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Unidade Curricular - Ecografia Clínica

1º semestre | 2021/2022

O PAPEL DA ECOGRAFIA NO DIAGNÓSTICO E MONITORIZAÇÃO DA


PNEUMONIA ADQUIRIDA NA COMUNIDADE

Dr. Luís Curvo Semedo

Maria Beatriz Cardoso Carvalho 2017255072


Maria Isabel de Carvalho Ribeiro 2017265016
Mariana Filipa Rodrigues Subtil Lourenço 2016253441

Fevereiro de 2022
O papel da ecografia no diagnóstico e monitorização da pneumonia adquirida na
comunidade

A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é uma das patologias mais prevalentes na


população, por vezes associada a elevada morbimortalidade, tanto no adulto como na
criança, pelo que o seu adequado diagnóstico e monitorização se tornam imperativos.
Como exame inicial, a radiografia torácica, apesar das suas limitações intrínsecas como
exposição a radiação ionizante, baixa acuidade e diferenças interobservador na sua
interpretação, pode desempenhar um papel importante. A tomografia computorizada (TC)
continua a ser o gold standard, mas requere mobilização do doente e uso de radiação, o
que impede um uso extensivo no mesmo doente. Na tentativa de ultrapassar estas
limitações, o uso da ecografia pulmonar no diagnóstico da pneumonia tem-se vindo a
tornar cada vez mais importante.

A ecografia pode ser realizada em todo o tórax, bastando colocar a sonda nos espaços
intercostais, evitando as costelas. A sonda pode ser posicionada tanto longitudinalmente,
perpendicularmente às costelas, quanto obliquamente, ao longo dos espaços intercostais.

As imagens ecográficas podem ser adquiridas com diferentes sondas, sendo a sonda
curvilínea a preferida em pacientes obesos ou quando a parede torácica é espessa. Já a
sonda linear de alta frequência é útil para imagens detalhadas das patologias pleurais e
subpleurais.

A ecografia pulmonar não consegue fornecer uma imagem completa do pulmão, uma vez
que os pulmões estão preenchidos por ar e rodeados pelos ossos da caixa torácica, que
interrompem a transmissão dos feixes de ultrassom. Como consequência, a ecografia
limita-se ao estudo da pleura e das lesões subpleurais através dos espaços intercostais. No
entanto, estudos clínicos recentes mostraram a alta sensibilidade da ecografia pulmonar
no diagnóstico de pneumonia.

Embora haja achados típicos fáceis de distinguir, a ecografia pulmonar é dependente do


operador, pelo que estes devem ser interpretados tendo em consideração todo o contexto
clínico do doente.

Uma revisão sistemática e meta-análise de 2014 comparou a acuidade diagnóstica da


ecografia pulmonar com radiografia torácica e TC torácica na pneumonia. Concluiu-se
que, quando conduzida por clínicos experientes, existe uma boa acuidade no diagnóstico
com recurso a ecografia, pelo que os médicos devem ser encorajados a aprender como
diagnosticar pneumonias com ecografia. Da mesma forma, uma metanálise realizada em
2017 revelou uma elevada acuidade da ecografia pulmonar no diagnóstico de pneumonia
no adulto quando comparada com a radiografia torácica e com a TC torácica.

Por outro lado, um estudo observacional de coorte prospetivo, realizado entre 2015 e
2016, em indivíduos com 18 anos ou mais, revelou que a ecografia torácica é uma
ferramenta diagnóstica importante quando realizada de acordo com o protocolo BLUE
(Bedside Lung Ultrasound in Emergency). Do ponto de vista ecográfico, definiu-se
pneumonia como consolidação pulmonar com broncogramas aéreos. Nos doentes com
indicação para TC após exame físico, foi feita previamente a esta uma radiografia torácica
póstero-anterior. Nos doentes a quem foi diagnosticada pneumonia com TC, foi realizada
uma ecografia torácica de acordo com o protocolo BLUE. Fizeram parte do estudo 125
doentes – foi detetada infiltração pulmonar por ecografia em 97 (77,6%) e por radiografia
torácica em 57 (45,6%).

Na faixa etária pediátrica, a PAC é uma causa relevante de morbimortalidade e a sua


abordagem clínica continua um dos maiores desafios desta área. Recentemente, o uso de
ecografia point-of-care (POCUS) pulmonar pelos pediatras tem-se revelado uma
alternativa no diagnóstico e monitorização de PAC. Existe forte evidência de que é um
método com elevada sensibilidade e especificidade, com as vantagens de não expor o
doente a radiação e apresentar baixo custo, resultados imediatos, possibilidade de ser
portátil e possibilidade de repetição sempre que necessário de acordo com a evolução da
doença. Além disso, apesar de ser necessária mais investigação neste âmbito, existem
achados interpretados por vários autores como indicadores de etiologia viral versus
bacteriana. Desta forma, a ecografia pode ser útil na exclusão de etiologia bacteriana e
desta forma prevenir o tratamento inapropriado com antibióticos e a consequente
resistência aos mesmos. A POCUS pulmonar representa uma oportunidade para melhorar
o diagnóstico e monitorização da PAC. Contudo, sendo uma técnica dependente de
operador, torna necessário o treino dos clínicos na realização e interpretação da ecografia.

Tradução ecográfica de uma pneumonia

Num pulmão saudável, apenas a pleura pode ser diretamente visualizada com recurso a
ecografia, aparecendo como uma linha suave hiperecogénica profundamente às costelas.
O parênquima pulmonar normalmente arejado não é possível de visualizar diretamente,
mas presume-se a sua presença através de um artefacto constituído por linhas
hiperecogénicas paralelas à linha da pleura – são as designadas linhas A. As linhas B são
linhas hiperecogénicas que se originam e correm perpendicularmente à linha da pleura,
relacionadas com septos interlobulares espessados ou com a aparência em vidro despolido
encontrada na TC. Apesar de poderem aparecer em pulmões saudáveis, normalmente
traduzem patologia. São, no entanto, achados não específicos, não permitindo distinguir
um infiltrado de causa infeciosa ou inflamatória ou edema pulmonar devido a transudato
ou exsudato.

Quando a consolidação pulmonar se estende à pleura, pode ser visualizada com ecografia,
normalmente identificada como uma área subpleural hipoecogénica, mal circunscrita e
com algumas características associadas que incluem:

→ Perda da ecogenicidade da linha da pleura sob a área de consolidação e ausência


de linhas A;
→ Aumento das linhas B em torno da área da consolidação;
→ Linhas B originam-se da consolidação ao invés da linha da pleura;
→ Broncogramas aéreos que se traduzem por ponteado hiperecogénico na área da
consolidação.

Consolidações extensas tendem a ter aparência semelhante à do fígado, fenómeno


conhecido como hepatização.

Figura 1 – Ecografia pulmonar da região antero-


superior pulmonar direita numa menina de 16
meses de idade, que demonstra um pulmão
normal, com linha pleural e linhas A visíveis e
ausência de linhas B. Adaptado de (Stadler et all,
2017).
Figura 2 – Ecografia pulmonar da região antero-
inferior pulmonar esquerda num menino de 2
anos de idade que se apresenta com sintomas de
pneumonia, mostrando linhas B múltiplas e
confluentes, representando um padrão de
doença intersticial. Adaptado de (Stadler et all,
2017).

Figura 3 – Ecografia pulmonar da região postero-


superior pulmonar direita num bebé de 3 meses
de idade hospitalizado por pneumonia que
mostra uma área hipoecogénica de consolidação
subpleural. É ainda possível identificar
broncogramas aéreos (ponteado hiperecogénico
na área da consolidação), linha pleural
hipoecogénica sob a lesão e múltiplas linhas B
que se originam da consolidação. Adaptado de
(Stadler et all, 2017).

A ecografia pulmonar na era COVID-19

A COVID-19 é a doença causada pela infeção pelo SARS-CoV-2, um vírus com tropismo
específico para o trato respiratório inferior no estadio inicial da doença. As TC de
pacientes com COVID-19 geralmente mostram uma pneumonia intersticial difusa
bilateral, com lesões assimétricas e irregulares distribuídas principalmente na periferia do
pulmão. No contexto de uma pandemia, a identificação rápida de casos, a classificação
da gravidade da doença e a alocação correta do tratamento são cruciais, daí o interesse
crescente pela ecografia pulmonar neste contexto, uma vez que os seus achados têm
demonstrado boa correlação com os achados da TC.

Desde o início da pandemia de SARS-CoV-2 que médicos com experiência em ecografia


pulmonar a destacaram como uma ferramenta eficiente para diagnosticar pneumonia
intersticial associada à COVID-19. As principais vantagens do uso desta técnica
imagiológica são um diagnóstico rápido e confiável do envolvimento pulmonar à
cabeceira do doente e uma exposição reduzida de outros profissionais de saúde fora das
áreas hospitalares designadas para COVID-19. Parece ter grande potencial na
identificação precoce de pneumonia; contudo, os achados de pneumonia por COVID-19
são inespecíficos e podem estar presentes noutras condições respiratórias.

Durante a progressão da COVID-19, as alterações no parênquima pulmonar começam nas


regiões distais do pulmão e progridem proximalmente. Podem encontrar-se na TC
opacidades em 'vidro fosco' e alterações em crazy paving nas fases iniciais, e
consolidações maiores nas regiões basais mais tarde no curso da doença. As regiões mais
frequentemente afetadas são o lobo médio direito e lobos inferiores, seguidos do lobo
superior esquerdo. A histopatologia da pneumonia por COVID-19 progride nas regiões
distais do pulmão e é caracterizada por dano alveolar e edema, espessamento intersticial
e consolidações gravitacionais. A progressão patológica da pneumonia por COVID-19
torna, portanto, adequada uma técnica de imagem de superfície, como a ecografia
pulmonar.

Como já referido, os achados ecográficos na pneumonia por COVID-19 abrangem os


descritos noutros tipos de pneumonias e doenças pulmonares. Este incluem múltiplas
linhas B, consolidações, irregularidades da linha pleural e derrame pleural. Contudo, um
artefacto típico denominado de “feixe de luz” tem sido observado invariavelmente na
maioria dos pacientes com pneumonia por COVID-19. Esse artefacto corresponde ao
aparecimento precoce na TC de alterações em “vidro fosco” típicas da doença aguda.

A pneumonia na COVID-19 está ainda associada a sequelas intersticiais pulmonares cuja


deteção precoce pode ajudar a prevenir a evolução para fibrose irreversível. Neste
contexto, um estudo observacional prospetivo demonstrou uma correlação forte entre o
score utilizado na ecografia e o score Warrick utilizado na TC de alta resolução. A
ecografia revelou especificidade e valor preditivo negativo na ordem dos 94%, com
potencial para ser utilizada na avaliação de sequelas. Usada como primeira linha, pode
evitar o uso de exames adicionais como a TC, na ausência de alterações à ecografia.

Assim, com o aumento do número de estudos sobre a aplicação da ecografia pulmonar,


esta tem se mostrado uma ferramenta útil para avaliação da progressão, resposta
terapêutica e acompanhamento da doença pulmonar na COVID-19. No entanto, são
necessários mais estudos para definir o seu papel exato neste contexto.

Conclusão

A PAC é uma patologia cujas prevalência e morbimortalidade fundamentam a


importância de realizar um diagnóstico e monitorização eficientemente. Ainda que a TC
seja o exame gold standard, a radiografia torácica é atualmente o exame complementar
de diagnóstico mais usado. A ecografia pulmonar tem a limitação de não fornecer uma
imagem completa do pulmão, centrando-se na área pleural e subpleural, mas apresenta
vantagens relativamente aos outros métodos imagiológicos. Não requere exposição a
radiação nem mobilização do doente e apresenta uma maior acessibilidade, o que a torna
particularmente útil em contextos de necessidade de repetição de exames na avaliação da
evolução temporal, em contextos pandémicos e em contexto pediátrico. A ecografia tem
demonstrado alta sensibilidade e especificidade no diagnóstico de pneumonia e
complicações, incluindo a por SARS-CoV-2, e pode ser encarada como uma alternativa,
particularmente à radiografia. Os achados são inespecíficos e devem ser analisados de
acordo com o contexto clínico. Uma maior implementação da ecografia nesta situação
implica a necessidade de um maior treino dos médicos na sua interpretação.

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