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Alcoolismo

O alcoolismo constitui um fenómeno que há séculos tem desafiado as


possibilidades do próprio conhecimento humano.
Assistimos, nos últimos séculos, a um confronto entre duas posições
predominantes polarizadas: de um lado, uma concepção moral do fenómeno e,
de outro lado, uma concepção médica que o caracteriza como doença. Em
1849 surgiu uma das primeiras definições de alcoolismo como “o conjunto de
manifestações patológicas do Sistema Nervoso, nas suas esferas psíquica,
sensitiva e motora, observado nos sujeitos que consumiram bebidas alcoólicas
de forma contínua e excessiva e durante um longo período.”Magnus Huss.
Em 1960 a definição é reestruturada e o comportamento do alcoólico
passa a ser definido como doença, tendo, assim, uma repercussão negativa e
social. O alcoólico era “todo o indivíduo cujo consumo de bebidas alcoólicas
possa prejudicar o próprio, a sociedade ou ambos”Jellinek.
Hoje em dia a OMS define o alcoólico como “um bebedor excessivo, cuja
dependência em relação ao álcool se acompanha de perturbações mentais, da
saúde física, da relação com os outros e do seu comportamento social e
económico” e o “alcoolismo não constitui uma entidade nosológica definida,
mas a totalidade dos problemas motivados pelo álcool, no individuo,
estendendo-se em vários planos e causando perturbações orgânicas e
psíquicas, perturbações da vida familiar, profissional e social, com as suas
repercussões económicas, legais e morais.”

Etiologia

Tem faltado ao estudo do Alcoolismo e seus problemas uma teoria


etiológica geral que permita ajuizar, com o grau de precisão desejável, da
importância relativa das suas possíveis e diversas causas, relevando alguns
autores a importância dos factores individuais e outros a dos factores socio-
ecológicos e culturais.

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Sem menosprezar a contribuição de umas e outras correntes, Cartwrigt
e Shaw, em 1978, salientam a importância fundamental de uma interinfluência
de todos esses factores – sociais, económicos, psicológicos, fisiológicos. É um
modelo multifactorial de extrema utilidade na abordagem dos Problemas
Ligados ao Álcool.

Epidemiologia

O alcoolismo em Portugal é um dos maiores problemas de saúde


pública, tendo consequências dramáticas para a saúde dos portugueses.
Cerca de 10% da população do país apresenta graves incapacidades
ligadas ao álcool e 60% da população adulta, corresponde ao grupo dos
consumidores regulares de álcool.
Em Portugal o consumo per capita é dos mais elevados do mundo,
tendo-se situado, em 2000, em 10.8L de álcool puro, sendo assim o terceiro
consumidor mundial. O álcool é uma importante causa de morte em acidentes,
sendo causa directa e principal, em 40% a 50% dos acidentes mortais, e uma
das causas associadas, em 25 a 30% dos outros acidentes, com feridos.
Na morbilidade, que leva o Homem aos Hospitais Gerais, ronda 90% nas
hepatopatias e cirrose e 60% nas pancreopatias.

Diagnóstico do Alcoolismo

Sendo grande a prevalência do síndrome de dependência de álcool, este


é um diagnóstico que deve ser posto sempre como hipótese, quando se atende
um adulto, quer com sintomas relacionados com gastroenterologia, cardiologia,
dermatologia, endocrinologia, neurologia ou psiquiatria. Como motivos mais
frequentes de consulta pelas pessoas alcoólicas, destacam-se: insónias,
angústia, depressão, amnésia, náuseas matinais, dispepsia, diarreia
recorrente, hemorragia digestiva, palpitações, dispneia, acidentes e
traumatismos recorrentes, mialgias, poliúria e impotência sexual.

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No que se refere aos sinais e sintomas indicativos de alcoolismo, são de
salientar: ansiedade, irritabilidade, excitabilidade, esquecimento, confusão,
hálito alcoólico, aparência desleixada, icterícia e tremores.
O exame físico, pode também fornecer sinais sugestivos de alcoolismo,
tais como: aranhas vasculares, extra-sistolia, hipertensão arterial,
hepatomegália e esplenomegália, ascite, atrofias musculares, hiporreflexia,
escoriações, contusões, traumatismos repetidos, tremor crónico e sudorese.
Para um correcto diagnóstico será importante ainda realizar alguns
exames laboratoriais, que podem estar alterados, como: as provas da função
hepática, os lípidos, o ácido úrico e o volume corpuscular médio.
Podem existir também factores sociais indicativos de alcoolismo como
problemas no trabalho (absentismo, desemprego, baixa produtividade) e na
vida conjugal (ciúmes, agressão).

Problemas clínicos/repercussões individuais

Sabe-se que o álcool penetra em todos os tecidos, podendo causar


lesões em qualquer órgão.
Na clínica predominam as lesões hepáticas como a esteatose, a hepatite
e a cirrose hepática. Contudo, a estas acrescem outras lesões graves em
diferentes órgãos.
No SNC para além do Delirium Tremens com sintomas característicos
de uma psicose aguda, muitos alcoólicos crónicos sofrem da chamada
Síndrome de Korsakoff, com alterações graves da memória recente,
desorientação e fabulação, ou de uma encefalopatia de Wernicke, com
instabilidade da marcha, paralisia dos músculos oculares e alteração do estado
de consciência, assim como polineuropatias (patologia dos nervos periféricos
com alteração da sensibilidade).
No que diz respeito ao sistema hematopoiético, muitos alcoólicos
apresentam uma anemia macrocítica.
No que concerne ao sistema cardiovascular, por consequência de uma
cardiomiopatia dilatada induzida pelo álcool, o indivíduo desenvolve uma
insuficiência cardíca irreversível, limitativa para toda a vida.

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Ao nível do metabolismo, a diabetes mellitus pode ocorrer devido a lesão
pancreática grave. A tendência para a hipoglicémia é igualmente perigosa.
Por último, decorrente da depressão do sistema imunitário, existe risco
acrescido de tuberculose, pneumonia e meningite.

Repercussões Sociais

A concepção do alcoolismo como uma doença tem tendência a situá-lo


no campo médico e, consequentemente a identificá-lo como exclusivo ou
predominantemente, em termos da sua sintomatologia física ou psíquica.
Todavia os aspectos sociais, que incluem a Família, o Trabalho e sociedade
em geral, constituem elementos relevantes e preocupantes em determinantes
fases.
No que respeita à família o alcoolismo faz-se sentir fundamentalmente a
nível familiar e a nível da descendência.
É muito evidente o papel do álcool como causa da perda de aptidão do
trabalhador, por intervenção directa na área das atitudes, percepção,
motricidade, raciocínio, imaginação e criatividade, responsáveis por o
crescente número de acidentes, baixas de “performance” e rendimento
profissional (assiduidade, produtividade,...).
Para além de todas estas alterações físicas e psíquicas, há também
alterações no comportamento que podem transformar o Homem num potencial
agressor para si, para a sua família e para a sociedade. De acordo com
determinados estudos, delitos e crimes, incluindo homicídios, crimes sexuais e
crimes de incesto, ocorrem com maior frequência sob influência do álcool.

Prevenção do Alcoolismo

Na intervenção preventiva, distinguem-se três níveis:


Prevenção Primária – medidas de ordem legislativa e económica, que possam
limitar o acesso ao álcool; medidas de ordem informativa e educativa, que
limitem a procura; e medidas de ordem geral de educação para a saúde, que

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promovam a saúde do Homem. A escola é o local de eleição para a prevenção
do Alcoolismo, feita através de programas de educação para a saúde. Desde a
escola primária à universidade, deve dar-se informação e fazer-se ensinos
neste campo, de forma a que, conhecedores do risco que o álcool representa
para o Homem, possam constituir-se hábitos que não sejam incompatíveis com
a Saúde;
Prevenção Secundária – medidas de intervenção precoce no diagnóstico e
tratamento imediato dos indivíduos já atingidos;
Prevenção Terciária – medidas terapêuticas que limitem as sequelas da
doença; medidas relativas à reintegração social do Alcoólico Tratado, à sua
readaptação à sociedade e implicação desta no seu processo de
reajustamento.

Tratamento do alcoolismo agudo

As formas comuns de intoxicação aguda pelo álcool não necessitam, em


geral, de intervenção terapêutica, em especial se se situam nos primeiros
estádios, cujos sintomas são, de maneira geral espontaneamente reversíveis.
O tratamento das formas mais graves da intoxicação alcoólica aguda
segue os princípios básicos dos de qualquer urgência toxicológica. Os
objectivos do tratamento são portanto o acelerar a destruição do álcool e
neutralizar os seus efeitos depressores sobre o sistema nervoso central.
 Lavagem gástrica, à excepção das primeiras fases de intoxicação.
 Repouso e ventilação do alcoólico agudo.
 Em situações graves: administrar solução glicosada com vitamina
B; lactato; estimulantes dos centros nervosos, substâncias com
efeito analéptico
Em estados de agitação psicomotora da embriaguez pode ocorrer a
necessidade de sedar o doente com benzodiazepínicos .
Os estados comatosos, graves, necessitam de tratamento de
reanimação em serviços de urgência.
Finalmente, deve ter-se sempre em consideração que muitas destas
situações agudas, em que é requerida a intervenção de um profissional de

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saúde, não são mais que manifestações episódicas ou habituais de um
consumidor excessivo de álcool/alcoólico crónico que deve ser depois
orientado para tratamento da doença alcoólica.

Tratamento do alcoolismo crónico

A multiplicidade dos quadros clínicos do alcoolismo crónico e das suas


vastas repercussões exige uma intervenção terapêutica multidisciplinar, em
múltiplas direcções.
O tratamento do alcoolismo crónico desenrola-se em quatro etapas:
1 – O primeiro contacto, o reconhecimento e a avaliação da situação;
2 – Desintoxicação e tratamento da privação:
A supressão do álcool, estabelecida logo no inicio do tratamento, é total. O
tratamento intensivo de desintoxicação, iniciado precocemente, logo após o
internamento do doente é concomitante. Contudo, podem surgir já em pleno
tratamento sintomatologia de privação, que exige uma intervenção terapêutica,
medicamentosa, apropriada.
O tratamento de desintoxicação compreende resumidamente:
 Fase de desintoxicação, com supressão total do álcool com
administração de soros e vitaminas (complexo B, PP e ainda C).
 Correcção da acidose e equilíbrio Na/K;
 Sedação com tranquilizantes.

3 – Outros tratamentos farmacológicos


O principal objectivo da utilização destes fármacos é reduzir e controlar a
apetência, suprimindo a síndrome de abstinência, após supressão do álcool e
desintoxicação. Os mais usados são: Naltrexona – (antagonista opiáceo)
inibidor de recaptação da serotina; Tiapride – neuroléptico antagonista dos
receptores D2; Acamprosato – derivado acetilado da homotaurina; Dissulfiram.

4 – Tratamentos psicológicos

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No tratamento psicológico as psicoterapias são fundamentais. Estas
podem assentar as suas bases numa inspiração mais psicanalítica, cognitivo-
comportamentais, familiares, corporais ou de relaxamento, ou podem situar-se
mais fortemente no âmbito das psicoterapias de grupo. Nenhuma é por si só
eficaz, contudo são indispensáveis ao tratamento do alcoólico crónico.
As psicoterapias de grupo são tomadas em relevo muitas vezes pela sua
dinâmica, nomeadamente nas projecções recíprocas e nos fenómenos de
espelho. Deste modo, o grupo no tratamento do alcoólico permite um processo
terapêutico de relações, através do qual os seus elementos se auto-
consciencializam dos problemas comuns, de necessidades e de capacidades
potenciais.

Prevenção da recaída

A abordagem, mesmo breve, desta possibilidade, em particular pelo


Clínico Geral/ Médico de Família, em consultas de rotina e de modo
continuado, está demonstrado que, em percentagem significativa, tem efeitos
muito positivos.
A exposição de situações de alto risco, pode levar à recaída. Estudos
recentes sobre os aspectos compulsivos têm valorizado os medicamentos para
prevenirem a recaída. Há muitos casos em que o medo da dependência não
basta para suplantar a força do contexto e da diversidade das pressões para
consumir.

Complicações Psiquiátricas pelo Uso do Álcool

O uso abusivo e a dependência de álcool são os transtornos


psiquiátricos mais prevalentes, sendo responsáveis pela maioria dos
internamentos.
O álcool pode causar alterações devido ao seu uso agudo (acção no
SNC), crónico (efeitos a longo prazo) e até mesmo aquando da interrupção do
seu consumo prolongado (efeitos de abstinência). Um exemplo destas
alterações é o Delirium Tremens.

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O Delirium Tremens é uma psicose causada pelo alcoolismo, ou seja, é
uma forma mais intensa e complicada de abstinência.
Os doentes moderadamente dependentes de álcool desenvolvem
frequentemente uma fase de pré – delirium tremens, também denominado
“delírio alcoólico sub-agudo”. É caracterizado pelo seguinte quadro clínico:
tremores distais, perturbações do equilíbrio, instabilidade psicomotora,
perturbações do humor (irritabilidade e angústia), alterações do estado geral
(sudorese e palidez) e alterações digestivas (náuseas, anorexia e sede
intensa). Estes doentes encontram-se orientados e não apresentam
alucinações.
Habitualmente todas estas manifestações de pré delirium têm tendência
a evoluir rapidamente para um quadro clínico de Delirium Tremens.
O Delirium Tremens (DT) constitui uma emergência médica que acarreta
morbilidade e mortalidade significativas. Cerca de 5% de todos os indivíduos
alcoólicos hospitalizados têm DT, e normalmente estes episódios surgem cerca
de 2 a 10 dias depois de o doente deixar de consumir bebidas alcoólicas.
A maior parte dos casos de DT inicia-se na casa dos 30 ou 40 anos,
após 5 a 15 anos de consumo alcoólico excessivo.
Doentes com estado geral debilitado, desnutrição, doença física e/ou
depressão são mais susceptíveis a desenvolver DT.
Uma pessoa com DT pode apresentar alterações a nível físico e
psicológico. Em relação a transtornos físicos o indivíduo pode manifestar
pupilas dilatadas, rubor facial, taquicardia, sudorese intensa, hipertermia sem
foco infeccioso, diarreia e vómitos, desidratação, polipneia superficial, tremores
generalizados acentuados e instabilidade da marcha.
Relativamente a transtornos psicológicos, o doente pode manifestar,
labilidade emocional, desconfiança, medo, insónias, desorientação alopsíquica,
períodos de hiperexcitabilidade intercalados com períodos de letargia,
alucinações visuais (zoopsias) e tácteis, delírios e crises convulsivas.
As crises convulsivas alcoólicas podem aparecer nas primeiras 24 horas
após a cessação de bebidas alcoólicas, são usualmente tónico-clónicas
generalizadas desde o início, seguindo um período de confusão. Estas
precedem sempre uma agitação grave: alucinações e delírios.

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Como consequência das alucinações, é comum o desenvolvimento de
delírios, na maioria dos casos de caris persecutório, que geralmente leva o
doente a ficar agitado e por vezes agressivo. Os doentes delirantes são um
perigo para si mesmos e para outrem, tendo em vista a imprevisibilidade do
seu comportamento, mostrando-se agressivos ou até com conduta suicida.
Os doentes com DT devem ser mantidos num ambiente calmo,
com alguma luminosidade e o mínimo de interferências possível, evitando
ilusões e possível agitação e estado confusional.
Os doentes com DT não devem ser contidos fisicamente, já que podem
debater-se contra a restrição dos movimentos até à exaustão. Nos casos de
intensa agitação e agressividade os doentes podem ser mantidos em
isolamento.

Nos doentes com esta patologia psiquiátrica o tratamento farmacológico


mais comum é o uso de benzodiazepinas (clorazepato dipotássico,
Tranxene®), indicados para aliviar os sintomas de abstinência, evitar a
progressão para estadios mais graves, sendo utilizado haloperidol (Haldol®)
para conter a agitação. Para corrigir a desidratação, causada por anorexia,
vómitos, diarreia e agitação, administram-se líquidos via oral e/ou endovenosa.
Com este tratamento o Delirium Tremens começa geralmente a desaparecer
dentro das primeiras 12 a 24 horas.
A necessidade de uma psicoterapia acolhedora e de apoio no tratamento
do DT deve ser enfatizada, pois os doentes frequentemente estão angustiados,
amedrontados e ansiosos por causa dos seus sintomas, sendo imperativo um
apoio verbal habilidoso.
Depois de resolvidos os problemas médicos urgentes, deve começar-se
uma desintoxicação e um programa de reabilitação. Portanto, um alcoólico tem
de mudar o seu comportamento. Crê-se que o tratamento de grupo é mais
eficaz do que o acompanhamento individual, no entanto este deve adequar-se
a cada indivíduo. Pode também ser importante contar com o apoio dos
familiares.

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Bibliografia

KAPLAN, Harold I. (et al); Compêndio de Psiquiatria, Ciências do


comportamento e Psiquiatria Clínica; 7ª Edição; Artmed; 2002, Brasil.

RAMOS, Sérgio de Paule; BERTOLOTE, José Manoel; Alcoolismo Hoje,


3ª Edição; Artes Médicas; 1997, Brasil.

www.Wikipédia.pt 13/04/07 10h 37min.

SCHAFFLER, Arne; MENCHE, Nicole; Medicina Interna e Cuidados de


Enfermagem; Lusociência; 2004, Loures.

Trabalho Elaborado por:

Alexandra Dinis
Alfredo Pina
Edgar Pires
Hugo Santos
Ricardo Pinto

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Suzi Costa
Vera Ferreira

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