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Didáctica de Química IV Universidade Licungo – Beira/ Curso de Química

FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS NATURAIS

CURSO DE QUÍMICA

CONCEITOS E CONTEXTOS DA QUÍMICA

Conceitos Fundamentais: preconcepções dos alunos

A pesquisa em ensino de ciências tem-se debruçado, no intuito de entender as


"explicações próprias", para aprimorar a relação de ensino-aprendizagem na
sala de aula.

1. O movimento das concepções espontâneas

Em relação ao Ensino de Ciências, inúmeras teorias vem sendo geradas, alteradas e


Substituídas por outras nos últimos 40 anos e entre elas o movimento das concepções
espontâneas, que teve grande contribuição de Rosalind Driver, tem ainda inúmeras
aplicações no trabalho do professor em sala de aula.

A partir da década de 70, observa-se entre os investigadores em Ensino de


Ciências uma tendência ao estudo das noções prévias que os estudantes trazem para a
sala de aula, anteriormente ao ensino formal, chamado de Movimento de Concepções
Alternativas (Alternative Conception Movement, ou ACM). Iniciados por Piaget e
Ausubel , surgem como conseqüência de uma preocupação com as práticas educacionais
de cunho estritamente empirista que haviam sido adotadas no período compreendido
entre o final da década de 50 e início da década de 70 em praticamente todo o mundo
ocidental .
Vários são os pesquisadores pioneiros nesta área, cada um com suas
denominações sobre as concepções que os alunos constroem: idéias intuitivas, pré-
concepções, idéias prévias , pré-conceitos, erros conceituais, conceitos alternativos,
conceitos espontâneos, formas espontâneas de raciocínioconhecimentos prévios e
concepções alternativas e outras denominações semelhantes.
São denominações que constam nas pesquisas e refletem paradigmas epistemológicos e de
ensino-aprendizagem distintos.
Actualmente, uma denominação mais abrangente talvez fosse “concepções prévias”
ou “conhecimento prévio”, como referência a todo tipo de conhecimento trazido pelo

Docente: Flávia Stela Chale Chinguela



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indivíduo, fruto de suas experiências de vida dentro e fora da escola, no instante em que
inicia um novo processo de ensino-aprendizagem.
Esses trabalhos contribuíram para o fortalecimento de um então chamado
“paradigma construtivista” na investigação sobre o ensino e a aprendizagem e
propiciaram a contestação dos chamados modelos de aprendizagem por aquisição
conceitual, centrados na transmissão de conhecimentos por parte do professor e não no
respeito aos conhecimentos prévios dos estudantes .
As alunos precisam de ocasiões que tornem possível
pôr em prática seu conhecimento em Ciências em situações que criem resultados
discrepantes para que haja o conflito conceitual, levando o aluno a uma insatisfação
com suas idéias e incentivando neles a necessidade de modificá-las.
Quando um estudante manifesta conceitos contraditórios, um aspecto importante é
colocado em jogo: estas idéias podem ser estáveis, de maneira em que a mudança
de uma delas requeira a modificação da estrutura da organização do conhecimento, e
não somente um elemento dela mesma.

A simples exposição da discrepância não implica necessariamente a estruturação


das idéias dos estudantes, ela requer tempo e circunstâncias favoráveis.

A construção de novos conceitos não pressupõe o abandono das concepções prévias,


mas a tomada de consciência do contexto em que elas são aplicáveis. O objetivo do
ensino torna-se, portanto, a evolução de um perfil conceitual, através da construção de
novas zonas (etapas) desse perfil e da tomada de consciência do domínio onde cada idéia
é aplicável.

Segundo Ausubel, Novak e Hanesian (1980), a aprendizagem significativa


caracteriza-se por um novo material a ser incorporado de forma substantiva (não literal),
não isolada e não aleatória a um corpo de conhecimento com o qual o aluno já está
familiarizado (uma imagem, um símbolo, um conceito, uma proposição etc.). Exige a
existência de conceitos prévios relevantes, uma predisposição do aluno para estabelecer
relações significativas e um material a aprender potencialmente significativo.
A aprendizagem das ciências passa a ser entendida como um processo de mudança
conceitual que, segundo Posner et al (1982), seria análogo ao processo de revolução
científica. Para tanto, se reportam à teoria das revoluções científicas de Kuhn (1978),
propondo que os alunos possuem um marco conceitual, ao qual recorrem frente a
novas experiências. Para eles, estas concepções ou conhecimentos são
consistentes e estruturadas coerentemente, pois foram elaboradas a partir da experiência.
Assim, estas idéias são úteis na interpretação da realidade e conseqüente predição
de novos fenômenos. Na opinião dos autores, ocorrem a assimilação, que diferente
do conceito proposto por Piaget, se refere ao uso de conceitos já existentes para
tratar um novo fenômeno e a acomodação, que se refere à substituição ou reestruturação
de conceitos fundamentais.
O processo de mudança conceitual não é linear e está sujeito a “tropeços” e até
involuções, admitindo a estreita influência da ecologia conceitual e das concepções
alternativas sobre a aprendizagem. Uma das reflexões mais significativas, inclui a influência

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dos factores motivacionais e afectivos no processo de aprendizagem, deixando de lado


a proposição puramente intelectual (cognitiva) defendida no modelo inicial.
As noções de assimilação e acomodação inseridas por Piaget (1977) que, permeadas pela
teoria da equilibração, propõem que o indivíduo somente assimila e acomoda os
conceitos quando suas pre-concepções são inadequadas ou incapazes de resolver
problemas reais.
Portanto, é fundamental que o Ensino de Ciências leve em consideração três pontos
básicos:

a) A assimilação é um processo de incorporação a esquemas conceituais


pre-existentes ou de coordenação entre dois ou mais destes esquemas.
b) Os esquemas “pre-existentes” foram construídos e nesta construção as ações do
sujeito sobre o objecto têm papel fundamental.
c) A assimilação de uma nova experiência não pode ser realizada antes que o
indivíduo construa os esquemas ou coordenação correspondentes, e a acção directa
e a manipulação de objectos não fazem surgir estes instrumentos .

Os estudos de Piaget deram origem às diferentes correntes construtivistas de
ensino e aprendizagem. Estas correntes lançaram mão da estratégia de “conflitos
cognitivos”, segundo a qual o aluno aprende se suas concepções espontâneas a respeito
de determinados fenômenos são colocadas em conflito com os factos observáveis.

Sob este aspecto chega-se à conclusão de que a aprendizagem não é simples internalização
de significados, mas sim “um processo idiossincrático, próprio da atribuição de significados,
e que resulta da interação entre as novas idéias e as já existentes nas estruturas
cognitivas” e que leva a uma modificação estrutural das concepções anteriormente
existentes.

Concepções alternativas são idéias que os alunos apresentam e que não coincidem com os
saberes científicos.

As Concepções alternativas podem ser intuitivas (prévias) ou promovidas durante o


próprio processo de aprendizado.
A concepção alternativa é diferente de um simples erro. Os erros podem ser reconhecidos pelo
próprio estudante quando lhe é oferecida uma concepção correta.
A concepção alternativa é forte e persiste.  Funciona como um importante obstáculo ao aprendizado.
Essas concepções surgem e interferem no processo de ensino de ciências, constituindo-
se em obstáculos de natureza epistemológica.
No processo de ensino-aprendizagem, por meio das intervenções em sala de aula,
espera-se a superação desses obstáculos, ainda que seja algo difícil de mensurar.
o processo de ensino aprendizagem deve, entre outras coisas, buscar a superação
dessas concepções para uma evolução na direção de áreas mais racionais do saber ao
longo de sua vida escolar.

Docente: Flávia Stela Chale Chinguela



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CARACTERÍSTICAS DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS


• Persistentes: mantêm-se mesmo após muitos anos de instrução;
• Generalizadas: compartilhadas por pessoas de diversas culturas, idades e níveis
educacionais;
• De caráter mais implícito do que explícito: os alunos as utilizam, mas muitas vezes não
são capazes de verbalizá-las;
• Coerentes: os alunos utilizam para enfrentar situações diversas;

ORIGEM DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS


• São manifestação do mesmo problema, a desconexão entre o conhecimento que os
alunos geram para dar sentido ao mundo [...] e o conhecimento científico (simbólico e abstrato).
• Todos nós temos um conhecimento informal sobre o mundo cotidiano (científico,
social, histórico, psicológico, etc.). Temos idéias que nos permitem prever e controlar os
acontecimentos (valor adaptativo).

q Conhecimento informal (pessoal/ social) que dá sentido ao mundo.


• Pessoas e objetos.


q Conhecimento científico
§ Símbolos, conceitos abstractos.
§ Mundo mais imaginário do que real

ORIGEM SENSORIAL DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS


• Surgem de modo espontâneo na tentativa de dar significado às actividades quotidianas.
• São baseadas em regras de inferência causal.
• Baseadas em dados colhidos por meio de processos sensoriais e perceptivos.
• Quando vivenciamos um problema costumamos recorrer a certas regras simplificadoras
Que identificam as causas mais prováveis e frequentes.
• Reduzem a complexidade do mundo sensorial a poucos elementos (busca de um atalho
cômodo).

Regras associativas que regem o nosso pensamento causal do cotidiano :


• A semelhança entre causa e efeito ou entre a realidade que observamos e o modelo
explicativo.
• A contiguidade espacial e, se for possível, o contacto físico entre causa e efeito.
• A contiguidade temporal entre a causa e o efeito, que devem suceder-se de modo próximo
no tempo.
• A covariação qualitativa entre causa e efeito. As variáveis relevantes são aquelas
que ocorrem sempre quando se produz o efeito.

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• A covariação quantitativa entre causa e efeito, de modo que um aumento na causa produza
um aumento proporcional ao efeito, e vice-versa.

Características principais:

• Apresentam uma universalidade maior através de culturas e idades;


• Geralmente são conhecimentos mais implícitos que explícitos (sabemos fazer, mas
não sabermos dizer – verbalizar);
•  Boa parte dos conhecimentos dos alunos não são conhecimentos conceituais,
mas “teorias em ação ”, regras de actuação, verdadeiros procedimentos.

ORIGEM CULTURAL DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS


q REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
• A cultura é um conjunto de crenças compartilhadas por um grupo social.

q Transmissão oral, meios de comunicação, etc.


• “Química” faz mal a saúde, o que é natural faz bem.

q Diferença de significados (cotidiano X científico)


•  Polissemia das palavras (conceitos): energia, Química, orgânico, calor, temperatura...

ORIGEM ESCOLAR DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS


• Certos conceitos são exclusivamente escolares:
- elemento químico,
- equilíbrio químico,
- oxidorredução...

•  Uso incorreto de analogias.


• Erro didático da forma como são apresentados os conhecimentos científicos
- regra do octeto,
- princípio de Le Chatelier,
- reacção de dupla troca...

• Não se diferencia correctamente (na escola) o conhecimento/ discurso científico do


quotidiano.

Referencias Bibliográficas

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