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Texto 1 - PraticasCorporais - AF - SUS
Texto 1 - PraticasCorporais - AF - SUS
07482016 1829
artigo article
na perspectiva da Promoção da Saúde na Atenção Básica
Abstract The scope of this article is to make a Resumo O presente artigo busca refletir criti-
critical reflection on the institutionalization and camente sobre o processo de institucionalização
enhancement process of corporal practices and e fortalecimento das práticas corporais e ativi-
physical activity as Health Promotion actions in dades físicas como ações de Promoção da Saúde
Primary Care in the Brazilian Unified Health na Atenção Básica do Sistema Único de Saúde
System (SUS). To examine the configuration of (SUS). Para examinar a configuração dessa for-
this form of care and course of action, which has ma de cuidado e eixo de ação que emerge e vem
emerged and is becoming consolidated in public se consolidando na saúde pública brasileira, opta-
health, a brief historical review of the process of mos por revisitar historicamente, de forma sucin-
standardizing and implementing Health Promo- ta, o processo de conformação e desenvolvimento
tion in the SUS was conducted, in order to reveal da Promoção da Saúde no SUS de modo a, na se-
data on corporal practices and physical activity. quência, apresentar alguns dados sobre as práticas
Lastly, there is a critical analysis of interactions, corporais e atividades físicas nesta realidade. Por
interfaces and divergences arising between cor- fim, há a análise crítica das interações, interfaces
poral practices and physical activities and the e distanciamentos que se processam entre as prá-
theoretical frameworks of Health Promotion. It is ticas corporais e atividades físicas e os referenciais
argued that part of the problem lies in the produc- teóricos da Promoção da Saúde, em sua vertente
tion of knowledge that overlooks the epistemolog- crítica. Argumenta-se que parte do problema re-
ical aspects of the relationship between corporal side na produção de saberes que desconsideram os
practices and physical activities. The conclusion aspectos epistemológicos da relação entre práticas
drawn is that despite the exponential growth in corporais e atividades físicas. Conclui-se que ape-
the availability of these actions, it is still not possi- sar do exponencial crescimento da oferta dessas
ble to say that this form of care can be character- ações, ainda não é possível afirmar que esta for-
1
Escola Nacional de ized as Health Promotion, as it would be necessary ma de cuidado possa ser caracterizada como Pro-
Saúde Pública Sergio for some principles to be observed for this to occur, moção da Saúde já que seria necessário observar
Arouca, Fiocruz. R. such as empowerment, social participation, au- alguns princípios para isso, tais como empodera-
Leopoldo Bulhões 1480,
Manguinhos. 21041-210 tonomy, equity, completeness, among others. mento, participação social, autonomia, equidade,
Rio de Janeiro RJ Brasil. Key words Public health, Unified health system, integralidade, entre outros.
fabiofbcarvalho@gmail.com Health services Palavras-chave Saúde pública, Sistema Único de
2
Faculdade de Educação
Física, Universidade de Saúde, Serviços de saúde
Brasília. Brasília DF Brasil.
1830
Carvalho FFB, Nogueira JAD
possibilitam a inclusão do Profissional de Edu- do, 24% dos respondentes relataram dificuldades
cação Física nas equipes, favorecendo a oferta na articulação com a ESF e 20% com o Nasf7. Em
dessas práticas como cuidado em saúde15,16,20-22. outras realidades analisadas houve relatos de difi-
Destaca-se que, a depender contexto e objetivo culdade para utilização de salas nas UBS, falta de
das PC e AF, é possível que diferentes categorias espaço físico e de materiais15,16,23.
profissionais atuem com tais atividades no SUS, Ademais, os dados indicam que 90% dos
contudo é inegável a aproximação daqueles pro- polos respondentes atendem apenas a comuni-
fissionais com as PC e AF20. dade adscrita, e um baixo percentual, aproxima-
Assim, dados do PMAQ e do monitoramen- damente 3%, indicou a inclusão de populações
to anual do Programa Academia da Saúde for- específicas (e.g. quilombolas, ribeirinhos, indíge-
necem um panorama situacional quantitativo nas, pessoas em situação de rua e ciganos), sendo
das PC e AF na AB, além de apresentar alguns que apenas 5% afirmaram não haver nenhum
fatores contextuais relacionados. Das equipes de desses grupos no município7.
AB participantes do 2° ciclo do PMAQ, 96% (n Quanto ao público alvo do programa, quase
= 28.579) afirmam ofertar ações educativas e de a totalidade dos polos desenvolvem atividades
PS, das quais,respectivamente, 44,2% incentivam com adultos e idosos, 76% incluem adolescentes,
e desenvolvem PC e 68,8% desenvolvem AF6 38% atendem crianças, e apenas 36% possuem
nas UBS e/ou no território (no instrumento de participantes em todas as faixas etárias. Em adi-
avaliação as PC e AF estão separadas nas opções ção, 56% dos polos informam ter dificuldades
de resposta), evidenciando a oferta de PC e AF para desenvolver atividades com crianças, 41%
também pela ESF, além do Nasf e do Programa com adolescentes e 43% dos polos têm encon-
Academia da Saúde. trado dificuldades para envolver a comunidade
No Nasf, são aproximadamente 2.500 Profis- no planejamento de atividades7. Esses dados são
sionais de Educação Física distribuídos em mais corroborados por outros estudos que apontam o
de 4.000 equipes em cerca de 3.300 municípios6. perfil da população usualmente engajada nessas
Estudo realizado até 2011 mostra que este pro- práticas: adultos e idosos, do gênero feminino e
fissional estava entre as cinco profissões mais com alguma patologia15,16,23.
contratadas para trabalhar no Nasf, estando pre- Estudos complementares indicam que as PC
sente, em média, em 49,2% das equipes, mas com e AF mais desenvolvidas na AB são as aeróbicas
diferenças expressivas entre regiões (e.g. 75% no (principalmente caminhada) e os exercícios re-
Acre e Paraná e 0% no Distrito Federal)15. sistidos e, em menor proporção, o alongamen-
Há ainda cerca de 4.000 polos do Programa to, a coordenação motora e as atividades lúdi-
Academia da Saúde implantados ou em proces- cas4,5,15,16,23-27, o que, para alguns autores, pode
so de implantação em 2.800 municípios6. Dados evidenciar a difusão de estilos de vida saudável
do monitoramento do Programa em 2015 com numa abordagem comportamental e de forte
2.418 respondentes indicam que dos 859 polos perspectiva curativa9,13,28-30.
em funcionamento, 96% oferecem ações no eixo
das PC e AF, 96% alimentação saudável, 94% edu- Problematizando as Práticas Corporais
cação em saúde, 88% mobilização da comunida- e Atividades Físicas na perspectiva
de, 57% práticas integrativas e complementares e da Promoção da Saúde
27% práticas artísticas7. Não obstante, 47% dos
respondentes no monitoramento do Programa A despeito do exponencial crescimento da
informaram dificuldades para a contratação de oferta de PC e AF na AB4,6,7 e das evidências de
profissionais7, trazendo à tona outra questão rele- seus benefícios à saúde individual e coletiva31, é
vante: a precarização e a flexibilização dos contra- essencial problematizar a generalização de que as
tos de trabalho, o que pode resultar em baixa es- PC e AF na AB são, necessária e aprioristicamen-
tabilidade, na criação de outros vínculos empre- te, ações de PS. É indispensável analisar a que
gatícios e na redução da qualidade do serviço15. vertentes político-ideológicas as PC e AF, reco-
A despeito da grande parte dos 859 polos do mendadas nos documentos e oferecidas na prá-
Programa Academia da Saúde em funcionamen- tica, têm se filiado nos últimos anos. Isso porque
to estar em municípios que possuem equipe do a institucionalização e a implementação das PC
Nasf (77% dos respondentes), e de estar próxi- e AF enquanto serviço de saúde pública também
mos à UBS (89% dos respondentes), o que deve- são marcadas pelas fortes disputas político-ide-
ria potencializar a articulação e a complementa- ológicas presentes na instituição e no fortaleci-
ção das atividades e favorecer o cuidado amplia- mento do SUS e da PS1,2,8,9.
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aptidão física31. A ciência moderna utiliza hege- mentosos e, sobretudo, à fragmentação do cuida-
monicamente o arcabouço teórico-metodológico do11,37. O mesmo ocorre com as PC e AF, em que
da epidemiologia31 para produzir as evidências de a concepção e o escopo de cada programa impli-
vinculação entre as PC e AF e a saúde. cam no planejamento e na execução de ações e
Essa perspectiva dominante e pretensamen- atividades com foco, objetivos e qualidade distin-
te unívoca sobre as PC e AF e saúde incorre em tas, em se tratando da concepção de saúde e de PS
simplificações na compreensão dos fenômenos subjacentes38,39.
de forma que as práticas de saúde, descontextua- As PC e AF podem ser concebidas como fer-
lizadas, passam a responsabilizar e culpabilizar o ramentas da PS moderna ou crítica, voltadas para
sujeito vulnerável por seu adoecimento. Em adi- ações integradoras e descentralizadas que contam
ção, a falta de rigor metodológico nas reflexões com ampla participação social para melhorar
associativas e nas questões epistemológicas vem as condições vida da população33, mas também
gerando resultados e compreensões equivoca- podem ser vistas como ações simples de serem
damente deterministas dos fenômenos das PC e adotadas, nas quais sujeitos e coletividades, por
AF e da PS, contribuindo para a manutenção da vontade e esforço próprios, poderiam começar a
visão positivista, a banalização do tema e a perpe- praticá-las a qualquer momento, em qualquer lu-
tuação do senso-comum32,33. gar, desconsiderando o contexto de vida no qual
Não obstante, coexistindo com esses movi- estão inseridos.
mentos, debates da I Conferência Internacional Ainda é comum que práticas nomeadas como
de PS, publicados na Carta de Ottawa em 1986, de PS sejam desenvolvidas centradas em discur-
resgatam a concepção de produção social da saú- sos prescritivos e antecipatórios de riscos à saú-
de com perspectivas contextuais amplas, históri- de, numa perspectiva biomédica, individual, que
cas e coletivas e apontam que a PS deve buscar acaba na responsabilização por escolhas e hábitos
atuar sobre os fatores do entorno social, as condi- de vida37-40. Essa perspectiva reducionista descon-
ções de vida e de trabalho, as condições culturais, sidera os modos de produção da existência hu-
ambientais, entre outras, por meio de políticas mana, abordados historicamente como fenôme-
públicas e ações de âmbito comunitário e uni- nos constituintes, produtores, reprodutores ou
versal1,2. Se relaciona ao esforço planejado para transformadores das relações sociais e da própria
construir políticas públicas saudáveis, criar am- saúde, e os conceitos envolvidos na experiência
bientes favoráveis, fortalecer a ação comunitária, concreta da saúde e do adoecer13,32,33.
desenvolver habilidades pessoais e/ou reorientar A problematização apresentada dialoga com
serviços de saúde na busca de metas e devem, reflexões sobre o próprio desenvolvimento da ra-
inequivocamente, incluir aspectos sociais, cultu- cionalidade científica e a emergência dos campos
rais e econômicos37. Essa compreensão evidencia científicos, em especial da medicina, e por con-
o papel dos determinantes sociais no processo de seguinte da saúde pública40 e da educação física,
construção das condições de vida e saúde de in- derivados do método experimental e da tradição
divíduos e coletividades33 e demarca a concepção quantitativa de pesquisa, que deixam como lega-
moderna ou crítica de PS1. do a fragmentação e a neutralização de dimen-
Nessa perspectiva, é importante nos deter na sões subjetivas fundamentais ao estudo da vida,
PNPS, principal marco normativo da institucio- da saúde, do corpo e de suas relações com o mo-
nalização das PC e AF na AB. A PNPS de 2006, vimento humano29.
gestada no seio da Secretaria de Vigilância em O discurso do risco é fortalecido e natura-
Saúde do MS foi marcadamente influenciada lizado por estudos e monitoramentos que, ao
pela EG, na qual o destaque conferido às PC e adotarem um âmbito mais técnico, centrado nas
AF na saúde decorre de constatações epidemio- ciências naturais, destacam a operacionalização
lógicas sobre seus benefícios frente às doenças do do método em detrimento das reflexões acerca
aparelho circulatório e pela compreensão de que das relações humanas em saúde mediadas pelo
a inatividade física é um dos principais fatores de movimento corporal, e acabam por desconsiderar
risco para a mortalidade mundial4,9. a natureza multidimensional desses fenômenos41.
De forma similar às contradições presentes Tal concepção de ciência tem um óbvio impacto
na PNPS de 20068,9, as práticas de saúde na AB na definição e na produção de saúde, vinculando
ainda buscam superar o modelo assistencial vi- -as hegemonicamente ao seu aspecto biológico e,
gente, calcado na supervalorização da assistência sobre as PC e AF, fixando-se no seu desfecho: a ap-
curativa, especializada e hospitalar, que induz ao tidão física32. Vale destacar que esse conhecimento
excesso de procedimentos tecnológicos e medica- científico também embasa diretrizes e posiciona-
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Colaboradores Agradecimentos
FFB Carvalho e JAD Nogueira contribuíram Aos Departamentos de Atenção Básica (DAB/
igualmente para a concepção do artigo, realiza- SAS) e de Vigilância de Doenças e Agravos Não
ram análise e interpretação das informações e da- Transmissíveis e Promoção da Saúde (DEVDAN-
dos, redigiram e revisaram criticamente o conteú TPS/SVS) do Ministério da Saúde pela cessão de
do e aprovaram a versão final a ser publicada. dados.
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