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A VONTADE DE DEUS
E A VONTADE DO HOMEM
Horatius Bonar
Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel?
diz o SENHOR; eis que, como o barro na mão do oleiro, assim sois
vós na minha mão, ó casa de Israel.
Jeremias 18.6
Não estou dizendo que Deus simples- os seres, tem o direito irrestrito de
mente declarou a sua vontade a afirmar, em referência a todos os
respeito dessas coisas; estou afirman- acontecimentos e mudanças: Eu
do que cada conversão e cada atitude quero. A vontade do homem seguiu
que a constitui originou-se neste su- os movimentos da vontade divina.
premo Eu quero. Quando Jesus Deus o tornou desejoso. A vontade
curou o leproso, Ele disse: Quero, de Deus é a primeira a agir, não a se-
fica limpo; assim também, quando gunda. Mesmo uma vontade santi-
uma alma é convertida, ocorre a mes- ficada e aperfeiçoada depende da von-
ma, distinta e especial manifestação tade de Deus, para receber orientação;
da vontade divina: Quero, seja con- e, depois de regenerada, a vontade
vertido. Tudo que pode ser chamado do homem ainda é uma seguidora, e
bom no homem, ou no universo, tem não um guia. E, no que se refere à
sua origem no Eu quero de Jeová. vontade de uma pessoa não-regene-
Não estou negando o fato de que rada, muito mais necessário é que sua
na conversão o homem também exer- propensão tenha de ser primeiramente
ce a sua vontade. Em tudo que o mudada. Como isto pode acontecer,
homem sente, pensa e faz, ele neces- se Deus não interpuser sua mão e seu
sariamente exercita seu querer. Tudo poder?
isso é verdade. O contrário é absur- Isto não significa tornar Deus o
do e irreal. No entanto, enquanto o autor do pecado? Não. O fato de que
admitimos, surge outra pergunta de a vontade de Deus originou tudo que
grande interesse e implicação. Os mo- é bom no homem não implica em que
vimentos da vontade humana em di- essa mesma vontade dá origem ao que
reção ao bem são efeitos da operação é mau. A existência de um mundo
da vontade divina? O homem deseja santo e feliz prova que Deus o criou
a salvação porque ele mesmo se tor- com suas próprias mãos. A existên-
nou propenso a isto ou porque Deus cia de um mundo impuro e infeliz
o dispôs? O homem se torna comple- comprova que Deus permitiu que esse
tamente desejoso pela salvação por mundo caísse nesse estado; porém
uma atitude de sua própria vontade, não comprova mais nada. As Escri-
ou por causa do acaso, ou por persua- turas nos dizem que Jesus foi en-
são moral, ou por que agiu motivado tregue pelo determinado desígnio e
por causas e influências exteriores à presciência de Deus (At 2.23). A
sua pessoa? vontade de Deus estava ali. Ele per-
Respondo sem hesitação: o ho- mitiu que as obras das trevas se
mem se torna desejoso porque uma realizassem; porém, mais do que
vontade distinta e superior ou seja, isso, a morte de Jesus foi o resultado
a vontade de Deus entrou em con- do determinado desígnio de Deus.
tato com a vontade dele, alterando Isto demonstra que Deus foi o autor
sua natureza e sua propensão. Esta do pecado de Judas ou de Herodes?
nova propensão resulta de uma mu- Se não fosse a eterna vontade de
dança produzida sobre a vontade do Deus, Jesus não teria sido entregue;
homem por Aquele que, entre todos mas isto prova que Deus compeliu
vontade superior uma vontade ca- pode haver na afirmação de que toda
paz de remover a resistência, uma a falta de confiança do pecador para
vontade semelhante àquela que dis- com Deus e de que todas as suas tre-
se: Haja luz; e houve luz. A própria vas espirituais resultam do fato de que
vontade tem de sofrer uma mudan- o homem não pode ver Deus como o
ça, antes que possa escolher aquilo Deus da graça? Asseguro que, com
que rejeitava. E o que pode mudá- freqüência, esta é a situação do ho-
la, senão o dedo de Deus? mem. Sei que, constantemente, um
Se o homem rejeitasse o evange- mau entendimento do misericordio-
lho apenas porque não o entende so caráter de Deus, demonstrado e
corretamente, eu poderia deduzir vindicado na cruz do Calvário, é a
que, se o evangelho lhe fosse plena- causa de trevas para uma alma ansio-
mente esclarecido, cessaria a re- sa por Cristo; também reconheço que
sistência. Mas não acredito que esta uma simples contemplação da abun-
seja a situação do homem, pois isto dante riqueza da graça de Deus
nos levaria a concluir que o homem repeliria tais nuvens de trevas. Mas
rejeita não a verdade, e sim apenas isto é muito diferente de afirmar que
aquilo que não entende; se o que ele tal contemplação, sem o poder
não entende for esclarecido, ele acei- renegerador do Espírito Santo sobre
tará a verdade! O homem não-rege- a alma do homem, transformaria a
nerado, ao invés de ser inimigo da inimizade em amor e confiança. Pois
verdade, seria exatamente o oposto! sabemos que a vontade não-regene-
Haveria tão pouca depravação no co- rada opõe-se ao evangelho; é inimiga
ração do homem, tão pouca perver- de Deus e de sua verdade. Se a ver-
sidade em sua vontade e um tão ins- dade for apresentada com muita
tintivo amor à verdade e repúdio ao clareza à vontade do homem e insis-
erro, que, se a verdade lhe fosse es- tida sobre ela, logo despertará e
clarecida, ele imediatamente a a- suscitará o seu ódio. A proclamação
ceitaria! Todas as suas hesitações an- da verdade, embora seja feita de ma-
teriores resultavam de erros que neira vigorosa e compreensível e seja
estavam mesclados à verdade apre- a verdade sobre a graça de Deus, ape-
sentada! Poderíamos imaginar que a nas deixará exasperado o homem
causa de tal hesitação era qualquer não-convertido. Ele odeia o evange-
coisa, exceto a depravação. Talvez lho; quanto mais claramente o
era a ignorância, mas não podería- evangelho lhe for apresentado, tanto
mos chamá-la de inimizade à ver- mais ele o odiará. O homem não-con-
dade, e sim inimizade ao erro. Pare- vertido odeia a Deus; quanto mais
ceria que a principal característica do Deus se aproxima dele, quanto mais
coração e da vontade do pecador não vividamente Deus é apresentado ao
é a inimizade à verdade, e sim o ódio homem, tanto mais surge e cresce sua
ao erro e o amor à verdade! inimizade para com Ele. Com certe-
O coração do homem é inimigo za, aquilo que estimula a inimizade
de Deus o Deus revelado no evan- não pode removê-la por si mesmo.
gelho, o Deus da graça. Que verdade Então, qual a utilidade dos instrumen-