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Vocalista Zé Rodrigo participa de bate-papo sobre Frank Sinatra  BISS 3

biss
REFERÊNCIA OBRIGATÓRIA

Um certo Van Gogh melancólico do folk


QUINTA-FEIRA, 19/06/2008 l biss@gazetadoparana.com.br l (45) 3218-2528

Consagrado como mito, o compositor de origem britânica Nick Drake estaria completando hoje 60 anos

SILVIO DEMÉTRIO sim como no disco anterior,


DA REDAÇÃO - CASCAVEL Drake exibe toda sua singulari-
dade na maneira de abordar o
Um traço singular da língua violão como instrumento. Não
portuguesa, o pretérito mais- simplesmente batidas lineares
que-perfeito, seria o tempo ver- como acompanhamento, mas a
bal mais adequado para cons- combinação intrincada de téc-
truir um perfil de Nick Drake. O nicas de arpejos com afinações
eterno mito de uma originali- alternativas desenvolvidas por
dade imaculada, o gênio ro- ele mesmo para o instrumento.
mântico por excelência. Assim Tudo isto faz do som de Drake
como Van Gogh, Nick Drake algo único, como as pinceladas
descreve com toda a intensida- que Van Gogh desenvolveu no
de de sua biografia a trajetória contexto de suas telas.
do artista incompreendido por Os problemas de relaciona-
seu tempo. mento se intensificam. Drake
Nascera estrangeiro para sempre exibia uma certa ten-
sempre, filho de um engenhei- dência para o isolamento e o si-
ro inglês a trabalho na Birmâ- lêncio. Falava muito pouco e,
nia. Nick Drake marcara o ca- com as dificuldades em receber
lendário no dia 18 de junho de o devido reconhecimento
1948 como sua origem dester- como compositor e músico, essa
ritorializada. Ao completar 4 tendência só vai se reforçar
anos de idade, sua família re- com o tempo.
torna para o interior da Ingla- É possível fazer um parale-
terra. O pai, Rodney Drake, es- lo entre o folk e o rock: o tercei-
colhera o vilarejo de Tanworth ro disco de Nick Drake, “Pink
in Arden para viver numa casa Moon”, está para o folk assim
típica de tijolos vermelhos, Criado no interior, Nick Drake é o retrato da incompreensão do gênio romântico como Oar, de Skip Spence está
muito comuns naquela região para o rock. Ambos os discos
próxima à cidade de Birmin- são a expressão limite de um
gham. A propriedade chamava-se Far Leys gênio que se arrebenta em estilhaços
e foi o ambiente perfeito para uma infân- numa última tentativa em alcançar reco-
cia tranqüila. nhecimento. Lançado em fevereiro de
Nick Drake começara a expressar seu 1972, o disco vai ser o mais despojado de
gosto pela música ainda nos tempos de co- todos. A não ser pela primeira música ho-
légio em sua cidade natal. Em 1966 ganha mônima ao álbum, nenhuma das outras
uma bolsa para estudar literatura inglesa faixas vai ter qualquer acompanhamento.
na prestigiada Universidade de Cambrid- Drake e seu violão, sozinhos, como nas
ge, mas protelara seu ingresso porque na fotos que registraram sua solidão nos bos-
época estava freqüentando a Universida- ques de Tanworth. São apenas 28 minutos
de de Aix, na Ilha de Marselha (França). de gravação que só confirmaram o isola-
Foi em Marselha que aprendera a to- mento e as decorrentes crises nervosas.
car violão com um colega da universida- Drake volta para sua casa no interior e ago-
de. Na mesma época Drake fez uma via- ra já sofre de depressão. Cada vez mais si-
gem para o Marrocos, destino certo do tu- lencioso, tem dificuldades em adormecer.
rismo contracultural do momento. De vol- Na manhã de 25 de novembro de 1974 sua
ta à Inglaterra, ingressa em Cambridge e mãe, Molly Drake, vai encontrar Nick morto
começa a tocar no início de 1968 no circui- em sua cama, após a ingestão de compri-
to folk de pubs e cafés londrinos. midos para dormir. Certamente os medi-
Foi numa dessas apresentações que camentos que na época eram usados para
Ashley Hutchings, membro original do o tratamento da depressão contribuíram
Fairport Convention, ficou impressionado para que isto acontecesse.
com o virtuosismo no violão e a voz sin- Existem mais dois álbuns com materi-
gular de Nick Drake. Ainda nos bastidores al póstumo gravado por Drake. Um com
do show, Hutchings vai convidar Drake as gravações caseiras que Drake fez em sua
para uma conversa em seu estúdio. Na casa em Tanworth. Nesse há a gravação de
época o Faiport estava gravando um dos “All My Trials”, sucesso na voz de Peter Paul
LPs que se tornariam um ícone do folk in- & Mary, gravado com o acompanhamento
glês: “Unhalfbricking”. de Gabrielle, irmã de Drake. Também a co-
Depois de alguns acertos quanto à res- letânea “Time of No Reply”, com out takes
ponsabilidade pelos arranjos de cordas, inéditos e material de sobra de estúdio. A
Drake e Hutchings chegam a um consenso obra densa de Nick Drake é o hai kai mais
para produzir “Five Leaves Left”, o primei- contundente de uma era.
ro disco de Drake. Os arranjos ficaram sob Três discos como três intensos versos
encargo do colega de universidade de dispostos numa trajetória direta aponta-
Drake, Robert Kirby. da para o coração de quem o compreen-
“Five Leaves Left” é lançado em setem- de. O silogismo maior de uma amargura
bro de 1969 e se torna um marco na histó- tornada doce pela arte sem igual de Nick
ria do folk. Uma troupe dos mais influen- “Five Leaves Left”, o primeiro disco de Drake FOTOS: DIVULGAÇÃO Drake.
tes músicos da cena folk vai contribuir para
a sonoridade absolutamente única deste
disco.
Desde o guitarrista Richard Thompson,
parceiro de Hutchings no Fairport, até o
baixista do Pentangle, Danny Thompson
participaram das gravações. Drake foi aco-
lhido pelo que havia de melhor no meio
musical da cena folk da época. Um parale-
lo que pode ser estabelecido entre os tra-
balhos da época e o acontecimento de
“Five Leaves Left” é o “tão denso quanto”
Astral Weeks, de Van Morrison.
O sucesso, no entanto, não aconteceu
na mesma proporção do que se esperava,
tão intensa era a vibração de cada faixa do
disco. Além disso, contribuiria com a ne-
gligência do público e da crítica para com
o álbum de estréia de Drake o fato de, nes-
ta época, ele começar a evitar as apresen-
tações em público.
Em 1969 Drake abandona o curso de
literatura em Cambridge e muda-se defi-
nitivamente para Londres para cuidar de
seus interesses musicais. Mais uma vez nos
estúdios, sua inspiração agora mais inti-
mista do que nunca vai produzir “Bryter
Layter”, seu segundo disco, lançado em
1970.
Nessa época Nick Drake chegou a abrir
um concerto do Fairport Convention no
Royal Festival Hall. Vivia de forma errante
dormindo principalmente na casa de sua
irmã mais velha, Gabrielle Drake, que irá
se tornar uma conhecida atriz inglesa. As-

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