Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2647
Gestão de Instituições de Ensino: o ensino
superior privado e os novos parâmetros de
perenidade
Management education institutions:
private higher education and new parameters
longevity
Resumo
As mudanças socioambientais ocorridas na contemporaneidade aca-
Leonardo Humberto Soares1
baram por infligir às Instituições de Ensino Superior (IES) privadas trans-
formações profundas em suas estratégias de ação. Mudanças políticas, eco-
nômicas e culturais, tecnologia, mercados competitivos e predatórios, corpo
discente heterogêneo e com expectativas elevadas, preocupações relaciona-
das à qualidade do ensino, custos operacionais e inadimplência são alguns
dos quesitos que o gestor educacional deve tratar para manter a instituição
funcionando. Todavia, muitos gestores e, consequentemente, muitas IES não
se adaptaram a essa realidade e se deixaram abater pelas mudanças que ocor-
reram. Vários indicadores preconizam que o fim último dessas instituições
será o colapso de sua estrutura. Baseando-se nestas questões, o presente en-
saio tem o objetivo de fomentar a reflexão sobre os novos paradigmas que se
apresentam para o ensino superior privado e a necessidade da profissionali-
zação dos processos administrativos frente às novas demandas do mercado.
Abstract
The socio-environmental changes occured in the society ultimate-
ly have inflict in the Private Higher Education Institutions (IES) strategies.
Predatory and competitive markets, heterogeneous student faculty and with
high expectations, the education quality, operating costs and payment ab-
sence are some of the questions that the manager should deal with to keep
Doutorando em Educação pela Universida-
1 the institution running. However, many managers have not adapted to this
de Católica de Brasília (UCB) e atua na área reality and is no longer drag these changes. Inevitably these institutions will
de concentração de “Ensino-Aprendizagem”,
tendo como foco de pesquisa as seguintes di- collapse. Based on these issues, this article aims to the reflection on the new
mensões: Tecnologias Digitais Virtuais (TDV); paradigms that are presented to the private higher education and the need for
educação online; transdiciplinaridade; comple-
professionalisation of administrative proceedings towards new demands of
xidade e autopoiese; formação docente; e parâ-
metros éticos e morais em procedimentos de the educational market.
pesquisa baseados em ambientes virtuais. Pos-
sui Mestrado em Educação pela Universidade Keywords: Private Higher Education. University Management. Strategic
Católica de Brasília (UCB), pós-graduação lato Planning.
sensu em Educação a Distância (UCB), Gestão
Empresarial (UniCEUB) e Desenvolvimento de
Software Livre (UCB). É graduado em História
pelo UniCEUB e possui formação técnica em
análise de sistemas.
Leonardo Humberto Soares
Gráfico 2 - Título do gráfico vada pode desconsiderar o seu equilíbrio econômico, sob
pena de encerramento de suas atividades. Assim, além
da preocupação contínua com a melhoria do processo de
ensino-aprendizagem que margeia todas as ações das IES,
estas deverão verificar questões relacionadas com evasão
discente, inadimplência, trancamentos, cancelamentos de
matrícula, lucratividade e custos operacionais. (ANDRA-
DE, 2005).
ção séria em se voltar para o público consumidor de seus uma visão de supervalorização das funções internas da
serviços. organização, sem uma correta compreensão do impacto
das variáveis externas e de suas implicações na tomada
Entretanto, a literatura apresenta que há um víncu-
de decisão. Este fato pode caracterizar indevidamente a
lo entre o discente (no processo de ensino-aprendizagem)
instituição de ensino como um ambiente autossuficien-
e as questões administrativas. Entende-se que o perfil do
te, evidenciando tendências claramente mecanicistas que
egresso deve condizer com as habilidades e competências
destoam dos novos paradigmas emergentes.
exigidas pela sociedade e pelo mercado. Nesse processo,
Não há mais como negar que o meio ambiente
os atores educacionais assumem determinados papéis
externo é uma variável importante e determi-
institucionais, como o aluno ingressante, o professor for- nante das funções da direção porque, se a mes-
necedor (insumo), a instituição como transformadora, e ma não estiver atenta às mudanças contínuas
e dinâmicas que ocorrem na sociedade, não
o aluno (como profissional formado) caracterizando o poderá exercer com dinamismo, adequação e
sistema aberto e sistêmico (professor/aluno/mercado). criatividade as funções que lhe são pertinentes.
Dentro deste contexto, pode-se entender por produto o (SILVA, 2001, p. 59).
aluno formado pela IES, e como cliente a organização O dinamismo, adequabilidade e criatividade de
empregadora do profissional (ou egresso) formado. Os que Silva (2001) comenta sugerem um perfil para o gestor.
alunos assumiriam também a categoria de clientes inter- Segundo pesquisa realizada pela empresa CM Consulto-
mediários (TACHIZAWA; ANDRADE, 1999, p. 64-68). ria, especializada em gestão de ensino superior, o gestor
Quanto maior for a empregabilidade que a insti- de IES privada (no que tange ao cenário brasileiro), seja
tuição de ensino gerar, maior será o seu ingresso. Logo, diretor ou reitor, possui um perfil específico: homem, a
as habilidades e competências do egresso podem ser uti- partir de 48 anos, com mais de 10 anos de casa e cerca
lizadas como perfil de qualidade. O egresso acaba con- de 20 anos de carreira, com formação exclusivamente em
tribuindo com o reabastecimento (feedback) do plano universidades brasileiras. A pesquisa demonstra ainda
que, em sua maioria, os gestores não possuem ligação fa-
estratégico, permitindo que este se adapte para continuar
miliar (65,5%) com a organização, sendo que 15,5% são
no mercado de forma a criar condições para que a IES
fundadores e 19% vêm da família dos donos. Esta pes-
agregue valores transformadores, pois aquele insumo que
quisa de mercado demonstra também que a formação do
chegou em forma bruta e passou pelo processo de ensino-
profissional de gestão educacional ainda é genérica.
aprendizagem retornou ao cliente (empresa empregado-
ra) e criou condições de retroalimentar a IES. Andrade (2005) afirma que a maioria das IES tem
a sua origem na estrutura familiar, filantrópica ou confes-
Compreendendo essa dinâmica, fica claro o papel
sional, sendo que é comum a administração ser realizada
do gestor educacional: unir os interesses do discente aos
por gestores oriundos da docência ou de áreas afins e que,
interesses do projeto pedagógico, que, por sua vez, segue
Universitas Gestão e TI, v. 3, n. 2, p. 79-87, jul./dez. 2013
Em consonância com essas diretrizes, Rocha e nos e culturais. Destarte, percebe-se, além das caracterís-
Granemann (2003) complementam que a gestão deve ser ticas já mencionadas, a exigência de três habilidades fun-
suficientemente participativa, viabilizando um processo damentais para a gestão educacional (SILVA, 2001, p. 61):
de compartilhamento de conhecimentos entre todos os
i. Técnica: compreensão e proficiência em
envolvidos a fim de se possibilitar o processo criativo,
métodos, processos, procedimentos e
mas rígido o suficiente para que os objetivos e estratégias
técnicas de educação, assim como co-
institucionais sejam seguidos.
nhecimentos específicos em finanças,
Para Marcovitch (1998), não existe necessaria- contabilidade, organização de horários,
mentos cotidianos esterilizem a capacidade intelectual cado altamente volátil, com rápidas transformações e de
dos dirigentes, devido ao seu afastamento do processo formato predatório.
criativo acadêmico. Para tanto, o gestor também deve se Entendemos que as IES privadas que despreza-
inserir em um processo de formação continuada a fim de rem os modernos princípios gerenciais tende-
rão a operar no vermelho, podendo culminar
ampliar o seu instrumental administrativo. Para Tachiza- na bancarrota. Incluem-se aí as IES comunitá-
wa e Andrade (1999, p. 231): rias, que, entre outras funções, não exigem re-
tornos acima do custo de capital, mas perma-
A análise do cargo determina os tipo de habi- necem com a obrigação de entregar caixa para
lidades, conhecimentos, atitudes e comporta- financiar, principalmente, projetos de cunho
mento, bem como as características de perso- social. (ROCHA; GRANEMANN, 2003, p. 13).
nalidade requeridas para o desempenho eficaz
das atividades inerentes ao posto de trabalho. Logo, o planejamento faz parte das IES tanto no
Dessa forma, é possível identificar necessidades
de treinamento pela simples comparação entre que tange ao seu fim último (formar), quanto ao seu meio
os requisitos exigidos pelo cargo e as habilida- (estrutura necessária para formar). Entretanto, percebe-
des atuais de quem o exerce, representadas pela se certa dificuldade por parte das instituições de ensino
discrepância eventualmente apresentada.
em efetivar um modelo adequado de planejamento.
Contudo, em todas as situações, o gestor deve es-
Além dos fatores já comentados a respeito do ges-
tar bem assessorado por um staff de alto nível, que assu-
tor educacional, o próprio conceito de “planejamento”
ma parte das tarefas administrativas e o auxilie no enten-
pode apresentar algumas dificuldades em seu entendi-
dimento do “como” e “onde” realizar mudanças significa-
mento devido à amplitude e à abrangência que possui.
tivas sem causar grandes impactos na cultura organiza-
cional, ao mesmo tempo em que o libere para exercer o Alguns autores, como Oliveira (1999), argumen-
processo de criação e inovação. (MARCOVITCH, 1998). tam sobre o risco de se confundir planejamento com
outros conceitos semelhantes, como previsão, projeção,
predição, resolução de problemas ou plano. Para Olivei-
4 O planejamento estratégico e a perenidade ra (1999), previsão diz respeito à tentativa de verificar os
da IES eventos futuros com base em variáveis probabilísticas.
Projeção compreende a dimensão em que o futuro tende
Quando se trata de planejamento em instituições
a ser, em sua estrutura básica, igual ao passado. Predição
de ensino, faz-se necessário ponderar algumas questões
se caracteriza pela mudança do cenário futuro em rela-
fundamentais. Inicialmente, é necessário entender que a
ção ao passado, mas sem nenhum controle processual por
educação, como resultado de um processo cultural, não
parte da organização. Resolução de problemas vincula-
se limita a um pretenso determinismo.
-se somente a aspectos imediatos de correção ou ajustes
O destino do viver faz parte da própria natu-
reza, isto é, ele é determinado e dado pela na-
pertinentes a variáveis externas e que são potencialmente
Universitas Gestão e TI, v. 3, n. 2, p. 79-87, jul./dez. 2013
tureza. Porém, o destino de como viver não relevantes para a organização. Plano corresponde a uma
é determinação exclusiva da natureza, mas, visão estática do planejamento, como uma documenta-
essencialmente, do homem. (MENEGOLLA,
SANT’ANNA, 2005, p. 23). ção formal do processo. Baseando-se nessas premissas,
Oliveira (1999, p. 35) entende que o processo de planejar
Essa afirmativa abre a discussão sobre o papel
é “[...] um modo de pensar; e um salutar modo de pen-
transformador da educação. Como processo que ten-
sar envolve indagações; e indagações envolvem questio-
de a aperfeiçoar a sociedade e o saber, por exigência
namentos sobre o que fazer, como, quando, quanto, para
de sua própria essência, a educação se projeta natural-
quem, por que, por quem e onde”.
mente para um cenário além do passado e do presen-
te. Não faz parte de sua estrutura a simples manutenção Corroborando com esse entendimento, Tavares
de um status quo pré-definido. Logo, este processo de (2000, p. 146) conceitua planejamento como sendo o:
formação pode e deve ser planejado. (MENEGOLLA, Conjunto previamente ordenado de ações com
o fim de se alcançar posições futuras desejadas.
SANT’ANNA, 2005). Compreende o envolvimento de pessoas, a alo-
cação de recursos e procedimentos de controle
Soma-se a isso a preocupação em se manter a es- e avaliação necessários para estimar a efetivida-
84 trutura de uma instituição educacional frente a um mer- de das ações em relação ao que foi estabelecido.
Gestão de Instituições de Ensino: o ensino superior privado e os novos parâmetros de perenidade
Pode-se compreender então o planejamento es- de critérios e princípios de avaliação para mensurar os
tratégico como a construção de um conjunto de ações processos, prazos e etapas de sua execução.
tomadas pelo gestor de forma que o futuro tenda a ser A crise que as IES privadas devem enfrentar é jus-
diferente do passado, mas de maneira que a organização tamente a dificuldade de se chegar a essa etapa de maturi-
tenha condições de agir sobre as variáveis e fatores exter- dade. Segundo Sobrenome Neto (2003, p.17), em relação
nos e internos. (OLIVEIRA, 1999). à gestão das IES, pode-se perceber o seguinte:
Dessa forma, discorrer sobre planejamento estra- Gasta-se energia desnecessariamente. Cami-
nhos são abandonados e retomados de modo
tégico leva a antecipar decisões. Coordenar ações, apro- errático ou sem fundamentação. É necessário
veitar oportunidades e neutralizar ameaças fazem parte saber os para quês e os propósitos das ações e
não apenas o como fazer as coisas. É preciso “ter
das ações necessárias ao processo de maturação das or- os pés no chão, mas [...] o olhar nas estrelas”.
ganizações.
Uma importante movimentação para desconstruir
Essa maturação exige um profundo conhecimento essa crise se apresenta a partir do entendimento de que o
sobre a realidade, emergência, necessidade e tendências conjunto de ações referentes ao planejamento estratégico
organizacionais. Requer uma clara definição dos objeti- está diluído nos próprios níveis hierárquicos da organização
vos institucionais e os meios possíveis, viáveis e disponí- (estratégico, tático e operacional). A figura a seguir apresen-
veis para alcançá-los. E exige também o estabelecimento ta as características básicas do planejamento em cada nível:
Nível Operacional
As IES tradicionais geralmente aplicam de manei- Como prejuízo, as IES não conseguem se adaptar
ra mais efetiva o planejamento tático. As ações orientadas à dinâmica de um mercado que se apresenta altamente
somente neste processo acabam por se tornar tentativas competitivo. Isso porque o planejamento tático se mostra
ineficientes e, na maioria das vezes, onerosas de se re- efetivo especificamente nos processos internos da orga-
solver problemas emergenciais da organização. Segundo nização.
Sobrenome Neto (2003), este caso se converge ao fenô- Como resultado deste quadro, tem-se uma fragili-
meno conhecido como “desconto psicológico do tempo”, zação das decisões do gestor perante as oscilações do ma-
em que se verifica uma atenção demasiada aos eventos de croambiente. Somente com a conscientização e aplicação
curto prazo seguidos de uma desvalorização nos eventos do planejamento em nível estratégico (e, evidentemente,
de longo prazo, o que impede justamente a criação de ce- o acompanhamento e adequação dos demais níveis da
nários futuros. estrutura organizacional), pode-se desenvolver rotinas, 85
Leonardo Humberto Soares
O planejamento estratégico irá se alterar de acor- As instituições de ensino de maior porte e aque-
do com o posicionamento da gestão estratégica e ambos las que iniciaram a sua concepção já ponderando sobre a
irão constituir um plano estratégico que será efetivado qualidade administrativa necessária começaram a perce-
pelo nível tático e operacional. ber as ameaças e se mobilizam em função da profissiona-
lização de sua gestão e de seu staff.
Esse formato estabelece um modelo de gestão sis-
têmico e metodológico para garantir a implementação Todavia, esses casos ainda se mostram minoria.
das estratégias institucionais, o que envolve não somente Grande parte das IES estabelecidas e advindas da onda de
os gestores, como também todo o quadro técnico da or- crescimento verificado nos últimos quinze anos ainda se
encontra atrelada a processos arcaicos e ineficientes, que
ganização. Isto porque se entende que este último conhe-
oneram demasiadamente a instituição e não retornam re-
ce a realidade dos diferentes níveis da instituição e ajuda
sultados satisfatórios.
na diminuição do tempo necessário para construir as
atividades de planejamento estratégico. (TACHIZAWA; Os indicadores que se evidenciam levam a crer
86 ANDRADE, 1999, p. 83). que a continuidade deste tipo de organização não ocor-
Gestão de Instituições de Ensino: o ensino superior privado e os novos parâmetros de perenidade
rerá. Ao mesmo tempo em que o mercado dá indícios COELHO JUNIOR, Carlos Pessoa. Gestão estratégica
de uma retração futura devido à expansão má planejada para Instituições de Ensino. Belo Horizonte: Advice
Treinamento Empresarial Ltda, 2002.
do ensino superior, os órgãos reguladores governamen-
tais estabelecem políticas e diretrizes seguindo critérios DRUCKER, Peter Ferdinand. Inovação e espírito
qualitativos próprios e que tendem a beneficiar o ensino empreendedor (entrepreneurship): prática e princípios.
superior público em detrimento da iniciativa privada. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002.
As IES são avaliadas pelo governo, pelo mercado ROSEMBERG, Marc J. E-learning: estratégias para a
e pelo aluno. Nessas condições, sobra pouco espaço para transmissão de conhecimento na Era Digital. São Paulo:
ações pautadas simplesmente na intuição. Cabe aos ges- Makron Books, 2002.
tores educacionais internalizarem as mudanças de para-
SILVA, Maria Aparecida Monteiro. Administração
digmas que se seguem e buscarem a coragem e prepara- Escolar no Brasil: teoria e Prática. Educere – Revista da
ção para realizarem as ações e alternativas que viabilizem Educação, Toledo (Paraná), v.1, n.1, página inicial-final,
a continuidade das IES. jan./jun. 2001.
87
Para publicar na revista Universitas Gestão e TI,
entre no endereço eletrônico
www.publicacoesacademicas.uniceub.br.
Observe as normas de publicação, facilitando e agilizando o trabalho de edição.