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Secularização e história da razão:

Weber, magia e desencantamento

André Berten
UERJ
CNPQ

Introdução

O fenômeno da secularização pode ser interpretado no quadro de uma filosofia da história.


E a filosofia da história pode inscrever-se numa teoria da evolução. Eis duas afirmações
filosóficas contestáveis.
Uma filosofia da história tentaria mostrar que a secularização é o resultado de uma
história da razão, ou da racionalidade, uma consequência necessária da racionalização do saber.
Os pródromos de uma tal filosofia se encontram já em Hegel na sua pretensão de ultrapassar as
representações religiosas numa Razão filosófica absoluta. Mas é uma tese contestável, pois
podemos considerar também a secularização apenas como um fenômeno histórico contingente,
fenômeno que aconteceu nos séculos XVIII-XX, principalmente na Europa, ligado a uma certa
concepção da modernização ou da modernidade, mas que não pode pretender a nenhuma
universalidade. Nesse caso, o conceito mesmo de razão ou de racionalização do qual decorre a

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secularização deveria também ser relativizado, contextualizado : o processo de racionalização
não pode mais ser considerado como uma necessidade universal.
Por outro lado, apoiar uma filosofia da história sobre uma teoria geral da evolução poderia
significar que o desenvolvimento da razão deve ser interpretado a partir da emergência de certas
capacidades ou competências na gênese da espécie humana. Analisar o fenômeno humano do
ponto de vista evolucionista pode ser feito de várias maneiras. Em primeiro lugar, pode haver
uma investigação quase histórica, que, a partir do que os antropólogos ou etnólogos ou
paleontólogos nos ensinam sobre as sociedades ditas primitivas ou até paleolíticas, tenta
reconstruir a passagem hipotética de uma pre-humanidade aos primeiros signos do que
pretendemos definir como especificamente humano – talvez daquilo que chamamos de “razão”
ou “racionalidade”. O aparecimento da linguagem, corolário dessa racionalidade, constitui um
momento essencial nessa perspectiva. Em segundo lugar, pode-se, a partir das teses e hipóteses
que nos propõem a psicologia cognitiva do desenvolvimento, a filosofia da mente, a lingüística
generativa, etc., tentar compreender as bases do funcionamento mental — como se existisse um
estrato básico (pensado mais primitivo) sobre o qual constroem-se os sistemas cognitivos
complexos que atribuímos aos homens. A primeira perspectiva é filogenética, a segunda,
ontogenética. O paralela ou a convergência entre as duas perspectivas pode ser um instrumento
heurístico fecundo e acho que Weber anda implicitamente entre essas duas perspectivas desde
que o processo de racionalização moderna que está no coração de sua obra é analisado seja a
partir de uma reconstrução da história da humanidade, seja a partir de uma teoria da
racionalidade.
Introduzirei aqui uma hipótese heurística complementar: é que o estudo da religião
constitui um teste crucial, simultaneamente na interpretação dos fenômenos contemporâneos e
nas reconstrucões de algumas etapas essenciais da evolução humana. Pois, algumas das teorias da
secularização – às vezes chamadas de “secularistas” – pressupõem que a religião é um resíduo de
crenças ainda não racionalizadas e, portanto, "primitivas". Mais precisamente, pode-se fazer a
hipótese que a emergência da linguagem introduz uma flexão crucial naquilo que denominamos
de religião. Por outro lado, a história interna das religiões – pelo menos uma certa história do
destino das religiões ocidentais – estabelece uma conexão paradoxal entre religião e
racionalidade, considerando que a evolução das crenças religiosas, a sua racionalização interna
com a emergência dos monoteismos, jogou um papel fundamental no processo moderno de

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racionalização e, talvez, na história mesma da humanidade. Portanto, a religião constituíria uma
etapa intermediária essencial da história da razão, mas talvez uma etapa transitória, destinada a
diluir-se nas conquistas derradeiras dessa mesma razão.
Quero acrescentar uma nota epistemológica. Aparentemente, qualquer teoria que pretende
analisar o fenômeno religioso e sua evolução precisa de uma definição da “religião”. No meu
sentido, podemos prescindir de uma tal definição e considerar que, descritiva e sociologicamente,
pode-se usar o termo “religião” de maneira frouxa, dando precisão ao seu significado em função
do tipo de questões que colocaremos. Em outras palavras, deixaremos de pensar que tem uma
essência da religião (ou da racionalidade, aliás) e adotaremos uma perspectiva pragmática e
comunicativa, analisando os usos do termo e sua compreensiblidade nos círculos de comunicação
onde as questões sociológicas ou psicológicas ou hermenêuticas ou outras são discutidas1.
Num primeiro momento, apresentarei o motivo pelo qual tratarei da questão da origem da
religião: pragmaticamente, é a partir da questão contemporânea, o debate sobre o futuro da
religião que alguns aspectos da história ou da gênese da humanidade oferecem sugestões sobre o
tipo de respostas que podem ser feitas à questão do destino das religiões hoje em dia.

1. O diagnóstico contemporâneo e a questão da irreversibilidade

“Desde o fim do século XVIII, o discurso da modernidade teve um único tema, ainda que
sob títulos sempre renovados: o enfraquecimento das forças de coesão social, a privatização e a
cisão, em suma: aquela deformação de uma práxis cotidiana racionalizada de modo unilateral, que
provocam a necessidade de um equivalente ao poder de unificação da religião.” (Habermas 2002e,
197)

“As forças religiosas de integração social debilitaram-se em virtude de um processo de


esclarecimento que, na medida em que não foi produzido arbitrariamente, tampouco pode ser
cancelado. É próprio ao esclarecimento a irreversibilidade de processos de aprendizado que se
fundam no fato de que os discernimentos não podem ser esquecidos a bel-prazer, mas só

1
Concordo aqui plenamento com a afirmação de Max Weber que escreve: “É impossível definir o que ‘é’ a religião
no começo de um estudo como aquele que se segue. Quando muito, essa definição poderia aparecer no final. Aliás,
nós não temos de modo algum que tratar da ‘essência’ da religião, mas sim das condições o dos efeitos de um
determinado tipo de comportamento comunitário...” (Weber 2006 , 41)

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reprimidos ou corrigidos por discernimentos melhores. Por isso o esclarecimento só pode
compensar seus déficits mediante um esclarecimento radicalizado...” (Habermas 2002e, 122)

Na sua obra, O discurso filosófico da modernidade (1985), Habermas desenvolve e aplica


as teses da Teoria do agir comunicativo (1981) a uma série de pensadores pós-modernos. Ele
considera que as tentativas pós-hegelianas – tanto de esquerda quanto de direita – de resgatar a
razão fracassaram, mas pensa também que a “destruíção” nietzscheana e heideggeriana da razão
não é uma alternativa realista. Compartilhando parcialmente a crítica pós-moderno da metafísica
– o pensamento habermasiano é também pós-metafísico –, ele propõe um conceito ampliado de
razão comunicativa que deveria permitir resgatar o projeto – reformulado no quadro de uma
pragmática da linguagem – da Aufklärung. De qualquer maneira, a religião compartilha o destino
da metafísica: ela deve ser superada. Notemos que aqui a religião aparece como um meio
pragmático de manter a ordem e a estabilidade social, de fortalecer o laço social. Não se discute
aí da verdade ou do valor da religião. A pressuposição é que, através da história – pelo menos da
história ocidental judeo-cristã – a religião de fato jogou um papel fundamental, sociologicamente
importante e filosoficamente fundador. A tese sociológica é que a religião não joga mais, ou não
pode mais jogar esse papel, mesmo se, como o notou Marcel Gauchet (1985), ela pode continuar
tendo uma importância na esfera privada: a secularização diz essencialmente respeito ao ‘viver
juntos’ e não a respeito das crenças privadas ou do futuro das Igrejas. O que caracteriza a
modernidade é o fato de que não se pensa mais que a origem do poder é divina, que a justificação
da forma que a sociedade adquire é religiosa (Gauchet 1985, 1998). A tese forte – racionalista? –
é que também ao nível privado ou interno, a religião falha, perde credibilidade, é condenada a
desaparecer.
A segunda tese filosófica – tese herdada da filosofia da Aufklärung – é que a responsável
pelo desmoronamente da religião é a autonomia da razão humana que procura encontrar en si-
mesmo sua própria justificação e seus fundamentos. Essa pretensão leva a um caminho de
raciocínio que é irreversível. A irreversibilidade tem a ver com a autonomia ou a autonomização
da lógica. É por isso que Weber pensa que o resultado dessa irreversibilidade pode ser uma
iracionalidade, desconectada das necessidades da vida – um niilismo nietzscheano.
Devemos perguntarnos contudo se a ideia de racionalização – e de sua irreversibilidade –
pode ser reduzida à ideia de progresso técnico e científico – domínios de efetuação da

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racionalidade em finalidade. Comentando Max Weber, Habermas notava: “Em filosofias da
história e teorias evolutivas, a ciência e a técnica serviram de modelo de racionalização. Há boas
razões para seu caráter paradigmático, e Max Weber não as nega.” (Habermas 2012 I, 285) Com
efeito, o modelo do desenvolvimento científico e técnico aparece geralmente como indicando um
domínio da atividade humana que provou sua capacidade de “progresso”. Se adotarmos uma
perspectiva pragmática, deveremos reconhecer que o progresso científico e técnico vale como
oferecendo “mecanismos de solução de problemas, mecanismos significativos do ponto de vista
da história da espécie humana.” (ib.) Por exemplo, é possível pensar que uma forma de
modernização (técnica no sentido largo) é inevitavel a longo prazo – porque corresponderia
basicamente à necessidade de enfrentar as limitações naturais de maneira a garantir uma vida
melhor. No entanto, a definição de quais são os problemas a ser resolvidos depende de decisões
axiológicas e éticas sobre o que nos aparece como importante. Uma concepção absolutista do
progresso segundo o modelo científico e técnico provocou, de maneira justificada, as críticas
radicais da Modernidade no estilo heideggeriano ou pós-moderno em geral.
Na verdade, Weber não se preocupou de determinar substantivamente em que consiste o
progresso técnico, e isso por um motivo evidente: o conceito de racionalidade – aliás, o conceito
moderno de racionalidade – diz respeito a uma razão subjetiva, a racionalidade do agir. A tese da
irreversibilidade é uma tese sobre os aprendizados cognitivos e as atitudes cognitivas que
resultam da aplicação do raciocínio formal a todas as situações. Ela é central na avaliação da
secularização – e de sua necessidade – como processo intelectual. A tese abrangente da
irreversibilidade significa que um certo modelo evolutivo implicaria num desencantamento ao
qual a longo prazo estariam submetidas todas as sociedades do mundo. Em outras palavras, qual é
a conexão entre certas formas de racionalização das sociedades e a secularização não somente
social, mas das mentalidades? Qual é o resultado desse tipo de racionalização sobre o pensamento
religioso?
Lembramo-nos que o termo de ‘secularização’ tem usualmente um significado mais
limitado, restrito ao processo moderno de diferenciação do religioso e do secular – transferência
de atividades (administração civil, ensino, saúde), antigamente dominadas pelas igrejas, a
organizações civis –, processo que desemboca sobre a autonomização das esferas públicas
(Estado, economia, ciência, arte, saúde, educação, etc). Esse processo pode ser concebido como
um fenômeno histórico próprio ao Ocidente ou pode ser interpretado também como descrevendo

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o destino irreversível de todas as sociedades engajadas num processo de modernização. Essas
interpretações deram lugar a uma multiplicidade de discussões, mas, como o diz José Casanova,

“o núcleo da teoria – a compreensão da secularização como um processo de


diferenciação das várias esferas institucionais ou sub-sistemas das sociedades
modernas, entendido como a característica paradigmática e definitória do processo de
modernização – fica relativamente incontestado nas ciências sociais, particularmente
na sociologia europeia.” (Casanova, 2007).

Claro que, nessa citação, o que faz problema é a incisa: “particularmente na sociologia
europeia”. Essa eventual limitação da tese à sociologia europeia é significativa e coloca a questão
de saber se o processo de secularização, entendido somente como um fenômeno institucional de
separação do Estado e das Igrejas, é antes de tudo uma evolução histórica própria das sociedades
europeias e, portanto, particular e contingente, ou se esse modelo pode pretender a uma extensão
mais universal. Mas profundamente, se esse processo, sendo o resultado de uma racionalização,
implica não somente numa privatização da religião, mas também num desaparecimento
progressivo dos comportamentos e das mentalidades religiosos.

2. A filosofia da história subjacente e a questão das origens: o caso de


Weber

Apresentar o fenômeno de racionalização como um progresso, e, segundo um certo


ângulo, um progresso irreversível, implica uma certa filosofia da história – mesmo se não for no
sentido hegeliano, isto é no sentido de um progresso necessário. Em vários pensadores
contemporâneos – como Habermas e Weber2 – há apelos indiretos ao evolucionismo – apoio
paradoxal na medida em que o conceito de irreversibilidade não faz parte das teses
evolucionistas. No entanto, uma reconstrução do percurso histórico que desembocou sobre a
racionalização moderna, reconstrução que se preocupa de pensar as “origens”, manifesta uma
vontade de ampliar ao máximo o quadro interpretativo até definir o que diz respeito a umas
características da espécie humana enquanto tal.
2
Essas referências a um naturalismo e ao evolucionismo é ainda mais clara e explícita em Pettit (1996)

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Não quero atribuir a Weber umas teses improváveis, aplicando simplesmente uma teoria
evolucionista darwiniana à história humana. Mas as suas teses são melhor interpretadas como
“naturalistas”, embora ele afirmar claramente que a sua sociologia é do lado do verstehen e não
do erklären: os aspectos do comportamento humano estritamente irracionais ou repetitivos,
emocionais, tradicionais, rotineiros — aliás, como os fenômenos naturais –, podem ser
eventualmente explicados mas não compreendidos e, portanto, não fazem parte da sociologia
compreensível de Weber. Porém, como veremos, a sua tentativa de elucidar as formas mais
arcáicas da religião revelam uma tendência "naturalista" no sentido de enraízar a religião nas
expressões mais imediatamente naturais do funcionalismo mental — o que é uma forma de
materialismo.
"O ponto de vista evolucionista" significaria que, na interpretação da história humana, há
alguns elementos decisivos que dizem respeito ao funcionalismo mental e que devem permitir de
pensar uma "continuidade" entre as formas elementares do comportamento, inclusive do
comportamento racional minímo3, e as formas sofisticadas que conhecemos hoje. Claro, a
continuidade não exclui diferenças e, a posteriori, pode ser impossível reconstruir todos os elos
dessa continuidade. Mas podemos tentar aproximar-nos ao máximo dessa origem. E é aí que
encontramos a religião, fenômeno sem dúvida tipicamente humano, mas cujo o arcaísmo parece
enraizar-se na natureza.
Um indício da inclinação de Weber para com uma filosofia da história que junta um certo
evolucionismo, é justamente a sua preocupação de procurar as “origens”, isto é de tentar dar um
tipo de explicação histórica que vai buscar nas sociedades primitivas formas de expressão que
possam dar conta das evoluções ulteriores. Essas formas de expressão manifestam interesses e, a
pesar da variedade dos interesses que motivam a ação humana, um dos interesses básicos – talvez
o mais originário – é a satisfação das necessidades materiais, inclusive a sobrevivência. Como
veremos, precisa acrescentar um interesse ou paixão, talvez menos universais, para com a
felicidade.
Nesse quadro, podemos perguntar: a que necessidade, a que interesse responde a religião?
Sem dúvida, é impossível atribuir de modo geral um interesse particular à religião. Mas podemos
procurar qual é o tipo de comportamento que deu origem às formas do que consideramos
usualmente como comportamentos religiosos. Não podemos construir um “ideal-tipo” da religião
3
Philip Pettit utilise un conceito de racionalidade (de "minimal mind") que pode ser atribuído aos animais, pelo
menos aos animais superiores, o que é um argumento para defender uma continuidade evolucionista (PETTIT 1996)

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porque o “ideal-tipo” é sempre um “indivíduo histórico”, uma singularidade. Não obstante, em
baixo das construções históricas há formas mais ou menos racionais da ação. E há algumas
formas de ação que geralmente categorizamos como religiosas, como por exemplo o agir mágico,
ascético, místico, extático. Entre esses traços que indicam um tipo de comportamento, focalizarei
agora sobre o que Weber diz a respeito da magia, e isso por um duplo motivo.

A racionalidade da magia
Em primeiro lugar, a crença na magia constitui um fenômeno arcaico: um dos primeiros
traços das religiões primitivas (tanto quanto se possa realmente falar de “primitiva”). E em
segundo lugar, porque o fenômeno de racionalização moderna é interpretado como
“desencantamento”, isto é, exatamente, abandono da magia como meio de resolver os problemaas
(quaisquer que sejam esses problemas).
A forma mais primitiva do comportamento religioso é, segundo Weber, o comportamento
mágico. Ora trata-se, inicialmente de um comportamento empírico, quer dizer preso às regras da
experiência – e portanto, de um comportamento relativamente racional.

“O procedimento que obedece a motivações religiosas ou mágicas é, na sua forma


primitiva, voltado para este mundo. (...) De resto, o procedimento motivado pela religião ou pela
magia é, precisamente na sua forma primitiva, um comportamento pelo menos relativamente
racional: mesmo que não seja uma maneira de agir orientada por meios e fins, obedece, contudo, a
regras ditadas pela experiência. (...) Não há, pois, que apartar de maneira nenhuma nem o
procedimento nem o pensamento religioso ou mágico da esfera das ações úteis do dia-a-dia, tanto
mais que até os seus próprios fins são predominantemente de ordem econômica.” (Weber 2006,
41-42, tr. Mod.)

Ou ainda:

“Evitar o mal aparente ‘deste mundo’ e atrair as vantagens aparentes ‘deste mundo’, tal é
o conteúdo de todas as ‘preces’ normais, mesmo nas religiões mais voltadas para o Além.” (Weber
2006, 68)

Ao nível da origem, Weber nota que “aqueles tipos de comportamento que, uma vez
constituídos em conduta metódica da vida, criavam o germe tanto da ascese como da mística,
resultaram, num primeiro tempo, de pressupostos mágicos.” (Weber 2006, 321) Aliás, o processo

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evolutivo que passa da magia à ascese é, central para a compreensão das formas ulteriores de
racionalização.
Assim, atribuindo à religião primitiva uma função mágica que, ao contrário de que poder-
se-ia pensar, não é "irracional", mas é funcional, quase materialista, Weber vai ao encontro dos
lugares comuns da teoria da secularização segundo os quais o processo de racionalização parte de
uma orígem religiosa entendida como radicalemente transcendente, imaginária e ilusória. Por
exemplo, Marcel Gauchet, um filósofo francês que pensa a história da religião como
desencantamento do mundo e, portanto, parece inspirar-se de Weber, supõe, ao contrário deste,
que a orígem "encantada" da religião significa sua transcendência radical, isto é, uma orígem
"idealista", que exclui toda forma de "mundaneídade"4. Na perspectiva weberiana, o
desencantamento do mundo chega a uma forma de secularização, isto é de desaparição
progressiva da religião, na medida em que a racionalidade principalmente econômica — que
repete uma das atitudes religiosas primitivas — torna as crenças mágicas sem utilidade. Mas o
projeto mágico é uma forma de comportamento inteligente na medida em que é já um projeto
“técnico”: uma tentativa de usar os meios suscetíveis de obter um éxito nas relações com a
natureza. O fato de, para nos, esse projeto parecer iracional significa somente que o grau de
conhecimento primitivo fica muito fraco. Mas isso não impede de reconhecer o aspecto
teleológico da ação mágica.
Esta concepção de uma origem ao mesmo tempo mágica e pragmática não é indiferente. A
maneira como se concebe a origem é em correlação com a maneira pela qual se concebe o
desenvolvimento histórico. Se, desde a origem, existe um elo entre religião e ‘interesse’, não é
espantoso que a história da modernidade seja compreendida como a emergência – ou a
atualização – daquilo que desde sempre animou a atividade dos indivíduos, aquilo que constitui
talvez uma característica antropológica essencial. A magia responde a uma lógica instrumental
próxima à do utilitarismo: o comércio com os deuses tem objetivos práticos, imediatos e o
recurso a expedientes mágicos se apóia no poder de um grupo reconhecido socialmente por suas
capacidades de mobilização deste universo mágico5.

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A modernidade consiste então "na reincorporação no coração do laço e da atividade dos homens do elemento sacral
que, desde sempre, os modelou de fora" (GAUCHET, 1985, 1)
5
Precisaria, do ponto de vista sociológico, insistir sobre o fato que uma boa parte do processo de racionalização é o
fato de grupos, castas, intelectualizados. As teodiceias – esses discursos racionais que visam a justificar as injustiças,
o mal, o sofrimento – são também o fato de intelectuais.

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Da mesma maneira, os ritos, que acompanham a magia, são elementos primitivos de
racionalidade: são regras e, como tais, introduzem uma regularidade, permitindo assim a
previsão. Enquanto regularidade, a regra dá um quadro (mais ou menos coerente) que pode ser
utilizado numa perspectiva instrumental. Ainda mais, as regras são sempre regras de
comportamento. Seguir uma regra, é aceitar uma disciplina. Se essa disciplina não fica somente
sofrida passivamente, mas assumida, ela é o começo da ascese, da auto-disciplina, e portanto de
uma certa forma de autonomia. Assim, até o “seguir uma regra”, isto é, submeter-se a uma ordem
normativa, pode ter a sua origem na magia, isto é, nos comportamentos religiosos.

Entretanto, a descrição weberiana é mais sutil. A magia não é simplesmente uma maneira
primitiva de tentar dominar a natureza. Ela tem uma outra dimensão – que costumamos de
qualificar também de religiosa: ela é uma ‘manipulação dos deuses’. Uma dimensão religiosa
aparece então como sendo esta relação que se estabelece com um mundo por trás do mundo, para
retomar uma expressão de Nietzsche.

“Mesmo assim, já se deu aí, na maior parte dos casos, uma abstração que só é simples em
aparência: a concepção de quaisquer entidades que se escondem ‘por trás’ do comportamento dos
objetos naturais, dos artefactos, dos animais, dos homens dotados de carisma, e que de algum
modo determinam esse comportamento. O seja, a crença nos espíritos.” (Weber 2006, 43)

Só podemos entender essa abstração se o interesse prático de agir sobre a natureza


articula-se com uma tentativa de explicação que, primeiro, é somente instrumental: entender o
suficiente para ser eficiente. Essas tentativas de explicação mágicas provinham da impotência
cognitiva dos homens primitivos. Pois, a magia não é simplesmente uma maneira primitiva de
tentar de dominar a natureza: diante do mistério das forças naturais inexplicáveis, ela reflete
também uma tentativa de dar "explicações" dos fenômenos. Uma dimensão “religiosa’ aparece
então como essa relação que estabelece-se com um "além", um "atrás-mundo", para retomar aqui
uma expressão de Nietzsche, como “invenção dos deuses”, ou nos termos de Weber como
"manipulação dos deuses".
Mas, uma vez elaboradas, elas constituiam o esboço de um discurso ou de uma teoria.
Essa autonomização do teórico é um fenômeno que tocou Weber e que foi interpretado como um
acréscimo ao interesse material. Na antropologia weberiana, a solução de continuidade implicada

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pelo pensamento – e talvez pela linguagem (“A magia assim se transforma de manipulação direta
das forças em atividade simbólica” (Weber 2004a, 433)) – projeta a humanidade numa procura
assustadora de “racionalidade”.

“... o racional, no sentido de ‘coerência’ lógica ou teleológica de uma tomada de posição


intelectualo-teórica ou prático-ética, tem (e sempre teve) poder sobre os homens, mesmo por
muito limitado e instável que, em toda a parte, esse poder fosse e seja em comparação com outras
forças da cena histórica.” (Weber 2006, 318)

Os termos simbólicos – deuses e demônios – são termos que ao contrário dos termos que
designam diretamente aspectos do real, designam causas supostas: é uma racionalidade teórica
que ainda responde a questões práticas, mas sob uma forma hipotética. No entanto, fazendo parte
da linguagem, os termos simbólicos inserem-se na lógica da linguagem, estão constrangidos por
uma racionalidade lógica mínima. Do outro lado, como esse processo se destaca da realidade,
pode ser considerado também como “iracional”. Pois a intelectualização significa uma distância
respeito às necessidades práticas e, às vezes, uma renúncia à racionalidade instrumental. A
intelectualização, Weber não cessa de assinalar, é um fator de racionalização. Mas ao mesmo
tempo é também um fator de irracionalização, porque é um fator de irrealização. O excesso de
racionalidade lógica – o absolutismo da razão – beira a iracionalidade. É nesse sentido que Weber
julga o que ele chama dos “fanatismos”, por exemplo o absolutismo dos direitos humanos numa
ética da convicção.
Esse poder da racionalidade sobre os homens nasceu das tentativas práticas de explicação
que acompanham o exercício da magia e tem portanto uma origem religiosa. Isso explica porque
foram principalmente as interpretações religiosas do mundo e as éticas religiosas que
desenvolveram os imperativos de coerência. É assim que se entende a racionalidade das
teologias. Porém, essa racionalidade religiosa é profundamente ambivalente. Ela produz, de um
lado, “uma sistematização racional cada vez mais avançada do conceito de Deus e, igualmente,
da reflexão sobre as relações possíveis entre o homem e o divino”. Mas do outro lado “e como
resultado disso mesmo, dá-se um retrocesso característico daquele racionalismo originário,
prático e calculador.” (Weber 2006, 68) Weber fala de “retrocesso” porque

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“o ‘sentido’ do comportamento especificamente religioso é cada vez menos procurado nas
vantagens puramente exteriores da vida econômica de todos os dias. E nessa medida, portanto, o
objetivo do comportamento religioso é ‘iracionalizado’, até que esses fins ‘extramundanos’ (isto é,
a princípio extra-econômicos) acabam por ser considerados como o elemento específico do
comportamento religioso.” (Weber 2006, 68)

Essa ambivalência aparece também no destino daquilo que foi uma consequência da
disciplina ritual da magia, no destino da ascese:

“Pois a ascese mostrou desde logo, no limiar do seu aparecimento, um rosto duplo: por um
lado, afastamento do mundo; por outro lado, dominação do mundo, graças às forças mágicas
obtidas por esse meio.” (Weber 2006, 321)

O afastamento do mundo é uma coisa que podemos entender desde que, para dar
explicações aos fenômenos incompreensíveis, foram criados os “deuses”: nas relações entre o
homem e o divino, a balança pode inclinar – como o foi primitivamente na magia – para com o
homem, ou para com o deus. O resultado desse processo evolutivo específico é, certo, um
desencantamento progressivo do pensamento religioso, mas que se orienta em duas direções,
cada uma se tornando autônoma: seja um agir cada vez mais disciplinado e racional no mundo,
seja também um afastamento das realidades da vida cotidiana, uma desvalorização do mundo em
favor de uma vida religiosa auto-justificada.
Pensar a secularização nessa linha mostra como duas forças convergentes podem chegar a
um abandono completo das religiões: a função primitiva e prática, representada pela magia, fica
assumida pela técnica, a economia e a administração burocrática; e a elaboração racional – a
procura de coerência – fica assumida pela ciência. É por isso que, na Zwitchenbetrachtung,
Weber pode mostrar que nos conflitos entre a religião e as esferas profanas autonomizadas, a
religião só pode perder: é a totalidade de suas funções que são assumidas pelas instituições
seculares. Ainda mais, com a racionalização das imagens do mundo, a religião se encontra cada
vez mais empurrada para o irracional.

Weber não diz que a magia constitui a “essência” da religião. Aliás, não há uma
“essência” da religião. Na descrição das formas primitivas do que chamamos de “religião”, existe

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uma série de fenômenos que geralmente associamos à experiência religiosa: o éxtase, a
experiência mística, até as manifestações orgiásticas. Contudo, é talvez a magia que corresponde
à forma mais originária do que chamamos de religião. Desde que, na sua sociologia da religião
Weber se interessa à racionalização dos comportamentos humanos o aspecto mágico é, dentro da
experiência religiosa, aquele que contém em núcleo o que é mais “racional” segundo uma
definição particular do racional: no sentido de adaptação e de dominação da natureza.
O comportamento mágico é também uma atividade, e a sua tradução nas regras ascéticas
significa a racionalização do agir. Weber não cessa de insistir sobre a oposição entre esse
conjunto magia-ascese-atividade e o conjunto contemplação-passividade. Talvez — sem que se
deva ver aqui uma influência direta — essa tensão seria representada mais claramente pela
oposição nietzscheana entre Apolo e Dionisos tal que desenvolvida na Origem da Tragédia.
Pois, se põe-se entre parênteses o sentido estético dessa oposição, pode-se admitir que a oposição
entre magia e êxtase é também a oposição entre as formas de comportamente religioso que
permitirão é individuação e, portanto, a racionalização, e aquelas que pelo contrário favorecem a
fusão comunitária — e se opõem a racionalização. Ora, sabendo que para Weber é na
individuação que pode encontrar-se um dos traços fundamentais da racionalidade, entenderemos
também porque ele tentará de puxar o fio que vai da magia primitiva até as formas mais acabadas
de racionalidade especulativa e de autonomização das condutas morais, considerando as formas
orgiásticas do sentimento religioso — na verdade todas as formas comunitárias, fraternas e
fusionais — apenas como obstáculos à racionalização.
A oposição entre “atividade” e “passividade” é fundamental para entender o conceito de
racionalidade. A racionalidade moderna, subjetiva, é essencialmente um agir. O sujeito receptivo
fica submetido aos sentimentos, às paixões. O percurso da racionalização é um percurso no qual o
aspecto ativo – a autonomia do sujeito – pode vencer as paixões, os sentimentos, a passividade.
Se a secularização é atrelada à racionalização, uma boa parte da experiência religiosa – que
Weber analisou como mística, contemplativa, ou até orgiástica, cai fora dos processos modernos
de racionalização.

Porém, se a racionalidade materialista pode perfeitamente inscrever-se na continuidade


"natureza-cultura", a racionalidade teórica pressupõe uma ruptura, um salto. Ou, pelo menos,
devemos pressupor um “interesse” teórico: da mesma maneira que a ação sobre a natureza

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manifesta um interesse material, devemos perguntarnos ao que correspondem as produções
intelectuais. Vimos que Weber fala do fascínio que a lógica, a coerência, exerce sobre a
inteligência humana e sobre os processos de intelectualização – que produzirão por exemplo as
teologias, as teodiceias. No processo geral de racionalização, a autonomia do discurso teórico não
deve ser menosprezada. Não obstante, talvez a procura de explicações – o interesse teórico-
prático – não é suficiente para dar conta das elaborações teológicas, e devemos supor um outro
motivo.

As religiões e a questão da redenção


Weber introduz esse outro motivo sem muitas justificações: ele considera que os temas da
salvação e da redenção estão presentes na maioria das religiões – mas não em todas6 –, e
correspondem a uma forma específica da vontade de racionalização: a vontade ou a necessidade
de encontrar o sentido da vida. O contexto no qual nasce o pensamento e a exigência de redenção
ou salvação nasceu, nos diz Weber

“da pretensão – que, nessa fase, se torna o pressuposto específico de toda religião – de que
o curso do mundo, pelo menos tanto quanto toca aos interesses dos homens, seria um processo de
algum modo dotado de sentido.” (Weber 2006, 351)

Se a racionalização vem primeiro da necessidade básica de encontrar uma explicação aos


fenômenos da natureza, ela se torna um traço que, nos processos evolutivos, concerne
universalmente todas as religiões:

“A necessidade de redenção, cultivada conscientemente como conteúdo de uma


religiosidade, surgiu sempre e em todo o lado como consequência da tentativa de racionalização
sistemática e prática da vida...” (Weber 2006, 351)

A procura de um sentido da vida surgiu naturalmente com o problema habitual do


sofrimento injusto, “portanto, como postulado de uma compensação justa para a repartição
desigual da felicidade individual no seio do mundo.” (ib.) O raciocínio de Weber é aqui muito

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“Nem toda a ética religiosa racional é, necessariamente, uma ética da redenção. O confucianismo é uma ética
‘religiosa’, mas desconhece por completo uma qualquer necessidade de redenção. O Budismo, pelo contrário, é
exclusivamente uma doutrina de redenção, mas não conhece deus nenhum.” (Weber 2006, 193)

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parecido ao de Kant quando pensa o conceito de soberano bem no final da Crítica da Razão
Pura, conceito religioso ou teológico que surge da necessidade e da impossibilidade de conciliar
a virtude e a felicidade no nosso mundo (Kant 1968, Ak. III, pp. 522-549).

“... quanto mais intensamente o pensamento racional se ocupasse desse problema da


compensação que restabeleceria a justiça, tanto menos a sua solução puramente intramundana
podia parecer possível, e tanto mais verosímil ou razoável uma solução extramundana.” (Weber
2006, 351, tr, mod.)

Como se sabe, é essa preocupação racional que deu nascimento às impressionantes


construções das teodicieias, que correspondem à “necessidade metafísica de encontrar, apesar de
tudo (...) um sentido...” (Weber 2006, 356)
Não era somente a injustiça da desigualdade que pedia uma compensação e uma
explicação, mas o simples fato do sofrimento e da morte. O que foi qualificado como interesse
básico – necessidades materiais e a sobrevivência – se complementa com um interesse (que pode
ser considerado como utilitarista) pela felicidade. Talvez, antes de falar de felicidade, seria
melhor dizer um tendência ou um desejo de evitar o sofrimento, cuja felicidae é só o avesso. É na
medida em que a felicidade não pode ser obtida nesse mundo, que a ideia de salvação e de
redenção propõe uma compensação extra-mundana.
Na luz das reflexões de Weber sobre esse aspecto do pensamento religioso, se abre a
perspectiva de uma interpretação complementar do fenômeno da secularização. Pois, se existe
uma paixão pela justiça, ou pelo menos uma reação natural contra as injustiças – inclusive contra
o sofrimento não justificado – podemos considerar que as teodiceias, e com elas o conjunto das
intelecções religiosas que tentaram dar uma respota a esses enigmas, desembocaram sobre os
paradoxos insuperáveis de toda tentativa racional de justificar a compatibilidade entre a ideia de
um Deus infinitamente potente e bom, de um lado, e o exibição recorrente do mal impune: a
racionalização devia assim tornar inacreditáveis todas as teodiceias.

Conclusão
Weber utilizou uma tipologia das determinações do agir humano (agir tradicional, afetivo,
racional em valor, racional em finalidade) para pensar o fenômeno da racionalização moderna. As
determinações tradicionais e afetivas ou emotivas são consideradas como não ou pouco racionais.

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Portanto, se é possível descrever o processo da modernidade como processo de racionalização, as
consequências para com as determinações tradicionais e emotivas são dramáticas: a racionalidade
em valor e, ainda mais, a racionalidade em finalidade são formas de racionalidade procedimental
ou formal: os conteúdos semânticos (os conteúdos particulares das tradições, os conteúdos
ligados às histórias individuais ou a culturas específicas), são relativizados em função dos
projetos, desejos, meios disponíveis, do ponto de vista da ação individual. No entanto, se
quisermos reinscrever essa racionalidade, atividade mental básica, dentro da perspectiva
antropológica que atravessa as considerações weberianas a respeito dos motivos religiosos,
devemos introduzir também o que, em termos humianos, poder-se-ia chamar-se de paixões.
Weber mostra que a paixão pela justiça – ou antes, o sentimento de injustiça – está na base de
uma boa parte do desenvolvimento das construções (racionais) da teodiceia, isto é das
construções destinadas a explicar e justificar as injustiças, e de maneira mais geral o sofrimento.
Claro, é possível que esse tipo de pensamento religioso não seja primitivo: a condição humana
pode ter sido aceita como destino, como fatalidade, pois a procura de uma “compensação” para as
injustiças ou para com o sofrimento pode ser o resultado do desenvolvimento de faculdades
intelectuais ou de formas de raciocínio que, talvez, não têm nada de primitivo. É nesse sentido
que o desenvolvimento impressionante das teodiceias pode ser entendido como uma
“superestrutura” intelectual e racionalizada posterior àquilo que seria o mais originário: a magia
como prática material nas situações de impotência humana. No entanto, o desenvolvimento de
nossas sociedades de consumo mostra que as questões às quais as teodiceias tentavam responder
– a injustiça, o sofrimento – aparentemente não são (e não podem ser?) resolvidas somente pelo
desenvolvimento técnico-econômico. Se a secularização é irreversível, voltamos à questão de
Habermas: qual pode ser o equivamente da religião na resolução das questões existenciais e
sociais, na constituição do laço social, na busca do sentido.
A questão central da sociologia weberiana da religião diz respeito à significação do
desencantamento. Quando Weber utilizava o conceito de "desencantamento do mundo", era para
dar uma qualificação ao processo de mudança profunda da religião – uma forma de
racionalização da religião na sua conceptualização teológica e, em consequência dessa
racionalização, sua desaparição a longo prazo. É sem dúvida a forma radical e abrangente da
secularização. A orígem mágica — na medida em que a magia tem uma finalidade prática —
explica porque o desenvolvimento técnico e econômico acarreta o desencantamento do mundo.

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Porém, desde que o modelo de racionalização desemboca sobre a racionalidade em finalidade, a
questão dos fundamentos se torna insolúvel. Com efeito, nos dois aspectos da religião primitiva,
o aspecto “sentimental”, emotivo, iracional – aquele que por exemplo Weber atribui às éticas da
fraternidade universal – deve deixar lugar aos comportamentos racionais. A extensão planetária
de uma racionalidade em finalidade não somente elimina a religião, mas também toda
possibilidade de fundamentar um sentido coletivo — só resta a guerra dos deuses e o olhar
pessimista: "Ninguém sabe ainda quém no futuro vai ocupar essa gaiola…" (Weber 2008, 166)

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