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A PolÍtica

A Política
.:_1.lrl:r'trillil:

Em A Política, Aristóteles trata da Atenãs réal,


aquela que se conÍigura cotidianamente âos atenienses, e
não dedica muito empenho à idealização do sistêma
polÍtico, como sêu mestre Platão o faziâ. Nesta obra são
abordados temas fundamentais à vida política da cidade,
como sua estrutura, a escravidáo, a família, as riquezas, a
educação e, compârativamente, a organização política de
outras cidades.

ConsideÍando o homem um "animal polÍtico, dês-


tinado a viver em sociedade", Aristóteles pauta sua
Íealizaçáo na ética e na política propriamente dita; o
homem sem leis e sem lar não seria digno de sua espécie,
nem atingiria a felicidade.

O caráter taxonômico e descritivo dã obra pêrmite


ao leitor conhecer com fidelidade o mundo grego, bem
como observaÍ a destacada Íunção social dos educado-
res, governantes e juristas.

justiça é a base da sociedade. Chama-se iulga-


"A

mento a aplicaçãodoque éjusto."

tsBN s7a-85,7283,

llllxilllffiL|[ ilill
Ansrorru,rs

A PoúrlcA
Traduçâo

NesÍor Silveira Ühaves

2ê EDIÇÃO HEVISTA

lncluindo numeração referencial de Bekker

"0 liuro é a parta que se abre para a realizaçacs do hamem",'

,./.zli /.1/ 7lzzLr ediph


A Poünce
Anlsróret.es

2ê Edição 2ü09

Supervisão editoriaj: Jair Lot Vieira e Mariana Lot


Vierra
Coordenaçâo editorial: Jútia Carotina de Lueca
Produçâo gráÍíca e editorial: Alexandre Rudyard
§unnnnro
Benevides ME
Traduçáo: Nestor Silveira Chaves
Hevisáo Técnica: Edson Bini
Revisão: Júlia Caralina de Lucca e Luana da
Casta Araújo Coetho
Capa: Equlpe Edipro ARnrserurnçÃo .............
CnoHolocrn
Ne de Catáloga:1155
A POLITICA 1l
Dados lnlernacionais de Catalogaçâo na pubÍicaçâo
(Clp) LIVR0 PRIMEIHO . Stlopse': Exordio - Objelo e limite da ciên-
cÍa palítica Elementos da cidade * Seu íundamentü na família
-
Aristóteles (384-322 a"C.) - Socledade domu;stica: senhor e escra\lü * Arte de adquirir
A politica i Arístóteíes ; traduçâo Nestor silveira Chaves. _ fortuna: teoria aplicada * Socledade paterna e conjugal * ,9e a
2a
ed. rev. -- Bauru. Sp : EDtpRO. 20"09. -- virtude deve ser exígida nos que obedecem, au safiente na§
lCtassicos fbtnnOl 't?
que mandam
T.ítuio original; Il()AITIKA LIVRO SEGUNDO . Sllopse; Exame da República de Platãa,
lSBN 978-85-7283-61 2-B e, em particular, da contunidade das mulheres - Êefutaçáo do
1. FilosoÍia üega 2. política l. Título. ll. Série. seu sÍstema sobre a comunidade dos bens * Exame da dçutri-
na de Platão na tratado das Lels * üonstituiçáo de Faléias de
Calcedônia * Hipodama de Mileta * Governo das lacedentônias
a7-7277
* Govema dos creÍenses - Govema das carÍagíneses * Dife-
índíces para catálogo sistemático: rentes legísladores .,........ 39
Ciência politicâ ; 020
LIVRO TERCEIRO . SmlopsE; Da cidade e do cidadão - Da ci-
dadao perfeito - Do cidadáo imperfeito - Divisao dos governos
- Númera e natureza das governas segundo a dílerença dos ci-
dadãos e das /er's - Ouars são os que devem rnandar - Do bent
edipffi púbtiço - Dos cidadãos ernrnenles e dos legisladores - Do sobe-
rano * Transiçá.o para o livra seguinÍe . ". .... .. .. . . " . 7g
edições profissionais ltda.
IIVRO QUAHTO . Sllvopsg; Teoria geral do governo madela *
São Paulo: Fone ('1.í)S107-4788 * Fax (11) g10Z_0061
Ouesfôes a tratar * Da díversidade de partes de que se cam-
Bauru: Êone (1 4) tZS4-4121 * Fax (14) 3204 41Zz
põe a cidade * Da demacracia * Da aligarquia - Da que co-
mumente se charna organtzaçáa palítica * Maneíra de farmá-la
edipro@edipro.com.br
Antsrórercs
SuiÃÁnto

- Da tirania - Qual a melhor forma de gaverna - Relaçoes de


conveniência que devem existir entre as qualídades da consÍr-
tuiçáa e as qualidades dos çidadáas - Dos corpas delíberativas
- Oos magrstradas e das magistraturas - Das juízes e dos jul-
gamentos 't 19
LIVRO QUINTO .
Slruopse: Das revoluções e transformações
produzidas por sedições nos Estadas republicanos * Causas
gerais * Elas nãa nascs{n por causas pequenas, porém se ari-
ginam de pequsnâs cêusâs - Das revoluções nas demacracías,
nas olíEarquias e nâs aristacracias * Meios de evitá-las * Dos
perigas aos quais se expõe a manarquia * Meias de preservá-
ApnesENrAçÃo
ía * Da tiran[a * Srsfema de Platãa sobre as revoluÇoes, tal
coma ele própria a expôs na República 159
LI\IRO SEXTO . Sllopse"' Da orEanização da democracia *
Aristóteles eí o gênio mais vasto da aniiguidade: abrangeut todas as
Qual é a sua melhor forma * Cautela que deve ter o legisladar
ciências do ser; tempo e criou outras. Nâo i'oi ap€nas grande filósofo,
na organizaçao da demoçracia .* O que deve ser feito para
mas ainda educador. mestre.
consalidar a aligarquia - Das diversas magistraturas . ............ .. 209
. Srlopse.' Da vida perfeita - A aubr Nasceu a 384 a.C, em Estagira, na Trácia. Filho de lriicômacr:" médi-
LIVRO §ETIMO demanstra
que a vida perteita é aquela que toma a virtude par guia, e que co do rei Amintas, qu€ era pai de Filipe II, dar Macedônia. Aos 18 anos
ingressa na Academia de Platáo, onde pernan€Çe por 20 anos' Com a
ela e rica em bens - A vida perteita é a mesma tanta para os in-
morte do mestre retira-se para Missias, r:nde se Çasa. A convite de Fili1:e
dividuas em pafiicular cama para a cidade em geral - Resposta
II encarrega-se da educaçáo de Alexandre" como preceptor. permanece
a algumas quesfões relativas à mesma idéía - Da extensâa da
na corie da Macedônia até 334; acompanha seu discípulo à Asia. vindo
cidade - Das comunicações com o mar e da navegação * Natu-
reza au caráter que convérn aos cidadãas - A fundação de uma
depois fixar residência em Atenas. Funda, entáo, uma escola em um
bosque cledicado a Apolo Lício; de Lício advém o nome Liceu. §ua esco-
cidade requer lavradares, artesãos, guerreiros, homens rícos,
ia tornou-se conhecida como peripatática pelo há}:ito de proferir as pa-
sacerdotes e juízes - üísposrção e proparção a observar entre lestras qlurante longas caminhadas entre as árvores do Ginásio de ,{pcllo.
eles -
Opi-nioes dos antigos íilósafas sobre esfe assunta - Divi-
() Liceu €ra a um tempo academia. centro de educaçâo e investigacào
são do terrena * Lavradores - Fasiçãa tapogtáfica da çidade;
(mas com maior porção reservada às ciâncias). Aí reuniu enorme mate-
suas muralhas - Oos templos e das praças públicas - Das quali-
dades civis neçessárias à felicidade da cidade - Da educaçãa
rial científico e bibiiográfico e, conl ele^ elaborou um sisiema: a ilatureza
- nada mais ó do que um imenso esfr:rçr: der rnatciria bruta para se elevar
Da verdadeira maneira de íormar os cidadãos - Do errç dos filó-
até ao ato puro. isto é, ao pensamento e à inteligáncia" Üs seus principais
safos que dirigem as /els e a política das leis aos objetos da
guerra e náo ás artes da paz - Preceitos sobre a casamento tratados sáol o Orgonon, a Retúricç. a Poéfica. dois tratados de Moru/. a
- Polítíca. a É{isfóris dos Anírruis, a Físíca, os Mcteoros, c; cdu, aMetafísí-
Da maneira de alimentar os Ílihos até a idade de sete anos ........ 229
cü, etc.
LIVRO OITAVO . Slr,lopsr; Á educação das jovens deve ser rni-
nistrada efi camurn * Diferença entre as artes liberais e as ar^ Nesta obra em particular, A Palítitç" há como qlle uma síntese de
tes mecânicas * Da literatura, da ginástíca, da música e do de- iodo o pensamento aristotéliço, isto em vir-tude do caráter abrarrgente
senha que ele con{eria à política. Como Platão, nâo era a favç:r da forma de-
- A utilidade nãa deve ser a único abjetiva da educaçáo
* Da ginástica e da musica mocrática de governo, mas estava imbuiclo deste significaclo" b,m Ericc o
267
.Jr,licÓmaco, afirma: "a política utiliza-se de toclas as outras ciências. e to-
I Aatsrórercs
'-_
EOIPBO

das elas perseguem um determinaclo bem, o fim que ela persegue pode
englobar toclos os outros fins. a ponto de este rim ser o bem
,.,pi"*o do,
homens".
Êstas preocupaçôes, de como ,'afereçer uma luz,,ou ,,o bem
supremo,,
aos homens. e náo apenas agir em nome deles direção d.s nàgócios
públicos, constituem uma grande novidade. Através'a cràla se forma um
espaço de presença da política no cotidiano e se abre um
terreno à parli_
cipacáo política f'ra d* âmbito restrito do exercício cro g'verno.
coroca
a educaçâo. furrçá, do Estado, na raiz do processo de crescimento
de
um povo. Reconhece a famíria como lugar da primeira infância.
educaçáo é necessária ao Estado. "onde quer que a educaçao
mas a
ienha sido CnoruoLoGrA
descuidada, tem o Estado recebido golpe funesto" (A potíticu,
Livro IV).
No Livro III, deÍende o monopório esiatal afirmando ',como
o Estado
inteiro tem um único soio e um mesmo fim, deve ser a educaçáo
unra e
idêntica para todos os membros... Em nossa opiniáo,
é de toda evidência
que a lei deve reguiar a educaçãa. e esta deve ser pública,,.
As datas sáo a.c, e. na maioria. aproximativas; os evantos indicados conlem-
o caráter atual da obra de Aristóteles dá a dimensáo clo gênio que
ele
plam apenas os aspectos filosófico. político e militar.
foi. Na ldade Média. era o oráculo dos filósofos e cros teólolos a
escolásti- 481 - Criada confederação das cidacles-Esiado gregas cr:mancla<ia por
cos; inspirou o avanço científico renascentista e hoje justifià Espaúa para coinbaier o inimigo comLrm: os persas.
uma no./a
ediçáo de sua A Po!ítíca.
48ll - os gregos sàr: fragorosamente derrotaclos pelos persas nas Termdpilas
[o último reduto de resistência chefiado por Leônidas de Esparta e
seus frezenfos é aniquiladr:); a acrópr:le é destruída; no mesmo anc].
derrota dos persas em Salamina pela escluadra chefiada pelo atcnien-
se TemÍstocles.
479 - Firn da guerra contra os persas. com as vitórias dos gregos rras Baia-
lhas de Piatéia e Micaie.
478-477 - A Crécia é novanrente ameaçada pek:s persas: forrnaçáo da I-iga
Délia. clessa vez comandada pelos atenienses.
469 - Nascirnento de Sócrates em Atenas.
468 * Os gregos derrotam os persas no mar.
462 - Chegacla de Anaxágoras de Clazomena a Atenas.
462-461* Prontoção do governo democrático em Atenas.
457 - Atenas conquista a Beócia.
456 * Conch"rsáo da construçãr: do templo de Zei-rs em Olímpia.
447 - A Partenon comer;il ser construícir:.
444 - Prr:tâgoras de Abdera redige uma legislaçáo para a nova colônja cle
'lúrio.
431 - Irrompe a Guerra do Peloponeso entre Aienas e Esparta.
429 - Morte de Féricles.
10 ARtsróTELES
EDPRa Cpottotoctt

427 - Nascimento de Platâo em Atenas.


427 * Celebrada a paz entre Espada e Atenas.
419 - Reinício das hostilidades entre Esparla e Atenas.
418 - Der"rota dos atenienses na batalha de Mantinéia.
413 -
405 -
404 *
Nova derrota dos atenienses na batalha de Siracusa.
Os atenÍenses sào mais umô vez denotados pebs esparlanr:s na Trácia"
Atenas se rende a Esparla.
A PolÍncn
399 - Morle de Sócrates.
385 - Fundação da Acadentia de Piatão em Atenas.
384 * I\ascimento de Aristóteles em Estagira.
382 - Esparla toma a cidadela de Tebas.
378 - Celebradas a paz e a aliança entre Esparla e Tebas.
367 - Chegada de Aristóteles a Atenas.
359 - Ascensão ao trono da Macedônia de Filipe II e comeÇo de suas guerras
de conquista e expansào.
347 - Morle de Platão.
343 - Aristóteles se transfere pôra a Macedônia a assume a eclucaçáo de
Alexandre.
338 - Filipe II derrota os atenienses e seus aliados na batalha de Querontáia,
e a conquista da Crécia é concretizada.
336 - Morle de Filipe Ue ascensão de Alexandre ao trono da Macedônia"
335 - Fundação do Liceu em Atenas"
334 - Alexandre derrota os persas na Batalha de Granico.
331 * Nova vitória de Alexandre contra os persâs em Arbela.
330 * Os persas sâo duramente castigados por Alexandre em Persépolis. en-
cerrando-se a expedição contra os persas.
323 * Morte de Alexandre.
322 - Transferência de Aristóteles para Cálcis, na Eubéia; morte de Aristó-
teles.
LvnO PRIMEIRO
§inopse: Exórdio -* Objeto e limitç da ci,ência palítica - Ete'
mentas da cidade Seu fundamenta na família - Sociedade
daméstica; senhar e escrava * Arte de adquiir fartuna: têaria
aplicada - Saciedade paterna e conjugal * Se a virtude deve
ser exigida nos que çbedeçem, ou somente nos que mandan

Capírulo I

1z5za § 1. Sabemos que toda cidade á uma espácie de associa-


ção, e que toda associação se Íorrna tendo por alvo algum
bem;porque o homem só trabalha pelo que ele tem em conta
de um bem" Todas as sociedades, pois, se propÕem qualquer
s bem - sobretudo a mais importante delas, pois que visa a um
bem maior, envolvendo todas as demais: a cidade ou socie-
dade política.
§ 2. Erram, assim, os que julgam ser um só o governo, po-
líticô ou real, econÔmico e despóticol * porquÊ acreditam que
cada um deles só difere pelo rnaior ou menor número de
indivíduos que o compõem e não pela sua espécie. Por
ro exemplo, se aquele que üoverna só possui autoridade sobre
um número reduzido de homens, chamam-no senhor (déspo-
ta); ecônomo, se dirige um número maior; cheÍe político ou
rei, se governa a um número ainda rnais elevado ^ não fa-
zendo a menÕr distinÇão entrs urna grande família política e
uma pequena cidade.
No que se refere ao governo político e real. dizem que
quando um homem governa só e com autorldade prÓpria, o

1. Alusáo à opiniâo de Platão, exposta parti*ulaÍmentê no diáiago intitulado Polítiç<t


I
14 ÁÊlsrórErEs A PoLincA t5
EDIPRo LIVBo PRIMEIRO tiinõ piiraemo EDtPBo

tc governo é reai; e sendo, pelos termos da constituição do Êsta- '"Os gregas têrn o direita de mandar nos b;árbaros',3 como
do, alternadamente, senhor e súdito, o governo é político. se a natureza identificasse o bárbaro com o escÍavo.
§ 3. Disso nos convenceremos se examinarmos a questão § 6. Esta dupla união do homem com a mulher, do senhor
segundo o mótodo analítico que nos guiou.2 Assim como em r0 com o escravo. constitui, antes de tudo. a família. HesÍodo
outros assuntos, somos obrigados a dividir o composto até disse, com razâo, que a primeira famíliaa se formou da mulher
que cheguemos a elementos absolutamente simples como e do boi feito para a lavra. Com eÍeito, o boi serve de escravo
representando as partes mínimas do todo, do mesmo modo, aos pobres. Assim. naturalmente, a sociedade çonstituída
examinando a cidade nos elementos que a compõem, sabe- para prover às necessidades quotidianas é a Íamília, formada
remos melhor em quê eles diferem, e se é possível reunir daqueles que Carondas5 chama homos pyens (tlrando o pão
esses conhecimentos esparsos para deles Íormar umâ arte. ts da mesma arca), e que Epimenides, de Creta, denomina ho-
Estudemos, neste assunto. como nos outros, a origem e o macapiens (comendo na mesma mangedoura).
desenvolvimento dos seres. E o melhor mótodo que se pode § 7. A primeira sociedade formada por muitas famílias ten-
adotar" do em vista a utilidade comum. mas não quotidiana. é o pe-
gueno povoado; esta parece ser naturalmente uma espêcie
§ 4. Deve-se. antes de tudo, unir dois a dois os seres que, de colônra da ÍamÍlia. Chamam alguns homogalactlens (ali-
como o homem e a mulher, não podem existir um sem o ou-
mentados com o mesmo leite) aos filhos da primeira família, e
tro. devido à reprodução.
aos filhos desses filhos. E porqlie as cidades eram primitiva-
lsso não é neles o eÍeito de uma idéia preconcebida; inspi- zo mente governadas por reis, como ainda hoje o sáo as gran-
ra-lhes a natureza, como aos outros animais e até mesmo às des nações; e porquê elas se formavam de horda submissas
plantas, o desejo de deixarem após si um ser que se ihes à autoridade real. Com eÍeito, unra casa é administrada pelo
assemelhe. Há também, por obra da natureza e para a con- membro mais veiho da família. que tem uma espécie de poder
servação das espécies, um ser que ordena e um ser que real - e as colÔnias conservavam o governo da consanguini-
obedece. Porque aquele que possui inteligência capaz de dade. E o que diz Homero:
previsão tem naturalmente autoridade e poder de chefe; o que "Cada senhor absaluto de mulheres e filhos
possui força física para executar, deve, forçosamente, obede-
A todas prescrsve iers..."6
cer e servir - e, pois, o interesse do senhor é o mesmo que o
do escravo. porque eles andavam dispersos: assim viviam os homens nos
tempos antigos. Pela mesma razâo se diz que os deuses se
§ 5. Deste modo impôs a natureza uma essencial diÍeren- zs submetiam à autoridade de um rei porque, entre o§ homens,
Ça entre a mulher e o escravo - porque a natureza náo pro-
uns ainda hoje sâo assim governados, e outros o foram anti-
cede avaramente como os cuteleiros de Delfos, que Íazem gamente. O homem Íez os deuses à sua imagem; também
Íacas para diversos trabalhos. porém cada uma isolada só
lhes deu seus costurnes.
servindo para um Íim. Desses instrumentos, o melhor não é o
que serve para vários misteres, mas para um apenas. Entre § 8. A sociedade constituÍda por diversos pequenos povoa-
os bárbaros, a mulher e o escravo se confundem na mesma dos Íorma uma cidade complela, com todos os meios de se
classe. lsso acontece pelo fato de náo lhes ter dado a nature- abastecer por si, e tendo atingido, por assim dizer, o fim que
za o instinto do mando, e de ser a uniáo conjugal a de uma
escrava com urn escravo. Falaram os poetas:
3 lfÍgénia em Auticte.
4 Ás obras e ôs dias.
5 Os sicihanos, êntre os qr:ais nascera Carondas, chamavam sipye à arca em que se
guarda pão, e os crêtenses denominavam papé à mangedoura
2" Refere-se ao tratado que precede a êstê, intitulado Elica Odisséla, cap. lX, v. 114.
16 AB,srórErEs A P1L|TICA t7
LIVPo PRIMEIRo LIvBo PBIMEIR) EDIPBO

se propôs. Nascida principalmente da necessidade de viver, çosamente, ser colocado antes da parle. Erguei o todo; dele
ela subsiste para uma vida Íeliz. Eis por que toda cidade se não ficará mais nem pé nem mão, a náo ser no nome, como
integra na natureza, pois foi a própria natureza que Íormou as se poderá dizer, por exemplo, uma mão separada do corpo
primeiras sociedades; orâ, a natureza era o Íim dessas socie- não mais será mão além do nome. Todas as coisas se defi-
dades; e a natureza é o verdadeiro íim de todas as coisas" nem pelas suas funçÔes; e desde o momento em que eias
Dizemos pois dos diÍerentes seres, que eles se acham integra- percam os seus característicos, já não se poderá dizer que
dos na natureza' quando tenham atingido todo o desenvolvi- sejam as mesmasr apenas Íicam compreendidas sob a mes-
mento que lhes é peculiar, por exemplo, o ser humano, o ca- 2s ma denominaçáo. Evidentemente o Eslado está na ordem da
valo, a Íamília. Aiém disso, o frm para o qual cada ser foi cria- natureza e antes do indivíduo; porque, se cada indivÍduo iso-
do é de cada um bastar-se a si mesmo; ora, a condição de se lado nâo se basta a si mesmo, assim também se dará com as
bastar a sí próprio é o ideal de todo indivíduo, e o que de me- partes em relação ao todo. Ora, aquele que não pode viver
lhor pode exrstir para ele. em sociedade, ou que de nada precisa por bastar-se a si pró-
prio, não faz parte do Estado; é um bruto ou um deus. A natu-
§ g. É evidente, pois, que a cidade Íaz parte das coisas da
natureza, que o homem é naturalmente um animal político, 30 reza compele assim todos os homens a se associarem. ,Aque-
destinado a viver em sociedade, e que aquele que, por instinto. le que primeiro estabeleceu isso se deve maior bem; porque
e não porque qualquer circunstância o inibe, deixa de fazer se o homem, tendo atingido a sua perfeição, é o mais exce-
parte de uma cidade, é um ser vil ou superior ao homem. Tal lente de todos os animais, tambérn ó o pior quando vive isola-
indivíduo merece, como disse Homero, a censura cruel de ser do, sem leis e sem justiça. Terrível calamidade é a injustiça
um sem família, sem leis, sem lar. Porque ele é ávido de quê tem armas na mão. As armas que a naturêza dá ao ho-
combates, e, como as aves de rapina, incapaz de se subme- 3s mem são a prudência e a virtude. Sem virtude, ele é o mais
ter a qualquer obediência. ímpio e o mais Íeroz de todos os seres vivos; mais não sabe,
por sua vergonha, que amar e comer. A justiça é a base da
§ 10. Claramente se compreende a razãa de ser o homem sociedade. Chama-se julgamento a aplicação do que é justo.
um animal sociável em grau mais elevado que as abelhas e
todos os outros animais que vivem reunidos. A natureza, di-
10 zemos, nada taz em vão" O homem só, entre todos os ani- CapÍruuo ll
mais, tem o dom da palavra; a voz é o sinal da dor e do pra- 1253b § 1. Agora que bem se conhecem as partes que compoem
zer. e é por isso que ela Íoi também concedída aos outros
um Estado, necessário se torna Ía[ar, antes de tudo, da eco-
anirnais. Estes chegam a experimentar sensaçÕes de dor e de
nomia doméstica, já que o Estado é uma reunião de Íamílias.
prazer, e a se fazer compreender uns aos outros. A palavra,
Os elementos da economia doméstica sáo exatamente os da
15 porém, tem por fim fazer compreendeÍ o que é útil ou prejudi-
Íamília, a qual, para seÍ completa, deve compreender escra-
cial, e, em conseqüência, o que é justo ou iniusto. O que dis-
tingue o homem de um modo específico é que ele sabe dis-
s vos e indivíduos livres, mas para se submeter a um exame
separado as partes primitivas e indecomponíveis, sabendo-se
cernir o bem do mal, o justo do injusto, e assim todos os sen- que na Íamília elas são o senhor e o êscravo, o marido e a
timentos da mesma ordem cuja comunicação constitui preci-
mulher, os pais e os Íilhos, seria necessário estudar isolada-
samente a família do Estado.
mente estas três classes de indivíduos para saber o que é e o
§ 11. Na ordem da natureza, o Estado se coloca antes da que deve ser cada uma delas.
Íamília e antes de cada indivíduo, pois que o todo deve, for-
§ 2. Temos, de um lado, a autoridade do senhor, depois a
autoridade marital (náo encontramos um termo especial para
ro exprimir a relaçáo do homem para com a mulher), em terceiro
7. A natureza, isto é. a reunrão das condiçÕes de existência, das Íaculdades e dos lugar a procriaçâo de Íilhos (para a qual tampouco encontra-
nreros. é o objetivo dos seres. e determina o modo e o úttimo grau de desenvolvi-
firêrito quê eles sáo destinados a atingir" mos uma denominação própria). Comumente só se contam
Aersrórrl"es A PoLiTIcA
18
LIVBO PRIMERA LtvBo PRtMEtRo ED,PR)
ED,PRA

estes três elementr:s da família' tontudo, existe ainda um § 6. Os instrumentos propriamente ditos são instrumentos
quarto que muitos conÍundem cüm a administraÇão.domésti- de produção. A propriedade, ao contrário, é simplesmente de
ca, e outros julgam ser dela um importants ramo' E preciso uso. Assim, a lançadeira pode produzir mais que o que dela
também estuóá-lo; quero falar daquilo que se chama a arte de 5 se exige; mas um vestuário, um leito, nada produzem aiém do
ts acumular fortuna. Falemos primeiramente do senhor e do seu uso. DiÍerindo a produção e o uso segundo a espécie, e
escravo, pois importa conhecer as necessidades que os tendo essas duas coisas instrumentos que lhes são próprios,
unem, e saher se em tal assunto náo encontraremos idéias é claro que os instrumentos que lhes servem devem ter a
rrais justas que a§ que hoje se reconhecem' mesma diÍerença. A vida é uso, e não produÇão; eis por que o
escravo só serve para Íacilitar o uso. Propriedade é uma pa-
§ 3. Pretendem alguns que existe uma ciência do amo, a lavra que deve ser compreendida como parte: a parte não se
quat O idêntica à economia dornéstica, à autoridade do senhor ro inclui apenas no todo, mas pertênce ainda, de um modo abso-
zo e à autoridade real ou política, como já dissemos no comeÇo; luto, a qualquer coisa além de si própria. Assim a propriedade.
outros sustentam quê o poder do senhor sobre o escravo é Também o senhor é simplesmente dono do escravo, mas dele
contra a natureza. §Ó a lei - dizem - impõe diferença entre o náo é parte essencial; o escravo, ao contrário" nâo só á servo
homern livre e o escravo; a natureza a nenhum deles distin- do senhor, como ainda lhe pertence de um modo absoluto.
gue. Tal diferenÇa é injusta, e sÓ a violência a produz' Ora,
ãervindo os nossos bens para a manutenÇão da família, a arte § 7. Fica demonstrado claramente o que o escravo é ern
de adquiri-los tarnbém Íaz parte da economia: porque sem os rs si, e o que pode ser. Aquele que não se pertence mas perten-
zs objetos de primeira necessidade, os homens não saberiarn ce a outro, e, no entanto, é um homem, esse é escravo por
viver, e, o que é mais, viver Íelizes' natureza. Ora, se um homem pertence a outro, é uma coisa
próprios possuída, mesmo sendo homem. E uma coisa possuída é um
§ 4. Se todas as artes precisam de instrumentos instrumento de uso, separado do corpo ao qual pertence.
pará o seu trabalho, a ciência da economia doméstica tam-
bém deve ter os seus. Dos instrumento§, un§ são animados, § 8. Mas há, ou nâo há tais homens? Existirá alguém para
outros inanimaclos. Por exemplo, para o piloto, o leme é um quem seja justo e lucrativo ser escravo? Ou, ao contrário,
eo instrumento inanimado e o tirnoneiro um instrumento anima- :o será toda a servidáo contra a natureza? É o que examinare-
do. CI operário, nas artes, é consideraclo um instrumento' Do mos agora, não sendo diÍÍcil fazê-lo, com raciocínio e os meios
mesmo modo a propriedade é um instrumento essencial à de se resolverem tais perguntas. A autoridade e a obediência
vida, a riqileza uma multiplicidade de instrumentÔs, e o escra- náo só sáo coisas necessárias, mas ainda são coisas úteis.
VÜumapropriedadeviva.Comoinstrumento,otrabalhadorá Alguns seres, ao nascer, se vêem destinados a obedecer; ou-
sempre o Primeiro entre todos. tros, a mandar. E formam, uns e outros, numerosâs espécies"
z5 A autoridade é tanto mais alta quanto mais perfeitos são os que
§ 5. Corn efeito, se cada instrumento pudesse, a uma or- a ela se subrnetem. A que íege o homem, por exemplo, é su-
ss dem dada ou apenas prevista, executar sua tarefa (conÍorme perior àquela que rege o animal; poÍque a obra realizada por
se diz das estáiuas de Dédaloe ou das tripeçass de HeÍaístos, criatura mais perÍeita tem maior perÍeiÇão; existe uma obra,
que iam sozinhas, como disse o poeta, às reuniôes dos deu- desde que haja comando de uma parte, e de outra obediência.
ses), se as lançadeiras tecessem as toalhas por si' se o plec-
tro iirasse espontaneamente sons da cítara, então os arquite- § 9. Em todas as coisas Íormadas de várias partes que,
1254a lÕ§ nâo teriam neeessidade de trabalhadores, nêm oS senho- so separadas ou não, fornecem um resultado comum, maniÍes-
res de escravos. tam-se a obediência e a autoridade. E o que se observa em
todos os seres animados, qualquer que seja a sua espécie.
Encontra-se mesmo uma certa autoridade nas coisas inani-
8. Dédalo Íoi o primeiro que dotou suas estátua§ de vida e movimento
por atitudes madas, como na harmonia. Mas este ponto é, talvez, bem
variadas dos braços e das Pernas. estranho ao nosso assunto.
lliada, XVlll, v. 37ô
il

ôn ÁRisrórrrrs A POLÍTI?A
EDTPRa uvqa PRME\R0 LtvRo PBtMERa EDPno

3§ § 10. Em primeiro lugar, todo ser vivo se compõe de alma so trabalho ao qual se destinam; os outros são perfeitamente
e corpo, destinados pela natureza, uma a ordenar, outro a inúteis para serviços semelhante§, mas sâo úteis para a vida
obedecer. A natureza deve ser observada nos serês que se civil, que assim se acha repartida entre os trabalhos da guerra
desenvolveram segundo as suas leis, muito mais que nos de- e os da paz. Mas acontece o contrário muitas vezes: indivídu-
generados. Suponhamos, pois, um homem perÍeitarnente são os há que só possuem o corpo de um homem livre, ao passo
de espírito e de corpo, um homem no qual a marca da natureza que outros dele só têm a alma.
tasau seja visível - porque eu não Íalo dos homens corrompidos ou
§ 15. E claro que, se essa diÍerença puramente exterior
predispostos à corrupçáo, nos quais o corpo governa o espkito, ss entre os homens fosse tão grande como o ó em relação às
porque sáo viciados e desviados da natureza. estátuas dos deuses, todos estariam acordes em dizer que
§ 11. Primeiramente, como dizemos, deve-se reconhecer aqueles que demonstram inferioridade devem ser escravos
no animal vivo um duplo comando: o do amo e o do magistra- dos outros. Ora, tal sendo em relaçáo ao corpo, mais justa
s do. A alma dirige o corpo, como o senhor ao escravo. O enten- será essa distinção no que se refere à alma; mas não é tão
dimento governâ o instinto, como um juiz aos cidadãos e um fácil ver a beleza da alma como se vê a do corpo. Assim, dos
monarca aos seus súditos. E claro, pois, que a obediência do 1255a homens, uns são livres, outros escravo§; e para eles é útil e
corpo ao espírito, da parte afetiva à inteligência e à razáo, á justo viver na servidão.
coisa útil e conforme com a natureza. A igualdade ou direito de § 16. Facilmente se percebe que os que aÍirmam o contrá-
10 governâr cada um por sua vez seria funesta a ambos. rio não estão completamente sem razão; porque as palavras
§ 12. A mesma relaÇáo existe entre o homem e os outíos s escravidão e escravas são tomadas em sentidos diferentes.
animais. A natureza foi mais pródiga para com o animal que Segundo a lei, há escravo e homem reduzido à escravidão; a
vive sohr o domínio do homem do que em relaçáo à fera sel- lei é uma convenção segundo a qual todo homem vencido na
vagem;e a todos os animais é útil viver sob a dependência do guerrâ se reconhece como sendo propriedade do vencedor.
homem. Nela encontram eles a sua segurança. Os animais Muitos jurisconsultos acusam este pretendido direito como se
sào maçhos e fêmeas. O macho é mais perfeito, e governa; a acusa de ilegalidade'o um orador; porque é inadmissível que
rs fêmea o é menos, e obedece. A mesma lei se aplica natural- ro o poder empregando violência, tornando-se o mais forte, es-
mente a todos os homens. cravize e submeta aos seus caprichos aquele que se lhe en-
trega. Essas duas opinióes são igualmente sustentadas pelos
§ 13. Há na espécie humana indivíduos tão inÍeriores a ou- sábios.
tros como o corpo o é em relaÇão à alma, ou a fera ao ho-
mem; sáo os homens nos quais o emprego da ÍorÇa física é o § 17. A causa de tal divergência, e Õ que faz com que as
melhor que deies se obtém. Partindo dos nossos princípios, razÕes apresentadas de ambas a$ partes variem, é que a
tais indivíduos são destinados, por natureza, à escravidãoi Íorça, quando chega a procurar auxílio, transforma-se em
20 porque, para eles, nada é mais Íácil que obedecer. Tal é o violência; e a força vitoriosa pressupõe sempre grande supe-
escravo por instinto: pode pertencer a outrem (tambám lhe ts rioridade em tudo, parecendo assim não existir violência sem
pertence ele de Íato), e náo possui razáo além do necessário virtude. Aqui só há desacordo quanto à noçào do justo. E que
para dela experimentar um sentimento vago; não possui a muitos julgam residir a justiça na benevolência, enquanto ou-
plenilude da razão. Os outros animais dela desprovidos se- tros a consideram o próprio princípio que atribui o comando ao
2s guem as impressÕes exteriores" que mais superioridade oferece. Aliás, se se isolarem essas
opinrôes, os argumentos contrários perderão sua força de per-
§ 1rt" A utilidade dos escravos é mais ou mênos a mesma eo suasão, querendo-se demonstrar que a superioridade da virtu-
dos animais domésticos: ajudam-nos com sua ÍorÇa Íísica em
de não dá o direito de mando e de domínio.
nossas necessidades quotidianas. A própria natureza parece
querer dotar de caraclerísticos diferentes os corpos dos ho-
mens livres e dos escravos. Uns, com efeito, são fortes para o 10. Tal ação, admitida êntre os ateniênsês, chamava-se graphe paranomom.
22 ÁB/srórãÀEs A Potinca 2.,
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§ 18. Ênfim. há pessoas quê, obstinadarnente presas ao Ora, o escravo faz parte do senhor como um membro vivo faz
que crêem justo sob certo aspecto (e a lei tem sempre algo de parte do corpo - apenâs êssa parte é separada.
justo), aÍirmam ser legítima a servidâo resultante da guerra, e
ao rnesmo tempo a negam, porque é possível nào ser justo o § 2Í. É por isso que existe um interesse comum e uma
amizade recíproca entre o amo e o esoravô, quando é a pró-
ar motivo da guerra, e jamais se poderá dizer que um homem que pria natureza que os julga dignos um do outro; dá-se o contrá-
não merece a escravidão seja escravo. Por outro lado, dizem, ts rio quando não ó assim, mas apenas em virtude da lei, e por
poderá acontecer que homens que parecem descender do
efeito de violência.
$angue mais ilustre sejam êscravos e filhos de escravos, se
forem vendidos após ter sicio aprisionados. Tanrbém os partidá- § 22. Disso se depreende que o poder do amÕ e do magis-
rios desta opinião náo querem airibuir a si mesmos o nome de trado não são os mesmos, e que nem sempre as formas de
escravos; eles apenas o dão aos bárbaros. Suando Íalam as- governo se assemelham, como querem alguns. ReÍere-se
so sim, reduzem a questâo a procurar o quê é ser escravo por uma aos homens livres, outra aos escravos por natureza. A
natureza, conforme o dissemos no princípio. zo autoridade doméstica é uma monarquia. pois que toda a Íamí-
lia é governada por um só: a autoridade cirril ou política é
§ 19. E claro que eles precisam admitir que homens existem aquela que governa homens livres e iguais. O poder do amo
que sâo escravos em toda parte, e outros náo o são em parte
náo se ensina; é tal como a natureza o fez, e aplica-se igual-
alguma. O mesmo princípio aplicam à nobreza, julgando-se mente ao homem livre e ao escravo. Bern poderia haver uma
nobres não somente em seu meio, mas em toda parte - os ciência do amo e uma ciôncia do escravo: uma ciência do
gs bárbaros, ao contrário, só o sáo entre eles: como se existisse
escravo como a que ensinava o fundador de Siracusa, o qual,
urna raÇa nobre e livre num sentido absoluto e outra qualquer zs mediante um salário, ensinava às crianças todos os detalhes
que o náo fosse. E Helena de Teodecto" que exclama.
do serviço doméstico. Poderia mesmo haver uma aprendiza-
"De uma raça de deuses descendente, gem de coisas tais, como a cozinha e outros ramos do serviço
doméstico. Com efeito, certos trabalhos são mais apreciados
Quem de escrava ausaria chamar-me?"
ou mais necessários que outros; e há, segundo o rifão, escra-
Exprimir-se assim é não admitir outra diferença alárn da vir- so vo e escravo, senhor e senhor.
tude e do vício entre o homem livre e o escravo, entre o nobre
ltssb e o que nâo o é; afirmar que, assim como o homem nasce do § 23. Todavia, tais não passam de ciências de escravo; a
ciência do amo consiste no emprego que ele faz dos seus
homem e o animal do animal, também o homem virtuoso só
pode nascer de pais virtuosos. Ora. a natureza bem o quer * escravos; ele é senhor, não tanto porque possui escravos.
mas porque deles se serve. Esta ciência do amo nada tem,
muitas vezes * mâs ela nem sempre pode o que deseja.
aliás, de muito grande ou de muito elevado; ela se reduz a
§ 20. Vê-se, pois, que a discussão que vimos de sustentar saber mandar o que o escravo deve saber fazer. Tambóm
tem algum fundamento; que há escravos e homens livres pela 35 todos que a ela se podem furtar deixam os seus cuidados a
própria obra da natureza, que essa distinçáo subsiste em um administrador, e váo se entregar à polÍtica ou à filosoÍia. A
alguns seres, sempre que igualmente pareça útil e justo para ciência de adquirir, mas de adquirir justa e legitimamente,
alguém ser escravo, para outrem mandar; pois é preciso que diÍere daquelas duas - a do senhor e do escravo; ela tem ao
aquele obedeça e este ordene segundo o seu direito natural, mesmo tempo qualquer coisa da guerra e qualquer coisa da
isto é, com uma autoridade absoluta. O vÍcio da obediência ou caça.
do mando é igualmente prejudicial a ambos. Porque o que é
Aítemos bastante dito sobre o senhor e sobre o escravo.
10 útil em parte o é no todo; o que é útil ao corpo o é à alma.

11. Têodêcto foi um poeta trágico, amigo e discípulo de Aristóteles. Dele só Íicaram
p0uÇ0s restos de poesias.
ARrsrórrlrs A PoLirtca 25
Ltvaa pnwsma LIVRA PNMEIRo EDtPRo

tapírulr III
s0 § 4. Tal se dá tambám com os homens; seus costumes \ra-
riam bastante. Uns (e esta é a classe mais ociosa) são nôma-
1256a § 1. Pois que o esrrâvo faz parte da sociedade, estude- des. A alimentaçáo, que lhes é fornecida pelos animais que
müs agora, segundo o mátodo que seguimos, a propriedade eles domesticam, chega-lhe sem grande esÍorço; mas sendo
ern geral, e a aquisiçáo dos bens. Primeiramente, poder-se-ia os animais forçados a se deslocar constantemente em busca
s perguntar se a aquisição da fortuna é uma parte da economia de novas pastagens, assim os homens são obrigados a segui-
doméstica, ou se dela não é mais que um auxiliar. Poder-se-ia ss los, como lavradores que cultivam um campÕ vivo. Outros
perguntar ainda se ela tem com a economia a mesma relação vivem de caça, mas de um modo diferente. Compreende-se
que a arte de fazer as lançadeiras com a do tecelão, ou a arie por caçadores os ladrÕes dos rebanhos,12 os que se ocuparn
do fundidor com a do estatuário. Os serviços prestados por da pesca quando o acaso os coloca ao alcance de tanques,
essas duas artes não são os mesmos: uma fornece os ins- pântanos, rios ou um rnar abundante em peixes, os que sê
trumentos, outra a rnatéria. Chamo de matéria aquilo corn que alimentam de aves ou de animais selvagens; mas a rnaior
to se faz um trabalhoJ como a lá para o tecelão e o bronze para 40 parte dos hornens vive do produto da terra, dos Írutos que a
o estatuário. sua arte faz nascer.
§ 5. Eis aÍ, aproximadamente, os gêneros de vida dos po-
§ 2. E evidente, pois, que a ciência de adquirir náo é a vos que mais não conhecem além do seu trabalho individual,
rnesrnâ que a da economia visto que uma tem por caracterís- e que não pedem às inovaçÕes e ao comércio os meios para
tico fornecer os meios, e outra deies Íazer uso. Com efeito. a 1256b sua subsistência; nômade, agricultor, ladrão, pescador, caça-
que coisa pertencerá o emprego dos bens de uma casa, se dor. Os que fazem uma mistura desses diferentes gêneros
não pertence à administração domósiica? Esta ciência de vivem em feliz abastanÇa e suprem as falhas de uma vida
adquirir riqueza é unra parte da economia, ou será uma espé- difícil, buscando em um outro gênero de vida o que lhes Íalta
tn cie diÍerente? Eis aí outro problema. Pois se o ganhador de para prover às necessidades urgentes, como Íazem os que se
riqueza deve conhecer os meios de posse e de riqueza (o s dão à vida nômade, à agricultura, à caÇa; e assim os outros
nome de posse, como o de riqueza, envolve muitas partes), que também recorrem a outro gênero imposto pela necessi-
será a agricultura uma pãrte da ciência de adquirir, ou uma dade.
espécie diferente? O cuidado que geralmente cerca a subsis-
tência é idêntico à arte de adquirir? § 6. Esta faculdade de obter o alimento por seus próprios
meios é evidentemente um dom que a natureza concedeu a
§ 3. Há várias espécies de alimento, e, em conseqüência, todos os seres animados, do nascer até que tenham atingido
muitas maneiras diferentes de vrver, tanto entre os animais ro um certo desenvolvimento. Com efeito, no momento de dar
como entre os homens; nenhum deles pode viver sem alimen- nascimento aos Íilhos, produzem certos animais o alimento
taÇáo, de modo que as diferenÇas de regime estabelecem que lhes deve bastar até que o recém-nascido esteja em con-
diferenças correspondentes nos costumes dos animais. Efeti- dições de o obter por si próprio: tais sáo as classes dos ver-
vamentê, uns vivem em bandos, outros dispersos, segundo o míparos'3 e dos ovíparos. Os vivíparos têm durante algum
que convóm ao modo pelo qual eles obtêm o alimento: estes tempo, em si mesmos, o alimento dos filhos. É esta substân-
sáo carnívoros, aqueles frugÍvoros, os outros, enfim, onívoros. rs cia que se chama leite.
E para Íacilitar a prÕcura e escolha dos alimentos que a pró-
pria natureza drstingue e separa o seu gênero de vida. Além
disso, ela náo lhes deu os mesmo$ gostos; preferem, uns,
12. Hércules era caçador nesse sentido. Ele roubou, diz Píndaro citado por platão no
certos alimentos, outros os preferem diferentes (os próprios Górgias, os rebanhos de Gerião, e deles se apropriou pelo direito do mais Íorte.
carnívoros e os Írugívoros apresentam, neste particular, gran- 13. I'lessa denominaçáo estavam compreendidas as mosÕâs e todos os insetos. Ao
des diferenças). tempo de Aristótelês ignorava-se ainda que os insetos sáo ovíparos como todos os
animais, à exceção dos rnamíferos.
26 ARIsTÓTELES A PoLíTtcA 27
EÜPRa LIvRO PRIMEIRo LIvBo PRIMEBa EDIPRo

§ 7. Daí, sômÕs certamente autorizados ã crer que o § 11. Toda propriedade tem duas funçÕes particulares, di-
mesmo acontece quando os animais atingem o seu pleno ferentes entre si: uma própria e direta, outra que não o é.
desenvolvimento, e que as plantas existem para os animais to Exemplo: o calçado pode ser posto nos pés ou ser usado
como os animais para o homem. Dos animais, Õs que podem como um meio de troca; eis, pois, duas maneiras de se Íazer
ser domesticados destinam-se ao uso diário e à alimentaÇão uso dele. Aquele que troca um calçado por moeda ou por
do homem, e dentre os selvagens, a maior parte pelo menos, alimento com o que tem precisão de calçados dele faz justo
senão todos, lhe fornece alimentos e outros recursos, como uso, como calÇado, mas não um uso próprio e direto, porque
zo vestuário$ e umâ porçáo de objetos de utilidade; e, pois, se a não foi feito para troca. Assim acontece com tudo que se pos-
natureza nada faz em vâo e sem um objetivo, é claro que ela ts sui, pois nada existe que náo possa tornar-se objeto de uma
deve ter feito isso para o bene{ício da espécie humana. troca; e a permuta tem o seu fundamento na própria natureza,
porque os homens possuem em maior ou menor quantidade
§ 8. Disso se deduz que a arte da guerra é de algum modo os objetos indispensáveis à vida.
um meio natural de conquista: porque a arte da caça á ape-
nas uma das suas partes, aquela da qual §e serve o homem § í2. O que vem ainda confirmar que o comércio não per-
:s contra as Íeras ou cÕntra outros homens que, destinados por tence naturalmente à ciência de enriquecer é que primitiva-
natureza a obedecer, recusam submeter-se; assim, a própria 20 mente as permutas só podiam ser Íeitas na proporção exata
natureza desculpa a guerra. Eis aí, pois, um primeiro gênero das necessidades de cada um. Vê-se pois que na primeira
de conquista natural, parte da ciência econômica: ele deve sociedade, a da família, o comércio era inútil; a necessidade
existir, ou então, a ciência econÔmica deve proporcionar um só se fez sentir quando a sociedade se tornou mais numero-
tesouro de coisas úteis e mesmo necessárias à vida, em toda sa. Na família tudo era comum a todos; depois que se sepa-
ro sociedade civil ou doméstica. rou, uma comunidade'o nova se estabeleceu para objetos nâo
menos numerosos que os primeiros, mas diÍerentes; e a parti-
§ 9. Aí está o que constitui a verdadeira riqueza; e a quali- cipação nelas foi obrigada segundo as necessidades, e pelo
dade necessária para satisÍazer à alegria e às exigôncias da zs meio de permutas, como ainda o Íazem muitas naçôes bárba-
vida náo é intinita comü o pretende Sólon em suas poesias: ras" Aí se trocam os objetos por outros objetos úteis, nada
"Mas nãa conhec* o homem terrnos nem limites mais. Por exemplo: dá-se e recebe-se vinho por trigo, assim
Que à arte de enriquer:er a naturçza imponha." acontecendo com outros artigos"
35 Ao contrário, ela prescreveu-lhes, como a todas as outras § 13. Este gênero de permuta não é, pois, contra a nature-
artes. Nenhuma delas dispôe de meios inÍinitos em número e za, e já não constitui um ramo novo na arte de enriquecer,
grandeza; ora, a riqueza é a quantidade de meios ou instru- eo pois, originalmente, outro fim não tínha que a satisfação da
mentos prÓprios para a administração de uma família ou de vontade da natureza. No entanto, é a ele, segundo todas as
um Estado. E, pois, evidente que existe uma certa arte de aparências" que a ciência de acumular fortuna deve seu nas-
conquista natural para os chefes de Íamília e para os de Es- cimento. A medida que as relaçÕes de socorro mútuo se des-
tado. envolviam pela importação das coisas que faltavam e pela
exportação das que sobravam, o uso da moeda deveria natu-
40 § 10. Mas há um outro modo de conquista clue §e chama ralmente se introduzir, porque os objetos dos quais precisa-
principalmente, e com razão, a arte de adquirir: é aquele que
3s mos por natureza nem sempre são de Íácil transporte.
1257a nâo impÕe limites à riqueza, e que, devido à vizinhança que
os aproxima, Eeralmente se crê ser o mesmo do qual acabo
de falar. Náo é o mesmo, embora dele nâo esteia muito afas-
tado: um é natural, o outro não vem da natureza e á princi- 14. Essas pequenas colônias, saídas da família, estabeleceram a comunidade dos
s palmente o resultado da inteligência e de umâ certa arte. De- bens como na primeira associação. Estendêu-se tal comunidade a objetos nôvos, e
as duas famílias Íormadas pelo desmembramênto da primeira se comunicaram
vemos estudar-lhe o princípio e origem. pela troca.
28 Antsróretrs A PoLiTIcA 29
É,DrpfrA LTVRO PR|MEI4A Ltvqo PBIMERa Eupao

seus meios de chegar ao fim proposto não são infinitos, e o


§ 14. Conveio-se de dar e receber na§ permutas uma ma-
tt*ria que, útil por si mesma, fosse Íácil de conduzir nas difê- limite desses meios marca o fim de todas as artes.) Do mes-
rentes circunstâncias da vida, como o ferro, a prata e muitas mo modo, na arte de enriquecer náo há limite de meios ade-
outras substâncias das quais se determinaram primeiramente quados ao objetivo proposto; mas esse objetivo é a riqueza,
apenas as dimensões e o pesô, e por Íim se marcaram com 30 tal como tem sido definida a aquisição de dinheiro.
40 um sinal impresso para evitar o embaraço das medidas contÍ- § 18. Ao contrário, a ciência econômica, bem diÍerente da
12s7b nuas; a marcâ passou a figurar como um sinal de qualidade' arte de adquirir, tem um limite: porque o ato da economia nâo
é o mesmo que o da ciência de enriquecer. Também parece
§ 15. Quando a necessidade de lroÇa trouxe a invenção da
moeda, um outro ramo surgiu na ciência de enriquecer: o necessário que a economia tenha um limite em toda riqueza,
comércio retalhista, que talvez tenha sido feito primitivamente embora, segundo se vô, aconteça comumente o contrário.
de um modo muito simples, mas no qual a experiência intro- Com efeito, todos aqueles que procuram enriquecer váo au-
duziu mais arte após, quando melhor se conheceu onde se es mentando indefinidamente a quantidade de dinheiro cunhado
5 que possuem. lsto se origina da afinidade das duas ciências.
deveria ir buscar os objetos de troca e o que se precisava
para ter um lucro maior. Aí está por que a ciêncra de enrique- porque os meios não são os mesmos para ambas. Uma e
cer passou a ter por objeto o dinheiro cunhado, sendo o seu outra têm, em verdade, o gozo dos mesmos bens, mas por
principal objetivo ensinar os meios de adquiri-lo em grande meios diferentes. O objetivo de uma é a posse, o de outra o
quantidade: é, cÕm e{eito, esta ciência, que produz a abas- aumento dos objetos possuídos" de tal modo que muitos ima-
ginam que o aumento da riqueza á o objetivo da ciência eco-
tança e as grandes Íortunas.
nômica, e persistem na crenÇa de que é preciso conservâí ou
§ 16. Muitas vezês considera-se comô riqueza a abundân- qo aumentar indefinidamente tudo o que possuem em metais
cia de metais cunhados, porque tal abundância representa o cunhados.
1ü objetCI da ciência da indústria e do pequeno comércio" Pcr
outro lado, vê-se a moeda como uma vá brincadeira sem § í9. A causa dessa disposição de espírito é que se pen-
qualquor fundamento natural, pois que aqueles mesmos que 1258a sa em viver, e náo em bem viver; e sendo esse desejo ilimi-
dela fazem uso podem realizar outras convençÕes, e a moeda tado, procura-se multiplicar ao inÍinito os meios de o realizar.
deixará de ter valor ou utilidade, e a um homem rico em me- Aqueles mêsmos que aspiram ao bom viver procuram tam-
tais cunhados Íaltaráo os gêneros de primeira necessidade. bém os prazeres do corpo, e parecendo que esses prazeres
rs Êstranha riqueza aquela que, por maior que seja, nào impede 5 se firmam na aquisição da fortuna, outrâ coisa náo fazem
que sêu possuidor morra de Íome - como aquele Midas da que procurá-la. E aí está como surgiu este outro ramo da
fábula, cujo desejo cúpido transformava em ouro todas as ciência das riquezas. Sendo extremamente variados os pra-
iguarias que lhe eram servidas.
zeres do corpo, procuram eles o meio de alcançar a abas-
tança, que faculta os prazeíes e, quando nâo podem obtê-
§ 17. E tanrbém com razáo que se prÕcura saber se nao to los por meio da riqueza, tratam de obtê-los por outros meios,
existe outra riqueza e qualquer outra ciência de adquiri-la; fazendo de todas as suas faculdades um uso em desacordo
20 com eíeito, a riqueza e a aquisiçâo natural constituem uma com a natureza.
coisa diÍerente. E a ciência econÔmica, diÍerente do pequeno
comércio, que produz dinheiro, em verdade, mas náo em § 20. Com eÍeito, a coragem não se destina a proporcio-
nar-nos fortuna, porém deve dar-nos uma generosa audácia.
todos os casos, e sim apenas quando o dinheiro é o meio deÍi-
nitivo de troca, A moeda é o meio e o objeto da troca, e a
I\em é o objeto da ciência militar, nem o da medicina que nos
zs riqueza que resulta dessa arte de adquirir ó ilimitada. A medi- darão a vitória ou a saúde; e no entanto, fazem-se de todas
as profissões um caso de dinheiro, como se tal fora o seu fim,
cina tem por Íim multiplicar as curas ao inÍinito, e cada arte se
e que tudo a ele devesse concorrer.
propÕe multiplicar indefinidarnente aquilo que constitui o seu
obletivo. (Essa é a principal aspiração de toda â artê, mas os
Antsrórrtes
LIvR§ PRIMEIRO

.1Â
Aí está o que eu tinha a dizer sobre o ramô da ciência da fício das trocas recíprocas. E com justa razão que nos repug-
riqueza que trata do supérÍluo. Eu disse o que ela é, e a que na a usura. porque ela procura uma riqueza que provóm da
causa se deve a introduçáo do seu uso. Falei tamLróm do própria moeda, a quai não mais se aplica ao fim para o qual
ramo que tem por objeto o indispensável, e que é completa- foi criada. Ela só Íoi criada para a Íunção da troca; e a usura a
mente diÍerente desse. Suanto à ciência econômica, aquela s multiplica por si mesma: do que se originou o seu nome,'t
que se relaciona com a natureza só se ocupa da subsistência: porque os seres produzidos se assemelham aos que lhes dâo
ela não é, como a outra, sem limites; ao contrário, tem o seu nascimento. O lucro é o dinheiro do dinheiro: e esta é" de
termo. todas as aquisições, a mais contrária à natureza.

§ 21. lsto nos dá a solução da questão apresentada de iní-


cio, a saber: se a ciência da riqueza faz ou nào parte daquela Capírulo lV
da economia ou da administraÇâo dos Estados; mas ó preci-
§ 1. Agora que temos bem explicado tudo o que concerne
§ô, ântes de tudo, que haja uma riqueza. Porque assirn como ro à teoria do nosso assunto, precisamos desenvolver-lhe a par-
a política não faz os hornens, e sirn os emprega tais como a te prátioa. Todos os assuntos desse gênero deixam aL:soluta
natureza os fez, do mesmo modo é preciso que a natureza liberdade à teoria, mas sujeitam a prática à necessidade da
lhes forneça, nos produtos da terra, do mar ou de outra pro- experiência. As partes úteis da ciência da riqueza Íazem co-
25 veniência, os primeiros alimentos; depois compete ao cheÍe nhecer pela prática a natureza das coisas que se possuem, a
da família aproveitá-los. A arte do tecelão nào tá produzir a lá, sua unidade relativa, o lugar onde se encontram, a maneira
mas dela servir-se e conhecer se é de boa ou má qualidade, de as empregar (a criaÇão de cavalos, bois, ovelhas e muitos
se convém ou se não convém. is outrÕs animais). E preciso saber pela prática quais são as
§ 22. Poder-se-ia perguntar por que a ciência da riqueza ó espécies mais aproveitáveis e quais as que convém melhor a
uma parte da economia, enquantÕ que a medicina dela não esta ou àquela localidade, umas medrando maravilhosamente
participa, embora os membros da Íamília tenham necessidade em certas regiões desÍavoráveis a outras. Segue-se a agricul-
de saúde tanto como de aiimentaçào ou de tudo o mais que ti tura, que compreende a lavra e a plantaçáo, a criação de
necessário a vida. Sob certos aspectos, o chefe de família e o zo abelhas e outros animais, peixes ou aves, dos quais se pos-
cheÍe de Estado devem zelar pela saúde dos seus adminis- sam tirar quaisquer proventos.
trados, e sob outros aspectos não o devem, deixando ao mé- § 2. Tais são, em seu verdadeiro signiÍicado, os primeiros
dico os seus cuidados. Da mêsma Íorma, no que concerne à elementos da ciência da riqueza. euanto à arte que trata de
riqueza, há cuidados que se referem ao ecônomo, e outros perrnutas, seu ramo principal é o comércio, que consta de três
que náo são das suas atribuiçÕes, mas que pertencem à inte- partes: o transporte por mar, o transporte por terra, a venda
ligência que age sob as suas ordens. l\o entanto, eu o repito no próprio iocal da produção. Mas cada uma delas difere das
ainda, é a natureza, principalmente, que deve fornecer os outras no fato de umas oferecerem mais seguranÇa, outras
primeiros bens; que a ela compete dar o alimento ao ser que es produzirem um lucro maior. Uma segunda parte da ciência da
fez nascer. Todo o ser recebe da sua máe a vida, e, como riqueza é a usura, e uma terceira ainda o salário. Êste último
complemento necessário, a alimentaÇão; aí está por que a ramo está compreendido nas artes mecânicas e trabalhos
riqueza que provém dos frutos da terra, ou do aproveilamento executados por indivíduos que, inadaptáveis às artes, só são
dos animais, é para todos os sêres uma riqueza conforme úteis pela força física.
com a natureza" Existe um terceiro ramo da ciência da riqueza, intermediá-
§ 23. Há, como já dissemos, duas espécies de arte ou ciên- rio com esta (indústria do comércío) e a primeira (indústria
qo cia da riqueza: uma, que tem o comércio por objeto, outra, a
1ps8b economia. Esta é louvável e necessária; aquela é justamente 15. Existe no texto grego um jogo de palavras intraduzíveis: /okos significa âo mesmo
censurada, pois não se adapta à natureza, provindo do bene- tempo criança e lucro.
32 Aalsrórercs A PALirrcA 33
ED,PRS Ltvqo pRtMEtRo LIvRa PNMEIRO EAPNO

agrícôla). Éle tem qualquer coisa de um e de outro, pois com- que podem criar um monopóiio. Vários Estados têm recorrido
so preende o produto que brota da terra e as matérias que sào a esse meio quando lhes falta o dinheiro, fazendo o monopó-
extraídas do seu interior. matérias que, por náo serem Írutos, lio da venda de mercadorias.
náo deixam de ter também a sua utilidade: a exploraçáo das
florestas, a exploraçâo das minas, cujas divisÕes sáo mesrno § 7. Um siciliano empregou o dinheiro que possuía com'
zs prando todo o ferro que provinha das minas. Dopois, quando
táo numerosas como os metais que se liram da terra.
vieram os negociantes de outrâs prãÇa§, ele foi o único em
§ 3." Falamos de cada uma dessas ciências no sou âspêcto condiÇões de o vender, e serfl mssmo elevar demasiado o
geral. Uteis, sem dúvida, seriam detalhes mais precisos para a 30 preÇo, fez um lucro enorme. Dionísio foi disso informado, e,
execuçâo dos trabalhos, mas seria impróprio e Íatigante parar permitindo-lhe levar sua fortuna, náo lhe concedeu ficar em
aqui. Entre os diversos oÍícios, os que exigem mais arte e ta- Siracusa, pois ele havia imaginado. para enriquecer, meios
lento sáo aqueles onde existe o mínimo de acaso; os mais contrários ao interesse do príncipe" No entanto, a especula-
rs pesados, os que mais deformam o corpo do trabalhador; os Çáo do siciliano foi a mesma que a de Tales; pois ambos fize-
mais servis, ôs que mais necessitam da Íorça física; os mais 3s ram uma ârte de monopólio.
degradantes, aqueles que exigem o mÍnimo de moral.
E útii mesmo aos que governam conhecer tais especula-
40 § tl. Aliás, vários autores têm escrito sobre essa matéria. çôes, porque muitos Êstados existem que têm necessidade
125ea Caretides de Faros, por exemplo, e Apolodoro de Lemnos àe dinheiro e meios de o adquirir como qualquer família. e
sscreveram sobre agricultura (lavra e plantaçáo) e outros mesmo mais. Também, entre Õs que se Õcupam da adminis-
sobre diferentes gêneros de trabalhos.'u É em tais obras, pois, traçáo dos Estados, alguns há cuja única ocupaçâo consiste
que deverão estudar aqueles que se dedicam a estês assun- na procura desses meios.
tos. E preciso também coligir as tradiçÕes esparsas sobre os Heconhecemos três partes na administraÇáo da fanrília: a
s meios que levaram muitas pessoas à Íortuna: porque todos autoridade do senhor, da qual já Íalamos, a do pai e a do es-
estes ensinamentos sào úteis àqueles que precisam da ciên- poso. Esta última autoridade se impõe sobre a mulher e os
cia da riqueza. qo filhos, porém aquela e estes considerados cÕmÕ livres. E náo
§ 5. Atribui-se a Tales de Mileto, por sua grande sabedoria, t25sb se exerce de um modo único. Para a mulher é poder político
uma especulaçáo lucrativa, que, aliás, nada tem de extraordi- ou civil, e para os filhos um poder real. Naturalmente o ho-
ro nária. Heprovava-se a sua pobreza, dizendo-lhe que a filoso{ia mem é mais destinado a mandar que a mulher (excluídas, é
para nada serve. Ele havia previsto, diz-se, pôr seus conheci- claro, as exceçÕes contra a natureza), cÕrno o ser mais velho
mentos astronômicos, qlre iria haver uma grande colheita de e mais perÍeito deve ter autoridade sobre o ser incompleto e
azeitonas. Eslava-se ainda no inverno. Procurou Tales o di- mais jovem.
nheiro necessário, arrendou todas as prensas de óleo de Mileto 5 § 8. No entanto, na maior parte das magistraturas civis, há
e de Suio por um preço bem módico, pelo Íato de não ter con- geralmente uma alternativa de autoridade e obediência, por-
ts correntes. Quando veio a colheita, as prensas Íoram procura- que todos os membros devem ser naturalmente iguais e se-
das de repente por uma multidâo de interessados. Alugou-lhas melhantes. Mas, debaixo desta alternativa de autoridade e
entáo pelo preÇo que quis, e, realizando assim grandes lucros, obediência, procura-se estabelecer distinção pelos hábitos,
mostrou que é fácil aos filósofos enriquecer quando querem, pela linguagem e pelas dignidades, comó deu Amásís17 a
ernbora náo seja esse o fim dos seus estudos.
§ 6. E assim, diz-se que Tales provou a sua habilidade; 17. Amásis, após ter vencido Apriés, rei do Égito, Íoi desprezado pelos seus súdittls
20 mas, repito-o, esta especulaçáo é acessível a todos aqueles clevido à obscuriclade do seu nascimento. Eie Íez Íundir. para dela fazer a e5tátua
de um deus, uma bacia de ouro que lhe servia para banhar os pés. Os egípcios vie-
ram êm multidáo adorar a trova estátua. Entâo Amásis reuniu o povo, deu-lhe a co-
'tr6. Nenhuma de suas obras chegou ató nossos tempos. Apolodoro cle Lemnos é nhecer a primeira funçáo do ouro da e§tátua. Entáo, comparou-se a ela, e assint
citado por Varráo, De 8e 8ustuba, l, lll. obteve a afeiÇão dos seus vassalos"
34 Aatsrórrurs A POLíTíCA 35
Eapal Ltvno paweno LIVRO PRIMEIFO EDPNO

entender ao povo egípcio na sua ÕraÇâo sobre a bacia de cumprirá nenhum dos seus deveres. E claro, pois, que ambos
lavar os pés. Aliás, a relação de superioridade existe constan- devem possuir virtudes, observando-se porém essa diferenÇa
l0 temente da espécie macha para a espécie fêmea. Mas a auto- que a nâtureza pÔs nos seres Íeitos para obedecer. E isto
ridade do pai sobre os filhos é real, porque ele é pai, porque s logo nos conduz à alma. Ela tem duas partes: umar que orde-
governa com amor. porque tem a preeminência da idade, ca- na, outra, que obedece - e as suas qualidades sâo bem di-
racteres distintivos da autoridade real. Eis por que Homero, versas. Esta harmonia se encontra evidentemente nos seres,
chamando Zeus de pai dos deuses e dos homens, di-lo com e assim destinou a natureza parte dentre eies a mandar e
15 razâa a rei de todos esses serês. Porque é preciso que o rei pârte a obedecer.
traga por natureza qualidades que o distingam dos seus súdi- I0 § 11. ü homern livre ordena ao escravo de um rnodo dife-
tos, e que, no entanto, seja da sua espécie: sra tal é a relaÇáo rente do marido à mulher, do pai ao filho. Os elementos da
do mais velho para com o mais jovem, do pai para com o Íilho. alma estão em cada um desses seres, mas em graus diferen-
É evidente, pois, que se deve pensar mais na administra- tes. O escrâvo é completamenle privado da Íaculdade de
çào que se refere aas homens que na aquisiçâo das coisas querer, a rnulher a tem, mas Íraca, a do filho é incompleta.
inanimadas, mais no próprio aperÍeiçoamento que na aquisi-
§ 12. Necessariamente, assim também acontece com as
çâo daquilo que se chama riqueza - enfim, mais nos homens tã virtudes morais, somos levados â crer que todos delas devem
livres que nos escravos. Em primeiro lugar, no que se refere participar, mas não de um modo comum, ê sim apenâs o quan-
aos escravos, deve-se procurar saber se, além das qualida- to seja necessário para que cada um pos§a executar suâ tare-
des que do escravo Íazem um instrumento e o tornam apto fa. Eis por que o que ordena deve possuir a virtude moral em
para o serviço, pode um escravo ter alguma virtude superior,
toda a sua perfeiçáo: porque a sua tareÍa em tudo é a do arqui-
como â temperança, a corâgem, a justiça e qualquer outra teto. Ora, aqui o arquiteto é a razâo. Dos outros, cada um só
semelhante; ou entâo se oulro mérito não possui além de sa- necessita de virtude moral até o quanto convém ao seu oÍício'
ber fazer serviços materiais. Por qualquer lado a questão á
diÍícil de resolver. Possuindo os escravos tais virtudes, que tí § í3. E visível, pois, que a virtude moral pertence a todos
que os diferenciará dos homens livres? Por outra, aÍirmar que üs seres dos quais acabamos de falar, e que nsm â tempe-
eles sâo incapazes de outra coisa além dos trabalhos mate- ranÇa, nem a coragem, nem a justiça devem .ser iguais no
riais, embora sejam homens e tenham a sua parte de razão, é homem e na mulhei, como acreditavá Sócrates''8 N]o homem,
um absurdo. a coragem serve para mandar; na mulher, parâ executar o
s0 que um outro prescreve. 0 mesmo atontece côm as outrâ§
§ 9. Quase a mesma questão se ergue sobre a mulher e o
Íilho. São eies tambóm suscetíveis de virtude? Deve a mulher virtudes. lsso se faz melhor compreender ao§ que aplicam
ser sóbria, corajosa e justa? Deve a criança ser disciplinada esta regra em casos particulares; porque se faz alusào a si
ou rebelde? Êm geral procura-se examinar se o ser Íeito pela mesmo quando se diz em geral que a virtude consiste numa
natureza para mandar e o ser Íeito para obedecer devem ter boa disposiçáo da alma, ou na prática de boas açÔes, ou ain-
as mesmas virtudes ou virtudes diÍerentes. Se é necessário da em qualquer propÓsito semelhante. Vale muito mais enu-
3s que a honra e a probidade se encontrem igualmente nos dois merar a.s qualidades, como Górgias, que fazer definiçÕes
seres, por gue precisaria um mandar e o outro obedecer em
gerais. E preciso pensar igualmente em tudo' Disse o poeta
tudo? Aqui não há diÍerença para mais ou para menos; man- de uma mulhen
"LJm sitênciale madesto aiunta áos seus atrativos":
dar e obedecer são duas coisas essencialmente distintas que
não permitem de modo algum estabelecer o mais e o menos. mas não é a mesma coisa quando se trata de um homem.
§ 10. Exigir virtude em urn e náo exigir em outro seria um
qo absurdo. Se o que manda não é sóbrio nem justo, como po,
18. Alusáo à doutrina êxposta no quinto livro da Repúbtica de Platáo (em Ü/ássicos
1260a derá bem ordenar? Se àquele que obedece faltam essas vir- Edipro\ e no Ménon (seçào 3).
tudes, como ele poderá bem obedecer? Viciado e vadio, nào 1 9. Ájax de SóÍocles, v" 293.
36 ARIsTÓTE.LEs A PoLiTIcA 37
EDIPBo LrvRo PR,MEtRo túaópnwema Eolpaç

§ í4. Já que o filho é um ser incompleto, é claro que a sua que as mulheres são como uma metade das pessoas livres, e
virtude não lhe pertence mais que o resto de si mesmo, mas zo as crianças sáo o viveiro do Estado.
que ela deve ser confiada ao homem completo que a dirige. O Tais sáo os princípios que estabelecemos; como precisa-
mesmo se dá com o escravo em relação ao senhor. Explica- remos iroltar a dizer algures o que resta sobre este assunto,
mos que o escravo serve ao senhor para a$ necessidades da deixemos uma discussão que está esgotada, e, tomando um
vida, e assim é evidente que de pouca virtude ele precisa, outro tema, examinemos as opiniôes emitrdas sobre a melhor
somenle o necessário para que a negligência e o mau com- forma de governo.''
portamento não o façam descurar dos seus trabalhos.
§ 15. l\tlas, admitindo o que acaba de ser dito, perguntar-
nos-ão se é preciso que os artesãos também possuam virtu-
de, pois que muitas vezes, por negligência, eles também Íal-
tam com os seus deveres. Mas não existe aqui uma enorme
diferença? Com efeito, o escravo vive em Õomum com o seu
senhor; o artesão vive mais independente e aÍastado: sua
condição só comporta uma virtude proporcional à sua depen-
dência, visto que, votado às arles mecânicas, ele não tem
mais que uma servidão limitada. A natureza Íaz o escravo; ela
não faz o sapateiro nem qualquer outro artesáo.
§ 16. E evidente, pois, que é o senhor quem deve sêr para
o escravo a causa da sua própria virtude, e não aquele que
teria autoridade e talento necessário para ensinar aos escra-
vos o modo de bem Íazer seu trabalho. É errada também a
idéia de serem os escravos privados de raciocínio, preten-
dendo-se que o senhor deva limitar-se a dar-lhes ordens; ao
contrário, é preciso mesmo repreendê-los com mais indulgên-
cia" que as crianças. Mas terminemos aqui nossa discussão.
O que se refere ao marido e à mulher, ao pai e aos filhos, às
10 virtudes próprias a cada um deles, às relaçÕes que os unem,
à sua honra e à sua desonra, ao cuidado que devem ter em
se procurar ou evitar. sobre tudo isso é que deve versar um
tratado sobre política.
§ 17. Visto que cada família é uma porção do Estado, visto
quê âs pessoas das quais acabamos de Íalar são as parles
da família. e que a virtude da parte deve ser relativa àquela
do todo, é preciso, forçosamente, que se dirija a educaçáo
das mulheres e dos filhos segundo a forma do governo, se se
quer realmente que o Estado, as crianças e as mulheres hon-
rem a virtude. Ora, á claro que importa que assim seja; por- il1. Aristóteies náo Íalou das mulheres, nem das suas vittudes. Disso conclui Fabricio
que Aristóteles nãó terminou a sua Politica; mas deve-se observar que Aristóteles
emprêga freqüentemente essa Íórrnuia pâra se iivrar de uma porçáo de questÕes
importãntes das quais ele não quer tratar. Ele prometeu igualmente um tratado so-
20. Acredita-se que Aristóteles Íaz alusão aqur a uma passagêm de Platâo (Ás teis. l, bre a escravatura, outro sobre as propriedades. Disso ele não disse uma única pa-
Vl, em C/ássicos Edipro). lavra {Fabrício, Bibliot., gr.. t. ll, s. Vl).
I.lvnO SEGUNDO
Sinopse.' Exame da Hepública de Platao, e, em particular, da
camunidade das mu/heres - Refutaçao do seu sisÍerna sobre a
comuniclade dos bens - Exame da doutrina de Platãa no tratada
das Leis - Constituiçáa de Faléias de Calcedônia - llipodama de
Mileto ^ Gaverno das lacedemônios - Governo dos crefenses -
Gaverna dos caftagineses * Diíerentes legislaciores

Cnpirulo I

§ 1. Empreendemos a tarefa de procurar, entre as socie-


dades políticas, a melhor para os homens, os quais têm. aliás,
todos os meios de viver segundo a sua vontade. Devemos,
ao pois, examinar não só as diversas formas de governo em
vigor nos Estados que pâssam por sêr regidos por tloas leis,
mas ainda as que foram imaginadas pelos filósoÍos. e que
parecem sabiamente combinadas. Faremos ver o que elas
têm de bom e de útil, e mostraremos ao mesmo tempo que,
35 procurando uma combinação diferente de todas e{as, náo
pretendemos mostrar sabedoria, mâs que o vício das constitui-
çÕes existentes a isso nos compele.
§ 2. Devemos primeiramente estabelecer um princípio que
sirva de base a esle estudo. E preciso que todos os cidadâos
participem ern comum de tudo ou de nada, de certas coisas e
+o não de outras. De nada participar é impossível, sem dúvida;
porque a sociedade política é uma espácie de comunidade. O
soio pelo menos deve ser comum a todos, a unidade de lugar
formando a unidade de cidade, e a cidade pertencendo em
1261a comum a todos os cidadãos. Mas, em primeiro lugar, quanto
às coisas que se podem ter em comum, será melhor, para
que bem se organize o Estado, que esta comunidade se ês-
4A Aatsróretm A PoL|TICA 4t
EDIPBO LIVROSEGUNDO LIvRo 9EçUNDA EaPRA

tenda a todos os objêtos, Õu que ela se aplique a certas coi- Denrais, isso á o que deve forçosamente acontecer entre
sas e não a outras? Assim os filhos, as mulheres. os bens homens livres e iguais; porque não é possível que todos
s materiais podem ser comuns a todos os cidadãos, como na 3§ exerÇam a autoridade âo mesmo tempo: não a podem exer-
República, de Platáo, obra na qual Sócrates pretende que os cer por mais de um ano, ou conforme outro acordo qualquer
Íilhos, as mulheres e os bens materiais devem ser comuns? ou tempo determinado. Acontece assim que todos chegam
Mas náo á preferível a nossa sorte àquela que nos Íaria a lei ao poder, cômo se os sapateiro§ e os carpinteiros se alter-
escrita na República? nassem, e que nem sempre as mesmas mãos fizessem os
'10 § 3. A comunidade das mulheres entre os cidadãos acarre- mesm0§ trabalhos.
ta muitas outras dificuldades, e o rnotivo alegado por Sócrates
para justificar essa instituição não parece ser uma conclusáo § 6. Sendo melhor que a§ coisas Íiquem como estáo, se-
gue-§e naturalmente que, na sociedade civil, melhor seria tam-
rigorosamente deduzida do seu raciocínio. Demais, é incom- bém que os mesmos homens Íicassem §ernpre no poder, se
patível com o Íim que ele atribui ao Estado, como acaba de rzern isso Íosse possível. [Vas, como â perpetuidade no poder é in-
1s ser dito" Quanto aos pormenores, nada Íoi determinado. Ad- compatível com â igualdade natural, e além disso sendo iusto
mito que a unidade" perÍeita de toda a cidade seja para ela o que todos dele participem, iá considerado como um bem, já
maior dos bens: é a hipótese de Sócrates. cÕmo um mal, deve-se imitar essa Íaculdade de alternar no
§ 4. I.,lo entanto é visível que a cidade, à medida que se poder que os homens iguais se concedem un§ aos outros, do
Íorme e se torne mais una, deixará de ser cidade; pôrque mesmo modo por que antes o receberam. Assim, uns ordenam
naturalmente a cidade á multidáo. Se for levada à unidade, s e outros obedecem, alternadamente, como se se tornassem
20 tomar-se-á família, e de família indivíduo; porque a palavra outros homens. E os magistrados, cada vez que chegam às
"um" deve ser aplicada mais à famÍlia que à cidade, e ao funçÕes públicas, preenchem ora um cargo, ora outro'
indivíduo de preferência à Íamília. Deve-se, pois, evitar essa
unidade absoluta, já que ela viria anular a cidade. Além dis-
§ 7. E evidente, pois, que a naturezâ da sociedade civil
náo admite a unidade, cÕmo o pretendem certos políticos, e
so, a cidade nâo se compõe apenas de indivíduos reunidos que o que eles chamam o maion bem para r: Estado á preci-
em maior ou menôr número; ela se forma ainda de homens samente o que o ieva à ruína. E, no entanto, o bem prÓprio de
zs especificamente diÍerentes; os elementos que a constituem ro cada coisa é o que lhe garante a existência.
nâo sáo absolutamente semelhantes. Uma coisa é uma alian-
ça militar, outra uma cidade; aquela deve a sua força e supe- Existe ainda um outro meio que vem demonstrar que a
rioridade ao número, ainda quando sejam as mesmas as tendência exagerada para a unidade náo é o que se pode
espécies quê a constituem. Porque, seEundo as leis da natu- desejar de melhor para o Estado. Uma família supre melhor a
reza, uma aliança só se Íorma para um socorro mútuo; é si mesma que um indivíduo, e um Estado melhor ainda que
como a balança: o poso maior arrasta o menor. Sob este pon- uma família. Ora, o Estado signiÍica uma associaÇáo de ho-
to de vista, urna cidade estará bem acima de um povo, se os mens que possuem o meio de suprir a sua existência. Se,
indivíduos que a constituem, ao invás de estarem reunidos pois, o que é mais capaz de suprir a si mesmo é o preÍerido, o
30 em pequenos povoados, vivem isolados, oomo os arcadianos. 15 que é menos não o será.

§ 5. Os elementos que devem constituir um todo são de § 8. Suponhamos quê o maior bem da sociedade seja ter a
espécie diÍerente; também a reciprocidade na igualdade con- unidade absoluta. Essa unidade não parece experimeniada
servará os Estados, como o dissemos na Etica.z3 pela unanimidade de todos os cidadáos, a pontÕ de poderem
:o dizer: "isto ó meu e não é meu", palavra§ quê Sócrates cita
como sinal infalível da perfeita unidade do Estado. A palavra
fodos, com efeito, tern aqui urn duplo sentido. Se Íor tomada
22. República, Livro V, em Clássicos Edipra. como designando cada indivíduo em particular, isso convirá
23" A Ética (ern Cláss,ibos ÉdiproJ iai escrita antes de A política melhor, talvez, ao finr que se propÔs Sócrates' Pois cada um
42 Antsrórercs A PaLiTIcA 43
Eorpno Liina àEcuuoo LIVRa §EGUNDO EDIPRO

dirá, falando de uma mesma criança e duma mesma mulher: suas mâes; porque a semelhança existente entre pais e filhos
"ali está o meu filho, ali está minha mulher", assim Íalará tam- fornecerá a muitas psssoas sinais quase certÕs sobre uns e
zs bém dos bens materiais e de tudo o mais. sobre outros. Ê o que dizem cêrtos autores que descreveram
§ 9. Mas não é nesse sentido que o dirão aqueles que viagens ao redor do mundo. Contam que a comunidade das
possuem em comum as mulheres e os Íilhos; a palavra iodos zo mulheres existe na alla Líbia, e que se distribuem os Íilhos
os designará coletivamente, e não cada um deles em particu- segundo as semelhanças Íísicas. Encontram-§e mesmo entre
lar. Dirão também: minha corsa, em sentido coletivo, não indi- outras espécies de animais, como os cavalos e os bois, Íê-
vidual. Há, pois, um paralogismo, um equívoco evidente no meas que pos$uem a iaculdade especial de produzir filhos
30 empreüo das palavras: ambos, par, ímpar, precisamentê por- semelhantes ao macho, como em Farsália a jumenta chama-
que elas encerram a idéia de dois, e são propícias à formação da justa ou flel.
de argumentos contrários. Eis por que o fato de todos os ci- 25 § 13. Há ainda outros inconvenientes que náo sào fáceis
dadãos estarem acordes em dizer a mesma coisa, falando do de evttar quando se estabelece tal comunidade. Por exemplo.
mesmo assunto, é belo sem dúvida, mas impossível, e, pôr as sevícias, as mortes involuntárias ou voluntárias, as rixas e
outro lado, nada tem que prove absoluta unanimidade. as injúrias: todas essas ofensas sendo lrem mais criminosas
§ 10. Esta proposição, tuda é /neu, apíesenta ainda um em relação a um pai, uma máe ou parentes proximos, que eln
outro inconveniente: râ que nada inspira menos interesse que eo relaçáo a estranhos, e mais Íreqüentes entre pessoas que
uma coisa cuja posse é comum a grande número de pessoas. náo se conhecem que entre conhecidos. Tratando-se de pes-
Damos uma importância muito grande ao que propriamente soas que se conhecem, pode-se recorrer às penas prescritas
3s nos pertence, enquanto só ligamos às propriedades comuns pelo costume ou pelas leis, ao pâsso que isso é irnpossível
na proporção do nosso interesse pessoal" Entre outras ra- quando nâo se conhecem.
zões, eias são mais desprezadas porque sâo entregues aos § 14. E absurdo, quando se estabelece a comunidade dos
cuidados de outrem" Assim o serviço doméstico: tanto mais se Íilhos, só interditar-se as relações carnais entre os amantes,
prejudica, quanto maior é o número de criados. deixando-lhes a liberdade de se amarern - e náo impedir en-
§ 1í. Se cada cidadão tiver mil filhos, não como seus des- ss tre um pai e um filho, ou êntre irmãos, as Íamiliaridades mais
í262a cendêntes, mas filhos deste e daquele, sem distinção, todos os contrárias à decência, porque nisso só se enxerga amor. Sim,
cidadãos esqueceráo igualmente tais Íilhos. Cada qual diz de é absurdo proibir aos amantes o contato carnal sÓ para impe-
um Íilho que cresce: é meu; e se, ao contrário, ele náo vinga: dir excessos de voluptuosidade, ao pa§so que se olham com
pade ser o meu, ou outro qualquer - assim falando de mil indiferenÇa as reiaçôes de um pai com seu Íilho, de um irmão
crianças, ou ainda de todas que existem em um Estado, sern com seu irmão. Talvez fosse melhor estabelecer a comunida-
s nada poder aÍirmar com oerteza, pois que não se sabe qual é o qo de das mulheres e das crianças na classe dos agricultores,
cídadão que teve um Íilho, nem se o filho viveu após o nasci- rzozu mais ainda que na dos guardiÕes; porque a amizade diminui
menlo. Vale mais chamar minha à primeira criança apresenta- desde que as mulheres e os filhos sejam comuns. E ó neces-
da, de duas mil, dar-lhe sempre o mesmo nome, ou conservar sário que assim seja entre indivíduos que devem oh,edecer,
nesta palavra minha o uso hoje em vigor nos diferentes Esta- em vez de procurar inovaçôes.
dos? Aquele que alguém chama seu filho, ou outra pessoa o § 15. Esta lei conduziria fatalmente a urn resultado oposto
ro chama de irmão ou primo, ou lhe dá qualquer outro nome se- s àquele que se deve esperar de leis iustas e sábias, e isso
gundo os laços de sangue, de parentesco ou afinidade por ele justamente devido à razão pela qual Sócrates jStlga dever
contraídos diretamente, ou por seus ancestrais; um outro ainda iegular, como o Íez, o que se reÍere às mulheresza e aos Íi-
lhe dará o nome de companheiro de tribo. É melhor ser o último lhos" Vemos na amizade o maior de todos os bens que possa
dos primos que o filho na República de platão. um Estado possuir e o melhor meio de evitar as dlscórdias. O
15 § 12. Contudo, náo é possível evitar que muitos descu-
bram os seus irmãos verdadeiros, seus filhos. seus pais e 24. Esta teoria foi expostâ no quinto livro da ÊepÚb#ca de Platão
ABI9Í|ÓTELES A PaL|TICA 45
EDtPBo LtvBo SEGUND1 LIvRA SEGUNDO

10 próprio Sócrates aprova que o Estado seja uno o mais possí- CnpÍrulo ll
vel, e esta unidade deve ser, como ele concorda, a obra da
boa união entre os cidadãos. § 1.A ordem natural das idráias traz a questão da proprie-
dade. Qual será a lei sobre as propriedades no projeto da
E isto que Aristofanes diz na sua oração25 sobre o amor, melhor constituição? Serão elas comuns ou individuais? Esta
quando representa os amorosos como aspirando, pela violên- questáo é independente da legislação sobre as mulheres e os
cia da sua paixão, a confundir sua existência fazendo de dois filhos. Aqui só considero os bens de raiz. Dividindo-se as ter-
um só e mesmo ser. ras em propriedades particulares, como hoje o são, trata-se
§ 16. Aqui esta Íusão acarretará, fatalmente, o anulamento de saber se será melhor quê a comunidade participe das ter-
dos dois seres, ou pelo rnenos de um dos dois; no Estado, ao ras ou sornente da colheita. Por exemplo, se será melhor que
ts contrário, a amizade recíproca é, para complemento necessá- as terras seiam possuídas por particu!ares, mas que se tirem
rio da comunidade, como uma substância diluída na água. E ê se ôonsumam os frutos em comum, como fazem algumas
será rmpossível que um pai diga meu filha; ou um Íilho: meu q
naÇÕes; ou, ao contrário, que a terra e a cultura sejam co-
pai. Quando uma substância de sabor doce se dissolve numa muns, mas que os Írutos sejam repartidos segundo as neces-
grande quantidade de água, ela dá uma mistura insípida. Da sidades particulares, cotÍlo muitos povos bárbaros têm Íama
mesma forma, os sentimentos de afeiçáo que Íazem nascer de Íazer; ou. Íinalmente, que as terras e os f rutos sejam repar-
20 êsses nomes sagrados se dissipam e se esvaem num Estado tidos.
onde é absolutamente inútil que o pai sonhe com seu filho, o
§ 2. Se as terras são cultivadas por outros que náo sejam
íilho com seu pai, o irrnâo com outro irmão. Porque há duas 10 os cidadãos. a questão será outra e mais fácil; mas se aque-
coisas que inspiram no homem o interesse e o amor: a pro- les que cultivam o fazem por conta propria. a razào do inte-
priedade e a afabilidade: ora, uma e outra são impossíveis na
resse trará maiores diÍiculdades. A desigualdade cJos traba-
República de Platão. lhos e dos prazeres virá despertar, naturalmente, o descon-
2s § í7. E quando se tratar da passagem'ô dos fiihos dos la- tentamento por partê dos que trai:alham muito e recebem
vradores e artesãos à classe dos guardiões, e dos Íilhos dos 15 pouco, contra aqueles que mal trabalham e recebem muito'
guardiões à dos lavradores, que diÍiculdade! Que desordeml
E preciso que aqueles que as entregam e os que as transpor-
§ 3. Êm geral, todas as relações que a vida comum e as
sociedades trazern para os homens sâo difíceis, principalmen-
tam saibam que crianças são essas, e a quem eles as dão. te as que têm o interesse por obieto. Veiam-se as sociedacles
30 Há mais: os crimes dos quais falávamos há pouco, como se-
formadas parâ as longas viagens: uma bagatela' um nada
vícias, os amores e os homicídios, serão muito mars Íreqüen- traz muitas vezes querelas e discÓrclias entre os viajantes. De
tes. Porque não haverá mais irmáos, pais e mães para os 20 todos os nossos criados, os qLIe mais sâo atingidos pela nos-
filhos dos guardiôes, uma vez que sejam conÍiados a outros sa censura ê nosso mau humor não seráo, âcaso, aqueles
cidadãos, da rnesma forma que esses nomes deixarão de cujo trabalho é mais incessante? A comunidade dos bens sus-
existir para aqueles que estáo entre os guardiões, quando por cita, pois, tais e outros embaraços.
sua vez tiverem sido conÍiados a outras mãos. Então os laços
ss de parentesco não mais poderão evitar que eles se ofendam § 4. Mas o atual rnoclo de pÕsse que §e recomenda pela
entre si. autáridade dos costumes e pela prescrição de sábias leis
deve ter uma grande vantagem. Ele reunirá os beneÍícios dos
Terminemos aqui o que tínhamos a dizer sobre a comuni- 25 dois sistemas, isto é, da propriedade possuída em comurn e
dade das mulheres e das crianças.
da posse individual ao mesmo têÍnpo. Estando divididos os
trabalhos da cultura, náo haverá oportunidade para queixas
25. Ver no Banquete de Platào a fábula dos Andrógínos. recÍprocas: o valor da propriedade será aincJa mais aumenta-
26. É o assunto de que trata Platâo no fim do tercerro e no cômeÇo do quarto livro da do, porque cada qual por ela se esforçará plenamente como
frepública. se se tratasse de uma coisa exclusivamente sua' E quanto ao
Ansrúrttes A PoLirtca
EotPRo LtvRosEcuNDo LtvRosEçaNDg EaPna

30 emprego dos frutos, a virtude dos cidadãos o fará como de leitura das disposiçoes que ela encerra aceita-as com júbilo,
justiça, segundo o provérbio: entre amigos tudo é comum. certo que dela resultará uma amizade recíproca entre todos
§ 5. Ainda hoje se vêem traços e como que um esboço os cidadáos, principalmente quandô se acusam os vícios dos
desse sistema de posse em alguns Estados, o que prova que 20 governos existentes atribuindo-os apenas ao fato de não ser
ele não é impraticável. Nos Estados melhor administrados, ele estabelecida a comunidade dos bens. Falo dos processos
existe em certos casos, e poderia ser estabelecido em muitos relativos a contratos, condenaçôes por falso testemunho, vis
outros. Porque, aí tendo cada cidadão a sua propriedade par- adulaçôes dirÍgidas aos ricos, enfim todos os vícios que resul-
35 ticular a põe em parte ao serviço dos amigos, e dela se serve tanr da perversidade geral, e náo do fato de não existir a co-
em parte como de um bem comum. Assim os lacedemônios munidade dos bens. Entretanto, sabemos que os possuidores
se servem mutuamente dos escravos de uns e de oulros 25 dos bens em comum têm muito mais Íreqüentemente deman-
como dos seus. por assim dizer. Fazem o mesmo côm os das entre si que os proprietários de bens separados; e sabe-
cavalos, os cachorros e as provisÕes de boca,z' de que ne- mos ainda que o núrflero de possuidores associados é muito
cessitam quando surpreendidos em pleno campo. E preferí- pequeno quando o comparamos ao dos proprietários de bens
vel, pois, que os bens pertençam a particulares. mas que se particulares"
tornem propriedade comum pelo uso que deles se Íaz. Cum- § L Se é justo calcular os males que a comunidade evita"
4ü pre ao legislador inspirar aos cidadáos os sentimentos que tambám é preciso contar os bens dos quais ela nos privaria.
convêm para estabelecer uma tal ordem de coisas. Mas com ela a existência parece absolutamente impossível. A
§ 6. Demais, não saberíamos dizer que prazer existe em 30 causa do erro de Socrates deve ser atribuída ao fato de partir
pensar que uma coisa nos pertence. Não é apenas uma ilu- ele de um Íalso princípio. Sem dúvida é preciso, sob certos
rzoru são passageira, o amor próprio; é, ao contrário, um sentimen- aspectos, a unidade na Íannília e no Estado, mas nâo de um
to natural. O egoísmo, eis o que se censura com razão: mas modo absoluto. Se o Estado ainda existe, é com a condição
ele não consiste em amar a si mesmo, mas em amar-se mais de náo ir muito longe nas suas tendências para a unidade; se
do que se deve. Da mesma Íorma se censura a avarezal no existe, é porque conservâ ainda um resto de vida, mas estan-
s entanto. é natural em todos os homens provar esses dois do em vias de perdê-la será o pior de todos os governos. É
sentimentos. 0 mais doce dos prazeres é auxiliar os amigos, 3s como se se quisesse fazer um acorde cÕm um único sorn, ou
os hóspedes, os companheiros, e ele não pode ser obtido a urn ritmo com unna só medida.
não ser por meío da posse individual" § 1CI. Como o Estado se compÕe de uma multidão de indi-
§ 7. Destrói-se esse prazer quando se exagera o sistema víduos, conforme dissemos, é pela educação que convém
da igualdade política, e, mais ainda, anula-se fatalmente a trazê-lo à comunidade e à unidade. h/as, querendo-se dar-lhe
prática de duas virtudes: primeiro a continência (ação bela e um sistema de educação, é estranho pensar que isto bastará
to louváveÍ o respeitar, por sabedoria, a mulher do próximo); para tornar o Estado virtuoso, e julgar que se poderá fazer a
depois, a liberalidade. O homem generoso não poderá se Eo reforma por.tais rneios, e náo pelos costumes, pela Íilosofia e
apresentar em dia claro nem praticar qualquer ação liberal, pelas leisl E assim que em Lacedernônia e em Creta o legis-
pois que a liberdade só aparece segundo o uso que se faz de 1264a lador estabeleceu a comunidade dos bens pela instituição das
sua riqueza. refeições públicas.
t5 § 8. Tal legislação tem um aspecto sedutor e parece estar Nem se deve ignorar que é preciso ter em conta esta longa
impregnada de amor pela humanidade. Aquele que ouve a seqüência de séculos e de anos durante os quais este siste-
ma de comunidade, se algo valesse, não Íical.ia sem ser des-
coberto. Tudo tem sido mais ou meno§ imaginado e encon-
27. XenoÍonte diz que aqueles que, após uma caçada prolongada até a noite, tivessem
necessidade de víveres, eram autorizados a entrar em umâ habitaçâo qualquer e ti-
trado; mas certas idéias náo têm sido aceitas, outras não sào
rar o alimento de que estivessem precisando. s adotadas, embora sejam conhecidas.
A PaLíTICA
rtvalo seàúuoa EDtPHo

+o as relações entre os lavradore§ e os guardiões, a Íim de manter


§ 11. O que dissemos apareceria à luz do dia se se visse 1264b a comunidade destes ao lado daqueles. Se se admitir na classe
essã forma de governo posta em prática' Não se poderá Íor-
dos lavradores a comunidade das mulheres com a distinção
maÍ um Estado sem dividir e separar as propriedades, delas
das propriedades, quem cuidará dos serviços dos lares, visto
aplicando uma parte nas refeiçÔes públicas e outra na manu-
t

como os homens se encarregam da cultura dos campos -


tençâo das fratrias e das tribos; assim o mais que pode resul- quem deles cuidará, se as mulheres e os objetos formarem
tar dessa legislaçáo é que os guardiÔes não mais poderão culti-
comunidade?
t0 var a terra - abuso esse que já em nossos dias comeÇa a se
introduzir entre os lacedemônios. Além disso, Sócrates nada § 15. É absurdo estabelecer uma comparação com os
Íalou do governo geral da comunidade, coisa que não seria animais para aÍirmar que âs mulheres devem exercêr as mes-
fácil realizãr. A massa dos outros cidadáos, para os quais nada mas Íunções que os homens, os quais sáo absolutamente
existe determinado, é, contudo, a massa dos habitantes da estranhos aos cuidados doméstlcos. Também é perigoso
rs cidade. Serão as propriedades comuns entre os lavradores, ou constituir as magistraturaszs como faz Sócrates: ele as confia
seráo distintas cada uma? A comunidade das mulheres e das sempre às mesmas pessoas.
crianças existirá também para eles? Essa é uma causa de discórdia mesmo entre pessoas que
náo possuem qualquer sentimento de dignidade, e, com mais
§ 12" Porque, sendo tudo igualmente comum a todos, onde
está a diÍerença entre os lavradores e guardiões? Que interes- t0 forte razão, entre homens ardentes e belicosos. Mas está
20 se os levará a tolerá-la? Só se imaginarmos um expediente claro que Sócrates precisa manter nos cargos sempre os
como aquele dos cretenses, que, tudo permitindo aos escra- mesmos magistrados. Porque Deus náo verte o ouro'" ora
vos, apenas lhes proibiam duas coisas: os exercícios ginásticos nas almas de uns, ora nas almas dos outros, mas sempÍe nas
e o direito de possuir armas. Se, ao contrário, todos esses pon- mesmas almas. No próprio instante do nascimento, se nisso
tos forem regulados entre eles corno acontecê nos outros Es- acredita Sócrates, Deus mistura o ouío em certas almas, a
tados, qual será entâo o meio de estabelecer a comunidade? prata enn outras, o bronze e o Íerro em todas aquelas que são
zs Porque haverá necessariamente dois Estados em um, e dois destinadas à classe dos artesáos e dos lavradores.
Estados hostis um ao outro, porque deseja-se que os guar- § 16. Por outro lado, arrebatando a Íelicidade aos guar-
dioes sejam exclusivamente os guardiões do Estado e os la- diões, pretende Sócrates que o legislador deva tornar feliz
vradores, os artesãos e os outros sejam simples cidadãos' todo o Estado. Ora, é impossível que todo o Estado seja feliz,
se todos os cidadãos, se a maioria, se mesmo alguns não
§ 13. Quanto às acusaçÕes, aos processos e outros incon-
venientes que Socrates reprova em outras Íormas de Eover- gozam Íelicidade. Porque não acontece com a felicidade o
B0 no, não existem menos em seu sistema. Ele garante que, qre se dá com os alEarismos que Íormam um número par:30
grâÇas à educaçáo que terão recebido, os cidadáos só preci- uma soma pode ser um número par, sem que nenhuma das
ãarão de um pequeno número de ordenações sobre polícia, suas partes o seja. Mas no caso da Íelicidade isso é irnpossÍ-
mercados e outras coisas semelhantes; e, no entanto, ele sÓ vel. No entanto, se os guardiões náo sâo felizes, quem o
provê à educação dos guardiões. Deixa aos lavradores a livre será? Certamente não o seráo os artesãos nem a multidáo
disposiçáo do que po§suem. com a condiÇáo de entregarem
âE
dos lavradores. Tais são as dificuldades que apresenta a re-
uma pàrte das produçÕes' Mas é provável que estes sejarn pública da qual Sócrates traÇou o plano; e nela existem outras
ss bem mais difíceis de convencer e mesmo mais desconfiados não menos importantes.
do que o são, em alguns países, os ilotas, os penesta§ e o§
escravos.
28. Ver A Repúblrca, I, lll, cap. XlX.
§ 14. Mas ele não diz, agora pelo menos, se tal será ou 29. ldem.l, lll, cap. XXl.
náo a conseqÜência do seu sistema. Já não Íala dos direitos 30. Um número par pode-se íormar de números que náo tenham a propriedade de ser
políiicos dos lavradores, da educação e das leis adequadas à pares: assim, 12 é um número par e pode ser formado de 3 repetido 4 vezes, ou de
sua condição. No entanto, é táo diÍÍcil quanto essencial Íixar 7 e de 5, que são números Ímpares.
50 Anrcrórercs A PoLirtca 51
I-IVRo §EÉuNDo Ltvqo sEGuNDo EDtPRo

tas vezes maior. Sem dúvida tudo se pode imaginar à vonta-


Cnpírulo lll de, exceto o impossível.
§ 1. Tenho mais ou menos as mesmas observaçÕes a § 4. Diz-se que o legislador, ao compor suas leis, deve ter
apresentar sobre o tratado das Ler's composto posteriormente. 20 sempre os olhos fixos em duas coisas: o país e os homens.
Também será mais conveniente nele não parar senão por um §eria preciso acrescentar que ele deve tambérn estender
momento para examinar a forma do governo proposto. Na seus cuidados aos países vizinhos,3' se quiser que a cidade
República, Sócrates só trata de um modo preciso certos pon- tenha uma existência política; porque é necessário que ela
30 tos bem reduzidos sobre a comunidade das mulheres e das tenha à sua disposição tanlas armas quantas lhe sáo neces-
crianças, a rnaneira pela qual deve ser estabeleeida a propri- sárias, não só para a guerra interna como ainda para a guerra
edade e a ordem que deve presidir a administraçáo do Esta- rs exterior. E, supondo-se que se quisesse evitar que os cida-
do. Ele divide o povo em duas partes; os lavradores e os dãos adquirissem hábitos militares tanto na vida privada como
guardiôes; e forma entre estes uma terceira classe que resol- na vida pública, náo menos necessário sêria, no entanto, que
ve os negócios do Estado e exerce a autoridade soberana. Os eles estivessem em condiÇÕes de ser temíveis ao inimigo, não
lavradores e os artesãos sáo excluÍdos de todas as magistra- só quando este viesse atacar e rnvadir o país, mas também
35 turas, ou tomarão parte em alguma? Têm eles o direito de quando fosse obrigado a abandoná-lo.
possuir armas e concorrer para a defesa do Estado? lsso é o
que §ócrates não decidiu; mas ele acha que as mulheres
30 § 5. Deve-se considerar ainda se não será melhor fixar a
extensão das propriedades de outra Íorma, e de um modo
devem participar dos trabalhos da guerra e receber a mesma
mais racional. Diz o autor que é necessário que cada um pos-
educaçâo que Õs guardiôes. O resto do tratado so contém
sua o bastante para viver moderadamente, isto é, para viver
digressões estranhas ao assunto ou detalhes sobre a educa-
feliz, porque esta expressão está mais generalizada. Mas
+o çào dos guardiões.
pode-se ievar uma vida sóbria e no entanto inÍeliz. A deÍinição
1265a § 2.O tratado das Lers, ao contrário, só contém, por assim teria sido melhor se ele dissesse viver sobriamente e de um
dieer, disposiÇÕes legislativas, 0 autor pouca coisa diz do modo liberal. Se se tocar separadamente cada uma dessas
governo propriamente dito, e querendo que a forma que ele condições, a liberalidade seguirá à miséria. Alám disso, nada
propÕe seja aplicável a todos os Estados, é levado pouco a ss há como estes hábitos que se referem ao emprego da fortuna;
s poucÕ a reproduzir o plano da Repúbtica. Com exceçáo da eles não exigem nem a doçura de caráter, nem a força da
comunidade das mulheres, e dos bens, ele fae nos dois trata- coragem, mas a moderação e a liberalidade, e de tal modo
dos idênticas prescrições: mesma educação, rnesmo direito que é necessário que so elas reEulem o uso que se taz da
vitalício a todos os guardiões de executarem trabalhos úteis à riqueza.
sociedade, mesmÕ regulamento para as refeiÇôes públicas. I
§ 6. E ainda bem estranho que, estabelecendo-se a igual-
Apenas, no segundo projeto, diz que ó necessário que as dade das propriedades. nada se tenha determinado quanto ao
mulheres também tenham refeiçoes comuns. e eleva para ao número de cidadãos, deixando que se multipliquem indefinida-
ro cinco mil o número dos que portam armas que, no primeiro, mente, como se o seu número não se alterasse muito, em con-
não vai alóm de mil. teasa seqüência de uniões estéreis,32 que viriam compensar a cifra
§ 3. Os discursos de Socrates são, pois" eminentes, cheios
de nascimentos, qualquer que fosse; e de fato isso parece
de elegància, originalidade e pesquisas proÍundas; mas é acontecer ainda hoje nos diversos Estados. Bem necessário
difícil, talvez, ser tudo neles igualmente belo" Além disso, não seria que esse resultado fosse exato em nossas cidades, tais
rs é preciso dissinrular que tamanha multidáo precisaria dos como elas existem. Hoje ninguém fica nu, porque propriedades
planos da Babilônia ou outro imenso terrrtÓrio para alimentar
na ociosidade cinco mil homens, sem contaÍ esses bandos de
31. Platáo o indica. no entanto. no Vl livro de Ás Leis, e no V (em Õ/ásslcos Êdrpro)
mulheres e de criados que formam um número não sei quan-
32. Platâo, Ás Ler's, livro V.
52 Aasrórrurs A PoLíncA 53
LtvRa sEGuNDa LTVRO SEGUNDo EDtPRo

sáo repartidas entre os filhos, quâlquer que seja o seu número: § 10. Alguns indivíduos dizem que o melhor governo deve
ao pâsso que, se as propriedades não fossem divididas, seria ser uma combinaçâo de todos os outros, e é por esta razão
preciso que Õs Íilhos, mais ou menos numerosÕs (sê-lo-íam em 35 que aprovam a constituição de Lacedemônia, considerando-a
supernúmero), nada absolutamente possuíssem. como um misto de oltgarquia, monarquia e democracia. Ela é,
§ 7. Seríamos levados a crer que o crescimento da popula- dizem, monarquia para os seus reis, oligarquia para os seus
çào devesse ser contido em certos limites, mais ainda que â anciãos, democracia para os óÍoros que são sempre tirados
propriedade particular, de modo que os nascimentos não ex- do meio do povo. Outros, ao contrário, pretendem que esta
cedessem a um número que seria Íixado, considerando-se o magistratura dos éforos é uma tirania, e que as reÍeiçÕes em
10 número eventual dos filhos que morrem e das uniÕes estéreis. 1266a comum, assim como outras regras da vida quotidiana, consti-
Basear-se no acaso, como se faz em quase todos os Esta- tuem uma verdadeira democracia.
dos, ó causâ inevitável de pobreza para os cidadáos; ora, a § 11. Em Ás Lers, diz-se que o melhor governo deve se
pobreza gera a$ discórdias e os crimes. Também Fidon de compor de democracia e tirania, duas Íormas que se tem o
Corinto,s3 um dos mais antigos legisladores, estava convenci- direito de repelir completamente ou considerar como sendo as
do de que o número de famílias e o de cidadãos deveria per- piores de todas. A opiniáo dos que admitem a combinação de
rflanecer Íixo e invariável, ainda mesmo que todos houvessern um maior número de formas é preferível; porque a constitui-
15 começado com quinhÕes desiguais" Em Ás l-eis de Platão é ção que resulta da maior combinaçáo é a melhor. Depois, o
precisamente o contrário. Mas nós diremos mais tarde qual á sistema proposto pârêce nada ter de monárquico; é ao mes,
a nossa opiniáo sobre este assunto. mo tempo oligárquico e democrático, ou melhor, pode pender
§ 8. Foi omitido nas Ler's o que se refere aos magistrados, mesmo para â cligarquia. O que o prova é a eleição dos ma-
assim comn as diferenças que existem entre eles e os cida- gistrados: são escolhrdos por sorte entre um certo número de
dãos; apenas se diz que âs relaçoes de uns com os outros l0 candidatos eleitos. Este modo de escolha tanto pode perten-
devem ser como a da urdidura com a tÍama, na qual a lá é cer à democracia, como à oligarquia. Mas impor aos mais
diÍerente. Além disso, já que ele permite o aumento da fortuna ricos a obrigação de comparecer às assembléias, apontar os
rnobiliária até o quíntuplo, por que nâo permite também o magistrados e delas dispensar outros, isso tem qualquer coisa
aumento da propriedade predial até um certo limite? E preciso de oligárquico. Escolher os magistrados entre os ricos e Íazer
também ter cuidado para que a separaçào das casas e a sua assumir os cargos mais importantes aqueles que maior ren-
situaÇáo não apresentem inconvenientes para â economia. O dimento possuem, eis outra tendência da oligarquia.
autor alvitra duas habitaçÕes para cada cidadãs; ora, é diÍícil 15
§ 12. A maneira pela qual se Íaz a eleição3a do Senado
dar a duas casa$ Õs cuidados que estas exigem. também é oligárquica. A lei obriga todos os cidadâos a vota-
§ 9. O conjunto da constiiuiçào não é, propriamente faian- íem, mas escolhendo os candidatos na primeira classe do
do, nem uma democracia, nem uma oligarquia, mas um go- censo, escolhendo ainda um número igual na segunda classe,
verno misto, porque é formado de cidadáos armados. Talvez e em seguida na terceira: apênas aqui a lei não obriga todos
tenha razão o auÍor desse sistema se o apre$enta como o os cidadáos da terceira e da quarta classe a apresentarem o
que mais se aproxima dos governos dos outros povos, mas seu voto, e para as eleiÇÕes do quarto censo e da quarta
se o aponta como o melhor de todos depois do seu primeiro classe dos habitantes só se exiEe o voto dos cidadâos da pri-
projeto de Hepública, ele já nao tem mais razâo. Poder-se-ia meira e da segunda classe. Diz afinal o autor que é preciso
preferir-lhe a constituiçáo de Lacedemônia ou qualquer outra igualar o número de todos os eleitos para cada uma das qua-
que tivesse mais tendôncia à aristocracla. tro classes do censo. Os cidadãos das classes onde o censo
é mais considerável serão, pois, mais numerosos e influentes,

33. Ele deu leis a Corinto 50 anos antes de Licurgo. que nasceu 926 anos ante§ da no§§a
era. Aristóteles fala ainda de um outro Fidon, tirano de Argos (livro V, cap. VII). 34. Platão. VI livro de As teis.
Âsrsrórrrrs A POL|TICA 55
EolPRa Ltvqo sEcaNDo LrVRosEGuNDo EaPRa

porque muitos cidadãos das classes populares só votaráo se § 3. Todavia, o legislador não deve descurar de uma ob-
a isso forem obrigados por lei^ servação que parêce lhe ter escapado: que assim Íixando a
§ 13. É evidente, pois, que tai constituiÇão não deve ser um
ro quota das Íortunas, ele deve também fixar a quantidade de
misto de democracia e monarquia. E o que Íoi provado e o será filhos. Se o número de filhos excede a quota da Íortuna, a
rs ainda, quando se apresentar ocasiáo de voltar ao exame desta abolição da lei se tornará necessária. E, independentemente
espócie de governo. Além disso, esse modo de eleição que desta aboliÇão da lei, há um grave inconveniente no fato de
consiste em escolher os magistrados ern uma lista de candida- se tornarem pobres tantos cidadáos que antes eram ricos;
tos eleitos não é destituído de perigos. Se alguns cidadàos, porque então ter-se-á bastante dificuldade ern impedir as
mesmo em pequenô número, quiserem se coligar, as escolhas revoluçôes"
seráo sempre feitas segundo a sua vontade. 15 § 4. Alguns legisladores antigos bem compreenderam a in-
30 Tal e o sistema de governo exposto no tratado Ás Leis. fluência da igualdade das Íortunas sobre a sociedade política.
É segundo esse princípio que Sólon37 instituiu suas leis, e
outros legisladores proibiram a aquisiçáo ilimitada das terras.
Cnpírulo lV Do mesmo modo há leis queproíbem a venda dos bens de
§ 1. Existem ainda outras formas de governo idealizadas za raiz (como entre os locrianos).'o a menos que se prove a isso
seja por simples cidadãos, seja por filósoÍos su homens de ter sido obrigado por qualquer desgraça.
Estado. Todas elas se aproximam das {ormas estabelecidas e Outras leis prescrevem a deÍesa da integridade dos patri-
atualmente em vigor, mais que esses dois tratados de Platão mônios antigos. A infraçâo deste regulamento, em Leucada,"
que nós temos examinado. Nenhum desses legisladores teve tornou o governo demasiado democrático porque não foi mars
as a fantasia de admitir a comunidade das mulheres e eios Íilhos, possível manter o censo exigido anteriormente para chegar às
ou os banquetes públicos das rnulheres; mas eles começam magistraturas.
de preferência por princípios essenciais: alguns pensam que
o mais importante é regular convenientemente o que se reÍere
§ 5. No entanto, é possível que o princípio da igualdade
zs das Íortunas exista em um Estado, mas que elas tenham
às propriedades - é lá que eles vêem as fontes de todas as limites bem amplos, favorecendo o luxo e a dissipaçáo, ou
revoluçÕes. Faléias35 de Calcedônia foi o primeiro a tratar demasiado apertados, acarretando a miséria geral. O que
+o deste assunto; quer a igualdade das Íortunas para todos os prova que náo basta ao legislador igualar as Íortunas, mas
cidadãos. que ele deve procurar ainda estabelecer entre elas uma
§ 2. Ele achava que no próprio momento da fundaÇáo dos justa mediania.
rzoon Estados não seria diÍícil estabelecê-lo, pois, uma vez os Esta-
E mesmo esta mediania de nada serviria. É nas paixÕes
dos constituídos. ter-se-iam maiores dificuldades a vencer. 30 que se deve estabelecer a igualdade, muito mais que nas
Mas que no entanto se obteria em pouco, se se exigisse que
fortunas. e essa igualdade não passará do resultado da edu-
os ricos Íizessem doações sem as receber, e os pobres as caçào dada pelas leis.
s recebessem sem dá-las. Platâo, no seu tratado Ás lets, pen-
savâ que seria necessário conceder um certo desenvolvimen- § 6. Diria Faléias aqui que isto é exatamente o que ele
to,^§em permitir a nenhum cidadão possuir uma foriuna cin- próprío pensâ: poíque ele imagina que em todos os Estados
co'o vezes maior que a menor, como já falamos.
37. Segundo essa passagem. Faléias seria posterior a Solon.
38. Heine acredita que se trata aqui dos locrianos epizeÍÍrios, povo da ltália inÍerior ou
35. Náo conhecemos Faléias a não ser por essa passagem;julga-se que ele viveu no Grande Grécia. Zaleuco, discípulo de Pitágoras e legislador dos locrianos, viveu
quarlo século antes dê nossa era. E tido como nascido em Cartago: no êntanto 570 anos a.C.
Aristóteles náo o mencionana ÇanstituiÇaa de Caftago lA Política l, ll, cap. Vll), 39. Leucada, colônia de Corinto" Dela só se sabe aquilo que Aristóteles menciona. Estava
136. Platiio diz o quádruplo. situada no mar Jônio. âo node do promontório de Actium, hoje §anto Mauro.
56 AR$róTÊLÉs A PaLlrtca 57
Éapaa L|VRQSEGUNDA Ltvqo sEGuNDo EDtPRo

deve existir a dupla igualdade da {ortuna e da educação. Üra, zs prosperidade das suas Íinanças não excite a cobiÇa dos po-
ss é preciso dizer quai será essa educação. De nada serve que vos vizinhos mais poderosos - nem que o seu mau estado o
ela sela uma só para todos (porque ó possível que ela tenha, impeça de sustentar guerra contra um povo igual em número
efetivamente, estê caráter), e no entanlo seja tâl que os cida- e em força.
dâos que ela terá Íormado sejam arrastados ao amor das § 10. Faláias nada definiu sobre este assunto" h/as é pre-
riquezas ou dos rargos, ou a essas duas paixÕes ao mesmo ciso não ignorar que a situação das finanças é um ponto im-
tempo. lo portante. A melhor medida a tomar seria fazer de modo que
§ 7. As revoluções nascem não só da desigualdade de Íor- não Íosse útil a um vizinho mais Íorte lazer a guerra para en-
40 tunas, como da desigualdade dos cargos. E em sentido opos- riquecer. e que dela ele náo.pudesse tirar o que lhe viria a
1z6za to de ambas as partes. 0 vulgar não pode suportar a desi- custar. E assim que Eubulos.o' quando AutoÍradatesaz preten-
gualdade das fortunas, ê o homem superior se irrita ante a dia cercar Atarnóia. aconselhou-lhe considerar o tempo de
igual repartiçâo dos cârgos. Disse o poeta: ss que precisaria para invadi-la, e calcular a despesa que forço-
"ür,êl O bravo e a covarde seráo iguais para a mérita!'a1 samente faria com um cerco tão demorado" Prometeu-lhe ao
mesmo tempo entregar-lhe Atarneia por bem, mediante uma
§ E. Cometem os homens injustiças não sÓ para fazer Íace indenização menor. Esta negociação fez Autofradates refletir,
às necessidades da vida * necessidades para as quais Fa* e ele, reconsiderando, levantou o cerco.
lóias crê ter encontrado um remédio na igualdade dos bens,
s de modo que não se rouhe aos outros para fugir à fome e ao § 11. A igualdade dos bens é sem dúvida um meio de evi-
tar as discórdias entre os cidadãos; mas, para dizer a verda,
Írio - mas ainda para o gÕzo material, para aplacar suas pai- qo de, não é esse um grande rneio. Os homens superiores se
xões no prazer. Quando os seus desejos váo alám das suas
irritarão com uma igualdade que só lhes proporciona uma
necessidades" eles não temerão praticar violências para se
parte comum e não recompensa o seu mérito. Essa pretensáo
curar dos males que os fazem sofrer, a fim de gozar dos pra-
rzozu da sua parte perturba freqüentemente os Estados e provoca
zeres sem obsláculos. Qual será o remédio para esses trôs
revoluçôes" Tal é a perversidade do homem, que os seus
ro males? Em primeiro lugar, uma fortuna modesta e o trabalho;
desejos sáo insaciáveis. Primeiro ele se contenta com dois
depois, a temperança; e aquele que só quer dever a sua feli-
óbolos;43 uma vez estes conseguidos e transÍormados numa
cidade a si próprio náo deve procurar remédio Íora da Íiloso-
espécie de herança paterna, quer aumentos sucessivos, até
fia, porque os outros prazêres só se obtêm pelo auxílio dos que os seus desejos não conheçam mais limites. A sua cupi-
homens. E para obter o supérfluo, e não o necessário, que se
rs cometem os grandes crimes. Ninguém se torna tirano para se
s dez é inÍinita. E a maioria dos homens passa a vida procuran-
do os meios de a satisÍazer.
livrar do Írio; e pela mesma razáo concedem-se as grandes
fortunas àquele que mata - náo um salteador, mas um tirano. § 12. O remédioaa para todos esses males náo é igualar as
Assim, o modo de governo proposto por Faléias sÓ oÍerece fortunas, mas Íazer de modo que os homens excelentemente
garantias contra as pequenas injustiças.
20 § 9. Ele Íez ainda vários projetos para aperfeiçoar a admi- 41 . Eubulos era senhor de Atarnéia, cidade da NÍsia, em frênte a Lesbos. Deixou-a a
nistração interna do Estado. Mas, não será preciso lançar um Hérmias, seu escravo, 346 anos antes da nossâ era. Aristóteles tornou-se amigo
olhar aos povos vizinhos, aos estrangeiros? Não é entâo ne- de Hérmias. viveu ao seu lado durantê três anos, de 346 a 34g. Mais tarde ele Íez
cessário que um Estado possua uma força militar? Disto ele construir um túmulo a Hérmias e Eub,ulos.
nada Íalou. Assim aüontece com as iinanças: é preciso que 42. Autofradates. sátrapa da Lídia e da Frígia, no reinado de Artaxerxes l\ilemnon, foi
derrotado em 362 pela coalisão das cidades gregas da Ásia fu{enor.
elas bastem não só às despesas internas, mas ainda à defesa
43. Alusáo ao salário dos juízes em Atenas. Péricles elevou-o a três óbulos.
do país contra os perigos exteriores" Também é preciso que a
44. schneider pensa, como schlosser, que a palavra archa, nas traduçoes latinas de
Aretino, victório, Lambin. GiÍânio, Ramo. Hêinsio, é uma troca de vocábulo para
,10 llitldi1, cap. lX, v. 319 echos e que é preciso fazer essa substituiÇáo para ter um sentido razoável.
5B Ansrórercs A P)LíTIàA 59
EDTPRa LtvÊo gEGuNDo Ltvqa SEGUNDa EDtPÊo

dotados pêla natureza .não queiram sê enriquecer, e que os § 2. Formava a sua República de dez mil cidadáos, e a di-
maus não o possam. E o que se poderá obter conservando vidia em trôs classes: uma dos artesãos, outra dos lavrado-
estes numa posiçâo inÍerior, sem os deixar expostos à injusti- res, a terceira dos guardiÕes, sendo que só estes possuíam
Ça. De resto, Faléias não tern motivos para servir-se da ex- armas. Repartia igualmente o território em três partes: âs
10 pressão geral da igualdade dos bens, pois que ele só terá 85 terras sagradas. as terras públicas e as terras particulares. As
para igualar, propriamente, as propriedades territoriais. CIra, é primeiras deviam ocorrer às despesas do culto; as segundas
preciso acrescentar às riquezas em escravos e rebanhos, c à alimentação dos guardiões; as últimas pertenciam aos la-
dinheiro cunhado e o conjunto de todos os objetos que consti- vradores. Ele imaginava também só três espécies de leis visto
tuem a propriedade mobiliária. E preciso, pois* procurar uma que as aÇões judiciárias só são de três espécies: a injúria, o
igualdade que atinja a todos esses objetos, ou submetê-los a dano e o homicídio.
um arranjo conveniente, ou ainda pôr tudo isso de lado. 40 § 3. Estabelecia peias suas leis um tribunal supremo único,
§ 13. Este autor parece nâo ter tido em vista na sua legis- onde seriam decididas todas as causas que parecessem não
15 laçào outra coisa além do estabelecimento de um pequeno ter sido bem julgadas, e o compunha de anciãos eleitos pelos
Estado, no qual os artesãos sáo escravos da República, e rzoea cidadãos. Não queria que os suÍrágios fossem dados por meio
eles constituem como que um cornplemento dos cidadãos. de esÍeras nos tribunais, e sim que cada juiz levasse uma tabu-
Mas, se os operários, que fazem as diversas obras do Estado, inha sobre a qual ele escreveria a condenaçâo, se a quisesse,
devem ser escrâvos, tal deve se dar nas mesmas condições ou a entregaria em branco, se absolvesse puÍa e simplesmen-
que em Epidamne,a5 ou como Drofantea6 fez em Atenas. Jul- s te; se ele não condenasse, ou só perdoasse em parte, expli-
gar-se-á, segundo esta discussâo, do mérito ou do demérito caria os seus motivos. Hipodamos achava que a legislação
da constituiçào de Faláias. estava viciada neste ponto, que levava Íreqüentemente ao
perjúrio o juiz que opinava por sim ou por não"

Gapírulo V § 4. Propunha também uma lei para recompensar com


honras os autores de qualquer descoberta útil ao Esiado.
§ 1. Hipodamos de Mileto, Íilho de Eurifon, Íoi o primeiro Quanto aos filhos dos cidadáos mortos na guerra, ele os en-
que, sem ter tomado parte alguma na administraÇão dos ne- tregava aos cuidados da República. Esta lei, que os outros
gócios públicos, empreendeu a tareÍa de esçrever sobre a ro legisladores haviam desprezado anles dele, existe hoje em
melhor forma de governo. Foi ele quem inventou a arte de Atenas e em alguns outros Êstados. Todos os magistrados, a
traçar diÍerentes quarteirÕes numa cidade para lhe marcar as seu ver, deveriam ser eleitos pelo povo (e ele êntendia por
divisÕes, e quem cortou o Pireu em diversas seçôes. Este povo as três classes de cidadáos). Atribuía aos magistrados
homem era. aliás, muito vaidoso, e tâo cioso da §ua pessoa, â assim eleitos o cuidado de vigiar o interior e o exterior do Es-
ponto de parecer viver unicamente para mostrar, com dema- tado, e os interesses dos órfãos. Tais sáo quase todas as
siada complacência, a sua cabeleira, que era bastante abun- rs instituições de Hipodamos, aliás, as mais importantes.
dante e disposta com muita arte. As suas vestes, simples na
aparência, eram quentes (ele usava a$ mesmas, tanto no § 5. Em primeiro lugar, poder-se-ia encontrar esta dificul-
inverno cÕmo no verão). Tinha também a pretensão de ser dade na repartiçáo do número de cidadáos. Gom efeito, os
um homem erudito nas ciências naturais. artesãos, os lavradores e os guardiões, têm todos uma parte
igual no governo - os lavradores não possuindo armas, os
ro artesãos náo tendo nem armas nem terras; assim eles são
quase os escravos dos que têm armas. Por outro lado, é-lhes
45. Epidamne, depois chamada Dirráquio, e hoje Durazzo, colÓnia de Corinto. I'Jada se
encontra que pôssa explicar o uso ao qual Aristóteles Íaz alusár:. impossível participar de todos os cargos porque á preciso,
46. Diofante erâ arconte na 96ê Oiimpíada, 394 ano§ antes da nossa era Os estrangei- Íorçosamente, que as Íunções de comandantes militares, de
ros náo podiam habitar Atenas sem a permissáo dos magistrados. Eram submeti- defensores dos cidadáos, e, em geral, as magistraturas mais
dos a uma capitaçáo de doze dracnras para eles e seis para seus Íilhos.
60 ÁRlsrórsles A PoLiTrcA 61
EDrPfra LtvRosEGUNDa Ltvqo sEcuNDo EDtPBo

importantes, sejam preenchidas pêlos que têm as armas à guma coisa, mas não tanto quanto reclama o demandante?
sua disposição. Mas então, como pode ser que cidadáios ex- Por exemplo, este pede vinte minas, mas o luiz apenas con-
zs cluídos de toda participaçáo no governo amem a sua pátria? cede dez minas; um outro mais, um outro menos; aquele cin-
15 co, este quatro (porque é provavelmente assim que a soma
§ 6. No entanto, é preciso que aqueles que têm as armâs será repartida segundo as diversas opinioes); uns concederão
sejam mais poderosos que aqueles das outras duas classes
tudo, e outros nada. Que meio, pois, de conciliar todas essas
de cidadãos. lsso não é Íácil, se eles náo Íorem muito nume-
divergências? Além disso, ninguérn obriga ao perjúrio aquele
rosÕs, e, se o forem, que adianta Íazer participarem os outros
que pronuncia simplesmente a liberação ou a condenação, se
do governo e entregar-lhes a eleiÇão dos magistrados? De-
a petição se exprime em termos claros, e é razaável. Pronun-
mais, para que servem os lavradores na cidade? Os artesáos
go nela são necessários, porque todo o Estado tem necessidade zo ciando a liberaÇáo do acusado, o juiz não quer dizer que este
nada deve, mas que nâo deve as vinte minas. O juiz que per-
de artesãos e além disso eles podem viver com o produto do jura é o juiz que condena, e que no entanto não acredita que
seu trabalho. Se os lavradores Íornecem meios de subsistên-
o acusado deva as vinte minas.
cia aos guardiôes, devem ser considerados parte essencial do
Estado, mas acontece que eles têm terras próprias, e só culti- § 10. Quanto ao projeto de conceder prêmios aos autores
ss varão pâra o seu proveito. de quaisquer descobertas úteis ao Estado, não é destituído de
inconvenienles - embora, logo na primeira palavra, apresente
§ 7. Se os deÍensores do Estado cultivarem eles próprios algo de sedutor - porque, se Íor posto em prática, poderá ser
as terras públicas que devem garantir a sua subsistência, náo
25 a causa de muitas intrigas e abalos no goveíno. lsto nos con-
haverá mais distinÇáo entre a classe dos guardiões e a dos
duz a uma outra questáo, a um outro assunto em exame.
lavradores; e, no entanto, é isso que quer o legislador. E se
Vacilamos, por vezes, em afirmar se é útil ou nocivo aos Es-
as terras forem cuitivadas por outros que não sejam os guar-
tados mudarem as suas antigas instituições, mesmo sendo
diôes e os lavradores quê possuem os bens de raiz, entào se
para substituí-las por outras melhores. Aí está por que não é
+o Íormará no Estado uma quarta ciasse que, sêm gozar de di-
Íácil aprovar imediatamente o projeto de Hipodamos, se ó ver-
reito algum. será estranha ao governo. Enfim, supondo que as
so dade que é nociva a mudança das leis; porque há sempre
terras que pertencem aos particulares e as que formam o
homens que propõem a abolição das leis e da constituiÇão,
domínio público sejam cultivadas pelos rnesmos cidadáos,
como sendo uma melhona para todos os cidadãos.
estes nâo saberão, em sua maioria, o que deverá cultivar
reoau cada um para a manutenção de suas Íarnílias, e então por § 11. Já que tocamos neste ponto, será melhor dar ainda
que, desde o cÕmeÇo, não procurarão eles na culturra em algumas pequenas explicaçÕes. Como já dissemos, esta
comum, e nos mesmos lotes, o que deverá suprir a sua pró- questão é embaraÇosa, e poder-se-ia acreditar que exisla
pria existência e ao mesmo tempo à dos guardiÕes? Esta qualquer vantagem em transformar as leis. Pelo menos essa
legislação á muito confusa. transÍormação tem sido vantajosa às outras ciências. Pode-se
ss citar a medicina - depois que ela mudou a$ suas velhas práti-
§ 8" Nem se pode aprovar a lei sobre os julgamentos, que cas - a ginástica, e, em geral, todas as artes e todas as ciên-
s permite aos juízes repartirem a sua sentença ao invés de cias humanas; e, já que é preciso incluir também a política
julgar de um modo absoluto, ê que transforma o juiz em árbi-
enlre as ciências, é evidente que o mesmo deve acontecer-
tro. Este sisterna é possível em um arbítrio entre diversas -lhe. Poder-se-ia acrescentar que os próprios acontecimentos
pessoas que devem entender-se e pronunciar-se sobre uma
aa tal comprovaram. As leis antigas eram muito simples e muito
questâo qualquer. Mas nâo é adrnissível nos tribunais. Ao
bárbaras; os gregos andavam sempre armados, e uns com-
ro contrário, a maioria dos legisladores sugeriu o fato de os juí- pravam as rnulheres dos outros.
zes não comunicarem as suas opinioes uns aos outros.
§ 12. Aquilo que nos Íicou dos antigos costumes sanciona-
§ 9. Depois, quanta conÍusão não haverá nos julgamentos, r26sa dos por lei é de uma simplicidade verdadeiramente ingênua.
se o juiz acreditar que, em verdade, o dernandado deve al-
62 ARtsróTELES A PoLiTtÇA 63
EDTPRa LtvÊo sEÇuNDo LIvRo S,EGUND2 EDIPRO

Assim, existe em Cumes uma lei sobre o homicídio que decla- § 2. Em primeiro lugar, concorda-se em geral que em todo
ra o reu culpado se o acusador puder fornecer, entre os seus ss Estado bem constituído os cidadãos devem ser eximidos dos
próprios parentes, um certo número de testemunhas. Em cuidados que exigem as primeiras necessidades da vida. O
geral, os homens só procuram o quê é velho, mas que seja meio não é fácil de encontrar. Na Tessália, os penestasot
bom; e é provável que os primeiros homens, seja porque Íos- várias vezes puseram em perigo os tessalianos, como Íizeram
sem nascidos da terra, seja porque houvessem escapado a os ilotas com os lacedemônios. Todos esses escravos náo
uma grande catástroÍe, semelhavam-se aos loucos dos nos- cessam de forjar calamidades públicas.
sos dias, como de fato se diz dos gigantes, filhos da terra. De
modo que seria insensato acatar as opiniÕes de tais homens" § 3. Jamais aconteceu tal coisa entre os cretenses. Talvez
Além disso, não existe vantagem alguma no Íato de as leis ao seja porque os Estados vizinhos, embora vivessem em guerra
escritas permanecerem imutáveis. Na ccnstituiçáo política, 126eb Lrns com os outros, lamais aderiam às revoltas - porque nelas
t0 como em todas as outras artes, é impossível que todos os não viam benefício algum, visto que eles também tinham os
detalhes tenham sido marcados corn umâ exata precisáo, perióceos.a8 Os lacedemônios, ao contráno, só eram circun-
porque ela é obrigada a servir-se de expressoes gerais, ao dados por povos inimigos, os argianos, os messenianos e os
passo que as ações s"upÕem senlpre qualquer coisa de parti- s arcadianos. Quanto aos tessaiianos, o que de início levou
cular e de individual. E pois evidenie que há certas leis a mu- seus escravos à revolta Íoi a guerra que eles sustentavam
dar, em ápocas determinadas. nas Íronteiras contra os aqueanos, os perebas ê os magnesia-
nos.
§ 13. íodavia, se considerarmos esta questão sob outro as-
ít pecto, ela parece exigir bastante prudência. Porque quando a § 4. Se há um ponto que exige trabalhosa vigilância, é com
rnelhoria é de pouco vulto, e sendo perigoso habituar cidadãos toda a certeza a conduta que se deve ter em relação aos es*
a mudar Íacilmente de leis, é claro que vale mais deixar subsis- cravos. Estes, quando tratados com benevolência, tornam-se
tirem alguns erros dos legisladores e dos magistrados. Haverá insolentes, chegando mesmo a colocar-se em pé de igualda-
menor vantagern em trocar de leis que perigo em Íornecer en- 10 de com seus amos; tratados com dureza, conspiram e odeiam.
sejo a que os magistrados sejam desobedecidos. Evidentemente não se encontrou o melhor sistema quando
§ 14. Além disso, a comparação da políiica com as outras assim se Íaz em relação aos ilotas.
artes é falsa. Não é a mesma coisa trocar as artes ou as leis.
§ 5. A corrupçáo nos costumes das mulheres é ainda uma
A lei só tem força para se Íazer obedecer no hábito, e o hábito coisa prejudicial ao fim que se propÕe o governo, e à boa
só se forma com o tempo, com os anos. Assim, mudar com 15 conservaçáo das leis no Estado. O homem e a mulher são os
facitridade as leis existentes por outras no\ras á enÍraquecer a elementos da Íamília. E evidente que se deve considerar o
sua própria Íorça. Demaís, admitindo-se a utilidade dessa Estado dividido também mais ou menos em duas partes: uma
troca, caberá ela, ou não, em todas as leis, e em todas as se compõe da multidâo dos homens, e outra da das mulheres.
Íormas de governo? Pertencerá a iniciativa ao primeiro que Também é para crer que em todos os governos cujas leis
surgir, ou ainda a determinadas pessoas? Tais são sistemas reÍerentes às mulheres são Íalhas, a metade do Estado seja
bem diversos. Deixemos esta questão de lado, por ora; ela sem leis. E o que aconteceu à Esparta: querendo o legislador
voltará em outra oportunidade.

Cnpírulo Vl 47. Quando os tessalianos se estabeleceram no pais que haviam conquistado, os


§ 1. Sobre os go\iernos de Creta, LacedemÔnia e quase antigos habitantes, que não se haviam resolvido a deixá-lo, e que tudo tinham per-
dido. consentiram em cultivar as terras pâra os vencedores, com a condiçâo de que
so todos os outros Estados, duas coisas temos a considerar: a as suas vidas seriam salvas. Mais tardê ô nome de penestas estendeu-se em ou-
primeira, se a sua constituiçáo está ou não está de acorclo tros paises aos pobres. que eram obrigados a trabalhar para ganhar a vida.
com a melhor legislaçáo: a segunda. se eles em nada se des- 48. A condição dos perióceos era menos dura que a dos escravos. Eles eram mais
viam do sistema político que adotaram. ligados ao solo que ao homem.
64 AB$róTELES A PoLincA
LtvRosEGuNDa EaPRa

20 acostumâr o Estado inteiro às mais rudes fadigas, alcançou § 10. Após o que acaba de ser dito, poder-se-ia condenar
certamente esse Íim em relaçâo aos homens, mas desprezou também a desigualdade das propriedades: pÕssuêm umas
completamente as mulheres: pois elas vivem uma vida licen- bens demasiado extensos, outras só têm uma porção exígua
ciosa, com toda sorte de desregramentos. de terras. O país também se encontra ao léu. lsto ainda é
§ 6. E preciso, pois, que em tal Çovêrno se dê muito valor eo culpa da lei. Licurgo atribui um certo descrédito ao que vende
:s às riquezas. principalmente quando os homens são dispostCIs ou coínpra terras. e com razã.a: mas permite, a quem queira,oe
a se deixarem governâr por mulheres, como acôntece com a dar ou legar as terras que possua. Üra, por qualquer lado o
mair:ria do* guerreiros e naçÕes belicosas - excetuando-se resultado é necessariamente o mêsmo.
os celtas e os pôvos que não dissimulam a sua preferência § Í1. Dois-,qurntos do território são propriedade absoluta
pelo amor do sexo masculino. Assim, não deixava de ter ra- das mulheres,t' porque há muitas delas que se tornaram her-
zão o mitologista que prímeiro irnaginou a união de Ares e zn deiras únicas, e porque se lhes concedem dotes considerá-
so ,qfrodite, pois que todos os homens de guerra parecem incli- veis. Meihor valeria suprimi-los de uma vez, ou entáo dar
nados a procurar com ardor o amor de urn ou de outro sexo. apenas um dote pequeno, ou módico, pelo menos. Mas hoje
§ 7. Tais são as observaçôes {eitas entre os lacedemônios: pode-se dar a uma herdeira única aquilo que bem se entende,
no tempo da sua dominação, as mulheres resolviam quase e sê o doador morre sem testan:ento, o tutor natural pode ca-
todas as questões. De resto, que diferença existe em que âs sar sua pupila com quem ele quiser. Também num tal país que
mulheres gôvernêm, ou que os magistrados sejam gôverna- pode sustentar rnil e quinhentos cavaleiros e trinta mil lutado-
ss dos por mulheres? O resultado será sempre o mesmo. Visto t0 íes, nâo se encontrariam nem mil combatentes.
que a audácia para nada serve nos hábitos da vida ordinária, § 12. Os próprios Íatos provaram â falha da constituiçâo
e só tem aplicação na guerra, as mulheres dos lacedemônios, lacedemônia nêste particular, pois o Estado náo pÔde supor-
mesmo no caso de perigo, fizeram-lhes o maior mal possível. tar uma única calamidade,5l tendo perecido pela escassez de
E o que ficou provado d'urante a invasão dos tebanos; inúteis :s homens. Diz-se, não obstante, que os primeiros reis concediam
aqui como nos oulíüs Estados, elas causaram mais prejuízos direitos de cidadania aos estrangeiros, de modo que, apesar
go e desordens que o próprio inimigo. das grandes guerras que tinharn de sustentar, a falta de ho-
§ 8. É provável que a corrupção Íosse introduzida muito mens náo se Íazia sentir entâo: diz-se mesmo que houve por
antigamente nos costumes das mulheres dos lacedemônios. vezes em Esparta até dez mil cidadâos. Seja verdade ou nào,
1270a As expediçÕes que êstês fizel,am ao estrangeiro, durante as a igualdade de fortunas é o meio mais seguro de aurnentar o
suas guerras conlra os argianos, e, após, contra os arcadia- número de cidadáos.
nos e os messenianos, conservaram-nos longo tempo afasta- 40 § 13. Mas a própria lei relativa ao número de filhos se opõe
r dos da pátria. O ócio e o hábito da vida militar, que ó sob mui- 1270b a este melhoramento. Querendo o legislador aumentar o mais
tos aspecto$ uma escola de virtude, prepararam-nos de an- possÍvel o número de espartanos, encoraja os cidadãos a dar
temào a se prestar aos fins do legislador; mas, quanto às mu- ao Estado o maior número de Íilhos que puderem. Passa a lei
lheres, diz-se que Lrcurgo, tendo resolvido sujeitá-las às leis, a dispensar do serviço nrilitar aquele que tem três filhos, exi-
experimentou tanta resistência da sua parte, que acabou s mindo de iodos os impostos ü que tem quatro. Entretanto, é
por renunciar ao seu projeto. claro que aumentando o número de filhos e permanecendo o
§ L Elas são, pois, a úausa dos acontecimentos que disso
tu resultaram, e desta falha nas leis. Todavia, aqui não exami- 49. Plutarco, na vida de Agis, conta que fçi um cidadáo poderoso, chamado Epitades
namos o que ó preeiso perdoar ou nâo perdoar, mas apenas que, parâ deserdar seu filho. introduziu a iei que permitia testâr em Íavor de quem
o que é bom ou mau. A corrupção das mulheres, como ficou se quisesse.
50. que aqui se diz da excessiva riqueza das rnulheres de Esparla é conÍinnado por
0
dito acima, é por si uma nódoa à constituiçâo, e conduz ao
Plutarco na vida de Agis e na de CleÓrnenes.
amor da opulência.
51. A batâlha de Leuclrâs, 371 anos a.C.
1;()lo ropiilti(lo cottt«l atttes, clrlr cons()(lrorrr:rir lrirvcrit rrruitos
pobres.
ridade excessiva. Aliás eles náo podem suportar o rigor, e,
35 como escravos fugidos, furtam-se às exigências da lei para se
§ 14. A instituiçâo dos éÍoros52 não é menos viciosa. Os entregarem secretamente a todas as licenciosidades.
membros dessa magistratura resolvem as questôes mais
importantes, e no entanto todos eles sâo tirados do povo. § 17. A instituiçâo do Senado ó igualmente defeituosa.
10 Acontece que, muitas vezes, homens muito pobres Sem dúvida, é um beneÍ[cio parâ o Estado ter à sua testa
ctr*gám a homens virtuosos, cuja boa educaçâo parece oferecer garan-
essa alta magistratura, e a indigência força_os .* ,"nd""r**.
tias" Mas será político con{iar-lhes por todâ a vida a direçâo
lsso foi provado muitas v_ezej outrora, e ainda" hoje o está dos maiores negócios? E o que se pode contestar. Como o
sendo no casÕ de Andros.s3 certos homens assim comprados
prejudicaram quanto puderam o Estado. sendo 1a7ra corpo, a inteligência tem a sua velhicel e a educação dos
a autoriJaoe senadores não é táo perfeita que o próprio legislador não te-
desses magistrados muito ampra e tirânica, os próprios ieis
rs eram obrigados a se_Íazer demagogos. a tal ponto que o re_ nha tido uma suspeita qualquer quanto à sua virtude. Eis aí um
gime sofreu um profundo golpe, perigo para o Êstado.
fois a aristocracia cedeu
lugar à democracia § 18. Parece que os que sáo investidos dessa magistratu-
ra, às vezes, se deixam seduzir por obséquiôs que receL:em.
§ Í5. É verdade que, sob outros aspectos, esta magistratu_
ra veio fortalecer o.governo. O povo permanece caimã quan_ s por eles sacriÍicando o interesse público. Também, seria me-
do participa do poder. Assim. graÇas à sabedoria oo tegisra- lhor que eles não fossem irresponsáveis, como agora" Pare-
:o dor, ou por simples obra do adaso, a eforia pr"rtor-."õiço. ceria que o tribunal dos éforos devesse exercer uma alta vigi-
ao Estado. Para que um governo subsista lância sobre todas as magrstraturas. Mas seria conceder de-
g
masiado à eforia; além disso, nào é nesse sentido que enten-
"'r" "ona*rve,
preciso que todos os órgãos do Estado desejem
u *uà **ir_ demos a necessidade da responsabilidade. A maneira pela
tência, e o mantenham com a força das suas pr"rrogrtí"r.
qual a opiniáo dos cidadáos se manifesta na eleiçáo dos se-
Ora, isso é o que desejam o, ,"ir, devido au ,*grliru qr*
desfrutam os homens superiores, porque podem ãer eleiios ro nadores é pueril, e não é decente que aquele que vai ser jul-
:s senadores, em recompensa a um mériio indiscutível; o p*uo, gado digno do título de senador se apresente em pes§oa para
devido à eforia, à qual todos podem chegar. o solicitar. Quando se é digno de uma magistratura, deve-se
executar âs suas funçôes com ou sem vontade.
§ 16. sem dúvida essa magistraturâ devia ser eretiva entre
todos, mas nâo pelo sístemá de eleição hoje *rp*g;Jr, § 19. Aqui se percebe a intençáo política que parece ter ori-
pois, na verdade, é bastante puerir.sa pàr outrá tauo, entado o legislador no conjunto das suas leis. Ern tudo ele pro-
rosr que saem da última classe de cidadãos, julgam
os* eto- 15 curâ estimular a anrbiÇáo e póe-na em jogo na eleiçáo dos
as cau- senadores. Porque ninguém procura obter uma magistratura se
a0 sas mais importântes; também melhor seria-qüe etes nào
pudessem julgar arbitrariamente, mas que Íossem guiados não á ambicioso. No entanto, a maioria dos crirnes voluntários,
por regras escritas e por leis. Finalmente, o seu entre os homens, provám da ambiçáo e da cupidez.
modo de viver
não está em harmonia com o espírito do Estado, porqr*
e § 20. Quanto à realeza, dela examinaremos adiartte os be-
frouxo e corrupto, ao passo que o dos outros é de uma
seve-
neÍícios e os inconvenienies. Esta instrturçào, lal como existe
hoje na Lacedemônia, não vale a eleição vitalícia de cada um
dos seus dois reis pelas provas de mérito que tivessetn dacjo
52. Essa magistratura foi Íundada cerca de s0 anos
pompo.
dêpois dê Licurgo pero rei reo- no curso de suas vidas. E evidente que o proprio leclislador
53. Ponto obscuro. náo acreditou poder lorná-los bons e virtuosos: deles descon-
54 Não se sabe quar era esse modo de eleição: é prováveÍ
fia, pois, e olha-os como homens de probidade duvidosa.
T?smo
fosse aproximadamenre o
que sê empreg3.va_paia eleger os senadores que plutarco
e
Ouando vão à guerra, sào acompanhados de pessoas que
descreveu na
vida de.Licurgo (c. XXV,). Tucídideí(Hist.. i, t, c" LXXXVitt
o;z que ãs raüãemôn;- são suas inirnigas, e a discÓrdia entre os dois reis parece ser
os mânifestam a sua escolha por aclamaçÕes e nâo por necessária para a salvação do Estado.
sufrágios.
68 ABtsróTELES A PoLiflCA
Eptpno seaunoa LtvBa sEGuNaa
-Ltvno
§ 21. Os repastos públicos, chamados fiditia, náa taram cobrança dos impostos. Desse modo, o legislador chegou a
melhor organizados por aquele que os instituiu; porque era um resultado absolutamente contrário ao interesse geral; tor-
preciso que as despesas com tais reuniões Íossem cobradas nou o Estado pobre e o particular rico e cúpido.
do Tesouro Público. como em Creta. Em Lacedemônia, ao Tais sâo os vícios principais da constituiÇão da LacedemÔ-
go contrário, cada qual deve levar a sua contribuição, mesmo
nia. Sobre eles nada mais direi.
aqueles que sejam completamente pobres e náo possam, por
Íorma alguma, suportar tal despesa. Resulta disso o oposto
do que desejava o leEislador. Era sua intenção que os repas-
tos públicos fossem democráticos; ora, eles são perÍeitamente
ss democráticos pela sua organizaçáo, mas náo é Íácil aos que Capírulo Vll
são demasiado pobres deles participar. No entanto, uma anti- § 1.4 constituição de Creta se aproxima da de LacedemÔ-
ga disposição da lei lacedemônia estipula que o que não pu- nia. Ela encerra algun'ias leis belíssimas sob vários a§pecto§
der pagar a taxa exigida perca os seus direitos políticos. de pouca importância. Mas traz, em geral, o caráter de uma
§ 22. Outros censuraÍam também. e com razão, a lei que civiiizaçáo menos avançada. Diz-se, e isso e bem p,rovável,
se reÍere aos almirantes, porque ela é um motivo de discór- que o governo de Espârta Ícrmou-se pelo modelo" do de
qo dia.55 Com efeito, a-o lado dos ieis, que são perpetuamente os Creta; ora, as instituiçoes antigas sáo menos regulares que as
chefes da armada,'o o almirantado é de qualquer modo uma modernas. Conta a tradiÇáo que Licurgo.'o após a tutela do rei
segunda realeza. Finalmente, pode-se Íazer aa projeto do Carilau, pôs-se a viajar e parou muito tempo em Creta devido
tzzto lggielsdor a mesma censura que lhe fez Platão em Ás l_eis: a aos laÇos de parentescü que untam os dois países' (Ccltn
fato de toda a sua constituição só se referir a uma parte da efeito. ôs litianos5e formavam uma colÔnia dos lacedemônios.)
virtude - o valor militar. Sem dúvida ele é útil para garantir a Ao chegar em Creta adotaram eles o sistema de leis que
dominaçáo. Os lacedemônios também se sustentaram en- acharam estabelecidos entre c.rs habitantes do país. Eis aí por
quanto fizeram â guerra; mas, quando o seu domínio se esta- que os perioceosou observam ainda hoje e§tas mesmas leis
s beleceu, pereceram por náo saberem conservar-se em re- que parecem remontar a Minos.
pouso, e náo estarêm exercitados em qualquer outra virtude
mais poderosa qlie o valor militar.
§ 23. Eis outro erro não menos grave. Julgam eles que é 57. Aristóteles, Platâo e Xenofonte sào desta opiniâo. Polibo estabeleceu grandes
mais pela coragem que pela covardia que se podem obter os diferenças entrê êSse§ dois governos. 7a) Ü máximo da fortuna era Íixado em La-
bens pelos quais lutam os homens. Nisso eles têm razá,a, cedemónia; náo o era em Õreta. 2ql Lacedemônia possuía reis ou magistrados
perpetu0$ heíeditário§; náo os possuíam Ô§_creten§es. SeJ 0 senado ele Êspaila
mas estão errados em acredilar que tais bens se coloquem
Lra'vitalício; o de Creta era temporário. 4ÇJ O governo dos cretenses tendia à de-
10 acima da virtude. mocracia; o dos lacedemÔnios era aristocrático. 5al Nunca se viam sediçÕes em
As finanças sáo mal organizadas. Os lacedemônios são EspaÍta; creta vivia pêrpêtuamentê em revolta, os cretenses passavâm por velha-
cos; dizia-se na Gréeia: mentiroso cÕmo um cretensê'
obrigados a sustentar grandes guerras, e no entanto náo pos-
58. Licurgo, legislador dos laceciemÔnios, ei'a filho de EunÔmio, rer de Êspar1a. da raça
suem um tesouro público, e os impostos são mal arrecada- dos Éroclíõios. Seu irmâo mais velho, o rei Polidecto, tendo morrido rnuito
jovem,
dos. Proprietários da maior parte do território são, em conse- no ano de 898 a.Õ., sem deixar outro filho alénr daquele que trazia sua mulher ncr
15 qüência, interessados em não impor muita severidade na ventre, aquela prometeu a coroa a Licurgo, se êste quisesse desposá-la. Licurgo
repeliu esla criminosa propostâ. e após o nascimento do príncipe. que se chamou
Carilau. contentou-se cüm o título de tutor do sobrinho. lrlessa qualidade gÕvêrnou
até a maioridade de carilau. Foi então que ele empreencleu suas viagens a Üreta.
55. Eram comumênte dois éforos que não deveriam imiscuir-se em qualquer negócio Egito e Ásia, para estudar as leis desses países (Polibo, l, Vl, c' XLIV)'
se o rei não os consultava, mas que observavam a sua conduta. 5g. Lítia era uma grande cidade situada na planície, a trinta esládios de cnossos
Foi,
56. o comando da armada náo era vitalícjo, pois que uma lei expressa proibia conÍiá-lo durante algum têmpo, a capital da ilha de Creta'
duas vezes ao mêsmo cicladáo.
60. Criados ôu esÇravos habitando a vizinhança dar; cidades'
Ansróretçs A Poúwca
EDIPRO
EDtPfro Ltvaoseauxoa LIVRO SEGUNDO

perióceos - desconta-se urna parte que é destinada ao culto


§ 2. A ilha de Creta6l parece ser destinada por natureza a
mandar em toda a Grécia, ê a ter uma posição admirável. Ela ao dos deuses e a todas as despesas públicas, e outra destinada
domina sobre o mar e sobre os países marítimos que os gre- aos repastos comuns, assim Íornecendo o Estado alimento a
3§ gos escolheram para formar estabelecimentos. De um lado é homens, mulheres e crianças.
pouco afastada do Pelop,gneso,o' e de outro, em direçáo à §S.olegisladordissebelascoisassobreosbenefÍciosda
Asia, conÍina com Triopa63 e com Flodes. Esta Íeliz posição sobiiedade ó sobre o isolamento das mulher€§ para thes im-
valeu a Minos o domínio do mar. Êle submeteu diversas ilhas, pedir de ter filhos, permitlndo as relaçoes de homens com
formou estabelecimentos em várias outras, e lançou as vistas ,u ho*enr. Será um benefício ou urn mal esta última disposi-
çào? E o que examinaremo§ em outra ocasião' E sempre
qo até a Sicília, onde morreu no cerco de Camico.6a
§ 3. Eis aqui alguns pontos de semelhança entre a consti- àvidente que a instituição das refeições públicas é melhor
1272a tuiÇáo de Creta e a da Lacedemônia. Os iloias cuitivavam as entre os cretên§es que entre os lacedemÔnios. A instituiçáo
terras para os lacedemônios, e os perióceos para os creten- dos cosmos é aincla mais deÍeituosa (se possível) que a dos
ses; os dois povos instituíram as refeições públicas. Acres- so éforos; porque ela tem o mesmo inconveniente que e§ta ma-
centemos que os fiditia de Lacedemônia chamavam-se anti- gistratura, que é o de se convidarem para exercê-la- homens
gamente ândrios, como em Creta, prova evidente quê essa [ue nao oferecem a mínima garantia; mâs o que a eÍoria eÍei-
tem
de proveitoso para o Estado não se encontra aqui' Com
instituição veio dos cretenses. A organização dos dois gover-
s nos é tambám a mesma, os éforos de Lacedemônia, e os to, como todos os cidadáos, em LacedemÔnia, podem ser
magistrados chamados cosmos, em Creta. exercern os mes- escolhidos para éforos, o povo, participando assim da rnagis-
mos podere§, com uma única diferença: que â Lacedemônia tratura mais elevada, deseja que o governo se mantenha'
só possui crnco éÍoros e os cretenses têm dez cosmos. Os rs Aqui náo se tiram os cosmos de todas as classes de cida-
gerontes de Esparta são totalmente os gerontes aos quais os dáos, mas apenas de certas Íamílias; e so podem ser senado-
cretenses dáo o nome de Senado. Os cretenses tinham tam- res os que antês tenham exercido as Íunçoes de cosmos'
as
§ 6. Poder-se-ia aproveitar no caso dos cosmos
bém anteriormente uma realeza; aboliram-na depois, deixan- rnes-
ro do aos cosmos o comando da armada em tempo de guerra. maã reÍlexÕes Íeitas sobre os que exercem essa magistratura
§ 4. ilá também entre os cretenses assembléias gerais, eÁ fsparta. A irresponsabilidade e * poder vttalício constitr-rem-
nas quais todos os cidadáos têm o direito de voto, mas es- tfres piivitégios exorbitantes. Há perigo em deixá-los fazer uso
sas assembléias não cuidam da iniciativa dos negócios; elas da autorida"de à sua vontade, sem se governarem pelas leis
nada mais lazem que ratíficar as decisões dos gerontes e 40 escritas. De resto, a tranquilidade do povo, embora ele nào
que o
dos cosmos. tome parte alguma na adrninistração, náo é uma prova
gou"rnn seja bem organizado; porque os cosmos não têm
Quanto ao que se refere às reÍeiçÕes públicas. é melhor pelo
rzzzo õportunidade. üomo os éforos, de se deixar comprar
disposto entre os cretenses que êntre os lacedemônios. Na que teriam
ouro, pois vivem numa ilha, longe de todos aqueles
rs Lacedemônia, cada qual sabe de cor a contribuiçáo exigida: e interesses em côrrompê-los. Mas o remédio que Se ernprega
se náo, a lei o exclui de toda a participação no governo, oomo
Íoi dito mals acima. [Mas em Creta essa instituiçáo é mais contraosabusosdestamagistraturanãoápolítico,ásobretu-
popular. Dos produtos da terra e dos rebanhos - seja porque do um meio tirânico e violento.
são depostos
pertencem ao Estado, seja porque provenham dos foros dos § 7. Acontece muitas vezes que os cosrno§particulares' e'
s por uma liga cle colegas seus ou de srnnples
que tal
mesmo é-lhes permitiào abdicar o poder' Melhor seria
61. Creta au Candia, ilha do Mediterrâneo. se fizesse em virtude da lei que segundo os caprichos dos
Mas o que exis-
62. PenÍnsula ar: sui da Grécia, ligada à Hélade pelo istmo de Corinto. homens; porque essa náo é uma rêgrâ §egura'
63. Cidade da Cária.
teaindapioréainterdiçãodamagistraturadoscosmospor
64. Cidade da Sicíiia, está construída peilo de um rio do mêsmo nome
72 Ansróretes
EDtPBo LrvBasEGUNDo

substitui os tíÍoros, apresentando menos inconvenientes


*
homens poderosos, quando querem se subtrair às exigências
judiciárias. Vê-se por aí que este país possui uma Íorma qual- porqueestessãotiradosdaúltimaclassedoscidadãos,acl
10 quer de governo, mas não de governo verdadeiro, e sim de passo que os cenio e quatro magistrados são escolhidos por
autocracia. E costume entre os cretenses convocar às armas o ordem de márito.6§ Os reis e os senadores de Cartago muito
povo e os homens de cada partido, nomear os diversos chefes, se assemelham aos reis e senadores de l-acedemônia" Vê-se'
rs organizar desavenças e Íazer combater uns aos outros. qo no entanto, algo de melhor em Cartago: aí os reis náo saem
da mesma Íar"nília, indistintamente' Mas, se existe umâ que
§ 8. Que diÍerença existe entre um tal estado de coisas e a í273â seja superior a todas as outras, é nela quê os cartagineses
decadência do governo, ainda que por pouco tempo, ou, pior
vâo buscar os seu§ reis, em vez de os escolher por grau de
ainda, o desmoronamento de toda a ordem social? Nesta
idade, numa casa hereditária. Porque, se eles náo passam de
situaÇáo, um Estado será exposto a se tornar presa Íácil de
homens medíocres, uma vez elevados ao poder soberano sáo
todos que quiserem e puderem atacá-lo. Mas, eu o repito, só
zo deve Creta a sua salvação à sua posição marítima. A sua
a oâusâ de muitos males, conÍorme bastante Íicou demons-
trado na rePública de EsParta.
independência se deu em conseqüência de uma lei que dela
teria banido os estrangeiros. Aí está porque a classe de pe- § 3. A maior parte dos deÍeitos apontados como desvios
rióceos vive tranqúila entre os cretenses, enquanto os ilotas sáo comuns aos Estados que acabamos de examinar' Mas as
Íreqüentemente se revoltam" Alám disso, os cretenses não falhas da constituição cartaginesa, cuja base é ao mêsmo
têm a menÕr força Íora da sua casa, e recentemente tiveram s tempo aristocrática e republicana, fazem-na pender ora para a
de sustentar na ilha uma guerra estrangeirao5 que bem de- democracia, ora para a oliEarquia. Os reis e senadores sào
monstrou a Íraqueza das suas leis. Aí temos bastante dito senhores de entregar ao povo certos neEócios e dele subtrair
sobre o Eoverno de Creta. outros, quando toàos estelam de acordo; quando não, ó o
ro próprio povo que resolve aqueles que se queira submeter-lhe'
Urna vez que confienn um neEÓcio ao povo, eles ihe dào o
Capíruuo Vlll riireito de inÍormar-se sobre os motivos dos magistrados; é a
§ 1. Os cartagineses parecem ter tido também uma boa ele que compete decidir, e é permitido a todo o cidadão que o
as constituição política. Superior, sob diversos aspectos, às dos queiia rejeitar as propostas submetidas à assembléia - o que
outros povos, ela se aproxima bastante, em certos pontos, da não acontece nas outras Íormas de governo'
pró-
política dos lacedemônios. Há três governos que têm vários § 4. Por um lado, dar às pentarquias o direitr: de elas
traÇos de semelhança entre si, e que sáo bem diÍerentes dos priai escolherem os seus membros -..f azê-los eleger pela
outros: o governo de Creta, o de Lacedemônia e o de Carta- magistratura mais elevada, a dos cemo'' - conceder ao seu
go. Encontra-se enlre os cartigineses um grande número de ,u podet uma duraÇão mais longa que todas as outras, pois que'
so excelentes leis; e o que comprova a sabedoria da sua consti- fora do cargo ou prestes a assumi-lo, os pentarcas gozam
tuição é que ela sempre conserva a mesma forma, e, o que é sempre da mesma"autoridadeôd * eis aí bastantes instiiuiçôes
notávei, nunca nela se viu uma revoluçáo ou um tirano. oligárquicas. E, por outro lado, á preciso considerar Um Carâc-
§ 2. Há, entre as instiiuiÇÕes análogas às de LacedemÔ- teristico da aristocracia: a gratuidade das suas funçÕes' o
nia, os repastos públicos das hetérias (associaÇões políticas), privilégio de não seÍem submetidos à eleição, e vários outrns
s5 em lugar dos Íidítios, e o tribunal dos cento e quatro, que
jLrlgar se diz
66. Tais sáo os sufetas, isto ê, os juizes. Entre os fenícios e os hebreus,
ehaffat.
67. ldêntica magistratura à dos cento ê quatro. metrcionada antes. Ari§tÓteles oferece
o
65. Não se sabe ao certo qual é essa guerra estrangeira. Seria a guerra contra os
macedônios, no reinado de Alexandre? Seria a guerra contra os lacedemônios no máximo de laconismo.
quatro' e dele sâo
tempo de ,Agis? Cícero, no seu discurso em favor de Murena, Íez observar que as 68. Os pentarcas pêfiencem ao corpo dos cem ou dos cen.lo e
pentarquia. Náo se tem uma deÍiniçào precisa da
leis dos lacedemônios e dos cretenses nâo puderam preservá-ios do jugo dos ro- membros antes. e depois da sua
manos. pentarquia.
74 ARISTÓTELES A PoLírtcA
EDtPRo LIVBo SEGUNDa LrVRo sEGuNDa EDIPRO

costumes semelhantes, como a competência dos tribunais § 8. Eis aqui mais um ponto vicioso. Em Cartago é uma
para todas as causas, sem atribuiçôes especiais, como acon- honra acumular-se vários carsÕs; no entanto, um homem só
tece em Lacedemônia. poderá exercer bem um único ofício. O legislador precisa
§ 5. A principal causa que Íaz a constituição dos cartagine- evitar esse inconveniente, e náo ordenar à mesma pessÕa
ses degenerar da aristocracia para a oligarquia é a opinião que toque flauta e fabrique sapatos. Quando o Estado nâo é
geralmente aceita de que é preciso olhar não somente ao demasiado pequenÕ, é rnais poiítico e mais popular Íazer
mérito, como tambóm à riqueza, nas eleiçôes dos magistra- participar dos empregos um número maior de cidadáos. Por-
dos, e que um cidadào pobre nâo pode administrar os negó- 15 que conforme dissemos, há mais proveito em ser uma coisa
cios do Estado, nem deles se ocupar. Se, pois, a escolha sêrxpre feita pelas mesmas pessoas: ela será feita melhor e
baseada na riqueza pessoal caracteriza a oligarquia, e a elei- mais depressa" E o que se vê claramente nas manobras de
çáo pelo mérito caracteriza a aristocracia, a de Cartago apre- guerra e nas da marinha, nas quais a comando e a obediên-
sentaria então uma terceira combinaÇão. visto que se apega cia se dividem entre os homens, e pâssam, por assim dizer,
ao mesmo tempo a essas duas condições, principalmente na de uns para os outros.
eleição dos mais altos magistrados, os reis e os generais.
§ 9. Os cartagineses fogem aos inconvenientes do gaverno
§ 6. No entanto deve-se ver essa alteração do princípio da oligárquico, enriquecendo sucessivamente só un:a parte do
aristocracia como uma Íalta do legislador. Porque um dos povô que habita as cidades dependentes do governo. Este é
seus primeiros deveres deve ser. desde o comeÇo, garantir o um meio de depurar o Estado e dar-lhe estabilidade. Mas isto é
descanso aos cidadâos mais eminentes, e não os expor à efeito do acaso, e no entanto é ao legislador que compete co-
perda da sua consíderaçáo, não só no exercício de funçôes locar o Estado ao abrigo de discórdias. Hoje qualquer calami-
públicas. como na sua vida privada. Por outro lado, se é pre- dade que aconteÇ4, revoltando-se a multidâo de súditos, as leis
ciso atender à abastança devido às Íacilidades que ela pro- não têm rneto algurn de restabelecer a tranqüilidade.
porciona, é torpe que as mais altas magistraturas sejam ve-
Tais são as constituiçÕes justamente célebres da Lacede-
nais como a realeza e o comando das armas; pois tal lei dá mônia, de Creta e de Cartago.
mais valor à riqueza que aô mérito, e desperta em todos os
cidadãos o amor pelo dinheiro.
Capírulo lX
§ 7. CI que aos primeiros magistrados parece estimável,
como tal deve ser visto também pelos outros cidadãos, sem- § 1. Entre os homens que divulgaram sistemas de gover-
pre prontos a segui-los. Em parte alguma onde o mérito náo no, muitos há que jamais tiveram parte nos negócios púbiicos,
que jamais saíram da vida privada. Temns dito sobre a maior
seja considerado antes de tudo, náo é possível haver uma
parte deles tudo o que rnerece alguma atençao. Vários legis-
constituição aristocrática verdadeiramente sólida. E ainda
natural que os que compram as suas dignidades se habituern ladores tàm ditado leis a seus concidadâos oil a outros povos
a Íazer beneÍícios, quando, à força de gastar, eles cheguem estrangeiros, e eles próprios têm-se ocupado do governo.
ao poder; porque é absurdo supor que um homem pobre mas Desses legisladores, alguns so elaboraram leis, outros funda-
honesto queira enriquecer. e que aquele que é menos hones- ram Éstados, como Licurgo e §Ólon, que Íoram simultanea-
mente ieEisladores e Íundadores de governos.
to e que tenha Íeito grandes despesas não o queira. É preci-
so, pois, que o poder se coloque entre as mãos daqueles que § 2. Já Íalei da constituiÇão da Lacedemônia. Quanto a Só-
são capazes de o êxercer dentro do espírito da verdadeira lon, muitos vêem nele um legislador proÍundo e atrihruem-lhe o
aristocracia. Sem dúvida o leEislador, ainda mesmo que náo márito de haver abolido a oligarquia (que não era nada mode-
queira garantir a fortuna a cidadãos de mérito, sempre agirá rada), ter livrado o pÕvo da servidão e fundado a democracia
benr provendo a que os magistrados tenham tempo de se nacional por uma feliz combinaÇâo das outras formas de go-
entregar aos negócios públicos. verno. Realmente, a constituiÇáo de Atenas é oligárquica pelo
Areopago, aristocrática pela açâo dos magistrados e demo-
76
ABIsTÓTELES A PaLiTtcA 77
EDIPRo
LlvRo sEcuNDa LrvRosEGuNDs Eapno
crática pela organizaçào dos tribunais. Contudo, parece que
1274a sólon nada Íez senâo conservar tais como existiam anterior- § 5. Tem havido ainda outros legisladores: Zaleuco,Ta entre
mente, o Senado do Areópago e o modo de eleiçáo dos os locrianos epizeÍírios,/5 e Carondas'u de Catânia, que ditou
ma_ aos seus concldadáos e às repúblicas fundadas por colônias
gistrados - mas constitui reármente a democracià,
aáÀltiroo zs dos calcídios./'na ltália e na Sicília. Pretendem algqns que se
todos os cidadãos nos tribunais.
deve acrescentar a esses nomes o de Onomacrite,'' o primei-
§ 3. Reprovam-lhe o lato de ter destruído a força do Sena_ ro que se julga ter-se especializado em legislação. Dizem que
s do e das magistraturas eretivas, depositando todã autonomia ele era locrês e se inslruiu em Creta, onde Íora estudar a arte
nos tribunais, cujos membros são designados porcorú. ú"u_ da adivinhação. Deram-lhe por companheiro a Tales, e fize-
de que foi posta em vigor esta dispõsiÇáo, os Oe*ágÃgo, s0 râm Licurgo e Zaleuco discípulos de Tales, como fizeram
passaram a adular o povo como a um tirano e levaramã
go_ Caroncjas discípulo de Zaleuco. Mas, em todas essas asser-
verno à democracia tal como existe hoje.
Aô ções não procuraram considerar a ordem dos tempos.
Ltlalto"" comeÇou a mutilar a força do Areópago, como
também o fez péricres. Este chegou mesmo , § 6. Filolaus de CorintoTe também d*u leis aos tebanos.
oà Descendente da família dos Baquíadas,8c tornou-se amante
t0 tribunais. Deste modo, cada um dos demagogo, "u'uriári"iõ
,n"ãr""", ss de Diocles, vencedor dos jogos olímpicos, quando este, horro-
mais os abusos, levando a democracia ao pãntã qre lro;e rizado pela paixão incestuosa de sua mãe, Alcíone, deixou
se encontra. Mas é provável que tal não fosse a"m intenção de Corinto e foi se estabelecer em Tebas. Foi lá que ambos mor-
Sólon, e que essas transformaçôes fossem maiis o eÍeito
das reram. Mostram-se ainda hoje os seus túmulos colocados um
círcunstâncias.
em Írente ao outro, dando um deles para o território de Corin-
§ 4. O povo, a quem se devia a vitória naval na guerra mé_ toeooutronão.
dica, tornou-se orgurhoso e escorheu pâra chefe perversos
,u 9?Trggqos, apesar da oposição dos cidadãos mais ,*nrrúu. § 7. Conta a tradição que eles próprios haviam Íeito
co aquela disposiçáo para o seu sepuicro. Dir:cles, por uma
Aliás, Sólon parece só ter cáncedido ao povo o poder mais
lembrança odiosa da causa do seu exílio, náo quis que a
indispensável: o de escolher os magistrados e exigir
,* ,*1"_
tório da sua gestão. porque, se ele 1.lão tirer. ao rnãnos
terra de Corinto recebesse o seu túmulo; Filolaus havia de-
esses rer+n sejadc o contrário" Tal foi, pois, a causa que os levou a Íixar
direitos no governo, então não passa de escravo, e hostil,
em residência entrê os tebanos. Filolaus deu-lhes leis, entre ou-
conseqüência. Sólon quis que todas as magistraturas Íossem
zo exercidas por cidadaos resp. eitáveis e numa honesta tras as que se relerem aos nascimentos, e que ainda hoje
abastan- chamam positivas. EIe teve em vista, principalmente, a con-
ça; os pentaÇosiomedinos,,' os zeugitas* e a terceira classe s servaçâo das heranças.
chamada ordem eqüestre.13
A quarta classe, composta de mercenários, náo tinha
direi-
to a magistratura alguma.

74. Zaleucos. filósoÍo grego, nascido em l-ocres, cerca de 769 anos a.C.
75" Ocidentais.
76. Carondas, pitagórico e legislador de Catânia. Viveu cerca do ano 500 a.C,
69. Simples demagogo. 77. Cálcis, capital da ilha Eubéia.
70 Ver Deodoro da sicÍria, r, Xí, c. LXXVT, e prutarco na vida de 78. Poeta e adivinho de Atenas. Foi expulso da sua pátria pelo tirano Hipãrco, filho de
cimon. c. XV.
71. Os possuíam quinhentas medinas (medidas), Pisístrato. A ele sào atribuídas as poesias cle OrÍeu e Muséia.
,que seja de Írutos secos, seja de a
líquidos. 79.
-^ E preciso náo confundir esse legislador com o célebre pitagórico r-rascido em Cro-
72. Os repulados capazes de poderem alímêntar uma junta tone ou TarentÕ, pelo ano de 500 a.C., e morto êm Têbas no ano de 420.
de bois.
73. Aristóteles coroca aqui os cavareiros êm terceira 80. Família poderosa de Corinto. Descendia de Héracles por Baquis, Íilho de Prünis,
categoria; todos os outros autores que reinou sobre Corinto no ano de 836 a.C. Governou a cidade por nove gêra-
colocam-nos em segunda.
çÕes, e Íoi deposta por Cipseius em 657.
ABtsróTELÉs
LIVRa SEGuNDo

§ 8. As leis de Carondas nada têm de notável, à exceçâo


das perseguiçôes encetadas contra os falsos testemunhos;
ele foi o primeiro a se ocupar de pesquisas sobre este gêne-
ro de delitos. Do ponto de vista da precisão e clareza das
leis, ele é mesmo superior aos legisladores dos nossos dias.
O temor da desigualdade dos bens Íaz o caráter distintivo de
Faléias; as idéias de Platão se encontram na comunidade
das mulheres, dos fiihos e das propriedades, no repasto co-
mum entre as mulheres, na lei contra a embriaguez (que dá a
presidência dos banquetes aos homens sóbrios) e no regu- LvnO TERCEIRO
lamento sobre a educação militar, que prescreve o exercício
simultâneo das duas mãos, a Íim de que uma seja tão útil
como a outra. Srnopse: Da çidade e do cídadão - Do cidadãa perfeita - Dct
cidadãa irnperfeita - Divisãa dos Eovernas * Númera Ê nêfure-
tà § 9. Existem ainda as leis de Drácon,B1 mas ele as fez za dos governos segundo a diferença dos cidadãos e das leis *
para um governo já estabelecido. Nada há de particular nes- Ouar's são as que devem mandar - Do bem pública
* Dos ct-
tas leis, nada-de notável além da duração excessiva dos cas- dadãas erninentes e dos legisladores * Üo saberana * Transi'
tigos. Pitacossz também redigiu um código de leis, mas não ção para o livra seguinte
um sistema de governo. Uma lei que lhe é particular é a que
pune o delito de um homem embriagado com castigo mais
forte que se o mesmo crime fosse cometido por um
homem que estivesse em plena razão" Como se cometem Cnpírulo I
mais crimes no estado de embriaguez que fora deie, conside-
rou menos a indulgência que se possa ter por um homem § 1. Quando se examinam os governos, sua natureza e
perturbado pelo vinho, que a utilidade da repressão. Cita-se seus caractenes distintivos, a primeira questào que se apresen-
também Andródamas,ot de Rege, legislador dos calcídios na ta, por assim dizer, é perguntar, effl se tratando de cidade, o
Trácia, que deixou lels sobre o homicídio e sobre as herdei- que á uma cidade.un Atá agora ainda nâo se chegou a um
ras únicas. lVlas dele não se poderá citar lei alguma que lhe acordo sobre esse ponto. Pretendem uns que á sempre a ci-
pertença propriamente. dade que opera quando existe transação; outros sustentam
que não é a cidade, mas a oliEarquia ou o tirano. Aliás, sa-
Tais são as nossas observaçÕes sobre os diferentes sis- bemos que toda a atividade do homem polílico e do legislador
temas de governo que estáo atualmente em vigor, ou que tem a cidade por objeto. Ora, o governo ou a constituição
foram idealizados pelos escritores" política não passam de uma certa ordem estabelecida entre
0s que habitam a cidade.
81. A legislaçáo de Drácon rêmonta ao ano 624 a.C"; a de Sólon ao ano S9g. § 2. Mas, sendo a cidade algo de complexo, assim como
82. Pitacos, um dos sete sábios da Grécia, nascido em l\írtilene, pelo ano 650 a.C.. qualquer outro sistema composto de elementos ou de partes,
modô em 579, uniu-se aos irmãos do poeta Alceu para expulsar os tiranos da sua á preciso, evidentemente, procurar antes de tudo o que é um
pátria. Foi investido do poder soberano pelos mitilenianos, §ovêrnou-os com sabe-
doria e deu-lhes leis. Abdicou depois, e só aceitou uma pequena porçáo de terra
que lhe cedeu o reconheçimento dos mitilenianos. A ele se atribuem elegias e um
84. A palavra cidade (po/rs) deve t$mar, nêsta traduÇáÔ, um signiÍicado bastanle am-
discurso sobre as lêis" quê se perderam_ plo. Êla significa a mêsma coisa que República, Estado. §ociedade política ou civil,
BiJ. Nada de notável se conhece sobre esse Andródamas. os dois últimos capítulos mas cÕm essa circunstància especial que pÕr ela se designa principaitnente uma
deste Íivro demonstram tantâ precipitaçào e falta de ordem, que levam a Çrêr que o cidade ou capital que compreende, de algum modo, o Êstado inteiro, qualquer que
texto está alterado em muitos trechos. Talvez não tenhamos mais que um resumo seja a extensâo, grande ou pequena, do território que circunda a cidade. ou que
do manuscrilo cle Aristóteles. está sob a sua dePendência.
Ansróretrs A PoLirtca 81
LrvRo rEBcERa LTVROTERCERA EaPRo

cidadão. Porque a cidade e uma multidão de cidadáos, e


§ 5. Pode acontecer, diráo, que os que exercem tais Íun-
assim é preciso examinar o que é um cidadáo, e a quem se
ções não sejam magistrados, e, em conseqüência, não te-
deve dar este nome. Nem sempre se está de acordo neste nham parte alguma de autoridade. Ora, seria ridículo negar
ponto, já que nem todos concordam, no caso de um mesmo autoridade exatamente àqueies que têm nas mãos o poder
indivíduo, que ele seja um cidadão. E possível, com efeito, so soberano. Mas, ponham isto de lado, pois não passa de uma
que aquele que seja cidadáo numa democracia não o seja questão de nome. Como náo achamos um termo próprio para
numa oligarquia. designar o que há de comum entre o juiz e o membro da as-
§ 3. Ponhamos de lado, pois, os que obtêm este título por sembléia geral, admitamos, para dar corpo à idéia, que cons-
qualquer outro modo, como, por exemplo, aqueles a quem se titui autoridade uma magistratura indeterminada. Todos que
concedeu o direito de cidadania. O cidadão náo é cidadão nela tomam parte, chamamo-los cidadãos. Tal é, aproxima-
pelo Íato de se ter estabelecido em algum lugar - pois os es- ss damente, o caráter de semelhanÇa entre todos aqueles aos
trangeiros e os escravos também sáo estabelecidos. Nem quais damos esse nome.
é cidadáo por se poder, juridicamente, levar ou ser levado § 6. E preciso não ignorar que nas coisas quê se classifi-
Í0 ante os mesmôs tribunais. Pois isso é o que acontece aos cam sob diferentes espécies, entre as quais há uma primei-
que se servem de selos para as relaçôes de comércio. Em ra, uma segunda, elc", nada ou quase nada existe de co-
vários pontos, mesmo os estrangeiros estabelecidos, náo mumoo que possa lhes dar direito a um mesmo nome. Ora,
gozam completamente deste privileglo, mas é preciso que sabemos que as formas de governo diÍerem de espécie rela-
tenham um fiadorE5 e, sob este aspecto, eles só são membios tivamente umas às outras. Estas têm a superioridade, aque-
da comunidade imperfeitamente" tzzsu las a inferioridade. Porque é necessário que as que são deÍei-
§ 4. E assim que, só até urn certo ponto, e não em todo tuosas ou que tenham soÍrido qualquer alteraçáo estejam co-
sentido. se pode dar o nome de cidadão aos filhos que não locadas abaixo daquelas nas quais nada se encontra para

sejam ainda inscritos nos registros públicos, devido à sua tenra criticar. Ver-se-á mais adiante em que sentido entendemos
idade, e aos velhos, porque estão isentos de qualquer serviço. este modo de alteração. Disso resulta claramente que o cida-
Mas é preciso acrescentar que aqueles são cidadáos imperÍei- s dão náo é o mesmo em todas as formas de governo; e que,
tamente, e que estes já ultrapassaram a idade (ou qualquer por isso, é na democracia, principalmente, que ele se adapta
outra restrição semelhante). Porque pouco importa, e compre- à nossa deÍinição.
ende-se o que eu quero dizer. O que eu procuro é a idéia ab-
§ 7. Pode sê-lo ainda em outra pârte, rnas náo o será estri-
soluta, sem que nada haja nela a acrescentar ou transÍormar. tamente, pois há governos em que o povo não Íaz parte consti-
2ü Aliás, o mesmo acontece com os que foram marcados de in- tutiva do Estado, e não possuem assembléias gerais. Alguns
fâmia ou condenados ao exílio. As mesmas dúvidas, as mes- tribunais dividem entre si os procêssos, como em Lacedemô-
mas soluções. Em uma palavra, cidadão é aquele que pode to nia, onde cada um dos éforos julga as causas relativas às
ser juiz e magistrado. Não existe ouira definição melhor. Al- questões particulares, ao passo que os gerontes tomam co-
guns cargos tomam um tempo limitado, não podendÕ uns ser nhecimento das acusações dos homicídios, e as outras magis-
exercidos duas vezes pela mesma pessoa, ou então somente lraturas se ocupam dos demais delitos. Do mesmo modo em
depois de um período determinado. Alguns existem, ao contrá- Cartago certas magistraturas julgam todas as causas.
rio, cuja duração é ilimitada, como acontece com as funÇões de
juiz e de membro das assembléias gerais. § L Assim, pois, a nossa
deÍiniçáo do cidadão deve ser re-
tiÍicada. Porque nas outras Íormas de governo as funçÕes de

85. os estrangeiros domiciliados em Atenas eram obrigados pela lei a tomar um cida- 86. Aristóteles Íaz notar aqui que os nomes genéricos. quando sáo aplicados às várias
dão por patrono. se eies deixassem de cumprir esse dever, eram levados ao tribu- espécies compreendidas êm um mesmo gênero, exprimem freqüentemente coisas
nal. Nenhum ato civil podiam fazer sêm um requerimento do patrono: era mesmo quê quase náo têm a menor semelhança entrê si, e quê, pôr assim dizer, só têm de
no nome deste que eles pagavam os impostosi. comum o norne que lhes é dado.
EDtPRo Ltvno f FRcFtRo LtvRo ÍEncEBo EDDno

1s juiz e de rnembro da assembléia geral não sao accss;iveis a Aliás, vemos cidadãos elevados injustamente às funçôes
qualquer cidadâo, indistintarnente, corlo na der.nocracia; act públicas e nem por isso deixamos de chamá-los magistrados,
contrário, elas constituem uma magistratura especial. E o embora o sejam injustamente. Cidadáo, segundo a nossa
privilégio de deliberar e juigar é concedido a todos os Írem- definiçáo, é o homem investido de um certo poder" Ora, do
bros dessa magistratura, ou a alguns dentre eies, sobre todas momento que ele tenha.um poder na máo, passa a ser cida-
as questÕes ou sobre algumas apenas. Por aí se vê, pois, o dão, como dissemos. E, pois, evidente que mesmo os ci-
que *i o cidadão: aquele que tem uma parte legal na autorida- dadáos de Clístenes são cidadãos e como tal devem sêr con-
de deliberativa e na autcridade judiciária - eis o que chama- siderados. Quanio ao Íato de saber se o sao justa ou injusta-
?0 mos cidadáo da cidade assim constituída. E chamamos cida- mente, prende-se ao que apresentamos anteriormente. Com
de à multidáo de cidadãos üapaz de se bastar a si mesma, e efeito, pessoas existem que se embaraçavam ao resolver
de obter, em Eeral, tudo que é necessário à sua existência. quando é o Estado que opera e quando não é. Por exemplo,
quando a oligarquia ou a tirania sáo substituídas pela demo-
§ 9 As vezes, no sentido comum, deÍine-se o cidadão í0 cracia, negam-se a cumprir com seus compromissos, sob o
como sendo aquele que ó Íilho de pai e mâe cidadãos, e que pretexto de que eles foram contraídos com o tirano e nâo com
não o seja apenas de um dos dois. Outros exigem mais; por
o Estado, e rêcusam execular quaisquer contratos semelhan-
exemplo, que os avós em primeiro grau tenham sido cida-
tes atendendo a que certos governos só se apoiam na violên-
dãos. ou ainda os ascendentes em segundo e terceiro graus.
cia, e não no interesse geral.
25 E mesmo após essa deÍinição, que se crê simples e conforme
com a ordem política, há pessoas que mantêm alguma dúvi-
It
§ 11. E reciprocamente, se a democracia, por seu turno.
da, perguntandc como se constatará que esse quarto as- contraiu compromissos, deve-se reconhecer que os seus atos
cendente seja cidadáo. Górgias de Leontini, também. seja por tanto podem ser atos do Estado como de oligarquia ou de
exprimir uma dúvida real, seja por rronia, dizia que, assim tirania. Esta discussão parece ligar-se particularmente à
como se chamavarn morteiros a certos trabalhos fei- questão de saber quando é preciso dizer que um governo
tos por Íabricantes de morteiros, também se chamavam cida- permaneÇa o mesrno ou se torne outro diferente. O exame
dâos de Larissa àqueles que haviam sido feitos pelos cida- mais superÍicial desta questão recai no lugar e nos homens. E
ao dáos larisseanos. A coisa é muito simples: todos que toma- possível que o lugar e os homens sejam separados; que es-
vam parte no governo do modo que explicamos eram cida- tes habitem tal parte, aqueles outra. E preciso, pois, dar um
dãos. Porém, a condiÇão de ser filho de um cidadão ou de sentido menos rigoroso à questâo: tendo a palavra governo
uma cidadâ náo poderia ser imposta aos primeiros habitantes várias acepções, elas facilitam a resolução do problema.
ou fundadores da cidade. § 12. Do mesmo modo, quando os homens habitam o
mesmo lugar, como se reconhecerá que a cidade é uma?
§ 10" Há, taivez, mais dificuldade em relação àqueles que Certamente não é pelas muralhas; porque poder-se-ia circun-
:s foram admrtidos no rol de cidadãos em conseqüência de uma
revoluçáo no governo. como quando Clístenes.o' após a ex- dar o Peloponeso inteiro com uma só muralha. Assim será
pulsão dos tiranos, adnritiu nas tribos estrangeiras, escravos Babilônia e toda cidade cujo circuito encerre mais uma nação
que a população de uma cidade. Conta-se de Babilônia,ut qu*
e dorniciliados. A questáo, em caso semelhante, não é saber
quem é o cidadáo, mas se o é justa ou injustamente" Contu- três dias após a tomada da cidade, um quarteirâo inteiro ain-
do, isso poderia dar lugar a uma nova dificuldade: objetar-se-ia da o ignorava. O exame desta questão será feito mais util-
1zr6a que aquele que nâo seja cidadão co!"n justiça não é cida- mente em outra parte. Quanto à extensão da cidade e à van-
dáo, pois que injusto e falso é mais ou menos a mesma coisa.
88. Aristóteles Íala aqui da tomada de Babilônia por Ciro, 555 a.C., e não por Alexan-
dre. Heródoto (Hist., l. l. CXCI) não diz que três dias após a tomada da cidade um
87. Clisteno. após a expulsào dos filhos de Pisístrato e dos seus partidárics, modiÍicor"r quarteirâo ignorava ainda o fato: mas aqueles que sê encontravam no centÍo náo
as leis de Sólon nçr sentido demoçráiico, pelo ano 509 a.C, sabiam ainda que ela Íora ocupada numa das suas exiremidades.
Y

Aâisr:aTÉLEs A PoLíflcA B5
84
EÜPRa LIVÊA TERCEIF,A LNRa rEBcEtBo EotPRo

tagem de nela existir uma só ou várias classes de cidadàos, o zs designar, por uma deÍinição rigorosa, a Íunção própria de cada
homem político não deve ignorar. um; e no entanto, haverá também alguma definição geral apli-
3s § 13. Mas. desde que os mesmos homens habitem o cável a todos, porque a salvação da equipagem é a ocupaçáo
de todos e o que todos desejam igualmente'
mêsmo lugar, será preciso dizer, já que não varie a esptâcie
de seus habitantes, que a cidade é sempre a Ínesmâ, apesar § 2. Do mesmo modo a salvação da comunidade é a ocu-
dos óbitos e dos nascimentos (como se diz que os rios e as pação de todos os cidadãos, qualquer que seja a diÍerença
fontes são sempre os mesmos, apesar do escoamento e do que entre eles exista. Ora, o que constitui a comunidade é a
,t0 renovamento das águas)? ou se deverá dizer que, por esta so Íorma do governo. E preciso, pois, que a virtude do cidadão
razáa, os homens permanecem os mesmos mas a cidade esteja em relação com a Íorma política" Se existem diversas
rzzou muda? Porque, se a cidade é urna espécie de comunidade, se formas de governo, não é possível que a virtude do bom ci-
ela é uma comunidade de governo entre os cidadãos, do mo- dadào seja uma e perfeita. Por outro lado, afirma-s.e que é a
mento em que a forma do governc se modifique, e que ela se virtude perfeita que caracterlza o homem de bem" E pois evi-
torna de urna espécie diferente, á Íorgoso que a cidade tam- ss dente que o bom cidadão pode não possuir a virtude que faz
s bém pareÇa não mais ser a mesma. E como o coro que, figu- o homem de bem.
rando ora na tragédia, ora na camédia, nos pârece olltro, em- § 3. Pode-se ainda, por outro modo, chegar à mesma con-
bora ele muitas vêzes se componha dos mesmos indivíduos. clusão na questão relativa à melhor forma de governo. Por-
que, se é impossível que a cidade se componha somente de
§ 14. Da mesma forma, qualquer outra associação ou
combinação nos parece diferente, quando apresenta outra homens virtuosos, e se é preciso que cada um exêcute bem a
qo tareÍa que lhe é confiada (o que só pode vir da virtude, pois
espécie de combinaÇâo. Por exempio, dizemos que a harmo-
nia dos mesmos sons é outra quando ela produz ora o modo que os cidadãos náo poderão ser semelhantes em tudo),
ro dórico, ora o modo Írígio. Ora, se assim acontece na música, p77a enlã,o o meio de ser a virtude do bom cidadão a mesma que a
com mais razâo se dirá que uma cidade é a mesma, quando do homem de bem, e, por conseguinte uma única, consiste
considerarmos a sua forrna de governo. Pode-se dar à cidade em que todos, na cidade perfeita, tenham a virtude do bom
outro nome, ou o mesmo nome, seja ela habitada pelos cidadão, visto que é uma condiçáo necessária da república
mesmos homens, ou por homens completamente diferentes" perÍeita. Mas á impossível que todos tenham a virtude do
Será justo cumprir com os comprornissos, ou nâo cumpri-los, s homem de bem, a não ser que se admita que, no governo
em virtude de ter a cidade mudado a sua forma de governo? perÍeito, todos os cidadãos devem Íorçosamente ser homens
15 Esta é uma outra questão. de bem.
§ 4. Aliás a cidade se compõe de partes dissemelhantes.
Como o animal na sua essência se compõe de uma almae de
Crpíruuo ll um corpo; a alma da razão e do desejo; a famíiia do homem e
§ 1"A continuaçáo imediata do que acabamos de dizer ó o da mulher; a propriedade do senhor e do escravo; enfim,
exame desta outra questão de saber se a virtude do homem como a cidade, por sua vez, compreende todos esses ele-
de bem é a mesma do bom cidadão. Aliás, supondo que este ro mentos e outros mais que também sáo dissemelhantes entre
ponto mereça muita atenÇão, é preciso comeÇar por Íazer si - é forÇosamente preciso que a virtude náo seja a mêsma
a0 ilmâ idéia geral da virtude do cidadão. Pode-se dizer do cida- em todos os cidadâos (assim corno num coro de dança, o
dão o que se diz de qualquer um dos indivíduos que viajam a talento do corifeu e o do simples corista não precisam ser os
bordo de um navio: que ele é membro de uma sociedade. mesmos).
Mas, entre todos esses homens que navegam juntos, e que
têm um valor diferente, visto que um é remador, outro piloto,
§ 5. E visível, pois, que a virtude não é absolutamente a
mesma em todos os cidadãos. Mas aÍinal, qual será o bom
este encarregado da proa, aquele exercendo, sob outra de- cidadão cuja virtude igualará à do homem de bem por exce-
nominaçâo, um cargo semelhante - é evidente que se poderá
86 ÁBlsrórsrEs A PàLíTI2A B7
LrvRa TEncElÊ,a LrvR) TEpcEtBo EDtPBo

1E lência? Diz-se quê o bom magistrado deve ser virtuoso e -tztru da, como indica o seu nome, a viver do trabalho das suas
prudente. Homens existem mesmo que pretenclem que desde mãos; esta classe compreende também o trabalhador de uma
o princípio a educação do que exerce a autoridade deve se proÍissáo mecânica). E por isso que antigamente, entre al-
diferenciar da de um simples cidadão (os Íilhos dos reis, por guns povos, antes dos excessos da democracia, os artesãos
exemplo, aprendern a equitação e a política). Diz Eurípides: náo eram admitidos às magistraturas.
Não me venham nastrar tão vulgares talentas: § 9. Não é preciso, pois, que o homem de bem, homem de
Mostrem virtudes aa Estadç necessdnâs.8e s Estado, ou o bom cidadão aprendam estes gêneros de traba-
lho que só convôm àqueles que são destinados a obedecer -
Como se ele estivesse convencido de haver uma educa- a não seÍ que deles se sirvam pÕr vezes para a sua própria
çáo toda especial para aquele que seja destinado a mandar. utilidade. De outro modo, uns cessam de ser senhores, e os
§ 6. Assim pois se a virtude do homem de bem que manda outros deixam de ser escravos. Mas existe uma outra autori-
é idêntica à do hornem de bem em geral, e se aquele que dade que se exerce sobre os que sáo livres e iguais por nas-
obedece é ao mesmo tempo cidadão, é absolutamente im- cimento. Com efeito, chamamos autoridade política aquela
possível que a virtude do cidadão seja a mesma que a do 10 que se deve aprender obedecendo, como se aprende a co-
homem em Eeral. Porque a virtude daquele que manda náo é mandar a cavalaria. a ser general, a conduzir uma legião ou
a mesma que a do simples cidadão. Talvez por isso dizia um batalháo, sendo-se no entanto simples cavaleiro, adido ao
Jasão'u "que moríeria de Íome se cessasse de reinar" - por- serviço de um tal general, soldado raso, em uma legiáo ou
que ele não saberia viver como simples particular. em um batalhão. Também se diz que, para bem ordenar, é
preciso já ter obedecido.
§ 7. Seja como for, louva-se o que sabe mandar e obede-
cer, e parecê que a virtude do cidadão experiente consiste § 10. Sem dúvida a virtude inerente ao mando e à obediên-
em poder fazer igualmente amtras as coisas. ,Assim, se côn- cia não é a mesma; mas é preciso que o bom cidadão saiba e
cordamos ern quÊ a virtude do homem de bem seja mandar, 15 possa obedecer e mandar; o que Íaz a sua própria virtude é
e a do cidadáo seja obedecer e mandar, segue-§e que essas formar os homens livres sob esta dupla relação" Por conse-
duas coisas náo são igualmente louváveis. §em dúvida am- guinte, a virtude do homem de bem reúne essas duas rela-
bas parecem louváveis, e assim o que manda ê o que obede- ções, embora haja uma espécie de temperanÇa e justiça que
ce nâo deverâo receber a mesma educaÇáo; é claro que o não sáo as mêsmas naquele que manda e naquele que obe-
cidadão deve saber as duas coisas, e fazer tão bem uma dece. Porque é evidente que náo pode existir, para o homem
como a outra: mas eis de que modo: de bem que obedece. mâs que é livre, uma só e única virtu-
de, como a justiça, por exemplo - mas que várias existem,
§ L Existe a autoridade do senhor: a parie dessa autori- conforme ele mande ou obedeça. E por isso que a lemperan-
dade que se refere às coisas necessárlas a vida náo exige
que aquele que manda saiba obtê-las por si, rnâs saiba, prin- Ça e a coragem num homem são diferentes das de uma mu-
lher. Um homem pareceria tímido se Íosse corajoso como
cipalmente, delas fazer uso. 0 resto é servil {e eu entendo
uma mulher corajosa; e uma mulher passaria por leviana se
pelo resto o que é necessário para desempenhar o serviço
ela só tivesse a ressrvâ e a modéstia de um homem honesto.
doméstico). Há várias espécies de escravos, já que existem
Sabemos também quê na família os deveres do homem diÍe-
diversas espécies de trabalhos dos quais uma parte é execu-
25 rem dos da mulher; o de um é adquirir, o de outra conservar.
tada pelos trabalhadores manuais (espécie de gente habitua-
§ 11. A prudência é a única virtude natural naquele que
manda. Porque, nas outras virtudes, parece necessário que
89 EstÕbeu cita êssês dois versos de uma tragédia de EurÍpides. intitulada Êo/o.
an E sem dúvida o mesmÕ Jasáo que Aristóteles citâ (Ret., L.ll, s. Vlll). Jasão era
tenham igualmente parte os que mandam e os que obede-
tirano de Feres, na Tessália. Ele Íoi assassinado no 3! ano da 1024 Olimpíada, em
cem. A virtude do súdito não á a prudência, e sim um julga-
375 a.C., no momento em que forjava contra a Grécia o projêto mais tarde realiza- mento são e reto. E assim que aquele que fabrica flautas
do por Filipe. rei da Macedônia (Barthelerny §aint-Hilaire).
88 ÁRrsrárerss A PoLincA
Eotpn? Ltvaa rERcEtRo LIvBo TERCEIRO EDIPRO

obedece, sendo o que manda o músico que delas se servê. basta para resolver o assunto de modo claro. Mas, sendo
Vô-se, desta discussão. se a virtude do bom cidadâo e diÍe- rs várias as formas de governo, é também preciso que haja
rente da do homem de bem, como ela ó a mesma, ou em quê várias espécies de cidadãos; e isso é tanto mais verdade no
difere que se reÍere aos cidadàos considerados súditos. Em certa
espécie de governo, o artesão e o mercenário serão cidadãos
forçosamente, ao passo que isso será impossível em outra,
Cnpíruln lll 20 como no governo aristocrático, no qual as dignidades só se
§ 1. Resta ainda uma dúvida a ser resolvida no que se re- dáo à virtudê e ao mérito; porque não é possível praticar-se a
fere ao cidadão. Definimos o cidadão como sendo aquele que virtude, quando se leva a vida de um artesáo ou de um mer-
35 tem direito de acesso às magistraturas. Devem-se incluir os cenário.
artesáos no número dos cidadãos? Devendo-se admiti-los,
§ 4. Nos governos oligárquicos náo é possível a um mer-
embora eles nâo tenharn direito às magistraturas, já não será cenário tornar-se cidadão, já que ele náo tem acesso às ma-
possível que a virtude de todo o cidadão seja a mesma, pois gistraturas ainda mesmo quando o censo seja elevado; mas
que o artesão se toína cidadão; se os artesãos não podem 25 um artesão pode sê-lo, porque há muitos artesãos que são
ser cidadãos, em que classe devem ser classificados, já que ricos. Havia em Tebas uma lei que excluía das funções públi-
não sáo nem domiciliados nem estrangeiros? Ou diremos en- cas quem quer que náo tivesse cessado, dez anos antes,
l2TBa tão que nada existe de extraordinário nesta disposiçâo. qualquer Eênero de comércio. Mas em vários governos, a lei
visto que os escravos e os forros nâo mais estarão nas clas- chega ao ponto de conceder a estrangeiros o título de cida-
ses que acabamos de citar? dão. Há Estados democráticos nns quais essa honra é con-
§ 2. O que há de verdadeiro é que não é preciso elevar ao cedida ao filho de uma cidadá.
grau de cidadâo aqueles dos quais a cidade necessita para 30 § 5. O mesmo acontece entre vários povos com relaçáo
existir. Assim as crianças não serão cidadãos do mesmo aos bastardos; contudo, só à falta de verdadeiros e legÍtimos
modo que os homens feitos; estes o são em um sentido ah:so- cidadãos é que se lhes dá esse título. A lei emprega esse
s luto, aquelas em esperança. Sem dúvida são cidadãos, mas recurso para remediar a falta de homens" Mas, uma vêz que
imperfeitamente. Tambóm, nos tempos antigos, certos povos a populaçáo cresce, vai-se cortando aos poucos, começando
consideravarn os artesãos como êscra\1os ou estrangeiros, e pelos Íilhos de pai e mãe escravos, depois por aqueles cuja
é por isso que ainda hoje a maior parte dos artesãos ÕomÕ mãe é escrava; por fim só é concedido o direito de cidadão
tais é considerada. O que há de certo ó que a cidade modelo 35 aos filhos de pai e mãe cidadáos.
não deverá jamais admitir o artesão no número dos seus
cidadãos. Se não o admitir, então será possível dizer que a § 6. Por aí se vê, pois, que há várias espécies de cida-
virtude políticael de que falamos nâo pertence a todo o cida- dãos, que esse título pertence, principalmente, àqueles que
to dão, mas somênte ao homem livre - e sim dir-se-á que ela tomam parte nos serviços públicos, como diz Homero:
pertence a todos aqueles que não têm necessidade de traba- Como um estrangeiro isento de hanrarias...e2
lhar para viver. Com eÍeito, aquele que é excluído dos serviços é verda-
§ 3. Ora, aqueles que sáo obrigados a trabalhar para o deiramente estrangeiío e, em qualquer parte onde se escon-
serviço de uma pessoa são escravo§, e os que trabalham da essa distinção política, tal se Íaz para enganar os que ha-
parâ o público sào artesãos e mercenários. De onde facilmen- +o bitam a mesma cidade.
te se veriÍica, com um pouco de reÍlexâo, qual ó a condiÇão 12TBb Esta discussâo faz ver se a virtude do bom cidadáo é a
dessas diversas classes" A própria ação, uma vez anunciada, mesma do homem de bem; mostra ao mesmo lempo que em

91. Saber obedecer e mandar 92. llíada. s. Xl, v. 648.


90 ARISTÓTELES A PoLiflca 9t
EDIPRO LtvRo rÉÊcÊtÊo Ltvqo rERcEtRo EaPno

cêrtos Estados o bom cidadão e o homem de bem constituem § 4. E fácil distinguir as diÍerentes espécies de autoridade
uma só pessoa; em outros eles se separam: e que os indiví- das quais queremos falar aqui; aliás, tratamos freqüentemente
duos em geral náo são cidadãos, mas apenâs os homens esta matéria nas obras que já publicamos. Embora aquele que
polÍticos que, sós ou em companhia de outros, sâo ou podem a natureza fez escravo e o que ela Íez senhor tenham o mes-
s ser senhores dos inleresses comuns da cidade. 35 mo interesse, não é menos verdade que a autoridade do se-
nhor tem por primeiro objeto o interesse do senhor, e por obje-
to secundário o interesse do escravo; porque, sem escravo, é
Capírulo lV impossÍvel que a autoridade do senhor continue existindo.
§ 1. Uma vez âpresentados os princípios corno bases, á § 5. Quanto à autoridade que rege uma mulher, os Íilhos,
preciso examinar se convám admitir uma ou várias organiza- uma família inteira, e que chamamos doméstica, tem por ob-
çÕes poiÍiicas, e, no caso de haver diversas, qual o seu nú- jeto o interesse dos administrados e o do senhor que os go-
mero, a sua natureza e as diÍerenÇas existentes entre elas. A verna. Esta autoridade, por si mesma e em si, ocupa-se do
constituiçâo de um Estado é a organizaçáo regular de todas ao interesse dos que obedecem, como acontece em outras ar-
10 as magistraturas, principalmente da magistratura que é se- i2zea tes, tais como a medicina e a ginástica. No entanto, ela pode
nhora e soberana r1e tudo. Em toda parte o governo do Esta- acidentaimente voltar-se também em benefício do senhor.
dc é soberano. A propria constituiÇão é o governo" Quero Porque nada impede que o ginasta se misture ele próprio, às
dizer que nas demccracias, por exemplo, é o povo que é so- vezes, aos jovens que exercita; assim o piloto é sempre um
berano. Ao conlrário, na oligarquia, é um pequenô número de dos homens da equipagem. O ginasta e o piloto têm em vista,
homens. Também, diz-se que essas duas constituiÇÕes são s pois, o inieresse daqueles a quem dirigern, e quando a eles
ts diferentes. Raciocinaremos do mesmo modo sobre as outras se misturam, tomam parte acidentalmente nos exercícios
espécies de governos. comuns; um se torna simples marinheiro, o outro se transfor-
ma ern aluno embora seja mestre.
§ 2. Em primeiro lugar, é preciso tomar por base deste
exame o escopo ou o Íim da sociedade civil, e o número das § 6. Eis por que, nos poderes políticos, desde que a cida-
diferentes autoridades que governam os homens e que os de se funde na igualdade e na perfeita semelhança dos cida-
fazem viver em sociedade, Já dissemos no início deste trata- ro dãos, cada qual pretende ter o direito de exercer a autoridade
do, definindo a economia doméstica e a autoridade do se- por sua vez. Antes de tudo, isto é uma coisa natural; todos
eo nhor, que o homem á um animal destinado por natureza a vêem um direito nesta alternativa, e concedem a outro o poder
viver em sociedade: também, mesmo não necessitando do de garantir os seus interesses, como eles próprios Earantiram
auxílio dos seus semelhantes, ele deseja viver em sociedade. o deles. Mas hoje os grandes beneÍícios que lhes proporcio-
nam o poder e a direÇào dos negócios em geral, inspiram-lhes
§ 3" Por outra, o interesse geral reúne os homens, pelo ts o desejo de os reter perpetuamente, como se a continuidade
menos enquanto dessa união possa resultar a cada um uma do poder pudesse dar a saúdÊ aos magistrados que estão
parte de felicidade. Tal é, pois, o Íim principal que eles se atacados de doenças crônicas; porque então eles teriam talvez
propôem comum ou individualmente. Algumas vezes, tam- um motivo para ambicionar os cargos e as dignidades.
zs bém, á unicamente para viver juntos que eles se reúnem e
estreitam os laços da sociedade política. Porque talvez haja § 7. E pois evidente que todas as constituições que se pro-
põem à utiiidade geral são essencialmente justas, e todas as
um pouco de felicidade no próprio fato de viver assim, sempre
20 que só têm em vista o interesse particular dos magistrados
que a vida nâo seja sobrecarregada de males demasiado
são falhas, sendo todas desvios das constituições justas; tal é
difíceis de suportar. CI que há de certo é que a maioria dos a autoridade do senhor sobre o escravo, ao passo que a ci-
homens suporta muitos males devido ao seu agarramento à
dade é a associaçáo dos homens livres. Segundo os princípios
oo vida, üomo se ela encerrasse em si própria uma doçura e um que apresentamos, resta-nos examinar as diferentes constitui-
encanto naturais.
çÕes, sua natureza e número, e. primeiramente, comecemos
92 ABlsróTíLES A PoLIficA 93
EDTPRa LIvRa TERCEIfrO LrvRorERcEtBa Eotpao

2s pelo exame das boas constituiÇões. Uma vez que elas este' 10 governos se ocupa de interesse geral. Mas é preciso parar
jam bem definidas, será Íácil saber quais sáo as constituiÇões aqui algum tempo mais para dizer qual é o caráter de cada um
corrompidas. desses governo§ - e essa dupla tarefa não está isenta de diÍi-
culdade. Em toda espécie de investigaçâo, aquele que apro-
Íunda o assunto filosoficamente, êm vez de o considerar so-
Cnpírulo V 15 mente do ponto de vista prático, adquire o hábito de nada des-
prezar ou omitir, mas mostrar a verdade em tudo.
§ 1. Visto que as palavras constituiçáo e governo signiÍi-
cam â mesma coisa, visto que o governo é autoridade su- § 5. A tirania, temos dito, é uma monarquia que exerce um
prema nos Estados e que forçosamente esta autoridade su- poder despotico na sociedade política: a oligarquia torna se-
prema deve repousar nas mãos de um sÓ, ou de vários' ou de nhores do governo os que possuem Íortuna; a democracia, ao
uma multidáo, segue-se que desde que um sÓ. ou vários. ou contrário, dá o poder não aos que adquiriram grandes rique-
a multidão usem da autoridade com vistas ao interesse geral, zas, mas aos pobres. Uma primeira dificuldade vem da sua
so a constituição é pura e sá, Íorçosamente; ao contrário, se se própria definiçáo: poderia acontecer que a maioria, composta
governa com vistas ao inleresse particuiar, isto é, ao interes- de ricos, fosse senhora do Estado; ora, há democracia quando
áe de um só, ou de vários, ou da multidào, a constituiçáo é a multidáo manda. Do mesmo modo, poderia acontecer que os
viciada e corrompida; porque de duas coisas uma: é preciso pobres. menos numerosos que os ricos. mas fortes, se asse-
declarar que os ciejadãos não participam do interesse geral, nhoreassem do Estado; no entanto, desde que é um pequeno
ou dele participam. número que manda, diz-se que há oligarquia. Pareceria, pois,
que as definiçoes desses governos nâo são justas.
§ 2. Entre os Estados dá-se comumente o nome de rea-
ss leza àquele que tem por objetivo o interesse gera{; e o gover- § 6. Se, por outro lado, combinando as condições de ri-
no de um reduzido número de homens, ou de vários, contanto queza e minoria, pobreza e maioria, se estabelecem nesta
que nâo o sela de um só, chama-se aristocracia - seja por- base as denominações dos governos, chamando oligarquia
que a autoridade estela nas máos de diversas pessoas de aquela na qual os ricos, em minoria, exercem as magistratu-
bem, seja porque tais pessoas dela fazem uso para o maior ras, e democracia aquela na qual o poder se coloca nas mãos
bem do Estado. Finalmente, quando a multidão Eoverna no dos pobres, que formam a maioria, apresenta-se ainda outra
sentido do interesse Eeral, dá-se â esse governÕ o nome de dificuldade. Que nome daremos aos governos dos quais aca-
república, que e comum a todos os goverllos. bamos de Íalar, aquele no qual os ricos, em maioria, e o em
40 que os pobres, em minoria, sáo uns e outros senhores do
§ 3. Esta denominação é Íundada em razÕes: porque ó Estado? A menos que haja outras formas de governo além
possível que um só ou muitos indlvíduos adquiram uma supe-
das que nós estabelêcemos.
rioridade nôtável em matéria de virtude: mas é difícil que a
maioria possa atingir ao mais alto grau de perfeição em todos § 7. A razão parece demonstrar-nos que a predominância
127eb os gêneros de virtude, a náo ser na virtude guerreira (porque de que acabamos de falar é acidental, tanto na oligarquia
êssa se mostra por si mesma na multidáo). E por isso que, como na democracia, porque os ricos sâo pouco numerosos
em governo, a autoridade está nas máos dos que combatem em toda a parte, e os pobres Íormam a grande maioria.
para proteger o Estado * e todos os que tôm armas partici- Assim, pois, as causas das diÍerenças que indicamos não
s pam da administraÇão dos negÓcios. 40 sáo reais: a verdadeira diÍerença entre a democracia e a oli-
§ 4. Os governos viciados sáo: a tirania para a realeza' a 1 280a garquia está na pobreza e na riqueza; é preciso que todas as
oligárquia para a aristocracia, a democracia para a república' vezes quê a riqueza ocupa o poder, com ou sem maioria,
A tirania é uma monarquia que náo tem outro objeto além do haja oligarquia; e democracía quando os pobres é que ocu-
interesse do monarca; a oligarquia só enxerga o interesse dos pam o poder. N/as acontece, como dissemos, que geralmente
rtcos; a democracia só enxerga o dos pobres' Nenhum desses os ricos constiiuem minoria e os pobres maioria; a opulência
94 ÁglsrórErss A,PoLíncA 95
E»pao LIVRa TEÊçEIR1 Ltv4o rEBcEtRo EDPRA

pertencê a alguns. mas a liberdade pertence a todos. Tal é a


§ 11. Contudo,e5 náo é somente para viver, mas para viver
causa das discórdias perpétuas entre uns e outros na ques- Íelizes, que os homens estabeleceram entre si a sociedade
táo do governo. civil; por outra, poder-se-ia dar o nome de cidade a uma as-
§ S. E preciso, primeiramenle, Írxar os limites da oligarquia sociaçáo de escravos e mesmo de outros seres animados;
e da democracia, e o que se chama justo em uma ou em não que ela não mereÇa este título, mas que os membros
10 ouira" Porque todos os homens atingem um certo grau de todos não participariam da Íelicidade. nem da faculdade de
justiça, mas não vão muito longe, e não dizem tudo o que é viver na medida dos seus desejos. A sociedade civil deixa
justo, própria e aL:solutamente falando. Por exemplo, parece de ter por fim uma aliança oÍensiva e defensiva para colocar
que a igualdade seja justiça, e o é. com efeito; mas não para cada um ao abrigo da injustiça protegendo o câmbio e as
todos. e sim somente entre os iguais. A desigualdade tam- relaçÕes de comércio. Porque então os habitantes de Tirre-
bém parece ser, e ô é com efeito, mas não para todos; só o é no,'o os cartagineses e todos os povos que se unêm por tra-
entre aqueles quê náo são iguais. Surge esta distinção sem tados de comércio deveriam ser considerados cidadãos de
t3 se perguntar para que, e dela se julga muito mal. lsso resulta um só e mesmo Estado, pois que sáo ligados por convençÕes
do fato de ser por si próprio que se julga, ê quase sempre se sobre importações, por tratados que os protegêm das violên-
é mau juiz em causâ própria. cias, e por alianças eujas condiçÕes foram estipuladas por
40 escrito. Aliás eles nâo têm magistraturas comuns para todos
§ 9. Segue-se que, quando o que é justo para certas pes- 1 280b os interesses; uns as têm de uma espécie, outros de outra;
soas tenha sido determinado com igual precisáo sob as rela-
uns não se importam absolutamente com o modo pelo qual
çÕes das coisas e sob a relação das pessoas, como já o dis- os outros operam; nem procuram saber se algum dos cida-
semos no nosso tratado de ática,e3 talvez se concordará com
dãos compreendidos nos trabalhos e injusto em sua conduta
a igualdade no que se relaciona à coisa; mas será contestada privada ou dado a qualquer vício. A única coisa que os preo-
com â igualdade no que se refere à pessoa, exatamente pela
cupa é que um povo não faça a outro qualquer injustiça. To-
razão que acabamos de dar, isto é, porque se julga mal em
dos que sonham fa.zer boas leis so atendem à virtude ou à
causa própria; e também porque, cada um por seu turno di-
corrupção política. E claro quê a virtude deve ser o primeiro
zendo o que é justo atá um certo ponto, imagina-se que o que
cuidado de um Estado, quando ele quer merecer este título,
diz é absolutamente justo. Porque uns, não sendo iguais eln
em lugar de só levar dele o nome. De outro modo, a associa-
certos aspectos, em fortuna, por exemplo, julgam que náo o
sáo em qualquer outro aspecto; e os outros, por serem iguais ção política se transÍorma em aliança militar dos povos aÍas-
1o tados, dela só diferindo pela unidade do lugar, e daí passa a
em alguma coisa, por exemplo em matéria de liberdade, con-
lei a ser,uma simples convenção; á, como disse o sofista
vencem-se que o são em tudo; mas de ambas as partes não
Licofron," uma garantia mútua para todos os direitos, mas
se diz o mais essencial.ea
§ 10" Se a sociedade e a comunidade tivessem por único
objetivo acumular Íortuna, os associados só deveriam ter no 95. Estê parágraÍo é o mais difícil de todo o tratado da potítica. só há uma frase princi-
pal, que comêÇa por estas palavras: "É evidente que...,,, seguindo-se quatro propo-
Estado uma parte proporcional ao seu capital, e nesse caso o siçÕes condicionais e uma porção de proposiçôes subordinàdas antes e depois da
raciocínio dos partidários da oligarquia parecería ter a maioria. proposição principal, com uma sobrecarga de dois parênteses. sendo que o segun-
Não é justo, efetivamente, que o que só tenha posto urna mina do náo contém menos de dez linhas na ediçáo de Leipzig. É impossível traduzi-lo
na sociedade, tenha, sobre cern minas, uma parte igual ao que literalmente e de um modo inteligível: seria preciso desfígurar o texto. suprimir os
duplos parênteses, mudar as suposiçÕes em fatôs solidamente Íirmados e deles ti-
fornece o resto da importância, tanto para a constituiçáo do rar as mê§mas conclusÕes com os mesmos resultados. preciso se tomava dar to-
patrimônio como para o recebimento dos juros. das essas explicaçôes ao leitor.
96. A Etrúria ou Toscana, hoje. Parece que. no tempo de Aristóteles, os cartagineses
haviam Íirmado tratados de aliança e comércio com os etruscos.
93. Ver a Etical" V. c. lll. 97. Aristótêles menciona ainda esse Licofron no seu rgefutações sofísticas (em c/ássl
94. A justiça. este livro. c" Vll-l cos Edrpro - sexto tratado do Organon), l, l, c, XV, e na õua Retorrcal, lli, c. 1 j 1.
96 An$róTELES A POL|TICA
EDtPRo Lrvqo rEBcE/F.a LIVRo TERcÊIfro EDrPno

não urna garantia capaz de tornar os próprios cidadâos bons e povoados associados para gozarem em conjunto uma vida
virtuosos. perÍeitamente feliz e independente. Mas bem viver,. segundo
§ 12. Eis o que prova claramente que assim acontece: se, o nas§o modo de pensar, é viver Íeliz e virtuoso. E preciso,
pelo pensamento, se reunissem as localidades diversas em pois, admitir em princípio que as açôes honestas e virtuosas,
uma só, se, por exemplo, se encerrâssem dentro de uma sÓ s e não só a vida comum, sáo o escopo da sociedade política.
rs muralha as cidades de Megara e Corinto, náo se faria, com § 15. Assim, mais importam ao Estado aqueles que melhor
isso, uma só cidade, ainda que se desse aos hahritantes o contribuem para formar uma tal associação, que os que, iguais
direito de se unirem por casamento, assim contraindo os la- ou superiores aos outros em liberdade e em nascimento, são
Ços mais estreitos da sociedade civil; o mêsmo acontece, desiguais em virtude políiica, ou ainda os que têm mais fortuna
ainda, se se supôe que os homens sejam separados uns dos 10 e menos virtude. lsto prova que os que discutem as diversas
outros, mas no entanto bastante aproximados para ter comuni- formas de governo só dizem uma parte da verdade.
cações entre si; que eles tenharn leis que os obriguem a náo
zo se prejudicar absolutamente uns aos outros nos negÓcios e
nos preços, um sendo carpinteiro, outro lavrador, outro sapa- Cnpírulo Vl
teiro; que sejam em número de dez mil, e que nada tenham
de comum entre si além do câmbio e de uma aliança deÍensi- § 1. h/as qual será o soberano do Estadc? Esta é uma
questão diÍícil de resolver. Porque há de ser a multidão. os
va em caso de ataque: isso ainda náo será uma cidade.
ricos ou os homens famosos por seu talento e virtude, ou ape-
§ 13. E por que razáo? No entanto, não é porque os laços nas um homem que será o mais virtuoso de todos, ou ainda
es da sociedade náo sejarn bem apertados. Se a natureza dessa um tirano? Todas essas questões parecem apresentar as
reunião é tal que cada qual julgue a sua casa como uma ci- ls mesmas diÍiculdades. O quê! Os pobres, porque sejam em
dade, e que a união não passe de uma liga para repelir a in- maioria, padem usurpar os bens dos ricos? Não é isso uma
justiça e a violência, não se pode dar-lhe o nome de cidade, injustiça? Nâo, certamênte, dirão, porque o soberano, por
quando é olhada de perto, visto que essa reuniâo se asseme- - que era justiça. Então que nome se deve dar ao
Zeus, achou
so lha a uma separação. Fica provado, pois. claramente, que o últirno grau da injustiça? Tomemos todos'os cidadãos em
que constitui a cidade não é o fato de habitarem os homens massa; se, por sua \rez, uma segunda maioria vier usurpar os
os mesmos lugares, nâo se prejudicarem uns aos ouiros e bens da minoria, é claro que isso trará a destruição da cida-
terem relações comerciais - embora tais condições sejam eo de. H no entanto, a virtude ao menos nâo destroi aquele que
necessárias para que a cidade exista; mas, por si sós, elas a possui, a justiça não é um princípio de destruiÇão rjr: Esta-
nâo Íazem o caracteríslico essencial da cidade. A única asso- do. Fica provado, pois, que esta pretendida lei do soberano
es ciação que forma uma cidade é a que faz participarem as jamais poderia ser justa.
famílias e os seus descendentes da felicidade de uma vida
independente, perfeitamente ao abrigo da miséria.
§ 2. §eria preciso também, pela mesma conseqüência,
que todas as açÕes do tirano Íossem iustas. Sabe-se, no en-
§ 14. Contudo, essa Íelicidade não será conseguida se não tanto, que ele abusa da Íorça para empregar a violência.
habitarenn os homens um só e único lugar, e se náo se recor- como acontecê com a multidão em relação aos ricos. Mas,
rer aos casamentos. E eis aí o que originou, nos Estados, as zs então, será justo que a minoria e os ricos tenham o poder?
alianÇas de Íamílias, as Íratrias, os sacriÍÍcios comuns e os No entanto, se eles operâm do mesmo modo, se eles saquei-
divertimentos que acompanham tais reuniões. Todas es§a§ am a multidão e lhe roubam os haveres, será isso iustiça?
instituiÇôes sáo obra de uma benevolência mútua. É a amiza- Então também seria justiça do cutro lado. Vê-se que tudo é
de que conduz os homens à vida social. O escopo do Estado vicioso e injusto de uma e outra parte.
so é a Íelicidade na vida. Todas essas instituiçÕes têm por Íim a
§ 3. Mas, deverão os homens superiores mandar e ser se-
rzata felicidade. A cidade é uma reuniâo de famílias e pequenos so nhores de tudo? §erá preciso, nessê caso, que os outros so-
A Poúnca 99
Ltvqo rÊFcEtRa Eap4a
fram uma espécie de- degradação. pois que náo gozarào
regalias ligadas às funçôes púOticas; porque consideramos
das l\das nada impede que, relativamente a tal multidão. nossa
também as magistraturaà como regalias, iánuã observação seja justa.
**àói* ,*
mesmas pessoas que se encontram no poder, " é forçoso que § 6. Ela pode servir tambám para resolver a primeira ques-
3s os.outros se privem de tais regalias. pode tâo que foi apresentada e a que a ela se liga imediatamente;
ser, Oiraà,.Àuá soO
todos os pontos de vista seja um mal confiar ; qual deve ser a autoridade dos homens livres e da massa dos
homem só, sempre sujeito ài paixoes próprias üàJ;; ,, zs cidadáos, isto é, daqueles que não são nem ricos nem distin-
da sua nitrr"-
za, em vez de o confiar à lei. Mas. sendo a tei guidos por seu talento ou por sua virtude? Dar-lhes acesso às
oligÀrqri"" ou
de,mocrática, que se ganhará em presenÇa magistraturas mais importantes não é seguro; deve-se temer
de todas essas
dificuldades? Sempre tórnarão a sêr as mesmas. que eles cametam injustrças por falta de probidade, ou erros
por Íalta de luzes. Por outro lado, há perigo em excluí-los de
§ 4. Falarem^os, além disso, dos outros casos que podem
40 se apresentar. Deve-se entregar a soberania todos os cargos. Todo Estado onde a nrultidão é pobre e sem
preferência aos homens maíí eminentes,
à multid',ãà, de so qualquer regalia, deve forçosamente andar repleto de inimi-
sempr" Ãinr_ gos. Resta, pois, dar à multidão uma parte nas deliberaçôes
ria? Esta soluçâo do p.roblema apresenta ainda'alguni "* *ÁOu públicas e nos julgamentos.
raÇos, mas talvez também encerre a verdade.
resro síyel que os que formam a multidáo,
foique á por_
embora nao sãja JaOa § 7. E por isso que Solon e alguns outros legisladores man-
um deles um homem. superior, prevaleçam, qu"nJo dam que essa classe de cidadãos seja encarregada de eleger
Ãurioo".
sobre os homens mais eminentes, náo-coro'ináirCIu;;,
;r" os magistrados e obrigá-los a prestar contas da sua gestáo,
como massa (do mesmo modo quê os banquetes s5 §eÍn contudo permitir aos indivíduos ô acesso às magistratu-
de despe_
sas comuns sáo mais belos que aqueles cuja despesa ras. Reunidos em assembléia geral, todos eles têm uma inteli-
e paga
por uma única pessoa). Cada indivíduo, á, gência suÍiciente; uma vez que sejarn misturados a homens de
u ,*"-Ãrftüao,
l"T a sua parte de prudência e virtude. Da reunião úâur". mais talento e virtude, prestam serviços ao Estado. É assim
indivíduos Íaz-se, po.r assim dizer, um só homeà que os alimentos impuros, misturados a alimentos sâos, forne-
uma infinidade de pós, mãos e sentidos. o mesmJ
q*in*roi
acà;àr" cem uma alimentaçao mais nutritiva que se a quantidade dos
em relação aos cosrumes e. à intetigência. ai primeiros tivesse sido aumentada. Mas, tomado à parte. cada
ástá-pãi ôr" ,
multidâo jurga merhor as obras doã músicor cidadáo desta classe é incapaz de julgar"
porque um aprecia uma parte, outro
* oou- pJ"tu.;
outra, e todos reunidos § 8. No entanto, pode-se fazer a este sistema político uma
ío apreciam o conjunto. +o primeira obleçáo e perguntar se, tratando-se de apreciar o
§ 5. O homem eminente difere do indívíduo tÍrado da mul_ mérito de um tralamenlo médico, nâo será preciso recorrer
tidão como a beleza difere da fealdade, ,rro àquele que mais se encontra em condiÇÕes de cuidar e curar
obra-príma de arte, difere da realidade; áfu tá,
,, qraOro, 1282a o enÍermo, isto é, o médico. O rnesmo âcontece em todos os
de reunir, em um só objeto, o conjunto das formas
;;;ü;;, outros casos que exigem artê e experiência. Se, pois, é a
belas es_
15 par§as na natureza" visto que dos seres isolados médicos que urn médico deve prestar contas, é precisr: tam-
que têm os othos mais belos que os poderia alguns há
,upráJãntá, o bém que nas outras proÍissões cada qual seja julgado por
pincel, ou qualq.uer outra parte do corpo seus pares. Médico signiÍica ao mêsmo tempo o prático, de-
mais atraente que
o é no quadro. E verdade qug em qr"rô'r"i pois o teórico, e em terceiro lugar todo homem instruído na
e em qualquer espécre de multidão, a diierença
ãá'p"lr",
"rpe"l" á ilufti_ arte da medicina. O mesmo se pode dizer de quasts todas as
dâo e o pequeno número de homens distintbs"nti"
é ;*;;;; 5 outras artes; concedemos o direito de julgar ao ter:rico da
mesma? lsto é incerto, talvez mesmo aconteÇa que
se possa" mesma Íorma que ao prático.
aÍirmar, por Zeus. ser impossíver. o mesmo
raciocínio se
:o poderia aplicar também aos animais. Com eÍeiio, qrã § 9. Enn segundo lugar poder-se-ia, parêce, aplicar o
áit*"n mesmo raciocínio às eleições;.poíque uma boa escolha só é
ça existe, por assim dizer, entre certos homens b animaisf possível àqueles que sabem. E aos que conhecem a Eeome-
100 Aarcrótercs
EDtPRo LtvRa rERcEtRo

10 tria, por exemplo, que compete escolher um geômetra, e aos 40 quê constitui o povo, o senado e o tribunal' Além disso' a
marinheiros cabe escolher o piloto. Os ignorantes podem renda de todos é superior à de cada indivíduo tomado à par-
combinar, por vezes, certos trabalhos, mas não o Íazem me- te, ou do psqueno número daqueles que exercem as grandes
lhor que os que o conhecem. Náo seria preciso, pois, conce- magistraturas.
der à multidáo o direito de eleger os magistrados nem de lhes 1282b § 13. Eis aí tudo que temos a dizer de preciso sobre este
exigir contas da sua administraçâo. assunto. Mas a primeira questão que tratamos demonstra,
15 § 10. Ii,{as pode ser também que este raciocínio nâo seja sobretudo, quê ⧠leis verdadeiramente boas e úteis devem
muito justo, pelo motivo que indicamos anteriormente, a não ser soberanas. e que o magistrado (seja um Õu vários ho-
ser que se conceba uma multidão completamente embruteci- s mens) sÓ deve ser soberano nos ca§o§ em que as leis náo se
da. Porque cada um dos indivÍduos que a compôe será, sem possam explicar de um modo claro, porque náo é fácil resol-
dúvida. pior juiz que os entendidos; mas, reunidos, julgarão ver claramente, de um modo geral, sobre todos os assuntos'
melhor, ou, pelo menos, não julgaráo pior. Aliás, há coisas Aliás, náo se sabe ainda quais devem ser a§ leis verdadeira-
das quais o melhor juiz não é aquele que as Íaz. Aprecia-se o mente boas e úteis, e esta questão permanece sempre inde-
produto de certas artes sem delas se conhecer a prática. Não cisa. E necessário que às leis sigam os governos; boas ou
compete somente ao arquiteto que construiu uma casa apre- to más, justas ou injustas, corno eles prÓprios o sejam" 'À única
ciar-lhe o conÍorto, mas o que dela se serve o julgará melhor coisa clara é que as leis devem ser sobretudo de acordo com
ainda; esse é o cheÍe da família. O piloto julgará melhor de o governo, e uma vez Íirmado este prrncÍpio, ó natural que os
um leme que o carpinteiro, e a delicadeza de um repasto.será bonsgovernospossuamleisjustas,eosgovernoscorronrpi.
melhor apreciada por um conviva que pelo cozinheiro. E as- dos tenham leis inlustas.
sim, talvez, que poderia ser resolvida de um modo satisfatório
a objeçâo apresentada.
Capírulo Vll
§ 1Í" Eis aqui uma outra dificuldade que se prende à
é um
mesma objeção: é que parece estranho que homens da últi- § 1. Em todas as ciências e em todas as artes o alvo
ma classe sejam investidos de um poder maior que os cida- ts bern; e o maior dos bens acha-se principalmente naquela
dáos, por seu talento e por suas virtudes. Ora, o exame das dentre todas as ciências que é a mais elevada; ora, es§a
contas e a escolha das magistraturas constituem o maior de ciência é a política, e o bem em política é a jusiiça, isto é, a
todos os poderes e, como dissemos, alguns governos o con- utilidade geial. Pensam os homens que a iustiça é uma espé-
cedem às classes inferiores, que o exercem de um modo cie de igualdade e concordam, até um certü ponto' com os
soberano na assembléia pública. No entanto, para ser admiti- zo princípioi filosóficos que êxpusemos em no§so tratado de
do nessa assembléia, para deliberar e julgar não é preciso, ótica."Nele explicamos o que é a justiça, e a que ela se aplica;
por assim dizer, um rendimento muito considerável, nem há e dissemos que a igualdade não admite diferenÇa alguma
limite de idade, enquanto para administrar os dinheiros públi- entre aqueles que sáo iguais. Mas não se deve continuar na
cos, comandar os exércitos e exercer as magistraturas mais ignorância Oo iue seiaà a igualdade e a ciesigualdade' E,
importantes, é preciso um sentimento elevado. comeÍeito,umassuntoumtantoobscuro,queinteressaà
filosofia política.
§ 12. Pode-se resolver a dificuidade do mesmo modo, e
talvez a ordem das coisas seja bem estabelecida" Porque o § 2. Talvez, dirão, seja preciso que a$ magistraturas não
soberano não é um juiz, um senador, ou um membro da as- se lepartam igualmente, e sim na proporção da superioridade
sembléia, mas o tribunal, o senado e o povo. Cada indivíduo zs dos homens em todo o gênero de mérito, mesmo que no mais
nâo é mais que uma parte desses três corpos; entendo por não haja diferença algúma entre eles' Com eÍeito, havendo
uma parte cada senador, cada cidadáo, cada juiz. E justo, uma diíerenÇa, o direito substitui o márito. Mas se tal é a ver-
pois, que a multidáo tenha um poder maior, visto que é ela dade, aqueles
'Írescuraque têm sobre os outros uma vantagem qual-
quêr, a da cútis, por exemplo, ou a elegâni;ia do
rl

103
102 ABISTÓTELES A PoLiflcA
EDtPRo
EDtPBo LIvRo TEBcEIRo Ltv*o TEBCEICI

30 talhe, devem gozar também de direitos polÍticos mais exten- § 6. Por outro lado, se rá preciso que um Estado tenha ci-
sos. Aqui o erro é muito notório? Náo o será menos relativa- :o dadãos dessa clas§e, á claro que ele necessita também de
mente a ciências e talentos de outro gênero. Quando vários justiça e de virtude guerreira, sem o que não pode ser bem
tocadores de Ílauta têm um rnérito igual, não é aos mais no- administrado; porque, se as primeiras condiçÕes sãr: neces-
bres que se devem dar as melhores flautas, porque eles não sárias à sua existência, as outrâs não o sáo menos à sua boa
as as tocarão melhor; ao mais hábil é que se deve dar o melhor adminrstraÇão. Todos esses elementos, ou pelo menos al-
instrumento. guns, parecem disputaí-§e, a justo título, a vida da cidade;
§ 3. Se ainda não se compreende claramente o que eu ,u á,u* quanto à sua felicidade, é a educação e a virtude que
quero dizer, talvez se compreenda melhor seguindo este ra- deveráo disputá-la com mais justiça, como foi dito acima'
que sâo iguais
ciocínio. Suponho que um homem superior na arte de tocar § 7. Demais, não sendo necessário que Õ§
flauta seja inÍerior a outro quanto à nobreza ou beleza. Embo- ou desiEuais aos outros (exceto Êm um sÓ ponto) seiam
ra qualquer desses atributos seja mais precioso que o talento igualmente repartidos por toda espécie de coisas, todos os
40 de tocar flauta, e que sob esses dois aspectos ele antes ceda governos que estabelecem sobre esta base a igualdade ea
aos seus rivais que os supere pelo talento, é a ele coniudo, ãesigualdade devem forçosamente ser corrompidos" Disse-
12s3a que se devem dar as melhores flautas; de outro modo seria mos anteriormente que todos os cidadáos têm razáo de crer
querer que contribuíssem para a boa execução musical a 30 que possuem direitos, mas nâo direitos semprÊ absolutos; dir-
superioridade da Íortuna e do nascimento, que no entanto se-ia que os ricos, porque possuem mais extensáo territarial
para ela nada contribuem. (mas o território é um bem comum), inspiram geralmente
§ 4. Aliás, seEundo esse método de raciocinar, todos os mais conÍianÇa nas transaçÕes comerciais, os nobres e os
gêneros de superioridade seriam comparáveis entre si: se a homens livres, classes vizinhas uma da outra' por serem ci-
s êstatura de tal homem superasse a de um outro, em geral es dadáos mais perieitos que os que não possuem título de no-
a estatura poderia ser compârada à Íortuna e à liberdade. breza {com efeito, a nobreza é aoatada entre todos os povos)'
Assim, se um tem superioridade em estatura e outro em vir- Depois,porqueénaturalqueosfilhosdosmelhorescidadâos
tude, e se a estatura é mais considerada que a virtude, todos sejam mais generosos, se é fato que a nobreza manda"
pode
os objetos poderão ser postos em paralelo. Com efeito, se tal § 8. Do mesmo modo diremos que a virtude também
grandeza ultrapassa uma outra, é claro que bastará reduzi-la reclamar seus direito§: - porque podemos afirmar que a lusti-
para que ambas se igualem. co ça é uma virtude social, que forçosamente arrasta consigo
10 § 5. Ora, como isso é impossível, é com razão que em ma-
todas as outras. Finalmente, a maioria tarnbém tem exigências
téria de direitos polÍticos não se consideram todas as espéci- a impor à minoria; porque, se for tomada englobadamente'
es de desigualdades, quando há contestaçáo quanto às ma- tzaeu ela tem comparativamente mais força, mais riqueza' Se' pois
gistraturas. Porque, §e uns sáo lentos e outros lestos na cor- se supÕem reunidos em umâ mesma cidade, de um iado to-
rida, não é esta uma razào para que se concedam mais bene- dos os homens insignes, todos os ricos e nobres, e de outro
fícios políticos a estes que àqueles. Nos jogos ginásticos, a lado uma muitidão política que também lem seus direitos
sua superioridade receberá a consideração que merece. lVlas políticos, poderá dar-se o caso de uma disputa para saber
aqui as qualidades essenciais à sociedade política devem quem deve ou náo exercer a autoridade?
ts Íorçosamênle ser objeto exclusivo da discussâo. Também é a § 9. Em todos os governos que temcs examinado,
não ca-
justo título que os nobres, os homens livres e os ricos aspi- r bem embaraços quanto à escolha daquele a quem deve per-
ram às dignidades; porque é bem necessário que haja num tencer o poder; porque a diÍerença das pessoas nas quais
Estado homens livres e cidadãos bastante ricos para pagar o resideasoberaniaéprecisamenteoquêasdistingueumas
censo legal, visto que não há cidade que seja Íorrnada só de das outras; aqui, por exemplo, o poder soberano está corn os
pobres, como não há que seja composta apenas de escravos. ricos;lá,como§homensinsignes,eassimpordianteem
104 Antsróretrs A PoLiTIcA
EDtpRo Lrvqa rEÊcEtRo ttvnoiiiceino EDtPRo

todos. Examinaremo§, no êntanto, como se deve resolver a guntam se o legislador que deseja dar as leis mais justas
questão quando essas diversas condiçÕes se encontram ao deve ter em vista o interesse dos melhores cidadàos, ou da
mesmo tempo. qo maioria, quando um pqvo se encontra nas circunstâticias que
acabamos de indicai.e8 Aqui a palavra "justas" refere-se, ao
10 § 10. Em primeiro lugar. se o número dos homens de bem
é muito reduzido, como sê deve tomá-lo? Sob qual aspecto mesmo tempo, ao interesse geral da cidade e ao interesse
se deve considerar o seu pequeno número? Relativamente à particular dos cidadáos. O cidadáo, êm geral, é aquele que
1284a manda e obedece, alternadamente; mas existe uma diferença
sua tarefa, examinando se eles sáo capazes de governar o
Estado, ou se o seu número, tal como é, basta para que eles conforme a natureza rja constituição: na melhor de todas é
formem por si mesrros um Estado? Mas aqui aparece uma aquele que pode e quer ao mêsmo tempo mandar e obede-
dificuldade em relaçáo a todos aqueles que têm pretensão às cer, conformando a sua vida às regras da virtude.
honras políticas. Pareceria que os que pensam que as suas
riquezas lhes dão o direito de mandar, não alegam boas ra- Capírulo Vlll
zôes. E o mesmo acontece com aqueles que reclamam essas
honras como um direito de nascimento. Porque é evidente
§ 1. Se um cidadão tem uma tal superioridade de mérito,
ou se vários cidadáos, náo muito numerosos. no entanto,
que, se um dra se apresentasse um cidadão mais rico, ele só, 5 pâra formarem por si sós uma cidade, sào de tal modo supe-
que todos os outros em conjunto, á evidente, drzemos, se- riores que náo se pÕssa comparar nem o mórito nem a inÍlu-
gundo os mesmos princípios de justiça, que só a ele perten-
ência de tal ou tais cidadáos ao mérito r:u à influência política
ceria o direito de mandar em todos" E, do mesmo modo, o dos demais, não será mais preciso considerá-los como fa-
que tivesse a superioridade de naseimento deveria superar
zendo parte da cidade. Colocá-los num pé de igualdade, a
todos os seus rivais que só tivessem para fazer valer a quali- eles que sobressaem aos outros pelo seu próprio mérito e
dade de homens livres. ro influência política, seria prejudicá-los' Parece, com efeito que
§ 1Í. Provavelmente d!r-se-á a mesma coisa nos Estados um ser desta espécie deve ser considerado um deus entre os
aristocráticos, em relação à virtude; porque, se se encontrar homens.
um homem que, por si só, seja mais virtuoso que todos os § 2. Vê-se, pois, que as leis só sáo necessárias para os
homens de bem que tomam parte no governo é ele sô" devido homens iguais por nascimento e aptidÕes; quanto aos que a tal
aos mesmos princípios de justiça, que deveria ser o senhor. ponto se àlevam acima dos outros, para esses náo há lei; eles
Suponhamos, êntretanto, que a multidão deva exercer a so- próprios sáo a sua lei. Aquele que pretendesse impor-lhes
berania por ser mais forte que a minoria. Se um só ou vários 15 Íegras cairia no ridículo; e talvez me§rno lhes assistisse o direi-
homens, mas em número menor que a massa do povo, forem to de dizer-lhes o que os leÔes de Antístenesse responderam
mais fortes que todos os outros cidadáos, a eles deverá per- às lebres que advogavâm a causa da igualdade entre os ani-
tencer a soberania, de preferôncia à multidão. mais. E por esta razão que se estabeleceu o ostracismo nos
§ 12. Ora, tudo isso parece provar que não existe justiça Estaclos democráticos, talvez mais que todos os outros zelosos
nem razão nas prerrogativas pelas quais certas classes pre- zo da igualdade. ouando um cidadáo parecia elevar-se acima dos
tendem dever mandar e todas as outras obedecer-lhes. Aque- outros por seu crádito, pela sua fortuna, pelo núrnero de ami-
les que pretendern que a virtude ou a riqueza lhes dêem o gos ou por qualquer influência política, o ostracismo o fustigava
direito de mando, a multidão poderá opor uma razão muito e afastava da cidade por urn tempo determinado'
lusta: nada impede que a multidáo seja melhor e mais rica
que a minoria, nâo individualmente, mas em massa.
§8. lsto ê, quando a multicláo possui mais riqueza e virtude que a rritroria de homens
§ 13. Estas considerações antecipam a resposta a uma distintos pela sua Íortuna ou pelo seu na§cimento.
questão difícil que é o objeto das pesquisas de alguns ho- 9g, Alu§áo a um apÓlogo, cujo autor foi, aparentemente. o filÓsofo Antistenes. discípulo
mens políticos, e que eles Íreqüentemente apresentam. Per- de sócrates: "As le-bres exigiam a igualdade §ntre os animais: dízem-lhes os leÕes:
tal tese devia ser sustêntada corn unhas e dênte§".
106 Antsróretes A PàLíTI?A
EervNU
EA,^-
^
Ltvno rERcEtRo LrVRo TERÇÉtRo EDtPBo

§ 3. Assim nos ensina a mitologia que Íoi por motivo aná_ pé que ultrapasse as proporÇôes do re§to do corpo, qualquer
logo que os argonautas abandonaram Héracles: Argos decla- 10 quÕ seja, aliás, a perÍeição cÕm que esse pé seja pintado; um
25 rara não poder levá-lo com os outros pÕr seu peso ultrapas construtor de navios nâo empregará uma proa ou outra parte
sar o dos demais passageiros.'oo Nem se deve crer que os qualquer de um l:arco em desproporção com o reslo; um
que censuram a tirania e o conselho de periandro a Trasíbulo corrfeu náo admitirá uma voz forte e mais belâ que todas as
tenham razão completa. Diz-se que perÍandro,0, nada res- üutras vozes do coro.
pondeu ao arauto enviado por Trasíbulo para pedir-ihe conse-
so lho, tendo-se limitado a nivelar um campo de trigo cortando § 6. Nada impede que os monarcâs operem como os ou-
tros Estados, se o fazem com a intençáio de tornar sua autori-
as espigas que se elevavam sobre as outras. O arauto nada
dade útil ao Estado que govêrnam" Assim, o raciocínio ern
compreendeu desse gesto, mas contou o fato a Trasíbulo e
quê se apÓia o ostracismo contra as superioridades reconhe-
este muito bem compreendeu que devia fazer desaparecer
cidas náo ó tCItalmente destituído de eqüidade política. Con-
todos os cidadãos que tivessem qualquer preeminência.
tudo, melhor será que o legislador, desde o início, ÊstâbeleÇa
§ 4. Náo são só os tiranos que têm interesse em Íazê-lo, a constituiÇáo de modo a não vir a precisar de um tal remé-
3s nem são eles os únicos que assim operam. O mesmo aconte_ dio. Mas se o legislador só redige em segunda máo a consti-
ce nos Estados oligárquicos e nos Estados democráticos: o tuiçáo, ele pode experimentar este meio de reforma. Náo é
ostracismo produz aproximadamente os mesmos resultados. assim que os üovernos o têm empregado: eles náo sonharam
impedindo os cidadãos de sobressair-se, e exilando-os. É as_ com o interesse geral, e o ostracismo so foi para eles uma
sim que tratam as repúblicas e as naçôes àqueles que são arma de facçâo. Vê-se, pors, que nos goveínos corrompidos
senhores da autoridade soberana, como provaram os atenien_ ele só serve o interesse particular, e só é justo sob este as-
40 ses por sua conduta em relação aos samÍanos,102 habitantes pecto; talvez se compreenda com a mesn"la clareza que ele
de Quio e aos iésbicos: consolidado que viram o seu poder, náo é absolutamente a expressão da jusiiça.
rzsru hurnilharam-nos desprezando todos os tratados. o rei dos
persas submeteu mais de uma vez os medos",03 os babilônios § 7. A cidade perfeita nos apresenta um problema bem di-
Íícil de resolver" No caso de uma superioridade manifesta-
e outros povos ainda orgulhosos da sua antiga dorninação.
mente reconhecida, não quanto às vantagens corxuns, tais
§ 5. De resto, a questâo que aqui tratamos aplica-se em como a força, a riqueza ou um grande número de partidários,
geral a todos os governos, mesmo aos bcns governos. Assim mas à virtude, que se deverá Íazet? Porque afinal não se
5 operam os que são corrompidos e só visam ao interesse par, pode dizer que haja necessidade de expulsar e banir do Es-
ticular, e do mesmo modo se conduzem os que têm em vista tado aquele que tem uma tal superioridade. Por outro lado, iá
o interesse geral. E o que se vê claramente nas outras artes e ro não se poderá submetê-lo à autoridade. Seria o me§mo que
ciências. Assim, um pintor não permitirá em seu quadro um querer mandar em Zeus e com ele repartir o poder" Assim'
pois, o único partido que resta a tomar é que todos consintam
'1
00. o navio Argos é assim chamado porque foi construido em Argos, sob a direçâo
de boa vontade, o que parêce natural, em obedecer e dar
de Argus, príncipe argiano. Transportou argonautas à córquidã. sob o comando autoridade sempre, nos fstados, aos homens rnelhores.
de Jasâo, fílho de Ero, rei de loÍcos, na Tessália, que fora destronado por pélias,
seu cunhado" chegado à altura de AÍeÍéia. na Tessália, esse maravilhoso navio
tomou a palavra e declarou que nâo podia levar Héracles devido ao seu peso êx- Çapírulo lX
cessivo. (Apolodoro. l. l. c. lX, § 19).
1 01 . Periandro, tirano de corinto, um cios sete sábios da Grécia. e Trásibulo, tirano de
s5 § 1. Talvez convenha, após esta digressào, passar aô
Mileto. viveram pelo ano de 6ü0 a.C. já
exame da realeza; incluimo-la gover-
no número dos bons
102. Encontram-se em Tucídides numeÍosos exemplos da crueldade dos atenienses nos. Vejamos, primeiramente, se o interesse de um Estado
para com ôs seus aiíados. Deve-se ler principalmente o que se refsre a Mitieno, I, ou de urn país que queira ser bem administrado é submeter-
lll, c. XXXVI. se à autoridade de um rei; se exisie outra Íorma de governo
103. Vem em Herodoto. Çirop. cap. CXCll, e Tália, cap. CL.
ao preÍerível a essa; finalmente se existem Estados aos quais
1A8 Ansróretes A PoLiTtcA
Eotpno -- LtvRa rEBcEtRo EDtPRo

ela convenha e outros aos quais nào convenha. l\ías, em de não ser legal, mas por não ser hereditária. Os oesinetas
primeiro lugar. trata-se de examinar se só existe uma realeza. es recebiam o poder ora vitalício, ora por um tempo ou fim de-
1285a ou se há diversas.
terminado. Foi assim que os mitilênios elegeram outrora Pita-
§ 2. E Íácil compreender que a realeza á múltipla e que cos para os deferrder contra os exilados, à testa dos qr-rais se
n*m sempre ela apresenta a mesma forma. A realeza, tal encontravam Antimenides e o poeta Alceu"
como existe em Esparta. parece ter por característico princi-
§ 5. Alceu atesta, em uma das suas mordazes poesias. que
s pal o ser subordinada à lei, sem ter uma autoridade absoluta. eles escolheram Fitacos por tirano. üensura-lhes o terem ele-
Mas quando o rei sai do território, ele é o cheÍe supremo de vado à tirania Pitacos, o inimigo mortal de sua pátria, o inímigo
tudo o que se reÍere à guerra. São também os reis que se de "uma cidade que absolutamente não sente a sua vergonha
pronunciam de um modo soberano sobre todas as questÕes nem o peso dos seus males", e o terem todos em conjunto
religiosas. Esta realeza é como um generalato supremo e rzaso aplaudido a sua eleiçáo" Os oesinetas, pois, eram e sào despó-
vitalício; porque o rei não tem o direitó de matar, a não ser ticos por surgirem da tirania; mas também surgem da realeza
numa única atribuiçáo do poder real, como os reis antigos aos porque sào eletivos e o sufrágio dos cidadáos é livre.
ro quais a lei dava o direito de ferir de morte, nas expédições
militares. Há disto uma prova em Homero: Agamenon supor_ § 6. Uma quarta espécie de monarquía é aquela que exis-
tava as injúrias nas assembléias gerais: mas em campanha s tia nos tempos heróicos, fundada na lei, no consentimento
ele tinha até o direito de matar. Assim dizia: dos súditos, e aÍóm disso heredilária. Os primeiros benfeilo-
res dos povos pela invenção das artes, pelo valor guerreiro
"Aquele que eu achar fora da combate, de nada the
servirá ou por terem reunido os cidadãos e lhes terem conquistado
fugir aqç.cães e aos abutres, porque eu tenho o direita de terras Íoram nomeados reis pelo iivre consentimento dos seus
morte."loo súditos, e transmitiram a realeza aos seus filhos. Eles tinham
1s § 3. Eis, aí, uma primeira espécie de realeza: um genera_ 10 o comando supremo durante a guerra, e dispunham de ludo o
lato vitalício. Eta é hereditária ou etetiva. Uma segundã espé- quê se reÍeria ao culto, com exceção das Íunçoes sacerdo-
cie de realeza se encontra entre arguns povos bárbaros. Era tais. Além disso, julgavam as causas, uns prestando o jura-
tem aproximadamente os mesmos poderes que a tirania, mas mento, outros sendo dele dispensados. A prestaçáo do lura-
ro ó legítima e hereditária. sendo os bárbaros por natureza mais mento se fazia erguendo o cetro.
servis que os gregos. e os da Ásia, além disso, mais que os
da Êuropa, suportam o poder despótico sem queixas. As rea_
§ 7. Os reis tinham, pois, nos têmpos antigos, um poder
que se estendia sem interrupção sobre todos os negócios
lezas das quais esses povos sofrem o jugo são, pois, tirâni_ ts intsrnos e externos da cidade e da nação. Mas depois, seja
cas, apesar da dupla garantia da hereditariedade e da lei. porque eles próprios tivessem abandonado umâ parte da sua
z5 Também a guarda que cerca esses monarcas é real e não
autoridade, seja porque o povo lhes tivesse tomado algumas
tirânicâ. Porque é constituÍda de cidadãos que se armam para das suas atribuiÇões, Estados houve onde so lhes deixaram o
velar pela seguranÇa do rei, ao passo que o tirano é guaràado cuidado de presidir aos sacriÍícios públicos, e outrôs onde só
por estrangeiros. Um reina legitimamente e sem constrangi_ Íhes Íicaram funçôes às quais se podem de Íato chamar reais,
mento, e outro contra a vontade dos cidadãos. A guarda de como o comando do exército quando a guerra se Íazia fora do
s0 um é íormada pelos próprios cidadãos, a do outro é armada território.
contra os cidadãos. Eis aí, pois, duas espécies de monarquia.
§ 4. Houve antigamente entre os helenos uma outra espé-
cie de reis que se chamavam oesinetas. Era, por assim dizer, Cnpírulo X
uma tirania eletiva, diferindo da dos bárbaros, nâo pelo fato 20 § 1. São, pois, em número de quatro, as diÍerentes espé-
cies de realezas: uma, a dos tempos heroicos, livrernente
104. ltíada, c. ll, v. 391 aceita mas limitada a certas atribuiçoes. Porque o rei era
110 ARlsrórrrEs A PoL|TICA 111
EDtPRo LtvRo rEBcErRo LIVR? TERCEIRO EDIPBo

general, juiz e senhor de tudo o que se referia ao culto dos te inacessível às paixôes e às moléstias é preferÍvel ao que lhes
deuses. Â segunda é a dos bárbaros; ela é absoluta, heredi- ó sujeito por natureza. A lei é inflexível; a alma humana, ao
:s tária e fundada na lei. A terceira, aquela que se chama oesi- ao contrário, está ÍorÇosamente sujeita às paixões.
netia, é uma tirania eletiva; a quarta é a de Lacedemônia; é,
para bem falar, um generalato perpétuo e hereditário. Tais § 5. Mas, dirão, o homem saberá melhor que a lei decidir
sáo os característicos que distinguem essas realezas uma sobre os casos particulares. Vê-se entào que ele se torna ao
mesmo tempo legislador, e quê haverá regra§ que não terão
das outras.
a auloridade absoluta da lei, sempre que ss afastam do seu
30 § 2. Mas existe uma quinta, na qual um único homem é espírito geral, posto que, sob outros aspectos, devem ter a
senhor de tudo, como toda nação ou todo Estado dispôe da 25 mesma autoridade. Sempre que for impossível à lei pronunciar-
coisa pública - de acordo com as regras do poder doméstico. se de um modo justo e absoluto, rnelhor será que todos os
Do mesrno modo que a administração dos bens de uma ÍamÍ- cidadãos, ou apenas os mais virtuosos dentre eles resolvam?
Iia é uma realeza doméstica, assirn a realeza é uma adminis- Hoje sáo os cidadãos reunidos em assembléia que julgam,
tração, por assim dizer, doméstica, de uma ou várias cidades deliberam, pronunciam; e todos esses lulgamentos se refe-
e naçôes. Aliás, só temos a considerar duas espécies de rem a casos particulares. Sem dúvida, cada indivíduo compa-
ss realeza: essa e a lacedemônia. As outras são como interme- rado à multidáo tem talvez menos mérito e virtude, pois a
diárias, porque neias os reís têm menos poder que na monaí- so cidade composta de uma multidáo de cidadáos tem mais
quia absoluta, e mais que na de Lacedemônia. A questào se vaior, do mesmo modo que um banquete ao qual cada um
reduz quase só ao exame desses dois pontos: será vantagem traz a sua parte é mats belo e menos simples que aquele que
ou desvantagem para os Estados terem um general inamoví- é custeado por uma só pessoa. É por rsso que, na maioria
1286a vê|, seja esse general hereditário ou eletivo? Em segundo lu- das vezes, a multidão é melhor juiz que um só indivíduo,
gar, será útil ou náo que um só homem seja senhor de tudo? quaiquer que ele seja.
§ 3. A questão de um tal generalato é mais uma questão 35 § 6. A multidáo possui ainda a vantagem de ser rnais in-
de regulamento que de constituição. Porque pode existir em corruptível. A água se adultera tanto menos facilmente quanto
todos os governos um poder desse gênero. Assim, deixemos rnaior for a suâ quantidade; do mesmo modo a multidáo é
s esta questáo, por ora. Mas a outra espécie de realeza consti- mais diÍÍcil de corromper quê o pêquenü número. Quando um
tui realmente uma forma distinta. E, pois, a realeza absoluta homem se deixa dominar pela cÓlera ou qualquer outra pai-
que precisamos examinar, lançando um rápido olhar nas difi- xáo semelhante, Íorçosamente o seu julgamento será altera-
culdades que ela apresenta. O ponto principal dessa pesqui- do; mas é bem difícil que todos ao me§mo tempo se deixem
sa á saber se é mais vantajoso ser submetido à autoridade de inÍlamar pela cóiera e seduzir pelo erro. Suponhamos urna
10 um homem perfeito ou à de leis perfeitas. multidâo de homens livres, nada faeendo que seja contrário à
§ 4" A opinião dos que encontram mais vantagem no gover- lei, exceto nos casos em que ela seja Íorçosamente falha. $e
no de um rei está baseada no iato de as leis só se exprimirem, isso não é fácil em uma grande multidáo, compondo-se essa
de urn modo geral, sem nada prescreverem para os casos multidão, entretanto, só de pessoas de bem, como homens e
particular.es. Ora, em qualquer arte, é loucura seEuir as regras 40 como cidadãos, será um só indivíduo mais incorruptível, ou a
à risca, como se faz no Egito, por exemplo, onde não se permi- reacu será mais a própria multidão, visto que todos que a compÔem
te ao médico Íazer uma prescriçáo antes do quarto dia da mo- são homens de bem? Náo é evidente que a vantagem estará
léstia; se ele opera mais cedo, é por sua própria conta. E claro, do lado da maioria? Mas. dirão, os que a compÔem são divi-
pois, pela mesma razâo, que a obediência ao pé da letra e no didos nos seus sentimentos; um homem só nào pocie sê-lo.
rs texto da Íei não faz o melhor governo. No entanto, é preciso Poder-se-ia dar por resposta que se irnaginaram os homens
que estê modo geral de agir se encontre também nos que que compÕem a multidão tão virtuo§os como o indivÍduo que
exercern o poder; e, por outro lado, aquele que é completamen- a elas se opõe.
t12 AB$róTELES A Poúnca 113
EDtPRa LtvRo rEBcÊtRo Ltv$o rERcEtBo EDtPRo

§ 7. Se se deve dar o nome de aristocracia à autoridade contra a lei, ainda assim lhe será preciso um poder suficiente
de diversos homens, todos virtuosos, e de realeza à domina- para proteger as próprias leis. Talvez não seja difícil determi-
ção de um só, segue-se que, em todos os Estados, a aristo- 3s nar o que convém a um tal rei; pois vê-se que ele deve dispor
cracia é preferível à realeza, seja a ela acrescentando o po- da forÇa, e de uma força bastante grande para que ele seja
der absoluto, seja separando, contanto que se possam en- mais Íorte que cada indivíduo isolado, ou mesmo muitos indi-
contrar vários homens semelhantes em virtude. É provavel- víduos reunidos, mas menos forte que o povo inteiro. E assim
mente por essa razão que de princípio os povos erâm gover- que os antigos davam guardas aos chefes por eles colocados
nados por reis, pois era raro encontrar-se homens de uma à testa do Estado, e aos quais chamavam oesinetas ou tira-
virtude eminente, principalmente numa época em que as ci- 40 nos, e quando Dionísio pediu guardas, alguém aconselhou os
dades só possuíam um número muito reduzido de habitantes. siracusanos a dar-lhos nessa proporçâo.
Era também a benevolência que fazia os reis; porque a bene-
volêncla é a virtude dos homens de bem. No entanto, quando CnpÍrulo XI
se encontrou um grande número de cidadãos que se asseme- 1287a § 1. No entânto é chegado o mornento de falar do rei que
lhavam em virtude, não se pôde permanecer por mais tempo tudo Íaz segundo a sua vontade; examinemos essa questâo.
nessa situação: procurou-se algo que fosse comum a todos, e Nenhuma das realezas que se chamam legítimas constitui, eu
estabeleceu-se o governo republicano. s o repito, uma espécie particuiar de governo; psrque em qual-
§ 8. Depois, quando os homens corrompidos começaram quer parte se pode encontrar um generalato inamovível, como
15 a se enriquecer à custa do público, era muito natural que na democracia e na aristocracia. Por vezes, mesmo, a adminis-
surgissem as oligarquias, pois que se havia cercado a riqueza tração é confiada a um só homem. Exisle uma magistratura
de grande consideraçáo. Mais tarde as revoluçÕes transÍor- deste gênero em Epidamne, o mesmo em Oponto, onde no
maram a oligarquia em tirania, e a tirania em democracia" entanto ela tem poderes menos amplos sob certos aspectos"
Porque, à medida que o vergonhoso amor à riqueza seduzia
o número de homens que ocupavam o poder, a multidâo Íoi § 2. A monarquia que sÊ chama absoluta é aquela na qual o
se tornando mais forte, ató que se insurgiu e se apossou, por
to rei dispõe de tudo segundo a sua vontade, como senhor abso-
sua vez, da autoridade. Além disso, uma vez crescidos os luto. Pessoas existem que julgam ser contrário à natureza o
Estados, talvez nâo seja fáci! Íirmar-se outro governo que não
fato de um só homem ser senhor absoluto de todos os cida-
dãos, em um Estado que se compÕe de indivíduos iguais; por-
seja a democracia.
que, dizem, a natureza deu Íorçosamente os mesmos direitos e
§ 9. Mas afinal. supondo-se que o que de mais vantajoso os mesmos privilégios àqueles que ela fez semelhantes e
existe para os Estados seja o serem eles Eovernados pelos r5 iguais. A igualdade na alimentaçáo e no vestuário, quando as
reis, que se Íará dos seus Íilhos? Deverá a dignidade real ser constituições ê as estaturas diferem, sáo prejudiciais ao corpo.
hereditária em uma Íamília? Mas, se eles forem tais como os O mesmo acontece em relação aos direitos: a desigualdade ao
que se tem encontrado será uma hereditariedade bem Íunes-
lado da igualdade é uma falta igualmente prejudicial.
ta. Por outro lado, não transmitirá o rei o poder soberano aos
seus Íilhos? Mas é isso uma coisa difícil de crer; é supor uma § 3. Assim, não é mais justo mandar que obedecer: con-
virtude acima da natureza humana. vém lazer uma ê outra coisa alternadamente. Tal é a lei; e a
ordem é a lei. E melhor, pois, que seja a lei que ordene, antes
§ 10. E ainda difícil determinar o grau de poder que deve que o faça um cidadáo qualquer. O mesmo raciocínio exige
ser conferido a um monarca. Deve aquele que é ehamado a que, sendo preferível confiar a autoridade a um número redu-
reinar cercar-se de uma certa força para poder obrigar à obe-
zido de cidadãos, deles se façam os servidores e os guardiões
diência os que a repudiam? Ou até que limite lhe será permi- da lei. É preciso que haja mágistratura: mas assegura-se que
tido exercer o poder soberano? Supondo-se que ele só exer- não é justo que um só homem exerÇa uma magistratura su-
Ça um poder legítimo e nada faÇa de sua própria vontade prema quando todos os outros são iguais.
114 Aatsróretes A PaLiflcA fi5
EDtPRo Ltvqa rERcERa Ltv$o TÉHcEtBo Eopao

"Dais bravos companheiros, quando marcham juntos..."""''


§ 4. Aliás, crendo-se que a lei não possa tudo especiÍicar,
zs poderá um homem Íazô-io com precisáo? Quando a lei tem e esta promessa que Agamenon dirige ao céu:
assentado com zelo as regras gerais, ela abandona os deta-
lhes à inteligência e à apreciação mais justa dos magistrados,
1s "Ter dez companheiros sábios corno esse",Í06 fica prova-
para qus eles julguem e decidam. Autorizados mesmo a corri- do, em conseqüência, náo ser justo que o poder fique nas
gir e retificar, caso a experiência lhes prove ser possível fazer mãos de um só. Alguns Estados possuem ainda magistrados
encarregados de resolver. como os juízes. nos casos em que
melhor que as disposições escritas. Assim, querer que a lei
mande é querer que Deus e a razàa mandem sós; mas dar a a lei náo se pode pronunciar; porquer sempre que o possa,
superioridade ao hornem é dá-la ao mesmo tempo ao homem
ninguém contestará, por certo, que ela julga e decide de
modo mais perÍeito.
e à fera. 0 desejo tem qualquer coisa de bestial. A paixão cor-
rompe os magistrados e os melhores homens. A inteligência § 8. Mas, como há coisas que podem ser incluídas na lei e
sem paixào, tal é a lei. zo oulras que não o podem, eis o que justifica a pergunta de se
§ 5. CI exemplo que tiramos das artes não nos parece pro- vale mais dar a soberania à melhor lei ou ao homem mais
var que seja ruim seguir os preceitos da medicina, e que mais perÍeito. Com efeito, aquilo que se leva a ser julgado não
vale conÍiar-se aos médicos que praticam a arte. A amizade pode ter sido regulado por lei. Nem se encontra nela aquilo
jamais os conduz a Íazer prescriçÕes despropositadas. Eles que se contesta. Náo se pretende negar que o homem deva
se contentam em receber o preÇo do seu trabalho após a :s pronunciar-se sobre estes assuntos; somente deseja-se que
cura do enÍermo. Ao passo que aqueles que exercem os po- a decisáo pêrtenÇa a vários e não a um só. Todo magistrado,
deres políticos cornumente operam por ódio ou por amizade. instruído e Íormado pela lei, não poderá deixar de bem julgar.
E, naturalmente, se {ossem os médicos suspeitos de se faze- § 9. Talvez pareça estranho que um homem que só tem
rem comprar pelos inimiEos dos seus doentes a ponto de lhes dois olhos e duas orelhas para ver e ouvir, duas mãos e dois
ao prejudicar a saúde, melhor seria não se fazer tratar segundo pés para trabalhar, possa julgar as coisas de um modo mais
os preceitos da arte. são que uma grande reunião de pessoas, dispondo de um
lzatb § 6. Há mais: o mádico doente chama para perto de si ou- grande número de órgãos; porque vemos os monarcas do
tros mádicos, e os proÍessores de ginástica convidam para 30 nosso tempo multiplicarem os seus olhos, as suas orelhas,
seus exercÍcios outros professores, pois não podern fazer urn suas mãos e seus pés, dividindo a autoridade com aqueles
julgamento infalÍvel, vistr: que terão de pronunciar-se em seu que são devotados à sua autoridade e à sua pessoa. Se os
próprio interesse, e não poderão ter imparcialidade. E eviden- auxiliares não forem amigos do monarca, náo agirão segundo
te que procurando a justiça, eles procuram o meio termo; ora, as suas intenÇôes; se o forem, defenderão sua pessoa e seu
s esse meio termo ó a lei. Além disso, leis existem que têm poder. Ora, um amigo á nosso igual e nosso semelhante. Se
mars autoridade e importância que as leis escritas: as leis o rei pensa que eles devem mandar é porque acha que os
Íundadas nos costumes. Se o monarca é um guia mais segu- ss quê são seus iguais e seus semelhantes devem mandar com
rÕ que a lei escrita, sê-lo-á menos do que a lei á a expressão ele mesmo. Tais são, aproximadamente, as objeçôes que
dos costumes. Íazem os adversários do governo monárquico.
§ 7. Por outro lado, não é Íácil a um homem so ver tudo ou § 10. Mas, taivez seja assim paÍa um povo, e para outro
quase tudo" Será preciso que ele tenha sob as suas ordens não o seja. A natureza admite o governo absoluto, o Eoverno
to diferentes pes§oas para o auxiliarem no poder; mas então, real e a Íorma republicana, baseada na justiça e no interesse
por que náo as nomear logo, ao invós de deixar que um só 40 comum, mas a tirania não se conforma com a natureza, nem
homem as nomeie deste modo? Além disso, conÍorme dis-
§emos anteriormente, se o homem de bem merece mandar
por ser melhor, e se dois homens de bem valem mais que um 105. llíacla, c. X, v.221
só, como diz esta passagem de Homero: 1A6. llíada. c. llv. 371 .
T
I
116 ÂRrsróre'rrs A PoLÍTtcA fi7
EnTPBO LIVRA TEBCETBA LIVR7 TERâEIBO EDIPBO

as outras Íormas alteradas e côrrompidas, que, por conse- quia e das suas diÍerentes espécies, examinando se ela é
guinte, sáo abrsolutamente cÕntrárias â ela. Pelo menos ÍiÇa vantajosa, a quais povos convém, e como. Terminamos esta
12BBa patente, em tudo o que dissemos, que entre homens iguais e discussão.
semelhantes não é justo nem benéfico que um seja o senhor
de todos; nem quando não haja absolutamente leis, e que ele Crpírulo Xll
só seja, por assim dizer, a lei; nem quando as haja; supondo-
o virtuoso entre homens igualmente virtuosos; nem o supondo § 1. Dissemos que existem trôs bons governos; o melhor é
5 Íorçosamente aquele que é administrado pelos melhores che-
sem virtude entre homens depravados comÕ ele; Íinalmente,
neÍÍr mesmo quando ele supere todos os outrcs em vtrtude, fes. Tal é o Estado no qual se encontra um só indivíduo sobre
exceto de uma certa maneira. Qual é essa maneira? Eu vou es toda a massa dos cidadáos, ou uma família inteira, ou mesmo
dizê-la, embora já a tenha dito anteriormente.
um povo inteiro que seja dotado de uma virtude superior, uns
sabendo obedecer, outros mandar com vistas à maior soma
§ 'lt. üomecernos por deterrninar c que é um governo de felicidade possível. Demonstramos também que, no §o-
monárquico, aristocrático ou republicano. Ora, um povo feito verno per{eito, a virtude do homem de bem ó Íorçosamente a
para ser governado por reis é aquele que, por natureza pode 40 mesma que a do bom cidadão. E, pois, evidente também que
suportar a dominação de uma família dotada de virtudes su- com os mesmos meios e as mesmas virtudes que constiluem
periores que a fazem própria para o govêrno do Estado. Um o homem de bem constituir-se-á igualmente um Estado aris-
10 povo aristocrático é aquele que suporta naturalmente a domi- 12Bsb tocrático ou monárquico. Assim, a educação e os costumes
naçáo de homens livres culo talento e virtude os levam ao que Íormam o homem bom serão pouco mais ou menos os
governo dos cidadãos. l*.lm povo republicano ér aquele no qual mesmos que formam o rei e o cidadáo.
todos os cidadãos são naturalmente guerreiros, sendo capa-
§ 2. Decididos estes princípios, precisamos Íalar do melhor
zes de obedecer e mandar segundo uma lei que garante governo, da sua natureza e do modo pelo qual ele pode se
mesmo aos pobres, de acordo com os seus méritos, a parte s estabelecer. E preciso que aquele que deseie examinar um
rs do poder quo lhes cabe. tal assunto seriamente, como ele merece (...).'u'
§ 12. Assim, pois, quando se encontra uma família inteira
ou um só indivÍduo que pôssua virtudes por tal Íorma eminen-
tes que ultrapassem as de todos os outros, entâo é justo que
essa família seja elevada ao poder real, tornando-se senhora
de tudo, ou que se faça rei a esse indivíduo tão enninente"
20 Como já se disse, assim acontece não só em virtude do direi-
to que proclamam todos os fundadores de governos aristocrá-
ticos, oligárquicos e mesmo democráticos, pois todos aÍirmam
os direitos da superioridade, mas ainda em virtude do que
nós 1â dissemos anteriormente.
§ 13" üra, dissemos que ceriâmente não é eqüitativo fazer
perecer ou exilar pelo ostracismo um homem de uma virtude
tào eminente, nem pretender que ele obedeça por sua vez;
porque não é da natureea que a parte prevaleça sobre o todo,
e o todo é precisamente aquele que tem uma superioridade
tão grande. Hesta, pois, sÓ um partido a tomar: obedecer a tal
homem e reconhecer-lhe uma força soberana, náo por um
tempo determinado, mas para sempre. Tratamos da rnonar-
107. Os últimos capítulos desse terceiro llvro se extraviaram
LvnO «IUARTO
Sinopse; Teoria geral da governo modela - OuestÕes a tratar
- Da díversidade de partes de que se compõe a cidade - Da
democraçia * Da aliEarquia - Do que comumenfe se chama
organizaçãa patítica - Maneira de farrná-la * Da tirania - Qual
a melhor forma de governa - Relações de çanveniência que
devem existir entre as qualidades da çonstituiçáo e as qualida-
des dos cidadãas - Das corpos deliberativas - Dos magistra-
dos e das magistraturas - Dos iuízes e dos iulgamentas

Cnpírulo I

10 § 1" Todas as artes, todas as ciências que não se pren-


dem a um objeto parcial, mas que abraçam na sua perÍeiçáo
todo um gênero, devem, sem exceÇáo, estudar aquilo que
convém a cada gênero. Assim, é à ginástica que compete
determinar que espécie de exercício é útil a este ou àquele
temperamento, qual é o melhor dos exercíoios (este deve ser
rs ÍorÇosamente o que convém ao corpo mais bem constituído,
e que se tenha desenvolvido do modo mais completo) e, fi-
nalmente, o que melhor convénr à maioria dos indivíduos, e
que por si só conviria a todos; porque nisso consiste a funÇão
propria da Einástica. O prÓprio homem que náo invejasse
nem o vigor de constituiÇáo, nem a ciência que proporciona a
vitória nos jogos atléticos, ainda precisaria do pedotriba e do
ginasta para chegar mesmo ao grau de mediocridade com o
qual se contentaria.
20 § 2. Sabemos que o mesmo acontece com a medicina,
com a construção de navios, com o fabrico de roupas e, en-
Íim, com qualquer ouira arte. Claramente se depreende que
no caso da constituição compete à mesma ciência procurar,
120 Áalsrórgres A POLITICA t2,
Eü?RA LTVROAUAqTO Ltvqa oaARTa EDTPH(,

em matória de melhor Íorma cle governo, o que ela Ó, quais 10 pessoas julgam que só existe uma espécie de democracitr o
as condiçÕes que lhe podem dar toda a perfeição desejada, uma de oligarquia; isso é um erro.
zs livre de quaisquer ot:stáculos exteriores, e, finalmente, qual a § 5. E preciso, pois, que não se ignorem os caracteres cjis-
que convém a este ou àqueie povo: porque é impossível, tintivos dos governos e as diversas combinações que deles
talvez, a um grande número de povos ter a mais excelente. se podem Íazer; é preciso examinar com a mesma circuns-
Assim, o legislador e o verdadeiro homem de Estado nâo pecçáo as leis perÍeitas em si mesmas. ê as que convêm a
devem ignorar qual é a Íorn"ia perfeita de um modo absoluto, rs cada constituiçâo; porque as leis devem ser Íeitas para as
e qual a meihor em determinadas circunstâncias. constituiçôes, como as fazem todos os legisladores, e náo as
30 Finalmente. devem ser capâzes de conceber mesmo uma constituiçôes para as leis. Com efeito, a constituiçáo é a or-
Íundada em dados hipotéticos. Porque é preciso que eles dem estabelecida no Estado quanto às diÍerentes magistratu-
possam, segundo um estado de coisas dado, Íazer uma idéia ras, e à sua distribuição. Ela determina o que ó a soberania
das causas que tenham podido produzi-la desde a sua ori- do Estado, e qual é o objetivo de cada associação política. As
gem, e meios que possam garântir-lhe a maior duração pos- zo leis, ao contrário, sáo distintas dos princípios Íundamentais da
sível, tomando-a tal como é" Quero dizer, se se encontrar um constituição; elas são a regrâ pela qual os magistrados de-
Estado, por exemplo, que nào sela bem administrado, que vem exeÍcer o poder e submeter aqueles que estejam prontos
náo seja provido de recurscs necessários à sua exlstência, e a infringi-lo.
que nem me§mo tira todo o partido possível daqueles que § 6. Evidentemente disso se depreende que, mesmo para
ss possui, mas que, ao contrário, deles faça mau uso" elaborar simples leis, é preciso conhecer o número e as diver-
§ 3" Tanrbém é preciso que eles conheçam a Íorma de Eo- sidades de constituiçÕes. Pois não é possível que as mesmas
verno que melhor convém aos diversos Estados; porque a leis se adaptem a todas as oligarquias e a todas as democra-
maioria dos escritores políticos que trataram desse assunto, zs cias, se é verdade que existem para a democracia, tanto como
dizendo coisas excelentes, cometeram erros em vários ponto§ para a oligarquia, várias espécies, e não uma só.
importantes. Náo se trata apenas de considerar a melhor cons-
tituição, mas ainda aquela que á praticávei, e que ao mesmo
terrlpo oferece aplicaçáo mais fácil, e que melhor se adapta a
todos os Estados. Longe disso, dos escritores políticos, uns sê Cnpírulo ll
prendem à forma mais perÍeitâ e que exige recursos conside-
§ 1. Distinguimos, em nosso primeiro estudo das constitui-
+o ráveis, e outros, adotando uma forma de constituiÇão mais Ções, três constituiçÕes puras: a realeza, a aristocracia, a
com[Jm, repelem todas as outras, só aprovando o governo de república, e três outras que são um desvio dessas: a tirania
lzsea Lacedennônia, ou de qualquer outrÕ Estado particular. 30 para a realeza, a oligarquia em relação à aristocracia, e a
§ 4. Mas seria necessário introduzir uma Íorma tal de go' democracia quanto à república. Já Íalamos da aristocracia e
verno, que se pudesse Íazer Íacilmente adotar, segundo o da realeza - porque estudar a melhor forma de governo é
que já se achasse estabelecido, e dar-lhe uma aplicaçáo justamente explicar a significação dessas duas palavras, pois
geral; porque nâo há menos dificuldade em reformar um go- que a existência de cada uma dessas Íormas só se pode
5 verno que em estabelecê-lo desde o princípio; como náo há basear na virtude, e em tudo que possa acompanhá-la. De-
rnenos em desaprender, que em aprender pela primeira vez. terminamos também as diferenças existentes entre a aristo-
E por esta razáo que, independentêmente dos talentos que ss cracia e a realeza, e os caracteres distintivos pelos quais se
indicamos acinna. e das formas de governo já existentes, é pode reconhecer a realeza. Hesta-nos tratar apenas, em pri-
preciso qus o homem de Estado possa reformar, como já meiro lugar, do governo designado pelo termo comum de
ficou dito: ora, isto ó-lhe impossível, se ele ignora quantas república, e depois dos outros governos, isto ó, da oligarquia,
farrnas diÍerentes de governo existem. Por exemplo, certas da democracia e da tirania.
122 AÊIsTÓTELES A POL.TICA 123
EarPRa LMBoouAfrTa I
Ltv$o eaARTo EaPBa

§ 2. E Íácil compreender qual á o pior desses governos gerais e particulares da queda da prosperidade de cada um
degenerados, e qual o que lhe segue; porque o pior deve ser, zs desses qovernos, e os acontecimentos que preparam essas
40 ÍorÇosamente, aquele que é uma corrupÇão do primeiro e do revoluçoés.'oe
mais divino.
128sb H preciso que a realeza so exista no nome, ou que se fun- CnpÍrulo lll
da na incontestável superioridade daquele que reina; seüue-
se a tirania que é o pior dos governo§, é também aquele que § 1.A causa que deu origem a essa multiplicidade de go-
vernos é que toda a cidade se compõe de várias partes; pri-
mais se afasta da repúbilca, Em segundo lugar vem a oligar-
meiramente, sabe-se que todas as cidades compreendem um
quia; porque a aristocracia difere bastante desta íorma de
certo número de famílias, que formam depois uma multidâo
5 gÕverno. Afinal a democracia é o mais tolerável desses go- so de habitantes, dos quais uns seráo ricos, fatalmente, ê outros
vern0s degenerados.
pobres, ao pâsso que outros ainda constituirão uma classe
§ 3. Unr dos escritores'o* que trataram deste assunto módia. A classe dos ricos tem meios de se armar, e a dos
chegou à mesma conclusão, ernbora se tenha firmado num pobres não possui ârmas. Vê-se ainda, em toda a cidade,
ponto de vista diÍerente do nosso; porque el* aÍirmou que, uma parte do povo entregue aos trabalhos agrícolas; outra ao
entre todos os bons governos, tais como a oligarquia perfei- comércio, e uma outra às proÍissões mecânicas. Finalmente
ta e os ouiros, a democracia á o pior, mas que á o melhor entre os notáveis de um paÍs há muitas diferenÇas no que
ro entre os mau§. 35 concerne à riqueza e à extensâo das propriedades; por
exemplo, há muitos dentre eles que criam e sustentam cava-
§ 4. Nós, ao contrário, afirmamos que esses governos sâo
completamente viciados; não é correto dizer que tal oligarquia los, o que não é fácil Íazer aos que não têm fortuna.
é melhor que tal outra: deve-se dizer que ela á menos má" ,Aí § 2. Eis por que, nos tempos antigos, estabeleceu-se a oli-
temos bastante sobre esta diferenÇa de opinião. Ocupemo- garquia entre todos os povos cuja força principal residia na
nos, em primeiro lugar, em determinar quantos governos dife- cavalaria. Ela era usada, com efeito, nas guerras contra os
rentes existem, e se há muitas espécies de democracia e povos vizinhos, como Íizeram os eretrianos,ll0 os calcÍdicos,
oligarquia. Procuraremos depois qual é a mais comum, e â 40 os magnesianos que habitavam as maíEens do Meandro, e
15 que se deve preÍerir depois da forma de governo perfeita. muitos outros povos da Asia" Além das diferenças criadas
Finalmente, supondo-se que existe algum outro governo aris- 12eoa pela fortuna, outras há trazidas por circunstâncias de nasci-
tocrático bem constituído e conveniente para a maioria dos mento ou de virtude, e mais atributos desse gênero que se
Estados, examinaremos o que pode ser ele. encontram em uma sociedade política - como dissemos
quando tratamos da aristocracia, porque então determinamos
§ 5. Veremos em seguida, entre outras formas de gover-
no, qual a preÍerível para este ou para aquele Estado; por- de quantas partes se compôem as sociedades civis. Há ca-
que pode acontecer que â um seja a democracia mais ne- sos em que todos os membros de cada classe participam do
cessária que a oligarquia, e a outro, ao contrário, convenha s governo, outros em que isto é um privilégio da minoria, ou-
mais esta que aquela. Depois do que, será preciso expor tros, Íinalmente, da maioria.
como o Estado deve a elas ligar-se, quando se quer estabe*
lecer essas espécies de governos, isto é, cada espécie de
democracia e de oligarquia. Por fim, quando tivermos tratado 09. O próprio Aristoteles indica a ordem dos livros dâ sua Poiítica.
'1

- em pÕucas palavras, mâs com a devida extensão - de to- 1'10. Plutarco, no tratado inlitulado Amatorius (t. lX, p. 49, ed. Reisk), conta: "Estes,
dos esses assuntos, trataremos de fazer conhecer as câusas embora possuindo poderosa inÍantaria, foram vencidos pelos eretrianos, cuja ca-
valaria recebeu um reforço de cavaleiros tessalianos", Quanto aos magnesianos
das margens do Meandro. que Aristóteles menciona aqui, Atenéia (1. Xll, p.525)
108. ÊeÍere-se a Platáo, que tambem Íez a mesma observação no diálogo intitulado nos ensina. segundo Teonis, Calino e Arquilóquio. que gastos pelos excessos
Político. eles sucumbiram aos ataques dos efésicos.
124
Ástsrórrrrs A PoLirtcA t25
EDtFRo LtvRo euARTo Ltvgo ouA,RTo EaPRa
I

§.3. E claro, pois, que deve haver várias formas cle gover- viva debaixo de um regime democrático. Do mesmo modo, se
no, diÍerentes Llmas das outras, visto que as partes de
{ue se os pobres, embora em minoria, Íossem mais Íortes que os
compôe a sociedade diferem entre si. O governo é a ordem ricos, apesar destes serem mais numerosos, ninguém cha-
estabelecidã, na distribuiÇão das magistiaturas. Estas são maria a êsse goveÍno oligárquico, no caso em que o resto
distribuídas por todos os cidadâos, sob a influência daqueles qo dos cidadãos, que possuíssem as riquezas, náo tivesse parte
que nelas tomam parte, ou segundo um princípio de igualda- alguma nos cargos.
10 de cÕmllm, quero dizer, aos pobres e aos ricos, com ãireitos
12e0b § 7. Assim, é melhor dizer que existe a democracia quan-
iguais. E necessário, pois, que haja tantos governos quantas
do o poder sobrerano está nas máos dos homens livres e que
são as combinaçÕes de superioridade ou de inferioridade existe oligarquia quando está nas mãos dos ricos. Mas acon-
entre as partes do Estado.
tece comumente que uns, isto é, os homens livres, são em
§ 4. Admitem-se duas espécies principais cle governos, maioria; e os outros, os ricos, são pouco numerosos. Certa-
como se admitem duas espécies de ventÕs, os do norte e os mentê, se só se designassem para as magistraturas os ho-
ts do suli os outros não passam de alterações desses. Assim, há 5 mens de estatura elevada, comô se diz que é Íeito na Etiópia,
duas formas de governo - a democraciá e a oligarquia: porque ou os que possuem uma beleza notável, tal seria uma oligar-
considera-se a aristocracia como sends uma êspécie de oli_ quia; pois o número de homens de elevada estatura, ou de
garquia, e o que se denomina república não passa de uma uma grande beleza, é sempre pequeno.
democracia. Pois é assim que, entre os ventos, o ZéÍiro resurta
2n do Boreo, e o Euros do Notos. O mesmo acontece com as § L No entanto, essas condições não bastam para deter-
minar com precisáo as diÍerentes Íormas de governos; mas
harmonias, como dizern alguns autores: só se reconhecem como a democracia e a oligarquia se compõem de várias
dois tans - o dórico e o Írígio, de modo que todas as outras partes, é preciso ainda distinguir e admitir que não há demo-
combinaçÕes de harmonias são chamadas dóricas e Írígias. to cracia no caso de homens livres, em minoria, terem autorida-
§ 5. Tal é, pois, o modo pelo qual os homens se habitua_ de sobre a maioria dos cidadãos, que no entanto nâo seriam
ram a considerar os governos. Mas talvez seja melhor e mais livres. É o que se pode ver em Apolônia,"' nas costas do mar
exato dizer, como já estabelecemos, que só exístem dois, e Jônio, e em Tera;"'pois em ambas as cidades os cargos só
2s mesmo um só governo sábio e bem reguiado, do qual todos eÍam concedidos aos que tivessem um nascimento ilustre,
os outros não passam de desvios e de corrupções. Se a mú_ aos descendentes dos fundadores da colônia, pouco nlrmero-
sica só admite uma harmonia perfeita, da qual todas as ou_ sos aliás, em comparação com o resto dos habitantes. Nem
tras são simples cornbinaçÕes, a política também só reconhe_ 15 será uma democracia, se os ricos. por serem numerosos,
ce um governo perfeito, cuja forma é ora oligárquica, quando mantêm o poder, como antiEamente em ColoÍon,"3 onde a
é mais ccncentrada e despótica, oía popular, quando tem parte mais numerosa dos cidadáos possuía grandes proprie-
atividades doces e moderadas. dades antes da guerra que sustentaram contra os lídios. Mas
30 § 6. Náo se deve acreditar, como hoje é costume Íazer, a democracia só existe quando os cidadãos livres e pobres,
que a democracia existe unicamente em todo o Estado onde formando a maioria, sâo senhores do go\rerno: e, para que
a multidâo á soberana, poís nas oligarquias e em toda parte é haja oligarquia, é preciso que a soberania pertenÇa a uma
sempre a maioria que tern a força suprema; nem acreditar minoria de ricos e de nobres.
que haja oligarquia sempre que o poder esteja nas máos da
minoria. Porque, supondo-se que numâ populaçáo de mil e 'l 1 1. Colônia dos corcírios e dos corínlios. O governo dessa cidade era mais oligárqui-
ss trezentos cidadáos haja mil ricos, os quais não concedem co que democrático.
parte alguma na administraçâo aos outros trezentos que são 112. Uma das Cíclades.
pobres. aliás livres e iguais aos ricos sob todos os outros 113. Cidade da Jônia na Ásia Menor. Xenofane, filósoÍo e poeta, chefe da escola de
aspectos, ninguém poderá afirmar que uma tal populaçâo EIéia, nasceu em Colofon. Ele nos dá uma descriçáo do luxo que reinava nessa
cidade. ÁIenéra (1. Xll, p" 526) conservou esse precioso fragmento.
t40 Antsrórttes A PoLiTIcA
Ê,utPttu LTVRA oAARTA LtvÊa aUABTo EDtPBo

§ 9. Dissemos que há vários governos, e por qual razáa. § 12. Pode-se dizer que, se este assunto é tratado com
Agora dizemos que há mais do que nós contamos, quais são elegância na República de Platão,"4 não o á com bastante
esses gôvernos, ê por quê; §empre partindo da observaçâo exatidáo. Sócrates pretende que uma cidade se compÔe de
que de início apresentamo§. Admite-se que toda a cidade se quatro classes absolutamente necessárias: os tecelÕes, os
es compÕe de várias partes; do mesmo modo que, quando se lavradores, os sapateiros e os pedreiros. Mas depois, julgan-
toma a tarefa de classificar as diferentes espécies do reino rs do, sem dúvida, insuÍicientes essas classes, a elas acrescen-
15
animal, comeÇa-§e por determinar espócies do reino animal, tal os Íerreiros, os criadores de animais usados no trabalho
começa-se por determinar as partes que forçosamente se agrícola, os comerciantes e os retalhistas: tudo isso constitui
encontram em todo animal, por exemplo, certos órgãos dos o complemento da primeira cidade, tal como ele concebera
sentidos, tais como os da nutrição, que recebem e digerem os de início" como se uma cidade só existisse para a satisÍaçáo
alimentos, a boca, o estômago, depois os membros que ser- das necessidades materiais e náo para um objetivo moral -
vem a cada animal para a sua locomoçáo. como se a virtude náo lhe fosse mais necessária que sapatei-
30 § í0. Se só existissem essas espécies de órgãos, mas ros e lavradores.
com diÍerenÇas; por exemplo, se a boca, o estômago, os ór- § 13. Além disso, ele só admite a classe dos guerreiros no
Eâos dos sentidos e da locomoção não se assemelhassem, Estado no momento em que a Íormação do território póe os
as combinações que deles se poderíam Íazer dariam forço- cidadáos em contato e em guerra com os povos vizinhos. No
samente muitas espécies distintas de animais; porque não é entanto, essas quatro classes de cidadáos (ou outro nÚmero
possível que o mesmo animal tenha várias espécies de bocas de classes, qualquer que seja) precisaráo de alguém que
as ou de orelhas. Tomando todas as combinações possíveis des- administre a justiça e se pronuncie sobre o direito de cada
ses órgãos, formar-se-ão ciasses de animais e tantas classes um. Se, pois, se reconhece que a alma é, mais que o corpo,
quantas forem as combinações dos órgãos necessários. uma parte do homem, deve-se reconhecer também, como
A mesma rêgra se aplica exatamente às formas políticas estando abaixo das profissões que nos dão os objetos indis-
das quais Íalamos; porque os Estadas não se compÕem de pensáveis à vida, a classe dos guerreiros e a dos intérpretes
uma só parte, mas de várias, como já ficou dito muitas vezes. da justiça civil. E preciso mesmo acrescentar-lhe a classe que
delibera sobre os interesses gerais, nobre prerrogativa reser-
§ 11. Antes de tudo, existe pois uma classe numerosa que vada à inteligência política. Que essas funçÕes sejam atribuí-
está encarregada de prover à subsistência dos cidadãos, os das, cada uma por si, a determinadas pessoas, ou que sejam
lreia iavradores. A segunda classe é a dos artesãos. entregues à reunidas nos mesmos indivíduos, pouco importa ao nosso
prática das artes sem as quais um Estado não poderia existir; raciocínio, pois que, com efeito, acontece freqüentemente
e, dessas artes, umas sâo de urna necessidade absoluta_ que o maneio das armas e a cultura das terras são confiadas
outras sêrvem ao luxo e aos prazeres quê fazem a felicidade às mesmas nráos. Assim, se esses dois últimos gêneros de-
s da vida. A. terceira é a dos comercianles, ê por isso eu ênten- vem, do mesmo modo que os outros, ser considerados ele-
do todos os cidadáos que se ocupam em vender e comprar, mentos da cidade, é visível que a classe dos Euerreiros ó
que passam a vida nos mercados públicos e nas lojas. Os também uma parte necessária.
mercenários formam a quarta classe. Na quinta classe se
encontram os guerreiros, que devem lutar pela defesa do Es- § ltt. Uma sétima classe será Íormada por aqueles que
tado: ela não é menos necessária que as outras, sê se contribuem com a sua fortuna para os diÍerentes serviços
quer rmpedir que o Estado seja dominado por aqueles que
queiram atacá-lo. Com efeito, é perfeitamente impossível que L. Xl, p. 79. Os comentadores fizeram notar, com razáo, que a crítica de Aristóte-
uma cidade rnereça trazer este nome, quando é escrava por les é inlusta, e que, seja preocupação ou Íalta de memória, seja qualquer outro
10 natureza. Uma cidade basta-se livremente a si mesma: uma motivo menôs desculpável, ele atribui aô seu mestre opiniões ê sêntirnentos que
não eram sêus.
raÇa escrava é dependente.
115 Nos Livros de Ás Ler's.
128 129
ABI9TÓTELÊ.s A P2LíTICA
EaPRa ENPBA
Ltvna ouaara UVRA AUARTA

públicos, e que se chamam ricos. E, pois que uma cidade náo tais sáo os pescadores de Taranto e Bizâncio, os marinheiros
rs poderia existir sem cheÍes, os administradores do Estado e de guerra de Atenas, os comerciantes de Egina e de Outo' os
aqueles que exercem as diversas magistraturas formarào a as barqueiros de Tenedos. Nessa classe inferior acham-se os
oitava classe. É necessário, pois, que traja homens capazes trabalhadores, aqueles que, tencla alguma fortuna, têm-na
de dirigir. e que se devotem, pelo bem da sociedade, a estê muito pequena para viver sem trabalhar; aqueles que sÓ sáo
gênero de serviço, seja por todo o tempo de sua vida, sela cidadáos livres por paÍte de pai ou de mãe; finalmente' todos
em epocas alternadas" Restam ainda as funções das quais os que vivem em tais condiÇÔes. Os cidadãos da classe alta
falamos há pouco - a de deliberar sobre os interesses gerais distinguem-se entre si pela fortuna, pela nobreza de família'
40 e a de resolver, em caso de disputa, sobre o direito dos cida- pelo mérito, pela instruçào e por outras vantagens do mesmo
dãos. Mas, se os Estados têm necessidade dessas institul- ao gênero"
rzsru çÕes, se precisam de uma instituiçáo sábia e justa, a mesma que tem a
necessidade reclama homens eruditos na ciência política. § 2. 4 primeira espácie de democracia é aquela
iguãtdaUe por fundamento' Nos termos da lei que regula essa
§ I5. Geralmente se pensa que as diversas funções púb!i- dãmocracia, a igualdade significa que os ricos e os pobres
cas podem ser acumuladas, e que um mesmo cidadão pode não têm privilégios políticos, que tanto uns como outros náo
ser ao mesmo tempo guerreiro, lavrador, artesão, senador e são soberanos de um modo exclusivo, e sim que todos o sáo
s iuiz; todos os hornens proclamam sua parte de capacidade exatamente na mesma proporçáo' Se ó verdade, como mui-
política e julgam-se em condições de exercer a maior parte ss tos imaginam, que â liberdade e a igualdade constituem es-
das rnagistraturas. Mas não é possível que os mesmos indi- sencialúente a democracia, elas, no entanto, so podem aí
víduos sejam ricos e pobres ao mesmo tempo, e é por esta encontrâr-se em toda a sua pureza, enquanto gozarem os
razáo que as duas classes mais distintas no Estado sào a dos cidadãos da mais perÍeita igualdade política' Mas, como o
ricos e a do pobres. Por outro lado, sendo uns geralmente povo constitui sempre a partá mais numerosa do Estado' e é
iD pouco nurnerosos, e os outros muito, sào as partes do Estado a opiniáo da maiorla que Íaz a autoridade, rá natural que seja
que mars se opÕem realmente. uma à outra. O predomínio de êsse o caracterÍstico essencial da democracia. Eis aí" pois,
Lrma ou de outra determina as Íormas de governo, e assim só 40 uma primeira espécie de democracia'
parece haver dois governos: a democracia e a oligarquia.
dadas se-
lVas drssemos acima que há outras alénn dessas, e por quê. § 3. A condiçáo de que as magistraturas seiam
gun?o um determinado, contanto que pequeno' consti-
Agora mostramos que há várias espécies de democracia e de "unuà que que chega
oligarquia. 12s2a tui uma outra espécie; mas é preciso aquele
ao censo exigido tenha uma parte nas Íunçoes pÚblicas' e
Jelas seja e*ãlrÍdo quando cessa de possuir o censo.' Uma
Capíruuo lV terceiraespécieadmiteàsmagistraturastodososcidadâos
§ Í. Que há, portanto, diversas formas de governo e quais s incorruptíveis; mas é a lei que manda' Em uma outra espécie'
i5 a$ causas disso, Íoi discutido anteriormente" Digamos .âgora todo habitante, contanto que seja cidadão' é declarado apto a
que há vários tipos de democracia e de oligarquia. E fácil gerir as magistratura§, e a soberania ó firmada na lei' Final-
compreendê-lo pelo que acaba de ser dito, porque o povo, e mente existe alnda uma quinta, na qual as mesn"las condi-
çÕes sâo mantidas, mas a soberania é transportada
da lei
mesmo aqueles que se chamam de notáveis, compõe-se de
para a multidáo'
várias classes diÍerenles. Por exemplo, no povo, há a classe
a
dos agricurltores, a dos artesãos, a dos comerciantes que § 4. Eis o que acotltece quando os decretos oultorgam
20 compram ou quê vendem; há também a dos homens que autoridade absoluta à lei' coisa que resulta do crédito dos
exercem a indústria marÍtima, uns como guerreiros, outros àá*uqogot. Porque, nos governos democráticos onde a lei é
como especuladores. Enr muítos países, essa classe dos senl.roial nâo há clemagogos: sáo os cidadáos mais dignos
marinheiros compreende uma grande variedade de indivÍduos: 10 que têm precedência. úaà uma vez perdida a soberatria da
131
134 Aatsrórttes A PàL|TICA
EDtPRo
Ltvqo euARTo LIyRO OUABÍA

iei, surge uma multidáo de demagoqos. Então o povo se Capírulo V


transforma numa espécie de monarca de mil cabeças: é so- em que' para
§ 1. Uma das Íormas de oligarquia ó aquela
berano, nâo individualmente, mas em corpo. Ouando Homero 40 atirigir as rnagistraturas, ó preciso
pagâr unl censo tal que
dizltô que a dominação de muitos é um mal, nâo se sabe se *páuuiáirit, aãs pobres, que formam a maioria, de consegui-
ele entende por isso a dominaçáo de todo um povo, como 1292b las. Quem quer que o alcance, ó admitido a
participar do g-o
nós o fazemos aqui, ou a dominaçáo de muitos chefes reuni- verno. Outra Íorma é aquela em que as magistraturas são
't5 dos que náo forme, por assim dizer. rnais que um cheÍe. conside-
acessíveis apenas aos que possuem um rendimento
§ 5. Um povo tal, verdadeiro monarca, quer reinar como iâvet, e os cidadãos que tenham tal rendimenlo a elas ele-
monarca; livra-se do jugo da lei e torna-se dóspota: o que Íaz uã*,'por sua propria escolha. aqueles que náo podem alcan-
que os aduladores aí sejam respeitados" Essa democracia é Çá-las pelo seu censo. Podendo a
escolha ser Íeita entre
no seu gênero o quê a tirania é para a monarquia. De ambas ioOo. o* cidadãos, indistintamente, o governo tocará mais à
as partes, a mesma opressáo dos homens de bem; aqui, os aristocracia, mas restringindo-se a escolha a determinadas
decretos, lá as ordens arbitrárias. O demagogo e o adulador i;ilir-, ele será absolutàmente oligárquico' tJma outra forma
são como que um só indivíduo; eles têm entre si uma sême- Ue áriôátqria é aquela êm que o Íilho sucede ao pai nas fun-
existe uma quarta forma' quando na
lhança que os confunde. Os aduladores e os demagogos têm õá*r ãiuit. Finaimente,
rgualmente uma inÍluência muito grande, uns sobre os tiranos, úereditariedade que acabamos de mencionar' a autoridade
absoluta pertence aos magistrados, e não à lei' Esta
outros sobre os povos que se reduzem a um tal estado. última
forma, nas oligarquias, corresponde à tirania nas monarqulas'
§ 6. Os demagogos são a causa de a autoridade soberana 'democracia
* á àtpá.ie ?e que.,citamos ern último luelar;
rêpousar nos decretos, e não nas leis, pelo cuidado que eles
10 deve-se a ela o nome de dinastia.
tômam de tudo conduzir ao povo; disso resulta que eles se
de oligarquias e de de-
tornam Íortes, porque o povo é senhor de tudo, e eles próprios § 2. Tais são as dilerentes formas
moõracias. Mas nâo se deve ignorar que' em muitos
Estados'
sáo senhores da opinião da turba, que só a eles obedece. popular nas
Além disso, aqueies que tenham censura a fazer aos magis- embora a forma de governo nâo seja exatamente
hábitos
trados, pretendem que ao povo compete decidir. Este consente suas leis, no entanto, a tendência dos costumes e dos
de boa vontade em sêr convocada a sua autoridade, e disso 1E iui qr* a administração neles seia
popular' e do mesmo
resulta a dissolução completa de todas as magistraturas. *ã0,j" em outros Estaàos onde a forma de Eoverno estabele-
por influência
§ 7. Ora, pode-se sustentar corn razão que um tal governo
.iJ, p"ir. leis ó mais popular' a administraÇão' da o{rgarquia.
dás costumes
-,1;; e dos hábitos, mais se aproxinra
democratico não é governo algum; porque nâo existe consti-
É-; acontece principalrnente após revoluções havidas
tuição onde as leis não reinem. E preciso, com eÍeito, que a bruscas"
autoridade da lei se estenda sobre todos os objetos, que os nos governos; porque nâo se fazem transÍormaÇÔes
com pequenas vanta-
magistrados se pronunciem sobre todas as pequeninas coi- maslodos Se contentam antes de tudo
de modo que as leis
sas, ê julguem os processos. Por conseguinte, se a democra- E*nt qu* se disputam uns aos outros, tempo, mas os
ãntes estabelecidas subsistem ainda algum
cia deve ser contada entre as Íormas de governo, é claro que a forma de governo aca-
um tal estado de coisas, no qual tudo se regula por decreto,
qr" u*pt**ndem a tarefa de fundar
não é mesmo, para bem dizer, uma dernocracia. Porque um bam por vencer'
que acabamos de dizer'
decreto jamais pode ter uma Íorma geral como a lei. Tais sáo § 3. E f ácil compreender, pelo.
as diferentes espécies de democracias. quJ existem tantas espécies de democracias e oligarquias
porque ó forçoso que todas as
ü;;ri;; nós estabelecernos; participam do
classes nas quals vimos poder o povo dividir-se

ftrndada
117. Dunastéia, isto é. governo arbitrário, ou governo de fato' autÔridadê
116. llíada. c. ll. v. 204. unicamenle sobre o poder, isto é sobre a Íorça'
132
EDIPRO PoLiflca t33
^I IVRO OUABTO EDIPRo
25 governo, em quê umas a ele sejam
chamadas, outras não.
euando a crasse. dos agricuúr;;, ; d;;;H;rã"0Íi.r"* § 6. Quanto a oligarquia, a prímeira espécie é aquela ern
uma Íortuna medíocre tem a soberania que a maioria dos cidadãos possui alguma Íortuna, antes
na de acordo com as leis; porque-os
d; Esiaj;, *ã[or*r_ pequena que grande, e que nada tenha de excessivo, porque
homens qr"-à
vivem trabalhlndo, mas não OispOem "o*"p0",
de muito tempo ela só dá àquele que a possui o direito de participar dos ne-
vago.
Por isso, do momento que eies
ienham estaberecido as reis, rs gócios públicos, e sendo considerável o número de cidadáos
só se reúnern em.assembféia geiÀi que possuem direitos políticos, precisa a soberania pertencer
30 Ariás, os outros cidadãos em caso de necessjdade.
tamtom tom o direito de participar à lei, e náo aos homens. Forque, quanto rnais os cidadâos de
do governo qiiid:.,."nnam aoquirioo um tal Estado se afastam da rnonarqura, mais a fortuna que
íeis; porque seria próprio da origarqura
o .9n.o
"i"çiiã'p"rrc eles possuem deixa de ser-lhes suficiente para viver na ocio-
nao conceder esse
direito a todos igualmente. Oranjo sidade, longe das preocupações e dos negócios.. ou bastante
a viver sem fazer nada,
i..:?.8 impossível quando ou z0 pequena para que vivam à custa do Estado. E natural que
Aí já temos, pois, uma espéciã -ãã não possuem Íortuna.
"iàuOaouo"mo"lr.i;;;;,iào u. eles concordem em ser dirigidos pela lei, ao invés de se Íaze-
.
35 causas que determinamos. rem eles próprios soberanos.

§"4 A segunda espécíe está determinada pelo modo de § 7. Ao contrário, se os que possuem fortuna forem em
eleiçào que ela a"lotou. Todos áquetes
qr" número menor que aqueles dos quais acabarnos de {alar. e
veis. do lado do nascimento. têm Oireito .ao irr"órJàn.i $e possuem Íortunas maiores, chega-se à segunda espécie
O" puri;jãrr. Oo.
negócíos do governo, embora não
tenham úo; iãIu-aure. de oligarquia. O poder assanha a ambiçáo e multiplica a cobi-
sê ocupar. As leis ainda sáo soberanas ça. E por isso que os ricos escolhem nâs outras classes um
democracia, porgue os cidadâos nesta espécie de 25 Çerto número de cidadãos, que chamam para a administra-
nào possuem fortuna. A
terceira espécie admite às funçoel púbricas
todos os homens çáo, e não sendo ainda bastante fortes para mandar sem a
qo livres. mas a razão que lei. são-no, no entanto, para lazer promulgar a lei que lhes
acabamos de expor inibe_os de exer_
cer seu direito: Íorçosamente, pois, concede uma tal prerrogativa.
r2e3a nesse governo. A quarta
a rei ainda é soberana
espécie ó aquela gue se ã.i"ú"1""
ceu por último nos Estados, segunoà § L Concentrando-se as fortunas, que sê tornarn maiores,
a ordem .ronoloói.ãl ern poucas mâos, recai-se no terceíro grau da oligarquia -
§ S. Com efeito, devido ao crescimento dos Estados aquele em que os cidadãos da minoria ocupam as magistra-
relaçâo ao que eram na sua ÍormaÇão, err turas por sua própria vontade, e em virtude de lei que adiudi"
rendimentos que usufruem, tooos
e aos consideráveis
oJ cidadãás pãri"úãÃ"0, ca aos filhos a sucessão dos pais. Finalrnente, quando a in-
direçâo dos neoó11qs, em razâo Íiuência devida por ceÍtas pessoas a uma Íortuna imensa e a
multidão: eles exercem os seus
ài er"ponoerância obtida peta
direitos de cidadãos, e admi- um número considerável de partidários tr:rna-se absolulamen-
s nistram, porque podem dispoi ü-;;rpo necessário, te preponderante, resulta disso uma dinastia qLle ern muito se
mesmo os pobres o podem, recebendo e até aproxima da monarquia; são os homens, e nã.o as leis, que
uma retriburção, Aljás,
é principatmênte esra, muttidão àr""oirpou o" detêm a autoridade soberana: esta é a quarta espécie de
vâgo; porque o cuidado dos seus Ãáü tàrpo
negócios piir"Jol-ná;, rr,* oligarquia, correspondente ao último grau da democracia.
traz o menor embaraço, ao passo qr*
prru os ricos ele é um § 9. Além da democracia e da oligarquia, há ainda duas
obsrácuto, a ponto de muitas u"i"lla,o
10 ma nos debates das assembláias torã*r"õr"riã ãrg, outras Íormas de governo, sendo uma delas conhecida de
gerats, nem mesmo nas todos, e que nos compreendemos nas quatro principais: mo-
funções judiciárias. Disso resurt, qí"
a murtidáo se torna narquia, oligarquia, democracia e aristocracia. No entanto,
senhora do governo e a lei perOe
à soOeranla. Tais, são, pois, ainda existe uma quinta à qual se dá o nomê de república,
as causas necessárras que determinam
o número à ã nome que também é comum a todas as outras. Mas, existin-
das diíerentes espécies á* oàÀá"r".".
"llat*,. do muito Íaramente, escapa àqueles que empreendem a tare-
fa de enumêrâr essas diferentes Íormas de governos. e só
t34 ABtsróTELES A POLirrcA ,35
EDIPRO LIVBOOUARTO UVRa OUAfrTO EDIPRO

12e3b contam quatro, comumente, como Íaz Platão nos seus dois citamos sejam governos degenerados, mas porquê, para Íalar
tratados' '" sobre esta matéria. es a verdade, todos ôs governÕs, sem excÕÇâo, não passam de
§ 10. E com razão. pois. que se dá o nome de aristocracia desvios da constituição modelo. Disso resulta serem eles
ao gênero de governo do qual falamos anteriormente;1'e é a classiÍicados juntos, comumente, como alterações nascidas
única denominação adequada para designar o Estado no qual umas das outras, conforme dissernos antes. Ívlas é com razáo
5 o poder se conÍia aos homens mais virtuosos, se se tomar que nós só Íalamos da tiranra em últirno lugar, pois de todos
estê nome no seu sentido absoluto, e não relativamente, os gÕvernos, é o que menos merece e$se ttome; e o objeto
como se faz quando se fala de pessoas de bem. Com eÍeito, eo deste tratado é o governo. Após ter explicado a ordem que
é o único governo onde o homem de bem, no rigor da pala- seguimos, vamos agora falar da república.
vra, ó o mesmo que o bom cidadãol ao passo que, nos outros § 2. Os característicos desse governo serão mais fáceis
governos, os bons cidadãos so são assim chamados de um de reconhecer, âgora que temos definido a oligarquia e a
modo relativo à constituição que os governa. No entanto, democracia, porque a república é, para bem dizer, um misto
governos existem aos quais também se dá o nome de aristo- dessas duas Íornras. Mas comumente se dá o nome de repÚ-
cracia, embora divirjam em alguns pontos dos que têm for- blica aos governos que têm certa tendência para a demo-
10 mas oligárquicas e do que se chama república. São aqueles cracia, ê o norne de aristocracia aos que mais se inclinam
nos quais, na escolha dos magistrados, leva-se em conside- para â oligarquia, porque a educação e a nobreza dos senti-
raçào não só a riqueza, mas ainda o merecimento pessoal e mentos são nrais comumente atributos dos ricos. Aliás, pare-
a virtude. ce que os ricos possueÍn já esses hens que {azem que a in-
§ 11" Quando o governo diÍere igualmente da oligarquia e veja arme muitas vezes a mâo culpada da !njustiça, esses
da república, é chamado aristocracia. Porque em Estados nos bens que nos fazem merecer o nome de homens bons, ho-
quais não se presta essencial e Íundamental atenção à virtude, nestos, excelentes.
encontram-se no entanto cidadãos que conseguem granjear § 3" Tendo a aristocracia por objetivo outorgar a preemi-
justa reputaçào nesse ponto, e que passam por ser homens nência aos melhores cidadãos, pretende-se também que â
15 honestos e virtuosos. Assim, nos paÍses cuja constituição visa oligarquia se compõe de homens hor:estos e virtuosos. Pare-
principalmente à riqueza, à virtude e ao interesse do povo, ce impossível que o Estado que tem costurnes aristocráticos
como em Cartago, o governo é aristocrático: e quando se tem não possua boas leis, e que, ao contrárro, seja mal regido; e,
por objetivo apenas duas dessas coisas, como em Lacedemô- do rnesmo modo, é impossível que aquele que nào possui
nia, há um misto de aristocracia e de dernocracia. Eis aí, pois, boas leis tenha costumes aristocráticos. Um Estado bem diri-
duas espécies de aristocracia além da primeira e mais perfeita 5 gido náo é aquele que tem boas leis, às quais nâo se obede-
zo pela sua constituiçáo; todas as Íormas das repúblicas propria- ce" Por um lado, é preciso que se obedeça às leis estabeleci-
mente ditas, quando tendem a se aproximar da oligarquia, das, e por outro que ostas sejam sábias e fielrnente observa-
constituem uma terceira espécie de aristocracia. das, porque também se pode obedecer a leis rnás. Aqui há
duas maneiras de compreender: as leis sào as melhores rela-
CapÍruuo Vl tivamente às circunstâncias, ou entáo, elas são as melhores
por si mesmas, num sentido absoluto.
§ í. (.) Resta-nos Íalar da forma comumente chamada
república, e da tirania. Se seguimos esta ordem de discussão, § 4. ,4 aristocracia consiste essencialrnente na repartição
nâo é porque a república ou as espécies de aristocracia que
.ts
dos cargos de um modo propol'cional à virtude, porque o ca-
racterístico proprio da aristocracia é a virtude, como o da
oligarquia é a riqueza, e ü da democracia a liberdade. Mas,
em todos esses governos, é sempre a opinião da maioria que
118. A Bepúbhca e as Lers.
manda. Com eÍeito, nas oligarquias, na aristocracia e na de-
119. No Íinal do terceiro livro, cujos últimos capítulos se extraviaram
136 AR|9íóTELES A PaLiTIcA í37
ÉD\PRO Ltvno auanro Ltvfto ouARTa E0'|PÃo

mocracia, é a opinião da maioria daqueles que participam do


governo que constitui a soberania. Também é aí que se en- § 2. Ora, existem três maneiras de Íazer esta composição
ou mislura. Primeiramente, pode-se tomar a parte da legisia-
contra aquilo que, na maioria dos Estados, dá nome à lorma
rs do governo. Efetivamente. só se visa operar a mistura dos ção comum a cada uma dessas duas formas de governos;
seja, por exemplo, o que concerne à administraÇâo da justiça.
ricos e dos pobres, da riqueza e da liberdade; porque, aos De fato, nas oligarquias inrpõe-se uma multa aos ricos, quan-
olhos da maioria dos homens, a riqueza parece substituir o do estes descuram de exercer as Íunçôes de juiz; e nenhuma
mérito e a virtude. qo retribuiÇão é dada aos pobres, quando a êxercem; ao pâssÕ
§ 5. Há três elementos que entre si disputam a rgualdade que, nas democracias, concede-se uma indenizaçáo aos
20 no governo: a liberdade, a riqueza e a virtude. Já não Íalo do pobres, e não se multam os ricos. Ora, adotando esses dois
quartô, ou da nobreza, gue é uma seqüência natural dos dois processos, ter-se-á um meio termo comum às duas espécies
últimos, visto que não ó mais que uma posse antiga de rique- lzsau de governos, e, por esta razáo, adequado à república, já que
za e de virtude. Sabe-se que é à combinaçáo dos dois primei- será uma espécie de combinaÇâo das duas formas. Eis aí,
ros elementos, os ricos e os pobres, que se dá o nome de pois, um primeiro modo de combinaçáo.
república, e que a combinação dos três elementos é r-nais § 3. Outra rnaneira é tonrar o termo médio entre os regu-
particularmente o que se chama aristocracia, sem contar a lamentos de uma e outra espácie de Eoverno. Assinn, uma
rs verdadeira aristocracia da qual se tratou em primeiro lugar. concede o direito de deliberar nas assembléias gerais, sem
Fizemos ver, pois, que além da monarquia, da democracia e qualquer condiçáo de censo, ou então cÕm um censo mínimo,
da oligarquia, existem outras formas de governos; dissemos ao passo que a outra exige, para o exercício desse mesnlo
quais sáo essas Íormas, em que a aristocracia e a república direito um censo considerável. Sem dúvida, nada há de co-
diferem, tanto êntíe si como da aristocracia propriamente mum entre duas condições, mas pode-se tomar um termo
dita, e que elas têm entre si relações de analogia náo muito rnédio entrê os censos exigidos por cada uma dessas duas
distintas. espécies de governos. A terceira maneira consiste em tomar,
nas regrâs adotadas pelos dois governos, uma parte daquilo
que prêscreve a lei oligárquica, e Llma parte do que exige a lei
Cnpíruuo Vll democrática. Por exemplo, considera-§e uma instituiçáo de-
30 mocrática a distribuiçâo das magistraturas pela instituiçáo
§ í. Mostremos agora. como conseqüência daquiio que dis- oligárquica. A democracia não admite, em tal ca$o, remune-
semos, de que modo se forma, alónr da democracia e da oli- 10 ração alEuma, e a oligarquia exiEe um conso determinado.
garquia, o governo chamado república. e como deve ser ele
Por conseguinte, convirá à aristocracia e à república adotar
constituído. Tal será demonstrar ae mesmo tempo como se
uma parte das instituiçÕes oligárquicas e das instituiÇões de-
definem a democracia e a oligarquia; porque é preciso em pri-
mocráticas; a r:ligarquia dará o sistema de magistraturas ele-
meiro lugar tomar êssas duas formas separadas, e depois,
tivas, e a democracia o princípio de não exigir condição al-
aproximando-as uma da outra, cÕmpor da sua reuniáo uma
guma de remuneração. Tal é a fnrma de operar a mistura
Íorma úníca, pouco mais ou menos como se faz das duas par-
nessas duas Íormas de governos.
es tes desses símbolosl20 que sáo um sinal de reconhecimento.
§ 4. O característico da mistura perÍeita é que se possa di-
zer de um só goveÍno que ele seja uma democracia e uma
120. o símbolo chamado em latim lessara. êra uma moeda ou um pedaço dê metai, 15 oligarquia; porque é claro que aqueles que assim se exprimem
madeira ou outra coisa qualquer. que se padia êm dois, sendo cada úma das par- não Íazern mais que enunciar a impressáo que neles produz a
tes guardadas pelas pessoas contratantes parâ se reconhecerem após uma longa perfeita mistura das duas formas. Também é esse o resultado
separação, ou pâra fazer reconhecer um terceiro que seria encanegado de r-rm
recado ou mensagens por um deles ao outro, usava-se isso nas relaçÕes de ami-
da exata proporção oi:servada entre um e outro, porque cada
zade, de hospitalidade. de comércio ou nas distribuíçôes de trígo, diÁheiro, ou de um dos extremos parece, por assim dizer, nele se reÍletir: o
outra qualquer natureza, paÍâ com o povo, como sê usam os bilhetes. que de fato acontece no governo de LacedemÔnia.
t38 ARtsrórELÉs
EDIPRO LtvRo auABTo

20 § 5. Muita gente nâo vacila em citá-lo como uma democra- nosso assunto seja tratada do mesmo modo que as outras,
cia, porque há em sua constituição muitos elementos democrá- visto que nós a contamos também entre as formas de gover-
ticos; desses, em primeiro lugar, a educação das crianças, pois no. Ora, nos livros anteriores, definimos a noção que deve ser
os filhos dos ricos são criados como os dos pobres, e a instru- ligada à realeza, quando examinando a espécie de governo
ção é tal que mesmo os filhos dos pobres podem recebê-la. O qire é especialmente designada por este nome, procuráva-
mesmo acontece com a época seguinte da vida, e quando os mos saber se é ou náo útil e benéfica aos Estados confiados
zs jovens se tornam homens nada distingue sensivelmente o rico à sua autoridade, em quais circunstâncias, e como'
a ques-
do pobre" Quanto aü que se reÍere à alimentação. acontece § 2. No curso dos nossos estudos ÍilosóÍicos sobre
também a mêsma coisa: todos são tratados igualmentê nas 10 tãoia realeza, distinguimos duas espécies de tirania, pelo iato
refeiçôes comuns - e sobre o modo de vestir-se, as vestes que de a natureza de amLras se aproximar bastante da reale-
os ricos usam são tais que náo existe um único indivíduo entre za elas na lei, como na própria realeza'
- isso por se basearem
os pobres que não possâ obtê-las iguais. A isso acrescenla- Algumas naçôes bárbaras escolhem para si reis absolutos'
mos que, das duas magistraturas mais importantes, uma tí .oiro o* possuíam os antigos gregos; chamavam-se asine-
so conferida por escolha do povo, outra lhe é acessível; é ele que IE tas.'n' Mas essas tiranras diÍeriam em certos pontos: eram
escolhe os senadores, e pode exercer as ÍunçÕes da eÍoria. reais, por se fundarem nas leis e na vontade dos súditos; mas
Outros dizem quê o governo de Esparta é uma oligarquia, por- também eram tirânicas, pelo Íato de ser o poder absoluto e
que nele se encontrâm várias instituiçÕes oligárquicas. Todas totalmente arbitrário'
as funções lá sáo eletivâs, sem haver uma só que seja conferi,
da por sorte: alguns magistrados decidem soberanarnente § 3. Finalmente, existe urna terceira espácie de tirania,
que parece merecêr mais especialmente êstê noffie, e que
sobre a morte ou sobre o exílio dos cidadãos; e já não falamos
corresponde à monarquia absoluta. Forçosamente essa tira-
de muitas outras instituiçÕes semelhantes.
nia é uma rnonarquia absoluta que, sem responsahilidade
s5 § 6. Mas é preciso que ern um governo no quai a mistura alguma, e nn interesse exclusivo do tirano, governa homens
das duas formas seja perfeita, julgue-se reconhecê-las a am- quie valen'r tanto ou mesmo mais que ele' Essa monarquia
bas, sem nele encontrar nem uma nem outra; é preciso que jamais se importa com os interesses particulares dos súditos.
ele se mantenha por si mesmo, e não por auxílio estranho. 'E
no entanto ela existe, apesar de náo haver um único ho-
Quando digo por si mesmo, nâo quero dizer pela vontade de rnem livre quê suporlê volunlariamente um tal poder" Tais sáo
um grande número de estrangeiros que desejassem mantê- as trôs espàcies de tiranias, tais as causa§ que a§ produzem'
lo, porque isso poderia acontecer tambérn a um mau governo;
mas pelo acordo unânime de todos os cidadãos, dos quais
+o nenhum desejasse outra constituição. Acabo de dizer de que
modo convém a uma república ser constituída, assim como
Capírulo lX
as outras Íormas políticas designadas sob o nome de aristo-
cracia. 25 § 1" Mas qual é o melhor governo, e
qual a vida mais feliz
prtã , maioria dos Estados e dos indivíduos, comparando-se
essas duas coisas. não a uma virtude sobre-humana, nefi'l a
Capírulo Vlll uma educaçáo que exiia aptidÕes e recursos especiais' nem
1zs5a § Í. Resta-nos121 afinal falar da tirania: não que tenhamos a uma constituiÇáo política organizada a gosto, por assim
muita coisa a dizer sobre ela, mas para que esta parte do 30dizer.masaum-mododeviverquepos§aserodamaioria,e
uma forma de governo quê a maioria dos Estados possa re-
121. Aristóteles diz aquí que só lhe resta falar da tirania. No entanto ele nâo teria ceber?
tratado da aristocracia que é a segunda Íorma de governo segundo a sua classiÍi-
caÇáo. admitindo,se a ordem atual dos livros. É preciso, pois. que êle tenha trata-
do antêriormsnte. 122^ Livro lV. c. lX
14A Anrcróretts A PoLiTIcA 141
EaPRa Lííffiueara LtíRl aiÃRia EDTPRa
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§ 2. üe fato, os governos que se chamam aristocracias, e benefícios tüínam-se dernasiado humildes e rasteiros. Disso
dos quais acabamos de falar, estão longe das possibilidades resulta que un§, incapazes de mandar, sÓ sabem mostrar
da maioria dos Estados. ou se aproximam daquele que se 20 uma obediência servil, e que os outros, incapazes de se sub-
chama república. Essas aristocracias e a república podem, meter a qualquer poder legítimo, só sabem exercer uma auto-
pois, ser tratadas como uma só e única forma. Demais. os ridade despótica.
ss mesmos elementos entram em todo o exato julgamento sobre
cada uma dessas duas questões. Se com razão dissemos na
§ 6. E, pois a cidade não se compÔe mais que de senho-
res e escra\ros, e não de homens livres. Uns, cheios de des-
Etica que a vida feliz é aquela qLie segue, sem obstáculos, a prezo pelos seus concidadãr:s, os outros cheios de inveja:
senda da virtude, e que a virtude é urna situação média entre
sentimentos Êsses que estáo bem longe da benevolência e
dois extremos, segue-se necessariamente quê a melhor vida zs do caráter de sociedade que fazem o verdadeiro cidadáo'
está nessa condição média, visto que a mediocridade é pos- Porque a benevolência á a condiçáo de toda sociabilidade;
sível para todo o indivíduo. por isso ninguém quer caminhar a par de seus inimigos. A
40 § 3. Mas a mesma definição deverá por força aplicar tam- cidade deve ser formada tanto quanto possível de cidadâos
tzssr bém às qualidades e aos vícios do Estado e do governo, por- iguais e .semelhantes; é o que $e encontra nas situações
que o governo é, de algum modo, a vida do Estado. Todo o médias. E preciso, pois, que o Estado mais Íeliz seja o Estado
Estado se compôe de três classes de cidadãos: os que são composto desses elementos que dele formam, repito, a base
muito ricos, os que são muito pobres e aqueles que estão em natural.
uma posição intermádia com uns e outros. Assim, concor- 30
dando-se em que a moderação e o meio termo são preferí-
§ 7. Os cidadãos desta classe são precisamente aqueles
que melhor se rnantêm e con§ervam, porque eles náo deseiam
s veis, disso resulta claramente que em matéria de proveitos de os bens dos outros, como ú§ pobres, e nâo sáo, como os ricos,
toda espécie melhor á possuí-los em um certo grau de medio- objeto de inveja e de ciúme. A sua vida é menos cercada de
cridade. perigos porque eles não são tentados a prejudicar pessoa al-
§ 4. Com efeito, os homens, em tal condição. submetem- guma, e ninguém procura preiudicá-los. Não se pode deixar,
se Íacilmente à razâo; mas, daquele que possui na mais alta assirn, de aprovar o desejc do poeta Focilides; "
acepçâo os bens de nascimento e de fortuna, ou, ao contrá- "A mediania nos curnula a tados de bens;
rio, daquele cuja fraqueza e rniséria chegam ao excesso, a
to obediência à razão é muito diÍícil de se obter. Uns, inflados de Quero viver no meia dos meus patrídos."
orgulho, são mais facilmente arrastados aos grandes atenta- a5 § L E evidente, pois, que a comunidade civil mais perÍeita
dos conlra o governo; os outros voltam a sua maldade para é a que existe entre os cidadãos de uma condição média, e
uma in{inidade de pequenas desordens, porque só se come- que não pode haver [stados bem administrados {ora daque-
tem crimes por orgulho ou por malvadez. Eles não apreciam les nos quais a classe média é numerosa e mais forte que
as magistraturas nem as funçôes de senador; ambos são todas as outra§, ou pelo menos mais Íorte que cada uma
perigosos para o Estado. delas; porque ela pode fazer pender a balança ern favor do
§ 5. E preciso dizer também que, com a superioridade ex- partido ao qual se une, e, por esse meio. impedir que uma ou
cessiva que píoporcionam a força, a riqueza, um grande nú- outra obtenha superioridade sensível. Assim, é uma grande
15 mero de partidários devotados, ou qualquer outra vantagem qo felicidade que o§ cidadáos só possuam urna fortuna módia,
semelhante, eles nâo sabem e nern mesmo querem obedecer 12s6a suficiente para as suas necessrdades' Porque, sempÍe que
aos magistrados. Esse espírito de indisciplina manifesta-se uns tenham imensas riquezas ê outrÕs nada possuam, resulta
desde a sua infância na casa paterna, e a pouca energia com disso a pior das democracias, ou uma oligarquia desenÍreada,
que são educados impede-lhes 1á obedecer nas escolas. Ao
contrário, aqueles que vivem em extrema penúria desses
123. Focilides de Mileto, poeta cÔmico. Vivêu nÊ fim do sexto século a'C
142 ABtsróTELES A PaLíTI2A t43
Ltvao ouanro LrvRO 1UARTO EoPRa

ou ainda uma tirania insuportável, pÍoduto inÍalível dos ex- dois partidos que vem a triunfar sobrre o outro, disso ele se
cessos opostos. Com eÍeito, a tirania nasce comumente da aproveita para estabelecer um governo igual e no interesse
democracia mais desenfreada, ou da oligarquia. Ao passo de um como de outro, mas agarrando-se à dominação que ó
que entre cidadáos que vivem em uma condição média, ou o prêÇo da sua vitória, e entâo uns estabelêcem uma demo-
muito vizinha da mediania, esse perigo é muito menos de se craciá, outros uma oligarquia. Assim, entre os dois povos'"
temer" Disso daremos a razão, aliás, quando tratarmos das que dirigiram sucessivamente toda a Grócia, como cada um
revoluções que abalam os governos. deles só considerava a constituição existente em seu país,
um procurôu sempre estabelecer a democracia em todos os
§ 9. Pode-se convencer ainda de um outro modo que o Estados e outro nele implantar a oligarquia, visando unica-
Estado em que os cidadãos vivem na mediania é o melhor
administrado, e ô mais Íeliz. Com eÍeito, é o único isento de mente aos seus interesses próprios, e náo aos interesses
desordens e sediÇôes. Êm toda a parte onde a classe média comuns a todos.
é numerosa, há muito menos sediÇÕes que nôs outros gover- § 12. E por todas essas razÕes que jamais existiu uma
nos. A razão que faz com que os grandes Estados êstêjam {orma média de governo, ou pelo menos ela só tem existido
menos expostos às perturbaçoes é que a classe média neles muito raramente e em um reduzido número de povos. Forque
é numerosa. Ao contrário, nos pequênos Eslados, acontêce só se encontrou um homem'2t entre aqueles que antigamente
Íacilmente que toda a massa dos cidadãos se divide em duas sa tiveram a autoridade sobre os seus concidadáos que conce-
partes, porque quase todol sáo ricos ou pobres, quase nada beu a idéia de dar-lhes uma tal constituiçáo. Os homens des-
Íicando da classe média. E a classe média que garante às rzssu de muito tennpo contraíram o hábito de nâo poder suportar a
democracias uma estabilidade e uma duração que não tem a igualdade; ao contrário, eles só proclirâm mandar ou resignar-
15 oliEarquia. Ela é mais numeÍosa e chega mais facilmente aos se ao jugo daqueles que mantêm o poder. De todas essas
cargos na democracia que na oligarquia. Mas se a multidão consideraçÕes se depreende claramente qual é o melhor
dos pobres se torna excessiva, sem que a classe média au- EÕverno, e por que ele ó o melhor.
menle na mesma proporção, surge o declínio, e o Estado não
§ 13. Entre as outras constituiçÔes (já que reconhecemos
tarda a perecer. várias espécies de democracias e de oligarquias) náo é diÍícil
§ 10. O que prova a verdade desta asserçáo é que os me- cornpreender qual é â que se deve colocar ern primeiro plano,
lhores legisladores pertencem à classe média; testemunhos: e aquela à quai se deve conceder o segundo, de acordo com
Sólon,'2o corno provam âs suas poesias; Licurgo,125 que não o mesmo sistema de exame. Porque aquela que mais se
era rei; Carondas;l2u e, por assim dizer, quase todos os ou- aproxima da melhor deve forçosamente ser preferida, e a que
tros. Vê-se, pois, claramente, por que quase todos os gover- mais se distancia do meio exato deve ser a pior, a menos que
nos sáo democráticos ou oligárquicos. Como a classe média se prôcure julgá-la em um caso determinado, porque, embora
é neles quase sempre diminuta, quaisquer que sejam aqueles 10 outra constituiçáo seja muitas vezes preÍerida, nada impede
que a ultrapassam, ricos ou pobres, acontece sempre que os que uma constituição diÍerente dessa possa ser mais benéÍi-
que saem da classe média atraem e arrastam consigo a for- ca a certos Estados.
ma de governo, disso resultando Íorçosamente uma demo-
cracia ou uma oligarquia.
§ 11. Há mais: por efeito das discórdias e das lutas que
surgem entre o povo e os ricos, qualquer que seja aquele dos
127. Os atenierrses e os lacedemÔnios.
128. Náo se sabe ao certo qual é este homem que AristÓteles qr-rts apontar. Supoe-se
124. A legislaçáo de Sólon data do ano 5§3 a,C. que se tÍate de Teseu. rei de Atenas, ou de Teopompo, rêi dê LacedemÔnia. ou
125. A de Licurgo remonta Õ ano 866. Clístenes, cidadâo poderoso de Atenas, ou Geláo, rei de Siracusa, ou Palríias. de
126. Carondas, legislador da Catânia, Régio ê Túrio. viveu 600 anos a.C Calcedônia, ou ainda Pitacos, urn dos sete sábios da Grécia
145
144 Aatsróretts A P1L|T'CA
EDIPRO
EDtPRo LIVRo QUABTa LIVRO OAARTO

Capírulo X CÔntraaclasseintermediária,vistoquenuncaunsconsenti-
rão em ver-se dominados pelos outros' Se eles procuram a
§ 1. Um assunto que se prende imediatamente àquele do condiÇáo mais adequada a toda a massa dos cidadãos' outra
qual acab,amos de tratar é o examê das qualidades e das não encontrarão alám dessa. Porque eles jamais concordaráo
condiçÕes da constituição que convém à natureza e ao cará- semexerceropoderalternadamente,devidoàdesconfiançaem
ter deste ou daquele. Deve-se considerar, antes de tudo, o que vivem uns em relaçáo aos outros, ao passo que em toda a
rs princípio geral que se aplica a todos os governos. E preciso parte o homem que inspira mais confiança é o árbitro; ora' aqui
que a parte da cidade que queÍ ver mantida a constituiçáo
o árbitro é aquele que pertence à classe média; quanto mais a
seja mais forte que a que nâo a quer. Todo Estado se com- mistura for completa, mais durável será o governo'
pôe de dois elementos: qualidade e quantidade. Entendo por
qualidade a liberdade, a riqueza, a inslrução, a nobreza, e por § 5. A maioria dos legisladores que desejam estabelecer
quantidade a superioridade numérica do povo. go,Ãrnot aristocráticos cai no duplo erro de conceder dema-
ãiado ricos e enganar o povo. Porque á infalível que' corn
2a § 2. No entanto pode acontecer que a qualidade se encon- "o.
à i**po, os bens ilusórios venham a produzir um verdadeiro
tre na segunda das duas partes de que se compõe uma cida- ,ul" Á ambiÇào dos ricos arruína mais Estados que a ambi-
de, e a quantidade na primeira. Por exemplo, é possível que ção dos pobres.
os homens sem nobreza sejam mais numerosos que os ricos, 6. Os artiÍícios pelos quais se proeura disfarçá-la com
mas que no entanto eles não prevaleçam tanto em matéria de
§
pr"iu*tot especiais são em número de cinco e reÍerem-se às
quantidade, como sâo inferiores em matéria de qualidade; é
ãsiãmntélas gerais, às magistraturas, aos tribunais, ao servi-
preciso, pois, comparar entre essas vantagens diversas. As-
ço militar e ãos exercícios do ginásio. Em primeiro
lugar'
es sim, em toda parte onde a multidão dos pobres prevalece o povo quando,
segundo a proporçào que acabamos de mencionar, deve iuarrto às assembléias gerais, êngana-se
tendo os cidadãos o direito de assisti-las, dos que delas se
naturalmente encontrar-se uma democracia, e cada espócie
eximem só se impõem multas aos ricos, ou então são eles
de democracia deve aí estabelecer-se segundo a superiori- submetidos a uma multa muito maior que as impostas aos
dade numérica de cada classe de povo. Por exemplo, se é a pobres; relativamente às magistraturas, quando náo se permi-
multidão dos lavradores a mais numerosa, será a primeira
ie àqueles que têm uma renda determinada livrar-se da multa
espécie de democracia que aí se encontrará; se é a dos arte-
apresentando uma escusa por iuramento, ao passo que isso
ro sáos e dos mercenários, aí se encontrará a última espécie, e se permite aos pobres; relativamente às funÇÕes judiciátias,
o mesmo acontecerá com as espécies intermediárias. quando se obrigam à multa os ricos que deixam de exercê-las
§ 3. Mas em toda parte onde a classe dos ricos e dos ho- e disso se dispinsam os pobres, ou entào quando a multa é
mens dístintos prevalece mais sob a relaÇão da qualidade do grande para un§ e pequena para outros, como nas leis de
que sob a da quantidade, deve-se estabelecer a olrgarquia; e Carondas.
Ígualmente cada espécie de oligarquía, segundo o gênero de que se inscreveram
§ 7. Em certos lugares, todos aqueles
as superioridade que distingue a classe oligárquica. No entanto zs nos registros públicos têm o direito de deliberar na assem-
o legislador deve sempre admitir no governo os homens da bléia gãral e tomar assento nos tribunai§; mas se eles não
classe média; com eÍeito, é esta classe de cidadâos que ele exercem os seus direitos, depois de serem inscritos, são con-
deve ter em vista, se as leis que estabelece Íorem oligárqui- denados a grandes multas - o que tem por Íim impedir os
cas: e, se Íorem democráticas, é ainda à classe média que cidadãos pobrus de se inscreverem por causa da mttlta de
ele deve adaptá-las. que são ameaçados, e ao mesmo tempo excluí-los tanto das
§ 4. Quando a classe rnádia prevalece pelo número sobre assembléias górais como dos tribunais, por não estarem ins-
as duas classes extremas ou apenas sobre uma delas, disso critos nos registros.
pode resultar um equilíbrio durável para o governo. Porque As leis que se reÍerem ao direito de possuir armas ou de
12e7a nào há motivo para temer que os ricos e os pobres conspirem so seguir os exercícios do ginásio sáo estabelecidas nas mes-
Íl

146 Afr$TÓTELES
EDpRa Ltvqa euARTa

mas bases: é permitido aos pobres nâo possuir armas, e mul- que pertenciam ao exórcito. E, entre os grego§, a prlmelra
tam-se os ricos se eles deixam de obtê-las. Aqueles nâo es- forma de governo estabelecida, após a aboliÇão da reale-
tão sujeitos a penalidade alguma, se se eximem dos exercí- 2a,130 era fõrmada só de guerreiros. De comeÇo o exército

cios do ginásio, e estes sâo condenados pelo mêsmo Íato, a possuía cavaleiros; a cavalaria é que fazia a sua força ê que
rs fim de que os rico§, temendo a multa, tenham cuidaclo em :o decidia do sucesso das batalhas. sem disciplina a inÍantaria
exercitar-se, e os pobres, nada tendo a temer, deixem de náo vale grande coisa; nos tempos antigos não se possuía
procurar tão grande benefício. Tais são as fraudes das legis- nem a ex§eriência nem a tática necessárias para se servir de
laçôes oligárquicas. uma infantaria com vantagem, de modo que toda a Íorça es-
§ 8. Mas nas democracias recorreu-se a outros artifícios em tava na cavalaria.
§ 11. Mas quando os Estados cresceram e a infantaria
sentido contrário; dá-se um salário aos cidadãos pobres quan- al-
do assistem às assembléias gerais ou quando se assentam maior desenvolvimento, o governo admitiu um núme-
nos tribunais, e nào se impÕe multa alguma aos ricos, quando zs "rúou
ro maior de cidadãos a tomar pârte nos negócios públicos. E
eles faltam. E fácil perceber, pois, que se se quiser fazer uma por esse motivo que os nossos antepassados ciamavam
4ü combinaçâo justa dessas instituiçôes, é preciso reunir as que democracia ao que hoje denominamos república" Esses go-
sáo aceitas por ambas as partes - conceder um salário aos vernosantigo§náapassavam,narealidade'deoligarquiase
pobres, ao pâsso que aos ricos se imporá uma multa. Porque realezas. Alraqueza da população impedia a classe média de
este é um n'leio de obrigar todos os cidadáos a participarem do se tornar nu*"ror", um'punhado de homens, sem classes't'
r?s7b üoverno, e, de outro modo, não passará de governo de uma distintas, anuía mais tacitamente em suportar o jugo da obe-
das duas partes" Por outro lado, é preciso que a república so diência.
se componha de cidadãos armados; mas, quanto à quota do
Demonstramos, pois. por que existem várias espécies de
censo nâo râ possível determinar de um nnodo aL:soluto o que
so formas de governo, e por que existem outras aiém das que
ela deve ser, e só se deve fixá-la após haver corrsiderado qual
citamos, pois que se distinguem várias espécies de democra-
s a rnaior extensâo que ela possa atingir, a {im de que os que
cias, o mesmo acontecendo com as Íormas de governo' Mos-
participam do governo sejam em número maior que aqueles
tramos também as suas diÍerenças, e a que causas elas são
que nele não têm parte alguma.
devidas. Finalmente fizemos ver qual é a melhor constituição,
§ $. Porque os pobres, mesmo quando excluídos das fun- pelo menos em um sentido geral, e qual, entre as demais, a
ções públicas, são bem dispostos a se manter em calma, se que convém a este ou àquele povo em particular.
não são aÍendidos nem despojados do pouco que possuem.
10 Ma$ isso não é Íácil, porque nem sempre acontece que os
homens que se pÕem à testa do governÕ possuam um caráter Capírulo Xl
doce e benigno, Comumente, em tempo de guerra, os cida- s5 § 1. Tornamos agora a essas diversas formas de um
dãos pobres demonstram pouco ardor pela deÍesa do país, se moão geral e separadamente, para cada uma delas remon-
a sua subsistência não é garantida e eles sáo abandonados à tando ao princÍpio que lhe ô próprio. Há em todo o governÔ
misória; mas se lhes forem fornecidos víveres, eles não dese- três partes nas quais o iegislador sábio deve consultar o inte-
jaráo outra coisa que náo se expor ao perigo.
resse e a conveniência particulares' Quando elas são bem
§ 10. Aliás, paÍses existem onde, para ser cidadão, basta constituídas, o governo é Íorçosarnente born, e as diÍerenças
fazer ou ter feito parte do exárcito. Em lValéia,''n qualquer
15 homem que trouxesse ou tivesse trazido ârmas, gozava do .l
direito de cidade; o magistrado so se escolhia entre aqueles 130. A realeza foi abolida em Atenas após a morle de codro, no ano de 132 a"c.
1 31. A base de todos os govêrnos antigos era a divisão
dos cidadãos em tribos, can-
tões, cúrias, etc. A oidem reirrante nessas diversas seções contribuía, tanlo como
129. Promontório clo Peloponeso, hoje chamacio cabo de Santo Angeio. na península as próprias leis, para a manutenÇáo do governo. As leis de Moisés, de Licurgo, de
de h/oróia. Sólon, de Numa e de Sérvio Túlio, disso sáo a prova.
A PàL|TICA 149
LI\RA QVARTO EDIPRO
i

40 exr§tentes entrê essas parte§ con§tituem os vári's g,verno§" guerra e concluir alianças, todas as demais matérias ficando
uma dessas três partes está encarregada de derib#ar a cargo dos magistrados, eleitos por sufrágio em tantas situa-
sobre
12§Ba os negócios públicos; a segunda é
a que exercê as magístra_ çÕes quanto permitidas pelas circunstâncias, sendo essas
turas, e aqui é preciso determínar quais as que se O1vem magistraturas todas as que têm que ser ocupadas por espe-
criar, qual deve ser a sua autorjdade especial, * .oÀ, cialistas.
devem eleger os magistrados. A terceira é a que aom;nisira"*
a
justiça. A parte deliberativa decide soberanament* § 5. Uma quarta maneira é submeter todas as questÕes à
Jà gràrru, so deliberação do povo em geral, não deixando aos magistrados
da paz, da aliança, da ruptura dos tratados, promulga
s pronuncia a sentença de morte, o exÍlio, o confisco] e ãs leis,
exami_
o poder de resolver sobre o que quer que seja, restringir as
na as contas do Estado" suas Íunçôes e preparar as decisões da assembléia geral.
Este é o último grau de democracia, tal como existe em nos-
§ ?, É forçoso que todas essas decisÕes sejam atribuídas sos dias, correspondendo, como dissemos, à oligarquia des-
aos cidadáos em geral, ou somentê a aiguns _ a uma magis- pótica e à monarquia tirânica. Tais são os diÍerentes modos
tratura única, por exemplo, ou entào a vãrios magístradoi; de governo democrático.
ou
estas a uns, aquelas ã outros; ou umas a todos e ãutras
a cer-
to número de cídadâos" Demais, o que está essencialmente § 6. Quando a decisáo de todos os negócios pertence
conforme com o espírito da democracia é conceder a tados 35 apenas a alguns cidadãos, existe oligarquia; mas aqui se
os direitas de decidir sobre tudo: aÍ está a iguardade a que encontram também várias diferenÇas, pois desde que eles
o sejam elegíveis sob a condição de um cênso determinado e
povo aspira sem cessar.
pouco elevado, desde que sejam em número suÍicientemenie
10 § 3. No entanto existem várias maneiras de dar a todos os grande devido à modicidade do censo, ê que, em lugar de
cidadáos a decisão dos negócios: uma é chamá_los u * pro- mudar o que está prescrito pela lei, a ela se adaptam, e que
nunciar cada qual por sua vez, e não todos todo homem que possui o iimite de renda exigido pode tomar
40 mesmo tempo.
E a isto é que visa a Repúbtica de Teleclas,r, Ue Hrtiieià. E* parte no governo, é bem uma oligarquia, mas que se aproxi-
outros governos as deriberaçÕes são feitas nas reuniões ma da república pelo característico de moderação que nela
rs magistrados; rnas as funçÕes públicas de todo gênero dos sáo 40 reina. Quando não participam todos das deliberações, ma§
confiadas a todos os cidadãos alternadamente, e ãs diversas 1 298b aqueles que são escolhidos governam de acordo com a lei,
tribos, até as menores divisôes, sáo convocadas para todas corno no caso precedente, é ainda um governo oligárquico.
as magistraturas, ató que todos os cidadãos delas tenham Mas quando aqueles que têm o direito exclusivo de deliberar
participado. Além disso, só existe assernbréia gerar de se escolhem entre si, quando o Íilho sucede ao pai, quando
todo o
povo quando se trata de promulEar leis, regulàr os negócios as leis podem ser feitas segundo a sua vontade, Íorçosamen-
eo do governo, ou proclamar os decútos dos mãgistrados. " te uma tal ordem de coisas é o que há de mais oligárquico.
§ 4. Ainda outra maneira é Íazer deliberar a massa dos ci- § 7. Se alguns cidadãos ordenam somenle sobre certas
dadáos sobre a eleição dos magistrados, sobre a tomada das coisas como a paz e a guerra, ao mesmo tempo que todos
contas, sobre as decisões a tomar a respeito de guerras ou ordenam sobre as contas que se devem prestar ao Estado, e
tratados de paz, e submeter todas as outras qulstões ao se os magistrados, nomeados por meio de sorte ou de elei-
juízo dos magistrados prepostos, quaisquer que
sejam, isto é, ção se pronunciam sobre os outros negócios, tal se chama
ts aqueles que, devido à sua experiência, forem eleiios por su_ aristocracia ou república. Mas se os magistrados nomeados
frágio ou sorteio" uma outra maneira é os cidadáos se reuni- por meio de eleiÇões decidem sobre certos negócios, ao pas-
rem para tratar das magistraturas, para exigir a prestaçáo de so que os que forem designados por sorte devem julgar sobre
contas do Eetado e para decidir acerca áe declaraçâo de outrôs; se os magistrados são escolhidos por sorte indistin-
tamente entre todos os cidadãos, ou apenas em uma classe
't0 determinada; finaimente, se todos são nomeados por eleição
132. Nada sabemos sobre Teleclas
150
rÊt.Ês A PoLÍnCA í51
LinRd oÃn;õ LIVBa QUARTo EDIPRO
e por sorte, o governo é em parte
aristocrático e republicano juízo dos magistrados. Precisamente o contrário do que acon-
e em parte puramente republicano.
Tais sáo, poii, ãããi*r*n tece nas repúblicas; nelas a minoria é soberana para absolver
Ças que rntrodu,z nas, constituiÇôes a organização
deliberativo. e,o modo p*ro qlài-o governo do corpo um acusado, e náo para o condenar; neste caso, a questão é
conforrne as diÍerenças qo* asriralamos.
se adminjstra, l2eea sêrTlpre levada ao juízo da maioria.

§ 8. Na democracia, principalmente naquela que parece


rs mais digna desse nome. quer dizer, a democracia ser
CapÍrulo Xll
onOà o pouo
manda com as" rois, seria bom, no lri;r;;Jr"i'ilãrlr=u"r, § 1. Eis aí bastante para fazer ver o que é o corpo delibe-
f azer o que se faz
nas origarquias Lm reraçâo aos rríbunais. rativo. isto é, o verdadeiro soberano do Estado. A questáo
se presürevem multas. contra aqr:eles que Aí
se deseja ver assí- relativa à divisáo das magistraturas une-se imediatamente à
duos como juízes,.a fim.de que efes
que, nas democracías, dá,se
ràg1, j*tú;. ,o"'p"."o que acabamos de tratar; porque esta parte da constituição
uma retnoutÇao aos pobres; seria dos Estados apresenta também inúmeras diferenças, seja
eo born, digo, fazer a mesma s quanto ao número das diversas magistraturas, seja quanto à
coisa nas" assembléias gerais, por-
que haverá mais sabedoria nas extensão dos poderes, ou à duração das funÇÕes. Uns acham
Jeriberaçoes àuJniã-iooo"
delas participam, quando ü povo àLtin"rur' que elas não se devem prolongar por mais de seis meses,
com os cidadãos
mais emínentes, e estes com a multidáo. outros por menos ainda; estes querem quê as magistraturas
tambóm, em só admirir às creriberãçoes
Uã""ri, ,u,llô**,
crdadãos eieitos ou sejam anuais, aqueles que elas durem mais tempo. Finalmen-
escoihidos por sorte, igualmente te, devem elas ser vitalÍcias ou ter um tempo de duraÇão bas-
as cíasses. Final-
mente, seria de utilidade, no caso"À'toduu
em que o número dos ho- tante longo? Ou nem uma nem outra coisa? Dever-se-áo
25 mens do povo urtrapassasse em ro chamar para exercê-las muitas vezes as mesmas pessoas,
muitos o dos honrens irrstruí-
dos e hábeis na ciência cu gou"rnai.'não ou será melhor não encarregar duas vezes a mesma pessoa
conceder retribuição
a todos, e sim a tantos. pobrãs quantos de exercê-las, mas apênas uma vez?
Íossem orii"Ã,,de
táo fazer escolher pela sorte ,*à--."rt* quantídade ã, "n
bres que tomariam parte nas deiiberaçoes. po- § 2. Quanto à própria composição das magistraturas, te-
mos a considerar ainda quais devem ser os seus membros,
§L poroutro lado, nos governos oiigárquicos,
seria ne_
por quem eles serão nomeados, e como. Porque é necessá-
cessário escother no povo alsuns cidadãoi rio que se possa ter idéias precisas sobre todas essas coisas,
tidos às deliberações, ou en"táo constituir,
qr" uuilrà ,Ori- que se saiba de quantas maneiras elas se podem realizar, e
como em certas
repúblicas, uma magistratura cornposta em seguida se possam adaptar a cada modo de govêrno as
daquel** qr" *'0"-
nominam relatores ou
Euardiões das leis e só se submeter às condições particulares que lhes são vantajosas. Nem é fácil
ao deliberaÇÕes as questóLs 15 determinar o que se deve entender por magistraturas. A as-
sor," àu qrais etes tLrÀrÁ ôãpr_
rado seu reiarório. porque, deste sociação polÍtica tem necessidade de várias espécres de che-
modo, o poro ããuiIiõlra
das deliberaçÕes sem poder abolir Íes, e é por isso que não se devem considerar como magis-
farte arguma essenclal da
constituição. poder-se-ia ainda só concedei trados todos aqueles que sâo eleitos pela voz dos suÍrágios,
ao po"o o àireito
de aprovar as iei.s que, lhe torem ,[r*u*ntrO"s, ou designados por sorte, como os sacerdotes, em primeiro
pudesse inlroduzk na legjslaçào quàlquur. sem que ele lugar; porque deve-se reconhecer que as funções são diÍe-
coisa de contrário.
Finalmente, poder-se-ia Jar támnOm-a rente§^ das dos magistrados civis. Acrescentemo-lhes os cori-
todos os cidadáos opi-
nião consultiva, deixando uon ,rgiitraáos a tiltima-pãJawãl
" feus'" e os arautos com os embaixadores que sào nomea-
35 dos por meio de eleição.
, §,!0. Seria preciso tambérn Íazer exatamente o contrário
daquiio que acontece.nas repúbticás; quando § 3. Entre as Íunçoes públicas, umas existem que sâo
o povo absolve, completamente políticas, devidoa uma ordem especial dos
é preciso que a sua decisão sela sãàerana,
-que mas não quando
ele condena; nesse caso ó práciso
a questáo volte ao
1 33. Aqueles que pagavarn as despesas com os coros de dança de música
A PoLirtcA 153
Ltvqo ouABTo EDtPRo

fatos, e que sê esiendem sobre todo o corpo dos cidadàos, cidadáos transÍorma os cargos públicos em instrumentos de
como o generai do exército em tempo de guerra _ ou entâo dupla Íinalidade que servem ao mesmo tempo de lanças e de
apenas sobre uma parte dos cidadãos. como as tuncôes de archotes.
inspetor de mulheres''u ou de crianças.,., outrai irrõoá,
referem-se à economial porque muitas vezes se elegem pre- § 6. Se podemos dizer, pois, quantos cargos são necessá-
postos para a nrediçãa do trigo. Afinal, o Estado teú caigos rios em todos os Estados, e quantos devem existir que, sem
cornpletamente servis, e quando ele é rico sào os ser indispensáveis, constituem, no entanto, uma necessidade,
que deles se encarregam. Sobretudo, para falar de um "."raio" será mais fácii, quando possível, determinar quais os que con-
modo vém reunir sob uma mesma magistratura. Convém também
absoluto, só se devem chamar magistiaturas às Íunções que
outorgam o direito de defiberar sobre certos assuntos, julgar e Í5 não ignorar quais são, segundo os lugares, as acumulaçÕes de
ordenar; este último ponto, sobretudo, é o que mais cáraãteri funÇões que devem abraçar a direÇão de várias coisas; e quais
za a autoridade. Aliás, isso nada siEnifica, por assim dizer, no as coisas sobre as quais uma só e única magistratura deve ter
uso comum; porque náo há um justo acordo quanto ao senti- autoridade absoluta, por exemplo, se é o inspetor do mercado
do que se deve dar à palavra magistrado, mas a sua verda_ que deve policiá-lo, e se deve haver, além dele, outro agente
deira significaçáo pode ser objeto de qualquer investigação público, se as funçôes devem ser distinguidas em relação às
mais ampla. coisas ou às pessoas; isto é, se um só magistrado deve ser
encarregado do policiamento, ou se será preciso um outro
§ 4. Quais sâo as nnagistraturas, e qual deve ser o seu ainda para as crianças e para as mulheres.
uso, para que a cidade exista? guantas há que, sem ser ne-
cessárias, são úteis, no entanto, em um Estado bem dirigido? § 7. Quanto aos governos, pode-se perguntar se existe al-
Eis aí questões diÍíceis de resolver para toda espácie Oõ go- guma diferença relativamente a cada um deles na magistratu-
3s verno, e principalrnente para os pequenos fstados. porque, ra do mesmo gênero, ou se nenhuma existe; se na dernocra-
nos grandes, é possível e necessário que uma magistratura cia, na oligarquia, na aristocracia e na monarquia, são as
se ocupe de um só objeto; é possÍveí que muitos cidãdáos se mesmas autoridades que mantêm o poder absoluto, embora
ocupem das funçôes públicas, porqile deles há multidão; de náo sendo representadas por homens iguais nem semelhan-
tal forma que uns esperam muito tempo para EalEá-las, e tes, mas completamente diferentes e dissemelhantes, visto
outros só a alcançâm uma vez. Aliás. toda a funçáo ê meihor que na aristocracia se encontram os cidadãos sábios e escla-
trssu exercida peios cuidados de urn só que dela se ocupe, que por recidos, na oligarquia os ricos e na democracia os homens
aquele que se envolve em muitas. livres; Íinalmente, se existem diÍerenças essenciais entre as
magistraturas, de tal modo que haja casos em que elas se
§ 5. Nos Estados pequenos, ao contrárío, é-se obrigado a assemelham, e outros em que difiram, pois que aqui convém
acumular muitas atribuições diferentes em poucas mãos. O que elas sejam amplas, lá limitadas.
reduzido número dos seus habitantes não permíte facilmente
que o corpo de magistrados seja numeroso. Aliás, quem se § 8. A isso acrescentamos que algumas há que têm um
s encontraria para substituí-los? No entanto os Estados peque_ caráter especial e particular; tal é, por exemplo, a instituiçáo
nos necessitam, às vezes, das me*mas rnagistraturas que os dos relatores,'"o que não é democrática; ao contrário, a deli-
grandes; apenas estes se encontram muitas vezes na contin_ beraçáo, isto é, a discussáo pública, é essencialmente demo-
gência de a eles recorrer, ao pas§o que essa necessidade só crática. No entanto, é necessário que haja alguma comissão
se Íaz sentlr àqueles após um largo espaÇo de tempo. Eis por desse gênero, que seja encarregada de preparar o assunto
10 que nada impede de confrar várias ÍunÇões a um só indivíduo, da deliberação para controlar o tempo do povo, e deixar-lhe a
contânto que umas náo prejudiquem as outras. A Íalta de Íolga de que necessita. Se essa comissão se compôe de
poucas pessoas, será uma instituição oligárquica; e como
134. Ginecomo"
135. Fadônomo 136" Aqueles que eram encarregados de preparar os assuntos de deliberaçÕes
154 Ár?,srórErEs A POL|TICA 155
LIvBo QUAHTo LIVRo qUARTO

nunca é possível que ela seja numerosa, conclui-se que é modos de execuçáo: todos os cidadáos podem escolher os
realmente oligárquica. Aliás, em toda parte onde o senado e a magistrados entre todos por meio de eleiÇão ou por sorte:
comissáo existem, os relatores tênr mais poder que os sim- podem escolhê-los entre todos sucessivamente e em várias
ples membros do senado; porque o senado é uma instituição partes distrntas, por exemplo, por tribos, por povoados, por
popular, e a comissáo encarregâda dos relatórios é uma insti- fratrias, até que tenham sido percorridas todas as classes de
tuiçáo oligárquica. cidadáos, ou entáo pode-se escolher sempre os magistrados
em toda a massa do povo; e ora de um desses dois rnodos,
§ 9. O poder do senado se destrói tambénn nas democra-
1300a cias em que o povo trata de todas as questôes. É o que acon- ora de outro. Há outros casos ainda: se todos os cidadáos
tece quando o pÕvo goza de certa abastanÇa. ou quando se escolhem os magistrados entre todos os membros da cidade
lhe concede uma indenizaçáo, sempre que ele assiste às por meio de eleiÇão ou por sorte, ou ainda entre alguns ape-
deliberações. Entáo o lazer que se garanie aos cidadãos per- nas, por eleição ou consultando a sortê; ou ainda em parte
mite-lhes reunirem-se muitas vezes e julgar eles próprios to- por urn desses dois meios, em parte pelo outro, quero dizer,
das as questões. Entretanto, um inspetor de crianças e um entre todos os cidadáos por meio de eleiçáo e por meio de
s inspetor de mulheres. bem como quaisquer outros magistra- sorte. Eis aí. pois, doze modos de nomeaçáo, independentes
dos que exerÇam tipo semelhante de inspeção, constituem das combinações duas a duas.
um traço aristocrático, e nâo democrático (pois como impedir § 12. Entre todos esses modos de nomeação, dois exis-
que as esposas dos pobres se ponham ao ar livre?), e tam- tem que sáo democráticos - quando todos podem escolher
pouÕo oligárquico. visto que as esposas de gavernantes oli- os magistrados na totalidade dos cidadãos, seja por eleiçáo,
gárquicos sáo indolentes e sensuais. ss seja por meio de sorte, ou por esses dois meios ao mesmo
10 Mas aí temos bastante dito sobre o assunto. no momento. tempo, quando certos magistrados sáo nomeados por sorte e
outros pela escolha dos cidadãos. Ao contrário, quando não
§ í0. Experimentemos agora volver aos princípios sobre os são todos os cidadãos que concorrem para a nomeação dos
quais se Íunda o estabelecimento das magistraturas. Ora, magistrados, quando estes são escolhidos âpenas em parte,
os seus diversos característicos dependem de três elemen- 40 por eleição ou poÍ meio de sorte, ou pelos dois modos ao
tos, cujas combinaçÕes devem forçosamente dar todos os mesmo tempo, ou entáo quando certas magistraturas sáo
modos possíveis de magistraturas. Esses três elementos sáo: acessíveis a todos, e outras a alguns apenas, pelos dois pro-
em primeiro lugar, aqueies que nomeiam as magistraturas, cessos ao mesmo tempo, isto á, a sorte para uns e a eleição
depois os que sáo nomeados" e Íinalmente o modo da nomea- r300b para ouiros, é uma instituição republicana com pendor aristo-
çáo" Mas cada um desses elementos admite três diferenças: crático. Se uma classe de cidadãos escolhe os magistrados
t5 ou sâo todos os cidadãos que nomeiarn ou apênas alguns; na massa do povo, seja por eleição ou por meio de sorte, ou
depois, todos podem ser eleitos, ou alguns somente, sob çon- dos dois modos, isto é, por eleiçáo para certas magistraturas,
diçoes especiais cje censo, nascimento, virtude ou qualquer e por meio de sorte para outras, é uma instituição oligárqutca;
outra vantagem desse gênero - como em ÍVegara, onde só se mas á ainda mais oligárquica quando se empregam as duas
apnoveitam para as nnagistraturas aqueles que haviam emigra- maneiras.
do e que voltaram lutando contra o povo; em terceiro lugar" a
nomeaçáo pode ser feita por meio de eleiçâo ou por sorte. § 13. Escolher certas magistraturas na totalidade dos ci-
dadãos, e outras apenas em uma classe determinada, oll en-
§ 11. Essas condições de nomeaçáo podem, por outío táo nomear alguns por eleição e outros por sorte, eis uma
lado, combinar-se duas a duas, quero dizer, aquela que exige s instituiçáo republicana. mas que se aproxima da aristocracia.
ü cônturso de alguns apenâs ou de todos; a que admite aos Quando alguns apenas têm o direito de nomear entre todos, e
cargos âpênas alguns cidadãos, ou que os adrniie a todos; as magistraturas são dadas por sorte ou pelos dois processos
finalmente, a que será feita por meio de eleiçáo ou por sôrte. - a sorte para uns e a eleiçâo para outros, a instituição é oli-
Cada uma dessas combinaçÕes admite por sua vez quatro gárquica; mas é ainda mais oligárquica se emprega os dois
156 A PoL|TICA í57
Anrcrórercs
EDIPRo L'vBo QUA'RTS EDtPRo
UVRa QUABT)

meios. Se a nomeação é feita entre todos para certas magis_ que a constituiçáo á interessada;'" aquele que decide entre
traturas e entre alguns somente para outras, seja por eleiçâo, os simples particulares e os magistrados em casos de contes-
seja por meio de sorte, ô modo é, ao mesmo tempo, aristo- aÇão de penas pronunciadas; aquele que se ocupa dos pro-
crático e republicano" Quando a ncmeaçáo e a elegibilidade cessos relativos a atribuições particulares, que tenham certa
são reservadas a alguns apenas, o sistema é oligárquico, por rmportância; além disso, o tribunal para os estrangeiros e o
que não há igualdade entre os cidaclàos, mesmo que se em_ 2s que toma conhecimento das acusaçôes de homicídio.
pregue a sorte ou os dois modos ao mesmo tempo; mas se
os eleitores nomeiam scbre a totalidade dos cidadãos, a insti- § 2. As espécies desse último gênero, seja que o julga-
mentô de todas as espécies se submetam aos mesmos juí-
tuiçâo deixa de ser oligárquica. O direito de nomeação con_
cedido a todos com a elegibilidade para alguns é arlstocráti- zes, seja que haja tribunais especiais para cada uma delas,
co. Tal é, pois, o número de modos de nomeação para as sáo: o homicídio premeditado, o homicídio involuntário, o
magistraturas, e é assim que eles se dividem das diversas homicídio confessado e reconhecido por seu autor, com moti-
formas de governc. Será fácil compreender o que pode ser vos que ele julga justos; finalmente, existe uma quarta espé-
vanta.joso a esta ou aquela forma, como convém orEanizar as
cie desse gênero, quando o autor de um homicídio, depois de
constituições e, ao mesmo tempo. que grau de poder se deve se ter exilado voluntariamente, vem responder às acusaçoes
dar às magistraturas" Entendo por êsse grau de autoridade, daqueles que se opÕem a que ele volte à sua pátria. _Diz-se
10 qile tal magistratura é soberanamente encarregada das ren- que o tribunal situado no quarteirào chamado Freato,'00 em
das do §stado, outra da sua defesa. porque exúte uma gran_ Atenas, toma conhecimento dessa espécie de causas. Mas
do diÍerença entre a autoridade que outorga o comandã do 30 acontece que elas raramente se apresentam, mesmo nas
grandes cidades. Quanto aos processos dos estrangeiros,
exército e a que decide nos tribunajs sobre as iransaeÕes desses há duas espécies: entre estrangeiros, ou então entre
entre particulares.
estrangeiros e cidadãos. Além dos sete tribunais que vimos
de citar, existe ainda um oitavo que iulga as pequênas tran-
Capírulo Xlll sações entre particr-rlares, quando o seu valor não passa de
cinco dracmas, ou urn pouco mais; porque é também necês-
§ 1. Das três partes constitutivas de cada Estado. só nos ss sário que essas demandas sejam julgadas; mas elas nâo sáo
resta falar dos tribunais.'t' Pâra conhecer-lhes a organizaçâo.
da competência de urn grande tribunal.
15 empregaremos o método que já temos seguido. Os tribunais
podem variar entre si em três pontos de vista diÍerentes: as § 3. Não mais falaremos do tribunal encarregado das cau-
pêssoas, a natureza das causas, o modo de nomeação dos sas de homicídio nem do tribunal dos estrangeiros. Digamos
juízes. Trata-se de saber, quanto às pessoas que compÕem agora algo sobre a justiça civrl. Porque nâo sendo ela bem
üs tribunais, se elas são escolhidas entrê todos os cidadáos, administrada, surgem discórdias e tumultos graves no Estado.
ou apenas em uma certa classei quanto à natureza das cau_ É estritamente necessário que todos os cidadãos sejam con-
sas. quais são as diferentes espécies de tribunais; finalmente, co vocados por sorte ou por eleição para julgar todos os casos de
quanto à norneação dos juízes. se sâo designados por elei- disputas cuja enumeraçáo Íixamos, ou que todos sejam desi-
ção ou por sorte. Comecemos por determinar o número das gnados por sorte para certos casos, por eleição para outros; ou
diferentes espécies de tribunais" São em número de oito; o
tribunal que julgn^agentes devedores; o que decide sobre os
delitos públicos;'"o aquele que avoca a si todas as causas em 139. Atentado contra as leis em geral; o caso mais grave êra tentar mudar a Íorma do
governo e abolir a democracra.
'!
40. Existe no Pireu, junto ao mar, um lugar chamado Freato da palavra p,hreor, poço.
Quando um criminoso, exilado voluntariamente, era acusado de outro crime, e
.137. queria justificar-se, punha-se num barco em frente aa Freato, e sem ousar de-
Ver neste livro. c. Xl, § l. sembarcar, expunha sua causa perante os juízes sentados à beira do mar, para
I38. Concussão, infidelidade nas finanças, na gestão de umatutela ouvi-lo.
então é preciso que para determinadas causas os juízes sejam
't301ãem parte eleitos, em parte designados por sorte. Eis aí, pois,
quatro modos distintos. üutros tanros haverá se só se peimite
a uma parte dos cidadáos tomar assento nos tribunais, porque,
na porçào destinada a Íornecer juízes para todas as causa§, os
s juízes seráo nomeados. seja por eleição, seja por meio de
sorte, ou elegerão aqueles que deverâo julgar certas causas,
ou se escolheráo por sorte os que julEarão outras causâs, ou
ainda certos tribunais encarregados de um mesmo gênero de
câusas serão {ormados de juízes eleitos e juízes escolhidos Lvno outNTo
por sorte" Eis aí, pois, tantos modos quantos correspondem
àqueles dos quais acabamos de falar.
Slnopse.' Das revoíuções e transformações praduzidas por sÊ-
§ 4. Finalmente, pode-se ainda combinar essas condições ctições nos Esfados republicanos - Causas gerais - Elas nao
duas a duas: isto é, de uma parte, a condiçao de se chámar nascem por causas pequenas, porém se ariginam de pequenas
todos os cidadãos a julgar, ou apênas uma parte dos cida_ causas * Das revoluçÕes nas democracias, nas alíEarquias e
dãos. Pode-se tambám reunir os dois modos ao ffesmô tem- nas aristocracias - Meios de evltá-las - Das perigos aos quais
po; por exemplo, se os membros de um mesmo tribunal Íos_ se expôe a monarquia * Meios de preservá-la * Da tirania *
Sistema de Platão sobre as revoluções, tal cama ele próprio o
sem escolhidos, uns na massa dos cidadáos, os outros numa expôs na República
ro classe determinada, e isto ou por nreio de sorte ou por elei-
ção, ainda pelos dois sistemas ao mesmo tempo. Eis aí tocios
os modos possíveis de organrzaçâo dos tribunais. E em pri-
meiro lugar, entre essês modos, podern-se considerar derno-
crátlcos aqueles nos quais todos os cidadãos sáo convoca-
dos para decidrr sobre todos os negócios. Em segundo lugar, Cnpíruuo I

aqueles nos quais alguns julgam todas as causas, são oligár- § 1. Temos quase esgotado todas as partes do assunto
quicos. Hrn terceiro lugar, aqueles nos quais os juízes ãáo 20 que empreendemos tratar. Resta-nos agora examinar o nú-
escoihidos em parte na totalidade dos cidadãos, e ern parte rnero e a natureza das causas que produzem as revoluções
em uma certa classe, sáo ao mesmo tempo aristocráticos e nos Estados; quais as degenerescências próprias a cada
rs republicanos. espécie de governo; quais as modificações que produz a
mudanÇa de uma forma dada; Íinalmente, quais podem ser os
meios de conservação para todos os governos em geral, para
as cada um deles em particular.
§ 2. É preciso antes de tudo retornar ao princípio. Muitas
sociedades políticas se formaram por homens que, em sua
generalidade, adotaram as idéias de justiça e de igualdade
proporcional, mas que nisso se ênganaram, como dissemos
antes.'o' Com efeito, a democracia originou-se do fato de os
homens, por serem iguais em certos aspectos, julgarem sê-lo
30 em tudo; porque, sendo todos igualmente livres, imaginam
que entre eles existe uma igualdade absoluta.

14'1 " Livro lil, c" Vl, § 1


160
ARISTÓTELES
I A PoLirtca 161
EDIPfro
Ltvqo eutvTa Ltvqa ewNTa EaPRa

§ 3. Daí se infere que uns. sob pretexto de igualdade, abolir a realeza, e o rei Pausânias''" para abolir a rnagistra-
pretendern ter em tudo um direito igual;
e outros jrig;;Jo_.* tura dos éforos.
rs desiguais, aspirari a obter mais j pois quem dlz "mais
diz § 6. Em Epidamnetao o governo só foi mudado em parte;
desigual. É. poís. esses governos têm um Íundo de
mas existe um erro capital que lhes e comum. f iustiça. porque em lugar dos Íiliarcas (cheÍes de tribo), fundou-se um
poi essa senado. Todos os magistrados que participavam do governo
razão que uns e outros provÕcam discórdias quanào-nào
gozam de direitos políticos na proporÇão que Íoram obrigados a comparecer à assembléia geral denomina-
almejam. as da heliéia,'as quando a ela se levavam os sufrágios para o
Aqueles que poderíam com mais justo motíuo prouo""r'
,àb"_ estabelecimento de qualquer magistratura nova.
liôes e nuncâ o fazem são sem dúvida os homens
tsoru virtude eminente, porque é principalmente para
ã* uma
ou
Era uma instituição oligárquica a existência de um arconte
melhor, é só para eles que a desigualdade' absolutr't**
"1".,- ou cheÍe perpétuo, nessa república. Em toda a parte a desi-
razáo de ser. No êntanto cidaciãos uristem que, tenao gualdade produz revoluçÕes, quando os que nào têm privilé-
sonre
os outros a ventagem de uma ílustre ascendôncia, julgar_se- gios ficam sem qualquer indenizaçâo proporcional. Efetiva-
iam desonrados por êssa mesma desigualdade, se mente. uma reaieza perpétua, estahe{ecida sobre cidadãos
*"Uriti.-
senn a igualdade.sob uma relação qualquer; entende
o vulgo iguais, destrói a iguraldade; e geralmente todas as revoluçÕes
por nobres aqueles que dos seus antepassados receberam têm por objetivo o restabelecimento da igualdade.
virtude e fcrtuna.
§ 7. Há duas espácies de igualdade: a igualdade em nu-
5 § 4. Tais sáo as causas gerais das revoluçôes; tais as suâs mero e a igualdade proporcional. Eu chamo igualdade err
origens. Vejamos agora por que elas surgem de duas manei_ número aquela que é idêntica e igual na reiaçào da quantida-
ras" As vezes os cidadaos se revoltam côntrâ o governü, de e da grandeza; chamo igualdade proporcional a identidade
com
o fim de mudar para outra Íorma a constituiçáo ?stabelecida: de relaÇão. Por exemplo, três ultrapassa dois e dois ultrapas-
por exemplo, a democracia em oligarquia oü a oligarquia sa um em número rgual, mas quatro ultrapassa dois, e dois
em ultrapassa um em proporçáo igual, porque dois é urna perrte
democracia, ou estas em repúbÍicã ou aristocracá,
ou reci- de quatro, e um uma parte de dois; isto é, a metade. Ora.
10 procamente. outras vezes, nâo é contra a Íorma estaberecida
que se revortam, mas, consentindo ern deixá-ras convindo os cidadãos em considerar justa a igualclade a[:so-
subsistir, os
descontentes querem eles próprios governar, como acontece luta, já não concordam sobre a rgualdade proporcional. como
na oligarquia ou na monarquia. acima foi dito; uns por serem iguais em algurna coisa, imagi-
nam que o sáo em tudo: outros, por possuírem alguma justa
§ 5. As vezes mesmo não passa de uma questão de mais vantagem, pretendem todo o gênero de privilégios.
ou de menos; assim. exige-se que o princípio Oa otigarquia
seja concentrado ou mais brando em'reraçáo a demãcracià
quando se quêr Íortalecê-la ou enÍraquecê_la. O rnesmo
acontece com as outras Íormas de governo, quando existe 143. Pausânias. Íilho do rei Cleombroto. govêrnou o reino duíânte a mênoridade de
a
intenção de dotá-lo cle mais ou m*,io, força. Também dá_se Plistarca. filho de Leônidas. Tomou pa,te saliênte na vitórra de Platéia, ltvrou as
o caso de a revolução só atacar alguma parte da constituiçào, cidadês gregas da Ásra, tomou ühipre e Bizâncio, mas empanou a sua glória por
dêse.iar subjugar sua pátria. Deu or-tvidos à proposta de Xei'xes, que ihe oferecra a
ou para criar ou para suprimir uma magistratura. E asiim, mão de sua filha e a realeza da Grécia. Denirnciado ao Senado, foi entregue aos
diz-se, que Lisandro conspirolj,o, em "Lacedemôni" pàr, éforos, que ele quisera abolir, julgado por traiÇão e ccndenado à morte. ReÍugiou-
se em um templô de Atena, cujas potas forâm imediatamente muradas. e lá mor'
reu de Íome. 477 anos a.C.
144. Epidamne, cidade da llíria antiga, mais tarde chamada Dirráquio. hoje Durazzo.
entrê os Taulanti, sobre o Adriático. à frente de Brindisi. na ltália. Era o porto mais
1 42 Lrsandro apoderou-se de Atenas e nera estabereceu o governo
dos trinta tiranos. freqüentado por quem desejava passar da Grécia à ltália.
Poderoso entào na sua.pátrra, eíe se preparava, diz-sel p"r, .145.
Em todas as repúblicas dóricas, essa assembiéia gerai dos cidadâos era charna
foi mofto em um combate entre os tebánoi ê os êspârtanos. ".CI;uE*tal àrando
da aliáia. aticamente eliala.
162 ARtsróTELES A PaLíTICA 163
Eapao -- Ltvno owwra LIVRA OUNTA EDIPRO

40 § 8. Eis por que há duas espécies essenciais de governo: § 2. Tais pretensões são justas, por vezÊs, e por vezes in-
1302a ademocraciae a oligarquia; pois a nobreza e avirtude são ro justas, porque as discórdias surgem, da parte daqueles que
atributos de uma minoria; as qualidades contrárias estão com se encontram numa situaÇão inferior. para obtenção da igual-
a maioria. Em parte nenhuma se encontrarão cem indivíduos dade; e da parte daqueles que sào iguais, côm o Íim de al-
nobres e virtuosos, mas em toda parte uma inÍinidade de canÇarem a superioridade. Tal ó, como dissemos, a disposi-
pobres sem nobreza e sem virtude. Além disso, existe incon-
Ção de espírito que dá lugar às discórdias. Üs motivos dessas
s veniente em estabelecer uma ou outra igualdade de um modo perturbaÇões sâo comumente o interesse e a honra, ou, ao
absoluto. como ô comprovam os.resultados, porque nenhuma contrário, a perda dessas duas coisas, pois os cidadãos se
dessas constituiçÕes é durável. E impossível, quando se paÍ- revoltam quando querem escapar a uma desonra ou prejuizo
te de um princípio errôneo, que no Íim não resulte qualquer monetário, ou entáo disso livrar os amigos.
inconveniente grave. Deve-se admitir, em certas coisas, a
igualdade em número, e em outras a igualdade em píopor-
3s § 3. As causas e princÍpios desses movimentos políticos,
que produzem as disposiçôes que vimos de citar, e os deselos
çÕes.
que assinalamos" são em número de sete, mais havendo, por
§ 9. No entanto, a democracia é mais estável e menos ex- veze§. Acabamos de indicar duas, mas as causas nem sempre
ro posta às revoluções que a oligarquia, porque nesta a discór- operam de um mesmo modo; por exemplo. irritam-se os cida-
dia provém de querelas dos oligarcas entre si, ou dos oligar- dãos uns contra os outros por questoes de interesse e de am-
cas com o povo; ao passo que, nas democracias, só se Ía, lo biçáo pessoal, não porque deseiern adquirir riquezas e honra-
zem revoluçÕes contra a oligarquia. O povo jamais se insurge 13üzâ rias. mâs porque as vêem obtidas por outros, ora a justo tílulo,
contra si mesmo, ou pelo menos essas insurreiçÕes sáo des- ora sem direito algum. E preciso acrescentar-lhes o ultraje, o
tituídas de qualquer gravidade. Além disso, uma Íorma de medo, a superioridade, o desprezo, o crescimento despropor-
governo administrada por homens da classe média mais se cional de alguma parte do Estado, e, sob outros aspectos a
aproxima do povo que aquela em que uns poucos homens s intriga, a negligência, a desatençâo (que Íaz com que se am-
rs dispÕem da autoridade, e é de todos os governos desse gê- pliem as pequeninas coisas), a diferença dos costumes"
nero aquele que apresenta maior estabilidade.
§ {. E fácil perceber qual é a influência da violência e da
cupidez entre essas causas, e de que modo produzem a$
revoluçôes. Quando aqueles que exercem o poder se entre-
Capírulo ll gam a toda espécie de arbitrariedades e só procuram satisfa-
§ 1. Pois que examinamos quais sáo as circunstâncias t0 zer a sua cupidez, os cidadáos se revoltam contra os magis-
que produzem as transformaçôes e as revoluçÕes nos Esta- trados e contra os governos que lhes dão a força de cometer
dos, forçoso é saber quais sáo os seus princípios e as suas tais ultrajes. Aliás, a cupidez dos magistrados se satisfaz ora
causas. São em número de três, das quais é preciso determi- à custa dos particulare$, ora à custa do Estado. lgualmente
20 nar os característicos. Convém observar qual o estado de se percebe quanto podem em dignidade§, É como elas vêm a
coisas que produz as revoluções, por que elas nascem, e ser causas de revoltas. Os que se privam de distinçÕes indig-
quais os princípios das desordens e sedições entre os cida- nam-$e ao ver que outros a§ conseguem, e por isso se revol-
dáos. Pode-se considerar, em geral, como causa principal tam. Sob este aspecto, exi§le injustiça sêmpre que se obte-
que predispõe a uma transformaçáo aquela que já citamos: nham as dignidades sem que a elas se tenha direito, ou delas
zs revoltam-se os que aspiram à igualdade, quando imaginam ts se Íique privado sem o merecer. A superioridade produz o
que, apesar da igualdade dos direitos. eles são inÍeriores a rnesmo eíeito, quando um só, ou vários, têm uma ascendôncia
uma certa classe de privilegiados; e o$ partidários da desi- excessiva para o Estado ou para a força do governo, por-
gualdade e dos privilégios perturbam a paz, quando imagi- que dessa ascendência geralmente resulta a monarquia ou a
nam que só possuem uma parte igual ou menor de poder. oligarquia.
164 ÁÂlsrórErEs A PaLíTI2A 165
Éupna LIVRa QaNTo LtvRü ?utvTo Eaprya

§ 5. É por isso que surgiu o ostracismo em alguns Esta- § 7. Também surgem revoluçÕes, quândo uma parte qual-
dos, como Argos e Atenas. No entanto, deve-se evitar desde quer do Estado tenha adquirido um crescimento desproporcio-
o comeÇo as superioridades desse gênero, ao invés de deixá- 35 nal" Compõe-se o corpo de partes que devem crescer em
las que se formem e precisar remediá-las mais tarde. O medo uma proporção regular pâra que haja harmonia: do contrário,
produz sedições, quando os culpados receiam uma punição; ele se degrada, quando, por exemplo, o pé tem quatro cÔva-
e quando, na previsão de um atentado contra a sua liberdade, dos e o
resto do corpo apenas dois palmo§; ele poderiâ
desejam os cidadâos evitá-los antes quê seja cometido. É mesmo tomar a Íorma de outro animâl, se esse crescimênto
assim que em Rodes os cídadâos mais eminentes se coliga- 40 desproporcional se fizesse não só em rêlaÇião à quantidade,
ram contrâ o povo, para se subtraírem aos processos contra 1a0sâ como também à qualidade. Da mesmâ forma compÕem-se
eles intentados. um Estado de partes das quais alguma cresce muitas vezes
§ 6. Também o desprezo é causa de revoluçÕes. Nas ali- sem o nôsso conhecimento; por exemplo, a classe dos po-
garquias, por exemplo, quando a maioria, excluída de qual- bres na democracia e nas repúblicas.
quer participação no governo, acaba por sentir que é a mais
§ L lsso sucede também, algumas vêzes, por efeito de
Íorte; e nas democracias, quando os ricos começam a des- acontecimentos fortuitos, como em Tarento,'t' pouc{: depois
prezar a desordem. E o que aconteceu em Tebas, onde Íoi da guerra módica, que veio transformar a repúblicâ em de-
abolida a democracia após a batalha de Oinofito,laô devido mocracia, devido ao fato de terem muitos cidadáos ricos e
à má administraçáo do povo; em Megara,'A7 onde a desor- poderosos perecido em uma batalha ganha pelos Japígios;
dem e a anarquia haviam sido a causa de uma derrota; em em Argos, após o massacre de cidadáos, ordenado pelo
Siracusa, antes da tirania de Gelão;1aB finalmente, em Ro- lacedemônio Cleômenes,'u' na jornada cjo sétimo, surgiu a
des,'oe antes da revoluçáo cuja vitória coube aos ricos. necessidade de conceder o direito de cidade a um certo
número de criados. Em Atenas, após as derrotas sofridas
146. Cidade da Beócia, onde os atenienses derrotaram os beócios. Essa batalha, na pela inÍantaria, o númeno dos cidadáos da classe elevada
qual Mironides comandava o exército dos atenienses, teve lugar no quarto ano da achou-se muitCI diminuído porque um recrutamento conside-
804 0limpíada, 458 anos a.C. rável obrigou-os a servir por seu turno na guerra do Pelopo-
1 47. Teagênio, cheÍe do partido popular, acusou os ricos de Íavorecerem o partído
dos
lacedemônios contra os atenienses e fê-los expulsar da cidade. Então os exilados
se Íizeram apoiar por Brasidas. general dos lacedemôníos. que chegou a tornar-se
senhor de I'legara. O parlido oligárquico apoderou-se do governo e publicou por atenienses Íoram derrotados pelos lacedemônios, na batalha de EgospÓtamos,
um decrêto o esquecimento do passado. Era um ardil. os democratas voltaram à 405 anos a.C. 3) A luta dos principais cidadãos de Rodes contra o$ plebeus, uns
cidade. Foi ordenada uma revista. Todos os chefes do partido popular a ela se apoiados pelos lacedemÔnios, cutros pelos atenienses, foi renovada com §uces-
submeteram: mas os novôs magistrados tinham tropas escondidas, que ao sinal sos variados no 1a anô da 96s Olimpíada, 396 a"C.. e no 2! ano da 97ê OlirnpÍacia,
dado se apresentaram. Eles Íízeram sair das Íileiras cem cidadãos dos mais ape-
390 anos a.C" 4) A quarta deserÇáo seguiu-se à guerra sociall os principais rÓdios
gados ao partido popular, obrigaram o povo a deliberar em campo e. após essa
a ela haviam sido compelidos nào só pelas violências de Carés, general atenien-
vá Íormalidade que eles chamaram julgamento, os condenaram à morte, como se, mas ainda pelas promessas de Mausolo. rei da Cária, qr-re os havia predispos-
legalmente julgados. A oligarquia. diz Tr"rcídides, conservou-se muito tempo em to contra os atÊnienses. Quando a guerra rebentou, Mausolo enviou socorro a
Megara depois desta ocasiâo. Os atenienses se indignaram a tal ponto com Bodes e às outras cidades aliadas Quio, Cos e Bizâncio, 356 anos a.C. ApÓs a
aquela revoluçáo que viera destruir a democracia, que impuseram a pena de mor- guerra social e a mortê de I'lausolo. os principais cidadáos de Ro<les. apoiados
te contra todo o megarianô que pusesse os pés no seu território" pÕr ,qrtemisa, esposa de Mausolo, atacaram o povo e apoderaram-se do poder
148. os geómoros (proprietários de terras), perseguidos pelo povo de siracusa, recor- êm 355. Õ ponro, oprimido pelos grandes, pediu auxílio aos atenienses, DemÓste-
reram ao crédito e à Íorça de Gelão. que escolheram como chefe (Heródoto, l, nes pronunciou um discurso célebre para convencê-los a auxiliá-lo.
Vll, c. CLV).
1stl Essa batalha, que teve lugar no 4a ano da 764 Olimpíada, é amplamente narrada
148. Rodes desligou-se quatro vezês da aliança que fizera com os atenienses. í) os por Deodoro de Sicília l, ll, C. Lll, e Herodoto, l, Vll, c. ÜLXX, fala da clerrota que
rodianos, vencidos pelos lacedemônios. que Íavoreciam a oligarquia, foram obri- os tarentinos sofreram nessa época.
gados a se desligarem da aliança com os atenienses no .le anó da 92a Olimpíada,
Herodoto, l, 1.. c. LXXVI, conta dêtaNhadamentê a expediçáo de CleÔmenes contra
412 anos a.C. 2l A segunda deserçáo dos ródios teve lugar ao mesmo tempo que
a de outras cidades, Quio, Cos e Bizâncio, durante a g3a Olimpíada. quando os
Argos. Tal vitória remonta à 64r Ôlimpíada. 524 anos a.C. - Ver também Pausânias.
l. ll, c" XX.
?i

166 ABI9ÍÚTELES A PaLírtca 167


EDTPRo Ltvqo ouNTa Lrvqo oawTo EDtpRü

neso.152 E o que acontece iambém nas democracias, nem do. Querendo eles possuir a maior parte do territorio, sob o
mais, nem menos; quando cresce o número dos ricos e as pretexto de q.Us lhes pertencia, foram expulsos por sua vez.
Íortunas particulares sào aumentadas, o governo se torna Êm Bizâncro,''' os estrangeiros julgados culpados de conspi-
oligárquico ou completamente arbitrário. ração foram obrigados a deixar ó úi* depois de terern perdi-
do urna batalha.
§ g. A intriga, mesmo sem discórdia, basta às vezes para
15 provocar a mudança da constituiÇão; em Heréia,ls3 por exem- 35 § 11. Também, os antisseanos, tendo recebido eín sua ci-
plo, abandonou-se a eleição pela sorte, porque se elegiam dade os exilados de Quio, com eles se empenharam em bata-
sempre aqueles que eram designados pela intriga. A negligên- lha, e os expulsaram. Os zanqueanoslss foram por sua vez
cia também é causa de revoluções, quando se deixam alcan- expulsos pelos samianos, que eles haviarn recebido em seu
Çar as mais altas magistraturas aqueles que não são amigos seio. Os apoloniatas,'t' nas margens do Ponto tuxino, tive-
do governo; tal se deu em Oréia,''u onde foi abolida a oligar- ram de sustentar uma revoluÇâo pCIr terem permitido a es-
quia quando Heracleodoro, tornado arconte, mudou a oligarquia trangeiros habitar sua cidade; e os siracusanos, após a aboli-
em república e êm democracia. Às vezes bem pouco é preciso tsoeu ção da tirania, e sm recompensa ao direito de cidade por eles
para uma revolução; digo pouco, porque muitas vezes se intro- concedido a estrangsiros e merüenários, foram forçados a ir
duz na ordem legal uma grave alteração, que no entanto náo combatê-los. Em Aniípolis quase todos os cidadãos {oram
se nota, quando se tem o háb_ito de desprezar as pequenas expulsos pelos calcídicos,'oo aôs quais haviam recebido como
circunstâncias. Em Ambrácia,'" pequeno era o censo exigido concidadáos. Nas oligarquias a multidão se revolta por consi-
para os cargos, e acabou-se por obtê-los sem nada pagar, s derar uma injustiça o Íato de ela nao participar dÕs privilégios
como se pouco estivesse bem perto ou nâo diferisse de nada. que lhes concede a igualdade, como anteriormente foi dito; e,
nas democracias, sáo os homens eminentes que se revoltam,
§ 10. A diferença de origem também é causa de revolu- pelo fato de só possuírem uma parle igual a dos dernais cida-
çÕes, até que a mistura das raças seja bem operada, pôrque dãos, embora não sejam seus iguais.
náo se forma uma cidade de qualquer muliidão, nem em
qualquer tempo. Eis por que aqueles que admitiram como § í2" A posição topográfica também é causa de querelas,
cidadãos aos estrangeiros domiciliados ou aos colonos, Ío- quando o solo não é bem conÍormado, para que a cidade sela
ram, em sua maioria, expostos a sediçÕes como os aqueus, una. Assim, em Clazomena"' os haLritantes de Chitrum erant
que se unindo aos trezianos Íundaram Síbaris. Tendo se tor- inimigos dos habitantes da ilha; o mesmo acontecia com o§
nado mais Íortes, os aqueus expulsaram os trezianos, e mais ro habitàntes de Colofon e os notianos.'02 Em Atenas Õs que
tarde vieram os sibaritas a expiar esse_crime. Estes. por sua habitam o Pireu sáo mais partidários da democracia que os
vez, tiveram questões com os turianos,'"o que haviam admiti- habitantes da cidade. Nas guerras, a travessia de canais,

152. A guerra do Peloponeso rebentou por ocasiáo da ruptura havida entre Corcírio e 157. Nada se sabe além do que aqui se diz dos bizanlirros e dos aniis§eanos da ilha
Corinto, $ua capital; mas a verdadeira causa foi a rivalidade que existia entrê Atê- de Lesbos.
nas e Esparta. Atenas tomara o partido de Corcírio, e Esparta o de Corinto. Os 158. Zanque é o antigo nome de Messina, cidade da Sicília. Ver HerÓdoto, l. Vl, c. XXNll.
lacedemônios tinham por aliados os corÍntíos, os etolianos, os focídios, os locria- 159. Apolônia, colÔnia jÔnica. Vêr rnais adiante c" V, § 7, neste livro.
nos, os beócios e todos os pôvos do Peloponeso, com exceção dos aqueus e dos '160. Ver adiante, neste mesmo livro, c. V. S B.
argianos. Os atenienses tinham peÍo seu parlido os acarnanianos, Neupacta, Pla-
téia, Corcírio, as cidades da Trácia e da Tessália, todas as costas da Asia e do 161 . Cidade situada nas costas da JÔnia, a êntrada do golfo de Esmirna, Chirun ou
Helesponto. Esparla era a mais for"te em terra, Atenas no mar. Chitrum, arrabalde de Clazomena. era situada no continênte, ao pa§so que a ci-
dade era uma ilha" Estrabáo diz que Chitrum era Íanrosa pelos seus estabeieci-
153. Erécia, cídade da Arcádia.
mentÕs cle banho (1, XlV, p.614). Pausânias também Íala dos banhos de Chitrum
154. Oréia, colônia ateniense na Etólia. (1, Acaiea, c" V.). Durante a invasáo dos persas, urna multidão de iÔnios reÍugiou-
155. Cidade cio Épiro e colônia de Corinto. se numa pequêna ilha perlo de Chitrum e nela fundou uma poderosa cidade.
'l
56. Síbaris, cidade da ltália meridional, às margens do Crátis, que tinha a sua embo- 1 62. Nótio, lugar mais próximo do rnar que ColoÍon, vivia na deperrdência dessa cida-
cadura no golfo de Tarento; Túrio. cidade grega da Lucània, vizinha de Síbaris. de" (Tucídides, l, c. XLIV).
A PoLincA 169
Ltvno auNTa Eo'PÊa

embora estreitos, é suficiente para separar e dividir as Íalan- recebê-la. Para se vingarem desse ultraje, os pais da noiva
ges de um mesmo exército. Assim, qualquer diferença moral. dissimularam entre as suas bagagens alguns vasos sâgra-
t5 Contudo, os mais fortes motivos de desunião são a virtude, o dos, enquanto ele se entregava a um sacriÍício, e Íizeran:-no
vício. a riqueza e a pobreza, altím de outras causas mais ou condenar à morte como sacrílego. Em Mitilene, um motim
menos influentes, entre as quais é preciso contar a que acabo s provocado por herdeiras ricas fai causa de todas as desgraças
de citar. que se seguiram, e da guerra contra os atenienses, na qual
Paqués, se apoderou da cidade. TimóÍanes, um dos ricos ci-
CAPíTULO III
dadáos daquele país, tinha duas filhas" Daxander pediu-as
para seus filhos. e vendo repelido o seu pedido.. sublevou con-
§ 1. Assim, pois, as revoluções surgem, não para peque- 10 tra ele os atenienses, dos quais era o proxênio.'ou
nas coisas, mas de causas mínimas. O seu objetivo sempre
tem importância. As menores causâs se agravam quando § 4. Da mesma Íorma, em Focéia, o casamento de urna
20 atingem os senhores do Estado. É o que aconteceu outrora herdeira rica suscitou uma disputa entre Mnáseas.1ô5 pai de
[Vnáson, e EutÍcrato, pai de Onomarco, disputa essa que foi a
em Siracusa: o governo foi mudado devido a uma questão de
amor havida entre dois magistrados. Um deles Íez uma via- causa da guerra sagrada que os Íóceos tiveram de sustentar.
gem; o outro aproveitou a ocasião para captar a afeição de Ern Epidamne,'uu fôi tambám um casamênto a causa de uma
uma jovem que o seu colega amava. O primeiro, por sua vez,
ls revolução. Havia um cidadão prometido sua filha em ca§a-
2s para se vingar, atraiu à suâ casa a mulher do seu rival. Todos mento a um jovem. O pai deste, que exercia uma magistratu-
ra, condenou â uma multa o pai da moÇa, o qual. consideran-
os magistrados tomaram o partido de um ou de outro, e disso
resultou uma discórdia geral. do isso uma ofensa" sublevou em seu favor todos aqueles
que náo tinham direitos políticos.
§ 2. Eis por que se deve ter muito cuidado com tais princí-
pios, embora fracos, e procurar terminar por uma sábia conci- § 5. Õ governo pode também transÍormar-se em oligar-
quia, democracia ou república, quando alguma magistratura
liação as desavenças que porventura venham a surgir entre os
chefes do Estado e os cidadãos poderosos; porque a culpa
ou uma classe qualquer do Estado recebe beneÍÍcios exage-
eo rados ou cresce desproporcionalmente. Assim o senado do
está no princípio: o comeÇo, como se costuma dizer, é a meta-
Areópago, que granjeara grande reputaçáo'6/ no lempo da
de do todo, de modo que um pequeno erro que nele se encon-
guerra médica, exercia a autoridade corn demasiado rigor.
tre influi proporcionalmente sobre todo o resto. Geralmente as
questões que surgem entre os cidadãos principais arrastam Por sua vez, os homens do povo que serviam no mar, tendo
contribuído decisivarnente para a vitória de Salamina, e, por
toda a cidade; e é o que se viu em Hestióia,'u' apos a guerra
médica, em conseqüência de uma questão havida entre dois ela. para a supremacia dos atenienses, devido ao seu poder
irmáos, quando da posse da herança paterna. Sendo um deles
zs naval, idealizaram Íortalecer a democracia" Im Argos, os
pobre e vendo que o outro não declarava a quanto montava a nobres, que haviam obtido muitas honras na jornada de Man-
tinéia,16B na qual levaram urnâ '/antagern decisiva sobre os
Íortuna do pai, e o tesouro por este descoi:erto, amotinou con-
lacedemônios, resolveram abolir o governo popular.
tra ele os homens do povo, enquanto o segundo, que possuía
uma grande fortuna, arrastou os ricos na querela.
§ 3. Em Delfos, uma questão surgida num casamento Íoi o 1 64. Encarregado de negócios.
princípio das discórdias que depois estalaram; tendo o noivo 165. Vêr em Deodoro de §icÍlia, l, XVl, c. XXX|l.
sido abalado por um mau pressentimento, enquanto se dirigia 16§. Antigo nome de Dirráquio, hoje Durazzo. porto célebre da llíria antiga.
à casa daquela a quem devia desposar, retirou-se sem quêrer 167. Essa nircunstância deu ao governô de Atenas uma tendência aristocrática, à qr:al
Péricles substituiu instituiçÕes mais conÍorme§ com a democracia. Ver'o segundo
llvro da Política, c. lX, § 2.
168. A batalha cle Mantinéia, na qual pêíeceu fpaminondas, deu'se no segundo ano
163. Cidade da Eubéia" Ver Deodoro de §icÍlia, l. XVl. c. XXli. da 1044 Olimpíada, 362 anos a.C.
17A ARtsróT5LES A PaLiTIcA 171
LIVRo QUINTo Ltvqo oUrNT1 ED|PRâ

§ 6. Em Siracusa,lss tendo o povo saído vitorioso na guer- po dos quatrocentos,l/3 ventilando-se a notícia de que o rei
ra contra os atenienses. mudou a república para democracia. da Fórsia Íorneceria dinheiro para a guerra contra os lacede-
Em Cálcis,17o o povo massacrou o tirano Foxo,li1 juntamente rs mônios; mas, descoberta essa, mentira, tentaram os imposto-
com os nobres, ê tomou o poder. Do mesmo modo. em Am- res conservar o poder. As vezes também se obtém do povo
brácia, Íoi ainda o povo que expulsou o tirano Periandro,rT2 um primeiro consentimento, que depois se renova; a obediêncta
com o auxÍlio dos conjurados, terminando por se arrogar toda voluntária mantém e perpetua o governo. Geralmente, as
a autoridade. causas que enumeraÍflos produzem revoluções em todas a§
Íormas de governo.
§ 7. Em geral, á preciso não ignorar que todos aqueles
35 que aumentam o poder da sua pátria - magistrados, particu-
lares, tribos, cidadâos de uma classe qualquer da cidade - CapÍrulo lV
são causas de discórdias: os que invejam a glória deles iniciam
a sediçáo, ou eles próprios, Íiados na sua superioridade, nâo § 1. E preciso observar agora o resultado ciessas causâs,
zo aplicando-as a cada governo em particular. 0 que mais con'
mais querem reconhecer seus iguais. Perturbam-se ainda os
tribui para as revoiuçÕes nas democracias é a insolente per-
Estados, quando as classes de cidadãos que parecem opos-
1304b tas são iguais entre si por exemplo, os ricos e o povo e a
versidade dos demagogos: à força de diíamar os particulares
- - ricos, obrigam-nos a se ligarem a eles; e então o medo geral
classe intermediária é pouco numerosa ou nem mesmo exis-
une aqueies que mais se separam. E, nos negÔcios da repÚ-
te. Porque tendo qualquer uma das classes opostas grande
superioridade, e sendo evidentemente mais forte, a outra
rs blica, esses mesmos demaEogos irritam sem ce§sar a multi-
dão, como se pode observar em muitos Estados'
nada ousa aventurar. Eis por que os homens superiores em
s virtude jamais provocam perturbações: eles sâo muito pouco § 2. Em Cos,''o por exemplo, transformoLl-se o governo
numerosos comparados a multidão. Tais são, pois, em geral, democrático quando certos demagogos, completamente per-
os princípios e causas de revoltas e transÍormaçÕes que sur- vertidos, forçaram os ricos a se coligarem' O mesmo atonte-
gem em todos os governos. ceu em Bodes:"t os chefes do povo empre§avam as rendas
públicas em gratificações concedidas aos pobres, e impediam
§ 8. Há revoluçÕes produzidas pela força e outras pela as- que se pagasse aos triarcas aquilo que ihes era devido; mas
túcia" A Íorça se rnostra desde o princípio, no próprio instante estes Íoram obrigados, em conseqüência dos pÍocessüs con-
10 em que opera, ou produz mais tarde o constrangimento; a 30 tinuados que contra eles se moviam, a revoltar-se e abolir a
astúcia pode agir de dois modos: às vezes, tendo começado democracia. Também por culpa dos demagogos Íoi ela aboli-
por seduzir os cidadãos, muda, com o seu consentimento, a da em Heracléia176 pouco tempo depois da fundação daquela
constituição do Estado, e depois domina-os pela força, contra colônia. Vendo-se os cidadãos mals eminentes expostos às
a sua vontade. ,Assim se enganou o povo de Atenas, ao tem- injustiças, saíram da cidade; mas reuniram-se após para nela
entrar, e aboliram o governo popular.

173. o conselho dos 400 estabeleceu-se em Atenas no ano de 411 a,Ç". para substituir a
169. Essa mudança operou-se por umâ lei que firmou Diocles, o mais ardente inimigo assembléia do povo. Os quatrocentôs cedo se tornaran-l verdadeiros tiranos: eles
dos atenienses, ern virtude da qual as magistraturas, das quais haviam sido antes Cercaram-Sê de satélites, suprimiram o senado e rêcusaram o apelo de Alcibíades e
excluídos os cidadáos pobres, deveriam ser repartidas, por meio de sortê, entre outros exilados. Tendo tieixado os lacedemÔnios derrntarem a ÍrÕta ateniense e to-
todos os cidadãos indistintamente. (Deodoro de Sicília, L Xlll, c. XXXIV). marem de assalto Eubéia, eles perdei'am todo o crédito; a anrada, que estacionava
170. Capital da llha de Eubéia. em §amos, revoltÕu-se contra eles, escolheu Alcibíades para chefe, e o povo de
1 71 . Só se conhece o nomê do tirano Foxo por esta passagem de Aristóteles. Atenas expulsou-os^ Ele* haviam exercirlo o poder durante quatro mesês'
172. Acredita-se que Periandro. tirano da Ambrácia, no Epiro, êra parentê de perian- 174. Heródoto, l, Vll, c. CLXlll.
dro, tirâno de corinto, que no princípio reinou com sabedoria. tendo sido admitido 175. Éssa passagem explica o capítulo ll. § 5' neste mesmo livro da Poiítica'
entre os sete sábios da Grécia. 1 76" Trata-sê aqui de Heracléia, cidade do Pontn
172 Antsróretrs A PoLÍnCA 173
EDtPRo Ltvqo eutNTo fii§o auyro EDtPEo

§ 3. Mais ou menos do mesmo modo foi abolida a demo- côntra os riços. Foi assim que em Atenas, Pisistrato, em hos-
os cracia em ÍVegara. Os cheÍes populares baniram muitos cida- tilidade aberta contra os habitantes da planícielt" em Mega-
dãos eminentes, a Íim de poderem conÍiscar seus haveres; 25 ra,ttt Teagênio, que degolara os rebanhos dos ricos, por ele
mâs os exilados, que se foram tornando muito numerosôs, surpreendidos pastando ao longo do rio; e Dionísio, que acu-
penetraram na cidade, derrotaram o povo em uma batalha e sara Dafnes'u' e os cidadãos opulentcs de Siracusa - subi-
estabeleceram o governo oligárquico. O mesmo aconteceu em ram à tirania, apoiados na amizade do povo, que os julgava
13osa Cumes,'tt onde Trasímaco aboliu a democracia. Aliás, se se do seu partido.
prestar atenção, perceber-se-ão transformaçôes mais ou me- § 6. Mas a democracia, quando estabelecida desde muito
nos idênticas. que se produzem em outros Estados pelos tempo, pode alterar-se e adquirir a forma que §e conhece
mesmos motivos. Para serem agradáveis ao povo, os chefes nestes últimos anos. Porque em toda parte onde as magistra-
desagradam aos cidadãos distintos pelas injustiÇas quê a seu so turas são eletivas, sem que se exija qualquer retribuiÇão, e
s respeito cometem, seja na divisão das terras, seja na absorção quando é o povo que nomeia para os empregos aqueles que
do tesouro com despesas públicas exageradas, ou então calu- ambicionam as dignidades. com o Íim de adquirir crédito junto
niando os ricos para terem motivos de confiscar os seus bens. à multidão, levam as coisas a ponto de torná-la senhora das
§ 4. Mas, nos tempos antigos, em que o mesmo indivíduo próprias leis. CI meio de remediar este inconvêniente, ou pelo
10 era demagogo e chefe militar, tais revoluçÕes produziam a menos atenuá-lo, é lazer nomear os magistrados pelas tribos,
tirania; de fato, a maioria dos antigos tiranos era composta de ss e não pelo povo inteiro. Tais sáo as üau§as que produzem,
chefes populares. O que Íez com que essas usurpações ti- aproximadamente, todas as transÍormaçoes às quais sáo
vessem lugar naquela época e que hoje não mais se dêem, é sujeitas as democracias.
que entáo os demagogos eram tirados de entre aqueles que
já houvessem exercido a autoridade militar, porque naquele ÇapÍrulo V
tempo não se tinha ainda muita habilidade na arte da palavra.
Ao contrário, hoje que a eloqüência fez progresso, aqueles § 1. Duas causa§ principais, grandemente notávets, pro-
duzern as revoluçÕes nos govêrnos oligárquicos; uma, quan-
que são capazes de falar em público obtêm, em verdade, um
do os chefes oprimem o povo, porque então ele aceita o pri-
grande crédito por parte do povo; mas, sem experiência das
Eo meiro defensor que se lhe apresenta; a outra, mais freqüente,
causas de guerra, eles não conspiram (ou pelo menos só tem quando este libertador sai das^próprias fileiras da oliEarquia,
havido pequenas tentativas destituídas de importância).
cômo em Naxos,'t' Ligdâmis,'83 o qual acabou por tornar-se
15

§ 5. Outrora, havia mais tiranias que agora, porque se rsosn tirano dos naxianos"
conflavam a certos cidadáos magistraturas muito importantes" § 2. As outras perturbações podem ter causas diversas.
como a pritanialTs em Mileto, onde o pritanio dispunha do Ora a revoluçâo é feita pelos próprio§ ricos, que nâo tomam
máximo poder. Por outro lado, corno as cidades não eram parte alguma nas maEistraturas quando o poder se concentra
muito grandes e o povo, ocupado com trabalhos agrícolas,
habitava os campos, os chefes populares como guerreiros
que eram, aspiravam à tirania. Venciam todos os seus desÍg- 1 /ü. os habitantes da Atica dividiam-se êm três padês: o iitoral, o planalto e a montanha.
nios em conseqüência da confianÇa que o povo lhes votava, e 'tr80. Aristóteles tamhém menciona 0 nome desse usurpador na sua Retórica. l. i., c. ll'
tal conÍiança era sempre motivada pelo ódio que eles nutriam o ateniense cilâo, que ioi condenado à morte por ter tentado apoderar-se da tira-
nia, era genro de Teagênio.
181" Era um general do exérciio de siracusa; Dionísio fê-lo assassinar no ano de 4§6
177. Não são conhecidos os âcontecimentos aos quais alude o autor. Nem mesmo se a.C. Ver Deodoro da Sicília, l. Xlll, c. XCl.
sabe de qual das cidades de Cumes se trata. 182" Naxos, uma das Cíclaclas.
178. A pritania era. entÍê os aniigos gregos, a magistratura mais importante. Plutarco 183. conta Á,tenéia (1. Vll, p, 348), como Ligdànris se pÔs à Írentê dos naxianos para
comparâ as funções de pritanio entre os ródios, às de beotarca entre os tebanos, vingar o insulto que cedos moÇos haviam Íeito a um cicladâo qr:e gozava de
e às de estratêgo entrê os atêniensês" grande popularidade.
174 Antsróretrs A PàL|TICA 175
ED,PRO LtvBo auNro iiiàla oúwro EUPRa

nas mãos de uma minoria, como em Massália (Marselha),184 § 5. Ou então aqueles que pertencem à oligarquia adulam
em lstros,lBs em Heracléia]86 e outras cidades. Aqueles que a multidáCI e a dominam, como em Lârissa,''' onde os cha-
nâo participavam do poder provocaram discórdias até que 30 mados guardiÕesle2 dos cidadãos procuravam o favor do
fossem admitidos aos cargos, primeiro os primogênitos das povô, pÕr ser este quem os nomeava. E o que acüntece em
famílias, e depois os irmâos mais moços; porque países exis- iodas as oligarquias nas quais os magistrados náo sâo tirados
tem nos quais a autoridade não se exerce ao mesmo tempo da ciasse que os nomeia, mas onde as magistraturas só po-
pelo pai e pelos fiihos. e outros nos quais ela não pode ser dem ser concedidas a homens que possuêm uma grande for-
10 exercida por dois irmâos. Em lstros, a oligarquia tomou uma tuna, ou pertençam a certas associaçÔes. cabendo o direito de
forma vizinha da república, mas acabou por degenerar em êleger aos soláados ou ao povo. Íal se deu ern Abidos.le3
democracia, e. em Heracléia, o número dos membros do go- Finalmente isso. acontece também quando aqueles que com-
verno" que antes era menor, foi elevado para seiscentos. pôem os tribunais náo participam do governo, porque ne$se
§ 3" Em Cnide,187 a oligarquia foi transÍormada por ocasião 35 caso, procurando atrair a êstima popular pek: seu rnodo de
de uma disputa surgida entre os cidadãos mais ricos motiva- fazer justiça, chegam a transformar a constiluiçáo, coma se
da pelo fato de poucos seíem admitidos aos cargos públicos, viu em Heracléia, cidade do Ponto.
deles se excluindo o Íilho se o pai estivesse exercendo um - § 6. Quando alguns cidadãos procilram concentrar o po-
15 como foi dito - e, dos irmáos, só o mais velho poder alcançar der da oligarquia nas mâos de uma minoria, abala-se o üsta-
uma magistratura. O povo tomou o partido dos ricos, esco- do, porque os partidários da igualdade são Íorçados a reÇor-
lheu um cheÍe entre eles, atacou, venceu e assenhoreou-se rer ao apoio do povo. Surgem ainda revoluçÔes na oligarquia,
do poder. O que é dividido é sempre Íraco. co quando alguns dos chefes hajam despendido suas Íortunas
§ 4. Em Efésia (Eritra),188 durante a oligarquia dos Basili- em loucas prodigalidades - porque desejam mudanças, e
das na antiguidade, e âpesar da sabedoria com a qual era aspiram à tirania para si prÓprios ou preparam-na pâra ou-
governado, indignadc o povo por se ver sob o domínio de tão 1306a trsm, como fez Hiparinos'ea para com Dionísio, em Siracusa.
poucos, mudou a Íorma do governo. As revoluçÕes das oli- Em Anfípolis um tal Cleótimos introduziu colonos de Cálcis,'e5
garquias são produzidas pelas próprias oligarquias e às ve- e quando eles chegaram, sublevou-se contra os ricos. Em
zes pela solicitude com que ambiciosos demagogos procuram Egina, aquele que Íóra autor da traiçáo1s6 em virtude da qual
captar o favor popular. A demagogia é de duas espécies, s Cares dela se apoderou, empreendeu, por idêntico rnotivo,
mesmo nos governos oligárquicos. porque o demagogo se mudar a Íorma do governo.
encontra entre os oligarcas, ainda que estes sejam poucos.
§ 7. As vezes, pois, procuram os olrgarcas arruinados pro-
,Assim, dos trinta tiranos, de Atenas,ltn Cáricles dominou a vocar rebeliões, e outras vezes roubam o te§ouro público,
todos adulando-os, e dos quatrocentos, Frínicos1e0 dominou coisa que gera a discórdia entre eles, ou a revclta dos cida-
seus colegas da mesma maneira.

184. Estrabáo (1. lV. p. 171) diz que, em sêu tempo, o governo era ainda oligárquico.
191 . Larícia, cidade da Tessália.
'1
92. Parece que os guardioes dos cidaclãos tinham o mesmo poder durante a paz que
185. Cidade da Ístria, a leste do Adriático. os generais durante a guerra-
'186. Trata-se ainda de Heracléia do Ponto.
193. Abidos, colÔnia dos rnílesianos, tinha um govêrno oligárquico e espécies de cor-
187. Cnide, cidade de Cária, na Dórida. na costa meridional da Ásia Menor, êra uma poraçÕes chamadas hetéreas (ou hetáirlcas). que AristÓteles menciona ainda
colônia de Esparta. mais adiante.
'1
88. Cidade da Jônia. Era uma colÕnia ateniense. Sepúlveda, comentador de Aristóteles, 194. Êssê Hiparinos era irmão de Ari§tÔmacê, mulher de Dionísio, o Antigo. e coman-
diz que Androclos, filho de Codros^ que era rei de Atenas, Íundou EÍésia, reinou so- dou o exército de Siracusa.
bre muitas cidades da Asia, e os seus descendentes foram chamados Basilidas"
195. É o mêsmo Íato ao qual alude Aristóteles em outro lugar.
189, Ver Tucídides, l. Vlll, c. LXVll. 1g6. Heródoto, livío v, c. LXXXV|ll, diz que o personagem que AristÓteles aqui menciona
190. Ver Xenofonte. Hei. l. ll. c. lll. chama-se ltlicodromos,
176 Aatsróreçs A Pot-irtcA 177
EDIPRO Ltvqo eutNTo Ltvqo outNTo EDIPRa

10 dâos contra a extorsão, como em Apolônia, no Ponto. Uma Corinto; e, se os chefes são numerosos, criam a tirania para
oligarquia na qual reine a união entre os cidadãos resiste zs si próprios. Às vezes, temendo tais acontecimentos, e devido
bem, por si mesma._^a qualquer transÍormação; prova-o o à necessidade que se tem do povo, dá-se à multrdão uma
governo de Farsália:'"' embora nele sejam os cheÍes em parte de autoridade. Em tempo de paz, a desconfiança dos
número reduzido, mantêm grande autoridade sobre o povo, oligarcas entre si leva-os a entregar a guarda do Estado a
porque se conduzem com elevada sabedoria. soldados estrangeiros, sob o comando de um cheÍe sem par-
§ 8. Destrói-se, por vezes, a oligarquia, quando em seu tido, que por vezes se torna senhor das duas facções opos-
seio outra oligarquia se constitui; isto é, quando, por ser con- 30 tas, é o que se yiu em Larissa, durante o comando da família
15 siderável o número dos governantes, nem todos são admiti- dos Alenadas,2oo nas máos de Símon, e em Abidos, ao tempo
dos às grandes magistraturas. E o que se viu outrora em Elis: das hetéreas {hetáiricas),201 sendo uma a de lÍiada.
sendo governada a cidade por um reduzido número de cida- § 10. As revoluÇões surgem também em consêqüência
dãos, dependia tudo de uns poucos senadores, porque os das violências que os oligarcas exercem uns contra os outros
noventa membros do Senado eram nomeados vitaliciamente, 3s em questões de casamento ou demanda.202 Já demos atrás
sendo a eleiÇáo realizada de um modo absolutamente arbitrá- exemplos desse primeiro gênero. Pode-se acrescentar o da
rio.leB como á dos gerontes em Lacedemônia. oligarquia da Eritréia, onde a autoridade oligárquica dos cava-
§ 9. Podem surgir revoluçôes nas oligarquias, tanto em leiros foi destruída por Diágoras, o qual Íora ofendido numa
tempo de guerra como em tempo de paz: durante a guerra, questão de casamento" Rebentou uma revolta em Heracléia,
porquÊ a Íalta de conÍiança no povo leva ao emprego de tro- durante um julgamento do tribunal, em Tebas, por um caso
pâs mercenárias; entáo aquele a quern se conÍia o comando de adultério. A puniçáo fora justa, mas a sentenÇa pronunciada
muitas vezes se arvora em tirano, como TimóÍanes,'tn em 'r3o6b com êspírito partidário; em Heracléia, contra Eurítion,203 em
Tebas, c0ntra Arquias.zoa
197 O elogio que Aristóteles faz desse governo é confirmado pelo que diz Xenofontê § 11. Muitas oligarquias se perderam por excesso de des-
nas suas Helênicas, l. Vl., que só, entre as cidades da Tessália. Farsália conse- potismo e Íoram destruídas por membros do próprio governo,
guiu escapar ao dornínio de Jasâo, tirano de Feras. O mesrno autor conta então o s atingidos por qualquer injustiça, como as oligarquias de Cni-
nobre desinteresse de um cidadão chamado Polidamas: as ÍacçÕes que dividiam de'ut e Quio.'06 Por vezes as revoluções, na república pro-
o Estado tomaram Polidamas por árbitro; e puderam conÍiar-lhe a guarda da ci- priamente dita e na oligarquia, são o efeito de circunstâncias
dade e do tesouro público, sem que a sua liberdade corresse o menor rrsco.
1S8 No têxto grego eslá dunaâteutiken. Ver acima a nota sobre a palavra dunastéia.
Esta eleição pareceu súspeita a alguns editores. No entanto, bem pode sêr que refli- Timoleão dirigiu-se à casa de TimóÍanes con seu cunhado e um amigo. Todos os
ta o pênsamento de Aristóteles, que quer dizer, ao que parecê, que o modo da elei- três renovaram os seus pedidos. Timófanes persiste e termina tazendo ameaÇa.
ção que ele menciona nada tinha de sensato ou de reÍletido, mas exprimia o Íavor Timoleão faz um sinal, vira a cabeça, e os sêus dois amigos massacram o tirano.
muitas vezês impensado da multidâo, e seu capricho do momento porque os sena- Corinto aplaudiu essa ação, mas Timoleão não cessou de se censurar pela morte
dores de Esparta eram nomeados por aclamação: os candidatos atravessavam â do irmão. Rêtirou-sê da vida pública e só saiu do seu retiro depois de vinie anos,
praça públíca: homens colocados em lugar de onde não podiam ver pessoa alguma para ir derrubar a tirania de Dionisio em Srracusa. (Plutarco, Vida de Timoleáo).
prestâvam atenÇáo no barulho que ouviam cadavez que um candidato atravessava 200. Alenas. descendente de Héracles, foi tirano de Larissa. Foi cheÍe de uma família
o lugar. A aclamaçáo que eles julgassem mais forte decidia em favor dos candida- poderosa, os Alenadas. deposta por Filipe, pai de Alexandre.
tos que a haviam provocado. E este modo de eleiçâo que Aristótêlês qualifica de 201. Ver neste rnesmo capítulo, § 5.
pueril (1. ll, c. Vl. 5 18). Aliás, quase nada se sab,e sobre essa república dos elenea-
nos. Tucídídes só diz palavras sobre ela (1. V, c. XLVlli e plutarco parece indicar no 2ü2. L. V, c" lll, § 2.
Precep. Polit. o fato que Aristóteles aqui menciona. Ele diz quê um certo Formião, 203. L. V, c. lll, § 2.
tendo restringido entre os eleneanos o poder da oiiEarquia. como fizera Efialto em 204" Arquias. comandantê de Tebas para os espârtanos. Tendo recebido num festim
Atenas, adquiriu ao mêsmo tempo glória e poderio" uma carta que lhe denunciava a conspiraçáo de Pelópidas, adiou a sua leitura,
ls9 Era irmáo do cólebre Timoleâo, libertador de Siracusa. Nomeado general das dizendo: "Os negócios sérios ficam para amanhã". Naquela mesma noite ele Íoi
tropas êstrangeiras que Corinto tomara a seu soldo, ele captou a estima desses degolado pelos conjurados"
mercenários e apoderou-se da tirania. Seu irmão, desesperado, emprêgou inutil- 205. Ver mais acima, neste mesmo capÍtulo, § 3.
mente todos os meios possÍveis para levá-lo a dar liberdade à sua pátria. Entáo 206. Quio sustentou muitas guerras contra os lacedemônios. os atenienses e os pêrsas.
Antsróretrs A PoLincA 179
178
EDIPR? LIVRA QÜNTO uino outaro EuPao

imprevistas, quando se chega às ÍunÇÕes de senador, juiz e condiÇão inÍerior, como Lisandro,'08 que Íoi ultrajado pelos
üutras magistraturas, de acordo com um censo determinado. reis de Lacedemônia; ou quando um homem corajoso é ex-
1ü Ora, como â quota exigida em princípio relacionava-se às ss cluído dos cargos como Cinadào,zoe que no reino de Agesilau
conveniências do rnomênto, Íora calculada de modo que, na urdiu uma conspiração contra os espartanos; e também
oligarquia, poucos cidadãos participassem do governo, e, na quando uns vivem na opulência e outros em extrema pobre-
república, os cidadãos da classe média, apenâs. Aconlece za, como em l-acedemônia durante a guerra de Messênia'
muitas vezes que em conseqüência da abundância produzida 1s07a Vem comprová-lo ainda o poema de Tirteu,''' intitulado Eu-
por uma longa paz ou outras circunstâncias, todos os cida- nomia, poÍque muitos daqueles que haviam soÍrido infelicida-
dáos chegam a alcançar os empregos. Ora essa mudança se des, oriundas da guerra, exigiam a divisáo de terras. Final-
15 opêra por graus, insensivelmente, ora de uma Íorma mais mente, isso acontece quando um cidadão se torna poderoso,
rápida. e com possibilidade de se tornar senhor absoluto, como pare-
ce ter sido em Lacedemônia Pausânias,2'1 que comandara o
§ Í2" Tais sào, pois, as causas de discórdias e revoluções s exército na guerra médica, e Hánon,2'' em Cartago.
nas oligarquias. Acrescentarei que as democracias e as oli-
garquias nem sempre se transÍormam êm governo de forma § 3.O que mais contribui para a destruição das repúblicas
oposta, mas às vezes em outras espécies do mesmo gênerr:. e das aristocracias á a violação do direito político tal como é
ro Assim, as democnacias e as oligarquias, baseadas nas leis, reconhecido pela constituição, isto é, quando a república náo
transformam-se em governo absoluto, ou reciprocamente. continua sendo uma mistura de democracia e oligarquia, e a
rs aristocracia constitui a ausência de uma boa combinação
desses dois elementos e da virtude, porém mormente dos dots
Cnpírulo Vl elementos (reÍiro-me à democracia e à oligarquia), pois tanio
§ 1. Nos governüs aristocráticos, as revoluções surgem an- as repúblicas quanto a maioria das formas de governo classi-
tes do Íato de serem os cargos repartidos por um núrnero re- Íicadas como aristocracias visam a essa combinação.
duzido de cidadãos; o que, repito, tambám é causa de discór- § 4. A fusáo desses três elementos é precisamente o que
dias nas oligarquias (pois a aristocracia é uma espécie de oli- Íazia diÍerenÇa êntre as aristocracias e as repúblicas propria-
garquia, já que o poder, tanto em uma como em outra, se con- ts rnente ditas, e é por isso que umas são mais duráveis, outras
centra nas mãos de uma minoria), não pelo mesmo motivo, mênos. Dá-se o nome de aristocracias aos governos que têm
aliás, embora a aristocracia pareça ser, por esta razáo, uma mais tendência para a oligarquia, e de repúblicas àqueles que
oligarquia. Mas é necessário que assim seja quando há muitos
cidadáos que podern ler pretensÕes iguais em questão {q
virtude, como em Lacedemônia os chamados Partenienses:"' 208^ Agesilau devia o trono a Lisandro, que o havia Íeito preferir a Leotichido, herdeiro
porque eles tinham direitos de nascimento iguais aos dos de- legítimo" Mas Agesilau, invejoso das grandes açoes e da glória de Lisandro, pro-
mais cidadaos; porém, lendo sido surpreendidos conspirando, curou todos os meios de humilhá-lo. Na guerra náo lhe deu o menor comando e
só o Íez comissário de víveres. Quando alguém ia procurá-lo por qualquer ques-
foram enviados a Tarento, a Íim de lá Íundarem uma colÔnia.
tão de alimentos. respondia: "Dirigi-vos a Lisandro, meu açougueirÕ". Plutarco e
§ 2. Assim acontece ainda quando cidadáos poderosos. Cornrílio Nepos escreveram a vida de Lisandro.
de méritos indiscutíveis, sáo ofendidos por homens de uma 209" Esse fato é narrado por Xenofonte (Helen, L lll, c. lll).
210. Tirteu, poeta âteniense, do 8a século a.C. Durante a segunda guerra de Messê-
nia, os lacedemônios haviam, à ordem do oráculo, pedido socono aos atenien-
ses. Estes lhes enviaram, como por zombaria, o poeta Tifieu, que êra coxÕ e cao-
2ü7. Assim se denomit:aram os jovens iacedemÔnios rrascidos durante a primeira
lho; mas esse poeta soube, pelos seus cantos brelicosos, animar os espananos a
guerra de Messônia das moças de Esparta (pafthenoi), com jovens que haviam
tal ponto que eles acâbaram por obter a vitória. Em recompensa, Tirteu foi reco-
deixado o campo momentâneamênte, para impedir que o Estado perecesse por
nhecido cidadão de Esparta. Liam-se as suas poesias ao exército reunido. Nada
Íalta de cidadáos. Desprezados peios seus cÕmpatriotâs, os partenienses conspi-
rêsta do seu pôema intitulado Eunomia.
raram eôm os ilctas; Íoram descol:ertos e obrigados a deixar Espada Conduzidos
21 1. A história de Pausânias é bem conhecida, Ver sua vida em Cornélio Nepos.
por Falante. Íoram se estabelecer na costa oriental da itália, e aí fundaram Taren-
to, 707 anos a.C. 212. Ver Plutarco, Precep., p. 14. Justino. l. XXl, c. lV.
180 Áprsrórerss A PoLiTIcA 181
Ltvso awuto LIVRO QUINTO EDIPRO

pendem para a democracia. Estes sáo mais estávêis que os rsozu biamente moderada. São principalmente as aristocracias que,
outros, porque há mais força na maioria. e neles melhor se por alteraçÕes imperceptíveis, soÍrem grandes transforma-
concorda com a igualdade; mas os que vivem na opulência, çÕes; em todas as formas de governo, como já o dissemos, a
concedendo-lhes a constituiçáo uma superioridade política" causa das revoluçôes opera por vezes insensivelmente, pois
tornam-se insolentes e cúpidos. uma vez desprezada qualquer uma das coisas que inÍluem
§ 5. Em geral, qualquer que seja a tendência do governo,
s sobre o governo, mais tarde novas transformaçÕes importan-
eis as mudanças que ela determina em cÕnseqüência dos tes irão sendo efetuadas até que todo o edifício seja abalado.
interesses particulares que se chocam: a república degenera § 8. É o quÊ aconteceu no governo de Túrio.21a Havia uma
ern democracia e a aristocracia em nligarquia; ou entáo a lei que fixava em cinco anos o tempo do exercício das Íun-
mudança se faz em sentido oposto, por exemplo, de aristo- ÇÕes de general. Alguns jovens, hábeis na arte militar, e muito
cracia em democracia - porque os cidadãos mais pobrres. acreditados junto aos seus soldadÕs, que votavam profundo
25 sendo vítimas de injustiça, arrastam o Estado em sentido ro desprezo aos homens colocados à testa do governo, a ponto
contrário. Nada há de durável fora daquilo quê se baseia na de imaginar que conseguiriam Íacilmente alcançar o seu obje-
igualdade proporcional, e que garante a cada um o gozo do tivo, empreenderam a aboliçáo dessa lei a fim de poderem
que lhe pertence. conservar sempre o comando. Percebiam eles que o povo
estava disposto a apoiá-los. Os magistrados, que sob o nome
§ 6. A mudança da qual vimos de falar teve lugar em Túrio; rs de conselheiros, deviam tratar desta questão, e que de prin-
o censo elevado que era exigido para o ingresso na carreira
pública foi reduzido: as magistraturas Íoram multiplicadas, e cípio pretenderam se opor à mudança, acabaram por consen-
tendo os principais cidadáos monopolizado os bens do país,
ti-lo, na convicção de que aqueles que desejavam abolir a lei
contrariamente ao direito exprêsso pela lei (porque o caráter
não tocariam nas demais questões do governo. Depois,
quando eles quiseram se opor a novas tentativas, Íoram im-
demasiado oligárquico do governo permitia-lhes enriquece-
potentes, e o sistema político se transÍormou num governo
rem-se à vontade), o povÕ, habituado aos combatês, tornou-
arbitrário nas mãos daqueles que haviam introduzido tais
se mais forte que os soldados que deviam proteger o Estado,
inovaçÕes.
até que ao fim os que possuíam em demasia abandonaram
as terras que excediam o limite. 20 § 9. Aliás, todas as constituiçôes podem ser derrubadas,
seja por causas internas, seja por causas externas, quando
§ 7. Eemai§, como todos os governos aristocráticos são existe em sua vizinhanÇa, ou mesmo aÍastado, algum gover-
ao mesr"no tempo oligárquicos, os principais cidadão§.com
no oposto que disponha de Íorça. Foi assim que os atenien-
mais facilidade neles adquirem uma fortuna exagerada. E por
ses em toda parte aboliram a oligarquia e os Iacedemônios, a
esse motivo que em Lacedemônia as propriedades recaem
em pequeno número de máos, e é mais fácil aos ricos fazer o
:s democracia. Tais sâo, aproxirnadamente, as causas de trans-
Íormações e revoltas que surgem nos governos.
que lhes agrada e formar aliança com quem lhes parece. Ain-
da desse modo provocou o casamento de Dionísio''" a ruína
da cidade dos locrianos, coisa que não teria acontecido Capíruro Vll
em uma den"rocracia e nem mesmo em uma aristocracia sa-
§ 1. Convém falar agora dos meios salutares, gerais e par-
ticulares, para cada forma de governo. Em primeiro lugar é
claro que, se conhecemos as causas de seu enfraquecimen-
213. Deôdorô da Sicíiia, !, c. XIV ê XLVI, narra o duplo casamento contratado por
Dionísio o Antigo, no mesmô dia, com Dóris, que pertência a uma das rnais pode- to, também devemos conhecer aquelas da sua conservaçáo.
rosas famílras de Locres, e corn Aristomaca, siracusana" Mas não se sabe como go O contrário produz sempre o contrário: Õra, o enfraquecimen-
este casamento foí a causa da ruína do Estado dos locrianos. Apenas percebe-se
em Estrabáo (1, Vl, p.29) e em Ateneu (1. Xll, p.541) que, Dionísio o h,4oço exer-
ceu entre os locrianos uma trrania revoltante, da qual elês tirarâm depois a vin- 214. Túrio" cidade grega da Lucânia. na Íronteira do Brúcio, construída 441 anos a.C.
gança mais cruel. por uma colônia de atenienses junto às ruínas de Síbaris.
182 ÁRrsrórrres A PoLiTIcA 183
Eopno Ltvso ewwro LIvRa QUNTO

to é o contrário da conservaÇáo; nos EÕvernôs sabiâmente longo tempo. E por isso que $urgem tantos tiranos nas oligar-
moderados, o que á preciso observar principalmente á que a quias e nas democracias. Êm ambas as Íormas são sempre
lei não seja deturpada, evitando-se de Íazer-lhe o menor dano os cidadâos mais considerados que aspiram à tirania: aqui os
que seja. demagogos, lá os homens poderosos ou então os mais altos
35 § 2. A ilegalidade surge às vezes sem ser percebida, magistrados quando consêrvam o poder por muito tempo.
como as pequenas despesas que, sempre repetidas. dilapi- 2s § 5. Os Estados se conservam, às vezes, náo só por esta-
dam as Íortunas. A despesa pareôe insensível porque não é rem aÍastados das causas que poderiam derrubá-los, mas
feita de Llma vez. O espírito se ilude; é o caso do conhecido também por serem deÍendidos, porque nesse caso o medo
soÍisma: sendo cada parte psquêna, também o todo é peque- leva à melhor execução dos negócios públicos. Os magistra-
no. lsso às vezes é verdade, mas nâo sempre, porque o todo dos que levam a peito a salvação do Estado devem de tempo
ou conjunto nem sempre é pequeno, embora se componha a tempo provocar casos de alarme em seus concidadãos, a
de partes pequenâs. E preciso, pois, antes de tudo, pôr-se em fim de que estes, como sentinelas da noite, guardem fielmen-
co guarda contra tais princÍplos e desconÍiar dos sof ismas so te o posto que lhes tenha sido confiado para a defesa da
tsoea habilmente enger:drados para enganar a multidáo, porquê os constituição, e nunca a atraiçoem: os magistrados devem
próprios fatos os refutam. Aliás, dissemos anteriormente olhar como próximo o perigo longínquo. Devem evitar, pelos
quais sáo esses sofismas''u dos governos. meios que a lei faculta, toda a rivalidade, toda a discórdia, e
deter a tempo aqueles que ainda não se empenharam em
§ 3. Além disso é preciso considerar que não existem so- brigas, antes que eles próprios nela se imiscuam: mas nâo
mente aristocracias, mas também oligarquias que se conser-
compete a um homem qualquer perceber em sua origem o
vam não pelc seu próprio princÍpio de estabilidade, mas pelo
ss mal nascente; isto é privilégio do homem político.
bom uso que os magistrados Íazem das rendas do governo,
dentro e fora dele. Eles cuidam de não cometer injustiças § 6. Quanto à mudança produzida na oligarquia e na repú-
para aqueles que não particrpam do poder, chamarn para as blica pela quota das rendas, quando se dá o Íato de, perrna-
magistraturas os que se distlnguem pelo seu talento, não necendo inalterável o censÕ, haver acréscimo de numerário,
privam os ambiciosos de qualquer participação nos cargos, e qo é útil comparar o estado atual das fortunas ao estado anterior,
a multidão de toda a espécie de lucros; finalmente proouram anualmente, por exernplo, se Íor a época prescrita pela lei para
dar urna feição de afabilidade e popularidade nas relações laoab o recenseamento - em cada três ou cinco anos, nos Estados
que existem entre eles, porque esta igualdade que os partidá- maiores. Entáo, conforme se encontre uma soma muitas vezes
rios do regime popular exiger:r em favor da multidão não só é menor ou maior que antes, relativamente ao censo estabeleci-
justa, mas tamhêm (rtil entre homens da mesma condiçáa" s do para as magistraturas - é preciso diminuí-lo ou aumentá-lo
proporcionalmente às variaçôes da riqueza.
§ 4. §e os membros do governo são numerosos, é útil que
15 muitas instituiçÕes que o regem sejam populares, lal como a § 7. Porque, nas oligarquias e nas repúblicas em que não
de limitar em seis meses o exercício das magistraturas, a Íim se opera assim, acontece que em umas repúblicas cedo se
de que todos os pares entre si possam alcançá-las. Porque, estabelece a oligarquia e em algumas oligarquias, o governo
sendo iguais, eles formam, por assim dizer, um povo; Íre-. 10 arbitrário; muda-se a república em democracia, e a oligarquia

qüentemente sLrrgem demagogos entre eles, como foi dito.''" em república ou Estado popular. Uma regra geral na derno-
Além disso, a oligarquia e a aristocracia sáo menos sujeitas a cracia, na oligarquia, na monarquia e em toda espécie de go-
arbitrariedades, porque quando a autoridade é de curta dura' verno, é que ninguém possa aumentar sua fortuna além do
ção, não é tão fácil conspirar como quando ela é tida por limite, e que se estabeleçam poucas magistraturas, quando
elas devem durar muito tempo ou se lhes dê pouca duração,
quando numerÕsas. Com eÍeito, Íacilmente elas se corrom-
215. L. lV. c. Xl, § 6. 15 pem, e bem poucos honrens há capazes de suportar a pros-
216. Este mesrno livro, c. Vl, § 5
184 Aalsrórrtrs A POLirrcA 185
EDTPRa LIVfro auNTo Ltvqo euNTa EDtPRo

peridade. §endo possível ôrganizâr o poder segundo esta se ocuparão dos seus trabalhos, e os homens distintos náo
regra. ó preciso cuidar de não o retirar de uma vez, como ele ro terão que obedecer aos primeiros que surjam.
fora dado, mas aos pouco$.
§ 11. A Íim de não ser o tesouro público dilapidado, é pre-
§ 8" Sobretudo, é preciso, de acordo com a lei, impedir ciso que o depósito dos Íundos se Íaça em presenÇa de todos
que um cidadão se torne muito poderoso pela sua influência, os cidadãos; que os Estados deles sejam providos às comu-
seus amigos, sua fortuna, ou mandá-io a exibir seu luxo no nidades, às centúrias e às tribos; e que a lei conceda honras
estrangeiro. Mas con:o as inovaçÕes se introduzem tambóm àqueles que houverem exercido as suas funções com desin-
zo pelos côstumes dos particuíares, é bom que haja qualquer rs teresse. Nas democracias é preciso poupar os ricos, e náo
magistratura encarregada de vigiar os cidadãos cujo gônero recorrer à divisão das terras e dos produtos agrícolas; o que é
de vida náo se conÍorme ao sistema do governo, isto é, à de- praticado, sem ser percebido, em muitos Estados. Devem os
mocracia no govêrno popular. à oligarquia no governo oli- ricos ser proibidos, mesmo quando queiram fazê-lo, de aten-
gárquico, e assim por diante para cada urna das outras Íor- der às despesas públicas excessivas sem serem úteis, como
mas de gôverno. Também é recomendada, pelas mesmas 20 as represe.ntaçÕes teatrais, as corridas de archotes, e outras
25 causas, pôr-se em guarda contra aqueles que passam os dias despesas''' do gênero.
em plena ventura e abastança; o remédio para isso é entregar
§ 12. Na oligarquia, é preciso zelar pela classe pobre e ga-
a direçáo dos negócios e das magistraturas às mãos de parti- rantir-lhe o gozo de todos os empregos lucrativos. Se um rico
dos opostos, à medida que eles se sucedem entne si: entendo oÍender aos pobres, deve-se puni-lo com mais severidade do
por esses partidos opostos os homens distintos e a plebe, ou que se tratasse de insultos trocados entre ricos. As heranças
so entáo aumentar a classe média; porque é ela que pode concili- não devem ser legadas por doaçáo, e sim por direito de nas-
ar as dissenções nascidas da desigualdade. cimento, e a um rnesmo indivíduo será proibido receber mais
§ 9. Mas o mais tmportante em qualquer governo é regular
zs de uma herança; desse modo haverá mais igualdade nas Íor-
tudo pelas leis e instituiçÕes, de modo que não seja possível tunas e os pobres chegarão em maior número à abastança.
aos magistrados realizar lucros. Ê o que se deve principal, § 13. lmporta também, na democracia e na oligarquia, as-
mente observar nos governos oligárquicos, que a multidáo segurar paÍa a distribuição dos empregos a igualdade e
ss não tanto se revolta por se ver excluída das funções públicas mesmô a superioridade àqueles que têm a mínima partê no
(ao contrário, sentir-se-á Íeliz de poder entregar-se exclusiva- 30 governo - aos ricos na democraciâ, aos pobres na oligarquia
mente aos seus afazeres), como sê irrita à idáia de que os - exceto quanto às magistraturas suprÊmas do Estado, que
magistrados venham a esbanjar os dinheiros públicos; porque só devem ser conÍiadas àqueles que gozam na sua totalidade
nesse caso teráo de se queixar de duas coisas: náo participar ou pelo menos na maioria dos direitos políticos.
dos cargos nem dos lucros.
§ 14. Três qualidades são necessárias aos cidadãos que
40 § 10. Entretanto, há um modo de unir a democracia à aris- se destinam às magistraturas supremas: em primeiro lugar,
130ea tocracia - de sorte que os cidadáos distintos e a multidão es lealdade ao gÕverno estabelecido, depois grande aptidão
tenham ambos aquilo que eles podem desejar. O direito, igual para todos os negócios que dirigem, e por último uma virtude
para todos. de acesso às magistraturas, é um princípio de- e uma justiça que se adaptem à Íorma de governo; porque
mocrático: só admitir às magistraturas cidadáos distintos, um nâo sendo o direito um só para todas as espécies de gover-
princípio da aristocracia. Ora, é o que se fará, quando náo for no, é lógico que as noçôes de justiça sejam diferentes. Não
mais possível enriquecer nos empregos. que os pobres nào sendo estas qualidades todas reunidas no mesmo homem, há
s desejaráo exercê-los sem lucros (ao contrário, preferirâo en-
tregar-se aos negócios particularesi e os ricos poderão exer-
cê-los por não necessitarem de fazer Íortuna à custa do pú- 217. E a este trêcho provavelmente que se refere Cícero (De OfÍiciis, L ll, c. XVI)
quando, após haver censurado a opinião de TeoÍrates, grande admirador de tais
blico. Disso resultará que ôs pobres se tnrnarão ricos, porque proÍusões, a ele opoe o julgamento de Aristóteles.
í86 Antsróretrs A POLÍfiCA 187
EDTPRO Ltvqa ouNTa Ltvqo outNTo EDtPRo

embaraÇÕ na escolha. Por exemplo, se um cidadão possui de proporção. O mesmo aconlece com qualquer outra parte
40 tâlento militar, mas ao mesmo tempo iá viciado e suspeito ao so do corpo. Tal comparação também se aplica aos governos.
isosb seu governo, ou se aqueie que ó justo e devotado ao seu
govêrno náo possui talento militar, como se deve escoiher? § 1S. E possível que uma olrgarquia ou uma democracia,
embora não possuindo uma constituiÇão perfeita, seja sufici-
§ 15. Farece preciso considerar duas coisas: a qualidade entemente organizada para se conservar; mas se se exagera
que geralmente é mais comum entre os homens, e aquela o princípio de uma ou de outra, de início o governo ficará pior,
que ó mais rara. Eis por que, no comando dos exércitos, é os e depois perderá qualquer sombra de governo. Assim, o le-
s preciso antes considerar a experiência que a virtude, porque gislador e o homem de Estado devem saber quais sáo as
o talento militar é mais raro que a virtude. mas, para a guar- instituiçôes democráticas preservadoras e quais as destruido-
da do tesouro ê para a intendência, acontece o contrário; é ras de uma democracia, o mesmo se aplicando a uma oligar-
preciso mais virtude que a que possui o comum dos ho- quia. Porque nenhum desses governos pode subsistir, a não
mens, ao passo que a sua ciência toda a gente pode ter. ser com poucos ricos e uma multidão de pobres; mas quando
Poder-se-ia perguntar que necÊssidade se tem de virtude, qo se estabelece a igualdade de fortunas, é Íorçoso que se
ra quando há talento na administraçáo? Essas duas qualida- 1310a mude a forma de governo; e abolindo as leis relativas à pre-
des bastarão para prestar serviços ao Estado? Ou entáo eminôncia das classes, abole-se o próprio governo.
será possível que homens possuidores dessas duas quali-
§ 19. E uma falta política que se comete nas oligarquias e
dades tambárn tenham defeitos? Da mesma forma que de- nas democracias. Os próprios demagogos a cometem nas
las possuindo a ciência, e apreciando-as, nem seÍnpre ser- s democracias, onde a multidão é senhora das leis. Combaten-
vern os seus interesses particulares * não será também do os ricos, eles dividem sempre o Estado em dois partidos
possível que alguns dentre eles venham a sacrificar igual- opostos. Ao contrário, deve-se dar a entender_sempre quê se
mente o interesse público? Íala pelos ricos; e nas oligarquias é precisot'' que os oligar-
§ 16. Geralrnente, tudo aquilo que citamos nas leis como cas pareçam falar em favor do povo. Os oligarcas devem
ts sendo útil aos governos, tende à sua conservaçáo. O ponto também prestar juramentos absolutamente contrários ao de
fundamental a observar, como muitas vezes dissemos, é hoje. (Eis o juramento que cada um deles prêsta agora em
fazer que a parte dos cidadáos quê deseja o mantenimento ro certas cidades: povo, e aconse-
do Estado, seja mais Íorte que aquela que quer a sua percla.
- §,s1si"' sempre inimigo do
lharei aquilo que souber ser-lhe prejudicial.) E preciso dar a
Alóm disso" é preciso não perder de vista o meio proporcio- entender e fingir o contrário, dizendo em voz alta:
zo nal, desconhecido hoje das formas de governo que se afas- serei injusto com o povo.
- Não
tam dos seus princípios. Porq*e muitas instituiÇÕes existem,
§ 20. Aliás, em tudo o que dissemos, o ponto mais impor-
dernocráticas ou oligárquicas na aparência, que arruínam as tante para a firmeza dos Estados, e por todos desprezado,
democracias e as oligarquras.
§ 17. Os que julgam ter encontrads a base única de todo o
governo, levam as conseqüências ao excesso e ignoram que,
219. Opomos ao absurdo jurarnênto dos oligarcas que prêstavam todos os lovêns
afastando-se o nariz da linha reta - que é rnais bela - para atênienses na capela de Argaule, quando, chegados aos vintê anos, eram incluÍ-
tornar-se aquilino ou chato, ainda conserva urna parte de sua dos entre os deÍensores do Estado: "Não desonrarei minhas armas; não abando-
zs beleza e atraçâo; no entanto, se tal desvio chegasse ao ex- narei meu companheiro qualquer que ele sêia, junto ao qual eu esteja colocado
cesso, primeiro se despojaria esse órgáo da medida justa que nas fileiras; defenderei os templos, as coisas santas, só ou com muitos outros;
nâo trairei minha pátria e trabalharei para torná-la rnaior e mais gloriosa; conÍor-
ele devia ter, e se acabaria por Íazê-lo perder qualquer apa- mar-me-ei com âs sentênÇas dos juízes, obedecerei às leis estabelecidas, e às
rência218 de nariz, em conseqüência da excesso ou da Íalta quê o povo houver sancionado; se alguém ousar desobedecer a essas leis ou tn-
fringi-las, não o tolerarei; ao contrário, deÍendê-la-ei, só ou com outros compa-
nheiros".
218. Aristóteles serve-se ainda desta comparação na sua âeÍdrca, l. L c. lV 22ü. Vêr Pólux, l. Vlll, § 105 e Estobeu. Serm", XLl, p. 243.
188 ABtsrórELE$ A PoLiTIcA 189
EDIPR§ LIVRo QUINTo LtvBo eutNTo Eupao

hoje em dia. é que a educaçãot'' seja adequada à forma de Capíruuo Vlll


t5 governo: porque as leis mais úteis, aquelas que são sancio-
nadas pela aprovação unânime de todos os cidadãos, de § 1. Resta-nos ainda examinar, sobre a monarquia, as
40 causas de revoluções e os meios de salvação. Aliás, as ob-
nada serviráo se os costumes e a educaçao náo estâo con-
1310b servaÇôes que fizemos sobre as repúblicas sáo quase total-
formes aos princípios da constituição; quero dizer que sejam
populares se as leis são populares, e oligárquicas se elas sáo mente aplicáveis as realezas e às tiranias. A realeza tem
certa relação com a aristocraciâ, e a tirania é uma combina-
oligárquicas. Se um único cidadão nâo é senhor das suas
paixÕes, então o Estado se ihe assenrelha. ção da oligarquia e da democracia levadas ao últrmo grau. Eis
s por que ela é para os súditos o mais Íunesto dos sistemas,
§ 21. Uma educação nacional não é aqueia que ensina a porque se eompõe de dois governos, reunindo os vícios e
Íazer o que agrada aos partidárros da oligarquia ou da demo- desvios de ambos.
cracia, mas a que ensina a Íazer tudo o que poderá garantir,
a uns a duração da oligarquia, a outros a duração da demo- § 2. Causas diametralmente opostas dão origern a cada
uma dessas duas monarquias. A realeza {oi estabelecida
cracia. Em nossos dias, os Íilhos daqueles que se pôem à
10 para preservar a classe abastada dos atentados da multidão,
testa dos governos oligárquicos vivem na dissipação, ao pas-
sendo nesta classe nomeado rei"3 a homem mais eminente
so que os Íilhos dos pobres exercitam-se nos trabalhos e se pela sua virtude e pela nobreza das suas açôes, ou o que
acostumam às fadigas: disso resulta que estes são mais ap- pertenÇa a uma Íamília reconhecidamente possuidora desses
tos a tentar inovaçÕes e ser bem sucedidos.
títulos de gloria. O tirano, ao contrário, surge do seio do povo
§ 22. Por outro lado, nas democracias que parecem pos- e da multidão: opÕe-se aos homens poderosos para que o
suir a constituiçâo rnais democrática, existe um eslado de povo nada possa sofrer das suas violôncias. Provam-no os
coisas completamente oposto àquele que $e deveria esperar; fatos claramente.
surge isso do Íato de ser mal deíinida a liberdade. Acredita-se 1s § 3. Quase todos os tiranos saíram, pode-se dizer, da cias-
que os verdadeiros caracteres da democracia são a sobera-
se dos demagogos. Eles atraíram a conÍiança do povo, à ÍorÇa
nia da muitidão e a liberdade. O direito é a igualdade, ê a ex-
de caluniar os homens poderosos. Muitas dessas tiranias as-
pressão da vontade do povo é a soberania: a liberdade e
sim se Íormaram em Estados já chegados a um certo grau de
a igualdade consistem em fazer aquilo que se quer de modo
crescimento; outras, antes dessas, remontam a reis que viola-
que, em tais democracias, cada qual vive segundo â sua von-
ram as leis da sua pátria e aspiraram a um poder excessiva-
tade e fantasia, como diz Eurípides. Há nisso um erro Íunes-
zo mente despótico; outras ainda foram fundadas por homens
to; náo se deve crer que seja servrlismo, mas um meio salu-
colocados à testa das supremas magistraturas por escolha dos
tar,222 conÍormar a vida às nàcessidades do Estado. Tais são.
pois, para dizê-lo erx pouca$ palavras, as causas de revolu- seus concidadãos, naqueles tempos longínquos em que os
povos davam a longo prazo as altas funções públicas e as
ções e da ruína dos sistemas de governo: tais os meios que teorias."" Finalmente, essas tiranias também se formaram em
podem conservá-los e fortalecê-los.
governôs oligárquicos nos quais se escolhia um cidadão para
confiar-lhe a autoridade soberana que as magistraturas mais
elevadas outorEam.

Aristóteles compreendeu tão bem a imporlância política da educaçáo que lhe


consagrou uma pade do 4a e do 8? livros desta ol:ra. 223 O texto grego rêza: "ô homem mais eminente pela superioridade de virtude, ou
Cícero disse, no seu discursa Pro Quincia, c. lll: 'Legum rninistri magistratus, dê açoes provenientes da virlude. ou pela superioridade de uma Íamília que tenha
legum interpreÍes /udlces, legum denique id circa omnes servi sumus. uti liberr sabido cultivá-1a".
essepossirnus': Os magistrados são ministros das leis, os juízes sáo os intérpre- PÍutarco, na vida de Demétrío Poliorceta, de Macedônia, explica muito bem quais
tes das leist em uma palavra, todos nós somos êscrâvos da lei, a íim de poder- eram as funçÕes dos Teóricos. Dava-se também o mesmÕ nome àqueles que se
mos viver livrêmente. enviavam para consultar o orácu;lo de Apolo.
190 Asrsrórelrs A PoLirrcA t91
Lrv9a oaNTa LIvRo ouINTo EDIPRo

preservando o povo da servidão, como Codro;"0 outros dela o


§ 4. Graças a esses recurso§, todos os tiranos puderam
Íacilmente chegar à realização dos seus intentos; só lhes livrando, como Ciro;2'' outros ainda tornando-se fundadores de
bastava querer, pois uns tinham o poder ligado à dignidade um Estâdo, ou engrandecendo-o por conquistas, corno os reis
de rei; outros a consideraçâo devida à sua magistratura; dos lacedemônios, dos macedônios e dos molossos."'
prova-o Fidon em Argos,"' e outros que estabeleceram a 40 § 6. O rei quer e deve ser protetor dos seus vassalos; ele
sua tirania sobre uma realeza que já existia; Faláris, a todos 1311a protege os proprietários ricos cÕntra as injustiças, e o povo
os tiranos da Jônia,226 que de princípio foram revestidos de contra as humilhações. A tirania, como foi dito muitas vezes,
uma única magislratura: Panécio em Leontini,227 Ciselo em nunca tem por objetivo o bem geral. a nâo ser para sua utili-
JU Corinto, Pisíslrato em Atenas,22B Dionísio em Siracusa,"e e dade própria. O Íim que se propÕe o tirano é o prazer; o rei só
muitos outros que Íoram demagogos antes de serem tiranos. tem a honra por ideal. Eis por que um aspira mais a aumentar
§ 5. A realeza tem. pois, como dissemos, as mesmas bases suas riquezas, outro a sua glória. A guarda de um rei ó fCIr-
da aristocracia; porque ela se funda no mérito, na virtude pes- mada de cidadáos; na de um tirano só se vêem estrangeiros.
soal, no nascimento, nas benfeitorias ou em todos esses dons § 7. E evidente, de resto, que a tirania reúne aos vícios da
reunidos à força. Todos aqueies que tenham sido ou tenham democracia os da oligarquia. Ela lraz da oligarquia o seu
podido ser benÍeitores das cidades e das naçôes obtiveram 10 principal objetivo, que é a Íiqueza; porque ela constitui o úni-
essa nobre recompensa; uns pelas suas virtudes guerreiras. co meio de ver o tirano garantida a fidelidade dos seus satéli-
tes e a duração dos seus prâzeres. A tirania traz também da
tz3 Fidon. tirano de ArQos cerca de 860 anos a.C.. era um tirano rnuito audacioso e
oligarquia as suas desconfianças contra o povo, e é por esse
hábil. Diz-se qr,re ele inventou a i:alança, e Íez cunhar em Egina a primeira moeda motivo que ela cuida de lhe tirar âs armas. Molestar a multi-
de prata. E preciso não confundir esse Fidon, tii"ano de Argos, com Fidon legisla- dão, expulsar os cidadáos da cidade, dispersá-los por todos
dor de Corinto, do qual se trata no livro ll, c. l, § 7. 15 os lados, é um sistema comum da oligarquia e da tirania. Por
ZZO Faláris, tirano de Agrigento. Oríginário cle ,Astipaléia, em Creta, foi expulso de sua
pátria devido aos sêus projêtos ambiciosos, Íixou-se em Agrigento, apoderou-se
outro lado, ela tem de comum com a democracia o fato de
0o poder cerca do ano 566 a.C. Ele quis também dominar a cidade de Himera: o Íazer uma guerra contínua aos ricos, prejudicá-los por todos
poeta Estesicore, que êra Íilho de Himera, persuadiu os seus compatriotas a náo os meios secretos ou declarados, condená-los ao exílio como
se aliarem ao tirano Faláris, e sobrê êste assunto ele compôs o célebr+ apólogo rivais e inimigos do poder. Com efeito, são eles que incessan-
snbre o hornem e o cavalo, que Horácio, Fedro e La Fontaine transporlaram de-
pois para a poesia. ,{ crueldade de Faláris Íê-lo de tal Íorma odiado que ele foi
temente tramam conspiraçôes * uns querendo exercer a au-
apedrejado pelos seus súditos. toridade, os outros não desejando sujeitar-se a ela; daí o
nna Panécio, filósoÍo estôico, nascido em Rodes. conselho dado a Trasíbulo233 por Periandro2s4 ^ a poda das
228 Pisístrato, tiranô de Atenas, era descendente de $ólon^ Usurpou a autoridade
soberana em 561 a.C., foi expulso por Megacles em 560, e chamado por esse 230. Codro, último rei de Atênas. de 1160 a1132. Tendo sabido pelo oráculo que, na
mesmo l\4egacles ern 55S. Deposto novamente em 552, rêtirou-se para a ilha da guêrra que os dóriços faziam aos atenienses, a vantagem seria daquele dos dois
Eubóia. Urna vez mais conseguiu, em 538, reaver a autoridade, e soube depois povos cujo cheÍe fosse morto, sacr!Íicou-se voluntariamente pelos seus, atirando-
conservá-la pela sua moderaçâo. Transmitiu-a a seus dois filhos Hiparco e Hípias. se no meio da batalha.
quando morreu, enr 528.
231. Ciro, rei da Pórsia. Era Íilho de Cambises e cle Mandana, Íilha de Ástiago, rei dos
)üo Dionísio, cognominado o ,qntigo, ou o Tirano, filho de um siracusano ob,scuro. Foi medos. Venceu Ciaxara ll, filho de Ástiago, deu a independência à p?rsia, que
soidado e Íez-se prociamar pelo exército, em 405 a.C., com a idade de 25 anos. desde muito tempo vivia sob o dominio dos medos, no ano S00 a.C., e governou
Repeliu os cadagrneses que haviam invadido a Sicília, mas deixou que a ilha de os dois países.
Gela Íosse tomada, e os siracusanss se revoltaram contra ele. Conseguiu abaÍar 232. Molossos, povo do Epiro. Esse pequeno Estado Íoi sempre governado por rers
a revolta, obteve vantagem sobi'e o inimigo, tomou-lhe sucêssivamente Catânia, descendentes de Pirro, Íilho de Aquiles, que reinaram com tânta glória como sa-
Leôncio, Messina, Tauromínio, Selinonta. levou mesmo âs sua$ armas à ltália. bedoria durante 900 anos. Plutarco. na vida de Pirro, rei do Epiro, nos conta que
tomou Locres, Crotonê, e assolou até as costas da Etrúria. Exposto a inÚmeras todo ano lá havia uma assenrbléia geral na qual o rei e o povo prestavam o jura-
conspiraçoes, tornou-sê inquieto. desconÍiado, cruel e odiado dos seus súditos mento de sempre respeitar as leis.
até a sua mode. em 368, após 38 anos de reinado. Ele procurou a companhia
dos filósoÍos, chamou Platáo ilara â sua coÍtê. prÕlegell o§ poetas, e ele prÓprio
233. General ateniense cuja vlda Íoi descrita por Cornéiio Nepos.
compôs maus versos. 234. Periandro, tirano de Corinto. Ver, neste mesmo livro, e" Vlll, § 4.
192 Ansróretrs A PaLíríca t93
Eapno --- Ltvqa oawTa EoPRa

espigas que se elevam sobrê as outras, dando a entender Evágoras, rei de Chipre, porque o Íilho deste príncipe lhe
que êle devia fazer matar todos os cidadãos que dominavam. roubara a mulher. Para vingar-se, o Eunucô matôu Evágoras.
§ 8. Deve-se reconhecer, pois, que o princípio e as causas A história está replêta de conspiraçôes contra monarcas que
das revoluções que surgem nas repúblicas e nas monarquias, se cobriram de inÍâmias.
a5 são, como dissemos, aproximadamente os mesmos. O medo, § 11. Tal foi a conspiração de Crateus2a0 contra Arquelau,
as injustiças e o desprezo levam muitas vezes os súditos a ro cuja familiaridade semprê o desâgradava a ponto de urn pre-
conspirar contra as monarquias. Quanto às injustiças, é prin- texto menos grave bastar para resolvê-lo. Apesar da promes-
cipalmente o ultraje que as determina, e às vezes as espolia sa que este príncipe lhe Íizera, não lhe deu nenhuma de suâs
çÕes individuais. Aliás. o objetivo á o mesmo de ambos os filhas. Ao contrário, em conseqüôncia da sua derrotâ nâ. guêr-
so lados, tanto na tirania, como na monarquia: a grandeza das ra contra §irra'o' e Arrabeu,2a2 ele deu a mais velha ao rei de
riquezas e o brilho das honras sâo alvo da ambição de todos. Eliméia,za3 e a mais moÇa ao filho de Amintas, na esperanÇa
15 de que aquele príncipe e o filho de Cleópatra'*" não pensariam
§ 9. As vezes conspira-se contra a pessoa dos príncipes, e
às vezes contra o seu poder. As conspiraçÕes contra a pesssa jamais em hostilizá-lo. O verdadeiro motivo de Crateus Íoi a
têm por causa os ultrajes, e, pois que os há de muitas espá- indignaçáo que lhe despertaram os amores indignos do rei
gs cies, cada um deles vem a ser uma causa particular de ressen- Arquelau.
timentos. üra, a maior parte daqueles que sofrem ressentimen- § 12. Heianocrata24s de Larissa também entrou na conspi-
tos conspiram para se vingar e nao para se apoderar do poder. raçâo de Crateus pelo mesmo motivo. Não querendo Arque-
Tal foi a sorte dos Íilhos de Pisístrato."t Eles haviam oÍendido lau, que ahrusara da sua juventude, cumprir a prornessa que
a irmâ de Harmódio, que sentiu grandemente esta injúria. havia feito de restaurá-lo no trono do seu paÍs, iulgou que a
eo Harmódío quis vingar sua irmã e Aristogiton defender Harmo- ao intimidade do rei, longe de significar uma verdadeira amizade
rano dio" Uma conspiraçáo depôs Periândro."o tirano da Ambrácia. por ele, outro fim nãá tinha que ultrajá-lo-. Parro'ou e Heracli-
§ 1CI" A conspiração"'de Fausânias contra Filipe ll, rei da de,"' ambos de Enos2o8 mataram Cótisz4e para vingar a mor-
Macedônia, surgiu do Íato de o príncipe tê-lo feito ultrajar te de seu pai, Ê Adamas250 abandonou o partido deste mes-
impunemente por Atalo. A de Derdas contra Amintas o mo Cótis que ô havia ultrajado e Íeito mutilar na infância.
Moço.'"o porque este se vangloriava de haver desfrutado a
s Ílor da sua mocidade. O Eunuco'3e tentÕu contra a vida de
240. Crateus era um dos cortesáos de ,Arquelau, rei da Macedônia.
235. Ver l" Vlll, c. Vlll, § 4. 241. Sirra, genro de Arrabeu.
236, Periilndro, tirano da Ambrácia, do qual já se falou neste mesmo livro, c. lll, § 6. E 242. Ar(abêu, rei de Eiiméia.
preciso náo conÍundir Pei'iandro, tirano da Ambrácia, com Periandro, lirano de 243. Elimêia, Estado vlzinho da li,{açedÔnia.
Corinto. Aristóteles nos conta o conselho de Periandro de Corinto a Trasíbulo, l.
244. Cleópatra, êsposa de Arquelau.
lll, c. Vlli, § 3, a duraçáo do seu reinado em Corinto e suas raras qualidades, l.
Vlll, c. § 22, 245. Helanocrata só é conhecída por esta passaoêrn.
237. Fausânias, senhor da corte de Filipe, náo têndo podido obter a punição de uma 246, Parro. ou melhor, Pito, como o chama DiÓgenes de Laerte (1, lll. § 46). Após a
ofensa que ele recebera de Atalo, vingou-se ele próprio. rnortê de Cótis, reÍugiou-se em Atenas. Foi felicitado pela sua coragem. "Hu sou
apenas. disse. o instrumento de que serviram os deuses para punir unl trrâno".
238. Amintas, o [tloço, ou segundo do nome, foi pai de Filipe e avô de Alexandre.
Derdas era senhor macedônio, principe de Eliméia, que prestarâ grandes servi- 247. Heraclide. desconhecido.
ços a Amintas pelo seu valor e habilidade. Era amado por Eurídice. mulher de 248. Enos. cidade da Trácia, na Íoz do Hebro.
Amintas, que Íormara o projeto de colocar sêu âmante nÕ trono. Mas o rei foí sa- 249. Cótis, tirano de Enos.
bredor da conspíração por sua filha, que ao mesmo têmpô lhê revelou os amorês 250. Adârnas. descorrhecido. Todo êste trecho é êxtremamente obscui'ol ele apenas
da máe. A conspiraçáo Íoi abaÍada. Aminlas morreu numa idade avançada (Justí- contém alusÕes a êssa pade da história da ltlacedônia sobre a qual possuÍmos
no, L Vll, c. lV; Xenofonte. Hist" gr.,l. V., Piutarco, VidadeAlexandre, c. X). notícias muito imperfeitas; muitas vezes, mesmo delas estamos completamente
239. f'licoles. cognominado o Eunuco. Ele assassinou Evágoras no ano 3V4 a.C., privados. Aliás. as pesquisas dos mais sábios comentadores náo tornam o textô
corno narra Aristóteies. mais inteligível"
194 Antsrótetes A PaLincA ,:/§
EDtPRo Ltvqo aüNTo Ltnn:a auiNia EDPRa

§ 13. Muitos houve também que, irritados por maus trata- § 15. O desprezo chega mesmo a originar conspiraçÔes en-
:s
mentos e castigos recebidos, mataram ou tentaram matar, tre amigos, porque eles lulgam qLle a confiança de que desfru-
por vingança, magistrados supremos e monarcas com as tam esconderá seus atentados. Também aqueles que acredi-
suas dinastias. Assim, em Í\íitilene, Megacles, com os seus tam poder se apoderar da autoridade conspiram de algum
amigos massacraram os Pentílidas, que percorriam as ruas 10 modo por desprezo: porque, desprezando o perigo, e fiados
espa-ncando os cida-dâos a golpes de clava; e depois Esmer- na sua ÍorÇa, Íacilmente urdem atentados. Tais sáo aqueles
go dis"' matou Pentilo252 que, após tê-lo derrotado, ordenara a que comandam os exórcitos dos monarcas: por exemplo,
sua mulher arrastá-lo por terra. Decanico's3 foi o chefe da Óiro."o para com Astiago, cuja maneira de viver e autoridade
conspiração contra Arquelau,zsa e o primeiro a concitar os ele desprezava - urxa por ser plena de dissipaçáo e autra
conjurados, porque aquele príncipe o havia entregue ao poeta destituída de energia; e o trácio Seules para com Amado-
EurÍpides, a fim de que este o espancasse; e Eurípides se i5 co,25e de quem ele erâ general. Outros têm mLritos motivos
35 irrita contra Decanico devido a uma chalaça que este fizera para conspirar. O desprezo e a^c.upidez levaram MitrÍdateszuo
sobre o mau hálito do poeta. a conspirar contra Ariobarzane.'o' Esses atentados envolvem
§ 14. Muitos outros personagens foram assassinados ou principalmente homens de caráter audae que desfrutam de
expostos a conjuraçÕes por causas semelhantes. Mas o grande reputação militar junto aos monarcas. A coragem, que
medo também produz tais eÍeitos: ele é a causa de distúrbíos zo possui fartes meios de aÇáo, vem da audácia; e essas duas
tanto nas monarquias como nas repúblicas. Artapanes2s5 as- qualidades fazem nasceí a idéia de conspirar, porque os §u-
sassinou Xerxes temendo ser acusado junto ao rei de ter feito cess0s parecem Íáceis.
enforcar Dario, embora Xerxes lhe tivesse ordenado não o § 16. Quanto àqueles cuja ambição impele a tais empre-
Íazel mas Artapanes esperara que o rei usasse de indul- sas, a isso se resolvem por motlvos diÍerentes dos que enume-
+o gência ou não se lernbrasse daquiio que dissera em um fes- ramos. Eles nada empreendem contra os tiranos, como fazem
r312a tim. Outras conspirações foram geradas pelo desprezo, como alguns, cobiÇando as suas grandes riquezas e honrarias; os
aquela que custou a vida a Sardanápalos, o qual Íora surpre- 2s que se dirigem pelo amor à gloria jamais desejarâo correr
endido por um dos seus oficiaiszsô fiando entre as suas mu- periEo por esse preÇo. Aqueles conspiram pelos motivos que
lheres * (se é que os que narram este fato dizem a verdade; indicamos; mas estes têm o mesmô móvel que terian: em se
mas não sendo real o fato em relação a Sardanápalos, bem atirando a qualquer outra empresa que lhes pudesse dar um
poderá ter sido em relaçáo a outro qualquer). Dion'5' também nome ilustre; quando eles atacam os monarcas, não é à mo
s conspirou por desprezÕ contra Dionísio, o Moço, quando per- so narquia que aspiram, é à glória.
cebeu que todos os cidadâos alimentavam esse mesmo sen-
timento, e que ele vivía num estado contínuo de embriaguez.
§ 17. h/as bem poucos homens existem capazes de ter
um tal objetivo em seus empreendimentos; porque é prectso
que nenhuma preocupação da vida, em caso de insucessc,
251 . Náo possuímos outros detalhes sobre Esmerdis. venha inquietá-los, e que tenham sempre presentes no espíri-
252. Pentilo, filho de Orestes, que formou a oligarquia de túitilene. to a idéia de Dion, que náo pode penetrâr nas almas vulga-
253. Decanico não é conhecido por outra forma. 35 res: colocou-se ele à frente de alguns soldados contra Dioní-
254. Ver acima, neste capítulo, § ll. sio, dizendo que ficaria satisfeito, qualquer que Íosse o resul-
255. Artapanes, hircaniano, capitâo dos guardas de Xerxes, assassinou aquele prínci- tado de seu empreendimento e que, se pudesse ao menos
pê e imputou o seu crime ao filho mais velho do rei, que ele fez conàenar. Arta- beijar a terra antes de morrer, a morte lhe pareceria honrosa.
xerxes, irmâo deste último, Íria tornar-se também a sua vítima: mas tendo desco-
berto a cilada, matou Artapanes.4Zp anos a.C.
256. Arbaces matou Sardanápalos no ano 7S9 a.C. 258" Ver Hêrodoto (Üirop.), c. CXL.
257. Dion, genro de Dionísio o A,ntigo, {oi exilado por Dionísio o Moço, entrou em 259. Amadoco, rei da Trácia, destronado ê mofic por Seutes.
§iracusa com desconhecidos, atacou o poder soberano em 354 e Íói assassinado 260. Ver Xenofonte, (Cirop.) L Vlll, c' Vlll
pelo âteniense Calipo, r;ue ele havia cumulado de favores.
261. Ariobarzane, rei da Capadócia e do Ponto.
197
196 Antsróretes A P)LÍTICA
LIvRo QUNTA
EaPno
EDIpRo LtvBo ot)tNTo

parte do ódio'
§ 18. A iirania, como qualquer outra espécie de governo, § 21. Deve-se considerar a cólera como uma
co pode ser derrubada por uma causa exterior: quando exista porque até um certo ponto ela produz açoes que se lhe asse-
1s12b um Êstado vizinho que seja fundado em um princípio oposto, melham. Muitas vezes mesmo ela é mais ativa que o odio;
e que seja mais Íorte: pois é claro que se acrescentará a von- porque conspira-se com mais ardor quando se é arrastado por
tade à oposição dos princípios, e, tanto quanto se pode, sem- uma paixáo que náo permite o livre uso da razao; e é o ultraje'
pre se faz o que se quer. Os Êstados Íundados em princípios sobretudo, que leva o indivíduo a se deixar dominar pela cóle-
contrários são inimigos, e a democracia é inimiga da tirania ra. Tal foi. por exemplo, a causa da queda da tirania dos Pisis-
comô "o oleiro é inimigo do oleiro", segundo a expressão de trátidas.'or e muitas outra§ tiranias. Contudo, o ódio ainda ó
s Hesíodo.2u' De fato, o último grau da democracia á a tirania. mais temÍvel; a colera surge sempre com um sentimerrto de
A realeza e a aristocracia também são inimigas; é por isso dor, que exclui qualquer reÍlexão, ao passo que o ódio nào vem
que os {acedemônios263 aboliram muitas tiranias, como tam- acom'panhado desse sentitnento penoso. Em resumo, todas as
bém o Íizeram os siracusanos,264 quando possuíram um bom causas que atribuímos, de um lado a oligarquia excessiva e
governo. extrema e do outro ao último grau da democracia, são aplicá-
10 § 19. A tirania tambóm pode se derrubar por si própria, veis também à tirania, pois a oligarquia e a democracia náo
passam, em muitos casos, de espécies divididas de tirania'
quando aqueles que participam do poder são desunidos. E o
§ 22. A realeza se expÕe muito menos à destruiçáo
por
que aconteceu outrora à tirania de Gelão,'6t e é o que hoje se
dá com a de Dionísio. Trasíbulo, irmão de Hierào, fizera-se cauias exteriores: também ela tem longa duração, mas traz
adulador do filho de Geláo e mergulhara-o numa vida de dis- 40 em si mesrna a maioria das causas de alteraÇão' Ela pode
sipações para ter ele só toda a autoridade, ao passo que os 13r3a perecer de duas maneiras: quando aqueles que participam da
seus parentes conspiravam. náo tanto para abolir a tirania, autoridade real estão dividldos, e quando eles governam de
15 como para derrubar a autoridade de Trasíbulo; mas os cida- um modo excessivamente tirânico e pretendem ampltar seu
dâos e o povo, julgando azada a ocasiào, Íizeram uma cons- poder'violandoasleis.l.{ojeemdiajánãomaisseÍormam
plraçãq geral e expulsaram para sempre os tiranos. Quanto a s realezas.'ô8 ou entáo são antes monarquias e tiranias, pois a
Dion,zuu que guerreou Dionísio, seu parente, servindo-se do realeza é um poder livremente aceito e goza de prerrogativas
apoio do povo, veio â perecer após a expulsão do tirano. mais elevadas. Mas em no§sos dias, quase todos os homens
sáoiguaisenenhumdelespossuiumasuperioridadebastan-
§ 20. Dos dois motivos que produzem mais Íreqüentemente
as conspiraçôes contra as tiranias, quero dizer, o ódio e o te noiável para poder rivalizar com a grandeza e a importân-
zo desprezo, deve haver sempre um que se prenda aos tiranos - cia da diEnidade real; de tal modo que já não se dá mais con-
esse é o odio. Entretanto o desprezo é causa da queda de sentirnento a uma realeza. e se alguém emprega a astucia ou
muitos governos. Prova-o o fato de que a maioria daqueles lo a violência para mandar, é igualmente considerado tirano.
que se arrogam o poder soberano sabem conservá-lo, e § 23. Quando a realeza se Íunda no direito
do nascimento'
os que o recebem por herança náo tardam a perdê-lo. Por- deve-se acrescentar, às coisas que podem acarretâr a sua
que, vivendo em plena dissipaçáo, cedo se tornam desprezi- queda, o desprezo'2u' em que cai a maioria dos reis e o abuso
zs veis e dão freqüentes ensejos de se conspirar contra eles. insoiente que eles Íazem de um poder que não é a tirania'
mas a dignidade real. A ruína de um tal governo é sempre
ts Íácil, potqu* o rei deixará de reinar logo que se queira; mas o
?62. As Obras e os Dras, v. 25.
263. Ver mais acrma, nêste mesmo livro, c. Vl, § 9, onde se diz que os lacedemônios
derrubaram as democracias. 267. Ver mais acima nestê mesmo livro, c" Vlll, § 4'
sLra vontade,
264. Quando expulsaram o tirano Trasíbulo, como disse Deodoro de Sicília, l, lL" c. LXVlll. 2,68. Baslleus, rei legítimo; monarchos. monarca, sem outra lei alénr da
rnas sem abusd; tirano' que abu§a do poder' Ver livro lll' c V' §
265. Náo temos, aliás. qualquer outra notícia sobre esse filho de Gelão, nem sobre a 7'
qüe AristÓteles
conspiraçâo dos parentes de Trasíbulo. 26g. comparar essa cleclaraÇâo Íormal contra a hereditarieclade com a
266. Dion Íoi assassinado êm 354 pelo atêniense Calipo, do qual Íora benÍeitor. jâlez.l. lll c. X, § 9.
A POLIflCA t99
Lti§a aúrxro EaPRa

tlrano permanece sempre, mesmo quando não mais o quei- gos, a instrução, enÍim nada de semelhante; êvitâr todos es-
ram. Tais sâo, pois, as causas da ruína das monarquias, sem ses hábitos que são propícios a gerar a conÍiança e a gran-
falar de outras causas aproximadamênte semelhantes. deza do espírito, não tolerar assemblóias nem qualquer reu-
niáo que possa preencher os lazeres dos homens, e fazer
Capírulo lX s tudo, ao contrário, para que os cidadãos permaneÇâm desco-
nhecidos uns dos outros, porquê sáo principalmente as rela-
§ í. Geralmente os Estados monárquicos se conservam
por meios contrários, pecuiiares a cada um deles: a realeza, çoes habituais que gerâm a confiança recíproca.
20 por exemplo, por tudo que tende a fazrâ-la mais moderada. § 3. Também se obrigarn os cidadáos a Íazer ato de pre-
Quanto mênos amplas as atribuições soberanas de um poder senÇa e viver, por assim dizer, na solerra das suas portas, a
qualquer, mais oportunidade de duração ele terá. Os próprios Íim de que melhor se possa saber o que eles Íazem, e habi-
reis tornam-se menos déspotas, aproximam-se mais da tuá-los aos sentimentos baixos por ê§sâ escravidão contínua.
igualdade, pelos seus costumes, e se expõem menos à inveja Esses meios e oulros idênticos, usados pelos persas e bárba-
dos seus súditos. lsso explica a longa duraçâo da realeza dos 10 r'os, sáo próprios da tirania, porque todos eles podem produzir
Molossos.2To Ela se manteve em LJcedemdnia porque, desde o mesmo efeito. Também é preciso saber tudo o que dizem e
o início, foi repartida entre os reis; e depois Teopomporl fazern os súditos, ter espioes, como em Siracusa as mulheres
moderou o poder com várias instituições novas, notadamente chamadas Petagógidas ,';o le, como Hieráo"u pessoas encar-
com a fundaçáo do tribunal dos éforos. Diminuindo o poder regadas ije tudo escutar nas reuniÕes e nas assembléias -
real, ele aumentou a sua duração e assim, ao invés de redu- porque fala-se com mênos liberdade quando se leme ser
zi-lo, tornou-o de algum modo maior. E, diz-se, o que ele res_ ts ouvido por tais pessoas, e quando se permite falar, rnenos
lo pondeu à esposa, quando esta lhe perguntou se ele não se pode o tirano ignorar"
envergonhava de legar aos Íilhos uma realeza menor que a
que recebera de seu pai: "9iaro que não, disse ele, porque eu § 4. Também é preciso compelir os cidadáos a se calunia-
rem mutuamente, prender os §êu§ amigos, irritar o povo con-
a transmito mais durável'."'
tra os homens poderosos, excitar os ricos entre si. Um oulro
§ 2. As tiranias se mantêm por dois meios completamente recurso da tirariia é empobrecer os súditos para que a guarda
ss opostos, dos quais um nós conhecemos pela tradição, e o zo nada custe a ser alimentada, e os cidadáos, obrigados a tra-
outro é posto em xso pela maioria dos tiranos. preiende-se balhar e viver pensando só no dia presente, não tenham tem-
que foi Periandro''' de Corinto que descobriu muitos desses po de conspirar. Exemplos disso há nas .Pj,râmidesz/^ do Egi-
segredos políticos: também se podem ver muitos exemplos io, ,r. oÍerendas feitas pelos Cipsélidas,2/7 na.construção do
semelhantes na monarquia dos persas. São estes, já o dis- templo de Zeus OlÍmpico278 pelos Pisistrátidas27e e nas Çran-
40 semos, os meios que a tirania emprega para conservar a des obras que Polícrato'ou fez executar em Samos. Todos
força, reprimir aqueles que tenham alguma superíoridade,
fazer matar os homens que possuem sentimentos generosos,
rsreu não permitir as reÍeiçÕes em comum, as associaçÕàs de ami- 274. Petagógidas é uma Íorma dórica por prosagÓgidas.
275. Hiêrão sucedeu a seu irmáo Geláo
276" Herócloto, l" ll, c. CXXIV. parêce Íazer o mesmo julgamento.
277. Ver neste me§mo livro, c. Vlll, § 4
27A. Ve( livro Vlll, c. Vlll, I 5.
278. Vitrúbio e Pausânias Íalam desse templo de Zeus Olímpicol tinha 760 metros de
271. A eÍoria, Ionge de ser umâ instituição de Licurgo, como muito erradamente prê-
circunferência.
tcndem. era absolrtamente contrária ao espÍritô da sua legislação. Essa magis-
tratura foi estabelecida 70 anos depois de Licurgo, pelo rei reópompo. Dissõ ja 279. L. Vlll, c. Vlll, § 4.
falou Aristóteies no l. lt. c. Vl, § i4. 280. Polícrato, tirano de §amos, reinou de 535 ã 524 a.c. submeteu várias ilhas do
272. Pluta{co narra o mesmo fato na vida de Licurgo. c. vll. LamprÍdio, na vida de mar Egeu, derrotou os milésicos vindos em $ocorro de Lesbos. e tornou-sê táo
Alexandre Severo. diz que este príncipe deu uma rêsposta idêniica a sua màe. pocleroso que Amásis, rei do Egito e cambises, rei da Pétsia, a ele procuraram
aliar-se. Ênquanto proJetava a conquista da Jônia, foi aprisionado por orestes,
273. Ver mais acima, mesmo livro, c. Vlll, §§ 4 e j0.
governador cie Sardes, e por Cambises, e crucificado.
A PALirrcA 241
LIVRa awNTo EÜPRA

2s esses trabalhos têm o mesmo objetivo e o mesmo resultado: pretensôes ao seu podor. Tais rnanobras e outras do mesmo
empobrecer os súditos. ocupando-os. gênero pertencem à tirania e a conservam; não lhes falta a
§ 5. üs impostos constituem outro meio, como aconteceu menor parcela de maldade.
no reinado de Dionísio'u' em Siracusa; no espaÇo de cinco
anos toda a fortuna pública se transferiu para o tesouro. O
§ L Pode-se, de algum modo, concentrar todas essas
ts manobras em três espócies, porque há três coisas que a tira-
tirano também se dispÕe alazer a guerra para que os súditos nia se propõe: primeiro, o aviltamento dos súditos: aquele que
não tenham lazeres e sintarn continuamente a necessidade possui um espírito baixo e pusilânime jamais será tentado a
30 de um chefe militar. Sendo a realeza conservada pela lealda-
conspirar; depois, a desconÍianÇa que nutrem os cidadâos
de dos seus defensores, a tirania se mantém principalmente entre si, poíque a tirania só pode ser derrubada q*ando os
pela desconfiança que ela nutre contra os seus amigos. To- homens tiverem entre si uma conÍiança recíproca" Esta é a
dos os súditos desejam a queda do tirano, mas ela depende za razâo pela qual o tirano faz guerra aos homens de bem, que
principalmente dos seus amigos. podem preiudicar a sua autoridâde náo só porque não que-
§ 6. Os vícios da democracia, levados ao último grau, se rem ser governados despoticamente, mas ainda porque eles
encontram na tirania: dominação das mulheres no recesso têm confianÇa em si próprios, e com isso obtêm a üon-
as dos lares, a fim de que elas denunciem os maridos, libertação Íiança dos outros. Finalmente, a terceira coisa que pretende a
dos escravos para que eles denunciem os senhores. As mu- tirania é a impossibilidade de agir, porque nrnguém êmpreen-
lheres e os escravos náo conspiram contra os tiranos, e con- 25 de o impossível; por conseguinte, nào sê toma a tareÍa de
tanto que os deixem viver à vontade, são naturalmente com_ abolir a tirania, quando não se possui o poder de fazê-lo"
placentes para as tiranias e democracias. O povoru, também
quer ser monarca algumas vezes; eis por que o adulador § 9. Sâo estes os três objetivos visados pelos tiranos,
porque a eles se podem transportar os píocessos da tirania:
40 goza de grande consideraçào junto ao povo, e junto ao mo- a desconÍiança êntre os cidadãos, a impossibilidade da
narca: junto ao povo, encontra-se o demagogo, adulador do ao ação, a baixeza dos sentimentos. Tal 'á o primeiro meio a
1314a povoi junto aos tiranos, aqueles que lhe fazem a baixa corte empregar para qarantir as tiranias.
(o que é uma obra de aduÍação). Eis por que a tirania ama os
maus, já que ama a lisonja, vício ao qual jamais se abaixa o § 10. O outro meio emprega processos q_uase completa-
homem que tenha um coraçáo Íivre. Os homens de bem mente opostos âos que vimos de descrever.'*t É preciso tirá-
amam, ou pelo menos não adulam. Aliás, os maus servem lo daquele que é uma espécie de corrupÇáo da realeza. O
5 para Íazer o mal: um prego empurra o outro, como diz o pro- meio de destruir a realeza é torná-la mais tirânica; o meio de
vérbio. 35 eonservar a tirania é fazê-la mais real, cuidando-se de garan-
tir-lhe a força, a Íim de mandar nos cidadâos, com o seu con-
§ 7. Tambóm é do caráter do tirano náo se comprazer na sentimento, ou sem ele. Desprezar este ponto é renunciar à
sociedade dos homens graves e livres, porque ele tem a pre_
tirania; ele deve ser berr garantido, como a base da existên-
tensão de ser o único que possui essas vantagens.
cia do tirano: no mais, o tirano deve Íazer certas coisas e
E, pois, aquele que afeta sentimento de nobreza e liber- 40 parecer querer Íazer outras, imitando nisso o Eoverno real.
dade, tira ao tirano a sua superioridade e força, e em conse- 1314b § 1'l . Antes de tudo, ele deve parecer interessar-se peio
ro qüência, por ele é odiado como um rival que o despoja do seu bem público e náo fazer despesas e liberalidades que irritem
prestígio. Também é de uso do tirano admitir à sua mesa e à
a multidão quando ela percebe que o fruto dos seus traba-
sua intimidade de todo dia, estrangeiros, de preferência a lhos, das suas Íadigas e das suas privações é roubado por
cidadâos - porque uns são seus inimigos e outros não têm

. Ver neste mesmo livro, c. Vlll, § 4


28'l 283. Essâ passagem responde ao que foi dito precedentemente neste n:estno livro. c.
282. Aristófanes: üs Cayalelros. Vll!, § 2. Aliás, os mêsmos pontos de vista que Aristóteles apre§entâ. e aptoxi-
madamente as mesmas idéias, são expoÍ;to$ nâ eârta çle Platáo aos pais de Dion"
202 Antsrórercs A PALíTrcA
EDtPRo Ltvqo eutNTo LtVRa aurNTO EDIPRO

s ser prodigalizado a cortesãs, a estrangeiros e a artistas. Deve § Í5. O tirano fará o contrário daquelas velhas285 máximas
prestar contas daquilo que recebe e do que gasta, como mui- das quais Íalamos anteriormente; procurará adornar e embele-
tos tiranos o têm feito. Com tal administração, ele parecerá zar a cidade, como se fosse o seu administrador e náo o tirano"
mais ecônomo que o tirano do povo. Nunca se deve temer a §obretudo, mostrar-se-á continuamente penetrado de respei-
Íalta de dinheiro quando se é senhor do Estado. to286 peios deuses, porque os cidadáos receiam menôs injusti-
'r0 § 12. Alérn disso, é mais vantajoso ao tirano que se au- 40 Ças da parte do tirano, quando vêem que aquele que tem auto-
senta para o estrangeiro Íazer assim que deixar tesouros ridade sobre eles honra a religião e procura render aos deuses
acumulados, porque aqueles que os guardam serão menos 13'r5a o culto que lhes é devido. Sáo menos tentados a conspirar
ientados a empreender qualquer mudança no Estado. Com quando pensam que ele tem os deuses por aliados: mas o
eÍeito, os guardas do tesouro são mais de temer pelo tirano tirano deve mostrar-se piedoso sem seÍ supersticioso' Tam-
que se ausenta que os cidadãos; estes também viajam; aque- bém é necessário que ele conceda honras àqueles que se dis-
les Íicam. Além disso, é preciso que os tributas e todos os 5 tinguem em um trabalho qualquer de tal maneira que eles
re direitos sejam ordenados por motivos evidentes de eccnomia acreditem que não poderiam receber recompensas da parte
e se possível aplicados em despesas de guerra. Em uma dos cidadãos, se os cidadãos fossem independentes. O prÓpria
palavra, deve o tirano aparecer como guardiáo e tesoureiro tirano distribuirá essas recompênsas, ao passo que o§ castigos
da riqueza pública, ao invés de considerá-la como lhe perten- seráo infligiclos por outros magistrados e pelos tribunais.
cendo. § 16. Uma precauçáo, útil à conservação de uma monar-
§ 13. Em público ele deve ter um ar mais grave que seve- quia qualquer, é nunca engrandecer a Íorça de um cidadáo,
ro; ao invés de despertar o terror àqueles que são admitidos à 10 mas sendo isso inevitável, elevar muitos cidadâos ao mesmo
sua presenÇa, antes lhes deve inspirar o respeito. Para dizer tempo, porque uns vigiaráo os outros. No caso de querer
a verdade, isso não é Íácil quando ele se torna desprezível. tornar um crdadão poderoso, não seja ele um homem de ca-
Eis p_or que, quando mesmo ele despreza as outras virtu- ráter audacioso; porque um espírito pleno de audácia está
des.'Bo deve pelo menos aplicar-se à ciência do governo e dar sempre disposto a tudo empreender. Se julga dever destituí-
ele próprio a opiniáo que puder; é preciso ainda que ele se lo de qualquer privilégio, deve Íazê-lo aos pouco§, ao invés
abstenha de ofender qualquer dos seus súditos de um ou de de lhe tirar de uma vez o poder de que ele está revestido.
outro sexo, e disso implica todos aqueles que o cercam. As § 17" Deve ainda abster-se de qualquer espécie de ofen-
mulheres que lhe pertencem devem agir do mesmo modo em sa,28:' principalmente de duas: castigos corporais e ofensas
relaçáo às outras mulheres, porque as insolências das r"nulhe- ao pudor. Deve principalmente abster-se em relaçáo àqueles
res já têm perdido mais de uma tirania. que possuem ambição e nobreza de sentimentos. Os homens
§ 14" Em questão de prazeres e gozo dos sentidos, é pre- ávidos de dinheiro têm muita dificuldade em suportar os ma-
ciso fazer completamente o contrário daquilo que hoje Íazem les feitos à sua fortuna; mas os ambiciosos e os homens de
muitos tiranos. Mal nasce o sol, começam as suas orgias, que honra indignam-se ante tudo aquilo que venha ferir a sua
se prolongam por muitos dias seguidos. Querem mesmo ter dignidade. Assim, á preciso não empregar tais castigos, ou
testemunhas que possanr presenciar a felicidade e ventura de pelo menos dar-lhes a aparência de uma correçao paternal, e
que eles desfrutam. Ao contrário deve-se ter o máximo de nâo de um ato de desprezo. Quanto às relaçÕes corn a moci-
moderação neste ponto, ou pelo menos evitar os olhares do dade, elas devern ter ao menos o amor por desculpa, e nelas
povo. Não é o homem sóbrio que se faz desprezar e que se não se veja o abuso da força. Em geral, tudo aquilo que tem
35 surpreende Íacilmente, é o homem dissipado; náo é aquele
que vela, é o que dorme.
285. Ver nêste rnesrno capítuio, o § 3 e os parágrafos seguintes.
286. Ver o Príncipe. c. XVl.
284. Ver o Príncipe. de Maquiavel (em ülássicos Edipro). 287. Vêr[r,{ontesquieu, DaEspítitadasLeis, l.Xll,c.XVlll (emClássicasEdlpra)
204 ARtsrórÉLEs A POL|TICA 205
EDtpRo Ltvao awxro LrvRO eutNTO EaPRa

aparôncia de desonra deve-se resgatar com uma reparação


maior que a ofensa.
§ 21. Aliás, de todos os govêrnos, a oligarquia e a tirania
§áo os menos duráveis. A tirania de Ortágoras'"'' e dos seus
25 § 18. Dos homens que tentam contra a vida do tirano, os rs filhos em Sicione Íoi a que durou mais tempo: cem anos. E a
mais temíveis, aqueles contra os quais é mais necessário causa disto é que eles tratavam os seus súditos com grande
pôr-se em Euarda, são exatamente os que não temem sacriÍi- moderação e submetiam a maioriâ das coisas às leis. Clíste-
car a própria vida. Eis por que convém poupar, o mais possí- nes2el possuÍa talento militar que o fez respeitado. Todos eles
vel, os homens que se julgam ofendidos, eles ou aqueles que sabiam, além disso, atrair a amizade do povo pelo cuidado
lhes são caros; porque nâo se dispôe da vida, quando se cÕm que tratavam dos seus interesses. Diz-se que Clístenes
so conspira por ressentimento, como observou Heráclito288 ao fez presente de uma coíoa ao juiz que lhe recusara o preço da
dizer que é dif Ícil combater a cólera, porque ela Íaz o sacrif í- ao vitória, e cüntam muitos que a estátua colocada em praÇa pÚ-
cio da vida. blica representa üs traços desse juiz independente. Também
se diz que PisÍstrato consentiu em se deÍender perante o Are-
§ 19. Como as cidades se compõem de duas classes - os
pobres e os ricos, é preciso que elas creiam que o governo ópago, por motivo de um proces$o que lhe fora intentado.
zela pelo seu bem, e que impede uma de sofrer injustiças da § 22. Segue-se a tirania dos Cipsélidas,'n' em Corinto: du-
ss parte da outra. Qualquer que seja aquela das duas classes rou setenta e três anos e seis meses. Com efeito, Cipsele
que venÇa, deve devotar-se ao governo, a fim de que o tirano as reinou trinta anos. Periandro2es quarenta e quatro anos e
se encontre êm uma posição tal que náo seja obrigado a Psamético, filho do Górdio, três anos. Aquilo que manteve a
libertar os escravÕs, ou desarmar os cidadãos,'o' porque uma tirania de Cipsele também manteve a de Periandro; o primeiro
das duas partes, unindo-se ao governo, basta para sustentar era demagogo, e nunca quis guarda para a sua pessoa; o se-
ao a autoridade contra aqueles que queiram destruí-la. so gundo tinha o caráter de um tirano, mâs com talento militar.
§ 2CI. E inútil entrar em todos estes detalhes. O objetivo é § 23. A terceira tirania Íoi a dos Pisistrátidas,"o Atenas,
claro: que o tirano deva parecer, aos olhos dos seus súditos, mas ela náo Íoi contínua, porque Pisístrato Íoi duas"rn vezes exi-
não um tirano, mas um administrador. um rei, um homem que lado no curso do seu reinado, de modo que, no espaço de
não trata dos seus negócios particulares, mas que vela e trinta e três anos, sÓ reinou dezessete. Quanto às outras tira-
exige a moderação em tudo, Ionge de qualquer excesso. Ele ss nias, a de Hierão?sb e Gelão,'ou em Siracusa, náo subsistiram
deve admitir homens distintos em sua companhia, e granjear, muito tempo, rnas apenas dezoito anos, porque Geláo, apÓs
pela sua popularidade, a afeição do povo. Disso resulta que a
autoridade é mais bela e digna de inveja quando se exerce
Ortágoras, da Íamília dos Aicrneônidâs, tÕmou o poder em Sicione cerca de 676
sobre homens melhores e menos envilecidos: ela desperta anos a.C.
menos ódios e terror, e o seu reinado é mais durável. Em 291 Clístenes. da família dos AlcmeÔnidas, filho de l\,'legacles e avÔ de Póricles, foi
t0 uma palavra, é útil ao tirano ter costumes e virtudes, ou pelo um dos mais célebres descendentes de Ortágoras, pÔs-se à testa elo pafiido de-
menos ser mais virtuoso que mau. mocrático, expulsou Hipias em 51Ü, e ele próprio foi exilado devido às intrigas cle
lságoras, cheÍe do partldo aristocrático, que apoiava Cleômenes' rei de Esparta;
cedo voltou ê se tornou muito poderoso. Ele modiÍicou a legislaçáo de SÓlon. criou
tribos novas ê aurnêntou o senado de cem membros.
292. üipsélidas, êste mesmo livro, c. Vlll, § 4.
288 Heráclito de EÍeso, Íilósofo da escola de Jônia. floresceu pelo ano 500. Ocu- 293. Perianclro, tiÍano de Corinto, sucedeu a seu pai Cipsele. De princípio governou
pou uma alta magistratura em seu país; mas vÍtima de uma injustiça, retirou-se com sabedoria e fez Ílorescerem as letras e as afie§. Mas depois tornou-se odia-
para uma montanha e lá deixou-se morrer à fome. Ele costumava dizer que tudo do pela sua desconfiança e pelas suas crueldades. i'"4orreu numa idade avanÇa-
corre perpetuamente, tudo se transforma e nada perdura. Reconhecia uma razão da. Periandro possuía instruçáo: ele pÔs em uso alçumas máximas que Írzeram
universal que todos os homens recebem por uria espécie de aspiração" lvlorreu côm que fosse adnritido no número dos setê §ábios.
com a ídade de 60 anos. 294. Ver a nôta do c. Vll, I 4, ne§tê mesmo livro.
A este retrato do tirano. de Aristóteles, deve-se comparar aquele que o próprio 295. Hierào. tirânÕ de Gela e de Siracusa. sucedeu a seu irmáo Geláo.
Flatáo fez no fim do 8a livro e nô comeÇo do gq da República (em clássicas Edipro). 296. Gelão. tirano da Sicilia, de 491 a 478 a.C.
246 Aatsrórttrs
ED1PR7 Ltvqo QUtNro

haver reinado sete anos, morreu no oitâvo; Hierão reinou dez pode ser aplicado a lodas as outras revoluçÔes; porque Só-
anos e TrasíbulozsT foi deposto ao Íim de onze meses. Em crates pretende que um governo como ô de Lacedemônia se
lo geral, quase todas as tiranias têm durado pouco tempo. Tais transforma sucessivamente em oligarquia, em democracia e
são aproximadamente as causas de destruiÇão e conservação em tirania. No entanto, as revoluçóes tambén'l se Íazem ern
rBr6a para todos os governos, monárquicos ou republicanos. sentido contrário, como de democracia em oligarquia, e, mais
ainda. em monarquia"
Capírulo X a5 § 3. Finalmente Sócrates não drz se a tirania deve soÍrer
qualquer revoluçáo; nem, se deve sofrê-la, por qual motivo e
§ 1. Na República de Platáo, Sócrates Íala iambém das re- em qual forma de governo essa transÍormaçáo se dará' E que
voluçôes, mas náo Íala bem, nâo dá a conhecer propriamente
a transformação que se pode dar na sua república, a qual ele
não ihe teria sido fácil mostrar-lhe a causa, pois nada existe
nisso de determinado" Em seu modo de pen§ar, também esta
considera a primeira, a melhor Íorma de governo. De fato, ele
república perÍeita deve retornar à sua primeira Íorma; seria o
s pretende que tais lransÍormaçÕes se dáo porque nada pode único meio de chegar àquela revoluçáo contínua, àquele círcu-
durar eternamente, mas que tudo deve mudar em um período
lo do qual ele Íala. Contudo a tirania se transÍorma também em
determinado, e que eslas revoluçoes, cuja raiz,'es aumentada
oo tirania, cômo em Sicione, oncle a autoridade de Mirc'e§ pâssou
de um terço mais cinco, dá duas harmonias, só comeÇam nô
momento êm quê o número dessa figura tenha sido elevado ao
oara as mâos de Clístenes. E em oligarquia, como a tirania de
Antileo300 em Cálcis; em dernocracia, corno a dominaçào de
cubo, atendendo-se que nesse caso a natureza produz seres
Gelâo301 em Siracusa; finalmente, em aristocracia, como a de
viciados e incorrigíveis. Talvez ele não esteja errado, porque é
possível que se encontrem indivíduos que nunca possam tor- õãr.nãrt"ãn laceoemonia, e como aconteceu em Cartago't03
10 nar-se virtuosos, sendo demasiado resislentes para soÍrerem a s5 § 4. A oligarquia tambóm se transformou em tirania, como
influência da educaçáo. Mas por que a revolução conviria mais aconteceu outrora em quase todas as oligarquias da sicília:
a este Estado social que nos apresenta como perfeito? Por que Panécio3üo em Leontini, Cleand'"oiu' em Gela' Anaxilau'" em
seria ela mais importante que todos os outros Estados e qual- HeEes, ergueram as suas tiranias das ruínas da oligarquia'
quer outra coisa deste mundo? ao poãer-se-iãm citar muitos outros exenrplos. E absurdo acredi-
tar que a oligarquia nasÇa da ambiçáo ou da cupidez mercantil
15 § 2. Qual! No intervalo de tempo em que ele disse que
totan daqueles que exercem os Çargos públicos, e nâo da opinião
tudo se trans{orma, as coisas que ainda nâo começaram a
existir sofrem ao mesmo tempo essa revolução? E um ser dos homens de Íortuna, que não acham justo que aqueles que
nascido na própria véspera dessa confusáo nela compreendi-
do como os outros? Além disso, pode-se perguntar por que a
2gg. l\,liro. um dos descendênte$ dê or1ágoras. ver este mesmo livro c. lx, § 21.
sua república perfeita nessa revoluçáo se torna um soverno
lacedemônio. Porque muitas vezes âcontece que os go\ie!"nos 300. Antileo. pêrsonagem desconhecido.
Ver este mesmo livro, c lX, § 23.
tomam uma Íorma absolutamente contrária àquela que ti- 301.
nharn, em vez de uma Íorma vizinha. 0 mesmo raciocínio 302. Üarilau, rei de Esparta, de 898 a 890 a.c. Êilho de EunÔmio e sobrinho de Licur-
go. Não nascêrâ ainda quando morreu êeu pai. Licurgo governou durante a sua
irinoridade e deu leis aos espartanos. Carilau combatelt os argianos ê os tegea-
tas; Íoi aprisionado pelos tegeâtas.
297. Trasíbulo, irmão de Hieráô, t;rano de §iracusa.
303. lsto, diz Baúhelemy §aint-Hilaire, está completarnente êm contradiÇao tÕm o
quê
298. A maioria dos comentadores se têm esforçado para compreendêr este ponto da Aristóteles sustentou no L. ll. c. vlll, § 1, e o que clirá mais adiante, neste capítulo, §
4.
doutrina platônica. Schneider colecionou inúmeras passagens rêlativas a este tre-
cho da Folítica. sem poder chegar a algo de inteligível. Aliás. Polibo, no 6q livro das 304. Ver este mesmo livro, c Vlll, § 4.
l. Vlll,
suas Históras, Cícero, Tácito e outros aludem a esta doutrina das revoluçôes que 305. cleandro, tirano de Gela. existiu nÔ ternpo da Euerra méclíca. ver HerÓdoto.
Platão expôs nos estudos místicos de Pitágoras sobre os números. "O que parece c. CLIV.
mais provável aqui", diz Badhelemy Saint-Hilaire. "é que essas muitiplicaçôes su- --- Anaxilau ou Anaxilas.
306. tirano de Reges, viveu na época de cleandro. Era rness;ê
cessivas devem dar o número 5.400, que tem uma grande importâncía na teoria po- .i;-À oi'lgem. Ver Estrabáo, t tV, p 253; Pausânias l lV' c' Xxllll e l V' t;
litica de Platáo e que marca, sem dúvida, o grande período das revoluções". XXVI: Deodoro de Sicília, l, ll, c, XLVlll e LXXXVI'
'1

possuem não tenham mais direitos políticos que os que nada


têm' Em muitos governos origárquicos é proibido enriquecer-se
s por meio do comércio: a iei o proíbe, e contudo, em Cartago,
Estado democrático, pode-se enriquecer pelo comércio, sãm
que o Estado jamais tenha soÍrido qualquer revolução.
§ 5. E estranho ainda que a oligarquia tenha duas cidades
- dos ricos e dos poLrres. Essa é uma condição particular
a
do governo de Esparta, ou de qualquer outro governo em que
ro os cidadãos não possuem todos fortunas igúais, onde eies
não sáo todos igualmente virtuosos? Supondo-se mesmo que
Lvno sExro
nenhum cidadão se torne mais pobre que antes, não deixa a
oligarquia de se transformar em democracia, se os pobres se Srnopse; Da organização da democracia - Qual é a sua me-
tazem mais numerosos e a democracia em oligarquia, se a lhor forma * Cautela que deve ter o legislador na organização
classe rica se torna mais forte que o povo, conÍãrme despre- da democracia - A que deve ser feito para consalidar a oligar-
zam uns os seus interesses e outros a eles se devotam. Entre quia * Das diversas magistraturas
ts inúmeras causas que podem provocar revoluções, Sócrates
só enuncia uma - que os cidadãos se empobréçam pelo des-
regramento dos costumes e pela Íacilidade em receber em_
préstimos usurários, como se desde o princípio todos ou pelo CapÍrulo I

menos a maioria fossem ricos.


§ Í. Falamos das diÍerenças existentes entre a assembléia
§ 6. E um erro. Quando cidadãos eminentes perdem a sua deliberativa e o soberano, do número e da natureza dessas
fortuna, procuram mudar a ordem das coisas existentes, mas diferenças, das diversas ordens de magistraturas, da organi-
ec quando são outros que se arruínam, nada de grave resulta, e zação dos tribunais necessários a cada Íorma de governo, e
nesse caso o governo não mais se transforma em democra- ss por Íim da estabilidade e da queda dos Estados, indrcando as
cia ou outra forma qualquer de governo. Mas se eles não são oriqens e as causas que determinam uma e outra. Mas como
admitidos ao carEo, se são expostos à inlustiça e ao ultraje, há várias espécies de democracias, o mesmo acontecendo
provocam revoluções e mudam o governo, ainda mesmo que com as outras Íormas de governos, não será fora de propósi-
náo tenham perdido a sua fortuna....o, porque eles se encon- to examinar se nâo existe ainda qualquer coisa a dizer sol:re
2s tram em condiÇôes de fazer tudo que querem; é este estado este assunto e fazer conhecer o modo de organizaÇão mais
de coisas que Sócrates considera como sendo eÍeito de uma 40 adequado e mais vantajoso a cada Íorma.
liberdade excessiva. Entre todas essas formas diversas de
§ 2. É preciso examinar também as combinações de todos
oligarquia e de democracia, Sócrates fala de revoluçÕes que os diÍerentes modos dos quais falamos; porque, combinando-
cada uma delas pode soÍrer, como se existisse apenas uma se dois a dois, disso resultam mudanças de forma, que Íazem
forma de cada. da aristocracia uma oligarquia, ou que, nas repúblicas, refor-
çam o princípio democrático. Entendo por combinações duas
307. Aqui êxistê claramente uma lacuna: as idéias náo mais se coordenam. somos a duas (convém examiná-las, a elas até aqui não se tem dado
autorizados a pensar que Aristóteles. após ter acabado de desenvolver
suas idéias
atenção), os casos, por exemplo, em que o corpo deliberativo
sobre as causas das revoÍuÇÕes que podem se dar nos governos otigárôuicos
e e a eleição dos magistrados sáo organizados no sentido da
transÍormá-los ern democráticos, acrescêntou algumas rálexões sobr"e as trans_
formações possíveis nesta úrtima forma. à qual parece referír-se a frase incom-
oligarquia. ao passo que os tribunais são organizados no
pleta que sê seguê imediatamente. parece mesmo que êstê livro sentido da aristocracia, ou outro caso qualquer, contanto que
não foi conser_
vado inteiramente, e que nele falte ainda a rêÍutaÇáo da opiniâo de sócrates, que as partes do governo não sejam todas estabelecidas pelo
Íoi enunciada na primeira Írase" 10 mesmo sistema.
xa Antsróretrs A PoLiTtcA 211
E§íPRO LIuRA SEXTO LIVRO SEXTo EUPRa

§ 3. Falou-se anteriormente a respeito de qual é a espécie direito ou a justiça, em um Estado popular, consiste em ob-
de democracia que convém a esta ou àquela espácie de s
servaí a igualdade em relação ao número, e não a que se
povo; e, da mesma forma. das diversas espécies de oligar- regula pelo mérito. Segundo essa idéia do justo, é preciso
quia e outras formas de governos, a que homens cada uma Íorçosamente que a soberania resida na massa do povo, e
delas convém mais. Mas é preciso mostrar ainda claramente que aquilo que ele tenha decretado seja deÍinitivamente fir-
15 que é o melhor governo para os Estados, e sobretudo como mado como o direito ou o justo por excelência, pois que se
se deve estabelecer esse gÕverno ou outro semelhante. pretende que todos os cidadãos têm direitos iguais. Disso
Examinemos rapidamente esta questáo. E falernos antes de resulta que, nas democracias, os pobres têm mais autoridade
tudo da democracia. Será o meio de Íazer ver claramente o que os ricos, pois que sào em maioria, e os seus decretos
que se refere à forma oposta de governos, àquela que co- 10 têm Íorça de lei. Eis aí, pois, um sinal característico da liber-
mumente se chama oligarquia. dade: tal é a definiçáo que todos os partidários do Estado
popular dâo da constituiçáo.
§ 4. E preciso incluir nessa pesquisa tudo que á essencial-
zo mente popular e tudo o que pareoer ser uma conseqüência da § 7. Um outro característico é o de viver como se deseja,
democracia. Porque de todas êssas combinações devem pois é, diz-se, o resultado da liberdade, se é verdade que a
forçosamente sair as diversas espécies de democracia - e a marca distintiva do escravo é não poder viver como bem lhe
prova de que há mais de uma espécie é que todas elas dife- parece. Tal é o segundo caraeterístico da democracia; daí o
rem entre si. Duas causas explicam a variedade dessas de- rs Íato de nunca nela se consentir em obedecer â quem quer
mocracias: a primeira, da qual já se falou, é que um povo se que seja, a não ser alternativamente, o que contribui para
:s compõe de várias classes diferentes: os agricultores. os arte- estabelecer a liberdade fundada na igualdade.
sãos e os mercenários. Se se combinar o primeiro desses § 8. SeEundo esses princípios e essa definição da autori-
elementos Çom o segundo e o terceiro com os outros dois, dade, eis aqui quais são as instituições populares: que todas
disso resultará uma democracia mais ou menos boa, rnas as magistraturas sejam eletivas por todos, e entre todos os
essencialn"rente diferente" cidadãos; que todos tenham autoridade sobre cada um, e
§ 5. A segunda causa, da qual queíemos Íalar agora, é zo cada um, por sua vez, sobre todos; que as magistraturas
30 que se as conseqüências resultantes da democracia, que sejam dadas por meio de sorte, ou pelo menos todas aquelas
parecem pertencer especialrnente a essa espécie de gover- que não exigem experiência nem habilidade numa arte; que
no, determinam, segundo o modo pelo qual se combinam, as magistraturas não sejam adjudicadas pela quota do censo,
drferentes espécies de democracia; uma, com efeito, reúne ou ao menos pela menor quota possível; que o mesmo cida-
um número menor dessas conseqüôncias, outra um número dáo nunca possa exercer duas vezes a mesma magistratura,
maior, ao passo que outra ainda reúne todas. lrnporta conhe- ou pelo menos poucas vezes, havendo poucas magistraturas
m cô-las a todas, se se quer estabelecer uma forma nova ou 2s nesse caso, à exceção dos cargos militares; que todas as
reforrnar uma antiga. Os fundadores de Estados procuram funções públicas ou a maioria delas sejam de curta duraçâo;
reunir tudo o que há de próprio e de particular no sistema que que todos os cidadãos sejam chamados a julgar nos tribu-
eles adotam, mas desgarram-se em assim operando, como já nais; que os juízes sejam tirados em todas as classes, e se
se observou antes, ao tnatar da queda dos Estados, e dos pronunciem sobre todos os gêneros de negócios, sobre a
meios de conservá-los. Examinemos agora os princípios nos maioria deles, sobre os mais graves e os mais importantes,
quais se bassiam os diversos sistemas, os meios que comu- como as contas prestadas pelos magistrados responsáveis,
mente usam, e o Íim que se propÕem. os negócios gerais do Estado e os contratos civis. Finalmen-
iro te, que a resoluçáo de todos os negócios, ou pelo menos dos
§ 6. O princípio Íundamental do governo democrático é a mais importantes, dependa soberanamente da assembléia
liberdade; a liberdade. drz-se, é o objeto de toda democracia. geral dos cidadãos, e não de qualquer magistratura (à exce-
rrrro Ora, um dos característicos essenciais da liberdade é que os so ção dos casos mais raros)"
cidadãos obedeÇam e mandem alternativamente; porque o
AfrtsróTELES A PoLiTIcA 213
ED/PRa Ltv$o 9EXT} Ltvqo sgxro EDtPRo

§ 9. A mais popular dâs magistraturas rá um senado ou um cidadáos a quota ao censo exigido de quinhentos e dar aos
conselho geral,ru8 em todo o Êstado que não possui meios mil um poder igual ao dos quinhentos? Ou não se deverá
para remunerar o comparecimento às assembláias. Uma outra IJ considerar a igualdade sob este aspecto, mas Íazer a reparti-
instituiçáo muito popular é a concessáo de salário a todos os çáo, e conÍiar a um número limitado de cidadãos a direçãa
rs funcionáriÕs, aos memhrros da assembléia geral, aos tribunais, suprema das eleições e dos tribunars? Será esta Íorma de
aos cargos de todo gônero, ou pelo menôs às magistraturas, governo a mais justa e a mais conforme com o direito popu-
aos trillunais. ao senado, às assembléias que resolvem as lar, ou será antes aquela em que se considera essencialmen-
questôes ern último recurso, aos funcionários que sáo obriga- te a multidão? Porque, o que os partidários da democracia
dos a tomatr as suas refeiçÕes em comum.30e Finalmente. do chamam justo e legítimo é aquilo que é resolvido pela maioria.
mesrno modo que a oligarquia tem por característico os privilá- Ao contrário, os partidários da oligarquia só consideram justo
gios concedidos aos nascimentos, à riqueza, educaçâo, assim aquilo que é conforme corn a opinião dos mais ricos, porque
40 o governo popular deve ter, ao contrário, por característico pretendem que é o grau das riquezas que deve dar o direito de
distintivo, a preferência que neNe se dá à obscuridade do nas- lomar resolução deÍinitiva sobre os negócios públicos.
cimento, à pobreza e às profissões mecânicas" § 12. No entanto a desigualdade e a injustiça se encon-
1318â § 10. E preciso ainda que nenhuma magistratura seja nele tram em ambos os sistemas, porque, sendo a vontade da
perpétua, e nos casos em que se deixe subsistir qualquer minoria a que decide, haverá tirania, pois se houver um único
daquelas existentes antes da revolução democrática, é preci- indivíduo que possua mais haveres que os outros ricos, só
so diminuir-lhes Eradualmente a força, e entregar à sorte to- ele terá, em virtude do direito oligárquico, o direito de mandar.
das as que eram eletivas" Tais sáo as instituições comuns a Mas se é a vontade da maioria, tomada aritmeticamente, que
todas as democracias. Mas a constituiçáo que rá considerada Íaz a lei, a maioria não deixará de se apropriar, por confisca-
como â mais essencialmente democrática ou popular resulta ções injustas, dos bens dos ricos e dos mais fracos, como já
s do direito comumente chamado democrálico. e que consiste se disse anteriormente. Para encontrar uma igualdade com a
na igualdade absoluta entre os cidadãos. A igualdade exige qual os partidários de ambos os sistemas possam estar de
que os pobres não tenham mais poder que os ricos, não se- acordo, deve-se procurá-la na deÍiniçáo ql,,e uns e outros dão
jam únicos soberanos, e sim que todos o sejam em nome da do direito político, pois pretendem que a vontade da maioria
igualdade e nâ proporÇão do número; e só com esta condiçáo dos cidadáos deve ser soberana.
ro se pode dizer que a igualdade e a iiberdade estáo garantidas § í3. Admitamos esse princípio, contanto que não seja de
pelo Éstado um modo absoluto. CIra, já que a cidade se compõe de duas
ordens de cidadãos, os ricos e os pobres, seja a vontade da
§ 11. Mas, depois, a dificuldade é saber como se chegará
a estabelecer esta igualdade. Será preciso dividir entre mil maioria soberana em uma e outra das duas ordens; mas se
eles tomam resoluções contrárias, prevaleça a vontade da
maioria e daqueles que possuem maior renda. Suponhamos
308. Havia ern Atenas dois conselhos , Boulai, dos quais um êra pênÍanente. 0 nÚme-
dez ricos e vinte pobres; seis ricos emitiram uma opinião,
ro de memhrros desse conselho era indeterminado. Eles eram nomeados vitalicia- quinze pobres emitiram uma opiniáo contrária; os quatro ricos
mente pelos outros magistrados e realizavam suas assembléias na colina de restanies uniram-se aos quinze pobres, e cinco pobres aos
Ares. Por esta râzão era chamado conselho superior. Julgava os crimes de mode seis ricos. Se se fizer dos dois lados a adição das fortunas
ê ocupava-se da guarda geral do Estado. 0 outro, cotnposto de quinhentos sena-
dores, cujas funÇÕes eram apenas anuais. resolvia todos os negócios do governo.
das partes componentes, digo que aqueles, quaisquer que
§chneider observa que é, sem dúvida, deste Último conselho que AristÓteles fala sejam, cuja fortuna prevaleça, devem ter a soberania.
aqui, como de uma insiituição êssencialmentê democrática.
§ 14. Mas se eles são iguais de ambas as partes, é pre-
309. Em Atenas, a tribo que tinha a presidência do conselho era alimentada no Prita- ciso considerar essa partilha de votos como inclusa na cias-
neu à custa do público, a fim de que ela pudesse se entregar ao trabalho sem in-
terrupÇáo. A sala oncle se tomavam as reÍeiÇÔes denominava-se lólos, saia abo-
40 se desse gênero, por exemplo. quando há partilha entro os
badada.
214 Antsróretrs A PoLiflcA 215
EÜPRa Ltvqa sãxra Ltv$a sExro EDtPRo

131sb mêmbros da assembléia geral dos cidadãos ou dos tribu- também como uma especie de democracia. tal como outrora
nais; entâo é-se obrigado a recorrer à sorie, ou qualquer existiu ern Mantinéia.3
outro meio semelhante. De resto, qualquer que seja a difi-
§ 3. Eis por quê é vantajoso, e mesmo bastante comum à
culdade em achar-se a verdade destas questôes de igual- espécie de democracia que citamos, admitir em primeiro lugar
dade e de direito, no entanto á mais fácil nisso ser bem su- todos os cidadãos à eleiçáo dos magistrados, à administraÇão
cedido que moderar, por sábios conselhos, a multidáo da- so da justiça, e ao julgamento dos funcionários responsáveis; em
queles que podem dar curso à sua ambição, porque os ho- seguida submeter os altos cargos à eleição e ao censo pr-
5 mens de condição inferior aspiram incessantemente à igual- porcionalmente à própria importância dos cargosJ ou ainda,
dade e à justiça, ao passo que os mais fortes nisso náo desprezando a condiÇáo de eenso, só conÍiá-los àqueles que
pensam de rnodo algum" são capazes de exercê-los. Uma tal forma de governo não
poderá deixar de ser excelente; porque as funções públicas
Capírur-o ll nela serão sempre exercidas pelos cidadãos mais eminentes
ss com o consentimento do povo, que entáo não invejará de
§ 1.4 rnelhor das quatro democracias ó a primeira na or- modo algum os homens de márito. E Íorçoso que essa com-
dem que marcamos, descrevendo-a nos livros precedentes; binação satisÍaça também os homens distintos e recomendá-
ela é mesmo a mais antiga de todas" Entendo a primeira, veis; porque eles nâo serão de modo algum obrigados a obe-
segundo a divisâo comum das classes que cr:mpôem o povo. decer a pessoas de uma condiÇão inferior, e governarão com
ro A melhor classe é a dos lavradores, e ó possível estabelecer eqüidade, porque são responsáveis pela sua gestão perante
uma democracia em toda parte onde o povo vive da cultura os cidadâos de outra classe.
das terras ou da criaÇão de rebanhos. Não sendo muito rico,
ele terá pouco lazer, e, em conseqüência, estará impossibili- § 4. E irnportante tornar dependente o poder, e não supor-
40 tar que aqueles que dele dispõem obrem segundo os seus
tado de se reunir muitas vezes em assembléia para deliberar;
1s1ea caprichos, porque a possibilidade de fazer tudo o que se quer
e por outro lado, havendo falta de muitas coisas necessárias,
cada cidadáo ocupar-se-á dos seus afazeres sem pensar no impede de resistir às más inclinaçôes da natureza humana.
15 bem de outrem, encontrando cada qual mais prazer em culti- Deste modo, obtêm-se forçosamente os resultados mais pre-
var sua terra que em oüupar-se do governo ou exercer a âu- ciosos para os governos: que o poder se coloque nas mãos
toridade, principalmente quando as magistraturas não sâo de homens esclarecidos e quase infalíveis, sem opressáo e
uma Íonte de grandes lucros. Com eÍeito, os homens, em sua
sem aviltamento para o povo. Eis aí, pois, a melhor democra-
maioria, sâo mais ávidos de lucro que de honrarias.
s cia. E de onde vem essa superioridade? Dos próprios costu-
mes e do caráter do povo.
§ 2. ,q prova disso é que se suportavam as antigas tiranias
e ainda hoje se toleram as oligarquias quando elas não impe- § 5. Para despertar num povo o amor à agricultura, há, en-
dem os cidadãos de se entregarem aÕs seu$ afazeres e nâo
tre as antigas leis da maioria das cidades, certas disposições
muito úteis, como aquela de interditar a todos os cidadãos a
lhes usurpam os Írutos que deles retirem; por que entào uns
posse de uma extensão3l1 de terra que exceda determinada
se enriquecem rapidamente, outros saem da pobreza. Além
disso, o direito de escolher os magistrados e obrigá-los a
prestar côntas da sua gestão basta para satisfazer a ambiçâo
310. Tal é a origem do governo representativo, que náo é de forma alguma uma inven-
daqueles que podem tê-la. E ainda mesmo que se suponha
çáo moderna. Aqui se compreendem dois graus de eleiçáo notáveis, os delegados
que eles não tomem parte algumas nas eleições, mas que o dos delegados. Essa Íorma de governo comêçou a aparecer pelo segundo ano da
direito de eleger pertença a alguns homens tomados alterna- 1028 Olimpíada, cerca de 387 anos a.C. Sehneider acrêdita, pelo que diz Aristóte^
damente em todas as classes, o povo, sendo chamado a les. que essê governo teria estado em vigor entrê os mantineanos, antes mesmo da
984 Olimpíada, quando. após a destruição da cidade por n{gesilau, rei de Esparta,
deliberar nas ocasiÕes importantes eomo em Mantinéia, com íoram obrigados a habitar os povoados ou vilas que formavam o seu teíitório.
isso geralmente se contenta. E o que se deve considerar 311" A lei Licínia proibia todo o cidadão romano de possuir mais de 500 jeiras de terra.
216 Anrcróretrs A PoLÍTIàA 217
EDPRa Ltvqo sEXTo Ltvqo sãxro EDrpRa

rnedida, ou entáo de possuí-la a uma distância determinada ta que a multidão de pessoas que se entrega ao comércio
da cidadela e da cidade. Havia, ainda outrora, uma lei Íunda- não pode, nas democracias assim Íormadas, constituir as-
mental em vários Estados náo permitindo a ninguém alie- sembléias gerais sem o concurso da população rural. Aca-
nar''' a herança paterna.''t A chamada lei de Oxilo,''o qu* bamos de mostrar, pois, como se deve a ela ligar para esta-
pr*íbe a todo cidadão tomar emprestada mediante hipoteca +o belecer a primeira e a melhor democracia. Sabe-se como se
da terra que possui, pade ter tar-nbém alguma influência do tersu devem organizar as üutras espécies; elas degeneram Íacil-
mesmo gênero. mente de seu modelo segundo as diferentes classes do povo,
até essa classe degradada que se deve sempre conservar à
§ 6. Hoje, se sÊ quiserem realizar reformas, deve-se
parte.
t3 mesmo recorrer à lei dos afiteanos,315 que é muito útil para o
assunto do qual falamos. Apesar do seu número elevado e da § 9. Pois que essa última Íorma de democracia admite to-
pouca extensão do seu território, são todos lavradores; ó que dos os cidadãos na direção dos negócios, nenhum Estado é
eles não submetem ao üenso a totalidade das possessôes, capaz de suportá-la ou fazê-la durar muito tempo quando ela
mas dividem o território em muitas partes, para que o üenso, nâo se funda nos costumes e nas leis. Aliás. indicamos ante-
mesmo dos mais pobres, exceda a quota legal. s riormente a maioria das causas que ordinariamente contribuem
para a corrupção desta e outras formas de governo. Para
§ 7. Depois dos povos agrícolas, os mais dignos de estima estabelecer esta democracia e tornar o povo poderoso, os
são os pôvos pastores, que vivem do produto dos seus reba- que sê pôem à testa do governo incluem Eeralmente entre os
nhos, porque o seu modo de viver tem bastante analogia com cidadãos o maior número possÍvel de indivíduos, e dão o
o dos lavradores. Eles têm muitos hábitos que os tornam direito de cidade não só aos filhos leEítimos, como também
aptos aos trabalhos de guerra; seus corpos são afeitos à fa- 10 aos bastardos de um ou de outro lado, quero dizer, do lado
diga e capazes de suportar todas as intempéries das esta- do pai ou da mãe - porque todos os elementos são bons para
çÕes. Mas quase todos os outros povos, enlrê os quais se formar um tal povo.
estabeleceram sovernos democráticos, são muito inferiores a
estes, e a virtude nada tem de comum com as ocupações § 10. Tais são as manobras comumente empregadas pe-
los demagogos. No entanto, só se devem admitir cidadãos
regulares cios artesãos, dos camerciantes e dos rnercenários.
novos segundo as necessidades, para que a multidão tenha
Aliás, o hábito de percorrer os mercados e ruas da cidade
ascendência sobre os ricos e sobre a classe média; náo se
predispÕe essa parte da populaÇáo a se reunir em assem-
bléia geral corr uma certa Íacilidade; ao passo que os lavra-
rs deve ir além. Se eles excedem a medida, vão tornar a multi-
dão ainda mais indisciplinada, e exasperar as classes elevâ-
dores, vivendo espalhados nos campos, nâo se encontram, ê
das já tão impacientes do jugo da democracia" Foi essa a
náo sentem a mesma necessidade de reunir-se.
causa da revolução havida em Cirene;316 de princípio não se
§ 8" Quandc as terras a cultivar são situadas a grande di- nota um mal pequeno, mas quando ele cresce, torna-se mais
tância da cidade, é sempre fácil estabelecer uma excelente zo perceptível e choca todos os oihares.
democracia ou república, porque entâo a maioria dos cida- § í1. Podem-se considerar ainda como sendo favoráveis
dáos é obrigada a ter suas habitaçoes no câmpo. Disso resul- ao estabelecimento da democracia os meios aos quais recor-
reram Clístenes.t'' quando quis fortalecer a ciemocracia em
312. Comparar o cap. Vl, § 1, dô segundo livro.
31 3. Algun$ comentários de Aristóteles substituem patróus por potróus. 316. Capital da Cirenaica ou Pentápolis, na Líbia. Heródoto (1. lV, c. CLll) entra em
3'1 4. Nenhum outro escrilor menciona esla lei de Oxilo. e ignorarn-se completamente
alguns detalhes sobre a história desse Estado. que foi de início governado por
as disposiçÕes que ela continha. Só Pausánias, l, V, cap. ll e lV, diz algumas pa- reis. Supoe Schneider que o acontecimento ao qual Aristóteles Íaz alusâo, é pos-
lavras sobre êsse personagem, que antigamente reinara sobre os eleanos. terior à expulsáo do último rei de Cirene, no século lV a.C.
315. XenoÍonte, nas suas llelênicas, l. V. cap. l!1, § 19, menciona uma cidade da 317. clístenes fixou em dez o núrnero das tribos de Atenas. no ano sOg a.c., estabe-
Trácia habitada pelos gregos. chamada AÍitis. Heráclides de Ponto fala dos afitia- leceu o ostracismo. Íavoreceu o poder do povo em detrimento da oiigarquia. Aris-
nos como de um povo notávei pelos seus hábitos de justiça e rnoderaÇáo tóteles já Íalou disso no livro lli, cap. l, § 10.
218 AR$TórELE9 A PoLíncA 219
EDtpRo Ltvqa sEXTo LtvÊo sEXTa ENPR)

Atenas, e todos aqueles que Íundaram o poder popular em te punidos; a multidão será menos solícita em condenar os
Cirene. Assim, ó preciso multiplicar o número de trrbos e de acusados, quando disso não puder esperar'iucro algum. É
:s Íratrias, substituir os sacrifícios particulares por algumas Íes- preciso também tornar tão raros quanto possível os proces-
tas religiosas celebradas sm coÍr"tum, e criar todos os meios sos públicos, e impor um Íreio à audácia dos delatores, im-
possíveis de n"risturar os cidadáos e dissolver todas as asso- pondo fortes multas contra aqueles que se aventurarem a
ciaçÕes antericres. fazer acusaçÕes mal fundadas. Porque náo é contra a gente
do povo que essas acusaçoes se dirigem, mas contra os ci-
§ 12. Aliás, todos os ardis dos tiranos parecem caber na rs dadãos mais dignos. lmporta que todos os cidadãos sejam
democracia. Por exemplo, a clesobediência dos escravos
(coisa vantajosa, talvez, atá um certo ponto), a insubordina- ligados e devotados ao governo ou pelo menos que náo con-
so ção das mulheres e dos filhos, e a tolerância de deixar a to- siderem inimigos os homens que possuem o máximo de in-
Íluência.
dos os cidadãos a liberdade de viver como cada qual o en-
tende. Com essa condiÇâo, muitas pessoas emprestarâo máo § 3. Sendo o povo muito numeroso nas democracias da úl-
forte ao governo, porque é mais agradável viver sern regra tima espécie, e sendo diÍícil reunir os cidadãos em assem-
que ter uma conduta sábia e reservada. ao bléia geral se eles não Íorem pagos, os interesses dos ricos
sáo gravemente comprometidos, quando o Estado náo possui
rendimentos. Porque é forçoso supri-lo por contribuições for-
Capírulo lll Çadas e confiscaçÕes pronunciadas por tribunais corrompi-
§ 1. Para o legislador e para lodos aqueles que queiram dos, o que já tem perdido um grande número de governos
fundar um governo desse tipo, a tarefa mais trabalhosa não é democráticos. Assim, quando o Estado não possui rendimen-
:s estabelecê-lo. [\em á a única: trata-se, principalmente, de to, é preciso que as assembléias gerais sejam râras e os
provêr à sua conservação. Porque não á muito difícil a uma tribunais se componham de muitos juízes, mas que a sua
forma de üoverno, qualquer que ela seja, durar pouco tempo. gestáo só dure poucos dias. Esse sistema apresenta dois
Eis porque é preciso procurar combinar todos os meios pro- zs benefícios: em primeiro lugar, os ricos não temem ser sobre-
prios a garantir-lhe a estabilidade, segundo as consideraçoes carregados de despesas, já que não são os ricos, mas os
que apresentamos anteriormente sobre as causas que de- pobres, que exercem as ÍunçÕes de juízes: depois, a justiça é
terminam a ruína ou â conservaçâo dos Estados; tomar pre- melhor administrada. Com efeito, os ricos náo gostam de
+o cauçôes conira aquelas que os enÍraquecem; adotar lodas as interromper os seus afazeres por muitos dias seguidos; só
1az0a leis, escritas e não escritas, que se referem aos princípios consêntem em deixá-los por um tempo muito limitado.
sobre os quais repousa a salvaÇão do Éstado, e não pensar § 4. Num governÕ que possua rendimento, é preciso nâo
que aquilo que dá a uÍna república um caráter mais pronuncia- ao fazer o que Íazem hoje os demagogos, isto é, distribuir aos
do no sentido da democracia ou da oligarquia, ó, nâ realida- pobres as sobras das despesas, nelas tomando também a
de, o princípio essencialmente popular ou oligárquico, e sim sua parte. Estes, mal acabam de receber o auxílio que lhes é
s tudo aquiio que pode garantir-lhe a maior duraÇáo. prestado, recaem nas mesmas necessidades; Íazer liberali-
dades aos pobres e o mesmo que verter num barril furado.
§ 2. No êntântÕ os demagogos dos nôssos dias, para No entanto, o legislador verdadeiramente devotado ao povo
granjear o favor popular, levam os tribunais a ordenarem
enormes contribuiÇÕes. E por isso que os que se devotam a deve prover a que a multidão não caia numa indigência ex-
esse gônero de governo devem opor-§e a tai abuso, determi- cessiva,"porque essa é uma das causas que perdem a demo-
nando pÕr uma lei que o produto das confiscações pronuncia- ss cracia. E preciso, ao contrário, imaginar todos os meios que
das nâo pertencerá ao povü, nem será aplicado em objetos possam garantir ao povo uma abastança durável, no próprio
de utilidade pública, mas será consagrado ao culto dos deu- interesse dos cidadáos abastados, Íazer uma massa geral do
ses. Desse modo, aqueles que queiram cometer uma injus- excesso de rendas do Estado, acumulá-la e reparti-la depors
t0 tiÇa náo deixaráo de se pôr em guarda, pois serão grandemen- entre os pobres, principalmente se a parte que lhes toca pode
220 Anrcrórercs A PoLiTIcA 221
ED,PRa Ltvna sexro Ltvqas5xra EDPna

servir à aquisição de algum pedaço de terra, ou pelo menos so exigíveis: um maior, outrô menor. O censo menor será
forrnar um capitai com que possâm montar um pequeno co- para aqueles que possam ser convocados às magistraturas
rezau mercio ou uma pequena lavoura. Se náo é possível dar a es de uma necessidade menor; o censo maior será o dos cida-
todos ao mesmo têmpo, deve-se tazer a distribuição por tri- dãos que venham a exercer os cargos mais importantes
bos ou por qualquer outra divisào do povo, e alternadamente. Aquele que possuir a quota exigida pelo censo maior terá o
Mas nesse caso, os cidadâos abastados precisam contribuir direito de participar dos negócios do Estado - e ter-se-á
para os gastos de todas as reuniôes necessárias, pois que cuidado de incluir nesta classe um número pequeno de indi-
ficam isentos de despesas supárÍluas. víduos tirados do seio do povo, pâÍa que não chegue â ter a
§ 5. É por um prosesso mais ou menos semelhante que o maioria na direçâo do Estado. Ter-se-á especialmente por
s gÕverno de Cartago"u conseguiu atrair a afeição do povo; so princípio só associar ao goveíno aquilo que existe de melhor
porque. enviando sucessivamente os homens tirados da cias- na classe do povo.
se do povo às cidades circundantes para administrá-las, ele § 2. Do mesmo modo, basta ampliar um pouco as bases
lhes dá o meio de enriquecerem. Os cidadãos da classe mais do sistema oligárquico, para obter a Íorma que mais se apro-
elevada, e todos aqueles que se distinguem por sua sabedo, xima da primeira espécie. Quanto à que corresponde à última
ria como pela sua Íortuna, bem andarão tambám em colocar espécie de democracia, e que é o mais violento e o mais tirâ-
os pobres sob a sua proteção e encaminhá-los no trabalho, nico dos governos oligárquicos, é a pior, e, sob este ponto de
fornecenda-lhes capitais. E bom também adotar o cüstume vista, aquela que exige mais precauções. Os corpos bem
ro dos tarentinos:31'r concedendo aos pobres o gozo comum das gs constituídos para a saúde, ou os navios bem construídos para
propriedades, eles conciliam ao governo a afeição do povo. a navegação e providos de hábeis marinheiros, suportam as
Além disso, as maEistraturas por eles estabelecidas são de mais rudes provas sem que haja perigo de perecerem, ma§ os
duas espécies: umas dadas por sorte, outras pelos suÍrágios; corpos enÍermiços, os navios já avariados e equipados por
â sorte abre ao pobre a carreira das dignidades e a eleição dá marinheiros inexperientes, náo podem mesmo suportar os
ao Hstado bons administradores. Pode-se chegar a este re- menores acidentes. O mesmo acontece com as constituiÇões
rs sultado, dividindo em duas partes a mesma magistratura, raera políticas - quanto piores são, mais precauções exigem.
sendo uma conferida por meio de sorte e outra por eleição.
Tais sáo, pois, as diversas maneiras de organizar as derno- § 3. Em geral as democracias devem a sua salvação à
abundância da populaçáo; o número nelas substitui o direito
cracias.
do mérito, ao passo que é evidente que uma oligarquia só
pode subsistir por efeito de uma ordem constante e regular.
Cnpírulo lV Ora, compondo-se a massa do povo de quatro divisões - os
lavradores, os artesãos, os comerciantes e os mercenários e
§ 1. Com todas essas considerações, fácil se torna com- a classe dos homens de guerra compreendendo outras qua-
preender quais sâo as instituiçÕes que convêm às oliga-
* é-nos países cuja conformaçáo natural Íavorece as mano-
tro a cavalaria, os lutadores, a infantaria ligeira e a marinha
quias, porque é preciso estabelecer para cada espécie de
zo oligarquia instituiçôes contrárias às de cada espócie de de- bras da cavalaria que melhor convém estabelecer uma oli-
mocracia correspondente, opondo a oligarquia primeira e 10 garquia f ortemente constituída; porque a seguranÇa dos
melhor organizada à primeira espécie de democracia, isto é, seus habitantes depende dessa parte do exército, e somen-
àquela que mais se aproxima da forma de governo chamada te os grandes proprietários podem criar cavalos. A oligarquia
república. Nelas é preciso estabelecer duas espécies de cen- do segundo grau convém aos países que possuem muitos
lutadores, porque a infantaria pesada compôe-se mais de
318. Ver l. ll. c. l. § l. ricos que de pobres. Finalmente, a democracia convém
15 apenas a um povo que só pode fornecer infantaria ligeira ou
319. Heine, nos seus Apuscula Academica, t. ll, reuniu todos os testemunhos dos
antigos êscritores sobre os tarentinos" marinheiros.
222 Ánrsrórrrrs A PoLirrcA 223
Ltvqa s5xro Ltvqo sExro EilPRa

tram mais ávidos de lucros que de honrarias; também se pode


§ 4. Tambám" nos Estados em que os homens pertencen-
tÊ$ a êssas duas divisÕes são muito numerosos, acontece dizer, com razáo, que tais governos náo passam de peque-
muitas vezes que eles mostram pouco ardor no combate, 1321b nas democracias reduzidas a alguns governantes. Tal é, pois,
quando uma revolta surge. Para evitar esse inconveniente, é o modo pelo qual se devem estabelecer as democracias e as
preciso aplicar-lhe o remédio que empregam os generais oligarquias.
experimentados, quando acrescentam à cavalaria e ao corpo
de lutadores um número proporcional de soldados de infan- GapÍrulo V
taria ligeira" É isso que, nas rebeliÕes, dá sempre a vantâgem
ao povo sobre os ricos, porque a infantaria ligeira pode bater- § 1. O seguimento da discussáo conduz-nos, naturalmen-
se com vantagem com a cavalaria e o corpo dos lutadores. te. a determinar com cuidado o que se reÍere às magistratu-
ras: o seu número, a sua natureza e as suas atribuiÇões,""
§ 5. CI governo oligárquico que levanta essa tropa da clas- como já o dissemos anteriormente.3zs Há magistraturas que
se do povo fornece, assim, armas contrâ si mesmo. E preci- são indispensáveis, e sem elas um Estado não poderia sub*
so, de acordo com a divisâo natural das idades * os mais sistir; outras servem à boa ordem e à moralidade, e na sua
jovens e os mais velhos - que os Íilhos dos ricos sejam cha-
10 Íalta um Estado náo poderia ser bem administrado. Além
mados durante a sua adolescência para as manobras e evo- disso, elas devem ser em número menor nos Estados peque-
luçôes da infantaria ligeira, e, ao saírem da juventude, sejam nos, e mais numerosas nos grandes, como fizemos notar.
exercitados nos trabalhos da guerra, como verdadeiros atle- Finalmente, é preciso saber quais são as magistraturas que
tas. Sobretudo, é preciso dar à multidáo uma parte nos negÓ- podem ser acumuladas e as que não podem.
cios do governo; seja isso, como já se falou, sob a condição
do censo; seja como se pratica em Tebas, concedendo esse § 2. Ora, um dos principais cuidados, e dos mais indispen-
privilágio àqueies que tenham cessado desde um tem.po de- sáveis, é o que se reÍere à Íiscalizaçáo dos mercados; é pre-
terminado, de exercer qualquer profissão mecânica:"' seja. ciso que haja uma magistratura encarregada de vigiá-los, de
finalmente, cômo em Massália {hdarselha),3" designando os tomar conhecimento das transações entre os cidadãos,
cidadáos dignos de exercerem a magistratura para que façant 15 e de fazer observar a moralidade e a boa ordem. Há necessi-
parte do governo ou fiquem para fora. E preciso ainda impor dade, em quase todas as cidades, de mercados para as ven-
certos gastos às rnagistraturas rnais elevadas, que sÓ se pos- das e compras, a fim de que os cidadãos possam acorrer às
sam gerir em vrrtude de direitos políticos, a fim de que o povo suas necessidades recíprocas; é o meio mais imediato que
se console e perdoe àqueles que têrn a autoridade, pois de um Estado pode ter de se bastar a si proprio, e é a causa que
algum rnodo eles pagâm esses privilágios" leva os homens a se reunirem em sociedade.

§ 6. Convém também que os maEistrados que assumem § 3. Outra Íunção que toca bem de perto aquela da qual
os cargos façarn grandes saeriÍícios e ergam algum monu- vimos de Íalar é a ÍiscalizaÇão das propriedades públicas e
mento, a fim de que o povo, tornando parte nos banquetes particulares a fim de ser mantida a boa ordem; ao mesmo
dos sacrifícios, e vendo a cidade esplendidamente decorada tempo a conservaÇáo e reparaÇâo tanto dos ediÍícios que se
de monumentos e ediÍícios, queira ver também o governo estragam como das vias públicas, e regulamentação dos
firmar-se e consolidar-se. Á,1,ám disso, os ricos deixarâo tarn- limites que separam as propriedades, a fim de se evitarem
rt0 bém outros tantos testemunhos duráveis da sua munificôncia. queixas; enfim todas as outras questões desse gênero. É
Entretanto, não é o que acontece hoje nos governos oligárqui- precisamente essa magistratura que se chama comumente
cos; ó exatamente o contrário. Os magistrados neles se mos-
322. Conrig, Schlosser e Schneider acham que aqui há uma lacuna em que Aristóteles
expunha a organização das duas principais formas de governo, a aristocracia e a
320. t. LL, c. lll, § 4 democracia. e talvez mesmo a monarquía.
321. L. lX, c. V, $ 2. 323" L. Vl, c. Xll, § 1.
224 naE
AB$róTELES Ã PoLincA
EDtPRo Ltvsa sExro Lrv$o sãxra EDIPRO

astinomiâ (polícia da cidade). Ela compreende várias partes mesmo rnodo, segundo a natureza das condenaçÕes inscritas
zs distintas, que nas cidades mais populosas são conÍiadas a nos registros, por aqueles que passâram a exercer o cargo
rnuitos empregados, tais como arquitetos especializados êm recentemente. Finalmente, ó bom que, quando os magistra-
muralhas, inspetores de fontes e guardas dos portos. dos estabelecidos desde lCIngo tempo tenham pronunciado
uma sentença, ela seja executada por outros magistrados; por
§ 4. Existe ainda uma outra vigilância necessária e do exemplo, que os Íiscais da cidade executem os julgamen-
mesmo gênero, pois recai sobre os mesmos objetos; esten-
de-se, porém, sobre o país, à volta e fora da cidade. Os fun- T5 tos pronunciados pelos fiscais do mercado, e que a execuçáo
so cionários que exercem são chamados por uns agrônomos dos juigamentos pronunciados por estes seja confiada â ou-
(inspetores de campo), por outros íloros (conservadores de tros magistrados; pürque quanto menos aversão inspirarem
florestas). Esses cargos são em número de três. Outros fun- os executores dos julgamentos, mais fácil e pronta será a
cionários sáo aqueles que recebem o produto das rendas execuçâo. Se os mesmos magistrados julgarn e executam o
públicas, delas têm a guarda, e sáo encarregados de distri- julgamento, excitam contra si um ódio duplo; quando sáo
buí-las para cada serviço do Estado. São chamados recebe- encarregados de todos os neEócios, tornarn-se os magistra-
dores e tesoureiros. Outros magislrados sáo encarregados do dos objeto de odio geral.
ss registro, dos contratos entre particulares e dos julgamentos § 7. Em vários países dividem-se os cargos de guardar
exarados pelos tribunais. É ainda em suas máos que se deve prisioneiros e executar julgamentos, como em Atenas, onde a
depor a declaração das demandas e açôes jurídicas que se prisão é guardada pelos chamados "onze". Eis por que essas
quer intentar. Há países, mesmo, em que essa magistratura duas espéeies de funçôes devem ser separadas; e para isso
se divide em vários ramos, mas náo lhe fica diminuída por deve haver um expediente qualquer. pois uma não ó menos
isso a suprema autoridade sobre todas as atribuições que necessária que a sutra. Disso resulta que os hornens dignos
venho de explicar. Esses funcionários sáo chamados hiero- repelem tal funçâo e no entanto há um certo perigo em con-
nemos (conservadores dos arquivos sagrados), epístates zs fiá-la a pessoas sem escrúpulos, pois seria preciso vigiá-las
(presidentes), nemons (arquivistas), ou são designados por antes de encarregá-las de vigiar aos outros. Não se deve,
40 outras denominações análogas. pois, atribuir tal ÍunÇão a uma única magistralura; mas ha-
vendo uma classe de jovens e de guardas, deve-se nela es-
§ 5. Depois disso vem a funçâo mais necessária e quase a
mais difícil - a que se refere à execução dos julgamentos colher seus funcionários, e mesmo buscá-ios aiternadamente
exarados, à apresentação do saldo das multas inscritas nos nas outras magistraturas.
1322a registros do Estado, e à guarda dos prisioneiros. Ela é diíícil 30 § 8. Deve-se, pois, classiÍicar esses empregos em primeiro
devrdo à extrema aversâo que se vota àqueles que dela se ugar como sendo os mais necessários. Outros existem ainda
encarregam. Também, náo sendo amplarnente remunerada não menos indispensáveis e com algo de mais grave, pôíque
poucos são os indivÍduos que consentem em aceitá-la, e exigem, de urn lado, um reconheçido mtírito, e de outro a
quando se resolvem a exercê-la encontram muita diÍiculdade confiança dos cidadáos. Tais são, por exemplo, os que con-
5 em se cnnfornnarem estritamente às leis. Mas ela é necessá- Çernem à segurança da crdade, e, em Eeral, todos aqueles
ria, porque de nada ser'r'e pronunciar julgamentos sobre os s5 que se referem ao serviço militar. Em tempo de paz como êm
direitos, se eles nào surtem efeito absoluto. E se ó impossível tempo de guerra, é preciso haver homens destacados para a
que a sociedade civil exista sem julgamento, também ela não Euarda dos portos e das rnuralhas, e para o recenseamento e
poderia existir quando as condenaÇões a uma multa ou outro classiÍicação dos cidadáos.
castigo qualquer pernnanecessem sem execuçáo.
§ L Países existem onde essas diÍerentes funçÕes sáo re-
§ 6, Também á bom que essâs funções não sejam confia- partidas pÕr um grande número de cidadãos; outros há onde
das a uma única maEistratura, mas que sejam exercidas por esses funcionários sào menos numerosos; por exemplo, nos
to magistrados de olrtros tribunais, que se proclrre dividi-las do Estados pequenos um único magistrado exerce todas elas.
226 Antsróretes A PALíTrcA 917
EDIPBO LIVROSEXTA LtvRasEXTa EüPaa

Tais sáo os estrategos e os polemarcos. Aliás, havendo cava- às rendas e despesas do Êstado, aos mercados, ao polici-
tezpn laria, infantaria ligeira, arqueiros ou marinheiros, dá-se por mento da cidade, dos portos e do campo, depois aos tribu-
vezes, a cada um desses corpos, chefes especiais que to- nais. às transaçÕes entre particulares, ao registro civil, à exe-
mam os nomes de navarcas, hiparcos, taquiarcos; e as sub- ss cução das penas, à guarda dos condenados, ao exâme e
divisões desses corpss sâo chamadas trierarquias, locagias e verificaçáo das contas dos magistrados responsáveis, e Íi-
s filarquias, o mesmo acontecendo com todas as partes dessas nalmente às assembiráias do corpo que é chamado a delibe-
diversas ordens de ÍunçÕes. Mas a totalidade desses cargos rar sobre os negócios gerais do Estado.
está compreendida numa só espócie, que é a fiscalização dos
§ 13. Nas cidades em que se lem mais lazeres, onde reina
serviços militares. mais abundância e onde se liga uma grande importância ao
§ 10. Mas comô certas magistraturas, para não dizer to- mantenimento da boa ordem, criam-se magistraturas encar-
das, têm o manejo dos dinheiros públicos, é forçoso que haja 1323â regadas de vigiar a conduta das mulheres e das crianças, a
uma outra autoridade para receber e veri{icar as conlas, sem conservação dos ginásios e a execuçáo das leis. Há, por
10 que ela própria seja encarregada de qualquer outro mister. outro lado, intendentes dos jogos ginásticos, das festas de
Os magistrados que a exercem são chamados controladores, Dionísio, de todas as outras espécies de espetáculos^ Al-
examinadores, verificadores, inspetores. Além de todas essas gumas dessas magistraturas não são democráticas; por exem-
magistraturas, a mais poderosa de todas, aquela à qual Íre- plo, a fiscalização das mulheres e das crianças, como se
qüentemente pertencem a proposição ê promulgação das s percebe, pois os pobres, náo tendo escrâvos, servem-se das
leis, é a que preside às assembléias da multidão nos Estados mulheres e dos filhos como de criados. Das três magistnatu-
onde o povo é soberano. É preciso, com eÍeito, uma magistra- ras supremas para as quais certos povos nomeiam por elei-
ts tura suprema paÍa convocar os soberanos em assembléias. Na çáo (refiro-me aos conservadores das leis, aos magistrados
maioria dos Estados, os membros dessa jurisdiçáo são cha- que as preparam, aos senadores), a primeira convém à aris-
mados magistrados preparadores, porque preparam as deli- 10 tocracia, a segunda à oligarquia, a terceira à democracia.
beraÇôes; mas, nos Estados democráticos, dá-se-lhes antes Tratamos sumariamente de todas as ordens de funçÕes pú-
o nome de senadores. Tais são, aproximadamente, todas as blicas.32a
m agistraturas polÍticas.
'11. Outros magistrados tôm em suas atribuiçÕes aquilo
§
que se refere ao culto dos deuses; sáo os sacerdotes e os
zo inspetores encarÍegados de conservar os ediÍícios sagrados,
reparar os que caem em ruína, e cuidar de tudo o que con-
cerne à religião. Essa magistratura é às vezes conÍiada a
uma só pessoa, comÕ nos Estados pequenos, e às vezes
dividida em várias atribuiçôes distintas do sacerdócio e confia-
es da a arquitetos especializados, a Íiscais dos templos e a te-
soureiros das rendas sagradas. Finalmente, depois dessa
magistratura, há ainda a presidência de todos os sacrifícios
públicos que a lei não coloca sob a autoridade dos sacerdo-
tes comuns; são os próprios encarregados do Íogo doméstico
que conferem essa alta dignidade, e os que dela se revestem
são chamados arcontes, reis ou pritânios.
s0 § 12. Tais são as magistraturas indispensáveis a esses di-
ferentes fins. Em resumo, elas se reÍerem à religião, à guerra, 324. Pensa Conrig qr-re, na pâdê que está faltando, AristÓteles Íalava dos trifiunais dos
julgamentos e das repúblicas mistas.
Lvno sÉrlruo
Sinopse; üa vida perfeita * Ü autar danonstra que a vída per'
{eita é aquela que tama a virtude par guia, e que ela é: ilca ent
bens - A vida perteiÍa é a mesrna tanto para as indivíduas em
particular cama para a cidade ern geral - fresposfa a algumas
q«esf6es relativas â mesma idéia * Da extensãç da çidade *
Das camunicaÇóes conr o mãr e da navegaçãa - Natureza çu
caráter que canvérn aos cidadáos * A fundaçãa de urna cidade
rcquer lavradares, artesãos. guerreiras, homens ricas. sacerdo'
tes e juízes - Dispasição e proporçãa a abservar enlre e/es -
Opi-niaes das antigos filóso{as sobre este âssunÍo - Divisaa do
terrena -- Lavradores - Pasiçao tapográfica da cídade; suas
muralhas - Dos templas e das praÇas públícas - Das quaíida'
des clvis necessárias à felicidade da çidade * Da educaçáa -
Da verdadeira rnaneira de íarmar as cidadaas * Da erra das fí-
ilósofos que dirtgent as leis e a política das leis aos abietos da
*
çuerra e náo às artes da paz Preceílos sobre a §asamento -
Da maneira de alimentar os filhos até a idade de sele anos

Cspírulo I

§ 1. Quando se quer inquirir, corn o devido cuidacio, qual ó


rs o melhor governo, ÍorÇosaments deve-se comeÇar por expor o
gênero de vida que se há de pre{erir a todos os demais. Por-
que, ênquanto náo estiver esclarecido este ponto, de modo
algum se poderá chegar ao conhecimento da rnelhor forma de
governo. Com eÍeito, aqueles cidadãos cujos haveres, quais'
quer que eles sejam, são bem administrados, devem natural-
mente viver muito Íelizes, desde que não surlam circunstâncias
imprevistas e extraordinárias. Deve-se, pois, antes de tudo,
20 estar de acordo sobre o gênero de vida que todos os homens -
xa AFIsTÓTÊLES A PoLiTIcA 231
Éwrao LtvRo sÉTtvo Lrv\o sÉTtwo EülPRo

para servir-me dêstâ expressão - devem preferir, e depois ro o contrário com os bens da alma; mais sejam possuídos,
resolver se esse gônero de vida é o mesmo para os indivíduos mais utilidades deles se tirará se. contudo, se deve contar
em particular e para a sociedade em geral. com Õ útil para algo, quando se compar& com a honestidade.
Evidencia-se em geral que a perÍeiçáo de cada uma das coi-
§ 2. Como julgamos ter Íalado bastante, nos nossos livros sas que se compararn, do ponto de vista da sua superiorida-
esotéricos,32' do gônero de vida perfeita, agora só nos falta
Íazer a aplicaçáo dos nossos princípios. Ninguém contestaria rs de relativa, está em relação com a distância que separa as
que os bens que se podem Íruir, dividindo-se de fato de uma próprias coisas cuja natureza se compara. Se, pois, a alma
zs só maneira -. bens exteriores, bens do corpo e bens da alma * tem para nós, de um modo absoluto e mesmo relativo, maior
o homem verdadeiramente Íeliz deve reuni-los todos" Náo, valor que a riqueza e que o corpo, é forçoso quê a perfeiçáo
ninguóm consideraria felizes aqueles que não possuíssem de cada uma dessas coisas esteja na mesma relaçáo. Acres-
coragem, nem sabedoria, nem sentimentos da justiça, nem centemo§, finalmente, que na ordem da natureza é em consi-
so inteligência, aqueles que o vôo de uma mosca fizesse tremer, deração à alma, e para ela, que os bens exteriores sáo acei-
que náo evilassem Õs excessos quando desejassem comer ou z0 tos, e que os homens sensatos nâo os devem preferir por
beber, que, por um quarto de óbolo, entregassem os seus me- outro motivo - ao passo que não é devido a esses bens que a
lhores amigos, e quanto à inteligência Íossem táo estúpidos e alnna deve ser considerada.
falhos como {Jma criança ou como um homem louco. § 5. Convenhamos, pois, que para o homem nâo existe
35 maior Íelicidade que a virtude e a razao, e que, ao mesmo
§ 3. lndubitavelmente todos estáo de acordo sobre as coi-
sas que acabamos de dizer; mas já náo há entendimento tempo, por isso ele deve regular a sua conduta. Disso temos
sobre a questáo da quantidade e do excesso. Por pouca vir- por Íiador ao próprio Deus, cuja Íelicidade náo depende de
tude que se tenha, sempre se acredita tê-la bastante; mas êm zs nenhum bem exterior, mas de si prÓprio, da sua essência e
questão de riqueza, bens, poder, glória e todas as outras da sua infinita perfeiçáo. Além disso, aÍ se encontra exata-
coisas deste gênero, os homens náo sabem impor um limite mente ü que faz a diferenÇa entre a felicidade e a sorte: os
aos seus desejos. No entanto, dir-lhes-emos que neste caso bens estranhos à alma sâo devidos a algo de fortuito e ao
so a observaÇáo dos fatos Íacilmente demonstra que se podem acaso, ao passo que um homern não se pode tornar justo e
adquirir e conservar as virtudes, não pelos bens exteriores, so prudente so por obra do acaso. Uma conseqüência baseada
mas os bens exteriores pelas virtudes, e que a felicidade da nas mesmas razÕes é ser o Estado perÍeito ao mesmo tempo
rszgr vida, coloquem-na os homens no prazer ou na virtude, ou em Íeliz e próspero. Ora, é impossível ser feliz quando náo se
pratica o bam, e o bem jamais é possível tanto para um ho-
ambas as coisas, encontra-se antes entrê aqueles que culti-
vam ao êxcesso a pureza dos costumes e a forÇa da inteli- mem como para um Estado, sem â virtude e a razão. Ora, na
gência, mas que sabem moderar-se na aquisiçâo dos bens sociedade civil, a coragem, a justiça e a razáo produzem, sob
s exteriores, que entre os que adquiram em superabundância Bs a mesma Íorma, o mesmo efeito que no indivíduo, do qual
esses bens, desprezando os bens da alma. elas Íazem um homem justo, sensato e prudente.
§ 6. Não levemos mais longe estas idéias preliminaresl era
§ 4. E fácil ainda disso se convencer, consultando-se ape- impossívei nelas deixar de tocar, e, por outro lado, náo lhes
nas a razão, porque os bens exteriores têm seus limites, podemos dar todo o desenvolvimento que elas comportam;
como tudo que é instrumento ou meio; todas as coisas que se
pertencem a um outro estudo. Concluamos somente que a
consideram úteis são exatamente aquelas cuia superabun- qo vida perÍeita, para o cidadáo em particular e para o Estado
dância é forçosamente prejudicial, ou pelo menos inútil. Dá-se
em geral. á aquela que acrescenta à virtude muitos bens ex-
1324a teÍiores para poder Íazer o que a virtude ordena. Quanto às
objeçÕes, deixemo-las de lado para continuâr nossa metódtca
325. Ver Etica a Niçómaco, l. 1., c. XIV (em Ciássaos Edipro). Nicômaco, de Estagira. pai investigação, salvo para examiná-las mais adiante, se o quê
de Aristóteles. era médico dos reis de Macedônia. Amintas e Filipe. O tratado de
Mctral que Aristóteles nr:s deixou é conhecido sob o nome de Etica a l',licôntaco. dissemos não basta parâ coilvencer certas pessoas.
232 Antsrórzrcs A PoLinCA 233
Lrvao sÉnmo LtvR0 sÉ,TtMo EDPRA

Cnpíruuo ll o obstáculo a que se po§$a gozar por si próprio da paz e da


Íelicidade. Outros se encontrâm, âo contrário, que acreditam
5 § 1. Resta-nos examinar se a Íelicidade do indivíduo é ou ser a vida ativa e poiÍtica a única que convém ao homem, por-
não a mesma que a do Estado. E evidente que é a mesma, e que os simples particulares não poderiam ter mais ocasiÔes de
ninguém deixará de concordar com isso. Todos aqueles que praticar as virtudes de todo o gênero, do que os homens que
fundamentam a felicidade do indivíduo na riqueza declaram o
se ocupam dos negócios públicos e que governam. Tal é,
Estado feliz quando ele é rico; cs que estimam antes de tudo
pois, de uma parte, a opinião de certas pessoas"
ro o poder tirânico, diráo que um Estado Íeliz é aquele cuja do-
minação se estende sobre o maior número possível de súdi- § 5. Outros sustentam que só há Íelicidade no exercício da
tos; se se aprecia o indivíduo, principalmente por sua virlude, {orça absoluta. Com eÍeito, em alguns Estados a constituição
considerar-se-á o Estado mais virtuoso como o mais Íeliz. e as ieis tôm por fim submeter Õs povôs vizinhos" Eis por que,
ao passo que âs matérias da legislação se acham, por assim
§ 2. Mas aqui surgem duas questões que bem precisam dizer, em êxtrema conÍusão em quasê toda parte, observa-se
ser reexaminadas" Em primeiro lugar, será mais proveitoso que, se alguma coisa existe que as leis tenham especiaimen-
15 ocupar-se dos negócios públicos e deles participar, ou liber-
tar-se de todo político e viver como estranho no Estado? De-
te êm vista, essa coisa é a dominaçáo. Assirn, ern Lacede-
pois, qual a melhor constituiÇâo e o modo de administração mônia e em Creta, ó por assim dizer apenas à guerra que â
perÍeita - que todos tomem parte no governo ou dele se ex- educação e a maioria das leis se reÍerem^ E, mesmo entne
Í0 todas as naçôes que podem satisfazer os seus pendores para
cluam certas pessoâs, admitindo a maioria? Como esta última
zo questão pertence à ciência e à teoria geral da política, e
a dominaçáo, é sempre esse gênero de força que mais se
aprecia, como entre os citas" os persas, os trácios e os celtas.
aquela que se ocupa da escolha de um gênero de vida está
para fora, e além disso como esta teoria geral é o objeto atual § 6. Por vezes tambárn as próprias leis estimulam o valor
das nossas pesquisas, consideraremos a primeira questáo militar: em Cartago. por exemplo, faz-se um caso de honra o
como acessória, e nos prenderemos à segunda, que ó o ver- t) levar nos dedos tantos anéis, quantas campanhas se tenha
dadeiro objeto deste tratado. feito. Havia em Macedônia uma lei que r:brigava todo soldadc
que nâo tivesse morto um inirnigo, a levar um cabresto na
§ 3. É preciso. pois, que o melhor governo seja aquele que cintura. Os citas não permitiam àquele que não tivesse morto
possua uma constituição tal que todo o cidadão possa ser
ao mênos um inimigo beber na taça que circulava entre os
rs virtuoso e viver feliz; isso é evidente. Mas aqueles mesmos convivas durante um banquete solene. Entre os íberos, naçáo
que são unânimes em dizer que a vida mais desejável é a
belicosa, plantam-se no túmulo de um guerreiro tantas hastes
que toma a virtude por guia, divergem na questáo de saber se
de ferro quantos forem os inimigos que matou. Outros povos,
a vida civil e ativa á preferível à vida contemplativa e desem-
finalnrente, possuem muitos outros hábitos sernelhante§, que
baraçada de todo cuidado das coisas exteriores, a única que pelos costumes.
são impostos pelas leis ot"t
30 paÍece a certas pessoas digna de um filósoÍo. Porque há
esses gêneros de vida que os mais zelosos partidários da § 7" Contudo, se sobre isso se quiser refletir, parecerá
virtude parecem ter escolhido de preÍerência nos tempos bem estranho que a ÍunÇáo de um homem hábil na ciência de
antigos, como nos nossos dias - quero dizer a vida política e governar seja procurar os meios de submeter e dotninar os
a vida filosófica. povos vizinhos com ou sem o seu consentimento. Como se
poderia considerar como um ato de boa política ou de boa
§ 4. Não é uma questâo de pouca irnportância saber de legislação o que nem ao menos é legal? Ora, é ilegal usurpar
que lado se encontra a verdade; porque é preciso que, se
um domínio por todos os meios iustos ou injustos. Pode-se
rs eles Íorem sábios, o cidadão em particular e o Estado em ter para si a força, mas náo o dtreito.
geral se inclinem para o melhor objetivo. Pensam uns que, se
o poder é despótico, é o cúmulo da injustiça querer submeter § 8. Nada de semelhante vemos nas outras ciôncias: nâo
os povos vizinhos, e qlre, se é político, náo há injustiça, mas é funçáo do médico ou do piloto convencer ou constrânüer,
AqÊTÓTELES A P)LíTICA 235
234
LIVR) sÉTIMo t,vro sffiMCI EaPno
ED\PRo

um os seus doentes, outro seus passageiros. Acredita-se aquele que nada Íaz Íaça bem, e a prática da virtude e a feli-
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geralmente que a política e o despotismo se confundem: cidade sáo idênticas. Dizemos que estas duas opiniões sáo
aquilo que nâo se julga justo nem útil para si próprio, não se verdadeiras sob certos aspectos e sob outros náo" Que a vida
sente vergonha de aplicar aos outros; quer cada qual, em seu do homem livre e independente de qualquer obrigaçáo seja
m país, um domínio justo, mas para com os estrângeiros pouco melhor que a do homem que exerce a autoridade de senhor,
imporla a justiça. zs á verdade. Porque náo há grande mórito em saber empregar
um escravü como escravo, e o talento de ordenar o que é
§ 9. Seria estranho que a natureza não tivesse destinado necessário nos detaihes da vida nada tem de diÍícil.
certos seres a dominar e outros a náo dominar. Assim sendo,
não se deve procurar submeter à dominação todos os homens § 2. Mas e um erro pen§âr que toda a autoridade seja uma
indistintamente, mas somente aqueles que sáo destinados à autoridade de senhor. A autoridade sobre os homens livres
subordinação, do mesmo modo que, para um festim ou um náo diÍere menos da autoridade sobre o§ escravos, que â
qo sacrifÍcio, não se vai à caça de homens, e sim de animais que ro condiçáo do homem livre por natureza difere da do escravo
é permitido caÇar para este Íim, isto é, os animais selvagens por nalureza; temôs mostrado suficientemente essa diferença
1s25a que são próprios para comer. Aliás, séria possível a um Estado desde o início deste tratado. Erra-se em apreciar mais a ina-
encontrar a felicidade enr si prÓprio, graças à sabedoria de seu çáo que a aÇão; porque a felicidade consiste na ação, e, além
governo. Suponhamos um Estado isolado do resto e possuindo disso, as aÇões dos homens justos e sábios têm sempre por
boas leis. Certamente, a constituição desse Estado e as suas fim uma porçáo de coisas dignas e belas'
s leis nâo seráo elaboradas tendo a suerra por objeto, nem a § 3. Mas - conte§tarão - segundo as nossas definiçÔes,
conquista dos países inimigos. Devemos mesmo acreditar que ss poder tornar-se alguém senhor absoluto rie tudo talvez sela o
disso ele não terá a menor idéia. E evidente pois, que todas as mais desejável; porque assim poderá praticar o maior número
suas instituiçÕes guerreiras devem nos parecer belas e admi- possível de boas açÕes. E, pois, quando §e pÕssa alcançar o
ráveis, não como meios bastantes de a isso chegar. E à sabe- poder, náo se deve deixá-lo a outrem, e sim arrebatá-lo para
doria do legislador que compete ver como se Íará participar si, sem pensar nos laços que unem um pai a seus Íilhos, os
todo o Estado, e os homens que o compõem, e, de um modo Íilhos ao pai, ou, de um modo geral, os amigos entre si; sem
ro geral, qualquer outra sociedade, dos benefícios de uma vida qo nada atender, já que se deve preferir c que há de mais exce-
honesta e de toda a felicidade que disso ihe advém. Sem dúvi- lente; e nada há de mais excelente que fazer o bem e ser feliz.
da as circunstâncias trarão alguma diferenÇa nas instituiÇões e
nas leis. E ainda à legislaçáo que compete determinar, quanto § 4. Haveria talvez alguma verdade nes§a linguagem, se o
a povos vizinhos, as relaçôes que entre eles deverão existir, e razsu mais desejável de todos os bens pudesse ser o resultado da
os direitos recíprocos que se devem cumprir. l\lais acjiante usurpaçáo e da violência. ÍV'las talvez tarnbém seia isso im-
rs examinaremos com o devido cuidado qual deve ser o objetivo possível, e nesse câso a hipótese é falsa. Nem é possível
do melhor govern0. praticar belos atos sem que se sobressaia tanto sobre os
seus semelhantes quanto o homem sobre a mulher, o pai
s sobre os Íilhos, o senhor sobre o ê§Êravo. Aquele quê uma
Capírulo lll vez tenha transgredido as leis da virtude, nunca depois pode-
§ 1. Concorda-se que a vida que se conÍorma com a virtu- rá tazer qualquer coisa bela bastante para compen§ar o e[ro
de é a mais desejável. Mas difere-se de opinião quanto ao da sua infraÇáo. Com efeito, entre criaturas semelhantes, o
uso que dela se deve Íazer. Repelem uns a§ magistraturas justo e o belo cansistem em uma espécie de alternativa e de
civis, julgando que a vida do homem absolulamente livre é ieciprocidade; porque nisso está o que constitui a igualdade e
zo completamente diferente da vida do homem polÍtico, devendo a paridade, ao passo que a desigualdade entre iguais e a
aquela obter a preferência; os outros só apreciam a vida de diferença entre semelhantes sáo contra a natureza; ora, nada
honrarias e dignidades, porque lhes parece impossível que ro daquilo que é contra a natureza poderia ser belo. Eis por que,
236 Antsrótetes A P1LírtcA zJt
EDPRA LIVR1 sÉTIMo LrvRú sÉTtwo ED,P.RA

se se encontra um homem que sobressaia aos outros pelo §upor as suas bases tais como as desejamos, mas sêm que
mórito e pela Íorça das faculdades quê sempre o conduzem qo elas nada tenham de impossível; quero me referir ao número
ao bem, é a esse.que é belo tomar por guia, é a esse que é dos cidadãos e à extensáo do território.
justo obedecer. E preciso possuir não só a virtude, como
também o poder de pô-la em ação. § 2. O trabalhador em geral * o tecelào, o construtor de na-
rseoa vios - tem necessidade de material que sirva especialmente
§ 5. Mas, se estas reflexôes são justas, e se é preciso ad- para o seu gênero de trabalho. Mais qualidade possua o mate-
ts mitir que bem obrar e ser feliz são a mesma coisa, segue- rial, mais belo será o trabalho que dele resultará. Do mesmo
se que, para ô Estado em geral, e para cada homem Õm par- s modo, o homem de Estado e o legislador precisam de material
ticular, o modo de viver mais perÍeito é a vida ativa. Aliás, náo particularmente próprio às suas atividades. Ora, o primeiro
é necessário, cÕmo imaginam muitos, que esta atividade so- cuidado de um homem de Estado é prover uma multidáo de
bressaia a todas a$ outras, nem que se considerem como homens que pelo número e pela qualidade, sejam naturalmen-
ativos somente os pensamentos que nascem da ação, e que te tais como devem ser, e quanto ao teíreno, é preciso também
zo dela são o resultado; estes são principalmente os que nâo que tenha extensáo e qualidades determinadas.
têm outro objetivo que eles próprios, as contemplaçôes e as
§ 3. No mais, acredita-se geralmente que. para que uma ci-
meditações que sê concentram em si mesmas. Bem Íazer é o dade seja feliz, á preciso que ela seja grande; mas se isso é
seu alvo, e, por conseguinte, esta vontade de bem Íazer é uma 10 verdade, então não se sabe o que é que Íaz uma cidade gran-
ação. Sâo principalmente os homens nos quais o pensamen- de ou pequena; julgamo-la grande pela importância do número
to dirige as açÕes que nós consideramos os verdadeiros auto- dos seus habitantes. No entanto, é preciso levar em considera-
res e produtores dos atos exteriores.
çáo antes a força que o núnnero. Há uma tareÍa imposta a toda
2s § 6. De resto, náo é necessário que as cidades que sub- cidade, e aquela que melhor possa realizá-la tí a que se deve
sistem por si mesmas sem relação com o exterior, e que pre- considerar como sendo a maior. Assim poder-se-ia dizer que
ferem este modo de existir, sejam completamente inativas. 15 Hipócrates, nâo como homem mas como médico, é maior que
Há uma grande correlação entre as diferentes partes que outro homem de estatura mais elevadâ que a sua.
compõem o Estado, e pode-se observar qualquer coisa de § 4. E mesmo se for preciso jurlgar da grandeza de uma ci-
semelhante no homem tomado individualmente" De outra dade tendo-se em vista o número, não se trata de qualquer
forma, o próprio Deus e o universo mal seriam dignos de nos- espócie de número, pois que as cidades encerrâm Íorçosa-
so sa admiração, pois que a sua ação nada tem de exterior, e mente uma porção de escravos, domiciliados e estrangeiros;
neles mesmos $e concêntra. É visível, pois, que a existência mas deve-se contar apenas os que dela fazem parte integran-
perfeita é forçosamente a mêsma, tanto pâra o homem toma- te e que sáo os próprios elementos de que se compÕe. E o
do individualmente, como para os Estados e para os homens excesso clessa populaçâo que assinala uma grande cldade:
em geral. dela saem muitos artesàos, mas poucos guerreiros. Náo é
possível que essa seja urna grande cidade; um grande Esta-
do e um Estado muito populoso náo são a mesma coisa.
CnpÍruuo lV
§ 5. Os fatos vêm prÕvar que é diÍícil, senão impossível,
§ 1. Depois dessas observaçÕes preliminares e das consi- bem governar um Estado cuja população é muito numerosa;
deraçóes expostas anteriormente sobre as outras formas de pelo menos sabemos que nenhum daqueles que têm a repu-
as governÕ, convém continuar o nosso trabalho dizendo, primei- tação de ser bem governados pode aumentar sem medida a
ramente, quais devem ser as bases de uma república consti- sua população. lsso é evidente, e a razão o conÍirma^ Forque
tuída a gosio, por assim dizer. Não é possível estabelecer a a lei é uma certa ordem, e as boas leis impõem Íacilmente a
melhor forma de governo sem os meios e recursos que de- boa ordem. Ora, uma populaçáo muito numerosa náo se
vem concorrer para a sua perfeição. E por isso que devemos pode prestar ao estabelecimento da ordem a nâo ser por obl,a
238 ARtsróTELES A PALíTICA
EDIPB? LIVRO SÉTTMO Lrvqa sÉTtMO EUPRa

de uma Íorma divina que é como que o laço e o apoio de todo ciaro, pois, que o melhor limite <Ja população de uma cidade á
o universo. que ela encerre o maior número possível de habitante§ parâ
satisfazer às necessidades da vida, mas sem que a vigilância
§ 6. Além disso, o número e a grandeza constituem o beio; 2F cesse de ser Íácil. Terminamos aqui o que tínhamos de dizer
:s
é preciso pois, considerar perfeito e belo o Estado que acres'
sobre a grandeza da cidade"
centa à grandeza o número, encerrado em justos limites, como
acabamos de dizer. Os Estados têm também uma certa medi-
da de grandeza, como todas as outras coisas; animais, plan- Capírulo V
tas, inslrumentos. Demasiado pequena ou demasiado grande,
cada uma dessas coisas perderá as suas propriedade§, ora § 1. O. mesmo âcontece aproximadamenÍe em relação ao
ao será despojada completamente das suas qualidades naturais, terreno. E evidente que o mais favorável, na aprovaçáo de
ora soÍrerá um aviltamento absoluto. Um navio de um palmo todos, é aquele que melhor satisfaça a todas as necessida-
não será igual a um que meça dois estádios. Conforme as des, e que, por conseguinte, seja o mais fártil em qualquer
132sb suas dimensÕes, por exigüidade ou por excesso de grandeza, so gênero de produção. Possuir tudo e de nada precisar é a
tornar-se-á impróprio para a navegaçáo. verdadeira independência. A extensão e a grandeza do terre-
no devem ser tais que aqueles que o habitam possam nele
§ 7. O mesmo acontece com uma cidade; aquela que pos- viver livre e sobriamente, sem .serem obriEados a privaçÕes.
suir muito poucôs habitantes não poderá bastar-se a si mes- Temos ou não temos raaào? E o que precisamos examinar
ma; ora, o natural da cidade é bastar-se a si própria. A que com mais cuidado, adiante, quando tratarmos da propriedade
s tiver uma população demasiado grande poderá sem dúvida 35 em geral, da abundância dos recursos necessários a uma
satisfazer a todas âs sua$ necessidades, mas já como naçâo, cidade, e do uso que delas se deve fazer: assuntos muito
e não como cidade" Não é fácil nela organizar uma ordem debatidos devido à tendência das opiniÕes para dois exces-
política. Que general poderá comandar uma multidáo exces- §os opostos - de um lado" a avareza sÓrdida; de outro, o luxo
siva? Oue arauto se fará ouvir por ela, se não possuir uma desenfreado.
voz de Estentor? A cidade se forma logo que se compÕe de
uma multidão suficiente para ter todas as comodidades da 40 § 2. Quanto à disposiçào do terreno, não á diÍícil indicá-la.
vida, segundo as regÍas da associação politica. E possÍvel Segundo o conselho daqueles que têm a experiência da guer'
10 que a cidade cujo número de habitantes exceda esta medida 13a7a ra, o terreno deve ser de acesso difÍcil aos inimigos, e apre-
seja ainda urna cidade numa escala maior; mas, como dis- sentar uma porta fácil para os seus habitantes. Além disso,
semos, esse excesso tem limites. E quais são esses limites? assim como a rnassa da população, conÍorme dissemos, ele
Os próprios Íatos nô-los ensinarão facilmente. Os atos políti- deve ser fácil de vigiar. A Íacilidade da vigilância do territÓrio
cos provêm daqueles que mandam ou daqueles que obede- Íaz a facilidade da deÍesa. Quanto à posiçáo da cidade, se se
cem: a Íunção daquele que governa é mandar e julgar. Para quêr quê ela o{ereça todas as vantagens que se podem dese-
ts julgar dos direitos de cada um, e para distribuir as magistratu- s jar, convém que seja favorável do lado do mar e do iado da
ras segundo o mérito, á preciso que os cidadãos se conhe- terra" Já demos a conhecer qual deve ser a posiçáo da cidade,
dizendo que é preciso que ela tenha comunrcaçoes fáeeis com
Çam e se apreciem mutuamente; quando isto é impossível, as
magistraturas e os julgamentos vão mal, forçosamente. Sob todos os pontos do território, para a remessa de socorros. Em
esses dois aspectos, não é justo obrar sem reflexáo, e no seguida, deve-se facilitar os meios de transporle das colheitas,
zo entanto á evidentemente o que acontece em uma cidade ro sortimentos de madeira e todos os produtos do país.
muito populosa. § 3. Muito se discute por saber sê as comunicaçÔes por
mar são uma vantagem ou um inconveniente para o§ Estados
§ 8. Além disso, então se torna fácil aos estrangeiros e regidos por boas leis. Pretende-sê que a estada dos esiran-
aos domiciliados imiscuir-se no Eoverno; porque não é diÍícil
fugir à vigilância numa multidáo excessiva de habitantes. É geiros, educados sob a inÍluência de outras leis, nâo á des-
15 tituÍda de perigo parâ a manutenção da boa ordem e da medi-
ARtsróTELES A,PoLiflcA 241
EDtPRo Ltv$o sÉTtwo Ltvqo sÉTtwo EilPno

da a observar relativamente à ciÍra de população; que a Íami- § 7. Além disso, náo é necessário conferir aos Eslados o
liaridade com o mar, dando ensejos aos cidadáos de saírem grande número de homens que a marinha emprega; eles não
de seu meio e receberem estrangeiros, traz uma porção de devem Íazer parte da cidade. Os guerreiros que comandam e
comerciantes, e que, aÍinal, tal afluência é contrária à boa to dirigem a equipagem sáo homens livres, tirados da inÍantaria.
administração do Estado. Quando o número de camponeses e lavradores é considerá-
20 § 4. Por outro lado, é incontestável que, exceto esses in- vel, é preciso que haja também abundância de marinheiros.
convenientes, as comunicações por mar oferecem as maiores Sabemos que assim acontece entre alguns povos, por exsm-
vantagens à cidade e ao país, pela segurança e pela Íacilida- plo, entre os habitantes de Heracléia;"o eles possuem nume-
de de obter as coisas necessárias. Para resistir mais facil- is rosas Írotas, embora a sua cidade seja mênor que as outras.
mente à invasão é preciso estar habilitado a receber socorros Terminamos assim o que havia a dizer sobre o terreno, os
e poder defender-se dos dois lados - por terra e por mar; e portos, as cidades, o mar e a força naval,
para prejudicar ao inimigo, se não se conta com os dois la-
zs dos, mas apenas com um, mais vantagens haverá para aque- Cnpírulo Vl
les que têm os dois lados à sua disposição. Eles podem re-
cebêr, por meio da inrportação, os produtos indispensáveis § 1. Já indicamos quais devem ser os limites no número
que lhes faltam, e exportar os que têm em grande abundân' dos cidadãos que exercem o direito de cidade: digamos agora
cia. E para suâ própria utilidade que a cidade deve fazer o zo quais sáo as qualidades que eles devem naturalmente possuir.
comércio, e não para a dos outros Estados. Disso se pode Íazer uma idéia aproximada, dirigindo as vistas
para os Estados mais célebres da Grécia e para as diÍerentes
30 § 5. Aqueles que Íazem da sua cidade um mercado aberto nações que sê distribuem sobre toda a terra habitada. Os
a todos só têm em vista o lucro; ora, se nâo é preciso que povos que habitam os países Írios e as diferentes regiões da
uma cidade procure esse gênero de vantagem, ela não deve Europa sáo geralmente corajosos, mâs inÍeriores em inteli-
transformar-sê em mercado público. Sabemos que ainda em zs gência e iniciativa. E por essa razão que eles sabem conser-
nossos dias várias províncias e cidades possuem ancoradou- var a sua liberdade, mas são incapazes de organizar um §o-
ros e portos maravilhosamente situados em frente à cidade, verno, e não podem conquistar os países vizinhos. Os povos
rs nela não tocando, nem sendo muito aÍastados, e, além disso, da Asia são inteligentes e industriosos, mas falta-lhes a cora-
fortiÍicados por muralhas e outras proteções do gênero" E gem, e é por isso que eles não saem da sua sujeiÇão e es-
evidente que, se essas comunicaçÕes oferecem qualquer cravidão perpétuas. A raça dos gregos, ocupando as regiões
vantagem, a cidade não deixará de aproveitá-las, e, se apre- 30 intermediárias, reúne essas duas espécies de caracteres: é
sentam qualquer perigo, pode-se facilmente afastá-lo por corajosa e inteligente. Por isso ela permanece livre, conserva
meio de leis que apontem aqueles a quem a entrada no porto o melhor dos governos, e poderia mesmo submeter à sua
ao será proibida para o comércio.
obediência todas as naçÕes se Íosse Íundida num só Estado.
§ 6. Quanto à força marítima, vê-se bem que o melhor é § 2. übserva-se a mesma diferença nos povos gregos
1s27b possui-la até certo ponto. Não se deve estar apenas em con-
comparados entre si: alguns se encontram que só receberam
diçÕes de se defender; é preciso também estar apto a socor-
ss da natureza uma única dessas duas qualidades; outros rece-
rer os vizinhos, e por vêzes mesmo inspirar-lhes sérios temo-
beram ambas numa feliz combinação. E claro, pois, que os
res, por terra como por mar. Do ponto de vista de eÍicácia e
homens precisam ser inteligentes e bravos, a fim de que o
grandeza da força marítima, é preciso considerar o gênero de
legislador possa conduzi-los facilmente à virtude. É o que
s vida daqueles que compõem a cidade. Se ela é ambiciosa em dizem alguns escritores políticos, quando pretendem que os
relação aos negócios inlernos, é preciso que as suas forças guerreiros, que sáo guardiÕes do Estado, devem ser benevo-
navais estejam em relaçáo com a importância dos seus em-
preendimentos.
326^ Cidade do Ponto, e colônia dos megáricos.
Ásrsrórerss A PoLírtca 243
Ltvqo sÉTt$o Ltvqo sÉTtwo EDtPRo

40 olentes pâra com aqueles que eles conhecem, ê severos para assim é evidente que não devem ser idênticas as partes ne-
com os que não conhecem. E o coraÇão que produz a amiza- zs cessárias à existência das sociedades, nem de qualquer es-
1s2sa de; é nele que se encontra essa faculdade que faz com que pécie de associação formando como que um único corpo.
no§ amemo§. Uma parte essencial da cidade deve ser uma só coisa, embo-
ra comum a todos os associados, seja porque eles dela parti-
§ 3. A prova disso é que o coração se revolta muita mais cipam igualmente, como a subsistência, a extensáo de territó-
contra os amigos e os íntimos que conlra os desconhecidos,
rio ou outra coisa qualquer desse gênero.
quando se julga ofendido. Ê com razâo, pois, que Arquiló-
quio,327 queixando-se de seus amigos, diz a seu coração: § 2. [/as desde que uma coisa exista por causa de outra, e
s 'Foste tu afendida por teus amigas." esta em virtude de sua relaçào com aquela, nada há de comum
s0 entre ambas, a não ser no Íato de a primeira agir e a segunda
O principio da autoridade parte dessa mesma faculdade receber a ação; quero dizer que nada existe de comum, por
entre os homens; o coraçáo é altivo; ele não se submete. exemplo, entre a Íerramenta e o trabalhador, relativamente à
Erra-se, no entanto, ao dizer que ôs homens dignos são se- obra produzida. Nada de comum entre a casa e o arquiteto,
vêros para com os desconhecidos; náo devem sê-lo contra embora seja a casa o objeto da arte do arquiteto. Sem dúvida,
10 quem quer que seja; os coraçÕes magnânimos só sáo maus a cidade precisa da propriedade, mas a propriedade não Íaz
diante da injustiça" Eles experimentam uma indignaçáo mais parte da cidade. A propriedade contóm, mesmo, muitos seres
viva contra um amigo, como iá o dissemos, se acreditam que es animados; mas a sociedade é uma reuniáo de seres semelhan-
este acrescenta a iniustiça à ofensa. tes, que têm por Íim a vida mais perÍeita possível.
§ 4. E náo é sem razão: quando só contam com o bom § 3. Sendo a felicidade uma coisa muito excelente, ê con-
ts procedimento. dele se vêem privados independentemente do sistindo no exercício da virtude; além disso, acontecendo
prejuízo quê se lhes causa" Eis por que se disse: freqüentemente que uns têm uma grande parte de Íelicidade
"O adia fraternalé a mais implacáve|"."" +o e outros uma parte pequena ou mesmo nada, eis aí, eviden-
temênte, a causa de toda essa diversidade de Estados e go-
verno§. Todos procuÍam a felicidade cada qual a seu modo, e
"Ollei"n ama ao excgsso sabe adíar âo ex6esso".'?u a diferença na vida dos indivíduos produz a diÍerença dos
Assim, a classiÍicaçáo dos cidadãos que podem tomar par- 1328b governos. Convém examinar quantas coisas existem sem as
te no governo, o seu número e as qualidades que deles se quais uma cidade não poderia existir. Porque então encontra-
devem exigil', a extensão do territÓrio e as condições que remos, necessariamente, aquilo que nós chamamos a parte
deve reunir, acham-se mais ou menos determinados: porque essencial de uma cidade.
:o náo se deve procurar nas causas que só se podem explicar
§ 4. Vejamos, pois, o número desses elementos; será esse
com o auxílio da palavra, a mesma precisáo que naquelas o meio de esclarecer a questão. Primeiramente os meios de
que tocam diretarnente aos sentimentos.
subsistência, em seguida as artes, porque muitos instrumentos
e materiais são precisos para prover às necessidades da
CapÍrulo Vll vida; em terceiro lugar as armas, porque aqueles que fazem
parte da sociedade devem ter armas perto de si contra os
§ 1. Do mesmo modo que nos outros compo§tos formados cidadãos que desobedecem à autoridade e os inimigos de
pela natureza, náo são idênticas as partes sem as quais o 10 Íora que tentem uma invasão injusta; as finanças, que pos-
todo náo poderia existir, e por conseguinte partes essenciais, sam permitir-lhes prover às suas próprias necessidades e às
exigências da guerra; em quinto lugar, ou melhor, em primeiro
lugar, o serviço das coisas divinas, denominado culto; em
327. Arquilóquio, de Paros. poêta lirico e satírico. viveu cerca de 700 anos a C'
328. Este pen§amento e o que o pre<;ede sâo tirados de drias tragédias de Eurípides
sexto lugar- e este é o mais essencial - o julgamento a to-
Aarsrórercs A PoLincA
E}{/|fra Ltvqo sÉTtMo Ltvqo sÉTtMo Eapqa

1s rnar sobre os interesses gerais do Estado e sobre os direitos § 3. Resta Íalar ainda da classe dos guerreiros, assim
recíprocos entre os cidadâos. como da classe que delibera sobre os interesses da cidade e
julga os processos dos particularês nas questões de direito.
§ 5. Tais são, pois, as coisas sem as quais nenhuma cida-
de, por assim dizer, poderia passar: porque a cidade não é 5 Essas duas classes parecem ser a parte essencial da cidade.
*ma rnultidão de homens tomada ao acaso, mas bastando-se Será preciso também confiar a outras mãos as duas ordens
a si mesma, como dissemos, para as necessrdades da vida. de funçôes que lhes concernem, ou reuni-las nâs mesmas
Se um desses elementos vem a Íaltar, é absolutamente im- máos? A resposta é clara: deve-se até um certo ponto sepa-
possível que tal associação se baste a si mesma. E, pois, rá-las, porque essas funções se referem a idades diferentes,
necessário que umâ cidade se compÕnha desses diversos umas exigindo prudência, outras vigor; reuni-las, porque é
eiementos postos em atividade. Por conseguinte, ó preciso ro inadmissível que homens que podem empregar a violência e
zo lavradores para Íornecerem os víveres, artesãos, soldados, a força Íiquem sempre em estado de submissáo. Aqueles que
ricos, sacerdotes e juízes encarregados de julgar sobre o possuem as armas têm o poder de manter ou derrubar o go-
direito dos cidadáos e sobre o interesse geral do Estado. verno.
§ {. Só resta, pois, um partido a seguir: confiar ambas as
Capirulo Vlll ts funções aÕs mesmos homens, mas náo na mêsma ocasião. A
natureza dá vigor à juventude e a prudência a uma idade
§ 1. Agora que temos determinado as diferentes ordens de mais avançada. E útil, pois, e parece justo, seguir a mesma
25 atividades, resta-nos examinar se todos os cidadãos devem distinçáo na distribuição dos empregos: é o meio de fazê-la
exercê-las effi comum. E possível que todos sejam lavradores, na proporção do mérito.
artesãas. que deliberem e julguem, ou entáo ó preciso confiar
a homens especiais cada uma das Íunçôes que nós enumerâ- § 5. Também é necessário que os cidadãos dessas duas
mos, ou melhor ainda, é preciso que dessas funçôes, umas classes possuam bens de raiz, porque a abastança deve ser
sejam privadas, outras públicas. Mas isso acontece em toda zo o privilégio dos cidadãos; ora, aqueles a tem essencialmente.
*o espécie de governo: como dissemos, é possívei que todos os O artesão não tem o direito de cidadáo, nem as outras clas-
cidadâos tenham direito a tudo, ou que nem todos os cidadãos ses cujas Íunçôes sejam um obstáculo à virtude. Eis uma
tenham direito a tudo, mas apenas certas pes§oâs a determi- conseqüência clara dos nossos princípios: a Íelicidade é Íor-
nados cargos. Aí está precisamente o que faz as diÍerentes Çosamente inseparável da virtude, e náo se poderá dizer de
espécies de governos: nas democracias, os cidadãos exercem uma cidade que ela sela feliz, quando só se ocupa de uma
os diversos cargos. acontece o contrário nas oligarquias.
es parte, e não da totalidade dos cidadãos. Vê-se, pois, que as
propriedades devem pertencer aos cidadáos, já que é neces-
§ 2. Mas, já que estamos a examinar qual a constituiÇão sário que os lavradores sejam escravos, bárbaros ou servos.
rs política perÍeita, sendo essa constituiÇáo a que mais contribui
para a felicidade da cidade, e, por outro iado, visto que já Íoi § 6. Entre as funções que enumeramos, resta-nos Íalar
dito que a Íelicidade não poderia existir sem a virtude, tí claro das dos sacerdotes" Já se sabe que situação eles devem ter
que em um Estado perÍeitamente governado e composto de no Estado. De um agricultor ou de um artesáo não se pode
go fazer um sacerdote; porque é por cidadãos que os deuses
cidadãos que são homens justos no sentido absoluto da pala-
vra, e náo relativamente a urn sistema dado, os cidadãos náo devem ser adorados. Pois que o corpo político se divide em
devem êxercer as artes mecânicas nem as profissÕes mer- duas partes - a que leva as armas e a que delibera, pois que
qo cantis; porque esie gênero de vida tern qualquer coisa de vii, é preciso render um culto aos deuses e deixar que os cida-
e é contrário a virtude. E preciso mesmo, para que sejam dâos já Íatigados pela idade repousem à sombra dos alta-
1s2ea vêrdadeiramente cidadãos, que eles não se Íaçam lavrado- res, é a esses anciáos que se devem conÍiar as funçÕes
res; porque o descanso lhes e necessário para fazer nascer a rs sacerdotais. Dissemos de quantas partes se compõe a cida-
virtude em slra alma, e para executar os deveres civis. de, e quais sáo os elementos sem os quais não poderia exis-
246 ABtsróTELES A POLíTICA 247
EDTPRa Ltvqa sÉTtvo Ltvqo sÉTtwo EUPFa

tir. E preciso que os Estados tenham lavradores, artesáos e De resto, há motivo para crer que, no decurso dos séculos,
mercenários. Mas as partes essenciais da cidade são a clas- quase todos os inventos têm sido várias vezes descobertos,
se dos guerreiros e a dos cidadáos que têm o direito de deli- ou melhor, uma inÍinidade de vêzês. E natural que o homem
berar" A diÍerença que os distingue é que as Íunçaes são aprenda das suas próprias necessidades as coisas que lhe
perpétuas em umâ e alternadas em outra. sáo necessárias, e estas uma vez descobertas náo é menos
30 verossímil que os aperfeiçoamentos e a Íacilidade de meios
se encarreguem do seu desenvolvimento. E para crer, assim,
Capíruuo lX que o mesmo acontece em relaçáo às instituiçôes políticas.
40 § 1. Parece, aliás, náo ser de hoje, nem de uma época
rnuito recente, que a filosofia política descobriu a necessidade § 5. Tudo é bem velho; a prova está na história do Egito.
Porque os egípcios são o mais antigo de todos os povos, e
re:eu de se dividir a cidade em muitas classes, sem conÍundir a
sempre eles tiveram leis e uma organização política. Eis por
classe dos guerreiros com a dos lavradores. O Egito e Creta que se deve aproveitar convenientemente as instituiçÕes fir-
conservam ainda esse costume; nos eqípcios, ele remonta à gs mada§, e esforçar-se por descobrir aquelas que ainda resta
s legislação de §esóstrisu'n e nos cretensds à de Minos.330 achar. De resto, já dissemos que o território deve pertencer
§ 2. A instituiçáo dos repastos comuns também parece àqueles gue possuem as armas, e que tomam parte no go-
muito antiga: em Creta, data do reinado de MIinos, e na ltália verno. Dissemos também por que eles devem Íormar uma
de uma época bem mais anterior. Os sábios deste país pre- classe distinta da dos lavradores, e finalmente quais devem
tendern que um certo ltalos foi rei da Enotria, que os ha-bitan- 40 seÍ a extensâo e a natureza do território.
to tes dessa regiâo trocaram o seu nome de enotrianoso'' pelo
de italianos, e que se chamou ltália a essa parte das costas § 6. Agora vamos falar da divisâo das propriedades, e das
espécies e qualidades dos lavradores, pois que pensamos que
da Europa que está compreendida entre o golÍo Siléticor3? e o t330a â propriedade não deve ser comum, como o pretendem alguns
golÍo Lamótico,t" os quais só distam entre si uma meia jor-
escritores; mas, que a amizade entre os cidadãos poderá tor-
nada de caminho.
nar o seu uso comum; que, finalmente, não é preciso que os
15 § 3. ltalos, dizem, tornou os enotrianos agricultores, de cidadãos se privem dos seus meios de subsistência.
nômades quê eram ante§, deu-lhes leis e entre eles estabele-
Os repastos comuns são geralmente admitidos; esta insti-
ceu o costume dos repastos públicos. Por isso alguns can-
tuiÇão é considerada benéÍica nos Estados bem organizados.
tões desse paÍs conservam ainda hoje os repastos públicos e
algumas das suas leis. Os Opici, antigamente e ainda hoje
s Diremos a seguir por que essa opiniáo é também a nossa.
Mas é preciso que todos os cidadãos nela tornem parte, e no
ao denominados ausônios, ocupavarn a costa do mar Tirreno e
entanto não é Íácil aos pobres tirar dos seus próprios recur-
do lado da lapígia, e nas costas do mar Jônio habitavam os sos a contribuição exigida pela lei e ao mesmo tempo satisfa-
caonianos a região denornlnada Síris. Sabe-§e que os caonia- zer às outras necessidades da família.
nos erâm originários da Enótria"
§ 7. Os gastos que o culto dos deuses exige são ainda uma
§ 4. E daí, pois, que primeiro surgiu o uso dos repastos despesa comum de toda cidade. E neçessário, pois, que o
públiccs. Mas a divisão do Estado por classes vem do Egito;
10 território se divida em duas partes, sendo uma propriedade
25 pÕrque o reinado de Sesóstris é bem anterior ao de Minos" comum, e outra pertencendo aos particulares. Cada uma des-
sas duas partes deve subdividir-se, ainda, em outras duas. A
329. Rei do Egito, cerca de 1 800 anos antes da nossa era. Íração da parte comum, para o culto dos deuses e para as
330. Hei de Creta. despesas com os repasto$ públicos; a fração da parte reser-
331 . Habitavann o Brutio e a parte sudôê§te da Lucânia. 15 vada aos particulares, para a vizinhança Íronteira e para a da
332. Golfo da Cilácia ou Squilaci. cidade, a fim de que a separação dos lotes de cada indivíduo
333. O golÍo de Sta. Eufêmia. chamado antigamente Lamólico, do rio Lamós, hoie ligue todos os cidadâos a uma e outra posição.
Lamâ10. que nele desemboca.
248 AfrtsróTÊLEs A Potinca 249
Enrpqa LtvR? sÉnMo Lrvqa sÉTtwo EDPRa

§ 8. Com eÍeito, ó este o meio de satisfazer a igualdade, a águas pluviais, a fim de que não falte água, se as comunica-
lustiça e a necessidade de concórdia em caso de guerra con- ções com o resto do país Íorem interrompidas pela guerra.
tra os povos vizinhos. Em todos os lugares onde isso não se § 3. Pois que se deve garantir a saúde dos habitantes *e
estabeleça, uns poucos se inquietam com as hostilidades que aquilo que para ela mais contribui é a situação da cidade em
20 se cÕmetem na fronteira, outros as temem ató a pusiianimi- ro lugar determinado, e a uma exposiçáo prevista - pois que é
dade. Existe tambám entre alguns povos uma lei que proíbe preciso, em segundo lugar, servir-se apenas de águas salu-
aos proprietários vizinhos da Íronteira tomar parte em delibe- bres. lutar-se-á por esses dois pontos sem o menor desÍale-
rações referentes a quaisquer guerras que estejam prestes a cimento; porque o que mais freqüente e comumente serve à
rompêr, como se o seu.interesse particular pudesse impedir- necessidade do corpo é justamente o que mais contribui para
lhes de bem deliberar. E preciso, pois, dividir assim o territó- rs a saúde. Tal é a influência natural da água e do ar. Também,
es rio, pelos motivos que expusemo§. nos Estados sabiamente administrados, observar-se-á se as
§ 9. Quanto àqueles que deverão cultivar as terras, é estri- águas naturais não sáo todas iguais, e se não sáo abundan-
tâmente necessário que eles sejam escravôs, nào pertençam tes - separar-se-á as que servem para a alimentação e as
à mesma nação, e não sejam muito *orajosos. Serão assim que se usam para outros Íins.
úteis trabalhadores, e não será preciso temer-§e que eles se § 4. Os lugares fortificados não convêm todos igualmente
revoltem. Em seguida se lhes associarão alguns servos bár- às diversas espécies de governos. Uma cidadela, por exem-
baros, cujo caráter se aproximará daqueles de quem acaba: zo plo, convém mais à oligarquia e à monarquia; um país plano à
30 mos de falar. Os que se acharem nas propriedades particula- democracia; nem um nem outro convém para a aristocracia;
res pertencerâo aos prüprietários, e os quê estiverem na por- ela prefere várias posiçôes Íortificadas. A disposição das ha-
ção comum do território pertencerão ao Estado. Diremos mais bitaçÕes particulares parece mais agradável e geralmente
adiante como se deve tratar os escravos, sendo a melhor mais cômoda se elas forem bem alinhadas e edificadas de
maneira mostrar a liberdade a tcdos comô prêço dos seus acordo com o estilo moderno e o sistema de Hipodamos. Mas
trabalhos. 25 em caso de guerra, a segurança pública estará melhor garân-
tida pelo método contrário, tal como se fazia nos tempos anti-
CnpÍrulo X gos. Então os estrangeiros tinham dificuldade em sair da ci-
dade, e os agressores em descobri-los.
§ 1. Acima ficou dito que a cidade deve ter comunicaçôes
es Íáceis com a terra e com o mar. e, tanto quanto possível, com § 5. E por esta razão que há motivo para empregar os dois
todos os pontos do território. Mâs, para que a sua situaÇão sistemas, e isso é possível Íazendo-se como os vinhateiros,
seia, em relaçâo a si mesma, tãa vantajosa quanto se possa que plantam a vinha em forma especial. Alinhar-se-á a cida-
desejar, é preciso levar em consideração quatro coisas: em ro de, não em toda a sua extensão, mas apenas em algumas
primeiro lugar, a salubridade. como condição indispensável. As partes, e por quarteirôes. Reunir-se-ão assim vantagens de
cidades situadas para o lado do oriente e expostas aos venlôs seguranÇa e de elegância. Aqueies que dizem que as cidades
40 que sopram do levante sáo mais saudáveis; em seguida, as que têm pretensões ao valor militar não precisam de mura-
que são situadas ao norte, porque o inverno aí é mais amsno. lhas, sustentam um velho preconceito, e isso eles verificam
í330b § 2. Sob os oulros aspectos, a cidade deve ter uma situa- quando os fatos expÕem à luz do dia o erro das eidades que
çâo favorável às ocupações dos cidadãos e dos guerreiros. rs se impuseram esse falso ponto de honra.
Assim, á preciso que os guerreiros dela possam Íacilmente § 6. Sem dúvida não é honroso, quando se tem a lidar
sair, e que, ao contrário, seja dilícil ao inimigo nela penetrar e com inimigos de igual força ou pouco superiores em número,
fazer-lhe o bloqueio. E preciso também que tenha água e re- só procurar salvação atrás de muralhas inexpugnáveis; mas
s cursos naturais em abundância" E se ficar privada dessa van- como é possÍvel" e como acontece que aqueles que atacam
tagem, pode-se obtê-la cavando grandes reservatórios para possuam uma superioridade à qual o valor humano e a cora-
25ú ÁRrsrórelrs A POL|TICA 251
EDIPRÔ Ltvao sÉnua LIvRa 9É,TMa EDIPRO

40 gem de um punhâdo de bravos são incepazes de resi$tir. náo do ao seu fim. a menos que a lei dos sacriÍÍcios or": o oráculo
se pode duvidar, quando se tratar de garantir a de{esa, evitar da Pítia nâo prescrevam um local especial e determinado.
a derrota e repelir a oÍensa, de que as muralhas mais Íortes Esse local deve ser bastante visível para que a majestade
13s1ê sejam a melhor defesa, sobretudo aüora que se aperfeiçoa- dos deuses possa nele maniÍestar-se, e bem ÍortiÍicado para
ramt'o com tanta arte as flechas e as máquinas quê sÊrvêrn que ele nada tenha a temer de parte das cidades que se lhe
para o§ cercos. so avizinham.
§ 7. Ter a pretensáo de não circundar a cidade de mura- § 2. E também conveniente que abaixo desse local se en-
lhas á criar um país Íácil de ser invadido; e nivelar todas as contre a praÇa pública, construída como aquela que em Tes-
s eminências que se encontram ó o mesmo que proibir que se sália se chama a Praça da Liberdade. Esta praça será de-
cerquem por meio de muros as casas particulares, com re- sembaraçada de tudo aquilo que se vende e que se compra:
ceio de dar um motivo de covardia àqueles quÊ as habitam. ss os artesãos, os lavradores e aqueles que exercem proÍissoes
Nem se deve esquecer que uma cidade cercada de muralhas desse gênero não deveráo dela se aproximar, a não ser que
pode ou náo se servir delas, ao passo que, se absolutamente os chamem os magistrados. Ela nâo deixará de oÍerecer um
10 não as possui, a escolha é impossível. espetáculo agradável, se as salas de exercícios dos homens
de idade nela forem construídas. Convém, com efeito, que os
§ B. Se assirr: é, pois, deve-se náo só construir muralhas à próprios exercícios sejam separados segundo a idade, que
volta da cidade, mas ainda delas cuidar, a fim de que sirvam certos magistrados vigiem sem cessar as salas dos jovens, e
ao ornamento e à suntuosidade do lugar, e que nelas se en- 40 que os anciãos sejam admitidos na dos magistrados. A pre-
contrem todos os rneios de defesa contra ataques inimigos, e sença e as vistas dos magistrados inspiram a verdadeira mo-
mesmo contra os sistemas adotados em nos§os dias. Aque-
déstia e a reserva que convêm aos homens livres.
rs les que atacâm procuram empíesar todos os meios que lhes
proporcionem vantagem. Do mesmo modo, ü§ que precisam í331b A praça destinada a servir de mercado para as mercadori-
deÍender-se, devem, de tudo, aproveitar os meios já estabe- as de toda a espécie deve ser separada da Praça da Liber-
lecidos, em seguida procurar e inventar outros. E a primeira dade, e de tal modo situada que seja fácil a ela transportar
de todas as vantâgens é que nêm sequer se sonhe mesmo tudo que vem por mar e os produtos do país.
em atacar aqueles que estáo prontos a resistir. Mas, convindo § 3. Dividindo-se a multidáo dos cidadáos em duas classes
que a multidão dos cidadãos seja dividida em várias seções - os sacerdotes e os magistrados, é conveniente que os repa§-
20 para os repastos públicos, e que as muralhas sejam guarne- s tos públicos dos sacerdotes se realizem na vizinhanÇa dos
cidas de fortalezas e torres, é evidente que a própria natureza edifícios sagrados. Mas, para os magistrados encarregados de
das coisas convida a realizar alguns desses repastos nos se pronunciar sobre os contrâtos" açôes criminais, citaÇões de
próprios Íortes. Tal á, pois, a ordem que se deve estabelecer justiça, e outros negócios desse gênero, e para todos os ma-
em todos esses pontos. gistrados que atendem ao policiamento dos mercados e da
ro cidade, as salas de reÍeiçÕes devem ser estabelecidas perto da
Capírulo Xl praça pública e do quarteirão mais Íreqüentado. Tal será a
vizinhança do mercado: queremos que a praça situada na ci-
§ 1. Convém que os ediÍícios consagrados ao culto dos dade alta seja consagrada ao repouso, e que o mercado sirva
zs deuses e os que são reservados para os repastos públicos a todas as transações entre os particulares.
dos primeiros nnagistrados sejam reunidos num local adequa-
§ 4. E preciso ainda observaí no campo uma ordem aná-
ts loga àquela que acabamos de descrever. Os magistrados que
33!+. Deocioro da Sicília (1. l. c. XIV) diz que as máquinas pr-óprias para os cercos foram
singularmente aper{eiçoadas em siracusa no reinaclo e peios cuidados de Dioní-
se chamam hiloros ou agrônomos precisam de salas para as
sio, o Antigo; e Plutarco, nos seus Apotemâs, conta que Arquidamos, Íilho de reÍeiçÕes públicas, fortes para se deÍender e templos consa-
Agesilau, tendo visto uma dessas máquinas aperÍeiçoadas que haviam trazido da grados aos deurses e aos heróis. Aliás, é inútil insistil'sobre os
Sicília, Eritou: "Adeus virlude guerreira!".
AÊISTÓTELES A PoLincA 253
EDIPRo LIVR) SETIM1 Ltvno sÉnao EilPRa

20 detalhes mâis precisÕs. Náo á diÍícil conceber estas idóias, e que se aplica aos atos necessários, e por virtude absoluta a
sim pô-las em execuçào. Fara exprimi-las, basta dizer poucas que se dirige unicamente ao belo. Por exemplo, em matéria
palavras; mas pâra realizá-ias, é preciso o concurso da sorte. de aÇôes de justiça, as punições e os castigos sào atos de
Assim, deixemos de lado. por orâ, rnaiores detalhes sobre virtude, mas necessários, isto é, belos porque necessários.
este assunto. rs Valeria mais, no entanto, que nem o indivíduo nem o Estado
tivessem necessidade de qualquer coisa semelhante. Por
oposição, os atos que têm por objetivo a honra e abundância
Cnpírulo Xll dos bens da alma, são o que há de mais belo no sentido ab-
§ 1" Trata-se aüorâ de dizer sobre o assunto do próprio soluto. Os atos da primeira espécie nada mais Íazem que
25 governo, quais são aqueles que devem compor a cidade, e libertar o homem de algum mal; os da segunda, ao contrário,
que qualidades devem possuir para que ela seja Íeliz e bem produzem e obtêrn bens verdadeiros.
administrada. Duas condições são necessárias para alcançar 20 § 4. E possível que um homem de bem mostre energia e
o bem geral: primeiramente, que haja um ideal e que o fim dignidade na pobreza, nas enÍermidades ê nas outras cir-
que se propõe seja louvável; depois, que se encontrem quais cunstâncias penosas da vida, mas a Íelicidade nele não se
so são os atos que podern conduzir a esse fim. Essas duas con- encontra menôs em circunstâncias contrárias. No tratado de
dições podem ou não se concordar. Õra, o Íim é excelente, ética, definimos o homem virtuoso como sendo aquele cuja
mas erra-se no meio de atingi-lo. Umas vezes têm-se todas virtude eleva os bens interiores à altura de bens absolutos. E
as possibilidades de alcançá-lo, mas o Íim proposto é mau. zs evidente que a maneira pela qual deles faz uso é Íorçosa-
Outras vezes erra-se ao mesmo tempo no Íim e nos meios, mente nobre e bela no sentido absoluto. Eis no entanto que o
3s como acontece com a medicina, quando julga mal do estado vulgar julga que os bens exteriores são causas de felicidade,
de saúde do corpo, e não encontra os meios de atingir o Íim como se o talento e a perfeiçáo com que um músico toca a
que sê propÕe. Ora, nas artes e nas ciências, é preciso apon- lira fossem devidos mais à qualidade do instrumento que à
tar magistralmente ao alvo e aos meios que a ele conduzem. habilidade do artista. Resulta, do que acabamos de dizer, que
40 § 2. E claro que todos os homens aspiram à vida boa e à para a Íormação de uma sociedade civil, coisas há que a
felicidade; mas uns podem atingi-las, outros não (assim o natureza deve dar, outras que o legislador deve procurar.
1332a QUêt' O ACASO Ou a natureza). A vida boa necessita de uma s0 § 5. E por isso que nós queremos achar, nos elementos
certa quantidade de meios, que deve ser pequenâ para aque- constitutivos do Estado, as condiÇôes que dependem da sorte;
les que são melhor dispostos e maior para os que têm dispo- porque segundo a nossa opiniáo, o acaso manda muitas ve-
siçÕes menÕs favoráveis, Outros, finalmente, extraviam-se zes. A cidade é virtuosa, não por obra do acaso, mas da ciên-
desde os primeiros passos na procura da felicidade, embora cia e da vontade. No entanto, uma república só pode ser virtuo-
possuam todas as Íaculdades exigiclas. Já que o objeto que sa quando os próprios cidadãos que tomam parte no governo
s nós nos propomos é a procura da melhor constituiÇâo. já que são virtuosos; ora, em nosso sistema, todos os cidadãos tomam
a melhor constituição é aquela que dá melhor administraÇáo 3s parte no governo. Assim, trata-se de ver como um homem pode
da cidade, é a que lhe proporciona a maior soma de felicida- tornar-se virtuoso. Sendo possível Íormar na virtude todos os
de, segue-se que é preciso antes saber o que é a Íelicidade. homens ao mesmo tempo, sem tomar à parte cada cidadão, tal
é o melhor partido; porque o geral arrasta o particular.
§ 3. Dissemos no tratado de ética335 (se contudo esse tra-
ra tado não Íor destituído de utilidade), que a felicidade e o re- § 6. Três coisas Íazem os homens bons e virtuosos; a na-
sultado e o desenvolvimento completo da virtude, não relati- 40 luÍeza, os costumes e a razáo. Primeiramente, é preciso que
va. mas absoluta" Ora, por virtude relativa entendo aquela a natureza faça nascer homem e não outra espécie qualquer
de animal. É preciso também qure ela dê certas qualidades de
reazu alma e de corpo. Muitas dessas qualidades não têm utilidade
335. Aristôteles nâo separa a rnoral da política alguma; porque os costumes fazem com que elas mudem e
254 Antsrórrtrs A PoLiTIcA 255
EDTPR? Ltvqo sETrMo Ltv4o sÉTrMo EDtPRo

se modifiquem" üs costumes desenvolvem, por vezes, as 2s seus súditos, vê-se claramente que, por muitas razões, de-
qualidades naturais, dando-lhes uma tendência para o bem vem todos os cidadãos mandar e obedecer alternadamente.
ou para o mal. A igualdade á a identidade de funÇões entre seres semelhan-
tes, e é difícil ao Estado subsistir quando obra contra as leis da
§ 7. Os outros animais seguem principalmente o instrnto da justiça. Há entre os súditos um bloco de agitadores que o país
natureza; alEuns mesmo, êm pequeno número, obedecem ao
s império dos costumes. O hornem segue a natureza e os cos- B0 encerra sempre, e é absolutamente impossível que o número
tuÍrês. §egue também a razão. §ó ele ó dotado da razâr:. E daqueles que participam do governo seja bastante forte para
preciso, pois, que haja acordo e harmonia entre essas três resistir com vantagem a tantos inimigos.
coisas. Porque a razáo leva os homens a fazerem muitas coi- § 3. De resto, é incontestável que os homens que ocupam
sas contrárias ao hábito e à natureza. quando eles se conven- o poder devem ter alguma superioridade sobre os que sào
cem de que é melhor Íazer de outra Íorma. Dissemos anterior- ss governados. E ao legislador, pois, que compete examinar
mente quais são as qualidades que eles devem teí para que o como poderá isso ser Íeito, e qual deverá ser a distribuição do
ro legislador possa {ormá-las Íacilmente; o resto é funçào da edu- poder. Já o dissemos: a própria natuíeza estabelece a distin-
caçáo. Ora é o hábito, ora sáo as liçÕes dos mestres que ensi- çáo, fazendo com que haja numa mesma família pêssoas
nam aos homens o que eles devem Íazer. idosas e outras mais jovens, as quais devem mandar ou obe-
decer. Aliás, todos aceitam de boa vontade a inferioridade ou
*o a superioridade que dá a idade, sobretudo quando se deve
Cnpíruuo Xlll chegar, com os anos, à mesma prerrogativa.
§ 1. Visto336 que toda a sociedade política se compôe de § 4. Há, pois, um ponto de vista sob o qual se diz vanta-
homens que mandam e homens que ohedecem, é precisc joso que as mesmas pessoas mandem e obedeçam: mas,
examinar se os chefes e os subordinados devem ser semprê 1 333ã sob outros aspecto§, melhor o será pôr outra forrna, de tal
1§ os mesmos, ou se devem trocar de {unçáo. E evicJente que a modo que a educação seja uma só, e diferente, pois preten-
educação deve responder por essa grande divisâo. Se hou- de-se que, para bem ordenar, é preciso começar por obede-
\rêsse, pois, entre uns e outros, tanta diferença como julga- cer. Ora, a autoridade" como já foi dito, firma-se no interesse
mos existir, de um lado entre os deuses e os heróis, e os daquele que manda, ou no interesse do que obedece. No
homens do outro lado, prinreiro na relação do corpo e depois primeiro caso. ela é despótica; no segundo convém a homens
zo na da alma, de modo que a superioridade dos cheÍes sobre livres. De resto, a diÍerença entre as coisas prescritas pela
os súditos fosse clara e ineontestável, nâo se poderia negar autoridade consiste não tanto nos alos por si, como no motivo
que melhor seria que os mesmos homens mandassem sem- ou no êscopo desses atos; assim, é até honroso para os jo-
pre 0u obedecessem" vens livres prestar às vezes serviços que comumente se con-
§ 2. Mas como não é fácil encontrar esses mortais privile- sideram servis. Sob o aspecto do belo e do que lhe é contrá-
giados, e náo sendo possível descobrir uma superioridade rio, as açÕes não diferem tanto em si mesmas como no seu
semelhante à que Silax337 atribui aos reis indianos sobre os fim ou motivo. Já que nós dizemos que a virtude do cidadão e
do magistrado é a mesma que a do homem de bem, e que o
tf, cidadão deve começar por obedecer anies de mandar, é ao
336 Champagne cômêÇa aqui o iivro comumente classificado como oitavo, e que trata
legislador que compete achar o nneio de tornar os homens
especiaimente da educação. Ele diz que os três últimos capítulos do llvro prece-
denie não se referem de um modo direito à matéria dê que tratâm, isto é. à orga- virtuosos, regular os exercícios que podem conduzi-los à
nização da cidade períeita em relação ao local, comércio. ÍortiÍicaçÕes, ediÍícios virtude, e determinar qual é o Íim da vida perfeita.
da polícia, ao passo que eles sê ligâm intimarnente à teoria geral da educaçâo.
Disso ele conclui que esses três capítulos devem fazer pâfiê do mesmo livro. § 5. A alma se compõe de duas partes: uma traz em si
JJ/ Silax, nascido em Carlanda. na Cária, Eeógrafo e navegador, viveu no começo do mesma a.razáo; a outra não a traz em si, mas pode obedecer
qr.linto século a.C., cem anÕs antes de Aristóteles. Foi autor de um périplo do mar à razâo" E nessas duas partes que residem, na nossa opiniáo,
interior, que chegou até nossos dias.
256 Asrcróretes A P1LíTICA 257
EUPRa Ltvno sÉnua Ltvqo sÉTtwo EDPRA

as virtudes quê caracterizam o homem de bem. Em qual des- '10 de um modo verEonhoso protegendo as virtudes que mais se
20 sas duas partes se encontra o alvo das nossas açoes? Nâo dirigem para a utilidade e para a ambiçâo. Alguns dos autores
pode haver hesilação quando sê segue a ordem que nós que escreveram depois maniÍestaram mais ou menos a
adotamos. Acontece sempre que aquilo que é menos bom se mesma opinião; Íazem grande elogio ao gÕverno dos lace-
faz com vistas àquilo que é melhor. Esse princípio é verdadei- demônios. e admiram o Íim que se propÔs o legislador, do
ro na arte e na natureza" Ora, aquilo que é rnelhor, isso é a qual todas as instituiÇÕes foram dirigidas para a guerra ê para
parte que possui a razâo. 15 a dorninaçáo.
§ 6. Esta, por sua vez, segundo o nüsso sistema comum § 10. Tal sistema é fácil de repelir pelo raciocínio' Os pró-
zs de divisão, decompõe-se em duas partes: a razão prática e a prios {atos aclararam, em nossos dias, o seu vício principal.
razáo especulativa. E necessário, pois, dividir do mesmo Procurando a maior parte dos homens estender seu poder
modo a parte da alma que á o centro da razâo, e estabele- sobre vários Estados, porque o sucesso desses empreendi-
cermos enlre os atos uma distinção análoga àquela das par- mentos traz Íartos recursos. Tibros''''o e todos aqueles que
tes da alma. É preciso que os atos que pertencem à parte escreveram sobre o governo de Esparta pareüem ter votado
naturalmente melhor sejam preferidos pelos homens que grande admiraçâo ao legislador dos lacedemônios, pois es-
podem possuir todas as partes da alma, ou apenas as duas tes, exerciiando-se incessantemente no§ perigos, chegaram a
s0 que acabamos de mencionar, e o que se deve preferir a tudo submeter um grande número de Estados à sua autoridade.
é atingir o Íim mais elevado.
§ í1" No entanto, hoje que a Íorça náo está mais nas suas
§ 7. Toda a vida se divide em atividade e repouso, êm mãos, pode-se acreditar que eles náo Íorarn felizes, e que
guerra e Êm paz. Entre as açÕes, algumas há gue sâo neces- nunca tiveram um legislador. Porque é ridículo que, obser-
sárias e úteis, outras quÊ se referem ao belo. E preciso, pois, vando-se Íielmente as suâs leis, podendo segui-las ainda sem
estabelecer neste assunto a mesma distinçáo que entre as obstáculos, tenham eles perdido as vantagen§ que ü§ torna-
partes da alma e âs suâs próprias aÇÕes, considerando a paz ram felizes. Faz-se uma falsa idéia da dominação, à qual se
ss como o escopo da guerra, o repouso comô o fim do trabalho, pretende que todo legisiador deva dar grande valor; porque
e o belo como o alvo das ações úteis e necessárias. há, certamente, rnais glória e virtude em mandar em homens
livres que êm exercer Llm poder despótico sobre escravos'
§ 8. O homem político, que encara todas essas coisas,
deve estabelecer um sistema de leis conforme com as duas 30 § 12. Por outro lado, é preciso náo julgar um Estado feliz e
partes da alma, e os seus atos; conforme, sobretudo, com o um legislador digno de grandes elogios pelo Íato de terem
40 que é melhcr ainda, isto é, com ô seu fim. O mesmo Íará exercitado os crdadãos de modo a vencerêm e dominarem os
quanto aos diferentes gêneros de vida e às diÍerentes ocupa- povos vizinhos, porque nisso há um grande inconveniente. É
çôes; porque é preciso que os cidadâos que se entreguem à claro que todo o cidadão que o po§§a se esÍorçará por sub-
rsseu vida ativa estejam ern condiçÕes de Íazer a guerra, rnas vale meter a própria pátria à sua autoridade. É o que reprovam os
mais gozar da paz e do repouso. E preciso saber executar as as lacedemônios ao rei Pausânias, por maior que Íosse o poder
coisas úteis e necessárias, mas também deve-se preferir-lhes ao qual ele fora elevado" Nenhum raciocínio desse gênero,
o belo" Tal é a orientação quô se deve dar aos cidadàos, nenhuma lei é política ou útil, nu de acordo com a justa ver-
desde a sua infância até às outras idades que têm necessi- dade. Porque o legislador deve se esforçar por bem conven-
s dade de educaçáo. cer aos homens qrJe o que há de melhor e rnais honroso para
os simples particulares também o é para o Êstado.
§ L Os fstados Eregos, que têm reputação de possuírem
o melhor governo, e os legisladores que lhes têm dado as
constituições, náo parecem ter em vista, nas suas institui-
qÕes, nem o fim mais honorífico, nêm as virtudes de quais- 338. Aristóteles é o único autoÍ que menciona esse Tibros. e rjele náo Íaia em qual-
quer outro trecho das suas obras; Tibros havia escrito sobre a constituiÇáo de La-
quer gêneros. as leis. a educaçáo; ao contrário, rebaixam-se cedemÔnia.
258 Aatstóretes A PoLirrcA 259
EDiPRo Ltvna sÉnnro Ltvno sÉnao EUPRa

§ 13. Se se praticam os trabalhos da guerra, não se deve ss deve possuir essas virtudes. §e ele se envergonha de nao
qo Íazê-lo com o fim de subjugar os que nâo merecem, mas poder usar os bens que se possuem, fá-lo-á com mais razão
deve-se antes â eles se aliar, para não ser subjugado; depois, não podendo usá-los quando existe a calma. e mostrando-se
1334a parâ procurar um poder que seja útil aos cidadãos, ao invés tão generoso e bravo nos trabalhos e na guerra, como servil e
de os abater todos ao jugo do despotismo; finalmente, para fraco no seio da paz e do descanso.
mandar sabiamente nos que foram Íeitos para ser escravos. 40 § 19. Tambérn não ti preciso praticar a virtude como nô
§ 14. ü legislador deve empenhar-se em redigir as regras Estado de fsparta. Este não difere dos outros no Íato de náo
da guerra ê as outras partes da legislação, principalmente rs34b Çompreender da mesma maneira os maiores de todos os
s com vistas à paz e ao repouso. E um princípio que os próprios bens, rnas por querer obtô-los principalmente por uma virtude
Íatos comprovam, de acordo com o raciocínio. A maior parte especial que é a virtude guerreira. E claro que existem bens
dos Estados que po$suem ardor belicoso mantém-se enquan- maiores que aqueles quê se obtêm pela guerra, e é necessá-
to se faz a guerra, mas uma vez estabelecida a sua domina- rio preÍeri-los aos que as viriudes militares proporcionam,
çâo, perecem. A paz.fá-los perder, como ao ferro, a têmpera dando-lhes a preferência unicamente por si mesmos.
que lhes Íora dada. E culpa do legislador, que não lhes ensi- s § 20. Mas cômo, ê por que meios a isso se chegará? E o
ro nou a desejar ô repouso. que precisamos examinar agora" lndicamos anteriormente
§ 15. Já que o ideal do Estado e dos particulares é eviden- três condições essenciais: a natureza, o hábito e a razáo',
tementÕ o mesmo, ê que um só é o Íim do homem perÍeito e determinamos também quais as qualidades naturais quê se
do governo perÍeito, é claro que é preciso que haja virtudes devem desejar. Resta-nos considerar se é pela razâo ou pe-
rs próprias ao repouso. Já Íoi dito muitas vezes: a paz é o obje- ro los costumes que deve üomeÇar a educaçáo. A mais perfeita
tivo da guerra, o repouso o objetivo do trabalho. harmonia deve reinar entre as duas últimas porquê é possÍvei
que a razão se desvie na melhor natureza, e os próprio§ cos-
§ 16. Mas as virtudes que servem ao repouso e ao encan-
to da vida são aquelas das quais se faz uso tanto no repouso tumes podem produzir tais desvios.
como na vida ativa. Porque há muitas coisas das quais se § 21. Aliás, é evidente que aqui, como nas outras coisas,
precisa para poder entregar-se ao repouso. E por esta razâo comeÇa tudo pela procriação, ê que o Íinr que se refere a um
20 que o Estado deve ser corajoso e rijo na Íadiga; porque diz o 15 comeÇo determinado ó o próprio comeÇo de outro fim qual-
provérbio: nada de repouso para os escravos. Aqueles que quer. Ora, a razão e a inteligôncia são no homem o Íim da
não sabem afrontar os perigos corajosamente serão escravos natureza, e assim é com relaçáo a ambas que é preciso vigiar
dos primeiros que se resolverem a atacá-los. intensamente as condições do seu nascimento e a Íormaçáo
§ 17. E preciso, pois. coragem e paciência na vida ativa, fi- dos seus hábitos.
losofia no repouso, e justiça nas duas circunstâncias, sobre- § 22. Depois, sendo o homem formado de duas partes - a
rs tudo quando se desfruta paz, vivendo-se em plena calma. A alma e o corpo, sabemos que a alma compreende igualmente
guerra nos obriga a ser justos e prudentes. ao passo que o duas partes: aquela que possui a razáa e a que dela é priva-
gozo da felicidade e as delícias do repouso na paz fazem-nos da, e que cada uma dessas duas partes tem a§ suas disposi-
audaciosos. zo çÕes ou maneiras de ser, das quais uma é o deseio, e outra a
§ 18. Aqueles que merecem ter chegado ao auge da pros- inteligência. Mas corno, na ordem da procriação, o corpo está
peridade gozando de tudo o que nós chamamos felicidade antes da alma, assim a parte irracional está antes da parte
so precisam de muita justiça e prudência, como os sábios que os racional. Aliás, isto é evidente; porque a cÓlera, a vontade e
poetas nos mostram nas llhas Venturosas. Ser-lhes-á preciso mesmo os desejos se maniÍestam na§ crianças desde os
tanto mais filosofia, prudência e justiça, quanto mais calma primeiros dias de existÔncia, ao passÕ que o raciocínio e a
possuam no gozo de todos os bens. Assim, claramente se inteligência só se mostram naturalrnente após um certo desen-
compreende que um Estado que deseja ser feliz e virtuoso zs volvimento. Eis por que é necessário prestar os primeiros
260 Aptsrútetgs A PaLiTtcA 261
EDtPRo Ltvqo sÉrtMo Ltvno sÉnuo ENPRA

cuidados ao corpo, antes da alma; em seguida ao instinto. No 15 mo deve acontecer na espécie humana. A prova é que em
entanto, só se deve formar o instinto pela inteligência, e o todos os países onde há ô costumê de unir esposos jovens,
corpo pela alma" os Íilhos nascem com uma constituiÇão débil e pequena esta-
tura. Por outro lado. as mulheres jovens sofrem mais nos
seus partos, e muitas são as que vêm a morrer. E por isso,
Capírulo XIV po diz-se, que o oráculo respondeu aos tresenianos que a morte
§ 1. §e, pois, o primeiro dever do legislador é garantir às de tantas mulheres jovens provinha do Íato de se casarem
so crianças que se educam uma constituiçâo robusta o mais pos- muito cedo, sem pensarem na colheita dos frutos.
sível, ele deve, antes disso, ocupar-se do casamento e das
qualidades que os esposos devem trazer à união. É preciso § 5. lmporta também, no interesse dos bons costumes,
esperar uma idade mais preparada para üasar as mÕÇâs.
que o legislador examine essa sociedade atendendo às pesso-
Nota-se, com e{eito, que aquelas que conhecem cedo os
as e ao tempo em que elas sâo destinadas a viver juntas, a Íim
25 prazêres do amor sáo mais propensâ$ ao mau comportamen-
:s de que as idades estejam numa relaçâo conveniente, e que as
to. Parece também quê a uniào dos sexos é prejudicial aa
Íaculdades náo estejam em desacordo, podendo o marido ter
desenvolvimento Íísico dos jovens, quando se casam antes
filhos ainda, e a mulher náo podendo, ou esta podendo, ao
pas$o que o marido terá passado da idade; porque á isso que
da época em que tenham atingido o seu crescimento: existe,
com efeito, um tempo limitado no qual ele cessa.
co produz as pendências e discórdias entre os êsposos.
§ 2" E preciso em seguida atender ao nascimento sucessi-
§ 6. Convém, pois, Íixar o câsamenlo das mulheres nos
vo dos filhos, porque é inconveniente o fato de ser a idade
ro dezoito anos, e o dos homens nos trinta e sete, oil pouco
menos. ,Assim a uniáo será Íeita no momento do máximo
dos Íilhos muito afastada em relação à dos pais. Se os pais
vigor, e os dois esposos teráo um tempo mais ou menos igual
1335a foÍem muito idosos, náo gozarão reconhecimento dos filhos, e
para educar a Íamília, até que cessem de ser próprios à pro-
estes não receberâo dos pais a orientação necessária à sua
criaçáo" Se o casamento for fecundo desde o princípio, como
educação. Nem devem ser as idades muito aproximadas:
se pode cÍer, os filhos nascerão no rnomento em que comeÇa
essa é uma fonte de grandes aborrecimentos. Então os Íilhos
não respeitarão mais os pais que seriam como seus compa-
ss o maior vigor dos pais, até o declínio da idade, para o marido,
aos setenta anos.
nheiros de idade, e essa aproximação trará muitas queixas
recíprocas na administração doméstica. Finalmente, para § 7. Acabamos de dizÊr em que época se devem realizar
voltar ao ponto que traçamos no começo, essa sábia atenção esses casamentos. Ouanto à estação do ano que convém
s têm por Íim dar aos Íilhos uma constituição Íísica que corres- preÍerir, é aquela que se escolhe ainda hoie mais comumenie
ponda aos desejos do legislador. e com justa razáo: é o inverno, pois, a época própria para
essas uniôes. De resto, é preciso que os esposos atendam
§ 3. Todas essas constituições acham-se mais ou menos 40 ao que dizem os médicos e os naturalistas sobre a produçâo
encerradas em um so ponto a observar: porque, sendo fixado
dos filhos: os médicos determinam con"i bastante precisao as
o limite da Íaculdade de ter Íilhos, para os homens, aos seten-
1o ta anos quando muito, e aos cinquenta para as mulheres, épocas Êm que o corpo está melhor disposto; os naturalistas
rsrsu indicam os ventos rnais Íavoráveis, e dão preferência acls
deve-se orientar por esses limites extremos para determinar a
ventos do norte sobre os do sul.
idade em que convém Íixar o início da união conjugal.
§ 8. tlo entanto, a enumeraÇão das qualidades Íísicas cuia
§ 4. Ora, a união de esposos jovens não é Íavorável à boa influência é mais favorável à boa constituiçáo dos filhos pare-
constituiÇáo dos filhos" Observa-se que, em todas as espécies ce-nos pertênter mais a um tratado especial sobre a educa-
de animais, os que são produzidos por indivÍduos jovens são s ção das crianças; presentemente bastará dar algumas idéias
fracos, imperfeitos, geralmente do sexo feminino, e de pe, sumárias e gerais sobre ela. O físico nâo tem necessidade de
quena estatura; donde se conclui, naturalmente, que o mes-
ser atlético nem para a vida pública, nem pera a saúde, nem
262 ARrsrórerrs A PoLiTIcA
EDtPBo Ltvqo sÉTrwa Ltv$ü sÉTtMo

para a procriaÇáo. Nem deve ele ser doentio, ou demasiado Capíruro XV


incapaz de suportar os trabalhos; ele deve resistir ao meio. E
preciso, pois, que esta constituiÇão média sela exercitada e § t. Apos o nascimento dos filhos, deve-se compreender
que o regime de alimentaçáo produz uma grande diÍerença
desenvolvida por trabalhos que nada tenham de violento, e
Í0 que náo seja orientada para um só fim, como o dos atletas. 5 para o vigor dos seus cÕrpos. Examinando os outros animais
mas Íormada pelo hábito das aÇÕes que convêm aos homens
e Õ§ povos que se empenham em formar homens para a
guêrra, vô-se que a alimentação mais Íavorável ao corpo ó o
livres. E preciso, finalmente, que quase nenhuma diferença
leite tomado em abundância, sem o uso do vinho, por causa
exista entre a constituiçâo dos homens e das mulheres.
das doenças que ele produz.
§ 9. É necessário, ainda, que as mulheres grávidas te- r0 § 2. Tambóm é útil dar aos movimentos toda a liberdad*
nham cuidado com a sua saúde, sem definhar na inaçáo e
que se possa permitir a crianças dessa idade. Para evitar que
sem contentar-se com uma alimentação pouco substancial. É
Íácil ao legislador obrigar todas as mulheres grávidas a irem os seus membros delicados tomem uma falsa conÍormaçáo,
algumas nações ainda hoje se servem de rnáquinas que im-
rs todos os dias adorar em seus templos as divindades que pedem o corpo de se tornar disforme. Convém tamhrím habi-
presidem aos nascimentos. Por outro lado, convém deixar em
seu espírito uma calma absolula. A mãe é para a criança que
tuá-los ao frio desde a primeira inÍância: á o maior serviço
quê se pode prestar-lhes, a bem de sua saúde e dos traba-
ela traz no seio o que a terra é para as plantas: a comunica- '15 lhos de suerra. Vários povos bárbaros têm mesmo o costume
ção é íntima.
de mergulhar os Íilhos em um rio cujas águas sejam frias, ou
§ 10. Quanto a saber quais os filhos que se devem abando- cobri-los com roupâs leves, como fazem os celtas.
20 nar ou educar, deve haver uma lei que proíba alimentar toda
criança disforme. Sobre o número de filhos (porque o número § 3. De Íato, é melhor habituá-los desde o início a tudo que
de nascimentos deve sempre ser limitado), se os costumês Íor possível, poróm fazê-lo paulatinarnente; e a disposiçáo
não perrnitem que sejam abandonados, e se alguns casâmen- Íísica das crianças é naluralmente apta pelo calor ao treina-
tos são tâo fecundos que ultrapassam o limite fixado de nasci- mento que visa a suportar frio. Portanto, é conveniente no
período inicial de vida empregar tal método Õu um outro se-
zs mentos, é preciso provocar o aborto anles que o feto receba
animação e vida. Com efeito, só pela animação e pela vida se melhante de criaÇáo.
poderá determinar se existe ou não existe crime. § 4" A idade que se segue até os cinco anos não deve ain-
§ 11. Já que fixamos a idade em que a união do homem e da ser aplicada ao estudo nem aos trabalhos pesados, a fim
da mulher deve começar, convém fixar também a duraçâo do de não interromper o crescimento. E preciso apenas bastante
tempo de procriação. Como os Íilhos que nascem de pais mui- movimento para impedir o entôrpêcimento do corpo, e o me-
:o to jovens sáo incompletos de corpo e de espírito, assim os lhor meio para isso é a aÇão e o exercício. Mas Ó preciso que
filhos dos velhos são de uma Íraqueza extrema. Convém que o esses exercícios náo sejam indignos de uma condiçáo livre,
tempo da procriação dure seu desenvolvimento; ora, esse des- nem Íatigantes, nem de uma Íacilidade exagerada.
envolvimento, segundo poetas que medem o tempo de vida § 5. Os contos e fábulas que convér"n fazer-lhes ouvir nes-
em setenta anos, chega geralmente na idade de cinquenta ta idade serão o objeto da vigilância dos magistrados encar-
35 anos. Assim, quatro ou cinco anos depois desse limite, convém regados da ÍiscalizaÇão das crianças. Todos esses jogos
renunciar a pôr Íilhos no mundo, e desde então só haverá rela- devem prepârar o caminho aos exercícios que eles seguirão
çÕes íntimas por motivo de saúde, ou por outros motivos seme- mais tarde; para a maiorra, outras tanta§ imitaÇoes dos exer-
lhantes. Que a inÍidelidade do esposo ou da esposa seja con- 35 cícios que eles farão depois de um modo sério.
qo siderada uma vêrgonha e uma infâmia, enquanto subsistem os
§ 6. E erro proibir em nome da lei os gritos e o chcro das
laços do casamento, e se Íicar provado que a falta Íoi cometida crianças: porque esse é um meio de desenvolvimento, e um
durante o período fixado para a procriação, que seja o culpado exercício para os órgãos. O esÍorço feito para reter o hálitCI
13s6a punido com o castigo que merece tal infâmia"
Íortifica o Õorpo, e é o que acontece às crianças quando gri-
Acrcrótetes A PoLinca 265
EDIPRo LIVRA SÉTIMO Ltvao sÉnuo É,aPRa

40 tam. Os Írscais vigiarão as recreações e o emprego do resto 30 recêr antes dele em cena, porque os espectadores deixam-se
do tempo, de modo que as crianças estejam o menos possí- Íacilmenie impressionar em favor da voz que primeiro ou'rem.
vel na companhia dos escravos. E preciso, durante esse pri- Ora, é exatamente isso que âcontece nas nossas relaçoes
rgsou meiro período até a idade de sete anos, que elas sejam edu- com os homens, e relativamente às coisas que r-ros cercâm:
cadas na casa paterna. as primeiras impressÕes sáo sempre as que mais agradam.
§ 7. E razoável, pois, aÍastar das crianças desta idade to- Eis por que é preciso tornar estranhas aos jovens todas as
das as coisas grosseiras que possam Íerir os olhos e os ouvi- ss coisas despreziveis, principalmente as que constituem a fonte
dos. Em uma palavra, o legislador deverá banir da cidade a do vício e da malquerenÇa. Uma vez chegados à idade de
s indecência proposital como qualquer outro vício; que não há, cinco anos, eles deveráo, nos dois anos seguintes, até os
longe dos maus exemplos, quem ouse praticar más açóes. sete, assistir como espectadores aôs exercícics que terão de
Assim, é estritamente necessário que, desde a mais tenra aprender depois.
infância, os jovens nunca tenham ocasião de ouvir ou dizer § 11. De resto, há dois períodos nos quais se pode dividir
tais coisas. Se alguém se convence de haver dito ou pratica- a educaçáo das crianças: a partir do sétimo ano, até a ado-
do uma coisa proibida, deve, no caso em quê seja homem qo lescência, e desde a adolescência até vinte e um âno§. Aque-
livre, mas não tenha tido o privilégio de ser admitido nos re- les que côntam os períodos da vida pelos núnneros setenários
to pastos comuns, ser punido pelo ferro em brasa e pelas chiba- lssra estão quâse sempre errados. E melhor, nesta divisâo, con-
tadas; se é um homem de idade avançada, deve-se, em pu- formar-se à n:archa da natureza; orâ, o {im da arte e da edu-
niÇão das suas inclinaçÕes servis. infliEir-lhe os castiEos re- caÇáo, em geral, é substituir a natureza e completar aquilo
servados aos escravos. que ela apenâs comeÇou. Primeiramente, pois, trata-se de
§ L Já que condenamos as palavras indecentes, é claro examinar se convém estabelecer alEum sistema sobre a edu-
que da mesma Íorma condenâremos as pinturas e as repre- cação das crianças; depois, se há vantagem em submetê-las
rs sentaçÕes obscenas. Os magistrados zelarão, pois, cuidado- s a uma vigilância comum, ou educá-las em particular na casa
samente, para que nenhuma pintura represente ações desse paterna, como ó uso ainda hoje na maioria dos Estadosl em
gênero, a não ser nos templos dos deuses, para os quais a lei terceiro lugar, qural deve ser essa educaçâ:o.
permite essas indecentes bobices. Além disso, a lei autoriza
os homens de uma idade avançada a fazerem sacrifÍcios a
esses deuses, seja para eles próprios, seja para seus Íilhos e
20 para suas mulheres.
§ 9. ü legislador deve também proibir àqueles que são
demasiado jovens assistirem às representaçÕes satíricas e às
comédias, antes que tenham atingido a idade em que pode-
râo ser admitidos aos repastos comuns e lazer uso do vinho
puro; então a educaçáo os porá ao abrigo desses perigos.
z5 Agora tratamos esse assunto apressadamente, mas insistire-
mos mais adiante para resolver se é preciso interditar absolu-
tarnente todos os espetáculos aos jovens, ou se, depois das
nossas dúvidas, deve-se permitir-lhes qualquer iiberdade, e
como. Ora mencionamos isso apenas por ser coisa necessária.
§ 10. Talvez Teodoro,33e o ator trágico, tivesse razão ern
dizer que jamais permitiria, mesmo a um ator medíocre, apa-

339. Ator célebre. conlemporáneo de Aristóteles


LIvnO OITAVO
Sinopse.' A educaçao dos jovens deve ser ministrada em co-
mum - üiferenÇa efitre as artes liberais e as artes rnecánrcas -
Da literatura, da ginástica, da música e da desenha * A utilida'
de não deve ser o única abjetivo da educaÇãa * üa ginástica e
da música

Capirulo I

§ 1. hlinguém contestará, pcis, que a educaçáo dos jovens


deve ser um dos principais objetos de cuidado por parte dCI
legislador; porque todos os Estados que a desprezaram pre-
judicaram-se grandemente por isso. Com efeito, o sistema
rs político deve ser adaptado a todos os üovernos, e costumes
adequados a cada governo o conservam e mesmo o mantém
sobre uma base sólida. Assim, os costumes democráticos ou
oligárquicos são o mais $eguro fundamento da democracia ou
da oligarquia; e os costumes mais puros dão sempre o me-
lhor governo.
20 § 2. Demais, em toda espécie de taiento ou de arte, há
coisas que é preciso conhecer antecipadamente, e hábitos
que é preciso contrair, para estar em condiçÕes de executar
os trabaihos que exigem; assim é evidente que o me§mo
deve acontecer corn as aÇÕes virtuosas. Mas como existe um
obietivo único para a cidade, segue-se que a educação tam-
bóm deve ser única para todos, adnrinistrada êm comum, ê
não entregue aos particulares, como se faz hoje dirigindo
zs cada qual a educaÇão dos seus filhos, e dando-lhes o gênero
de instruÇão que rnelhor lhe parece. No entanto, aquiio que é
comum a todos deve também ser apreendido em comum' Ao
mesmo tempo, é preciso não imaginar que cada cidadào se
268 Ansrórttes A PoLíflcA 269
EDtPRo Ltvqa atrAva LNRI aiiÁna EaPRa

pertença a si própriCI, e sim que todos os cidadãos pertencem Aliás, há muita di{erença conÍorme o Íim que se tem em vista,
30 à cidade; porque todo indivíduo é membro da cidade, e o aprendendo ou praticando as ciências. Porque, quando o
cuidado que se pÕe em cada parte deve, naturalmente, har- único objetivo ó a utilidade própria, ou dos amigos, nada há
monizar-se com o cuidado que cabe ao todo. zo nisso de mesquinho; mas o próprio trabaiho que se faz para
oulrem parece possuir algo de mercenário e servil. As ciências
§ 3. Quanto a isso. pode-se louvar aos laçedemônios, que
empregam o máximo de atenção na educaçáo §os filhos, e as artes que hoje estão em moda apresentam, pois, essa
exigindo que ela seja administrada em comum. E evidente, dupla tendência, como já Íicou dilo"
pois, que ao legislador cabe ocupar-se da educaÇão, e que § 3. Hoje a educação compreende, geraimente, as seguin-
ela deve ser comum. Nem se pode deixar na ignorância o que 25 tes partes: a gramática, a ginástica Ê a música, a elas se
é a educação, e como é preciso dirigi-la" Porque nâo se está acrescentando, às vezes, o desenho. A gramática e o dese-
de acordo quanto aos Íatos, e já não mais se entende quanto nho são considerados Úteis à vida, e de um uso mÚltiplo. A
às matérias que os jovens devem aprender para chegar à ginástica serve para forrnar a coragem. Quanto à música,
virtude e à vida perÍeita. Náo se sabe bem se convém ocupar- poder-se-ia duvidar da utilidade de ensiná-la' Porque hoje ela
se da inteligência ou das qualidades morais. só é ensinada como arte de recreação. ao passo que antiga-
40 § 4. O sistema atual de educaÇão diÍiculta esse exame; 30 mente fazia parte da educaçáo; pois a própria natureza, comÔ
não se sabe ao certo se se devem ensinar as artes úteis à muitas vezes dissemos, não só procuíâ os rneios de bem
vida, ou os preceitos de virtude, ou a ciência de pura recrea- ernpregar o tempo da atividade, como também de proporcio-
rsszu ção. Todas essas têm os seus partidários, e nada está bem nar nobres distraÇões; porque, digamos mais uma vez, é a
determinado sobre a virtude; os princípios variam sobre a natureza que corneça tudo.
própria essência da virtude, de tal forma que as opiniões di- § 4. Se o trabalho e o repouso são ambos necessários' o
vêrgêm sobre os meios de exercê-la. repouso é, sem dúvida, preferívei ao trabalho, e geralrnente ó
ss preciso procurar o que se deve fazer para aproveitá-lo. Náo
CapÍrulo ll se trata, certamente, de simples prazeres, porque disso se
§ 1. Aliás, náo é difícil perceber que, entre as coisas úteis, deduziria ser para nó§, o prazel, o objetivo da vida. Cra, se é
s é preciso que se esteja a par principalmenie daquelas que impossível que assim seja, ó antes no trabalho que se deve
são de incontestável necessidade, e é igualmente óbvio que procurar distraçân, porque é precisamente quando se está
nem todas devem ser ensinadas, pois muitas há de uso libe- fatigado que se precisa de repouso, e aliás os prazeres foram
ral, outras que não convêm a homens livres. Devem-se, pois, inventados só para descansar. O trabalho acaríeta sempre
ministrar aos jovens apenas os conhecimentos úteis que lhes lo esÍorço e fadiga. Eis por que é preciso, quando se recorre
imponham um gônero de vida sórdida e mecânica? Ora, aos prazeres, espreitar o momento Íavorável para deies Íazer
deve-se considerar como mecânica toda a arte, toda a ciência uso, corno se so se quisesse empregá-los a tÍtulo de remédio'
10 que impossibilita para os exercícios e para a prática da virtu- 1338a O movimento que 0 exercício comunica ao espírito liberta-o e
de o corpo dos homens livres, ou a sua alma ou a sua inteli- descansa-o pelo prazer que lhe proporciona'
gência. Eis por que nós chamamos mecânicas todas as artes § 5. Parece que existe no proprio descanso uma espécie
que alteram as inclinações naturais do corpo, e todos os tra- de prazer, felicidade e enoanto unidos à vida, mâs que se
balhos que são mercenários; porque náo deixam ao pensa- encontram somente nos homens livres de todo trabalho, e
mento nem liberdade, nem dignidade. náo nos que se acharn ocupados' Porque estar ocupado em
15 § 2. Mas nada há de servil em se cultivar certas ciências s algo é trabaihar para um Íim que ainda não se atingiu; e na
liberais, pelo menos até um certo ponto. Só uma aplicaçáo opiniáo de todos os homens. a Íelicidade á o obletivo sobre o
exagerada e a pretensáo de atingir a perfeiçáo nesse gênero qual nos apoiamos senr cuidado, ern pleno prazer. E verdade
podem produzir os inconvenientes que vimos de mencionar. que esse prazer não é o mesmo para todos; cada qual dispÕe
270 Ansróretzs A PaLiTIcA
LtvRo otrAva LIVRÚ affAVo ÉDrPRa

a seu modo e segundo o seu caráter. O homem perfeito con- siná-la? E o que têremos a dizer mais adiante. Tudo Õ que
cebe a Íeliçidade perfeita, compondo-a das virtudes puras" Do ss até aqui dissemos, como preliminar, é que os antigos nos
10 que se depreende claramente que para saber compreender prestaram ô seu testemunho às partes essenciais da educa-
os lazeres da vida liberal, é preciso que se aprendam certas Ção: disso nos dá a música uma provâ evidente. Vê-se ainda
coisas, se desenvolvam, e que esses estudos tenham por Íim que é preciso ensinar aos filhos certas coisas úteis, não só
o próprio indivíduo que goza desse repouso, ao passo que o porque sejam úteis, como a literatura, mas porque proporcio-
trabalho aplicado às coisas necessárias reÍere-se mais parti- 40 nam o meio de adquirir muitos outros conhecimentos.
cularmente aos outros que a nós próprios.
§ 2. O rnesmo se pode dizer do deserrha. Não o estudam
§ 6. E por isso que os antigos não classificaram a música para se assegurar contra erros nas aquisiçÕes particulares, e
entre as matérias da educação, como coisa indispensável, rssau evitar de enganar-se nas compras e vendas de imóveis, mas
1É porquÊ ela não constitui uma necessidade. Nem como coisa para chegar a uma concepção mais delrcada da beleza dos
útil - como a literatura o é para o comércio, para a economia, corpús. Aliás, em ludo só procurar o útil é o que menos üon-
para o Estado e para a maioria dos atos da vida civil, como o vérn a homens livres que têm um espírito elevado. Demons-
desenho que parece útil para um melhor julgamento dos artis- tramos que se devem formar os hábitos nos filhos antes de
20 tas, e finalmente como a ginástica para a saúde e para a for- s formar a sua razão, e o corpo antes do espírito. Disso se de-
Ça * porque não nos pârece que nenhum desses benefícios preende que se lhes deve ensinar a ginástica e a pedotríbi-
provenha da música. Resta. pois, que ela seja útil para as ca:'o' uma, para dar ao corpo graÇa e vigor; outra para edu-
horas de descanso, o que a Íaz ser admitida como parte da cá-lo nos exercÍcios.
educaçáo. Compreendeu-se neste nome aquilo que se consi- § 3. Em nossos dias, no entanto, nos Estados que passam
dera como uma distraçáo dos homens livres. É por esta razão por prestar os maiores cuidados à educaÇão das crianças,
que Homerouoo diz: muitos se empenharn em dar-lhes uma constituiçáa atlética,
"Um daqueles que se convidam paraa festim solene..." assim aviltando as Íorrnas e o desenvolvímento do corpo. Os
lacedemônios, ao contrário, de modo algurn cometeram tal
Ou ainda, citando outros personagens seus, acrescenta
que eles chamam para 0 festim... Íalta, mas à forÇa de acostumar os lovens às fadigas, por ser
esse o meio de dar-lhes uma coragem indómita, fazern-nos
"Um cantor cuja vaz encantará Íodos os hospedes.'3'1 Íerozes. Mas, como temos dito muitas veze§, náo nos deve-
Ou aÍinal que Íaz dizer a Odisseu que a música é a distraçáo mos prender a um só objeto, e, sobretudo, nâo àquele que
mais agradável, quando os homens se entregam ao prazer. tà devemos ter principalmente em vista. Mesmo quando a cora-
a0 "Na palácia, sentados aa redor da esplêndido banquete,
gem militar fosse o principai objetivo, não se pode alcançá-la
por esse meio; porque, nos outros animais, assim como no
Escutam o poeta...".1o2 homem, a coraüem não parece acompanhar os temperamen-
tos mais ferozes, e sinn os mais dóceis.
Capíruro lll § 4. Muitos povos têm o hábito do homicídio e são antro-
§ 1. É incontestável, pois, que existe uma educação que pófagos, como ôs aqueus e os heniocos que habitam âs cos-
deve ser ministrada aos jovens, não por ser útil ou necessá- tas do Ponto Euxino, várias naçÕes do interior que se asse-
ria, mas por ser liberal e digna. Mas, haverá só uma ciência meiham e são ainda mais ferozes; mas esses náo passam de
desse gênero? Haverá mais? Quais sáo? Como se deve en- malfeitores que não conhecern a verdadeira cÕragêm. Sabe-

340. Provavelmente Íalando de aigum músico 343. A ginástica ãcrêscentava à ciência dos exercicios um conhecimenta exato dê
341. Odrsséia, V. v. 385. todâs âs suas propriedades em relaçáo ao vigor e à saúde; a pedotríbica lirnitava-
se aos exercÍcios rnecânicos, cÕmo a natação. a corrida, a dança. () ginasta era
342. Adisséia. lX. v. 7. teórico; o pedotriba prático"
272 Aatsrórercs A POL|TICA 273
ED/PRO -
--- Ltvna orava Lwso otrnvo ED\PR0

2s se ainda que os próprios lacedemônios, enquanto emprega,


§ 3. Já apresentamos certas dúvidas sobre a música; mas é
ram todo o seu tempo nos trabalhos e Íadigas corporais, tive- bom a ela voltar agora, para Íornecer alguns dados aos que
ram superioridade sobre os outros povos, mas hoje estão bem deselarem tratar deste assunto. Com efeito. não é fácil apontar
atrasados em exercícios de ginásio e de üampo de batalha. E ts a inÍluência que ela pode ter, e se é como prazer e descanso
que eles náo deviam a sua superioridade ao seu modo de que deve ser considerada (o que também se poderia dizer do
exercitar os jovens, mas sim ao fato de se baterem contra sono e do uso do vinho puro); porque essas duas coisas em si
inimígos que não se exercitavam. nada têm de grave, mas, como diz Eurípide§,3a4 são agradá-
30 § 5. É preciso, pois, colocar em primeiro lugar a honra. e z0 veis, e ao mesmo tempo acalmam os nos§os pe§arês. Eis por
não a ferocidade. Os lobos e os animais selvagens não arros- que ela se inclui na mesma categoria, e Íaz-se mais ou mênos
iariam um perigo em nome da honra; só o homem de bem o mesmo uso destas lrês coisas - o sono, o vinho e a música,
disso ó capaz. Mas os que esforçam demasiado a criança chegando-se mesmo a acrescentar-lhes a dança.
nesta parte da educação, e a deixam na rgnorância absoluta
das coisas que é preciso saber, só fazem dos seus filhos § 4. Será preciso crer que a música contribua com qual-
quer coisa para a virtude (porque, assim como a ginástica dá
péssirnos artistas, por quererem torná-los úteis à sociedade
ao coÍpo certas qualidades, tambóm a música lraz aa caráter
35 para um só gênero de trabalho; esse mesmo os seus filhos
as certos benefícios, acostumando-o aos prazeres honestos), ou
fazem pior que os outros, como prova a razáa. Não se pode
entâo que ela contribui ao mesmo tempo para o prazer e para
opinar, nesta questáo, pelo que se passava antigamente, mas
pelo que se passa hoje. Ora, hoje há rivais para a educação;
o desenvolvimento do espírito? Porque este é um terceiro
ponto de vista que é preciso acrescentar aos que já indica-
antigamente não.
mos. Vê-se, pois, que náo se deve fazer da instruçáo uma
simples distração, pois que instruir-se não é distrair-se, e o
CnpÍrulo lV estudo vem acompanhado de algum aborrecimento. Não
§ 1. Que se deve Íazer uso da ginástica é um ponto com o so convém mesmo atribuir o prazer à infância como apanágio
+o qual se concorda. Atá a época da adolescência, só se devem seu, nem às idades próximas, pôrque o Íim náo convtám a
empregar exercícios pouco fatigantes, proibindo às crianças nada do que é imperÍeito.
uma alimentaçáo excessiva e todos os trabalhos pesados, a
fim de que nada possa prejudicar o seu crescimento. Existe § 5. Contudo, poder-se-ia julgar que aquilo que paÍa as
133ea ffiê§r1to uma prova bem convincente de que tais inconvenien- crianças é um negocio importante destina-se a diverti-las
tes se produzem: entre os atletas que tomam parte nos jogos quando forem homens, chegados à madureza da idade. É
olímpicos, encontrar-se-iam apenas dois ou três que, após sendo assim, de que vale adquirir a instruÇão para si, ao in-
terem sido proclamados vencedores em sua inÍância, tam- st vés de Íazer como os reis dos persas e dos medos, que sÓ
bém o sejam na idade madura, porque os exercícios violen- participam do prazer e do estudo pelo talento dos outros? É,
tos e os trabalhos pesados, na juventude, Íizeram-lhes per- com eÍeito, é natural que aqueles que sempre se dedicam a
der as Íorças. um só trabalho, elevando-o à altura da arte, nele melhor su-
cedam que os que só lhe consagram o tempo necessário
§ 2. Mas, a partir da puberdade, os jovens se entregarão, para aprendê-lo. §e cada qual precisasse Íazer tais estudos,
durante três anos, a outros estudos, e entâo convirá consa- qo ser-lhe-ia igualmente preciso aprender a arte de temperar as
grar a época seguinte a trabalhos pesados e a um regime
iguarias da sua mesa, o que seria absurdo.
regular de vida; poíque nâo se deve cansar o corpo e a inteli-
gência ao mesmo tempo. Cada um desses dois gêneros de § 6. A mesma objeçáo surge supondo-se quÊ a música
fadiga produz efeitos opostos: a fadiga do corpo é prejudicial 133eb possa melhorar os cÕstumes. Para que estudá-la, ao invés de
ao desenvolvimento do espírito. e a do espírito ao desenvolvi-
mento do corpo.
344. Yer As Bacantes de Eurípides. v. 378-384
ABrsróTELES
EDTPRa Ltvqa offAVa

gozar-lhe Õ verdadêiro prazer e poder julgar escutando ou- náo um prazer qualquer, que a cada passo se encontra. Fro_
tros? E o que se taz na Lacedemônia. Sem conhecer a músi- ss curando-se este último prazer, é ele conÍundido com o outro,
ca, os lacedemônios, diz-se, podem muito bem julgar das porque o fim dos atos particulares tem qualquer relação de
beiezas e imperfeiçôes da harmonia. O mesmo racíocínio semelhança com o Íim geral que se tem em vista. Não é para
s surgirá se se considerar a música como devendo servir de o íuturo que se deve almejar o Íim do que quer que seja, e os
passatempo e clivertimento aos homens livres; por que, pois, prazeres de que falo não se referem a coisa alguma que deva
estudá-la, ao invés de gozar do talento dos outros? estar no Íuturo; ao contrário, referem-se às coisas passadas,
§ 7. Pode-se ainda considerar aqui a concepção que nós como os trabalhos e as penas. poder-se-ia, pois, com acerto,
Íazemos dos deuses: porque os poetas não nos representam presumir que é tal a coisa que faz côm que se espêre encon-
Zeus cantando e tocando lira" Pode-se chegar a dizer que a trar a Íelicidade ern todos os prazerês.
música é r-rrna arte servil, e que para exercê-la é preciso estar 40 § 4. Quanto a saber se é preciso estudar a música não só
ta embriagado ou querer divertir-se" Aliás, talvez tenhamos oca- por ela própria, mas também pela sua utilidade, como um meio
siào de voltar mais adrante a este assuntô. de distração, parece...tot E sempre necessário examinar se
1340a não é apenas um acidente; se â natureza desta arte náo será
CapÍruuo V algo mais importante que o que taz crer o uso do qual vimos de
§ 1.O primeiro ponto é saber se ela deve Íazer parte da Íalar; se, independentemente do prazer geral que eia faz expe_
educação, ou se deve ser excluída, e se é uma ciência, um rimentar, e do qual todos os homens têm o sentimento (porque
prazer, ou uÍT't simples passâtempo. Ora, é com razâo que se há na música um prazer que toca a própria natureza, que se-
lhe dão essas três denominaçoes, e ela parece reunir todas s duz todas as idades, todos os caracteres, e que torna o seu
rs três" Porque o prazer tem por fim o descanso, e todo descan- culto agradável) não se deve considerar a infiuência que era
so é forçosamente agradável, visto que é uma espécie de pode exercer no coração e na alma. E essa inÍruência seria
remédio contra a fadiga produzida pelo trabalho. Admite-se incontestável se Íosse verdade que a música tem o poder de
geralmente que o passatempo deve reunir o honesto ao modiÍicar os nossos gostos à sua vontade.
agradável; porque a Íelicidade se compõe dessas duas con- § 5. Ora, que ela produza tal eÍeito á claramente provado
zn diçÕes, e todos nós concordamos quÊ a música puramente pelas árias melodiosas de muitos músicos, principarmente de
instrumental ou acornpanhada de canto é uma das coisas ro Olimpo"soo Essas árias, da aceitaçâo de todos, despertam o
mais agradáveis. entusiasmo na alma, e o entusiasmo não passa de um movi-
mento especial da alma. Basta, mesmo, para experimentar
§ 2. Museu disse que o nnaior prazer dos mortais é o can- uma viva ernoção à qual ninguém escapa, ouvir repeti_las em
to" E com raeâo, pois, que se admite a música nas reuniões e
nos divertimefltos, pois que ela faz nascer a alegria. Este rs ritmo e sem melodia. Pois que a música é um prazer e a vir_
motivo bastaria por si só para fazer com que os jovens tude consiste em gozar, amar e odiar como mand a a razá.a, á
aprendessem a música. Porque todo o prazer que não preju- claro que o primeiro dos nossos estudos e dos nossos hábi-
dica é conveniente, nâ.o so como objetivo, mas também como tos deve-se julgar serenamente, e só colocar o prazer nas
distração. E já que acontêce muito raramente aos homens sensações honestas e nas ações virtuosas.
atingirem o Íim que se propôem, ao passo que eles muitas
vezes se distraem e têm necessidade de diversões, quando 345. os tradr:tores latinos Íazem aqui uma lacuna; coray ê Thurot mantiveram-na.
rnais náo seja para delas gozar o prazer dum momento, se- ouiros tradutores Íranceses disfarçaram-na com maie ou menos talênto; mas
gue-se que é útil procurar um descanso nos prazeres que a mesmo assim ela náo deixa de existir. Há uma Íatalídade ligada às obras
de Aris-
música proporciona. tóteles sobre a pureza do texto, a ordem gerai das suas ob-ras. a, ,"iÀr, mêsmo
como na Política sobre a disposição das partes de uma mesma obra. Acrescen-
§ S. As vezes, no entanto, os homens tomarn o prazer por temos que Platâo teve um comentador. e gue schneider está bem longe da crítica
objetivo; e, com efeito, há talvez um prazer no objetivo, mas de Stalbaum.
346. Platáo, em A Banquete, dá o mesmo testemunho desse O|impo.
ABI9TÓTELES A POL|TICA 277
276
Ltv$o affAVa Ltvqo aÍAVo EDtPRo
ÉDrPa0

sentimentos da § L E o quê observam com razâo os que se apro{undaram


§ 6. Ora, nada rmita melhor os verdadeiros nessa arte da educaçáo; porque apóiam-se, em seus racioci
almã que o ritmo e a melodia, seja em se tratando da cólera,
da temperanÇa ou das.afeiçoes nios sobre este assunto, no próprio testemunho dos fatos. O
zo da meiguice, da coragem,
mesmo acontece quanto às diversas espécies de ritmos, dos
opostas"edeoutrassensaÇõesdaalma.Aprovadissoestá quais uns exprimem costumes calmos, pacíÍicos, e outros
nos acontecimenlos, pois que a mÚsica desperta em nossa
perturbação e movimento; entre estes, uns marcam movimen-
alma todas essas paixÕes. Quando se tem o hábito de sentir
dor ou prazer. quando surgem coisas que se lhes asseme- ro tos bruscos, outros movimentos mais dignos de um homem
lham, está_se a ponto de eiperimentar os mesmos sentimen-
livre. E incontestável, pois, que a música exerce um poder
2s tôs em presenÇa da realidade' Por exemplo' se um homem moral. E se ela pode ter essa inÍluência, é também evidente
que se deve a ela recorrer, ensinando-a aos jovens.
sente prazer em apreciar o retrato de alguém, só porque esse
retrato representa a forma exterior, Íorçosamente a vista da § 10. A juventude é precisamente a idade própria ao estu-
propria pessoa cuio retrato ele contempla ser-lhe-á agradável" ts do dessa arte; porque é natural que os jovens não suportem
aquilo que nada oferece de agradável. Ora, a música é. por
§ 7. Os objetos que recaern sobre os outros sentidos'
com as aÍei- sua natureza, uma das coisas que em si mesmas trazem o
30 como o tato e o gosto, náo têm analogia alguma agrado. Parece, com efeito, que existe na harmonia e no
da vista
ções morais: os Iróprios obietos q]re são do dornínio ritmo algo de análogo à natureza humana, e é por isso que
iO o* reproduzem aos pÕuco§. E o que Íazem as Íiguras:
e todos muitos ÍilósoÍos pretendem que a alma é uma harmonia, e
despertam-nos pouco a pouco o§ sentimentos os
outros que ela encerra e abraça a harmonia.
homens sáo capazes de experimentar e§se gênero de sensa-
dos costumes' an-
çáo. Essas não são imagens verdadeiras
ies sáo algumas quê §e manifestam pelas figuras' pelas co-
Capíruuo Vl
3s res e pelaã atitudes do corpo, quando ele se agita por qual-
quer paixão. Se se cogita da importância da escolha dos mo-
20 § 1. Será ou não preciso, conforme a dúvida que anterior-
mente emitimos, que os jovens aprendam a música exerci-
delos, não sâo os qrãdtou cle Pauson que os jovens.devem
pintor ou tando-se no canto e tocando eles próprios os instrumentos?
contemplar, mas os de Polignoto"o' ou qualquer outro
Eis a questão que nos resta agora a resolver. Não á diÍícil
estatuário que se aplique a representar os co§tumes"
compreender que a influência da música diÍere bastante, con-
40 § 8. Ao conlrário, a música é a imitaÇão
das aÍeições mo- forme a cultivamos nós próprios, ou náo a cultivamos. Porque
raisl e isso é evidente, porque existem diferenças essenciais zs é diÍícil, ou mesmo impossível, ser bom juiz numa arte
na natureza dos diversos acordes' Aqueles que os Õuvem se quelnão se pratique. Além disso, é preciso que as crianças te-
rsaou impressionam de diferentes modos a cada um dos seus acor- nham uma ocupação, e é justo considerar como sendo uma
os predispÔem à
des: alguns Oesies, .o*o o tom mixolídio'tos bela invençào de Arquitas3ae a matraca que se dá aos meni-
melancãlia e a serrtinrentos concentrados: outros inspiram nos a fim de que, enquanto dela se sirvam, nada quebrem em
voluptuosidade e abandono como os tons moderados' Uma 30 casa; as crianças não podem Íicar um só instante em repou-
outra harmonia intermédia traz à alma paz e repouso; é só o so. A matraca é, pois, um brinquedo que convóm aos pequêr-
tom dÓrico que produz esse eÍeito, ao passo que o Írígio exci- ruchos, mas a instrução é o brinquedo daqueles que são mais
s ta o entusiasmo. idosos. Deve-se, pois, ensinar a música aos jovens, e obrigá-
los a cultivá-la eles próprios.

400 anos a C'' pouco


347 Polignoto de Tarsos e Pauson rle EÍeso viveranr cerca de 'Poligr.toto' enl
t.rÉo unt*r de Aristoteles. Na sua Paética. c. ll. diz Aristóteles:
natureza' Pauson ficava por baixo' e Dionísio 349. ArquÍtas, de Tarento, ÍilósoÍo da escola de Pitágoras, ficou célebre pelo seu gênio
suas imagens, alçava-se acima da para as matemáticas e pelas suas invençÕes na ade mecânica. Floresceu peio
''
Íazia as suas semelhantes à natureza
ano 440 a.C.
348 üstrêstonsÍundamentaiseramolidio,omixolídioeohiperlídio'
278 ABrsróÍErEs A PoLiflcA 279
Eptpso Ltvqo otrAvo EoPaa

§ 2. trlao é difícil determinar o que convám às diversas deve ser empregada quando os espetáculos têm mais por
sr idades, e acabar com as objeçÕes daqueles que pretendem objetivo corrigir que instruir. Acrescentemos que o emprego
que esse gênero de estudo tem qualquer coisa de vil e de da Ílauta tem algo de contrário à necessidade de instruçáo e
mecânico. Em primeiro lugar, pois que é preciso, para bem zs impossibilita o uso da palavra. E por isso que os nossos an-
julgar uma arte, a ela se estar aÍeito, deve-se praticá-ia ao tepassados proibiram o seu uso aos jovens e aos homens
menos durante a juventude, podendo-se renunciar mais tarde livres, embora de começo o tivessem admitido.
40 a esse trabalho. Ê entao se poderá apreciar a grandeza dessa § 6. Após terem adquirido o descanso pela abastança e
arte e dela gozar graças ao conhecimento que se terá pela prosperidade, animados do mais generôso ardor pela
adquirido na juventude. eo virtude, orgulhosos de suas proezas antes e depois da guerra
§ 3. Quanto à censura, que fazem alguns à música, de ser médica, entregaram-se a todos os gôneros de conhecimen-
uma ocupação baixa e servil, é Íácil refutá-la, considerando tos. sem distinÇào, a nenhum querendo desprezar: foi isso
até que ponto convém se ocupar da prática dessa arte, aos que os levou a elevar a arte de tocar flauta à altura de verda-
1341â homens cuja ocupação tem por Íim a virtude política, quais os deira ciência. Também se viu em LacedemÔnia um magistra-
acordes e ritmos que devem estudar, e que instrumentos lhes do tocador de flauta, e logo esse gosto se espalhou de tal
convêm aprender a tocar. Porque há provavelmente algunras ss Íorma em Atenas que g maioria dos homens livres procurava
diferenças a considerar aqui, e nisso é que se encontra a adquirir esse talento. E o que se depreende do quadro que
resposta à censura da qual acabamos de falar. Nada impede, Trasipos consagrou aos deuses, quando Íez os afrescos do
com efeito, que a música tenha cêrtos tons próprios a produ- coro dirigido pelo poeta EcÍantidos."u
s zirem 0s excessos mencionados. § 7. Mas depois renunciou-se a essa arte, quando a pró-
§ 4. Tarnbém se compreende que é preciso que o estudo pria experiência ensinou a melhor distinguir o que tende para
da música em nada possa prejudicar as coisas que se tiver a virtude, e o que para ela nâo tem tendência alguma. Aboliu-
de Íazer em seguida, nem aviltar o corpo, tornando-o incapaz se também um grande número de instrumentos que antiga-
de suportar as fadigas da guerra, ou impróprio para as Íun- 40 mente se usavam, e todos os que exigem um prolongado
ÇÕes civis; ela não deve ser a princípio um obstáculo à prática
exercício da máo.
das forças do corpo, mais tarde aos trabalhos do espÍrito. 1341b § 8. Não sem razáo imaginaram os antigos uma fábula a
to Ora, é ao que se chegará, se nâo se procura preparar-se respeito da flauta. Contam que Atena, que a inventara, não
parâ âs competições solenes entre os músicos, ou para reali' tardou a pô-la de lado. Sem dúvida náo será deselegante
zar esses esforços que admiram e que são uma espécie de dizer também que foi movida pela cólera que agiu a deusa,
inutilidade; prodíEios que foram introduzidos nos concursos, e s porque esse instrumento deforma a fisionomia. No entanto, é
depois passaram à educação" E preciso, no entanto, nela mais verossímil que tal se desse porque o estudo da flauta
estar exercitado, pelo menos o suficiente para sentir prazer em nada çontribui para o aperÍeiçoamento da inteligência.
1s nos cantos e ritmos que têm uma beleza real, e não sornente Ora, acredita-se geralmente quê Atena preside as ciências e
na música eomum e vulgar, que agrada até mesmo a certos as artes.
animais e à multidão dos escravos e das crianças.
§ 5. Claramente se compreende quais sâo os instrumen- Gapírulo Vll
tos dos quais se deve fazer uso. Não se deve introduzir na
educaçáo as flautas e os instrumentos feitos com arte, como § 1. Não aprovamos, pois, em matéria de instrumentos e
ro de execução musical, a perÍeiçáo que vai até a arte, e que é
a cítara, e outros do mesmo gênero, mas apênas aqueles que
tal como a constatamos nos concursos solenes. Aquele que a
eo farão dos jovens ouvintes inteligentes a tudo o que se refere à
educaÇão musical e aos outros ramos dessa arte. Aliás, a
Ílauta não é adequada a operar sobre as afeiçÕes morais. Só
350. Um dos poetas que se chamavam, entre os grêgos. da antiga comédia.
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28A Antsrórrtgs A POLincA 281


EDtPRo tiino atrntto LIVRO OITAVO ED/PBA

procura não trabalha para §s aperÍeiÇoar em virtude, mas os que são próprios a despertar o entusiasmo, quando execu-
para o gozo dos que o escutam, e por prazer grosseiro e vul- s tados nos instrumentos por outras pessoas.
gar. E por isso que um tal ialento não nos parece convir a
homens livres, mas ântes a mercenários, certâmente ele só § 5. Esta maneira de impressionar-se. tão viva e proÍunda
ts Íorma artesãos; porque a intençáo é má, e dela eies fazem em certas pessoas, existe no fundo de todos os homens; só
um objetivo. O espectador ignorante e grosseiro tem o hábito difere pelo mais ou pelo menos. Por exemplo, a piedade, o
de transformar a rnúsica a tal ponto que atribui aos artistas medo e também o entusiasmo. Com efeito, indivíduos exis-
quê se lhe exibem um caráter particular, e mesmo deÍorma os tem que são particularmenie inclinados a estas espécies de
sêus corpôs pelos movimentos iorçados que o jogo dos ins- movimentos da alma; são os que se tornam calmos e absor-
trumentos exige. tos sob a influência das melodias sagradas, quando escutam
10 uma música que lhes perturba a alma: dir-se-ia que encon-
§ 2. Trata-se agora de examinar, em matéria de harmonias tram o remédio que poderia purificá-la.
to e ritmos, se todas as harmonias e ritmos devem ser usados na
educaçáo, ou se existe alguma distinçáo a estabelecer; depois, § 6. Os homens predispostos à piedade, ao medo ê, em
se se deve admitir, para os que trabalham na arte musical, a geral, às paixões violentas, devem forçosamente experimen-
divisão em dois gêneros, ou se nào se deve admitir um lercei- tar o mesmo eÍeito; e também os outros, conÍorme a sua dis-
posição particular com respeito às paixÕes; todos devem ex-
ro. Sabe-se que a música, geralmente, se compõe de melo-
péias e ritmos; mas nâo se deve ignorar o eÍeito de cada uma perimentar uma espócie de purificação e alÍvio acompanhada
zs dessas coisas em relaçáo à educação. Nem se deve preferir a rs de uma sensação de prazer. E assim que os cantos que purr-
música perfeita à melopéia, ou ao ritmo.
ficam as paixões dão aos homens uma alegria ingênua e
pura, e, por esta razã,o, é com tais harmonias e cantos que os
§ 3. t.lo entanto, pois que reconhecemos já ter sido o as- artistas que executam a música de teatro devem agir sobre a
sunto tratado com sucesso por alguns sábios músicos de alma dos ouvintes.
proÍissâo, e por filósofos possuidores de um conhecimento
suficiente de música, dizemos que consultem suas obras § 7. No entanto, havendo duas espécies de espectadores,
aa aqueles que queiram detalhes exatos e completos sobre esta uns homens livres e bem educados, outros grosseiros, arte-
matéria, e nos iimitamos, no momento, a algumas considera- 20 sãos, mercenários e semelhantes, e preciso também conce-
ções fundamentais muito sumárias.
der a esses últimos diversÕes e representaçÕes próprias a
distraí-los. Do mesmo modo que as suas almas são desvia-
§ 4. De resto, aceitando a divisáo dos cantos adotada por das da via natural, assim as suas harmonias se afastam das
alguns filósofos, em cantos morais, práticos, próprios a des- regras da arie; os seus cantos têm uma rusticidade forçada e
as pertarem o entusiasmo, e admitindo ainda urna harmonia as uma cor Íalsa. Cada qual_só encontra prazer naquilo que se
especial a cada um deles, de modo que cada parte admita adapta à sua natureza. É preciso, pois, conceder aos que
naturalmente um gênero próprio de harmonia, diremos que o exibem a sua arte a tais ouvintes, a liberdade de fazer uso
uso da nnúsica não se limita a um só gênero de utilidade, e desses gêneros de música. Mas na educaçâo, como já foi
que, antês, ela deve ter vários" Com efeito, ela pode servir à dito, só se devem servir de cantos morais e harmonias con-
instruçào, à purificação (em nossos tratados sobre a Poática venientes.
to explicaremos o que entendemos por êsse termo que aqui
empíegamos de um modo geral); finalmente, ao prazer, como § 8. Tal é a harmonia dórica, como já falamos; a ela é pre-
meio de distração e repouso após uma atenção prolongada. ciso acrescentar qualquer outra espécre de harmonia que
1342a Disso resulta claramente que se deve Íazer uso de todas as tenha a aprovação dos ÍilósoÍos que trataram deste assunto e
espécies de harmonias, mas náo de um só modo em todos os que meditaram sobre a parte da educação que se refere à
câsos. Ao contrário, é preciso Íazer servir os cantos morais à músrca. É erradamente que Sócrates, na Repúbtica de pla-
instrução, mas limitar-se àqueles que se chamam práticos, e táo, só permite a união da harmonia ÍrÍgia à dórica, e isso
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LtvR? 1rrAva Ltvgo otrAvo Ec,IPRa

após proibir o uso da flauta; porque a harmonia frigia produz que eles têm o característico da embriaguez. Longe de seme-
o mesmo eÍeito, entre as harmonias que a flauta entre os lhar à embriaguez e ao entusiasmo báquico que ela desperta,
instrumentos; ambas despertam as paixôes e produzem o esses cantos são antes a expressão da Íraqueza da idade.
entusiasmo. Resulta disso que é bom, mesmÕ no interesse do futuro e da
velhice que caminha. estudar essas harmonias e cantos. Po-
§ 9. Â poesia no-lo comprova: porque todos os canlos so der-se-ia ainda acrescentar-lhe qualquer outro tom semelhan-
consagrados a Baco e todos os movimentos desta espócie
sáo mais acompanhados de flauta que de qualquer outro te que conviesse à inÍância. como podendo por sua vez ins-
instrumento; mas é nüs cantos adaptados à harmonia ÍrÍgia truí-la e inspirar-lhe o sentimento de decência; o tom lídio tem
que eles tomam o característico que lhes convém especial- esse duplo merito, mais que todas as outras harmonias. As-
mente; por exernplo, no ditirambo, que todo o mundo conside- sim, há três coisas a observar em relaçáo à educação: o meio
ra uma invenção frígia, aqueles que têm um conhecimentçl termo, a possibilidade e a conveniência.
aprofundado desse gênero de poesia citam um grande núme-
ro de exemplos que vêm corroborar esta asserção, êntre ou-
tros o de Filoxênio,"' qr" tendo se resolvido a fazer um diti-
rambo cujo tema eram as Fábulas, e tendo-o começado no
tom dórico, não pôde acabá-lo assim, mas viu-se forçado.
peia própria natureza da sua composiçáo, a recair na harmo-
nia f rígia, que se adapta a esse gênero de poesia.
§ '10. Quanto à harmonia dórica, concorda-se unanime-
mente em reconhecer-lhe um caráter de gravidade sustenida
e de energia varonil: mas, por outro lado, como nós aprova-
t5 mos pr"incípalmente o que medeia entre duas espécies opos-
tas; como e, ern nossa opiniâo, esse meio termo que se deve
procurar sêgurâr. que tal é exatamente a relação em que se
encontra a harmonia dórica com as outras harmonias, segue-
se evidenterxentê que os cantos dóricos são os que se deve
ensinar aos lovens" No entanto, há dois obletivos que se deve
ter em vista - o possível e o conveniente - porque, com efei-
to, deve-se procurar de preÍerência aquilo que é possível e
conveniente para cada indivíduo. Ora, essas duas condiçÕes
sâo determinadas pela idade. Por exemplo, é bem diÍícil a
homens cujas Íorças estejam gastas pelo tempo executar
cantos sustenidos e que exigem um certo vigor. Ao contrário,
a própria natureza sLrgere às pessoas dessa idade cantos
que tenham uma espécie de suavidade e doçura.
§ 11. Eis por que muitos daqueles que se ocupam da mú-
sica censuram a Sócrates o fato deste desaprovar, na educa-
ção, o emprego dos cantos desta espécie, sob o pretexto de

351. Poeta ditirâmbiço do qLrarro século a.C.. nasceu êm Cítera e viveu muito tempo
na code de Dionísio. Morreu em EÍeso cerca de 380.

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