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Published : 2020-02-25

Mestre Pastinha
- Categories : Mestres de Capoeira

Vicente Ferreira Pastinha, mestre


de capoeira e lósofo popular

“Eu nasci pra capoeira, só deixo a


capoeira quando eu morrer.
Eu amo o jogo da capoeira. E não
há outra coisa melhor na minha
vida do que a capoeira.”
Vicente Ferreira Pastinha
Em 5 de abril de 1889, nascia
Vicente Ferreira Pastinha,
responsável pela difusão da
Capoeira Angola, bem como pela reunião e organização dos princípios e fundamentos de um
dos maiores símbolos da cultura brasileira.

Filho do espanhol José Señor Pastinha e da baiana Eugênia Maria de Carvalho, nasceu na Rua
do Tijolo em Salvador, Bahia.

Na virada do século XIX para o século XX, Pastinha foi apresentado à capoeira, segundo ele
próprio, por pura sorte. Quando tinha em torno de 10 anos, em consequência de um arenga
de garotos, da qual sempre saía perdendo, conheceu Benedito, preto africano que se tornaria
seu mestre.

“A minha vida de criança foi um pouquinho amarga. Encontrei um rival, um menino que era
rival meu. Então, nós entrávamos em luta. E, na janela de uma casa, tinha um africano
apreciando a minha luta com esse menino. Então quando acabava de brigar, que eu passava,
o velho me chamava: ‘Meu lho, vem cá!’ Eu cheguei na janela e ele, então, me disse: ‘Você
não pode brigar com aquele menino. Aquele menino é mais ativo do que você. Aquele
menino é malandro! Você quer brigar com o menino na raça, mas não pode. O tempo que
você vai pra casa empinar raia, você vem aqui pro meu cazuá.’ Então, aceitei o convite do
velho, que pegava a me ensinar capoeira. Ginga pr’aqui, ginga pra lá, ginga pr’aqui, ginga pra
lá, cai, levanta. Quando ele viu que eu já estava em condições pra corresponder com o
menino, ele disse: ‘Você já pode brigar com o menino’. Então, eu saí. Quando eu vinha, a mãe
dele via que eu ia passar, gritava: ‘Honorato, aí vem seu, camarada.’ O menino puca. De
dentro de casa o menino pulava no meio da rua com o satanás. Aí, pegou a insistir e na hora
que eu insisti, pum, passou a mão. Eu saí debaixo. Ele tornou a passar a mão em mim, eu
tornei a sair debaixo. Ele disse: ‘Ah, você tá vivo, hein?!’ Ele insistiu a terceira vez, eu aqui
rebati a mão dele e sentei-lhe os pés. Ele recebeu, caiu. Tornei a sentar o pé nele, ele tornou a
cair. A mãe dele foi e disse: ‘Vê se não vai apanhar!’ Aí eu disse: ‘Vai ver ele apanhar agora!’.”

Tornou-se discípulo de Benedito e passou a frequentar sua casa todos os dias dado o grande
interesse que a capoeira tinha conseguido despertar nele. Pastinha aprendeu além das
técnicas, a mandinga. Benedito ensinou-lhe tudo o que sabia.
Durante esse período, o menino Pastinha também frequentava o Liceu de Artes e Ofício, 
onde aprendeu entre outras coisas a arte da pintura. Em 1902, Pastinha entrou para e escola
de aprendizes marinheiros, onde passaria oito anos de sua vida. Na Marinha, praticou
esgrima (treinou com espada e orete) e estudou música (violão), ao mesmo tempo em que
ensinava capoeira a seus companheiros.

Em 1910, aos 21 anos, pede baixa da corporação. De lá já sai como professor de capoeira,
atividade a qual decide se dedicar. Nesse período, tinha que ministrar suas aulas às
escondidas na sua própria casa, pois a capoeira gurava no Código Penal como atividade
proibida, com sujeição a pena de prisão de dois a seis meses, sendo esse período dobrado no
caso dos “chefes ou cabeças”.

Foi exatamente o endurecimento da repressão à capoeira que levou Mestre Pastinha a


interromper suas aulas. Entre os 1913 e 1934, teve que trabalhar de pintor, pedreiro,
entregador de jornais e até tomou conta de casa de jogos.

Em 1941, Pastinha foi convidado por seu antigo aluno, Raimundo Aberrê, a assisti-lo na roda
de capoeira da Jinjibirra (Gengibirra). Lá, de acordo com o próprio Pastinha, lhe aguardava
uma surpresa:

“No Jinjibirra, tinha um grupo de capoeirista, só tinha mestre, os maiores mestres daqui da
Bahia. O Aberrê me convidou pra eu ir assistir a ele jogar, num dia de domingo. Quando eu
cheguei lá, ele procurou o dono da capoeira, que era o Amorzinho, que era um guarda civil.
Chamou o Amorzinho, o Amorzinho no aperto da minha mão foi e entregou a capoeira pra eu
tomar conta, dizendo: ‘Há muito que o esperava para lhe entregar esta capoeira para o
senhor mestrar’. Eu ainda tentei me esquivar, me desculpando, porém, tomando a palavra o
Sr. Antônio Maré disse-me: ‘Não há jeito, não, Pastinha, é você mesmo quem vai mestrar isto
aqui’. Como os camaradas deram-me o seu apoio, aceitei.”

Assumindo a missão de organizar a Capoeira Angola e de devolver a ela seu valor e


visibilidade, enfraquecidas pela emergência e popularização da Capoeira Regional, Mestre
Pastinha funda o Centro Esportivo Capoeira Angola (CECA), localizado no Largo do Cruzeiro
de São Francisco, a primeira escola de Capoeira Angola. Em sua academia, Pastinha adotou
um uniforme com as cores de seu time do coração, onde treinou quando rapaz, o preto e o
amarelo do Esporte Clube Ypiranga.

Em 1952, o CECA foi o cializado e três anos depois sua sede muda para seu endereço mais
famoso: o casarão da Praça do Pelourinho, nº 19. Neste período, Pastinha já estava com 66
anos de idade.

Neste endereço, reuniam-se capoeiristas consagrados como Valdemar da Paixão, Noronha,


Maré, Divino, Traíra. O CECA era uma escola de mestres, que transmitia a tradição dos
angoleiros. Lá formaram-se outros grandes nomes da capoeira, como Curió, Albertino, Gildo
Al nete, Valdomiro, João Grande e João Pequeno.

Mestre Pastinha sempre prezou pela cordialidade entre seus alunos e pregava que os
capoeiristas não deveriam apelar para a violência quando estivessem vadiando (jogando). Ao
contrário, sustentava que a calma era a maior aliada do capoeira.

“É o controle do jogo que protege aqueles que o praticam para que não descambe no
excesso do vale tudo. Note bem, estou falando em sentido de demonstração, e não de
desa o, porque sempre traz consequências às vezes desastrosas. Tira toda a beleza e o brilho
da capoeira […]”

Para o Mestre, as pessoas costumam se admirar com a capoeira ao percebem que se trata de
uma luta em que “dois camaradas jogam sem egoísmo, sem vaidade. É maravilhosa e
educada.”

Mestre João Pequeno, aluno que recebeu do próprio Pastinha a missão de dar continuidade
ao CECA e ao seu trabalho, resumiu bem os ensinamentos do maior de todos os angoleiros:
“O capoeirista para bater não precisa encostar o pé. Ele deve ter seu corpo freado, manejado 
para quando ele levar o pé e vir que o adversário não se defendeu, ele frear antes do pé
encostar. Porque quem tá de parte vê que não bateu porque ele não quis. Então para bater
não precisa dar pancada no adversário.”

Como reconhecimento por sua contribuição à cultura afro-brasileira, em 1966, Mestre


Pastinha realizou o seu sonho de conhecer a África ao representar o Brasil por meio da
Capoeira Angola, no 1º Festival Mundial das Artes Negras, em Dacar/Senegal. Como ele já não
estava enxergando bem, consequência de uma trombose que atingiu sua visão, não chegou a
vadiar em terras africanas.

Apesar desse raro momento de reconhecimento do Estado brasileiro da importância de


Pastinha, o Velho Mestre trabalhou e empenhou-se pelo crescimento da Capoeira Angola
quase sempre sem qualquer apoio ou incentivo dos órgãos públicos. Ao contrário disso, em
1971, foi vítima do processo de gentri cação (higienização social) que se deu no Pelourinho,
local que começava a ser visado pela especulação imobiliária dado o forte apelo turístico do
lugar.

Obrigado pela Prefeitura de Salvador a se retirar do casarão, que entraria em processo de


restauração, sob a promessa de retornar ao m desse, Pastinha viu-se forçado a se mudar e
nunca mais pôde voltar à famosa sede do CECA, que deu lugar a um restaurante do SENAC.

Segundo Mestre Curió, aluno de Pastinha, com muita resistência deram um espaço para a
academia na Ladeira do Ferrão, conhecida como Ladeira do Mijo.

Com esse ato de destrato e desconsideração, Mestre Pastinha entrou em depressão e teve
uma forte piora de sua saúde física. Pastinha viveu seus últimos dias morando num quarto
escuro e úmido, na Rua Alfredo Brito n° 14, no Pelourinho. Além da terceira esposa, Maria
Romélia, poucos foram os que ajudaram o Mestre.

Após esse período foi enviado para o abrigo para idosos Dom Pedro II, onde permaneceu até
a sua morte. Mestre Pastinha morreu cego, quase paralítico e abandonado, no dia 13 de
novembro de 1981, aos 92 anos. O Brasil perdia um dos seus maiores mestres. Não só o
mestre da Capoeira Angola, mas o mestre da loso a popular.

O grande escritor Jorge Amado, admirador de Mestre Pastinha e também um dos que lhe
deram suporte em momentos difíceis de sua vida, dizia que ele não era apenas um praticante
da capoeira, mas um teórico dela. Em seu livro Capoeira Angola (1965), Pastinha defendia a
natureza não violenta do jogo e a rmava que a capoeira conferia dignidade, honradez e
decência aos seus praticantes.

Capoeira, patrimônio cultural

A história de vida e os ensinamentos de Mestre Pastinha, junto com a de outros mestres, que
tenham sido seus alunos ou não, da Capoeira Angola ou Regional, motivou outras pessoas a
praticar a capoeira, que se disseminou pelo país e pelo mundo, tornando-se um dos maiores
símbolos da cultura brasileira.

A complexidade e expressividade da capoeira levaram o Instituto do Patrimônio Histórico e


Artístico Nacional (IPHAN) a registrar a Roda de Capoeira e o Ofício dos Mestres de Capoeira
como patrimônios culturais imateriais brasileiros, em 2008, estando inscritos, no Livro de
Registro das Formas de Expressão e no Livro de Registro dos Saberes, respectivamente.

Seis anos depois, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) conferiu à Roda de Capoeira o título de Patrimônio Cultural Imaterial da
Humanidade.

Até os dias de hoje, o nome de Mestre Pastinha é reverenciado onde quer que haja uma roda
de capoeira.

Fonte

http://www.palmares.gov.br/?p=53861

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