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Eduardo Basualdo
Compilador do livro junto com Enrique Arceo
Economista e artista argentino
A Reserva Federal dos Estados Unidos reduziu sua taxa de desconto de 6% em 2002
para cerca de 1% em 2003 e 2004, o que resultou em taxas de juros negativas em 2003,
2004 e 2005, quando comparadas aos preços dos produtos. Isso incentivou a demanda
por créditos hipotecários e levou a um aumento contínuo nos preços das residências.
A crescente demanda por créditos hipotecários foi acompanhada pelo aumento da oferta
de fundos financeiros e por condições mais favoráveis para a obtenção de crédito, o que
alimentou ainda mais a bolha imobiliária. Os bancos comerciais consolidaram
empréstimos hipotecários e os transferiram ao mercado, muitas vezes criando riscos de
inadimplência. Isso permitiu que eles continuassem emprestando.
O crédito ao consumo, incluindo cartões de crédito, empréstimos estudantis e
financiamento de veículos, também cresceu e foi titularizado por instituições
financeiras. O aumento nos preços das residências levou os consumidores a obter
segundas e terceiras hipotecas, expandindo ainda mais o endividamento.
No entanto, esse ciclo econômico apresentou diferenças significativas em relação ao ciclo
anterior. Enquanto a bolha imobiliária impulsionou o consumo, ela não teve um
impacto substancial no investimento produtivo e no emprego. O crescimento entre
2000 e 2007 foi mais lento do que nos ciclos anteriores, e a participação dos salários
na renda diminuiu. A crise imobiliária eventualmente afetou o crescimento econômico,
uma vez que o consumo baseado em endividamento foi impactado.
Além disso, o setor financeiro também expandiu sua dívida e as operações com
derivativos, criando um ambiente de risco financeiro. A queda nos preços das ações
após 2001 foi seguida por uma recuperação, mas havia uma fragilidade subjacente na
economia que leva ao desenvolvimento da subsequente crise financeira, destacada por
dois pontos principais:
1. O primeiro ponto observa que as hipotecas representavam uma parte relativamente
pequena dos ativos financeiros dos EUA, sendo que as hipotecas subprime, em
particular, representavam uma porção ainda menor. No entanto, à medida que o boom
imobiliário avançava, as hipotecas passaram a representar uma parte substancial dos
ativos financeiros dos bancos comerciais, chegando a 40% em 2007.
2. O segundo ponto trata da emissão de títulos lastreados por hipotecas e destaca que
essa emissão seguia características comuns a todas as Collateralized Debt Obligations
(CDOs). Os bancos reuniam um conjunto de títulos hipotecários (ou outros ativos, como
bônus corporativos, empréstimos para automóveis, empréstimos estudantis, cartões de
crédito, etc.) e transferiam esses conjuntos para entidades conhecidas como SIVs
(Special Investment Vehicles) ou Conduits. Essas entidades financiavam a compra desses
ativos que por meio de crédito de curto prazo, permitindo que os bancos removessem os
ativos de seus balanços para recuperar o capital e reiniciar a operação. Esses títulos
lastreados por hipotecas eram vendidos a investidores em diferentes tranches (faixas)
de risco, sendo que as tranches mais arriscadas absorveriam as primeiras perdas em
caso de inadimplência, e as tranches mais seguras eram frequentemente classificadas
como AAA, embora o pacote como um todo fosse composto em grande parte por
hipotecas subprime. O trecho também descreve como o aumento de inadimplências
levou a perdas em várias tranches, prejudicando a avaliação do valor dos títulos. Isso se
agravou à medida que as agências de classificação de risco rebaixavam as
classificações desses títulos, gerando uma desconfiança generalizada na solvência de
seus detentores. Isso levou a problemas de financiamento para veículos de investimento
e conduits no mercado de curto prazo, forçando-os a vender títulos a preços mais
baixos.
A partir desse ponto, o texto descreve uma sequência de eventos na crise financeira,
incluindo o colapso do banco de investimento Lehman Brothers, intervenções
governamentais em empresas como Fannie Mae e Freddie Mac, aquisições e falências
de várias instituições financeiras e uma ampla desaceleração econômica.
O texto sugere que a crise financeira resultou de uma combinação de fatores, incluindo
um alto grau de alavancagem das instituições financeiras, avaliações inadequadas de
risco, falta de preocupação com a capacidade de pagamento dos devedores e políticas
da Reserva Federal que estimularam o consumo das famílias e o endividamento. A
bolha imobiliária desempenhou um papel fundamental nessa dinâmica.
A desaceleração da economia dos EUA e a redução de seu déficit comercial implicam o fim
da expansão impulsionada pelas exportações que a economia mundial experimentou nos
últimos anos. Isso afetaria os países periféricos, forçando-os a se concentrar mais em seu
mercado interno.
Para enfrentar essa mudança, o texto sugere a renegociação de tratados da Organização
Mundial do Comércio (OMC), a criação de acordos regionais de financiamento e acordos
monetários, o controle de movimentos especulativos de capital e a modificação dos
sistemas financeiros nacionais para atender aos objetivos nacionais, especialmente das
camadas populares.
Em resumo, o texto aborda a natureza da crise nos Estados Unidos, suas implicações
econômicas globais e a necessidade de uma estratégia alternativa que priorize o
desenvolvimento econômico e social das camadas populares, diante das pressões do
capital transnacional e dos setores dominantes locais.
Essa consolidação do neoliberalismo nos países centrais não ocorreu apenas pela
expansão da transnacionalização do capital, mas também devido à destruição e
realocação a nível nacional de empresas. Essa mudança também ocorreu intensamente
em países periféricos, sendo a Argentina um exemplo paradigmático de um processo
prolongado e intenso de destruição de capital, resultando na perda de posições na
região. A partir de meados da década de 1970, a Argentina experimentou um longo
período de desindustrialização, com uma redução significativa no número de instalações
industriais, ocupação no setor e contribuição da produção industrial para o PIB. Durante
esse processo, houve uma considerável relocalização geográfica da produção
manufatureira, principalmente impulsionada por subsídios estatais de promoção
industrial. Isso enfraqueceu os centros industriais tradicionais, que eram fortemente
sindicalizados, gerando novos parques industriais em províncias menos industrializadas.
Uma característica importante desse processo é que a maior parte dos subsídios fiscais
foi direcionada para a mesma fração do capital nacional que desempenhou um papel
central na valorização financeira, ou seja, grupos econômicos locais. Isso resultou em uma
repatriação de capital industrial estrangeiro e na transferência de empresas para o capital
nacional durante os anos 1980, afetando setores como a produção metalmecânica e
automotiva.
Além disso, o texto destaca a modificação do "núcleo técnico" das empresas e de seus
contextos operacionais, que levou a uma mudança na natureza das transferências de
capital, como fusões e aquisições. Essas transferências desempenharam um papel
significativo no processo de reestruturação, especialmente na onda de privatizações de
empresas estatais, tanto na Argentina como em outros países. O texto também
menciona que a Argentina enfrentou uma intensa privatização de empresas estatais no
início da década de 1990, seguida pelo fenômeno da "extranjerización", que envolveu a
transferência da propriedade de empresas de capital nacional para o capital estrangeiro.
Esse processo teve características peculiares, pois afetou principalmente empresas
líderes e altamente lucrativas, principalmente no setor de serviços públicos.
Essas transformações e mudanças no país se desdobraram de maneira desigual e foram
influenciadas pela forma como as alianças sociais e o poder de elite foram articulados.
Além disso, a implementação das políticas neoliberais na Argentina ocorreu sob a
ditadura militar, resultando em um padrão de acumulação de capital específico
baseado na valorização financeira. Esse processo incluiu a evolução espetacular da
dívida externa e a fuga de capitais. Também é importante notar que uma fração do
capital nacional (grupos econômicos locais) desempenhou um papel proeminente tanto
na valorização financeira quanto em sua dissolução e reativação posterior.
O texto descreve três grandes crises financeiras que afetaram a América Latina,
especialmente a Argentina. A primeira crise começou na Polônia em 1981 e se
consolidou com a moratória mexicana de 1982, afetando toda a América Latina. A crise
do Tequila ocorreu no México em 1995, seguida pela crise asiática de 1997, que se
estendeu para países da Ásia, Europa Oriental e América Latina, incluindo a Argentina.
Essas crises foram exacerbadas pela desregulamentação dos movimentos de capital.
O texto destaca a contradição entre os devedores externos, como a classe dominante
argentina, e os credores externos, como o capital financeiro internacional. Durante as
crises, ocorria uma luta dentro do "bloco de poder" entre essas frações de capital, levando
a mudanças nas condições internacionais e nas relações entre capital e trabalho,
resultando em impactos negativos nos setores populares.
Após a crise de 2001 e 2002, a classe dominante argentina ganhou autonomia relativa,
beneficiada pelo crescimento econômico global, especialmente na China, e pelas disputas
internas no capital financeiro internacional. No entanto, apesar das mobilizações sociais,
a falta de um projeto alternativo para disputar o poder no país permitiu que essa fração
do capital mantivesse seu domínio. A situação se assemelha à década de 1930, mas com
um crescimento econômico significativo, destacando a complexidade das alianças
sociais em meio a uma transição. Essa fase de transição é marcada pelo rearranjo das
alianças sociais, com concessões políticas e econômicas aos setores populares,
enquanto a classe dominante mantém seu poder econômico e político.
No entanto, embora a coalizão política e social liderada pela oligarquia diversificada tenha
conseguido implementar sua política econômica, não conseguiu fazer o mesmo em
relação ao sistema político devido à crise de representação e ao desafio à
"governabilidade". Desde a década de 1970, a implementação da valorização financeira
modificou o sistema político argentino, levando a um "transformismo". No entanto, com a
dissolução da valorização financeira, tornou-se necessário abandonar o transformismo e
retornar a uma dinâmica política mais ligada à ideia de hegemonia, que envolve
concessões às classes subalternas para garantir a governabilidade.
Quadro para mostrar as taxas de crescimento das diferentes indústrias antes (1995-
2001) e após a dissolução do regime de "convertibilidade" (2002-2006), distinguindo
entre indústrias que abastecem principalmente o mercado interno, aquelas que têm
mercado interno e exportações e aquelas que vendem seus produtos principalmente no
exterior.
Fica evidente que a reversão na depressão industrial ocorreu amplamente após o fim do
regime de "convertibilidade", abrangendo todas as áreas industriais, sejam voltadas
para o mercado interno ou exportadoras. As indústrias cuja demanda é composta
principalmente pelo mercado interno foram as que mais se expandiram entre 2002 e
2006, enquanto aquelas voltadas para exportação também cresceram, mas em menor
intensidade. As atividades exportadoras foram as que menos caíram nos últimos anos do
regime de "convertibilidade", mas a expansão das indústrias voltadas para o mercado
interno é um traço importante para entender a natureza do crescimento econômico dos
anos recentes.
É notável que, durante esse tipo de expansão industrial, a participação dos assalariados
na renda não apenas é uma das mais baixas das últimas décadas, mas também está
abaixo do que foi alcançado em 2001. Isso sugere que o núcleo da demanda interna é
composto por não assalariados ou, talvez mais precisamente, pelos setores de maior
renda onde os não assalariados se encontram com os assalariados de maiores salários.
O texto destaca que a demanda externa e a demanda proveniente dos setores de maior
renda constituem a principal base do atual crescimento industrial, enquanto a
demanda gerada pela maioria dos assalariados atua apenas como um fator secundário.
Isso tem implicações históricas e econômicas, pois, embora o processo atual compartilhe
com a segunda etapa da substituição de importações (1958-1975) o protagonismo
industrial, ele difere em termos da composição da demanda. Durante a substituição de
importações, o consumo dos assalariados desempenhava um papel fundamental, o que
não ocorre atualmente. A menor influência dos assalariados significa que os atributos que
caracterizam o salário em termos macroeconômicos (como componente da demanda e
fator de custo) estão desequilibrados, já que sua importância no consumo tende a
diminuir, enquanto aumenta como um fator de custo a ser minimizado.
Além disso, o texto destaca que o aumento da participação dos salários não resultou de
forças de mercado, mas sim das políticas adotadas pelo governo para promover a
recuperação econômica e a reindustrialização. O governo implementou várias medidas,
como o aumento do salário mínimo, a incorporação de aumentos salariais de soma fixa
aos salários básicos e o estímulo às negociações coletivas de trabalho.
O texto também menciona as mudanças nos preços relativos e a relação entre salário real
e preços de atacado, indicando que as políticas estatais desempenharam um papel
importante na moderação dos preços e na manutenção do salário real. No entanto, o
aumento das pressões inflacionárias sugere uma tentativa de diluir os ganhos dos
trabalhadores e manter a distribuição de renda desigual.
Além disso, o texto observa que a classe trabalhadora enfrentou várias alterações
estruturais nas décadas anteriores, incluindo a desocupação, a terceirização, a
desregulamentação do mercado de trabalho e a expansão do trabalho não registrado.
Essas mudanças resultaram em uma classe trabalhadora heterogênea, com baixa taxa
de sindicalização e a dissolução das comissões internas que costumavam ser centrais na
organização dos trabalhadores.
O autor destaca que a contradição central na valorização financeira não se baseou na luta
entre o capital financeiro e o industrial, mas, surpreendentemente, o capital industrial
oligopólico foi o núcleo central desse processo de valorização financeira. As mudanças
macroeconômicas recentes são acompanhadas pela manutenção de uma alta
concentração e centralização de capital, embora seja notável a expansão desse
processo.
Em resumo, o texto explora a concentração de capital na economia argentina, mostrando
como as vendas das grandes empresas desempenham um papel importante no PIB e no
valor agregado. Também ressalta que o capital industrial oligopólico foi o principal
beneficiário da mudança de política econômica após a crise de 2001.
Notas finales
Na trajetória da economia argentina nas últimas décadas, podemos observar a
influência da hegemonia neoliberal que prevaleceu na economia global. Isso trouxe
características marcantes para o processo econômico a partir da década de 1970. O
estagnação e as frequentes crises econômicas foram uma dessas características, bem
como a acentuada e duradoura concentração de renda que se estabeleceu nesse
período, por meio do "disciplinamento" das camadas populares.