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Deficiência: perda ou pluralidade?

Por Brenda Darke


Um dos conceitos que associamos à deficiência é o de “perda”, uma vez que muitas pessoas
com deficiência perderam sua habilidade de falar, mover-se, ouvir ou ver o mundo em torno
delas. Acreditamos também que o nascimento com alguma dessas deficiências torna a
pessoa diminuída, como no caso de alguém com síndrome de Down. Provavelmente esse
indivíduo não chegará a frequentar uma universidade, “perdendo” assim a oportunidade de
se tornar um profissional. Ou, recorrendo à figura da caminhada, como alguns não podem
andar, estarão perdendo uma experiência agradável. Não é obvio que essas pessoas vivem
experiências de perda? Podemos imaginar que sua vida deve ser triste ou frustrante.
No livro Uma igreja de todos e para todos, a Rede Ecumênica para a Defesa da Pessoa com
Deficiência (Ecumenical Disability Advocates Network, ou EDAN) discute a seguinte
questão: é pertinente usar em nossa linguagem o termo “deficiência” associado à perda,
apesar de ser essa uma etapa da peregrinação das próprias pessoas com deficiência? Não
seria mais adequado associá-la ao conceito de pluralidade?
Pluralidade é, na verdade, parte da realidade em que todos vivemos. Ninguém é igual a
ninguém; cada pessoa é única. Deus nos criou individualmente. A diversidade é nossa
experiência comum. O que pesa para nós é a amplitude da diversidade. A compreensão de
que alguns nascem sem braços, ou que falam por sinais e gestos, em vez de usar palavras,
deve ser parte da nossa formação como cidadãos do reino de Deus.
Desde muito jovens, ficamos fascinados por nossa aparência e pela moda, e temos
dificuldade em aceitar diferenças corporais. Especialmente quando somos adolescentes,
nosso desejo é nos mostrar exatamente como os nossos heróis da televisão ou do cinema, ou
iguais a nossos amigos. Durante a juventude, talvez não gostemos de ser diferentes, mas na
maturidade é mais provável dar valor à diversidade.
A particularidade de conviver com uma deficiência não está tanto no sentimento de perda,
mas na possibilidade de uma peregrinação diferente, que envolve uma caminhada e um
caminho diferenciados. Nessa peregrinação, teremos tempo para o diálogo, espaços para
uma boa conversa e momentos de compartilhar experiências diversas. Encontraremos mais
oportunidades para conhecer outras pessoas do que em uma viagem rápida de trem ou de
avião. Teremos mais tempo para nos conhecer a nós mesmos e a Deus, nosso criador.
O propósito da caminhada
Este livro serve para todos aqueles que querem ser peregrinos junto a pessoas que
apresentam alguma deficiência. O objetivo não é apenas atingir essas pessoas para ajudá-las
(ainda que às vezes elas precisem de ajuda), mas, sim, andar com elas em direção a Deus e
ao seu reino. Bunyan narra que, em seu caminho, o Peregrino queria chegar à cidade
celestial: nada menos do que alcançar a plenitude da vida eterna com Deus. Esse é também
o nosso objetivo: começando aqui e agora, terminar por alcançar tudo aquilo que Deus tem
guardado para nós. Mas, como está escrito: As coisas que olhos não viram, nem ouvidos
ouviram, nem penetraram o coração humano, são as que Deus preparou para os que o
amam (1Co 2.9).
Se quisermos caminhar ao lado de pessoas com deficiência, teremos de alterar nossos
passos. Isso significa que devemos começar fazendo uma revisão de nossa vida, valores e
práticas. Precisamos avaliar os valores que formam a base de nossa vida. Essa revisão é
relevante porque afeta nossas atitudes pastorais e a dinâmica da nossa igreja. Nossa visão
deste mundo, bem como a visão do mundo que está por vir, devem ser testadas. Elas estão
realmente afinadas com a Palavra de Deus?
É urgente reconhecer que todos nós, se fazemos parte do corpo de Cristo, somos iguais.
Todos nós somos “peregrinos”- com ou sem deficiência. O que varia é apenas a forma, o
ritmo ou o estilo da progressão. O caminho da deficiência nos levará por rotas diferentes,
talvez de maneira mais lenta, mas nos dará a oportunidade de desfrutar de novas companhia
e de uma outra paisagem.
Ao longo da história, existiram no mundo pessoas com deficiência que, como nós,
buscaram a Deus e queriam transitar por seus caminhos. Moisés foi um deles, Jacó foi
outro; ambos serviram fielmente ao Senhor. Podemos imaginar os milhares de servos de
Deus que, com alguma deficiência, viveram essa realidade ao longo dos séculos e até hoje.
O difícil para nós que não vivenciamos nenhuma deficiência é abraçar a pluralidade de
pessoas e suas experiências de vida. É compreender que todos somos criação de Deus. Para
incluir a criança ou o adulto com deficiência, devemos expandir nossa imagem restrita de
ser humano e mostrar-lhes o amor de Deus, genuíno e sem exceção. Caso contrário, sua
exclusão pode ser um triste sinal de que a igreja não está seguindo os autênticos passos de
Jesus.

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