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Neoextrativismo
desenvolvimentista como emancipação econômica no Brasil
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1 A teoria de modernização teve como importantes expoentes os pesquisadores Walt Whitman Rostow e Berthold Frank
Hoselitz e buscou explicar as diferentes modernizações das sociedades, por meio da divisão das sociedades em tradicionais e
modernas. Para estes teóricos, as sociedades tradicionais devem passar por cinco etapas de desenvolvimento para alcançar a
modernização, sendo a primeira etapa um nível estacionário de economia e a última o alcance de uma sociedade de alto
consumo em massa. Essas teorias foram amplamente criticadas por teóricos da Escola da Dependência que argumentaram ser
a teoria universalista, além de eurocêntrica em assumir a superioridade dos países do Norte e atraso dos países do Sul,
reforçando um distanciamento tempo-espacial entre eles (GROSFOGUEL, 2013).
somente a exploração da força de trabalho por meio da mais-valia, mas também diversas
formas de exploração intensiva da Natureza. A territorialização do capital é uma dessas
formas, na qual a terra é transformada em ativo financeiro, comercializada, explorada,
expropriada e vítima da especulação.
Esse processo de mercantilização da terra intensificou-se a partir do ano de 2008, no
processo que o Banco Mundial chamou de corrida mundial por terras. Os principais alvos
dessa corrida foram e são os países do Sul Global e, mais especificamente, os territórios
habitados por povos originários e campesinos. Desse modo, a retomada do mercado de terras
como ativo financeiro inaugurou um novo processo de apropriação de terras realizado pelos
países da Metrópole, em detrimento dos países da Periferia, a chamada estrangeirização de
terras.
Somado a isso, a teoria marxista da dependência (TMD) possibilita compreender que a
forma histórica de capitalismo que se desenvolveu na América Latina tem como característica
principal a troca desigual realizada entre os países do Centro e da Periferia do sistema. Isto
porque mesmo que a partir da década de 1950 os países da América Latina tenham aumentado
o nível de industrialização, continuaram tendo como fonte principal a exportação de bens
primários, como as commodities, especialmente de grãos, carnes e minérios no caso do Brasil.
Enquanto isso, os países do Norte Global reduziram a exportação de bens de consumo
passando a exportar bens terciários (mais caros), como produtos tecnológicos, máquinas,
novas tecnologias, patentes e licenças, de modo que o desenvolvimento dos países do Sul
tornou-se ainda mais balizado pelos países do Norte Global. Assim, considerando um suposto
subdesenvolvimento das economias periféricas, o Agronegócio se apresenta como uma forma
de gerar desenvolvimento, ao passo que ocupa um local de destaque quando se fala em
manutenção do monopólio da terra e exportação de bens de produção primária, continuando
as relações de dependência de países da Periferia com países do Centro.
Para que isso se realize, é necessário que os Estados tenham um papel, que dentro das
relações de dependência normalmente é de proteger as dinâmicas próprias do capital
internacional. Assim, ocorrem outros fenômenos como a internacionalização de empresas
nacionais, a adaptação da legislação para estimular a extração de recursos naturais e, em se
tratando de governos progressistas, uma compensação redistributiva mínima por meio de
políticas públicas de transferência de renda.
A adaptação das legislações ocorre primariamente nas normas ambientais que
regulamentam o extrativismo, a compra/arrendamento de terras e o uso de fertilizantes e
agrotóxicos. Logo, os Estados da América Latina, inclusive o Brasil, optam por permitir e
incentivar a exploração das terras e águas com a promessa de alcançar um desenvolvimento
econômico. A partir da perspectiva explanada, a presente pesquisa tem como objetivo
compreender em que medida o Agronegócio é priorizado como possibilidade viável de
desenvolvimento.
O agronegócio pode ser entendido como uma evolução do sistema de plantation norte-
anericano, no qual grandes propriedades rurais são exploradas para produção e exportação.
Outros elementos importantes desse sistema são a especialização em commodities específicas,
o desenvolvimento da agropecuária capitalista e o uso intensivo de tecnologias para a
monocultura agrícola (POMPEIA, 2021; XAVIER, 2017). Desse modo, as seguintes reflexões
partem do diálogo entre a teoria marxista da dependência e dos apontamentos acerca do
neoextrativismo como modelo de desenvolvimento adotado na América Latina.
3 O conceito de ruptura ou falha metabólica é essencial nos debates da ecologia marxista. Trata-se de uma recuperação,
associada especialmente ao sociólogo John Bellamy Foster, desse conceito abordado por Marx principalmente nos livros II e
III d’O Capital. A ideia de ruptura metabólica entende que há entre a humanidade e a Natureza um metabolismo no qual
mediante sua ação com a Natureza o homem atua no sentido de suprir as necessidades básicas de sua existência, mudando a
si mesmo e à própria Natureza nesse processo. Acontece que com a acumulação de capital não é possível que haja um retorno
proporcional dos componentes consumidos à terra, de modo que ocorre um desequilíbrio no processo de autorregulação
natural. Assim a falha metabólica representa essa ruptura na relação simbiótica entre os seres humanos e a Natureza,
decorrente da separação entre campo e cidade e das relações de produção capitalistas que promovem o esgotamento dos
trabalhadores e do solo.
do capitalismo monopolista em que há a tendência a monopolizar todos os âmbitos da
produção, articulando-se também a uma característica neoextrativista do agronegócio na
América Latina.
O neoextrativismo por sua vez é apresentado por Maristella Svampa (2019) como uma
continuação do extrativismo, atualizado pelas novas dinâmicas do capital internacional. O
neoextrativismo, portanto, envolve um aprofundamento da exploração da natureza com os
anseios do modelo anterior, exportação das matérias-primas, porém adicionando-se a isso uma
ilusão desenvolvimentista e uma maior participação dos Estados dos países dependentes com
certo processamento industrial interno. Ademais, o neoextrativismo serve como uma janela
interpretativa para tencionar certos movimentos duais do momento atual como: a crise da
acumulação contemporânea e sua relação com a ruptura metabólica4; a crise do projeto de
modernidade e a crise socioecológica; a crise econômica global e a criação de “economias
verdes com inclusão”; a transição hegemônica em curso entre EUA e China e a polarização
resultante; e por fim, a crise da democracia que explicita o lema “mais extrativismo, menos
democracia” e suas consequências.
Esses pressupostos representam o que Quijano (2005) trata como patente europeia da
modernidade, no qual se reproduz a colonialidade do saber de que a Europa (e atualmente os
EUA) é a única detentora das verdadeiras inovações tecnológicas, desconsiderando nesse
processo as tecnologias dos povos tradicionais e camponeses, visto que a construção da
situação étnico-racial de natural inferioridade dos povos dominados se deu simultaneamente à
invenção da Europa como naturalmente superior. O agronegócio é então representante da
inovação tecnológica, ao passo que a agricultura familiar, a agroecologia, os modelos de
agrofloresta e outras formas alternativas de produção agrícola representam os conhecimentos
intrinsecamente inferiores dos colonizados.
5 A substituição por importações, também conhecida por Import substitution industrialization (ISI), foi uma teoria
econômica adotada pelos países em desenvolvimento. Acreditava-se que a fórmula para o desenvolvimento estaria no
fortalecimento da indústria nacional que acarretaria numa diminuição das importações e, por conseguinte, maior retenção de
caixa.(COONEY, 2016)
Outra questão ignorada na eleição do agronegócio como único modelo rentável de
desenvolvimento refere-se ao cálculo completo do extrativismo. É necessário, para Acosta
(2016), somar-se ao cálculo de rentabilidade os custos ocultos, como o valor econômico da
contaminação, os ‘subsídios perversos’ do fornecimento de águas e energia sem custo ou com
custo reduzido, os gastos com infraestrutura de transporte e as tensões sociais causadas. Esses
fatores são inteiramente apagados ou minimizados para que se proceda a mercantilização dos
recursos naturais, exploração e esvaziamento da terra. São desconsiderados também nesse
cálculo as consequências da reprimarização econômica do Brasil.
Apesar do Brasil ter sido desde sua criação enquanto colônia portuguesa direcionado a
produzir bens primários para exportação com foco no mercado mundial, houve esforços ao
longo do século XX para que ocorresse a substituição por importações(ISI) 6, com vistas a
diminuir o endividamento. Contudo, a partir da década de 80, iniciou-se um processo de
desindustrialização por toda a América Latina. Dentre os fatores que contribuíram para que
isso acontecesse é possível citar por exemplo a imposição de medidas neoliberais pelo FMI e
pelo Banco Mundial, a dominação do mercado mundial por corporações transnacionais, o
crescimento da China, entre outros, conforme explica Cooney (2016).
O crescimento da China entre 2000 e 2014 aumentou ainda mais os preços dos metais
mundialmente e aumentou também o interesse por matérias primas. Todos esses fatores
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS