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COMO DEUS NOS CRIOU –

COMING OUT NA IGREJA


CATÓLICA

Apresentação
A TV alemã, Canal UM, exibiu no dia 24/01/2022, o documentário “Como Deus nos criou”
(60 min.) que trata do coming out (inglês: assumir-se publicamente) da sexualidade de 100
agentes pastorais católicos, entre os quais empregados nas instituições diocesanas ou
paróquias, religiosos e padres.
A abrangência, profundidade e atualidade desta temática em toda a Igreja Católica, motivou
essa tradução para a língua brasileira, mesmo sabendo que a palavra escrita - sem a
visualização das pessoas (idade, feições, emoções) e seu habitat - transmite a narrativa das
testemunhas de forma bem limitada. Para quem gostaria de se informar mais, aconselha-se
o documentário legendado em português, acessível no Youtube1 (veja título na foto).
Também a trilha musical encontra-se no Youtube.2 A divisão do documentário em partes e
o acréscimo de subtítulos são do tradutor para facilitar a compreensão.
Um mês após a exibição do documentário e tendo terminado a tradução, o mundo todo
olha com tristeza e indignação à guerra com a qual Putin quer submeter a Ucrânia e o mundo
democrático. Apesar deste contexto global, acredito que este texto merece nossa atenção.
Fraternalmente saúda o tradutor: Frei Johannes Gierse OFM

PARTE I: Introdução
Narrador:
 Muito tempo eles ficaram calados. São pessoas como eu e você. E são muitas pessoas.
Mulher:
 Se vocês soubessem, se você soubesse, o quanto eu rezei, me confessei e esperei. Mas
‘a coisa’ não é assim. Eu não escolhi ‘essa coisa’.
Homem jovem:
 E ‘isso’ causa, de fato, pensamentos suicidas.
Narrador:
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 Para gravar este documentário, todos eles e elas falaram diante da câmera. Eles e elas
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não querem mais esconder-se.

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https://www.ardmediathek.de/video/wie-gott-uns-schuf/wie-gott-uns-schuf-oder-die-doku/das-
erste/Y3JpZDovL3JiYi1vbmxpbmUuZGUvd2llLWdvdHQtdW5zLXNjaHVmLzIwMjItMDEtMjRUMjI6NTA6M
DBfMWUzNjQ3OGQtNjkwZi00Y2M3LWEzMTgtM2Q0NmY0MGY2MDMwL3dpZV9nb3R0XzIwMjIwMTI0X
3dpZV9nb3R0X3Vuc19zY2h1Zl9kaWVfZG9rdQ/.
2
Hans Zimmer - Cornfield Chase (Interstellar Soundtrack). In:
https://www.youtube.com/watch?v=UDVtMYqUAyw
Mulher:
 Eu cheguei a um ponto no qual nada fez mais sentido para mim.
Homem:
 Interiormente eu estive morto, sem nenhuma felicidade.
Narrador:
 100 pessoas. Todas elas são cristãos fiéis. E a serviço da Igreja Católica. E...
Várias pessoas
 ...eu sou queer3, lésbica, gay, bissexual, não binar, transident.
Duas mulheres:
 Nós somos um casal.
Narrador:
 São pessoas cujo estilo de vida a Igreja Católica condena.
 Para todas essas pessoas, participar deste documentário representa um alto risco.
Homem novo:
 O meu patrão me diz: você há de se decidir, ou Igreja ou vida particular.
Narrador:
 Agora, essas pessoas se dirigem ao público.
Homem idoso:
 Não quero mais me sentir obrigado a esconder minha homossexualidade.
Mulher idosa:
 Acho que ‘isto’ é em boa parte desumano. E eu quero acabar com ‘isso’.

Narrador:
 É o maior coming out na história da Igreja Católica. Ele está acontecendo agora, na
Alemanha.

PARTE II: A história de um padre gay


Narrador:
 Um domingo no mês de novembro, na Floresta Negra, sudoeste da Alemanha. Não
muito distante de sua residência em Sankt Blasien, o padre jesuíta, Ralf Klein, está a
caminho para visitar uma de suas duas comunidades.
 Ele é um daqueles que, conforme a doutrina oficial da Igreja, tem “uma predisposição
doentia e incurável”.
 Hoje tem celebração eucarística na Igreja São Jorge em Unteribach.
 Sacerdotes como ele nem deveria ter, diz ao menos seu chefe supremo.
[foto do Papa Francisco; seguem imagens tiradas na sacristia, na celebração, no convento].
Ralf Klein, padre jesuíta:
 Eu sou gay.
Narrador:
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 Segundo as regras do Vaticano, Ralf Klein nunca deveria ter se tornado um sacerdote.
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querer (inglês): é um termo guarda-chuva para minorias sexuais e de gênero, ou seja, que não são
heterossexuais ou não são cisgénero. Originalmente a palavra significa "estranho" ou "peculiar".
Ralf Klein, padre jesuíta:
 A descoberta da própria orientação sexual muitas vezes está ligada ao sentimento:
será que eu sou o único? E ao mesmo tempo em que você se cala sobre o assunto,
você contribui para os outros a sentir o mesmo.
 (inicia a liturgia) “Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.”
Narrador:
 Até hoje, ele confiou apenas a algumas pessoas aqui na região, que é gay.
Ralf Klein, padre jesuíta:
 Sempre há também aqueles que têm dificuldade com ‘isso’. Eu tenho que prestar
atenção para não deixar de lado aqueles que têm dificuldade com ‘isso’.
Narrador:
 Ralf Klein vive celibatário. Ele não pode e não quer cultivar um relacionamento desde
que é sacerdote, há mais de 30 anos.
Ralf Klein, padre jesuíta:
 Se eu, como sacerdote, prometo não ter relações sexuais; então, a pergunta se eu sou
homo ou heterossexual é irrelevante.
Narrador:
 Mesmo assim, ele é cauteloso. Ele sabe o que pode acontecer se essa notícia se
espalhar. Muitos anos atrás, quando ainda morava em Berlim, ele teve a coragem de
se assumir como gay diante de alguns fiéis.
 Um confrade tomou conhecimento disso e contou o caso, sem seu consentimento, a
outros jesuítas. Ele mandou até uma carta ao superior geral dos jesuítas em Roma.
Ralf Klein, padre jesuíta:
 Isso foi um ataque brutal contra mim. Usando palavras vulgais ‘debaixo da cintura’, ele
queria me expor e humilhar. Ou, de forma mais acentuada: a intenção era de me
destruir; de me excluir da Ordem.
 Pela primeira vez fiquei totalmente arrasado. Aí a confiança quebrou. Mas, eu posso
ter uma cabeça dura. Por causa de tais pessoas não vou jogar minha vida fora, tudo o
que fiz até agora. Quero continuar a fazer parte da Igreja. Eu não me deixo empurrar
para fora. Mas, confesso que por muito tempo passei mal interiormente.
Narrador:
 Ralf Klein é um de 22 milhões de católicos e católicas na Alemanha.
 Há quase 10 anos, nossa equipe de TV acompanhou a situação de pessoas queer, quer
dizer pessoas que não são heterossexuais, na Igreja Católica. Centenas de milhares de
pessoas trabalham por ela e suas instituições. Essas pessoas fazem com que nossa
sociedade funcione a cada dia.
Diversas pessoas:
 Sou médica numa Clínica católica.
 Sou professora de religião católica e matemática.
 Sou educadora numa instituição católica.
 Sou pedagoga social da Cáritas.
 Sou formado como agente de pastoral paroquial.
 Sou profissional de saúde e enfermeira.
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 Sou capelão universitário.


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 Sou agente de pastoral.


 Sou assistente social.
 Sou assessora de formação.
 Sou enfermeiro num hospital católico.
 Eu trabalho na organização do Congresso Nacional dos Católicos em Stuttgart.

PARTE III: coming out de algumas pessoas


Narrador:
 Até agora, quase ninguém teve a coragem de assumir, diante da Igreja, sua orientação
ou identidade sexual.
 Nós entrevistamos cem pessoas. Agora, elas relatam juntos sobre suas experiências
como pessoas queer na Igreja católica. Eles e elas arriscam muito.
Maik Schmiedeler, professor de religião, Münster
 De fato, todo dia há o perigo que alguém faça um comunicado que estou convivendo
ou amando um homem, e que isso seja investigado pela instituição eclesiástica.
Manuel Rios Juárez, agente de pastoral paroquial em formação, Bremen
 O maior risco é que a Igreja te bota para fora. Quer dizer aquele lugar que eu tinha
entendido como vocação para mim, será tirado de mim.
Silvia Köln, enfermeira, Köln
 Tomei conscientemente a decisão de trabalhar num hospital católico, pois a fé é
importante para mim no meu agir.
Jan Korditschke, sacerdote, Dresden
 Eu gosto de ser padre e religioso. Para mim seria uma grande perda se eu perdesse
tudo isso por qualquer motivo.
Charlotte, agente pastoral
 Temo que vou perder meu emprego, pois me consideram doente pelo motivo de me
sentir uma mulher.
Jens Ehebrecht-Zumsande, teólogo, Hamburg
 Pessoas como eu – gays, lésbicas e outras pessoas queer – não têm segurança jurídica.
Risa Reckling, professor de religião, Goch
 Sem dúvida, a missio canônica pode ser retirada e com ela, a licença de ensinar a
Religião católica. Apesar de tudo, eu acho é importante mostrar a cara, levantar sua
voz dizendo: “Nós estamos aqui. Eu estou aqui”.
Narrador:
 A posição do Vaticano a respeito da homossexualidade é clara. Com embasamento na
Bíblia, as publicações como o catecismo, o livro que ensina os conteúdos básicos da fé,
e outras declarações oficiais da Igreja católica falam de: “desvio terrível”, “contra a lei
natural”, “predisposição patológica”, “perturbação mental”, “sequela triste da rejeição
por Deus”, “de forma alguma aceitável”, “cultura da morte”.

PARTE IV: A obrigação da lealdade


Narrador:
 O medo da intervenção da Igreja tem suas razões; isso mostra o caso da Carla Bieling.
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 Durante 13 anos ela trabalhou numa forania da diocese de Paderborn como assessora
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da pastoral juvenil e familiar. Até que ela foi proibida.


Carla Bieling:
 Na minha cabeça tinha pensamentos como estes: há 13 anos temi que acontecesse
essa situação, e agora ela chegou.
Narrador:
 Carla Bieling vive com sua mulher e dois filhos na região Möhnesee (Sauerland). Sua
alegria foi grande, quando engravidou pela segunda vez através de uma inseminação
(doação de sêmen).
Carla Bieling:
 As pessoas com as quais trabalhei diretamente conheciam nosso primeiro filho, e
todas elas também se alegraram por nascer um pequeno irmão.
Narrador:
 A gravidez da Carla Bieling era também assunto quando conversava como de costume
com o bispo, tratando de assuntos de trabalho pastoral.
Carla Bieling:
 Aparentemente, ele leu antes na minha pasta pessoal, e aí me perguntou se eu não
queria casar.
 Eu disse não, pois eu não estaria junto com o pai da criança, e por isso não iríamos
casar.
 Perguntou, se o pai ao menos iria me apoiar? Eu respondi, nem isso. Aí ele olhou muito
preocupado.
 Eu disse outra vez que eu teria uma rede social muito boa que iria me apoiar; e que
sentiria uma alegria muito grande por causa da segunda criança a nascer. Eu não teria
com o que me preocupar.
Narrador:
 O que Carla não disse ao bispo: para assegurar seus filhos legalmente, registrou em
cartório, junto com sua amiga, uma ‘parceria de vida’.
 Os meses passaram. A gravidez da Carla Bieling já estava bem avançada. Então, ela foi
chamada a comparecer no secretariado diocesano de recursos humanos. Duas
semanas antes de começar a maternidade.
 A diocese de Paderborn começou a suspeitar. Quando foi perguntada, a Carla contou
que está junto com uma mulher.
Carla Bieling:
 Naquela conversa pessoal foi chamada atenção que, devido a “parceria de vida
registrada”, definitivamente não poderia continuar trabalhando na diocese enquanto
empregadora. Caso eu estiver disposta a cancelar a parceria poderia ficar com meu
contrato de trabalho.
 Naquele momento, a proposta feita a mim, como uma mulher altamente grávida, de
cancelar a parceria – mesmo que há dois minutos antes eu tinha explicado que fiz a
parceria para assegurar meus dois filhos com dois ‘pais’ – achei ultrajante. E o fato,
que me colocaram diante dessa escolha, tudo isso não suportei emocionalmente.
 Então, assinei um contrato de cancelamento do meu emprego, pois por causa da
gravidez não tive forças para fazer uma denúncia.
Narrador:
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 Carla Bieling tem tudo preto no branco: para a Igreja Católica, a ‘parceria de vida
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registrada’ é uma grave ‘ofensa contra a lealdade’.


 Seu segundo filho já está frequentando a escola, mas as experiências feitas no serviço
da Igreja Católica a acompanham até hoje.
Carla Bieling:
 A maneira de ser expulsa, me ofendeu e humilhou profundamente. A maternidade é
uma lei obrigatória. Mas, 14 dias antes de começar essa proteção legal, a Igreja
Católica me aperreou tanto. Até hoje, eu não acredito o que ela fez comigo!
Narrador:
 Nossa TV solicitou a arquidiocese de Paderborn a se pronunciar sobre o caso da Carla
Bieling. A arquidiocese nos comunicou que demissões por causa de uma ‘ofensa contra
a lealdade’ aconteceriam muito raramente. A ‘obrigação de lealdade’ teria a finalidade
de evitar uma imparidade da credibilidade da Igreja Católica.
 Hoje, Carla Bieling coordena um asilo para crianças e jovens na cidade de Soest que
não pertence à Igreja Católica.

PARTE V: Direito canônico X Direitos humanos?


Jens Ehebrecht-Zumsande, agente pastoral, Hamburgo
 A experiência mais chocante foi quando os responsáveis me disseram: “Nós
investigamos sua vida e agora sabemos que o senhor é gay e vive como gay; e para
nós, isso representa um problema de empregá-lo.
Henry Frömmichen, ex-seminarista, Munique
 Eu me pus a caminho para me tornar padre católico. Naquele tempo tirei um selfie
com uma pessoa homossexual e postei a foto no instagram. A diretoria do seminário
avaliou essa foto como um outing (da minha sexualidade), e por isso fui demitido do
seminário diocesano.
Stefan Diefenbach, ex-padre religioso, Frankfurt
 O provincial, o coordenador da vida religiosa, disse que o Stefan queria dizer algo.
Então, falei que sou gay e que precisa de um tempo sabático para discernir se posso
ficar na comunidade religiosa. Depois, pediram-me a sair da sala. Para mim ficou claro
que aconteceu uma ruptura.
Holger Allmenröder, padre, Seligenstadt
 Disseram, que meu estilo de vida chamaria muita atenção. Eles fizeram comigo um
fogo cruzado, como fizeram também com outros. Mas, eu não estava disposto a falar
abertamente sobre a minha sexualidade, sem que eles também me contassem como a
vivenciam, tipo: “me contem, então conto a vocês”. Com isso sentiram-se ofendidos.
Barbara Hanna Audebert, professora de religião, Bayern
 A gente assina um contrato de trabalho que tem regras bem claras; mas eu assinei
chorando, pois sabia que contradiz aos direitos humanos, e contradiz ao meu anseio
profundo por uma vida feliz.
Narrador:
 O Direito Canônico está em conflito com os direitos humanos? Embora a ‘lei de
igualdade de tratamento’ deva evitar desvantagens por causa da religião e da
identidade sexual, muitos empregados católicos temem perder seu emprego: os
divorciados que vivem numa segunda união, os que não têm o sacramento do
matrimônio, os queer, e os que vivem em relacionamentos homoafetivos.
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 Pois todos os empregados se obrigam com base na ‘lei de lealdade’, contida no


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contrato de trabalho, de respeitar “os princípios da doutrina e moral católica”.


 Thomas Schüller é professor de Direito Canônico. Muitas vezes ele aconselha pessoas
que estão em conflito com essas normas.
Professor Thomas Schüller
 Todos os empregados e empregadas que contraem um ‘contrato de vida registrado no
civil’, cometem um delito contra a lealdade que consequentemente leva à demissão.
Narrador:
 Essas demissões são legais.
Professor Thomas Schüller
 Isto tem a ver com a nossa Constituição que é favorável à religião.
 A nossa Constituição diz que as grandes religiões, e com isso também as duas grandes
Igrejas cristãs, têm o direito de ‘colocar em ordem e administrar’ seus assuntos
particulares de forma independente.
 Os aspectos ‘colocar em ordem e administrar’ têm a ver com a Lei Trabalhista Eclesial.
Deve-se ainda lembrar que o Estado deseja que as instituições eclesiais de assistência
social assumam muitas tarefas: nas escolas, hospitais, asilos etc.
Narrador:
 Thomas Schüller conhece muitos casos nos quais a Lei Trabalhista da Igreja Católica
impediu perspectivas profissionais e carreiras. A legislação eclesial é clara. Menos clara
é a situação de empregados como o senhor Theo Schenkel.
Theo Schenkel, estudante de religião católica, Baden-Württemberg
 Declarações do Vaticano supõem que eu como uma ‘pessoa trans’ não corresponderia
à natureza, ou que eu me revoltaria contra a natureza que Deus me deu.
Narrador:
 Theo Schenkel está se formando como professor de religião. No seu tempo livre treina
o box thai. Há pouco tempo atrás, ele usou o vestuário feminino.
Theo Schenkel:
 Quando nasci, eles diziam por causa de algumas características físicas: é uma menina.
Mas, pouco depois percebi: Não é assim! E agora estou fazendo uma transição para
adequar minhas características físicas à minha identidade interior de homem.
Narrador:
 A ‘transição’, isto é a adequação ou adaptação do sexo, começou Theo Schenkel em
outono de 2020.
Theo Schenkel:
 Para mim pessoalmente, isto significou que comecei a receber injeções de
testosterona. Com isso baixou minha voz, a barba cresceu e as também as feições se
mudaram. E meu ciclo de menstruação foi interrompido.
Narrador:
 Theo Schenkel visita seu pai que mora pertinho. Inicialmente foi um choque para ele.
Antes sua filha, agora seu filho.
 Se acostumar com este fato, nem sempre é fácil para o pai, por exemplo quando fala
aos seus amigos sobre sua criança.
Pai de Theo Schenkel:
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 Numa noite estávamos tomando uma cerveja. E aí eu disse que a Simone agora é o
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Theo. – Como assim? – Bem, agora ela tem uma barba.


Theo Schenkel:
 Ele tem uma barba.
Pai de Theo Schenkel:
 Desculpe!
Theo Schenkel:
 Considerando que há um ano estou tomando testosterona, a barba cresceu ligeiro!
Tem gente que espera três a cinco anos para ter uma barba!
Narrador:
 O que conta para Theo é que o pai dele está tentando, apesar das dificuldades. No
momento está fazendo seu ano de estagiário como professor nas disciplinas de religião
católica e francês. Na escola, ele é conhecido como homem. Mas, para a Igreja ele não
é isso.
Theo Schenkel:
 Para mim não seria uma opção de ensinar na sala de aula como ‘senhora Schenkel’. A
ideia da Igreja, de eu existir sempre como feminino, para mim é muito difícil de
suportar.
Narrador:
 Ele apresentou seu curriculum na escola, ainda como estagiária feminina. Ainda antes
de exercer sua profissão, informou a diretoria da escola. Essa aceitou Theo Schenkel
do jeito como é.
 Um professor de religião católica está com ele como orientador, também em questões
de preparação das aulas. Nas classes, Theo Schenkel não comentou nada a respeito de
sua adequação sexual.
Professor orientador:
 Se o senhor envolver sua vida particular na sala de aula, poderá relatar em primeira
mão como a Igreja pode posicionar-se contra a vida. Mas, tem que ter clareza a
respeito das consequências que ‘isso’ significa.
 Por um lado, alunos e alunas que rejeitam ‘isso’, por outro lado, alunos que ‘isso’
toleram perfeitamente. Nada adianta, se o senhor fizer um outing, e a turma toda iria
rejeitar o senhor.
Narrador:
 As Igrejas dão a licença para ensinar a disciplina Religião. Porém, compete ao órgão
estadual cuidar do tempo de estagiário dos novos professores. Por este motivo, o
bispo era obrigado a dar uma licença provisória de ensino.
 Ainda está incerto, se Theo Schenkel como ‘homem trans’, após a sua formação, vai
obter a licença de ensinar a disciplina Religião. Empregados da Igreja têm a obrigação
de viver segundo os princípios dela.
Theo Schenkel:
 A palavra ‘transgender’ não aparece na Igreja. Não tenho nada em que poderia me
apoiar. Sempre estou dependendo do ‘sim’ de alguém. Que alguém diz, sim, ele é
muito simpático e pode falar à frente de uma turma.
Narrador:
 Um coisa é clara: sem a disciplina Religião, Theo Schenkel não poderá trabalhar como
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professor no estado de Baden-Württemberg; pois, ele precisa de duas disciplinas.


 Apesar da incerteza profissional: ele não quer mais esconder-se, diante de ninguém.
Ele faz pose para tirar fotografias livre e publicamente.
Theo Schenkel:
 Eu desejaria que a Igreja me conheça, de fato, como homem. Não por causa de uma
necessidade minha de querer ser hiper masculino, mas pela necessidade de ser aceito
como aquele que sou.

PARTE VI: O medo de se revelar


Narrador:
 Pouca gente tem a coragem de lidar abertamente com sua identidade sexual. Muitos
se escondem ou levam uma vida dupla.
Bernd Mönkebüscher, pároco, Hamm:
 É o medo de se revelar por um gesto, pela expressão ou a maneira de falar. Ninguém
quer chamar atenção, ou ser descoberto.
Homem anônimo, professor de Religião:
 Andando na rua, a gente olha sempre ao redor. Temos até um código secreto: aí eu
mando meu parceiro por um instante embora. Caso apareça um aluno, ele anda três
metros a minha frente.
Michael Brinkschröder, professor de Religião, Munique:
 Quando entreguei meu curriculum vitae, omiti tudo o que poderia indicar que sou gay;
até o tema da minha monografia.
Manuela Sabozim-Oberem, ex-agente de pastoral, Bochum:
 As pessoas querem saber: O que ela faz quando está trabalhando na comunidade?
Com quem está passando a noite? Com quem viaja nas férias?
 E eu tive que construir um mundo de mentiras que crescia sempre mais. E tive que
memorizar o que tinha dito: na Páscoa viajei com meus amigos, mas na verdade tinha
viajado com minha mulher.
Beate Holm, pedagoga social da Cáritas, Hoyerswerda:
 Durante a conversa tematizamos que estamos casadas; e que esperamos que isso não
seja um problema. Aí me responderam que isso não é um problema enquanto não
espalhar pelos quatro cantos.
Lisa Müller, agente de pastoral, Munique:
 Todo mundo sabe que ‘isso’ existe, mas a regra é: “Don’t ask, don’t tell” (não
pergunte, não converse). E assim, você escapa bem. A pergunta é se a gente quer isso
para sempre.
Frei Norbert, padre franciscano, Hofheim am Taunus:
 Este jogo-de-se-esconder, torna a gente solitária.
Narrador:
 Mas mesmo estando a dois, o jogo de se esconder pode desgastar a pessoa.
 Monika Schmelter e Marie Kortenbusch são um casal há 40 anos. Desde o começo de
seu relacionamento tiveram que guardar segredo.
Monika Schmelter:
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 Durante um bom tempo levei uma vida dupla. Eu era religiosa e apaixonada na Marie.
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 Muitas noites andei desesperadamente pelas ruas da cidade de Münster pensando
sempre que isso é terrível e não pode acontecer; eu não estou certo, talvez eu esteja
doente. O que devo fazer?
 Pois num ambiente católico você não pode conversar com quase ninguém sobre ‘isso’.
Marie Kortenbusch:
 Eu fiquei muito surpresa e despreparada para essa situação. Além disso, eu estive num
ambiente onde o tema da relação homossexual era ausente. Nem existia a palavra
‘outing’ no nosso uso de língua.
Narrador:
 Monika Schmelter se decidiu a abandonar a vida religiosa por causa do amor. Mas
jogo-de-se-esconder continuou, mesmo quando não estava mais na Ordem. As duas
trabalharam em Instituições católicas sabendo do risco de perder seu emprego.
Monika Schmelter:
 Eu era muito cautelosa. Cada uma de nós tinha seu lugar de trabalho bem distante da
nossa residência, pois sabíamos da necessidade de esconder nosso relacionamento.
Mantivemos um distanciamento seguro. Eu, por exemplo, andei todo dia 130 km, ida e
volta, para chegar no lugar de trabalho.
Narrador:
 Durante décadas, as duas aperfeiçoaram sua vida dupla.
Marie Kortenbusch:
 Eu trabalhei numa escola católica. E foi muito amargo para mim de não poder mostrar
meu amor. Era impensável de levar a Monika como minha companheira para uma
festa de formatura. Eu tinha medo dos pais. Eu sabia, de outros contextos, que
acontecem denúncias em grande escala.
Monika Schmelter:
 Também os passeios da empresa eram complicados. Eram oportunidades para
conversar pessoalmente. Toda a minha vida profissional foi marcada pelo enorme
esforço de me controlar. E causa um peso incrível e uma tensão interior para a vida
pessoal e profissional. Sempre viver no medo: Se ‘isso’ um dia for sabido/descoberto,
posso perder meu emprego.
Narrador:
 Em 2012, Monika Schmelter trabalhou há mais de 20 anos para seu empregador
católico, a Cáritas. Quando morreu seu pai, quis expressar seu luto junto com a sua
parceira, na hora do enterro. Muita gente veio, também o chefe que não devia saber
nada do relacionamento.
Monika Schmelter:
 Eu me encontrei na seguinte situação: naquele dia, não podia me mostrar perto da
Marie, embora tivesse desejado muito a presença dela. Teria gostado muito que você/
ela tivesse ficado ao meu lado, junto à cova do meu pai. Mas, tudo isso não era
possível.
Marie Kortenbusch:
 Eu achei tudo isso desumano. Na hora da Missa não podia me sentar perto da Monika.
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Na hora do enterro, não podia ficar perto dela, mas na 5ª ou 4ª fileira junto com um
primeiro.
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Narrador:
 Hoje, ambas estão aposentadas; não estão mais no serviço da Igreja Católica. Apesar
de tudo, continuam sentindo-se ligadas à Igreja; estão engajadas num grupo de
mulheres.
 E mesmo assim: quando em 2020 as duas se casam no civil, aconteceu de forma
secreta.
Monika Schmelter:
 Entramos pela porta dos fundos da prefeitura, pois somos bem conhecidas na cidade.
Marie Kortenbusch:
 A sensação foi muito estranha, mas agora estamos casadas.
Narrador:
 Diante da Instituição Igreja continuam escondendo seu casamento; pois, a antiga
professora de Religião, Marie Kortenbusch, tem medo de perder sua aposentadoria
que não recebe do Estado, mas da Igreja. Marie não pode perguntar seu empregador
sobre o assunto, sem fazer o outing.
 Agora, as duas vão se encontrar com o Professor de Direito Canônico, Thomas
Schüller: elas procuram um conselho dele.
Marie Kortenbusch:
 Tenho muitas preocupações a respeito da minha pessoa, pois na escola ouvi de forma
informal que a ‘obrigação de lealdade’ vai além do tempo de serviço e que pode haver
problemas com a aposentadoria.
Narrador:
 Thomas Schüller entende as preocupações da senhora Kortenbusch; porém, ele pode
tranquilizá-la.
Thomas Kortenbusch:
 Não há possiblidade de sanções. Não se preocupe, pois a ‘obrigação da lealdade’ vale
somente para o tempo de serviço. Mas não mais a partir do ponto em que a senhora
recebeu a confirmação legal de sua aposentadoria.
Marie Kortenbusch:
 Não sei o que dizer. De um lado estou muito aliviada, de outro lado estou pensando
(chorando) quanto tempo vivi com o medo por causa de uma informação incorreta.
Thomas Kortenbusch:
 Isso vem do alto escalão, das cúrias diocesanas, do departamento jurídico e dos
recursos humanos. Todos eles brincaram com seu medo.
 E isso é o lado humilhante da tática da Igreja.
Narrador:
 Monika Schmelter e Marie Kortenbusch podem finalmente assumir sem medo o seu
casamento, e pela primeira vez assumir publicamente seu amor, depois de 40 anos.
Monika Schmelter:
 Tudo parece muito estranho quando, agora, começo a falar da minha mulher. Nunca
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fiz isso em 40 anos. E em certas situações, agora digo conscientemente que vou pra
casa, ou que vou voltar para minha mulher.
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 Eu sinto isso como um dom da criação de ser assim.


PARTE VII: Um caso, como a Igreja católica pode agir diferentemente
Andreas Kratel, teólogo, Münster:
 Como teólogo não estou entendendo porque, por um lado, sempre se diz que Deus
criou todas as pessoas iguais, e ele as criou bem, como elas são. E, por outro lado, a
Igreja faz essa distinção entre as pessoas com uma orientação sexual e as pessoas com
outra.
Narrador:
 O fato de que a Igreja Católica pode se comportar de forma diferente, mostra um
exemplo na diocese de Essen (área industrial).
 Rainer Teuber trabalha na Catedral de Essen como pedagogo do museu diocesano. Há
25 anos ele guia pessoas pelas salas do tesouro (joias) da catedral. Chega a dezenas de
milhares de pessoas.
Rainer Teuber (como guia no museu):
 Essa obra aqui, sem dúvida, é a arte mais preciosa de toda a região: a imagem da Mãe
de Deus, a madona dourada de Essen.
Narrador:
 Neste lugar, Teuber é um rosto público da Igreja católica. E ele é gay.
Rainer Teuber:
 Eu descobri para mim mesmo, que na minha profissão sempre tive cuidado para não
fazer algo errado. Você tem que tentar ser melhor do que os outros, para não se
tornar vulnerável no seu trabalho e, assim, os outros colocarem uma armadilha pelo
fato de ser gay. No fundo, trata-se de uma clássica relação envenenada. É uma
motivação estranha de se empenhar mais por causa de sua sexualidade.
Narrador:
 Durante muito tempo, Rainer Teuber ficou calado para não chamar atenção, até que,
em 2018, visitou um evento da Igreja Católica sobre o tema do abuso de crianças.
Rainer Teuber:
 Nesta situação, quando se construiu uma ligação entre abuso e homossexualidade,
minha paciência acabou. Eu disse que não gostaria nada disso; gostaria que se
separasse uma coisa da outra: dois homens adultos gays que cuidam de sua parceria
vital e que vivenciam sua união – também sexualmente –, não cometem crime, mas
abusadores sim.
 Neste ponto, essa ligação permanente, construída pela Igreja durante décadas, não
tem cabimento. Minhas palavras que pronunciei naquele evento foram como tivesse
explodido uma bomba. A reação aconteceu tempos depois.
Narrador:
 No mesmo dia tocou o telefone: uma ligação do chefe, o vigário geral da diocese.
Rainer Teuber:
 Quando vi o número e o nome da pessoa que ligava pensei: pronto, agora acabou
tudo; posso pedir minha demissão.
 Mas, aconteceu exatamente o contrário: foi uma conversa bem aberta; e ele me
assegurou a dar apoio dizendo que está tudo ok. E minha preocupação sumiu.
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Narrador:
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 A história do Rainer Teuber causa uma onda: a diocese publica um artigo sobre ele e
produz um vídeo para as redes sociais.
Rainer Teuber:
 O fato de trabalhar por uma instituição que rejeita a minha pessoa e sexualidade, o
nosso casamento, me rasga ao meio.
Narrador:
 A diocese se apresenta como uma Igreja tolerante e aberta. E Rainer Teuber é o seu
cartão postal. Mas, isso não agrada a todo mundo.
Rainer Teuber:
 Eu creio sim, que tanto o nosso Vigário Geral como o nosso bispo estão sendo
atacados fortemente. Uma boa parte das pessoas, não somente na diocese de Essen,
mas na Alemanha toda, estão olhando admiradas o que aqui é possível acontecer.
 Eu sei igualmente que há muita gente - sacerdotes e leigos - na diocese e fora dela,
esperando que o Vigário Geral ou o bispo tropecem neste caminho.

PARTE VII: A batalha dentro da Igreja católica


Narrador:
 É uma batalha dentro da Igreja católica em cujo centro tem pessoas como Reiner
Teuber.
 Seu vídeo no website recebeu muitas palavras de apoio, mas também de rejeição e
ódio: “é um pecado grave”, “não se pode ser católico e vivenciar sua
homossexualidade”, “há um único caminho: conversão – penitência – confissão”,
“Senhor, tenha compaixão!”, “excomunhão”, “sexualidade não é um direito humano”,
“não, não, não!”, “é a melhor propagando para sair da Igreja”, “espera-se que Roma
dê a resposta certa”...
Cristoph Simonsen, sacerdote, Mönchengladbach:
 Ate hoje, eu recebo e-mails, cartas e telefonemas que me dizem que eu estaria indigno
a trabalhar nesta Igreja, e que eu seria um ‘gay porco’ ao qual se confia pessoas e
jovens adultos, algo que é irresponsável.
Frei Norbert, padre franciscano, Hofheim am Taunus:
 As ameaças vinham de ‘pessoas católicas do bem’ que têm suas ideias como as
pessoas devem ser. E tudo o que está fora da trilha não é normal, não é desejado por
Deus.
Eva Dreier, estudante de teologia, Paderborn:
 Na verdade, pessoas homossexuais teriam outros problemas, e em vez de tratá-los
estão refugiando-se na sua homossexualidade. Mas, isso é pecado.
Arturo Bláquez Navarro, cantor, Berlim:
 O que me incomoda são declarações de bispos no mundo todo que nos tratam de
forma desumana, como se fossemos pessoas humanas degeneradas, e não como
membros da Igreja.
Frank Schüssleder, pastor hospitalar, Münster:
 A mensagem que a gente recebe é: Nós te amamos, mas não te aceitamos.
Jens Ehebrecht-Zumsande, agente pastoral, Hamburgo:
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 Eu recebia regularmente cartas anônimas, destinadas tanto ao meu endereço de


Página

serviço, como pessoal. Às vezes, as mensagens eram breves: “Sabemos, que o senhor é
gay. Isso vamos comunicar ao bispo.”
Narrador:
 Muitas pessoas, não só na Igreja católica, têm dificuldade de lidar com pessoas que
não correspondem à divisão clássica de gênero.
 Theo Schenkel, o futuro professor de religião, tem o apoio de sua namorada Daniela.
Há três anos e meio atrás eles se conheceram e se apaixonaram. Naquele tempo, Theo
Schenkel ainda vivia como mulher. Hoje, os dois querem se casar.
Theo Schenkel:
 Para mim é fantástico de ter encontrado alguém quando vivia ainda como mulher, e
que agora me acompanha todo este caminho dizendo para mim: “Hey, eu estou ao seu
lado e quero partilhar minha vida contigo”.
Narrador:
 Os dois planejam não somente o casamento. Após o estágio de professor, Theo quer
continuar lecionando religião, como senhor Schenkel. Mas, para a Igreja católica está
claro: nascida como mulher, Theo Schenkel sempre vai permanecer como mulher.
Theo Schenkel:
 Para mim, o problema está na escola: se eu casar minha namorada, Daniela e eu
somos para a Igreja uma união homossexual.
 Mesmo que eu tenha mudado meu estado pessoal segundo a lei alemã, e segunda ela
seremos um casamento heterossexual, para a Igreja não é assim. Segundo a Igreja
seríamos uma parceria homossexual entre duas mulheres.
Narrador:
 Isto significa segundo o Direito Trabalhista Eclesial: sem licença de lecionar. Por
enquanto, Theo Schenkel e sua namorada vão adiar o casamento.
 Pessoas católicas queer sofrem não somente por causa dos regulamentos rigorosos
escritos no papel; as discriminações acontecem muitas vezes nas entrelinhas, em
conversas a dois, e portanto, não se deixam comprovar.
Evelyn Keusen, escoteira/Pastoral Juvenil, Aachen:
 Em relação à Igreja eu tinha sempre a impressão de não ser visto. Predomina a ideia
que a gente tem que casar, que a gente tem que ter um parceiro. De certa forma, a
gente não é aceita verdadeiramente.
Sera Reneé Zentiks, cantora, Berlim:
 Para falar bem claro: é devastador o fato de não ser aceita, como afinal eu sou.
Hendrik Johannemann, conselheiro do Sínodo católico na Alemanha, Berlim:
 A homofobia fez com que eu não apenas pensava na minha adolescência e juventude
quando percebi que sou gay: Deus não me quer assim. Meus pais não me querem
assim. Eu pensava também: eu não me quero assim. E aos 11, 12, 13 anos de idades já
tive pensamentos suicídios.
Ann-Cathrin Röttger, funcionária da diocese, Osnabrück:
 Eu tinha um problema gigantesco comigo mesma, pois eu pensava sempre: Puxa,
como você é estúpida! Você escolheu essa profissão, embora soubesse que...
 Muito tempo procurei a culpa em mim mesma.
Hajo Hassemer, médico, Schleswig-Holstein:
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 Eu não tinha coragem de falar com qualquer outro padre sobre ‘isso’. Até que
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encontrei um que era antes médico. Ele buscou uma antiga pasta de medicina e me
mostrou: Trata-se de uma doença.
Vanessa Palten, membro da coordenação diocesana da Pastoral da Juventude, Colônia:
 Eu tinha muitos momentos nos quais me senti para baixo. E eu tentei.......................
...............................tirar a minha vida. Cheguei a um ponto em que nada fazia mais
sentido para mim.
Pierre Stutz, ex-padre diocesano, Osnabrück:
 Para fora, eu estava bem sucedido, mas por dentro estava morto de infeliz.
 O que achei terrível foi este ‘sistema de tabu’. Com ninguém podia falar sobre ‘isso’.
Vanessa Palten, membro da coordenação diocesana da Pastoral da Juventude, Colônia:
 Na conversa com o orientador espiritual, inicialmente se tratava da questão do porquê
da minha vinda; até que ponto a minha tendência e tentativas de suicídio se tornaram
um peso; e que eu não saberia como lidar com este pecado. E que seja por isso que eu
me sentiria ‘afastada’.
 Mas, então, a conversa teve uma virada no sentido que eu estaria afastada da Igreja,
não por causa da minha tendência ao suicídio, mas por causa da minha sexualidade.
[O filme mostra os rostos de diversas pessoas, algumas com lágrimas.]

PARTE IX: Um bispo diocesano está aprendendo


Narrador:
 O que dizem os ‘católicos superiores’ na Alemanha sobre o sofrimento de todas essas
pessoas?
 Nós pedimos uma conversa com os bispos de todas as 27 dioceses. A maioria não
aceitou uma conversa, algumas nem responderam. Apenas um bispo está disposto
para dar uma entrevista: Dom Helmut Dieser, bispo da diocese de Aachen.
 Os bispos estão sob pressão. Na Alemanha, muitos católicos e católicas reivindicam
que a Igreja mude o tratado com seus funcionários queer e que o Direito Eclesial de
Trabalho seja reformado. O bispo Dieser diz que essas reivindicações são justas.
Bispo Dieser:
 Sim, de fato, neste ponto temos necessidade de ação para reformular essas
reivindicações. E se nós chegarmos a uma outra compreensão a respeito da permissão
de relações também de natureza homossexual, a posição há de mudar-se.
Narrador:
 É muito questionável, se haverá na Conferência dos Bispos uma maioria para uma
reforma do Direito Trabalhista. Bispo Dieser diz que mudou sua opinião em relação a
pessoas queer.
Bispo Dieser:
 Eu aprendi coisas novas. Isso posso confessar livremente.
 Nos meus primeiros anos, como padre e bispo auxiliar, defendi ainda a outra posição,
a ponto que só podia dizer que aceito pessoas homossexuais, mas que, no fundo,
sempre considerei ‘isso’ uma limitação, uma deficiência, um transtorno.
 Eu creio que o conceito “homem e mulher” é mais diversificado do que dizer “o
homem foi feito para a mulher e vice-versa”. E essa descoberta me fez avançar, de
forma que hoje estou num outro ponto do que antes.
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Narrador:
 A base para a atitude oficial de rejeição da Igreja Católica, sobretudo em relação à
homossexualidade, é a maneira dominante há séculos de interpretar a Bíblia.
 Porém, nela não se fala nada de homossexualidade no sentido de uma relação
igualitária, de um enlace amorosa como nós o entendemos hoje. Somente alguns
trechos fazem uma referência a atos homossexuais, este é condenado.
 Essa leitura tradicional do Vaticano, hoje é ultrapassada para muita gente também
dentro da Igreja. Pois, aqueles que redigiram os textos bíblicos há milhares de anos
atrás, não sabiam de uma coisa, diz o bispo Dieser: o fato, de que a homossexualidade
é uma orientação enraizada que faz parte de ser humano.
 Isto significa que diante do pano de fundo de hoje, a interpretação da Bíblia é errada?
Bispo Dieser:
 A resposta é sim, quando se interpreta a Bíblia dizendo que ela faz declarações
fundamentais sobre o fenômeno da homossexualidade que estão no mesmo nível das
ciências naturais contemporâneas.
Narrador:
 Então, está na hora que o senhor como bispo peça desculpas?
Bispo Dieser:
 Sim, em nome da Igreja eu peço desculpas aquelas pessoas que nos seus contatos
pastorais com a Igreja foram feridas, ou não foram entendidas; ou que foram forçadas
a pensar conforme uma determinada posição que era inaceitável para elas.
 Eu peço desculpas pelo fato que a Igreja às vezes não era disposta a se deixar impactar
mais pela situação dessas pessoas, não se tornou mais pensativa e por ter negado o
discernimento pastoral que é necessário para fazer jus às pessoas.

PARTE X: Os fiéis, os bispos e o Vaticano


Narrador:
 Mas, o bispo de Aachen não fala em nome de todos os bispos na Alemanha.
 E um pedido de desculpa, ainda não muda um contrato de trabalho.
 A Igreja católica na Alemanha luta consigo mesma. Os bispos lutam entre si e com as
declarações do Vaticano.
 Também nas comunidades, sempre mais fiéis discutem sobre as posições oficiais da
Igreja Católica.
 O jesuíta Ralf Klein não está contente com as orientações do Papa.
 O que este padre vai fazer na Igreja São Blásio nesta noite, o Papa Francisco tinha
proibido em março de 2021. É a benção de todos, isto é, também a bênção de casais
homossexuais.
Padre Ralf Klein:
 Isto é para nós uma estreia. Aí a gente pode imaginar que todo mundo está muito
nervoso, incluindo a minha pessoa.
 Minha intenção não é chatear o bispo. Isso pode acontecer, mas não é minha
intenção. Será uma benção para todos os que amam.
Narrador:
 A Igreja é muito mais do que a atitude do Vaticano, assim é a opinião do padre Ralf
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Klein.
Página
Padre Ralf Klein (celebrando):
 Queridas irmãs, queridos irmãos, sejam bem-vindos à Igreja de São Basílio, para um
ocasião não muito comum. [...]
 O Deus bondoso e misericordioso abençoe vocês: o Pai e o Filho e o Espírito Santo.
Narrador:
 O religioso sentiu na própria pele como a Igreja pode ser diferente. Isso foi por ocasião
de uma reunião fechada da arquidiocese de Berlim – naquele tempo vivia na capital.
Padre Ralf Klein
 Eram passos no rumo de manifestar publicamente “eu sou gay”. E a grande pergunta
era, se eu deveria dizer isso numa assembleia diante de 200 pessoas. Então, eu falei
‘isso’ mais ou menos assim: “Gostaria de dizer-lhes que sou gay”. Eu digo isso
pensando que um debate só pode ser bem sucedido quando os envolvidos participam
visivelmente. Eu gostaria que nós lançássemos um convite para pessoas homossexuais.
(suspiro profundo e lágrimas)
 O que aconteceu, em seguida, foi incrível: muitas salva-de-palmas. Não contei com
isso. Uma mãe veio ao meu encontro abraçando-me. Uma outra mulher veio e
agradeceu. Mas, depois de tudo isso precisei de um tempo para mim...
Narrador:
 Para Ralf Klein, a Igreja é um lugar da humanidade (humanização) e tolerância. Da
mesma forma, para muitas pessoas, que exibimos neste documentário.
Padre Ralf Klein (abençoando um casal gay):
 Deus Pai, estenda sua mão sobre vocês e abençoe vocês.
Narrador:
 As pessoas querem mudar a Igreja católica. Com o lema #o amor vence acontecem
bênçãos, desde 2021, em muitas comunidades na Alemanha: pares que vivem relações
homossexuais, pessoas que não são heterossexuais, também divorciados, são
convidados explicitamente.
 Nesta noite, Ralf Klein faz muitas vezes, o que a cúpula da Igreja proíbe. Em 2021, ao
proibir essas bênçãos, o Vaticano declarou: “...estes elementos estão a serviço de uma
ideia que não está de acordo com o plano do criador. Deus não abençoa o pecado, e
Ele não pode abençoá-lo”. Essa é a posição oficial do Vaticano.
 O Papa em Roma concordou com essas frases, antes de sua publicação. Nós queríamos
falar com ele, ou com um outro representante do clero, sobre isso e sobre a posição
do Vaticano a respeito de pessoas queer. Mas nenhum responsável na cúpula da Igreja
Universal esteve disposto para dar uma entrevista.
 Marco Politi é vaticanólogo. Ele escreveu uma biografia sobre Papa Francisco e
observa os debates na Igreja Universal e em Roma.
Marco Politi, biógrafo papal:
 O Vaticano acompanha com muita atenção o que acontece na Alemanha.
Naturalmente, o Vaticano está com medo das discussões na Alemanha. Pois, há uma
parte do clero e dos bispos que continuam demonizar a homossexualidade.
 O que eu vi nestes anos no pontificado é que as forças conservadoras são mais ativas e
mobilizadas do que as forças orientadas por reformas.
 Naturalmente, os conservadores se defendem contra qualquer mudança da doutrina.
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Página
Narrador:
 E o próprio Papa Francisco?
 Frases como “Quem sou eu para o condenar?”, referindo-se a um fiel homossexual,
desencadearam para muitos a esperança de que o Vaticano iria mudar sua posição.
Entrevistadora:
 Há declarações claras como “homossexuais são obrigados a viver a castidade”; “trata-
se de desvios graves”. Como o senhor avalia a chance que haverá reformulações?
Marco Politi, biógrafo papal:
 O Papa demonstrou claramente que sente compaixão por todos, e também pelos
excluídos na sexualidade. Mas, ele tem também medo de haver um cisma.
 Creio que hoje não há a possibilidade de uma mudança no preto-branco (quer dizer, no
papel). O papa trabalha com gestos, ele trabalha com palavras. Porém, ele não tem a
maioria para conseguir mudanças no preto-branco.

PARTE FINAL
Narrador:
 A Igreja católica no mundo todo é muito maior do que o debate na Alemanha. Fiéis
queer na Alemanha que exercem um serviço na Igreja católica não aceitam mais sua
situação.
 A força motriz que impulsiona o atual coming out sem precedentes é uma iniciativa
com o nome “Out in Church” (vir pra fora na Igreja). As pessoas esperam: o indivíduo
recebe proteção quando está unido a muitos.
Lisa Müller, agente de pastoral, Munique:
 Eu me decidi a falar em público para ganhar um pedaço de liberdade.
Armin Noppenberger, padre, Langenargen:
 Eu não quero mais ser escravizado por uma lei de silêncio que existe, mas não é
pronunciada.
Efra Jordan Appold, funcionário da ‘Apoio Católico aos Jovens’, Colônia:
 Eu gostaria de mostrar ao mundo que eu também posso ser parte da Igreja quando
sou diferente.
Norbert Kiencke, assessor econômico da diocese de Hamburgo:
 Igreja, tu tens tanto espaço na minha vida; então, eu exijo de ti que vejas minha vida
como eu vivo.
Inez Wichmann, maestra de coral, Osnabrück:
 Eu sou homossexual, mas isso não é o mais importante. Mas sim, que eu sou Inez e
tenho fé.
Judith Oehl, Pastoral da Juventude, Colônia:
 Até agora achei que sair da Igreja seria o caminho errado. Pois se todo mundo sair, não
vai se mudar nada.
Rut Neuschäfer, professora de religião, Essen:
 Não quero entregar a Igreja às forças radicais.
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Mara Klein, colaboradora do Caminho sinodal, Halle:


 Para mim, ser católica significa tomar sempre de novo a decisão de permanecer
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católica.
Pierre Stutz, ex-padre diocesano, Osnabrück:
 Eu continuo sendo sacerdote católico. Sou uma pessoa sacerdotal, pois até hoje
encorajo homens e mulheres a ligar céu e terra.
Thomas Spinrad, líder da Kolping Juvenil, Flensburg:
 Nós nos encontramos numa encruzilhada crítica. A Igreja católica consegue abrir-se e
tornar-se um lugar da diversidade, um lugar do amor vivido – o que é a essência do
cristianismo – ou não? E isso vai decidir sobre o futuro da Igreja.
Narrador:
 Para as pessoas neste documentário é decisivo como a Igreja se comporta com elas. O
coming out delas significa para elas não só risco, mas também alivio.
Ralf Klein, padre jesuíta:
 É a alegria....de ter chegado na terra da liberdade.

Dica de Literatura:
É significativo, que no mesmo, 2021, foi publicado no Brasil um livro que aborda o assunto
de forma histórica, teológica e pastoral:
Correia Lima, Luís. Teologia e os LBGT+: Perspectivas históricas e os Desafios
contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2021.

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