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SERIA O AGRO A “INDÚSTRIA-RIQUEZA DO BRASIL”?

Neoextrativismo
desenvolvimentista como emancipação econômica no Brasil

Lucas Henrique Leite de Morais1

Palavras-chave: Agronegócio. Desenvolvimentismo. Direito Ambiental. Neoextrativismo.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho volta-se para o estudo do Agronegócio no Brasil enquanto


instrumento da ideologia desenvolvimentista e de expansão territorial. Busca compreender,
para tanto, em que medida o Agronegócio é priorizado como possibilidade viável de
desenvolvimento. Para tanto, fez-se necessário investigar o agronegócio enquanto face do
capitalismo monopolista em sua vertente imperialista de controle de terras e como saída ao
subdesenvolvimento no Brasil. O método utilizado na presente pesquisa foi o materialismo
histórico-dialético; a abordagem é do tipo qualitativo e o tipo de pesquisa exploratória. Além
disso, foi realizada uma revisão de literatura para fundamentação teórica, baseada em textos
acerca da teoria marxista da dependência (MARINI, 1979) e neoextrativismo (ACOSTA,
2016; SVAMPA, 2021).
As lentes de pesquisa implicadas são a da colonialidade do poder (QUIJANO, 2005),
por observar-se que a criação da América Latina se deu com a racialização dos povos
originários e de todos os povos não europeus, bem como suas tecnologias e práticas enquanto
naturalmente inferiores, ao passo que inventou-se a Europa como modelo ideal de sociedade
avançada. Aliado a isso, a teoria marxista da dependência produzida por pesquisadores latino-
americanos como Ruy Mauro Marini (1979), apresenta as bases teóricas para compreender o
subdesenvolvimento da América Latina não como consequência natural de sua história, mas
como parte da construção do capitalismo mundial e de um desenvolvimento desigual e
combinado.
A imposição de uma economia capitalista em escala global trouxe diversos impactos
aos ecossistemas da Terra. Para que se realize a máxima acumulação de capital, há não

1 A teoria de modernização teve como importantes expoentes os pesquisadores Walt Whitman Rostow e Berthold Frank
Hoselitz e buscou explicar as diferentes modernizações das sociedades, por meio da divisão das sociedades em tradicionais e
modernas. Para estes teóricos, as sociedades tradicionais devem passar por cinco etapas de desenvolvimento para alcançar a
modernização, sendo a primeira etapa um nível estacionário de economia e a última o alcance de uma sociedade de alto
consumo em massa. Essas teorias foram amplamente criticadas por teóricos da Escola da Dependência que argumentaram ser
a teoria universalista, além de eurocêntrica em assumir a superioridade dos países do Norte e atraso dos países do Sul,
reforçando um distanciamento tempo-espacial entre eles (GROSFOGUEL, 2013).
somente a exploração da força de trabalho por meio da mais-valia, mas também diversas
formas de exploração intensiva da Natureza. A territorialização do capital é uma dessas
formas, na qual a terra é transformada em ativo financeiro, comercializada, explorada,
expropriada e vítima da especulação.
Esse processo de mercantilização da terra intensificou-se a partir do ano de 2008, no
processo que o Banco Mundial chamou de corrida mundial por terras. Os principais alvos
dessa corrida foram e são os países do Sul Global e, mais especificamente, os territórios
habitados por povos originários e campesinos. Desse modo, a retomada do mercado de terras
como ativo financeiro inaugurou um novo processo de apropriação de terras realizado pelos
países da Metrópole, em detrimento dos países da Periferia, a chamada estrangeirização de
terras.
Somado a isso, a teoria marxista da dependência (TMD) possibilita compreender que a
forma histórica de capitalismo que se desenvolveu na América Latina tem como característica
principal a troca desigual realizada entre os países do Centro e da Periferia do sistema. Isto
porque mesmo que a partir da década de 1950 os países da América Latina tenham aumentado
o nível de industrialização, continuaram tendo como fonte principal a exportação de bens
primários, como as commodities, especialmente de grãos, carnes e minérios no caso do Brasil.
Enquanto isso, os países do Norte Global reduziram a exportação de bens de consumo
passando a exportar bens terciários (mais caros), como produtos tecnológicos, máquinas,
novas tecnologias, patentes e licenças, de modo que o desenvolvimento dos países do Sul
tornou-se ainda mais balizado pelos países do Norte Global. Assim, considerando um suposto
subdesenvolvimento das economias periféricas, o Agronegócio se apresenta como uma forma
de gerar desenvolvimento, ao passo que ocupa um local de destaque quando se fala em
manutenção do monopólio da terra e exportação de bens de produção primária, continuando
as relações de dependência de países da Periferia com países do Centro.
Para que isso se realize, é necessário que os Estados tenham um papel, que dentro das
relações de dependência normalmente é de proteger as dinâmicas próprias do capital
internacional. Assim, ocorrem outros fenômenos como a internacionalização de empresas
nacionais, a adaptação da legislação para estimular a extração de recursos naturais e, em se
tratando de governos progressistas, uma compensação redistributiva mínima por meio de
políticas públicas de transferência de renda.
A adaptação das legislações ocorre primariamente nas normas ambientais que
regulamentam o extrativismo, a compra/arrendamento de terras e o uso de fertilizantes e
agrotóxicos. Logo, os Estados da América Latina, inclusive o Brasil, optam por permitir e
incentivar a exploração das terras e águas com a promessa de alcançar um desenvolvimento
econômico. A partir da perspectiva explanada, a presente pesquisa tem como objetivo
compreender em que medida o Agronegócio é priorizado como possibilidade viável de
desenvolvimento.

2 ELEMENTOS DO AGRONEGÓCIO E DO DESENVOLVIMENTISMO NO


BRASIL

O agronegócio pode ser entendido como uma evolução do sistema de plantation norte-
anericano, no qual grandes propriedades rurais são exploradas para produção e exportação.
Outros elementos importantes desse sistema são a especialização em commodities específicas,
o desenvolvimento da agropecuária capitalista e o uso intensivo de tecnologias para a
monocultura agrícola (POMPEIA, 2021; XAVIER, 2017). Desse modo, as seguintes reflexões
partem do diálogo entre a teoria marxista da dependência e dos apontamentos acerca do
neoextrativismo como modelo de desenvolvimento adotado na América Latina.

Segundo Araújo (2019), a referência ao agronegócio, ou agribusiness, no Brasil surge


entre os anos de 1990 e 2000, em substituição à referência a grandes latifúndios de terra, que
possuíam uma imagem bastante negativa atrelada à terra que não produz, coronelismo,
subserviência, trabalho análogo à escravidão, entre outras impressões advindas das memórias
coloniais relacionadas a grande concentração de terras. Longe disso, o agronegócio se coloca
agora atrelado ao uso de novas tecnologias para o desenvolvimento, ampliação da produção e,
consequentemente, aumento da riqueza nacional.

Nesse sentido, o agronegócio reflete um aspecto da ideologia liberal


desenvolvimentista adotada pelas burguesias latino-americanas. A adoção dessas ideias
liberais, no entanto, não ocorreu de forma completa na periferia do sistema. Isso pois,
princípios como o do livre comércio e o da propriedade privada foram abraçados, enquanto
direitos do homem de primeira dimensão como as liberdades individuais e igualdade formal
foram adotados somente de forma parcial. Isso se deu em razão da preocupação com a
satisfação do comércio mundial e da hierarquia étnico-racial implantada na América Latina,
conforme explica Grosfoguel (2013).

O desenvolvimentismo, por sua vez, enquanto produto da modernidade está ligado às


noções de que a humanidade caminha rumo ao progresso inevitável do Estado-Nação por
meio da organização e controle racional da sociedade, sendo que nesta noção o modelo ideal é
o europeu. Por isso, em razão desta atrelação, os teóricos da modernização 2 atribuíram à
América Latina a característica de subdesenvolvida e feudal, razão pela qual estaria
justificada a subordinação da América Latina à Europa, modelo de sociedade mais avançado e
ideal de desenvolvimento. (GROSFOGUEL, 2013; SVAMPA, 2019).

A própria noção de atraso ou nos termos de Grosfoguel (2013), feudalmania e negação


da coetaneidade, foi fabricada pelos colonizadores na construção da América Latina e de
África como lugares com problemas inerentes e residuais do passado. Essa e outras estratégias
ideológico-simbólicas serviram aos países do centro em vários aspectos. A título de exemplo,
é possível citar os discursos desenvolvimentistas que demonstram como o Ocidente consagrou
científica uma receita de como tornar-se igual a ele mesmo, uma vez que essa elaboração
discursiva afastaria sua responsabilidade na expropriação, exploração e escravização dos
povos e suas terras, legitimando portanto sua atuação imperialista como uma missão
verdadeiramente civilizadora.

Além disso, a evolução do agronegócio está diretamente relacionada com a Revolução


Verde do pós II Guerra Mundial (ROSSI, 2015). Neste momento, grandes instituições do
capital financeiro, como a Fundação Rockefeller e a Fundação Ford, promoveram
investimentos no setor agrícola, desde a modificação genética de sementes à produção de
fertilizantes e agrotóxicos. Os autores dessa revolução, segundo Rossi (2015), entendiam que
o problema da fome no mundo era uma questão de produtividade e avanço técnico. Assim,
para resolvê-lo bastaria incrementar o setor de produção agrícola.

Todavia, conforme o autor, o capital financeiro passa a controlar a agricultura através


de diversos mecanismos como: investimento do excedente do capital financeiro na aquisição
de empresas do setor; dolarização da economia, gerando um aproveitamento das empresas
através das taxas de câmbio; imposição de regras de livre-comércio pelo Banco Mundial e
Fundo Monetário Internacional (FMI); relacionar o desenvolvimento da produção agrícola ao
financiamento por créditos bancários, além de fomentar uma pressão nos Governos,
especialmente dos países periféricos, a abandonar políticas protecionistas do mercado agrícola
e da economia camponesa. Percebe-se que esses mecanismos permitiram juntos que a maior
parte da produção e comércio agrícola do mundo terminasse nas mãos de algumas poucas
empresas transnacionais, que apoiados na promessa desenvolvimentista receberam subsídios
2 A família Bittencourt de Araújo é proprietária do grupo econômico Agroceres, uma das primeiras instituições
multissetoriais do agribusiness no Brasil, que se encontra em funcionamento até hoje atuando em diversos setores como
venda de sementes transgênicas de milho e sorgo, “melhoramento genético” de suínos, defensivos com iscas formicidas,
nutrição animal e palmito de pupunha. (Disponível em: <https://relatorioreservado.com.br/noticias/11360/> e
<https://www.canalrural.com.br/programas/informacao/conexao-agro/grupo-agroceres-planeja-adquirir-novas-empresas-
82504/>)
governamentais como isenções fiscais e a aplicação de taxas de juros favoráveis nos países da
Periferia (ROSSI, 2015).

Isso é retratado também na estratégia ideológico-simbólica utilizada no Brasil a partir


dos anos 2000 de cooptação do campesinato a partir de uma falsa inclusão deste no mercado.
Quando o agronegócio classifica as terras de povos tradicionais como potencial exploratório e
expande o avanço sobre as terras camponesas, passando a chamá-las de agricultura familiar,
impõe sua visão modernista sobre ambas(ROSSI, 2015). Aqui o termo campesinato toma uma
característica de atrasada, enquanto o outro modelo é tratado como tipicamente moderno. Essa
nova terminologia revela uma tentativa de esconder a história de resistência dos camponeses
na luta pela terra enquanto associa eles à lógica do capital. Desse modo é possível não só
explorar a mão de obra camponesa, como também permitir que o Capital se aproprie do
excedente econômico produzido pela agricultura familiar, seja diretamente, pela renda da
terra, seja indiretamente, através dos créditos bancários com juros exorbitantes para pequenos
produtores que tentam se modernizar na compra de maquinários tecnológicos (SOUZA, 2019;
TRASPADINI, 2018).

Todavia, apesar de comentar acerca do agronegócio no Brasil enquanto modelo


hegemônico, é necessário entendê-lo como um bloco heterogêneo e não monolítico. Pompeia
(2021), em uma análise histórica da atuação desse grupo no Brasil aponta que na criação da
primeira organização intersetorial do agronegócio, a Associação Brasileira do Agronegócio,
em 1993, estavam presentes no conselho administrativo, além do presidente Ney Bittencourt
de Araújo3:
[...]empresas de agrotóxicos (Monsanto), fertilizantes, sementes, agropecuária,
alimentos (com destaque para a Nestlé e a Sadia), várias das grandes cooperativas
agroindustriais, uma rede de supermercados (Sendas), uma empresa de comércio e
exportação (Quintella), bolsas, bancos, a Embrapa, o jornal O Estado de S. Paulo e
representantes acadêmicos [...]. (POMPEIA. 2021. p. 111)
São portanto vários setores que compõem o bloco do agronegócio, de forma que sua
atuação abrange desde o fornecimento das sementes, fertilizantes e agrotóxicos, passando
pelas instituições financeiras como bancos, empresas farmacêuticas e outras multinacionais
que controlam o mercado. Esse caráter multifacetado e intersetorial é característica dessa fase

3 O conceito de ruptura ou falha metabólica é essencial nos debates da ecologia marxista. Trata-se de uma recuperação,
associada especialmente ao sociólogo John Bellamy Foster, desse conceito abordado por Marx principalmente nos livros II e
III d’O Capital. A ideia de ruptura metabólica entende que há entre a humanidade e a Natureza um metabolismo no qual
mediante sua ação com a Natureza o homem atua no sentido de suprir as necessidades básicas de sua existência, mudando a
si mesmo e à própria Natureza nesse processo. Acontece que com a acumulação de capital não é possível que haja um retorno
proporcional dos componentes consumidos à terra, de modo que ocorre um desequilíbrio no processo de autorregulação
natural. Assim a falha metabólica representa essa ruptura na relação simbiótica entre os seres humanos e a Natureza,
decorrente da separação entre campo e cidade e das relações de produção capitalistas que promovem o esgotamento dos
trabalhadores e do solo.
do capitalismo monopolista em que há a tendência a monopolizar todos os âmbitos da
produção, articulando-se também a uma característica neoextrativista do agronegócio na
América Latina.

Seguidamente, para entender esse aspecto neoextrativista do agribusiness é necessário


diferenciar o extrativismo do neoextrativismo. Para Acosta (2016), o extrativismo representa
as primeiras formas de acumulação de capital nas Américas através da remoção de grandes
contingentes de recursos naturais não processados da Natureza destinados principalmente para
a exportação. O extrativismo pode ser sobre minérios e petróleo como também pode ser
florestal, pesqueiro e agrário. Esse processo foi iniciado juntamente à invasão das Américas e
à invenção da Europa, tal como fez parte da estruturação do capitalismo global, dado que essa
acumulação teve, e tem, como determinantes as demandas das metrópoles capitalistas em
nascimento. Logo, essa forma de desenvolvimento pressupõe certa integração entre o sistema
internacional, colocando os países do Sul Global preferencialmente como exportadores de
matérias-primas tornando-os, por consequência, dependentes dos países do Norte Global.

O neoextrativismo por sua vez é apresentado por Maristella Svampa (2019) como uma
continuação do extrativismo, atualizado pelas novas dinâmicas do capital internacional. O
neoextrativismo, portanto, envolve um aprofundamento da exploração da natureza com os
anseios do modelo anterior, exportação das matérias-primas, porém adicionando-se a isso uma
ilusão desenvolvimentista e uma maior participação dos Estados dos países dependentes com
certo processamento industrial interno. Ademais, o neoextrativismo serve como uma janela
interpretativa para tencionar certos movimentos duais do momento atual como: a crise da
acumulação contemporânea e sua relação com a ruptura metabólica4; a crise do projeto de
modernidade e a crise socioecológica; a crise econômica global e a criação de “economias
verdes com inclusão”; a transição hegemônica em curso entre EUA e China e a polarização
resultante; e por fim, a crise da democracia que explicita o lema “mais extrativismo, menos
democracia” e suas consequências.

Nesse contexto, o agronegócio aparece como elemento do neoextrativismo agrário no


Brasil, e no restante da América Latina, na medida em que sua relação com a Natureza é de
mercantilização e exploração para exportação. Há também, como explorado anteriormente,
um objetivo desenvolvimentista para o endosso desse modelo pelo próprio Estado. No mesmo
sentido, o agronegócio participa da espoliação territorial característica do neoextrativismo seja
4 Grilagem e venda ilegal de terras públicas se intensificam na Amazônia. Levantamento mostra como a ofensiva ruralista no
Executivo e Legislativo tem aquecido a grilagem e venda ilegal de terras públicas. in EcoDebate, ISSN 2446-9394,
21/06/2021. Disponível em: < https://www.ecodebate.com.br/2021/06/21/grilagem-e-venda-ilegal-de-terras-publicas-se-
intensificam-na-amazonia/>. Último acesso em: 20 de agosto de 2021
pela aquisição onerosa de terras seja pela grilagem ou até mesmo pela invasão e expropriação
direta. Esses fenômenos de acumulação via espoliação são inclusive incentivados pelo avanço
da chamada bancada ruralista no Congresso Nacional Brasileiro, havendo pesquisas indicando
essa relação5.

No agribusiness o lema “mais extrativismo, menos democracia” acontece nessas


intervenções extrativistas que ocorrem sem a consulta das populações locais, sejam
campesinas ou de povos tradicionais, um claro exemplo do enfraquecimento dos princípios
democráticos. Isso porque, mesmo se tratando de interesses privados, essas atividades têm
alto potencial destrutivo, costumeiramente causando desequilíbrios nos ecossistemas que
afetam a vida e existência dos povos habitantes dos territórios impactados. É o que explica
Gudynas (2009), ao dizer que nessa situação até mesmo o direito à propriedade das
comunidades e pequenos produtores é sobreposto pelo direito extrativo concedido às
empresas pelo Estado.

Isso acontece porque, dentre outros fatores, a colonialidade do poder-saber se mantém


nas relações hierárquicas do Estado, representante das classes possuidoras, para com a
população, especialmente para com os grupos mais afetados: comunidades indígenas,
quilombolas, camponesas e ribeirinhas. Assim, a valoração do agronegócio como único
modelo possível de rentabilidade na produção de alimentos parte de dois pressupostos:
primeiro, que o uso da tecnologia industrial no campo é a única forma economicamente viável
para produção exportadora de alimentos e segundo, que as tecnologias a serem usadas nesse
processo só podem ser aquelas validadas (e vendidas) pelo núcleo norte americano-europeu
(QUIJANO, 2005).

Esses pressupostos representam o que Quijano (2005) trata como patente europeia da
modernidade, no qual se reproduz a colonialidade do saber de que a Europa (e atualmente os
EUA) é a única detentora das verdadeiras inovações tecnológicas, desconsiderando nesse
processo as tecnologias dos povos tradicionais e camponeses, visto que a construção da
situação étnico-racial de natural inferioridade dos povos dominados se deu simultaneamente à
invenção da Europa como naturalmente superior. O agronegócio é então representante da
inovação tecnológica, ao passo que a agricultura familiar, a agroecologia, os modelos de
agrofloresta e outras formas alternativas de produção agrícola representam os conhecimentos
intrinsecamente inferiores dos colonizados.
5 A substituição por importações, também conhecida por Import substitution industrialization (ISI), foi uma teoria
econômica adotada pelos países em desenvolvimento. Acreditava-se que a fórmula para o desenvolvimento estaria no
fortalecimento da indústria nacional que acarretaria numa diminuição das importações e, por conseguinte, maior retenção de
caixa.(COONEY, 2016)
Outra questão ignorada na eleição do agronegócio como único modelo rentável de
desenvolvimento refere-se ao cálculo completo do extrativismo. É necessário, para Acosta
(2016), somar-se ao cálculo de rentabilidade os custos ocultos, como o valor econômico da
contaminação, os ‘subsídios perversos’ do fornecimento de águas e energia sem custo ou com
custo reduzido, os gastos com infraestrutura de transporte e as tensões sociais causadas. Esses
fatores são inteiramente apagados ou minimizados para que se proceda a mercantilização dos
recursos naturais, exploração e esvaziamento da terra. São desconsiderados também nesse
cálculo as consequências da reprimarização econômica do Brasil.

Apesar do Brasil ter sido desde sua criação enquanto colônia portuguesa direcionado a
produzir bens primários para exportação com foco no mercado mundial, houve esforços ao
longo do século XX para que ocorresse a substituição por importações(ISI) 6, com vistas a
diminuir o endividamento. Contudo, a partir da década de 80, iniciou-se um processo de
desindustrialização por toda a América Latina. Dentre os fatores que contribuíram para que
isso acontecesse é possível citar por exemplo a imposição de medidas neoliberais pelo FMI e
pelo Banco Mundial, a dominação do mercado mundial por corporações transnacionais, o
crescimento da China, entre outros, conforme explica Cooney (2016).

A pesquisadora Cristiane Souza (2019) explica que a imposição de políticas


neoliberais teve como metas a privatização de todos os meios de produção estatais, assim
como a liberalização de comércios e fluxos de capital, a desregulamentação da atividade
privada e a austeridade fiscal. Estas medidas fizeram com que houvesse menos proteção à
indústria nacional, em simultâneo, a desregulação financeira aumentou a especulação
causando impacto negativo nos investimentos industriais.

Além disto, a transnacionalização do capital e o crescimento da China (COONEY,


2016) foram o sepultamento do plano de ISI, dado que com a expansão das cadeias de
commodities transnacionais, não havia mais interesse pela manutenção de indústrias nacionais
nos países dependentes. Os governos latino-americanos foram então abrindo espaço para
acomodar as empresas transnacionais interessadas em explorar economicamente seus recursos
naturais, principalmente os minérios, pelas grandes mineradoras, e as águas e terras, pela
indústria agropecuária.

O crescimento da China entre 2000 e 2014 aumentou ainda mais os preços dos metais
mundialmente e aumentou também o interesse por matérias primas. Todos esses fatores

6Bacharel em Direito na Universidade de Pernambuco, contato: lucas.leitemorais@upe.br ou


lucashenriquemorais134@gmail.com
levaram ao chamado boom das commodities, um momento de alto crescimento econômico
para as economias dependentes como o Brasil. Por isso, o agronegócio foi priorizado no novo
ciclo desenvolvimentista do Brasil. A coincidência da presença de governos progressistas no
poder durante o boom das commodities fez com fosse direcionada parte dos rendimentos do
extrativismo a programas sociais, conduziu o progressismo a adotar a ideologia
desenvolvimentista mais uma vez (SVAMPA, 2019; GUDYNAS, 2013).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Prontamente é possível perceber o quanto a história da América Latina com o


desenvolvimentismo é longa, sendo que o extrativismo, e agora o neoextrativismo, fazem
parte das tentativas desastrosas e destrutivas de um tipo específico de progresso. Essas
tentativas são amplamente apoiadas pelos governos locais, que não levam em consideração o
preço a se pagar pela reprimarização da economia e pelos impactos socioambientais da
exploração da Natureza seguindo a lógica de acumulação infinita do Capital.

Ademais, é possível observar que compõem a atuação político-econômica do


Agronegócio no Brasil diversos mecanismos e estratégias ideológico-simbólicas voltadas à
criação do consenso na sociedade brasileira de que “o Agro” representa uma possibilidade
inigualável de desenvolvimento econômico e tecnológico para o Brasil. Esse empenho parte
da promessa moderna desenvolvimentista que considera um modelo de crescimento
econômico infinito por meio do emprego de tecnologias industriais no campo, enquanto
desconsidera os limites da natureza e quaisquer formas de produção alimentícia alternativa.
Essa prática neoextrativista gera inúmeros impactos socioambientais (desterritorialização de
povos tradicionais, poluição, desertificação, exaustão e contaminação do solo, desmatamento,
etc) que também são ignorados pelo setor mencionado.
Ao contrário do que prega a campanha publicitária “Agro - A Indústria - A Riqueza do
Brasil” na expressão “Agro é tech, agro é pop, agro é tudo”, o Agro não representa a riqueza
nacional, nem muito menos promove a soberania nacional. A reprimarização da economia
provocada pela hegemonia desse setor aprofunda as relações de dependência criadas com a
colonização europeia e permite que se prossiga a troca desigual e combinada entre Norte e Sul
Global, mantendo tanto o subdesenvolvimento estrutural quanto a pauperização de povos e
territórios racializados como inferiores, artifício fundante das economias latinoamericanas.
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