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Cody Denton

Professora Anna Hodgson

PTGSE 6900

17 de março de 2022

A Importância da Farme de Amoedo no Futuro da História LGBT no Brasil

Hoje é sábado e você decide correr os oito quilômetros entre os postos um e doze, uma

trajetória que atravessa as praias mais famosas do Rio: Leme, Copacabana, Ipanema e Leblon.

Passando pelos primeiros postos você percebe que tudo está calmo e que tem muitas famílias e

pessoas adultas desfrutando do sol. Continua correndo e vê jovens na praia jogando e tem uma

vista belíssima do Pão de Açúcar. Ao redor dos postos cinco e seis o mar é mais sereno, o que é

propício para praticar o stand-up. Chegando ao posto oito, o cenário começa a mudar e você vê à

distância umas bandeiras de arco-íris rodeadas por pessoas se divertindo como se fosse de noite.

Você chega à Farme de Amoedo, uma praia LGBT entre os postos oito e nove de Ipanema. Você

se senta por um momento, toma uma caipirinha e bate papo com um novo amigo.

Ter uma praia seria ótimo para qualquer grupo social, mas no caso da Farme de Amoedo

não foi dado de bandeja, mas sim, foi uma realização muito significativa. A comunidade LGBT

do Brasil passou pelas trincheiras para poder chegar ao ponto onde está hoje. O fato de poder se

expressar livremente e segurar a mão do seu parceiro do mesmo sexo, num lugar público não

pode passar despercebido. Isso é resultado de uma história de força e resistência contra a

ignorância, a violência e a lgbtfobia. Esse ensaio pretende posicionar Farme de Amoedo no

cenário histórico carioca e destacar a importância dela no nível intracomunitário,

intercomunitário e finalmente mundial.


A Rua Farme de Amoedo é uma rua no sudeste do Rio que é um local importante para a

comunidade LGBT. Fica no bairro de Ipanema entre os postos oito e nove e dispõe de bares,

restaurantes, clubes, opções de hospedagens e até praia. E tudo é gay friendly com bandeiras de

arco-íris nas barracas e nos quiosques. A praia Farme de Amoeda é considerada o ponto gay do

bairro. Ser ponto gay não significa de nenhum jeito que é um local exclusivo; todo mundo é

bem-vindo. Nas praias, rodeando as bandeiras gays, se acham casais homossexuais abraçados e

de mãos dadas, homens solteiros paquerando, mas, também, tem casais heterossexuais e famílias

de todo tipo. É um lugar onde vai ser bem recebida qualquer pessoa sem importar a sua

orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero, aparência física, raça ou classe

social. Infelizmente, apesar das condições utópicas que existem nesse lugar, ainda não é possível

para a comunidade LGBT viver livremente e se expressar do mesmo jeito em outras partes do

país.

A comunidade LGBT abrange muito mais do que apenas a comunidade gay. Cada

subcategoria que o acrônimo representa abarca uma cultura própria que leva dificuldades

singulares. A história da comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, trasvestis e pessoas trans têm

sido uma de lutas simbólicas constantes; não com as intenções de ter mais que ninguém, mas

sim, para ter os mesmos direitos civis dos que o resto do povo recebe inerentemente. Embora a

homossexualidade não ter sido considerada ilegal desde a libertação do Brasil de Portugal, a

Igreja Católica a condenava. Quando houve a epidemia do HIV/Aids nos anos 1980, as pessoas

consideravam que “[e]ra o câncer gay, um castigo divino, o que incentivou ainda mais a

violência e o preconceito” (Vieira). Além disso, a homossexualidade no Brasil já foi classificada

no CID (Classificação Internacional de Doenças) nas seguintes categorias: personalidade

patológico, desvio sexual, e transtorno sexual (Laurenti 344). De 1981 até 1985, o GGB (Grupo
Gay da Bahia) lutou para que a homossexualidade, ou homossexualismo, fosse retirado do CID e

em 1999 “o Conselho Federal de Psicologia aprovou uma resolução proibindo que psicólogos

participem de clínicas ou terapias como o objetivo de ‘curar’ homossexuais” (Câmara 374).

Apesar dessas mudanças oficiais de linguajar e categorização, as perspectivas dos religiosos e

outros membros da comunidade não mudaram. A comunidade LGBT continuou sendo vítima do

discurso de ódio, violência e outras formas de marginalização. Após mais lutas, em 2013 o

governo brasileiro finalmente concedeu para a comunidade LGBT a possibilidade de se casar

legalmente. Faz quatro anos, em 2018, que as pessoas trans conseguiram com que o governo

permitisse a mudança do nome para refletir a identidade de gênero. Apenas há três anos, em

2019, o governo brasileiro decidiu proibir a descriminação contra a comunidade LGBT. Esses

avanços dos direitos humanos não aconteceram sozinhos. Requereram eventos para divulgar

informação, marchas e paradas para demonstrar insatisfação e, tristemente, mártires que

perderam as suas vidas porque não recebiam o trato que merece qualquer ser humano.

O que faz a Farme de Amoedo um produto cultural tão importante é a culminância de

todos esses acontecimentos. Se não tivesse sido pelos que lutaram para ter mais igualdade, não

existiria nenhum lugar assim, onde os membros desta comunidade podem se reunir sem se sentir

obrigados a esconder uma parte fundamental da sua identidade. Os pontos de encontro para a

comunidade LGBT, tais como a Farme, vão ser importantes para o que segue na história LGBT

no Brasil porque provém lugares onde os membros têm liberdade de expressão e podem pensar

em como melhorar a sociedade ainda mais. Farme, em específico, vai ser parte desse avanço

porque é um local muito frequentado e tem visibilidade mundial. O mundo LGBT tem os seus

olhos postos no Brasil.


As risadas que se escutam lá na praia e pela Rua Farme são prova suficiente que esse

lugar é um produto cultural que apoia a comunidade LGBT e sua ajuda vai além dos risos com a

sua contribuição de nível intracomunitário. Ter um lugar onde a sua identidade não é condenada

ao ostracismo, mas sim, recebida com os braços estendidos, é terra fértil para desenvolver e

entender mais sobre si mesmo. Falando sobre a praia da Farme, o jovem Pablo Aguirre

compartilhou, “Ao estar rodeado de gente que também é gay me sinto com mais liberdade que

em outras zonas. As pessoas às vezes não são tão liberais quanto parecem. Estou há 12 anos

vivendo no Rio e vi avanços, mas continuam existindo muitos preconceitos” (Baron). A

liberdade de se expressar é importante no desenvolvimento da identidade. Não poder se

expressar ou compartilhar sua sexualidade vem com perigos. Jovens que não tem com quem falar

sobre esses temas têm a tendência de experimentar sem saber quais são as consequências. Não se

sentem confortáveis perguntando para os seus pais da sua identidade de gênero, a discriminação

que enfrentam, o sexo etc. Isso pode resultar em suicídio ou outros danos físicos, doenças

sexualmente transmissíveis, hábitos sexuais insalubres etc. As vantagens de poder contar com

uma comunidade incluem um impacto positivo na saúde mental, bem-estar emocional, uma

melhor qualidade de vida, maior autoestima e até melhoria na saúde física (Sense of community).

A comunidade proporciona um lugar onde falar sobre os problemas que enfrentam as pessoas

LGBT, não porque sejam iguais, mas porque compartilham experiências semelhantes.

Conversando, abrem-se as vias para aprender e a Farme oferece um espaço para dialogar

livremente. Além da identidade individual, a convivência com outros que têm ideais e

experiências semelhantes às de outros é uma situação ideal para o crescimento na identidade

LGBT carioca/brasileiro em geral. Reunida, essa comunidade pode, com tempo, se definir bem e

traçar metas referentes à defesa dos direitos civis, a educação que querem prover ao resto do
Brasil ou os programas que poderiam alcançar pessoas LGBT que ainda não tem o apoio

necessário para se desenvolverem ou não sabem onde achar uma comunidade receptiva.

Além da ajuda intracomunitária que oferece este produto cultural, é capaz também de

ajudar o futuro das relações entre a comunidade LGBT e a comunidade não LGBT. Alguns dos

benefícios intercomunitários já podem se observar, mas com o tempo vão se multiplicar. Uma

anedota que se costuma compartilhar no Rio é dos homens nas praias do Rio que ficam invejosos

quando veem que os outros homens ficam de olho nas suas mulheres. Esses homens levam as

suas parceiras à praia Farme para não ter mais que se preocupar. É uma piada, mas é certo que os

assédios tendem a levar os visitantes aos postos oito e nove onde esses são menos frequentes. E

assim, quando as pessoas se aproximam dos “outros,” tendem a reconhecer que são mais

semelhantes do que diferentes. Todo mundo pode ir sem problemas à Rua Farme de Amoedo;

ninguém precisa apresentar um cartão que constar o seu gênero ou sexualidade. É um lugar como

qualquer outro, com a diferença de que os oprimidos e marginalizados não precisam se sentir

assim. É um ambiente adequado para os que não têm experiências com pessoas LGBT chegarem

e conversarem com pessoas de diferentes camadas sociais. Com essa convivência, começam a

romper fronteiras sociais. A comunidade LGBT carioca já fez muito para alcançar o povo e

educar durante mais de 35 anos e agora, a Farma dá jeito para que os que tenham perguntas

possam se aproximar. Quanto mais se compreendam, melhores relações terão e com tempo, essas

relações vão levar a uma decadência na descriminação e marginalização da comunidade LGBT e

todas as partes virarão uma Farme.

Um lugar como Farme tem até um impacto internacional e vai continuar tendo. No ano

2006, o Brasil chamou muito a atenção quando chegaram 2.500.00 pessoas para presenciar um

desfile de orgulho gay, o qual tem sido a maior celebração gay do mundo todo e receberam uma
entrada no livro Guinness Book of Records sobre (Green 11). Desde então, o mundo tem os olhos

no Brasil; também pelos seus avanços nos direitos civis, outros desfiles de orgulho e os sítios

gay friendly como a Rua Farme de Amoedo. Por esse motivo, muitos turistas visitam o Brasil e,

especificamente o Rio, trazendo com eles lucro para o país. Mas não se trata somente de

dinheiro. Muitos turistas também chegam ao Rio sem nem pensar na comunidade gay, mas

quando eles vão à Ipanema, uma das praias mais famosas do mundo, veem as bandeiras

ondeando junto com a convivência das pessoas de dentro e fora da comunidade gay, vai ter um

impacto. Assim, pessoas dos países todos começarão a refletir sobre os preconceitos que elas têm

e, possivelmente, até mudarem suas atitudes.

Graças ao trabalho conjunto de milhões de pessoas, o Rio festeja um lugar onde a

comunidade LGBT pode conviver com as demais sem terem medo da violência ou do assédio. A

Rua Farme de Amoeda é um lugar que provê um refúgio e uma comunidade para as pessoas

LGBT, onde podem se fortalecer e propor metas do futuro; um espaço para criar relações e

romper barreiras; e, finalmente, um padrão para que o mundo possa ver que é possível conviver e

se relacionar com pessoas que são diferentes de si mesmos.

A Farme de Amoedo é um bom começo, mas não é a solução final. Apesar de tudo o que

representa, a comunidade LGBT na maioria das comunidades ainda não experimentou um trato

igual do que recebe a comunidade maioritária do Brasil. Infelizmente, não é o único grupo

minoritário ou marginalizado que se encontra nessa mesma situação. Tem pessoas por todo o

país e todo mundo que são discriminados pelas suas crenças, etnicidade, classe social etc. O

governo é responsável em parte, mas só até certo ponto. Em algum momento as pessoas terão

que começar a tratar as demais pessoas como se estivessem na praia de Ipanema desfrutando de

uma caipirinha entre os postos oito e nove.


Bibliografia

Barón, Francho. “A Democracia Praiana Do Rio Está Trincada.” El País Brasil, 10 Jan. 2014,

https://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/10/sociedad/1389393359_768905.html.

Câmara, Cristina. "Um olhar sobre a história do ativismo LGBT no Rio de Janeiro." Revista do Arquivo

Geral da Cidade do Rio de Janeiro 9 (2015): 373-96.

Green, James N. “LGBTQ History and Movements in Brazil.” Oxford Research Encyclopedia of Latin

American History, 2020, https://doi.org/10.1093/acrefore/9780199366439.013.840.

Laurenti, Ruy. "Homossexualismo e a classificação internacional de doenças." Revista de Saúde Pública

18 (1984): 344-347.

“Sense of Community 'Important' to LGBT People.” Sense of Community 'Important' to LGBT People |

Media | Sheffield Hallam University, Sheffield Hallam University, 11 Aug. 2012,

https://www4.shu.ac.uk/mediacentre/sense-community-important-lgbt-people.

Vieira, Willian. “Uma Linha Do Tempo Dos Direitos LGBTQI+.” Gama Revista, 28 June 2020,

https://gamarevista.uol.com.br/semana/orgulho-de-que/linha-do-tempo-direitos-lgbt-no-brasil-e-

no-mundo/.

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