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A Política dos

Muitos
Povo, Classes e Multidão

Coordenação
Bruno Peixe Dias
José Neves

lisboa:
tinta­‑da­‑ china
MMX
Índice

7 Introdução
Bruno Peixe Dias e José Neves

Este livro foi publicado no âmbito da Exposi‑
ção Povo­‑People, organizada pela Fundação
25 Povo, Popular e Populismo
EDP, no Museu da Electricidade, durante
o Verão de 2010. 31 O que é um povo?
Giorgio Agamben
35 Você disse «popular»?
Pierre Bourdieu
55 Populismo: o que há num nome?
Ernesto Laclau
73 Existirá uma «política popular»?
Raymond Huard

91 População, Governo e Soberania

95 Formar pessoas
Ian Hacking
113 A «governamentalidade»
© 2010, Fundação EDP e Edições tinta­‑da­‑china, Lda. Michel Foucault
Rua João de Freitas Branco, 35A, 137 Prolegómenos à soberania
1500­‑ 627 Lisboa
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167 Classes, Movimentos e Subalternidade

Título: A Política dos Muitos. Povo, Classes e Multidão 173 O burguês e a burguesia:
Coordenação: Bruno Peixe Dias e José Neves conceito e realidade
Autores: AAVV
Revisão: Tinta­‑da­‑china
Immanuel Wallerstein
Composição: Tinta­‑da­‑china 197 Planeta de bairros de lata:
Capa: Vera Tavares
a involução urbana e o proletariado informal
1.ª edição: Junho de 2010 Mike Davis
isbn 978-989-671-041-5 233 Multidão e comunidade.
Depósito Legal n.º 311976/10 O levantamento social na Bolívia
Álvaro García Linera
245 A Hidra de muitas cabeças:
marinheiros, escravos e a classe trabalhadora
atlântica no século xviii
Peter Linebaugh e Marcus Rediker
281 História subalterna
como pensamento político
Introdução
Dipesh Chakrabarty
Bruno Peixe Dias e José Neves
309 Migrantes, Trabalho e Identidade

315 Direito de fuga
Sandro Mezzadra
329 Porque é que todos
gostamos tanto de odiar Haider
Slavoj žižek
341 A política da identidade e a esquerda
Eric Hobsbawm
355 Black Power
C.L.R. James

375 Plebe, Multidão e Comunidade



379 A experiência da plebe
Martin Breaugh
393 Multidão e princípio de individuação
Paolo Virno
407 Para uma definição ontológica da multidão
Toni Negri
419 Do ser­‑em­‑comum
Jean­‑Luc Nancy
425 A comunidade como dissentimento
Jacques Rancière (com François Noudelman)

437 Notas Biográficas


Este livro é parte de um debate sobre a questão do sujeito polí‑
tico colectivo. Durante muito tempo, o tema constituiu um objecto
fundamental do pensamento político moderno. Tratou­‑ se de pro‑
curar responder à pergunta quem faz a política? e, subsidiariamente,
de formular uma outra pergunta: o que é a política? Nas últimas déca‑
das, todavia, a adequação dos principais nomes que tradicionalmen‑
te enformavam esse sujeito colectivo – os nomes de povo, classe ou
massas – começou a ser questionada. Podemos mesmo dizer que se
assistiu a uma crise conceptual. Esta crise veio favorecer a secundari‑
zação do princípio de que a política é uma questão colectiva e em seu
detrimento ganhou terreno a ideia de que o indivíduo será o princípio
e o fim do viver comum, o colectivo mais não sendo do que a soma
de cada um dos elementos individuais. A crise, contudo, igualmente
possibilitou outros caminhos, de certa maneira opostos àquela ideia.
Com efeito, nos últimos anos têm sido procurados nomes que, numa
realidade diferente do mundo que viu emergir conceitos como povo,
classe ou massas, poderão novamente designar um sujeito colecti‑
vo de acção política. Trata­‑se, nesta procura, de voltar a equacionar
os modos de pensar a política num plural que é sempre diferente da
mera soma dos individuais. Nas páginas deste livro o leitor encontrará
alguns dos contributos mais importantes para este processo de reno‑
vação de nomes do sujeito político colectivo, um processo que é par‑
ticipado por diversos movimentos, correntes e autores do presente,
mas que se dá em diálogo com outros tantos debates que se julgou
pertencerem apenas ao passado. Ao longo do livro são abandona‑
dos, continuados, recuperados e reinventados os conceitos de plebe,
de multidão, de povo, de massas e de classe – entre outros.
[10] a política dos muitos introdução [11]

Partimos da seguinte constatação: nos dois últimos séculos, a ideia uma configuração monista da soberania, que desta maneira não resi‑
de que o povo é o sujeito político colectivo por excelência solidificou­ diria no povo ou na totalidade dos indivíduos sobre os quais ela seria
‑se. Um dos sinais mais evidentes desta consolidação é o facto de ter exercida, é contraposto o triunfo do povo, da democracia e da na‑
sido em nome do povo que se constituiu a grande maioria dos regimes ção na época contemporânea. Trata­‑se, na celebração deste triunfo,
políticos contemporâneos. Em geral, os princípios constitucionais de festejar uma operação bem­‑sucedida de resgate de soberania, que
destes regimes – entre si muito diversos, sublinhe­‑se – apontam para a pertenceria naturalmente ao povo, mas que lhe teria sido confiscada
ideia de que o povo é em primeira e última instância o depositário do por um ou por poucos situados acima desse mesmo povo.
poder soberano: é do cumprimento da vontade popular que depende A concepção democrática, popular e nacional exprime­‑se então
a legitimidade da autoridade de quem decide os destinos do corpo através de uma narrativa histórica determinada, na qual se inscreve
social da nação. De modo necessariamente genérico, a concepção que um sentido progressista da história que terá cabido ao povo revelar
suporta estes princípios constitucionais é por nós aqui designada tri‑ e que lhe caberá agora preservar. Note­‑se que é ainda aos perigos de
plamente: uma concepção democrática, popular e nacional. Ela terá uma nova confiscação que se alude quando se dá conta da persistên‑
ganho a sua forma tripla no quadro da derrota dos fascismos, que teve cia, ou até da sofisticação, de lógicas antidemocráticas e de domina‑
o seu momento fulcral no desfecho da Segunda Guerra Mundial, e da ção estrangeira. A motivação de muitos apelos à solidificação de uma
queda dos imperialismos europeus, concretizada no âmbito da nova concepção democrática, nacional e popular da soberania compreen-
ordem mundial do segundo pós­‑guerra. A partir dos anos 40 do sécu- de­‑se em parte à luz de tais alusões. Consumado o resgate, caber­‑nos­
lo xx, tanto nos regimes liberais do Ocidente como nos regimes socia‑ ‑ia a nós, o povo, defender o que fora tão arduamente recuperado por
listas de Leste, ou ainda nos novos regimes constituídos nos antigos gerações predecessoras.
territórios coloniais, desenvolveram­‑se narrativas políticas em que os
conceitos de democracia, povo e nação se entreteceram de maneira
cada vez mais intensa, justamente em oposição aos discursos fascistas A contraposição entre uma concepção monista da soberania e uma
(no caso dos países ocidentais e de Leste) e aos discursos colonialistas concepção pluralista, que seria própria do modo democrático, popu‑
(no caso de países do hemisfério sul). Às ideias de nação e de povo dos lar e nacional da soberania, pode, no entanto, esconder tanto como
fascismos e à ideia de desenvolvimento dos colonialismos, o antifas‑ aquilo que revela. Porque, além das diferenças que afastam ambas,
cismo e o anticolonialismo procuraram contrapor, antes mesmo de a segunda igualmente prolonga elementos da primeira. O inquérito
lograrem derrotar aqueles, usos alternativos de nação, de povo e de sociológico tem reunido indícios desta continuidade, ao apontar a
desenvolvimento1. capacidade de adaptação dos mecanismos de reprodução dos grupos
A concepção democrática, popular e nacional da soberania, con‑ dominantes aos diferentes regimes políticos. Se na lei o apuramento
tudo, não se nutre simplesmente da vontade de negação dos fascismos dos poucos que nos governam já não depende do nível do rendimen‑
e do colonialismo. Ao apoiar­‑se nas revoluções liberais e nacionais de to, da linhagem familiar, da pertença de classe ou do grau de instru‑
finais do século xviii e do século xix, chama à colação um período ção, mas sim de procedimentos eleitorais definidores do contrato de
mais extenso, fundando­‑se igualmente na vontade de negação das representação, todavia, entre a lei e o costume regista­‑se considerá‑
sociedades de Antigo Regime, em que sobre os muitos tenderia a vi‑ vel distância. Mais: esta distância entre igualdade de lei e desigual‑
gorar o poder absoluto do um e dos poucos. Desenvolve­‑se assim uma dade de facto acaba por naturalizar­‑se, ao ser tantas vezes justificada
narrativa histórica que compreende todo o período contemporâneo, como sendo o resultado não só de uma lei de ferro social, mas tam‑
latamente balizado entre finais do século xviii e finais do século xx, bém de uma desigualdade de inteligências. De facto, hoje parece ser
e ao longo do qual o povo é afirmado como protagonista da negação geralmente aceite a coexistência entre igualdade na lei e desigualda‑
e superação de formas políticas genericamente elitistas, autoritárias de das inteligências. Se o nivelamento resultante da primeira é o que
e imperiais. A um esquema vertical de exercício do poder político, e a permite estabelecer a identidade e a comunidade de um colectivo
[12] a política dos muitos introdução [13]

nacional­‑popular em que se diz residir a soberania, o desnivelamento apresentamos neste livro, embora, nesta introdução, caiba sublinhar
suportado pela segunda, sendo considerado efeito do livre aperfei- a importância do contributo de Michel Foucault, quando este alertou
çoamento do indivíduo, legitima que o governo de todos seja con‑ para a ingenuidade científica e política subjacente a contraposições
fiado aos poucos. Os muitos aparecem, assim, como uma espécie de entre socialismo e liberalismo, totalidade e individualidade, poder re‑
moldura humana, um pano que serve de fundo à dramatização dos pressivo e sujeito reprimido, necessidade de constrangimento e von‑
gestos dos poucos. tade de libertação. A obra de Foucault, discutindo, entre outros, con‑
Uma das formas privilegiadas de proceder a esta dramatização ceitos como povo, população ou plebe, e investigando um vastíssimo
tem sido o culto da figura das elites. Ele tende a introduzir o princí‑ campo de temas, da sexualidade ao pensamento económico, permite
pio de verticalidade, que permite aos poucos elevarem­‑se sobre os mui‑ clarificar melhor a condição do povo na modernidade política: um
tos, alegando uma superior inteligência. É certo, por isso, que existe sujeito político nos dois sentidos em que é possível, na língua portu‑
uma tensão entre discursos que valorizam a figura do povo e outros guesa, falarmos de sujeito – o responsável por uma acção e aquele que
que valorizam a figura das elites, os primeiros procedendo horizon‑ se submete a uma acção3.
talmente, os segundos procedendo verticalmente; esta diferença,
porém, não impede a possibilidade de coexistência de imaginários
e até a sua complementaridade. Veja­‑se o que tem sucedido a nível À luz da concepção democrática, popular e nacional da soberania,
do debate historiográfico. Nos últimos anos, a partir das posições de aquela dupla dimensão – um povo simultaneamente activo e passivo
alguns historiadores, mas com uma ressonância que coloca o deba‑ – tem sido pouco atendida. Como vimos, uma tal concepção afirma o
te além do âmbito estritamente historiográfico, tem sido feito apelo lado activo do povo e tende a menorizar o tema da passividade. Esta
a uma revalorização do político, da acção, do individual e das elites. disparidade repercutirá o efeito exaltante de uma narrativa nacional
Esta revalorização tem sido reclamada de modo a contrariar um ale‑ que contrapõe a figura do povo às figuras do um e dos poucos. A narra‑
gado excesso de atenção concedida ao económico e ao social – assim tiva consegue este efeito de sobrevalorização do lado activo do sujeito
como às estruturas, ao colectivo e às massas – por parte de historia‑ povo e de desvalorização do lado passivo, não apenas devido ao conte‑
dores influenciados quer pela escola dos Annales quer pelo marxismo. údo democrático e popular que exprime, note­‑se, mas também à pró‑
Do nosso ponto de vista, no entanto, os termos em que se anuncia pria forma nacional que essa expressão assume. A aspiração à autode‑
este apelo à redescoberta da importância das elites e do indivíduo terminação nacional orienta­‑se pelo princípio de que um povo deve
na história não apresentam nenhuma mudança significativa de pers‑ ser dono de si mesmo, correspondência conseguida por via de meca‑
pectiva. Não se trata de optarmos entre uma de duas, não se trata de nismos democráticos que tendem a exigir a coincidência de um povo,
escolher entre história política ou história económica e social, entre de um território, de uma nação e de um Estado. No quadro da moder‑
a crítica aos historiadores das estruturas ou o elogio aos historiadores nidade política, o próprio desejo de uma política emancipadora ou
das estruturas, entre os que se interessam pelo individual ou os que se libertadora, que vença a alienação, tem­‑se muitas vezes enleado com a
dedicam ao estudo dos colectivos, mas sim de recusar liminarmente aspiração à autonomia nacional. A pretensão a esta autonomia moti‑
o pressuposto de uma oposição entre individual e colectivo2. vou, nomeadamente, as chamadas lutas de libertação nacional, tanto
Trata­‑se então, e em alternativa, de pensar a subjectivação polí‑ no século xix como no século xx, combinando aspirações de justiça
tica na relação entre individual e colectivo, e não fixando o sujeito a de classe, inspiradas nas tradições socialistas e comunistas, com uma
uma essência individual ou a uma identidade colectiva. Esta ruptura, dimensão nacionalista. Enformaram­‑se nacionalmente as aspirações
com um entendimento do indivíduo enquanto unidade que em nome igualitárias, e os efeitos mobilizadores desta subjectivação nacional,
de um interesse próprio secundariza a comunidade, e com uma acep‑ do modo como de um colectivo se faz um povo, tiveram e têm efei‑
ção do colectivo como uma unidade em que as subjectividades se tos bastante poderosos. O colectivo nacional apareceu como efeito e
anulam em prol de um todo, atravessa a generalidade dos textos que causa de um sujeito colectivo autónomo – no sentido kantiano de que
[14] a política dos muitos introdução [15]

se dá a si próprio a sua lei – que forja o seu destino em resultado de um identidade de classe, de narrar a sua origem e o seu fim, sendo neste
esforço comum, de índole militar, fiscal, laboral, etc.4 sentido que classe e povo tantas vezes acabaram por se assemelhar,
Ao projectar uma política dos muitos, houve, porém, quem criti‑ ambos os nomes particularizando identitariamente – seja sob a forma
casse este efeito de nacionalização do sujeito colectivo. A crítica mais de objectos que são vítima da exploração, seja sob a forma de sujeitos
elaborada a este respeito foi a crítica marxista. Não apenas de Marx, heróicos autodeterminados – o que começou por fazer referência a
mas de toda uma tradição que apontou os limites de uma política de um processo universal de subjectivação política5. Assente ele numa
unidade popular nacional. Estes limites, que são variados, podem ser concepção economicista de classe ou numa concepção romântica,
resumidos em dois tópicos. Em primeiro lugar, a prevalência daquela o entendimento identitário é o que tem permitido a sociólogos fala‑
concepção reduziu as possibilidades da análise social situar as divisões rem de classes do mesmo modo que antropólogos falaram de povos,
de classe e o fenómeno da exploração na base desta divisão de classes, nações ou etnias, e é o que hoje encontramos em muitos usos corren‑
tanto no interior da nação como através do mundo, uma vez que ao tes do conceito, que por classe tendem a presumir simplesmente gru‑
facto de o povo ser uma entidade supraclassista justapõe­‑se o facto de a pos profissionais ou escalões de rendimento – de tal maneira que, se
classe ser, pelo menos potencialmente, supranacional. Em segundo lu‑ hoje o conceito de classe é ainda utilizado na academia ou nos media,
gar, e mais importante, a ideia de uma unidade popular nacional acres‑ o conceito de luta de classes, porém, tende a ser simplesmente arqui‑
centou novos obstáculos à constituição de um sujeito político de classe vado como testemunho de um tempo que se julga ultrapassado.
que se pretendeu agente de uma luta pela abolição do próprio quadro
político, económico e social que alimentava a sua identidade classista:
a sociedade capitalista. Com efeito, o desafio lançado pela ideia mar‑ Para a consolidação deste entendimento identitário das classes,
xista de luta de classes foi e é um desafio universalista, não apenas na em muito contribuiu, mesmo se contra a sua intenção, a história do
medida em que os operários não tenham pátria, como afirmaram Marx próprio movimento dos trabalhadores, nomeadamente com o cons‑
e Engels no Manifesto Comunista, mas sobretudo porque não predica a trangimento da sua acção política ao espaço da nação6. Tal constran‑
divisão fundamental do corpo social numa condição essencial do sujei‑ gimento fez com que as classes adquirissem atributos populares,
to, o ser proletário, e sim no próprio derrube da sociedade que perpe‑ sendo firmadas como esteio da identidade nacional, na medida em
tua tal condição. É isso que distingue a condição proletária de outras que o seu esforço produtivo foi considerado elemento dinamizador
formas de identidade social entendidas como atributos e propriedades da economia nacional. Em sentido contrário, mas complementar, os
dos indivíduos, tais como nação, etnia e «raça», categorias que, é certo, povos adquiriram características classistas. Assumiram uma vocação
se desenvolvem de modos bastante díspares. Na verdade, com Marx, internacionalista, sendo através da sua representação que as classes
poderíamos dizer que o sujeito da luta de classes, ao contrário do que entretanto nacionalizadas passaram a afirmar­‑ se no mundo, e de‑
é muitas vezes assumido, não tem de pertencer a uma determinada sempenharam uma função anticapitalista no quadro da luta contra
classe. O sujeito da luta de classes será político ou não será e só ganha o imperialismo. Este entendimento identitário, todavia, acabou por
sentido nesse movimento da política que é a luta de classes. ser sujeito a duras críticas, vindas do interior do próprio movimento
dos trabalhadores e de outros movimentos sociais igualmente empe‑
nhados na luta de classes. Essas críticas caracterizam­‑se diversamen‑
Este entendimento político da questão classista, todavia, foi não te, mas, em todo o caso, tiveram como alvo os próprios fundamentos
raras vezes submergido por um outro entendimento, em que classe é sociológicos e económicos em que partidos e sindicatos socialistas
algo que conhece uma existência social e histórica independente da assentavam a reivindicação da sua identidade de classe. Desde logo,
luta política, algo que vive no processo histórico e no tecido social a um nível estritamente sociológico, foi criticado o facto de, nessa
e cuja existência decorre do capitalismo e do seu desenvolvimento reivindicação, ser atribuída uma função de vanguarda ao operariado
histórico. Tratar­‑se­‑ia, à luz deste outro entendimento, de aferir uma industrial e daí resultar uma secundarização da figura do camponês.
[16] a política dos muitos introdução [17]

Num plano mais geral, porém, foram os próprios limites das O caso dos movimentos anticoloniais, cuja importância a nível
concepções de produção, trabalho e exploração subjacentes àque‑ das transformações políticas da segunda metade do século xx con‑
la centralidade do operário industrial que acabaram por ser ques‑ tinua a ser pouco valorizada, mostra bem que não se tratou propria‑
tionados, sugerindo­‑se que aquelas concepções deveriam deixar mente de abandonar o terreno económico em nome de um novo hori‑
de ser necessariamente territorializadas no espaço da fábrica e zonte cultural de lutas, mas de colocar em causa a hegemonia estatal,
reclamando­‑se, ao invés, a valorização de formas de trabalho mar‑ as suas lógicas constitucionais, os seus mecanismos de representação
ginais ao formato clássico do assalariado e especialmente do assala‑ e as suas instituições culturais, assim como alguns princípios centrais
riado industrial. Um exemplo importante destas formas que eram à organização da economia e do trabalho. Deste ponto de vista, pode­
marginais, e que deveriam deixar de o ser, era o trabalho doméstico, ‑se mesmo dizer que os movimentos anticoloniais começaram por
essencialmente feminino: situando­‑se na esfera da reprodução fa‑ representar, mais do que uma negação, um prolongamento da luta de
miliar e do tempo extralaboral, ele seria, porém, condição sine qua classes e da sua lógica universalista. Em relação à estratégia dominan‑
non da actividade produtiva e da melhoria da produtividade. Ou‑ te nos partidos socialistas e comunistas ocidentais, criticaram uma
tros exemplos, embora todos eles com variações importantes, que política identitária de classe que restringia o sujeito político colecti‑
não tem cabimento desenvolvermos nesta introdução, emergiram vo ao operariado industrial dos países colonizadores e exigiram que
na cena política e nos debates teóricos ao longo da época contem‑ à luta anticolonial fosse atribuída a mesma importância estratégica
porânea e com particular visibilidade na segunda metade do século tributada à luta operária. Contra leituras em que o poder da classe era
xx, no quadro de novas abordagens da condição do desempregado, aferido como derivação directa do desenvolvimento capitalista, e daí
do precário, do migrante ou, até, do marginal, do louco e do crimi‑ que a classe considerada como a mais potente fosse a que se encon‑
noso. E em muitas destas circunstâncias, de que Maio de 68 pode trasse no local tido como o centro do desenvolvimento capitalista,
ser considerado uma constelação, ganhou inclusivamente fôlego apelaram à valorização das dinâmicas políticas engendradas pela luta
uma leitura mais crítica das relações de poder, em que o económico anticolonial, nomeadamente a capacidade de, a partir da margem,
(por mais lato que seja o uso de termo) deixou de poder ser conside‑ enfraquecer o poder do próprio centro. Em resumo, protagonizaram
rado o eixo primordial de toda a política e de toda a problematiza‑ uma dupla recusa identitária: recusa de uma política de identidades
ção, como veremos mais adiante. de classe centrada na figura do operário industrial e de uma política
O impacto desta transformação ainda hoje está por determinar e colonial de fixação identitária que constituía um dos eixos da domi‑
o debate continuará. O que, porém, importa desde já afirmar é que ela nação imperial europeia9.
não implicou necessariamente, e ao contrário do que foi e é frequen‑ Hoje, todavia, é necessário relativizar a ruptura protagonizada
temente dito, o abandono da problematização económica e classis‑ pelos movimentos anticoloniais. Se eles constituíram uma das críti‑
ta7. Tal presunção esquece, desde logo, que Maio de 68 foi o tempo de cas mais acutilantes às políticas de identidade – de classe e nacionais
uma das maiores greves gerais de todo o sempre e que os anos 60 e 70 –, também é verdade que o seu desejo de libertação acabou, não raras
assistiram, em vários países, a uma renovação das próprias lutas ope‑ vezes, por se enquadrar em novas políticas de identidade, construin‑
rárias, muitas delas desenvolvidas fora do quadro identitário da clas‑ do novos povos, estados e nações. Não surpreende, por isso, que as
se e reafirmando como objectivo da luta do proletariado a extinção suas políticas estatais tenham acabado por desenvolver uma narrati‑
da própria condição proletária, conforme testemunham as experiên‑ va da nação e do povo semelhante à que se estruturara na Europa10.
cias de movimentos que fizeram as suas palavras de ordem a partir Este problema tem sido particularmente discutido no seio dos cha‑
da recusa do trabalho e da crítica à hierarquia disciplinar da fábrica. mados estudos subalternos, movimento de renovação a um tempo
O que a mudança seguramente implicou, isso sim, foi a necessidade historiográfico e político. Herdeiros da crítica anticolonial ao euro‑
de articular a problematização económica com dimensões políticas e centrismo, não deixaram de submeter o próprio anticolonialismo a
culturais menos valorizadas por concepções identitárias8. um questionamento. Paralelamente às críticas mais radicais que nos
[18] a política dos muitos introdução [19]

países desenvolvidos iam sendo feitas em relação aos movimentos truturação militarizada e hierarquizada prolongou­‑se muitas vezes,
e partidos associados à Segunda ou à Terceira Internacional, vários embora com alterações importantes, além do contexto da sua for‑
autores filiados na tradição dos estudos subalternos apontaram as ex‑ mação inicial, acabando por espelhar, mesmo se com pressupostos
cepções que acompanharam a constituição do sujeito povo por parte diferentes, os mecanismos de representação e divisão dos próprios
dos nacionalismos anticoloniais; e, tal como aquelas críticas, questio‑ estados e empresas que visavam combater. Face a estas continuida‑
naram a exclusão, não apenas ao retirarem da sombra os rostos dos des, questionou­‑se a figura de autoridade do chefe de Estado e do
excluídos, mas igualmente ao problematizarem os mecanismos de patrão, mas também do líder do partido e do dirigente sindical. Tanto
exclusão e as lógicas de identificação – discutindo quem faz a política? no seio do movimento operário e do movimento anticolonial, como
mas também o que é a política?11 nos debates entre estes e outros movimentos sociais, tornou­‑se, por
Trata­‑se de uma problematização que ancorou em debates polí‑ isso, incontornável a interrogação: pode uma luta ser igualitária se for
ticos e teóricos muito importantes, mas que não pode ser compreen- orientada por princípios organizativos que dividem o trabalho políti‑
dida separadamente das próprias circunstâncias históricas em que co entre dirigentes e dirigidos?
certos movimentos sociais procuraram superar politicamente a ten‑
dência de encerramento da luta de classes no espaço político, insti‑
tucional e cultural dos Estados nacionais, espaço a que os partidos e À luz desta interrogação, e com particular urgência a partir do des‑
os sindicatos tradicionais se tinham vindo a habituar ao longo da se‑ moronamento dos estados socialistas da Europa do Leste, a questão
gunda metade do século xx e a que os movimentos anticoloniais, uma do sujeito político colectivo tem suscitado a procura de novas res‑
vez vitoriosos e transformados em partidos de Estado, igualmente se postas entre os que não a abandonaram em favor de uma concepção
conformaram. No seio destes últimos, por exemplo, surgiram vozes individualista da política. Correndo o risco de uma excessiva simpli‑
críticas do destino operário que uma concepção de desenvolvimen‑ ficação, situamos dois tipos de respostas, que podem ser aqui esque‑
to dependente do progresso industrial, em grande medida devedora maticamente dissociadas, embora, ao analisarmos a prática dos movi‑
ainda das concepções dominantes no Ocidente, reservaria à genera‑ mentos e das lutas sociais, a oposição que estabelecemos não possa
lidade das populações do hemisfério sul12. Essas vozes críticas, que se ser univocamente situada, como se determinadas respostas fossem
levantaram no quadro da persistência da luta de classes em contexto atributo de um grupo de movimentos e lutas e outras identificassem
pós­‑colonial, e é certo que por vias muito diferentes, não deixaram um outro grupo de movimentos e lutas.
de se assemelhar aos sectores mais radicais do movimento operário Um tipo de respostas passa pelo abandono de qualquer tentati‑
europeu e a novos movimentos sociais igualmente contestatários de va de encontrar um sujeito universal da política, antes procurando a
regimes quotidianos de trabalho destinados a consolidar economias valorização identitária e particularista dos excluídos – categorizando
privadas ou estatizadas. minorias sexuais, de género, raciais ou culturais, ou reduzindo a clas‑
Do interior do movimento operário, mas também do seu exte‑ se aos limites de um corpo sectorial. Partindo de uma análise histó‑
rior, assim como do interior do movimento anticolonial, colocaram­ rica do movimento operário ocidental que, se bem que valorizadora
‑se então em causa as formas políticas organizativas dominantes a das suas dimensões emancipadoras, acaba por sublinhar, sobretudo,
nível do Estado e da empresa, mas também dos próprios movimentos o seu efeito de secundarização de outros sujeitos colectivos, tendem
que lutavam contra a hegemonia do Estado e da empresa. Criadas e a estabelecer uma demarcação clara face aos movimentos dos traba‑
desenvolvidas em períodos conturbados e marcados por lutas inten‑ lhadores e a outros movimentos sociais.
sas, sob ditadura ou em contexto de guerra, e não raras vezes alvo Um segundo tipo de respostas, em oposição ao que poderíamos
de perseguição por parte dos aparelhos de Estado, esses movimen‑ chamar de políticas de identidade, tem procurado reactualizar o
tos haviam adoptado, amiúde, formas organizativas centralizadas, princípio do universalismo da luta de classes nos tempos que correm,
assentes em relações verticais e na unidade de comando; e esta es‑ seja através de uma política de inclusão dos sujeitos anteriormente
[20] a política dos muitos introdução [21]

excluídos da luta de classes, seja pela procura teórica e prática de povo. Os contributos de Hardt e Negri, porém, compreendem­‑se à
novas lógicas de subjectivação política. Neste segundo tipo de res‑ luz de uma história mais ampla, que nos remete justamente àqueles
postas, cumpre destacar as reflexões – muito diferentes entre si – de anos 60 e 70 do século xx, em que se assiste a uma radicalização de
Ernesto Laclau e da dupla Hardt e Negri. algumas franjas do movimento operário europeu. É no quadro do
No caso de Ernesto Laclau, os seus escritos em torno do popu‑ movimento político, social e teórico italiano desta época, em parti‑
lismo vêm resgatar esse nome do sentido pejorativo com que é re‑ cular no seio dos universos do operaismo e da autonomia operária, que
correntemente conotado. A sua problematização do populismo tem ganha forma a sua crítica a uma concepção identitária da classe, cen‑
sido, de certa forma, associada às recentes transformações políticas trada no operário enquanto trabalhador, à qual contrapuseram a ima‑
na América Latina, mas insere­‑se num esforço mais amplo de com‑ gem de um operário em luta contra o trabalho, assim como uma ideia
preensão dos movimentos sociais pós­‑classistas, que não tem por que de produção que se foi alargando, ao longo dos anos, ao todo social,
ser limitado a um continente, mas que representa uma tentativa ge‑ para este efeito convocando quer a noção de General Intellect presente
nérica de compreensão dos mecanismos pelos quais se formam os su‑ nos Grundrisse de Marx, quer uma releitura do conceito foucaultiano
jeitos políticos colectivos num cenário político de hegemonia do ca‑ de biopolítica. Muitas vezes apresentados em oposição à teoria mar‑
pitalismo e de democracia parlamentar. O universalismo da reflexão xista das classes, estes pensadores, no entanto, não definem a mul‑
de Laclau reside, com efeito, na sua tentativa de abandonar um certo tidão enquanto um objecto ou um sujeito por eles identificado no
essencialismo presente na maior parte das reflexões em torno do su‑ tecido social, em resultado de uma sua superior clarividência teórica
jeito colectivo da política, essencialismo que de certa forma fixava em relação ao marxismo, mas sim procuram que se abandonem defi‑
esse sujeito, mesmo se essa fixação era historicamente determinada, nitivamente representações identitárias das classes.
ou seja, mesmo se correspondesse ao momento de uma determinada
configuração social ou modo de produção. A lógica do populismo, se‑
gundo Laclau, é uma lógica formal, em que o sujeito resulta sempre Trata­‑se aqui, mas o mesmo é válido para a generalidade dos con‑
de uma articulação contingente de exigências e em que o conteúdo tributos que reunimos neste livro, da afirmação ontologicamente
varia necessariamente com a circunstância. Trata­‑se de uma concep‑ fundada de um sujeito da política. O que todos estes contributos de
ção pós­‑classista no sentido identitário que a classe tantas vezes as‑ alguma forma demonstram é que não é possível discutir a questão
sumiu, mas de uma concepção que não dispensa a ideia de luta de do sujeito da política sem reflectir acerca do que é a história e, mais
classes como chave de interpretação dos processos de formação do profundamente, sem uma interrogação ontológica: o que é aquilo que é?
sujeito colectivo da política. Há um imperativo que consiste em pensar o modo como o viver
Já os contributos de Michael Hardt e Antonio Negri vieram re‑ humano se produz e reproduz num quadro comunitário (em pensar a
jeitar liminarmente quaisquer noções de povo, de popular ou de po‑ ontologia do ser social, para usar a expressão de Lukács), imperativo
pulismo. Com o sucesso da publicação de Império, em 200013, con‑ que leva necessariamente ao inquérito acerca do modo como a trans‑
tribuíram, na verdade, e de modo muito significativo, para a emer‑ formação pode ter lugar, nomeadamente acerca da transformação
gência do nome multidão (que viria a ser título do livro seguinte a política enquanto transformação do modo como esse viver se orga‑
Império), enquanto nova designação de uma política dos muitos, a ser niza14. Ao dizermos que a interrogação acerca do sujeito da política
desenvolvida a partir das transformações político­‑económicas das é uma interrogação ontológica, não dizemos, pois, que esse sujeito
últimas décadas, e procurando superar o que designaram como novo deva ser entendido como algo coisificado, cristalizado, identificável,
paradigma da dominação: o Império. Em diálogo com a filosofia po‑ que habitará em segredo o funcionamento dos colectivos humanos,
lítica clássica, recolocaram sob nova luz as ideias de povo e multidão, cabendo ao pensamento a sua descodificação.
contrapondo um princípio de multiplicidade desta última, em que Importa, sim, pensar a questão do sujeito da política sem pro‑
comunidade e singularidade não se opõem, a uma ideia unitária de curar a representação mais adequada do político entre as diversas
[22] a política dos muitos introdução [23]

doutrinas e teorias disponíveis; pensar para além de uma concepção notas


de verdade como adequação ou como correspondência entre o real
e uma sua representação. A procura desta correspondência tem do‑ 1 Veja­‑se os ensaios de Immanuel Wallerstein reunidos em: Immanuel
minado grande parte do pensamento ocidental em torno do sujeito Wallerstein, After Liberalism, Nova Iorque, New Press, 1995.
colectivo na política, como sugere o texto de Dipesh Chakrabarty 2 A nível historiográfico, a problematização desta questão encontra­‑se
incluído neste livro. Inspirando­‑se em Hayden White, que por sua no centro da obra de Edward Palmer Thompson. Veja­‑se por exemplo:
vez parte de uma leitura do sublime kantiano, o historiador indiano, E.P.Thompson, A Economia Moral da Multidão na Inglaterra do Século XVIII,
filiado na tradição dos estudos subalternos, dirige­‑se contra os enten‑ Lisboa, Antígona, 2008.
dimentos da história como objecto fixo e arrumado, e que portanto 3 Acerca dos diferentes significados que a palavra sujeito pode assumir em di‑
pode ser dado a uma representação cristalizadora, a uma arrumação versas línguas europeias, veja­‑se a entrada «Sujet» em: Barbara Cassin (coord.),
do processo histórico em categorias que permitem fixar os sujeitos Vocabulaire Européen des Philosophies, Paris, Le Seuil/Le Robert, 2004.
em identidades estáveis. Trata­‑se, e prolongando a crítica de Chakra‑ 4 Acerca da relação entre nação, comunismo e igualdade, veja­‑se a reflexão
barty ao debate em torno da política, de contrariar a redução da polí‑ pioneira de Henri Lefebvre em 1937: Henri Lefebvre, Le nationalisme contre
tica a algo que possa ser simplesmente contido numa representação. les nations, Paris, Méridiens Klincksieck, 1988.
Porque a questão que se coloca é: não será tal redução uma forma de 5 A este respeito, veja­‑se: George Comninel, Rethinking the French Revolution
passar ao lado do que é principal na política? – Marxism and the Revisionist Challenge, Londres, Verso, 1987. Neste livro sobre
o desafio colocado ao marxismo pelo revisionismo historiográfico em torno
da história da Revolução Francesa, analisa­‑se como a obra de Marx, nas suas
Na política, o principal é justamente a impossibilidade de fixar os interpretações históricas, desenvolve quer leituras de índole identitária quer
seus mecanismos, pois a política é o que excede a lógica de funcio‑ leituras em que é o princípio da luta de classes que assume maior relevo.
namento do social e do económico e, portanto, é aquilo que resiste 6 Martin Mevius (coord.), The Communist Quest for National Legitimacy in
a toda a operação de estabilização, conforme se esclarece a partir da Europe, 1918­‑1989, Londres, Routledge, 2010.
diferença que Jacques Rancière, no fim deste livro, estabelece entre 7 Veja­‑se: Kristin Ross, May 68 and its Afterlives, Chicago, Chicago University
política e polícia. Como tem afirmado Alain Badiou, é a emergên‑ Press, 2002.
cia do acontecimento político que cria as condições da sua própria 8 Para uma visão de conjunto, consulte­‑se: Philippe Artières e Michelle
inteligibilidade, e só no quadro do acontecimento que é a politica é Zancarini­‑Fournel (coord.), 68: Une histoire collective, 1962­‑81, Paris, Éditions
que se cria o sujeito dessa mesma política15. Daí, em ultima análise, La Découverte, 2008. Para uma leitura que não se centra exclusivamente no
a impossibilidade de fixar o sujeito colectivo da política, não porque caso francês: Gerd­‑Rainer Horn, The Spirit of 68: Rebellion in Western Europe
esse sujeito seja individual, muito pelo contrário, mas justamente por‑ and North America, 1956­‑1976, Oxford, Oxford University Press, 2008.
que não é identificável. Não se trata de contrapor o colectivismo ao 9 Veja­‑se, por exemplo, a análise de Sanjay Seth em relação ao caso indiano:
individualismo, nem de dissolver a dimensão individual no colectivo, Sanjay Seth, Marxist Theory and Nationalist Politics: the Case of Colonial India,
mas de compreender que o indivíduo é sempre produto de um con‑ Nova Deli, Sage, 1995.
junto de relações, que não há indivíduo sem processo de individuação, 10 Alguns autores, como Benedict Anderson, apontam mesmo o carácter pio‑
que o indivíduo age e pensa mas que a sua existência num colectivo neiro de nacionalismos não europeus, no quadro de uma história mundial
humano é condição desse pensar e desse agir, como Marx mostrou. dos nacionalismos. Veja­‑se: Benedict Anderson, Comunidades Imaginadas
A tentativa de encerrar o sujeito colectivo da política nos limites de – Reflexões sobre a Origem e a Expansão do Nacionalismo, Lisboa, Edições 70,
um conceito que o fixe, recortando­‑o como parcela no todo social, 2005.
revela­‑se em última análise uma tentativa de encerrar no conforto do 11 Veja­‑se, por exemplo: Partha Chatterjee, Nationalist Thought and the Colonial
previsível aquilo que escapa a toda a lógica de previsão. World: A Derivative Discourse?, Londres, Zed Books, 1986.
[24] a política dos muitos

12 Veja­‑se duas antologias de referência: Hélène Carrère d’Encausse e Stuart


Schram (coord.), Le Marxisme et l’Asie 1853­‑1964, Paris, Armand Collin, 1965;
Michael Löwy, História do Marxismo na América Latina – Uma Antologia de
1909 aos Dias Atuais, São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1999.
13 Antonio Negri e Michael Hardt, Império, Lisboa, Livros do Brasil, 2000. Povo, Popular
14 A questão do embasamento ontológico da política tem sido, em Portugal,
objecto privilegiado da reflexão de José Barata­‑Moura. Veja­‑se, por exemplo: e Populismo
José Barata­‑Moura, «Uma Meditação (Ontológica) da Política», em Razão e
Liberdade: Homenagem a Manuel José do Carmo Ferreira, Lisboa, Centro de Fi‑
losofia da Universidade de Lisboa, Departamento de Filosofia da Universi‑
dade de Lisboa, 2010, pp.165­‑190.
15 Alain Badiou, Abrégé de métapolitique, Paris, Seuil, 1998.
Alvaro Garcia Linera nasceu na Bolívia, em 1962. Aprofundou os seus estudos
durante a prisão nos anos 90, devida à sua participação num grupo guerrilheiro.
É sociólogo e professor na Universidad Mayor de San Andrés, mas desde 2006 que
é o vice­‑presidente do governo liderado por Evo Morales. Entre as suas principais
publicações, destacam­‑se Sociología de los movimientos sociales en Bolivia (2005) e La
potencia plebeya – Acción colectiva e identidades indígenas, obreras y populares en Bolivia
(2008), assim como a recente autoria, com Antonio Negri e Michael Hardt, entre
outros de Imperio, multitud y sociedad abigarrada (2008).

Antonio Negri foi professor na Universidade de Pádua e, mais tarde, nas


universidades de Paris VII e de Paris VIII. Nos últimos anos publicou, com
Michael Hardt, a trilogia Império, Multidão e Commonwealth (2000­‑2009), sendo
considerado um dos teóricos mais importantes associados aos movimentos de
alterglobalização. Os seus primeiros textos políticos, contudo, datam dos anos
60 e 70, e foram escritos em Itália no quadro do operaismo e da autonomia operá‑
ria. Podem ser encontrados no volume I Libri del Rogo (2006). Nasceu em Itália,
em 1933.

C.L.R. James (Cyril Lionel Robert James) nasceu em 1901, em Trinidad e


Tobago, e morreu em 1989. Historiador, viveu entre a sua terra natal, os Esta‑
dos Unidos da América e a Inglaterra. Ficou conhecido pelos seus trabalhos de
final dos anos 30, ainda no quadro da sua militância trotsquista, nomeadamen‑
te World Revolution – 1917­‑1936: The Rise and Fall of the Communist International
(1937) e The Black Jacobins: Toussaint L’Ouverture and the San Domingo Revolution
(1938), este último marcando­‑o como um dos pensadores mais influentes do
movimento negro, particularmente nos EUA, durante a segunda metade do
século xx. Neste período, publicaria ainda o seu estudo seminal sobre cricket,
Beyond a Boundary (1963).
[440] a política dos muitos notas biográficas [441]

Dipesh Chakrabarty é um historiador indiano e foi membro do grupo de Es‑ série O Sistema Mundial Moderno (1974­‑1989), Anti­‑systemic Movements (1989), em
tudos Subalternos. Actualmente é professor na Universidade de Chicago, tendo autoria com Giovanni Arrighi e Terence Hopkins, e mais recentemente After
sido investigador no Centre for Studies in Social Sciences, em Calcutá. Entre as Liberalism (1995). No início da sua carreira académica foi professor na Universi‑
suas obras, destacam­‑se Rethinking Working­‑Class History: Bengal, 1890­‑1940 (1989) dade de Colúmbia e actualmente é professor na Universidade de Yale.
e Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference (2000).
Jacques Rancière nasceu na Argélia, em 1940. Filósofo, é actualmente profes‑
Eric Hobsbawm nasceu no Egipto, em 1917. Historiador, foi durante muitos sor na Universidade de Paris VIII. Com Louis Althusser e outros, é autor de Ler
anos professor no Birkbeck College, Universidade de Londres, de que é presi‑ «O Capital» (1965). Os seus interesses dividiram­‑se em várias áreas, da história do
dente honorário, e na New School for Social Research, em Nova Iorque. É autor movimento operário ao cinema e à literatura, e entre as suas obras destacam­‑se
de inúmeras obras, entre as quais se destacam o estudo Rebeldes Primitivos (1959) La Nuit des prolétaires. Archives du rêve ouvrier (1981), Le Philosophe et ses pauvres
e a série A Era das Revoluções (1962), A Era do Capital (1975), A Era do Império (1983), O Mestre Ignorante: Cinco Lições sobre Emancipação Intelectual (1987) ou La
(1987) e A Era dos Extremos (1994). Mésentente (1995). Recentemente publicou Le Spectateur émancipé (2008).

Ernesto Laclau é filósofo e cientista político, é professor na Universidade Jean­‑Luc Nancy é filósofo e nasceu em 1940 em França. O seu primeiro livro, Le
de Essex e autor de várias obras, entre as quais se destacam On Populist Rea‑ Titre de la lettre (1970), foi escrito com Philippe Lacoue­‑Labarthe, com quem man‑
son (2005) e Politics and Ideology in Marxist Theory (1977). Com Chantal Mouffe, teve uma estreita colaboração. Escreveu sobre Hegel, Kant, Descartes ou Heideg‑
escreveu aquele que é considerado como o seu trabalho mais influente: Hege‑ ger, e entre as suas obras destacam­‑se La Communauté désoeuvrée (1983), L’Expérience
mony and Socialist Strategy (1985). Nasceu na Argentina em 1935. de la liberté (1988), Le Sens du monde (1993) e Être singulier pluriel (1996). Mais re‑
centemente, publicou Vérité de la démocratie (2007) e Identité: fragments, franchises
Étienne Balibar nasceu em França, em 1942. Filósofo, é actualmente profes‑ (2010). Entre outras universidades, foi professor na Universidade da Califórnia e
sor na Universidade da Califórnia, Irvine. Com Althusser e outros, escreveu Ler na Freie Universität. Actualmente é professor na Universidade de Estrasburgo.
«O Capital» (1965). Com Immanuel Wallerstein, Race, Nation and Classe (1988).
Mais recentemente, destaque­‑se La Crainte des masses: politique e philosophie avant Marcus Rediker nasceu em 1951, nos Estados Unidos da América, e é histo‑
et après Marx (1997) e Nous, citoyens d’Europe: les frontières, l’état, le peuple (2001). riador. Actualmente é professor na Universidade de Pittsburgh. Com Peter Li‑
nebaugh, publicou The Many­‑Headed Hydra: Sailors, Slaves, Commoners, and the
Giorgio Agamben nasceu em Itália, em 1942. Entre os seus trabalhos, desta- Hidden History of the Revolutionary Atlantic (2001). É ainda autor de The Slave
cam­‑se A Comunidade que Vem (1990), Homo Sacer: O Poder Soberano e a Vida Nua Ship: A Human History – The Missing Link in the Chain of American Slavery (2007),
(1995), Stato di Eccezione (2003) e Il Regno e la Gloria. Per una Genealogia Teológica Villains of All Nations: Atlantic Pirates in the Golden Age (2004) e Between the Devil
dell’Economia e del Governo (2007). Filósofo, foi professor em várias universida‑ and the Deep Blue Sea: Merchant Seaman, Pirates, and the Anglo­‑American Maritime
des, nomeadamente no Collège de France e, mais recentemente, no Instituto World 1700­‑1750 (1987).
Universitário de Arquitectura de Veneza.
Martin Breaugh foi investigador de pós­‑doutoramento na Universidade do
Ian Hacking publicou, entre outros, Historical Ontology (2002) e The Emergence Quebeque, em Montreal, e é actualmente professor de Ciência Política na Uni‑
of Probability (1975). Filósofo, com vários estudos sobre ciência, foi professor em versidade de York, Canadá. Publicou L’Expérience plébéienne. Une histoire disconti‑
várias universidades e, mais recentemente, no Collège de France e na Universi‑ nue de la liberté politique (2007), onde se debruça sobre o problema da emancipa‑
dade da Califórnia. Nasceu no Canadá em 1936. ção, de Roma até à Comuna de Paris.

Immanuel Wallerstein nasceu nos Estados Unidos da América, em 1930. His‑ Michel Foucault nasceu em França, em 1926, e morreu em 1984. Publicou
toriador e sociólogo, tem uma vasta obra, da qual se destacam os três volumes da inúmeras obras, por exemplo: As Palavras e as Coisas (1966), Arqueologia do Saber
[442] a política dos muitos notas biográficas [443]

(1969) ou Vigiar e Punir (1975). Os seus cursos no Collège de France foram recen‑ Sandro Mezzadra é professor na Universidade de Bolonha e na Universidade
temente publicados, com destaque para Sécurité, Térritoire et Population, curso de Western Sidney. Sociólogo, tem vários estudos sobre migrações. É autor de
do ano 1977/1978. Diritto di fuga. Migrazioni, cittadinanza, globalizzazione (2001) e de La costituzione
del sociale. Il pensiero politico e giuridico di Hugo Preuss (1999). Editou recentemente
Mike Davis nasceu em 1946, nos Estados Unidos da América. Sociólogo, tem a antologia Estudios postcoloniales. Ensayos fundamentales (2008). Nasceu em 1963.
inúmeros trabalhos publicados, nomeadamente na área dos estudos urbanos.
Entre os seus livros mais importantes, contam­‑se Planet of Slums: Urban Invo‑ Slavoj Žižek nasceu na Eslovénia, em 1949. Filósofo e psicanalista, é actual‑
lution and the Informal Working Class (2006), Ecology of Fear: Los Angeles and the mente director internacional do Institute for Humanities do Birkbeck College,
Imagination of Disaster (2000) City of Quartz: Excavating the Future in Los Angeles Universidade de Londres, e investigador da Universidade de Liubliana. Publi‑
(1990). É actualmente professor na Universidade da Califórnia e é editor da New cou inúmeros livros, entre os quais se destacam The Sublime Object of Ideology
Left Review. (1989), Tarrying with the Negative: Kant, Hegel and the Critique of Ideology (1994),
O Sujeito Incómodo – O Centro Ausente da Ontologia Política (1999), The Parallax
Paolo Virno nasceu em Itália em 1952. Filósofo, é actualmente é professor na View (2006) e In Defence of Lost Causes (2008).
Universidade da Calábria. Publicou, entre outros, Grammatica della moltitudine.
Per una analisi delle forme di vita contemporanee (2001) e Quando il verbo se fa carne.
Linguaggio e natura umana (2003). Nos anos 90, com Michael Hardt, organizou a
antologia Radical Thought in Italy: A Potential Politics (1996).

Peter Linebaugh é historiador, actualmente professor na Universidade de Tole‑


do, Canadá. É igualmente membro do Midnight Notes Collective. Entre as suas
principais publicações, encontram­‑se The London Hanged: Crime and Civil Society
in the Eighteenth Century (1991) e The Magna Carta Manifesto: Liberties and Commons
for All (2008). Com Marcus Rediker, escreveu The Many­‑Headed Hydra: Sailors, Sla‑
ves, Commoners, and the Hidden History of the Revolutionary Atlantic (2001).

Pierre Bourdieu nasceu em França, em 1930, e morreu em 2002. Foi sociólogo e


professor na École Pratique des Hautes Études e no Collège de France. Publicou
vários livros, entre os quais La Distinction: critique sociale du jugement (1979), Le Sens
pratique (1980), La Noblesse d’État: grandes écoles et esprit de corps (1989), Razões Práti‑
cas. Sobre a Teoria da Acção (1994) e Meditações Pascalianas (1997); com Jean­‑ Claude
Passeron, A Reprodução – Elementos para Uma Teoria do Sistema de Ensino (1970); e,
em 1993, sob a sua direcção, o volume La Misére du monde (1993).

Raymond Huard nasceu em França, em 1933. É historiador e actualmente pro‑


fessor na Universidade de Montpellier III. Publicou La Préhistoire des partis. Le
mouvement républicain en Bas­‑Languedoc, 1848­‑1881 (1982), Le Suffrage universel en
France (1848­‑1946) (1991) e La Naissance du parti politique en France (1996). O seu
artigo «Existe­‑t­‑il une politique populaire?», de 1985, é um marco importante na
história dos movimentos sociais.
Os textos que compõem
este volume foram originalmente
publicados em:

Álvaro Garcia Linera, «Multitud y comunidad. La insurgencia social en Bo‑


livia», Revista Chiapas, N.11, Universidad Nacional Autónoma de Mexico, 2001.

Antonio Negri, «Per una definizione ontologica della moltitudine». Original


italiano de texto publicado em francês: Antonio Negri, «Pour une définition on‑
tologique de la multitude», em Multitudes, n.º 9, Maio-Junho de 2002.

C.L.R. James, «Black Power». Conferência proferida em Londres, em 1967.


Transcrição em: www.marxists.org/archive/james-clr/works/1967/black-power.
htm

Dipesh Chakrabarty, «Subaltern History as Political Thought», em V. R.


Mehta e Thomas Pantham (coords.), Political Ideas in Modern India: Thematic Ex‑
plorations, Deli, Sage, 2006. O texto traduzido é, contudo, uma versão ligeira‑
mente diferente, cedida directamente pelo autor.

Eric Hobsbawm, «Identity Politics and the Left», em New Left Review, n.º 217,
Maio-Junho de 1996, pp. 38-47.

Ernesto Laclau, «Populism: What’s in a name?», em Francisco Panizza


(coord.), Populism and the mirror of democracy, Londres, Verso, 2005, pp. 32-49.

Étienne Balibar, «Prolégomènes à la souveraineté: La frontière, l’état, le peu‑


ple», em Les Temps Modernes, n.º 610, Setembro-Novembro de 2000, pp. 47-75.

Giorgio Agamben, «Che cos’e un popolo?», em Giorgio Agamben, Mezzi Senza


Fine – Note sulla politica, Turim, Bolatti Boringhieri, 1996, pp. 30-34.

Ian Hacking, «Making up people», em The London Review of Books, vol. 28 (16),
17 de Agosto de 2006. Também publicado em: Ian Hacking, Historical Ontology,
Cambridge, Harvard University Press, pp. 99-114.

Immanuel Wallerstein, «The Bourgeois(ie) as Concept and Reality», em New


Left Review, I/167, Janeiro-Fevereiro de 1988, pp. 91-106.

Jacques Rancière (com François Noudelman), «La communauté comme dis‑


sentiment», em Jacques Rancière, Tant pis pour les gens fatigués, Paris, Amster‑
dam, 2009, pp. 313-324.
[446] a política dos muitos

Jean-Luc Nancy, «De l’être-en-commun», em Jean-Luc Nancy, La communauté


désoeuvrée, Paris, Christian Bourgois, 2004, pp.210-209. O capítulo traduzido
corresponde a uma intervenção realizada em 1988 no colóquio «Community at
Loose Ends», na Miami University, em Oxford, Ohio.

Martin Breaugh, L’expérience Plébéienne — Une Histoire Discontinue de la Liberté


Politique, Paris, Payot, 2007. O texto aqui publicado corresponde à introdução
do livro.

Michel Foucault, «La Gouvernamentalité», em Dits et Ecrits, 3: 635-57.


Gallimard, Paris, 1994.

Mike Davis, «Planet of Slums», em New Left Review, 26, Março-Abril de 2004,
pp. 5-34.
A primeira edição de A Política dos Muitos
Paolo Virno, «Moltitudine et principio di individuazione». Original ita‑ foi composta em caracteres Hoefler Text e impressa
liano de texto publicado em francês: Paolo Virno, «Multitude et principe na Guide, Artes Gráficas, em papel Coral Book
de 90 gramas, numa tiragem de
d’individuation», em Multitudes, n.º 7, Dezembro de 2001. 1000 exemplares, no
mês de Junho de
Peter Linebaugh e Marcus Rediker, «The Many-Headed Hydra: Sailors, 2010.
Slaves, and the Atlantic Working Class in the Eighteenth Century», em Journal
of Historical Sociology, vol. 3 (3), Setembro de 1990, pp. 225-252.

Pierre Bourdieu, «Vous avez dit populaire?», em Actes de la recherche en sciences


sociales, vol. 46 (1), 1983, pp. 98-105.

Raymond Huard, « Existe-t-il une ‘politique populaire’?», em Jean Nicolas


(coord.), Mouvements populaires et conscience sociale, XVIe-XIXe siècles. Actes du
colloque de l’Université Paris VII-CNRS, 24-26 mai 1984, Paris, Maloine, 1985,
pp. 57-68.

Sandro Mezzadra, «The Right to Escape», em Ephemera – Theory of the Multi‑


tude, vol. 4 (3), 2004, pp. 267-275.

Slavoj Žižek, «Why we all love to hate Haider», em New Left Review, n.º 2,
Março-Abril 2000, pp. 37-45.

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