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SOUZA, 

A. O. . Crítica Genética. In: Thomas Bonnici; Lúcia Osana Zolim. (Org.). Teoria Literária ‐ 
Abordagens históricas e tendências contemporânes. 2eded.Maringá: EDUEM, 2005, v. 1, p. 241‐250. 

 
@l CRÍTICA GENÉTICA
Adalberto de Oliveira Souza

Toda opção metodológica para a realizaç5o de uma análise literária p ressupõe certa concepção do
próp rio texto literário e uma concepção específica do que possa ser o homem.
Este trabalho de abordagem crítica não pretende entrar em concorrência com outros métodos de
análise de textos , m as sim abrir novas perspect ivas num campo inexp lo rado e procurar confirmar o u
anular, com objetividade, hipóteses interpreta tivas sobre a obra literária .
. N este capítulo, o que se pretende é esboçar um quadro pano râmico através do qual se possa
vislumbrar a situação e a função da Crítica Genética nos dias de hoje.
, Muitas são as manei ras de conceber a C rítica Literária, su a u til idade e o lugar que ocupa dentro
da literatura, sempre tendo como fu ndarnento de sua realização o re lacionamento entre o autor, o
te;cro e o leitor, po is para cada concepção crítica uma dessas três categorias fica evidenciada, de
aco rdo com o e nfoque daquele que executa essa operação. A C rítica G enética, assim como a Crítica
Biográfica, é uma crítica erudita, pois p reocupa-se com os textos inéditos, com as correspondências
dos autores c com a histó ria da obra em si mesma. Mas, de qualq uer fo r ma, a essência de roda crítica
é sempre a eÀ'})licação das obras e um convite à sua leitura.
M u itos métodos críticos foram se desenvolve ndo na t entativa de d esvendar o mistério ou a
razão de se r da ob r<l literária. D e ntre esse s métodos, podem -se citar alguns que acabaram por
ser mais utilizados, tais como: o d a crít ica p sicanalítica, o da crítica temáti ca, o da crítica
fo r mal e o da crítica genética. O s métodos utilizados se entrecruza m, mas têm sua
especificidade próp ria.
A pretensa sistematização dos métodos da C rítica Genética, no fina l do século XX, veio
correspo nder, não somente a um aspecto da nossa modern idade, a estétiw do iuconcluso, a teoria que
presume q ue toda obra literária é inacabada, e a estética da expa11são de sig11iji.cados, a obra aberta
apregoada por Umberto Eco, mas também a uma insuficiência dos estudos de genérica textual
tradicio nais.
Cumpre dizer que essa crítica interessa ao estudioso preocupado, isto é, que se interroga sobre o
trabalho da criação do texto, analisando a aventura intelectual exercida, ou para a escolha de um texto
e não de outros possíve is, ou para detectar as possibi lidades de existência virtual de o utro (ou ou tros
textos) não redigido. Sempre se trata, portanto, do estudo de IIIOJ/llscritos.
~~)EO RIA LITE RÁRI A

A FILOLOG IA CLÁSSICA

Uma vez q ue o o bjeto de escudo é o 1//allltscrita, é conveniente discorre r sobre o tratamento


dado a ele pela filologia clássica, a chamada Crítim Textual, disciplina que Azevedo Filho ( 1987,
p. 15) consiclt:ra ser inclusa na Ecdâtica, pois est5 ,·oltad:t '·apena:- para o estabekcimemo crítico
de um texto c não para a tOtalidade dos problemas que envoln:m a técnica c a arte editorial".
Segundo seu ponto de vis ta, portanto, pode-se deduzi r que a Ecdóticn tem caráter mais
abrangente, que em·oh-c todos os aspectos de uma edição, mesmo aqueles não-lingüísticos. ta1s
como: a disposição da parte escrit:l de um:l p5gina em oposiç:lo à marg~::m, os títulos, o uso
diferenciado dos car:tct~::n.:s gráficos, o conju nto das ilu:>t rações, :t!i filigranas etc. Assim sendo, na
Ecdótim poderia caber virtualmente também a Crítica Genét1ca, se est:t não tin~sse outros
objetivos, embora atuando sobre a mesma matéria.
A Ecdó1im km lo nga data, como bem observa Spina (1977), que não t~1z a mesma diferença
que seu colega, menc io nado anteriormente. O se u nascimento ocorreu após o apogeu da cu ltura
greg:~, quando se iniciou a fase helenística dominada por Alexandre M:~gno e sentiu-se a
necessidade não só de repensar o pass:~clo, mas de cxporc;í-lo. Então, na Biblioteca de Alexandri:1,
entre 322 c 146 a.C., obras foram ordcnad:~s, cata l og:~das e restauradas, procurando-se su :1
autenticidade. Os eruditos da época reviam as obras, come ntavam-nas , proviam-nas de sumário,
glossário, indicações marginais sobre as variantes das palavras, de tábuas explicativas, tudo isso
complemcm:~do com digressões biográficas, q u estões grama ti cais c até juízos de valor de
n:~turcza estética.
Corno surgiu uma cu ltura de tipo linesco, de tendência literária, houve a necessidade de
preparar textos legíveis, de apurá-los e publicá-los. Foi aí que começaram a ser aplicados os
procedimentos elem entares da apuração de texto.
A atividade ecdótica manteve-se atravessando os séculos, embora sem o brilho da fase
helenística. Somente no Renascimento esse brilho ressurgiu, começou-se a trabalhar com o mesmo
empenho existente no momento em que apareceu essa disciplina, sobretudo devido ao nascimento
da imprensa.
Apenas no sécu lo XIX, a Crítica Texcual, parte da Ecdótica, foi realmente sistematizada, isto
é, Karl Lachmann (1793- 1851), estabeleceu para essa disciplina posições teóricas e
m elOdo lógic:~ s.
Até os nossos dias, f:lzem-se edições críticas, às vezes com mais rigor, às vezes com menos, e o
objetivo é sempre oferecer ao estudioso de literatura um texto impresso que corresponda o mais
possível ao o riginal do autor.
Existe unu série de operações, procedimentos e pressupostos que são segui d os pelo crítico
textual:

rece11sio; elimi11ntio codiwm descriptomm; classificação esremauca que é a mrerprctação e classificação na


tradiç~o rnanuscrítica e na cradiç~o impressa das variantc:s de um texto para a determinação das relações
existentes entre vários testemunhos; eme11datio; co11slitutio textus, após, a .;e/ectio: apresentação do text~
reconstituído; aparato das variamc:s (AZEVEDO FILHO. 1987, p. 15).

Mas, na ve rdade, trCs dessas ope rações são as fundamentais: recensio, que co nsiste no
levantamento de toda a tradição manuscrita e impressa existente da obra, na e liminação de cópias
coincidentes <:: cheias de interpolações, inserções deliberadas de elcmemos que consta\·am do
original, para constatar os erros comuns, re-agrupar o material remanescente em famílias c fo rmar
uma árvore genealógica para descobrir o texto :~rqué tip o; ell/e11datio, que consiste na correção do texto
arquétipo para remontar o original, c origi11e111 detere, que remata o processo, reconstruindo a história
do texto, através de exame paleográfico do material subsistente e demais informações fornecidas
pelos códices.
É verdade que, quamo mais antigo o texto for, mais apuradas devem ser as técnicas de Ecdótica a
serem utii izadas; num texto moderno as técnicas em geral são mais simplificadas.

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----·· ~ CRÍTICA GENÉTICA

Ecdótica Crítica Tex-rual

Início: Antigüidade Clássica Início: sécu lo XIX

Aspecros gerais Aspectos particulares

Sistematização flexível Sistematização rígida

Manuscriros e elementos próximos Somente manuscritos

Quadro 1. Edição crítica (Filologia clássica).

GÊNESE DA CRÍTICA GE NÉTICA

O objeto da C rítica Genética é outro. Não é chegar ao texto único, o mais original, o mais
perfeito, o mais próximo do âui111o autoral, a últim a vontade do autor, mas sim avaliar a criação do
autor, os diversos momentos da criação, o como e o porquê da criação. Por isso os críticos genéticos
não falam em variantes e erros, e sim em rasuras e consistências, pois as opções do autor revelam
momentos diferentes da criação c iluminam a compreensão da obra como um todo, o passado e o
presente dela.
Os procedimentos da Crítica Textual podem ajudar o crítico genético, pois a matéria sobre a
qual se trabalha é a mesma, o que vai mudar é a maneira como esses dados serão observados. O
inferno da Crítica Textual, aquilo que deve ser jogado fora, colocado para trás, é o paraíso da Crítica
Genética, pois é o material que o crítico vai estudar e de onde vai tirar suas conclusões.
A crítica literária do século XX caracterizou-se por uma investigação constante em conjunto com
outras disciplinas. A crítica literária aliou-se à história, à sociologia, à psicanálise, à li ngüística, para
eJ\.rplicar o fenômeno literário.
Embora a crítica genética tenha tomado uma forma mais nítida no final do século XX, podemos
constatar que ela teve sua origem no século XIX. Aos poucos, foi-se conhecendo a importância dos
rascunhos, dos manuscritos, das edições sucessivas para a explicação do trabalho literário. A
preocupação em investigar o processo de criação do escritor vem de há muito tempo. Como não
lembrar A filosofia da composição, de Edgar Allan Poe, texto no qual o au tor explica como ele compôs
seu poema O corvo.
Não podemos tampouco nos esquecer dos teóricos como Gustavc Lanson, Dani el Mornet
e Gustave Rudler, que estabe leceram princípios nos quais a Crítica Genética não pôde de ixar
de se apoiar.
Lanson, nos seus Essais de méthode de critique e! d'histoire littéraire, de 1910, expõe codo o trabalho
que deve ter o crítico para buscar todas as informações necessárias sobre o autor e a obra em livrarias ,
bibliotecas, catálogos, inventários, relatórios, correspondências particulares, diários íntimos,
processos etc., devendo, em seguida, usar o mesmo procedimento com outras obras do autor e de
outros autores, comparar os elementos afins e agrupar as obras que tenham semelhanças, ligando-as
às correntes intelectuais e morais. Ele sustenta, rambém, que é fundamental observar as obras de
q~alidade inferior. Para ele, essas são "lcs opérations p rincipalcs d'ou se tire la connaissance exacte e
complete -jamais complete en réalité, mais la moins incomplete possible - d'une ocuvre littéraire"
(LANSON, 1965, p. 45).
Lanson real izou edições críticas, e em toda a sua obra ele demonstra a preocupação com o
manuscrito. Jean-Yves Tadié observa que, n um artigo de Lanson, Un manuscrit de Paul et
Virginie (1908- Revue du 111ois), suas análises não são fi nalistas, isto é, não admite que o ú ltimo
texto seria o melhor e definitivo (TADlÉ, 1992). Ele verifica isso, também, em outras ocasiões
na obra de Lanson.
Rudler (1923 apud TADIÉ, 1992) também foi um precursor da Crítica Genética. Era discípulo de
L1nson, foi professor em Oxford e, em 1923, publicou Techniques de la critique et de l'histoire littéraire,
onde vê a importância de definir a evolução do "mecanismo menta l dos escritores". Estabelece a
distinção entre crítica externa e interna. A primeira diz respeito aos testem unhos dos escritos e aos
que conviveram com ele, suas cartas, datas, intenções, influências, fontes. A segunda parte refere-se

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~0 EORIA LITERÁRIA

ao conhecimcmo dos manuscritos, das rasuras, dos "sentidos constames" ou conststencias que
ajudam a conhecer as tendências conscientes c incon scientes do :nno r. Ele acha também que
todos os ramos da crítica ajudam a crítica da gê nese. Rudler (1923 apud TADIÉ, 1992) pretende
determinar a "formula total do escriror", superpondo e compar:tndo suas fisionomias sentimentais,
ideológicas e sensoriais, para depois descobrir os procedimentos de elaboração e "procedimentos de
composição" através da análise e o rdenação dos manuscritos, p:.lrtindo do detalhe para o todo,
indutivamente.
Audiat (1924 apud TADIÉ, 1992) propôs uma tese em La biogra]'hie de f'oetll 1re fiuémire, na qual se
deveria buscar a idéia geradora de uma obra, partindo do gcr~d para s~: chegar aos pormenon:s. Enfim,
reve la um incercsse decbrado pela crítica da gê nese de uma obra, levanta problemas que serão re-
estudados posteriormente. Ele é um dos primeiros críticos literários a ttT imen:ssc pela psicanálise.
Houve outros trabalhos que se interessaram pela gênese das obras: Ffaubert et ses projets i11édits, de
1950, de Maric-J eanne Durry; La geuese de la filie Efise, de 1960, de Robert Ricatte; Le lllt'111115Cril de
Co11te111pfatious, de 1956, de C laudine Gothot-Mersch; Nouvelle versio11 de Mada111e Bovary, de 1949, de
Jean Pommicr; Le livre de Mallar111é, de 1957, de Jacques Sherer; L'oeuvre inacltevée de Ste11dl/(/f, Lucien
Leuwen. Foram, todavia, as publicações das obras de Proust jea11 Sauteuif, em 1952, e Comre Saillte-
Beuve, em 1954, os mais importantes geradores de polêmicas, fazend o sentir a IICcessidade de estudar
com mais afinco a Crítica Genética.
Em 1957, houve uma publicação muito importante: o estudo da gênese de La jeu11e parque, de
Paul Valéry. Nadai (TADIÉ, 1992) estuda 800 páginas dos manuscritos desse poema, tentando
"descobrir os segredos c os mecanismos da criação li terária". Considera, entretanto, que tudo que
encontrou em sua pesquisa não se iguala ao poema terminado e publicado pelo autOr. Sendo assim,
pode-se ver que ele ainda está preso a uma visão finalista.
Bosi, em um prefácio, menciona a polêmica que suscitou na lt<llia a crítica das vJrianres, que
tentava compreender os "padrôes de gosto estético que teriam guiado a mão do poeta no labor
estilístico das refacçôes do léxico, ordem, ritmo" (WILLEMART, 1993, p. 9). Ele cita, também,
Benedetto Croce, que acreditava que as correçôes do autor num manuscrito não significJvam meras
revisões formais, com simples valor estético, mas algo mais, uma reestruturação perceptual do
artista, a substituição de outro matiz afetivo ou cognitivo.
O fato é que com essas e outras polêmicas persistia ainda a idéia de que a versão final é a que
devia ser a mais importante, isto é, o ânimo autoral deveria ser respeitado.

Filo logia ·clássica


Crítica Genética
A Ecdótica e a Crítica T extual

Os manuscritos Os manuscritos

O rc:-..10 (o :inimo autoral) O protote:-..1:o

O linalismo O inconcluso

A obra fechada A obra aberta

Q u ad ro 2. Os estudos do manuscrito.

Pode-se dizer que a Crítica Genética recebeu o estatuto de disciplina independente em 1968,
quando Louis Hay encabeçou uma equipe de pesquisadores, no Centre National de Recherches
Scimtiflques (CNRS), em Paris, para organizar os manuscritos do poeta alemão Heinrich H eine, que
acabavam de ser adquiridos pela Biblioteca Nacional Francesa. A equipe era formada principalmente
de germanicistas. Em seguida, essa equipe associou-se a outras, que se interessaram pelos
m:muscritos de Proust, Zola, Valéry e Flaubert. Daí começou-se a ver a problemática geral que havia
na Crítica Genética e foi criado um laboratório específico dentro do CNRS: o ITEM (Institut de
Textes et Manuscrits Modernes), composta atualmente de várias equipes que estudam Aragon,
Baudelaire, N crval, Flauben, Heine, Joyce, Proust, Sarrre, Valéry, Zola. H á, também, "laboratórios
de codicologia moderna, de trat:tmcnto ótico das escrituras, de informática, de manuscrito e
lingüística e de manuscrito c cultura" (S:\LLES, 1992).

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/ ·~
""· ~~~CRÍTICA GENÉTICA

N o Bras il, esse est udo foi imroduzido por Wíllemart, que organizou o primeiro colóqu io desse
gê ne ro c incentivou vários pesquisadores a se ded icarern a esse assunto.
H oje, há no Bras il vários pesquisadores dedicando-se a esse gênero de pesquisa, haja vista os
inúmeros congTessos q ue aqui já ocorreram, e grupos q ue se dedicam a essa forma de estudo,
buscando princíp ios básicos comuns.
A C rítica Genética conseguiu seu estatutO de disciplina indepe nden te porq ue tem um p ropósito
defini do, um o bjeto, um campo demarcado de estudo. Esse propósito é a indagação do nascimento
de uma obn de arte, como ela foi surgindo, corno ocorreu o processo criativo. O texto chamado
defini tivo, assegurado pelo ânimo autoral, passa sempre por várias transformações e, ao lado desses
manuscritos, h á, também, elementos p:~ralelos q ue podem ajudar na comp reensão do processo
cri ativo: rascunhos, anotações, bil hetes, documemos relacio nados àq uela obra e q ue não fo ram
publicados, m as estive ram presentes no m omento da criação.
O p rob lema é como fazer essa análise, como descobri r o que foi impo rtan te ou mais decisivo
para a cnação.
Jean Bel le min-Noel , em 1972, publica Le texte et l'avan/-texie. O termo avant- texte, prototexto, foi
fundamental para a C rítica Genética, pois o objeto dessa crítica é o estudo desse material, isto é, de
tudo o que veio anteriorm ente ao texto defin itivo. No artigo Reproduzir o manuscrito, apresenwr os
mswnlws, eswbelecer t/111 prototexto, publicado em dezembro de 1977 na revista Littérature, ele reconhece
a necessidade de uma metodologia para os estudos de Crítica Gen ética, nota que é preciso designar
precisamente os materiais redacionais anterio res à impressão de uma obra e re fl etir sobre :1 prática
desse tipo d e aná lise (BELLEMIN-NOEL, 1993).
Como diz o próprio título do artigo, ele classifica esquematicamente em três tratamentos
especiais, em três instâncias (hipóstases) a análise genética:
1. A reprodução d os manuscritos é o conjunto que antecede à publicação; eles não precisam
necessariamente ser escritos à mão, podendo ser datilografados ou gravados em fitas magnéticas.
É preciso garantir a autenticidade do escrito. Essa rep rodução co nverte o manuscrito em obj eto
de um culto, algo como que sagrado.
2. Os rascunhos são o testemunho do trabalho d o escritor. Através da análise desses rascunhos,
podem-se d esvendar os mecanismos da produção. Os planos, o roteiro, as anotações táticas o u de
referência fazem parte do rascunho de uma obra. Fixam o perfil da ativid ade de criação, revelam
m omentos d a vida, eve ntos po líticos e socioculturais, fontes, infl uên cias. f1 finalidade é apreender
o_que o escritor queria realmen te tàzer, o signifi cado de um texto aos o lhos do escritor.
3. O prototexto é uma reconstrução, estabelecida pelo crítico, dos antecedentes de um texto. O
crítico de li mit:~ seu campo de análise de acordo com sua to mada de posição, de um método
específico.
Be llemin-Noel não ach a que seja necessário um tipo de análise especial de Crítica Genética. Ele
estabelece que os

( ... ] pressupostos teóricos de uma leitura de gênese não precisam ser desenvolvidos aqui, uma vez que seu
fundamento é idêntico ao das análises do T eJftO (publicado] , e que seu alicerce configu rou-se
hisroricamenre em relação ao estudo do Texto e não dos docu memos de redação (BELLEMIN-NOEL,
1993, p.l37).

Efetiva m e nte, a natureza da Crítica Genética é interdisciplinar. Não há u m instrumental teórico


definid o .para a análise d a gênese de uma obra. Po r isso, para a abordagem d o m aterial colhido, o
pesquisador necessita escolher um caminho que ele considere adequado e que resolva o seu
problema. Os pesquisadores, em geral, têm usado métodos da semiótica de Peirce, caso de Cecília
Almeida Salles, ana lisando a obra d e Ignácio de Loyola Brandão ; a Análise do Discurso, caso de
Almuth G rési llon e Jean-Louis Lebrave, discutindo os modelos lingüísticos na gênese dos textos; a
Psicanálise, caso de Philippe Willemart, analisa ndo um conto de Flaubert. Esses são apenas alguns
exemplos, as possibil idades são inúmeras e, co mo a Crítica Genética é uma ciên cia nova, está aberta
a inúmeras tentativas, que só poderão enriquecer esse estudo.

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n . 0 EORIA LITERÁRIA

GENÉTICA T EXT UAL

É oportuno que se faça a distinção entre esses dois termos, pois eles traduzem signific::tções
Jistintas: a Genética T extual, que t:studa mate rialmente os manuscritos e os decifra; t: a Crítica
Genética, que procura interpretar os resultados dessa decifração. Amb::ts têm a mesn1a fi nalidade,
que é reconstruir :1 história do nascimento <..k u m texto, tentando encontrar os segredos da tàbricação
de uma obra.
Bi;~s i (1996) tema sistematizar uma metodo logi:t que pode ajudar a compreender melhor a
análise genética, primeiramente estabelecendo -+ f.1ses da gênese:
t. A f:1se pré-redacional
Como o nome indica, é a fase precedente ao trabalho de redação de uma obra c pock ter duas
etapas: a exploratória, o nde t:stão as tentativas, :lS colheitas de m:lteriais que variam de impo rt~nc ia
de acordo com cada obra e cada autOr. Nessa fase, mclut:m-se os recorres ele j a m ais, d~.: revistas,
os objetos pessoais, as fotografias, as cartas, os m apas, os gui as de viagem etc. São t:lemcncos
recolh idos pelo autor para montar seu projeto. A segunda etapa é a f.1sc de decisão, aquela na qual o
au to r decide quais são os elemen tos que va i utilizar c os o rdena. São as listas d e palavras, títulos,
planos, notas de pesquisa, uma provisão para a futura redação.
2. A f.1se n:dacional
É a fase de execução do projeto recolhido anteriormente; são os raso111lws da obra. Pode-se dizer
que é uma exigê nciJ fundamenta l das informações; o autor compõe umJ atmosfera global, mas
pouco específica. Se for o caso de uma obra narrativa, ele vai escrever sobre a época em que se
passa, em que lugar vai oco rrer, traços psico lógicos de personagens. Depe ndendo do autor, há
casos em que esses textos (fólios) são escritos c re-escritos inúmeras vezes. Enco ntram-se até 20
versões o u mais de uma m es ma passage m, tanto em prosa com o em poesia.
N essa fase, comparando-se as versões, vai-se vendo como o futuro te>.."to em erge do caos dos
rascunhos. As rasuras e os acréscimos encaminham o analista a detectar uma esp écie d e pré-texto
definitivo.
3. A fase p ré-edito rial
É o último esttldo autógrafo do pro totexto, um estado quase final da obr:1, sobre tl qual alguns
arrependi mentos podem ainda aparecer, mas que dão a imagem d o modelo sobre o qual será
reproduzida a versão impressa.
A pa rtir do século XIX, os escrito res começaram :1 pegar o hábito de proteger esse doc umento,
solicitando a tr::tnscrição caligrafada por um pro fissi onal, assim com o, no século XX, a transcri ção
datilograf.1da d esse texto. Ai surgem acoltlecime/1/os gcnélicos interessantes, pois, ao copiar
mecanicamente os manuscritos definitivos, o copista introduz quase inevitavelmente erros de
leiltlra que o autor poderá ver e corrigir, não perceber ou permitir a mudança.
As provas fornecidas pelo impressor e corrigidas pelo autor p ertencem à última fas e do
pro totexto. É o momento em que o autor julga-o com o definitivo. A partir daí, sai-se do espaço
genético do prototexto para se entrar na história do texto.
4. A fa se editorial
N o mo m ento em o autor julga o te:-.."to pronto e permite a publicação da primeira edição, tem-se,
então, o lexto da obra, mas não necessariamente o último t:stado do texto da obra. O autor poderá
modificá-lo em o utras edições. Essas modificações pertencem 3 área dos estudos genéticos, mas
distinguem-se dos estados de redação que se pode m obse rvar nas três primeiras fases em que o texto
ainda não existia. O objetivo primo rdial da análise genética é o prototcxto, ainda que o texto seja
levado em consideração como ponto de referência.

A ANÁLISE DOS MANUSCRITOS

Cada f:1sc de elaboração do prototexto constitui uma etapa cronológica da gênese de uma obra.
Através dos indícios apresentados em cada fase será possível detectar as escolhas do ;:l'uto r, interpretar

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C RiTicA G EN É Tic A

o conjunro do processo d~: criação e buscar uma significação para cada uma dt..:ssas escolhas que ele
fez para criar o seu texto c dar forma à sua obra.

O estab elecime n to d os d ocumentos


O crítico deve fc1zer um inventário do conjunto de peças relacio nadas à obra que o autor usa para
inventar o seu te>..'to. Esse trabalho pode demorar anos de pesquisas e negociações em bibliotecas, museus
e coleções paniculares. Oe,·crá, também, submeter essas obras a um comrole de autenticidade.

Esp ecificação d as peças


Essa operação consiste em separar cada documento em sua fase d e rea lização (pré-redacional,
redacional, pré-edito rial, edito rial).

C lassificação gen ética


Essa operação baseia-se na classificação dos documentos enco ntrados situando num eixo
pamdigmático de simi laridade as características encontradas nos esboços c rascunhos já separados en1
suas respectivas f.1ses, procurando dar uma seqüência sintag111ática cronológica pa r:-t esses documentos
Isso pode revelar uma imagem do que era a obra inteir:-t em cada uma das ctap:-ts da sua gênese.

D ecifr ação e transcrição


A classificação ge nética não pode se r conduzida sem uma decifração integr::tl d os documentos. É
a decifração dos fó lios que perm ite a classificação e a transcrição deles. Para isso, é necessário um
rigor obsessivo ao transcrever as rasuras (fragmentos de te>..1os, frases, expressões riscadas pelo autor),
os acréscimos (fragmentos de textos, expressões adicionadas pelo auto r), as manchas ou traços nas
entrelinhas, anotações.

T écn icas d e perícia científica


Muitas vezes, podem-se usar recursos específicos das ciências exatas, com o numa investigação
policial, que fornecem materiais adequados para informações indispensáveis:

A codicologia
Ea ciência dos suportes materiais d a escrita: a composição química de uma tinta, a presença no
papel utilizado pelo autor de um tipo especial de filigrana, sua espessura, sua cor, sua dimensão . O
papel e a tinta podem se tornar índices preciosos para a classificação de documentos problemáticos,
revelando a data em que o documento foi escrito.

A análise ótica: a técnica laser


Esse dispositivo permite a detecção da autemicidade de um d ocume nto, se ele foi escrito do
começo ao fim pela mesma pessoa, se foi escrito de maneira contínu:-t ou desconlínua.

A an álise informática
Já existem programas de informática que servem para a realização de ediçcies automáticas de
manuscncos e os primeiros dicionários de substituição, que ajudam na análise de corpus de longa
extensão.

A ABORDAGEM PSICANALÍTICA

É mu ito import:111 te a abordage m psicanalítica de Willennrt ( 1993). Ele expõe aí um panorama


da crítica genética, dá como exemplo uma análise genética psicanalítica e sugere que a Crítica
Genética pode t:lmbém abranger as Ciências Exatas.

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Na introdução, Wtlkmart ( 1993) reroma a imagem romântica do mistério da inspiração, que
tt.:lll, embora remotam~:nte, c~:rra relação com a CrítiCa Genérica. Faz um quadro geral, começa
w rific:mdo que existem dois momentos dialéticos da criação: o primeiro, das anotaçôcs se m critério
:-~pa rente por parte do esc ritor; o segundo, quando "o escritor deixa a iniciativa à instância narrativa e
tonu-se instrumento ck sua cultura e de sua escritura" (p. 16). Ele f.lz um histó ri co da preocupação
com o prororexto e a relação existente enrre a Crítica Textual e a Crítica Gen~tica e, em seguida,
reforça a importância ela guarda, do tratamento a ser dado ao manuscrito: o esrud o técnico da tinta,
do papel, da caligrafia, a data da composição, a decifração d:t escritura escondida atrás das rasuras,
m:tnchas e rabiscos e, tln:tlmcntc, a classificação dos tolios, a ordem, pois cada auror, cada escritor,
tem sua maneira própria de: rascunhar.
Estando o manuscrito legível e ern o rdem, o crítico pode entr:u no jogo d a escritura, que é
pr~ciso ser entendido liteml111e/lle e/11 todos os se/llidos, como dizia Rimbaud. A linguagem e a cultura se
impõem através da escritu ra c co-d irigem a organização do texto. O estudo d o prorotexto li mita a
interpre tação, mas evita a projt:ção do crítico, que d ifici lmente poderá confundir o se u in consciente,
seus valores ou sua ideologia com o autor.
Toda teoria propõe a busca de uma verdade ou de uma lógica. O crítico genético deve procurar
uma lógica no protore:•:to, e isso independe de um padrão teórico estabelecido por uma escola
determinada.
O prototeÃ"tO propicia uma visão nítida entre o discurso poético e o discurso comum, o que
provoca esse distanciamento c.:ntre os dois d iscursos, o despojamento progressivo do escritor, ou
me lhor, do scriptor a serviço de uma instância poéli c:-~ ou n:~rrativa (a ascese). Nem todos os auto res
:-~tingem um grau elevado de ascese, mas a escrit ura de algu ma forma tende a do minar a todos.
Segundo a psicanálise , o d istanciamento do cu, exigido pelo p rocesso poético, visível no
prototexto, decorre de uma atitude mais abra ngente do artista com relação à linguagem. É uma
pulsão de morte, uma tendência permanente inconsciente que dirige e incita a atividade, um
distanciamento da linguagem social, dos pomos de referência habituais (dicion ário, sinta:'<e), da
relação enrre significado c significante.
Willcman ( 1993) tenta criar uma teoria da gênese da escritura baseando -se na decifração,
classificação e análise de 106 fólios do 1° capítulo do como Herodias, de Gustave Flauben.
Primeiramente, e le parte do conce ito de J ean Bellem in-Nocl de inconsciente d o texto para
e laborar o inconsciente ge nérico ou da gênese e, por conseguin te, verifica r :ts rc l:tções entre a
rasu ra e a consis tên c ia c, em segu ida, o sig ni fic:tdo do primeiro texto. Posteriormente, estuda
as espécies de tempo que regem a escrit ura, o tempo da pulsão e o tempo do d esejo.
Finalmente, tenta afastar-se da separação epistemológic:t, estabelecida por Kant, entre Ciências
Humanas e Ciências Exatas, relacionando os fenômenos imprevistos que surge m na
matemática e na física.

O inconsciente do texto
Com o termo textallalyse,Jean Bellemin-Noel (1983) evoca a hipótese d o inconsciente do texto,
que é o desejo do escritor. Ocorre que o escrito r é uma série de desejos escalonados sobre várias
ge rações e o fruto de um momento cultural preciso. A língua, que ele utiliza, o domina e o submete,
força acomodações, obriga-o a deslocar elementos, tanto em nível do sintagma quanto do paradigma.
Importante seria falar do desejo do narrador, pois assim podemos diferenciar o desejo singular dos
desejos múltiplos, o que nos permite questionar o porquê da riqueza e da variedade de uma
escritura. O desejo do narrador seria o inconsciente do texto somado ao desejo; envolveria a
sociedade, o passado c o próprio desejo.
Através das análises do protote:-.rto, o crítico pode ter a oportunidade de encontrar o que o clínico
chama de sintomas, que são situações cercadas de angústia, obsessão, ilusão, alucinação.
A observação dos :nos f.1 lhos também ajuda na busca dos sintomas. O im portante na textanálise
não é chegar a um dos ~lntasmas do autor, mas descrever o percurso desse fantasma no texto,
discernir os remanejamentos de escritura que ele provoca c observar como uma fórmu la indizível
consegu iu caminhar até o texto publicado.

248
r

o. 5 C R i Ti cA Gf.NÉTicA

O inconscie nte gené tico ou d a gên ese


Tudo o que foi transc rito <.:111 um caderno o u em um manuscrito, visando a uma narrativa
den.:nninada, fica na memória da escritura. O inconsciente gen~tico é o esquecimento, ou rejeição,
do passado do manuscriw. Para perceber o inconsciente genético é preciso ver a interligação entre os
fólios, isto é, co mo os fó lios se inte rpcnctram. At ravés das análises do proto tcxto ck Herodins, de
F buben, Willema rt ( 1993) \'enfica como o narrador opera uma seleção e submete-se
progressivamente ao desejo presente na escritura a partir de possibilidadcs armazenadas na cultura de
seu tempo.
Reconhece-se que existe um saber result:~me da escritur:l, como salienta Foucault; o delírio
n.:sulta de um sabe r preciso, q ue,

apesa r dos dados colhidos por ela, o escritor-protonarrador se olha, s.: cnuncta, se diz, sonha, entra no
intcnexm, cara aqui c acol~í os signiticantes q ue lhe imcressa m <.:, sem sab~-lo, isco é, inconscicmcmcmc,
deixa-se levar na corrid:1 louc:l dos dncumemos, levado, mas tamb~m gui:tdo. por u ma lei que pode ser da
históna. de uma língua amtga, da composição ou do c:nn:do da narranva. É a puls:io do cscmor
(W!LLEMJ\RT, 1993, p. 62).

Po r isso tudo, ele insiste que, para se procurar o inconscieme gen0tico, não se pode deixar de
levar em consideração o protorcxto mais o texto publicado.

A r asura e a consistência
Nos anos 1960, a crítica festejou a morte do autor; ma1s 1mponantes se riam as ca tegorias
resultantes da narr:uo logia do texto. O autor é também leiror, c não apenas o s ujei to da
enunciação ou do enunciado; po rt:~n ro, nessa re lação de auror/ leitor insinua-se um Te rceiro o u
o Outro, que pode ser a tradição liter:\ria ou histórica, o inconsciente do autor ou o utros f.1tores
que excedem o :~utor.
Em outras pal:wras, a cada leitura que f:1z o autor, o Outro se insere, e c:1da rasura feita pelo
scripror provoca uma consistência nova, onde fica m::~rcada a insistênciJ desse Outro, que desvia a
inte nção primeira do autO r. N o enta nto, a vontade de consistência sem pre permanece manifesta nos
comentários do autor.
Em sum:1, a passagem ininterrupta do autor/le itor p:~ra o auror/scriptor provoc:~ no escri tor uma
depressão, uma insegurança, um:1 incerteza ckmte do desconhecido e, qua ndo ele supera essa
depr~ssão, essa "série de lutos", c não tt.:m mais dúvidas, ele é ltberrado e entr:-t na sublimação. Por
isso que essa série de situações por q ue passa o escritor pode ser cha mada de um período ascético.

O prime iro texto


O desejo inconsciente do narrador e o inconsciente do texto separam catego ricamente a
instância do esc ritor da instância do autor.
O escritor é, ao mes mo tempo, dependente c autônomo d e seu inconscie1 1te e de s ua cu ltura,
porque cria uma no\·a cultura, uma nova memória na escritura.
O auror/scripror mais o aumr/leiror são co:~gidos <l dar uma nova consistência ao seu te:--'to,
devido à pulsão e ao desejo de escrever. A pu lsão de escrever é o movimento repetitivo, que tanto
Frcud como Lacan sustentam partir de uma zon:t erógena; e o desejo de escrever depende da atração
e da tens5o p rovocada pe lo prime iro texto "inspirado". N5o há uma semelhança enrrc esse prime iro
te)..."tO e o texto publicado, mas há uma relação de sintomas entre eles.

O m a nuscrito e as C iências Exatas


Tudo o que antes era ,·isto como sisrc11w e se compreendia como possuindo uma estrutura, hoje
se vê como eleme ntos d esintegrados, uma plumlidnde nuerta que beim o caos . Uma vez que a Crítica
Genética tem de lid:-tr com diferentes instâncias que regem :1 produção do te:>..'tO, e la não pode deixar
de le\·ar em cons1deração essa dcsllltegr:tção.

249
--- ' "·· · ~,((~ E O R I A L I TE R Á R I A

Will emart (1993) tenta aproximar os procedimentos da C rítica Genérica à Teoria das
Catástrofes, elaborada pe lo matemático René Thom, e à Teoria das Estruturas Dissipativas,
desenvolvida pelo físico llya Prigogine. Essas teorias realçtm a importância do aleatório, do acaso,
pois Thom prova que "há uma catástrofe quando se observa uma derivação súbita de dados em uma
direção desconhecida", c Prigogine atesta que não se pode f:1 br de "trajetória no senrido que se pode
prever o ponto de queda" (WILLEMART, 1993, p. 126). Há uma semelhança com a análise genética,
mas também há diferença, pois o que nas C iências Exatas só se pode atribuir ao acaso, na Crítica
Genética pode-se atribuir ao scriptor. D e qualquer forma, fica sugerida uma aproximação que poderá
ser útil a ambos os campos de pesquisa.

P ERSPECTIVAS DA CRÍTICA G ENÉTICA

O que deve ser evitado na Crítica Genética é o finalis/1/o. É bem verdade que existe a necessidade
de uma estruturação do campo de estudos genéricos . A classificação e a t ranscrição dos fólios
implicam uma visão final ista do prototexto, como se cada etapa representasse um cam inho para o
estágio final que seria o texto. No entanto, essa represenc:1ção cronológica, esse procedirnento, não é
o objetivo da Crítica Genético. Esse mergulho no passado do cex1:o visa introduz ir o crítico num
universo móvel onde nada é definitivo. O que vai interessar é o não-dito, o quase dito, o
desintegrado, o imprevisível, a multiplicidade de componentes, às vezes contraditórios e repletos de
divergências, que se chocam; enfim, a exploração de uma terra incógnita. Por exemplo, os rascunhos
de um romance podem conter inúmeras in trigas e desfechos diferentes, até incompatíveis, em que o
destino das personagens, o sentido da narrativa, a atmosfera, possam conhecer metamorfoses
diversas, que revelam o que o ser inteiro escreve - e tudo o que ele não escreve. Por isso, os
pressupostos da Crítica Genética estão próximos dos da psicanálise e da teoria da desco nstrução.
Se, por um lado, a Crítica Genética usa outros métodos, tais como o d::~ Poética, da Lingüística,
da Crítica Sociológica e ainda outros, o seu foco de interesse é específico, seu obj etivo é o processo
de criação e a dinâmica da escritura. Enfim, ela é uma pesq uisa sobre os segredos de fabricação de uma
obra. Ao contrário de isolar elementos específicos metodológicos, a função da Crítica Genética é
reunir várias instâncias analíticas que expliquem as mutações durante o p rocesso de criação literária.
Sem dúvida, é uma ::tbordagem nova que está sob a mira de interrogações, exigindo
conceituações. Dia a dia, entretanto, esse tipo de abordagem de crítica literária vem recebendo
colaborações de pesquisadores, revelando descobertas inéditas.

REFERÉNCIAS

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