aspectos psicossociais da velhice” ao buscar integrar o estudo
do corpo envelhecido aos hábitos, práticas e necessidades sociais e psicológicas dos velhos.
Assim, ela amplia a interpretação do processo de envelhecimento ao torná-lo multidisciplinar,
interdisciplinar e transdisciplinar (SILVA, 2008).
No Brasil, a Gerontologia, tem avançado devido à problematização de questões relacionadas
ao envelhecimento, sendo o profissional dotador de uma visão interdisciplinar e integrada que
possibilita compreender, criar, gerir, desenvolver e avaliar formas de apoio aos idosos e seus
cuidadores por meio da gestão da atenção e da capacidade de desenvolver políticas públicas,
serviços e programas educativos voltados a essa população.
De acordo com Pereira (2008, p.4):
[...] no plano abstrato, um gerontólogo saberá menos de medicina e de cuidados de saúde do
que um médico ou enfermeiro; e menos de psicologia do que um psicólogo; e também menos
de sociologia e serviço social do que um sociólogo ou assistente social; todavia, também no
plano abstrato, está mais habilitado que qualquer um deles para elaborar e desenvolver
atividades relacionadas com os idosos e o envelhecimento, numa perspectiva holística do
ciclo de vida. A partir desse princípio, o autor refere que as áreas de intervenção do
gerontólogo estão ligadas a promoção de cuidados, do envelhecimento ativo, do
envelhecimento produtivo, do desenvolvimento de políticas e programas relativos ao
envelhecimento e à velhice com vista aos contornos políticos, sociais, econômicos e culturais
dessa nova demografia.
Porém, deve-se ter cuidado ao promover essa forma de velhice ativa e saudável, pois como já
dito anteriormente o processo de envelhecimento é único a cada indivíduo e não pode ser
atrelado a fatores negativos.
Sendo assim, o terceiro ponto a ser abordado refere-se à visão dos presentes autores sobre os
termos velhice, velho, idoso e terceira idade que serão utilizados, ao longo da obra, como
sinônimos e representativos do processo de envelhecimento que é visto, como algo decorrente
das transformações físicas, mentais, psicológicas e sociais vivenciadas por cada indivíduo ao
longo do seu desenvolvimento e amadurecimento sem encargos sociais e culturais citados
anteriormente.
Com base nas perspectivas apresentadas, a presente obra foi elaborada para introduzir o
conhecimento sobre o processo de envelhecimento apresentando na Unidade 1 uma trajetória
histórica por meio dos conceitos, teorias e transformações fisiológicas advindas do
desenvolvimento humano.
No decorrer dos nossos estudos abordaremos os temas referentes à transformação social e
política decorrente dessa transição demográfica e suas implicações nas políticas públicas e
nos tipos de assistência à saúde do idoso, respectivamente.
Serão trabalhados também os conceitos relacionados à qualidade de vida, suporte familiar e
cuidados paliativos; capacidade funcional, envelhecimento ativo e saudável de forma a
promover a compreensão desses não sob o paradigma saúde/doença.
Agora, convido você a iniciar o aprendizado e a discussão, porém, não se esqueça de que
quanto maior for seu empenho, maior será a aprendizagem e a capacidade de discutir e formar
opiniões sobre o envelhecimento e a velhice.
UNIDADE 1
ENVELHECIMENTO: CONCEITOS BÁSICOS, TEORIAS E FISIOLOGIA.
Objetivos
• Conhecer os principais conceitos relacionados ao envelhecimento.
• Entender as principais alterações fisiológicas no ser humano decorrentes do processo de
envelhecimento.
• Compreender e discutir as teorias do envelhecimento.
Conteúdos
• Transição demográfica e epidemiológica.
• Envelhecimento ativo.
• Envelhecimento biológico.
• Alterações fisiológicas do envelhecimento.
• Teorias do envelhecimento.
• Teorias biológicas do envelhecimento (acúmulo de erros, limite de Hayflick, desequilíbrio
gradual, ligações cruzadas, restrição calórica).
• Teorias sociais do envelhecimento (do Desengajamento, da Atividade, da Modernização, da
Subcultura, da Continuidade, da Troca, da Estratificação por Idade e Político-econômica do
Envelhecimento, do Construcionismo Social, da Crítica e da Perspectiva de Curso de Vida).

1. INTRODUÇÃO
A partir deste momento, iniciaremos a Introdução à Gerontologia, para tanto, apresentaremos
uma breve conceituação sobre o processo de envelhecimento populacional e suas teorias
biológicas e sociais.
2. TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA E EPIDEMIOLÓGICA
Como já dito anteriormente, a Gerontologia constituiu-se como ciência no século 20 e tem por
objetivo estudar o envelhecimento como uma especialidade transversal que aborda o processo
em seus aspectos físicos, biológicos, psíquicos, emocionais, sociais, culturais, ambientais,
políticos e econômicos para, assim, intervir em todos os contextos do idoso (PAVARINI et
al., 2005).
A Gerontologia se constitui como ciência devido ao processo de transição demográfica,
fenômeno representado pelas modificações nas taxas de fecundidade, mortalidade e
expectativa de vida, que, juntas, contribuíram para o aumento do número de velhos na
sociedade.
De acordo com o Banco Mundial (2011), tais mudanças começaram no Brasil por volta de
1940, quando iniciou o registro de queda nas taxas de mortalidade infantil e aumento da
expectativa de vida ao nascer, que passaram de 135/1.000 para 20/1.000 e de 50 anos para 73
anos entre 1950 e 2010, respectivamente. Veja o Gráfico 1 e a seguir a Tabela 1:
Gráfico 1 Taxa de mortalidade infantil, segundo as Grandes Regiões 1930/2010.

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1940/2000 e Projeção da População das Unidades da


Federação por Sexo e Idade para o Período 2000-2030.
Tabela 1 Expectativa de vida ao nascer, segundo as Grandes Regiões 1930/2010.

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1940/2010.


Tais modificações também foram percebidas nas taxas de fecundidade, que tiveram seus
índices em queda e, assim, o número de filhos por unidade familiar passou de seis para no
máximo duas crianças entre 1940 e 2010, conforme o Gráfico 2.
Gráfico 2 Taxa de mortalidade infantil, segundo as Grandes Regiões 1930/2010.

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1940/2000 e Projeção da População das Unidades da


Federação por Sexo e Idade para o Período 2000-2030.
Com a diminuição dos números de nascimentos e de mortes e o aumento dos anos de vida, há
o início da inversão da pirâmide populacional, que passará a ter sua base estreitada e seu pico
alargado, visto que o número de idosos passa de 2,6 milhões em 1950 para 19,6 milhões em
2010, uma representatividade de 10,2% da população total brasileira (BANCO MUNDIAL,
2011).
O Gráfico 3 ilustra essa transição e também demonstra um aumento ainda maior no número
dos idosos, tendo em vista as projeções de crescimento em torno de 3,2% ao ano, resultando
assim em 64 milhões de idosos em 2050, que representarão 29,7% da população total.
Gráfico 3 Estrutura relativa da população, por sexo e idade no Brasil 1940/2050.

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1940/2000 e Projeção da População das Unidades da


Federação por Sexo e Idade para o Período 2000-2030.
Essa perspectiva de envelhecimento da população brasileira traz consigo grandes perigos com
relação à saúde, economia e políticas públicas, pois não é apenas o número de pessoas que é
alterado, mas também as condições de vida e principalmente de saúde.
De acordo com Chaimowicz (2013), as transformações nos padrões de saúde da população
podem ser divididas em três fases: a primeira refere-se à substituição das causas de morte, de
doenças transmissíveis por não transmissíveis (DCNT) e causas externas; a segunda fase
corresponde ao deslocamento da morbimortalidade dos grupos mais jovens para os grupos
mais idosos e a terceira fase é composta pela transformação de uma situação de predomínio da
mortalidade para outra em que a morbidade é dominante.
De acordo com o autor, no Brasil a transição epidemiológica é evidenciada pelo declínio dos
índices de mortalidade de algumas doenças específicas, como as doenças infecciosas, que em
1930 representavam 46% dos óbitos e hoje correspondem a 5%, e os óbitos por causas
externas (agressão e acidentes), que representavam menos de 3% e hoje são 18%
(CHAIMOWICZ, 2013).
Assim, essas transformações vêm sendo percebidas nos últimos 40 anos, quando as doenças
infectocontagiosas deram lugar às DCNT, com suas etiologias incertas, múltiplos fatores de
risco, longos períodos de latência, cursos prolongados, origem não infecciosa, além de
estarem associadas a deficiências e incapacidades funcionais, sendo exemplificadas pelas
neoplasias, doenças respiratórias crônicas, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares
(cerebrovasculares, isquêmicas), entre outras (OMS, 2003).
Tais doenças causam uma sobrecarga nos serviços de saúde, pois necessitam de
acompanhamento médico e de equipes multidisciplinares permanentes e intervenções
contínuas, o que contribui para o aumento dos custos no setor. Conforme apresentado por
Peixoto et al. (2004), em 2001 a população idosa correspondia a apenas 14,3% da população
adulta brasileira, porém representava 33,5% das internações hospitalares e 37,7% dos recursos
pagos pelo SUS. Observe a Tabela 2.
Tabela 2 Habitantes, internações hospitalares, recursos pagos e razão custo/habitante no
âmbito do Sistema Único de Saúde, segundo faixa etária – Brasil, 2001.
Faixa etária Habitantes Internações Recursos pagos (R$ Razão
(anos) 1.000,00) custo/ hab.
Número % Número % Valor %
20-59 88.396.190 85,7 4.272.768 66,5 1.883.724 62,3 0,7
60-69 8.289.329 8,0 930.855 14,5 521.974 17,3 2,2
70-79 4.578.329 4,4 786.717 12,2 414.592 13,7 3,1
80 + 1.854.174 1,8 435.522 6,8 203.601 6,7 3,7
Total de 60 14.721.832 14,3 2.153.094 33,5 1.140.167 37,7 2,6
+
TOTAL 103.118.022 100,0 6.425.862 100,0 3.023.891 100,0 -
Fonte: Peixoto et al. (2001, p. 242).
Sendo assim, verificamos que o processo de transição demográfica leva ao processo de
transição epidemiológica, que se refere às modificações dos padrões de morbidade, invalidez
e morte que caracterizam uma população.

Figura 1 Transição epidemiológica.


A partir dessa transformação e do aparecimento das doenças crônicas, evidencia-se o
surgimento de duas novas terminologias, “envelhecimento biológico” e “envelhecimento
ativo”.
3. ENVELHECIMENTO BIOLÓGICO E ENVELHECIMENTO ATIVO:
ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS
O envelhecimento biológico é caracterizado pelo acúmulo de danos moleculares e celulares
que, com o passar do tempo, levam à perda gradual nas reservas fisiológicas e aumentam o
risco de contrair doenças que contribuem para o declínio geral da capacidade do indivíduo
(MORAES, 2008).
Já o envelhecimento ativo surgiu ao final da década de 1990, devido à compreensão do
processo de envelhecer como algo além dos cuidados com a saúde, tornando o idoso um ser
participativo nas decisões com relação a sua saúde e segurança (OMS, 2005). Tal
terminologia será aprofundada no decorrer de nossos estudos, porém podemos ter em mente
que:
[...] O objetivo do envelhecimento ativo é aumentar a expectativa de vida saudável e a
qualidade de vida para todas as pessoas que estão envelhecendo, inclusive as que são frágeis,
fisicamente incapacitadas e que requerem cuidados (OMS, 2005, p. 13).
Apesar das diferenças sociais e culturais envolvidas em cada uma das terminologias, ambas
apresentam e discutem a velhice com base em indicadores de saúde referentes a órgãos,
tecidos e sistemas que, em conjunto, trabalham para manter a homeostase corporal. Sendo
assim, os envelhecimentos biológico e ativo lidam com as alterações fisiológicas do corpo,
que podem ser encaradas como algo negativo ou positivo, respectivamente.
Algumas das primeiras alterações fisiológicas percebidas estão diretamente relacionadas com
a pele (epiderme e derme), como: prejuízos na cicatrização; susceptibilidade a lesões e
infecções; diminuições na tensão da pele, na capacidade proliferativa (regeneração), na
microvascularização e na percepção sensorial. Também podem ser notadas alterações em
estruturas relacionadas à audição, devido à diminuição da capacidade de ouvir frequências
sonoras mais altas; ao paladar, devido à degeneração e à diminuição de papilas gustativas; ao
olfato, devido à redução mucociliar, o que dificulta a discriminação dos odores; à visão, por
causa da redução do diâmetro e da velocidade pupilar, da diminuição da gordura retro-ocular
e das disfunções dos músculos extraoculares.
Alterações nos sistemas cardiovascular, respiratório, renal, hepatobiliar, nervoso, imunológico
e osteomioarticular também são percebidas durante o processo de envelhecimento.
Segundo Amorim e Pessoa (2014), as alterações fisiológicas contribuem para o aparecimento
de algumas síndromes geriátricas, sendo as principais, e que serão estudadas ao longo da sua
formação, definidas pelos autores como as “5i”: instabilidade postural e quedas no idoso;
incontinência urinária; insuficiência cerebral; iatrogenia; imobilidade. Veja o Quadro 1.
Quadro 1 Envelhecimento dos principais sistemas fisiológicos.
Em virtude de todas as alterações sofridas, o bem-estar e a funcionalidade do idoso são
diretamente afetados e, com isso, há impacto negativo na autonomia (capacidade individual
de decisão e comando sobre as ações, estabelecendo e seguindo as próprias regras) e
independência (capacidade de realizar algo com os próprios meios), gerando dificuldade para
o indivíduo cuidar de si mesmo.
De acordo com Moraes (2008), as alterações na homeostase corporal provocam alterações na
funcionalidade global do indivíduo ao interferir na cognição, humor, mobilidade e
comunicação, que, juntas, influenciam diretamente na capacidade do idoso em desempenhar
suas atividades de vida diárias (Figura 2).

4. TEORIAS DO ENVELHECIMENTO
Verifica-se então que a determinação do envelhecimento não é algo exclusivamente
cronológico, mas sim algo influenciado por fatores biológicos e sociais, o que originou
propostas teóricas que buscam explicar essa fase da vida.
As teorias biológicas do envelhecimento são divididas em “genético-desenvolvimentista” e
“estocásticas” e baseiam-se na ótica do declínio e degeneração das funções e estruturas dos
sistemas orgânicos e das células que influenciam diretamente na resposta do organismo frente
às alterações ambientais, que deixam, assim, o corpo mais vulnerável. Na Figura 3, é
apresentado um esquema que demonstra como essas teorias são organizadas e as suas ideias
principais.

Já as teorias sociais do envelhecimento consideram que essa fase impacta os fatores


econômicos, culturais e estruturais da sociedade e, assim, buscam estudar a maneira como o
indivíduo se ajusta à sociedade e como esta determina o processo de envelhecimento. São
divididas em três gerações:
• Primeira geração (1949-1969): explicam os padrões ótimos e os nãos funcionais de ajuste do
indivíduo idoso frente a sua sociedade. São divididas em Teoria do Desengajamento, da
Atividade, da Modernização e da Subcultura.
• Segunda geração (1970-1985): considera que o envelhecimento é influenciado pela maneira
como a sociedade se organiza, pela agenda política e pelo posicionamento dos indivíduos na
hierarquia social, ou seja, o meio social influencia diretamente no processo.
São divididas em Teoria da Continuidade, do Colapso de Competência, da Troca, da
Estratificação por Idade e Político-econômica do Envelhecimento.
• Terceira geração (década de 1990): propõe que o idoso é um ser ativo e contribuinte para o
seu próprio mundo.
Sendo assim, envelhecer é um processo baseado em experiências e altamente influenciado
pelas condições do entorno. Assim, são as Teorias de Construcionismo Social, a Crítica e a de
Perspectiva de Curso de Vida.
Observe a Figura 4.

De acordo com Caldas (2007), a Teoria do Desengajamento explica o envelhecimento


humano como uma fase em que há o afastamento social do velho dos demais seres sociais, o
que contribui com sua exclusão e passividade na sociedade. Em contrapartida, a Teoria da
Atividade propõe que quanto mais ativo o idoso for, maior o seu nível de satisfação e
reconhecimento social e, assim, ele deve buscar novos papéis ocupacionais em substituição
aos abandonados.
Já a Teoria da Modernização reflete que o local social do idoso é determinado pelo seu
relacionamento com os sistemas de papéis sociais e o grau de industrialização/modernização,
variando entre as sociedades. Ou seja, o nível de conhecimento e o grau de modernização da
sociedade são inversamente proporcionais à importância social do idoso. Enquanto isso, a
Teoria da Subcultura reflete que os idosos desenvolvem sua própria subcultura devido a toda
essa exclusão e às políticas segregacionistas e de crenças (CALDAS, 2007).
A mesma autora apresenta que a Teoria da Continuidade sustenta que as
transformações/adaptações realizadas pelos adultos de meia-idade e os mais velhos permitem
preservar suas estruturas internas e externas e, assim, manter-se sociais.
Por conseguinte, a Teoria do Colapso de Competência é relacionada à influência que as
mensagens negativas sobre a competência e a velhice têm a respeito de autoconceito,
independência e saúde.
Caldas (2007) ainda relata que a Teoria da Troca busca explicar o distanciamento do idoso da
interação social, o que está diretamente relacionado à visão negativa do envelhecimento.
Por último, a Teoria da Estratificação por Idade consistiria na avaliação da igualdade do
envelhecimento em determinada população separada conforme o período histórico
vivenciado; já a Teoria Político-econômica do Envelhecimento foca em como o Estado
explica a situação do velho frente à economia em uma sociedade capitalista (exemplo:
programas sociais).
A terceira geração de teorias sociais consistiria em um reconhecimento da participação ativa
dos indivíduos na criação e manutenção de significados que produzem uma realidade e
influenciam diretamente na vida dos demais atores sociais (Teoria do Construcionismo
Social); ou consistiria na emancipação da dominação através dos valores e interesses humanos
(Teoria Crítica); ou no somatório dos princípios de influência que as regras da sociedade têm
sobre as maneiras de envelhecer e o curso de vida, considerando a continuidade da interação
social em todas as fases do ser humano e a influência que as forças sociais têm sobre os
indivíduos (Teoria da Perspectiva de Curso de Vida).
CONSIDERAÇÕES
Você já consegue entender quais os objetivos do estudo da Gerontologia e suas contribuições
frente ao processo de envelhecimento populacional. Para isso, foram apresentadas algumas
terminologias-chaves e as teorias que pautam todos os estudos referentes a essa temática.
QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
1) Com relação ao processo de envelhecimento, correlacione as colunas abaixo.
I - Geriatria
II - Gerontologia
III - Autonomia
IV - Independência
V - Capacidade funcional
( ) Estudo clínico da velhice.
( ) Ter livre arbítrio.
( ) Ser capaz de executar suas tarefas.
( ) Adaptação às demandas e aos problemas do cotidiano.
( ) Estudo do processo de envelhecimento.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:
a) I – V – II – III – IV.
b) V – I – IV – II – III.
c) I – III – IV – V – II.
d) V – I – III – IV – II.
e) V – IV – III – I – II.
2) Acerca do processo de envelhecimento populacional observado no Brasil nas últimas
décadas, assinale a opção correta.
a) A velocidade do envelhecimento populacional no Brasil é mais lenta que a verificada em
países desenvolvidos.
b) Apesar do aumento dos idosos, o número de muito idosos (de oitenta anos de idade ou
mais) não aumentou.
c) O avanço da tecnologia médica não teve influência no aumento da expectativa de vida ao
nascer.
d) O aumento nos gastos com saúde é algo esperado para a população idosa devido à
presença de patologias crônicas e degenerativas, que permanecem por um longo período
de tempo.
e) No Brasil, não há desigualdade entre as taxas de expectativa de vida ao nascer.
3) (CESPE/UnB, 2013) No que diz respeito ao conceito e ao processo conhecido como
transição epidemiológica, assinale a opção correta.
a) Predominam as doenças agudas.
b) Refere-se à modificação dos padrões de morbidade, invalidez e morte que
caracterizam uma população.
c) As doenças não transmissíveis diminuem e as doenças transmissíveis aumentam.
d) A mortalidade para os jovens aumenta e diminui entre idosos.
e) Predomina a mortalidade e não a morbidade.
4) Faça um resumo das teorias biológicas e sociológicas do envelhecimento.

UNIDADE 2
ENVELHECIMENTO POPULACIONAL E ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS,
POLÍTICAS DE SAÚDE E ESTATUTO DO IDOSO.
Objetivo
• Conhecer as principais políticas públicas de atenção ao idoso e compreender suas
contribuições para o envelhecimento populacional.
Conteúdos
•Definição de políticas públicas.
•Políticas públicas de atenção ao idoso.
•Política Nacional do Idoso (PNI).
•Pacto pela vida e saúde do idoso.
•Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI).
•Estatuto do Idoso.
•Política Nacional de Humanização.
•Política Nacional da Atenção Básica.
1. INTRODUÇÃO
Iniciaremos agora a discussão sobre as políticas públicas planejadas e desenvolvidas para a
população idosa. Para isso, inicialmente será realizado uma breve discussão sobre o
significado de política, para após focarmos exclusivamente nas questões do envelhecimento.
2. DEFINIÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Iniciaremos esta unidade com a apresentação do que realmente é política, visto que o
entendimento desse conceito irá permitir desvelar claramente todos os meandros do presente
tema.
O termo “POLÍTICA” tem dois significados distintos que são apresentados por Lima (2012)
como sendo, uma atividade humana necessária para obter e manter recursos para o exercício
do poder sobre o homem ou uma atividade destinada para orientar decisões e ações. (LIMA,
2012).
Dessa forma, verifica-se que o termo pode refletir ações de poder/dominação ou ações para
nortear condutas e decisões para resultados e benefícios, sendo essa última forma a adotada
quando se trata de políticas públicas.
De acordo com Teixeira (2002), as políticas públicas visam mediar à relação entre os atores
sociais e o Estado, sendo descritas, pensadas ou formuladas em documentos que orientam
ações para as aplicações dos recursos públicos aos setores marginalizados ou vulneráveis da
sociedade. E os atores sociais correspondem aos representantes estatais oriundos do Governo
ou representantes privados oriundos da sociedade civil.
Quadro 1 Atores sociais estatais e privados.

Para serem formuladas, as políticas públicas devem seguir as cinco fases descritas por
Teixeira (2002):
1) Formação da Agenda – caracterizada pela fase de seleção das prioridades, sendo realizada
a partir do diagnóstico da situação que se deseja modificar com os principais envolvidos, bem
como levantamento dos obstáculos e potencialidades dessas ações.
2) Formulação de Políticas – corresponde a apresentação de soluções ou alternativas por
meio de um debate público e mobilização social em torno das alternativas elencadas. É nessa
fase que se define os objetivos, os programas a serem desenvolvidos e as metas almejadas;
bem como analisadas a viabilidade técnica, legal, financeira, política e de interesses.
3) Processo de Tomada de Decisão – constitui a escolha das ações a serem adotadas frente à
primeira fase (formação da agenda). Também são definidas as competências das esferas
envolvidas, os recursos e estratégias implantados, cronogramas, parâmetros de avaliação,
detalhamento de modelos, projetos, diretrizes e estratégias; identificação das fontes de
recursos. Após essas definições as resoluções serão apresentadas a sociedade na forma de leis,
decretos, normas e resoluções.
4) Implementação – essa fase corresponde à execução da ação, a qual iniciará somente após
a publicação da política para a sociedade.
5) Avaliação – caracterizada pela avaliação, acompanhamento do processo e dos resultados e
redefinição das ações e projetos.
Mas, independentemente das cinco fases, as políticas públicas devem sempre pensar em
estratégias que visem ampliar e efetivar os direitos de cidadania; promover o desenvolvimento
com alternativas para geração de emprego e renda; contornar conflitos sociais entre os
poderosos e os marginalizados. Sendo tais objetivos sobrepostos por qualquer interesse
pessoal ou de classe dos atores sociais (governo ou sociedade).
Porém, quando colocadas em prática, tais premissas nem sempre são fáceis de serem pensadas
ou organizadas devido a questões que perpassam desde problemas culturais, sociais e por
interesses próprios. Um exemplo, são as políticas direcionadas a população idosa, as quais
iniciaram no ano de 1982 com o Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento
apresentado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e que propõe estratégias e
recomendações prioritárias aos aspectos envolvidos no processo de envelhecimento.
No Brasil, diversas medidas foram propostas e desenvolvidas ao longo dos anos e
contribuíram diretamente para formulação das políticas públicas de atenção aos idosos
vigentes na atualidade. Sendo essas apresentadas a seguir de acordo com a cronologia de sua
elaboração.
A Lei Eloy Chaves de 1923, é considerada o marco inicial das políticas de envelhecimento
devido ao fato de ser a primeira a garantir o benefício em dinheiro aos trabalhadores
ferroviários e seus dependentes econômicos contra a perda ou redução da capacidade laboral
decorrentes de mortes, invalidez, idade avançada, acidentes de trabalho, tempo de serviço por
meio das Caixas de Aposentadorias e Pensão (CAP’s). Sendo posteriormente expandido aos
demais trabalhadores, surgindo assim, os Institutos de Aposentadores e Pensões (IAP’s) e que
mais tarde foram unificados com a criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência
Social.
Outro marco para as políticas ao idoso foi a Constituição Federal promulgada em 1988 que
introduziu o conceito de proteção social mais abrangente ao efetivar o dever do Estado à
proteção social independente das contribuições prévias da população ao sistema. Ou seja,
antes da constituição a proteção social era baseada em princípios sociais-trabalhistas e
assistencialistas, regidos pela ideia de que só tinham direitos os indivíduos inseridos no
mercado de trabalho.
Essa nova reorganização permitiu a inclusão dos idosos ao debate e contribuiu para
formulação de uma legislação própria destinada a essa parcela da população. Exemplos dessa
inclusão são visto nos trechos a seguir da Constituição Federal:
Art. 203- A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - à proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família...
Art. 229- Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores
têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Artigo 230- A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
garantindo-lhes o direto à vida.
§ 1˚ - Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.
§ 2˚ - Aos maiores de 65 anos é garantida a gratuidade nos transportes coletivos urbanos
(BRASIL, 2018).
De acordo com Silva (2008), a Constituição foi uma inovação para os direitos das pessoas
idosas, mas não findaram a discussão, uma vez que outros direitos ainda precisavam ser
definidos, dando continuidade à discussão das políticas para o envelhecimento.
Em 1994, a Política Nacional do Idoso, instituída pela Lei nº 8.842/94, busca igualar as
responsabilidades por essa população a família, sociedade e Estado. Além de assegurar os
direitos sociais, amparo legal e promoção da integração, autonomia e participação do idoso na
sociedade.
Dessa forma, todos os órgãos sociais tornam-se responsáveis pela cidadania; combate à
discriminação; conhecimento sobre o processo de envelhecimento a partir das vertentes
econômicas, sociais e regionais do meio rural e urbano que estão envolvidas no processo de
envelhecimento humano.
Tal política, também, institui várias modalidades de atendimento ao idoso como, por exemplo,
os Centros de Convivência, Centro de Cuidados Diurnos, Hospital-Dia e Centro-Dia, Casa-
Lar, Oficina Abrigada de Trabalho e o atendimento domiciliar (BRASIL, 1996).
Outra política que contribuiu para valorização do idoso, foi o Estatuto do Idoso promulgado
pela Lei nº 10.741/03, o qual utiliza como demarcação de velhice a idade cronológica de 60
anos.
O estatuto busca estabelecer medidas e deveres punitivos promovendo assim uma maior
regulamentação dos direitos da pessoa idosa.
Art. 2º - O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhe, todas as
oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu
aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e
dignidade (BRASIL, 2003).
Além disso, o Estatuto reafirma a obrigação da família, sociedade e Estado nos cuidados.
Art. 3º - É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar
ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade,
ao respeito e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2003).
Tal política também assegura os direitos à saúde através da atenção integral por intermédio do
Sistema Único de Saúde – SUS, em vista de promover, prevenir, proteger e recuperar a saúde
dessa parcela da população. Bem como, define medidas para condutas e punições em casos de
violência.
Outra política pública que corrobora com a assistência ao idoso refere-se à Política Nacional
de Saúde a Pessoa Idosa (PNSPI), instituída pela portaria nº 2.528/GM de 19/10/2006 e que
visa orientar os serviços de saúde públicos a identificar o nível de dependência do idoso para
determinar qual forma de acompanhamento será ofertado. Ou seja, a partir desse momento, os
serviços de saúde devem identificar o nível de independência e fragilidade do idoso por meio
da sua capacidade funcional a fim de direcionar qual o tipo de assistência prestada, conforme
apresentado no quadro a seguir.

Para garantir essa nova assistência, a PNSPI adotou como medida as seguintes estratégias:
• Implementar a Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa.
• Editar e distribuir o Caderno de Atenção Básica – Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa
e o Guia Prático do Cuidador.
• Promover e realizar a capacitação dos profissionais de saúde por meio do Curso de
Educação à Distância em Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa.
• Elaborar o Plano Integrado de Ações de Proteção à Pessoa Idosa (SUAS-SUS).
• Criar e implementar o Programa Nacional de Formação de Cuidadores de Idosos
Dependentes na Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS).
• Publicar a portaria sobre prevenção e cuidado à Osteoporose e Quedas (portaria nº
3.213/GM de 20/12/2007).
• Ampliar o acesso à consulta no Programa Olhar Brasil.
• Fomentar pesquisas na área de Envelhecimento de Saúde da Pessoa Idosa.
• Implementar o Programa de Internação Domiciliar (portaria nº 2.529/GM de 19/10/2006).
• Fomentar o acesso e uso racional de medicamentos.
Neste contexto, a Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa trata-se de uma ação
prevista na Política Nacional do Idoso que tem por objetivo articular o Estado e sociedade
civil para criar e gerir programas, ações e órgãos de assistência voltados à efetivação dos
direitos da pessoa idosa. Visto que seus objetivos devem ser voltados a perceber o
envelhecimento em todas as suas dimensões a fim de assegurar a dignidade e respeito a esse
indivíduo.
Sendo assim, suas ações são voltadas para a garantia de políticas públicas para pessoas idosas,
baseando nos princípios legais (constituição, estatuto do idoso e política nacional do idoso), a
fim de promover os direitos humanos de forma interdisciplinar e intersetorial (secretarias,
coordenadorias, instituições, escolas, defensorias, ministério público, conselhos de direitos,
universidades entre outras instituições) para estruturar programas aos indivíduos mais velhos.
Por fim, apesar dessas determinações e políticas, as ações sociais destinadas à pessoa idosa
ainda são constituídas por ações isoladas e que esbarram na burocracia, nos recursos escassos
e na falta de vontade política (FERNANDES; SANTOS, 2010).
CONSIDERAÇÕES
Você já consegue compreender um pouco mais como está organizada a assistência ao idoso
perante a lei.

QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
1) A Política Nacional do Idoso – Lei n° 8.842/1994, a qual busca assegurar os direitos
sociais do idoso de forma a garantir sua autonomia, integração e participação efetiva na
sociedade. Com base nos princípios que regem essa Política, julgue os itens a seguir:
I - A família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da
cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e
o direito à vida.
II - O processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de
conhecimento e informação para todos.
III - As diferenças econômicas, sociais, regionais e as contradições entre o meio rural e o
urbano do Brasil são irrelevantes para os poderes públicos e para a sociedade em geral, na
aplicação dessa lei. F
IV - O idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem
efetivadas por meio dessa Política.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas uma é verdadeira.
b) Apenas duas são verdadeiras.
c) Apenas três são verdadeiras.
d) Todas são verdadeiras.
e) Todas são falsas.
2) O Estatuto do Idoso garante, no sistema de transporte coletivo interestadual, a
obrigatoriedade de:
a) Reserva de 5 (cinco) vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2
(dois) salários mínimos.
b) Desconto de, no mínimo, 20% (vinte por cento) no valor das passagens para os idosos com
renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos que não dispuserem de vagas gratuitas.
c) Reserva de 2 vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2
(dois) salários mínimos.
d) Desconto de, no mínimo, 20% (vinte por cento) no valor das passagens para os idosos com
renda igual ou inferior a 3 (três) salários mínimos que não dispuserem de vagas gratuitas.
e) Reserva de 5 vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 5 (cinco)
salários mínimos.
3) (PCI Concursos) De acordo com o Estatuto do Idoso, Lei N. 10.741, de 1º de Outubro
de 2003, julgue cada uma das assertivas verdadeira (V) ou falsa (F):
I - O idoso deve ter atendimento preferencial no Sistema Único de Saúde (SUS).
II - A distribuição de remédios aos idosos, principalmente os de uso continuado (hipertensão,
diabetes etc.), deve ser gratuita, assim como a de próteses e órteses.
III - Os planos de saúde podem reajustar as mensalidades de acordo com o critério da idade,
sendo o reajuste permitido até os 65 anos.
Assinale a alternativa correta.
a) V – V – F.
b) V – F – F.
c) F – V – F.
d) V – V – V.
e) F – F – F.
4) A política nacional do idoso reger-se-á pelos seguintes princípios:
a) O processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto
de conhecimento e informação para todos.
b) Viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso, que
proporcionem sua integração às demais gerações.
c) Participação do idoso, através de suas organizações representativas, na formulação,
implementação e avaliação de políticas, planos, programas e projetos a serem desenvolvidos.
d) Priorização do atendimento ao idoso através de suas próprias famílias, em detrimento do
atendimento asilar, à exceção dos idosos que não possuam condições que garantam sua
própria sobrevivência.
e) Descentralização político-administrativa.

UNIDADE 3
MODALIDADES DE ATENÇÃO À SAÚDE DOS IDOSOS E O TRABALHO EM
EQUIPE MULTIDISCIPLINAR NA ATENÇÃO À SAÚDE DO IDOSO
Objetivos
•Conhecer as modalidades de atenção à saúde do idoso disponíveis no Brasil: processo de
transição entre doenças crônicas transmissíveis e não transmissíveis para condições agudas e
crônicas.
•Diferenciar as formas de atuação da equipe multidisciplinar de acordo com a modalidade de
atenção à saúde.
Conteúdos
•Os diferentes níveis de complexidade em saúde.
•Referência e contrarreferência nos serviços de saúde.
• Equipe multidisciplinar e sua atuação junto ao idoso.
1. INTRODUÇÃO
Nesta unidade, estudaremos e discutiremos as diferentes modalidades de assistência à saúde
do idoso existentes no Brasil para podermos compreender como são realizados os
movimentos de referência e contrarreferência entre os diferentes setores de saúde. Além disso,
discutiremos também sobre o papel dos diferentes profissionais de saúde, bem como suas
interações em uma equipe multidisciplinar, pluridisciplinar, pluriauxiliar, interdisciplinar e
transdisciplinar.
2. MODALIDADES DE ATENÇÃO À SAÚDE DOS IDOSOS DISPONÍVEIS NO
BRASIL
Inicialmente, o sistema de saúde brasileiro era estruturado de forma a atender apenas doenças
infecciosas e transmissíveis, que assolavam a população e auxiliavam na manutenção do
equilíbrio populacional. Porém, os avanços no setor de saúde proporcionaram um processo de
transição epidemiológico que contribuiu para a alteração do perfil da população e das
doenças, que passaram a ser crônicas e não transmissíveis.
Tendo em vista esse novo perfil epidemiológico, os setores de saúde são obrigados a se
reestruturar e abandonar a antiga forma de organização e assistência voltada apenas para as
condições agudas de doenças e tratamento dos sintomas momentâneos, para assumir uma
estrutura que visa ao tratamento das condições crônicas.
Mas como seria essa organização do sistema de saúde voltado para as condições crônicas?
Essa organização da saúde tendo em vista as condições crônicas foi realizada de acordo com a
complexidade da doença, ou seja, conforme o tipo de assistência necessária, sendo definidas
em níveis:
• Nível Primário ou de baixa complexidade: constitui-se como o primeiro nível de atenção à
saúde no SUS e que visa, por meio de um conjunto de ações de saúde, à promoção e à
proteção da saúde, à prevenção de agravos, ao diagnóstico, ao tratamento, à reabilitação e à
manutenção da saúde de forma individual e/ou coletiva. Como exemplo desse nível de
complexidade, citam-se as estratégias da Saúde da Família e as Unidades Básicas de Saúde
(UBS).
• Nível Secundário ou de média complexidade: representa um tipo de assistência mais
especializado e organizado para atender os principais problemas e agravos de saúde da
população, por meio de profissionais e recursos tecnológicos mais especializados e que
possibilitam um diagnóstico e tratamento mais preciso para a condição do quadro. Fazem
parte desse nível as Unidades de Pronto Atendimento (UPA), os hospitais secundários e as
unidades de atendimento especializadas.
• Nível Terciário ou de alta complexidade: assistência constituída por serviços que envolvem
alta tecnologia e alto custo. Fazem parte desse nível as assistências hospitalares que atendem
demandas específicas, como: diálise para portadores de doença renal crônica; pacientes
oncológicos; cirurgia cardiovascular, vascular, neurológica; reabilitação protética; assistência
em traumato-ortopedia; genética clínica; entre outros.
Dessa forma, a atenção à saúde passou a ser organizada de maneira verticalizada, formando
uma pirâmide, em que o comprometimento do estado de saúde definia o tipo de cuidado a ser
ofertado ao indivíduo, conforme demonstra a Figura 1.
Fonte: adaptado de Mendes (2011). Figura 1 Hierarquização vertical da saúde.
Porém, tal reestruturação não conseguiu garantir a assistência à saúde a todos os indivíduos de
forma adequada, visto que mantinha o tratamento apenas dos sintomas ou das complicações
dos quadros clínicos. Além disso, essa organização hierarquizada contribuiu para a inversão
de valores referente à importância dos setores de saúde, uma vez que os setores terciários
passam a ser mais valorizados pelos governantes e pela população, devido à sua quantidade de
recursos técnicos e financeiros.
Dessa forma, a visão de saúde passa a ser comandada pela quantidade de recursos
assistenciais disponíveis e não pela necessidade real do indivíduo. Ou seja, a população passa
a acreditar que só terá uma adequada assistência à saúde quando essa for prestada pelos
setores secundários ou terciários, desvalorizando o nível primário e suas ações de promoção,
prevenção e proteção à saúde.
Entretanto, a saúde é diretamente influenciada por fatores contextuais e externos
(envelhecimento da população, transição epidemiológica, avanços científicos e tecnológicos)
e por fatores internos (cultura organizacional, recursos, sistemas de incentivo financeiro,
estrutura organizacional e estilo de liderança e gestão), os quais, ao se modificarem de forma
independente e constante, acarretam mudanças contínuas nos quadros de saúde (MENDES,
2011; UNA-SUS/UFMA, 2018).
Foram justamente essas modificações constantes que colaboraram com a situação de tripla
carga de doença (Figura 2) vivenciada atualmente, e que se caracteriza pela presença das
doenças infecciosas não resolvidas, das causas externas (situações de violência, acidentes e
homicídios) e das condições crônicas, que, juntas, contribuem para aparecimento de novos
problemas e novas demandas por parte da população e para a formação do caos que a saúde
brasileira vive (MENDES, 2011).
Figura 2 Tripla carga de doenças.
Dessa forma, o SUS novamente passa por um momento em que necessita abandonar os
preceitos de hierarquização, fragmentação e medicalização desenvolvidos no século 20 para
se alinhar a uma nova forma de sistema de atenção à saúde, a fim de buscar integrar os
sistemas para permitir respostas efetivas, eficientes e seguras aos problemas de saúde,
garantindo a qualidade e a equidade das condições de saúde da população brasileira.
Segundo Mendes (2011, p. 18), o SUS está organizado em um “sistema de atenção à saúde
totalmente fragmentado, reativo, episódico e voltado, prioritariamente, para o enfrentamento
das condições agudas e das agudizações das condições crônicas” e, por isso, não consegue ou
conseguirá resolver as demandas apresentadas por essa tripla carga de doença.
O autor afirma que a solução para essa nova demanda é a reestruturação da saúde seguindo os
princípios das Redes de Atenção à saúde (RASs), que visam à integração dos sistemas de
forma horizontal. Observe a Figura 3.

Fonte: Alencar, Pereira e Ramos (2012, p. 11)


Figura 3 Substituição do modelo verticalizado pelo das Redes de Atenção à saúde.
De acordo com a Portaria GM nº 4.279/2010, as redes de assistência da Saúde (RAS) são
“arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas,
que, integrados por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir
a integralidade do cuidado”.
Nessa perspectiva, as RAS buscam:
• relações horizontais entre os diferentes pontos de atenção, não tornando nenhum dos
serviços mais importante que o outro;
• atenção primária à saúde como centro comunicador, a fim de garantir o vínculo e a
continuidade dos cuidados;
• planejamento e organização das ações segundo as necessidades e especificidades de saúde
da população;
• atenção contínua e integral que garanta o tratamento rápido, efetivo e de acordo com o grau
da patologia apresentado pelo indivíduo;
• cuidado multiprofissional;
• garantia de melhor custo-benefício para a população, alocação dos recursos e alcance dos
objetivos.
Mas para garantir a integralidade do cuidado, as RASs devem configurar-se de forma
equilibrada entre três pontos principais: economia de escala, qualidade da atenção e acesso
aos diferentes pontos de atenção.
O primeiro ponto, economia de escala, refere-se à concentração/dispersão de recursos e
serviços conforme sua necessidade e custo. Ou seja, é quando há concentração de serviços
mais caros e com pouca mão de obra especializada em um local, enquanto há maior
distribuição de serviços mais baratos, menos especializados e com maior mão de obra.
Um exemplo seria a concentração de serviços de exames por imagem, especialidades médicas
e cuidados que demandam mais tecnologia em hospitais, enquanto os cuidados relacionados a
promoção e prevenção e à saúde da família teriam distribuições aleatórias ao longo dos
territórios.
Já a qualidade da atenção refere-se à busca pelos padrões ótimos de assistência à saúde, sendo
avaliados estrutura, processos e resultados frente à necessidade, ao tempo, à satisfação e à
equidade de acesso.
E, por último, o acesso aos diferentes pontos de atenção, que se caracteriza pela capacidade de
a população usufruir dos serviços de saúde tendo como base a sua disponibilidade e
disposição geográfica (DONABEDIAN, 1973).
De acordo com Mendes (2011), as RASs devem priorizar o “acesso” como ponto central para
sua organização, a fim de garantir o diálogo entre a distribuição e a qualidade da assistência
prestada à população. Observe a Figura 4
Fonte: adaptado de Mendes (2011, p. 75). Figura 4 Pontos principais de configuração das
RASs.
Portanto, o modelo de assistência constituído pelas RASs visa dar continuidade da atenção à
saúde (atenção primária, atenção secundária e atenção terciária) por meio da integralidade da
atenção realizada, através de ações de promoção, prevenção e gestão das condições de saúde
que são estabelecidas por meio de intervenções de cura, cuidado, reabilitação e paliação
(PORTER; TEISBERG, 2007).
Para garantir esse perfeito funcionamento, as redes de assistências devem basear sua
construção nas necessidades da população que irá atender, realizando para isso:
[...] o processo de territorialização; o cadastramento das famílias; a classificação das famílias
por riscos sociossanitários; a vinculação das famílias à Unidade de APS/equipe do Programa
de Saúde da Família; a identificação de subpopulações com fatores de risco; a identificação
das subpopulações com condições de saúde estratificadas por graus de risco; e a identificação
de subpopulações com condições de saúde muito complexas (MENDES, 2011, p. 85).
Somente após a elaboração do perfil populacional, as RASs poderão se estruturar
operacionalmente, sendo essa etapa constituída pela organização dos pontos de atenção e
pelas ligações materiais e imateriais que irão integrar os serviços a serem prestados.
De acordo com Mendes (2011), a estrutura operacional é constituída por cinco componentes:
o centro de comunicação (Atenção Primária de Saúde); os pontos de atenção à saúde
secundários e terciários; os sistemas de apoio (formados pelos sistema de diagnóstico e
terapêutico, de assistência farmacêutica e de informação em saúde); os sistemas logísticos
(cartão de identificação das pessoas usuárias, prontuários clínicos, sistemas de acesso
regulado à atenção e sistemas de transporte em saúde); e o sistema de governança. Eles são
esquematicamente organizados conforme demonstra a Figura 5.

Fonte: Mendes (2011, p. 86). Figura 5 A estrutura operacional das redes de atenção à saúde.
Ao analisar a estrutura operacional das RASs, é possível verificar a importância da atenção
primária à saúde como centro de comunicação e coordenação dos fluxos e contrafluxos do
sistema de atenção à saúde. Tal fato é devido à posição de “porta de entrada” assumida pela
saúde primária.
3. MODALIDADES DE ATENÇÃO SOCIOASSISTENCIAIS
Seguindo essa mesma linha de organização, voltada para as doenças crônicas, o setor
socioassistencial também promoveu mudanças em sua organização, de forma a se integrar
dentro das RASs.
Portanto, a partir da aprovação da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais
(BRASIL, 2014), os serviços de proteção social básica e especial aos idosos ficaram
organizados da seguinte maneira:
Quadro 1 Serviços Socioassistenciais ao Idoso.
Vale destacar que cada uma das modalidades anteriores apresentam características específicas
para a assistência social do idoso, a fim de garantir uma melhora na qualidade de vida e de
saúde.
Outro ponto importante a ser mencionado: ao incorporar os serviços de assistência social à
RAS, há uma melhora do fluxo de atendimento, visto que o encaminhamento do idoso ao
setor social passa a ser orientado e condizente com as ações de promoção e prevenção.
Assim, o cuidado organizado ao idoso permite traçar planos de assistência adequados, que
visam à organização e à articulação dos diferentes serviços e níveis de atenção para garantir o
acesso ao cuidado e à proteção do idoso.
4. SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO DO FLUXO DE ATENDIMENTO
(REFERÊNCIA E CONTRARREFERÊNCIA)
Como dito anteriormente, a função de regulação da assistência prestada pelas RASs é dever
dos Centros de Comunicação, sendo, portanto, os movimentos de referências de
responsabilidade desses centros.
De acordo com Silva (2010), os modelos de referência e contrarreferência se caracterizam por
mecanismos articulados de fluxos para encaminhamento dos usuários do setor de saúde
conforme o nível de assistência necessário no presente momento.
Para Mendes (2011), esse modelo seria constituído pela necessidade de consulta de uma
especialidade para obtenção de um diagnóstico ou tratamento mais preciso para a condição de
doença apresentada pelo indivíduo.
De acordo com o autor citado, o médico da APS referenciaria seu paciente ao especialista
quando houvesse dificuldade em realizar um diagnóstico, metas de tratamento não atingidas e
necessidade de tratamentos especializados, sendo necessário, para isso, descrever a razão do
encaminhamento, os questionamentos que não conseguiu resolver, os procedimentos
utilizados (exames, medicamentos e tratamentos prescritos), os resultados obtidos e qual a
conduta esperada pelo especialista.
Após a consulta especializada, essa deveria contrarreferenciar o paciente ao setor de origem,
descrevendo as condutas e os resultados obtidos, as respostas aos questionamentos elencados
anteriormente, as recomendações necessárias frente ao problema de saúde e as circunstâncias
e o tempo de retorno ao setor especializado (MENDES, 2011).
Tal modelo auxiliaria na melhora da atenção à saúde, devido à redução de gastos e de recursos
desnecessários, porém, na prática, essa integração não é verificada.
Para Alencar, Pereira e Ramos (2012), a dificuldade em realizar ativamente essa integralidade
da assistência deve-se ao modelo hegemônico, fragmentado, hierarquizado, individualizado e
superespecializado desenvolvido anteriormente na saúde brasileira. É, portanto, urgente a
reorganização das práticas em saúde para que as equipes possam coordenar o cuidado nas
RAS.
Segundo a PNAB (2011), os profissionais que integram as RAS devem ser tecnicamente
competentes, possuindo capacidade de analisar, intervir e ter autonomia para estabelecer
práticas transformadoras, além de gerir mudanças e estreitar os elos entre concepção e
execução do trabalho.
5. EQUIPES MULTIDISCIPLINARES E SUA ATUAÇÃO JUNTO AO IDOSO
Após a explanação anterior, referente ao tipo de assistência à saúde e social organizados por
meio das Redes de Apoio à Saúde (RASs) e a importância da Atenção Primária a Saúde
(APS) nessa nova organização, fica evidente a necessidade de se constituir uma equipe coesa,
com integrantes que se relacionem entre si independentemente do nível de assistência a ser
prestado. Mas, para compreender de forma efetiva como seria esse trabalho comum, faz-se
necessário primeiramente definir alguns conceitos relacionados às principais práticas de
assistência em equipe.
A primeira refere-se às práticas multidisciplinares, que consistem em diferentes profissionais
de saúde atuando em um mesmo espaço, porém sem relação entre eles. Ou seja, seria a
existência de diferentes áreas e especialidades de saúde em um mesmo espaço físico, porém
sem qualquer discussão ou objetivo em comum, caracterizando um trabalho individualizado.
A segunda prática seria a pluridisciplinar, caracterizada pela presença de diferentes
profissionais e especialidades trabalhando em um mesmo recinto, sem objetivos em comum,
apesar de realizarem diálogos e discussões entre si e sobre o caso determinado. Porém,
novamente não há uma intersecção entre as áreas.
A terceira prática é a pluriauxiliar, em que se verifica a presença de diferentes áreas e
especialidades, as quais são comandadas por uma delas, estando as demais exercendo papel
coadjuvante no tratamento.
A quarta forma de assistência é a prática interdisciplinar, que consiste no encontro de
diferentes profissionais de saúde com um único objeto ou objetivo em comum. Essa forma de
assistência é horizontalizada, permitindo trocas, interação, reciprocidade de conhecimento,
informações para a construção conjunta de estratégias e enriquecimento mútuo dos
envolvidos.
A última prática configura-se pela transdisciplinaridade, na qual há o encontro de disciplinas
com a perspectiva de construir uma prática de assistência comum e capaz de romper
fronteiras.
Em se tratando da assistência à saúde do idoso, Moraes (2012) afirma que o plano de cuidado
deve ser estruturado por uma equipe capaz de trabalhar de forma interdisciplinar, tendo em
vista o cuidado baseado em evidências e centrado no paciente. Sendo assim, as decisões
clínicas consideram as evidências científicas disponíveis e aplicáveis ao caso, sem esquecer
preferências, necessidades, desejos e valores do idoso e de sua família.
A Figura 6 descreve o tipo de assistência à saúde do idoso nomeado como Cuidado Guiado
(Guided Care), que busca traçar seu plano de cuidado levando em conta a interação dos
diferentes setores de saúde para permitir sua integração e uma assistência adequada ao idoso,
à família e à sociedade de forma eficiente.
Fonte: adaptado de Moraes (2012). Figura 6 Modelo de Guided Care.
Portanto, ao se falar na saúde da pessoa idosa, verificasse a necessidade de uma assistência
que dialogue entre seus diferentes níveis e entre os diferentes profissionais de saúde, sendo o
gerontólogo um dos integrantes desse diálogo, pois apresenta conhecimentos sobre o processo
de envelhecimento, o que auxilia no desenvolvimento de pesquisas e na administração dos
serviços de saúde e prevenção de doenças, devido à sua formação generalista e integrada à
velhice como categoria etária e social.
Sendo assim, são os profissionais que irão articular e auxiliar na formação das RASs, devido à
sua visão abrangente do envelhecimento, que não é centrado apenas no contexto da saúde ou
do social.
E o seu trabalho em conjunto com os demais profissionais da saúde ou da assistência social
irá auxiliar a traçar as estratégias dos planos de cuidados elaborados em cima das demandas
apresentadas e verificadas no idoso após a avaliação geriátrica multidimensional.
CONSIDERAÇÕES
Você já consegue entender de que diferentes formas o setor de saúde se organizou ao longo
dos anos e a necessidade dessa nova reestruturação.
QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
1) Julgue a afirmativa a seguir, referente ao conceito de Redes de Atenção à Saúde,
como verdadeira (V) ou falsa (F) e justifique-a.
( ) De acordo com a portaria GM nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010, as Redes de
Atenção à saúde constituem-se como diferentes arranjos organizativos de ações e
serviços de saúde, que por meio de um sistema de simples apoio busca garantir o
cuidado à saúde.
Resposta:1) Falsa, visto que a Rede de Atenção à Saúde é composta pela integração de
sistemas complexos que envolvem apoio técnico, logístico e de gestão.
2) Julgue a afirmativa a seguir, referente ao conceito de Redes de Atenção à Saúde,
como verdadeira (V) ou falsa (F) e justifique-a.
( ) Uma das seis características importantes que podem caracterizar as RAS é a
composição multiprofissional da equipe, que deve agir de forma interdisciplinar para
garantir o compartilhamento e a corresponsabilização da prática de saúde entre os
membros da equipe.
Resposta: 2) Verdadeira. As seis características das RASs são: formar relações
horizontais entre diferentes pontos de atenção; ter a atenção primária como centro
comunicador; definição, planejamento e execução de ações com base nas necessidades da
população assistida; ofertar atenção contínua e integral; cuidado multiprofissional;
alinhar objetivos e resultados a serem alcançados, considerando aspectos sanitários e
econômicos.
3) Julgue a afirmativa a seguir, referente ao conceito de Redes de Atenção à Saúde,
como verdadeira (V) ou falsa (F) e justifique-a.
( ) O acesso, a suficiência e a qualidade são alguns fundamentos das Redes de Atenção à
Saúde e estão relacionados à prestação dos serviços de saúde em qualidade, de fácil
acesso e em quantidade suficiente. Têm como objetivo proporcionar o adequado manejo
das condições de saúde identificadas em nível local.
Resposta: 3) Verdadeira, visto que os fundamentos das RASs são: acesso, suficiência,
qualidade, economia de escala, disponibilidade de recursos, integração vertical e
horizontal, processo de substituição, região de abrangência e níveis de atenção.
UNIDADE 4
ENVELHECIMENTO ATIVO, CAPACIDADE FUNCIONAL, QUALIDADE DE
VIDA E CUIDADOS PALIATIVOS AO IDOSO.
Objetivos
• Conhecer os conceitos de envelhecimento ativo, capacidade funcional e qualidade de vida e
discuti-los sob a perspectiva da promoção de saúde.
• Compreender os principais instrumentos de avaliação utilizados como rastreio das condições
funcionais do idoso.
• Entender os conceitos envolvidos no contexto dos cuidados paliativos.
Conteúdos
• Conceituação de envelhecimento ativo, capacidade funcional e qualidade de vida.
• Instrumentos de avaliação utilizados para rastreio das condições funcionais do idoso.
• Conceituação de cuidados paliativos.
1. INTRODUÇÃO
Iniciaremos agora a conceituação e a discussão de alguns termos essenciais para a
Gerontologia, os conceitos de envelhecimento ativo, capacidade funcional e qualidade de
vida, os quais serão utilizados durante toda a prática do gerontólogo para compreender,
formular e colocar em prática as ações de saúde voltadas para a população idosa.
Além disso, serão estudados e discutidos alguns instrumentos de avaliação utilizados para o
rastreio das condições de saúde dos idosos, realizado com base na funcionalidade do
indivíduo.
Por fim, será abordado o contexto dos cuidados paliativos, uma área de atuação que vem
ganhando espaço na discussão dos temas em saúde devido às mudanças no perfil
epidemiológico.
2. ENVELHECIMENTO ATIVO
Como já apresentado na Unidade 1, à terminologia envelhecimento ativo refere-se à
compreensão do processo de envelhecimento sob a ótica do idoso como ser social e
participativo nas decisões relacionadas à sua saúde e segurança.
Segundo a OMS (2005), em sua obra Envelhecimento ativo: uma política de saúde, a
terminologia é utilizada para otimizar oportunidade de saúde, participação e segurança aos
idosos por meio da melhora da qualidade de vida durante todo o processo de envelhecimento.
Segundo a organização, o envelhecimento ativo trata-se de:
[...] reconhecimento dos direitos humanos das pessoas mais velhas e dos princípios de
independência, participação, dignidade, assistência e autorrealização estabelecidos pela
Organização das Nações Unidas (OMS, 2005, p. 14).
Dessa forma, o envelhecimento ativo aborda conceitos importantes como autonomia,
independência, qualidade de vida e expectativa de vida saudável, sendo esses definidos como:
• Autonomia: habilidade de controlar, lidar e tomar decisões pessoais sobre como se deve
viver diariamente, de acordo com suas próprias regras e preferências.
• Independência: habilidade de executar funções relacionadas à vida diária.
• Qualidade de vida: é a percepção do indivíduo frente à sua posição na vida, tomando como
base o contexto de sua cultura e do sistema de valores, e em relação a seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações.
• Expectativa de vida saudável: sinônimo de “expectativa de vida sem incapacidades físicas”,
ou seja, refere-se ao tempo de vida que o indivíduo espera viver sem limitações ou cuidados
especiais.
Portanto, o objetivo do envelhecimento ativo é:
[...] aumentar a expectativa de uma vida saudável através da qualidade de vida para todas as
pessoas que estão envelhecendo, inclusive as que são frágeis, fisicamente incapacitadas e que
requerem cuidados (OMS, 2005, p. 13).
Para isso, é necessário compreender os fatores determinantes (Figura 1) que influenciam
diretamente no envelhecimento ativo para, só assim, conseguir formular políticas e programas
voltados a essa população.

Fonte: OMS (2005, p. 19). Figura 1 Determinantes do envelhecimento ativo.


A seguir, apresentamos a definição de cada determinante de saúde.
• Cultura e gênero: são fatores determinantes transversais, que contribuem para o olhar
positivo ou negativo da sociedade ao idoso devido às suas crenças e aos seus valores
enraizados. Um exemplo é o olhar negativo sobre a velhice, à qual são atribuídos significados
ruins e relacionados a doenças, tornando-se, assim, difícil a adoção de medidas preventivas,
de detecção precoce e de tratamentos apropriados das condições de saúde decorrentes do
envelhecimento.
• Serviços sociais e de saúde: são os responsáveis por promoção da saúde, prevenção de
doenças e acesso equitativo ao cuidado primário e de longo prazo de qualidade, ou seja, neles
devem estar organizadas as diferentes formas de assistência à saúde, com o intuito de
organizar o cuidado, permitindo o acesso a toda a população idosa aos serviços de saúde, de
forma igualitária e com boa resolubilidade. Para isso, deve-se determinar a Assistência
Primária como setor de cuidados primários e porta de entrada e encaminhamento para os
demais setores, secundário e terciário, os quais irão oferecer cuidados em casos agudos e de
emergências. Deve-se também determinar a melhoria do acesso aos medicamentos e à
assistência a longo prazo, realizada por cuidadores informais e/ou profissionais que buscam
auxiliar na manutenção da autonomia, independência ou da qualidade de vida do idoso
doente.
• Determinantes comportamentais: adoção de estilos, formas ou meios de viver pela
população. Por exemplo, “envolvimento em atividades físicas adequadas, alimentação
saudável, abstinência do fumo e álcool e fazer sabiamente uso de medicamentos” auxiliam na
prevenção de doenças e do declínio funcional, contribuindo para o aumento da longevidade e
da qualidade de vida (OMS, 2005, p. 23).
• Determinantes pessoais: relacionam-se aos fatores biológicos, genéticos e psicológicos.
• Ambiente físico: relaciona-se às condições dos espaços físicos frequentados pelos idosos e
que vão determinar sua independência e dependência, como uma moradia segura, com acesso
à rede de esgoto e água, com ar puro, iluminação adequada e eliminação de barreiras
arquitetônicas, permitindo uma maior independência do idoso e evitando problemas de saúde
e riscos de quedas.
• Determinantes sociais: refere-se ao apoio social, de educação e aprendizagem, proteção
contra a violência e maus-tratos, que, juntos, contribuem para a diminuição dos sentimentos
de solidão, isolamento social, analfabetismo e falta de educação, maus-tratos e exposição a
situações de conflitos que contribuem para o risco de deficiência e morte precoce do idoso.
• Determinantes econômicos: relacionados à renda, trabalho e proteção social, uma vez que ao
viver mais os indivíduos apresentam mais gastos, o que contribui para diminuição do poder
aquisitivo e aparecimento de condições sociais não dignas.
Dessa forma, a partir da análise e compreensão de todos esses determinantes, fica claro que o
processo de envelhecimento ativo não é algo fácil e requer articulações e mudanças de
diversas áreas sociais, políticas e de saúde. Somente assim será possível garantir e incentivar a
população idosa a participar ativamente do processo saúde-doença.
3. CAPACIDADE FUNCIONAL
Ferreira et al. (2012) relatam que o envelhecimento traz consigo a diminuição progressiva e
gradual da capacidade funcional conforme o passar da idade, sendo a incapacidade e a
dependência as maiores adversidades de saúde associadas ao envelhecimento. Para eles, a
diminuição da funcionalidade e da independência do idoso deve-se às limitações físicas e
cognitivas que surgem com o avançar da idade e acarretam deficit físicos e cognitivos que
ocasionam restrição/perda de habilidades ou dificuldade/incapacidade de executar funções e
atividades relacionadas à vida diária.
Mas o que seria capacidade funcional? Esse termo é utilizado para referir-se à capacidade do
indivíduo conseguir executar todas as suas atividades diárias com habilidade, independência e
autonomia.
De acordo com Lima-Costa, Barreto e Giatti (2003), a capacidade funcional é um dos grandes
componentes da saúde do idoso por se referir à habilidade com que esse realiza suas
Atividades de Vida Diária (AVDs) e/ou Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs),
emergindo, então, como um componente chave para a avaliação da saúde dessa população.
As Atividades de Vida Diária (AVDs) são as atividades orientadas para o cuidado do
indivíduo com seu próprio corpo e são fundamentais para a manutenção da vida, ou seja,
englobam as atividades de banho, uso do vaso sanitário, vestuário, deglutição (comer),
alimentação, mobilidade funcional, cuidado com equipamentos pessoais, higiene pessoal e
atividade sexual.
Já as Atividades Instrumentais de Vida Diárias (AIVDs) referem-se às atividades de cuidado
com o outro, cuidado com animais, educação de crianças (parentes), gerenciamento de
comunicação, direção e mobilidade na comunidade, gerenciamento financeiro, gerenciamento
e manutenção da saúde, estabelecimento e gerenciamento do lar, preparação de refeição e
limpeza, atividades relacionadas à expressão religiosa e espiritual, segurança e manutenção
emergencial, compras, trabalho, desenvolvimento de atividades voluntárias na comunidade e
prática de esportes.
Portanto, perdas na capacidade de realizar qualquer uma dessas atividades demonstram uma
limitação na capacidade funcional do idoso, e por isso é tão importante saber reconhecer essas
alterações.
Dessa forma, os profissionais de saúde lançam mão de alguns instrumentos de avaliação para
rastrear possíveis limitações, possibilitando intervir precocemente nas perdas funcionais e
diminuir sua progressão e o surgimento de dependência ou incapacidades.
De acordo com o Caderno de Atenção Básica (2006), os profissionais devem buscar avaliar os
seguintes aspectos.
Observe a Figura 2:

Para avaliação das questões referentes à alimentação e nutrição, utiliza-se o Índice de Massa
Corporal, que é calculado por meio da fórmula a seguir. Veja a Figura 3.

Fonte: Brasil (2006, p. 33).


Figura 3 Cálculo do Índice de Massa Corporal.
Já em relação às acuidades visual e auditiva, as avaliações essas devem ser realizadas por
meio de perguntas dirigidas ou instrumentos específicos, como:
Acuidade visual
• O(A) senhor(a) sente dificuldade ao ler, assistir à televisão, dirigir ou para executar qualquer
outra atividade da vida cotidiana?
• Cartão de Jaeger: cartão com letras e números em diferentes tamanhos.
Acuidade auditiva
• O(A) senhor(a) compreende a fala em situação social? Consegue entender o que ouve no
rádio ou televisão? Tem necessidade que as pessoas repitam o que lhe é dito? Sente zumbido
ou algum tipo de barulho no ouvido ou na cabeça? Fala alto demais? Evita conversar? Prefere
ficar só?
• Teste do sussurro: sussurro de uma pergunta a 33 cm de distância do idoso.
Com relação à incontinência urinária, essa deve ser avaliada utilizando perguntas diretas sobre
a perda de urina recente, sendo também avaliadas a frequência e a importância do evento para
a pessoa.
Os fatores sobre a sexualidade também devem ser questionados, pois a disfunção nessa área
pode indicar problemas psicológicos, fisiológicos ou ambos. Dessa forma, um questionamento
sobre a vida sexual do idoso, envolvendo frequência, parceiros, problemas relacionados a
desconforto, deve ser realizado.
A avaliação da cognição é feita com o intuito de rastrear alterações na saúde mental do idoso,
visto que seu desempenho físico e social depende da integridade de suas funções cognitivas
(BRASIL, 2006). Sendo assim, alguns instrumentos utilizados para rastreio cognitivo são:

Em relação ao rastreio da depressão, o uso da Escala de Depressão Geriátrica (Vídeo 3.11,


listado no Tópico 3.2) é recomendado, principalmente pelo fato de a depressão ser a condição
psiquiátrica mais comum na população idosa. Sendo assim, o uso da escala permite o
levantamento de um quadro depressivo, levando a uma investigação mais aprofundada da
condição.
Sobre a mobilidade e o risco de queda, é indicado avaliar o equilíbrio, a marcha e as
condições ambientais do local onde o idoso reside e frequenta. Para isso, são utilizados alguns
testes específicos:

E, por fim, a avaliação funcional, a qual consiste na busca em reconhecer a capacidade


funcional do idoso para realizar suas Atividades de Vida Diária e Atividades Instrumentais de
Vida Diária. São utilizados os testes específicos da Escala de Katz e a Escala de Lawton de
Brody para a avaliação de cada um dos aspectos, respectivamente.
Segundo o Caderno de Atenção Básica, a “Avaliação Global da Pessoa Idosa” permite
direcionar a atenção de forma mais ampla, dando ênfase ao estado funcional e à qualidade de
vida do idoso. Por isso, deve ser desempenhada por uma equipe multiprofissional capaz de
quantificar as capacidades e os problemas relacionados à saúde, psicossociais e funcionais do
idoso para estabelecer um planejamento terapêutico a longo prazo com gerenciamento dos
recursos necessários (BRASIL, 2006).
4. QUALIDADE DE VIDA
Como já dito anteriormente, a qualidade de vida refere-se à forma como o indivíduo percebe
sua vida frente a sua cultura e sistema de valores, e em relação a seus objetivos, expectativas,
padrões e preocupações.
Portanto, o idoso, para ter uma boa qualidade de vida, deve lançar mão de medidas que
busquem uma melhor interação entre os determinantes de saúde, para, assim, ter uma boa
capacidade funcional. Ele também deve procurar acompanhar sua saúde de forma mais efetiva
junto aos serviços de saúde.
De acordo com Vecchia et al. (2005) e Dawalibi et al. (2013), a qualidade de vida também
está relacionada à capacidade funcional, ao nível socioeconômico, estado emocional,
interação social, atividade intelectual, autocuidado, suporte familiar, estado de saúde, valores
culturais e éticos, religiosidade, estilo de vida, satisfação com o emprego e/ou com as
atividades da vida diária e com o ambiente em que vive. Dessa forma, percebesse a relação
existente entre qualidade de vida, autoestima e bem-estar.
Dawalibi et al. (2013) afirmam que a qualidade de vida para o idoso está relacionada à sua
satisfação frente aos afetos positivos e negativos vivenciados ao longo da vida, incluindo todo
o processo de envelhecimento. Ou seja, para a autora, a percepção da qualidade de vida do
idoso perpassa as situações e recordações vivenciadas pelo idoso ao longo de toda a sua vida,
que podem ser divididas em: variáveis antecedentes (riscos socioeconômicos e biológicos –
pobreza, exclusão social, baixa escolaridade e status ocupacional, doenças somáticas, déficit
sensoriais, depressão, dor crônica, incapacidade funcional e intelectual, inatividade e
susceptibilidade ao estresse crônica); variáveis moderadas (mecanismos de autorregulação do
“eu” – autoconceito, autoestima, autoavaliação, senso de autoeficácia, senso de controle,
sistema de metas, estratégias de enfrentamento e de seleção, otimização e compensação e
senso de ajustamento psicológico); e variáveis de critério (bem-estar subjetivo).
Para analisar essas variáveis, alguns instrumentos de avaliação foram desenvolvidos ao longo
do tempo, sendo o pioneiro o World Health Organization Quality of Life-100 (WHOQOL-
100), desenvolvido pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde em
1998, que mais tarde teve uma versão abreviada (WHOQOL-bref) e uma versão específica
para a população idosa (WHOQOL-OLD), os quais são amplamente utilizados para mensurar
a qualidade de vida.
O WHOQOL-OLD consiste em 24 itens que avaliam os aspectos:
• Funcionamento do sensório: avalia o funcionamento sensorial e o impacto da perda das
habilidades sensoriais nas atividades da vida diária e da capacidade de interação com outras
pessoas na qualidade de vida de idosos.
• Autonomia: refere-se à independência na velhice, descrevendo até que ponto o idoso é capaz
de viver de forma autônoma e tomar suas próprias decisões.
• Atividades passadas, presentes e futuras: refere-se às atividades passadas, presentes e
futuras, descrevendo a satisfação sobre conquistas e projetos futuros.
• Participação social: refere-se à participação social nas atividades do cotidiano, em especial
na comunidade.
• Morte e morrer: relaciona-se às preocupações, inquietações, expectativas e aos temores
sobre a morte e morrer.
• Intimidade: refere-se à capacidade de ter relações pessoais e íntimas.
Como visto na descrição do WHOQOL-OLD, a qualidade de morte também é um fator
importante e influencia diretamente a qualidade de vida do indivíduo. Dessa forma, faz-se
necessária a discussão do conceito de cuidados paliativos 2.4. CUIDADOS PALIATIVOS
De acordo com a WHO (2007), o cuidado paliativo constitui-se em uma abordagem que busca
promover a qualidade de vida de pacientes e seus familiares os quais enfrentam doenças que
ameaçam a continuidade da vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento.
Assim, o foco da atenção paliativista não é a doença a ser curada ou controlada, mas sim o
doente e sua família, que devem ter uma atenção individualizada para controlar os sintomas e
os sofrimentos físico e psíquico pelos quais estão passando.
Portanto, os cuidados paliativos baseiam-se nos princípios de:
• Promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis: são necessários conhecimento,
prescrição de estratégias farmacológicas (medicamentos), medidas não farmacológicas e
abordagens dos aspectos psicossociais e espirituais para atenuar os sintomas sentidos.
• Afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal da vida: a ideia de que a
morte é um evento natural e esperado na presença de doença é utilizada para evitar a
obstinação terapêutica e o sofrimento.
• Não acelerar nem adiar a morte: cuidados paliativos não são eutanásia. O que se pretende é
diagnosticar corretamente o paciente a fim de evitar intervenções desnecessárias, que
prolonguem uma vida de sofrimento e sem esperança.
• Integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente: trabalhar as perdas
decorrentes da doença sob a ótica dos aspectos psicológicos (angústia, depressão,
desesperança) e também sob a ótica da espiritualidade, que, na abordagem paliativa, não faz
menção a crenças religiosas, mas sim ao significado da vida para cada indivíduo,
independentemente de crenças.
• Oferecer sistema de suporte que possibilite ao paciente viver tão ativamente quanto possível
até o momento de sua morte: buscar facilitar o acesso dos indivíduos doentes a estratégias que
proporcionem qualidade de vida e bem-estar.
• Oferecer sistema de apoio/suporte aos familiares durante a doença do paciente e o luto.
• Oferecer abordagem multiprofissional para focar as necessidades dos pacientes e seus
familiares, incluindo acompanhamento no luto: observar o paciente sob todas as suas
dimensões, sempre buscando a importância de todos os aspectos na composição do perfil do
paciente e de seu tratamento. A equipe multiprofissional permite múltiplos olhares e
percepções, favorecendo um tratamento mais amplo e integrador.
• Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença: abandonar a
visão biológica do indivíduo, a fim de integrar seus diferentes contextos (biológico, físico,
emocional, espiritual) e, assim, promover a qualidade de vida por meio do respeito, do
controle de sintomas, da atenção das necessidades e desejos, do convívio com familiares, do
resgate e da resolução de pendências.
• Início precoce da abordagem paliativa, juntamente com outros tratamentos que busquem a
cura ou o prolongamento da vida: iniciar o tratamento sob a ótica paliativista a partir do
momento do diagnóstico da doença potencialmente mortal, a fim de proporcionar, ao paciente
e à família, o conhecimento das condições de saúde, dos diferentes tipos de tratamentos e de
suas consequências.
A partir da análise desses princípios, verifica-se que a atenção em cuidados paliativos é
pautada em uma abordagem que busca, por meio da ação integrada (inter e multidisciplinar),
intervenções para aliviar qualquer sintoma que acarrete sofrimento. Além disso, fundamenta-
e nas relações pessoais, culturais e espirituais para, assim, melhorar a qualidade de vida do
paciente independentemente do seu tempo de vida.
Sendo assim, a intervenção sob a ótica dos cuidados paliativos deve ser iniciada com
antecedência, a partir do diagnóstico da doença potencialmente fatal, não se restringindo
apenas ao momento de finitude ou de iminente morte.
Além disso, não se deve confundir cuidados paliativos com eutanásia e distanásia, as quais
são atitudes não relacionadas à prática paliativista, que se pauta no conceito de ortotanásia.
De acordo com Felix et al. (2013), a eutanásia caracteriza-se pela prática para abreviar a vida
com intuito de aliviar ou evitar sofrimento, sendo, dessa forma, entendida pela escolha do
paciente em decidir sobre sua morte.
Já a distanásia refere-se à morte difícil ou penosa decorrente do prolongamento do processo
da morte, por meio de tratamentos que apenas prolonguem a vida biológica, sem qualidade ou
dignidade (FELIX et al., 2013). Ou seja, trata-se de um prolongamento da vida devido à
obstinação terapêutica dos profissionais de saúde, dos familiares ou do próprio paciente,
devido à dificuldade em lidar com a finitude humana.
Em contrapartida, existe o conceito de ortotanásia, pautado na prática paliativista, que visa a
uma morte correta, desejável e sem prolongamento da vida artificial e do sofrimento, ou seja,
trata-se do processo natural do morrer, sendo o indivíduo em estágio terminal conduzido a
cuidados que permitam uma qualidade de vida nos dias que lhe restam.
Dama Cicely Saunders (ANCP, 2009, p. 225), precursora da filosofia de Cuidados Paliativos,
sabidamente nos deixou a seguinte mensagem: “Não se preocupar em proporcionar mais dias
de vida, e sim mais vida aos dias que se tem”.
Entretanto, para conseguir proporcionar uma boa qualidade de vida e morte ao paciente, os
profissionais da saúde devem considerar todas as doenças crônicas como potenciais
indicações de cuidados paliativos, dando maior ênfase às fases avançadas de câncer ou
metástase, demência, miocardiopatia dilatada, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença
renal, insuficiência hepática, Aids.
Um ponto importante que também é abordado em cuidados paliativos é a aproximação do
doente com sua família, o que faz extrapolar o cuidado para além do ambiente hospitalar,
tornando o ambiente domiciliar um outro local de cuidado no fim da vida.
De acordo com a Academia Nacional de Cuidados Paliativos – ANCP (2009), as assistências
nos ambientes hospitalar e domiciliar oferecem vantagens e desvantagens. Observe quais são
elas nos Quadros 1 e 2.
Quadro 1 Vantagens e desvantagens do cuidado hospitalar.
Quadro 2 Vantagens e desvantagens do cuidado domiciliar

Para que tanto o hospital quanto o domicílio se tornem um ambiente adequado para a
assistência ao paciente em cuidado paliativo, é importante que os serviços de saúde discutam
e elaborem uma rede integrada de assistência, a fim de facilitar a comunicação entre os
diferentes setores e profissionais.
A ANCP (2009) apresenta um modelo de rede de assistência justificando que:
[...] o fluxo de pacientes para internação numa unidade de Cuidados Paliativos, as
necessidades de investigação diagnóstica e o seguimento do doente durante sua estadia no
domicílio devem ser parte de uma rede integrada e muito bem articulada, de modo a oferecer
segurança ao doente e a sua família em todas as etapas do adoecimento e no respeito às
decisões previamente acordadas para o final da vida (ANCP, 2009, p.74).
Observe o modelo de rede de assistência em cuidados paliativos proposto pela ANCP (2009)
na Figura 4.

Fonte: ANCP (2009, p. 75). Figura 4 Modelo de Rede de Assistência em Cuidados Paliativos.
A academia ainda afirma que, na rede de cuidados paliativos, o:
[...] fluxo de pacientes em sistema de referência e contrarreferência deve ser claro e objetivo:
quem encaminha, quais os critérios de admissão, qual o propósito da internação e para onde
será encaminhado o paciente após a alta hospitalar (atendimento domiciliar, ambulatório ou
hospedaria de Cuidados Paliativos) (ANCP, 2009, p.74).
Para que haja esse fluxo, cada serviço de saúde envolvido nessa rede terá um objetivo claro no
atendimento dos pacientes, sendo:
• Unidade de internação: consiste em uma enfermaria de um hospital geral, secundário ou
terciário, que tenha leitos próprios e com equipe mínima e especializada em cuidados
paliativos, que será composta por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, psicólogo,
assistente social, capelão. Outros profissionais também podem integrar essa equipe. Um
exemplo de estrutura é a ala de cuidados paliativos do Hospital do Servidos Público Estadual
de São Paulo (HSPE/SP).
• Unidades externas: são os chamados hospices, que são unidades de saúde com complexidade
mediana, aptas a responder a intercorrências e necessidades mais complexas do indivíduo.
Diferenciam-se da unidade de internação devido à presença de atividades diversas e à
convivência (pacientes, familiares, profissionais de saúde e amigos), à flexibilidade e à
atuação contínua de equipes multiprofissionais. Dois exemplos de hospedarias são: a unidade
do Hospital do Câncer IV do Instituto Nacional de Câncer (INCA), no Rio de Janeiro, e a
Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital do Câncer de Barretos (Hospital São Judas
Tadeu).
• Hospedaria: destina-se a pacientes com quadro clínico mais estável, que apresentam
dependência e que poderiam permanecer no domicílio, mas não conseguem devido à falta de
cuidador habilitado, à distância do centro de tratamento paliativista ou à alta dependência de
cuidado.
• Ambulatórios: unidades de atendimento externo em que são realizadas consultas com
especialistas, para promover um excelente controle de sintomas, comunicação adequada,
informações sobre a evolução da patologia, perspectivas de tratamento e elaboração de
perda/luto/morte.
• Atendimento domiciliar: atendimento que busca monitorar os sintomas e aplicar planos de
cuidados previamente estabelecidos. Para isso, são realizadas visitas dos profissionais de
saúde (médico ou enfermeiro), que avaliam e referenciam o paciente em caso de
complicações. Um exemplo é o Programa de Internação Domiciliar Interdisciplinar de Pelotas
(RS).
Porém, independentemente do tipo de cuidado requerido pelo paciente e sua família, os
profissionais devem estar atentos às condições de saúde de todos os envolvidos, uma vez que,
ao lidar com a morte, alterações emocionais e espirituais também são vivenciadas, decorrentes
muitas vezes do processo de antecipação do luto. Tal termo refere-se à reação que precede a
perda, que ocorre antes da morte física, gerando sentimentos como ambivalência de emoções
na família e no paciente.
De acordo com Kovács (2010), o luto refere-se ao conjunto de reações diante de uma perda,
sendo descritas por Elizabeth Kübler Ross (1969) e dividido em cinco fases: negação, raiva,
barganha, depressão e aceitação.
• Negação: caracteriza-se pela negação do paciente e familiares da condição de saúde, sendo
comuns reações de isolamento social. Exemplo de discurso: “Não pode ser comigo!”.
• Raiva: sentimento de revolta, ressentimento, inveja e hostilidade frente à vida e às pessoas
que o cercam. Exemplo de discurso: “Por que eu?”.
• Barganha: possibilidade de entrar em acordo para evitar ou adiar o desfecho inevitável. Fase
das promessas e trocas buscando melhora ou mais dias de vida. Exemplo de discurso: “De
agora em diante, farei um trato”.
• Depressão: fase em que não há mais como negar a doença, a barganha não aconteceu e o
inevitável está por vir. Caracteriza-se pelo sentimento de perda (do corpo, das finanças, da
família, do emprego, da capacidade de realizar certas atividades profissionais e pessoais).
Exemplo de discurso: “Não tem mais jeito! ”.
• Aceitação: concordar com a realidade vivenciada, porém não mais com sentimentos de
desespero ou de entrega. Há o reconhecimento da finitude, da busca pela qualidade de vida
nos dias que restam e pelo sentimento de cumprimento de metas e perdão. Exemplo de
discurso: “Já estou pronto para partir! ”.
Sendo assim, fica evidente a necessidade de suporte/apoio a todos os indivíduos envolvidos
no processo de cuidados paliativos (paciente, família e profissionais de saúde), uma vez que
todos, ao vivenciarem a finitude do outro, se deparam com a sua própria.
CONSIDERAÇÕES
Você foi conduzido ao estudo do processo de envelhecimento passando pela trajetória
histórica (conceitos, teorias e transformações fisiológicas decorrentes do desenvolvimento
humano), transformações sociais e políticas decorrentes da transição demográfica e
epidemiológica, condições para o envelhecimento ativo e bem-sucedido até culminar com a
finitude humana e a busca pelo cuidado no fim de vida.
QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
1) Na comunicação de más notícias, salienta-se a importância de resgatar inicialmente o
sentido da comunicação, suas interfaces e sua complexidade. Diante desses princípios,
assinale a alternativa correta.
a) Limite um tempo para que possa conversar com os familiares e com o paciente.
b) Manter uma atitude hierárquica. Afinal, o profissional detém o saber.
c) Mantenha a calma e tente atenuar a situação com frases do tipo “é a vida”, “todos temos de
morrer”.
d) Acompanhar e apoiar a pessoa e/ou família na tomada de decisões.
e) Encaminhar para recursos da comunidade; apoio espiritual deve ser desencorajado.
2) Segundo a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (2012), foram estabelecidos
alguns critérios de recomendação para cuidados paliativos, considerando a possibilidade
de indicação para aqueles pacientes que esgotaram todas as possibilidades de
tratamento de manutenção ou prolongamento da vida. Assinale a alternativa que deve
considerar os cuidados paliativos.
a) Paciente candidato à terapia curativa.
b) Internação prolongada em UTI.
c) Níveis aceitáveis de dor por mais de 24 horas.
d) Sintomas bem controlados como náuseas e vômitos.
e) Pacientes com apenas uma admissão hospitalar pelo mesmo diagnóstico nos últimos 60
dias.
3) (UnB/CESPE) Acerca da filosofia e dos princípios que embasam os cuidados
paliativos, julgue os próximos itens.
I - O cuidado paliativo deve ser iniciado de forma precoce junto a outras medidas de
prolongamento de vida, como quimioterapia e radioterapia, e incluir todas as investigações
necessárias para compreensão e manejo de sintomas.
II - Considera-se ação paliativa qualquer medida terapêutica, sem intenção curativa, que vise
diminuir as repercussões negativas da doença sobre o bem-estar do paciente.
III - A assistência multiprofissional em cuidados paliativos inclui ações que interferem nas
dimensões física, psicossocial e espiritual do paciente e de sua família, estendendo-se ao
período de luto familiar após a morte desse paciente.
IV - No conceito de dor total, introduzido por Cecily Saunders, as dimensões física, mental,
social e espiritual são indissociáveis e devem ser consideradas no manejo e controle da dor em
cuidados paliativos.
V - O plano de cuidados assistenciais não deve incluir prescrição de ações relativas à família
do paciente em cuidados paliativos.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas I está correta.
b) Apenas II, III e IV estão corretas.
c) Apenas III e V estão corretas.
d) Apenas V está incorreta.
e) Apenas I, II e IV estão incorretas.

Você também pode gostar