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Apresentação
A TV alemã, Canal UM, exibiu no dia 24/01/2022, o documentário “Como Deus nos criou”
(60 min.) que trata do coming out (inglês: assumir-se publicamente) da sexualidade de 100
agentes pastorais católicos, entre os quais empregados nas instituições diocesanas ou
paróquias, religiosos e padres.
A abrangência, profundidade e atualidade desta temática em toda a Igreja Católica, motivou
essa tradução para a língua brasileira, mesmo sabendo que a palavra escrita - sem a
visualização das pessoas (idade, feições, emoções) e seu habitat - transmite a narrativa das
testemunhas de forma bem limitada. Para quem gostaria de se informar mais, aconselha-se
o documentário legendado em português, acessível no Youtube1 (veja título na foto).
Também a trilha musical encontra-se no Youtube.2 A divisão do documentário em partes e
o acréscimo de subtítulos são do tradutor para facilitar a compreensão.
Um mês após a exibição do documentário e tendo terminado a tradução, o mundo todo
olha com tristeza e indignação à guerra com a qual Putin quer submeter a Ucrânia e o mundo
democrático. Apesar deste contexto global, acredito que este texto merece nossa atenção.
Fraternalmente saúda o tradutor: Frei Johannes Gierse OFM
PARTE I: Introdução
Narrador:
Muito tempo eles ficaram calados. São pessoas como eu e você. E são muitas pessoas.
Mulher:
Se vocês soubessem, se você soubesse, o quanto eu rezei, me confessei e esperei. Mas
‘a coisa’ não é assim. Eu não escolhi ‘essa coisa’.
Homem jovem:
E ‘isso’ causa, de fato, pensamentos suicidas.
Narrador:
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Para gravar este documentário, todos eles e elas falaram diante da câmera. Eles e elas
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https://www.ardmediathek.de/video/wie-gott-uns-schuf/wie-gott-uns-schuf-oder-die-doku/das-
erste/Y3JpZDovL3JiYi1vbmxpbmUuZGUvd2llLWdvdHQtdW5zLXNjaHVmLzIwMjItMDEtMjRUMjI6NTA6M
DBfMWUzNjQ3OGQtNjkwZi00Y2M3LWEzMTgtM2Q0NmY0MGY2MDMwL3dpZV9nb3R0XzIwMjIwMTI0X
3dpZV9nb3R0X3Vuc19zY2h1Zl9kaWVfZG9rdQ/.
2
Hans Zimmer - Cornfield Chase (Interstellar Soundtrack). In:
https://www.youtube.com/watch?v=UDVtMYqUAyw
Mulher:
Eu cheguei a um ponto no qual nada fez mais sentido para mim.
Homem:
Interiormente eu estive morto, sem nenhuma felicidade.
Narrador:
100 pessoas. Todas elas são cristãos fiéis. E a serviço da Igreja Católica. E...
Várias pessoas
...eu sou queer3, lésbica, gay, bissexual, não binar, transident.
Duas mulheres:
Nós somos um casal.
Narrador:
São pessoas cujo estilo de vida a Igreja Católica condena.
Para todas essas pessoas, participar deste documentário representa um alto risco.
Homem novo:
O meu patrão me diz: você há de se decidir, ou Igreja ou vida particular.
Narrador:
Agora, essas pessoas se dirigem ao público.
Homem idoso:
Não quero mais me sentir obrigado a esconder minha homossexualidade.
Mulher idosa:
Acho que ‘isto’ é em boa parte desumano. E eu quero acabar com ‘isso’.
Narrador:
É o maior coming out na história da Igreja Católica. Ele está acontecendo agora, na
Alemanha.
Segundo as regras do Vaticano, Ralf Klein nunca deveria ter se tornado um sacerdote.
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querer (inglês): é um termo guarda-chuva para minorias sexuais e de gênero, ou seja, que não são
heterossexuais ou não são cisgénero. Originalmente a palavra significa "estranho" ou "peculiar".
Ralf Klein, padre jesuíta:
A descoberta da própria orientação sexual muitas vezes está ligada ao sentimento:
será que eu sou o único? E ao mesmo tempo em que você se cala sobre o assunto,
você contribui para os outros a sentir o mesmo.
(inicia a liturgia) “Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.”
Narrador:
Até hoje, ele confiou apenas a algumas pessoas aqui na região, que é gay.
Ralf Klein, padre jesuíta:
Sempre há também aqueles que têm dificuldade com ‘isso’. Eu tenho que prestar
atenção para não deixar de lado aqueles que têm dificuldade com ‘isso’.
Narrador:
Ralf Klein vive celibatário. Ele não pode e não quer cultivar um relacionamento desde
que é sacerdote, há mais de 30 anos.
Ralf Klein, padre jesuíta:
Se eu, como sacerdote, prometo não ter relações sexuais; então, a pergunta se eu sou
homo ou heterossexual é irrelevante.
Narrador:
Mesmo assim, ele é cauteloso. Ele sabe o que pode acontecer se essa notícia se
espalhar. Muitos anos atrás, quando ainda morava em Berlim, ele teve a coragem de
se assumir como gay diante de alguns fiéis.
Um confrade tomou conhecimento disso e contou o caso, sem seu consentimento, a
outros jesuítas. Ele mandou até uma carta ao superior geral dos jesuítas em Roma.
Ralf Klein, padre jesuíta:
Isso foi um ataque brutal contra mim. Usando palavras vulgais ‘debaixo da cintura’, ele
queria me expor e humilhar. Ou, de forma mais acentuada: a intenção era de me
destruir; de me excluir da Ordem.
Pela primeira vez fiquei totalmente arrasado. Aí a confiança quebrou. Mas, eu posso
ter uma cabeça dura. Por causa de tais pessoas não vou jogar minha vida fora, tudo o
que fiz até agora. Quero continuar a fazer parte da Igreja. Eu não me deixo empurrar
para fora. Mas, confesso que por muito tempo passei mal interiormente.
Narrador:
Ralf Klein é um de 22 milhões de católicos e católicas na Alemanha.
Há quase 10 anos, nossa equipe de TV acompanhou a situação de pessoas queer, quer
dizer pessoas que não são heterossexuais, na Igreja Católica. Centenas de milhares de
pessoas trabalham por ela e suas instituições. Essas pessoas fazem com que nossa
sociedade funcione a cada dia.
Diversas pessoas:
Sou médica numa Clínica católica.
Sou professora de religião católica e matemática.
Sou educadora numa instituição católica.
Sou pedagoga social da Cáritas.
Sou formado como agente de pastoral paroquial.
Sou profissional de saúde e enfermeira.
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Durante 13 anos ela trabalhou numa forania da diocese de Paderborn como assessora
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Carla Bieling tem tudo preto no branco: para a Igreja Católica, a ‘parceria de vida
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Numa noite estávamos tomando uma cerveja. E aí eu disse que a Simone agora é o
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Durante um bom tempo levei uma vida dupla. Eu era religiosa e apaixonada na Marie.
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Muitas noites andei desesperadamente pelas ruas da cidade de Münster pensando
sempre que isso é terrível e não pode acontecer; eu não estou certo, talvez eu esteja
doente. O que devo fazer?
Pois num ambiente católico você não pode conversar com quase ninguém sobre ‘isso’.
Marie Kortenbusch:
Eu fiquei muito surpresa e despreparada para essa situação. Além disso, eu estive num
ambiente onde o tema da relação homossexual era ausente. Nem existia a palavra
‘outing’ no nosso uso de língua.
Narrador:
Monika Schmelter se decidiu a abandonar a vida religiosa por causa do amor. Mas
jogo-de-se-esconder continuou, mesmo quando não estava mais na Ordem. As duas
trabalharam em Instituições católicas sabendo do risco de perder seu emprego.
Monika Schmelter:
Eu era muito cautelosa. Cada uma de nós tinha seu lugar de trabalho bem distante da
nossa residência, pois sabíamos da necessidade de esconder nosso relacionamento.
Mantivemos um distanciamento seguro. Eu, por exemplo, andei todo dia 130 km, ida e
volta, para chegar no lugar de trabalho.
Narrador:
Durante décadas, as duas aperfeiçoaram sua vida dupla.
Marie Kortenbusch:
Eu trabalhei numa escola católica. E foi muito amargo para mim de não poder mostrar
meu amor. Era impensável de levar a Monika como minha companheira para uma
festa de formatura. Eu tinha medo dos pais. Eu sabia, de outros contextos, que
acontecem denúncias em grande escala.
Monika Schmelter:
Também os passeios da empresa eram complicados. Eram oportunidades para
conversar pessoalmente. Toda a minha vida profissional foi marcada pelo enorme
esforço de me controlar. E causa um peso incrível e uma tensão interior para a vida
pessoal e profissional. Sempre viver no medo: Se ‘isso’ um dia for sabido/descoberto,
posso perder meu emprego.
Narrador:
Em 2012, Monika Schmelter trabalhou há mais de 20 anos para seu empregador
católico, a Cáritas. Quando morreu seu pai, quis expressar seu luto junto com a sua
parceira, na hora do enterro. Muita gente veio, também o chefe que não devia saber
nada do relacionamento.
Monika Schmelter:
Eu me encontrei na seguinte situação: naquele dia, não podia me mostrar perto da
Marie, embora tivesse desejado muito a presença dela. Teria gostado muito que você/
ela tivesse ficado ao meu lado, junto à cova do meu pai. Mas, tudo isso não era
possível.
Marie Kortenbusch:
Eu achei tudo isso desumano. Na hora da Missa não podia me sentar perto da Monika.
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Na hora do enterro, não podia ficar perto dela, mas na 5ª ou 4ª fileira junto com um
primeiro.
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Narrador:
Hoje, ambas estão aposentadas; não estão mais no serviço da Igreja Católica. Apesar
de tudo, continuam sentindo-se ligadas à Igreja; estão engajadas num grupo de
mulheres.
E mesmo assim: quando em 2020 as duas se casam no civil, aconteceu de forma
secreta.
Monika Schmelter:
Entramos pela porta dos fundos da prefeitura, pois somos bem conhecidas na cidade.
Marie Kortenbusch:
A sensação foi muito estranha, mas agora estamos casadas.
Narrador:
Diante da Instituição Igreja continuam escondendo seu casamento; pois, a antiga
professora de Religião, Marie Kortenbusch, tem medo de perder sua aposentadoria
que não recebe do Estado, mas da Igreja. Marie não pode perguntar seu empregador
sobre o assunto, sem fazer o outing.
Agora, as duas vão se encontrar com o Professor de Direito Canônico, Thomas
Schüller: elas procuram um conselho dele.
Marie Kortenbusch:
Tenho muitas preocupações a respeito da minha pessoa, pois na escola ouvi de forma
informal que a ‘obrigação de lealdade’ vai além do tempo de serviço e que pode haver
problemas com a aposentadoria.
Narrador:
Thomas Schüller entende as preocupações da senhora Kortenbusch; porém, ele pode
tranquilizá-la.
Thomas Kortenbusch:
Não há possiblidade de sanções. Não se preocupe, pois a ‘obrigação da lealdade’ vale
somente para o tempo de serviço. Mas não mais a partir do ponto em que a senhora
recebeu a confirmação legal de sua aposentadoria.
Marie Kortenbusch:
Não sei o que dizer. De um lado estou muito aliviada, de outro lado estou pensando
(chorando) quanto tempo vivi com o medo por causa de uma informação incorreta.
Thomas Kortenbusch:
Isso vem do alto escalão, das cúrias diocesanas, do departamento jurídico e dos
recursos humanos. Todos eles brincaram com seu medo.
E isso é o lado humilhante da tática da Igreja.
Narrador:
Monika Schmelter e Marie Kortenbusch podem finalmente assumir sem medo o seu
casamento, e pela primeira vez assumir publicamente seu amor, depois de 40 anos.
Monika Schmelter:
Tudo parece muito estranho quando, agora, começo a falar da minha mulher. Nunca
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fiz isso em 40 anos. E em certas situações, agora digo conscientemente que vou pra
casa, ou que vou voltar para minha mulher.
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Narrador:
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A história do Rainer Teuber causa uma onda: a diocese publica um artigo sobre ele e
produz um vídeo para as redes sociais.
Rainer Teuber:
O fato de trabalhar por uma instituição que rejeita a minha pessoa e sexualidade, o
nosso casamento, me rasga ao meio.
Narrador:
A diocese se apresenta como uma Igreja tolerante e aberta. E Rainer Teuber é o seu
cartão postal. Mas, isso não agrada a todo mundo.
Rainer Teuber:
Eu creio sim, que tanto o nosso Vigário Geral como o nosso bispo estão sendo
atacados fortemente. Uma boa parte das pessoas, não somente na diocese de Essen,
mas na Alemanha toda, estão olhando admiradas o que aqui é possível acontecer.
Eu sei igualmente que há muita gente - sacerdotes e leigos - na diocese e fora dela,
esperando que o Vigário Geral ou o bispo tropecem neste caminho.
serviço, como pessoal. Às vezes, as mensagens eram breves: “Sabemos, que o senhor é
gay. Isso vamos comunicar ao bispo.”
Narrador:
Muitas pessoas, não só na Igreja católica, têm dificuldade de lidar com pessoas que
não correspondem à divisão clássica de gênero.
Theo Schenkel, o futuro professor de religião, tem o apoio de sua namorada Daniela.
Há três anos e meio atrás eles se conheceram e se apaixonaram. Naquele tempo, Theo
Schenkel ainda vivia como mulher. Hoje, os dois querem se casar.
Theo Schenkel:
Para mim é fantástico de ter encontrado alguém quando vivia ainda como mulher, e
que agora me acompanha todo este caminho dizendo para mim: “Hey, eu estou ao seu
lado e quero partilhar minha vida contigo”.
Narrador:
Os dois planejam não somente o casamento. Após o estágio de professor, Theo quer
continuar lecionando religião, como senhor Schenkel. Mas, para a Igreja católica está
claro: nascida como mulher, Theo Schenkel sempre vai permanecer como mulher.
Theo Schenkel:
Para mim, o problema está na escola: se eu casar minha namorada, Daniela e eu
somos para a Igreja uma união homossexual.
Mesmo que eu tenha mudado meu estado pessoal segundo a lei alemã, e segunda ela
seremos um casamento heterossexual, para a Igreja não é assim. Segundo a Igreja
seríamos uma parceria homossexual entre duas mulheres.
Narrador:
Isto significa segundo o Direito Trabalhista Eclesial: sem licença de lecionar. Por
enquanto, Theo Schenkel e sua namorada vão adiar o casamento.
Pessoas católicas queer sofrem não somente por causa dos regulamentos rigorosos
escritos no papel; as discriminações acontecem muitas vezes nas entrelinhas, em
conversas a dois, e portanto, não se deixam comprovar.
Evelyn Keusen, escoteira/Pastoral Juvenil, Aachen:
Em relação à Igreja eu tinha sempre a impressão de não ser visto. Predomina a ideia
que a gente tem que casar, que a gente tem que ter um parceiro. De certa forma, a
gente não é aceita verdadeiramente.
Sera Reneé Zentiks, cantora, Berlim:
Para falar bem claro: é devastador o fato de não ser aceita, como afinal eu sou.
Hendrik Johannemann, conselheiro do Sínodo católico na Alemanha, Berlim:
A homofobia fez com que eu não apenas pensava na minha adolescência e juventude
quando percebi que sou gay: Deus não me quer assim. Meus pais não me querem
assim. Eu pensava também: eu não me quero assim. E aos 11, 12, 13 anos de idades já
tive pensamentos suicídios.
Ann-Cathrin Röttger, funcionária da diocese, Osnabrück:
Eu tinha um problema gigantesco comigo mesma, pois eu pensava sempre: Puxa,
como você é estúpida! Você escolheu essa profissão, embora soubesse que...
Muito tempo procurei a culpa em mim mesma.
Hajo Hassemer, médico, Schleswig-Holstein:
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Eu não tinha coragem de falar com qualquer outro padre sobre ‘isso’. Até que
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encontrei um que era antes médico. Ele buscou uma antiga pasta de medicina e me
mostrou: Trata-se de uma doença.
Vanessa Palten, membro da coordenação diocesana da Pastoral da Juventude, Colônia:
Eu tinha muitos momentos nos quais me senti para baixo. E eu tentei.......................
...............................tirar a minha vida. Cheguei a um ponto em que nada fazia mais
sentido para mim.
Pierre Stutz, ex-padre diocesano, Osnabrück:
Para fora, eu estava bem sucedido, mas por dentro estava morto de infeliz.
O que achei terrível foi este ‘sistema de tabu’. Com ninguém podia falar sobre ‘isso’.
Vanessa Palten, membro da coordenação diocesana da Pastoral da Juventude, Colônia:
Na conversa com o orientador espiritual, inicialmente se tratava da questão do porquê
da minha vinda; até que ponto a minha tendência e tentativas de suicídio se tornaram
um peso; e que eu não saberia como lidar com este pecado. E que seja por isso que eu
me sentiria ‘afastada’.
Mas, então, a conversa teve uma virada no sentido que eu estaria afastada da Igreja,
não por causa da minha tendência ao suicídio, mas por causa da minha sexualidade.
[O filme mostra os rostos de diversas pessoas, algumas com lágrimas.]
Klein.
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Padre Ralf Klein (celebrando):
Queridas irmãs, queridos irmãos, sejam bem-vindos à Igreja de São Basílio, para um
ocasião não muito comum. [...]
O Deus bondoso e misericordioso abençoe vocês: o Pai e o Filho e o Espírito Santo.
Narrador:
O religioso sentiu na própria pele como a Igreja pode ser diferente. Isso foi por ocasião
de uma reunião fechada da arquidiocese de Berlim – naquele tempo vivia na capital.
Padre Ralf Klein
Eram passos no rumo de manifestar publicamente “eu sou gay”. E a grande pergunta
era, se eu deveria dizer isso numa assembleia diante de 200 pessoas. Então, eu falei
‘isso’ mais ou menos assim: “Gostaria de dizer-lhes que sou gay”. Eu digo isso
pensando que um debate só pode ser bem sucedido quando os envolvidos participam
visivelmente. Eu gostaria que nós lançássemos um convite para pessoas homossexuais.
(suspiro profundo e lágrimas)
O que aconteceu, em seguida, foi incrível: muitas salva-de-palmas. Não contei com
isso. Uma mãe veio ao meu encontro abraçando-me. Uma outra mulher veio e
agradeceu. Mas, depois de tudo isso precisei de um tempo para mim...
Narrador:
Para Ralf Klein, a Igreja é um lugar da humanidade (humanização) e tolerância. Da
mesma forma, para muitas pessoas, que exibimos neste documentário.
Padre Ralf Klein (abençoando um casal gay):
Deus Pai, estenda sua mão sobre vocês e abençoe vocês.
Narrador:
As pessoas querem mudar a Igreja católica. Com o lema #o amor vence acontecem
bênçãos, desde 2021, em muitas comunidades na Alemanha: pares que vivem relações
homossexuais, pessoas que não são heterossexuais, também divorciados, são
convidados explicitamente.
Nesta noite, Ralf Klein faz muitas vezes, o que a cúpula da Igreja proíbe. Em 2021, ao
proibir essas bênçãos, o Vaticano declarou: “...estes elementos estão a serviço de uma
ideia que não está de acordo com o plano do criador. Deus não abençoa o pecado, e
Ele não pode abençoá-lo”. Essa é a posição oficial do Vaticano.
O Papa em Roma concordou com essas frases, antes de sua publicação. Nós queríamos
falar com ele, ou com um outro representante do clero, sobre isso e sobre a posição
do Vaticano a respeito de pessoas queer. Mas nenhum responsável na cúpula da Igreja
Universal esteve disposto para dar uma entrevista.
Marco Politi é vaticanólogo. Ele escreveu uma biografia sobre Papa Francisco e
observa os debates na Igreja Universal e em Roma.
Marco Politi, biógrafo papal:
O Vaticano acompanha com muita atenção o que acontece na Alemanha.
Naturalmente, o Vaticano está com medo das discussões na Alemanha. Pois, há uma
parte do clero e dos bispos que continuam demonizar a homossexualidade.
O que eu vi nestes anos no pontificado é que as forças conservadoras são mais ativas e
mobilizadas do que as forças orientadas por reformas.
Naturalmente, os conservadores se defendem contra qualquer mudança da doutrina.
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Narrador:
E o próprio Papa Francisco?
Frases como “Quem sou eu para o condenar?”, referindo-se a um fiel homossexual,
desencadearam para muitos a esperança de que o Vaticano iria mudar sua posição.
Entrevistadora:
Há declarações claras como “homossexuais são obrigados a viver a castidade”; “trata-
se de desvios graves”. Como o senhor avalia a chance que haverá reformulações?
Marco Politi, biógrafo papal:
O Papa demonstrou claramente que sente compaixão por todos, e também pelos
excluídos na sexualidade. Mas, ele tem também medo de haver um cisma.
Creio que hoje não há a possibilidade de uma mudança no preto-branco (quer dizer, no
papel). O papa trabalha com gestos, ele trabalha com palavras. Porém, ele não tem a
maioria para conseguir mudanças no preto-branco.
PARTE FINAL
Narrador:
A Igreja católica no mundo todo é muito maior do que o debate na Alemanha. Fiéis
queer na Alemanha que exercem um serviço na Igreja católica não aceitam mais sua
situação.
A força motriz que impulsiona o atual coming out sem precedentes é uma iniciativa
com o nome “Out in Church” (vir pra fora na Igreja). As pessoas esperam: o indivíduo
recebe proteção quando está unido a muitos.
Lisa Müller, agente de pastoral, Munique:
Eu me decidi a falar em público para ganhar um pedaço de liberdade.
Armin Noppenberger, padre, Langenargen:
Eu não quero mais ser escravizado por uma lei de silêncio que existe, mas não é
pronunciada.
Efra Jordan Appold, funcionário da ‘Apoio Católico aos Jovens’, Colônia:
Eu gostaria de mostrar ao mundo que eu também posso ser parte da Igreja quando
sou diferente.
Norbert Kiencke, assessor econômico da diocese de Hamburgo:
Igreja, tu tens tanto espaço na minha vida; então, eu exijo de ti que vejas minha vida
como eu vivo.
Inez Wichmann, maestra de coral, Osnabrück:
Eu sou homossexual, mas isso não é o mais importante. Mas sim, que eu sou Inez e
tenho fé.
Judith Oehl, Pastoral da Juventude, Colônia:
Até agora achei que sair da Igreja seria o caminho errado. Pois se todo mundo sair, não
vai se mudar nada.
Rut Neuschäfer, professora de religião, Essen:
Não quero entregar a Igreja às forças radicais.
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católica.
Pierre Stutz, ex-padre diocesano, Osnabrück:
Eu continuo sendo sacerdote católico. Sou uma pessoa sacerdotal, pois até hoje
encorajo homens e mulheres a ligar céu e terra.
Thomas Spinrad, líder da Kolping Juvenil, Flensburg:
Nós nos encontramos numa encruzilhada crítica. A Igreja católica consegue abrir-se e
tornar-se um lugar da diversidade, um lugar do amor vivido – o que é a essência do
cristianismo – ou não? E isso vai decidir sobre o futuro da Igreja.
Narrador:
Para as pessoas neste documentário é decisivo como a Igreja se comporta com elas. O
coming out delas significa para elas não só risco, mas também alivio.
Ralf Klein, padre jesuíta:
É a alegria....de ter chegado na terra da liberdade.
Dica de Literatura:
É significativo, que no mesmo, 2021, foi publicado no Brasil um livro que aborda o assunto
de forma histórica, teológica e pastoral:
Correia Lima, Luís. Teologia e os LBGT+: Perspectivas históricas e os Desafios
contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2021.
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