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Universidades Lusíada

Mendes, Maria João Freitas


(Re)Intervenção no centro histórico do Porto :
Largo da Pena Ventosa
http://hdl.handle.net/11067/3041

Metadados
Data de Publicação 2013
Resumo A (re)intervenção nos ‘centros históricos’ necessita ser encarada como um
debate atual, que seja mediador do bom senso entre os valores a preservar
e as necessidades do cidadão do século XXI. Um tema exigente, que nos
obrigou a regressar aos primórdios, procurando entender o ‘dito’ valor
patrimonial e a história secular que este contempla. Uma viagem, a qual
nos ensina que o valor patrimonial é a base dos princípios de uma cultura
e que a evolução da civilização foi paralela à preocupação na sua...
The (re) intervention in 'historic centers’ needs to be seen as an ongoing
debate, to mediate between the good sense to preserve values and the
needs of the citizens of the twenty-first century. A particular issue that
forced us back to the early days is trying to understand the 'said' asset
value and this includes secular history. A journey which teaches us that
the asset value is the basis of the principles of a culture and the evolution
of civilization is parallel to the concern of safeguardi...
Palavras Chave Arquitectura, Centros históricos, Reabilitação urbana, Porto (Portugal)
Tipo masterThesis
Revisão de Pares Não
Coleções [ULF-FAA] Dissertações

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http://repositorio.ulusiada.pt
UNIVERSIDADE LUSÍADA DE VILA NOVA DE FAMALICÃO

(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto

Largo da Pena Ventosa

Maria João Freitas Mendes

Dissertação para obtenção do grau de mestre em Arquitetura

FAA- Faculdade de Arquitectura e Artes

Orientador: Professora Doutora Maria Assunção Lemos

Vila Nova de Famalicão, dezembro 2013


(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Agradecimentos

Apesar desta dissertação de mestrado ter se revelado num trabalho bastante


solitário, a verdade é que foi apenas o resultado de seis anos de vivencias partilhadas
com as melhores pessoas.

Se cheguei até aqui, devo-o a vocês.

À minha mãe, Maria, devo a minha capacidade de sonhar, com ela, eu aprendi
a voar. Ao meu pai, Delfim, o braço firme que me puxa e me mantém sempre com os
pés assentes na terra. Ao Ricardo, o meu sorriso fácil nos lábios, obrigada pela paciência
e amor sem reservas. Aos meus colegas de curso, agora amigos, devo as gargalhadas e
os melhores momentos académicos que serão lembranças inigualáveis.
Contudo, nada seria possível sem o corpo docente da Universidade Lusíada do
Porto e de Vila Nova de Famalicão, aos professores João Cardoso, Artur Feio e Luís Serro
um obrigada especial, com vocês as aulas terão sempre mais interesse.
Por ultimo, mas não menos importante, á minha orientadora que apesar de
receber um trabalho numa fase final sempre acreditou nele.

II
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

“A mente que se abre a uma nova ideia,


jamais volta ao seu tamanho inicial”

ALBERT EINSTEIN

III
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Índice

Agradecimentos _pII
Índice _pIV
Índice de Figuras _pVI
Resumo _pXI
Abstract _pXII
Índice de Abreviaturas _pXIII

Introdução _p14

CAPITULO 1

Reflexão em torno de alguns conceitos:


Reabilitação, Conservação, Renovação, Património, Centro Histórico e
Identidade _p16

CAPITULO 2

Reflexão em torno das Cartas e Convenções, versus intervenções em


Centros Históricos _p23

IV
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

CAPITULO 3

Caso de Estudo:
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto / Largo da Pena Ventosa _p28

3.1 Caracterização do meio


3.1.1 História e Crescimento do Centro Histórico do Porto, do alto da Pena
Ventosa à Área Metropolitana do Porto _p28
3.1.2 C.R.U.A.R.B _p35
3.2 Projetos de referencia _p40
3.2.1 Fórum Centro Cultural e Polivalente, Ermesinde _p42
3.2.2 Residência Ilegal, Colónia _p44
3.2.3 Apartamentos do Tribunal Barroco, Eslovénia _p46
3.3 Localização _p48
3.4 Levantamento Fotográfico _p52
3.5 Análise, Diagnóstico e Proposta _p60
3.5.1 Análise do local e Estratégia de Intervenção, (plano de estratégia e
plano de pormenor) _p60
3.5.2 Levantamento do Edificado _p64
3.5.3 Mapas de patologias _p67
3.6 Proposta de intervenção _p68

Conclusão _p82

Fontes e Bibliografia _p83

V
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Índice de Figuras

Figura 1, Evolução esquemática do Morro da Sé, a primeiro desenho retrata meados do


século XII, onde existia apenas a Cerca Velha. No segundo desenho já com a Muralha
Fernandina (meados do século XV) _p28
Esquema retirado do trabalho de grupo do 5ºano
Figura 2, Localização dos Projetos de Referência _p41
Esquema e fotomontagem de autor
Figura 3, Centro Cultural e Polivalente de Ermesinde, alçado da entrada principal _p42
http://www.google.com/imgres?q=forum+cultural+de+ermesinde&um=1&hl=pt-
PT&client=safari&sa=N&rls=en&biw=1433&bih=721&tbm=isch&tbnid=puyOaEExcHEYxM:&i
mgrefurl=http://www.vivaagenda.com/local/871/F%25C3%25B3rum%2BCultural%2Bde%2B
Ermesinde&docid=O1rdx6n4ULAe1M&imgurl=http://www.viva-
agenda.com/images/venues/1-1313679321-
forumCulturalErmesinde.jpg&w=640&h=426&ei=d8oqT_7sM4_pOePYjfkN&zoom=1&iact=hc
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18H00)
Figura 4, A relação de coerência entre os materiais _p43
(http://www.google.com/imgres?q=forum+cultural+de+ermesinde&um=1&hl=pt-
PT&client=safari&sa=N&rls=en&biw=1433&bih=721&tbm=isch&tbnid=KLtxRK66uQNPRM:&im
grefurl=http://francislive.multiply.com/calendar/item/10014/Arquitetura_-_Ermesinde_-
_Fotografias.&docid=KNn-
DSUQQ02xiM&imgurl=http://farm6.static.flickr.com/5275/5905233481_abef4caf48.jpg&w=5
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59357&page=5&tbnh=157&tbnw=203&start=94&ndsp=24&ved=1t:429,r:19,s:94&tx=60&ty=4
7 (30.01.2012 – 18h00)
Figura 5, Residência Ilegal, alçado principal, em duas perspectivas _p44
http://www.archdaily.com/133678/legal-illegal-manuel-herz-architects/luftbild1_k/
( 25.11.2011 – 14h30) e
http://www.archdaily.com/133678/legal-illegal-manuel-herz-architects/frontal1_k/,
(25.11.2011–14h30), fotomontagem de autor
Figura 6, Residência Ilegal, alçado posterior e alçado principal respetivamente _p45

VI
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

http://www.archdaily.com/133678/legal-illegal-manuel-herz-architects/ruckansicht1_k/
(25.11.2011 – 14h30) e
http://www.archdaily.com/133678/legal-illegal-manuel-herz-architects/strasenblick1_k/
(25.11.2011 – 14h30), fotomontagem de autor
Figura 7, Cortes do Projeto Ilegal _p45
http://www.archdaily.com/133678/legal-illegal-manuel-herz-architects/section-01-328/
(25.11.2011 – 14h30) e
http://www.archdaily.com/133678/legal-illegal-manuel-herz-architects/section-02-318/
(25.11.2011 – 14h30), fotomontagem de autor
Figura 8, A transformação dos Apartamentos do Tribunal Barroco, percepção de dia e de
noite _p46
http://www.archdaily.com/203848/baroque-court-apartments-ofis-arhitekti/ofis_baroque-
court-apartments_2012_ljubljana_4/ (15.01.2012 – 20h15) e
http://www.archdaily.com/203848/baroque-court-apartments-ofis-arhitekti/ofis_baroque-
court-apartments_2012_ljubljana_14/ (15.01.2012 – 20h15), fotomontagem de autor
Figura 9, Foto aérea dos Apartamentos do Tribunal Barroco, e aproximação do mesmo
_p47
http://www.archdaily.com/203848/baroque-court-apartments-ofis-arhitekti/ofis_baroque-
court-apartments_2012_ljubljana_12/(15.01.2012 – 20h15) e
http://www.archdaily.com/203848/baroque-court-apartments-ofis-arhitekti/ofis_baroque-
court-apartments_2012_ljubljana_25/ (15.01.2012 – 20h15), fotomontagem de autor
Figura 10, Relação dos materiais, históricos e modernos _p47
http://www.archdaily.com/203848/baroque-court-apartments-ofis-arhitekti/ofis_baroque-
court-apartments_2012_ljubljana_27/ (15.01.2012 – 20h15) e
http://www.archdaily.com/203848/baroque-court-apartments-ofis-arhitekti/ofis_baroque-
court-apartments_2012_ljubljana_22/ (15.01.2012 – 20h15), fotomontagem de autor
Figura 11, Planta de Localização com a zona de estudo em destaque _p48
Esquema e fotomontagem de autor
Figura 12, Esquema do Centro Histórico com os principais pontos de referência _p49
Esquema e fotomontagem de autor
Figura 13, Breves apontamentos sobre os pontos de referencia _p50
Esquema e fotomontagem de autor
Figura 14, Planta Plano de Projeto, (indicada área de intervenção a vermelho no Largo
da Pena Ventosa) _p51
Desenho de autor
Figura 15, Planta ilustrada do local de intervenção, com a direção da objectiva da
maquina fotográfica _p52
Esquema e fotomontagem de autor

VII
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 16, Rua de Santana_01 _p53


Esquema e fotomontagem de autor
Figura 17, Casa em Taipa e Lar da Terceira Idade, respetivamente_01 _p53
Foto e fotomontagem de autor
Figura 18, Miolo do quarteirão, após intervenção do arquiteto António Moura _p54
Foto e fotomontagem de autor
Figura 19, Interior do quarteirão, vestígios da Muralha Histórica, e alçado posterior dos
edifícios que integram o projeto de estudo e fazem frente com o largo da Pena Ventosa
_p54
Foto e fotomontagem de autor
Figura 20, Travessa de Santana_02 _p55
Foto e fotomontagem de autor
Figura 21, Largo da Pena Ventosa(04,05,06), duas perspectivas opostas _p55
Foto e fotomontagem de autor
Figura 22,Edifícios referentes aos números 1, 3, 5, 7, 9, 11 respetivamente _04 (edifícios que
integram o projeto de estudo) _p56
Foto e fotomontagem de autor
Figura 23, Edifícios referentes aos números 17, 19, 21, 23, 25, 27, respetivamente _05
(edifícios que integram o projeto de estudo) _p57
Foto e fotomontagem de autor
Figura 24, Rua da Pena Ventosa (ambos os sentidos) _03 e Travessa da Pena Ventosa,
respetivamente _p58
Foto e fotomontagem de autor
Figura 25, Travessa da Pena Ventosa, lado Sul e Este do Largo da Pena Ventosa _p58
Foto e fotomontagem de autor
Figura 26, Quarteirão das Aldas _p59
Foto e fotomontagem de autor
Figura 27, Fotos aéreas do Largo da Pena Ventosa _p59
Foto e fotomontagem de autor
Figura 28, Planta de Analise, Estado de Conservação (as cores da planta representam o
estado de conservação da habitação, o verde (bom estado), amarelo (médio), laranja
(mau), vermelho (ruina)) _p60
Desenho esquemático de autor
Figura 29, Planta Estratégia, Zonas criticas _p60
Desenho esquemático de autor
Figura 30, Planta Estratégia, Intenções Especificas, para cada zona critica analisada p61
Desenho esquemático de autor
Figura 31, Planta Estratégia, Percursos Predominantes _p61

VIII
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Desenho esquemático de autor


Figura 32, Planta de Análise, Comercio / Serviços existentes _p62
Desenho esquemático de autor
Figura 33, Planta Estratégia, Zonas Comerciais propostas _p62
Desenho esquemático de autor
Figura 34, Planta Pormenor, Estado de Conservação, planta orientada a Sul _p62
Desenho esquemático de autor
Figura 35, Planta Pormenor, Intenções _p62
Desenho esquemático de autor
Figura 36, Esquisso do largo, com apontamentos das intenções respetivas _p63
Desenho de autor
Figura 37, Esquisso com pormenores _p63
Desenho de autor
Figura 38, Esquisso do local de intervenção _p64
Desenho de autor
Figura 39, Levantamento do anteprojeto _p65
Desenho de autor
Figura 40, Levantamento dimensional do projeto _p66
Desenho de autor
Figura 41, Levantamento de conservação do projeto _p66
Desenho de autor
Figura 42, Mapa de Patologias _p67
Desenho e fotos de autor
Figura 43, Proposta de intervenção do anteprojeto _p71
Desenhos de autor
Figura 44, Planta de Cobertura | P1 _p72
Desenho de autor
Figura 45, Planta à cota 57,50 | P2 _p73
Desenho de autor
Figura 46, Planta à cota 60,00| P3 _p74
Desenho de autor
Figura 47, Planta à cota 62,50| P4 _p75
Desenho de autor
Figura 48, Planta à cota 65,50| P5 _p76
Desenho de autor
Figura 49, Corte| Alçado da Pena Ventosa 1| P6 _p77
Desenho de autor
Figura 50, Alçado da Pena Ventosa 2| P7 _p78

IX
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Desenho de autor
Figura 51, Corte transversal| P8 _p79
Desenho de autor
Figura 52, Corte construtivo| P9 _p80
Desenho de autor
Figura 53, Mapa de Vãos| P10 _p81
Desenho de autor

X
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Resumo

A (re)intervenção nos ‘centros históricos’ necessita ser encarada como um


debate atual, que seja mediador do bom senso entre os valores a preservar e as
necessidades do cidadão do século XXI. Um tema exigente, que nos obrigou a regressar
aos primórdios, procurando entender o ‘dito’ valor patrimonial e a história secular que
este contempla. Uma viagem, a qual nos ensina que o valor patrimonial é a base dos
princípios de uma cultura e que a evolução da civilização foi paralela à preocupação na
sua salvaguarda. Na base das Convenções Internacionais temos a chamada Carta de
Atenas (1931), pretexto para intervenções por vezes discutíveis e dogmáticas levadas a
cabo pelos Estados. Contudo, outras realidades, provam na antípoda da anterior mas,
ortodoxa de igual modo, atuação bem diversa. É conhecida a intervenção de
Haussmann (1853-69), o demolidor de Paris antigo, o responsável pela reforma urbana de
Paris moderno. Ou, a não menos controversa Carta de Atenas (CIAM, IV) que é de 1933.
O equilíbrio entre estas duas praticas salvaguardando o teor democrático das intenções
das Cartas e Convenções Internacionais exaradas fomos encontra-lo em Alois Riegl (1858-
1905), que defendia “cada caso é um caso”, aliás, em conjugação perfeita com os
conteúdos mais recentes das Convenções Internacionais, tendo estes pressupostos
estado na origem projetual do 5ºano.

A (re)intervenção proposta para o Largo da Pena Ventosa, em pleno centro


histórico do Porto (inscrito de 1996, como Património da Humanidade), foi o resultado
entre o conhecimento adquirido com esta investigação sustentada e a capacidade
criativa de fazer arquitetura no século XXI.

Palavras-Chaves
QUESTIONAR
REABILITAR
CONSERVAR
INTERVIR
CENTRO-HISTÓRICO
PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE
PORTO

XI
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Abstract

The (re) intervention in 'historic centers’ needs to be seen as an ongoing debate, to


mediate between the good sense to preserve values and the needs of the citizens of the
twenty-first century. A particular issue that forced us back to the early days is trying to
understand the 'said' asset value and this includes secular history. A journey which teaches
us that the asset value is the basis of the principles of a culture and the evolution of
civilization is parallel to the concern of safeguarding. The basis of international
conventions have called for the Charter of Athens (1931), a pretext for interventions
sometimes controversial and dogmatic undertaken by States. However, other situations,
prove the antipode of the previous but orthodox likewise and a quite different action; the
known intervention of Haussmann (1853-69), the breaker of old Paris, responsible for urban
reform of modern Paris or, no less controversial, the Athens Charter (CIAM IV) of 1933. The
balance between these two practices, safeguarding the democratic content of the
intentions of the Charters and Conventions, we find in Alois Riegl (1858-1905), who
advocated "every case is different," moreover, in perfect conjunction with the contents of
recent international conventions, having been based on these assumptions of projectual
origin of the 5th year .

The (re) intervention proposal for the Largo da Pena Ventosa, in the historic center
of Porto (1996 described as a World Heritage Site), was the result of the knowledge gained
from this sustained research and creative ability to make architecture in the twenty-first
century.

KEY-WORDS
TO QUESTIONE
TO REHABILITATE
TO CONSERVE
TO INTERVENE
HISTORIC CENTER
HERITAGE
PORTO

XII
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Índice de Abreviaturas

FAULP _Faculdade de Arquitetura e Artes Universidade Lusíada do Porto


FAUP_ Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto
UNESCO _Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
IPPAR _Instituto Português do Património Arquitectónico
IGESPAR _Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico
IPCC _Instituto Português do Património Cultural
ICOM _Organização Internacional dos Museus
ICOMOS _Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios

XIII
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Introdução

Ao longo do percurso académico, a arquitetura foi abrindo o seu leque e dando


a conhecer um pouco dos seus mundos, a reabilitação, foi sem duvida o mais intrigante,
e como tal, o tema deste estudo aliado à história que este envolve.
O tema da reabilitação motiva um vasto questionário dos “porquês”, o “porquê
de reabilitar”, o “porquê do valor a reabilitar”, o “porquê de não demolir, (e facilmente
resolver a questão)”, um questionário que a investigação e o estudo comparativo
ajudará às respostas. Centralizada numa pesquisa que atenda à evolução de princípios
e normas que ajudaram a arquitetura a evitar a descaracterização e degradação do
património. É com a primeira revolução cultural, o renascimento, assinalando o
desmoronar da Idade Média e o início da Moderna, que emergem em alguns estados as
primeiras medidas normativas. Mas só séculos mais tarde, com a destruição gerada pela
primeira guerra mundial é que surgem as primeiras normas internacionais
especificamente consagradas à salvaguarda do património. A emergência da
reabilitação, relaciona-se com um conjunto de fatores presentes na sociedade que o
explicam e tornam possível, sendo o principal o valor patrimonial. A conservação dos
valores patrimoniais preserva a ideia que cada um de nós tem de si mesmo enquanto ser
humano.
Ao nível conceptual a reabilitação torna-se numa tarefa sensível, dificultando por
vezes o respeito pela autenticidade do edifício, criando o inevitável debate entre demolir
e ou conservar. Como o afirma, Sérgio Infante, nosso professor de projeto, “ conservação
não é só preservação, em termos globais significa reutilizar o que de bom já existe,
revalorizando os elementos positivos, eliminando os elementos negativos ou fazendo-os
passar a um novo nível de existência, compatível com a requalificação que se pretende
atingir” ( INFANTE.1992:60).
Conservar, reabilitar, será conciliável com a arquitetura nova? A atracão das
novas formas e materiais obrigava a colocar a questão: para quê reabilitar e conservar o
velho? Não será uma moda que subjaz amparada na invenção do património? A dúvida
instalara-se. E, o tema surgia naturalmente: (Re)intervenção no centro histórico do Porto (
Largo de Pena Ventosa).
O vocábulo intervenção era mais abrangente que os de reabilitar, conservar,
construir e inovar. Intervir abarcava todos os outros, deixando tudo em aberto. O território
onde se localiza o nosso caso de estudo, resultou da proposta que decorreu no quinto
ano na disciplina de Projeto III.

14
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Situa-se no largo da Pena Ventosa, nela conflui a Rua da Pena Ventosa, a


travessa da Santana e a travessa da Pena Ventosa. O edificado a intervir é o exposto a
norte e a este que envolvem o largo, encontrando-se em ruína ou devolutos ao contrario
do edificado a sul, que se apresenta habitado e reabilitado.
Ora, a proposta a desenvolver, teria que dialogar com uma questão
fundamental: Pena Ventosa integra o núcleo forte do centro histórico do Porto, inscrito
como património da Humanidade, desde 1996. Como agir, ainda que virtualmente, sem
conhecer em pleno, como atuar nestes casos, em que se vislumbram condicionantes
muito fortes e convincentes. A polémica recentemente instalada que envolve a SRUPorto
Vivo e a sua intervenção em curso no quarteirão das Cardosas, indicia um alerta, para
compreender como lidar com o ICOMOS. A pergunta ingénua que colocamos : quem
tem razão? Será que incorremos no mesmo risco? No largo da pena Ventosa, pretende-
se reabitar e reutilizar uma zona que carece de incentivos para atrair a população,
pressente-se no edificado degradado e abandonado, uma efetiva ausência de
ocupação, que colide com a outra área vizinha, ,ainda no ativo e ocupada. Sinal de
uma população envelhecida, perguntamos nós? Estas e outras questões, são aquelas
que justificam o tema agora apresentado, e, que, para melhor compreensão e estudo
do mesmo, subdividiremos em três capítulos. O primeiro pretende refletir sobre os
conceitos de Identidade, Reabilitação, Conservação, Centro Histórico, e respetivo
vocábulo patrimonial. O segundo, refletir sobre as Cartas e Convenções, surgidas,
sobretudo a partir das duas de Atenas (1931 e 1933) até aos nossos dias: a que
consciencializa a conservação e o restauro e a que propõe uma cidade moderna e
funcional, pondo em causa os centros históricos. Para num terceiro capítulo,
apresentarmos o nosso caso de estudo.
Metodologicamente, socorremo-nos da pesquisa e análise no lugar, como
deitamos mão à informação oral, impressa e digital sobre o assunto. Acusamos, a
influência do papel didático-pedagógico do nosso professor de Projeto III, como do seu
trabalho doutoral, datado de 1992, mas cujos ensinamentos continuam válidos sobre a
conservação e desenvolvimento urbano e arquitectónico, quando os comparamos com
trabalhos académicos e científicos mais recentes. Bem como, o incontornável
conhecimento teórico produzido por Françoise Choay, cujos livros tanto nos enriquecem,
destacamos, Questões do Património, traduzido em 2011, que foi crucial para o
desenvolvimento do nosso argumento.

15
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

CAPITULO 1_

Reflexão em torno de alguns conceitos:


Reabilitação, Conservação, Renovação, Património, Centro Histórico e
Identidade

Como o apontamos na Introdução, interessa trazer para este primeiro capítulo,


um conjunto de vocábulos, cujos conceitos são necessários para esclarecer a nossa
pesquisa e objetivo da dissertação. Propositadamente, escolhemos a palavra (re)intervir,
justificando ser esta a mais abrangente que reabilitar, conservar, construir e inovar.
(Re)intervir, pode ser cada um dos verbos em ação, separados e ou agrupados.
Responde, com abertura o nosso propósito de procura. Não querendo ficar refém de
nenhum, obriga-nos, contudo, a refletir sobre os vocábulos mencionados.
(Re)intervir no centro histórico do Porto, precisa melhor a área onde nos
colocamos. No Guia Técnico de reabilitação Habitacional, deparamo-nos com um
conjunto de definições, que se prendem com a reabilitação: “a conservação, a
prevenção, salvaguarda, restauro, reabilitação e manutenção”. Destacamos, em
citação a definição de reabilitação, como “ conjunto de operações dirigidas à
conservação e ao restauro das partes significativas – em termos históricos e estéticos – de
uma arquitetura, incluindo a sua beneficiação geral, de forma a permitir-lhe satisfazer a
níveis de desempenho e exigências funcionais atualizadas” ( PAIVA, AGUIAR,
PINHO.2006:16). Isto é, reabilitar implica sempre intervir em contexto que não menorize a
conservação e o restauro. Aliás, como explicitamente, os mesmos autores nos
esclarecem: “ a reabilitação urbana, tal como hoje é entendida – recuperação e
beneficiação geral de áreas urbanas degradadas ( históricas ou não ) nos seus vários
aspectos ( do físico e morfológico, à revitalização socioeconómica e funcional) –
constitui-se assim e ainda como uma política de intervenção na cidade relativamente
inovadora e com um passado ainda demasiado recente, sobretudo em Portugal” (
PAIVA, AGUIAR, PINHO.2006:16 ). Consideramos, pertinente os autores usarem o mesmo
termo que nós escolhemos como linha mestra do nosso tema: Intervenção. Somente
aqui, este é antecedido pelo vocábulo política. Aperçebemo-nos, que o vocábulo é
escorregadio, híbrido e complexo. Aquilo que, inicialmente, se mostrava aberto e
conciliador, afinal é vago e impreciso, intervir no cento histórico do Porto ou em outro
lugar, pode bem ser o contrário do que pensávamos ser. Regressemos, ao exemplo que

16
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

demos na Introdução, relativamente ao quarteirão das Cardosas. A intervenção em


curso é reabilitação, conservação, restauro, renovação? Pelo que se pode extrair do
fragmento-relatório do ICOMOS-Portugal, “a atual intervenção está a efetuar demolições
maciças na área classificada, numa lógica não de reabilitação, mas sim de renovação
urbana, não do edifício como deve ser quando se trata de imóveis classificados, mas de
quarteirão, privilegiando a criação de infraestruturas que, em vez de terem em conta as
necessidades da população local, antes a marginalizam, procurando, alcançar grandes
lucros prosseguindo uma estratégia de puro fachadismo, contrariando todas as
recomendações internacionais” ( CARVALHO. 2013:14).
Do exposto, comprende-se que reabilitar não é sinónimo de renovar. Renovar é
fazer de novo. Como construir no construído? Reabilitando e ou fazendo de novo? A
trilogia reabilitar-restaurar-renovar revelar-se-á um objectivo pouco operante?
Inconciliável?
Será mesmo, um negócio especulativo o que se está processando no quarteirão
das Cardosas? A Sociedade de Reabilitação Urbana ( SRUPorto Vivo), deverá alterar o
nome para renovação urbana? Nessa mudança a sigla não se alterará, os fundos
poderão desaparecer mas, clarificava a sua opção de intervenção. É importante, dizer,
que essa mesma sociedade está encarregue por extensão de encomenda a reabilitar ( e
ou a renovar ) o morro da Pena Ventosa, onde o nosso projeto se virtualiza. Simpatizantes
da intervenção desta Sociedade, não suspeitávamos destes questionamentos. O que
sentimos, quando deambulamos pelo terreno, era a emergência de atuação:
interromper a desertificação e a degradação que lhe anda associada. Não excluíamos,
por isso, a opção plural de reabilitar e renovar. Contudo, em abono da verdade,
deveríamos continuar a investigar, reunindo provas que esclareçam os conceitos e suas
boas e más práticas.
Regressemos, uma vez mais ao Guia Técnico de Reabilitação Habitacional (
PAIVA, AGUIAR, PINHO.2006: 6-270). Nas páginas indicadas, correspondentes aos dois
primeiros capítulos, duma obra em dois volumes, que ultrapassa as 800 páginas, fomos
encontrar argumento forte que abona a uma reabilitação do urbano e dos edifícios,
fazendo recuar a opção renovação.
Em capítulo um, os autores, em resenha explicativa, colocam a evolução do
conceito através do tempo. Na construção do conceito, há dois momentos: um que se
posiciona, sobretudo, no século XIX até aos anos 60. O outro, que se estende dos anos 60
aos nossos dias. Na origem da questão, surge a palavra monumento, o seu valor histórico
e a necessidade de o conservar e salvaguardar. Como do monumento se passa à noção
do património, e, deste à cidade histórica, seu restauro e salvaguarda. E, como o
afirmam os seus autores: “ até ao início dos anos 60 desse século, as estratégias que
conduziam a salvaguarda do nosso património arquitectónico e das áreas urbanas de

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

interesse histórico podem classificar-se como restritivas, culturalmente muito seletivas e


marginais” ( PAIVA, AGUIAR, PINHO.2006:11). A modificação opera-se, nos finais dos anos
60, frente ao colapso do modelo de cidade moderna e a uma crescente
consciencialização de proteção do património edificado. Alargado em conceito e
amplamente discutido, em intenções, traduzidas em Cartas e Convenções, cada vez
mais participativas e vinculativas dos propósitos que veiculam e assinam os Estados
membros. “O papel da arquitetura de hoje face à cidade e às arquiteturas herdadas,
com as quais continuamente se confrontam e nas quais tem de intervir, tal como é
definido neste entendimento, consistirá numa ação conciliadora entre o construir da sua
contemporaneidade e a necessidade de conservar o essencial da memória e da
específica cultura desses lugares urbanos”( PAIVA, AGUIAR, PINHO.2006:21).
Antes de prosseguir a recensão crítica, importa introduzir, esclarecendo melhor, o
contributo de alguns para o avanço dos conceitos. O texto sintetiza e nomeia autores e
obras, que estarão na base dessa antinomia reabilitação urbana versus renovação
urbana. Relativamente ao efeito das Cartas e Convenções, reservamos para o capítulo
dois desta dissertação, a sua explanação, tal a importância de que se revestem. Aqui,
interessa-nos dar o respectivo destaque à obra de Françoise Choay relativo à invenção
do Património, por um lado e, por outro, trazer para este texto o trabalho doutoral do
nosso professor de Projeto III, Sérgio Infante.
Comecemos por Françoise Choay. Dentro da sua profícua e qualificada
produção teórica, interessa-nos o livro várias vezes citado nos autores que temos vindo a
recensear, intitulado A Alegoria do Património e um outro, cujo título sugestivo é: As
questões do Património. Obviamente, este último não é citado, pois , a 1.ª edição,
datada de 2009 é posterior à publicação do livro na berlinda. Ambos os livros, traduzidos
para português, o último, em 2011, quanto ao primeiro, de 2000, sendo que a 1.ª edição
recua ao ano de 1892. É nesse primeiro livro que pudemos assegurar uma compreensão,
para aquilo que a autora nos adverte no prólogo: “não quis fazer da noção de
património histórico e da sua utilização objecto de um inquérito histórico, mas o tema de
uma alegoria” ( CHOAY.2000:25). Era o que procurávamos, elucidar-nos, sem cair no
exagero da diacronia e do dogmatismo. Encontrávamos, também, o encadeamento
para a problemática, em continuidade, do seu livro mais recente. Comparando os dois
livros, tornava-se acessível, a grande questão que a vem perseguindo. No prefácio deste
último, a autora parte do questionamento daquilo, que se aceita como definição de
património: “é, segundo as suas diversas categorias, qualificado como património
construído, arquitetural, monumental, urbano, paisagista... e, segundo o seu modo de
inserção na temporalidade, é referido como histórico ou contemporâneo” (
CHOAY.2011:11). Ora, como ela o afirma linhas adiante: ”mas, a despeito de um
aparente consenso, e de uma monossemia postulada, o conteúdo da noção está longe

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

de ser claro” ( CHOAY.2011:11). Então, o que é o património? Diz-nos a autora, que o


termo é relativamente recente, impondo-se a partir dos anos 60 aos nossos dias,
substituindo, a noção de “monumento” e de “monumento histórico” ( CHOAY.2011:15).
Este discernimento já aqui foi aflorado, mas não explicado. Interessa-nos, compreender
como se fez a substituição dos conceitos, e de certo modo, como se chega à noção de
monumento e o que o distingue do monumento histórico. Esse ensinamento fomos retira-
lo a Françoise Choay. “Para definir o termo ‘monumento’ reportar-nos-emos à sua
etimologia. Deriva do substantivo latino monumentum, que deriva do verbo monere:
‘adevertir’, ‘lembrar à memoria’. Chamar-se-á, então, “monumento” a todo o artefacto (
túmulo, estela, poste, totem, construção, inscrição...) ou conjunto de artefactos
deliberadamente concebidos e realizados para uma comunidade humana, sejam quais
forem a natureza e a dimensões ( da família à nação, do clã à tribo, da comunidade de
crentes à da cidade...) no sentido de fazer lembrar à memória viva, orgânica e afectiva
dos seus membros, pessoas, acontecimentos, crenças, ritos ou regras sociais constitutivos
da sua identidade” ( CHOAY.2011:16).
Em suma, “o monumento assegura, sossega, tranquiliza, ao conjurar o ser do
tempo. (...) A sua função antropológica, constituí a essência do monumento”. (CHOAY,
2000:16), como pudemos clarificar nas palavras da mesma autora, no livro citado mais
pretérito. Dai, o monumento ser expressivo a todas as civilizações, “aparece como um
universo cultural” (CHOAY, 2000:16.2011:17). A perda deste significado dá-se na
sociedade ocidental a partir do século XV. Começa-se a utilizar indistintamente
monumento e monumento histórico. Mas, como nos explica Françoise Choay
monumento histórico não é o mesmo que monumento “monumento histórico não é um
artefacto intencional, criação ex nihilo comunidade humana com fins memoriais(...). Não
se destina à memoria viva (...). Refere-se a uma conotação intelectual, tem um valor
abstracto de saber” (CHOAY.2011:18). Perde a sua universalidade. O tempo da sua
consagração, como o indica Choay situa-se entre 1820 e 1960 (2000:111-154).
A distinção dos dois vocábulos “foram definidas pela primeira vez, em 1903, pelo
grande historiador de Arte Alois Riegl na introdução do “Projeto de legislação dos
monumentos históricos que o Estado austríaco lhe tinha encomendado” (
CHOAY.2011:15). Alois Riegl (1805-1905) exprime-se textualmente assim: “ Se não existe um
valor eterno de arte, mas unicamente um valor relativo, moderno, então o valor de arte
de um monumento não é um valor de rememoração, mas sim um valor atual. A tarefa
de conservação do monumento histórico deve tê-lo em conta, porque se trata para a
arte de um tipo de valor prático e flutuante e que exige tanto mais atenção como se
opõe ao seu valor histórico, de rememoração do passado, do monumento” (RIEGL.1903.
O Culto Moderno dos Monumentos. Citado por CHOAY.2011.191). Se ele é pioneiro na
separação e uso dos vocábulos é paralelamente o introdutor de um relativismo,

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

necessário na classificação dos monumentos históricos e da sua posterior conservação.


Verdadeiro antecipador do pensamento atual, o seu contributo ficou a aguardar o
entendimento que se exigia, ultrapassado, somente nas revisitações dos anos 60 do séc.
XX em diante. As confusões entre monumento e monumento histórico prevaleceram, e,
ainda hoje, acontecem.
Mas, outra questão, subjaz nesta consagração do monumento histórico. O que
acontece ao que fica de fora? Como se chega à noção de Património urbano?
“Numerosos factores contribuíram para retardar, simultaneamente, a objectivação e a
transformação do espaço urbano: por um lado, a sua escala, a sua complexidade, a
longa duração da mentalidade que identificava a cidade como um nome, uma
comunidade, uma genealogia e uma história, de qualquer forma pessoal, mas que não
se referencia pelo seu espaço”(CHOAY.2000:157).
Pese algumas vozes antecipadoras, como a de John Ruskin (1819-1900), Eugéne
Viollet-le-Duc (1814-1879), Camille Sitte (1843-1903) e de G. Giovannoni (1873-1943), a
atenção, valorização e metamorfose do conceito só teve lugar no pós-segunda guerra
mundial. Aquilo, a que F. Choay apelida a “convenção do património urbano”
(CHOAY.2000:151-179). Até aí salvo raríssimas exceções, salvaguardar o monumento
histórico era uma realidade adquirida . Não estranhamos, que em pleno século XIX nos
dezassete anos, que o barão Georges-Eugéne Haussmann (1809-1891) esteve como
perfeito de Paris (1853-1869), ao serviço de Napoleão III, o seu plano para Paris , rompesse
com a cidade medieval, propondo traçados novos, mas, sempre respeitoso para com
as catedrais góticas e outros edifícios, de índole religioso ou não, como se poderá
confirmar em várias histórias da arquitetura, nomeadamente, a de Leonardo Benevolo
(BENEVOLO.1999:89-128). Compreende-se, também, que este modelo de cidade
industrial tivesse a sua propagação e aplicação em outras cidade da segunda metade
do século XIX e XX. Duplamente não se estranha, ainda a utopia corbusiana denominada
Plan Voisin (1925), que propunha um novo modelo de cidade para o coração de Paris.
Este não se concretizou, mas, a Paris Haussmanniana sim. Atualmente inscrita como
património histórico a salvaguardar, é um facto que não se pode ignorar. Na ampliação
do conceito integra-se, então, a partir da década de 60 do século XX, a noção de
património histórico, e, neste, incluído, a cidade histórica. Mas, como nos alerta F. Choay,
nesta metamorfose, as noções que antes eram separadas, passaram a ser a mesma
coisa. Isto é, e, dentro da problemática conceitual que pretendemos resolver, a cidade
histórica identifica-se cada vez mais como um objecto de museu, como um monumento
histórico a apelar ao turismo cultural, pondo em perigo a sua existência. Para além desta
confusão, há uma nova questão que subjaz: o que conservar, como conservar, o que
demolir, e, o que se entende por conservação? Como o defende, Sérgio Infante, na

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

primeira parte, da sua já citada dissertação de doutoramento, a Conservação do


Património é uma necessidade a provar (INFANTE.1992:9-102).
É pertinente que no conjunto das provas que justifiquem a premissa colocada, a
primeira, usada pelo nosso professor coincide exatamente com a consciência do
espaço, a procura do centro. Para a heterogeneidade deste, “a primeira arquitetura é
uma ideia que o homem faz passar às coisas, prolongando-se nelas” (INFANTE.1992:15). A
descontinuidade do espaço e a antropologia do tempo. As noções de património, o
desgaste, a sua conservação. Mas, conservar não é só preservar, “significa reutilizar o que
de bom já existe, revalorizar os elementos positivos, eliminando os elementos negativos ou
fazendo-os passar a um novo nível de existência, compatível com a requalificação que
se pretende adquirir”.(INFANTE.1992:44). A noção de “cidade (ou o Centro Histórico) é
considerada não como uma soma de monumentos mas um monumento em si”
(INFANTE:1992:47). É, assim, que Sérgio Infante introduz a querela, alertando para o uso
restrito e ortodoxo do conceito, corrobando o que temos vindo aflorar antes e depois
dele, neste capitulo. Quando cita Ruskin (1819-1900), condena-lhe a inoperacionalidade
da sua noção, pese a sua primaz importância ao insistir na necessidade de salvaguarda
e de vivencia na cidade antiga. Quando cita Haussmann, aponta-lhe a incapacidade
para o entendimento do tecido urbano, destacando, contudo o que também vimos a
escrever, retirado de outras obras consultadas, a conservação e o valor do monumento
histórico não era alienável. O mesmo acontecerá com Le Corbusier e os arquitetos
Modernos, as soluções do CIAM, nomeadamente aquela que “admite a noção de
monumento histórico, exclui radicalmente o valor do tecido urbano” (INFANTE. 1992:48).
Neste deambular destaca Camilo Sitte (1843-1903) como pioneiro para a
intervenção da cidade antiga, aprendendo nela as regras para a cidade em expansão.
Este propósito, foi melhor entendido e preconizado por Gustavo Giavononni (1873-1947),
quando reconhece ”ao mesmo tempo a mutação dos espaços e os modos de vida
modernos e procura dar um papel vivo, e não exclusivamente museológico aos
conjuntos urbanos” (INFANTE.1992:48).
A crescente valorização patrimonial do tecido urbano, associa-se mais uma vez, a
uma reflexão que deixamos já explicita para tratamento adequado em segundo
capitulo.
Interessa desfazer o equivoco de cidade monumento, mas, não esquecer a
importância de que se reveste a sua perda da identidade. Esta pode ser colocada em
causa, com a opção de restauro e de intervenção. Como afirma em jeito de conclusão,
Sérgio Infante : “a rápida evolução dos conceitos e das técnicas, diferentes das praticas
tradicionais, e a evolução e descobertas científicas que oferecem à salvaguarda meios,
anteriormente desconhecidos, levaram à rotura entre a pratica física da arte de construir
e a ciência de conservar e restaurar.” (INFANTE. 1992:160). Há que estar atento e bem

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

apetrechado, para saber como operar em cada caso. “Em termos muito simples, eis o
que me resta concluir: é fortemente necessário conservar preservando a autenticidade;
projetar conservando a contemporaneidade; optar pela intervenção mínima em vez da
máxima; e, sobretudo, recusar a falsificação da história” (AGUIAR.2001:169). É, altura de,
em fecho deste capitulo, retomar a recensão iniciada ao Guia Técnico de Reabilitação
Habitacional, bem como os seus preciosos ensinamentos sobre o conceito de
reabilitação urbana, “apesar de recente sofreu já uma enorme evolução no que respeita
aos seus objectivos, âmbito de atuação, métodos e abordagens de intervenção. Emerge
da política de salvaguarda de património cultural, mas rapidamente ultrapassa esse
âmbito em resposta aos novos desafios de âmbito social económico e ambiental”
(PAIVA, AGUIAR,PINHO. 2006:88).

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

CAPITULO 2_

Reflexão em torno das Cartas e Convenções, versus intervenções em


Centros Históricos

Na nota introdutória às Cartas e Convenções Internacionais, que João Appleton


teve necessidade de reunir em apêndice à sua obra, intitulada Reabilitação de Edifícios
Antigos. Patologias e Tecnologias de Intervenção, justifica-se pela “convicção de que o
conhecimento do contexto normativo é de suma importância para a pratica da
reabilitação de edifícios” (2011:369).
O conjunto selecionado de normas internacionais, mais as convenções retificadas
pelo estado português, bem como aquelas normas não vinculativas, funcionam, por um
lado como lei, e, por outro como sugestão para a intervenção e consciencialização do
Património, através dos seus agentes. Utilizaremos, nesta reflexão que reservamos para
segundo capitulo, a documentação aí reunida, completando-a sempre que a
necessidade do conhecimento obrigue, aquela que a UNESCO e o Conselho da Europa
disponibiliza nos seus sítios na internet. E, sobretudo, relacionando-a com as obras que
temos vindo a referenciar no primeiro capitulo. Quando Françoise Choay, em capitulo VI
(2000:181-209), coloca o “património histórico na era da industria cultural” em
questionamento, há um aviso que se pressente de acusação ou pelo menos de desvio a
um bom uso da noção de património. A questão que queremos esclarecer é a seguinte:
até que ponto, as Cartas e Convenções aprovadas, serão responsáveis por essas
acusações. Paralelamente interessa-nos, também compreender, se a crescente
patrimonialização dos tecidos urbanos e rurais extensivos ao território e ao mundo, num
alastramento total que engloba tudo, sem exceção do que o ser humano faça ao limite
de transformar o património numa ditadura, da qual não se pode sair, nem abdicar. Será
benéfico efetivamente, para as populações e respectiva identidade esse
enquadramento e finalidades, tal como Françoise Choay replica em posfácio na sua
obra que vimos a utilizar, a propósito de “a competência de edificar” (2000:211-227).
Comecemos por abordar a tão falada Carta de Atenas que resultou da
Conferencia havida na cidade grega entre os dias 20 e 31 de Outubro de 1931 “sob a
égide de um organismo supranacional, o Instituto de Cooperação Intelectual da
Sociedade das Nações, representado em particular pelo Conselho Internacional de
Museus (ICOM). Esta Conferencia reuniu 118 participantes, arqueólogos, arquitetos,
historiadores de arte, conservadores de museus, todos de origem europeia.” (CHOAY.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

2011:201). Da importância deste encontro ressaltam os princípios que irão orientar as


opções de restauro dos monumentos. Ficou explanada, que “nos diferentes Estados
representados predomina uma tendência para abandonar as reconstituições integrais.
(..). Caso o restauro seja indispensável, em consequência de degradação ou destruição,
a conferencia recomenda o respeito pela obra histórica ou artística do passado, sem
eliminar o estilo de nenhuma época. (...). Recomenda que se mantenha a ocupação dos
monumentos, afectando-os a funções que respeitem o seu carácter histórico ou artístico,
de modo a assegurar a continuidade da sua vida” (CARTA DE ATENAS. 1931: I . In
APPLETON. 2011:370). Do documento analisado, destaca-se a importância dada ao
monumento, combater a sua degradação, salvaguardar o seu valor histórico e artístico,
bem como a consciência de atuação aquando da sua conservação e restauro. Da
pedagogia da educação e da necessidade da legislação, capaz de operar junto do
proprietário particular, fazendo valer o direito publico. Vislumbramos, também, o primeiro
sinal de valorização de tecido urbano, ainda que indiretamente, quando “a Conferencia
recomenda que se respeite, na construção de edifícios, o carácter e a fisionomia das
cidades, especialmente na vizinhança dos monumentos antigos” (CARTA DE ATENAS.
1931: III in APPLETON.2011:370). Como o afirma Françoise Choay, “o interesse fundamental
da Conferencia de Atenas é um facto de ela se situar exatamente na articulação de
dois momentos cruciais quanto às histórias das noções de monumento histórico e
património” (2011:202). E, Sérgio Infante, alerta-nos para uma questão bem pertinente:
“mais uma vez a teoria tinha avançado mais rapidamente que a pratica” (1992:72). É
altura de introduzirmos a outra Carta de Atenas, aquela que reuniu em Assembleia
Congressista os arquitetos Modernos, no ser IV CIAM, que teve lugar no paquete entre
Marselha e Atenas, no ano de 1933. O conhecimento do que se discutiu veio a publico,
através de uma publicação anónima data de 1941, como afirma Le Corbusier (LE
CORBUSIER. 1957:9-10). Através dos seus 95 pontos, sabemos , então, que 33 cidades
foram analisadas. Uma proposta de urbanismo emerge. Pretendia intervir como modelo
alternativo, na consequência da cidade industrial, e nas sequelas deixadas pela primeira
e advento da segunda guerra mundial. É, o que se constata, na contextualização
(ponto 1 a 8), do que é uma cidade e a sua região. Bem, como na solução para resolver
o estado critico das cidades atuais (ponto 9 a 64): a separação por áreas – habitar,
trabalhar, recriar e circular. A construção em altura, a demolição dos centros insalubres, a
implantação de espaços verdes junto das habitações e dos equipamentos públicos, as
grandes vias de circulação, as fabricas junto das saídas. Nesta proposta “o sol, o verde e
o espaço são os três primeiros materiais do urbanismo” (LE CORBUSIER. 1957:37), capazes
de tudo revolucionar. Deparamo-nos, nos pontos 65 a 70, como nesta revolução, há uma
sensibilidade, podemos mesmo dizer, equiparável ao que recomendaram os profissionais
reunidos em Atenas, no ano de 1931 (ICOM). Nestes pontos, agrupados com o titulo

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Património Histórico das Cidades, é expresso nas primeiras linhas o seguinte : “os valores
arquitectónicos deverão ser salvaguardados (edifícios isolados, ou conjuntos urbanos) “
(LE CORBUSIER.1957:87). A questão colocada teve o seguinte desfecho: fazer cidade é
um acontecimento em contínua transformação e acumulação. O que salvaguardar,
dependerá do seu valor histórico e interesse no tempo atual. A morte atinge tudo e todos
- ser humano e obras, importa escolher com inteligência o que deverá permanecer. Mas
esta conservação, não deverá ser feita custa da insalubridade e do bem estar do
cidadão. Paralelamente o crescimento das cidades impõe alterações nos centros
históricos, considerados até aí “como imutáveis” (1957:89). A demolição torna-se
necessária, contudo, “a destruição de verdadeiros valores arquiteturais, históricos ou
espirituais, deve ser ponderada, procurando outras soluções”(1957:90). Salvaguardado
estes, as demolições no seu entorno poderão acrescentar espaço verde ao lugar. As
novas construções a erigir nos centros históricos não devem replicar as estéticas do
passado e, muito menos confundirem-se com ele. Do exposto, aliás bem clarificado nas
conclusões (ponto 71 a 95), o que ressalta desta Carta é um modelo novo, alternativo,
para fazer a cidade. Protege-se o monumento, mas não há espaço para o entendimento
dos centros históricos que veêm do passado, através das 33 cidades analisadas.
“A Carta, dita de Veneza, foi elaborada na sequencia dos trabalhos da segunda
Conferencia de arquitetos e técnicos de monumentos históricos que teve lugar em
Veneza em Maio de 1964.(...); o termo monumento histórico continua a ser dominante,
formal e semanticamente; a dimensão internacional evocada é sempre a de Atenas, e
de maneira nenhuma o processo de mundialização iniciado durante os anos 50 do
século passado; finalmente, contrastando com a abertura e a problematização de
Atenas o estilo dogmático na qual os artigos da Carta enunciam uma série de truísmos
acaba por assinalar o seu anacronismo” (CHOAY.2011:215). O alerta critico e responsável
desta investigadora, obriga-nos a uma atenção redobrada. Pois, nas antípodas deste
posicionamento lemos em Flávio Lopes o seguinte: “com a Carta de Veneza, aprovada
no II Congresso Internacional de arquitetos e técnicos de monumentos, a noção de
monumento ganha novos ambientes e é suportada por novos valores. A salvaguarda do
património arquitectónico passou definitivamente a apresentar três planos distintos de
preocupações aos quais correspondem métodos de analise e modos de gestão
diferenciados: a defesa do monumento; a defesa da cidade histórica e a proteção dos
respectivos contextos (construídos ou não)” (LOPES. 2013:55). Aliás, em sintonia com o que
o nosso professor Sérgio Infante escrevera na sua dissertação de doutoramento: “Em 31
de Maio de 1964, o II Congresso Internacional de Arquitetos e de Técnicos dos
Monumentos Históricos, efectuado em Veneza com o patrocínio da UNESCO aprovou
documentos que continuam sendo referencias fundamentais no âmbito da Conservação
do Património. O primeiro foi a Carta Internacional sobre Conservação e Restauro dos

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Monumentos e dos Sítios, texto doutrinário conhecido correntemente por Carta de


Veneza. O segundo documento foi a Resolução acerca da criação de uma organização
internacional não governamental para os Monumentos e Sítios, que era, de facto
certidão de nascimento do ICOMOS “ (INFANTE. 1992:74).
Somente, agora, começávamos a compreender o alcance da polemica
colocada por Françoise Choay. A Carta de Veneza, “trinta e três anos depois da
Conferencia de Atenas, permanece inscrita na mesma configuração epistemológica”
(CHOAY.2011:215). Daí, lhe advindo o anacronismo que a mesma autora acusa, rechiado
de truísmos. Podemos nos, hipoteticamente colocar a noção de ortodoxia dogmática?
Estavam os arquitetos Modernos equivocados? Nos seus dezasseis artigos os três primeiros
incidem nas definições: o conceito de monumento histórico, alarga-se do imóvel ao sitio
urbano e rural, que “tenham adquirido significado cultural com o passar do tempo”
(art.1º). “A conservação e o restauro dos monumentos” devem ser feito por especialistas,
que contribuam “para o estudo e a proteção do património monumental” (art.2º). “A
conservação e o restauro dos monumentos tem como objectivo salvaguardar tanto a
obra de arte como as respectivas evidencias históricas” (art.3º). Depois, os artigos 4º a 8º
vão especificar a conservação : a manutenção regular do monumento (art.4º), as
modificações a ocorrer “não deve alterar a disposição ou a decoração dos edifícios”
(art.5º), conservar implica manter “sempre que o espaço envolvente tradicional subsista,
deve ser conservado, não devendo ser permitidas quaisquer novas construções,
demolições ou modificações que possam alterar as relações volumétricas e cromáticas”
(art.6º), o monumento é inseparável da história, pelo que só excepcionalmente poderá
ser deslocado (art.7º). Os elementos decorativos integrados no monumento devem
permanecer, salvo se colocarem a preservação do mesmo em causa (ar.8º). Já os
artigos 9º a13ª explicitam e normalizam o restauro : Este deve ser efectuado por
especialistas, deve respeitar os materiais originais e a documentação. As conjecturas são
proibidas. As intervenções novas devem distinguir-se, do monumento em restauro. Os
estudos arqueológicos e históricos antecedem sempre o restauro (art.9ª). “Quando as
técnicas tradicionais se revelarem inadequadas, a consolidação de um monumento
pode ser efectuada através do recurso a outras técnicas modernas de conservação ou
de construção, cuja eficácia tenha sido demonstrada cientificamente e garantida
através da experiencia do uso.” (art.10ª). As diversas intervenções acumuladas no
monumento através do tempo, não devem ser apagadas, privilegiando uma ou outra
época. Somente em casos excepcionais, e mesmo ai, não deverá depender da vontade
“apenas do coordenador dos trabalhos” (art.11ª). “O elemento substituição devera
integrar-se harmoniosamente, mas distinguir-se do original, para obstar a falsificação
histórica” (ar.12º). Não são permitidas adições que não se integrem no conjunto (art.13ª).
Os Sítios Históricos descritos num único artigo impõe cuidados acrescidos e remetem

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

para o articulado do restauro (art.14ª). As escavações, a fazer obrigam a seguir as


recomendações da UNESCO adoptadas em 1956. As ruinas devem manter-se,
assegurando-se a conservação e manutenção dos objetos descobertos. Facilitar a leitura
do monumento, sem distrações do seu significado. A reconstrução não é desejável.
Somente a anastylosis é permitida, pois, este processo monta as peças soltas
encontradas na escavação. Os materiais utilizados na reintegração devem ser
reconhecidos e usados em ultimo recurso (art15ª). Por ultimo e num só artigo as
Publicações: a obrigatoriedade de “ os trabalhos de conservação, restauro, ou
escavação devem ser sempre acompanhado por um registo preciso sob a forma de
relatórios analíticos ou críticos, ilustrados com desenhos e fotografias”. Incluindo, também
todas as fases do processo. Guardados e disponibilizados para consulta de
investigadores. Recomenda-se, a publicação (art.16ª).
Depois, desta Carta, que Françoise Choay diz ser hegemonicamente um
documento produzido pela Europa, impõe-se, como modelo ao mundo inteiro. Na
mesma esteira, se desenvolvem as convenções produzidas pela Unesco nos anos de 1972
a 2008. "Trata-se de um documento essencialmente formal, definindo os procedimentos
jurídicos, administrativos, burocráticos e financeiros destinados a enquadrar a dita
proteção"( CHOAY:2011:219 ).
Nesta ratoeira mergulham as noções de património aplicadas aos centros históricos, nas
dificuldades em edificar na contemporaneidade, aquilo, a que mais uma vez F. Choay,
alerta, para a "competência de edificar" em posfácio no seu livro: " A Alegoria do
Património" ( 2000:211-227).

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

CAPÍTULO 3_

Caso de Estudo:
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto / Largo da Pena Ventosa

3.1 Caracterização do meio

3.1.1 História e Crescimento do Centro Histórico do Porto, do alto da Pena


Ventosa à Área Metropolitana do Porto

O alto da Pena Ventosa constituiu o sitio original da urbe portuense, caracterizado


pelas suas cotas elevadas (entre 76m e 78m), o acesso tornava-se castrante ao contrario
das boas condições de estratégia defensiva. Apesar das dificuldades de acesso ao
Morro da Pena Ventosa, a fixação humana foi surgindo preferencialmente na encosta
exposta a Sul.

Figura 1, Evolução esquemática do Morro da Sé, a primeiro desenho retrata meados do século XII,
onde existia apenas a Cerca Velha. No segundo desenho já com a Muralha Fernandina (meados
do século XV)

A ocupação no Morro da Pena Ventosa remonta à primeira metade do milénio


(500 a. C.), a idade do Bronze, e desde então acredita-se ter havido uma ocupação
quase continua. Este conhecimento surgiu das obras de recuperação da casa da Rua de
D.Hugo nº5, na década de 80 e 90, que detectaram vestígios arqueológicos.

28
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Porem, foi no século II a.C. a meados do século I a.C., com o povo romano, que
surge a primeira estrutura urbana reorganizando o traçado das ruas, tal como a
implantação de casas com planta rectangular. O local da Alfandega terá sido também
uma influencia dos romanos, estes séculos antes terão estabelecidos instalações
portuárias no mesmo local.
Na Pena Ventosa detetou-se indícios de ocupação nos séculos I e II d.C., tal
como, vestígios de alicerces de uma muralha, que possivelmente teria um traçado
idêntico ao da Cerca Velha ou Românica reconstruída no século XII.
“Nos séculos seguintes verificam-se neste povoado ora fases de expansão urbana
ora de retrocesso consoante as épocas eram de paz ou de guerra” (GRAÇA e PIMENTEL.
2002:14).
A construção da Sé Catedral no século XII, provoca a ocupação da plataforma
superior da Pena Ventosa e em seu redor ruas, vielas, pequenos largos e becos que se
ligam entre si, adaptando-se à topografia da zona e orientando-se pelo traçado das
curvas de nível, ou rasgando-as perpendicularmente. A cerca Velha ou Cerca Românica
reconstruída no século XII, foi também um importante elemento que condicionou a
estrutura da malha urbana do burgo medieval, esta tinha 4 portas; a Porta de Vandoma,
a Porta ou Arco de Santana, a Porta de S. Sebastião e a Porta de N.ª S.ª das Verdades,
todas elas irão ser demolidas em meados do século XIX.
Porem, foi no século XIII que a cidade do Porto cresce para lá da Cerca Velha. As
quintas, hortas e matas que envolviam a Pena Ventosa sofreram alterações, estas
tomaram o lugar de casas, vielas e ruas que se ligavam entre si, contudo em algumas
ruas desta área, como por exemplo a Rua do Souto e a Rua Chã (das Eiras) ainda hoje
fazem uma alusão às antigas referencias rurais existentes na época.
A Sé e a margem Ribeirinha incluíam, os dois polos de povoamento existentes
ligados por uma estrutura urbana medieval que ligava fisicamente o núcleo do Morro da
Pena Ventosa, ‘dentro dos muros’ e o da margem Ribeirinha, ‘fora dos muros’.
A Rua de D. Hugo, antiga Rua ‘detràs da Sé’ compreendiam o eixo mais antigo
da cidade, um caminho de declive muito acentuado e de difícil circulação, este seguia
pela Porta das Verdades e pelas escadas do Barredo. Posteriormente substituído por
outro eixo de melhor acessibilidade, este seguia o percurso da Rua dos Mercadores, da
Bainharia, da Escura e pela porta de S. Sebastião.
Os anos que se seguem caracterizam-se por um clima de conflito entre o rei e o
bispo, senhor do burgo, um tempo em que o poder régio se quis afirmar perante o poder
da Mitra. Marcada pela disputa de terras, é desta época a edificação do Convento de
S. Francisco e da Alfandega (iniciada em 1325). Só em 1406 quando o papa cede o
senhorio da cidade do bispo para a coroa, que o conflito termina.

29
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

‘Fora dos muros’ emerge as atividades comerciais e marítimas negócios dirigidos


pelas famílias burguesas , porem desprotegidos, fora do alcance da proteção da
muralha existente, um facto que preocupou as mesmas famílias, que reivindicaram por
um espaço amuralhado mais vasto.
A Cerca Nova ou Muralha Gótica inicia a sua edificação no tempo de D. Afonso
XIV-1355, que foi o seu grande impulsionador, contudo foi no reinado de D. Fernando que
esta é concluída, ficando assim conhecida pela Muralha Fernandina. A Muralha
Fernandina consistia numa edificação adaptada às estratégias defensivas do tempo, tal
como, às necessidades dos civis, bons acessos a moradores e visitantes através das varias
portas e postigos.
O primeiro caso de planeamento do pais emerge no reinado de D. João I, que
após ter criado uma judiaria1, judiaria do Olival, abre uma nova Rua, a Rua Nova que ele
descrevia como “a minha rua formosa”, este eixo contrastava com a malha medieval,
sendo mesmo um ilustre ato urbanístico, caracterizada pelo seu traçado retilíneo e a sua
forma larga e comprida, desde cedo a Rua Nova atraiu uma população de elite que
rapidamente se apoderou dos terrenos que a circundavam para a construção de
edifícios de luxo. Após a sua conclusão a Rua Nova que ligava a Rua dos Mercadores ao
Convento de S. Francisco, passou a integrar o percurso das figuras notáveis na entrada
da cidade.
No século XV, a estrutura urbana da cidade do Porto, consistia numa rede
apertada de ruas estreitas e ruelas irregulares, tomando uma configuração
radioconcêntrica2.
Um período de crescente desenvolvimento económico e urbano chega no inicio
do século XVI, com o floral Novo de D. Manuel I, que concebe novos direitos à cidade do
Porto. O Porto apresenta assim novos privilégios que irão enobrecer a cidade, tornando
esta mais elegante e aristocrata. Aos nobres é lhes permitida a entrada e residência na
cidade até então proibida, razão que justifica a ausência de casas nobres no local, até á
data.
A cidade assiste a notáveis edificações, como o novo eixo de circulação, Rua de
Santa Catarina das Flores3, que tornou-se vital no desenvolvimento da urbanização da
margem direita do rio da Vila, a construção de uma ponte de pedra para atravessar o
mesmo rio, e a concepção de tantos edifícios 4 de congregação religiosas ou de
assistência.

1 judiaria, um bairro em que habitam pessoas de cultura judaica, bairro judeu.


2Radioconcêntrica, “eixos radiais divergentes cortados por eixos transversais” (GRAÇA e PIMENTEL.2002:20).
3 Rua de Santa Catarina das Flores, “ligando o largo de S. Domingos ao Convento de S. Bento da Avé-Maria,

permitia um acesso direto entre dois polos citadinos de grande movimento, a Baixa da Ribeira e a Porta de
Carros” (GRAÇA e PIMENTEL.2002:20)
4 edifícios de congregação religiosa ou de assistência: Convento de Santa Clara; Convento dos Lóios;

Conventos femininos de S. Bento da Ave Maria e de Monchique; Hospital de D. Lopo; Convento de S. João

30
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Contudo, só no finais do século XVII e no século XVIII que a cidade assiste a um


surgimento na atividade arquitectónica, que trará uma nova figura à cidade. A
arquitetura barroca é o estilo predominante da época, o Paço Episcopal, a Igreja e Torre
dos Clérigos conferem a identidade da altura, Porto Barroco 5 . Nicolau Nasoni, artista
italiano foi um dos responsáveis que influenciou muitos destas notáveis edificações,
nomeadamente os 75 metros da torre dos Clérigos.
Seguiram-se varias transformações urbanísticas e arquitectónicas, e em 1763 data
o inicio do funcionamento da junta de obras Públicas, presidida por João de Almada,
engenheiros militares e arquitetos introduziram uma nova abordagem na concepção da
cidade, segundo eles as “... construções deviam obedecer a planos rigorosos em que se
privilegiava o conjunto arquitectónico e não o edifício isolado. O risco das novas ruas era
acompanhado pelo desenho dos alçados a edificar” (GRAÇA e PIMENTEL.2002:23).
Proporcionando nestas zonas até aos dias de hoje uma área prazerosa, equilibrada na
relação rua-conjunto edificado.
O crescimento desorientado para fora da Cerca Fernandina instigou a criação de
um plano, um plano urbanístico de João de Almada, que ficou conhecido pelo plano de
Almadino este responsabilizava-se pelo crescimento organizado da cidade, visava
redefinir as principais vias de acesso 6, a criação de novas praças 7 , abertura de ruas
amplas, como a Rua de S. João, realinhamentos de fachadas e ruas antigas, tal como
novas preocupações com os espaços públicos 8 . Resultado do plano Almadino, foi
também o eixo Almadino, um novo importante eixo citadino9.
A segunda metade do século XVIII trouxe a influência inglesa com a arquitetura
neoclássica, são varias as edificações de grandes edifícios emblemáticos que registam
esse mesmo estilo arquitectónico10.

Novo; Convento de S. Bento da Vitória; inicio da construção do Colégio de S. Lourenço e da Igreja de S.


Lourenço
5 mais exemplos de edifícios que caracterizaram Porto Barroco; intervenção no edifício da Sé Catedral; a

frontaria da Igreja da Misericórdia; as Igrejas dos Terceiros do Carmo, da Ordem do Terço, de Santo Ildefonso; a
Casa do Despacho da Ordem Terceira de S. Francisco; o palácio de S. João Novo; o palácio do Freixo; a casa
da Rua de D. Hugo nº17, atual Casa-Museu Guerra Junqueiro; a Casa de Ramalde
6“São disso exemplo as Ruas de Cedofeita, de Santa Catarina, Direita (hoje de Santo Ildefonso), do
Reimão (atual Rodrigues de Freitas), dos Quartéis (agora de D. Manuel II), a Calçada da Natividade
(Rua dos Clérigos), a Rua Nova das Hortas (troço inicial da Rua do Almada), o passeio das Virtudes” (GRAÇA e
PIMENTEL.2002:23)
7 “Da concretização deste plano resultaram: novas praças como a Praça de S. Roque entre a Rua do Souto e a

Rua das Flores (...) renovação da Praça da Ribeira...” (GRAÇA e PIMENTEL.2002:23)


8 “...novas preocupações com os espaços públicos, de que são exemplos as alamedas voltadas para o rio

Douro, como as das Virtudes, das Fontaínhas ou de Massarelos” (GRAÇA e PIMENTEL.2002:23).


9 “... criou um novo e importante eixo citadino que partia da Praça da Ribeira, seguia pela Rua de S. João,

Largo de S. Domingos, Ruas das Flores, Rua Nova das Hortas e Rua do Almada até ao Campo de Santo Ovídio
(atual Praça da República)” (GRAÇA e PIMENTEL.2002:23).
10 “... exemplos do Porto neoclássico: o Palácio da Bolsa, a Casa da Feitoria inglesa, o edifício da Cadeia e

Tribunal da Redação, o Hospital Santo António, o Quartel das Partidas Avulsas / Real Casa Pia, os edifícios do
lado poente da Praça da Ribeira e os Arcos abertos no ‘Muro da Ribeira’, o edifício da antiga academia da
Marinha e Comércio, mais tarde Academia Politécnica, hoje Faculdade de Ciências, as Igrejas dos Terceiros de
S. Francisco, da Lapa, da Trindade, de N.ª S.ª da Vitória, o edifício da Alfandega (novo)” (GRAÇA e
PIMENTEL.2002:24).

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Uma época de crescimentos urbano que se estendeu pelos finais do século XVIII e
ao longo do século XIX, deste modo que a velha Muralha Fernandina foi sendo
progressivamente demolida. Apesar dessas alterações urbanas, as imagens da época do
Porto mostram uma cidade virada para o Douro, o rio coberto de navios, a importância e
o crescimento do trafego comercial.
A cidade do Porto no século XIX conheceu fases de grande dinamismo aliando o
crescimento comercial ao crescimento urbano. No entanto, a primeira década deste
século é marcada pela instabilidade política, com as invasões francesas e as lutas
liberais, que provocaram destruições na zona antiga da cidade. Fase menos boa, que foi
superada com grandes feitos na segunda metade do século, esta época traduziu-se no
adensamento da malha urbana e numa enorme expansão. A casa adquire varias
formas, como a pequena casa popular, a casa burguesa, mono ou polifuncional e a
‘casa do brasileiro’11. Novas intervenções proporcionaram novas áreas residenciais, tal
como o surgimento dos mercados12, jardins13, arquitetura de ferro14, instalação de sistema
de iluminação publica a gás e abastecimento de água ao domicilio, foram um resultado
da evolução portuense. Atraindo populações do mundo rural, dá-se o fenómeno do
êxodo rural, com o crescimento demográfico as zonas que circundavam as atividades
industriais assistem agora à introdução de novos elementos na paisagem urbana. A
‘cidade fabril’, assim chamada é caracterizada pelas altas chaminés , tal como os
conjuntos de habitações operarias, ‘ilhas’. Esta época foi também marcada pela
revolução das infraestruturas de circulação, a travessia do rio Douro, pelas pontes 15 novas
que sucederam, as ligações ferroviárias, os transportes urbanos: o ‘Americano’ 16 e o carro
elétrico sobre carris.
Dentro da Muralha Fernandina foram notáveis as mudanças que o século XIX
trouxe. A área da Ribeira – S. Domingos deixou de ser o centro da vida social, política e
de negócios da cidade, que se deslocou para a Praça Nova e suas imediações. As
famílias ricas deslocam a sua habitação para locais mais amplos, na procura de casas
maiores e mais modernas, separando-se dos locais do trabalho, porem este abandono
das casas burguesas no antigo centro conduz a um estado de sobreocupação
habitacional, consequência do êxodo rural, provocando a desintegração social e a
degradação física das habitações e dos espaços públicos. No entanto, a reorganização
do trafego urbano trouxe mais valias à zona antiga da cidade, a abertura das novas

11 “...de grande ostentação e representativa de outros ‘gostos’” (GRAÇA e PIMENTEL.2002:25).


12 Mercado do Anjo (1839) e o Mercado do Bolhão (1837)
13 Jardim de S. Lázaro (1834), Jardim da Cordoaria (1866) e a Praça do Infante (1885)
14 Palácio de Cristal (1865), já desaparecido
15 Ponte das Barcas (1806), Ponte D. Maria II (1843), Ponte Maria Pia (1877) e a Ponte Luís I
16 “...o ‘Americano’, tração animal sobre carris, estreia-se em 1872 ligando a Alfandega a Matosinhos...” (GRAÇA

e PIMENTEL.2002:26).

32
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

ruas17 atraíram as sedes de empresas, seguros e bancos ligados à burguesia mercantil e


financeira, que se fixaram junto dos novos arruamentos de melhor acessibilidade.
“Em suma, o Porto do século XIX industrializou-se, manteve a tradicional e
próspera atividade mercantil, afirmou-se como centro polarizador de toda a região norte
do país, como entreposto atlântico e mostrou-se uma cidade moderna, aberta à vida
social, política e cultural, plena de vitalidade com os seus teatros, tertúlias, cafés, feiras,
livrarias, exposições internacionais, os seus ‘passeios públicos’ e jardins românticos”
(GRAÇA e PIMENTEL.2002:28).
No final do século XIX, já eram conhecidas e delimitadas todas as freguesias do
atual território do Porto, cidade e concelho.
O século XX caracterizou-se pelo acentuado crescimento da cidade, sendo uma
consequência do continuo crescimento industrial e populacional, um crescimento
desmedido e indisciplinar aliado às exigências do transito motorizado. Conscientes dos
problemas urbanísticos são sugeridas variadas propostas de planos. Sendo as mais
conhecidas o Plano Regulador de Almeida Garret (1952), o Plano Director de Robert
Auzelle (1962), e o Plano Director Municipal – PDM (1993). Porem o crescimento anárquico
tornou-se caótico , desleal aos limites dos planos urbanísticos. A perda de população
jovem no centro antigo, e a formação de subúrbios provocando uma mancha urbana
tentacular, são alguns dos múltiplos e complexos problemas urbanos que delegam para
o século XXI, a responsabilidade e esperança numa ajustada reorganização urbana.
Contudo, o inicio do século XX destaca-se pela arquitetura do arquiteto Marques
da Silva18, a concepção da Avenida da Boavista, em 1915 (aproximando o Porto de
Leixões), abertura da Avenida dos Aliados, em 1916 e a fixação da banca e das
empresas seguradoras, outrora no centro S. Domingos.
Já em meados do século XX, com o pós-guerra o urbanismo sofre mutações que
se opunham ao conceito tradicional da cidade, uma influencia das normas redigidas na
‘Carta de Atenas’, estas entendiam que a cidade deveria estar dividida por espaços
exclusivos, habitar, trabalhar, lazer, circular, e a habitação deveria ser em bloco de
andares isolado, contrariamente ao conceito tradicional que misturavam todas as
funções, e a praça representava o elemento básico organizador.
Os restantes anos conheceram novas infraestruturas, VCI (via de cintura interna), a
via rápida de ligação a Leixões, e as pontes de S. João, do Freixo e da Arrábida, tal como
novos grandes equipamentos, o aeroporto de Pedras Rubras e a zona industrial de
Ramalde. Foi uma época que se verificou a disseminação de bairros sociais pela
periferia, como foi exemplo, o bairro da Pasteleira, de Ramalde e de Fernão de
Magalhães.

Rua Nova da Alfandega, Rua de Ferreira Borges, Rua de Mouzinho da Silveira


17

“São exemplos a Estação de S. Bento, o Quarteirão das Carmelitas, o Teatro de S. João e várias fachadas de
18

edifícios da Avenida dos Aliados” (GRAÇA e PIMENTEL.2002:30).

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

O perfil da cidade tradicional com torres sinuosas e construções em granito, dá


lugar a blocos de cimento armado, quase sempre prédios em altura com escala
desajustada.
A cidade do Porto desenvolveu-se assim sobre as colinas que dominam o estuário
do rio Douro, formando uma paisagem urbana construída numa história já milenar, que
valeu a classificação de Património Mundial em 1996, na cidade do Mérida, México.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

3.1.2 C.R.U.A.R.B

“A verdadeira importância e singularidade da ação da C.R.U.A.R.B. (...) assenta


no pressuposto de que a recuperação patrimonial é, apenas uma das vertentes de um
projeto mais vasto de desenvolvimento social urbano, centrado na população local e
concretizado com a sua participação efetiva” (AA VV.2001:16).
Após o 25 de Abril de 1974, o povo em época revolucionaria reivindicava o direito
de uma habitação capaz de conforto e de higiene ambiental. Vitima da degradação
urbana, social, económica e moral, a população assiste à criação do C.R.U.A.R.B., por
parte do I Governo Provisório.
A operação de reabilitação do Centro Histórico do Porto previa a fixação da
população no centro antigo e a promoção da mobilidade social nesta zona, que desde
a Revolução Industrial tinha como realidade habitações subdivididas com paredes
precárias até as tornarem autenticas colmeias humanas, de facto a droga, a prostituição
e a pobreza caracterizavam a zona, transformando o centro histórico numa área
indesejável e insegura a qualquer pessoa, rotulando esta época como a pior fase do
centro histórico, desde então tem sido uma luta constante para contornar as vicissitudes
da época.
Durante os anos que se seguiram, o C.R.U.A.R.B. conseguiu melhorar as condições
habitacionais; criar incentivos às atividades económicas com a criação de espaços de
lazer e convívio, iniciativas culturais que instigaram a mobilidade social ao local.
O processo de reabilitação do C.H.P., é das mais coerentes no âmbito urbanístico
e patrimonial, sendo que o coração identitário da cidade carece de uma especial
atenção.
A operação de reabilitação tem sido realizada através de politicas de
reenquadramento social, que implica a ação sobre o edificado e todo o conjunto de
medidas urbanísticas complementares e a fixação das famílias no seu bairro de origem ,
são estas famílias que garantem a identidade do local e não permitem que estas zonas
se transfigurem em cenários artificiais, para uso exclusivo do turismo. Para a C.R.U.A.R.B., a
preservação do património construído não consistia apenas em operações de
manutenção ou restauro, mas sim na reabilitação do meio, das pessoas, e de tudo o que
caracteriza a identidade global de um património.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

“Não há maior falsidade do que a criação de condições de uso que nada dizem
aos habitantes de um lugar. Um património vivo terá que pertencer-lhes, antes de aos
demais que dele usufruam por reflexo” (AA VV.2001:22).
Porém, certas dificuldades operacionais relacionadas com questões
administrativas e logísticas surgiram, certos habitantes que residiam no local não são os
proprietários dos fogos, sendo que a valorização patrimonial estaria a se dirigir aos
usufrutuários em vez de se remeter aos proprietários, um problema que dificultou a
identificação dos moradores com o seu lugar. Contudo, esta influência dos agora
moradores trouxe ao centro histórico do Porto um novo valor, adquirido pelos novos
elementos essenciais (valor arquitectónico dos edifícios e dos espaços urbanos), que se
foram enraizando progressivamente, proporcionando uma melhor condição de vida aos
usuários. Por outro lado, a população original, que é de uma forma geral a maior parte
têm acompanhado um progresso satisfatório em resposta às necessidades de
equipamentos e funções urbanas.
Seguindo os princípios da ‘Carta de Veneza’ 19 , a cidade do Porto conserva
marcas muito fortes, tal como a idiossincrasia portuense, dita ‘tripeira’, que caracterizam
a identidade da cidade. Apesar da idiossincrasia apresentar diferenças consoante as
diversas zonas, o habitante do centro histórico tanto é honesto ao coração da cidade,
como se integra facilmente na restante cidade, um ato que permitiu aos outros
habitantes

Com o C.R.U.A.R.B. surgiu uma nova fase no centro histórico, que desencadeou
um processo de medidas. O primeiro processo de realojamento foi da Ribeira-Barredo
para o Bairro Municipal do Aleixo (acabado de construir), as recentes habitações
motivaram a transferência pacifica, porem a vontade de voltar surgiu quando
começaram a aparecer as primeiras casas renovadas. Em 1980 já era visível a renovação
urbana nos vários quarteirões, que então ficaram vazios e em estado critico. Os edifícios
forma reutilizados como habitação social dotados de conforto e segurança, prazerosos
de tal situação os habitantes organizaram uma comissão de moradores ativa que teve
por objectivo confirmar os agregados familiares e propor as habitações em prioridade de
reparação.
“Depois das casas renovadas estarem ocupadas pelos novos inquilinos o papel do
C.R.U.A.R.B. foi muito importante na sua manutenção e conservação. O morador sempre
que tinha um problema na casa, recorria ao C.R.U.A.R.B. pedia a sua reparação.” 20

19 “o CRUARB entendia o Centro Histórico com um valor patrimonial global que incluía, para além de valores
históricos, arquitectónicos e estético, também uma realidade social e cultural.” Informação retirada em
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Comissariado_para_a_Renovação_Urbana_da_Área_de_Ribeira/Barredo)
20 GUIMARÃES, Marina, 2003, Processo de Reabilitação Urbana no Centro Histórico, Intervenções Técnicas, Porto:

Câmara Municipal do Porto-DMCCH, pág 3

36
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Mas não sendo a questão habitacional o único problema, o centro histórico ainda
assistia à problemática dos espaços públicos que continuavam a refletir a
marginalização surgida no séc. XX. É então na década de 80, que surge a primeira
intervenção desse âmbito, a Recuperação da Praça da Ribeira e o edificado
envolvente, trazendo um destaque mediático à zona, para muitos sendo reconhecida
pela 1º Obra do C.R.U.A.R.B.. Concretizaram-se seguidamente outras operações de
reabilitação física do espaço, como o Largo do Colégio, a praceta originada na área
problemática da Viela do Anjo e a busca das esplanadas e restaurantes, criando uma
interação do habitante com a cidade. Com tal sucesso a sua área de reabilitação foi
alargada às outras freguesias do centro histórico, Sé, Miragaia e Vitória, que devido à sua
situação precária, foi necessário intervenção urgente. Nesta fase a extensão da área era
de 90ha e cerca de 20 000 habitantes em 3200 prédios, com uma área tão vasta houve a
necessidade de criar um plano de prioridades com intenção de recuperação e
reconversão urbanística, o apoio consultivo dos arquitetos Fernando Távora, Alcino
Soutinho, João Campos, foi deveras importante. Apesar de ter sido o ‘Mestre’ Viana de
Lima quem acompanhou todo este processo, desde 1977 até 1991, além de deixar as
suas influencias21 espalhadas pelo centro histórico, ainda lançou a ideia da candidatura
do C.H.P. a Património Cultural da Humanidade junto da UNESCO.
Com a criação da Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica em 1992,
houve uma clara importância para a reabilitação urbanística, mas também social, este
ano, teve também como impulso uma contribuição financeira de Feder para o Projeto
Piloto Urbano22 situado na zona da Sé.
Este trabalho continuo resultou, a 5 de Dezembro de 1996, o reconhecimento do
Centro Histórico do Porto como Património Mundial pela UNESCO, gerando mais
responsabilidades à C.R.U.A.R.B.. Este marco foi deveras importante, pois alguns
proprietários particulares surgiram logo com intenções de reabilitar o seu património,
aderindo a programas comparticipados pelo estado, mas financiados por os mesmos.
“Quando, em Dezembro de 1996, a UNESCO classificou o Centro Histórico do
Porto, toda a cidade sentiu (...). O processo de celebração e a incorporação desse facto
na maneira de ser dos habitantes confirmou e reconduziu a importância do factor
humano na criação, e na salvaguarda, dos valores em torno dos quais uma comunidade
se estrutura para prosseguir o seu caminho de cidadania” (AA VV.2001:30).

21 “...casas com luz, arejamento, circulação entre edifícios, criação de espaços abertos, pátios, saguões, a não
reconstrução de edifícios e em casos pontuais a demolição de construções de diminuto valor”
(GUIMARÃES.2003:4/5).
22 “...uma profunda intervenção nas infraestruturas, pavimentos de ruas, espaços públicos, restauro de

monumentos, beneficiação de estabelecimentos comerciais, criação de espaços com interesse para o turismo
e a reconstrução da Casa da Câmara, obra de arquitetura emblemática, mas emblemática para a Cidade”
(GUIMARÃES.2003:5).

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Jovens casais, surgem à procura de habitação, novos espaços de lazer como o


Largo do cubo rodeado de bares e restaurantes enchem de estudantes e estrangeiros,
fazendo do centro histórico um local em fase de reabilitação, estamos no ano de 2003.
Apesar de nos depararmos com o resultado positivo dos sucessivos trabalhos
realizados pela CRUARB, este, conhece a certa altura uma fase menos boa com a subida
de Rui Rio à presidência da Câmara Municipal do Porto, que questiona sobre o retorno
do capital investido no Centro Histórico da cidade.
A CRUARB definiu que o nível de reabilitação deveria ser de profundidade
máxima, ignorando o facto que na maior parte das habitações os proprietários não
estavam interessados em tais encargos, tal como os que nelas residiam, inquilinos
camarários, de classe baixa ou media baixa, que não possuíam meios de financiar obras
nem à posteriori de arcar com rendas reajustadas às novas condições habitacionais. A
solução encontrada consistia na expropriação e compra das habitações, podendo nelas
efetuar obras de sonho, porem as rendas deveriam permanecer quase ‘sociais’,
subcarregando o comissariado, CRUARB, que se tornou também responsável pelo ónus
de conservação, tornando o ocupante isento de qualquer manutenção à habitação.
A questão pertinente de Rui Rio levou à extinção da CRUARB, percebeu-se que a
política de aquisição sistemática de edifícios não interessava.
A recuperação física do Centro Histórico passou a ser preocupação de uma nova
entidade, Porto Vivo - Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa do Porto, que se
baseia num modelo de incentivo ao investimento privado, contrariamente ao que
antecedeu, um investimento exclusivamente público. A nova entidade realizou vários
estudos sobre o edificado, a população e o tecido económico da Baixa Portuense,
compreendendo assim os cinco princípios a definir: rehabitação da Baixa do Porto;
desenvolvimento e promoção do negocio na Baixa do Porto; revitalização do comércio;
dinamização do turismo cultural e lazer; qualificação do domínio publico; ações
estratégicas.
Porem, devido á vasta área com cerca de 1000 hectares que integrava a ACRRU,
Área Critica de Recuperação e Reconversão Urbanística, dificultou a intervenção,
obrigando a delimitar uma área menor, ZIP, Zona de Intervenção Prioritária, onde se
localiza a preocupação presente. A ZIP, com cerca de 500 hectares, engloba o CHP,
(Património Mundial), a Baixa tradicional e áreas substanciais das freguesias do Bomfim,
Santo Ildefonso, Massarelos e Cedofeita.
A Porto Vivo tem se mantido até ao presente como a principal entidade
responsável pelas ultimas obras do Centro Histórico, contudo, existem opiniões que
defendem um diferente ponto de vista, acreditam que esta nova entidade tenha
cometido certos erros repetidos pela CRUARB, como o gasto excessivo definido para

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

cada edifício, quando o mesmo valor poderia ser utilizado não em um, mas em seis
edifícios, podendo devolver a salubridade e a dignidade a uma frente urbana.
“Esses 700mil poderiam ter sido investidos em 6 edifícios (...) mas a opulência e a
vaidade dão nestes planos estúpidos, que em vez de motivadores funcionam como
retardadores de qualquer intervenção. Transmitem a ideia de que reabilitar é caro, difícil,
e não esta ao alcance de cada um” (SANTOS.2013).

Contudo, e porque nem sempre é fácil encontrarmos um bom senso, o Porto Vivo,
que se encontra com um futuro incerto, teve um papel importante na promoção e
dinamização no mercado imobiliário do CHP, apoiando-se em estudos científicos
realizados pelo mesmo, que permitem uma melhor avaliação a quem procura intervir no
Coração do Porto, como tal as analises que surgirão ao longo do caso de estudo, terão
sido em grande parte apoiadas no seu plano de gestão, Masterplan.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

3.2 Projetos de Referência

A arquitetura é um ato de responsabilidade, além de traduzir cultura e beleza,


resolve problemas de forma a melhorar o quotidiano do homem. O sucesso na
arquitetura parte não só, do entendimento das necessidades, características e o tipo de
população do local, mas também dos insucessos e sucessos arquiteturais já existentes.
Como tal, a busca de referencias tornou-se uma atitude cíclica, fazendo parte
integrante do processo de estudo dos projetos de arquitetura.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 2, Localização dos Projetos de Referência

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

3.2.1 Fórum Centro Cultural e Polivalente, Ermesinde

Figura 3, Centro Cultural e Polivalente de Ermesinde, alçado da entrada principal

A reabilitação da Fábrica de Cerâmica de Ermesinde, conhecida popularmente


como a “Fábrica da Telha”, é um exemplo de sucesso em que o Arquiteto Célio Melo da
Costa conseguiu transformar os débeis vestígios da extinta atividade industrial de uma
antiga fábrica de cerâmica num ativo centro cultural, com uma identidade
arquitectónica atual.
Os danos provocados pelo tempo, e o fecho da atividade industrial explicam a
existência de apenas alguns fragmentos residuais do velho edifício de 1910, que apesar
de escassos, reafirmam a vontade de não desaparecer por completo, e de servir como
testemunho da vida que existiu entre as suas paredes. Da antiga fabrica, restam as
exíguas ruinas e as suas duas chaminés conservadas, que foram suficientes para a
inspiração arquitectónica de Célio Melo da Costa, concebendo um Fórum Centro
Cultural e Polivalente de Ermesinde que renasce das antigas cinzas da fabrica de
cerâmica para lhe render homenagem.
A reabilitação da velha fabrica de cerâmica tinha por objetivo, “...criar , a partir
das ruinas, um conjunto arquitectónico com a “força” estética e estrutural necessária
para organizar todo o espaço; a intervenção arquitectónica devia reger-se pelo critério
de contemporaneidade, pela recusa de qualquer possível propósito de mimetismo, da

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

vontade de construir no que já esta construído , mas também pela integração formal de
todos os elementos que se deveriam manter como testemunho fabril perdida” (VELOSO,
Maria Alonso.2004:163).
Do ponto de vista estrutural, destaca-se a utilização do aço em pilares e vigas, no
pavimento e na cobertura. No espaço envolvente e nos panos as fachadas, optou-se de
uma forma generalizada pelo vidro, às vezes protegido no exterior com lâminas
horizontais de aço, montando em perfis metálicos. Nos panos opacos do corpo do
auditório, existem painéis autoportantes revestidos com folha de madeira visível,
enquanto que a superfície inferior da base do edifício se encontra revestida com chapa
ondulada de aço.

Figura 4, A relação de coerência entre os materiais

No Projeto do Arq. Melo da Costa, é de privilegiar o respeito pelo existente e a


solução positiva da junção do passado com o presente, paralelamente á escolha dos
materiais utilizados.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

3.2.2 Residência Ilegal, Colónia

Figura 5, Residência Ilegal, alçado principal, em duas perspectivas

Desde o inicio dos anos sessenta, na Colónia, Alemanha, jovens famílias saíram de
áreas urbanas, para os subúrbios e afins, concluindo um sonho da classe media prospera.
Este êxodo, esvaziou os centros urbanos, sendo um pesadelo para alguns bairros que
ficaram mesmo vazios. A opção foi implementar regulamentos suburbanos no centro
urbano, trazendo o subúrbio para a cidade, alargando as ruas e retirando as casas
familiares, dando lugar a um conjunto de tecido suburbano, desta forma ninguém
precisaria mais de abandonar o mesmo.
Manuel Herz, arquitetou um projeto no bairro de Bayenthal, um lote com 25m de
largura e 5.5m de profundidade, tendo de cumprir todas as normas, regras, regulamentos
de incendio e leis de construção do plano de desenvolvimento municipal. O primeiro
volume um edifício em vidro, corresponde em todas as exigências, já o segundo volume
cobrindo todo o lote é obviamente não permitido de acordo com o plano de
desenvolvimento. Curiosamente a solução não transparece as dificuldades que houve
na aprovação do projeto, sendo que brechas da lei proporcionaram a conclusão da
construção. Na verdade o nome Ilegal, foi escolhido, devido as irregularidades
cometidas.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 6, Residência Ilegal, alçado posterior e alçado principal respetivamente

Um edifício ortogonal, que manteve parte do seu alçado recuando do mesmo


um metro, por exigência de limite de construção municipal. O edifício surge de forma
desafiadora, numa cor chamativa, vermelho, ocupando todo o lote.
Manuel Herz, conclui o objetivo de responder ás necessidades da população,
com um edifício moderno e jovem no centro urbano, e enquadra-o na silhueta urbana,
com uma peça de puzzle, a Residência Ilegal, prova o excelente resultado urbano na
conjugação de estilos arquitectónicos, comprovando que a junção de épocas pode ser
visualizada de forma prazerosa até nos centros mais tradicionais.

Figura 7, Cortes do Projeto Ilegal

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

3.2.3 Apartamentos do Tribunal Barroco, Eslovénia

Figura 8, A transformação dos Apartamentos do Tribunal Barroco, percepção de dia e de noite

O projeto, da OFIS arhitekti, envolve a renovação de três casas de estilo barroco,


entre elas um tribunal antigo, situado no centro da cidade velha de Ljubljana na
Eslovénia.
Devido á aparência existente, uma malha complicada e toda ela sobreposta,
surgiu a necessidade de abrir, proporcionando luminosidade, arejamento ao edifício e
um espaço verde, que conectava as casas. O piso térreo é utilizado como livraria e os
espaços acima do primeiro andar usados para escritórios. Toda esta revitalização foi sob
supervisão da proteção de Património do Estado.
O conceito restabelece o tribunal existente como um novo espaço central de
comunicação entre os níveis de apartamentos, implementados ao redor da quadra
interior. Ao mesmo tempo que fornece luz para os espaços de apartamentos com vista
para o tribunal. O resultado é um elemento totalmente envidraçado flexível, abrangendo
elementos históricos sobre as elevações do pátio. Os elementos históricos são contornos
de arcos de pedra, pilares e lajes que foram descobertos durante a construção. O
projeto da OFIS arhitekti, é também um projeto sustentável.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 9, Foto aérea dos Apartamentos do Tribunal Barroco, e aproximação do mesmo

A revitalização dada ao interior do quarteirão, proporcionou um ambiente de


excelência, podendo na agitação do Centro Histórico usufruir de um espaço verde,
agradável e tranquilo.
A afinidade dos materiais, pedra, aço, metal e vidro torna-se evidente,
proporcionando-nos a transparência dos vidros a ligação dos mesmos.

Figura 10, Relação dos materiais, históricos e modernos

A luz, o elemento ‘vidro’, o ambiente, os espaços verdes no Centro Histórico,


resultou numa solução harmoniosa de revitalização.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

3.3 Localização

Figura 11, Planta de Localização com a zona de estudo em destaque

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 12, Esquema do Centro Histórico com os principais pontos de referência

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 13, Breves apontamentos sobre os pontos de referencia

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 14, Planta Plano de Projeto, (indicada área de intervenção a vermelho no Largo da Pena Ventosa)

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

3.4 Levantamento Fotográfico

O levantamento Fotográfico foi realizado pelo autor que privilegiou o percurso a


pé, a observação da paisagem urbana do ponto de vista do utente do centro histórico
do Porto. O itinerário foi desenvolvido a partir da envolvente do Largo da Pena Ventosa,
local de intervenção do projeto de estudo, principia na Rua de Santana, Travessa de
Santana, Largo da Pena Ventosa, Travessa da Pena Ventosa e termina na Rua da Pena
Ventosa.

Figura 15, Planta ilustrada do local de intervenção, com a direção da objectiva da maquina fotográfica

A planta ilustrada ajudara a perceber onde as fotos foram tiradas, qual a


perspectiva do autor, os números referentes ao local irão aparecer no decorrer do texto.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

A Rua de Santana (01) começa no Largo do Colégio e termina perpendicular à


Rua da Bainharia, uma antiga artéria do velho burgo conhecida na época por Rua das
Alda bem mais extensa que a de hoje nela se abriu a Porta de Santana23, que criou
passagem à zona ribeirinha mercantil. Atualmente a rua já não é tão acidentada como
na época, que necessitava do auxilio de escadaria para a vencer, agora possui novas
infraestruturas incluindo a introdução de novos sistemas de limpeza para melhoria da
salubridade, tal como os edifícios que circundam já foram alvo de recuperações e
requalificações, contudo os edifícios referentes aos números 16, 18, 20, 22, 24, 26, 28, 30
encontram-se em estado devoluto, sendo parte integrante do projeto de estudo.

Figura 16, Rua de Santana _01

Figura 17, Casa em Taipa e Lar da Terceira Idade/Infantário, respetivamente _01

O edifício numero 38 e 40 (01), atualmente Infantário e Lar de Idosos, outrora foi

uma residência fidalga do século XVII OU XVIII, sendo a primeira casa logo a seguir à

O nome do arco deve-se ao facto que na construção da Porta o local tinha uma imagem da santa, “...com
23

uma janela de vidraça, onde estava uma imagem representando Sant’Ana, a Virgem e o Menino.”, ainda hoje
podemos contemplar a mesma imagem protegida por uma vidraça, (GRAÇA e PIMENTEL.2002:73).

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Porta de Sant’Ana, tal prestigio não poderia ser ignorado pelo arquiteto António Moura,
que manteve o alçado com os verdes naturais de qualquer varanda típica do centro
histórico e transforma todo o miolo do quarteirão, dando origem a dezasseis
apartamentos para a população local e um infantário (como podemos ver na figura 18),
serviços indispensáveis na zona. No interior do quarteirão pode ser encontrado vestígios
da muralha histórica.

Figura 18, Miolo do quarteirão, após intervenção do arquiteto António Moura

Figura 19, Interior do quarteirão, vestígios da Muralha Histórica, e alçado posterior dos edifícios que integram o
projeto de estudo e fazem frente com o Largo da Pena Ventosa.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

A Travessa de Santana (02) é uma ruela típica medieval estreita com patamares e
degraus, ladeada por altas fachadas que não permitem a entrada dos raios solares (ver
figura 20). A Travessa dita o acesso entre a Rua de Santana e o Largo da Pena Ventosa.
Os edifícios que envolvem a Travessa a Sul encontram-se totalmente recuperados
contrariamente ao que se encontra a Norte, em estado devoluto que integra portanto o
projeto de estudo, edifício referente aos números 1, 16 e 18.

Figura 20, Travessa de Santana _02

O Largo da Pena Ventosa (04, 05, 06) na Idade Média conhecia uma designação
diferente, Largo do Forno, ali se situava o ‘forno da Pena Ventosa’ onde faziam a
cozedura do pão, estes fornos eram construídos no meio dos largos para evitar o risco de
incendio.

Figura 21, Largo da Pena Ventosa (04, 05, 06), duas perspectivas opostas.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Ao Largo da Pena Ventosa confluem a Travessa da Pena Ventosa e de Santana e


ainda a Rua da Pena Ventosa. O edificado que a envolve apresenta interessantes
frontarias, a Sul visíveis devido às recentes intervenções, a norte e a este escondidas pelo
estado de degradação que se encontram, o objetivo do projeto de estudo é mostrar
novamente o carisma deste lugar e contrariar o que subsiste de momento, casas
degradas e desocupadas. Os edifícios do Largo da Pena Ventosa que incorporam o
projeto de estudo são referentes aos números 1, 3, 5, 7, 9, 11, 17, 19, 21, 23, 25 e 27,
contudo a preocupação engloba todo o largo, desde o pavimento à escassez de
espaços verdes.

Figura 22, Edifícios referentes aos números 1, 3, 5, 7, 9, 11 respetivamente _04 (edifícios que integram o projeto
de estudo)

A frente orientada a Este (figura 22) além do alçado, ainda permanece alguma
estrutura de pé encontrando-se em estado devoluto, pouca foi a informação
conseguida sobre o ano de construção deste edificado, porem consegue-se perceber
que os dois edifícios siameses incorporam uma zona superior que será mais recente que o
resto do edifício, uma consequência da decadência dos finais do século XX que
transformou as habitações em autenticas colmeias humanas.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

O edificado a Norte (figura 23), apenas mantem o casco com a ajuda de uma
estrutura de perfis metálicos colocada recentemente, em estado de ruina a informação
conseguida mostra uma habitação de famílias ricas, a época é totalmente
desconhecida.

Figura 23, Edifícios referentes aos números 17, 19, 21, 23, 25, 27 , respetivamente _05 (edifícios que integram o
projeto de estudo)

Caracterizada pelo seu traçado medieval, acentuado declive que corta


perpendicular as curvas de nível, a Rua da Pena Ventosa (03) remota ao século XV, onde
era conhecida pela Rua de Palhais.
A rua principia no Largo da Pena Ventosa e termina na Rua de S. Sebastião. As
casas a Norte da rua foram construídas junto à Muralha Românica, no século XIX a maior
parte das habitações encontravam-se em estado de estrema degradação, sendo que
muitas chegaram à situação de ruina como é evidente nos edifícios referentes aos
números 17, 19, 21, 23, 25 e 27, que incluem no projeto de estudo.
Recentemente certos edifícios já foram alvo de requalificações, exibindo através
das suas fachadas o trabalho nelas realizado, como a variedade dos tons e caixilharias
trazendo à antiga rua ensombrada uma certa vida e alegria.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 24, Rua da Pena Ventosa (ambos os sentidos) _03 e a Travessa da Pena Ventosa, respetivamente

A Travessa da Pena Ventosa liga a escadaria do Largo do Colégio e a Rua da


Pena Ventosa, ali com o Largo da Pena Ventosa a dois degraus abaixo da cota, ladeada
pelas gigantes traseiras das casas da Rua das Aldas e pela lateral do edificado
recuperado que envolve também o Largo da Pena Ventosa.
A Travessa da Pena Ventosa de pavimento granítico e lajeado central, direciona-
nos para uma das belas vistas panorâmicas da cidade, no cimo da escadaria do Largo
do Colégio, que justifica o potencial do centro histórico do Porto.

Figura 25, Travessa da Pena Ventosa, lado Sul e Este do largo da Pena Ventosa _06

Na figura 25, é perceptível o contraste urbano que acontece no Largo da Pena


Ventosa entre o antigo/novo e o antigo/velho.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Existe um quarteirão que envolve o largo da Pena Ventosa, mas a uma cota
superior, apesar de não comunicar a nível do piso térreo influencia a estratégia do
mesmo. Este quarteirão, que pertence à Rua das Aldas encontra-se em mau estado de
conservação não impedindo a elevada ocupação de habitantes.

Figura 26, Quarteirão das Aldas

Figura 27, Fotos aéreas do Largo da Pena Ventosa

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

3.5 Analise e Diagnostico do Local


3.5.1 Analise do Local e Estratégia de Intervenção, (plano de estratégia e
plano de pormenor)

O Morro da Sé, é dotado de um carisma muito próprio, e de uma beleza singular,


mas devido aos entraves do tempo e da sociedade, acabaram por ficar submersos. A
reabilitação é a tentativa de imergir novamente, e as ações tem de ser imediatas e
racionais. O Morro da Sé padece de mobilidade reduzida, falta de espaços verdes,
escassez de habitação em qualidade e quantidade e insuficientes zonas de comercio e
serviços ativos que consequentemente atraem um tipo de população não adequado ao
local.

Figura 28, Planta de Analise, Estado de Conservação (as cores da planta representam o estado de
conservação da habitação, o verde (bom estado), amarelo (médio), laranja (mau), vermelho (ruina)) Figura

29, Planta Estratégia, Zonas criticas

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

A planta do estado de conservação é uma planta de analise que conseguimos


compreender o tipo de preservação do edificado existente e concludentemente
caracterizar as zonas mais débeis do local, que aparecem assinaladas na planta
estratégica, zonas criticas.

Figura 30, Planta Estratégia, Intenções Especificas, para cada zona critica analisada. Figura 31, Planta
Estratégia, Percursos Predominantes

A estratégia de intervenção do local, é um manifesto da vivência que


pretendemos dar ao Morro da Sé. Esta vivência pretende ser diurna e nocturna,
permitindo a existência de três tipos de população que usufrua do mesmo espaço,
turistas, residentes, e proprietários de negócio no local. Na atualidade apenas o turismo é
a população mais frequente, a estratégia passa pelo combate a esse mesmo
monotunismo populacional. A implementação de mais serviços e zonas residentes é
imperativo, a proposta aparece esquematizada na planta estratégia, intenções
especificas, para cada zona critica analisada. As iniciativas lúdicas, implementação de
residências universitárias, polos universitários, hotéis, zonas comerciais, restauração em
locais entregues à degradação vai servir de pretexto para o retorno da vida no morro tal
como incutir o brio pelo local aos habitantes já residentes que acabaram por ser
também um reflexo da degradação do tempo. Para esta intenção ter sucesso, também
é importante não descurar as entradas para o Morro da Sé que são na maioria, ruelas
estreitas, escuras e envolvidas com edificado em estado devoluto, a abertura para a

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

entrada de luz nestes locais é um principio ao convite da visita do morro, como se pode
visualizar na planta estratégica de percursos predominantes.

Figura 32, Planta de Analise, Comercio/Serviços existentes Figura 33 Planta Estratégia, Zonas Comerciais
propostas

Figura 34, Planta de Analise, Estado de Conservação, (planta orientada a Sul) Figura 35, Planta Pormenor,
Intenções

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

O estratagema do Plano de Pormenor, uma vez mais aproximado, permite


entender mais alguns problemas, as vivencias e as necessidades ali próximas, uma zona
com varias carência comerciais. Apesar de alguns edifícios possuírem um estado de
conservação decadente, o estado de ocupação é elevado, sendo um facto
preocupante, a intenção passa por tentar solucionar de uma forma concreta esse
problemas, não descurando a falta de habitações e espaços verdes, que já foi referido
anteriormente.

Figura 36, Esquisso do largo, com apontamentos das intenções respetivas Figura 37, Esquisso com pormenores

Os esquissos auxiliam numa melhor percepção das intenções conceptuais para o


local de intervenção. As intenções, pretendem considerar um largo da Pena Ventosa,
Património da Humanidade capaz de atrair uma população mais jovem, e dar
continuidade a uma história milenar.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

3.5.2 Levantamento do Edificado

Tal como, a preocupação do levantamento do existente, o mesmo cuidado


acontece com o levantamento do edificado apesar do âmbito mais pormenorizado,
possui o mesmo objetivo, o reconhecimento das habitações do programa e do seu
funcionamento.
O levantamento foi feito do edificado relacionado com o local de intervenção,
que se localiza no Largo da Pena Ventosa, abrangendo a Rua da Pena Ventosa e a Rua
de Santana. Este processo pode ser visualizado em esquema, nas páginas seguintes.

Figura 38, Esquisso do local de intervenção

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 39, Levantamento do anteprojeto

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 40, Levantamento dimensional do projeto

Figura 41, Levantamento de conservação do projeto

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

3.5.3 Mapa de Patologias

Figura 42, Mapa de vãos, referente ao levantamento do projeto

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

3.6 Proposta de Intervenção

A preservação de um centro histórico pode constituir num recurso de


desenvolvimento económico e social. Pois são das arquiteturas mais aptas para o
encontro humano, repletas de ruas que desembocam em praças ou largos envolvidos
por fachadas que manifestam a vida que nelas existe.

O projeto a desenvolver, localiza-se no Centro Histórico do Porto, mais


especificamente no largo da Pena Ventosa, outrora conhecido por Largo do Forno, nele
confluem um conjunto de ruas e ruelas, Travessa de Santana, Travessa da Pena Ventosa e
a Rua da Pena Ventosa, que caracterizam a sua imagem medieval. O Largo emerge
como uma pausa naquela barulhenta confusão de percursos, onde o sol apesar de
escasso ainda consegue penetrar.
O Largo da Pena Ventosa, é um exemplo do potencial que existe nesta zona, e
que lamentavelmente se encontra envolvido por um parque edificado devoluto
assistindo à degradação progressiva, tornando-se imprescindível o desenvolvimento de
uma cultura urbanística que compreende uma gestão moderna da qualidade do
espaço. Resultante de todas as carências que o Centro Histórico presencia, a
necessidade é de revitalizar e reabitar a zona.

O anteprojeto envolve abordagens distintas com o espaço que insere, dois


programas distintos que resolvem duas questões diferentes. A Rua de Santana admite
uma necessidade de interatividade comercial, como tal comporta o Atelier de Moda e o
Restaurante|Bar. O Largo da Pena Ventosa possui uma essência mais habitacional,
apesar do presente nos mostrar um edificado em estado devoluto e ruina, a essência
característica mantém-se.
Ao longo da dissertação, foi evidente a preocupação com a história do local
manifestada no edificado presente, tal como, as necessidades atuais do utente.
Portanto, a nível conceptual, será apenas um reflexo desenhado desses dois interesses
tão divergentes.
Em todo o projeto o alçado do edificado foi reutilizado ou mantido, devolvendo
ao lugar o encanto encoberto. A nível interior, as paredes estruturais foram sempre
conservadas, ou em caso de exceção marcadas em pavimento com o material de
origem (pedra). As divisórias de alvenaria mais leve, foram ignoradas, em alguns casos

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

pela pouca informação existente, e noutras por se manifestarem em divisões sem uso
para as necessidades atuais do utente, refletindo a época em que as habitações do
local se traduziam em autenticas colmeias humanas (êxodo rural, séc. XIX). A caixa de
escadas é um elemento muito forte nestas habitações e em muitos casos mantida como
elementos de busca de luz, saguões.

A nível individual,
O estudo realizou-se caso a caso, percebendo as características e as
necessidade dos diversos edifícios.
A Rua de Santana, uma rua importante do séc. XII, onde se localizava uma das
quatro portas da muralha velha/românica, ainda hoje é frequentada por ser uma
entrada para o Morro da Sé, sendo uma rua de passagem suscita o interesse à fixação
de comercio. Ditando a localização dos serviços do projeto.
Os cinco edifícios com frente para a Rua de Santana foram divididos em dois
programas distintos.
O Atelier de Moda, identificado nos desenhos pela letra A, engloba três edifícios
que apesar de emparelhados cada um deles responde a diferentes serviços, 1)matéria
prima|confeção, 2)recepção|gestão e 3)produto final| venda.
A nível conceptual, é aproveitado vários vestígios deixados, desde caixas de
escadas aproveitadas para saguões(na procura da luz para o interior), alvenarias leves
reutilizáveis para os wc´s, paredes estruturais para a mesma função, e em certos casos de
demolição mantiveram-se em pavimento diferenciado, que tornou-se num elemento
importante na diferenciação das atividades no atelier. A parede estrutural em pedra no
edifício produto final|venda também foi utilizado como “armário expositor”, varias
aberturas na parede de forma a criar uma transparência, onde a roupa conseguia ser
vista por ambos os lados, como pode ser visto no corte do Largo da Pena Ventosa 2.

O Restaurante|Bar voltado também para a Rua de Santana, esta identificado nos


desenhos pela letra B e engloba dois edifícios emparelhados até uma x cota, pois devido
à falta de expressão do mesmo, ele foi como desmontado para proporcionar uma maior
luminosidade ao Largo da Pena Ventosa, (“...eliminado os elementos negativos ou
fazendo-os passar a um novo nível de existência...” (INFANTE.1992:60). Na sua
configuração é visível a intenção de manter certos vestígios do alçado para reforçar
mais uma vez o estudo inicial do respeito pelo existente, e também porque envolve a
Travessa de Santana, uma ruela medieval caracterizada pelo seu traçado singular.
Contudo, a necessidade do local obriga a transformações exigentes, espaços de lazer e
espaços verdes são invocados pela população. Originando nesta configuração
claramente exterior quando vista em planta de cobertura e até a quem nela acede pelo

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Largo da Pena Ventosa, disfarçando os pisos cobertos que possui no lado da Rua de
Santana. No Restaurante|Bar também foram aproveitadas as caixas de escadas como
saguões, neste caso foram prolongadas para o espaço exterior para destacar o pré
existente.
O Largo da Pena Ventosa reflete um espaço de harmonia, de convívio entre
vizinhos, de brincadeira entre os mais novos, um lugar recatado onde um casal jovem
começaria a sua vida em conjunto, características de uma zona habitacional.

Habitação TRIPLEX “geminadas” no Largo da Pena Ventosa, identificado nos


desenhos pela letra C, engloba dois edifícios mas totalmente independentes a nível
interior . Interessante perceber neste projeto que varias características são mantidas,
desde o facto, que são dois edifícios totalmente iguais por fora e por dentro, mas no
entanto independentes entre si. A nível conceptual, apenas a caixa de escadas foi
mantida, contrariamente a alvenaria leve que nesta situação encontrava-se totalmente
inútil para os dias de hoje. Foi criado um segundo alçado promovendo a luminosidade à
habitação e proporcionando um espaço verde ao utente.

Habitação DUPLEX, no largo da Pena Ventosa, identificado pela letra D engloba


dois edifícios e meio, os dois edifícios possuem quatro habitações, todas elas com a
mesma tipologia T2dúplex, o meio corresponde a uma parte superior do Atelier de Moda,
que serve de elemento de ligação ao mesmo edifício, este faz o acesso às habitações.
Os acessos funcionam em galeria visível em alçado, no entanto este fenómeno
acontece entrecaladamente. No piso das entradas para as habitações percebe-se no
alçado a isenção de caixilharia, dando uma ideia de proximidade com o espaço
exterior, como de uma habitação unifamiliar se tratasse, no piso superior, ou seja,
segundo piso da habitação dúplex o espaço da galeria foi aproveitado para aumentar a
habitação, portanto em alçado compreendemos a diferença entre a caixilharia e a falta
desta, espaço interior e exterior respetivamente.
A nível interior a concepção não teve qualquer influencia no pré existente, facto
resultante do estado de ruina em que o edifício se encontrava a única informação
conseguida foi dos alçados que ainda resistem às vicissitudes do tempo. O interior da
habitação foi pensado como uma habitação funcional e agradável, o hall de entrada
possui um armário de arrumos mais um wc de serviço central, que ajuda na organização
do piso inferior, a cozinha apesar de escondida e com um aspecto de interior, tem uma
parede em tijolo de vidro que proporciona ventilação e luminosidade, a sala contempla
as vistas da cidade pelos vãos reaproveitados mas rasgados do alçado. No piso superior,
os quartos dispõem-se envolvendo o acesso vertical, que proporciona luz natural para
ambos. A proposta de intervenção do projeto segue nas páginas que sucedem em

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

escala gráfica, tal como as plantas do anteprojeto mas num formato apenas
esquemático.

Figura 43, Proposta de intervenção do anteprojeto

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 44, Planta de cobertura | P1

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 45, Planta à cota 57,50 | P2

73
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 46, Planta à cota 60,00 | P3

74
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 47, Planta à cota 62,50 | P4

75
(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Figura 48, Planta à cota 65,50 | P5

76
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Largo da Pena Ventosa

Figura 49, Corte | Alçado da Pena Ventosa 1 | P6

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Largo da Pena Ventosa

Figura 50, Alçado da Pena Ventosa 2 |P7

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Largo da Pena Ventosa

Figura 51, Corte transversal | P8

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Largo da Pena Ventosa

Figura 52, Corte construtivo | P9

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Largo da Pena Ventosa

Figura 53, Mapa de Vãos | P10

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Largo da Pena Ventosa

Conclusão

Nesta aprendizagem dialogante, entre o projeto virtual proposto para o lugar de


Pena Ventosa, no coração do centro histórico do Porto, onde intuíamos a necessidade
de construir no construído, insuflando vida ao contraditório espaço expectante. Quisemos
interferir, no imóvel degradado, escutando as suas pré-existências, bem como os
conceitos mais operantes e atualizados de património aplicado aos centros históricos.
Quisemos, ainda inquirir sobre as noções de reabilitar, sobre as suas boas e más práticas
de atuação. Apontamos exemplos. Tivemos que seguir o conselho de Françõis Choay: "
Não serve de nada continuar a contemplar o espelho do património, não há outra
solução senão atravessá-lo. Por esta metáfora do espelho atravessado, desejo marcar a
força subversiva de uma aproximação do património que vira as costas aos
procedimentos dominantes" ( CHOAY.2000:222 ).
Por isso mesmo, arriscamos no nosso projeto demolir um canto que retira volume
ao traçado urbano, mas, lhe acrescenta em sua substituição área verde. No restante,
seguimos, as regras aprendidas nos manuais que lemos e nas indicações profícuas do
nosso professor de Projeto III.

No entanto, fosse qual fosse os capítulos escolhidos e a sua organização, são


apenas fragmentos de um trabalho em progresso.

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(Re)Intervenção no Centro Histórico do Porto,
Largo da Pena Ventosa

Fontes e Bibliografia

Fontes

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http://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/04.044/3153 (14/01/2013 11h)

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