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TOM ARGO

EMBRIAGUES
DE SANGUE

© 1965 – Editora Monterrey Ltda


Digitalizado por Carlos Natali
531228
CAPITULO PRIMEIRO
TALVEZ UM TESTAMENTO

Deixo a presente nota para o caso de não


retomar a este hotel num prazo de cinco dias.
Informarei ao porteiro que, se tal acontecer,
deverá a mensagem ser entregue às autoridades
deste distrito de Nova York, para investigações.
Também peço que notifiquem a minha irmã, Emily
Thompson Gaynor, residente à Mayflower Avenue,
em Boston. É minha única parente. Gostaria de
que fosse informada se algo não me correr bem.
Junto a esta uma carta que espero lhe seja
entregue.

O rapaz retirou os óculos, esfregou a base do nariz e


releu o bilhete. Pareceu considerá-lo em ordem, pô-lo de
lado e voltou a escrever:
Querida Emily, meu estado, neste momento, é
de serenidade. Acabou-se o nervosismo, acabou-
se a depressão de que lhe falei há uma semana, ao
tomar o avião para cá.
Não, não foi Nova York, não foi mulher
(talvez), não foram as férias as responsáveis por
minha cura. O fato é que estou perfeitamente bem
apesar de tudo ou graças a tudo que me
aconteceu. E esse “tudo” se resume numa
palavra: descoberta! Descobri outro lado da vida,
uma faceta inteiramente nova para mim, que dela
só tomava conhecimento por meio do cinema ou
dos livros de lazer. Descobri... Bem, Emily,
querida mana, descobri quão bem nos sentámos
quando temos dificuldades!
Não faça esse meio sorriso, meu bem. É a
verdade, acredite: foi uma grande descoberta.
Principalmente para quem viveu sempre
acomodado, sem dificuldades, mas também sem os
sabores da vida.
Mas, irmãzinha, pode ser que algo me
aconteça. Não me recrimine, por favor. Estou eu
próprio arriscando, eu mesmo tomo a iniciativa de
viver o que espero viver: quero deslindar um
mistério. Sei que pode haver perigos em qualquer
mistério. Neste, então, nem lhe digo, pois já trago
marcas em mim... marcas, entretanto, que me
sacudiram até o âmago; marcas físicas, sim, mas
que me abriram o apetite, a vontade invencível de
sair um pouco da rotina. Sinais, enfim, que me
levam a mudar de identidade, para mim mesmo.
Para todos (sossegue!), continuo sendo Dick
Gaynor, o professor de Etimologia que veio a
Nova York em férias. Para mim, no entanto, sou
outro, mudei, transformei-me: sou alguém que vai
atrás do mistério... serenamente mas decidido.
Um abraço, Emily, com o amor de sempre, do
mano Dick.
De Nova York, em 30 de junho de 1963.
P.S. — Não culpe Miss Weldon por nada, sim?
Estou agindo totalmente por minha vontade. Ela,
aliás, procurou afastar-me disso, sinceramente.
SEQUESTRO

A lembrança da irmã, Emily, provocou um sorriso do


rapaz. Deitou sobre a primeira folha a carta, voltou a
descansar os olhos, verificou a carga da caneta, apanhou
nova folha em branco:
Às autoridades:
Chamo-me Dick Gaynor. Nasci em Boston e lá
vivi até a uma semana, quando obtive licença do
colégio onde leciono há seis anos.
Neste período de seis dias em que me acho
aqui, tenho visitado toda sorte de casas de
espetáculos. Num desses, o “Joplin”, situado
neste mesmo distrito, conheci Mônica Weldon.
Miss Weldon merece um registro especial.
Merece-o, seja por seus dotes físicos, canoros, e
mesmo humanos, seja pela formidável
oportunidade que me proporciona de conhecer,
em Nova York, algo mais do que vida alegre.
Miss Weldon, cantora principal do “Joplin”,
impressionou-me. É mulher por inteiro. Tem
olhos, lábios, curvas e voz altissonantes. —
Perdoem- me os possíveis policiais leitores o tom
entusiasta: já expliquei que fiquei impressionado
e, além disso, sou professor de Etimologia. Saem-
me facilmente essas expressões de meio poeta,
como direi, surrealista. — Miss Weldon é
completa, para este professor até hoje da rotina:
corpo harmonioso, busto atraente, cintura de
ânfora grega e... longos membros inferiores de
perfeito desenho. Estes não só a mim
impressionam; tanto é que talvez sejam os
responsáveis por seu sucesso no “Joplin".
Pois bem. Miss Mônica Weldon cantava,
quando a vi, há quatro noites. Cantava e sorria-
me, cantava e enfeitiçava-me.
Há três noites, apresentei-me à porta de seu
camarim. Cavalheiro que desejava ser, levei-lhe
rosas, flores diversas. E tive de argumentar
bastante para convencer certo porteiro a deixar-
me entrar nos bastidores; fato esse que reafirmou,
em mim, a convicção de que Miss Weldon não é
aquilo que comumente encontramos nas
madrugadas nova-iorquinas. Pois se dispunha de
“secretários" como aquele para afastar
admiradores mais afoitos...
O camarim ficava nos fundos do corredor.
Chegava eu diante da porta, batia nervosamente,
e uma crioula provocante, de sorriso bonito, vinha
receber-me. Protocolar — sou um professor, não
posso desviar-me disso — perguntei por Miss
Mônica Weldon.
Lá adiante, o porteiro difícil pareceu-me
sorrir, gozador, mas não lhe dei atenção,
mantendo-me digno como se estivesse enfrentando
minhas alunas, futuras etimólogas.
A criada de Miss Weldon, certamente treinada
para aquelas ocasiões, conservou sempre o
sorriso, enquanto me falava. Informou que ela não
estava no momento, mas que faria chegar a seu
destino as flores tão belas.
Todavia, insisti. Dei-lhe meu cartão,
argumentei como nunca, persisti mais que nenhum
outro admirador “porta de camarim” teria
persistido.
E consegui!
Cinco minutos depois, entretanto, perdi toda a
minha eloquência e as próprias palavras me
fugiram, quando Mônica me veio ao encontro.
Conversamos, após. Beijei-lhe com enlevo a
mão fina. E finalmente o rouxinol agradeceu o
mimo, retirando-se.
Custou recuperar-me. Se Mônica me parecera
estupenda de longe, de perto simplesmente me
tirava o fôlego. Decidi-me a entrar em sua vida, e
havia de consegui-lo. Não me importavam os
meios.
Transformei-me em sua sombra. Seguia-a por
toda parte, sem jamais perdê-la de vista.
Assim sendo, não admira o que me sucedeu ao
cair desta mesma noite.
Como sempre, aguardara a saída de Mônica,
escondido num café em frente ao “Joplin”.
A primeira surpresa foi verificar que, ao
contrário do costume, ela não se dirigia ao
cabaré, mas levava o carro, vagarosamente, para
os lados da Quinta Avenida.
Segui-a mantendo prudente distância.
Chegando ao cruzamento com a Rua 52, parou o
Pontiac à porta de um salão de chá.
Deixou o veículo, e logo entrava. Fiz o mesmo,
instantes mais tarde.
Mônica sentara-se a uma mesa solitária, no
fundo do salão. Seria ótima ocasião de abordá-la.
Passei da ideia à ação, encaminhando-me
resolutamente para ela.
Mônica, ao ver-me, abriu demais os olhos. Não
de surpresa ou assombro, mas de puro pavor!
Um tanto intrigado pela recepção, ia-lhe falar.
Ela, porém, antecipou-se:
— Vá embora, por favor! — disse-me, em tom
que não admitia réplica.
Obedeci. Que outra coisa poderia fazer?
Retirei-me para o balcão; mas nem bem
apoiava nele os cotovelos e senti tocarem-me o
ombro. Virei-me: estava diante de um homem de
meia-idade, corretamente trajado. O sujeito
convidou-me a sair, ao que me neguei. Então,
outro sujeito aproveitou a penumbra que reinava
no ambiente para mostrar uma pistola,
comprimindo o cano em meu flanco.
Nem é preciso dizer que resolvi obedecer.
Uma vez na rua, um carro se aproximou.
Abriram a porta traseira, obrigando-me a entrar.
Inquieto, já, vislumbrei no interior dois outros
sujeitos, além do motorista.
Durante o trajeto, ouvi-os falar em ter
cuidado, não facilitar, em suprimir tipos que
cheirassem a policia, tudo numa algaravia
confusa de gíria e sotaque pesado.
As perguntas que fiz ficavam sem resposta.
Meia hora depois, talvez menos, o carro parou.
Os dois de meus flancos tiraram-me aos
empurrões. Atravessando uma área deserta,
entramos numa estação ferroviária. Ignoro qual
seja o lugar, até este momento.
Fizeram-me parar junto de um vagão num
desvio e, olhando para todos os lados,
amarraram- me à extremidade de um vagão. Em
seguida foram-se.
A princípio, não soube bem o que pretendiam.
Pensava até que se tratasse de uma brincadeira;
de mau gosto, certamente, mas brincadeira, afinal
de contas.
Minutos depois, porém, compreendi a
“brincadeira”. Vi, a poucos passos e nos mesmos
trilhos, outro vagão. Notei neste a forma
achatada, em para-choque. Aquilo me faria em
pedaços, se...
Um apito distante, fez-me suar frio.
Por que tudo aquilo? Por que Mônica dera
mostras de estar assustada? E por que
apareceram aqueles sujeitos para amarrar-me
ali? Desejavam minha morte, era evidente. Mas,
por quê?
A resposta não me entra na cabeça.
Tentei forçar as cordas, sem resultado: as
costas permaneciam coladas ao engate, enquanto
as pernas ficavam presas à altura dos tornozelos.
Não poderia escapar, e um arquejar estranho
apossou-se de mim.
A ideia de morrer, principalmente sem saber a
razão, não fazia parte de meus planos, ao chegar
a Nova York. Um homem não podia, manifestar
seu interesse por uma mulher bonita? Não era
aquele, então, o único motivo que meus captores
poderiam invocar?
Uma nova tentativa convenceu-me de que era
inútil qualquer esforço. Então, vencendo o nó que
me impedia a voz, consegui gritar. Foi um grito
angustioso, de desespero, aquele.
Ninguém acudiu, porém. Estava sozinho!
Essa ideia infundiu-me raiva. Era certo que
não podia libertar as mãos, mas tentaria livrar as
pernas.
Retesei os músculos ao máximo, arqueei as
pernas para dentro, notando que a corda perdia
seu ponto de tensão. Era isso que devia fazer:
colocar as pernas de maneira que a corda
afrouxasse. Depois, era tornar à posição
primitiva, procurando dar o máximo vigor ao
movimento, de modo que a corda acabaria
arrebentando.
Repentinamente, pareceu-me que o vagão
diante de mim começava a mover-se.
Contive o fôlego, esperei.
Efetivamente, o vagão movia-se. Estavam
ligando a máquina à testa do comboio.
Rezei para que aquele vagão não fosse ligado.
Do contrário, meus minutos estariam contados.
As pernas doíam terrivelmente, agora. Não
obstante, prossegui na tarefa de esticá-las e
afrouxá-las.
Ouvi um silvo forte e, em seguida, um choque
violento. Então, o vagão fronteiro começou a
deslizar para mim, aumentando a velocidade à
medida que cobria a distância.
Gritei, apavorado, ao tempo em que, por ato
reflexo, contorcia-me. O monstro negro e
assustador avançava, procurando meu corpo.
Consegui reunir todas as forças, distendendo
ao máximo os músculos já doloridos.
A enorme tensão deu resultado. Senti, de
repente, que as amarras das pernas relaxavam. E
foi o tempo justo, pois o vagão estava a menos de
três metros.
Num impulso que nem sempre me é possível,
saltei para cima, conseguindo situar o corpo num
perfeito ângulo reto, e esse movimento fez com
que as ligaduras que me prendiam ao engate
acabassem por desfazer-se.
E houve o choque. Mas naquele exato
momento eu estava ao chão, livre das ataduras.
Um segundo depois, rolava para fora dos
trilhos, enquanto o comboio se punha novamente
em movimento.
Exausto, ardendo em toda a superfície, e
completamente empapado de suor frio,
mentalmente agradecia a Roy Donaro, meu colega
que sempre me obriga a praticar como seu aluno.
(Roy é professor de educação física e ginástica de
contorção, no meu colégio.)
Entrei no primeiro bar que encontrei.
Minha voz, tão trêmula estava, provocou um
sorriso do barman:
— Algum susto brabo, amigo?
— Sim... dos grandes! — exclamei como se não
fosse eu mesmo.
A terceira dose me acalmou. Já de posse de
minha mente, sentado ao balcão, passei a refletir
sobre as ocorrências.
Em caso de quererem prová-lo, procurem o
Star Bar, de Mr. Coogan.
Voltei para este quarto de hotel sem entender
uma vírgula.
Mas... Alguém tentou matar-me, por motivos
que desconheço. Estou de férias aqui. Ninguém me
conhece em Nova York. Acho que jamais tive
inimigos, quanto mais tão longe de onde sempre
vivi.
Então, resta-me atribuir o fato à persistência
com que me armei em relação a Miss Mônica.
Todavia... pretenderia alguém suprimir-me por
causa disso?
Investigarei. Miss Weldon terá de explicar-me
algumas coisas.
Agora estou tranquilo. Até demais. Vou gostar
de ver enrijecer-se o belo rosto de Mônica, ao
rever-me com seus olhos azuis de céu.
Ah, finalmente! Eis um problema que escapa à
Etimologia, ao todo que formou minha existência
até esta noite! Gostarei de ver-lhe a resposta. E
oxalá Miss Mônica tenha na língua uma parte
dela, ao menos!
Em Nova York — 30/6/63.
Gaynor assinou, dobrou, enfiou no envelope as quatro
páginas manuscritas, colou o envelope e meteu-o na
sapateira, com o primeiro bilhete pregado sobre o resto.
Em seguida, bocejando, esticando os poderosos
músculos de ginasta, apagou as luzes do quarto e
adormeceu.

CAPITULO SEGUNDO
NOTÍCIA DESAGRADÁVEL

Ia alto o sol, quando acordou. Sentia-se bem, quase


adejante com a perspectiva de novamente pôr-se em contato
com a maravilhosa Mônica Weldon. Mesmo que ela o
recebesse mal... E depois havia as perguntas.
Viu-se no espelho e teve a sensação de que era outro.
Reviveu os momentos angustiosos da véspera: enfrentara a
morte, o que, para um homem de vida sempre tranquila,
nada tinha de agradável. Mas encontrara algo de bom no
episódio. Iria em frente.
Relembrou o que pensara antes de deixar-se adormecer
placidamente: o lindo rosto de Mônica Weldon crispar-se,
ao vê-lo. Ela haveria de explicar-se. Era sua única saída. E
depois, quem sabe, entraria em contato com a polícia, ou
talvez se enfronhasse na trama dos quase assassinos. Esta
última ideia o seduzia, já pela novidade, já pelo sabor de
aventura que lhe trazia ao corpo todo, numa espécie de
libertação do rotineiro.
Já vestido e barbeado, consultou o relógio: Era meio-dia,
hora excelente para chegar ao cabaré e surpreender o
rouxinol em pleno ensaio.
Resoluto, desceu, entregou a chave na portaria e dirigiu-
se para o quarteirão anexo, onde se localizava o night-club.
A entrada principal estava cerrada. Deu a volta, entrando
pela porta de serviço.
Após cruzar com três bailarinas em trajes sumários,
ouviu no corredor um vozeirão ressoante. Provinha de um
mastodonte de rosto quadrado, que gritava:
— Vamos, garotas! Têm que estar prontas em dois
minutos!
Trazia um lenço ao pescoço, o homem, e enxugava com
ele os fios de suor que desciam pelo queixo feito a
machado.
Dick Gaynor estacou diante do brutamontes. Este,
indiferente, continuou a dar ordens, para depois de algum
tempo tomar conhecimento do estranho.
— Estou procurando a senhorita Weldon — disse Dick,
tentando sorrir.
O grandalhão sorriu de lado, pouco simpático:
— Eu também, amigo, eu também! Isso não se faz
comigo! Mônica não deve abusar de minha pressão arterial!
— e gesticulava amplo.
— Bem, não sei, quanto a isso — sorria Dick, buscando
melhor acolhida. — Gostaria muito de vê-la.
— E eu?! Já não disse que estou esperando? Tinha
ensaio marcado, não soube?! Até agora não veio, a
belezoca!
— Talvez esteja em casa — palpitou o visitante,
indiferente ao vozeirão explosivo do outro.
— Já liguei para lá! Ninguém responde! Com certeza
distraiu-se numa casa de modas! O amigo sabe como são as
mulheres, não?
Dick assentiu. Mas, saberia de verdade como eram as
mulheres? Tinha ligeira noção. Pura teoria. Prática mesmo,
só contatos muito poucos. Limitara-se a alguma aventura,
algum lanche ou piquenique, nada mais.
O grandalhão continuava a berrar com jeito de búfalo
bravio. Nos bastidores, os cenógrafos montavam
apressadamente a decoração do número a ser ensaiado.
Dick acendeu um cigarro, pondo-se de ar ausente,
apoiado junto à parede. Minutos depois, o gordo retornava:
— O amigo continua aí?
— Como vê — fez ele.
— Mônica não deve demorar... ou não devia! — bateu
com a palma na coxa enorme. — Na verdade, não costuma
atrasar-se. É uma pequena e tanto! — estava mais calmo, e
uma espécie de simpatia correspondia ao sorriso de Dick.
— Parece conhecê-la... — arriscou.
— Bem... Alguma coisa, sabe? Mônica está comigo há
seis meses. Falo com algum conhecimento de causa!
— O senhor é o proprietário disso?...
— Exato! Sou Abel Joplin! E o amigo, é?...
— Um conhecido da senhorita Weldon, apenas.
Aproximou-se, então, um novo personagem. Alto, rosto
chupado e bigode bem aparado, tinha maneiras delicadas:
— Que houve, Abel?
— Que pode ter acontecido, Gordon?! Ela vai acabar
comigo! Não liga pra nada!
Gordon Tryon, autor dos musicais locais — Dick veio
logo a sabê-lo — arqueou as sobrancelhas:
— Ensaiaremos sem ela — seu tom era determinante.
— Não é o mesmo, Gordon! — protestou o grandalhão.
— Era obrigação dela!
Dick afastou-se, postando-se junto à entrada, observando
com ar pensativo o movimento das call girls. Finalmente,
cansado da espera saiu para a rua, tendo nos ouvidos a voz
tonitruante de Abel Joplin.
Gordon e o patrão ainda conversavam, e o primeiro
reparou na saída do professor.
— Quem era?
Abel olhou para os lados.
— Ah, um amigo de Mônica! Nem disse o nome... Ou
disse? Ah, esta minha cabeça imprestável!
Tryon parecia conhecê-lo o suficiente para deixá-lo
falando sozinho. Obtida a resposta, afastou-se para o palco.
— Vou começar o segundo número — disse, sem ser
ouvido, sob o vozeirão do outro.
Enquanto isso, Dick Gaynor dirigia-se ao apartamento
da cantora. Já possuía o endereço: ficava nas redondezas,
junto à 52th Avenue.
Subiu ao quinto andar e bateu repetidas vezes sem
contudo obter resposta.
Firme em seu propósito de averiguar, alcançou o final do
corredor e abriu uma janela. Deixou-se deslizar para fora,
atingindo a escada de incêndio, por onde alcançou as
janelas do apartamento. Ali, inclinando-se, empurrou uma
folha.
Não esperava que cedesse, mas aconteceu. E o cômodo
estava deserto, em semiescuridão.
Passou para um quarto contíguo, ao gosto moderno. Em
perfeita ordem, nada, no apartamento inteiro, lhe chamava a
atenção. E já se dispunha a sair pelo mesmo caminho
quando, no vestíbulo, notou um envelope em branco sobre
uma pequena prateleira.
Otimamente, abriu-o. Dentro, um bilhete dirigido a
Nathan Ewert: “Não pense em continuar fazendo jogo sujo.
Para saber que não brincamos, levamos a noiva.”
Assinatura, nenhuma. E uma pergunta surgia: quem era
Nathan Ewert?
Dick amassou o bilhete. Sabia, agora; Ewert era noivo
de Mônica, esta fora raptada porque o noivo desobedecera a
determinadas ordens. E, quem era ele?
Acabou de abolotar o papel. Após, deixou
tranquilamente o apartamento, pela entrada que usara.
A notícia de que era comprometida a mulher que o
interessava não lhe causou maior impressão. Natural que
assim fosse. Uma beleza como a de Mônica não poderia
passar despercebida. Como em tantas outras ocasiões,
chegava tarde.
Encolhendo os ombros, já na calçada, procurou um táxi.
Daquele momento em diante, considerava-se desligado de
Mônica e de tudo quanto lhe dissesse respeito. Entretanto...
Parou. A dúvida, a hesitação se apossava dele. Em sua
maneira de ver, alguma coisa não se encaixava naquele
quebra-cabeças, não estava suficientemente claro. De ideia
em ideia, chegou à conclusão de que Nathan Ewert não
devia ser um noivo comum. Do contrário, não permitiria
que Mônica Weldon se exibisse no “Joplin”.
Assaltado por súbita ideia, atravessou a rua e entrou num
bar.
Pediu a lista telefônica e passou bem uns dez minutos à
procura do que desejava.
Era preciso dar término àquele assunto. Deduzia que
alguma coisa de estranho flutuava em torno da cantora e dos
que a rodeavam; e necessitava de explicação para o ataque
de que fora vitima.
Iria visitar Nathan Ewert. Podia muito bem tirar-lhe
definitivamente as dúvidas. Sabia o necessário para obrigá-
lo a soltar a língua. Caso contrário, uma ameaça oportuna
— denunciar o caso à polícia, por exemplo — seria
suficiente.

O NOIVO EM FRIO

Nathan Ewert morava no Bronx aristocrático, num


prédio de dois pavimentos, de aspecto senhorial.
Um porteiro uniformizado atendeu-o.
— Desejo ver o senhor Ewert — explicou Dick,
tentando forçar a entrada.
O porteiro deteve-o:
— Um momento. Não sei se está.
Deu dois passos e falou pelo telefone interno. Logo saiu,
limitando-se a dizer:
— Pode subir. É no primeiro andar. Verá seu nome na
porta.
O prédio devia ser antigo. As paredes mostravam má
conservação e a primitiva pintura desaparecera quase por
completo.
Havia três portas. Na mais afastada, à sua esquerda,
divisou a placa de que o porteiro lhe falara.
Bateu com os nós dos dedos. Ouviu passos, e finalmente
a porta abriu-se, deixando ver a silhueta de um homem
corpulento, trajado com apuro:
— Que deseja?
Havia dureza naquela voz de inflexões secas, taxativas.
— Nathan Ewert? — perguntou Dick, por sua vez.
O outro não se moveu do centro da porta.
— Quem é o senhor?
— Um perfeito desconhecido, senhor Ewert —
respondeu Dick, acreditando falar com a pessoa procurada.
— Interessa-lhe receber-me. Tenho algo a lhe contar a
respeito de Miss Weldon.
Esperava surpreender, mas enganou-se. O homem pôs-se
de lado e o convidou a entrar, com um leve gesto da mão
direita.
— Diga-me seu nome.
— Gaynor... Dick Gaynor, senhor Ewert.
— Eu não sou o senhor Ewert, senhor Gaynor.
Dick abespinhou-se. Quereria brincar com ele?
Ou ganhar tempo?
Do fundo de um dos cômodos veio uma voz:
— Quem é, Bill?
— Um rapaz que quer ver Nathan Ewert, Rod.
— Deixe-o entrar.
O homem chamado Rod estava em seu gabinete. Mas
Dick mal reparou nele, absorvido que foi por um magnífico
retrato de Mônica, sobre a mesa.
— Vai ser difícil falar com o senhor Ewert, amigo.
Agora Dick reparara em seu interlocutor, um homem
alto, de feições agradáveis e movimentos seguros.
— Por quê?
A resposta lhe produziu um vazio no estômago:
— Porque Nathan Ewert foi assassinado ontem à noite,
só isso.
CAPÍTULO TERCEIRO
UM CONVITE

Durante alguns minutos, reinou silêncio na sala.


Dick, surpreso, olhava fixamente para o interlocutor,
notando-lhe uma grande preocupação, um alheamento quase
total. O outro, que lhe abrira a porta, permanecia atento. Era
evidente a desconfiança, na medida sempre exata de seus
passos cadenciados, e nos olhares furtivos.
— Acho que estou num beco sem saída — comentou,
rompendo o silêncio.
Bill, o desconfiado andante, esboçou um sorriso mordaz:
— Ainda bem que reconhece.
As palavras fizeram nascer um pensamento em Dick.
Estava claro que...
— São policiais? — perguntou, quase certo da resposta.
— Que lhe parece, mocinho? — tomou Bill.
O outro, Rod, interveio:
— Deixe de reticências, Bill. O senhor Gaynor não viria
meter-se no fogo, se estivesse implicado no caso.
Encarou o professor, inquisitivo:
— Estou certo, senhor Gaynor?
— Certíssimo, senhor...
— Sente-se, Gaynor. Bill, deixe-nos a sós — comandou.
O policial retirou-se, não sem antes lançar um olhar
pouco amável ao visitante.
— Pode falar com inteira liberdade, Gaynor — tomou
Rod. — Sou o agente Massie, da CIA.
Um leve piscar denunciou a impressão que a noticia
produzia em Dick. Acendendo um cigarro, aspirou com
avidez, à espera de outras palavras.
— O caso, pelo que temos visto — continuou o agente
— pode ser importante. Está um tanto nebuloso, talvez
tenha de solicitar sua ajuda.
— Estou à disposição... Embora, na verdade, eu não veja
de que modo possa colaborar — Dick sorriu amarelo.
— Vá falando. Depois eu lhe direi.
Dick narrou sucintamente tudo que lhe acontecera desde
que chegara a Nova York, terminando por contar a visita
que fizera ao apartamento dá cantora.
— Como soube que Nathan Ewert era seu noivo?
— Os raptores deixaram um bilhete dirigido a ele.
Rod assentiu.
— Traz o bilhete consigo?
— Não. Joguei fora.
— Pena... Eu gostaria de vê-lo... Nada mais?
— Contei tudo que sabia.
Houve outra pausa, durante a qual os dois fumavam,
imersos em seus pensamentos.
— Vai servir-lhe de alguma coisa? — Dick rompeu o
silêncio.
— É cedo para dizer; mas já cheguei a algumas
conclusões.
A natural curiosidade humana impeliu Dick a formular
algumas perguntas referentes ao homem assassinado.
— Quando o mataram?
— Ontem à noite. Caiu da janela de seu escritório.
Oitavo andar. Um guarda-noturno descobri-o, momentos
depois.
— Talvez fosse acidente — alvitrou Dick.
— Será revelado na autópsia.
— Nesse caso, não compreendo sua intervenção, senhor
Massie. O caso seria simplesmente de atribuição policial.
— Mas compreenderá logo se eu lhe disser que Nathan
Ewert prestava serviços a um centro governamental de
investigações.
Dick arqueou as sobrancelhas.
— Espionagem?
— É o que pensam meus superiores, e eu também,
Gaynor. Compreende a importância de minha missão?
— Certamente. Mas continuo... como disse, nebuloso.
— É natural — sorriu Massie. — Também não vejo
claro. Entretanto, é preciso estar alerta.
— E a vida de Mônica Weldon? Já esqueceram o rapto?
Rod esboçou outro sorriso.
— Não me esqueço. Ao contrário, seu depoimento me
permite fixar um ponto de partida. Sente-se disposto a
seguir adiante, senhor Gaynor?
— Que quer dizer?
— A CIA precisa de seus serviços. Todos os cidadãos
têm um dever iniludível para com a pátria. Chegou seu
momento de cumpri-lo.
Dick protestou:
— Mas eu não posso... Sou um simples professor!
— Os agentes de nossa organização pertencem a todas
as camadas sociais. Não pode negar-se. Estou-lhe
oferecendo a oportunidade de trabalhar a meu lado, como
agente, um companheiro.
Dick imaginou-se “caindo no conto”. Eram palavras
bonitas, entusiasmadas, mas, afinal, apenas palavras.
Todavia, ainda assim sentia-se animado a prosseguir.
Não por vaidade, para ver seu nome citado com honra. Era
apenas por uns olhos de mulher, um rosto bonito de mulher,
um corpo harmonioso... uma linda mulher.
— Que devo fazer? — inquiriu.
— Seguir minhas instruções. Não lhe escondo que irá
passar por maus momentos, que sua vida poderá estar por
um fio. Mas não se preocupe: estarei ao seu lado.
— É um consolo imaginar que terei companhia — sorriu
o jovem. — Confio no êxito.
— O prêmio vale o risco, não lhe parece? — e agora foi
o agente quem sorriu. — Confesso que poucas vezes vi
mulher tão bonita — e apontou com um movimento de
cabeça o retrato da cantora.
Dick embaraçou-se:
— Não nego que me atrai — disse. — Mas não tenho
nenhuma esperança em relação a ela. O senhor é um homem
agradável, senhor Massie. Será um prazer trabalhar a seu
lado.
Rod levantou-se, deu uns passos ao longo do gabinete e
voltou até deter-se em frente de Dick, encarando-o.
— Os homens que quiseram matá-lo — começou —
estavam em contato com Nathan Ewert, de quem esperavam
obter alguma coisa.
— É possível. Mas não me diga que me confundiram
com ele.
— Não, não o confundiram. Seu aparecimento deve ter-
lhes causado estranheza. Imaginaram que estivesse
seguindo a senhorita Weldon, que a espionasse, e decidiram
eliminá-lo.
Dick fez um movimento com os ombros enquanto Rod
prosseguia:
— Então, depois de levá-lo para fora da cidade,
aguardaram em vão a chegada de Ewert, no apartamento de
Mônica. E como ele não aparecesse...
— Resolveram raptar Mônica — Dick estalou os dedos.
— Exato, meu caro, exato.
— Também podiam ter assassinado Ewert — continuou.
Rod fez com a cabeça um leve movimento de negação:
— É provável que o tenham feito, mas estou inclinado a
pensar que não foram eles. Se pretendiam matá-lo, por que
raptar a cantora?
O argumento trazia base lógica e Dick admirou a
sutileza do raciocínio do agente da CIA.
— Talvez tenha razão — disse, embora não muito
convicto.
— Acho que tenho, mas, se assim não for, as primeiras
investigações nos proporcionarão mais luz.
— E qual é minha missão?
— O senhor será a força de choque — disse o policial,
dando a volta à mesa e sentando-se novamente.
— Não estou entendendo.
— É simples: Já que esses homens o confundiram com
um policial, o senhor continuará procurando Mônica
Weldon. Isso os deixará preocupados...
— E tratarão de me matar uma vez mais, não é?
— Suponho que sim — respondeu Rod — embora eu
não creia que se atrevam a tal passo.
— Por certo não darão. Se a intenção deles é essa, irão
executá-la de forma que nem mesmo eu me inteire.
— Não é tão fácil. Lembre-se de que eu estarei ao seu
lado. Não só eu; meus companheiros também.
— De acordo.
— Como eu disse, seu aparecimento vai deixá-los
nervosos. Tratarão de fazer alguma coisa. A ocasião será o
momento para nós.
Dick agora levantava-se também
— Supondo que tenham mesmo assassinado Ewert, acha
que eles morderão o anzol?
— Não, mas quase posso dizer que não foram eles, e já
lhe expliquei por quê. De qualquer modo, solicitarei de
meus superiores que mantenham no mais rigoroso segredo a
morte de Ewert.
Ergueu-se e avançou para o jovem.
— A partir de agora, sempre nos veremos o mínimo
possível e só por motivo importante. Pode ir a esse
endereço.
Tirando a carteira, entregou-lhe um cartão.
Dick o guardou depois de ler.
Momentos depois deixava o edifício com uma sensação
de incredulidade. Não obstante, a fome já o assaltava.
Pensaria com vagar enquanto almoçasse.
Rod, pensativo, voltou ao gabinete. Aproximando-se da
mesa, sentou-se em um dos ângulos.
— Espero que dê resultado — murmurou para si mesmo.
Deveria trabalhar depressa, sem deter-se. Gaynor
representava uma ajuda inestimável. Tinha condições para
levá-lo ao esclarecimento do assunto. Mas era preciso que
se mantivesse alerta.
Um assunto, aliás, ainda muito nebuloso. Talvez até
demais.
CAPÍTULO QUARTO
ELA E O INTERESSE

Rod Massie entrou resolutamente no gabinete de seu


superior imediato, um quarentão de maneiras distintas que
ouviu atentamente o relato do subordinado.
Quando o informe terminou, o superior fez ouvir sua voz
enérgica:
— Um bom começo, Rod. Parabéns! Esse Gaynor pode
ser-nos útil.
— Foi o que pensei, senhor Denton.
— É preciso atirar no escuro, às vezes. E o tiro talvez
atinja o alvo.
— Também penso assim — concordou Rod, sentando-
se. — Nada temos de concreto, mas é indubitável que
nossos amigos pretendem grandes coisas. Começaram com
uma bem grande: assassínio.
— Fico pensando em Ewert, Rod — considerou Denton.
— Se pretendiam conseguir alguma coisa dele, por que o
eliminariam?
— Não foram eles.
— Se não, quer dizer que Ewert estava metido em outro
assunto.
— Talvez. Ou então contava com inimigos alheios à
espionagem.
Denton ajeitou o corpo na poltrona:
— Leu o laudo policial?
— Vim para isso. Ainda não o fiz.
— Aqui está uma cópia.
O laudo, posto que sucinto, era suficiente para
estabelecer certas conclusões. Primeiro: Ewert havia sido
assassinado; alguém o havia empurrado da janela. Segundo:
sua morte tivera lugar entre oito e oito e meia da noite. E
terceiro: os homens que o chantageavam com a ameaça de
rapto de Mônica Weldon não podiam ser os assassinos, já
que o rapto fora executado ao amanhecer do dia seguinte,
quando haviam deixado o bilhete. Significava, então, que
ignoravam inteiramente sua morte.
Rod entregou a folha ao superior, pondo-se de pé:
— Farei uma visita ao centro onde Ewert prestava seus
serviços de cientista. Vamos ver o que dizem seus amigos.
— É boa ideia — concordou o superior.

ELA, A SECRETÁRIA

O centro onde Nathan Ewert trabalhara fora instalado


nos subúrbios da metrópole, num desvio de estrada pouco
antes de Jersey City.
Rod não teve dificuldade em encontrar o desvio,
instruído que estava pelo superior.
Expôs ao diretor os motivos da visita, sendo
prontamente encaminhado ao departamento onde trabalhara
Ewert.
O pavilhão compunha-se de três salões espaçosos. Os
pavimentos restantes, no total de doze, distribuíam-se de
igual maneira. A primeira das salas constituía o escritório
da administração, e as duas restantes os laboratórios
propriamente ditos.
Subiu ao oitavo andar e entrou no gabinete. Mal o
examinara, e teve a atenção desviada para a airosa silhueta
feminina que lhe veio ao encontro.
A pequena teria vinte anos quando muito. Alta e
delgada, caminhava com a estudada naturalidade de modelo
profissional. Seus quadris, de contorno perfeito, oscilavam
com singular elegância.
Rod admirou-lhe o busto firme e pequeno, o nariz
delicado, ligeiramente arrebitado, a boca de lábios
nacarados e os olhos de profundo verde.
— O senhor Massie, não é? — inquiriu ela.
— Perfeitamente, senhorita.
— O diretor avisou-me. Posso saber os motivos de sua
visita?
— Certamente. Desejo falar com a senhorita.
Os grandes olhos verdes miraram-no, inquisidores.
— Comigo? — o sorriso ficou mais provocante.
— Por que se admira? Acaso não foi colega de Nathan
Ewert?
— Policia, não é?... Sinto dizer-lhe que está enganado.
Não fui colega do senhor Nathan Ewert, mas sua secretária.
Rod sorriu.
— Para o caso, dá no mesmo, senhorita.
Evidentemente, a formosa secretária não estava à
vontade com a presença de Rod. Deixava transparecer certo
nervosismo.
Rod, bom observador, tomou-a por um braço, levando-a
para um canto retirado dos divãs.
— Tranquilize-se. A polícia não vai molestá-la, ao
menos por enquanto. E eu nada tenho com ela, por incrível
que pareça.
Haviam-se sentado, a jovem de lado, talvez para não
perder o menor gesto de seu interlocutor.
— Mas o senhor veio para me interrogar, não?
— Pura rotina, posso assegurar-lhe. Sou detetive
particular e um cliente contratou meus serviços — mentiu.
— Não entendo. Por que intervém um detetive particular
e não a polícia?
A pequena era esperta, Rod teve de reconhecer. Não
obstante, conservou-se sereno:
— Segredo de Estado, senhorita. Sabe que há muitas
maneiras de resolver um caso, e é certo que a policia
resolverá este sem recorrer aos enfadonhos interrogatórios.
Ela não pareceu convencer-se. Entretanto, apressou-se a
perguntar:
— Que deseja de mim?
— Sabe o que fez no dia da morte de Nathan?
— É simples: limitei-me a cumprir, como sempre, o meu
trabalho. Por volta das sete e um quarto saí daqui.
— A essa hora termina o trabalho de todos, não?
— Sim.
— Então, por que estava aqui o senhor Ewert?
— Costumava demorar-se até mais tarde, e às vezes até
dormia aqui... Era um apaixonado da profissão.
— Engenheiro?
A jovem assentiu:
— Aeronáutico — esclareceu, após breve silêncio.
O olhar de Rod passou da moça para a única janela do
gabinete. Era mais alta do que larga, o parapeito a pouca
altura do chão, como se vê em alguns edifícios modernos.
Ergueu-se e foi até lá, lançando um rápido olhar para
baixo. Dava para um dos pátios internos do edifício.
— Foi aqui que aconteceu?
A secretária assentiu repetidas vezes com a cabeça. Era
óbvio que o assunto lhe desagradava. O agente, todavia,
fingia ignorar-lhe os sentimentos, e perguntou:
— Então, Ewert permaneceu aqui, não é isso?
— Sim... E também o senhor Freeman.
— Quem?
— Orson Freeman, colega do senhor Ewert. Investigador
científico, o Sr. Freeman...
— É a profissão dele?
— Engenheiro, também.
— Quer dizer que os dois trabalhavam juntos, não?
— Sempre.
O agente deu uns passos em direção à moça, que se
levantou.
— Sabe qual era o trabalho atual?
— Em absoluto — negou ela.
Rod estalou os dedos, pensativo. Era normal que a
secretária nada soubesse, embora não fosse de excluir estar
ao corrente dos fatos. Bastar-lhe-ia ter bons ouvidos para
perceber “o que as paredes ouvem”.
— Onde posso encontrar o senhor Freeman? —
perguntou.
— Aqui mesmo... Quer que o chame?
— Seria ótimo.
A jovem passou por ele, aproximando-se da porta dos
fundos. Bateu suavemente e aguardou uns segundos. Depois
entreabriu-a e anunciou:
— Um senhor deseja falar-lhe, senhor Freeman.
Fechou a porta novamente e passou junto de Rod:
— Vou deixá-los a sós.
Orson Freeman possuía o tipo clássico do investigador
científico. Baixo, ombros ligeiramente encurvados, exibia
um nariz pontiagudo, sobre o qual assentava grossos óculos.
— Minha secretária informou-me... — começou.
— Sim, desejo falar-lhe — cortou Rod.
Freeman, com ligeira inclinação, convidou-o a sentar-se.
O agente resolveu bombardeá-lo de perguntas. Parecia
um tipo fácil.
— Disseram-me que trabalhava com Nathan Ewert,
senhor Freeman.
— Certo. Éramos colaboradores.
— Posso saber em que se ocupavam?
Orson esboçou um sorriso de condescendência, dando a
entender que a pergunta era intempestiva.
— Permita que me reserve o direito de nada dizer. Não
posso falar a respeito com ninguém.
Rod assentiu:
— Desculpe-me. Falarei com o diretor. Não obstante —
insistiu, após breve pausa — é importante o trabalho?
— Certamente que é.
— Investigação?
— Bem... Concretamente, não. Nosso trabalho era e é
puramente criador.
— Inventores, não é o que quer dizer?
Freeman assentiu e Rod revolveu-se na poltrona,
acomodando-se melhor. Cruzou as pernas, pôs um cigarro
entre os lábios, oferecendo um ao engenheiro, que recusou.
— Bem, senhor Freeman... Esperava a morte de seu
colaborador?
— Por que iria esperá-la? Ao contrário... Nunca pensei
que Nathan tivesse inimigos.
— Trabalhavam há muito tempo juntos?
— Uns três anos. O suficiente para conhecê-lo.
— Ah! — exclamou o agente, expelindo a fumaça. —
Lembra-se do que fez no dia do crime?
— Perfeitamente. Estive aqui até às sete e meia.
— E depois?
— Fui para casa.
— Pode provar isso?
O rosto de Freeman enrubesceu. Era evidente que lhe
desagradava profundamente a suspeita.
— Não — respondeu, controlando-se. — Moro sozinho.
— Algum vizinho pode tê-lo visto, ou então...
— Não posso assegurar — cortou o engenheiro.
Rod decidiu atacar em outra frente:
— Quando o senhor saiu, Nathan Ewert estava aqui?
— Sim. Disse que ia ficar para terminar um relatório
sobre o último trabalho. Despedi-me e... não tornei mais a
vê-lo.
— Ouvi que ambos costumavam dormir aqui quando o
trabalho o requeria.
— Sim. Mas só de longe em longe.
Rod tomou à carga:
— Tem certeza de que saiu às sete e meia?
— Na portaria poderão informá-lo. Anotam entrada e
saída de todos.
O agente da CIA levantou-se:
— Obrigado, senhor Freeman.
Estreitou a mão do engenheiro e deixou o gabinete.
Enquanto descia, consultou o relógio: marcava onze e
quarenta minutos, quase a hora de saída dos funcionários.
Tomado por súbita ideia, dirigiu-se à saída. Quatro
policiais montavam guarda ao portão gradeado.
Pôs-se de lado e aguardou. Dez minutos mais tarde, os
empregados começaram a sair.
Os policiais efetuavam rigorosa revista em cada um dos
homens, enquanto duas polícias femininas faziam o mesmo
com as mulheres.
Rod divisou a secretária de Freeman e Ewert e resolveu
segui-la, submetendo-se também à revista antes de sair.
Quando localizou a jovem, observou que se
encaminhava para o refeitório próximo. Teve de acelerar o
passo para alcançá-la.
— O senhor? — admirou-se ela.
— Mesmo que me tache de impertinente, senhorita,
preciso fazer-lhe umas perguntas.
— Mais?!
. — É necessário — replicou, sorrindo.
Ela parou, cruzando os braços.
— Está bem, pode começar.
Rod sorriu. A pequena estava encantadora, naquela
postura. Teve de esforçar-se para recordar que não havia ido
ali para conquistas, por bonitas que fossem.
— Quantas saídas tem o edifício?
— Uma, a que viu.
— O senhor Freeman disse que a entrada e saída dos
funcionários era registrada.
— E assim é. Mas só fazem isso com os investigadores,
não com os operários.
— Ah!... É tudo, senhorita. Permita-me que a
acompanhe?
Ela olhou-o desafiadoramente nos olhos:
— Sempre pensei que o tempo era precioso para vocês,
que não podia ser esbanjado em diversões — comentou.
— Não estou esbanjando. Meu tempo é precioso, mas
não tanto quanto a senhorita.
Puseram-se a andar. Rod observava-a dissimuladamente,
admirando cada vez mais aquele magnífico exemplar.
— Por que quis enganar-me, senhor Massie?
— perguntou ela, de repente.
— Eu lhe disse a verdade.
— Não. O senhor é policial. Um detetive privado não
poderia meter o nariz aqui.
— Já lhe disse que se tratava de...
— Sim, um segredo. Mas não me engana.
Chegaram ao refeitório e sentaram-se a uma mesa livre.
— Como se chama, senhorita?
— Meu nome não o ajudará a descobrir nada.
— Não seja reticente. Também os homens se deixam
levar pela curiosidade.
A jovem esboçou breve sorriso.
— Myrtle Harding.
O garçom se aproximava. Myrtle pediu um prato feito e
uma limonada. O agente nada quis.
Quando o garçom se afastava, Rod retomou a palavra.
— Desconfia de mim, Myrtle. Por quê?
— Porque sinto a sua desconfiança — replicou ela. —
Certamente me inclui entre os suspeitos do crime.
— Não dramatize. Asseguro-lhe que tal hipótese não me
ocorreu. A senhorita me interessa... pessoalmente.
A moça deu uma risada cristalina.
— Obrigada. Já imagino que os policiais não são apenas
máquinas de fazer perguntas.
— Não zombe.
Permaneceu junto da jovem enquanto ela comia e
deixou-a à porta do centro de investigações meia hora mais
tarde.
— Tornarei a vê-la, Myrtle, pense o que quiser de mim.
— Adeus. Farei força para acreditar o contrário — ela
parecia sincera.
Misturou-se aos demais operários, desaparecendo entre
eles.
A mente de Rod operava em ritmo acelerado. Das
conversas com Freeman e Myrtle havia tirado algum
proveito. Era importante saber que o assassino de Ewert
permanecera no centro depois da hora de saída.
Pôs o carro em marcha e deu a volta completa ao
edifício, observando atentamente as paredes e outros
detalhes. Depois, tomou a estrada rumo a Nova York.
Tinha de examinar duas hipóteses: uma, a de que o
assassino permanecera no interior do prédio. Outra, que
tivesse saído à hora de terminar o serviço e entrado depois,
sem ser visto, escalando uma das paredes. Pelo que havia
observado, não era difícil fazê-lo.
Pensou em Gaynor e, insensivelmente, acelerou.
CAPÍTULO QUINTO
ENCONTRO NA NOITE

Dick Gaynor entrou em ação no dia posterior ao da


conversa com o agente da CIA. A responsabilidade de
colaborador com a famosa organização fazia-o mergulhar
em sérias reflexões.
No isolamento do quarto de hotel, após desfazer-se da
quase ingênua carta dirigida à irmã Emily, meditou no
passo que acabava de dar.
Normalmente, não era dado à aventura. Pouco podia
lucrar, e naquela empreitada arriscava-se a perder a vida.
Porque a segurança que o agente Massie lhe oferecera era
tão precária quanto um almoço de mendigo. Deveria cuidar
de si mesmo, não confiar na ajuda que lhe pudesse vir de
outrem. Os raptores de Mônica Weldon conheciam- no. E
mais, confundiam-no com a polícia. Seguia-se, daí, que as
horas a transcorrer, quando se tornasse novamente visível,
poderiam ser pouco menos que decisivas.
Quando desceu ao vestíbulo, manhã alta, havia já
elaborado um roteiro a seguir. Como lhe dissera Massie,
teria de atrair a atenção de seus “amigos”. Para isso, pois,
nada melhor que apresentar-se no teatro e efetuar a primeira
parte da arriscada operação.
Um quarto de hora depois, penetrava pela porta que
levava aos camarins. Nos corredores, como sempre, reinava
o bulício dos ensaios.
Abel Joplin permanecia junto ao cenário, observando o
bailado de um grupo de garotas. Dava a impressão de estar
tranquilo, mas a testa suarenta denotava nervosismo e
impaciência.
Dick postou-se ao lado, sem olhá-lo, Joplin, num de seus
frequentes berros em direção aos camarins, acabou
reparando em sua presença. Não houve reação anormal em
seu rosto quadrado, o que fez Gaynor excluir a participação
do mastodonte no atentado que sofrerá.
— Ah, é o senhor?! — exclamou Abel Joplin, dando
dois passos em sua direção.
— Voltei — falou superfluamente o professor-agente.
O grandalhão deixou cair os braços, em desalento:
— Pois veio em vão, amigo! Mônica nem me deu bola!
Dick observou-o, atento. Como pressuposto agente da
CIA, cabia-lhe representar o melhor possível. Qualquer
reação, o mais leve gesto de seu interlocutor poderia dar-lhe
a chave do mistério.
Entretanto, com tal exame não chegou a conclusão
alguma. O rosto quadrado parecia de pedra. Fez-lhe ainda
uma pergunta, sem perdê-lo de vista:
— E esse silêncio não lhe causa nenhuma estranheza?
Joplin abriu bem os olhos. Piscava, incapaz de sustentar-
lhe o olhar:
— Hem? Na verdade é esquisito, mas... O senhor sabe
como são elas! Desaparecem por dias e reaparecem num
segundo!
— Quer dizer que não é a primeira vez que faz isso, não,
Joplin?
O homem pigarreou:
— Bem.,. Até agora, nunca faltou... Claro que alguma
vez teria de ser a primeira.
Dick impacientou-se. Aborrecia-o a opinião depreciativa
que o grandalhão fazia da cantora.
Considerou ser aquele um bom momento para...
— Ouça aqui, Joplin — falou com sombras de ameaça.
— Não sei se devo taxá-lo de imbecil ou se se faz de tal. O
que insinua me repugna, entende? Sabe muito bem que ela
não é dessas!
O gordo crispou-se. Extraindo o lenço, limpou com ele o
suor, bastante nervoso:
— Eu não insinuei nada — objetou com voz algo
submissa. — Digo que as artistas têm uma vida... diferente.
— Diferente ou não, Joplin, o fato é que não tem o
direito de supor coisa alguma de Mônica! Não tem e jamais
terá!
Ficou surpreendido com o calor que punha nas próprias
palavras. À parte o interesse pela mulher, havia a evidência
de seu rapto. Por isso as palavras daquele estúpido lhe
soavam tão mal.
O dono do cabaré enervava-se.
— Repito que não estou supondo nada!
Dick pegou-o por um braço:
— Escute, o desaparecimento da senhorita Weldon é
fato consumado. Só um imbecil como o senhor — e
acentuou a pressão no braço para cortar o protesto do outro
— se atreveria a lançar suposições estúpidas. Sua posição é
bastante suspeita, Joplin. Se Mônica desapareceu, como se
justificará quando a policia vier interrogá-lo? Seu silêncio
poderá comprometê-lo.
Pretendia pôr-lhe brasas sob os pés, e o conseguiu.
Joplin arregalava os olhos, mirava o céu e apressava-se a
contestar:
— Eu não sei de nada do que está falando! Meu negócio
é honesto! A polícia não poderá apurar...
— Então — cortou o professor — por que não
denunciou o desaparecimento?
Fez-se curto silêncio. Joplin olhava-o ainda mais
nervoso como se súbita ideia tivesse nascido em sua mente.
— Quem é o senhor? — trovejou.
— Já lhe disse no outro dia: um amigo de Mônica —
respondeu Dick, muito plácido.
O outro não se contentou com a resposta.
— Se é verdade, não compreendo a razão de tantas
perguntas. O senhor não é policial, é?!
— Não, não sou. Mas não quer dizer que eu não me
preocupe com minhas amizades. E Mônica é uma das mais
interessantes... Responda, de uma vez, Joplin. Por que não
denunciou o desaparecimento?
— Eu lhe disse a verdade, acredite! Não me passou pela
cabeça que lhe tivesse acontecido alguma coisa... Céus! Eu
não me perdoaria nunca!
O número musical terminara e as coristas passavam
diante deles, num alegre burburinho de comentários
picantes.
Logo chegava o compositor Gordon Tryon.
— Este número será um sucesso, Abel, garanto! Nós...
Emudeceu ao ver o jovem professor. Interrogando com o
olhar o proprietário do cabaré e não obtendo resposta,
perguntou:
— De que se trata?
— De Mônica — explicou Joplin com ar abatido. —
Acho que trabalhei mal.
Tryon sacou um cigarro e acendeu-o:
— Eu já lhe disse: devia avisar a polícia.
— Ainda não é tarde, é? — gemeu o grandalhão.
— Por certo que não, Joplin! De qualquer forma, vai ter
trabalho para justificar seu silêncio — falou Dick, entre
dentes.
Olhando para ele, Tryon tentou um sorriso.
— Não dê muita importância, senhor...
— Gaynor.
— Joplin é muito ingênuo, senhor Gaynor.
— Isso não o desculpa — foi a réplica. — Meu dever,
como amigo de Mônica, é avisar a polícia imediatamente!
Joplin segurou-o pelas lapelas, humilde.
— Deixe que eu faça isso... Não quero ver-me envolvido
em nenhuma confusão. Eu devia tê-lo ouvido, Gordon!
Tryon assentiu. Expelindo o fumo, encarou Dick.
— O senhor Gaynor é compreensivo e deixará que você
avise a policia, está bem?
Dick beliscou o queixo repetidas vezes e finalmente
concordou:
— Está bem... Mas, de outra vez, já sabe o que fazer,
Joplin. Se acontecer alguma coisa a Mônica...
Interrompeu-se bruscamente e se afastou dos dois
homens.
Preocupados com seu gesto, ambos trocaram um olhar
interrogativo. E foi Abel Joplin quem formulou:
— Acha que ele cumprirá a promessa?
O músico encolheu os ombros:
— Suponho que sim. Na verdade, pensei que era polícia.
É mesmo amigo de Mônica?
— Foi o que ele disse!
— Vá telefonar, Joplin.
A essa altura, Dick Gaynor, a caminho do hotel,
imaginava que o primeiro passo estava dado.

NA CORDA BAMBA

Rod Massie localizou Gaynor no hotel, às primeiras


horas da tarde, mas procurou não ser visto pelo dinâmico
professor, ao postar-se nas imediações, vigiando-lhe os
movimentos.
Para não provocar suspeitas, nem sequer em Dick
Gaynor, vestira um macacão azul-escuro, semelhante aos
usados pelos empregados da companhia de eletricidade.
Tivera também o cuidado de escolher o meio de
transporte. Se, como imaginava, os autores do rapto da
cantora tomassem a assaltar o bostoniano, era quase certo
que o fariam de um veiculo. Por isso, estacionada à beira da
calçada estava uma possante motocicleta.
As horas transcorreram monótonas. Rod fumou vários
cigarros para vencer o tédio, e houve momentos em que
esteve tentado a entrar no hotel para avistar-se com o rapaz.
Gaynor apareceu, enfim, por volta das cinco. Desceu à
calçada, olhou para um lado e outro e se lançou, a bom
passo, rua abaixo.
Rod acionou o motor do veiculo e saiu em marcha lenta.
Não esperava um ataque a plena luz do dia, mas devia estar
prevenido. Os raptores de Mônica haviam dado mostras de
grande afoiteza. Não se tratava de principiantes,
evidentemente.
Gaynor caminhava com ar despreocupado, de quando
em vez detendo-se, diante das vitrinas. Dessa maneira,
atingiu sem percalço as imediações do “Moplin”. Parou à
porta, indeciso, e finalmente entrou.
A Rod não restou outro remédio senão permanecer nas
imediações. Para não despertar atenção procurou um local
de onde pudesse divisar a porta do cabaré. Achou logo um
café que estava à feição.
Postou-se no exterior do balcão, de forma a poder ver
através da ampla Janela, e pediu uma cerveja.
Para distrair-se, pensou em Myrtle Harding, a bela
secretária do finado Nathan Ewert. Agradava-lhe. Era
encantadora, dessas que não podem passar despercebidas,
por mais que tentem. Estaria envolvida no assassinato? Ou
no desaparecimento de Mônica Weldon? Sem saber bem
por que, aqueles pensamentos lhe provocavam mal-estar.
Myrtle lhe dera a impressão de ser terna e delicada, incapaz
de envolver-se em negócios escusos. Claro que podia ter
sido levada contra a vontade.
Imaginou-se construindo uma montanha com um grão de
areia. E, por associação de ideias, recordou-se de que devia
pôr-se em contato com o chefe.
Sem desviar os olhos da porta do cabaré, alcançou o
telefone e discou rapidamente um número:
— Sou Rod Massie, senhor Denton, e estou telefonando
de um aparelho público. Não disponho de muito tempo.
Ouça: a visita ao centro de investigações foi infrutífera.
Todavia, preciso obter melhores detalhes de Orson
Freeman, colega do morto, e de Myrtle Harding, secretária
do ambos. Qualquer dado a respeito dele pode ser
importante.
Não levou mais de um minuto na sucinta informação.
Despediu-se do superior e voltou à ponta do balcão,
pedindo outra cerveja. Gaynor não lhe estava facilitando as
coisas. Os raptores de Mônica certamente não o atacariam
no cabaré. Então, por que tardava tanto?
A noite descia e começavam a acenderem-se os
luminosos, sulcando a rua de reflexos e pontos multicores.
Consultou o relógio: oito horas.
Nesse momento, Dick saía do cabaré.
Rod pagou apressadamente a despesa e regressou à
motocicleta, que logo pôs em marcha, sem perder de vista
seu homem.
O ataque esperado consumou-se três quarteirões mais
abaixo, à altura de um beco malcheiroso.
Gaynor chegara àquela altura sem novidades. Mas então
alguém se aproximando pediu-lhe fogo. Enquanto Dick
metia a mão no bolso, deu-lhe violento empurrão,
projetando-o nas sombras do beco, de onde surgiram três
homens. Avançaram, os três, para o professor.
Gaynor reconhecera-os, apesar da obscuridade: eram os
mesmos que o haviam levado ao desvio ferroviário. Longe
de amedrontar-se, reagiu violentamente, com uma energia
que jamais pensou possuir.
Projetou-se contra o mais próximo como um
Jogador de futebol, lançando-o a várias jardas de
distância.
Um dos outros falou baixo:
— Duro nele, rapazes!
Investiram a um só tempo, não lhe dando oportunidade
de defesa.
Gaynor mal pôde encolher-se e erguer os braços, num
gesto instintivo.
Aqueles homens eram afeitos à luta. Seus punhos
procuravam os pontos vulneráveis do jovem professor. Um
poderoso soco no fígado e mais dois no estômago tiraram-
lhe o fôlego, obrigando-o a baixar os braços. Foi lançado
para trás, por um esquerdo no rosto, chocando-se contra a
parede e caindo ao chão, todo enovelado e respirando com
dificuldade.
— Para o carro! — ordenou a mesma voz.
Dois deles carregaram-no ao fundo do beco, onde estava
um Ford, e puseram-no no assento traseiro, entre dois dos
assaltantes. Os outros dois sentaram-se à frente.
Rod assistiu à luta sem perturbar-se. Fazia parte das
previsões. Quando viu que Gaynor estava fora de combate
montou na motocicleta e dispôs-se a iniciar a perseguição.
Deixou o Ford tomar dianteira. A partir dai tinha de usar
de cautela.
Ambos os veículos desembocaram em Park Avenue.
Rod alegrou-se com isso, porque o tráfego intenso lhe
permitia passar despercebido.
O Ford percorreu toda a avenida até alcançar Greenwich
Village. Dali dobrou para City Hall para atravessar o rio em
Bowery, internando-se depois na direção do Brooklyn.
Parou numa rua isolada, à frente de um bloco de
edifícios.
Chegou a tempo de vê-los retirando Dick do carro e
conduzindo-o através de um dos portais.
Rod observou os apartamentos com ar distraído. Não
poderia entrar por ali sem chamar a atenção do que ficara no
carro.
Ainda na motocicleta, deu a volta à casa.
Teve sorte. A escada de incêndio estava ali bem a
propósito. Galgou-a de um salto e começou a subir com
naturalidade, como se se tratasse de um operário que ia
consertar uma avaria na instalação elétrica.
As janelas do primeiro pavimento estavam fechadas.
Olhou por uma fresta e não viu luz alguma. Sua intuição
levou-o a continuar subindo. No segundo andar as janelas
estavam abertas, mas tudo às escuras. No terceiro, achou o
que procurava. Embora as folhas protegidas por espessa
cortina, pôde captar rumor de vozes. Colou-se à madeira,
ouvindo as vozes chegarem como em surdina.
Passou para a janela seguinte e empurrou-a com
suavidade. Entrando no cômodo, aproximou- se da porta do
lado aposto e espiou pela fechadura.
Viu um quarto inteiramente vazio; apenas um cortinado
negro ao fundo.
Uma porta abriu-se com estrépito e entraram os três
captores conduzindo Gaynor.
— Aqui está nosso homem — disse um deles.
Rod observou, admirado, que se dirigia à cortina; mas
logo compreendeu a razão, porque de trás dela surgiu uma
voz velada, imprecisa, para não se^ reconhecida:
— Bem, rapazes. Soltem-no, mas não o percam de vista.
O senhor Gaynor, pelo visto, não quis vir
espontaneamente...
— Foi preciso convencê-lo — ironizou um dos homens,
a boca torcida.
A voz de trás da cortina, que devia ser de um chefe, fez-
se ouvir de novo:
— É uma pena que procure complicar nossas relações...
comerciais, senhor Gaynor.
Dick não perdera a presença de espirito. Sem deixar de
fixar a cortina respondeu:
— Pena? Vocês tentavam assassinar-me. Pensei que iam
repetir o golpe.
— E repetiremos, não tenha dúvida. Há uma coisa,
porém, que não consigo entender. Qual é seu interesse no
caso? Qual é seu jogo, senhor Gaynor?
— Digamos que meu jogo seja o de um intermediário.
Você, cabeça invisível destes celerados, precipitou-se.
Quando estavam no salão de chá à espera de Nathan Ewert,
não procuraram saber se minha intervenção era motivada
por meu amigo, mas pensaram logo que eu era policia, não
é assim?
— Exato, senhor Gaynor... E, acaso, não pertence à
polícia?
— Nada tenho com ela. Nathan Ewert não pôde
comparecer à entrevista e me mandou em seu lugar.
Houve uma longa pausa. Era evidente que as palavras do
professor surpreendiam o chefe da quadrilha.
— Por que o senhor Ewert não veio?
— Naquela mesma tarde houve inspeção geral. Não
deve ignorar que nesses centros é feita de tempos em
tempos. Nessas condições, como iria Ewert tirar os papéis
que lhe interessavam?
Rod, olho colado à fechadura, ficou paralisado de
espanto. Não imaginava em Dick tamanho sangue-frio.
Falava às cegas, pretendendo tirar verdades de suas
mentiras. Se o chefe do bando o pilhasse numa contradição,
tudo viria por água abaixo. Não só o esforço, mas também a
vida ele perderia.
— Podia ter-me avisado — observou a voz misteriosa.
— Não houve tempo — sorriu Dick, dolorosamente. —
Essas inspeções se realizam sem aviso prévio. Por isso ele
me enviou, para dizer-lhes que a entrega teria de ser
retardada por algumas horas.
— Por que não disse isso a meus homens? — voltou a
voz.
— A esses? — fez um gesto de desdém. — Tentei fazê-
lo, mas não me deixaram abrir o bico. Queriam fazer-me
desaparecer de qualquer maneira.
— É verdade isso, Lenny? — a voz dirigia-se agora a
um magricela.
— Fiquei no salão de chá — desculpou-se ele.
— Era preciso vigiar a cantora e...
A voz cortou-lhe as palavras vacilantes:
— E os outros? Que faziam?
Os demais comparsas encolheram os ombros:
— Lenny nos disse que se tratava de um polícia —
murmurou o mais baixo, de ombros recurvos, que atendia
por Alex.
— Foi mesmo — apoiou o terceiro, apelidado Cherokee.
— Calem-se! — (pausa). — Bem, senhor Gaynor,
admito o engano. Não obstante, antes de chegarmos a um
acordo gostaria de investigar o que acaba de afirmar-me.
Mudou de voz, ao ordenar:
— Tragam a pequena!
Em seu posto, Rod Massie estremeceu ligeiramente.
Gaynor dançava numa corda bamba, a boa altura, uma
corda para a qual Mônica Weldon podia significar uma faca
bem afiada a cortá-la, se... Mas devia confiar! Se ela desse
mostras de não conhecer Gaynor, o jogo viria abaixo
totalmente e... adeus, professor!
Rod preparou a pistola, dispondo-se para intervir.

CAPÍTULO SEXTO
O CABEÇA

Uma presença não muito presente


— Dura pouco a ignorância do inteligente
Mônica Weldon entrava naquele exato instante. Estacou,
mal transpunha a porta, olhando fixamente para Dick, que
lhe devolveu o olhar com um sorriso amigo, tão frio quanto
seria o do próprio Rod, homem acostumado ao perigo.
Foi, ainda, o professor quem rompeu o silêncio:
— Olá, Mônica, você está bem?
— Sim... — murmurou ela, dando dois passos & frente.
— Como foi que... veio?
— Logo você sairá daqui — prometeu Dick. — Nathan
está bem, mas preocupado com você.
A voz de trás da cortina soou novamente:
— Muito bem, podem levá-la!
Quando Alex e Cherokee saíram, voltou a fazer-se
profundo silêncio. Dick voltou-se para a cortina, o perfume
de Mônica ainda no ar:
— Quando me entregará a encomenda, Gaynor?
— Amanhã mesmo — respondeu ele à voz.
— Não seja tão apressado. Meus homens hão de
procurá-lo no momento aprazado. Tenha-os consigo,
sempre, a partir de amanhã, está certo?
— Muito bem — sorriu o professor.
— E avise Ewert que não procure entregar-me
documentos sem interesse. Preciso dos que se referem ao
desintegrador atômico. Entendido?
— Perfeito.
— Pode ir. Acompanhe-o, Lenny!
Rod deixou escapar um suspiro de alivio. A prolongada
tensão deixara-o à beira do nervosismo. Guardou a pistola e
preparou-se para deixar a sala.
Tudo se desenrolara de acordo com seus planos. O
cabeça acabara de cair na armadilha que lhe haviam
preparado. Claro que a maior parte do êxito devia-se à
afortunada intervenção de Dick Gaynor. Mostrara-se à
altura das circunstâncias em cada momento. Com suas pa.
lavras, muitas delas ditas ao léu, provara ao desconhecido
ser um enviado de Nathan Ewert.
Rod alcançou a escada de incêndio e dispôs-se a descer.
Uma ideia, entretanto, impediu-o de fazê-lo. A prevenir-se
para o futuro, precisava revistar o andar.
Quando deu a volta à casa, Gaynor já se distanciava.
Aproximou-se da motocicleta, abriu a caixa de ferramentas
e muniu-se de um pano, começando a poli-la.
O carro continuava ali.
Pouco depois viu sair Lenny, logo seguido de Alex e
Cherokee, levando no meio deles Mônica Weldon.
Entraram no Ford e sumiram rua acima.
Rod pôs-se a meditar: Por que não subir e aproveitar a
ausência de seus inimigos?
O cabeça devia continuar lá. Nenhuma outra pessoa
saíra, além dos três homens e a cantora.
Decidiu-se rapidamente. Entrou pelo amplo portal e
parou junto à cabina do porteiro.
O homem de altura média, cabelos desbotados e olhar
aparvalhado, ergueu a cabeça quando ouviu os passos do
agente. Encarou o jovem com ar inquisidor. Seus lábios
descolaram-se para falar, mas preferiu esperar as palavras
de Rod.
— Fui chamado há um quarto de hora para examinar
uma caixa de fusíveis — murmurou o jovem, representando
o papel de eletricista.
O porteiro tinha uma voz rouca, desagradável.
Certamente não gostava do emprego.
— Quem o chamou?
— Não deu o nome. Indicou que subisse ao terceiro
andar, apartamento da esquerda.
— Hum... — fez o outro, alisando os cabelos com a
mão, cuidadosamente. — O dono acabou de sair com, uns
amigos e não me disse nada sobre isso.
— Por certo estava apressado e se esqueceu — disse
Rod ligeiro, decidido a quebrar as desconfianças.
— É... talvez.
Tomou uma chave e entregou-a:
— Suba o senhor mesmo.
Era o que Rod queria: subir sozinho. Pelo visto, o
porteiro não iria atrapalhar, o que era excelente.
Tomou o elevador, descendo no terceiro andar. Junto à
porta do apartamento, tomou algumas precauções, embora
estivesse seguro de que não havia ninguém no seu interior.
Tirou a pistola e introduziu a chave na fechadura,
procurando ficar fora do vão.
Nada, porém, aconteceu. Girou a maçaneta e entrou no
pequeno vestíbulo. Fechando a porta atrás de si, dirigiu-se
rapidamente ao primeiro cômodo.
Era a sala que procurava. Não havia nela um só móvel.
Ali estava a cortina preta, atrás da qual se ocultara o cabeça
do bando.
Aproximou-se dela e afastou-a com energia. Nada, Não
havia absolutamente nada.
Guardou a pistola, pensativo. Se estivera ali o chefe do
bando, por onde saíra?
O porteiro se referira ao dono do apartamento e alguns
amigos, que ele mesmo vira sair. Qualquer deles poderia
passar por dono do imóvel. Mas... e o dono da voz? Que
fizera depois de os outros levarem a cantora?
Pela porta principal não saíra; e a prova era palpável.
Nesse caso, devia ter usado a escada de emergência, embora
também fosse possível que subisse ao terraço do prédio, de
onde poderia passar ao vizinho.
Fosse como fosse, o certo é que o cabeça do bando
batera em retirada, após despedir-se de seus agentes.
Revistou as demais peças. Apenas num dos cômodos
havia um enxergão, uma tosca mesa e duas cadeiras. No
mais, não continha móveis, o que não deixou de surpreendê-
lo.
Essa evidência convencia-o de uma coisa: o bando
dispunha apenas do mínimo necessário, de modo que, no
caso de uma fuga precipitada, nada deixaria às suas costas.
Retornou para junto do cortinado e tateou a parede,
rebuscando todos os pontos onde pudesse haver um botão,
alguma coisa que servisse para remover a parede ou parte
dela.
O desaparecimento do chefe intrigava-o. Não podia
compreendê-lo. Teria de excluir a escada de emergência,
pois tê-lo-ia visto descer, a não ser que o tivesse feito
enquanto conversava com o porteiro.
Desistiu da busca de uma porta secreta, convencido da
inutilidade de suas tentativas. Aquietou-se, como o olhar
indefinido, refletindo no caminho a seguir.
Foi então que o pedestal de luz, de acrílico branco em
forma de esfera e situado quatro dedos acima de sua base,
atraiu-lhe a atenção. Girou a vista pelo cômodo, verificando
que era, ali, o único ponto de luz. E se achava precisamente
atrás da cortina.
Pondo-se de cócoras, começou examiná-lo. Era um
pedestal comum, e bastava dar-lhe uma meia volta para
separá-lo da base. Fez isso e a esfera de acrílico tombou.
Contrariamente ao que seria de esperar, não havia
ligação nenhuma de fios elétricos.
Rod beliscou-se o queixo repetidas vezes,
desconcertado. Que significava aquilo? Estaria quebrado?
Examinou melhor. O pedestal tinha, na parte interna,
várias lâminas finíssimas, semicirculares, dentre as quais
saía um fio muito fino que se estendia ao longo da parede,
Juntamente por cima da borda superior da base.
Deu um assovio de surpresa.
— Um alto-falante! — sussurrou.
Era, efetivamente, um minúsculo alto-falante, adaptável
a qualquer objeto, por pequeno que fosse. Ali, o acrílico
perfurado servia para tirar as naturais distorções de som,
dando vivência à voz.
Começou a seguir o fio. Saia pela janela. Abriu-a,
verificando que o fio descia ao longo da parede, quase
oculto, junto à escada de emergência.
Começou a descer pelos degraus metálicos, sem tirar os
olhos do fio. Quando chegou em terra, observou que o fio se
perdia por uma janela situada ao rés-do-chão.
Examinou o local: era um depósito de carvão. A porta
gradeada só estava fechada por um dos lados. Empurrou-a e
penetrou no interior do amplo recinto. O fio terminava ali.
Rod compreendeu. O cabeça do bando, como supusera
segundos antes, não queria correr riscos e se valia daquele
estratagema para ocultar-se. Desse modo, podia mover-se
com ampla liberdade, sem recear o ataque de ninguém.
O sujeito ordenara que um dos seus asseclas alugasse o
apartamento, instalaria a comunicação e mandara levar para
lá a cantora.
Falara do depósito de carvão, bem distanciado de
Gaynor, ligando o fio a um microfone. A cortina não era
mais do que um artificio para convencer a todos de que ali
se encontrava.
Esse pensamento levou Rod a considerar que nem
sequer os homens que trabalhavam para ele o conheciam.
Ignoravam inteiramente sua identidade. Seria inútil,
portanto, capturá-los, pois nada de positivo poderiam
revelar sobre o chefe.
Saiu do depósito e retomou ao apartamento. Nada mais
havia para ver. Depois de um último exame, fechou a porta
à chave e desceu.
O porteiro continuava em seu posto. Rod entregou-lhe a
chave.
— Alguma avaria?
— Sem importância — respondeu Rod. — Dois fusíveis
queimados.
— Hum!... Esquisito.
O Jovem arqueou as sobrancelhas.
— Esquisito?
— O edifício é novo! Há dez meses apenas que está
habitado!
— Isso nada tem a ver com o defeito, amigo. Os fusíveis
queimam-se com muita facilidade. Basta uma simples
alteração na corrente.
— Entendo... Quando o senhor Mathew voltar, direi que
o conserto está feito.
Rod tomou mentalmente nota do nome. Claro que
poderia ser simulado, mas não custava retê-lo.
— Diga-lhe também que receberá a conta dentro de dois
dias... Mas, vi coisas estranhas, IA
— continuou, tentando interessar o porteiro e tirar dele
alguma coisa.
O sujeito devia ser desconfiado porque disse, num
sorriso.
— Imagino o que quer dizer.
— Sim?
— Por certo. Estranhou ver poucos móveis no
apartamento, não é isso?
— Sim. Sempre pensei que eram alugados mobilados.
— Isso fica a critério do inquilino. Há apartamentos com
e sem móveis. O senhor Mathew, quando o alugou, disse
que precisaria dele por duas semanas, no máximo.
— Mora há pouco tempo aqui, então?
— Oito dias, exatamente. Na verdade, eu não teria
alugado o apartamento a ele, se fosse o dono.
Os olhos de Rod brilharam de interesse:
— Por quê?
O porteiro olhou-o de cima abaixo, com olhar critico.
— O senhor Mathew não me agrada, como também não
gosto de suas amizades... Há alguma coisa nele...
misteriosa, eu poderia dizer.
— Será imaginação sua...
— Não. Conheço os homens, acredite. O senhor Mathew
não tem vida normal, isso lhe garanto!
— Bem... é problema dele...
O porteiro deu um suspiro, cortando:
— É, tem razão... A gente precisa distrair-se com
alguma coisa. Passo aqui as vinte e quatro horas do dia, já
imaginou o que seja?
Rod despediu-se com um movimento de mão e um
sorriso, encaminhou-se para a motocicleta e arrancou.
Podia surpreender naquela mesma noite o tal Mathew e
seus dois amigos. Todavia, era cedo. Interessava-lhe chegar
ao cabeça, ao astuto cérebro que tão bem manejava os
cordéis. E, para consegui-lo, só deixando correrem as águas,
e com elas o professor de Boston, a bela revelação que fora
Dick Gaynor.
CAPÍTULO SÉTIMO
PISTA PERDIDA

Durante alguns minutos o silêncio reinou na sala. Os três


homens pareciam não ter chegado a um acordo. Agora,
nenhum deles falava.
Rod Massie muniu-se de um cigarro e acendeu-o,
olhando para Dick e o outro. Era um olhar cheio de
preocupação e quase desanimado, principalmente o que
dirigia ao terceiro homem, baixo e volumoso, sobrancelhas
espessas e olhos redondos.
Era o tenente Klein, da Delegacia de Homicídios, que se
pôs de pé, andou um pouco de um lado e outro e acabou
detendo-se diante de Rod, enquanto Gaynor permanecia
pensativo, olhos no chão. Rod ergueu a cabeça para encarar
novamente Klein.
— É muito arriscado — falava o tenente, com voz
macia, ronronada.
— Foi arriscado, desde o princípio, tenente, se me
permite — respondeu o Jovem no mesmo tom baixo.
— Ê possível — continuou o tenente, desviando os
olhos. — Mas gostaria de cuidar do caso & minha maneira.
Trata-se de assassínio e rapto?! Então o primeiro me
concerne! Quanto ao rapto...
Dick pigarreou, parecendo voltar à realidade, e
interrompia Klein:
— Sei que é arriscado deixar passar o tempo, investigar
mais tarde, etc., senhor Klein. Mas lembre-se de quem corre
perigo sou eu, agora!
— Pois é o que desejo evitar, senhor Gaynor — retrucou
o tenente. — O senhor é um cidadão respeitável. Nada tem
a ver com isso. Sua morte me perturbaria muitíssimo!
— Mas foi ele o protagonista principal dos fatos —
interveio Rod. — Gaynor dispôs-se a colaborar comigo, isto
é, com a CIA. Ninguém pode impedir que assim delibere...
livremente.
— Parece-me que não entendeu bem, amigo Massie. Os
fins da CIA nada têm a ver com assunto meu! Daí eu querer
levar os casos de assassínio à minha maneira.
— Poderia dar em fracasso, tenente, e o senhor o sabe —
cortou Rod. — Se a Delegacia de Homicídios meter o nariz
no caso Ewert, os espiões fugirão imediatamente.
— É meu dever — insistiu o gordo.
— Em outras circunstâncias; nessas, não. O senhor sabe
que não deve invadir atribuições da CIA. Estamos de
acordo em que o homicídio está afeto à sua jurisdição, mas
não o rapto da cantora. Esse é assunto para o FBI. Todavia,
nossos federais não tomaram conhecimento... ainda.
— E por quê?
— Porque eu lhes disse o mesmo que o senhor, tenente
Klein. Deixe que vá até o fim, e terá resolvido o problema
do crime, garanto-lhe. Serão três vitórias! O senhor terá o
homicida, o FBI alcançará os raptores de Miss Weldon; e
nós teremos posto em quarentena uma vasta organização de
espiões. E estes são, de todos, os mais perigosos.
Klein pigarreou. Notava-se que hesitava em dar o braço
a torcer. Era um sujeito obstinado como poucos:
— Bem, sendo assim, qual é a tarefa que me
corresponde no caso?
— Colaborar com a CIA nos trabalhos de envolvimento.
O Departamento Federal já está prevenido. Os melhores G-
men estão preparados para entrar em ação. O senhor fará o
mesmo com os seus. Quando os raptores se derem conta do
jogo de Gaynor, já estarão sob nosso controle.
— Não disse que conhece a casa em que o levaram? —
alvitrou Klein.
Rod Massie respondeu com outra pergunta:
— E quem lhe garante que vão levá-lo de novo para lá?
Esses homens têm uma audácia sem limites! Não serão tão
ingênuos para cair com tanta facilidade.
Klein voltou à cadeira. Rod o convencera por completo:
— Diga-me o que devo fazer — murmurou.
Durante mais de meia hora, Rod fez-lhe ampla
exposição. Ao terminar, depois de certificar-se de que o
tenente havia memorizado bem o plano, acompanhou-o à
saída.
Retornou meio minuto depois, tomou a sentar-se e
encarou Dick Gaynor.
— Agora, nós, amigo Dick.
— Estou decidido — limitou-se a dizer o professor.
Rod lhe entregou um maço de papéis. Dick V guardou-
os sem ao menos lançar-lhes um olhar.
— São esses os documentos que tem de entregar.
— São os que ele me pediu?
— Os mesmos, embora falsos. Acredito que não
perceberão isso, pelo menos nos primeiros momentos,
tempo mais que suficiente para lhes pormos as mãos.
— Tudo sairá bem — suspirou Dick. — Confesso que
estou ardendo de desejo de conhecer o cérebro da
organização, Massie. Nunca pensei que sua profissão fosse
tão apaixonante.
— Não desconfia de ninguém?
— Não, o homem falava através da cortina, com voz
muito baixa. E, quanto à CIA?
— Sempre se tem um culpado presumido — sorriu Rod,
— embora, às vezes, os fatos se encarreguem de provar
nosso engano.
— Quem é, no caso?
— Orson Freeman. Recebi um extenso relatório acerca
de suas atividades. Uma informação de grande interesse.
— Se tudo sair de acordo com seus planos, logo
dissiparemos todas as dúvidas. É possível que Orson
Freeman seja o instigador; mas não se esqueça dos
companheiros de Mônica.
— Refere-se aos do cabaré?
— Abel Joplin não me parece sincero. Acho que
aparenta o que não é.
— Nesse caso — rebateu Rod — teria reparado no
desaparecimento de Mônica. Não o fazendo, expunha-se a
que o considerassem suspeito, como de fato aconteceu.
— De qualquer modo, não é sujeito de merecer
confiança — insistiu Gaynor.
Rod mudou o rumo da conversação:
— Bem, Dick, já sabe o que deve fazer. Tanto o FBI
como a Polícia Metropolitana estão de sobreaviso, sem
contar com meus companheiros. Será praticamente
impossível que seus “amigos” nos despistem.
— Espero que sim. Do contrário...
— Será assim, não se preocupe.
Ergueram-se ambos, Rod estreitou a mão do professor
que logo em seguida deixou a sala.
O agente da CIA manipulou o ditafone:
— Nosso homem acaba de sair. Não o percam de vista e
ponham-me ao corrente de todos os seus passos.
Mais tarde iria reunir-se aos companheiros. No
momento, necessitava levar a cabo importante tarefa.
Deixou o escritório, alcançando a rua. Tomou um táxi
mandando que o levasse ao edifício do Registro da
Propriedade Intelectual.
Lá, confabulou com o diretor por espaço de dez minutos,
ao cabo dos quais, satisfeito, regressou ao escritório.
Sentou-se e ligou para Myrtle, a encantadora secretária do
falecido engenheiro Ewert.
— Ah! É o senhor? — respondeu ela, quando Rod se
anunciou.
— Trata-se de algo muito importante, Myrtle
— disse, com intimidade. — Preciso que me responda a
uma pergunta. Está sozinha?
— Não. Por quê?
— Nesse caso, chame-me mais tarde. Se eu não estiver,
deixe recado.
— Bem, mas ainda não me disse...
— Quero saber se o senhor Freeman assinava seus
inventos conjuntamente com o senhor Ewert. Poderá
atender-me?
— Sim, acho que sim.
— Obrigado, Myrtle. Um dia desses irei agradecer-lhe
pessoalmente.
Desligou. O ditafone estivera chamando por uns
segundos. Comprimiu a alavanca e ouviu a voz de um de
seus companheiros:
— O senhor Gaynor acaba de sair do hotel, Rod.
— Muito bem. Vou agora mesmo.
Na rua, um carro o esperava. Entrou, pondo-o em
movimento, ligando em seguida o aparelho de rádio.
A máquina policial estava em marcha. Viaturas
mantinham-se vigilantes em determinadas ruas, abrangendo
boa parte da grande cidade.
Quando chegou ao hotel, o carro do companheiro que o
avisara havia desaparecido. Entrou em contato com ele,
pelo rádio:
— Rod Massie falando... Rod Massie falando...
— Estou ouvindo, Rod. Câmbio.
— Qual é o paradeiro do homem?
— Estamos na Rua 27, à altura da Quinta Avenida.
— De acordo.
Um quarto de hora mais tarde localizava Dick. Despediu
o outro carro e dispôs ele próprio a empreender a vigilância.
Tomou o microfone e comunicou:
— Atenção, todos os carros-patrulha, falando Rod
Massie... Estou no encalço de nosso homem. O que
esperamos pode produzir-se a qualquer momento. Estejam
alerta.
Durante cinco minutos esteve recebendo respostas de
suas mensagens, dos carros espalhados por toda a cidade.
O professor chegara à esquina da Quinta Avenida.
Começou a descer pelo movimentado passeio,
despreocupado. Parava às vezes, observando
disfarçadamente as pessoas que o rodeavam, e logo seguia,
tranquilo, com as mãos nos bolsos. Pouco adiante, tirou um
cigarro, acendeu um fósforo e aproximou a chama. Já ia
atirá-lo fora quando:
— Empresta-me fósforo?
Dick pôs-se em guarda, observando o estranho.
Encostou a chama ao cigarro do desconhecido, quando o
ouviu dizer:
— Na esquina da Rua 37 há um taxi estacionado. Suba
nele.
Afastou-se na direção oposta, perdendo-se no
burburinho da multidão.
Dick reagiu logo. Eram cautelosos em demasia, e
pareciam não confiar nele. Mas, por que razão iriam
desconfiar?

UM BELO JÔOO

O táxi estava no local indicado. Entrou e deixou-se cair


no assento.
— Muito bem, Gaynor. Vejo que é um garoto obediente.
Olhou para o homem que tinha a seu lado. Era Lenny.
O táxi pusera-se em movimento com certa lentidão, no
tráfego intenso.
Rod Massie percebeu a manobra. Teve de fazer o
retorno para segui-lo, pois vinha em direção oposta.
Transmitiu o aviso a todas as patrulhas, descrevendo
minuciosamente o carro visado.
Dick encarou novamente o risonho Lanny.
— Por que isto?
— Simples precaução. Não que desconfiemos de você,
mas é bom garantir as costas.
O táxi parou num sinal fechado, pondo-se junto à faixa
que dividia a rua, de maneira que bastava atravessá-la para
encontrar os carros parados em sentido oposto.
Lenny abriu a porta e ordenou secamente:
— Salte, Gaynor!
— Mas...
— Salte!
Obedeceu. Um Pontiac negro, que se encontrava
juntamente do outro lado da faixa, chamou-lhe a atenção
não só por estar com a portinhola também aberta como
também por ver quem o dirigia: Cherokee.
Lenny empurrou-o, fazendo-o saltar a faixa:
— Para dentro! — gritou, quando o sinal já abria.
Entrou atrás dele e o Pontiac negro arrancou.
A operação se processara em segundos. Por isso, e pelo
congestionamento do tráfego, Rod Massie não pode reagir
com a presteza desejada.
Conteve uma praga entre dentes e preparou-se para o
retorno, mas os carros, que não cessavam de passar,
impediam-no. Teve de esperar nova mudança de sinal.
Era tarde demais, porém. Comprovou isso quando, após
percorrer a Quinta Avenida de cima abaixo, não encontrou
o menor vestígio do Pontiac negra
Haviam-no despistado. Nem sequer pudera anotar o
número da chapa.
Transmitiu às demais viaturas as características do carro
em que ia Dick Gaynor. Dez minutos mais tarde chegou-lhe
a noticia de que o Pontiac aparecera abandonado numa rua
isolada.
Rod convenceu-se da inutilidade das tentativas. Os
celerados haviam trocado de carro várias vezes, tomando
impossível localizá-los.
Voltou ao gabinete, mal-humorado. O plano estava
prestes a fracassar. Aquela troca sucessiva de carros fora
golpe de mestre. Previra a eventualidade, não lhe dando
maior importância, o que fora um erro.
Agora, o remédio era aguardar.
Pensou em Gaynor e no destino trágico que poderia ter
quando os espiões comprovassem serem falsos os
documentos que trazia consigo. E igual sorte podia ter
Mônica Weldon.
Fracassando na tentativa de obter os planos que lhes
interessavam, os bandidos tratariam de desfazer-se dela para
não se exporem à acusação de rapto.
De repente, ergueu-se da cadeira como impelido por
mola, correndo à mesa telefônica:
— Alguma notícia? — perguntou ao jovem sardento que
manejava uma infinidade de chaves.
— Nenhuma, senhor Massie.
— Avise a todas as patrulhas que se postem nas saldas
da cidade e revistem todos os carros que saem!
— Perfeito.
Enquanto ouvia a voz cantante do rapaz transmitindo a
ordem, acendeu um cigarro, expelindo a fumaça com força.
Era uma medida desesperada e sem grandes possibilidades
de êxito.
Mas não havia outra. Se os espiões conseguissem sair da
cidade, Gaynor podia considerar-se perdido. Essa condição,
porém, não era essencial. Nova York é uma cidade imensa,
e só um milagre poderia levá-los ao encontro dos espiões.
Entrou em comunicação com o tenente Klein, a quem
estava afeta a vigilância da casa onde Dick fora levado na
primeira vez. Mas também ali não havia, novidade.
Minutos mais tarde, foi o próprio Klein quem o chamou:
— Ouça, Massie, talvez não lhe interesse, mas acabo de
receber uma comunicação de meu departamento. Um
cidadão deu queixa do desaparecimento de seu carro.
Rod teve um sobressalto. A solução podia estar ali.
— Averígue de imediato as características do carro e o
número da chapa — respondeu.
— OK. Chamarei mais tarde. Gastou os momentos de
espera fumando nervosamente, e quatro minutos depois
falava com o tenente:
— É um Opel de chapa H. 0-12-42 — informou Bele.
— Obrigado, Klein. Logo terá notícias minhas!
Dirigiu-se ao rapaz sardento:
— Transmita a descrição aos carros-patrulha. Se o
localizarem, deem o alarma.
Desceu à rua, à procura de seu carro. Acabava de
movimentá-lo quando recebeu a primeira mensagem:
— Atenção! Aqui, Smith! Um carro com essas
características passou por nós há cinco minutos. Não
anotamos a chapa, mas tratava-se de um Opel de cor verde,
ano de 60.
Não havia tempo a perder. Tinham de sair em
perseguição daquele carro, jogando ao azar.
— Onde estão, Smith? — indagou, sôfrego.
— Quilômetro cinco da estrada de Filadélfia, Massie.
— Saiam atrás desse carro imediatamente! Eu os
alcançarei.
Transmitiu a notícia às demais patrulhas e saiu a toda
velocidade em direção à estrada de Filadélfia.
Quando sentiu sob as rodas a pista asfaltada, acelerou ao
máximo.
Pouco depois recebia nova comunicação do carro que o
antecedia:
— Estamos parados diante de um pouso. Vamos indagar
se alguém viu o veículo que nos interessa.
Seguiram-se minutos de angustiosa espera, após o que se
ouviu de novo a voz do agente:
— O Opel passou exatamente há dois minutos.
Rod, sem desacelerar, tomou o microfone:
— Vão atrás dele! É preciso localizá-lo! Comuniquem
as novidades.
Momentos mais tarde, passava pelo pouso como uma
bólide. A estrada já mergulhava nas primeiras sombras da
noite, mas o pé continuava levando ao máximo o
acelerador.
CAPÍTULO OITAVO
A UM PASSO DA MORTE

O Opel parou em frente a pequena casa de campo.


Lenny desceu em primeiro lugar, mantendo a porta aberta
até que Dick o fizesse.
O professor lançou rápido e discreto olhar à construção
térrea, de paredes cinzentas e desbotadas, em aspecto geral
de abandono.
Cherokee também saltou, após guardar sob um telheiro o
automóvel.
Os três, então, percorreram o espaço até a porta, e esta se
abriu, aparecendo Alex:
— Tudo em ordem?
Lenny fez um gesto de assentimento, um tanto cansado.
— Vamos adiante — comandou Alex. — O chefe
espera.
Não havia móveis. Luzes vermelhas, situadas em pontos
estratégicos, permitiam apenas identificar a forma dos
pouquíssimos objetos. E a voz do chefe surgiu de trás de
uma mesa nua:
— Espero que tenham feito boa viagem, amigos.
Especialmente o senhor, Gaynor.
— Um tanto cansativa — sorriu Dick, atento.
Lenny riu alto, satisfeito:
— Ele se refere à troca de carros, chefe! Um golpe capaz
de despistar toda a polícia do país, realmente!
Atrás da mesa ouviu-se também um riso, mas abafado:
— Com certeza, Lenny, com certeza! Gosto de trabalhar
em segurança. Tanto a você, Gaynor, quanto a mim não
interessa qualquer complicação, verdade? Principalmente
com a polícia secreta. Traz os documentos?
— Trouxe Mônica Weldon? — replicou o bostoniano,
em vez de responder.
— Não tenha dúvida. A pequena será posta em liberdade
e irá consigo, tão logo tenha a bondade de me passar esses
ínfimos papéis.
— Ínfimos, não é?! — exclamou Dick, rindo. —
Todavia, valem muito.
Imaginou que não examinariam os papéis e o deixariam
ir em liberdade com Mônica.
Metendo a mão no bolso, tirou-os.
— Aqui estão!
Uma mão surgiu dentre as sombras:
— Calma, senhor Gaynor. Temos muito tempo. Alex,
faca o homem entrar.
Alex saiu da sala, retornando pouco depois em
companhia de um cinquentão:
— Entre, amigo. Quer examinar esses papéis? Dick
entregou-os.
— Vou precisar de uns quinze, talvez vinte minutos —
grunhiu o recém-vindo.
— Está bem. À vontade — concordou o chefe.
Dick contraiu as mãos. Iludira-se, ao pensar que o
deixariam ir sem mais. A partir daquele momento deveria
estar alerta. Por certo, aqueles minutos lhe davam
vantagem. Mas era tempo curto demais, a não ser que Rod
Massie entrasse em ação antes que se esgotassem.
— Queira sentar-se, senhor Gaynor — comandou o
cabeça.
Lenny colocou-lhe uma cadeira às costas.
O cinquentão havia desaparecido. Certamente estava em
outro cômodo, examinando os documentos.
— Lamento não poder oferecer-lhe uma bebida, senhor
Gaynor — continuou o chefe. — Só aluguei esta casa para
resolver o assunto.
— Mônica está aqui?
— Sim. Não tardará a vê-la.
Seguiu-se longo silêncio. Dick sentia às costas a
respiração de Lenny, Cherokee e Alex. Se o cinquentão
descobrisse a falsidade dos documentos, suas possibilidades
de escapar seriam nulas. Contava apenas com a intervenção
da CIA, agora.
Seis minutos se passaram. Dick revolveu-se na cadeira,
inquieto. Sentia os músculos tensos, a ponto de disparar.
Por que Rod Massie e seus companheiros não apareciam?
Sentiu que a testa começava a porejar. Um suor frio,
desagradável. Moveu os braços, nervoso, distraindo-se em
olhar para o chão, contando os tacos.
Ouviu um leve ruído do outro lado da porta. Seriam Rod
Massie e os companheiros?
Conteve a respiração. O ruído completou-se com dois
golpes espaçados.
— Abra, Alex — foi a ordem ríspida.
O cinquentão entrou, com os papéis na mão direita.
Avançou até o centro do cômodo e parou.
— E então? — indagou o chefe.
O homem meneou a cabeça:
VISLUMBRANDO A ETERNIDADE

A palavra marcou o início de uma pausa expectante.


Dick foi o primeiro a agir. Com um grito rouco, pôs-se
de pé, tentando alcançar a porta.
Lenny interpôs-se, contendo com seu corpanzil a
arremetida do professor, para em seguida golpeá-lo no
ventre.
Dick dobrou-se, expelindo violentamente o ar, e investiu
contra o grandalhão, que já o esperava, firme nos pés.
Esquivou-se de uma esquerda e golpeou, por sua vez, o
rosto do bandido. Lenny, porém, nem se moveu. Ao
contrário, firmou-se nos pés e mandou-lhe poderoso gancho
no fígado, atingindo-o em cheio.
O professor exalou uma queixa e tombou, sem forças
para prosseguir na luta.
Cherokee, segurando-os pelas lapelas, pô-lo de pé
novamente. Arrastou-o até a cadeira, deixando-o cair:
— Porco asqueroso! — rosnou.
A voz do chefe se fez ouvir novamente, com leve
alteração:
— Pode ir-se, senhor Holly — disse ao cinquentão, que
pela expressão do rosto devia estar desejando aquilo
mesmo.
Depois, dirigiu-se novamente a Dick, resfolegante e
vigiado pelos três homens:
— Estou esperando suas explicações, senhor Gaynor.
Tenho a certeza de que serão muito interessantes.
Um pensamento, um só e isolado pensamento povoava a
mente do jovem: por que Rod Massie o deixava abandonado
à sorte? Por que tardava tanto em intervir e dar o castigo
merecido àquela canalha?
— O silêncio não leva a nenhum lugar, Gaynor. Se tem
vontade de salvar a pele, não o fará calando!
Dick engoliu em seco. Que podia fazer? Por um motivo
qualquer, Rod não cumprira sua parte no combinado, e Dick
teria, portanto, de defender-se sozinho, com unhas e dentes.
— Aviso-o que meus homens estão desejosos de
“amansá-lo”. De minha parte, não vejo inconveniente.
Diante da ameaça concreta, Dick resolvera abrir a boca:
— Falarei — disse.
— Então fale, e depressa!
Durante dez minutos Dick Gaynor narrou a verdade.
Expôs seus desejos de se aproximar da cantora, assim como
as investigações posteriores que iria levar a cabo até
localizar Nathan Ewert, graças ao bilhete que os raptores de
Mônica haviam deixado em seu apartamento. Contou em
seguida a visita que fizera ao engenheiro, a notícia de sua
morte e o acordo feito mais tarde com Rod Massie, membro
da CIA
Quando concluiu, fez-se um longo silêncio. Era evidente
que nenhum dos homens ali reunidos esperava nada
semelhante.
Notou o estupor que os dominava.
— Ewert morto! — murmurava o chefe, ainda
assombrado. — É algo que não me entra na cabeça, algo de
incompreensível.
— Os senhores o mataram — aventurou Dick.
— Não seja imbecil, Gaynor! — o cabeça alterava-se. —
Nathan Ewert era nossa galinha dos ovos de ouro! No dia
em que ele não compareceu ao salão de chá, decidimos
apoderar-nos de Mônica Weldon para obrigá-lo a soltar os
documentos que nos interessavam. Graças a isso, você pôde
enganar-nos! De outra maneira, se tivéssemos sabido da
morte de Ewert, pensa que poderia podido levar seu plano
adiante?
— Que vai fazer comigo, agora?
Ouviu uma risadinha nervosa:
— Sabe demais, amigo Gaynor. Está atolado no assunto.
Cometeu, além disso, um grave erro: aliar-se a esse agente
da CIA. Creio que, assim, sua morte se justifica plenamente.
Dick concordou, ao seu pesar. Estava convicto de não
escapar. Portanto, resignava-se a morrer.
— E ela?
— Mônica Weldon será posta em liberdade. Uma vez
que Ewert desapareceu, não há mais razão em mantê-la
conosco.
Dick suspirou. Seu sacrifício não seria em vão. Mônica
Weldon conseguiria salvar-se.
— Vamos, rapazes, não há tempo a perder. Acabem com
ele.
Puseram-no de pé e saíram juntos da casa. A noite estava
escura e o grupo avançou até um pequeno pomar.
Leriny parou, imitado pelos comparsas. Dick, virando-
se, viu que os três empunhavam pistolas.
— Continue andando, amigo Gaynor — ordenou Lenny.
As sombras que o cercavam adquiriram, de repente,
estranho movimento. Três, quatro, seis homens surgiram
dentre as árvores.
Ouviu-se a voz de Rod Massie:
— Atire-se ao chão, Dick!
Lançou-se para a esquerda, ao tempo em que os clarões
rasgavam a escuridão.
Lenny lançou um grito de alerta:
— Para trás, rapazes! É uma cilada!
Era difícil retroceder. As sombras surgiam por todos os
lados, cercando-os:
— Joguem fora as armas! — tornou a gritar Massie.
Cherokee passou a língua nos lábios. Procurou refúgio
num tronco de árvore e rosnou:
— Não quero ir para a “cadeira”! Venham a nós!
Simultaneamente, disparava contra as sombras mais
próximas, descarregando furiosamente a arma.
Alex e Lenny, por sua vez, trataram de defender-se,
deixando-se, ambos, cair ao chão:
— Precisamos agarrar Gaynor! — grunhiu Jenny. —
Pode servir-nos de escudo.
Dick, perto deles, ouviu-os. Um estremecimento
percorreu-lhe a espinha. Se tomasse a cair nas mãos deles,
nada nem ninguém o salvaria.
Arrastou-se para frente, procurando não fazer ruído. Os
disparos haviam cessado. Naturalmente, Rod e seus homens
receavam atingi-lo, esperavam que se pusesse a salvo.
A voz do agente elevou-se novamente dentre as
sombras:
— Rendam-se! Não têm escapatória.
Cherokee alcançou também uma árvore. Enquanto
remuniciava a arma, tratou de localizar os inimigos mais
próximos. Tarefa impossível, já que a mais densa escuridão
os envolvia.
Teve um repentino desejo de se fazer de valente, mas
pensando melhor, concluiu que seria mais prudente sair
dali.
Agachando-se, procurou aproximar-se do muro, que não
teria dificuldade em transpor para ganhar campo livre.
Um leve rumor fê-lo virar a cabeça para a esquerda.
Preparou a arma e...
O ataque veio-lhe do lado contrário. O homem
arremeteu sobre ele com a agilidade de um tigre.
Cherokee revirou-se com vertiginosa rapidez, mas não
conseguiu esquivar-se do atacante. Sentiu no peito a
joelhada e soltou um grito de dor.
Procurou apontar a pistola para o tórax do inimigo, mas
um hábil golpe de mão deste afastou-a, ao mesmo tempo em
que uma saraivada de socos lhe contundia o rosto.
Considerou-se perdido. O atacante sabia bater com
violência. Era preciso afastá-lo de cima, do contrário seria
triturado.
Encolheu as pernas e distendeu-as a seguir. Notou que o
homem vacilava, acabando por cair de lado. Ergueu-se e
pôs-se a correr em direção ao fundo do jardim:
— Alto! — gritou alguém.
Longe de obedecer, acelerou ainda o passo. Uma curta
rajada de metralhadora pipocou na escuridão. O facínora,
atingido no meio das costas, parou subitamente, deu mais
dois ou três passos trôpegos e acabou caindo adiante, morto.
Lenny e Alex ouviram os disparos e tiveram o mesmo
pensamento. Seu companheiro jamais tomaria a usar
qualquer arma de fogo.
— Precisamos fugir! De qualquer maneira! — falou
Alex.
Lenny cutucou-lhe o ombro:
— Cale a boca e acompanhe-me.
Colados ao chão, silenciosos como répteis, afastaram-se
da pequena clareira. Em pouco chegavam à cerca alta.
Entrementes, Gaynor conseguira chegar a lugar seguro.
Chocou-se com dois homens que quase dispararam suas
armas, contendo-se quando ouviram, num fio de voz:
— Sou Gaynor.
Pouco depois estava com Rod Massie:
— Há dois sujeitos tentando escapar — observou o
agente.
O cerco foi-se estreitando em torno dos espiões. Uma
vez salvo o professor, nada deteria os homens de Rod
Massie.
Lenny percebeu que lhes tinham cortado a retirada. Com
uma cotovelada alertou o companheiro:
— Ouça, Alex, vamos sair rápido na direção deste lado
do muro. Corra tudo que puder e não pare por motivo
nenhum, entendido?
— Sim, Lenny.
A um sinal, ambos ergueram-se e dispararam para as
sombras mais próximas, correndo depois como antílopes em
busca do muro do jardim.
Ouviram às costas movimentos precipitados, mas não
viraram a cabeça. O muro branco apareceu diante deles e
um grito de alegria escapou dos lábios de Alex:
— Conseguimos, Lenny!
Cedo demais para aquela euforia, porque um foco de luz
perfurou as trevas, iluminando-os. Lenny foi o primeiro a
reagir:
— Para o chão! — gritou, deixando-se cair.
Alex, entretanto, não tinha reflexos tão rápidos. Quando
quis imitá-lo, várias metralhadoras já cantavam
simultaneamente.
O rufião lançou um grito. Durante alguns segundos, o
corpo crivado de chumbo, foi de um lado a outro, impelido
pelos impactos.
Finalmente projetou-se contra o muro, desabando pouco
adiante, morto antes mesmo de tocar o chão.
— É melhor render-se — Intimou uma voz a Lenny.
O bandido não respondeu. Em vez disso, do chão,
apurou a pontaria e apertou o gatilho. O foco de luz
desapareceu, alcançado pelo tiro certeiro.
Lenny levantou-se e continuou a correr para o muro.
Aferrou ambas as mãos nos tijolos e içou-se à força dos
braços. Conseguiu sentar-se no muro... e foi tudo.
Duas línguas de fogo saíram-lhe ao encontro. Sentiu os
violentos golpes na cabeça e tentou agarrar-se a um apoio
invisível. A derradeira sensação que teve foi de que
penetrava numa gruta profunda e escura.
Rod, seguido de alguns homens, aproximou-se dos
cadáveres. Após mirá-los em silêncio, ordenou:
— Encarreguem-se deles.
Dick Gaynor, a seu lado, comentou:
— O chefe estava dentro da casa. Certamente, ao ouvir
os tiros, fugiu.
— Está cercado — respondeu Rod. — Não conseguirá
sair.
O professor narrou o que lhe sucedera, ouvindo, de sua
parte, a narrativa de Rod. Haviam encontrado a casa quase
por casualidade. Depois de seguirem os vestígios do Opel,
haviam perdido seu contato. Aquilo o levara à certeza de
que o carro abandonara a pista, pois, segundo a informação
do pouso, levava poucos minutos de dianteira. Determinou
que vigiassem a estrada e seus arredores. Pouco depois, os
homens do FBI prenderam um homem que procurava passar
inadvertido, um tal Holly. O resto foi fácil.
— É o sujeito que examinou os papéis — esclareceu
Dick.
— Imaginava isso. Holly é perito em Física.
Caminharam até a casa. Depois de dar algumas ordens,
Rod e Dick entraram.
— Deixe-me fazê-lo, Dick.
Chegaram juntos à porta do quarto. O agente da CIA
entrou, estacando no umbral.
— Já está feito — completou.
Uma risada suave deu-lhe a entender que não conseguira
seu intento.
— Muito sutil seu estratagema, mas sem resultado.
Afaste-se!
O cabeça do bando, o misterioso chefe fez-se visível.
Tinha diante de si Mônica Weldon, cobrindo-se com ela, e
na mão direita empunhava uma Lugger.
Gaynor ocultou-se atrás da porta. Não fora visto, e podia
surpreender o homem.
— É inútil qualquer resistência — avisou Rod. — A
casa está cercada. Não vai conseguir escapar.
— Talvez seja assim. Mas não sairei só. Ela virá comigo
— tornou o homem.
Rod então notou o desaparecimento de Dick e imaginou
o que o professor iria tentar.
Com um salto acrobático, saiu do quarto.
— Diga a seus homens que atirarei nela, se algum deles
me atacar.
Dick sentia os passos aproximando-se. Contraiu os
músculos e preparou-se para agir.
Viu primeiro a moça, muito branca, assustada. Em
seguida seus olhos deram com a mão armada.
Golpeou-a com toda a força, com ambos os punhos. O
homem gritou roucamente.
Dick não perdeu tempo: lançou-se sobre a moça,
arrastando-a na queda.
O inimigo estava ainda de posse da arma. Apontou-a
para o casal e...
A bala se lhe incrustou no ombro. Rod, até então na
expectativa, interviera no momento exato.
O espião, vendo-se atingido, retrocedeu rapidamente,
entrando no quarto.
Rod movimentou-se, atravessando o umbral como um
furacão. Um projétil passou a roçar-lhe a face direita.
Deixou-se cair e disparou.
Um grito de angústia ecoou no quarto, e dentre as
sombras surgiu a figura sinistra do cabeça do bando. Deu
alguns passos para a frente, vacilante. como um ébrio,
soltou a pistola e caiu de bruços.
Rod levantou-se e apertou o comutador. Dick e alguns
homens, entre eles o tenente Klein, apareceram em cena.
Mas foi do professor a exclamação de surpresa, ao descobrir
a identidade do misterioso personagem:
— Gordon Tryon! O músico do “Joplin”!
— Isto explica muitas coisas — murmurou Rod.
Dick continuava com os olhos presos ao cadáver,
incrédulo:
— É assombroso! Jamais imaginei que pudesse ser ele!
— Caso resolvido — sentenciou Klein.
— Engana-se, tenente.
— Que quer dizer, Massie?
— Que conseguimos apenas dois dos objetivos
propostos. Falta o terceiro, precisamente o que lhe
concerne, tenente: capturar o assassino de Nathan Ewert.
Klein relutou:
— Não foram eles? — e apontou para o cadáver.
— Não. Gordon Tryon era o cabeça de um bando de
espiões, o que justifica nosso interesse. E foi também quem
deu a ordem de raptar Mônica Weldon, o que explica a
presença do FBI. Entretanto, não foi ele quem assassinou
Ewert E a razão é bem simples: Ewert ia facilitar-lhe uns
documentos de grande interesse.
O rosto de Klein congestionou-se:
— E diz isso com tanta simplicidade? Será que não
compreende que o culpado pode escapar?!
— Não escapará. Iremos buscá-lo amanhã — sorriu
Massie, pacificamente.
Mônica recuperava-se do susto. Respondendo às
perguntas do agente esclareceu que conhecia Nathan Ewert
por terem nascido na mesma cidade. Era certo que o
engenheiro a amava. Sem ser correspondido, porém. Ia
visitá-la de quando em vez, e Gordon Tryon, descobrindo-
lhe a identidade, aproveitara a situação para submetê-lo a
uma chantagem. Ewert, sob a ameaça de que a vida de
Mônica corria perigo, entregou a Tryon uns planos sem
importância. O músico percebeu a manobra e enviou-lhe um
ultimato. Disse-lhe que convidasse Mônica para um salão
de chá, e ele deveria comparecer com os documentos. Ela
inteirou-se do plano de rapto ao surpreender as
confabulações dos homens do músico. Foi quando Dick
interveio. Lenny, pensando que fosse um policial, tratou de
eliminá-lo. Mais tarde, quando Tryon viu que Dick voltava
ao teatro, interessando-se por ela, resolveu investigar. Dick
desvaneceu seus temores quando disse ser enviado de
Ewert. Por isso ela o reconhecera no prédio de
apartamentos.
Quando terminou seu relato, Dick tomou-a pelo braço.
— Receei por você, Miss Weldon.
Ela envolveu num olhar de ternura:
— Salvou-me a vida graças à sua coragem, Senhor
Gaynor.
Rod Massie foi atrás deles:
— Suponho que você não queira perder o último ato,
Dick.
— Claro que não! — foi a pronta resposta.
— Então — sorriu o agente — vá amanhã bem cedo ao
meu gabinete. E tenha cuidado com as noites perigosas de
Nova York. Também são românticas, lá isso são! — e
lançou uns olhos maliciosos para Mônica Weldon.
— Perfeitamente entendido — replicou ela, sorrindo e
voltando-se para o professor.
CAPÍTULO NONO
CONFISSÃO

Rod Massie entrou decididamente no gabinete. Myrtle


Harding, sentada à escrivaninha, ergueu a cabeça e sorriu:
— Olá, meu cão-de-fila! Vejo que cumpre a palavra.
— Em parte. Na verdade, minha visita é para Freeman,
Myrtle.
O sorriso desvaneceu se no lindo rosto da secretária.
— OK, vou anunciá-lo.
Mas Rod deteve-a com um movimento repentino:
— Não é necessário. Fique aqui
Dirigiu-se para a porta e, antes de abrir, voltou-se.
— Telefonou para mim, ontem, queridinha? Gostaria de
saber.
— A resposta é... afirmativa — ela estava séria.
— Obrigado. Você é eficiente... e muito bonita — voltou
a sorrir ele.
Entrou.
Orson Freeman trabalhava sobre uma grande mesa de
madeira. Sobre o tampo estava estendido um grande mapa.
O cientista-engenheiro não se deu ao trabalho de erguer
a cabeça, quando ouviu abrir-se a porta. Olhos pregados nas
linhas do mapa, indagou:
— Que houve, senhorita Harding?
— Sou Rod Massie, senhor Freeman — falou
pausadamente o visitante. — Lembra-se de mim?
Freeman lançou-lhe um olhar interrogativo.
— Mas, claro, senhor Massie! É detetive, não? Sua
visita?...
— Minha visita prende-se a um ponto nebuloso de seu
depoimento, senhor: Imaginei que talvez pudesse esclarecê-
lo.
Freeman tirou os óculos.
— Não creio. Em todo o caso, qual é o ponto?
— A identidade do assassino de Nathan Ewert — disse
vagamente Rod.
O cientista empalideceu, mas permaneceu de olhar fixo
no agente. Moveu os lábios, sem conseguir articular
palavra. Passados segundos, balbuciou:
— Que quer dizer...?
— É melhor deixar de circunlóquios, senhor Freeman.
Sabe por que estou aqui. Fale de uma vez!
Orson baixou a cabeça, numa clara derrota. Quando a
ergueu trazia os olhos úmidos:
— Sim, eu matei Nathan Ewert! Era um canalha! Um
homem capaz de trair seus companheiros e sua pátria!
Rod foi até a porta, que deixara destravada fazendo
entrar o tenente Klein e o professor Gaynor.
— É este o seu homem, Klein!
O tenente de Homicídios alisou o queixo, surpreso, pois
até ali não atinara com a verdade:
— Deu um passo errado, senhor Freeman — observou.
— Por que fez isso?
— Nem sei explicar. Foi como se... como se alguém me
anuviasse o cérebro! Naquele momento não pensei outra
coisa que não fosse matar!
— O senhor não simpatizava com Ewert, não é y exato?
Freeman assentiu. Olhou para Rod e continuou:
— Foi uma patifaria o que ele me fez. Há meses, ambos
terminamos um trabalho de importância, um invento
realmente notável. Como é normal nestes casos, tais
inventos são registrados na Propriedade Intelectual. Pois
bem: Ewert, que foi o encarregado de fazê-lo, apenas
mencionou o próprio nome!
— Como ficou sabendo?
— Por um amigo que trabalha lá. Comentou o invento
de meu colega, respondi-lhe que era também meu, e ele
assegurou que nele figurava apenas o nome de Nathan
Ewert.
— O senhor queixou-se?
— Para quê? O mal estava feito. Mas prometi a mim
mesmo resolver pessoalmente todos os casos que
tivéssemos em comum... A partir daquele dia comecei a
espioná-lo. Havia algo nele que não me agradava. No dia do
crime, Ewert disse que ia prorrogar o expediente. Saí do
prédio sem dizer nada, dei a volta e tornei a entrar saltando
um muro. Ninguém me viu voltar para cá. Quando entrei,
Ewert, de pé junto à janela, estudava um maço de papéis.
Reconheci-os. Era de nosso último trabalho. Sem que
percebesse, fui me aproximando até ficar às suas costas.
Então, como pressentindo algo, virou-se. Censurei-lhe o
procedimento, chamando-o traidor. Respondeu que me
calasse, que nada tinha a ver com aquilo. Tentou fugir...
Agarrei-o, lutamos, eu lhe dei um empurrão e ele
precipitou-se pela janela...
— E depois?
Orson Freeman suava copiosamente. A lembrança do
ocorrido fazia-o sentir uma angústia atroz.
— Juntei os papéis que Ewert deixara cair na luta,
repondo-os no lugar, e sai da mesma forma por que havia
entrado.
Após curto silêncio, o tenente adiantou-se para o
cientista:
— Terá de acompanhar-me, senhor Freeman. Ele
assentiu, com os ombros ainda mais recurvados e os olhos
no chão.
Rod interveio:
— Não se deixe abater pelo desânimo, Freeman. Sua
culpa é muito relativa. Há várias atenuantes a seu favor.
Myrtle Harding surpreendeu-se ao ver Freeman sair
algemado. Todavia, não fez nenhum comentário.
Klein despediu-se de Rod e Dick, levando o prisioneiro.
— Agora, sim, o caso está concluído, de fato —
exclamou Dick.
— De fato. Aliás, tenho uma pena imensa de Freeman
— falou Myrtle. — Como soube que havia sido ele, “seu”...
—... cão-de-fila? — sorriu ele. — Ora, deduzi que as
relações de ambos não eram das mais cordiais. Tratei de
averiguar a causa. Fui à Propriedade Intelectual e
comprovei que todos os inventos estavam em nome de
Ewert. Depois, conversando com você confirmei o que já
sabia. E a maneira como foi cometido o crime, calculei-a na
primeira vez em que estive aqui.
— Foi um bom trabalho, o seu — congratulou-se Dick.
— Graças à sua ajuda, professor. Quando voltar a
Boston, vai ter assunto para comentar com seus alunos.
— Pensa que eles iriam acreditar? A opinião que eles
têm de mim não é muito lisonjeira, e com razão, Para eles,
não passo de um simples professor de Etimologia, um
homenzarrão pacato demais.
— Quando vai regressar?
— Daqui a dois dias... talvez. Depende de...
— Suponho que não pretenda ir sozinho — maliciou
Rod.
— Oh! Bem... A verdade é que ainda não sei... Depende
de... Bem, esta noite vamos jantar, e então... Por que não
nos acompanha? Conhece um cabaré chamado “Jimmy V”?
Além disso, tenho certo relato manuscrito, que poderei...
emprestar-lhe.
O agente moveu a cabeça com ar indeciso.
— Tenho ainda algumas coisas para fazer. De qualquer
maneira, se tiver companhia... Seria muito aborrecido ir
sozinho, não acha, Myrtle?
A jovem não respondeu, mas seu sorriso disse tudo.
— Nesse caso, adeus. Foi um prazer trabalhar com você,
Rod — despediu-se Dick.
— Digo-lhe o mesmo. Você faria carreira em minha
profissão, Dick. Claro que já é um pouco tarde. Com certeza
Mônica vai dar-lhe o “sim”, e você terá de dobrar aulas se
quiser organizar um lar.
Dick sorriu, lançando um olhar significativo para o
casal:
— Receio muito que também seja esse o seu caso, Rod.
Estreitou a mão do agente e saiu.
Rod encaminhou-se para Myrtle e envolveu-a pelos
ombros:
— Acho que tenho de dizer-lhe, Myrtle, que sua
intervenção foi decisiva. E gostaria de falar- lhe...
— Gostarei de ouvi-lo, cão-de-fila...
— Antes, porém, queria que me respondesse a uma
pergunta... Continua pensando o mesmo em relação aos
detetives particulares?
— Claro que sim! Mas não deve preocupá-lo. Porque
você, Rod, não é detetive particular.
— Virei buscá-la daqui a duas horas. Vou agora fazer
um relatório.

CAPÍTULO DÉCIMO
DECISÕES CONJUNTAS

O inspetor Harry Denton ergueu-se ao ver entrar o


agente Rod Massie. Não costumava ter esse gesto, ao falar
com seus subordinados, mas naquele momento, além de
fazê-lo, estendia ambas as mãos, sorridente e satisfeito:
— Um ótimo trabalho, Rod! Nossos superiores me
pediram para felicitá-lo. Estão à espera do relatório.
— Vim para isso, senhor — redarguiu o agente.
Denton indicou-lhe uma poltrona:
— Um cigarro?
Rod, surpreso, serviu-se de um, acendendo também o do
superior.
— Bastante difícil, hem? — riu Denton.
— Não tanto como imaginam os que estiveram de fora
— escusou-se Rod. — Apenas Orson Freeman complicou
um pouco as coisas.
Sempre sorrindo, como a ocultar alguma coisa, o
inspetor foi buscar um gravador, entregando-o:
— Seja sucinto. Minha paciência em conhecer tudo é
devoradora.
Rod ajeitou-se, tomou o microfone, e começou:
— Gordon Tryon, o chefe, já levava anos no ofício. Era
inteligente: em vez de usar da violência para obter o que
desejava — ou o que desejavam seus mandantes —,
intrometia-se nas vidas alheias até descobrir algo de
comprometedor. Então fazia chantagem, indiretamente, por
meio de testas-de-ferro. Não queria dinheiro, mas segredos.
No caso especial de Nathan Ewert, deve ter entrevisto uma
oportunidade de ouro: era um cientista e aparecia no
“Joplin” acompanhando a cantora Mônica Weldon. Sem
que ela soubesse da verdade, convenceu-a a ficar noiva de
seu apaixonado engenheiro. E quando o teve no laço,
designou um de seus homens para conversar com Ewert,
exigindo-lhe os planos referentes ao desintegrador atômico
que construía com Freeman, seu colega. Caso se recusasse a
colaborar, ingressando no “clube”, Mônica pagaria as
consequências.
Denton ouvia atentamente, com os olhos semicerrados,
num deleite.
— Ewert nunca fora homem de escrúpulos —
confirmava Rod — pois do contrário não teria usurpado a
Freeman a glória que lhe correspondia nos inventos. Além
disso, nessa ocasião Mônica achava-se em jogo. Não
permitiria que a molestassem. Portanto, cedeu à pretensão
dos espiões, e foi por eles convidado a comparecer num
salão de chá. Também fizeram comparecer Mônica, para
evitar possíveis represálias de Ewert, caso ele tentasse
algum truque.
— Entendo, Rod — interrompeu Denton. — E é agora
que entra o senhor Gaynor, não é?
— Exato. Dick Gaynor, professor em férias em Nova
York, foi assistir a um espetáculo e “caiu” por Mônica
Weldon, obstinando-se em obter uma entrevista com ela.
Dessa maneira, seguiu-a ao salão de chá. Imaginava que sua
oportunidade havia chegado. Mônica, ao vê-lo, receou que a
presença de Nathan pudesse provocar um escândalo, pois
conhecia o temperamento do cientista, exacerbado pela
indiferença da própria noiva. Pediu a Gaynor que se
retirasse e o professor, atendendo à insistência obedeceu.
— Foi uma casualidade cruel — interveio novamente o
chefe, todo sorrisos.
— Mas graças a ela conseguimos desarticular a rede de
espiões. Os homens de Tryon, que espreitavam a chegada
de Ewert, entenderam ser Dick um elemento perigoso.
Decidiram tirá-lo de circulação. Removeram-no dali e o
levaram a uma estação ferroviária, amarrando-o ao truque
de um vagão, num desvio. Gaynor salvou-se
milagrosamente de morte certa.
— Então, decidiu investigar — considerou Denton.
— Ê natural que pensasse assim — sorriu Rod, ao
microfone. — Qualquer um faria o mesmo. Por que teriam
querido assassiná-lo? A única coisa que fizera desde que
chegara à cidade fora interessar-se pela mulher. Resolveu,
então, procurar Mônica Weldon, não a encontrando, porém.
Os espiões, não tendo Nathan Ewert comparecido ao
encontro, raptaram-na, deixando um bilhete em sua casa,
dirigido ao engenheiro. Este não pudera comparecer à
entrevista por um motivo... vital. Quando tentava apoderar-
se dos planos pretendidos por Tryon, Orson Freeman
surpreendeu-o... Freeman, que já sabia do torpe
procedimento de Ewert assinando sozinho as descobertas
que também lhe pertenciam, perdeu a calma. Lutaram,
tendo Freeman saído vencedor. Ewert caiu da janela num
dos pátios do centro de investigações. Foi achado logo
depois, por um guarda noturno... Mas, como eu dizia, o
senhor Gaynor, ao procurar a cantora, descobriu o bilhete
dos bandidos para Ewert. Localizou o endereço do cientista
no guia telefônico e apresentou-se lá.
— Onde o senhor estava, não?
Rod assentiu:
— O assassínio de Ewert podia ter relação com o
trabalho que desempenhava. Era preciso apurar. O que o
senhor Gaynor me contou deu-me a chave do caso: aqueles
homens pretendiam algo do morto. Faltava, apenas, saber o
que seria. Morto o interessado, o único recurso seria usar o
próprio Gaynor. Se conseguira enganar uma vez,
conseguiria de novo, desempenhando o papel de isca.
— E tudo saiu às maravilhas — soletrou Denton,
apanhando o fone.
— Por sorte, senhor Denton, saiu como eu esperava.
Gaynor, devidamente instruído, apresentou-se no teatro.
Gordon Tryon, que Já sabia de seu comparecimento ao
salão de chá, pensou que Dick estava à procura de alguma
coisa e decidiu trocar impressões. Seus homens o seguiram,
levando-o à força, observados por mim, que vigiava o
professor, esperando que acontecesse algo parecido.
Rod remexeu-se na poltrona, mudando de posição.
Deixou o cigarro pela metade no cinzeiro e retomou o fio da
narrativa:
— Tryon, usando de hábil estratagema, falou com
Gaynor. Este conseguiu convencê-lo de que era amigo de
Ewert: aparecera no salão de chã no lugar do engenheiro,
pois uma inspeção de última hora o impedira de comparecer
levando os planos. Tryon caiu na esparrela. Todavia, para
convencer-se de que Dick não mentia, fez entrar Mônica.
Felizmente, ela o reconheceu, terminando por desvanecer as
suspeitas.
— Um homem de nervos equilibrados, esse Gaynor...
— Sim. Ninguém o teria feito melhor, senhor Denton...
Tryon ordenou ao professor que a partir do dia seguinte
trouxesse os planos consigo, pois iriam abordá-lo a qualquer
momento.
— Sabia fazer as coisas.
— Sem dúvida. Quando chegou o momento,
conseguiram despistar-nos graças a sucessivas mudanças de
carro. Felizmente, à última hora, conseguimos localizá-los
numa propriedade rural. Chegamos a tempo de evitar a
morte de Gaynor.
Rod ergueu-se, imitado por Denton, que saiu de trás da
mesa, vindo ao encontro do agente.
— E agora, meu caro, uma noticia: nossos superiores —
era largo demais, o sorriso — souberam recompensar
devidamente seus esforços, Rod. Por ora, pode dispor de
uma semana de licença. Quando voltar, terá uma promoção
por mérito!
— Obrigado, senhor.
Despediram-se.
Ao sair do gabinete, o telefonista aproximou-se para
entregar-lhe um bilhete.
“Venha buscar-me no 130 da Rua Vinte e Seis, daqui a
uma hora.”
Não trazia assinatura. Não era preciso.
UMA BELEZA DE NOITE

Na hora fixada, Rod estava diante da casa de Myrtle. A


moça veio recebê-lo em pessoa.
Deslumbrava-se! A beleza de Myrtle adquiria tons novos
e raros, com o traje de noite, em cor malva, que havia
vestido.
Uma hora mais tarde, juntavam-se a Dick e Mônica, no
“Jimmys”, um cabaré elegante da Quinta Avenida.
Trocaram algumas palavras, enquanto aguardavam o
jantar. As tantas, Dick Gaynor, extraindo uns papéis do
bolso, disse:
— Sabe, Rod, qual o meio de que Gordon Tryon se
utilizava para obter os segredos desejados, sem chamar a
atenção?
O agente surpreendeu-se. Era um detalhe que não lhe
havia ocorrido. Nem a seus superiores.
— Não... A verdade é que não.
— Você agora me decepcionou, Rod — riu o professor.
— Em compensação, descobri por verdadeira casualidade...
Quer examinar essas partituras? Tem ai também o relato de
minha entrada na história. Devolva-me, depois.
O agente, ainda surpreendido, não conseguia alcançar a
intenção do astuto professor:
— Não entendo muito de música — disse.
— Mônica as guardava em seu apartamento. Enquanto
se vestia, examinei-as. Ao passar a mão por uma, várias
notas desprenderam-se da pauta... Estranho, não lhe parece?
E diante do assombro do agente, continuou:
— Tryon deve tê-las entregue a Mônica por engano.
Mas o fato me abriu os olhos. Fui ao teatro e recolhi as
partituras que o músico tinha em seu gabinete... São as que
você está examinando.
Rod compreendeu. Com a unha foi levantando uma a
uma, as notas desenhadas da partitura. Apenas algumas,
porém, se descolavam.
— Percebeu? Os planos chegavam às mãos de Tryon e
ele os convertia em notas musicais, compondo uma ou
várias canções que depois remetia para a Europa. O homem
que as recebia, mediante um código secreto, descolava as
notas e ia encaixando uma a uma, até reconstituir o
documento primitivo, isto é, resolvia um quebra-cabeças
bastante simples.
— Isso é fabuloso, Dick! Jamais imaginaria!...
— Nem eu, tampouco. Foi a casualidade — sorriu o
professor.
— Devo fazer uma ligação telefônica.
— Não se afobe. Não terminei ainda... Quando me
convenci de que as partituras serviam para obter os planos,
revistei cuidadosamente as gavetas da mesa. E descobri esta
agenda, com os endereços dos agentes de Tryon na Europa.
Rod tomou a agenda e correu ao telefone. Dez minutos,
voltava, satisfeito e radiante:
— Esses agentes cairão em mãos da Interpol dentro de
dias! Você é um verdadeiro... cão-de-fila, Dick! Pena que
não queira seguir a profissão. Seria brilhante!
— Lamento, mas meus alunos estão esperando, Rod.
Além do mais, Mônica não me deixaria correr mais perigos.
Pensa que, do mesmo modo que a conheci, posso conhecer
outras e... Ela é ciumenta, sabia?
— Felicito-os. É o melhor prêmio que lhe podiam dar
pelo seu trabalho.
— Também acho... Vamos dançar, querida?
Afastaram-se para a pista. Myrtle, até então silenciosa,
tomou entre as suas as mãos de Rod:
— O professor impressionou-o com sua descoberta?
— Sim... Acredite-me, Myrtle, é um homem talhado
para a profissão! Lembrar-me-ei destes dias por toda a vida!
— Por que lhe deram oportunidade de conhecer Gaynor?
— inquiriu ela.
Rod olhou-a, enternecido:
— Por isso... e porque conheci você. Aproximou-se,
para um abraço. Myrtle inclinou-se para trás.
— Aqui não. Tire-me para dançar...



A seguir:
A VOLTA DE
MISTER FANTASMA
O personagem famoso das novelas de Brigitte
Montfort, seu parceiro e namorado, John Pearson, do
Serviço de Inteligência Britânico, estará deslindando
mais um dos seus mistérios favoritos neste próximo
lançamento da Monterrey. Não deixe de ler.

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