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AULA 01:
MARTINHO LUTERO: TEOLOGIA1
Rev. Hélio de Oliveira Silva, STM.
1
Nessa aula seguiremos em linhas gerais o pensamento de Timothy George em seu livro: Teologia dos
Reformadores, p. 58-102.
2
Timothy George, Teologia dos Reformadores, Vida Nova, p. 58.
3
O nominalismo insistia que a realidade era achada somente nos próprios objetos, em oposição ao realismo
platônico que declarava que as proposições universais tinham uma existência independendente, à parte do objeto em
si (D. A. Rausch, “Nominalismo”, EHTIC, vol. III, p.25).
4
T. George, Teologia dos Reformadores, p.59.
5
ibid, p. 60.
6
Lutero, WA 30/1, p. 209. Citado por George, Teologia dos Reformadores, p.63.
2
Como teólogo dialético, Lutero procurava fazer uma leitura das Escrituras que
fosse além do superficial. Fazia uso constante de paradoxos: Lei e evangelho, ira e
graça, fé e obras, carne e espírito, Deus e mundo etc. Para ele, a verdade só pode
ser encontrada quando confrontada com outra verdade contrastante. Só podemos
entender o evangelho por causa da lei, que nos revelou nossa incapacidade de viver
corretamente, apontando-nos para Cristo. Lutero procurava manter a tensão em sua
teologia quanto a esses paradoxos.
Ênfases distintivas:
A Justificação Pela Fé Somente.
Para Lutero, a doutrina da justificação é o resumo de toda a doutrina cristã, o
artigo pelo qual ela se mantém de pé ou cai. Paulatinamente Lutero percebeu que a
expressão “justiça de Deus” em Romanos 1.17 não tratava da revelação de um
Deus que com a sua justiça punia os pecadores, mas que
significava aquela justiça pela qual o homem justo vive mediante o dom de Deus,
isto é, pela fé. É isso o que significa: a justiça de Deus é revelada pelo evangelho,
uma justiça passiva com a qual o Deus misericordioso nos justifica pela fé, como
está escrito; “aquele que pela fé é justo, viverá”7
7
Lutero, LW vol. 34, p.328. Citado por Timothy George, Ibid., p. 64.
8
Timothy George, Teologia dos Reformadores, p. 65.
9
Inácio de Antioquia, Aos Efésios 20.2.
3
10
Timothy George, Teologia dos Reformadores, p. 66.
11
D. A. Rausch, “Nominalismo”, EHTIC vol. III, p.25.
12
Timothy George, Teologia dos Reformadores, p. 68.
13
Ibid., p. 69.
4
Agostinho chegou mais perto do sentido paulino do que todos os estudiosos, mas
não alcançou Paulo. No começo eu devorava Agostinho, mas quando a porta para
Paulo abriu-se e entendi o que era realmente a justificação pela fé, descartei-o.14
14
Citação de Gordon Rupp, “Patterns of Salvation in the First Age to the Reformation”, Archiv fur
Reformationsgeschichte 57 (1966), p. 52-66; in: Timothy George, Teologia dos Reformadores, p. 70.
15
Timothy George, Teologia dos Reformadores, p. 72.
5
16
WA 39, p. 523. Citado por: Timothy George, Teologia dos Reformadores, p. 73.
6
Sola Scriptura.
No seu tratado O Cativeiro Babilônico da Igreja (1520) Lutero afirmou: “O
que for afirmado sem as Escrituras ou sem uma revelação comprovada pode ser
considerado opinião, mas não precisamos crer nisso”.17 O princípio do Sola
Scriptura visava salvaguardar a autoridade das Escrituras de uma dependência
servil à Igreja, tornando-a inferior à mesma. Para Lutero, as escrituras eram a
norma determinadora (norma normans) e não a norma determinada (norma
normata) para todas as decisões da fé e da vida.
Ao afirmar a autoridade suprema das Escrituras, Lutero não negava o valor
da história e da tradição da igreja, mas os submetia às escrituras. Além disso, ele
entendia que a suficiência das Escrituras funcionava no contexto da em que a
Bíblia era um livro dado à Igreja, a comunidade da fé, reunida e guiada pelo
Espírito Santo. Isso quer dizer que a autoridade de todos os credos, os ditos dos
pais da igreja, as decisões connciliares deviam ser julgados pela “norma infalível”
das Escrituras, nunca o oposto.
A crítica de Lutero ao método alegórico nascia do fato de que obscurecia a
cristocentricidade das Escrituras, desviando o pecador do caminho da cruz, e, por
conseqüência, da salvação. Essa atitude de Lutero o levou, por um tempo, a fazer
um cânon dentro do cânon, rejeitando, por exemplo, a epístola de Tiago, por achar
que a sua doutrina da graça era equivocada e contraditória ao ensino da justificação
da fé somente encontrado nos escritos de Paulo. Embora Lutero não rejeitasse a
inspiração de Tiago, colocava-o sob suspeição ao lado de Hebreus, Judas e
Apocalipse. Isso demonstra que seu conceito da inspiração das Escrituras era
controlado pelo seu conceito da encarnação de Cristo como Salvador e Senhor.
Para Lutero toda a escritura deve ser avaliada na sua condição de condutora
a Cristo. As Escrituras são um meio para a fé, não o fim da fé, que é Cristo.18
Nesse caráter, elas são a palavra viva de Deus, que trazem para hoje o que Deus
disse e fez no passado. Cada leitor deve ser confrontado com a demanda
existencial e as promessas das Escrituras, que exigem uma resposta de fé e
confiança em Deus no presente. Tudo nas escrituras nos lembra que a vida toda é
vivida na presença de Deus!
17
Citado por: Timothy George, Teologia dos Reformadores, p.82.
18
Ibid, p.84.
19
Ibid., p.88
7
A prioridade do evangelho.
O evangelho constitui a igreja e não o contrário, porque a graça é de Deus, e
somente ele a concede. Logo, o fundamento da igreja está na eleição graciosa de
Deus anunciada aos homens no evangelho de Cristo, não no governo humano da
igreja papal.
A igreja é definida, não por sua aparência externa, mas por sua fé. A igreja é
invisível e oculta. Isso quer dizer que somente Deus conhece a verdadeira igreja
dos eleitos. Mas também significa que o mundo não consegue enxergar a igreja
como Deus a enxerga. Por isso a existência da igreja é sempre em tensão com os
poderes da era presente e o mundo que a cercam hostilmente. Como Cristo, a igreja
deve estar sempre disposta a enfrentar todo o infortúnio e perseguição.
Por outro lado, na era presente a igreja é um corpo mixto, onde joio e trigo
crescem juntos. Sua santidade está oculta em Deus, sendo demonstrada na terra por
uma sucessão de cristãos fiéis e não por uma sucessão de bispos. Além disso, a
igreja é serva do evangelho que a vivifica.
A Palavra e o Sacramento.
O evangelho é a única marca da igreja verdadeira no sentido de que ele é
manifesto na pregação correta e nos sacramentos adequadamente ministrados.
Essa definição recuperou a doutrina paulina da pregação (Rm 10.17),
elevando a pregação a um status elevando dentro do culto público novamente. O
sermão é a melhor e mais necessária parte do culto cristão. Como diz Timothy
George:
O culto protestante centrava-se ao redor do púlpito e da Bíblia aberta, com o
pregador encarando a congregação, não em volta de um altar com o sacerdote
realizando um ritual semi-secreto. O ofício da pregação era tão importante que
até os membros banidos da igreja não deviam ser excluídos de seus bnefícios:
‘A Palavra de Deus deve permanecer livre, para ser ouvida por todos’.20
Quanto aos sacramentos, Lutero sustentava apenas a permanência de dois: A
ceia e o batismo. Suas características principais são:
Ambos proclamam o perdão dos pecados.
Sua eficácia está na fé depositada neles, não na sua celebração.
Como extensões ou instâncias separadas da Palavra de Deus, comunicam à
igreja as promessas infalíveis de Deus.
Para Lutero, os sacramentos têm de ser recebidos, cridos e apropriados
pessoalmente como conseqüência da fé (sinais visíveis da fé) e não como
promotores dela. Lutero atacou a doutrina católica de que os sacramentos
concediam graça àqueles que meramente participassem deles (ex opere operato),
porque sua eficácia não estava na participação, mas na fé.
Precisamos dos sacramentos porque eles apontam para Cristo e suas
promessas, atuando como o cajado de Jacó (Gn 32.10) ou como uma lâmpada na
escuridão.
20
Timothy George, Teologia dos Reformadores, p.92.
8
Para Lutero, a igreja era a mão direita de Deus e o estado a sua mão
esquerda. Os dois não deveriam ser vistos em oposição, mas como dois poderes
correlatos, mediante os quais Deus governa o mundo. O poder secular é
independente do controle clerical e vice-versa. A igreja não deve buscar o poder
temporal e este não deve se intrometer na vida da igreja. O estado tutela e sustenta
a ação da igreja, porém não pode domina-la.
O Estado é ordenado por Deus para reprimir os malfeitores e preservar a paz,
enquanto a igreja deve ter liberdade para pregar o evangelho. Para Lutero o estado
tem origem divina, logo seu poder não é autônomo. Igreja e estado existem numa
tensão necessária, sua distinção não pode ser obscurecida, mas também não pode
ser enfatizada a ponto de um não reforçar o outro. Os cristãos são cidadãos dos
dois reinos (espiritual e secular), mas sempre que as ordens dos dois entram em
choque, eles devem seguir a advertência de Pedro aos sacerdotes: “Antes importa
obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29).
Na prática, ao afirmar a tutela do estado sobre a igreja, Lutero abriu um
precedente para a intromição do mesmo nos negócios da igreja, o que veio a
acontecer após a sua morte.