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Património?

O exercício da arquitetura em Portugal está intimamente ligado ao


património. Tendo sido Portugal um país de grandes feitos históricos e uma
das maiores potências mundiais principalmente na era dos descobrimentos,
grande parte dos reflexos dessas eras ficaram retratados de forma mais
marcada na construção de monumentos. Desse modo, a nossa relação com
monumentos, o passado e a história está sempre presente, nomeadamente na
arquitectura.

Porém ainda existem algumas questões sobre patrimônio às quais


parece não haver resposta, consequentemente com apoio a alguns textos
marcantes para nós sobre esta temática, decidimos colocar questões para
tentar respondê-las.

O que considerar como património?

Existiu um momento na história em que a definição de património


edificado mudou, quiçá, evolui, esse momento deu-se com a era industrial, que
veio trazer um rasgo temporal na maneira de fazer arquitetura e,
consequentemente, de a vermos, esta reviravolta veio inverter a hierarquia de
valores atribuídos aos monumentos históricos e pela primeira vez na história,
desde que começamos a pensar no património, começa-se a valorizar os
valores artísticos, ou seja, estéticos.

“Todavia, quando em 1964 a assembleia do Icomos redige a


Charte internationale sur la conservativon et la restauration des
monuments et des sites, o quadro teórico e prático no seio do qual
se inscreve o monumento histórico permaneceu como o que o
século XIX construiu.” 3

Acrescentamos uma sub pergunta retórica que foi feita numa das aulas
do professor Bandeirinha durante a disciplina de IAC no nosso primeiro ano da
faculdade, parafraseando, o professor faz a seguinte pergunta:

“O que tem mais valor, uma cadeira sem qualquer qualidade


feita há 51 anos ou uma cadeira bem desenhada feita há 49 anos? A
cadeira sem qualidade tem mais valor por ter sido feita há mais de 50
anos?”

A resposta para todas estas questões encontra-se na distinção que


Choay faz, criando dois tipos de monumento, o histórico e o estético, este
primeiro é aquele cujo valor é essencialmente evocativo, capaz de trazer o tal,
“sentimento nacional”4, e o monumento estético é aquele que é valorizado
pelas suas qualidades espaciais e arquitetônicas.

A quem pertence o património?

Depois de percebermos o que é património é necessário perceber a


quem pertence e consequentemente quem o administra. Para tentar
descodificar esta questão tão complexa realiza-se um processo que pode ser
lógico, que é perceber a etimologia, e como sabemos a palavra patrimonium,
tem como componente a palavra pater, traduzindo significa pai, uma figura
paternal, e o património é-nos deixado por essa tal figura paternal, ou
comunidade, através de uma cadeia temporal e espacial.

Como este património pertencia a uma comunidade anterior mas


semelhante a nossa estes deviam ser posse do povo, porém como não vivemos
numa anarquia, existe alguém que nos governa, seguido por uma pirâmide de
hierarquia, logo é necessário que esta entidade maior que representa o povo,
governo, crie uma entidade, constituída por pessoas especializadas em
património, que tenham como objetivo de conservar o património e que
represente os “donos”, o povo, nesta função. Um processo parecido com o que
François Guizot (5) estava a galgar em França, na criação de vários cargos
ligados aos monumentos, tais como o profissional de inspeção de
monumentos históricos.

Como conservar ou restaurar o património?

Antes de perceber como conservar o património é necessário termos


em atenção um ponto que poderia estar na primeira pergunta e que é um dos
principais da arquitetura, que é a parte e o todo, e podemos interpretar em
duas divisões: a temporal e a espacial.

Por exemplo, a praça de S. Marcos, em Veneza, que é um exemplo


utilizado diversas vezes para explicar esta questão, apesar dos edifícios que a
constituem serem construídos em épocas distintas existe uma sensibilidade
com aquilo que foi a dignitta dell’attimo (6) de quando a ela foi projetada, com
esta preocupação em mente de qualquer técnico que for intervir a sua
intervenção vai ser digna do momento em que a praça se constitui e não vai
conter um elemento disruptivo a esta. Já para explicar a parte e o todo em
contexto espacial é mais fácil, e deixamos aqui, mais uma vez, perguntas que
se respondem automaticamente:

“[...] Que seria do centro de Évora sem a planície alentejana?


Que seria da planície envolvente de Évora sem o manto da cidade a
coroar aquela colina especifica? Que seria da floresta Laurissilva da
Madeira sem as cotas mais baixas da ilha? E sem o Oceano
Atlântico? Que seria da Universidade de Coimbra sem a cidade, sem
o país, ou sem o mundo que a contém?” (7)

Concluindo, a história não pára, os nossos anteriores deixaram-nos o


conhecimento deles construído para nós aprendermos, ou seja, nós
aprendemos com eles, por isso a arquitetura não pode entrar num loop, senão
o que é que os nossos próximos iriam aprender connosco? Temos a função de
utilizarmos o melhor que nos foi deixado para fazermos o melhor que nós
conseguimos fazer e nada melhor que esta era da reabilitação para o fazer, isto
pode ser aquilo que vamos deixar aos próximos.

“Todos os anos, as escolas de arquitetura formam muita


gente, gente altamente capacitada que vai trabalhar para fora do
país. Quase toda essa gente tem capacidade para projetar
densidade, para tornar atrativos os centros e repovoá-los com
habitantes verdadeiros, com pessoas que gostam de viver nas
cidades, com gente capaz de recriar e renovar a diversidade das
culturas urbanas. “ (8)
Referências:

1 Dois conceitos de monumento de Choay – François Choay definiu dois tipos de


monumento, o histórico e o estético, este primeiro é aquele cujo valor é essencialmente
evocativo, capaz de trazer o tal, “sentimento nacional”, e o monumento estético é aquele que é
valorizado pelas suas qualidades espaciais e arquitetónicas.

2 Bandeirinha, J. A.; "As lavadeiras do Mondego e a dignidade do instante: duas leituras


sobre a questão do património"; Revista do Património Nº4 (2017); p. 67.

3 Choay, F.; “A Alegoria do Património” (2010); Editora 70; p. 138.

4 Sentimento nacional – Uma vez que os edifícios antigos já não são fundamentais para
o saber, Guizot atribui-lhe a função, que é um sentimento, o sentimento nacional.

5 François Guizot foi um político e historiador francês, que exerceu o cargo de primeiro
ministro entre 1947 e 1948.

6 Dignitta dell’attimo – Termo utilizado por Manfredo Tafuri, historiador italiano, para
explicar a praça de S. Marcos, pode-se traduzir como dignidade do momento.

7 Bandeirinha, J. A.; "As lavadeiras do Mondego e a dignidade do instante: duas leituras


sobre a questão do património"; Revista do Património Nº4 (2017); p. 66.

8 Bandeirinha, J. A.; "As lavadeiras do Mondego e a dignidade do instante: duas leituras


sobre a questão do património"; Revista do Património Nº4 (2017); p. 68.

Bibliografia:

1 Figueira, J; “Catalogo Fisicas do Património Portugues”; (2018)

2 BANDEIRINHA, J. A.; "As lavadeiras do Mondego e a dignidade do instante: duas leituras


sobre a questão do património"; Revista do Património Nº4 (2017);

3 CHOAY, F.; “A Alegoria do Património” (2010); Editora 70;

4 TAFURI, Manfredo; La Dignittà dell’attimo. Trascrizione multimediale di Le Forme del


Tempo: Venezia e la Modenità. Uma lesione di Manfredo Tafuri. Venezia: Esercizio 03-A, 1994.

5 RUSKIN, John; The Seven Lamps of Architecture; London; The Waverley Book
Company, Ltd.; 1849; p.184-231.

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