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18/06/2016 Projeto 

Vida no Campo

 Da comunicação rural aos estudos de audiência: influências da obra de Paulo Frei

Publicado em 14/10/2009
Introdução 
Essa reflexão tem como objetivo identificar e analisar brevemente as influências da obra freireana nas seguintes esferas
dos  estudos  e  da  pesquisa  em  comunicação  social:  a  comunicação  rural,  a  comunicação  alternativa  e/ou  popular,  os
estudos culturais e a comunicação (compreendidos nas suas vertentes latino­americanas dos estudos de recepção e de
educação  para  a  comunicação).  O  resgate  dessas  influências  permite  apontar  para  a  relevância  que  podem  assumir  as
(re)leituras da obra de Paulo Freire para a compreensão das novas tendências que emergem hoje no cenário da pesquisa
em comunicação. 
1.1 Das primeiras aproximações com a obra freireana 
A única oportunidade em que Paulo Freire se referiu explicitamente à comunicação foi, segundo Venício Artur de Lima, em
um trabalho escrito em 1968 para o Instituto de Capacitação e Investigação em Reforma Agrária (ICIRA), no Chile. Freire
buscava  formular  uma  crítica  às  atividades  de  extensão  desenvolvidas  pelos  agrônomos  assim  como  oferecer  um  texto­
base para a discussão em um grupo disciplinar composto por especialistas ligados ao programa de Reforma Agrária. O
ensaio, intitulado Extensão ou Comunicação, constitui "uma crítica radical à tradição difusionista seguida pelos estudos de
comunicação  norte­americanos  que,  na  época,  tinham  grande  penetração  na  América  Latina,  sobre  a  rubrica  geral  de
comunicação e desenvolvimento" (LIMA, 1981:60). Freire argumenta que a concepção extensionista implica transmissão,
transferência, invasão e não comunicação, compreendida como "co­participação de sujeitos no ato de conhecer". 
Não é por acaso que Extensão ou Comunicação tenha se constituído em uma das primeiras obras freireanas a alcançar
popularidade entre professores e pesquisadores da comunicação, principalmente entre aqueles dedicados ao ensino da
comunicação rural. As críticas formuladas por Freire abrem perspectiva para o questionamento do caráter difusionista que
vinha  pautando  a  inserção  da  comunicação  rural  como  disciplina  nos  currículos  de  faculdades  de  comunicação  de
universidades brasileiras entre os anos 70 e 80. Posteriormente, esse e outros escritos de Paulo Freire, como Pedagogia do
Oprimido  e  Educação  como  Prática  da  Liberdade,  vão  assumindo  relevância  para  os  estudos  de  comunicação  de  uma
forma mais abrangente. 
A concepção freireana de educação é a principal inspiradora de experiências de comunicação alternativa e popular que se
desenvolvem no meio urbano vinculadas a movimentos sociais, sindicais e a comunidades eclesiais de base nas décadas
de 70 e 80. São as leituras de Freire que abrem caminho para uma outra compreensão do fenômeno da comunicação no
âmbito  da  Igreja  Católica  no  início  dos  anos  70.  Motivados  por  mudanças  propostas  pelo  Concílio  do  Vaticano  II  e  pela
Conferência  de  Medelin  da  Colômbia,  especialmente  os  setores  mais  progressistas  da  Igreja,  passam  a  valorizar  a
utilização  dos  meios  não  massivos  na  evangelização,  opção  reafirmada,  posteriormente,  pela  III  Conferência  Episcopal
realizada em Puebla, no México. 
Na  esfera  ou  não  da  Igreja,  a  obra  de  Paulo  Freire  torna­se  referência  obrigatória  tanto  em  projetos  e  experiências  que
envolvem o uso de meios de comunicação impressa (jornais, boletins, panfletos, folhetos, murais), radiofônicos (emissoras
de alto­falantes) e audiovisuais (slides, vídeo), quanto na compreensão de outras práticas e manifestações comunicativas
que  não  são  mediadas  por  veículos  de  comunicação,  mas  que  envolvem  dinâmicas  interpessoais,  inter­grupais  e
comunitárias (reuniões, encontros, liturgias, assembléias, etc.). 
Associada à herança de militante católico do próprio Freire, o exercício da militância de muitos acadêmicos nas CEBs e em
outro setores da chamada Igreja progressista, ou, ainda, nos movimentos populares e sindicais, conduz à Universidade as
reflexões de Paulo Freire, seja no âmbito do ensino de disciplinas como as comunicações alternativa e comunitária, seja no
âmbito  dos  projetos  de  extensão  associados  a  essas  disciplinas.  As  contribuições  freireanas  possibilitam,  sobretudo,
associar  intervenção  social  e  reflexão  teórica,  atribuindo  à  comunicação  comunitária  um  caráter  de  ruptura  com  o
isolamento do fazer acadêmico. A obra do autor é utilizada, além disso, como referencial teórico de projetos de pesquisas
que têm como tema a comunicação alternativa e/ou popular. Das 33 terminologias identificadas pela pesquisadora Regina
Festa  para  nomear  e  definir  a  comunicação  alternativa  a  partir  dos  meios  utilizados,  dos  conteúdos,  funções,  nível  de
participação, etc, algumas delas explicitam diretamente a influência freireana nesse campo, como é o caso da comunicação
libertadora, da comunicação do oprimido e da comunicação dialógica. (FESTA, 1984) 
A concepção educativa construída por Freire constitui­se, para teóricos como Mario Kaplún e Juan Diaz Bordenave, o ponto
de partida para a explicitação do conceito de comunicação popular. Ambos identificam três modelos educativos que são

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úteis à análise das experiências de comunicação desenvolvidas no âmbito dos movimentos sociais: um primeiro, que põe
ênfase  no  conteúdo;  um  segundo,  que  enfatiza  os  efeitos;  e  um  terceiro,  que  privilegia  o  processo.  Embora  não  sejam
puros,  os  três  modelos  acabam  se  mesclando  em  ações  educativas  concretas  no  campo  da  comunicação.  No  entanto,
Kaplún não deixa de reconhecer no modelo que privilegia o processo as possibilidades de participação na comunicação è
medida  em  que  permite  que  emissores  e  receptores  tenham  a  mesma  oportunidade  não  apenas  de  responderem  à
mensagem recebida e reagirem diante delas, como de gerarem suas próprias mensagens. (KAPLÚN, 1978). 
Ao  propor  a  transformação  do  modelo  da  comunicação  massiva,  a  comunicação  popular  aponta  ainda  para  uma
consonância com a dimensão política que atravessa a obra freireana, cuja síntese é retomada por Lima: "O conhecimento é
construído através das relações entre os seres humanos e o mundo, e a comunicação se define como a situação social em
que as pessoas criam conhecimentos juntas, ao invés de transmiti­lo, dá­lo ou impô­lo. A comunicação deve ser vivida por
seres humanos como a sua vocação, vivida em sua dimensão política." (LIMA, 1981:64). 
Nessa  perspectiva,  a  comunicação  popular  constitui­se,  em  sua  origem,  como  uma  reação  ao  modelo  hegemônico
fundamentado  na  noção  mecânica  de  comunicação  como  transmissão  de  informação  de  fontes  ativas  a  receptores
passivos, perspectiva orientadora, inclusive, da estratégia expansionista dos Estados Unidos em relação à América Latina.
Os  projetos  de  comunicação  popular  convertem­se,  ainda,  em  portadores  das  insatisfações  de  movimentos  sociais  e  de
setores sociedade civil com as ditaduras militares que, entre os anos 70 e 80, predominavam na maioria dos países latino­
americanos,  para  as  quais,  a  comunicação  massiva  se  constituiu  em  um  dos  principais  instrumentos  para  a  difusão  e
manutenção de seus projetos políticos. 
No Brasil, a terminologia alternativa nomeia, nessa época, principalmente aquela comunicação feita pelos intelectuais que,
em  resistência  à  ditadura,  tratam  de  criar  jornais  e  outros  veículos  de  expressão  própria  como  Opinião,  Pasquim  e
Coojornal. Ao mesmo tempo, o termo popular designa a comunicação desenvolvida no âmbito dos movimentos de base ou
populares (das mulheres, das associações de moradores, das pastorais, etc), onde são produzidos boletins mimeografados,
panfletos,  rádios  de  alto  falantes,  etc.  Ao  lado  dessas  duas  expressões,  situa­se,  ainda,  a  comunicação  massiva,
representada, especialmente pela Rede Globo, em que os interesses do capital internacional se desenvolvem em aliança
com os projetos políticos e econômicos nacionais. 
1.2 Das (re) leituras possíveis 
Cabe dizer que, nesse cenário, a obra de Paulo Freire ajuda a consolidar as bases para o entendimento das inter­relações
entre  comunicação,  educação  e  cultura,  cujos  desdobramentos  refletem­se,  mais  tarde,  no  desenvolvimento  de  uma
vertente denominada de estudos culturais e comunicação. Herdeira dos estudos culturais ingleses, essa vertente encontra
sua  especificidade  no  contexto  latino­americano  a  partir  do  final  da  década  de  80  através  de  investigadores  como  o
colombiano  Jesus  Martin­Barbero  e  os  mexicanos  Nestor  Garcia  Canclini  e  Guillermo  Orozco  Goméz,  cujas  reflexões
apontam para a construção de uma trajetória comum: a compreensão da comunicação no marco do processo das culturas
em que a compreeensão do fenômeno comunicativo não se esgota em conceitos e critérios como canais, meios, códigos,
mensagens, informação. 
O entendimento da comunicação é reorientado a uma revalorização do universo cultural e do cotidiano dos sujeitos como
mediadores  dos  sentidos  produzidos  no  campo  da  recepção  das  mensagens  difundidas  pelos  meios  massivos  de
comunicação.  Suscetíveis  de  múltiplas  interpretações,  essas  mensagens  são  mais  do  que  nunca  eminentemente
polissêmicas e seus sentidos ou significados "negociados" na esfera da recepção. Todo um conjunto de investigações no
âmbito  da  audiência  dos  meios  de  comunicação  de  massa,  sobretudo  da  televisão,  buscam  entender  o  que  fazem  os
públicos  com  os  meios  de  comunicação  de  massa  e  as  mensagens  que  emitem  e,  por  outro  lado,  o  papel  que
desempenham a cultura e as instituições sociais como mediadores no consumo das mensagens propostas. 
Como  estratégia  metodológica  para  estudar  as  interações  de  diferentes  segmentos  da  audiência  (jovens,  mulheres,
educadores,  etc)  com  a  televisão,  Orozco  Gómez  sugere  os  super­temas,  compreendidos  como  aqueles  universos
temáticos  que  são  cotidianamente  importantes  para  a  audiência.  Embora  não  sejam  equivalentes,  os  super­temas  têm
sentido  similar,  segundo  o  autor,  aos  núcleos  geradores  ou  universos  temáticos  propostos  por  Paulo  Freira  na  obra  A
Pedagogia  do  Oprimido.  A  saúde,  a  educação  dos  filhos,  as  sexualidade  ou  AIDS,  a  corrupção  política,  a  economia,  a
inflação são super­temas que possibilitam o intercâmbio de idéias, atitudes ou opiniões ou a tomada de posições por parte
da audiência ou dos públicos pesquisados. (OROZCO GOMÉZ, 1996) 
Mas é sobretudo em conexão com o enfoque denominado de educação para a recepção ou educação para os meios de
comunicação que Orozco Gómez assume a direta influência de Freire tanto na sua formação como comunicador e educador
popular quanto de pesquisador dedicado, nos últimos 20 anos, ao estudo da relação entre comunicação e educação. No
Brasil,  a  vertente  da  educação  para  a  comunicação  é  representada,  sobretudo,  pela  União  Cristã  Brasileira  de
Comunicação  (UCBC),  ONG  que,  a  partir  dos  anos  70,  incorpora  também  os  pressupostos  freireanos  como  linha
orientadora de sua intervenção junto a movimentos sociais e a sistemas de educação forma,l através de cursos, oficinas e
assessorias no âmbito do Projeto de Leitura Crítica da Comunicação, ampliado, mais tarde, para Projeto de Educação para
a Comunicação. 
A presença e relevância assumida pelas leituras freireanas nos estudos e pesquisa em comunicação reafirmam, assim, as
interfaces  com  outros  campos  do  conhecimento  ­  incluindo  a  educação  ­  em  torno  das  quais  se  constitui  a  própria
especificidade  do  campo  dos  estudos  e,  comunicação.  Mas  a  contribuição  freireana  desponta  especialmente  quando  se
trata de atribuir significados e propor compreensões acerca de um fazer comunicativo que questione a simples reprodução
de  perspectivas  norte­americanas  e  européias  no  contexto  da  pesquisa  em  comunicação  e  da  própria  constituição  das
faculdades de comunicação. Tal perspectiva não assegurou, contudo, que a obra de Paulo Freire tenha escapado a leituras
reducionistas,  seja  a  partir  de  sua  conversão  em  fórmulas  de  intervenção  na  realidade,  sobretudo  no  âmbito  de
determinados  projetos  de  extensão  universitária,  seja  simplesmente  a  partir  de  "um  politicamente  correto",  cuja
popularidade alcançada pelo educador brasileiro não permitia ignorá­lo, impondo­o como referência obrigatória. 
Outro  sintoma  de  uma  débil  apropriação  da  obra  freireana  é  a  escassa  referência  a  obras  do  autor  que  dizem  respeito
diretamente  a  temas  e  interfaces  de  crescente  interesse  das  áreas  da  comunicação.  Exemplo  é  o  volume  2  de  Sobre
Educação (Diálogos), em que Paulo Freire e Sergio Guimarães, abordam a relação entre meios de comunicação de massa
e  processos  educativos.  Muitas  das  questões  referentes  a  essa  relação  discutidas  pelos  dois  autores  pautaram  e  ainda
pautam  a  preocupação  tanto  de  animadores  quanto  de  pesquisadores  vinculados  a  projetos  de  leitura  crítica  ou  de
educação  para  a  comunicação,  embora  sem  que  a  contribuição  freireana  tenha  sido  reconhecida  ou  simplesmente
incorporada. (FREIRE E GUIMARÃES, 1984). 
No  campo  da  comunicação  alternativa  e  também  dos  estudos  culturais  latino­americanos,  são  igualmente  escassas  as
referências à obra Pedagogia da Pergunta, em que Paulo Freire e Antonio Faundez privilegiam a abordagem da cultura no
processo educativo, apontando para questões que se tornaram centrais para as pesquisas de audiência, sobretudo no que
diz respeito à compreensão do cotidiano e do universo cultural dos receptores. (FREIRE E FAUNDEZ, 1985) 
A essa carência de aprofundamento da obra do autor se acresce hoje a necessidade de provocar releituras de Freire que
consolidem  a  reflexão  em  torno  das  tendências  que  dominam  hoje  a  pesquisa  em  comunicação.  Á  luz  de  algumas  das

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concepções freireanas, o arrefecimento dos estudos do "popular" nas investigações em comunicação pode ser lido como a
urgência  de  uma  auto­crítica  ideológica  e  política  que  conduza  a  uma  revisão  radical  do  divórcio  que  tem  pautado  as
relações das esquerdas e dos movimentos sociais com a mídia. Em outra perspectiva, a retomada de Paulo Freire pode ser
útil para o resgate dos teores pedagógico e político nas reflexões sobre as chamadas novas tecnologias da comunicação,
um  emergente  campo  investigativo  cujas  abordagens  têm  assumido,  de  forma  crescente,  um  cunho  instrumental  e
tecnocrático. Por fim, caberia indagar quais as possíveis leituras freireanas em um tempo em que a mídia se converte na
esfera privilegiada de gestão das demandas e reivindicações políticas e culturais das sociedades contemporâneas. 
Bibliografia 
1. BERGER, Christa. Movimientos sociales y comunicación en Brasil. Comunicación y Sociedad. Guadalajara, nº 9, p. 9­27,
maio./ago. 1990. 
2. COGO, Denise Maria. No ar ... uma rádio comunitária. São Paulo, Paulinas, 1998. 
3. FESTA, Regina. Comunicação popular e alternativa ­ a realidade e as utopias. São Bernardo, IMS, 1984.(dissertação de
mestrado). 
4. FREIRE, Paulo e FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985. 
5. FREIRE, Paulo e GUIMARÃES, Sergio. Sobre educação: diálogos. Volume II . Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984. 
6. FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 21ª edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992. 
7. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 7ª edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983. 
8. GARCIA CANCLINI, Néstor. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro, UFRJ, 1995. 
9. KAPLUN, Mário. Producción de programas de radio. Quito, CIESPAL, 1978. 
10. LIMA, Venício de Artur. Comunicação e cultura: as idéias de Paulo Freire. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981. 
11. MARTIN­BARBERO, Jesus. De los medios a las mediaciones. Mexico, Gistavo Gilli, 1987. 
12.  OROZCO  GOMEZ,  Guillermo  Orozco.  La  investigación  en  comunicación  desde  la  perspectiva  cualitativa.  La  Plata,
Universidad Nacional de la Plata, 1996. 

(1)Professora do Curso de Ciências da Comunicação e ao Programa de Pós­Graduação em Ciências 

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