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doi: 10.5102/un.gti.v3i2.

2647
Gestão de Instituições de Ensino: o ensino
superior privado e os novos parâmetros de
perenidade
Management education institutions:
private higher education and new parameters
longevity

Resumo
As mudanças socioambientais ocorridas na contemporaneidade aca-
Leonardo Humberto Soares1
baram por infligir às Instituições de Ensino Superior (IES) privadas trans-
formações profundas em suas estratégias de ação. Mudanças políticas, eco-
nômicas e culturais, tecnologia, mercados competitivos e predatórios, corpo
discente heterogêneo e com expectativas elevadas, preocupações relaciona-
das à qualidade do ensino, custos operacionais e inadimplência são alguns
dos quesitos que o gestor educacional deve tratar para manter a instituição
funcionando. Todavia, muitos gestores e, consequentemente, muitas IES não
se adaptaram a essa realidade e se deixaram abater pelas mudanças que ocor-
reram. Vários indicadores preconizam que o fim último dessas instituições
será o colapso de sua estrutura. Baseando-se nestas questões, o presente en-
saio tem o objetivo de fomentar a reflexão sobre os novos paradigmas que se
apresentam para o ensino superior privado e a necessidade da profissionali-
zação dos processos administrativos frente às novas demandas do mercado.

Palavras-chave: Ensino Superior Privado. Gestão Universitária. Planejamen-


to Estratégico.

Abstract
The socio-environmental changes occured in the society ultimate-
ly have inflict in the Private Higher Education Institutions (IES) strategies.
Predatory and competitive markets, heterogeneous student faculty and with
high expectations, the education quality, operating costs and payment ab-
sence are some of the questions that the manager should deal with to keep
Doutorando em Educação pela Universida-
1 the institution running. However, many managers have not adapted to this
de Católica de Brasília (UCB) e atua na área reality and is no longer drag these changes. Inevitably these institutions will
de concentração de “Ensino-Aprendizagem”,
tendo como foco de pesquisa as seguintes di- collapse. Based on these issues, this article aims to the reflection on the new
mensões: Tecnologias Digitais Virtuais (TDV); paradigms that are presented to the private higher education and the need for
educação online; transdiciplinaridade; comple-
professionalisation of administrative proceedings towards new demands of
xidade e autopoiese; formação docente; e parâ-
metros éticos e morais em procedimentos de the educational market.
pesquisa baseados em ambientes virtuais. Pos-
sui Mestrado em Educação pela Universidade Keywords: Private Higher Education. University Management. Strategic
Católica de Brasília (UCB), pós-graduação lato Planning.
sensu em Educação a Distância (UCB), Gestão
Empresarial (UniCEUB) e Desenvolvimento de
Software Livre (UCB). É graduado em História
pelo UniCEUB e possui formação técnica em
análise de sistemas.
Leonardo Humberto Soares

1 Educação e contemporaneidade: novos para- formação, a uma velocidade extremamente elevada e em


digmas um contexto em que o quesito espaço/tempo não mais in-
No contexto da pós-modernidade, fica evidente viabiliza a sua transformação e repasse. (ROSEMBERG,
o papel transformador da educação na sociedade. Se em 2002, p. 3).
um passado recente, o egresso2 empunhando um diploma Percebe-se que o ato de ensinar (e de aprender)
universitário ocupava seu lugar a partir das prerrogativas constituiu-se em um nicho de mercado que define uma
legais que lhe eram dadas, pautando-se em parâmetros dimensão relevante enquanto possibilidades de negócio.
recebidos em seu aprendizado formal, hoje, verifica-se Apesar do “conhecimento” se apresentar como recurso de
que o mercado exige a formação de um profissional ho- maior valia no cenário econômico e social da atualidade,
lístico, aberto, atento e flexível às mudanças ocorridas em este se caracteriza como produto de rápida obsolescência
um cenário que se expande com significativa rapidez. e constante escassez, fazendo com que o profissional que
dele necessita retorne de forma continuada ao processo
Com o advento cada vez mais crescente da globa-
de aprendizagem e, consequentemente, às instituições
lização, entendida aqui como a quebra dos padrões tradi-
que o fomentam. (PESSOA, 2002).
cionais de espaço/tempo e, consequentemente, de maior
flexibilidade e agilidade nos processos de comunicação e Nesse sentido, os maiores beneficiários desta mo-
de um pretenso “encolhimento do mundo” (VIRGÍLIO, vimentação são as Instituições de Ensino Superior (IES).
1996, p.14), a sociedade vê-se encaminhada para uma Além de buscar a formação do indivíduo para o contex-
mudança de paradigmas em muitos dos âmbitos relacio- to social, os seus egressos são preparados também para
nados ao seu processo de desenvolvimento. Essa nova re- atender a uma demanda de mercado cada vez mais com-
alidade, agora centrada na informação e no conhecimen- petitiva e restritiva, na qual a formação é condição sine
to, cria laços extremamente dependentes dos contextos qua nom para o ingresso deste indivíduo na realidade
comunicacionais e tecnológicos, enquanto esses se inte- profissional.
gram cada vez mais ao cotidiano contemporâneo. Esse processo acaba sendo disseminado de forma
Essa nova realidade também impõe questões im- mais contundente pelas IES privadas, já que a estrutura
portantes e que envolvem profundamente o profissional das IES públicas geralmente não atende de maneira eficaz
da educação. Neste sentido, a máxima do conhecimento a procura de formação continuada exigida pelo merca-
expande-se decididamente para o contexto social. do e pela sociedade. Pode-se verificar esta condição por
A premissa é que a rede, a informação e o co-
meio da relação entre matrículas realizadas e IES priva-
nhecimento devem ser acessíveis a todos, inde- das abertas durante o período compreendido entre 2004
pendente de raça, nacionalidade, gênero, local, e 2007,3 levando-se em conta o cenário brasileiro, confor-
ocupação ou status social. As tecnologias de in-
formação e comunicação devem estar voltadas me demonstram os gráficos a seguir:
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para este fim e constituírem-se instrumentos


para se alcançar um desenvolvimento verdadei- Gráfico 1- Título do gráfico
ramente centrado no ser humano. (UNESCO,
1996, p. 9).

Contudo, longe de ser a panaceia para os proble-


mas atuais, a “Era da Informação” traz consigo uma gama
de dificuldades que deverá ser tratada pelo educador e
que se estende em várias dimensões. Como exemplo,
pode-se verificar que com o crescimento exponencial da
informação veio atrelada uma nova economia do conhe-
cimento. Assim, para que o indivíduo possa se inserir no Fonte: Adaptados do INEP (ano)
mercado de trabalho, ele deverá integrar-se a uma cultura
de aprendizado que assimile um grande volume de in- Esse recorte espacial foi selecionado em função das signifi-
3

cativas discussões a respeito do amadurecimento dos meca-


nismos de avaliação externos representados pelo Enen e pelo
80 Aluno que finalizou a sua formação na IES.
2
Enade que ocorriam no momento.
Gestão de Instituições de Ensino: o ensino superior privado e os novos parâmetros de perenidade

Gráfico 2 - Título do gráfico vada pode desconsiderar o seu equilíbrio econômico, sob
pena de encerramento de suas atividades. Assim, além
da preocupação contínua com a melhoria do processo de
ensino-aprendizagem que margeia todas as ações das IES,
estas deverão verificar questões relacionadas com evasão
discente, inadimplência, trancamentos, cancelamentos de
matrícula, lucratividade e custos operacionais. (ANDRA-
DE, 2005).

Fonte: Adaptados do INEP (ano) O que se verifica, então, é um conjunto considerá-


vel de novas variáveis com as quais o gestor universitário
Os dados demonstram tendências de crescimento
deve lidar e que diferem da visão tradicional da Adminis-
no setor educacional. Tais tendências se dão não somente
tração que ainda representa um grande número de IES do
pelo ingresso de jovens advindos do ensino básico, mas
mercado. Essas variáveis aumentaram o nível de comple-
também de profissionais já qualificados que necessitam
xidade das relações de negócio e ampliaram o escopo de
dar continuidade à sua formação e que compõem um
atuação da administração educacional contemporânea.
segmento que pode crescer no futuro. Peter Drucker
(2002) já previa antecipadamente que esta alta demanda Segundo Predy, Glatter e Levacic´ (2006), pode-se
iria pressionar as instituições tradicionais de tal forma compreender essa situação por meio do modelo concei-
que elas teriam a necessidade de utilizar modalidades de tual de sistemas abertos, no qual a organização é descrita
ensino alternativas para supri-la, como educação a dis- como um complexo organismo vivo que interage profun-
tância, cursos de fim de semana e projetos itinerantes. damente com o meio externo. Destas interações, eviden-
Estas ações confirmariam, para Drucker, que a educação cia-se como principal a relação entre insumo, produtos
seria um dos segmentos que mais cresceria em futuro e mediação dos processos internos. O feedback4 deste
próximo, o que aparenta ser verdadeiro. processo permite à organização conceber estratégias de
receptividade e adaptabilidade e viabilizar escolhas mais
amplas de como gerir os seus recursos.
2 A gestão institucional e o ensino superior pri- Além de todas as dificuldades apresentadas, as
vado organizações do setor de ensino enfrentam o desafio de
Este aparente cenário econômico promissor para o mensurar os seus resultados em detrimento dos esforços
segmento da educação acaba por atrair o interesse de uma aplicados na gestão. Para Predy, Glatter e Levacic´ (2006,
série de investidores profissionais ansiosos por usufruir das p. 133), “o problema que atormenta qualquer tentativa de
benéfices de um nicho em ascensão. Potencializando esta relacionar os insumos aos produtos e resultados da edu-

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situação, nota-se que as antigas barreiras físicas e de pro- cação é que eles são múltiplos, muitos são, inclusive, in-
teção de mercado acabam por se desconstruir devido aos tangíveis e não há acordo sobre o seu valor relativo”.
novos paradigmas emergentes, permitindo que grandes
Inferir a denominação de produto ao resultado do
organizações do setor não se limitem mais às suas tradicio-
processo de ensino-aprendizagem se mostra uma ques-
nais bases de clientes e passem a concorrer diretamente em
tão que gera discussões acaloradas, principalmente entre
mercados específicos. (TACHIZAWA; ANDRADE, 1999).
os entusiastas da escola pedagógica tradicional. Devido à
Tal fato contribui para a consolidação de um setor sua formação e pretensa desvinculação com o mercado,
privado altamente competitivo e que exige um novo posi- somente há pouco o setor educacional compreendeu os
cionamento das instituições de ensino. Estas, tradicional- benefícios das ferramentas administrativas e o planeja-
mente percebidas no contexto de formação social, deve- mento estratégico. De maneira geral, as instituições edu-
rão agora produzir receitas, gerar lucros e fomentar em- cacionais se mostram com uma imagem conservadora a
pregos para viabilizar a sua perenidade. (PESSOA, 2002). respeito da administração escolar e sem uma preocupa-

Por consequência, ocorre uma disputa maior pe-


los potenciais alunos, já que nenhuma organização pri- 4
Retroalimentação ou realimentação. 81
Leonardo Humberto Soares

ção séria em se voltar para o público consumidor de seus uma visão de supervalorização das funções internas da
serviços. organização, sem uma correta compreensão do impacto
das variáveis externas e de suas implicações na tomada
Entretanto, a literatura apresenta que há um víncu-
de decisão. Este fato pode caracterizar indevidamente a
lo entre o discente (no processo de ensino-aprendizagem)
instituição de ensino como um ambiente autossuficien-
e as questões administrativas. Entende-se que o perfil do
te, evidenciando tendências claramente mecanicistas que
egresso deve condizer com as habilidades e competências
destoam dos novos paradigmas emergentes.
exigidas pela sociedade e pelo mercado. Nesse processo,
Não há mais como negar que o meio ambiente
os atores educacionais assumem determinados papéis
externo é uma variável importante e determi-
institucionais, como o aluno ingressante, o professor for- nante das funções da direção porque, se a mes-
necedor (insumo), a instituição como transformadora, e ma não estiver atenta às mudanças contínuas
e dinâmicas que ocorrem na sociedade, não
o aluno (como profissional formado) caracterizando o poderá exercer com dinamismo, adequação e
sistema aberto e sistêmico (professor/aluno/mercado). criatividade as funções que lhe são pertinentes.
Dentro deste contexto, pode-se entender por produto o (SILVA, 2001, p. 59).

aluno formado pela IES, e como cliente a organização O dinamismo, adequabilidade e criatividade de
empregadora do profissional (ou egresso) formado. Os que Silva (2001) comenta sugerem um perfil para o gestor.
alunos assumiriam também a categoria de clientes inter- Segundo pesquisa realizada pela empresa CM Consulto-
mediários (TACHIZAWA; ANDRADE, 1999, p. 64-68). ria, especializada em gestão de ensino superior, o gestor
Quanto maior for a empregabilidade que a insti- de IES privada (no que tange ao cenário brasileiro), seja
tuição de ensino gerar, maior será o seu ingresso. Logo, diretor ou reitor, possui um perfil específico: homem, a
as habilidades e competências do egresso podem ser uti- partir de 48 anos, com mais de 10 anos de casa e cerca

lizadas como perfil de qualidade. O egresso acaba con- de 20 anos de carreira, com formação exclusivamente em

tribuindo com o reabastecimento (feedback) do plano universidades brasileiras. A pesquisa demonstra ainda
que, em sua maioria, os gestores não possuem ligação fa-
estratégico, permitindo que este se adapte para continuar
miliar (65,5%) com a organização, sendo que 15,5% são
no mercado de forma a criar condições para que a IES
fundadores e 19% vêm da família dos donos. Esta pes-
agregue valores transformadores, pois aquele insumo que
quisa de mercado demonstra também que a formação do
chegou em forma bruta e passou pelo processo de ensino-­
profissional de gestão educacional ainda é genérica.
aprendizagem retornou ao cliente (empresa empregado-
ra) e criou condições de retroalimentar a IES. Andrade (2005) afirma que a maioria das IES tem
a sua origem na estrutura familiar, filantrópica ou confes-
Compreendendo essa dinâmica, fica claro o papel
sional, sendo que é comum a administração ser realizada
do gestor educacional: unir os interesses do discente aos
por gestores oriundos da docência ou de áreas afins e que,
interesses do projeto pedagógico, que, por sua vez, segue
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na maioria das vezes, não possuem as habilidades e com-


as necessidades do mercado em relação ao seu egresso,
petências requeridas para o cargo que ocupam.
sendo esse a base de continuidade da IES. O lucro seria,
então, mera consequência dessa base. Apesar de não ser restritiva, a formação do gestor
e sua experiência na área de gestão educacional influem
diretamente no modelo e aplicação do planejamento es-
3 Perfil do gestor educacional na IES privada tratégico da organização. De acordo com Tachizawa e
Andrade (1999), a missão, visão e objetivos da organi-
A compreensão por parte do gestor educacio-
zação são concebidos por meio da inferência do gestor.
nal em relação às transformações ocorridas no modelo
Logo, todo um conjunto de valores, princípios, cenário
de gestão e às suas novas incumbências na organização
futuro, cultura organizacional e ações decorrentes per-
ainda se mostra incipiente quando observado o atual
passam pela influência direta deste cargo.
comportamento das IES no mercado. Não é fato inco-
mum encontrar profissionais em cargos de gestão que Logo, a correlação entre formação, habilidades e
não possuam clareza em relação à dimensão de suas fun- competências do gestor define o que seriam as diretrizes
82 ções estratégicas. Isso porque ainda é muito difundida para os administradores educacionais:
Gestão de Instituições de Ensino: o ensino superior privado e os novos parâmetros de perenidade

Figura 1- Título da figura

Fonte: Adaptado de Andrade (2005, p. 53).

Em consonância com essas diretrizes, Rocha e nos e culturais. Destarte, percebe-se, além das caracterís-
Granemann (2003) complementam que a gestão deve ser ticas já mencionadas, a exigência de três habilidades fun-
suficientemente participativa, viabilizando um processo damentais para a gestão educacional (SILVA, 2001, p. 61):
de compartilhamento de conhecimentos entre todos os
i. Técnica: compreensão e proficiência em
envolvidos a fim de se possibilitar o processo criativo,
métodos, processos, procedimentos e
mas rígido o suficiente para que os objetivos e estratégias
técnicas de educação, assim como co-
institucionais sejam seguidos.
nhecimentos específicos em finanças,
Para Marcovitch (1998), não existe necessaria- contabilidade, organização de horários,

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mente um indivíduo com todas as características desejá- compras, construção e manutenção.
veis para o cargo, esclarece que, no mínimo, deve ter uma
ii. Humana: habilidade de trabalho indivi-
visão abrangente da organização e uma grande capaci-
dade de articular visões de futuro, sendo que está última dual e em grupo. Considerável autocom-
seria indelegável ao seu staff.5 O autor entende, ainda, que preensão, aceitação e empatia. Exige co-
o gestor deve ter uma proposta estratégica que vá além nhecimento de recursos humanos.
das rotinas do seu cargo, não temendo modificar proce- iii. Conceitual: aptidão para enxergar os
dimentos tradicionais e inadequados. componentes institucionais, o programa
Ademais, deve-se entender que a condição huma- educacional, o funcionamento da organi-
na existente nas instituições de ensino define a eficácia zação humana como um todo.
administrativa em seu processo de educação, visto que os Não obstante, existem instrumentos e indicadores
meios e os fins para esta ação são necessariamente huma-
capazes de estabelecer o nível de formação necessário ao
gestor em uma organização específica. Para Marcovitch
5
Equipe de apoio. (1998), é de extrema importância evitar que os procedi- 83
Leonardo Humberto Soares

mentos cotidianos esterilizem a capacidade intelectual cado altamente volátil, com rápidas transformações e de
dos dirigentes, devido ao seu afastamento do processo formato predatório.
criativo acadêmico. Para tanto, o gestor também deve se Entendemos que as IES privadas que despreza-
inserir em um processo de formação continuada a fim de rem os modernos princípios gerenciais tende-
rão a operar no vermelho, podendo culminar
ampliar o seu instrumental administrativo. Para Tachiza- na bancarrota. Incluem-se aí as IES comunitá-
wa e Andrade (1999, p. 231): rias, que, entre outras funções, não exigem re-
tornos acima do custo de capital, mas perma-
A análise do cargo determina os tipo de habi- necem com a obrigação de entregar caixa para
lidades, conhecimentos, atitudes e comporta- financiar, principalmente, projetos de cunho
mento, bem como as características de perso- social. (ROCHA; GRANEMANN, 2003, p. 13).
nalidade requeridas para o desempenho eficaz
das atividades inerentes ao posto de trabalho. Logo, o planejamento faz parte das IES tanto no
Dessa forma, é possível identificar necessidades
de treinamento pela simples comparação entre que tange ao seu fim último (formar), quanto ao seu meio
os requisitos exigidos pelo cargo e as habilida- (estrutura necessária para formar). Entretanto, percebe-­
des atuais de quem o exerce, representadas pela se certa dificuldade por parte das instituições de ensino
discrepância eventualmente apresentada.
em efetivar um modelo adequado de planejamento.
Contudo, em todas as situações, o gestor deve es-
Além dos fatores já comentados a respeito do ges-
tar bem assessorado por um staff de alto nível, que assu-
tor educacional, o próprio conceito de “planejamento”
ma parte das tarefas administrativas e o auxilie no enten-
pode apresentar algumas dificuldades em seu entendi-
dimento do “como” e “onde” realizar mudanças significa-
mento devido à amplitude e à abrangência que possui.
tivas sem causar grandes impactos na cultura organiza-
cional, ao mesmo tempo em que o libere para exercer o Alguns autores, como Oliveira (1999), argumen-
processo de criação e inovação. (MARCOVITCH, 1998). tam sobre o risco de se confundir planejamento com
outros conceitos semelhantes, como previsão, projeção,
predição, resolução de problemas ou plano. Para Olivei-
4 O planejamento estratégico e a perenidade ra (1999), previsão diz respeito à tentativa de verificar os
da IES eventos futuros com base em variáveis probabilísticas.
Projeção compreende a dimensão em que o futuro tende
Quando se trata de planejamento em instituições
a ser, em sua estrutura básica, igual ao passado. Predição
de ensino, faz-se necessário ponderar algumas questões
se caracteriza pela mudança do cenário futuro em rela-
fundamentais. Inicialmente, é necessário entender que a
ção ao passado, mas sem nenhum controle processual por
educação, como resultado de um processo cultural, não
parte da organização. Resolução de problemas vincula-
se limita a um pretenso determinismo.
-se somente a aspectos imediatos de correção ou ajustes
O destino do viver faz parte da própria natu-
reza, isto é, ele é determinado e dado pela na-
pertinentes a variáveis externas e que são potencialmente
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tureza. Porém, o destino de como viver não relevantes para a organização. Plano corresponde a uma
é determinação exclusiva da natureza, mas, visão estática do planejamento, como uma documenta-
essencialmente, do homem. (MENEGOLLA,
SANT’ANNA, 2005, p. 23). ção formal do processo. Baseando-se nessas premissas,
Oliveira (1999, p. 35) entende que o processo de planejar
Essa afirmativa abre a discussão sobre o papel
é “[...] um modo de pensar; e um salutar modo de pen-
transformador da educação. Como processo que ten-
sar envolve indagações; e indagações envolvem questio-
de a aperfeiçoar a sociedade e o saber, por exigência
namentos sobre o que fazer, como, quando, quanto, para
de sua própria essência, a educação se projeta natural-
quem, por que, por quem e onde”.
mente para um cenário além do passado e do presen-
te. Não faz parte de sua estrutura a simples manutenção Corroborando com esse entendimento, Tavares
de um status quo pré-definido. Logo, este processo de (2000, p. 146) conceitua planejamento como sendo o:
formação pode e deve ser planejado. (MENEGOLLA, Conjunto previamente ordenado de ações com
o fim de se alcançar posições futuras desejadas.
SANT’ANNA, 2005). Compreende o envolvimento de pessoas, a alo-
cação de recursos e procedimentos de controle
Soma-se a isso a preocupação em se manter a es- e avaliação necessários para estimar a efetivida-
84 trutura de uma instituição educacional frente a um mer- de das ações em relação ao que foi estabelecido.
Gestão de Instituições de Ensino: o ensino superior privado e os novos parâmetros de perenidade

Pode-se compreender então o planejamento es- de critérios e princípios de avaliação para mensurar os
tratégico como a construção de um conjunto de ações processos, prazos e etapas de sua execução.
tomadas pelo gestor de forma que o futuro tenda a ser A crise que as IES privadas devem enfrentar é jus-
diferente do passado, mas de maneira que a organização tamente a dificuldade de se chegar a essa etapa de maturi-
tenha condições de agir sobre as variáveis e fatores exter- dade. Segundo Sobrenome Neto (2003, p.17), em relação
nos e internos. (OLIVEIRA, 1999). à gestão das IES, pode-se perceber o seguinte:
Dessa forma, discorrer sobre planejamento estra- Gasta-se energia desnecessariamente. Cami-
nhos são abandonados e retomados de modo
tégico leva a antecipar decisões. Coordenar ações, apro- errático ou sem fundamentação. É necessário
veitar oportunidades e neutralizar ameaças fazem parte saber os para quês e os propósitos das ações e
não apenas o como fazer as coisas. É preciso “ter
das ações necessárias ao processo de maturação das or- os pés no chão, mas [...] o olhar nas estrelas”.
ganizações.
Uma importante movimentação para desconstruir
Essa maturação exige um profundo conhecimento essa crise se apresenta a partir do entendimento de que o
sobre a realidade, emergência, necessidade e tendências conjunto de ações referentes ao planejamento estratégico
organizacionais. Requer uma clara definição dos objeti- está diluído nos próprios níveis hierárquicos da organização
vos institucionais e os meios possíveis, viáveis e disponí- (estratégico, tático e operacional). A figura a seguir apresen-
veis para alcançá-los. E exige também o estabelecimento ta as características básicas do planejamento em cada nível:

Figura 2 – Título da figura

Planejamento Estratégico: objetivos de longo prazo e que afetam a


organização como um todo. Variáveis externas.
Nível Estratégico
Planejamento Tático: objetivos de curto prazo e ações que
impactam somente em parte da organização. Variáveis internas.

Nível Tático Planejamento Operacional: formalização documental dos


procedimentos e metodologias. Plano de ação.

Nível Operacional

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Fonte: Adaptado de Oliveira (1999, p. 45).

As IES tradicionais geralmente aplicam de manei- Como prejuízo, as IES não conseguem se adaptar
ra mais efetiva o planejamento tático. As ações orientadas à dinâmica de um mercado que se apresenta altamente
somente neste processo acabam por se tornar tentativas competitivo. Isso porque o planejamento tático se mostra
ineficientes e, na maioria das vezes, onerosas de se re- efetivo especificamente nos processos internos da orga-
solver problemas emergenciais da organização. Segundo nização.
Sobrenome Neto (2003), este caso se converge ao fenô- Como resultado deste quadro, tem-se uma fragili-
meno conhecido como “desconto psicológico do tempo”, zação das decisões do gestor perante as oscilações do ma-
em que se verifica uma atenção demasiada aos eventos de croambiente. Somente com a conscientização e aplicação
curto prazo seguidos de uma desvalorização nos eventos do planejamento em nível estratégico (e, evidentemente,
de longo prazo, o que impede justamente a criação de ce- o acompanhamento e adequação dos demais níveis da
nários futuros. estrutura organizacional), pode-se desenvolver rotinas, 85
Leonardo Humberto Soares

processos e planos de contingência que assegurem a pe- 5 Considerações finais


renidade da empresa.
O presente ensaio teve o objetivo de fomentar a
Ainda que a utilização do planejamento estraté- reflexão sobre as rápidas mudanças que ocorrem no cená-
gico estabeleça condições para a continuidade e cresci- rio contemporâneo e seus impactos no processo de gestão
mento da IES, alguns autores consideram haver um ama- educacional voltado às Instituições de Ensino Superior
durecimento ainda maior desta ferramenta, denominada (IES) privadas.
como “Gestão Estratégica”. O quadro atual demonstra considerável cresci-
[...] entende-se por gestão estratégica um pro- mento no setor de educação superior decorrente de uma
cesso contínuo e adaptativo, através do qual
uma organização, e por tato uma IES, define série de variáveis socioeconômicas. Estas variáveis não só
(e redefine) sua missão, objetivos e metas, bem modificaram o entendimento sobre o valor do trabalho
como seleciona as estratégias e meios para atin- (pautado agora no conhecimento), como também viabi-
gir tais objetivos em determinado período de
tempo, por meio da constante interação com o lizaram o acesso de uma faixa populacional considerável
meio ambiente externo. (TACHIZAWA; AN- que, anteriormente, não tinha expectativa em relação ao
DRADE, 1999, p. 84).
ensino superior.
Segundo Tachizawa e Andrade (1999), enquanto Como consequência, a visualização de um nicho
o planejamento estratégico se apresenta estático a uma de mercado atraente catalisou uma série de movimen-
realidade esperada pela organização, a gestão estratégica tações em função da oportunidade de negócio que se
reconstrói constantemente esta realidade de acordo com apresenta. Todavia, ao mesmo tempo em que se apropria
as mudanças verificadas no ambiente e o impacto que desta oportunidade, a iniciativa privada também desenha
elas terão no planejamento estratégico construído ante- para si um ambiente altamente competitivo, no qual já se
riormente. A figura a seguir apresenta essas dimensões: evidenciam indícios de que a quantidade de vagas ofere-
Figura 3 – Título da figura
cidas pelas IES pode superar a demanda existente.

Percebe-se, ainda, que uma parcela significativa


Gestão Estratégica
destas instituições (tanto as tradicionais quanto as mais
Planejamento Estratégico recentes) possui graves problemas de gestão que acabam
Plano Estratégico catalisando a sua possibilidade de colapso.

Entre os problemas apresentados, os principais di-


Figura 03 – Gestão estratégica na IES zem respeito à formação dos seus gestores e à inexistência
Fonte: (TACHIZAWA; ANDRADE, 1999, p.83).
de um planejamento estratégico (ou gestão estratégica)
que viabilize um posicionamento efetivo em função da
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Fonte: elaborado pelo autor grande concorrência existente no segmento.

O planejamento estratégico irá se alterar de acor- As instituições de ensino de maior porte e aque-
do com o posicionamento da gestão estratégica e ambos las que iniciaram a sua concepção já ponderando sobre a
irão constituir um plano estratégico que será efetivado qualidade administrativa necessária começaram a perce-
pelo nível tático e operacional. ber as ameaças e se mobilizam em função da profissiona-
lização de sua gestão e de seu staff.
Esse formato estabelece um modelo de gestão sis-
têmico e metodológico para garantir a implementação Todavia, esses casos ainda se mostram minoria.
das estratégias institucionais, o que envolve não somente Grande parte das IES estabelecidas e advindas da onda de
os gestores, como também todo o quadro técnico da or- crescimento verificado nos últimos quinze anos ainda se
encontra atrelada a processos arcaicos e ineficientes, que
ganização. Isto porque se entende que este último conhe-
oneram demasiadamente a instituição e não retornam re-
ce a realidade dos diferentes níveis da instituição e ajuda
sultados satisfatórios.
na diminuição do tempo necessário para construir as
atividades de planejamento estratégico. (TACHIZAWA; Os indicadores que se evidenciam levam a crer
86 ANDRADE, 1999, p. 83). que a continuidade deste tipo de organização não ocor-
Gestão de Instituições de Ensino: o ensino superior privado e os novos parâmetros de perenidade

rerá. Ao mesmo tempo em que o mercado dá indícios COELHO JUNIOR, Carlos Pessoa. Gestão estratégica
de uma retração futura devido à expansão má planejada para Instituições de Ensino. Belo Horizonte: Advice
Treinamento Empresarial Ltda, 2002.
do ensino superior, os órgãos reguladores governamen-
tais estabelecem políticas e diretrizes seguindo critérios DRUCKER, Peter Ferdinand. Inovação e espírito
qualitativos próprios e que tendem a beneficiar o ensino empreendedor (entrepreneurship): prática e princípios.
superior público em detrimento da iniciativa privada. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002.

Soma-se a essa complexidade a mudança na re- MARCOVITCH, Jacques. A Universidade (Im)possível.


lação entre as organizações e os demais atores que a ro- São Paulo: Futura, 1998.
deiam. O que se constata é que:
SOBRENOME NETO, I. R. Planejamento Estratégico,
a. está cada vez mais difícil agradar aos Estudos Prospectivos e Gestão do Conhecimento na IES.
In: ROCHA, Carlos Henrique; GRANEMANN, Sérgio
clientes e manter a sua lealdade (tanto no
Ronaldo (Org.). Gestão de Instituições Privadas de Ensino
que se refere ao aluno – cliente interme- Superior. São Paulo: Atlas, 2003. p. 17-41.
diário – quanto ao mercado empregador
– cliente final); OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Planejamento
estratégico: conceitos, metodologia e práticas. São
b. os serviços oferecidos pelas IES estão Paulo:Atlas, 1999.
cada vez mais semelhantes, descaracteri-
PREDY, Margaret; GLATTER, Ron; LEVACIC, Rosalind.
zando-os como diferencial competitivo;
Gestão em Educação: estratégia, qualidade e recursos. São
c. a inovação tecnológica se apresenta ago- Paulo: Artmed, 2006.
ra como condição estratégica básica para
ROCHA, Carlos Henrique; GRANEMANN, Sérgio
a sobrevivência da organização, não mais Ronaldo (Org.). Gestão de Instituições Privadas de Ensino
apenas como apoio operacional. Superior. São Paulo: Atlas, 2003.

As IES são avaliadas pelo governo, pelo mercado ROSEMBERG, Marc J. E-learning: estratégias para a
e pelo aluno. Nessas condições, sobra pouco espaço para transmissão de conhecimento na Era Digital. São Paulo:
ações pautadas simplesmente na intuição. Cabe aos ges- Makron Books, 2002.
tores educacionais internalizarem as mudanças de para-
SILVA, Maria Aparecida Monteiro. Administração
digmas que se seguem e buscarem a coragem e prepara- Escolar no Brasil: teoria e Prática. Educere – Revista da
ção para realizarem as ações e alternativas que viabilizem Educação, Toledo (Paraná), v.1, n.1, página inicial-final,
a continuidade das IES. jan./jun. 2001.

TACHIZAWA, Takeshy; ANDRADE, Rui Otávio de.


Gestão de Instituições de Ensino. Rio de Janeiro: FGV,

Universitas Gestão e TI, v. 3, n. 2, p. 79-87, jul./dez. 2013


Referências 1999.
ANDRADE, Murilo Martins de. Competências requeridas
TARAPANOFF, Kira; SUAIDEN, Emir; OLIVERIA,
pelos gestores de Instituições de Ensino Superior Privadas:
Cecília Leite. Funções sociais e oportunidades para
um estudo em Curitiba e Região Metropolitana. 2005.175f.
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Dissertação (Mestrado em Tecnologia) – Centro Federal
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VIRÍLIO, Paul. Velocidade e Política. São Paulo: Estação
Liberdade, 1996.

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