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TEXTO FUNDAMENTAL

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 93-110 JUN. 2012

CAUSAS ESTRUTURAIS E CONSEQUÊNCIAS DOS


REGIMES INTERNACIONAIS:
1
REGIMES COMO VARIÁVEIS INTERVENIENTES

Stephen D. Krasner

RESUMO

Os regimes internacionais são definidos como princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de
decisões ao redor dos quais as expectativas dos atores convergem em uma dada área-tema. Como ponto de
partida, os regimes são conceituados como variáveis intervenientes, estando entre fatores causais básicos
e os resultados e comportamentos relacionados. Há três visões a respeito da importância dos regimes: as
orientações estruturais convencionais desvalorizam os regimes como sendo, na melhor das hipóteses,
ineficazes; as orientações grocianas vêem os regimes como componentes íntimos do sistema internacional;
as perspectivas estruturalistas modificadas vêem os regimes como significativos somente em certas condições
restritas. Para os argumentos grociano e estruturalista modificado – que concordam com a visão de que os
regimes podem influenciar resultados e comportamentos –, o desenvolvimento de regimes é visto como uma
função de cinco variáveis causais básicas: auto-interesse egoísta; poder político; normas e princípios
difusos; usos e costumes; conhecimento.
PALAVRAS-CHAVE: regimes internacionais; variáveis intervenientes; comportamento; grocianismo;
estruturalismo modificado.

I. INTRODUÇÃO paradigmáticos sobre a natureza das relações


internacionais. Mas para os propósitos deste
Este volume2 explora o conceito de regimes
volume a segunda pergunta é tanto ou mais
internacionais. Os regimes internacionais são
importante, pois levanta a questão sobre se os
definidos como princípios, normas, regras e
regimes fazem alguma diferença.
procedimentos de tomada de decisões de
determinada área das relações internacionais em Os artigos deste volume apresentam três
torno dos quais convergem as expectativas dos abordagens para a questão do significado dos
atores. Como um ponto de partida, os regimes regimes. Os artigos de Oran Young (1982) e
têm sido conceituados como variáveis Donald Puchala e Raymond Hopkins (1982) vêem
intervenientes entre os fatores causais básicos, os regimes como uma característica disseminada
de um lado, e resultados e comportamentos, de por todo o sistema internacional. Nenhum padrão
outro. Essa formulação gera duas questões de comportamento pode sustentar-se por qualquer
básicas: em primeiro lugar, qual é a relação entre período de tempo sem gerar um regime
os fatores causais básicos, tais como poder, compatível. Os regimes e os comportamentos são
interesse e valores e os regimes? Em segundo inexoravelmente imbricados. Em contraste, Susan
lugar, qual é a relação entre os regimes e os Strange (1982) argumenta que regime é um
resultados e comportamentos correlatos? A
primeira pergunta está relacionada a certos debates
2 O presente artigo integra uma edição da revista
International Organization que trata exclusivamente do
1 Artigo publicado originalmente sob o título “Structural conceito de regime internacional. O presente artigo de
Causes and Regime Consequences: Regimes as Intervening Stephen Krasner é a introdução da edição e seu objetivo é
Variables”, na revista International Organization apresentar o conceito de regimes internacionais que será
(Cambridge (MA), v. 36, n. 2, p. 185-205, Spring.1982). discutido pelos demais autores – daí as inúmeras
Tradução de Dalton Guimarães, Feliciano Guimarães e referências aos outros artigos da revista (nota dos
Gustavo Biscaia de Lacerda. tradutores).

Recebido em 28 de junho de 2010.


Aprovado em 22 de outubro de 2010.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 42, p. 93-110, jun. 2012
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CAUSAS ESTRUTURAIS E CONSEQUÊNCIAS DOS REGIMES INTERNACIONAIS

conceito enganoso que obscurece as relações Esse uso do conceito é consistente com outras
básicas entre economia e poder. Strange, formulações recentes. Keohane e Nye (1977, p.
representando provavelmente o que seria a posição 19), por exemplo, definem os regimes como
mais tradicional dos pensadores das relações “conjuntos de arranjos de governança” que
internacionais, elabora uma crítica estrutural incluem “redes de regras, normas e
convencional que rejeita qualquer papel procedimentos que regulam comportamentos doa
significativo para princípios, normas, regras e atores e controlam os seus efeitos”. Haas (1980b,
procedimentos para tomada de decisões. A maioria p. 553) argumenta que o regime engloba um
dos autores neste volume adota uma terceira conjunto mutuamente coerente de procedimentos,
posição que pode ser classificada de “estruturalista regras e normas. Hedley Bull (1977, p. 54), usando
modificada”. Eles aceitam os pressupostos uma terminologia um pouco diferente, ao referir-
analíticos básicos das abordagens estrutural- se à importância das regras e instituições na
realistas, as quais pressupõem um sistema sociedade internacional, sustenta que as regras
internacional funcionalmente simétrico de estados são “princípios gerais imperativos que requerem
maximizadores de poder agindo em um ambiente ou autorizam determinadas classes de pessoas ou
anárquico. Mas eles sustentam que sob certas grupos a comportar-se das maneiras prescritas”.
condições restritas, envolvendo a falha de ações Para Bull as instituições ajudam a assegurar adesão
individuais para obter resultados Pareto-ótimos, às regras por meio da formulação, da
os regimes internacionais podem ter um impacto comunicação, da administração, da imposição, da
significativo mesmo em um mundo anárquico. interpretação, da legitimação e da adaptação dessas
Essa orientação é elaborada mais explicitamente regras.
nos artigos de Arthur Stein (1982), Robert
Os regimes precisam ser entendidos como algo
Keohane (1982) e Robert Jervis (1982); ela
mais do que arranjos temporários que mudam
também reflete as análises de John Ruggie
com cada alteração de poder ou interesses dos
(1982), Charles Lipson (1982) e Benjamin Cohen
estados. Keohane sustenta que uma distinção
(1982).
analítica básica precisa ser feita entre regimes e
A próxima seção deste artigo desenvolve as acordos. Os acordos são arranjos ad hoc,
definições de regimes e de mudanças de regime. geralmente únicos e de curta duração. O propósito
A seção seguinte investiga diversas abordagens dos regimes, por sua vez, é facilitar os acordos.
sobre as relações entre regimes, comportamentos Da mesma forma, Jervis argumenta que o
e resultados. A quarta seção examina cinco fatores conceito de regimes “não implica apenas normas
causais básicos – o auto-interesse egoísta, o poder e expectativas que facilitam a cooperação, mas
político, as normas e princípios difusos, usos e uma forma de cooperação que é mais do que
costumes e o conhecimento – que têm sido atender o próprio egoísta de curto prazo”
usados para explicar o desenvolvimento dos (JERVIS, 1982, p. 357). Por exemplo, ele sustenta
regimes. que as restrições aplicadas na Guerra da Coréia e
em outras guerras específicas não deveriam ser
II. DEFININDO REGIMES E MUDANÇAS DE
consideradas como um regime. Tais regras, como
REGIMES
“não bombardear santuários”, foram baseadas
Os regimes podem ser definidos como puramente em avaliações de interesse de curto
princípios, normas e regras implícitos ou prazo. Como os interesses e o poder mudaram, o
explícitos e procedimentos de tomada de decisões comportamento também mudou. O conceito de
de determinada área das relações internacionais equilíbrio de poder de Waltz, em que a ação dos
em torno dos quais convergem as expectativas estados é dirigida por pressões sistêmicas no
dos atores. Os princípios são crenças em fatos, sentido de estabelecer repetidamente o equilíbrio,
causas e questões morais. As normas são padrões não é um regime; a concepção de Kaplan, em que
de comportamento definidos em termos de o equilíbrio requer o comprometimento dos
direitos e obrigações. As regras são prescrições estados com regras que restringem a maximização
ou proscrições especificas para a ação. Os imediata de poder no curto prazo (especialmente
procedimentos para tomada de decisões são não destruindo um ator essencial) é um regime
práticas predominantes para fazer e executar a (KAPLAN, 1957, p. 23; 1979, p. 66-69, 73;
decisão coletiva. WALTZ, 1979).

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De modo similar, o comportamento definido internacionais que ocorreram nos anos 1970
pelo regime não pode ser baseado apenas em foram mudanças controladas pelas normas
cálculos de interesse de curto prazo. Como os [norm-governed changes]. Elas não alteraram os
regimes abrangem princípios e normas, a função princípios básicos e as normas incorporados nos
de utilidade que está sendo maximizada precisa regimes liberais e em uso desde os anos 1940.
incorporar algum sentido de obrigação geral. Um
As mudanças em princípios e normas são
princípio como esse – a reciprocidade – é
mudanças do próprio regime. Quando normas e
enfatizado na análise de Jervis (1982, p. 357) sobre
princípios são abandonados ocorre ou uma
regimes de segurança. Quando os estados aceitam
mudança para um novo regime ou o
a reciprocidade eles sacrificam os interesses de
desaparecimento dos regimes de determinada área
curto prazo na expectativa de que os outros atores
das relações internacionais. Por exemplo, Ruggie
retribuam esse sacrifício no futuro, mesmo que
(1982) discute que a distinção entre liberalismo
eles não sejam obrigados a fazê-lo por uma norma
ortodoxo e incrustado [embedded liberalism]
específica. Essa formulação é similar à brilhante
envolve diferenças acerca de normas e princípios.
discussão de Fred Hirsch sobre amizade, em que
O liberalismo ortodoxo endossa a crescente
ele diz: “A amizade possui um elemento de troca
abrangência do mercado. O liberalismo incrustado
mútua direta e nesse sentido assemelha-se a um
prescreve ações para o Estado conter mudanças
bem econômico privado. Mas geralmente é muito
domésticas sociais e econômicas geradas pelos
mais do que isso. Ao longo do tempo, a ‘transação’
mercados. Os liberalismos ortodoxo e incrustado
de amizade pode ser presumida, dada a sua
definem regimes diferentes entre si. A mudança
permanência, como um beneficio para ambos os
de princípios e normas liberal-ortodoxos antes da
lados. A qualquer momento, contudo, é bastante
II Guerra Mundial para princípios e normas
improvável que a troca esteja equilibrada de
liberal-incrustados depois da II Guerra foi, nos
maneira recíproca” (HIRSCH, 1976, p. 78). É a
termos de Ruggie, “revolucionária”.
mistura de comportamentos com princípios e
normas que distingue as ações estatais governadas Os argumentos políticos mais fundamentais
por regimes da atividade mais convencional guiada estão mais relacionados a normas e princípios do
exclusivamente pela estreita avaliação de que a regras e procedimentos. Mudanças nestas
interesses. últimas podem ser interpretadas de diferentes
maneiras. Por exemplo, na área de comércio
Uma distinção fundamental precisa ser feita
internacional, as recentes revisões nos artigos do
entre princípios e normas, por um lado, e regras
Acordo Geral de Tarifas e Comércio [General
e procedimentos, por outro lado. Os princípios
Agreement on Tariffs and Trade (GATT), em
e as normas fornecem as características básicas
inglês] buscam dar tratamento especial e
definidoras de um regime. Podem existir muitas
diferenciado aos países menos desenvolvidos
regras e procedimentos de tomada de decisão
(PMDs). Todos os países industrializados têm
que são consistentes com os mesmos princípios
instituído sistemas de preferências comerciais
e normas. Assim, mudanças em regras e
para os PMDs. Essas regras violam uma das
procedimentos de tomada de decisão são
normas básicas da ordem liberal posterior à II
mudanças internas aos regimes, desde que os
Guerra Mundial: a cláusula da nação mais
princípios e as normas não sejam alterados. Por
favorecida. Entretanto, as nações industrializadas
exemplo, Benjamin Cohen (1982) mostra que
trataram essas alterações das regras como
houve um aumento substancial de financiamento
mudanças temporárias necessárias, dadas as
por bancos privados durante os anos 1970. Isso
circunstâncias peculiares das áreas mais pobres.
significou uma alteração nas regras de ajuste da
Graças à insistência estadunidense, o conceito de
balança de pagamento, mas não uma mudança
“gradação” foi introduzido formalmente nas
fundamental no regime. A norma básica do
cláusulas do GATT após a Rodada de Tóquio
regime se manteve a mesma: o acesso a
(1973-1979). A gradação dispõe que, conforme
financiamentos para a balança de pagamentos
os países tornam-se mais desenvolvidos, eles
deve ser controlado e condicionado pelo
aceitarão regras consistentes com os princípios
comportamento dos países tomadores de
liberais. Portanto, os representantes dos países
empréstimos. John Ruggie argumenta que em
desenvolvidos decidiram interpretar o tratamento
geral as alterações em regimes econômicos

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especial e diferencial de países em desenvol- nenhum outro. O uso de cobertura diplomática


vimento como mudança no interior do regime. por espiões, a escuta em embaixadas, o
assassinato de diplomatas por terroristas e a falha
Os porta-vozes do Terceiro Mundo, por outro
em prover proteção policial local adequada são
lado, argumentaram que as normas básicas da
indicações de que o clássico regime de proteção
ordem econômica internacional deveriam ser a
a enviados estrangeiros enfraqueceu-se.
redistribuição e a eqüidade, em vez da não-
Entretanto, a natureza furtiva dessas atividades
discriminação e da eficiência. Eles viam a mudança
indica que os princípios básicos e as normas não
das regras como mudanças do regime porque as
estão sendo diretamente desafiados. Em contraste,
identificam como alterações básicas de princípios.
o seqüestro de diplomatas estadunidenses por
Existe uma diferença fundamental entre ver
grupos apoiados pelo governo iraniano é um
mudanças nas regras como indicação de
desafio central ao próprio regime. O Irã viola os
mudanças dentro do regime e ver essas mudanças
princípios e as normas e não somente as regras e
como indicações de mudança entre regimes. A
os procedimentos3.
diferença gira em torno da avaliação sobre se os
princípios e as normas em si mudaram. Tais Em suma, as mudanças no interior de um
avaliações nunca são fáceis porque não podem regime envolvem alterações de regras e
ser baseadas em observações comportamentais procedimentos de tomada de decisões, mas não
objetivas. “Nós reconhecemos desvios de de normas ou princípios; as mudanças de regimes
regimes”, Ruggie declara, “não simplesmente por envolvem alteração de normas e princípios; o
meio de atos que são praticados, mas pela enfraquecimento de um regime envolve ou uma
intencionalidade e aceitabilidade atribuídas a esses incoerência entre os componentes do regime ou
atos no contexto de uma estrutura intersubjetiva uma inconsistência entre o regime e o
de significado” (RUGGIE, 1982, p. 380). comportamento correspondente dos membros.
Finalmente, é necessário distinguir o III. OS REGIMES TÊM IMPORTÂNCIA?
enfraquecimento de um regime de mudanças
Seria preciso alguma coragem – talvez mais
dentro do regime ou mudanças entre regimes. Se
coragem do que possuímos – para responder
princípios, normas, regras e procedimentos de
negativamente essa pergunta. Este projeto
tomada de decisão de um regime tornam-se menos
começou com um simples esquema causal. Esse
coerentes ou se as práticas correntes são
esquema assumia que os regimes poderiam ser
crescentemente inconsistentes com os princípios,
concebidos como variáveis intervenientes loca-
as normas, as regras e os procedimentos, um
lizadas entre varáveis causais básicas (na maioria
regime enfraqueceu. O tratamento diferencial e
das vezes, poder e interesses) e resultados e com-
especial para países em desenvolvimento é uma
portamentos. Assim, a primeira tentativa de anali-
indicação de que o regime liberal enfraqueceu,
sar os regimes tem como pressuposto o seguinte
mesmo que ele não tenha sido substituído por
conjunto de relações causais (ver Figura 1).

FIGURA 1 – ESQUEMA CAUSAL BÁSICO DOS REGIMES


Comportamento
Variáveis
Regimes correspondente
causais básicas
e resultados
FONTE: o autor.

Os regimes não surgem por sua própria flecha causal acima significa que os regimes de
iniciativa. Eles não vistos como fins em si fato importam. Entretanto, não há consenso a esse
mesmos. Uma vez em funcionamento, eles de fato
afetam os comportamentos e resultados. Eles não
3 O comportamento do Irã pode ter raízes em uma visão
são meros epifenômenos.
islâmica de relações internacionais que rejeita o regime
O impacto independente ou autônomo dos prevalecente, de origem européia. Cf. Rosecrance (1981)
regimes é uma questão analítica central. A segunda para uma visão similar.

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respeito e três visões diferentes podem ser comum de troca (BELSHAW, 1965, p. 8-9). Max
distinguidas. A visão estrutural convencional vê o Weber afirma que no mercado as “ações sociais
conceito de regime como inútil, se não enganoso. não são determinadas pela orientação de qualquer
A perspectiva estrutural modificada sugere que os tipo de norma vista como válida, nem são elas
regimes podem ter importância, mas somente sob baseadas nos costumes, mas inteiramente no fato
condições muito restritas. E a visão grociana vê os de que o tipo correspondente de ação social está
regimes de uma forma bem mais disseminada, na natureza do caso adaptada o melhor possível
como um atributo inerente a qualquer padrão de aos interesses normais dos atores conforme eles
comportamento humano complexo e persistente. mesmos percebem-nos” (WEBER, 1977, p. 30).
O mercado é um mundo de indivíduos atomizados,
Neste volume Susan Strange (1982) representa
auto-interessados e egoístas.
a visão estrutural convencional. Ela tem fortes
reservas quanto ao valor da noção de regime. O mercado é uma metáfora poderosa para
Strange argumenta que o conceito é pernicioso muitos argumentos na literatura da Ciência
porque ofusca e obscurece as relações entre poder Política, para não falar das Relações
e interesses, que são, não apenas as mais Internacionais. O trabalho recente de Keneth
importantes, mas sobretudo as causas Waltz (1979) exemplifica essa orientação. Para
fundamentais do comportamento dos estados no Waltz a característica definidora do sistema
sistema internacional. “Todos aqueles arranjos internacional é que as partes componentes
internacionais dignificados pelo rótulo de ‘regime’ (estados) do sistema são funcionalmente similares
são muito facilmente perturbados quando o e interagem em um ambiente anárquico. Os
equilíbrio do poder ou a percepção de interesse sistemas internacionais distinguem-se entre si
nacional (ou ambos em conjunto) mudam entre somente pela distribuição de capacidades relativas
os estados que os negociam” (idem, p. 487). Os entre os atores. Presume-se que os estados agem
regimes, se é que se pode dizer que existem, têm em seu próprio interesse; no mínimo, eles
pequeno ou nenhum impacto. Eles são meros “procuram a sua própria preservação e, no
epifenômenos. O esquema causal subjacente desta máximo, buscam a dominação universal” (idem,
visão mostra uma conexão direta entre mudanças p. 118). Eles são contidos somente pela interação
em fatores causais básicos (sejam políticos, sejam com outros estados no sistema. O comportamento
econômicos) e mudanças em comportamentos e é, portanto, uma função da distribuição de poder
resultados. Os regimes são completamente entre os estados e da posição particular de cada
excluídos ou seu impacto nos resultados e nos Estado no sistema. Quando a distribuição de poder
comportamentos correlatos é visto como trivial. altera-se, o comportamento também muda. Para
Waltz, os regimes podem estar apenas pequenos
A posição de Strange é consistente com as
passos afastados das capacidades de poder
orientações intelectuais predominantes que
subjacentes que os sustentam (idem,
analisam os fenômenos sociais. Essas orientações
especialmente cap. 5-6)4.
estruturais conceituam um mundo de atores auto-
interessados. Os atores podem ser indivíduos, A segunda visão sobre regimes internacionais
empresas, grupos, classes ou estados. Eles agem – a estrutural modificada – está mais claramente
em um sistema definido por seus próprios demonstrada nos artigos de Keohane (1982) e
interesses, poder ou interações. Essa visão é Stein (1982). Ambos os autores partem de uma
resistente ao argumento de que princípios, visão realista estruturalista convencional, ou seja,
normas, regras e procedimentos de tomada de um mundo de estados soberanos buscando
decisões têm um impacto significativo nos maximizar seus interesses e poderes. Keohane
resultados e comportamentos. postula que no sistema internacional os regimes
surgem de acordos voluntários entre atores
Essa visão é mais evidente na imagem do
juridicamente iguais. Stein declara que “a
mercado, a concepção analítica reinante da
conceituação está calcada na clássica
Economia, a mais bem-sucedida das Ciências
Sociais. Um mercado é caracterizado pela
impessoalidade entre compradores e vendedores, 4 Essa visão estruturalista convencional da escola realista
pela especialização em comprar e vender e pelas é análoga às análises marxistas que focam exclusivamente
trocas baseadas em preços definidos por um meio na tecnologia e na estrutura econômica.

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caracterização da política internacional como edição que os regimes podem ter um impacto
relações entre entidades soberanas dedicadas à significativo em um mundo altamente complexo
sua própria autopreservação, em última instância em que os cálculos de interesse individualista ad
capazes de dependerem somente de si mesmas e hoc não poderiam prover o nível necessário de
preparadas para recorrerem à força” (idem, p. 300; coordenação. Se existe um movimento geral em
KEOHANE, 1982, p. 330). direção a um mundo de interdependência comple-
xa, como tantos argumentam, o número de áreas
Em um mundo de estados soberanos, a
temáticas em que os regimes podem ter impor-
função básica dos regimes é coordenar o com-
tância está aumentando.
portamento dos estados no sentido de alcançar
os resultados desejados em áreas particulares de Entretanto, os regimes não podem ser
interesse5. Essa coordenação é atrativa sob diver- relevantes em situações de soma zero nas quais
sas circunstâncias. Stein e Keohane postulam que os estados agem para maximizar as diferenças
os regimes podem ter impacto quando resultados entre a sua utilidade e as utilidades dos demais
Pareto-ótimos não poderiam ser alcançados por estados. Jervis (1982) mostra a escassez de
meio de ações individuais não coordenadas. O regimes na área de segurança, a qual se aproxima
dilema do prisioneiro é um exemplo clássico dessa mais de jogos de soma zero do que as áreas
situação na teoria dos jogos. Stein também econômicas. Puras motivações de poder impedem
argumenta que os regimes podem ter um efeito a constituição de regimes. Portanto, a segunda
autônomo sobre os resultados quando o orientação, o estruturalismo modificado, vê os
comportamento puramente autônomo leva a regimes emergindo e tendo um impacto
resultados desastrosos para ambos os lados. O significativo mas somente sob condições restritas.
jogo da galinha é um exemplo da teoria dos jogos Essa visão sugere que o primeiro esquema siga
análogo6. Haas (1982) e outros sugerem nesta as relações da Figura 2.

FIGURA 2 – REGIMES PARA A VISÃO ESTRUTURALISTA MODIFICADA

b b

Variáveis Comportamento
causais Regimes correspondente
básicas e resultados

FONTE: o autor.

Na maioria das situações existe uma ligação sob certas circunstâncias não puramente confli-
direta entre as varáveis causais básicas e o tuosas, em que a tomada de decisão individual
comportamento correspondente (caminho a); mas leva a resultados sub-ótimos, os regimes podem
ser importantes (caminho b)7.

5 Vinod K. Aggarwal (1981, cap. 1) enfatiza esse ponto. “chicken”). Um exemplo concreto desse “jogo” ocorreu
6 O “jogo da galinha” (game of chicken), ou “jogo do na Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962 (N. T.).
falcão e da pomba” (hawk-dove game), consiste no 7 Os argumentos estruturalistas modificados apresentados
seguinte. Dois atores, armados, mantêm-se em rota de nesta edição são baseados em análises realistas das relações
colisão, ao mesmo tempo em que um espera que o outro internacionais. Essa visão tem paralelo com muitos escritos
fraqueje ou capitule. O pior cenário possível, marxistas estruturalistas que enfatizam a importância do
evidentemente, é quando nenhum dos dois capitula, pois Estado e da ideologia como instituições que agem para
ambos perdem; no caso de um dos dois capitular, será racionalizar e legitimar as estruturas econômicas
tachado de “covarde” ou “perdedor” (ou, em inglês, fundamentais.

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A terceira abordagem sobre os regimes, mais convergentes. Isso leva a um comportamento que
claramente elaborada nos artigos de Donald se torna convencional, criando expectativas de
Puchala e Raymond Hopkins (1982) e Oran Young que haja repreensão a desvios das práticas em
(1982), reflete uma visão fundamentalmente uso. O comportamento convencional gera normas
diferente das relações internacionais dos dois reconhecidas. Se o observador encontra um
argumentos estruturais descritos acima. Esses padrão de atividades inter-relacionadas e as
dois artigos são fortemente informados pela conexões desse padrão são compreendidas, deve
tradição grociana, a qual vê regimes como existir algum tipo de normas e procedimentos em
fenômenos disseminados em todos os sistemas funcionamento.
políticos. Puchala e Hopkins concluem que os
Enquanto a abordagem estrutural modificada
“regimes existem em todas as áreas temáticas,
não percebe o mercado como um regime – pois
mesmo naquelas em que há grande rivalidade de
nesse caso a ação dos atores resulta puramente
poder, vistas tradicionalmente como exemplos
de cálculos individuais sem considerar o
nítidos de anarquia. Os estadistas quase sempre
comportamento alheio –, a terceira abordagem
se sentem restringidos por princípios, normas e
considera de fato o mercado como um regime.
regras que prescrevem e proscrevem diferentes
Os padrões de comportamento que persistem por
comportamentos” (PUCHALA & HOPKINS,
longos períodos de tempo estão impregnados por
1982, p. 270). Os autores argumentam que o
um significado normativo. Um mercado não pode
conceito de regime vai além da perspectiva
ser mantido somente por cálculos auto-
realista, a qual é “bastante limitada para explicar
interessados. Conforme os termos de Ruggie
um mundo crescentemente complexo,
(1982), o mercado precisa estar impregnado por
interdependente e perigoso” (idem, p. 245).
um ambiente social mais amplo que alimenta e
Puchala e Hopkins utilizam seu argumento não
sustenta as condições necessárias para o seu
apenas em uma área específica das relações
funcionamento. Mesmo o equilíbrio de poder,
internacionais em que alguém poderia esperar
considerado pelos autores realistas estruturais
certa comunhão de interesse (distribuição de
convencionais como uma situação puramente
alimentos), mas também em áreas geralmente
conflituosa, pode ser tratado como um regime
tidas como muito mais conflitantes e ambíguas
(BULL, 1977, cap. 5). O esquema causal de
(colonialismo).
orientação grociana ou é parecido com o primeiro
Oran Young argumenta que o comportamento esquema causal mostrado na Figura 1 ou pode
padronizado inevitavelmente gera expectativas ser descrito na Figura 3 abaixo.

FIGURA 3 – REGIMES PARA A ORIENTAÇÃO GROCIANA

Regimes

Variáveis causais básicas

Comportamento padronizado correspondente


FONTE: o autor.

Os padrões de comportamentos que refletem apenas pelo equilíbrio de poder. Pelo contrário,
conjecturas de interesse tendem a levar à criação Hopkins e Puchala sugerem que as elites são os
de regimes internacionais, e os regimes tendem a atores reais das relações internacionais. Os
acentuar estes comportamentos. estados são abstrações rarefeitas. As elites
possuem laços tanto transnacionais quanto
A tradição grociana na qual se baseiam
nacionais. A soberania é uma variável
Puchala, Hopkins e Young oferece uma
comportamental e não uma presunção analítica.
contraposição às visões realistas estrutural e
A habilidade dos estados em controlar as
estrutural modificada. Esses autores rejeitam o
movimentações através de suas fronteiras e
pressuposto segundo o qual sistema internacional
manter o domínio sobre todos os aspectos do
é composto por estados soberanos limitados
sistema internacional é limitada. A segurança e a

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sobrevivência do Estado não são os seus únicos e cuja existência requer uma explicação cuidadosa.
objetivos. A força não ocupa uma posição Os dois “casos-padrão” são fundamentalmente
singularmente importante na política internacional. diferentes e é a definição desses casos que indica
As elites agem no interior de uma rede de a orientação teórica básica. Stephen Toulmin
comunicações, incorporando regras, normas e escreve que “qualquer teoria dinâmica envolve
princípios, que transcendem as fronteiras alguma referência implícita ou explícita a algum
nacionais. caso padrão ou ‘paradigma’. Esse paradigma
especifica a maneira como, no curso dos eventos,
Essa orientação grociana minimalista
espera-se que corpos movam-se”. É o desvio
configurou uma série de postulados teóricos
desse movimento que precisa ser explicado
desenvolvidos no período posterior à II Guerra
(TOULMIN, 1961, p. 56-57) 9 . De uma
Mundial. O funcionalismo viu a possibilidade de
perspectiva realista, os regimes são fenômenos
erodir a soberania por meio da multiplicação de
que precisam ser explicados; de uma perspectiva
interesses particulares que cruzam as fronteiras
grociana, eles são dados a serem descritos.
nacionais. O estudo de Karl Deutsch de 1957
sobre integração, com sua ênfase na comunicação Em suma, os argumentos estruturais
societal, fez uma distinção entre as comunidades convencionais não levam os regimes a sério: se
de segurança e a anarquia 8 . Alguns autores as variáveis causais básicas mudam, os regimes
associados ao conceito de transnacionalismo têm também mudam. Os regimes não têm impacto
defendido a existência de uma teia de independente ou autônomo sobre o
interdependência no sistema internacional, fazendo comportamento. Os argumentos estrutural-
que qualquer ênfase na soberania seja modificados, aqui representados por vários
analiticamente enganosa e normativamente adeptos da abordagem realista das relações
questionável. A discussão de Keohane e Nye sobre internacionais, vêem os regimes como importantes
a interdependência complexa rejeita os somente quando uma tomada independente de
pressupostos de prevalência da força e de decisão leva a um resultado indesejado.
hierarquia de temas assumidos pela perspectiva Finalmente, a perspectiva grociana aceita os
realista (KEOHANE & NYE, 1977, especialmente regimes como uma parte fundamental de toda
cap. 8). Ernest Haas indica que aquilo que ele interação humana padronizada, incluindo os
chama de “teorias orgânicas” – eco- comportamentos no sistema internacional.
ambientalismo, eco-reformismo e igualitarismo –
IV. EXPLICAÇÕES PARA O DESENVOLVI-
negam os pressupostos convencionais orientados
MENTO DE REGIMES
pelo poder.
Para aqueles autores que vêem os regimes
Os regimes são muito mais bem abarcados
como algo mais do que meros epifenômenos, a
por uma visão grociana. Contudo, como indicam
segunda maior questão colocada pelo esquema
Cohen (1982), Jervis (1982), Keohane (1982),
que vê os regimes como variáveis intervenientes
Lipson (1982) e Stein (1982), o conceito não é
entre fatores causais básicos e resultados torna-
rejeitado pela perspectiva realista. A questão não
se relevante. Qual é a relação entre os fatores
é tanto se alguém aceita a possibilidade de
causais básicos e os regimes? Quais são as
princípios, normas, regras e procedimentos de
condições que levam à criação, à permanência e
tomada de decisão afetarem resultados e
à dissolução dos regimes? Nesses casos os
comportamentos, porém, sim, qual é o
regimes são tratados como variáveis dependentes.
pressuposto básico a respeito da situação normal
do sistema internacional. Os adeptos da Uma ampla variedade de variáveis causais
perspectiva grociana aceitam os regimes como básicas tem sido apresentada para explicar o
um fenômeno disseminado e significativo do desenvolvimento de regimes. As variáveis mais
sistema internacional. Já os adeptos da visão importantes elencadas neste volume são 1) o auto-
realista estrutural vêem os regimes como um interesse egoísta, 2) o poder político, 3) as normas
fenômeno cuja presença não pode ser presumida e os princípios, 4) usos e costumes e 5) o

8 Cf. Lijphart (1974, p. 64-65) para o desenvolvimento 9 O uso feito por Toulmin da palavra “paradigma” é
desse argumento. similar à noção de Kuhn (cf. KUHN, 1970, p. 187).

100
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 93-110 JUN. 2012

conhecimento. As duas últimas são vistas como em dirigir do lado certo da estrada, pouco mais é
suplementares, encorpando forças mais básicas necessário. (O conceito de Stein de colaboração
relativas a interesse, poder e valores. está de acordo com a definição de regimes usada
nesta edição. Não é tão claro que coordenação
IV.1. Auto-interesse egoísta
envolva regimes. A coordenação pode requerer
A explicação predominante para a existência somente a elaboração de regras. No entanto, se
de regimes internacionais é o auto-interesse essas regras não forem informadas por princípios
egoísta. Por “auto-interesse egoísta” eu entendo ou normas próximas, elas não se conformarão à
o desejo de um ator maximizar sua função de definição de regimes estabelecida anteriormente.)
utilidade sem incluir a utilidade de outro. O ator
Enquanto Stein adota uma orientação da teoria
egoísta preocupa-se com o comportamento de
dos jogos, Keohane utiliza critérios de teorias
outros apenas quando o comportamento dos
microeconômicas sobre falhas de mercado para
demais afeta a sua própria utilidade. Todas as
examinar os dilemas do interesse comum. Ele está
teorias contratualistas de Hobbes a Rawls baseiam-
principalmente preocupado com a demanda por
se na idéia do auto-interesse egoísta. Em
regimes, ou seja, com as condições sob as quais
contraste, um ator que busca o puro poder está
acordos ad hoc falham em prover resultados
interessado em maximizar a diferença entre as
Pareto-ótimos. O autor sustenta que “os regimes
suas capacidades de poder e as de seus oponentes.
podem produzir acordos mais facilmente se
Neste volume, os artigos de Keohane e, criarem estruturas que estabeleçam
especialmente, Stein adotam e elaboram, quase responsabilidades legais (mesmo que não sejam
exclusivamente, uma perspectiva orientada pelo perfeitas); se melhorarem a quantidade e a
auto-interesse. Stein assevera que “as mesmas qualidade das informações disponíveis para os
forças do auto-interesse elaborado de maneira atores, ou se reduzirem outros custos de
autônoma que existem na raiz do sistema transação, tais como o custo de organizações ou
internacional anárquico também conformam a o custo de fazer compensações paralelas [side
base dos regimes internacionais, entendidos como payments]” (KEOHANE, 1982, p. 338). Esses
uma forma de ordem internacional [...]. Há benefícios fornecidos pelos regimes tendem a
ocasiões em que os cálculos racionais auto- exceder os custos da formação do regime e de
interessados levam os atores a abandonar a tomada sua manutenção quando há informação
de decisões independente em favor da tomada de assimétrica, risco moral, desonestidade potencial
decisão coletiva” (STEIN, 1982, p. 316). ou alta complexidade temática. Adicionalmente,
os custos da formação de regimes serão menores
Stein elabora duas circunstâncias sob as quais
quando houver um alto nível de comunicação
escolhas individuais que não sofrem restrições
formal e informal entre os estados, uma condição
criam incentivos para a cooperação. A primeira
mais provável de ser encontrada em sistemas
ocorre quando tais escolhas levam a resultados
políticos abertos que operam sob condições de
de Pareto sub-ótimos: o dilema do prisioneiro e a
independência complexa.
provisão de bens coletivos são exemplos bem
conhecidos. Stein refere-se a essas ocasiões O auto-interesse egoísta também é visto como
como o dilema dos interesses comuns. Sua um determinante importante dos regimes por
resolução exige “colaboração”, ou seja, a vários outros autores. Young (1982) argumenta
construção ativa de um regime que guie a tomada que há três caminhos para a formação de regimes:
de decisões individuais. A tomada de decisão o espontâneo, no qual os regimes emergem de
individual sem restrições também pode ser evitada expectativas convergentes entre várias ações
quando leva a resultados mutuamente indesejáveis individuais; o negociado, em que os regimes são
e em que a escolha de um ator é dependente da formados por acordos explícitos; o imposto, no
escolha feita pelo outro: o jogo da galinha é um qual os regimes são inicialmente impostos sobre
exemplo notório. Stein refere-se a essa situação os atores por forças externas. Os dois primeiros
como o dilema das aversões comuns; ele pode são baseados em cálculos egoístas. Lipson (1982)
ser solucionado por meio da “coordenação”. A argumenta que o padrão diferenciado de aceitação
coordenação não precisa ser formalizada ou das regras liberais no regime de comércio
institucionalizada. Desde que todos concordem internacional é uma função de custos diferenciados

101
CAUSAS ESTRUTURAIS E CONSEQUÊNCIAS DOS REGIMES INTERNACIONAIS

de ajustamento entre os diversos setores Smith: o bem de todos resultante do egoísmo de


industriais; quando os custos são baixos, a cada um – não poderia haver defesa mais poderosa
concordância continuada aos princípios, normas do egoísmo. Mas Smith reconhecia ser necessário
e regras liberais é alta. Cohen sustenta que as que o Estado suprisse certos bens coletivos. Isso
regras da balança de pagamento dos regimes incluía a defesa, a manutenção da ordem, níveis
financeiros alteraram-se nos anos 1970 devido ao mínimos de bem-estar social, serviços públicos,
aumento no preço do petróleo e pela mudança no a proteção a indústrias nascentes e a padronização
cálculo dos juros do mercado dos petrodólares. de commodities10. Os economistas têm indicado
Jervis (1982) afirma que os regimes na área de a importância do Estado no estabelecimento de
segurança só serão formados quando os estados direitos de propriedade e no cumprimento de
aceitarem o status quo, pois o custo da guerra é contratos, ou seja, para criar as condições que
alto e o transbordamento de tais custos para outras evitam as ações predatórias sobre o
áreas é grande. Este último ponto, que ecoa o comportamento de mercado. O Estado deve criar
argumento de Keohane sobre a importância da instituições que igualam as taxas pública e privada
complexidade temática, é similar aos argumentos de retorno (NORTH & THOMAS, 1973, cap. 1;
de Haas (1982) e Puchala e Hopkins (1982). Haas HIRSHLEIFER, 1977; WEBER, 1977, p. 336-
faz da interconectividade um elemento central da 337). A análise keynesiana dá ao Estado a
sua análise: os regimes são projetados para proeminência na administração das variáveis
gerenciar a complexidade, que por sua vez macroeconômicas. Devido a todos esses
aumenta com a interconectividade. De modo argumentos, o objetivo da ação do Estado é
similar, Puchala e Hopkins sustentam que os promover os interesses gerais da sociedade.
regimes têm mais probabilidade de surgir sob
O economista contemporâneo que mais
condições de interdependência complexa. Assim,
claramente se identificou com os argumentos que
cálculos de auto-interesse egoísta emergem como
enfatizam o papel instrumental do poder com
elementos centrais na maioria dos artigos desta
propósitos cosmopolitas no sistema internacional
edição.
foi Charles Kindleberger. Na obra The World in
IV.2. Poder político Depression, Kindleberger argumenta que a
depressão dos anos 1930 poderia ter sido evitada
A segunda variável causal mais importante para
por uma liderança efetiva do Estado. Um líder
explicar o desenvolvimento dos regimes é o poder
efetivo teria agido como emprestador de última
político. Duas visões diferentes a respeito do
instância e criado um mercado para os bens de
poder podem ser destacadas. A primeira é
consumo excedentes. No período entre-guerras
cosmopolita e instrumental: o poder é utilizado
os Estados Unidos eram capazes mas não tinham
para assegurar resultados ótimos para o sistema
o interesse de assumir esses custos; a Grã-
como um todo. Na linguagem da teoria dos jogos,
Bretanha, embora tivesse o interesse, não era
o poder é usado para promover a maximização
capaz. O resultado foi o caos econômico. Em uma
conjunta dos ganhos. É o poder a serviço do bem
declaração mais recente, Kindleberger listou as
comum. A segunda abordagem é particularista e
seguintes funções que os estados desempenham
relacionada a objetivos específicos
em um sistema de comércio internacional:
[consummatory]. O poder é usado para fortalecer
os valores de atores específicos do sistema. Tais
valores podem incluir tanto o aumento das 10 Existe um debate vigoroso sobre precisamente quanta
capacidades de poder quanto a promoção de
importância Smith conferia ao Estado. Alguns (cf., por
objetivos econômicos ou ainda outros objetivos. exemplo, HIRSCHMAN, 1977, p. 103-104) sustentam
Na linguagem da teoria dos jogos, o poder é que Smith queria limitar as extravagâncias do governo
utilizado para maximizar os ganhos individuais. É restringindo seu papel ao mínimo possível. Outros (cf.
o poder a serviço de interesses próprios. por exemplo HOLMES, 1976, p. 673; DIAZ-
ALEJANDRO, 1978, p. 124-125) adotam a posição
a. O poder a serviço do bem comum intermediária, esposada aqui. Ainda outros vêem Smith
tentando estabelecer as condições para uma sociedade
A primeira abordagem é representada por uma moral que deveria basear-se na escolha individual e para a
longa tradição da Economia clássica e neoclássica qual um sistema econômico materialista mantido
associada à provisão de bens públicos. A mão egoisticamente é apenas instrumental (cf. por exemplo
invisível era a imagem mais convincente de Adam BILLET, 1974).

102
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 93-110 JUN. 2012

1. proteger os atores econômicos da força; pressupõe que os ganhos são fixos e que a escolha
da estratégia pelo ator é determinada de maneira
2. amortecer os efeitos indesejáveis de um
autônoma e somente em função desses ganhos. A
sistema aberto fornecendo, por exemplo,
segunda pressupõe que o poder pode ser usado
assistência para que empresas
para alterar os ganhos e influenciar a estratégia
importadoras e competitivas ajustam-se;
do ator.
3. estabelecer padrões para produtos. Na
A primeira abordagem segue de perto a análise
ausência desses padrões uma energia
que se aplica quando objetivos puramente
excessiva pode ser desperdiçada ao tentar
cosmopolitas estão em jogo, exceto pelo fato
obter informações sobre os produtos;
segundo o qual o poder político é utilizado para
4. fornecer uma moeda nacional que possa maximizar os ganhos individuais e não os ganhos
ser usada como reserva internacional e comuns. Em certas configurações de interesse,
moeda de transação; há incentivos para criarem-se regimes e a provisão
desses regimes é uma função da distribuição de
5. construir bens públicos como portos e
poder. Enquanto Keohane (1982), no artigo desta
sistemas de transporte domésticos e
edição, focaliza na demanda por regimes, em outro
6. compensar as imperfeições de mercado trabalho o autor argumentou que o ator
sendo, por exemplo, o emprestador de hegemônico tem um papel crítico na provisão dos
última instância quando as instituições bens coletivos necessários ao funcionamento
privadas tornarem-se tão cautelosas a efetivo dos regimes (KEOHANE, 1980). Os atores
ponto de destruírem a liquidez global hegemônicos fornecem tais bens não porque
(KINDLEBERGER, 1978a)11. estejam interessados no bem-estar do sistema
A despeito de sua ênfase na ação política, a como um todo, mas porque os regimes
perspectiva de Kindleberger (1978b) é ainda fortalecem seus próprios valores nacionais.
profundamente liberal. O propósito da intervenção Essa ênfase na necessidade de distribuição
do Estado é facilitar a criação e a manutenção de assimétrica de poder (considerações da economia
um ambiente no qual um mercado baseado em da oferta [supply-side considerations]) deve ser
cálculos individuais auto-interessados possa confrontada com as proposições de Stein (1982)
florescer. O mercado, como o corpo humano, é relativas à eficácia da demanda. A teoria da
basicamente saudável, mas a intervenção liderança hegemônica sugere que sob condições
ocasional de algum agente externo (o Estado, um de hegemonia declinante haverá um
médico) pode ser necessária. Uma economia de enfraquecimento dos regimes. Sem a liderança,
mercado maximiza a utilidade da sociedade como princípios, normas, regras e procedimentos para
um todo. O poder político é colocado a serviço tomadas de decisão não podem ser facilmente
do bem comum. mantidos. Nenhum ator terá o interesse em
b. O poder a serviço de interesses particulares fornecer os bens coletivos necessários para fazer
o regime funcionar suave e efetivamente. A análise
Os artigos desta edição são menos orientados de Stein, por outro lado, sugere que à medida que
para fins cosmopolitas e mais ligados ao poder a hegemonia declina haverá maiores incentivos
como instrumento que pode ser utilizado para para colaboração, pois os bens coletivos não são
valorizar a utilidade de atores específicos, mais garantidos pelo ator hegemônico. O sistema
normalmente os estados. Uma analogia com a internacional parece-se mais com um oligopólio
teoria dos jogos facilita a distinção entre duas do que com um mercado perfeito. Os atores estão
variantes importantes no que diz respeito ao poder cientes de como seus comportamentos afetam
a serviço de interesses específicos. A primeira uns aos outros. Quando estados mais fracos
percebem que o ator hegemônico não está mais
11 Adam Smith era menos fascinado pela idéia de liderança.
interessado em promover a carona [free ride], é
provável que eles tornem-se clientes pagantes.
Ele sentia que a interação razoável somente poderia ocorrer
no sistema internacional se houvesse um equilíbrio de Para Stein, os interesses por si sós podem manter
poder. Sem tal equilíbrio o forte dominaria e exploraria o efetivamente a ordem. O declínio hegemônico
fraco (cf. DIAZ-ALEJANDRO, 1978, p. 92). pode levar a regimes mais fortes.

103
CAUSAS ESTRUTURAIS E CONSEQUÊNCIAS DOS REGIMES INTERNACIONAIS

A segunda linha de argumentação associada politizados, difusos e tendenciosos na sua


ao poder a serviço de interesses específicos distribuição de valores são propensos a entrar
investiga a possibilidade de que atores poderosos em transformação radical quando muda a
possam ser capazes de alterar os ganhos no distribuição de poder. Por exemplo, as normas
sentido de afrontar outros atores ou influenciar do regime colonial entraram em colapso porque
as estratégias que eles escolhem. Nesse caso, o o poder das potências que o sustentavam – os
poder torna-se um conceito muito mais central – principais estados europeus – erodiu-se. Esse
o elemento de uso da força está facilmente à mão. conjunto de argumentos sobre mudança de
Os atores mais fracos podem não ser capazes de regime e declínio hegemônico difere da análise
fazer escolhas autônomas. Os valores destinados com foco no fornecimento de bens coletivos
a uma unidade de análise em particular podem tanto por motivos cosmopolitas quanto por
ser alterados. motivos particularistas. Nestes últimos casos, o
declínio de poder leva a mudanças de regime
Neste volume, Oran Young (1982) desenvolve
porque o Estado hegemônico não é mais capaz
a noção de “regimes impostos”. Os atores
de controlar o padrão de ganhos ou de influenciar
dominantes podem explicitamente usar uma
as estratégias dos estados fracos – e não porque
combinação de sanções e incentivos para forçar
inexista um ator capaz de fornecer os bens
outros atores a agir de acordo com um conjunto
coletivos necessários para o funcionamento
particular de princípios, normas, regras e
eficiente do regime.
procedimentos de tomada de decisões. Por outro
lado, os atores dominantes podem assegurar a IV.3. Normas e princípios
aquiescência de facto ao manipularem
Até este momento, as normas e os princípios
determinadas oportunidades, de tal modo que
foram tratados como endógenos: eles são as
atores mais fracos são levados a comportarem-
características críticas definidoras de qualquer
se da maneira desejada. Keohane (1982) defende
regime. Entretanto, as normas e os princípios que
que as escolhas no sistema internacional serão
influenciam o regime de determinada área das
influenciadas de maneira a conferir maior peso
relações internacionais, mas que não estão
às preferências dos atores mais poderosos.
diretamente relacionados a essa área, também
Benjamin Cohen (1982) nota que os regras e os
podem ser considerados como explicações para
arranjos institucionais específicos das instituições
a criação, a persistência e a dissipação de regimes.
de Bretton Woods refletem mais as preferências
O exemplo mais famoso dessa formulação é A
dos Estados Unidos do que as da Grã-Bretanha.
ética protestante e o espírito do capitalismo de
Jervis (1982) aponta que estados mais fracos
Max Weber. Weber argumenta que o surgimento
tiveram poucas opções além de seguir o equilíbrio
do capitalismo está intimamente associado ao
de poder do século XIX, com sua ênfase no papel
desenvolvimento da doutrina religiosa calvinista
especial das grandes potências. Em todos esses
que favorece o trabalho árduo em vez do
casos, os atores mais poderosos criaram regimes
desperdício e que tem como indício de
que serviram aos seus propósitos particulares; os
predestinação o sucesso mundano12. Fred Hirsch
outros atores foram levados a aceitá-los porque
argumentou que sem os valores pré-capitalistas,
seus ganhos foram manipulados ou suas opções
tais como o trabalho árduo, o auto-sacrifício, a
eram limitadas.
lealdade e a honra, o sistema capitalista
Quando um Estado hegemônico age para desmoronaria. Tais valores são restrições cruciais
influenciar a estratégia de outros atores o regime aos cálculos auto-interessados que muito
fica refém da persistência da distribuição de freqüentemente conduzem a comportamentos
poder existente no sistema internacional. Se a indignos de confiança e desonestos (HIRSCH,
capacidade relativa desse Estado hegemônico 1976, cap. 11; cf. também WALZER, 1980).
declina, o regime entra em colapso. Young (1982)
argumenta que ordens internacionais impostas
são mais propensas a desintegrarem-se quando 12 Para uma discussão recente, vide Laitin (1978,
ocorrem fortes mudanças nas capacidades de especialmente p. 568-569). Para uma outra discussão sobre
poder que estão na base do regime. Puchala e valores não-econômicos no surgimento do capitalismo,
Hopkins (1982) sugerem que regimes altamente cf. Hirschman (1977).

104
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 93-110 JUN. 2012

As formas de financiamento de diversos o mundo capitalista, estendeu-se da esfera


grupos párias ao redor do mundo oferece um claro doméstica para a internacional nos acordos de
exemplo de como normas não-econômicas Bretton Woods.
facilitaram as atividades de mercado. Por exemplo,
A presente discussão sugere que existe uma
as letras de câmbio foram inventadas por
hierarquia de regimes. Os princípios e as normas
banqueiros judeus no fim da Idade Média para
disseminados pelo regime – tais como o trabalho
evitar a violência e a extorsão praticadas pela
árduo a serviço de deus – condicionam o
nobreza: era mais seguro carregar um pedaço de
comportamento em determinadas áreas temáticas.
papel que dinheiro em espécie. Entretanto, o
Nas relações internacionais, o mais importante
pedaço de papel precisava ser honrado pelo seu
princípio disseminado é a soberania. Hedley Bull
recebedor. Isso implicava um alto nível de
refere-se à soberania como o princípio constitutivo
confiança, o qual era realçado pelas convenções:
do atual sistema internacional. Os conceitos de
as práticas estabelecidas eram reforçadas pela
controle exclusivo no interior de uma determinada
exclusão social sofrida pelo grupo, o que facilitava
área geográfica e do direito indiscutível de auto-
a supervisão e a aplicação de sanções. A
ajuda nas relações internacionais surgiram no final
importância das convenções para o uso das letras
da Idade Média e passaram a permear o sistema
de câmbio reflete-se no fato de que as estas eram
internacional moderno (BULL, 1977, p. 8-9, 70).
freqüentemente usadas na bacia do Mediterrâneo
no século XVI, mas não eram usadas na interação Nesse sentido, a soberania não é uma
com o mundo não-mediterrâneo na Síria, onde, conjectura analítica, mas um princípio que
conforme Braudel (1975, p. 370), “dois mundos influencia o comportamento dos atores. Com as
com suspeitas mútuas encontravam-se face a poucas exceções de Antártica, Namíbia e
face”. Na Síria, todas as negociações eram feitas Cisjordânia14, a soberania prevalece. Essas áreas
com base em permutas, ouro ou prata13. em que a soberania não se aplica são ou
Nesta edição, Puchala e Hopkins (1982) fazem
uma distinção entre a superestrutura e a 14 Alguns esclarecimentos históricos e políticos são
subestrutura. A superestrutura refere-se a necessários aqui.
princípios e normas gerais e difundidos que A Antártica é regida pelo Tratado Antártico, assinado em
condicionam os princípios e normas operativos 1959 e renovado em 1991 até, pelo menos, 2041; de acordo
em uma determinada área temática. Os autores com ele, o continente gelado é patrimônio de toda a
apontam, por exemplo, que o equilíbrio de poder humanidade, ou seja, nenhum país detém a soberania sobre
no século XIX na Europa era uma norma ele. Além disso, a exploração comercial e a sua
disseminada que influenciou a natureza do regime militarização são proibidas; somente pesquisas científicas
são permitidas. Apesar disso, diversos países postulam
colonial. Jervis argumenta que, para os regimes direitos territoriais ou reservam-se a possibilidade de
desenvolverem-se na área de segurança, as reclamar tais direitos, como a Argentina, a Austrália, o
grandes potências “precisam acreditar que os Chile e mesmo várias nações do Hemisfério Norte
demais compartilham os valores por elas (Inglaterra, França, Noruega, Estados Unidos, Rússia).
promovidos em segurança mútua e cooperação” No que se refere à Namíbia, antes de mais nada convém
(JERVIS, 1982, p. 361). Em sua análise altamente notar que o presente artigo é de 1982. Antiga colônia alemã,
original sobre o do regime econômico do período após a I Guerra Mundial o território da Namíbia tornou-
posterior à II Guerra Mundial, John Ruggie (1982) se um protetorado da Liga das Nações; tal situação não se
argumenta que esse regime foi fundado mais manteve com a Organização das Nações Unidas (ONU),
após a II Guerra Mundial. Com isso, a partir de 1946 a
propriamente em princípios do liberalismo Namíbia passou a ser controlada pela África do Sul, em
incrustado [embedded liberalism] do que do uma situação de facto; por fim, em 1990 ela tornou-se uma
liberalismo ortodoxo. A lição doméstica dos anos nação soberana.
1930 foi que as sociedades não poderiam tolerar
A Cisjordânia (ou West Bank, em inglês) é um território
as conseqüências de um mercado sem controles. que fica a Oeste do rio Jordão, entre Israel e a Jordânia.
Esse conjunto de valores difusos, que permeava Em 1948, com a criação de Israel e a anuência da antiga
potência colonial da região (a Grã-Bretanha), nesse
território deveria constituir-se um Estado palestino;
13 Para a ligação entre letras de câmbio e banqueiros todavia, em 1967, devido à Guerra dos Seis Dias, essa
judeus, cf. Wallerstein (1974, p. 147) e Hirschman (1977, região foi ocupada militarmente por Israel, que desde então
p. 72). controla de facto as suas fronteiras (N. T.).

105
CAUSAS ESTRUTURAIS E CONSEQUÊNCIAS DOS REGIMES INTERNACIONAIS

governadas por regimes vulneráveis ou sofrem Entretanto, a literatura à qual ele refere-se –
da total falta de regimes. A soberania define que Schelling, Lewis e Hayek – tem uma perspectiva
os estados são os únicos atores com direitos microeconômica focada no auto-interesse egoísta.
ilimitados de ação no sistema internacional. Alguns padrões de comportamento são
Declarações de outras agências são sujeitas a inicialmente adotados porque promovem a
desafios. Se o princípio constitutivo da soberania utilidade individual. Uma vez estabelecidas, tais
fosse alterado, seria difícil imaginar que qualquer práticas são reforçadas pelo crescimento dos
outro regime internacional permanecesse regimes. A maioria dos motoristas estadunidenses
inalterado. (fora da cidade de Nova York) sentiria no mínimo
uma ponta de desconforto ao atravessar
IV.4. Usos e costumes
ilegalmente um semáforo vermelho em um
Os últimos dois tipos de variáveis causais que cruzamento vazio. O comportamento que no
afetam o desenvolvimento de regimes são os usos começo era apenas uma questão de auto-interesse
e costumes e o conhecimento. Os usos e egoísta é agora reforçado por normas amplamente
costumes serão discutidos nesta seção e o compartilhadas. De maneira similar, Young (1982)
conhecimento na seguinte. Os usos e costumes e argumenta que as ordens impostas com sucesso
conhecimento não são vistos nesta edição como finalmente são sustentadas por hábitos de
varáveis exógenas capazes de gerar regimes por obediência. (Não está claro se, sem esses hábitos,
si mesmas. Ao contrário, eles sustentam e o conceito de Young de ordens impostas atende à
reforçam as pressões associadas ao auto-interesse definição de regime usada nesta edição.) Um
egoísta, ao poder político e aos valores padrão de comportamento inicialmente
disseminados. estabelecido via coerção econômica ou pela força
pode ser visto como legítimo por aqueles sobre
O uso refere-se aos padrões regulares de
os quais o padrão foi imposto. O uso leva a
comportamento baseados na prática efetiva; o
expectativas compartilhadas, que se difundem
costume, às práticas existentes há longo tempo
como princípios e normas.
(WEBER, 1977, p. 29). A importância do
comportamento rotinizado é particularmente IV.5. Conhecimento
significativa nas visões de Puchala e Hopkins
A última variável utilizada para explicar o
(1982) e Young (1982). Para esses autores, o
desenvolvimento de regimes é o conhecimento.
comportamento padronizado, gerado
Assim como os usos e costumes, o conhecimento
originalmente por puras considerações de interesse
é normalmente tratado como uma variável
ou poder, tem uma forte tendência a gerar
interveniente e não como uma variável exógena.
expectativas compartilhadas. É provável que o
Em um estudo anterior, Ernest Haas – o defensor
comportamento padronizado acompanhado de
mais destacado nesta edição da importância do
expectativas compartilhadas assuma um
conhecimento – definiu o conhecimento como “a
significado normativo: as ações baseadas
soma da informação técnica e das teorias a
puramente em cálculos instrumentais podem ser
respeito dessa informação que gera um consenso
consideradas como comportamentos baseados
pleno em um determinado momento entre os
em regras ou princípios. Esses comportamentos
atores interessado e cujo objetivo é servir como
ganham legitimidade. De fato, uma grande parcela
guia para que políticas públicas alcancem alguma
do Direito Comercial ocidental desenvolveu-se a
meta social” (HAAS, 1980a, p. 367-368). Em seu
partir de usos e costumes gerados inicialmente
artigo desta edição, Haas demonstra as
por interesses próprios. As práticas que
potencialidades inerentes a uma postura de
começaram como arranjos privados ad hoc mais
“evolucionismo cognitivo”, que enfatiza a
tarde se tornaram a base do Direito Comercial
sensibilidade para com as conseqüências da
oficial (BERMAN & KAUFMAN, 1978;
geração de novos conhecimentos. O
TRAKMAN, 1980; 1981).
conhecimento cria uma base para a cooperação
Na discussão de Oran Young (1982) sobre ao destacar as interconexões complexas que não
regimes espontâneos e impostos, os usos e eram previamente entendidas. O conhecimento
costumes têm papel significativo. Young não faz pode não somente acentuar as possibilidades de
grandes reivindicações sobre as condições comportamento estatais convergentes, como
específicas que criam regimes espontâneos. também transcender as “linhas predominantes de

106
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 93-110 JUN. 2012

clivagem ideológica” (idem, p. 368). Além disso, contexto de um dado conjunto de princípios e
o conhecimento pode propiciar uma base comum normas. Em contraste, a “mudança
tanto para aquilo que Haas chama de “abordagens revolucionária”, que gera novos princípios e
mecânicas” (as teorias sociais mais normas, é associada a variações de poder. Como
convencionais) como para o que o autor chama exemplo de mudança evolucionária, Benjamin
de “abordagens orgânicas” (o igualitarismo e Cohen (1982) indica que o sistema de taxa de
diversas perspectivas ambientalistas). câmbio fixa acordado em Bretton Woods baseou-
se em entendimentos oriundos da experiência do
Para o conhecimento ter um impacto autônomo
período entre guerras e do conhecimento da época
no sistema internacional, ele deve ser amplamente
sobre instituições e estruturas monetárias
aceito pelos tomadores de decisões. Stein (1982)
domésticas. Os estados eram extremamente
aponta que as regras relativas à saúde – como os
sensíveis à desvalorização competitiva e não
regulamentos de quarentena – foram radicalmente
confiavam que as políticas monetárias domésticas
alteradas por novos conhecimentos científicos,
pudessem prover um isolamento em relação aos
tais como o uso de vacinas preventivas e as
distúrbios externos. Por outro lado, foi muito mais
descobertas do micróbio que causa a cólera e do
fácil aceitar o regime de taxa de câmbio flutuante
mecanismo de transmissão da febre amarela por
nos anos 1970, pois o conhecimento e a
mosquitos. Antes de descobertas como essas, as
capacidade institucional correlata para controlar
regras nacionais de saúde eram primordialmente
a moeda haviam melhorado substancialmente. Em
definidas por preocupações políticas. Entretanto,
um mundo altamente complexo, em que as metas
após tais descobertas, o comportamento nacional
são freqüentemente mal definidas e muitas
passou a ser determinado por um regime
conexões são possíveis, o conhecimento
internacional, ou pelo menos por um conjunto de
consensual pode facilitar imensamente os acordos
regras ditadas pelo conhecimento cientifico
para o desenvolvimento de regimes internacionais.
reconhecido. Jervis (1982) argumenta que na
Esse conhecimento pode iluminar um caminho
presente arena de segurança internacional, as
em um ambiente que de outra forma seria obscuro
possibilidades de um regime de controle de armas
e indiscernível.
podem depender de se a União Soviética e os
Estados Unidos vêem a questão da mesma forma. Em suma, os artigos desta edição e a literatura
Em particular, a aceitação da destruição mútua em geral oferecem uma diversidade de explicações
assegurada 15 pode prover as bases para um para o desenvolvimento de regimes. As duas
regime. Sem consenso, o conhecimento pode ter variáveis exógenas mais destacadas são o auto-
pouco impacto no desenvolvimento de regimes interesse egoísta (normalmente econômico) e o
em um mundo de estados soberanos. Se apenas poder político. Além disso, os valores e as normas
algumas partes compartilharem um conjunto disseminados, tais como a soberania e a
específico de crenças, sua importância será propriedade privada, podem condicionar o
totalmente mediada pelo poder de seus seguidores. comportamento em determinadas áreas temáticas.
Finalmente, os usos e costumes e o conhecimento
O novo conhecimento pode fornecer a base
podem contribuir para o desenvolvimento de
para aquilo que Puchala e Hopkins (1982) chamam
regimes.
de “mudança evolucionária”, a qual normalmente
envolve alterações de regras e procedimentos no V. CONCLUSÃO
Ao abordar as duas questões básicas que
15 A “destruição mútua assegurada” é conhecida em inglês guiaram este exercício teórico – o impacto dos
por “mutual assured destruction” ou, ainda, por sua sigla regimes sobre os correspondentes
“MAD”, ou seja, “louco”. O raciocínio subjacente à comportamentos e resultados, por um lado, e a
“destruição mútua assegurada” é o seguinte: em um relação entre as variáveis causais básicas e os
ambiente internacional anárquico caracterizado pelas regimes, por outro lado – os artigos desta edição
difusão das armas nucleares, caso um país decida lançar refletem duas visões diferentes das relações
suas bombas sobre outro que também possua bombas
internacionais. A perspectiva grociana, observada
nucleares, a resposta será imediata e retaliatória, de tal
modo que a destruição mútua será garantida. Como, aliás, nos artigos de Puchala e Hopkins (1982) e Young
tal cenário, embora possível, é política e humanamente (1982), vê os regimes como uma faceta
problemático, justifica-se o acrônimo “mad” (N. T.). disseminada da interação social. Essa abordagem

107
CAUSAS ESTRUTURAIS E CONSEQUÊNCIAS DOS REGIMES INTERNACIONAIS

é ampla na descrição das causas fundamentais rejeitam uma análise estrutural estreita que, por
dos regimes: interesse, poder, normas difundidas, um lado, postula uma relação direta entre
costumes e conhecimento podem ter relevância mudanças em variáveis causais básicas e os
na formação de um regime. Esses fatores causais correlatos comportamentos e resultados e que,
podem manifestar-se por meio do comportamento por outro lado, nega a utilidade do conceito de
de indivíduos, de burocracias específicas e das regime. Por isso eles são criticados por Susan
organizações internacionais, assim como dos Strange (1982). Entretanto, as restrições para-
estados. métricas básicas dessas análises são idênticas
àquelas utilizadas pelos argumentos estruturalistas
A orientação realista estrutural que permeia os
mais convencionais. Os pressupostos analíticos
demais artigos desta edição é mais circunspecta.
básicos são os mesmos. As abordagens que
O caso exemplar ou padrão da perspectiva realista
tratam os regimes como variáveis intervenientes
não inclui os regimes internacionais. Os regimes
e consideram os interesses e poder do Estado
surgem apenas em condições restritas
como variáveis causais básicas encaixam-se sem
caracterizadas pela falha na tomada de decisão
ambigüidades no paradigma realista estrutural.
individual em assegurar os resultados desejados.
Uma abordagem mais séria do raciocínio
As variáveis causais básicas que levam à criação
estruturalista ocorre quando os regimes são vistos
dos regimes são o poder e o interesse. Os atores
como variáveis autônomas que afetam inde-
básicos são os estados.
pendentemente não apenas os comportamentos e
Os argumentos apresentados por Cohen resultados correlatos, como também as variáveis
(1982), Jervis (1982), Keohane (1982), Lipson causais básicas que conduziram inicialmente à sua
(1982), Ruggie (1982) e Stein (1982), de fato vão criação. Essa linha de raciocínio é examinada na
além das orientações realistas convencionais. Eles conclusão deste volume.

Stephen D. Krasner (skrasner@stanford.edu) é Doutor em Ciência Política pela Universidade de Harvard


(Estados Unidos) e Professor da Universidade de Stanford (Estados Unidos).

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110
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 215-219 JUN. 2012

STRUCTURAL CAUSES AND REGIME CONSEQUENCES: REGIMES AS INTERVENING


VARIABLES
Stephen D. Krasner
Abstract: International regimes are defined as principles, norms, rules and decision making procedures
around which actor expectations converge in a given issue area. As a starting point, regimes have
been conceptualized as intervening variables, standing between basic causal factors and related
outcomes and behaviour. There are three views about the importance of regimes: conventional
structural orientations dismiss regimes as being at best ineffectual; Grotian orientations view regimes
as an intimate component of the international system; and modified structural perspectives see regimes
as significant only under certain constrained conditions. For Grotian and modified structuralist
arguments, which endorse the view that regimes can influence outcomes and behavior, regime
development is seen as a function of five basic causal variables: egoistic self interest, political power,
diffuse norms and principles, custom and usage, and knowledge
KEYWORDS: International Regimes; Intervening Variables; Behavior; Grotianism; Modified
Structuralism.
* * *
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 223-228 JUN. 2012

LES CAUSES STRUCTURELLES ET LES CONSÉQUENCES DES RÉGIMES


INTERNATIONAUX : LES RÉGIMES COMME DES VARIABLES INTERVENANTES
Stephen D. Krasner
Les régimes internationaux sont définis comme des principes, normes, règles et procédures de prise
de décisions autour desquels les expectatives des auteurs se dirigent vers un certain domaine et
thème. Comme point de départ, les régimes sont considérés comme des variables intervenantes,
étant entre des facteurs causaux basiques et les résultats et comportements liés à eux. Il y a trois
visions par rapport à l’importance des régimes : les orientations structurelles conventionnelles
dévalorisent les régimes comme étant, dans la meilleure hypothèse, inefficaces ; les orientations
grotiennes voient les régimes comme des composants intimes du système international ; les
perspectives structuralistes modifiées ne voient les régimes comme étant significatifs que dans
certaines conditions restreintes. Pour les arguments grotiens et structuraliste modifié – qui sont
d’accord avec la vision selon laquelle les régimes peuvent influencer des résultats et des comportements
-, le développement de régimes est vu comme une fonction de cinq variables causales fondamentales :
intérêt égoïste ; pouvoir politique ; normes et principes diffus ; usages et habitudes ; connaissance.
MOTS-CLÉS : régimes internationaux ; variables intervenantes ; comportement ; grotianisme;
structuralisme modifié.

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