Você está na página 1de 5

jusbrasil.com.

br
8 de Junho de 2020

Preços de transferência e "arm's lenght"

A expressão "preço de transferência" consiste na determinação do preço


pelo qual uma empresa transfere bens ou fornece serviços à empresas a ela
vinculadas, que se situem em locais com outras jurisdições tributárias ou
em "paraísos fiscais" (países com tributação favorecida, nos termos do art.
24 da Lei nº 9.430/96).

De acordo com a definição de Rodrigo Maitto da Silveira[1]:

"Em princípio, é possível definir preço de transferência como sendo o


valor de compra ou venda de bens e serviços comercializados entre
unidades organizacionais situadas em diferentes países, ou,
simplesmente, a expressão monetária de produtos e serviços entre
unidades organizacionais de uma mesma empresa, localizadas em
países distintos.

Em outras palavras, entende-se por transferência de preços o


acréscimo para mais ou para menos do preço normal de mercado, de
mercadorias que a matriz exporte para a filial, ou que esta última envie
para aquela."

A terminologia adotada atualmente na prática mundial é a da expressão


inglesa: “transfer pricing”.

/
A origem do "preço de transferência" decorre da globalização e da
consequente internacionalização dos fenômenos econômicos, que levaram
as empresas a atuar em vários países - por meio de filiais, subsidiárias,
agências etc -, o que gerou a necessidade empresarial de transferir entre
suas várias unidades seus produtos, matéria prima, técnica, pessoal,
métodos organizacionais, serviços, conhecimento etc.

Desta forma, em virtude das peculiaridades oriundas das circunstâncias das


operações que se realizam entre essas pessoas jurídicas relacionadas, o
"preço de transferência" é estipulado de modo artificial, de modo que
diverge do preço de mercado normalmente praticado entre empresas
diferentes.

Ainda seguindo a lição de Rodrigo Maitto da Silveira[2]:

"(...) de forma mais precisa, Luís Eduardo Schoueri conclui, apoiando-


se na doutrina internacional, que preço de transferência é"o valor
cobrado por uma empresa na venda ou transferência de bens, serviços
ou propriedade intangível, a empresa a ela relacionada", ressalvando
que, por se tratarem de preços que não foram negociados em um
mercado livre e aberto,"podem eles desviar-se daqueles que teriam sido
acertados entre parceiros comerciais não relacionados, em transações
comparáveis nas mesmas circunstâncias."

A função do" preço de transferência "para as empresas é controlar as


operações comerciais e/ou financeiras realizadas entre partes relacionadas,
sediadas em jurisdições tributárias diversas.

Neste sentido, afirma Heleno Tôrres (apud Rodrigo Maitto da Silveira)[3]


que:

/
" (...) a transferência de preços pode servir como forma de alocação
estratégica de receitas ou despesas, nas operações de venda de bens,
prestação de serviços, transferência e uso de tecnologia e patentes,
mútuos e outros, efetuadas entre pessoas interdependentes ou de
qualquer modo relacionadas, situadas em diferentes jurisdições
tributárias, e em condições divergentes das que seriam pactuadas com
empresas independentes, visando, no mais das vezes, reduzir a
tributação geral da empresa ".

Como função do" preço de transferência ", Rodrigo Maitto da Silveira[4]


ainda menciona que, segundo Clive Emmanuel e Messaoud Mehafid, na
perspectiva empresarial, além da razão meramente tributária, há várias
razões de natureza administrativa e gerencial que levam as empresas a
adotarem políticas de" preços de transferência ". Tais razões podem ser,
verbi gratia, as seguintes:

"a) concentração centralizada de caixa; b) minimização da carga fiscal


global, incluindo impostos aduaneiros e agregados; c) redução da
exposição aos riscos da inflação e flutuações de taxas de câmbio; d)
evasão de restrições de repatriamento de dividendos; e) melhoria da
vantagem competitiva através de financiamentos baratos; f)
administração de joint ventures (associações) envolvendo sócios
estrangeiros; g) manutenção de um bom relacionamento com o país-
hóspede e com o público em geral; h) provisão para medidas de
mensuração de desempenho para diversos segmentos de um negócio".

Relacionado ao conteúdo de estudo do" preço de transferência "está o


princípio" arm’s lenght ". Sinteticamente, tal princípio consiste em tratar as
empresas vinculadas como se não fossem vinculadas. Desta forma, pelo
princípio" arm's length ", busca-se alcançar o valor da operação praticada
entre pessoas relacionadas se estivessem negociando em condições de livre
comércio, pelo preço fixado pelo mercado.

Ensina Heleno Tôrres[5] que o princípio" arm's length "corresponde ao


preço praticado no mercado entre empresas independentes, diversas, em
condições equivalentes, direcionadas pela livre concorrência. Em outras
palavras, o princípio corresponde ao" preço de mercado ou de livre
concorrência ", ao" preço parâmetro "ou ao" preço de referência ".
/
Quanto à positivação no Brasil deste princípio, de acordo com Rodrigo
Maitto da Silveira[6]," embora a legislação brasileira não preveja
expressamente esse princípio, a melhor doutrina sustenta com
tranquilidade a sua adoção pela legislação tributária brasileira, de tal modo
que a sua observância é mandatória para a justa determinação de preços de
transferência ".

Portanto, a Legislação Brasileira sobre" preços de transferência "não trata


expressamente do princípio" arm's length ", mas ele está nela incluído de
forma implícita.

Ainda, de acordo com Juliana Gilioli[7]:

"No que tange a inserção do arm's length no direito brasileiro pela Lei
nº 9.430/96, a maior parte da doutrina afirma que o referido
princípio/regra foi recepcionado. Isso porque, a função dos arm's
length é verificar e aplicação o preço justo ou imparcial para fins de
tributação, tendo tal comando fundamento no ordenamento jurídico
brasileiro através dos princípios constitucionais da capacidade
contributiva, da igualdade e da livre concorrência.

Portanto, toda vez que se verificar uma transação entre partes


relacionadas que não respeite o arm's length, ou sejua, que se constante
[sic] a divergência entre o preço praticado e aquele de livre
concorrência, deve-se aplicar os métodos previstos pela legislação de
forma a promover a efetivação do princípio e de modo a administração
tributária exercer o controle sobre os preços de transferência com
objetivos fiscais e extrafiscais."

Tendo em vista que o princípio"arm's length"é considerado pela doutrina


brasileira majoritária como válido para orientar as normas de"transferência
de preço"e que na ele está implícito em diversas normas dispostas na Lei nº
9.430/96 (através de métodos e definições), é possível sua aplicação
coercitiva, mediante a mera consecução dos métodos de controle
dos"preços de transferência"prescritos na legislação pátria sobre o assunto,
que consistem em forma legal válida para o exercício do poder impositivo
tributário.

/
[1] In: Manual de preços de transferência no Brasil. BORGES, Alexandre
Siciliano; FERNANDES, Edison Carlos; PEIXOTO, Marcelo Magalhães
(COORD.). São Paulo: MP Editora, 2007, p. 110.

[2] Idem, Ibidem, p. 111.

[3] Op. Cit., p. 113.

[4] Op. Cit., p. 113-114.

[5] TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário Internacional.


Planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001, p. 184.

[6] Op. Cit., p. 118.

[7] In: Os preços de transferência no sistema tributário brasileiro.


Disponível em
<http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/tr
abalhos2010_1/juliana_gilioli.pdf.> Acesso em 02/07/2015

Disponível em: https://renatavalera.jusbrasil.com.br/artigos/326239082/precos-de-transferencia-e-


arm-s-lenght

Você também pode gostar