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Diferenças clínicas entre asma e doença pulmonar

obstrutiva crônica

Differentiating chronic obstructive pulmonary disease from asthma in


clinical practice

Rogério M. Bártholo*

Resumo fisiopatológicos subjacentes, a história natural,


monitorização e o aspecto de maior relevância,
Asma e doença pulmonar obstrutiva
que é a definição do tratamento mais adequado.
crônica (DPOC) representam uma proporção
Isto se dá principalmente pela superposição en-
substancial dos cuidados de atendimento clí-
tre asma e DPOC e pelo difícil diagnóstico em
nico primário. Em adultos, diferenciar asma de
DPOC pode ser difícil, mas é importante pelas estágios precoces desta última. Nesse contexto,
marcadas diferenças no tratamento, progressão será muito importante fazer a monitorização da
da doença e prognóstico entre estas duas condi- progressão da doença pela função pulmonar e
ções. Os sintomas presentes em ambas as condi- outros dados clínicos e laboratoriais em relação
ções são inespecíficos e se superpõem. Subdiag- às características clínicas ou fisiológicas iniciais
nóstico e diagnóstico errôneo de DPOC, assim da doença, e especialmente com a detecção do
como superdiagnóstico de asma são comumente fenótipo clínico.
relatados. Durante muitos anos, o diagnóstico
Descritores: Asma; Doença pulmonar obstru-
das doenças obstrutivas que acometem as vias
tiva crônica; Fenótipo; Diagnóstico.
aéreas tem sido considerado um desafio. Um
crescente entendimento da heterogeneidade
Abstract
clínica da asma e da DPOC, junto à certeza
da inadequação das definições correntes tem Asthma and chronic obstructive pulmo-
levado a tentativas de desenvolvimento de uma nary disease (COPD) represent a substantial
nova taxonomia para estas doenças. Definir os proportion of primary care practice. In adults,
vários fenótipos é uma prioridade da pesquisa differentiating asthma from COPD can be diffi-
com grande relevância clínica pelo potencial de cult but it is important because of the marked
informar sobre seus fatores de risco, processos differences in treatment, disease progression,

*
Endereço para correspondência:
Rua Arquias Cordeiro, 324, sala 306
Rio de Janeiro, RJ. CEP: 20770-000.

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and outcomes between these two conditions. uma das poucas condições em que a mortalidade
The symptoms present in both conditions are está aumentando, e estima-se que se tornará a
non-specific and overlapping. Under-diagnosis terceira causa de morte no ano de 2020.3
and misdiagnosis of COPD and over diagnosis Tem sido reconhecido que fatos clínicos da
of asthma are commonly reported. The diag- DPOC e da asma se superpõem frequentemente,
nosis of obstructive respiratory diseases has tornando um diagnóstico de certeza difícil para
been considered a challenge for many years. o médico assistente. Há hipóteses sugerindo que
An increasing understanding of the clinical tanto a asma quanto a DPOC podem na verdade
heterogeneity of asthma and chronic obstructive compartilhar origens comuns com diferenças na
pulmonary disease, together with the inade- apresentação fenotípica, sendo relacionadas à
quacy awareness of the current definitions, has evolução da doença ou à interação entre fatores
led to attempts in developing a new taxonomy endógenos e exógenos. Outros sugerem que as
for airways diseases. Defining the various phe- duas condições são clínica e patologicamente
notypes is a research priority with great clinical diferentes. Uma revisão de estudos objetivando
relevance because of the potential to inform on o entendimento de fatores genéticos envolvidos
the risk factors, underlying pathophysiological nessas doenças sugere que há, no mínimo, algu-
processes, natural history, monitoring and most mas localizações cromossomiais compartilhadas
important, the treatment. This is mainly because envolvidas na susceptibilidade genética e na
of the overlap between asthma and COPD and interação ambiente-gen em ambos os estados
the difficult diagnosis of COPD in the early de doença. Os estudos da inflamação subjacente
stages. In this context it will be very important demonstram uma diferença na preponderância
to make the monitoring of disease progression de células e mediadores inflamatórios em cada
by lung function and other domains in relation doença, ainda que muitas características com-
to initial clinical or physiological characteristics partilhadas no processo inflamatório possam
and especially according to phenotypes. ser encontradas.1
A classificação corrente das doenças de
Keywords: Asthma; Pulmonary disease, chronic vias aéreas é imprecisa, com superposição de
obstructive; Phenotype; Diagnosis. fenótipos (asma, bronquite crônica e enfisema),
resultando em dificuldades para diferenciar as
Introdução condições uma das outras. Isto tem levado a uma
A doença pulmonar obstrutiva tem um considerável incerteza diagnóstica. A aborda-
grande impacto sobre a saúde no mundo. A do- gem tradicional tem sido apresentar esta super-
ença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) afeta posição fenotípica no formato do diagrama de
no mínimo 16 milhões de pessoas nos EUA, Venn;4 contudo, isto resulta aproximadamente
enquanto a asma está aumentando gradativa- em 15 fenótipos, cuja patogênese ou resposta
mente. De fato, a importância dessas condições ao tratamento não tem sido claramente bem
pode estar sendo subestimada à medida que definidas para cada fenótipo.5 Trabalhos mais
tem sido demonstrado que muitos pacientes recentes tem utilizado análise de grupos clusters
provavelmente permanecem subdiagnosticados, para caracterizar diferentes tipos de alterações
talvez, em parte, devido à latência até o apareci- nas vias aéreas. A análise desses grupos é uma
mento da doença pulmonar obstrutiva crônica coleção de métodos baseados em medidas carac-
em pacientes tabagistas.1 terísticas para definir conjuntos de indivíduos,
A doença pulmonar obstrutiva crônica é a tanto que eles são agrupados baseados em suas
terceira causa de morte nos EUA e é responsável diferenças (ou similaridades). Os grupos são
por um custo anual de saúde de mais de 15 bi- constituídos de tal modo que o grau de asso-
lhões de dólares.2 Em todo o mundo, a DPOC é ciação é forte entre membros do mesmo grupo

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e fraco entre membros de diferentes conjuntos.6 tórax, podendo haver hiperinsuflação pulmonar.
Se diferentes estratégias de tratamento mostra- Alguns pacientes, particularmente crianças, po-
rem diferentes prognósticos para esses grupos, dem se apresentar com uma tosse não produtiva
o valor da análise desses grupos se confirmará.7 predominante, que é considerada uma tosse
variante da asma.8
Asma Recentemente, o desenvolvimento de
Asma é uma doença caracterizada por obs- terapias-alvo para asma renovaram o interesse
trução ao fluxo aéreo que varia marcadamente, nos fenótipos desta condição. Contudo, não há
tanto espontaneamente quanto com o tratamen- método padronizado ou sistema de classificação
to. Os asmáticos apresentam um tipo especial de concordante para definir os fenótipos de asma.
inflamação nas vias aéreas, levando a excessivo O foco se voltou para a classificação de asma
baseada na imunopatologia, especificamente na
estreitamento com consequente redução do
constituição celular da resposta inflamatória.10
fluxo aéreo e sintomas como sibilos e dispneia.
O estreitamento das vias aéreas é usualmente
reversível, mas em alguns pacientes com asma
Doença pulmonar obstrutiva
crônica pode haver um elemento de obstrução crônica
ao fluxo aéreo irreversível.8 A DPOC é definida como uma doença
A asma é mais frequentemente associada caracterizada por limitação ao fluxo de ar que
com início na infância, presença de reações não é completamente reversível. Inclui as se-
atópicas prévias e uma história familiar de atopia guintes entidades: 1) o enfisema, uma condição
ou asma.9 A apresentação clínica inicial varia, anatomicamente definida caracterizada por
mais frequentemente com sintomas intermi- destruição e aumento dos alvéolos pulmonares;
tentes, embora algumas vezes com sibilos, tosse 2) a bronquite crônica, uma condição definida
ou dispneia constantes. A presença de sibilos clinicamente por tosse e expectoração crônicas;
na expiração é o sintoma clássico, mas alguns 3) a bronquiolite obstrutiva, uma condição em
pacientes se apresentam primariamente com que pequenos bronquíolos estão estreitados. A
tosse, especialmente noturna.9 Os sintomas DPOC está presente somente se há obstrução
aumentam tipicamente com exposição a alérge- crônica ao fluxo de ar, pois bronquite crônica
nos e outros fatores, tais como infecções virais sem obstrução ao fluxo aéreo não é incluída na
do trato respiratório superior, pólen, ácaros da definição de DPOC.11
poeira, pelos de animais, irritantes ambientais Ao exame físico, nos estágios precoces da
(mais comumente a fumaça de cigarro), ar frio e, DPOC, os pacientes não apresentam alterações.
em alguns casos, a prática de exercícios físicos.9 Nos pacientes com doença mais grave, é notada
Os sintomas característicos da asma, sibilos, uma fase expiratória prolongada e podem ser
dispneia e tosse melhoram espontaneamente e notados sibilos expiratórios. Além disso, podem
com tratamento. Os sintomas são piores à noite ocorrer sinais de hiperinsuflação pulmonar, in-
e os pacientes tipicamente acordam nas primei- cluindo a presença de tórax em tonel, aumento
ras horas da madrugada. Os pacientes podem dos volumes pulmonares e redução das excur-
referir dificuldade em “encher seus pulmões sões diafragmáticas. Pacientes com obstrução
com ar”. Ocorre um aumento na produção de grave ao fluxo de ar podem também exibir o
muco em alguns pacientes, com a presença de uso de músculos acessórios da respiração sen-
muco especialmente espesso que é difícil de tando em uma posição característica com apoio
expectorar. Pode haver aumento da ventilação das mãos para facilitar as ações dos músculos
com o uso da musculatura acessória. Ao exame esternocleidomastoideo, escaleno e intercostais.
físico, os sinais são inspiratórios e, em um maior Pacientes podem desenvolver cianose periférica
grau, expiratório, com roncos difusos através do e baqueteamento digital. A doença avançada

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pode ser acompanhada por consumo sistêmi- crônica, dispneia progressiva e evidência de
co, com significativa perda ponderal, consumo obstrução ao fluxo de ar mais fixa, injúria paren-
muscular bitemporal e perda difusa de tecido quimatosa e alteração da difusão pulmonar. Tem
celular subcutâneo. Essa síndrome tem sido sido largamente reconhecido que há significativa
associada à inadequada ingesta oral e a elevados superposição na expressão fenotípica dessas
níveis de citocinas inflamatórias, tais como o duas condições, o que pode dificultar o médico
fator de necrose tumoral alfa (TNF-α).11 de cuidados primários realizar a diferenciação
Em contraste, a DPOC é essencialmente entre as duas condições.1
desconhecida em crianças e é rara em adultos Hiperventilação em repouso (denotando
jovens sem uma história de deficiência de alfa-1 elevada capacidade residual funcional) favorece
antitripsina. Após a idade de 40 anos, contudo, a o diagnóstico de DPOC. Apesar do fato de que
prevalência de DPOC aumenta substancialmen- pacientes com asma também possam demons-
te com a idade, enquanto a prevalência de asma trar hiperinsuflação, isto é tipicamente notado
relatada pelo paciente declina discretamente.12 durante períodos de baixo controle e exacerba-
Em geral, o risco de DPOC aumenta quanto ção aguda.1 Uma alterada capacidade de difusão
maior a carga tabágica (maços‑ano) utilizada ou está associada com DPOC e as medidas desta em
quanto menor a frequência da exposição ocupa- pacientes portadores de asma são usualmente
cional a toxinas inalatórias irritantes.13 Apesar normais ou mesmo elevadas.1 A redução no
de que sintomas diários possam estar presentes recolhimento elástico do pulmão é usualmente
em asmáticos,14 sintomas em pacientes com vista em pacientes com DPOC, particularmente
DPOC são mais prováveis de serem constantes naqueles que fisiopatologicamente demonstram
e progressivos, refletindo o fato de que a obs- aumento anormal dos espaços aéreos com des-
trução da via aérea nesta doença não é devida à truição de paredes alveolares, como visto no
broncoconstricção reversível e a inflamação que enfisema pulmonar.1
ocorrem na asma. Mais que isso, a obstrução se Em relação aos achados radiológicos de
deve a alterações estruturais e mecânicas com pacientes com DPOC e asma (síndrome de
redução do recolhimento elástico do pulmão.14 superposição), os mesmos demonstram mais
aprisionamento gasoso à tomografia computa-
Diagnóstico diferencial dorizada (TC) de tórax expiratória comparados
Em pacientes que se apresentam com sin- aos pacientes com DPOC isoladamente.15 Isto é
tomas de obstrução ao fluxo aéreo, diferenciar consistente com um estudo prévio de imagem
asma de DPOC pode não ser sempre fácil. Na- de TC de tórax, demonstrando um aumento no
queles indivíduos com sintomas clássicos, uma aprisionamento gasoso de pacientes com asma
adequada história médica e os dados objetivos e que pode refletir um aumento na doença de
de suporte permitem que a distinção possa ser pequenas vias aéreas neste grupo.15 Neste estudo,
feita pelo clínico com razoável certeza. Contudo, não houve diferença na espessura da parede da
muitos pacientes que são avaliados para os sinais via aérea ou enfisema entre aqueles pacientes
e sintomas típicos de dispneia, tosse, produção com DPOC, com ou sem asma. Quando res-
de escarro e sibilos não mostram a descrição tringimos a análise a indivíduos com DPOC
clássica de asma ou DPOC. O cenário comum moderado, em que pode se esperar uma maior
para asma é um paciente que é jovem, atópico, variabilidade no grau de enfisema, não foi visto
não tabagista, com obstrução ao fluxo de ar uma diferença no percentual de enfisema entre
variável e significativa reversibilidade ao uso de aqueles indivíduos com DPOC e aqueles com
broncodilatador. Já na DPOC, a apresentação DPOC e asma. Esses achados podem sugerir que
comum é um paciente de meia idade ou idoso, a inflamação das vias aéreas, mais do que a des-
tabagista de longa data, com tosse produtiva truição parenquimatosa, pode desempenhar um

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maior papel na diminuição da função pulmonar da DPOC em pacientes que apresentam obesi-
em indivíduos com DPOC e asma.15 dade, enfermidade cardiovascular, diabetes ou
inflamação sistêmica.20 É fato que esses pacientes
Fenótipos apresentam um prognóstico distinto, porém não
Nos últimos anos tem sido relevante a de- podemos chamar DPOC sistêmica de um fenóti-
nominação de fenótipo para se referir a formas po, já que não preenche a definição anterior, pois
clínicas dos pacientes com enfermidade pulmo- as manifestações sistêmicas ou comorbidades
nar obstrutiva crônica.16 não se constituiem uma manifestação própria
O termo fenótipo aplicado à DPOC se da DPOC. As comorbidades são muito impor-
define como aqueles atributos da doença que, tantes, porém devem ser consideradas à parte do
isolados ou combinados, descrevem as dife- fenótipo.16 Finalmente, um fenótipo especial é o
renças entre indivíduos com DPOC em relação enfisema por deficiência de alfa-1 antitripsina,
a parâmetros que tenham significado clínico que se caracteriza por enfisema de predomínio
(sintomas, agudizações, respostas ao tratamento, basal que aparece em idades precoces da vida,
velocidade de progressão da doença ou morte).17 (sobretudo em tabagistas) e tem uma base ge-
De todos os fenótipos descritos atualmente, nética.21 Por sua escassa prevalência, prefere-se
existem três que se associam com fatores prog- considerá-lo à parte da classificação geral.
nósticos e sobretudo com diferentes respostas Fenótipo agudizador: é definido como agu-
aos tratamentos disponíveis na atualidade. dizador todo paciente portador de DPOC que
Estes fenótipos são: 1) o agudizador; 2) o misto apresente 2 ou mais agudizações em um ano. Es-
asma‑DPOC; 3) o enfisema hiperinsuflado.16 sas exacerbações devem estar separadas por pelo
Em alguns outros estudos, foram definidos menos 4 semanas (desde o final do tratamento
outros possíveis fenótipos, mas de pequena da exacerbação prévia) ou 6 semanas (desde
transcendência clínica. Assim, o chamado o início da mesma nos casos em que paciente
“declinador rápido”, ou fast decliner, seria o não tenha recebido tratamento), para diferen-
paciente que sofre uma perda da função pulmo- ciar o novo evento de um fracasso terapêutico
nar, expressa pelo volume expiratório forçado prévio.22 A hipersecreção brônquica se associa à
no primeiro segundo (VEF1) de forma mais maior inflamação da via aérea e ao maior risco
rápida que a média.18 O problema prático é que de infecção respiratória, o que pode explicar a
é impossível identificar este fenótipo sem um sua relação com o aparecimento das agudiza-
seguimento estrito da função pulmonar por pelo ções de repetição.23 A infecção viral, o refluxo
menos 2 anos. Por outro lado, também não se gastroesofageano e a presença de enfermidades
identificou nenhum tratamento específico para cardiovasculares também foram descritas como
esse tipo de paciente. Outro fenótipo possível associadas a uma maior frequência de agudi-
seria a bronquite crônica, definida como tosse zações nesses pacientes. Nos casos em que se
e expectoração por pelo menos 3 meses ao ano, estabeleça o fenótipo agudizador, o tratamento
por 2 anos consecutivos.4 Esse fenótipo pode se da infecção brônquica ou bronquiectasias com
associar a enfermidade da via aérea, que pode antibióticos, associado ao uso de antiinflama-
ser visualizada por TC de alta resolução.19 Não tórios, pode ser de especial utilidade para esses
obstante, a bronquite crônica pode acompanhar pacientes.16
qualquer dos 3 fenótipos assinalados anterior- Fenótipo misto asma-DPOC: este fenótipo
mente, seja o agudizador, o misto asma-DPOC na DPOC se define como uma obstrução não
ou o enfisema; por isso, prefere-se descrevê-la completamente reversível ao fluxo aéreo acom-
como um fator modificador de qualquer dos 3 panhada de sinais ou sintomas de reversibilidade
fenótipos principais.16 aumentada da obstrução.24 Dentro do espectro
Também se definiu um fenótipo sistêmico da obstrução brônquica ao fluxo aéreo, existem

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indivíduos asmáticos fumantes, asmáticos que Soriano et al.26 estimaram que aproxima-
desenvolvem obstrução não completamente damente 23% dos pacientes com DPOC entre
reversível ao fluxo aéreo e não fumantes que 50 e 59 anos poderiam ter um fenótipo misto
desenvolvem obstrução crônica ao fluxo aéreo. de asma-DPOC, e esta cifra poderia aumentar
Os fumantes com asma têm traços que se as- para até 52% com a idade entre os 70 e 79 anos.
semelham aos da DPOC com menor resposta Outros estudos têm avaliado a prevalência do
aos corticosteroides e uma menor frequência fenótipo misto (identificado por eosinofilia no
de inflamação eosinofílica. Adicionalmente, escarro) em pacientes com DPOC em 38%, asso-
apresentam maior probabilidade de neutrofilia ciado de forma direta com a resposta terapêutica
nas vias aéreas. aos corticosteroides.27
Por outro lado, há estudos epidemiológicos Utilizando como referência a prova bron-
de incidência de DPOC que demonstram que codilatadora, 31,5% dos pacientes identificados
os jovens asmáticos que desenvolvem DPOC com DPOC em um estudo epidemiológico de
têm uma enfermidade de características dife- DPOC (EPI-SCAN) tinham uma prova positiva.
rentes daqueles não asmáticos que desenvolvem Baseados nesses resultados, podemos concluir
DPOC. No primeiro caso, é mais frequente a que entre 20 e 40% de pacientes com DPOC
rinite alérgica, a hiper-reatividade brônquica e podem ser portadores de um fenótipo misto
a presença de sibilos e são maiores as concen- asma-DPOC.16
trações plasmáticas de IgE, o que indica que se Os pacientes com fenótipo misto, isto é, que
trata de uma síndrome mista de asma-DPOC. apresentam algumas características tais como
Mais de 40% dos pacientes com DPOC rela- eosinofilia no escarro ou periférica, anteceden-
tam ter história compatível com asma, e este tes de asma e atopia na infância e juventude,
diagnóstico duplo aumenta com a idade. Há agudizações frequentes, prova broncodilatadora
evidência aumentada de que pacientes que têm muito positiva ou sibilância, são susceptíveis a
asma e DPOC experimentam uma progressão apresentarem uma boa resposta aos corticos-
mais rápida da doença do que aqueles com cada teroides inalatórios, seja qual for sua função
doença isoladamente. A hiper-responsividade pulmonar. Por outro lado, pacientes com DPOC
da via aérea e o diagnóstico de asma têm sido que não apresentam as características anteriores
associados ao maior declínio no VEF 1 em obterão um benefício clínico marginal com o
ambos fumantes e não fumantes e a asma tem uso de corticosteroides inalatórios adiciona-
sido reconhecida como um fator de risco para dos a broncodilatadores de longa duração.16 O
a DPOC. A presença de hiper-responsividade diagnóstico do fenótipo misto se estabelecerá na
brônquica em pacientes com DPOC tem sido presença de uma combinação dos seguintes fa-
associada com um aumento nas exacerbações tores: história de asma ou atopia, reversibilidade
da doença e na mortalidade em geral, enquanto na prova broncodilatadora, marcada eosinofilia
a coexistência de asma e DPOC está associada nas secreções respiratórias ou periférica, IgE
a comorbidades e ao aumento da utilização de elevada, provas cutâneas a pneumoalergenos
cuidados de saúde. positivas e concentrações elevadas de óxido
A despeito das interações conhecidas entre nítrico exalado.16
DPOC e asma, os aspectos clínicos dessa popu- Geralmente a idade de aparecimento mais
lação com essa superposição de condições não tardia favorece o diagnóstico de DPOC, a
têm sido bem descritos e, de fato, este duplo completa reversibilidade da limitação do fluxo
diagnóstico de DPOC e asma é frequentemente sanguíneo no teste de função pulmonar com o
um critério de exclusão para participação em uso de broncodilatador sugere um diagnóstico
trabalhos estudando cada doença isoladamen- de asma e a hiperinsuflação em repouso torna
te.15,25 um diagnóstico de DPOC mais provável. Já a al-

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terada capacidade de difusão está associada com de inflamação e responsividade ao corticoide.


DPOC, enquanto essas medidas em pacientes Os asmáticos que fumam podem ter mais neu-
asmáticos são usualmente normais ou mesmo trófilos do que eosinófilos em suas vias aéreas,
elevadas. O reduzido recolhimento elástico é a lembrando a DPOC. O tabagismo promove
marca da DPOC, particularmente aqueles que inflamação neutrofílica tanto na asma quanto na
fisiopatologicamente demonstram alargamento DPOC, o que resulta em aumentada resistência
anormal de espaços aéreos, com destruição de ao tratamento com esteroide.29 A gravidade da
paredes alveolares visto no enfisema. Finalmen- doença aumenta à medida que os padrões de
te, a história de atopia favorece o diagnóstico de inflamação se tornam mais semelhantes e que
asma, particularmente se está presente em um a resistência ao esteroide aumenta. Igualmente,
paciente jovem.1 eosinófilos na mucosa aumentam nas exa-
O diagnóstico de DPOC é frequentemente cerbações agudas de DPOC discreta, um fato
confundido com aquele de asma, levando a um normalmente visto na asma.
tratamento inapropriado e afetando o prognós- Esta similaridade nas respostas inflama-
tico. Como parte de um estudo prospectivo de tórias pode ser uma ligação fisiopatológica ao
pacientes com história compatível com DPOC, fenótipo clínico da síndrome de superposição
Tinkelan et al.28 compararam diagnósticos pré- asma-DPOC. A despeito de definições de asma
vios com um estudo diagnóstico baseado em e DPOC publicadas por sociedades respiratórias
resultados espirométricos. O estudo envolveu internacionais, permanece considerável a su-
pessoas com idade de 40 anos ou mais com perposição clínica e patológica entre essas duas
diagnósticos prévios ou medicações consistentes doenças, o que desafia tais limitadas definições.
com DPOC. Diagnósticos prévios de bronquite A síndrome da superposição é mais pre-
crônica ou enfisema e asma foram referidos valente na população idosa. Em geral, a função
pelos pacientes. Esses indivíduos foram subme- pulmonar tende a se deteriorar naturalmente
tidos à espirometria pré e pós-broncodilatador. com o avanço da idade. Pacientes idosos com
O diagnóstico de DPOC foi definido como uma asma mostram mais dados clínicos de obstrução
relação entre o VEF1 pós-broncodilatador e a fixa que asmáticos mais jovens, e eles tendem
capacidade vital forçada (CVF) (relação VEF1/ a ter sintomas mais graves. Sua asma pode se
CVF) menor que 0,70. O exame espirométrico manifestar como obstrução crônica ao fluxo
foi completo em 597 pacientes, dos quais 235 de ar, imitando a DPOC. A hiper-reatividade
(39,4%) tiveram um diagnóstico de DPOC. brônquica também aumenta com a idade, sen-
Entre os indivíduos com diagnóstico de DPOC do 3 vezes mais alta nos idosos comparada aos
baseado na espirometria, 121 (51,5%) relataram adultos não idosos. A idade é uma variável muito
um diagnóstico prévio de asma, sem diagnóstico importante quando se avalia doença pulmonar
concomitante de DPOC, 89 (37,9%) reporta- obstrutiva, dadas as alterações conhecidas na
ram um diagnóstico prévio de bronquite ou função pulmonar que ocorrem com o aumento
enfisema, e 25 (10,6%) não relataram nenhum da idade e o possível papel de gens nesta faixa
diagnóstico prévio de DPOC. A despeito das etária, especialmente em DPOC. Por causa
recomendações dos consensos para diagnósti- deste efeito da idade, comparações entre asma e
co, a confusão diagnóstica entre DPOC e asma DPOC devem ser feitas em coortes de pacientes
parece ser comum. com a mesma ou semelhante idade, incluindo
As doenças são mais diferentes em pacientes exposições inalatórias, e gravidade da doença.
asmáticos não tabagistas com hiper-reatividade Na verdade, o aumento da idade pode ser um
de vias aéreas e quando comparadas com taba- poderoso fator alterando a linha que separa
gistas com DPOC porém sem hiper-reatividade asma de DPOC, contribuindo, portanto, para
de vias aéreas. O tabagismo influencia o padrão a manifestação da síndrome da superposição.30

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Diferenças clínicas entre asma e DPOC

Fenótipo enfisema hiperinsuflado: este fe- to diferentes para cada condição. Ocorre que em
nótipo define os pacientes com DPOC que apre- asma e DPOC, especialmente nesta última, têm
sentam dispneia e intolerância ao exercício com sido evidenciados fenótipos que se beneficiam
sintomas predominantes e com que frequência de terapêuticas específicas, entre os quais existe
são acompanhados de sinais de hiperinsuflação. um que engloba um tipo misto de asma-DPOC.
Os pacientes com este fenótipo apresentam uma Inúmeras pesquisas estão voltadas para o estudo
tendência a um índice de massa corporal redu- desses fenótipos e certamente esses estudos per-
zido.16 Essa forma clínica da doença pulmonar mitirão um melhor entendimento das doenças,
obstrutiva crônica se caracteriza pela presença possibilitando uma abordagem terapêutica
de dados funcionais de hiperinsuflação, existên- individualizada com vista a alguns fenótipos
cia de enfisema no estudo com TC de alta resolu- dessas condições.
ção e difusão diminuída, medida pelo quociente
capacidade de difusão ao monóxido de carbono Referências
/ ventilação alveolar (DLCO/VA) ajustado para 1. Chang J, Mosenifar Z. Differentiating COPD
a hemoglobina.16 Existe uma agregação fami- from Asthma in Clinical Practice.J Intens Care
Med. 2007;22:300-309.
liar independente do fenótipo enfisema, o que
indica a presença de determinados gens que 2. Mannino DM, Homa DM, Akinbami LJ, et
al. Chronic obstructive pulmonary disease
definem este fenótipo. A importância clínica surveillance-United States, 1971-2000. MMWR
de identificar este fenótipo deriva de que tanto Surveill Summ. 2002;51:1-16.
o grau de dispneia, de tolerância ao exercício e 3. Jernel A, Ward E, Hao Y, et al. Trends in the
de hiperinsuflação são preditores independen- leading causes of death in the United States,
1970-2002. JAMA. 2005;294:1255-59.
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entidade heterogênea e durante muito tempo 4. American Thoracic Society. Standards for
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não foram levadas em consideração as peculia- obstructive pulmonary disease. Am J Respir
ridades dos pacientes quando da recomendação Crit Care Med. 1995;152:s77-s121.
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do tratamento farmacológico e não farmaco- al. Proportional classifications of COPD
phenotypes. Thorax. 2008;63:761-7.
lógico demonstrou que a resposta clínica pode
ser diferente de acordo com as características 6. Wardlaw A, Silverman M, Siva R, et al. Multi-
dimensional phenotyping: towards a new
do quadro. O conceito de fenótipo aplicado à taxonomy for airway disease. Clin Exp Allergy.
DPOC evidenciou a definição de diversos tipos 2005;35:1254-62.
de pacientes com significado prognóstico e te- 7. Weatherall M, Shirtcliffe P, Travers J, et al. Use
rapêutico.16 Esse avanço parece importante ao of clusters analysis to define COPD phenotypes.
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propiciar maior individualização diagnóstica e
conduta terapêutica mais apropriada. 8. Barnes PJ. Asthma. In: Longo DL, Kasper DL,
Jameson JL, Fauci AS, Hauser SL, Loscalzo
J, editors. Harrison’s Principles of Internal
Conclusão Medicine. 18th edition. New York:_ McGraw-
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Este trabalho se propõe a estudar o diag-
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nóstico diferencial clínico entre asma e DPOC. National Asthma Education and Prevention
Esta tarefa é por vezes difícil. A despeito de Program. Expert Panel Report 3: Guidelines
uma cuidadosa história clínica e um exame for the diagnosis and management of asthma.
Bethesda: MD; 2007. NHI Publication Number
físico apurado, muitas dúvidas podem persistir. 07-4051.
A espirometria é de grande ajuda e, nos casos
10. King C S, Moores L K. Clinical asthma
clássicos, o diagnóstico pode ser imediato. Esse syndromes and important asthma mimics.
diagnóstico é fundamental pelas implicações de Respir Care 2008;53(5):568-580.

tratamento que contemplam guias de tratamen- 11. Reilly Jr JJ, Silverman EK, Shapiro SD. Chronic

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