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GONÇALVES, REINALDO. Desenvolvimento às Avessas.

Verdade, má-fé e ilusão no atual modelo brasileiro de


desenvolvimento. Rio de Janeiro, LTC, 2013.

Capítulo 6
Custos das Reservas
Internacionais

E ste capítulo aborda dois temas complementares: o custo das


reservas internacionais e o empréstimo do país ao FMI em
2010. A formação de reservas internacionais pode ser passiva ou
ativa. Na formação passiva, as variações (incrementos ou redu-
ções de haveres externos) respondem a fatores externos (nível
de renda mundial, liquidez internacional, taxa de juro, preço do
petróleo etc.) e internos (quebra de safra agrícola, liberalização
financeira, oferta monetária, acesso ao mercado financeiro in-
ternacional, dívida pública, regime cambial etc.). No segundo, a
acumulação ativa de reservas ocorre de acordo com os objetivos
definidos pelo Estado nacional.

6.1 Níveis Estratégico, Ótimo e Crítico


A acumulação ativa de reservas internacionais está associada a
três níveis distintos: estratégico, ótimo e crítico. O nível estra-
tégico é o das reservas internacionais suficientemente elevadas,
que garantem significativa capacidade de resistência do país a
pressões externas envolvendo mudanças no seu modelo de de-
senvolvimento e na sua política externa. O nível estratégico parte
da visão de que a arena internacional é locus de conflito ou riva-
lidade entre Estados nacionais. Portanto, a reserva internacional
é vista como instrumento econômico importante para o exercí-
cio do poder no sistema internacional. Para ilustrar, podem-se
mencionar os casos do Japão e da China. O “milagre” japonês
dos anos 1960-1970 provocou fissuras na hegemonia econômica

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dos Estados Unidos. Em consequência, o Japão precisou acumular enormes re-


cursos de reservas internacionais para enfrentar as pressões, que aumentavam
nos anos 1980. Dentre essas pressões, cabe destacar os acordos que levaram à
apreciação da moeda japonesa em 1985-1987. O acirramento da concorrência
internacional causado pela economia japonesa gerou maior rivalidade interna-
cional. A pressão dos países ocidentais foi no sentido de enfraquecer a força do
modelo exportador japonês, inclusive com políticas protecionistas.
Situação não muito diferente tem sido sentida pela China desde o início do
século XXI. Esse país se transformou no ator protagônico da globalização eco-
nômica, pois tem afetado significativamente os fluxos internacionais de bens,
serviços e capital, o nível e o padrão da concorrência internacional e o sistema
de interdependência entre as economias nacionais. Não é por outra razão que
há crescente pressão internacional sobre a China para apreciar sua moeda e
limitar suas condições de acesso ao mercado de outros países. Na realidade, a
pressão internacional é no sentido de mudar o modelo de desenvolvimento chi-
nês, lançado no final dos anos 1970. Este modelo tem causado tanto benefícios
(principalmente derivados da competição via preços e da demanda internacio-
nal por matérias-primas) como custos (degradação ambiental, elevada explo-
ração do trabalhador chinês, forte acirramento da concorrência internacional,
sérios desafios de ajuste estrutural no resto do mundo etc.). O elevado nível das
reservas internacionais da China é, de fato, um instrumento econômico de valor
estratégico para enfrentar as pressões internacionais.
O nível ótimo é o mais examinado pela literatura econômica. O nível ótimo
de reserva é aquele em que o benefício social equivale ao custo social das reser-
vas (BAUMANN et al., 2004, pp. 189-192). Na realidade, o foco do nível ótimo
de reservas é a estabilização macroeconômica. O benefício social tem dois com-
ponentes: a remuneração das reservas (retorno financeiro) e o produto social
marginal das reservas. Esse último resulta do benefício que o país tem ao reter
US$ 1 bilhão adicional de reservas que podem ser usadas para a proteção frente
a fatores desestabilizadores internos e externos que afetam a taxa de câmbio e
o nível geral de preços (inflação). A quebra da safra agrícola tende a provocar
inflação, porém a queda da oferta interna pode ser compensada com a importa-
ção. As reservas também podem ser usadas para proteger o sistema bancário e o
sistema financeiro doméstico no contexto da liberalização financeira, da flutua-
ção cambial e do risco de saídas abruptas de capital (OBSTFELD et al., 2008).
O custo social das reservas é, por seu turno, o custo de oportunidade expresso
pelo produto marginal decorrente do uso das reservas internacionais. As reser-
vas internacionais podem ser usadas para mobilizar recursos reais (construção
de infraestrutura, importação de tecnologia e bens de capital etc.) que têm pro-
duto marginal (agregam renda para o país). Abaixo do nível ótimo, o país tem
benefício social (de acúmulo de mais US$ 1 bilhão de reservas) maior do que

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o custo social de agregar este montante ao estoque de reservas. Portanto, cabe


incrementar o nível das reservas. Por outro lado, reservas em excesso não fazem
sentido econômico, visto que o custo social é maior do que o benefício social. No
nível ótimo de reservas, o benefício social é igual ao custo social.
O nível mínimo ou crítico de reservas internacionais serve para o país se
proteger de reduções abruptas de ingresso de capital externo de curto prazo que
derivam de ataques especulativos e fuga de capitais (AIZENMANN; JAEWOO,
2005). Esse nível mínimo também garante proteção no caso de crises financeiras
internacionais de curto e médio prazo (DOMINGUEZ et al., 2011). Na realida-
de, há um nível mínimo de reservas que deve ser mantido e que previne crise
cambial. Se as reservas caírem abaixo do nível mínimo, há forte deterioração
das expectativas sobre o risco de crise cambial. Essa deterioração de expectati-
vas se autorrealiza com a elevação da demanda por divisas e a fuga de capitais.
O nível mínimo ou crítico de reservas foi introduzido em acordos do FMI desde
o final do século XX. Esse nível é a base dos chamados “modelos de primeira ge-
ração” sobre crises cambiais e é determinado por inúmeros fatores como oferta
monetária, regime cambial e política cambial (KRUGMAN, 1992).
Então, a política ativa de acumulação de reservas abarca três enfoques: inser-
ção soberana (nível estratégico), ajuste macroeconômico (nível ótimo) e preven-
ção de crise cambial (nível mínimo). Vale destacar que todos os três enfoques
procuram reduzir a vulnerabilidade externa do país. No enfoque estratégico, a
questão básica é a vulnerabilidade externa estrutural, cuja redução é eixo cen-
tral da inserção internacional soberana. No enfoque do nível ótimo, privilegia-se
a estabilização macroeconômica associada principalmente à taxa de câmbio e à
inflação. E, por fim, no enfoque do nível crítico, predomina a prevenção ou pro-
teção contra ataques especulativos e fugas de capital que geram crise cambial.
Esta seção tem dois argumentos centrais. O primeiro é que o aumento das
reservas internacionais do Brasil foi passivo, visto que não refletiu qualquer
visão clara por parte do Governo Lula. Portanto, a acumulação de reservas não
expressou diretrizes ativas decorrentes dos enfoques referentes aos níveis es-
tratégico, ótimo ou crítico. O segundo argumento é que, considerando a vulne-
rabilidade externa estrutural, as fragilidades e as características da economia
brasileira, o custo das reservas internacionais do país é muito elevado. A análise
empírica está concentrada neste segundo argumento.
Entretanto, em relação ao primeiro argumento, vale destacar que o Brasil
acompanhou a tendência internacional de acúmulo de reservas internacionais a
partir do início de 2006. Isto é, o acúmulo foi determinado, em grande medida,
pela expansão da liquidez internacional e pelo avanço da globalização finan-
ceira. Conforme mostra a Figura 6.1, houve forte aceleração do aumento das
reservas no final da fase ascendente do ciclo internacional, no segundo semestre
de 2007, quando surgiram os primeiros sinais de crise nos Estados Unidos. A

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partir de então, o crescimento das reservas teve significativa desaceleração até


meados de 2008, quando eclodiu a crise financeira global. Nos meses seguintes,
até meados de 2009, as reservas mantiveram-se relativamente estáveis em torno
de US$ 200 bilhões. Com as mudanças na política anticrise nos EUA, houve
novo aumento da liquidez internacional, que repercutiu na expansão das reser-
vas internacionais do Brasil. O que esses movimentos indicam é a trajetória de
“passeio aleatório” das reservas internacionais do país. Esse “passeio aleatório”,
com marcantes acelerações e desacelerações, é decorrência da passividade da
gestão das reservas. Portanto, o nível de reservas do país é função direta da
conjuntura internacional. Naturalmente, isso não impede que ocasionalmente
o governo intervenha no mercado cambial sob pressão de setores dominantes,
com destaque para o agronegócio, que perdem com a apreciação cambial.

Figura 6.1 Reservas internacionais do Brasil em US$ bilhões e variação percentual: 2005-2011.

6.2 Custos Cambial e Fiscal


O tema dos custos das reservas internacionais requer breve discussão conceitu-
al. Há dois custos distintos derivados da manutenção de reservas internacionais:
custo cambial e custo fiscal. O custo cambial expressa a diferença entre a taxa
média de retorno de ativos de estrangeiros no país e a taxa média de remune-
ração das reservas internacionais brasileiras que são aplicadas no sistema fi-
nanceiro internacional. O custo cambial é particularmente importante no caso
do Brasil, onde há grande diferença entre as taxas de remuneração dos ativos
e dos passivos externos. Esse custo é medido em divisas estrangeiras (dólares
dos EUA), visto que os ativos estrangeiros no Brasil podem ser convertidos em

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dólares e geram remessas que são em dólares. As reservas internacionais são


denominadas em dólares e investidas no exterior e, em consequência, o país ob-
tém renda (juros) em dólares ou em qualquer outra divisa estrangeira. O custo
cambial é calculado multiplicando-se o valor médio das reservas internacionais
pela diferença entre a taxa média de retorno de ativos de propriedade de es-
trangeiros no país e a taxa média de remuneração das reservas internacionais
brasileiras. A taxa média de retorno de ativos de estrangeiros no país é calcu-
lada como a razão entre as remessas de lucros, dividendos e lucros e o passivo
externo médio (média geométrica do passivo no início e no final do ano).
Para simplificar, tomemos o seguinte exemplo: há ingresso de investimento
externo no Brasil no valor de US$ 1 bilhão e, ao longo de um ano, este inves-
timento rende 10,1%. Supondo desvalorização cambial de 6% nesse período, a
taxa de remuneração em dólares do investimento estrangeiro é 4,1%. Os dólares
assim obtidos (U$ 41 milhões) são remetidos ao exterior. Suponhamos que esse
ingresso de US$ 1 bilhão tenha sido inteiramente comprado pelo Banco Cen-
tral, que passou a ter haveres externos, que são aplicados e recebem a remunera-
ção anual de 1,9% (US$ 19 milhões). Nesse caso, a diferença entre a despesa de
lucros e juros do investimento estrangeiro (US$ 41 milhões) e a receita de juro
da aplicação das reservas internacionais (US$ 19 milhões) corresponde ao custo
cambial (US$ 22 milhões); ou seja, o custo de carregamento ou manutenção das
reservas (em dólares) é 2,2% do valor das reservas.
As estimativas de custo cambial são apresentadas na Tabela 6.1, para o
período 2009-2011, em que as reservas cresceram continuamente. O custo cam-
bial médio anual foi de US$ 5,7 bilhões nesse período. Para se ter ideia da im-
portância relativa desses recursos, cabe compará-los com o superávit da balança
comercial de bens no período. Segundo as estimativas, o custo cambial médio
das divisas representou 22,7% do superávit comercial. Esse impacto é significa-
tivo e implica vulnerabilidade externa estrutural da economia brasileira, visto
que uma parcela significativa do superávit comercial é “desviada” para o custo
de manutenção das reservas internacionais.

Tabela 6.1  Reservas Internacionais do Brasil - Custo Cambial (Valores em US$ Milhões):
2009-2011

  2009 2010 2011 Média


Reservas internacionais, média anual (A) 214.991 262.356 318.719 265.356
Taxa de remuneração das reservas
2,2 1,6 2,0 1,9
internacionais (B)
Reservas internacionais - remuneração
4.757 4.070 6.342 5.089
(C = A × B)

(Continua)

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Tabela 6.1  Reservas Internacionais do Brasil - Custo Cambial (Valores em US$ Milhões):
2009-2011 (Continuação)

  2009 2010 2011 Média


Taxa de retorno sobre o passivo externo
4,9 3,7 3,9 4,1
médio (%) (D)
Reservas internacionais - despesa com
10.560 9.647 12.480 10.799
passivo equivalente (E = A × D)
Custo cambial (despesas menos
5.803 5.577 6.138 5.710
remuneração) (F = E − C)
Diferencial entre taxa de custo do passivo
externo e remuneração das reservas (%) 2,7 2,1 1,9 2,2
(G = B − D)
Custo cambial/superávit balança comercial
22,9 27,6 20,6 22,7
de bens (%)
Fonte e nota: elaboração do autor com base em dados do Banco Central.

O custo fiscal, por seu turno, expressa a diferença entre o custo médio da
dívida pública mobiliária federal interna (DPMFi) e a remuneração das reservas
internacionais (KÖHLER, 2011). O pressuposto básico é o da esterilização do
aumento da oferta de moeda doméstica em decorrência da compra de reservas
internacionais pela autoridade monetária (Banco Central). Assim, quando há o
ingresso de US$ 1 bilhão no Brasil na forma de investimentos ou empréstimos,
é necessário emitir moeda para a compra das divisas e, simultaneamente, há a
compensação desta emissão de moeda com a emissão de títulos, para que não
haja expansão da quantidade de moeda. O resultado é o aumento da DPMFi,
que tem custo igual à média ponderada das remunerações pagas pelo Tesouro
Nacional aos detentores de títulos públicos.
O cálculo do custo fiscal supõe, ainda, que não há variação cambial. Nesse
caso, o cálculo do custo fiscal é simples, visto que, para a obtenção dos rendimen-
tos obtidos pelo Banco Central na aplicação das reservas, basta multiplicar o nível
médio das reservas (denominadas em dólares) pela taxa de câmbio média e pela
taxa de remuneração. As despesas do Tesouro são calculadas multiplicando-se as
reservas pela taxa de câmbio e pelo custo médio da DPMFi. Para ilustrar e sim-
plificar, supomos que estrangeiros investem US$ 1 bilhão em títulos públicos no
Brasil e que o custo médio anual da DPMFi seja 11,8% (naturalmente, em reais) e
a remuneração anual das reservas internacionais seja 1,9% (em dólares). Na hipó-
tese da taxa de câmbio constante de R$ 2,00 por dólar estadunidense, a compra
de US$ 1 bilhão, que são incorporados às reservas, implica custo anual para o
Tesouro Nacional de R$ 236 milhões, ou seja, 11,8% de R$ 2 bilhões. Ocorre que

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as reservas foram aplicadas a 1,9%, o que gera rendimentos de R$ 38 milhões (US$


19 milhões x 2,00). O resultado é o custo fiscal de R$ 198 milhões (R$ 236 milhões
de pagamento de juro sobre a DPMFi menos rendimento de R$ 38 milhões sobre
as reservas internacionais). O custo fiscal relativo é 9,9% do montante das reservas
convertidas em moeda nacional ou da dívida pública criada para a compra dessas
reservas, e é dado pelo diferencial relativo entre a taxa de juros dos títulos públi-
cos (11,8%) e a taxa de remuneração das reservas (1,9%).
As estimativas apresentadas na Tabela 6.2 mostram que o custo fiscal aumen-
tou continuamente no período 2009-2011. Houve crescimento extraordinário
das reservas e, portanto, aumento do custo fiscal. O que se constata é que o
custo fiscal médio anual foi de R$ 47,2 bilhões. Esse custo é muito elevado, vis-
to que, neste período, correspondeu, em média, a 71,7% do superávit primário
total do governo federal e 1,3% do PIB.

Tabela 6.2  Brasil - Custo Fiscal (Valores em R$ Milhões): 2009-2011


  2009 2010 2011 Média
Reservas internacionais, média anual (RS$
429.287 461.592 533.595 474.825
milhões) (A)
Custo médio da dívida pública mobiliária
10,8 11,9 12,6 11,8
federal interna (%) (B)
Custo das reservas (R$) (C = A × B) 46.492 55.068 67.286 56.282

Taxa de remuneração das reservas (D) 2,2 1,6 2,0 1,9


Remuneração das reservas (R$ milhões) (E =
9.499 7.161 10.618 9.092
A × D)
Custo fiscal das reservas (R$ milhões)
36.993 47.907 56.669 47.190
(F = C − E)
Resultado primário do governo central (R$
39.436 78.773 93.525 70.578
milhões) (G)
Custo fiscal/resultado primário (%)
93,8 60,8 60,6 71,7
(H = F / G)
Diferencial entre custo médio da dívida
pública mobiliária federal interna e 8,6 10,4 10,6 9,9
remuneração das reservas (%) (I = B − D)
Resultado primário do governo central
1,2 2,1 2,3 1,9
(% PIB) (J)
Custo fiscal (% do PIB) (K = H × J) 1,1 1,3 1,4 1,3
Fonte e nota: elaboração do autor com base em dados do Banco Central e da Secretaria do Tesouro Nacional.

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142 Capítulo 6

A Figura 6.2 resume os principais resultados e mostra, claramente, que há sig-


nificativos custos de carregamento das reservas internacionais do país. Os eleva-
dos custos cambial e fiscal expressam os diferenciais entre, a baixa remuneração
das reservas, de um lado, e, de outro, o retorno mais elevado obtido pelo capital
internacional atuando no Brasil e o alto custo da dívida pública do país.

Figura 6.2  Reservas internacionais do Brasil – custo cambial e custo fiscal em percentual: 2009-
2011.

Na medida em que a economia brasileira apresenta riscos maiores relativa-


mente ao resto do mundo, a taxa de retorno sobre o capital estrangeiro no Brasil
tende a ser mais elevada do que a taxa obtida sobre os ativos externos do país,
inclusive as reservas internacionais. E, como fator agravante, deve ser destacado
que o custo da dívida pública tende a ser mais elevado no Brasil devido ao foco
quase que exclusivo da política monetária no controle da inflação, segundo o
regime de metas. Nesse ponto, cabe mencionar que a taxa de inflação brasi-
leira tem se mantido recorrentemente acima da média e da mediana do resto
do mundo nos últimos anos. Por exemplo, no período 2009-2011, as taxas de
inflação do Brasil mantiveram-se entre a 63a e a 65a posições no painel de 184
países-membros do FMI com taxas dispostas em ordem decrescente.

6.3 Empréstimo ao FMI


Em 2009, o governo brasileiro se comprometeu a contribuir com US$ 10 bilhões
para reforço dos recursos do FMI. Em janeiro de 2010, foi assinado o acordo

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entre o Brasil e o FMI, que emitiu notas promissórias, remuneradas segundo


a taxa de juro do Direito Especial de Saque (DES – moeda escritural do FMI).
A taxa de juro que incide sobre o DES é calculada como a média ponderada
das taxas de juros sobre títulos de curto prazo das quatro principais moedas
do mundo (dólar dos Estados Unidos, ien, libra esterlina e euro). Em junho de
2012, essa taxa anual era 0,12%. Portanto, mantida essa taxa, o empréstimo de
US$ 10 bilhões ao FMI gera remuneração anual de US$ 12 milhões. Supondo
que o passivo externo brasileiro tem retorno médio de 4,1% ao ano, o custo cam-
bial de reservas de US$ 10 bilhões é US$ 410 milhões. Portanto, o custo cambial
anual do empréstimo ao FMI é US$ 398 milhões. No período de três anos (2010-
2012), o custo cambial total do empréstimo ao FMI chega a US$ 1,2 bilhão.
O custo cambial também pode ser analisado na ótica do custo de oportunidade
em relação a outros haveres externos. Supomos que a taxa média de remuneração
das reservas internacionais do país, aplicadas no sistema financeiro internacional
(fora do FMI) é 1,9%. Nesse caso, o empréstimo ao FMI tem custo cambial de US$
178 milhões anualmente, visto que o país deixa de receber US$ 190 milhões ao ano
se aplicar no sistema financeiro internacional (títulos do Tesouro dos EUA etc.),
enquanto do FMI ele recebe somente US$ 12 milhões. De fato, o Brasil está pagan-
do anualmente US$ 178 milhões para emprestar ao FMI. Considerando o período
2010-2012, o custo cambial do empréstimo ao FMI supera US$ 500 milhões.
Ademais, deve-se considerar o custo fiscal. Supondo que o custo médio da
dívida mobiliária federal interna seja 11,5% ao ano, a taxa de juro do DES per-
maneça em torno de 0,12% ao ano e a taxa de câmbio médio seja R$ 1,80/US$, o
custo fiscal médio anual é R$ 2 bilhões [R$ 18 bilhões × (11,5% - 0,12%)]. Em três
anos, o custo fiscal do empréstimo do Brasil ao FMI é R$ 6 bilhões.
Há três argumentos que podem ser usados para justificar esses custos. O pri-
meiro é que se trata do custo financeiro que tem benefício político. O custo é o
“pedágio” que o Brasil tem que pagar para obter o benefício de participar mais
ativamente das reuniões do G-20 ou do FMI. Entretanto, esse benefício é alta-
mente duvidoso, visto que as questões-chave dos sistemas monetário e financei-
ro internacionais são decididas basicamente entre os países que têm as moedas-
chave: EUA, Grã-Bretanha, Japão e União Europeia (leia-se Alemanha).
O segundo argumento é que há benefício em decorrência do maior poder de
voto do país no FMI. Como resultado de negociações, o poder de voto do Brasil
aumentou de 1,38% para 1,71% em março de 2011. Os acordos também impli-
caram aumento adicional, de tal forma que o poder de voto do Brasil chegue a
2,22% no futuro. Entretanto, a revisão do sistema de poder de voto no FMI não
tem maior impacto, visto que, no acordo de 2010, a proposta é que a participação
dos países desenvolvidos caia de 57,9% para 55,3%, sendo que os EUA, que são o
maior cotista do FMI, terão seu poder de voto reduzido de 16,7% para 16,5%. Na
realidade, estas mudanças não têm maior significado político prático.

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144 Capítulo 6

O terceiro e último argumento é o da solidariedade internacional, na medida


em que a contribuição do Brasil ao FMI tem como objetivo principal ajudar paí-
ses que tiveram dificuldades de ajuste das suas contas externas após a eclosão da
crise global, como é o caso de Portugal, Grécia etc. Entretanto, esse argumento
deixa de lado uma consideração importante associada ao ajuste vinculado aos
recursos do FMI. Os ajustes com apoio financeiro do FMI têm foco no paga-
mento do serviço da dívida externa e interna, horizonte temporal de médio pra-
zo (de modo geral, 3 anos) e forte viés recessivo. Em consequência, os acordos
com o FMI geram custos econômicos e sociais elevados. Portanto, ao reforçar
as linhas de financiamento do FMI, o Brasil contribui para aumentar a pressão
sobre os países para que façam ajustes com enormes custos sociais, econômicos,
políticos e até mesmo institucionais. Ademais, os programas do FMI têm como
diretrizes básicas a liberalização, privatização e arrocho fiscal. Essas diretrizes
frequentemente resultam em situações de maior fragilidade, vulnerabilidade e
crise dos países.
Outra consideração importante é que a ajuda aos países em crise poderia ser
feita diretamente por meio da compra de títulos da dívida pública destes países.
Ademais, esses títulos, que são denominados em moedas fortes (euro e dólar),
têm rendimentos relativamente elevados em decorrência da própria escassez de
financiamento para os países que enfrentam dificuldades.

6.4 Síntese
Este capítulo analisa o custo das reservas internacionais do país. O argumento
básico é que o país não tem uma estratégia de formação de reservas. De fato, o
crescimento das reservas internacionais respondeu, em grande medida, à con-
juntura de liquidez internacional e às pressões ocasionais do setor de agronegó-
cio nos períodos de grande apreciação cambial. As estimativas sobre custo das
reservas abordam dois lados da questão: custo cambial e custo fiscal. O primeiro
decorre da diferença entre a taxa média de retorno de ativos de estrangeiros no
país e a taxa média de remuneração das reservas internacionais brasileiras. No
período 2009-2011, o custo cambial (média anual) estimado é US$ 5,7 bilhões,
que representou 23% do superávit da balança comercial.
O custo fiscal, por seu turno, resulta da diferença entre o custo médio da dívida
pública mobiliária federal interna (DPMFi) e a taxa de remuneração das reservas
internacionais. Dado o enorme diferencial entre o custo da DPMFi e a remunera-
ção das reservas, o custo fiscal é muito elevado. O custo fiscal (média anual) esti-
mado para o período 2009-2011 é R$ 47 bilhões, que representou 72% do superávit
primário do governo central e 1,3% do PIB. Portanto, tanto na ótica cambial como
na fiscal, as reservas internacionais têm custos relativamente elevados para o país.

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Custos das Reservas Internacionais 145

Os custos das reservas internacionais atingem níveis ainda mais elevados no


caso do empréstimo feito ao FMI em 2010. Estimativas indicam que o custo fis-
cal médio anual é R$ 2 bilhões (aproximadamente US$ 1,1 bilhão à taxa média
de R$/US$ 1,80). O custo cambial anual é US$ 398 milhões, no caso em que o
custo de oportunidade do empréstimo é a redução do passivo externo do país,
e US$ 178 milhões, no caso em que o custo de oportunidade é a aplicação em
outros haveres externos. Os argumentos usados para se justificar estes custos
não se sustentam. O argumento de que o Brasil tem que pagar “pedágio para
participar da festa do G-20” é inqualificável e o argumento de que o país tem
benefícios com o aumento do poder de voto no FMI é equivocado. As mudanças
no esquema de poder de voto no FMI são marginais e claramente não afetam
a correlação de forças e a estrutura de dominação no sistema internacional. É
pura ilusão imaginar que os incrementos marginais de poder de voto aumentem
a influência do país no FMI.
Por fim, o aumento dos recursos do FMI transforma-se em instrumento po-
deroso de pressão sobre os países em crise para ajustes externos focados nos
pagamentos ao sistema financeiro, nas políticas de arrocho fiscal, que criam
graves problemas econômicos e sociais, e na promoção da agenda liberal, que
pode aumentar fragilidades e vulnerabilidades dos países em crise. Se a opção
é pela solidariedade internacional, o melhor instrumento é a compra de títulos
públicos dos países em situações de crise; alternativa esta que, ademais, tem o
benefício de retorno financeiro positivo para o país.

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