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A Clínica Pulsional de Wilhelm Reich: Uma Tentativa de Atualização
Contra-investimento e resistência
O campo reichiano
1. A análise do caráter
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2 Reich usa esta denominação por acreditar que a soma das defesas psíquicas consti-
tuiria uma verdadeira blindagem ou armadura para proteger o ego.
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De acordo com ele, “o que temos em mente não é uma analogia, e sim
uma identidade real: a unidade da função psíquica e somática” (Reich, 19 95,
p. 315).
A partir de tal concepção, o trabalho direto sobre a musculatura do pa-
ciente vai se tornar parte da estratégia analítica: o afrouxamento das tensões
musculares é visto como um equivalente do afrouxamento da censura e da
eliminação do recalque. Inúmeros elementos, descritos por Freud em termos
psíquicos, serão agora retomados somaticamente por Reich:
a) a fixação
Segundo Reich, “na zona oral, o recalque se manifesta pelo enrijeci-
mento da musculatura da boca e por um espasmo na musculatura da laringe,
da garganta e do peito; na zona genital, manifesta-se como tensão contínua
na musculatura pélvica” (1995, pp. 316-317). Afirma ele que “a liberação da
excitação vegetativa de sua fixação nas tensões da musculatura da cabeça,
garganta, maxilares, laringe etc., é um dos requisitos indispensáveis para a
eliminação das fixações orais em geral” (1995, p. 317). Ou seja, a fixação
estaria ancorada em um padrão muscular crônico.
b) o dispêndio contínuo de energia
De acordo com Freud (1915/1974b, p. 175), “a manutenção de uma
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repressão acarreta ininterrupto dispêndio de força”. Na visão reichiana, “o
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Observa-se, muitas vezes, que há uma diferença no estado de tensão muscular an-
tes e depois de solucionar um recalque severo. Em geral, quando os pacientes estão
em estado de resistência, isto é, quando uma idéia ou uma moção pulsional é bar-
rada da consciência, eles sentem uma tensão no couro cabeludo, na parte superior
das coxas, na musculatura das nádegas etc. Quando conseguem superar essa resi s-
tência por si mesmos ou pela interpretação correta do analista, sentem-se subita-
mente aliviados. (1995, p. 315)
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d) a quota de afeto
Para Reich, “a tensão muscular que está presente e não se resolve nu-
ma descarga motora consome a excitação que poderia surgir como angústia;
desse modo, evita-se a angústia.” (1995, p. 319). Segundo o processo descri-
to por Reich, o tônus muscular aumentado consumiria justamente a excita-
ção que, no texto freudiano, é denominada como fator quantitativo ou quota
de afeto. Haveria, assim, uma correlação entre afeto e musculatura que le m-
bra aquilo que Freud descreveu sobre os afetos inconscientes, ou seja, en-
quanto as representações continuam a existir como estruturas reais no ni -
consciente, o que corresponde no sistema Ics. “aos afetos inconscientes é um
início potencial impedido de se desenvolver.” (Freud, 1915/1974a, p. 204).
e) o recalque como um mecanismo tardio
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De acordo com Freud (1915/1974b, p. 170), “a repressão não é um
mecanismo defensivo que esteja presente desde o início.” Ou seja, o reca l-
que é considerado um mecanismo de defesa que não tem importância dinâ-
mica nas primeiras fases do desenvolvimento emocional. Dentro da form u-
lação de Reich, isso é quase óbvio, pois o recalque só poderia aparecer de
forma importante por volta do fim do primeiro ano de vida, quando o desen-
volvimento da coordenação motora assim o permitisse.
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uma nova defesa, mais complexa e menos aparente, que recebe o nome de
secundária porque pr otege contra a mais recente invasora do material repri-
mido: a terapia (p. 44).
Isso indicaria a necessidade de uma postura mais prudente por parte
do analista, no sentido de que tanto a ativação da pulsão quanto a eliminação
das resistências deveriam ser feitas gradualmente, sem afobações, dentro do
que é assimilável pelo paciente. Nesses casos, como diz G. Boyesen (1986),
o pouco é muito (a little is a lot).
Foi visto acima que, partindo de uma base teórica bastante semelha n-
te, a técnica psicanalítica e a técnica reichiana clássica tomaram rumos dis-
tintos, chegando mesmo ao antagonismo em muitos aspectos. Na Psicologia
Biodinâmica (G. Boyesen, 1986; Iaconelli, 1997), existem elementos que
talvez permitam uma síntese entre estas abordagens, integrando-as num con-
texto mais amplo.
Recupera-se, por exemplo, a valorização da passividade do analista,
que permite que o terapeuta atue dando espaço para um processo espontâneo
que brote do paciente. De acordo com G. Boyesen (1986),
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postura do alfaiate: em vez de usar a mesma roupa pronta para todos, busca-
se criar uma que se adapte às medidas específicas daquele que está sendo
atendido.
Considerando a quantidade de resistência, propõe-se, aqui, que este
tema seja visto como um continuum onde podem ocorrer infinitos graus de
variação entre dois pólos: de um lado, a resistência absoluta e impenetrável;
de outro, a ausência completa dela. Quanto menor a resistência, mais os
conteúdos recalcados inconscientes podem aflorar sem distorções, até mes-
mo sem necessidade de interpretações. Desta maneira, quando a resistência é
mínima, cabe ao analista apenas cuidar de não atrapalhar o processo.
Pela mesma lógica, quanto maior a resistência encontrada, maior será
o papel diretivo do analista. Isto também parece óbvio, e é um dos pontos
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enfatizados brilhantemente por Reich : se há uma forte resistência, não leva-
rá a lugar algum a postura de abrir espaço para as associações livres (verbais
ou motoras) do paciente, pois ele simplesmente andará em círculos, cercea-
do pelos seus próprios mecanismos de defesa. Graus intermediários de resis-
tência exigirão uma atitude mista do analista, obviamente. Ou seja, o co-
mando do tratamento é atribuído ao paciente ou ao analista, conforme a
quantidade de resistência, e esta pode variar a cada momento do processo: é
muito freqüente que a um momento de fluidez siga-se, subitamente, na
mesma sessão, um período de resistência. Ou o contrário: depois de um iní-
cio frio e resistente, abre-se a comunicação.
Além da quantidade de resistência, seria importante a atenção à quali-
dade da mesma. Além da resistência comum descrita por Freud, Reich in-
troduz o estudo da resistência que está ligada ao caráter. A proposta dele é
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que esta forma de resistência, por suas características especiais , só pode ser
7 “No período de resistência, recai sobre o analista a difícil tarefa de dirigir o and a-
mento da análise. O paciente só tem comando nas fases livres de resistência” (Rei-
ch, 1995, p. 49).
8 O traço de caráter, normalmente, estaria estruturado na personalidade, não sendo
visto como algo estranho à pessoa; seria crônico; muitas vezes apareceria somente
na forma e não no conteúdo das comunicações do paciente; ocorreria ainda, fre-
qüentemente, como uma resistência oculta ou latente.
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e deixem vir à tona o que estava guardado. Para outros, talvez porque te-
nham sido muito manipulados na infância, isto terá efeito contrário. Certa
vez, uma paciente pediu-me indicação de um psicoterapeuta para seu namo-
rado. Assim o fiz e, algum tempo depois, ela relatou que o rapaz não havia
gostado da psicoterapeuta indicada, pois lhe parecera “boazinha” demais.
Ou seja, ele não precisava de alguém que fosse acolhedor e atencioso, mas
de um psicoterapeuta mais franco e direto, que apontasse seus conflitos sem
muitos rodeios, sem “sedução”. A questão da confiança no analista pode ser
um fator decisivo no afrouxamento das resistências. Uma pessoa submetida
a tratamento biodinâmico nos conta, por exemplo: “eu sabia que, se eu mer-
gulhasse dentro de alguma coisa, que o massagista ia ficar comigo, que ele
não ia escapar e ir por outro caminho (...) a prioridade dele era me acompa-
nhar.” (Iaconeli, 1997, p. 55).
Um último princípio consiste na postura biodinâmica de fazer amizade
com a resistência (G. Boyesen, 1986). Este princípio tem como base, por um
lado, não ceder à resistência e não compactuar com ela. Por outro, não tentar
removê- la de uma forma que exceda a capacidade de assimilação do pacien-
te. Em uma analogia que pode ser útil, a resistência seria como uma muleta
que permite à pessoa andar e que, em uma dada situação infantil, foi prova-
velmente a melhor solução possível, dentro dos recursos então existentes. Se
tentarmos chutar essa muleta para longe, o paciente reagirá, aga rrando-se a
ela para não cair. Mas se lhe oferecermos um programa viável de tratamento
que recupere as capacidades perdidas, ele provavelmente aderirá e logo a-
bandonará por si mesmo a muleta.
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1. Outras Psicanálises
a teoria psicanalítica cresceu, a partir de Freud, por aposição de uma grande quan-
tidade de escolas, correntes de pensamento, grupos, autores, cada um com seu e n-
foque particular sobre quase todos os problemas. Poderíamos dizer que, neste mo-
mento, não há uma psicanálise, mas muitas.
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dada pelo interjogo das pulsões, mas pela maneira como se organizam as
primeiras relações do bebê com os outros seres humanos. Nessa linha, vários
autores “(...) buscam conceitualizar a importância central que atribuem ao
objeto e às relações como constituintes últimos do inconsciente” (pp. 350-
351).
Ainda segundo Mezan, a frase “a libido não busca prazer, busca obje-
tos”, de Fairbairn, “se converte na senha de todos os autores desta tendên-
cia.” (1996, pp. 350-351). O que se vê hoje é que o campo reichiano, sem
negar sua fundamentação pulsional, tem dialogado com autores da escola de
relações objetais como forma de ampliar os horizontes clínicos. Entre estes,
especialmente as idéias de Donald Winnicott têm motivado interesse, como
se pode ver, por exemplo, em Cintra (2002) e Cornell (1998).
Quanto ao diálogo com o paradigma lacaniano, este é um campo em
aberto, e poucas explorações desse território existem. Entre elas, pode -se
citar aquela feita por Cukiert (2000), que parece apontar, a meu ver, mais
para uma complementaridade do que para um antagonismo entre as visões
de Reich e Lacan.
2. Outros inconscientes
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... arquétipos são concebidos como unidades neuropsíquicas que evoluíram através
da seleção natural e que são responsáveis pela determinação de características
comportamentais e também de experiências afetivas e cognitivas típicas dos seres
humanos (...) por exemplo, o sistema arquetípico mãe-bebê apenas será plenamente
preenchido se for ativado pela presença e pelo comportamento de uma figura ma-
terna (pp. 6-7).
Não cabe, aqui, discutir a validade ou não deste tipo de concepção. In-
teressa-nos, apenas, citar exemplos que falam da possibilidade da existência
de outros tipos de inconsciente que influenciam a vida mental, e para os
quais continuaria existindo um efeito terapêutico na atividade de “conscien-
tizar o que é inconsciente”. Do me smo modo, em psicoterapia corporal,
muitas vezes deparamo-nos com fenômenos que sugerem a existência de um
outro tipo de inconsciente (aqui chamado de neurolocomotor), que parece
ser formado sem a ação do recalque.
É o que acontece quando se aprende a andar, por exemplo. O aprendi-
zado depende, em geral, de uma atenção consciente, que permite um desen-
volvimento e aprimoramento do movimento e da capacidade de ação. Gra-
dualmente, a coordenação vai se automatizando e ficando inconsciente, até
um ponto em que é necessário um grande esforço para conscientizar nova-
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andar, nessa época da sua vida, ela possivelmente incorporará em seu modo
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um jeito de andar “pisando duro ”, que poderá permanecer, assim, pelo
resto de sua existência. Ou seja, haveria aqui também uma “fixação” infan-
til, cuja dinâmica, entretanto, pode ser bem diversa daquela originada pelo
recalque. É de se supor que a intervenção terapêutica também apresente ca-
racterísticas diferentes daquelas descritas acima.
Outra semelhança seria a resistência à mudança. Parece haver uma
tendência de preservação dos comportamentos aprendidos, o que é compre-
ensível neurologicamente: seria um contra-senso, em termos do or ganismo,
desorganizar um comportamento que “funciona”, é preciso conservar aquilo
que foi organizado e tornou-se um padrão viável. Porém, aparentemente,
não há uma psicodinâmica envolvida nesta resistência. Se a hipótese aqui
analisada for verdadeira, o modo de lidar com esta resistência terá de ser
diferente daquele discutido anteriormente.
A metodologia proposta por Keleman (1992, 1995) parece estar volta-
da para este tipo de questão e, talvez, não seja à toa que ele não utiliza o
referencial teórico e técnico da psicanálise ou da tradição reichiana. É um
trabalho voltado para a reorganização de padrões musculares e emocionais,
no qual a ampliação da propriocepção e do controle sobre a motricidade
adquirem papel preponderante. Não há algo que se deixa vir à tona, pois o
ego vai buscar ativamente aumentar seu controle, numa mudança escolhida
e dirigida para uma direção determinada.
Conclusões
12 Decorrente dos fortes sentimentos de ódio e insegurança que estiveram muito pre-
sentes na época do aprendizado motor. Talvez, expressando até um desejo de pisar
no irmão.
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Desta maneira, Reich nada mais faz do que investigar uma possibili-
dade já assinalada por Freud, ampliando os horizontes do corpo erógeno ao
explorar as possibilidades de se entender e trabalhar clinicamente com a
importância psíquica dos aparelhos respiratório e locomotor. Talvez se possa
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caminhar ainda mais nesta direção, incorporando, por exemplo, a pele (An-
zieu, 2000; G. Boyesen, 1986) e outros órgãos e sistemas do organismo a
uma visão mais abrangente do funcionamento psíquico.
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A Clínica Pulsional de Wilhelm Reich: Uma Tentativa de Atualização
Recebido em 05.06.2003
Aceito em 17.09.2003
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