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Transfusão Sanguínea 7

Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

1 – INTRODUÇÃO

A elaboração deste trabalho surge no âmbito do Ensino Clínico VIII, de


Enfermagem Médico-Cirúrgica, integrado no 4º ano 7º semestre, no curso de
Licenciatura em Enfermagem, tendo como tema de trabalho: Transfusão Sanguínea
– Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem.
O tema surgiu pelo facto de alguns doentes da área de Gastrenterologia
necessitarem de Transfusão Sanguínea, como forma correctiva de hemorragia
associada a Hemorragia Digestiva Alta, ou ainda por outras situações clínicas que
induzem diminuição acentuada de hemoglobina. Por este motivo, acrescentando o
facto de nunca, em estágios anteriores, termos a oportunidade de administrar
sangue e prestar todos os cuidados associados, decidimos realizar este trabalho.
Tendo em conta o tema proposto, traçámos os seguintes objectivos:
Æ Descrever o Sistema Hematológico, tendo em conta a sua anatomia e
fisiologia, bem como os dados subjectivos que o caracterizam e os
exames complementares de diagnóstico;
Æ Definir Transfusão Sanguínea;
Æ Enumerar as indicações de Transfusão Sanguínea relacionadas com
os diferentes Derivados de Sangue;
Æ Expor os conceitos de: Grupos Sanguíneos e Teste de
Compatibilidade;
Æ Enunciar o procedimento de administração da Transfusão Sanguínea,
tendo em conta a preparação da transfusão e do doente e os cuidados
durante e após a Transfusão Sanguínea;
Æ Descrever os eventos adversos que podem surgir com a Transfusão
Sanguínea.

O presente trabalho está estruturado numa única parte. Esta é composta por
dois capítulos teóricos, realizada a partir da consulta e análise bibliográfica.
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Num primeiro capítulo abordaremos o Sistema Hematológico no que concerne


a sua anatomia e fisiologia, dados subjectivos indicadores de possíveis alterações e
exames complementares de diagnóstico. Num segundo capítulo abordaremos a
Transfusão Sanguínea, fazendo referência à sua definição, indicações relacionadas
com os diferentes derivados de sangue, aspectos relevantes como sejam grupos
sanguíneos e teste de compatibilidade, além do procedimento de administração e
todos os cuidados que envolve, e ainda os eventos adversos que podem surgir.

Assim, com a realização deste trabalho esperamos contribuir para a aquisição


de novos conhecimentos e consolidação dos já existentes, permitindo uma melhor
prática de cuidados de enfermagem no que respeita à administração de Transfusão
Sanguínea.
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2 – SISTEMA HEMATOLÓGICO

Dentro deste capítulo iremos abordar a anatomia e fisiologia do sistema


hematológico, dados subjectivos indicadores de alterações e exames
complementares de diagnóstico.

2.1 – ANATOMIA E FISIOLOGIA

As patologias associadas ao sistema hematológico apresentam uma


diversidade de manifestações clínicas, manifestações essas que resultam da
interferência no desenvolvimento e funcionamento, normais, dos componentes do
sangue (hemácias, trombócitos e leucócitos), e alteração da hematopoiese
(PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).

2.1.1 – Componentes do Sistema Hematopoiético

O sistema hematopoiético compreende o sangue e seus componentes,


medula óssea, bem como o sistema reticulo-endotelial, que se encontra por todo o
organismo. A função do sistema reticulo-endotelial consiste em fazer a fagocitose de
substâncias estranhas e a lise (degradação) dos glóbulos vermelhos (PHIPPS,
SANDS e MAREK, 2003).

2.1.1.1 – Sangue

O sangue é uma solução aquosa (plasma) que contém água, proteínas,


electrólitos e constituintes orgânicos e inorgânicos. Os elementos celulares sólidos
constituem 7% a 9% do sangue.
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Os componentes celulares do sangue compreendem os eritrócitos, os


leucócitos e os trombócitos. Todas as células nrmais derivam de uma única célula
indiferenciada, que se pode dividir em células indiferenciadas linfóides e mielóides.
Estas células indiferenciadas transformam-se, por sua vez, em células progenitoras,
que se dividem ao longo de uma única via especifica (FIGURA 1). Este processo é
denominado hematopoiese, e tem lugar na medula óssea, vértebras, pelve,
esterno, costelas e epífise proximal dos ossos longos. A produção pode verificar-se
em todos os ossos longos durante o período de maior necessidade, como em
situações de hemorragia, ou durante a destruição de células (hemólise) (PHIPPS,
SANDS e MAREK, 2003).

FIGURA 1 – Esquema de diferenciação da célula indiferenciada

Fonte: PHIPPS, Wilma J.; SANDS, Judith K.; MAREK, Jane F., - Enfermagem médico cirúrgica:
conceitos e prática clínica. 6ª ed. Loures : Lusociência, cop.2003.4ºvol..ISBN 972-8383-65-7 p.894.

Eritrócitos

Um eritrócito é um disco bicôncavo anuclear, liso e flexível. Estas


características permitem-lhe mudar de forma durante a sua passagem pela
microcirculação. O principal componente do eritrócito é a hemoglobina, uma proteína
que transporta o oxigénio e dióxido de carbono e mantém o pH normal através de
uma série de tampões intracelulares. A molécula de hemoglobina contém globina
(dois pares de cadeias polipeptídeas) e quatro grupos heme, cada um deles
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contendo um átomo de ferro ferroso. Assim, cada molécula de hemoglobina pode


unir-se a quatro moléculas de oxigénio para formar oxi-hemoglobina (reacção
reversível). O dióxido de carbono é transformado pela porção de globina da
molécula de hemoglobina.
A maturação dos eritrócitos na medula óssea requer quantidades suficientes e
utilização de vitamina B12, ácido fólico, proteínas, enzimas e minerais (ferro, cobre).
A eritropoiese (formação de glóbulos vermelhos) pode ser grandemente
estimulada pela secreção da hormona eritropoietina, dos rins, quando o número de
glóbulos vermelhos baixa para valores inferiores ao normal (como acontece com
grande perda de sangue), ou quando a necessidade de oxigénio aumenta (hipoxia
dos tecidos).
Os eritrócitos circulam durante 120 dias, sendo depois destruídos pelos
macrófagos do sistema reticulo-endotelial. A maior parte do ferro é removida pelo
heme, podendo ser usada para formar novos grupos heme. As pequenas
quantidades de ferro, perdidas diariamente na urina, nas fezes e no fluxo menstrual,
devem ser repostas através da sua ingestão. O heme residual decompõe-se para
formar bilirrubina, sendo segregado para a bílis. A energia, sob a forma de
adenosina trifosfato (ATP), é necessária para manter a integridade da membrana
celular, bem como o conteúdo relativamente baixo de sódio e relativamente alto de
potássio, de eritrócito (PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).

Leucócitos

Os leucócitos constituem o sistema de defesa móvel do organismo contra


invasores estranhos. Estas células, que se formam na medula óssea (granulócitos,
monócitos e certos linfócitos) e no tecido linfático (linfócitos), podem ser
classificadas em dois grupos: granulócitos polimorfonucleares (neutrófilos, basófilos
e eosinófilos) e leucócitos não-granulares (monócitos e linfócitos). A vida média de
um leucócito é de 4 a 5 dias, mas, uma vez activado, permanece na circulação
apenas 6 a 8 horas. Os monócitos que se instalam nos tecidos tornam-se
macrófagos, podendo ter uma vida de meses a anos, até serem destruídos no
processo de fagocitose.
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Os neutrófilos constituem 50% a 70% dos leucócitos circulantes. Face a


inflamação ou infecção, verifica-se um aumento transitório dos neutrófilos
(neutrofilia). Os neutrófilos proporcionam defesa de duas formas. Primeiro, libertam
o conteúdo das suas granulações, que contêm enzimas que destroem e digerem as
bactérias. Em segundo lugar, conseguem orientar a fagocitose de microrganismos
estranhos.
Os eosinófilos constituem cerca de 2% dos leucócitos circulantes. Se bem
que o seu papel nas infecções bacteriológicas não seja significativo, eles estão
implicados nas infecções parasitárias, ligando-se ao microrganismo e libertando
substâncias químicas, contribuindo, assim, para a destruição do agente invasor. Os
eosinófilos também estão implicados na reacção alérgica, impedindo inflamação
local ao espalharem-se por todo o organismo.
Os basófilos constituem menos de 1% dos leucócitos circulantes. As
granulações do basófilo contêm heparina e histamina, bem como pequenas
quantidades de bradiquinina e serotinina. Estas substâncias são libertadas durante o
processo de inflamação. Na reacção alérgica, o anticorpo da imunoglobulina E liga-
se ao basófilo, provocando a libertação de substâncias químicas e tendo como
consequência a reacção tecidular localizada que, frequentemente, se observa na
reacção alérgica.
Os monócitos circulantes constituem 2% a 8% do número total de leucócitos.
Estes são maiores que os granulócitos e têm um núcleo reniforme. A maioria dos
monócitos encontram-se nos tecidos e tornam-se macrófagos quando abandonam a
circulação. O macrófago dos tecidos é a primeira linha de defesa contra a infecção.
Estes macrófagos dos tecidos participam na fagocitose de células mortas e lesadas,
fragmentos de células e microrganismos.
Os linfócitos, que correspondem aos restantes 20% a 40% dos leucócitos,
têm um núcleo redondo ou oval. A maioria dos linfócitos têm origem no tecido
linfóide, mas também provêm da medula óssea. São dois os tipos de linfócitos: os
linfócitos T circulantes, que provêm do timo, e os linfócitos B não circulantes. Os
linfócitos T têm uma vida prolongada e dão início à reacção de imunidade celular, ao
passo que os linfócitos B têm uma vida curta e iniciam a reacção de imunidade
humoral (PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).
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Trombócitos

Os trombócitos (plaquetas) não são células, mas fragmentos de células


anucleares, granulares, em forma de disco. Cerca de dois terços do total de
plaquetas encontram-se no sistema circulatório e o terço restante encontra-se no
baço, como reserva. A vida da plaqueta é de, aproximadamente, 6 a 10 dias. As
plaquetas também derivam de células indiferenciadas, e são essenciais à
hemostase e à coagulação (FIGURA 2).

FIGURA 2 – Produção, maturação e função dos granulócitos e monócitos-


macrófagos.

Fonte: PHIPPS, Wilma J.; SANDS, Judith K.; MAREK, Jane F., - Enfermagem médico cirúrgica:
conceitos e prática clínica. 6ª ed. Loures : Lusociência, cop.2003.4ºvol..ISBN 972-8383-65-7 p.895.
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A hemostase é resultante das capacidades de adesão e agregação, das


plaquetas, para obstruir pequenas roturas dos vasos sanguíneos. As plaquetas
também libertam tromboplastina (factor III) que, em presença de iões de cálcio,
converte a protrombina em trombina, na primeira fase da cascata de coagulação
(FIGURA 3).

FIGURA 3 – Fases elementares do processo de coagulação

Fonte: PHIPPS, Wilma J.; SANDS, Judith K.; MAREK, Jane F., - Enfermagem médico cirúrgica:
conceitos e prática clínica. 6ª ed. Loures : Lusociência, cop.2003.4ºvol..ISBN 972-8383-65-7 p.895.

Na segunda fase da cascata de coagulação, a trombina fomenta a conversão


do fibrinogénio (uma proteína solúvel no plasma) em fibrina (uma estrutura
filamentosa insolúvel) (FIGURA 4).

FIGURA 4 – Formação do Coágulo Sanguíneo


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Fonte: PHIPPS, Wilma J.; SANDS, Judith K.; MAREK, Jane F., - Enfermagem médico cirúrgica:
conceitos e prática clínica. 6ª ed. Loures : Lusociência, cop.2003.4ºvol..ISBN 972-8383-65-7 p.896.
A primeira fase envolve os factores de coagulação IV, V, VIII, IX, X, XI e XII,
ao passo que a segunda envolve os factores IV e XIII (TABELA 1) (PHIPPS, SANDS
e MAREK, 2003).

TABELA 1 – Factores de Coagulação

Factor I Fibrinogénio
Factor II Protrombina
Factor III Tromboplastina, tromboplastina tecidular
Factor IV Cálcio
Factor V Pró-acelerina, factor lábil
Factor VI Acelerador da conversão da protrombina sérica
Factor VII Globulina anti-hemolítica
Factor Factor anti-hemolítico
VIII
Factor IX Componente trmboplastínico do plasma, Factor Christmas
Factor X Factor de Stuart-Prower
Factor XI Antecedente da tromboplastina plasmática
Factor XII Factor de Hageman, factor de contacto
Factor Factor estabilizador da fibrina, fibrinase
XIII

Fonte: PHIPPS, Wilma J.; SANDS, Judith K.; MAREK, Jane F., - Enfermagem médico cirúrgica:
conceitos e prática clínica. 6ª ed. Loures : Lusociência, cop.2003.4ºvol..ISBN 972-8383-65-7 p.894.

2.1.1.2 – Sistema Reticulo-Endotelial

O sistema reticulo-endotelial, também denominado sistema fagocitário


mononuclear ou sistema macrófago, inclui os monócitos circulantes e as respectivas
células precursoras na medula óssea. Inclui, igualmente, as células fagocitárias
mononucleares, mais ou menos fixas (também denominadas macrófagos), que se
encontram nos vasos sanguíneos do baço e do fígado (células de Kupffer), no
sistema linfático, nas cavidades serosas do organismo, nos pulmões, no tecido
conjuntivo em geral, e na medula óssea.
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O sistema reticulo-endotelial é, principalmente, responsável pela fagocitose, a


qual consiste no processo de absorção e destruição pelos glóbulos brancos. Além,
da fagocitose, o sistema reticulo-endotelial degrada a hemoglobina numa
substância, que contém ferro, e na bilirrubina (PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).

2.1.1.3 – Sistema Linfático

O sistema linfático é uma via alternativa pela qual os fluidos circulam, entre os
espaços intersticiais e o sangue. Tem como função principal eliminar as proteínas
dos espaços teciduais. Todos os tecidos do organismo contêm canais linfáticos,
excepto o sistema nervoso central, os ossos e as camadas superficiais da pele. A
linfa circula pelo organismo à razão de 120 ml/h. o sistema linfático também
desempenha um papel importante na regulação do volume intersticial.
O gânglio linfático normal consiste em tecido conjuntivo que envolve uma fina
rede de células reticulares. As células retículo-endoteliais funcionam, principalmente,
na fagocitose dos resíduos celulares. Os linfócitos, que constituem as células
principais dos gânglios linfáticos, têm como principal função desencadear reacção
imunitária aos antigénios que se apresentam ao gânglio, provenientes da estrutura
que ele esteja a segregar.
A inflamação do gânglio linfático, ou linfadenopatia, é a consequência de
aumento do número de da dimensão dos folículos linfóides, com proliferação de
linfócitos células retículo-endoteliais. Verifica-se igualmente lifadenopatia quando o
gânglio é invadido por células normalmente ausentes (células leucémicas ou
cancerígenas).
No linfoma, a estrutura ganglionar é destruída pelas células malignas.
Os gânglios linfáticos normais não são palpáveis. Face a doença e ao
consequente aumento da sua dimensão tornam-se palpáveis (PHIPPS, SANDS e
MAREK, 2003).

2.1.2 – Alterações Fisiológicas associadas ao Envelhecimento


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O efeito do envelhecimento na hematopoiese continua a ser objecto de


estudo, com conclusões, por vezes, ambíguas ou de significado clínico duvidoso.
Estudos realizados na medula de ratos demonstraram que as células indiferenciadas
têm uma capacidade de proliferação limitada. As conclusões dos estudos realizados
em animais indicam que as alterações, relacionadas com o envelhecimento, não têm
significado clínico. A celularidade da medula humana diminui com a idade, mas tal
pode dever-se ao aumento de gordura, por osteoporose, e não à diminuição das
células hematopoiéticas.
No ser humano, o número total de leucócitos e a contagem diferencial não
apresentam variações durante a meia-idade nem grandes alterações na velhice.
Regra geral, a contagem não sobe tanto em reacção a infecção, nos idosos, e os
estudos realizados indicam que os idosos têm uma menor reserva de granulócitos
na medula.
Depois da meia-idade, o nível de hemoglobina diminui, s bem que, na mulher,
esta diminuição pareça ser inferior à verificada no homem. Tem-se constatado uma
anemia inexplicável no idoso, mas a absorção de ferro não fica comprometida; no
entanto, a administração oral de ferro é reduzida devido aos efeitos secundários de
osbtipação. Esta anemia não parece estar relacionada apenas com a idade. O ferro
sérico e a capacidade de ligação do ferro diminuem no idoso, registando-se baixos
níveis séricos de vitamina B12 e ácido fólico num número significativo de idosos,
que, todavia, não apresentam anemia. Sinais e sintomas manifestos de
perturbações hematológicas numa pessoa mais jovem podem ser confundidos com
envelhecimento natural numa pessoa mais velha. Fadiga, intolerância à actividade e
palidez podem ser atribuídos a idade avançada. Ao fazer a avaliação de um doente
idoso, é essencial estar consciente das alterações fisiológicas normais e saber
distingui-las das alterações fisiológicas relacionadas com disfunção hematológica. É
também no idoso que se regista maior propensão para doença crónica, bem como
maior risco de malignidade.
Ambas as situações podem causar anemia cuja origem é, de outro modo,
inexplicável.
Não se têm detectado alterações nas plaquetas relacionadas com a idade.
Sabe-se que certos factores de coagulação plasmática aumentam com a idade
(factores I, V, VII e IX). O tempo de tromboplastina parcial (PTT) pode ser menor.
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A velocidade de sedimentação dos eritrócitos aumenta consideravelmente,


mas o seu valor é limitado na detecção de doenças no idoso (PHIPPS, SANDS e
MAREK, 2003).

2.2 – DADOS SUBJECTIVOS

São várias as perturbações que afectam o sistema hematopoiético. para além


das perturbações hematológicas primárias, os efeitos secundários por doença noutro
sistema orgânico podem manifestar-se sob a forma de situações hematológicas
anómalas. Por exemplo, anemia associada a insuficiência renal é consequência de
doença extrínseca ao sistema hematopoiético.
A sintomatologia vaga das perturbações do sistema hematológico obriga a
uma avaliação minuciosa. Os sintomas comuns incluem falta de ar, fadiga,
equimoses, fezes cor de alcatrão, obstipação, linfadenopatias, doença tipo gripal e
dor músculo-esquelética. Infelizmente, estes sintomas verificam-se num grande
número de outras doenças. A causa de qualquer anomalia hematológica deve ser
seguida de muito perto. A importância de um diagnóstico rigoroso, aliada à
diversidade dos sinais e sintomas, nem sempre específicos, torna altamente
provável que a pessoa se veja envolvida num complexo processo de diagnóstico.
Uma história completa deve incluir informações detalhadas sobre os sintomas
do doente e um exame físico completo. A história de uma pessoa, que se suspeita
sofrer de doença hematológica, deve incluir outros dados-chave, como sejam,
antecedentes familiares e medicamentosos, exposição a substâncias químicas e
queixas gerais não-específicas apresentadas pelo doente (PHIPPS, SANDS e
MAREK, 2003).

2.2.1 – Antecedentes Familiares


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A existência de perturbações hematológicas hereditárias, como anemia das


células falciformes e tumores malignos, obriga à obtenção de antecedentes
familiares detalhados. A colheita de dados, referente a doença ou presença de
sintomas entre os familiares, deverá incluir referência aos pais e irmãos (o
genograma é um excelente instrumento para visualizar a história familiar). Em
presença de perturbações específicas, como hemofilia, a história deverá abranger
avós, tios e sobrinhos. Outras perturbações há que requerem que se dê especial
atenção aos familiares do sexo feminino. A história deverá explorar casos de
hemorragia grave ou prolongada, após pequeno traumatismo, extracções dentárias
ou intervenções cirúrgicas. A ocorrência de icterícia ou anemia, em familiares,
também deve ser indagada (PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).

2.2.2 – Fármacos e Substâncias Químicas

Os fármacos podem induzir ou potenciar doenças hematológicas. O caso


mais ilustrativo é o dos efeitos citostáticos, usados na quimioterapia, e a neutropenia
associada ao cloranfenicol. A história completa dos medicamentos tomados por uma
pessoa constitui parte crucial da avaliação. Os analgésicos, tranquilizantes, laxantes
e sedativos são, muitas vezes, esquecidos pelo doente, quando se lhe pergunta
quais os medicamentos que toma. É necessário fazer perguntas específicas, muitas
vezes por palavras simples, para se obter a história completa dos medicamentos
(PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).

2.2.3 – Febre

A febre é uma manifestação comum de muitas perturbações hematológicas, e


esta é uma das perguntas importantes a fazer durante a obtenção dos antecedentes.
A febre é uma manifestação vulgar em linfomas, essencialmente na doença de
Hodgkin e leucemia. As perturbações hemolíticas podem ser acompanhadas de
fortes calafrios. Os suores nocturnos estão frequentemente associados tanto ao
linfoma como à leucemia (PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).
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2.2.4 – Fadiga e Mal-Estar

A fadiga e o mal-estar são sintomas difíceis de avaliar, pois acompanham


frequentemente muitas perturbações físicas e emocionais. As informações
referentes à ocorrência desses sintomas devem ser incluídas na história do doente.
Quando aliados a achados físicos e laboratoriais têm algum valor para o diagnóstico.
Além disso, a descrição subjectiva desses sintomas permite ter alguma noção de
como a doença está a ser percepcionada pelo doente, bem como em que medida
ela está a afectar o seu quotidiano e a sua capacidade de adaptação a alterações na
hemostase (PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).

2.3 – EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO

Na pessoa que se suspeite sofrer de uma perturbação hematológica, devem


fazer-se variadíssimas análises de sangue, como parte integrante do exame
minucioso para diagnóstico (TABELA 2).
As análises laboratoriais mais comuns incluem os valores de hemoglobina e
hematócrito, os índices de eritrócitos e esfregaço de sangue periférico, que
compreende contagem diferencial de leucócitos. As informações obtidas através
destas análises proporcionam pistas importantes sobre a patologia subjacente. Além
da sua importância para o diagnóstico, as análises do sangue são utilizadas para
avaliar a evolução do doente e a sua reacção ao tratamento. A confirmação de
doença hematológica depende, muitas vezes, de um exame de esfregaço de sangue
periférico e dos resultados do exame da medula óssea. Os resultados da
hemocultura e prova de sensibilidade são importantes para excluir outras causas de
febre, mal-estar ou alterações do hemograma (PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).

TABELA 2 – Exames Laboratoriais para Avaliação Hematológica


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Célula
Função Exame de Diagnóstico
Sanguínea
 Contagem de eritrócitos,
hemoglobina, hematócrito,
Mediar a permuta de reticulócitos.
oxigénio e dióxido de  Índices do sangue:
carbono entre os pulmões e hemoglobina, concentração
ERITRÓCITOS globular média de hemoglobina
os tecidos, transportar (CGMH), hemoglobina globular
oxigénio e eliminar o dióxido média (HGM).
de carbono  Fragilidade eritrocitária.
 Descrição morfológica da
coloração da citologia.
Produzir rolhão plaquetário:
fomentar a produção de
 Agregação das plaquetas;
TROMBÓCITOS trombina.
 Contagem plaquetária;
(PLAQUETAS) Proporcionar factor IV para  Tempo de hemorragia.
neutralizar a acção da
heparina.
LEUCÓCITOS
Granulócitos
Neutrófilos Iniciar a fagocitose.
Reduzir as reacções
Eosinófilos alérgicas, infestações
parasitárias.  Diferencial de leucócitos;
Medir as reacções de  Testes cutâneos a alergias;
Basófilos  Imunoelectroforese;
hipersensibilidade.
Formar imunoglobinas,  Imunodifusão radial.
resposta humoral (linfócitos
Linfócitos
B), reacção celular (linfócitos
T), resposta imunitária.
Iniciar a fagocitose.
Monócitos

Fonte: PHIPPS, Wilma J.; SANDS, Judith K.; MAREK, Jane F., - Enfermagem médico cirúrgica:
conceitos e prática clínica. 6ª ed. Loures : Lusociência, cop.2003.4ºvol..ISBN 972-8383-65-7 p.900.

2.3.1 – Hemoglobina e Hematócrito


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A análise da hemoglobina avalia a quantidade de hemoglobina circulante. O


volume de concentrado de glóbulos vermelhos, ou hematócrito, é a relação entre o
volume de sangue total (TABELA 3) (PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).

TABELA 3 – Valores Normais dos Componentes Celulares do Sangue

TIPO VALORES NORMAIS


Sexo masculino:4,6-6,1
milhões/mm3
Eritrócitos
Sexo feminino: 4,0-5,4
milhões/mm3
Sexo masculino: 45-52%
Hematócrito
Sexo feminino: 37-48%
Sexo masculino: 13-18 g/100 ml
Hemoglobina
Sexo feminino: 12-16 g/100 ml
Volume Globular Médio (VGM) 80-95 m3
Concentração globular média de hemoglobina
32-36%
(CGMH)
Leucócitos 5000-10,000/mm3
Neutrófilos 55-70%
Eosinófilos 1-4% Contagem diferencial
do sangue – em
Basófilos 0-1% percentagens
Monócitos 2-6%
Linfócitos 25-40%
Plaquetas 150,000/mm3

Fonte: PHIPPS, Wilma J.; SANDS, Judith K.; MAREK, Jane F., - Enfermagem médico cirúrgica:
conceitos e prática clínica. 6ª ed. Loures : Lusociência, cop.2003.4ºvol..ISBN 972-8383-65-7 p.900.

2.3.2 – Índices de Eritrócitos

Os índices de eritrócitos consistem em volume globular médio (VGM),


hemoglobina globular média (HGM) e concentração de hemoglobina globular média
(CHGM).
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O volume globular médio (VGM) calcula o tamanho médio dos eritrócitos. A


hemoglobina globular média (HGM) e concentração de hemoglobina globular média
(CHGM) medem o teor de hemoglobina nos eritrócitos. Considera-se que a
concentração de hemoglobina globular média é mais rigorosa que a hemoglobina
globular média, porque avalia a hemoglobina no sangue, na sua totalidade, e não
apenas numa única célula. Os índices eritrocitários traduzem o diagnóstico
diferencial do tipo de anemia (PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).

2.3.3 – Esfregaço de Sangue Periférico

Cada célula sanguínea possui características microscópicas que a identificam


e separam de outros tipos de células. O esfregaço de sangue periférico fornece
informações sobre a etiologia de uma anemia. Observam-se o tamanho e a forma
dos eritrócitos. A alteração na sua forma é referida como poiquilocitose. Os
leucócitos são examinados para se obterem informações sobre a produção
adequada de medula óssea. Um número baixo de plaquetas pode ser indicativo de
tendência para hemorragia. Muitas vezes, esta informação, em conjunto com
antecedentes clínicos, exame físico e outras análises laboratoriais, determina o
diagnóstico clínico (PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).

2.3.4 – Exame da Medula Óssea

O exame da medula óssea é complementar ao do esfregaço de sangue


periférico. Regra geral, realiza-se o exame da medula óssea nos casos em que o
esfregaço de sangue periférico não permite fazer um diagnóstico conclusivo, ou
quando se tornam necessárias mais informações. A amostra de medula óssea é
obtida por aspiração ou biopsia. A FIGURA 5 mostra locais de medula óssea
(PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).

FIGURA 5 – Locais de medula óssea activa


Transfusão Sanguínea 24
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

Fonte: PHIPPS, Wilma J.; SANDS, Judith K.; MAREK, Jane F., - Enfermagem médico cirúrgica:
conceitos e prática clínica. 6ª ed. Loures : Lusociência, cop.2003.4ºvol..ISBN 972-8383-65-7 p.901.

2.3.5 – Testes de Coagulação

Constituem Testes de Coagulação: Tempo de Tromboplastina Parcial


Activada e Tempo de Protrombina; Produtos de Degradação de Fibrina e Prova do
Factor de Coagulação.

2.3.5.1 - Tempo de Tromboplastina Parcial Activada e Tempo de Protrombina

O tempo de tromboplastina parcial activada (geralmente, 25 a 35 segundos)


mede os segundos em que se forma um coágulo. É usada para avaliar e detectar
anomalias, congénitas ou adquiridas, no sistema de coagulação, bem como para
Transfusão Sanguínea 25
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

controlar a eficácia da terapia com heparina. O tempo de protrombina (geralmente,


10 a 30 segundos, ou 60% a 140% da actividade de coagulação normal) também
avalia o tempo necessário para a formação de coagulo, mas avalia especificamente
os factores I, II,V, VII e X de cascata de coagulação. O Tempo de Protrombina é
usado para avaliar a terapia com varfarina e para fazer o despiste de insuficência de
vitamina K e de coagulação intravascular disseminada.
O Tempo de Protrombina pode ser registado sob a forma de tempo, em
segundos, de percentagem de actividade de coagulação normal ou como Rácio de
Normalização Internacional (PHIPPS, SANDS e MAREK, 2003).

2.3.5.2 - Produtos de Degradação de Fibrina

Durante o processo de fibrinólise, o fibrinogénio degrada-se em fragmentos


que se designam por produtos de degradação da fibrina. Na coagulação
intravascular disseminada verificam-se níveis aumentados destes produtos, sendo
igualmente usados para avaliar a rejeição de órgãos transplantados.

2.3.5.3 - Prova do Factor de Coagulação

Para diagnosticar perturbações específicas da via de coagulação, é


necessário isolar anomalias específicas do nível do factor. A análise do factor de
coagulação ajuda a detectar insuficiências específicas (PHIPPS, SANDS e MAREK,
2003).
Transfusão Sanguínea 26
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

3 – TRANSFUSÃO SANGUÍNEA

O sangue total colectado para transfusão contém aproximadamente 450 ml de


sangue anticoagulado. Deste, as hemácias (ou concentrado de células) são
separadas do plasma para atingirem um hematócrito de 65 a 80% em 250 a 300 ml.
As soluções que contêm adenina e solução salina, adicionadas ao sangue logo após
a colecta, aumentam o tempo de estocagem permissível de 21 ou 35 dias para 42
dias. As hemácias, mais adenina-solução salina, apresentam um hematócrito de 55
a 65% e um volume de mais ou menos 325 ml.
Os doadores de sangue são extensamente inquiridos, e o seu sangue é
testado para diminuir o risco de transmissão de retrovírus, de vírus da hepatite, de
sífilis e, em alguns casos, de citomegalovirus. Entretanto, todos os riscos não podem
ser eliminados. Por conseguinte, a terapia transfusional deve ser utilizada de uma
forma conveniente para assegurar que o benefício ultrapassará os riscos potenciais
(WYNGAARDEN, SMITH e BENNETT, 1993).

3.1 – INDICAÇÕES DE TRANSFUSÃO DE DERIVADOS DE SANGUE

Na tabela seguinte, são descritas as indicações de transfusão sanguínea,


relacionado com os derivados de sangue (TABELA 4).
Transfusão Sanguínea 27
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

TABELA 4 – Indicações de transfusão de derivados de sangue

Produto Descrição Indicação

Substituição de Eritrócitos
Actualmente
Sangue total (a transfundir apenas usado em
Sangue Fresco
nas 72h após a colheita) caso de urgência

Eritrócitos centrifugados, em
plasma ou numa solução
Glóbulos Vermelhos aditiva, leucócitos e Transfusão
Separados trombócitos removidos clássica
mecanicamente

Transfusões
Concentrado de glóbulos, repetidas,
sem leucócitos nem antecedentes de
Glóbulos Vermelhos pobres
trombócitos. Menos reacções
em Leucócitos
imunogénico transfusionais, e
antes de um
transplante
Eritrócitos “lavados” ou seja,
completamente livres de
Glóbulos Vermelhos Apenas com
leucócitos e de trombócitos
“lavados” indicação especial
e com uma quantidade de
plasma mínima
Concentrado de glóbulos
Glóbulos Vermelhos Apenas no caso de
pobre em leucócitos, filtrado
irradiados indicação especial
e irradiado com 30 Gy

Substituição de Trombócitos

Trombócitos isolados a partir


de uma doação de sangue
total, em 50 ml de plasma.
Produto Trombopénia
Contêm restos de leucócitos
e eritrócitos

CP de um máximo de 8 Trombopénia,
Transfusão Sanguínea 28
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

dadores compatíveis preparado de


“rotina”
CP obtido por meio de um
Por exemplo
separador de células, a
doentes com
partir de um único dador
Sangue Fresco imunidade contra
com imunidade mais
antigénios HLA ou
reduzida
plaquetários

Por exemplo
doentes em que é
Trombócitos filtrados com
Glóbulos Vermelhos previsível uma
eliminação de 99% dos
Separados substituição mais
leucócitos
prolongada

Substituição de Granulócitos

Aranulocitose
Granulócitos de um único (granulócitos
Glóbulos Vermelhos pobres
dador <800/µl sangue),
em Leucócitos
com infecção
Simultânea

Substituição de Plasma

Transfusões
massivas,
Plasma de um único dador,
alterações da
congelado por choque,
coagulação
pobre em células e com
complexas,
factores da coagulação. A
deficiência de
transfusão deve ocorrer
factores V e XI
imediatamente a seguir à
(não estão à
descongelação (grupos
disposição
sanguíneos idênticos)
preparados
separados)

Substituição de Constituintes isolados do Plasma (produtos prontos a


utilizar independentes do grupo sanguíneo)

Albumina Humana Hipovolémia


Transfusão Sanguínea 29
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

severa,
hipoalbuminémia
crónica

Imunização passiva
Imunoglobulina G, de outras
no caso de risco
proteínas residuais,
elevado de
sobretudo outras
infecções ou
imunoglobulinas
complicações

Por exemplo,
profilaxia da
Anticorpos correspondentes
hepatite A, defeitos
aos antigénios mais comuns
imunitários com
na população
deficiência de
anticorpos

Profilaxia a seguir
ao contacto com
Teor de anticorpos
determinados
específicos cerca de 10
agentes como por
vezes superior ao normal,
exemplo, hepatite
através de uma selecção
A, hepatite B,
apropriada dos dadores
rubéola, tétano,
raiva

Hemorragias nas
hepatopatias,
Complexo protrombínico rico
sobredosagem de
em factores II, VII, IX e X
antivitamina K,
CID, hemofilia B

Factor VIII, o factor VIII/


factor von Willebrand; factor Deficiência de
IX; antitrombina III; factores isolados
fibrinogénio

CG = Concentrado de CP = Concentrado de
Glóbulos Plaquetas

Fonte: SCHÄFFLER, Arne; MENCHE, Nicole - Medicina Interna e Cuidados de Enfermagem:


Manual para Enfermeiros e outros profissionais de Saúde. LUSOCIÊNCIA, Loures, 2004
Transfusão Sanguínea 30
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

3.2 – IMUNO-HEMATOLOGIA

Dois aspectos importantes a ter em conta aquando de uma transfusão de


sangue, são: o grupo sanguíneo e o teste de compatibilidade.

3.2.1 – Grupos Sanguíneos

Os determinantes antigénios das hemácias estão sob controle genético. As


relações alélicas são designadas com base em estudos familiares ou estatísticos
populacionais que mostram antigénios diferentes ou através de mapeamento
genético e de análises bioquímicas. A importância clínica de um determinado grupo
sanguíneo depende da sua frequência na população, da imunogenicidade do
antigenio, e se os aloanticorpos direccionados contra ele são imunoglobulina G ou
imunoglobulina M ou se eles activam o complemento.
ABO é o sistema de grupo sanguíneo mais importante porque anti-A e anti-B
são encontrados em todas as pessoas sem o antigénio correspondente. A hemólise
intravascular é um risco importante se estes anticorpos estiverem presentes em
altos títulos e se o sangue incompatível for infundido. Anti-A e anti-B são anticorpos
naturais, isto é, existem mesmo na ausência de transfusão previa ou de gravidez.
O sistema Rh é o próximo em importância. Aproximadamente 70% das
pessoas Rh-negativas expostas a sangue Rh-positivo produzem anticorpos anti-Rh.
Os anticorpos anti-Rh estão implicados nas reacções hemolíticas e atravessam a
placenta para causarem a doença hemolítica do recém-nascido. Para fins práticos,
divide-se o sistema Rh entre os tipos Rh-positivo e Rh-negativo através de testes de
hemácias com o anticorpo Rh mais frequente, o anti-D. Uma classificação utilizada
comumente subdivide ainda mais o sistema Rh em três pares de genes alelos
ligados intimamente: Cc, Dd, Ee. Por exemplo, um individuo pode herdar o C, D e o
e de um dos pais e o c, d e o e de outro. Embora o símbolo “d” seja usado, ele é um
amorfo, isto é, não existe um alelo para D (WYNGAARDEN, SMITH e BENNETT,
1993).
Transfusão Sanguínea 31
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

3.2.2 – Teste de Compatibilidade

O teste de compatibilidade envolve a confirmação do grupo sanguíneo do


dador, a determinação dos tipos ABO e Rh do receptor, e o rastreamento do soro do
doente à procura de anticorpos inesperados (isto é, outros anticorpos, além de anti-
A e anti-B), e a realização de uma reacção cruzada principal.
Os receptores de sangue total precisam receber sangue de um doador com o
mesmo grupo ABO, já que anti-A e/ou anti-B presentes no plasma destroem as
hemácias do receptor. Por exemplo, sangue total do grupo O deve ser dado só para
doentes do grupo D, e os doentes do grupo AB devem receber apenas sangue total
do grupo AB. Já que o volume de plasma está reduzido nos concentrados de
hemácias, o tipo sanguíneo do doador e do receptor de transfusões de concentrados
de células podem ser compatíveis ao invés de idênticos; isto é, hemácias do grupo
O (doador universal) podem ser dadas para doentes dos grupos A, B ou AB, e
indivíduos do grupo AB (receptores universais) podem receber as hemácias dos
grupos O, A ou B. os doentes Rh-negativos devem receber sangue total ou
concentrado de hemácias Rh-negativas. Os Rh-positivos podem receber tanto
sangue Rh-positivo como Rh-negativo (WYNGAARDEN, SMITH e BENNETT, 1993).

3.3 – PROCEDIMENTO DE TRANSFUSÃO SANGUÍNEA

O procedimento de uma transfusão sanguínea, em si, inclui várias fases,


entre elas, a preparação de uma transfusão sanguínea, a preparação do doente,
durante a transfusão sanguínea e no fim da transfusão sanguínea.

3.3.1 – Preparação de uma transfusão sanguínea

A preparação de uma unidade de sangue para transfusão é da


responsabilidade do médico; no entanto, este pode delegar a tarefa ao pessoal de
enfermagem.
Na preparação da transfusão, devem ter-se em atenção os seguintes
aspectos:
Transfusão Sanguínea 32
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

A unidade de sangue a transfundir deve estar à temperatura


ambiente. Se a unidade (ainda) estiver fria, por exemplo no caso de uma
urgência, pode ser aquecida consoante as instruções do médico, com
aparelhos de aquecimento próprios para o sangue;
A par da prova “Bedside”, é ainda necessária uma outra prova de
segurança, realizada por duas pessoas diferentes: comparar os dados, na
Unidade, com os papéis acompanhantes e a documentação do doente.
De seguida, verificar se o saco está integro e se não há alteração da cor
do produto (SCHÄFFLER & MENCHE, 2004).

3.3.2 – Preparação do doente

O esclarecimento do doente é da responsabilidade do médico (no caso de


transfusões repetidas, apenas antes da primeira transfusão).
O pessoal de enfermagem informa o doente acerca da transfusão iminente,
e solicita-o a ir mais uma vez à casa de banho.
Sendo da sua responsabilidade, o sistema de transfusão de sangue é
colocado pelo médico (em Portugal é um procedimento de Enfermagem). A
velocidade normal da transfusão corresponde a 40-60 gotas por minuto, ou seja, um
concentrado de eritrócitos demora cerca de uma hora de transfusão (SCHÄFFLER &
MENCHE, 2004).

3.3.3 – Durante a transfusão sanguínea

Após dar inicio à transfusão, e se está a decorrer sem problemas, a restante


vigilância é em regra delegada aos enfermeiros. Uma vigilância rigorosa do doente
permite detectar precocemente eventuais reacções transfusionais:
 Controlo regular dos sinais vitais;

 Vigiar o aparecimento de rubor ou urticária, ao nível da pele;

 Perguntar ao doente como se sente;


Transfusão Sanguínea 33
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

 Controlo do sistema de perfusão e do conteúdo do saco de sangue,


bem como do local de punção.

As queixas inexplicáveis, como por exemplo “estou-me a sentir esquisito” ou


“tenho uma sensação de mal-estar”, devem ser sempre tomadas a sério. Nestes
casos, vigiar continuamente o doente e, se as manifestações se mantiverem, avisar
imediatamente o médico (SCHÄFFLER & MENCHE, 2004).

No ANEXO 1 está exposto o protocolo de actuação na Transfusão


Sanguínea seguido no serviço de Gastrenterologia.

3.3.4 – Fim da transfusão

A transfusão é terminada quando não houver mais de 10 ml de sangue no


saco:
 O acesso venoso é lavado com NaCl, devendo ser mantido durante
mais algum tempo a fim de se poder injectar medicamentos em caso de
complicações tardias. Se for colocada uma perfusão logo de seguida, o
acesso deve ser igualmente lavado com NaCl;
 Vigiar continuamente o doente;

 Guardar o sistema de transfusão usado com o resto de sangue, no


frigorífico, durante 24 horas (SCHÄFFLER & MENCHE, 2004).

3.4 – EVENTOS ADVERSOS ASSOCIADOS À TRANSFUSÃO SANGUÍNEA

As causas mais frequentes das reacções transfusionais são as reacções de


incompatibilidade do doente contra os glóbulos brancos transfundidos.
A hemólise e as reacções de origem bacteriana, derivadas das transfusões
contaminadas, assim como o choque com coagulação intravascular disseminada,
são complicações raras, mas graves. Nas transfusões, a mala ou carro de
emergência devem estar sempre à disposição.
Transfusão Sanguínea 34
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

Os sinais de uma reacção de incompatibilidade são: agitação, sensação de


opressão, náuseas, vómitos, dificuldade respiratória, dores articulares e dos
membros, cefaleias e nos casos graves, sinais de choque. Deve-se parar a
transfusão, chamar o médico, manter o acesso venoso (com NaCl).
Os sinais de uma reacção alérgica são: urticária, prurido, eritema, diminuição
brusca da tensão arterial. Deve-se interromper a transfusão e avisar o médico.
Os sinais de contaminação bacteriana da unidade de sangue são a febre e
os arrepios. Deve-se parar a transfusão, avisar o médico, manter o acesso venoso
permeável e preparar a colheita de sangue para hemocultura (SCHÄFFLER &
MENCHE, 2004).

3.4.1 – Principais perigos na administração de derivados do sangue

Os doentes com patologias hemáticas, ou tumores sólidos, têm


frequentemente uma deficiência de determinados derivados do sangue. Muitos
destes doentes podem ser salvos através da administração de componentes
sanguíneos.
Principais perigos na administração de derivados do sangue:
 Até hoje, só se conhece uma parte dos antigénios que dão origem às
reacções de incompatibilidade. Desses, apenas se podem testar os mais
importantes antes da administração de derivados do sangue. As reacções de
incompatibilidade não ameaçam o doente de forma imediata. Em cada
administração de derivados de sangue, existe ainda o perigo da imunização, a
qual reduz o sucesso de futuras transfusões ou de eventuais transplantes de
órgãos;
 Muitos derivados do sangue acarretam o perigo de transmissão de agentes
infecciosos. O vírus da hepatite e o HIV constituem uma ameaça especial. A
pesquisa destes vírus em todos os dadores de sangue não é absolutamente
eficaz na fase em que o gérmen não é detectável;
 Hoje em dia, numa parte dos derivados de sangue, os vírus podem ser
inactivados com muita segurança. Contudo, certos derivados do sangue podem
passar as malhas da rede e pôr os doentes em risco, pois podem resultar de uma
Transfusão Sanguínea 35
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

selecção negligente dos dadores, ou de falta de cuidado no processo de


inactivação do vírus;
 Também podem ocorrer desequilíbrios metabólicos, por exemplo
hipercaliémia ou alterações da coagulação, devido à hemólise. (SCHÄFFLER &
MENCHE, 2004).
Transfusão Sanguínea 36
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

4 – CONCLUSÃO

Após a elaboração deste trabalho, podemos inferir que se torna possível uma
melhoria na prestação de cuidados, consequente do aprofundamento de
conhecimentos sobre o tema de Transfusão Sanguínea.
Assim, deste modo foi possível descrever o Sistema Hematológico,
enunciando a sua anatomia e fisiologia, descrevendo desse modo os diversos
constituintes do sangue, entre eles as hemácias, leucócitos e trombócitos, no que
diz respeito à estrutura e função; além do sangue também o sistema
reticulo.endotelial que desempenha a fagocitose de glóbulos brancos. Ainda no
Sistema Hematológico, descrevemos os dados subjectivos indicadores de possíveis
alterações neste sistema, que são sobretudo, antecedentes familiares, fármacos e
substâncias químicas, febre, fadiga e mal-estar. Outro aspecto, diz respeito aos
exames complementares de diagnóstico que inclui: análise de hemoglobina e
hematócrito, índices de eritrócitos, esfregaço de sangue periférico, exame da medula
óssea e testes de coagulação.
No segundo capítulo abordámos a Transfusão Sanguínea, o que se verificou
que existem diversas indicações para esta forma terapêutica, contudo essas
indicações estão relacionadas com os diversos derivados de sangue que são
administrados distintamente. A administração de Transfusão de Sangue requer o
preenchimento de determinados requisitos, nomeadamente a verificação do grupo
sanguíneo e teste de compatibilidade.
Todo este procedimento de administrar sangue, requer a intervenção activa
da equipa de enfermagem, que desempenha o seu papel quer na preparação da
transfusão e do doente, quer no durante e após administração, com o intuito de
vigiar possíveis reacções e despiste de complicações, que exigem intervenção
imediata. Um aspecto a considerar é o reconhecimento dos eventos adversos que
podem surgir, nomeadamente reacção de incompatibilidade, reacção alérgica e
reacção de contaminação bacteriana.
Transfusão Sanguínea 37
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

Finalizo este trabalho com a ideia de que poderá ser um contributo para a
ampliação de conhecimentos e sobretudo para a melhoria da prestação de cuidados
Transfusão Sanguínea 38
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

BIBLIOGRAFIA

PHIPPS, Wilma J.; SANDS, Judith K.; MAREK, Jane F., - Enfermagem médico
cirúrgica: conceitos e prática clínica. 6ª ed. Loures : Lusociência,
cop.2003.4ºvol..ISBN 972-8383-65-7 p.893-903.

SCHÄFFLER, Arne; MENCHE, Nicole - Medicina Interna e Cuidados de


Enfermagem: Manual para Enfermeiros e outros profissionais de Saúde. Loures
: Lusociência, 2004

SMITH, Lloyd; WYNGAARDEN, James; BENNETT, J. Claude – Tratado de


Medicina Interna. 19ª ed. Rio de Janeiro : Editora Guanabara Koogan, 1993 (p.912-
916).
Transfusão Sanguínea 39
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

ANEXOS
Transfusão Sanguínea 40
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

Anexo 1 – PROTOCOLO DE ACTUAÇÃO NA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA

Administração de Sangue e seus Derivados

1. Definição: conjunto de procedimentos que levam à administração de sangue


e seus derivados;

2. Objectivos:
 Introdução de sangue total ou seus derivados directamente no sistema
circulatório;
 Saber detectar as principais complicações;
 Saber actuar em conformidade nas suas complicações.

3. Finalidade:
 Restaurar a volémia;
 Combater as infecções causadas por leucopenia;
 Melhorar a capacidade de transporte de O2 no sangue.

4. Princípios fundamentais
a. Preparação e avaliação do DOENTE e da TRANSFUSÂO;
b. Preparação do material;
c. Execução técnica e de registos;
d. Princípios gerais:
i. Sistema de sangue;
ii. Terapêutica e soros;
iii. Alimentação e vigilância.

4.1. Material
 Tabuleiro;
Transfusão Sanguínea 41
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

 Sistema de sangue com filtro;


 Cateter número 18;
 Saco de sangue;
 Bolas de algodão e compressas;
 Garrote;
 Almofada;
 Aquecedor de sangue.

4.2. Procedimento
Procedimento Justificação
Preparação psicológica do Diminuir a ansiedade do doente, esclarecer
doente (explicar ao doente o dúvidas que surjam e detectar o mais
procedimento e pedir-lhe que precocemente possível qualquer complicação.
verbalize qualquer alteração
sentida durante a transfusão).
Colocar o doente em posição Evitar a sobrecarga circulatória.
de semi-sentado
Lavagem cuidadosa das mãos. Prevenir as infecções nosocomiais.
Limpeza e desinfecção da pele Eliminar condições para o desenvolvimento
e cateterização de uma veia de microbiano. Permitir também uma boa perfusão
bom calibre. (cada unidade não deve exceder as 4 horas),
tendo em conta que o sangue é mais viscoso.
Retirar a unidade de sangue do O sangue armazenado é mais frio que o circulante
frigorifico uns minutos antes da e possui uma menor taxa de saturação de O 2, um
administração ou utilizar teor mais elevado de potássio, sódio e milhões de
aquecedor próprio. partículas.
Verificar a cor do sangue e/ou Detectar anomalias (um plasma avermelhado em
hemoderivados vez de amarelado, pode indicar hemólise ou
contaminação).
Conferir o rótulo, a requisição, Evitar a troca e detectar se o anticoagulante ainda
o nome do doente, a cama, está dentro da validade (21 dias).
registo do doente, grupo e
factor Rh do doente e do dador
e verificar a validade do
sangue.
Colocar a unidade de sangue Fixar pequenos coágulos, restos celulares,
Transfusão Sanguínea 42
Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

em curso com filtro adequado. plaquetas alteradas e leucócitos revestidos de


fibrina. Um sistema para cada unidade. Se houver
mais, colocar as restantes no frigorífico.
Deve encher-se a câmara de Visto que a queda do sangue directamente no
gotejo até ao nível acima do filtro, provoca hemólise dos eritrócitos.
filtro.
Avaliar sinais vitais no início e Detectar complicações hemidinâmicas.
durante a administração.
Permanecer junto do doente 10 Para detectar complicações imediatas.
a 15 minutos.
Iniciar a perfusão a ritmo lento. Em caso de complicações imediatas, as
consequências não são tão graves (aumentar o
ritmo de perfusão se não se registar nehuma
complicação).
Não administrar terapêutica. Excepto Soro Fisiológico. Se tiver de ser
administrada qualquer terapêutica de urgência,
deve lavar-se o prologador e o cateter com Soro
Fisiológico. As soluções de Dextrose a 5% em
água podem causar e hemólise dos eritrócitos e o
Lacatato pode causar a coaagulação devido à
grande quantidade de cálcio.
Pode ingerir dieta líquida. Os líquidos são mais rapidamente absorvidos.

4.3. Sinais e sintomas das principais complicações


 Erupção cutânea;
 Arrepios;
 Dor lombar;
 Suores frios;
 Cefaleias;
 Hipertermia;
 Náuseas e vómitos;
 Rubor;
 Prurido;
 HTA;
 Taquicardia;
 Dispneia;
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Conceitos Gerais e Intervenções de Enfermagem

 Cianose.

4.4. Reacções hemolíticas imediatas (actuação)

Procedimentos Justificação
1. Interromper de imediato a transfusão e
manter a veia com Soro Fisiológico;
2. Avaliar sinais vitais;
3. Guardar a unidade de sangue e o sistema;
4. Colher uma amostra de sangue para:
Para enviar ao Serviço de
 Hemoglobina plasmática;
Imunohemoterapia e ser
 Hemocultura;
analisado
 Tipagem.
5. Colher uma amostra de urina, vigiar o
débito e micções seguintes;
6. Avisar o médico de serviço do Serviço de
Imunohemoterapia.

5. Registos

 Hora de início;
 Quantidade;
 Reacção do doente;
 Hora do fim da transfusão.

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