A prosa não é o inverso, o avesso do verso. A prosa não se define por um
objeto específico que lhe seja característico e estrito. A prosa não se faz quando a dimensão poética é esgotada. Após a prosa não há um fim assim como antes dela não há nenhuma entidade espreitando pelo concreto. Não, ela não nega, assim como um desses filósofos alemães escreveram. A não ser que seja dobrada sobre si mesma, duas vezes, auto-anulando-se em seu regozijo afirmativo. A prosa nunca acaba – a prosa pousa como algo que tivesse voado. Avista-se sempre um horizonte para o qual a prosa se encaminha, como um rasgo oblíquo em relação ao recorte luminoso da tela de cinema sobre a escuridão da sala de projeção num road movie – um movimento estático. Ghost rider. Aporias do espírito que se abandona na deriva de si mesmo. Nada deve ser prosaico. O abismo, o vazio, o oco, o ausente, a falta, o vago, o fracasso, o naufrágio. Numa prosa enfrentam- se todas as vertigens do ainda por dizer. Algumas ideias são como raios: acontecem irregulares e em zigue-zague. O movimento de sua queda inexorável ao chão da coisa qualquer que ela fulmina. Ideias incendeiam e é assim que o que se escreve é o que se explode em desejo. A prosa como dispersão centrífuga do sentido. “Dark star crashes, pouring its light into ashes...” A prosa não é ainda. Também não é assim. Acentrada, a prosa se imagina e ao ser imaginada ela acampa temporariamente sobre a página, mas sem deixar-se esquecer que sua pátria é o deserto que ela povoa. Nômade. Móvel. Inquieta. Mercurial. Chega-se a ela quando se percorre o arco de tudo que ela não é. Tal qual o tempo. A prosa dura. E em sua duração algo acontece. A bateia que se maneja como o berço do que nasce como raro. Pepita adormecida dentro da pedra do sonho. A palavra como minério onírico. Milagre e miragem. A linguagem como a áurea deidade da ausência. Do que está em outro lugar. A prosa provoca mundos, caracteres, idades, ações. É na prosa que as palavras acontecem. Isso é o primeiro nome do inconsciente. É isso que a prosa não é, e não sendo assim ela se permite antever com outra de si mesma, o reflexo de um espelho no escuro do que se queria dizer quando se iniciou como o enunciado de tudo que ela não é.