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politeísmo de valores
Renarde Freire Nobre
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Do modo como aparece nas páginas finais do famoso ensaio,
a especificação para o termo Entzauberung der Welt permite sustentar
a opção pela tradução “desencantamento do mundo”, não a título
de um preciosismo ou simples liberdade de assimilação. Se o que
melhor define a noção de Entzauberung der Welt, aplicada ao nosso
destino racionalizado e intelectualizado, é a expulsão dos valores
superiores para o plano místico e pessoal, com sua consequente
inaplicabilidade aos novos poderes que definem a vida pública,
pode-se sustentar que, de fato, trata-se mais precisamente de um
desencantamento do mundo, porque o que se vê não é apenas
uma afronta à magia, mas mais amplamente uma recusa radical da
inclinação metafísica ou moral de se conferir sentido verdadeiro às
coisas do mundo ou de se avaliar as condutas conforme prescrições
éticas absolutas. A crença nos valores superiores “cai por terra” em
um cenário cultural hegemonizado por processos de racionalização
de caráter secular, processos humanos, demasiado mundanos.1
Voltando à questão da tradução, a opção pelo termo
“desencantamento do mundo” necessita, contudo, de um
esclarecimento suplementar. Ela se justifica muito bem quando
aplicada ao contexto moderno na história do Ocidente, mas não é
extensivo ao mundo tradicional, quando, ao contrário, a opção pela
expressão desmagicização se faz bastante adequada. Weber remete o
processo de “desencantamento” aos tempos passados, incluindo-se o
desenvolvimento do pensamento conceitual na Antiguidade Grega.
Mas, sobretudo, o autor destaca na gênese do “desencantamento”
o advento das configurações religiosas que se racionalizaram a
1
A semântica weberiana do “desencantamento”, tal como apresentada, possui
claras ressonâncias com a imagem nietzschiana do Deus morto, embora pertençam
a perspectivas interpretativas bastante distintas e mesmo opostas em sentidos
fundamentais. Desenvolvi esses temas em alguns textos, tais como: Perspectivas da
razão: Nietzsche, Weber e o conhecimento (2004) e Weber e o desencantamento do mundo:
uma interlocução com o pensamento de Nietzsche (2006).
2
Há a conhecida passagem em “A psicologia social das religiões mundiais” em que
Weber, tratando das imagens religiosas do mundo, muito embora reconhecendo
a primazia dos interesses na condução direta das ações, pondera que “Muito
frequentemente, as ‘imagens mundiais’ criadas pelas ‘ideias’ determinaram, qual
manobreiros, os trilhos pelos quais a ação foi levada pela dinâmica do interesse”
(Weber, 1982, p.83).
3
Precisamente, porquanto, escapam do campo valorativo, substituindo a querela
interpretativa pela adoção de procedimentos técnicos, racionalizadas conforme
regras, estatutos e métodos, é que as esferas tipicamente seculares do moderno
4
Daí, talvez, de fato, uma tradução mais precisa para a famosa conferência de Weber
Wissenschaft als Beruf seria Ciência, não como Vocação, mas como Profissão. E para
compreender como o puritano, em nome da glória de Deus, ajudou a construir um
mundo sem Deus, vale a noção de “paradoxo das consequências”, utilizada por
Weber ao final do famoso livro A ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo.
5
Ver o texto Consideração intermediária.
6
É impossível ao amante sexual seguir qualquer ética humanista, seja na versão
cristã-religiosa da fraternidade universal, seja na versão kantiana-secular de se
tomar o outro sempre como fim, nunca como meio.
7
Apoiado em Tolstoi, Weber adverte que nenhuma ciência pode responder às duas
questões fundamentais: se a vida vale a pena e como devemos viver.
Considerações finais
Referências