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Ensaio Iconográfico Trad CS, Rosique RG

CRANIOSSINOSTOSES PRIMÁRIAS: ENSAIO ICONOGRÁFICO*


Clóvis Simão Trad1, Rodrigo G. Rosique2

Resumo A primeira revisão das ossificações prematuras das suturas da calvária e seus efeitos na forma e aparência
do crânio data de 1858, tendo sido publicada por Virchow, que as denominou de craniossinostoses. Quando
uma configuração anormal da calvária é detectada, a avaliação radiológica é necessária para caracterizar a
deformidade e para guiar o procedimento cirúrgico corretivo. Sabe-se que há uma melhora significativa em
crianças afetadas quando o diagnóstico e a intervenção cirúrgica ocorrem o mais cedo possível. A tomogra-
fia com reconstrução tridimensional avalia a presença e o grau de envolvimento de cada sutura e permite
avaliar anormalidades faciais e intracraniais associadas. Este resumo iconográfico ilustra os achados de
imagem, nomenclatura e anormalidades associadas aos vários tipos de craniossinostoses primárias.
Unitermos: Escafocefalia; Plagiocefalia; Braquicefalia; Tomografia computadorizada.

Abstract Primary craniosynostosis: iconographic essay.


Premature ossification of skull’s sutures and its effects on the shape and appearance of the head was first
reviewed in 1858 by Virchow, who named it craniosynostosis. When there is abnormal configuration of the
skull, radiological evaluation must be done in order to characterize the deformity and to guide surgical cor-
rective procedures. It is well known that a significant improvement is seen in children with early diagnosis
and surgical intervention. Computed tomography 3-D reconstructions allow the evaluation of the degree of
involvement of each suture and associated facial and intracranial anomalies. In this pictorial review we illus-
trate the image findings and discuss the nomenclature and the anomalies associated with the several types
of primary craniosynostosis.
Key words: Scaphocephaly; Plagiocephaly; Brachycephaly; Computed tomography.

INTRODUÇÃO Quanto aos tipos de craniossinostose, síndrome, ou em associação com um con-


segundo a classificação abaixo, foram en- junto de condições sistêmicas. As cranios-
Foram selecionados 20 pacientes com contrados 15 casos de escafocefalia e cinco sinostoses primárias são classificadas de
craniossinostose prematura de apresenta- casos de plagiocefalia. acordo com a(s) sutura(s) afetada(s), como
ção e gravidade variadas, que foram sub- Durante a análise cafalométrica, foram se vê na Tabela 1.
metidos a avaliação radiológica pré-cirúr- utilizados as tabelas de índices e módulos
gica no Serviço de Neurocirurgia do Hos- do “Atlas of roentgenographic measure- Achados radiológicos
pital das Clínicas da Faculdade de Medi- ment”(3). Quanto ao módulo, 17 pacientes Os sinais primários de craniossinostose
cina de Ribeirão Preto da Universidade de estavam dentro da variação normal e três incluem: junção óssea, elevação óssea, es-
São Paulo, entre 1992 e 2002. Quanto ao estavam abaixo do intervalo, sendo consi- treitamento ou apagamento da sutura en-
sexo, 12 pacientes eram do sexo masculino derados microcéfalos. Quanto ao índice, volvida. Estas alterações podem envol-
e oito eram do sexo feminino. As idades, 15 pacientes foram considerados dolicocé- ver um segmento de 1–2 mm, ou pode exis-
na data do exame, variaram de um mês a falos, quatro normais e um braquicéfalo. tir uma ponte fibrosa na qual as alterações
sete anos e dois meses. Para a análise ce- Quanto às suturas, a coronal estava radiológicas primárias não são detectadas,
falométrica(1) foram utilizados exames ra- envolvida nos 20 casos (completa em sete, apesar de sinais secundários evidentes.
diográficos e tomografias computadoriza- incompleta em 13), a sagital em 16 casos Os sinais secundários incluem: altera-
das(2). Os pacientes que tinham apenas exa- (completa em 13, incompleta em três), a ção da forma da calota craniana, alterações
mes pós-cirúrgicos foram descartados. lambdóidea em 14 casos (completa em
seis, incompleta em 13) e a metópica em Tabela 1 Classificação das craniossinostoses pri-
seis casos (completa em seis). márias(4).
* Trabalho realizado no Serviço de Radiodiagnóstico do Cen-
tro de Ciências das Imagens e Física Médica do Hospital das Houve ainda dois casos com a chamada
Tipo Suturas envolvidas
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Univer-
sidade de São Paulo (HCFMRP-USP), Ribeirão Preto, SP.
órbita em “olhos-de-gato” e um caso com
1. Professor Doutor do Departamento de Clínica Médica do presença de ossos wormianos. Braquicefalia Coronal e/ou lambdóidea
Centro de Ciências das Imagens e Física Médica da FMRP-USP. Escafocefalia Sagital
2. Médico Residente de Cirurgia Geral do Departamento de (dolicocefalia)
Cirurgia e Anatomia do HCFMRP-USP. DISCUSSÃO
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Clóvis Simão Trad. Trigonocefalia Metópica
Centro de Ciências das Imagens e Física Médica. Avenida Ban- Plaquiocefalia Lambdóidea
deirantes, 3900, Campus Universitário. Ribeirão Preto, SP,
Classificação
14048-900. E-mail: cstrad@fmrp.usp.br Plagiocefalia Coronal ou lambdóidea unilateral
Recebido para publicação em 18/12/2003. Aceito, após re-
Craniossinostoses podem ocorrer como
Acrocefalia Todas ou coronária mais uma outra
visão, em 7/12/2004. anormalidade primária, como parte de uma

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Craniossinostoses primárias: ensaio iconográfico

da forma e da época de fechamento das dolicocefalia ou escafocefalia (Figura 1). lambdóidea no lado oposto (Figura 3).
fontanelas, e anormalidades faciais(4,5). A As proeminências frontal e occipital carac- Achados adicionais incluem fossa crania-
falta de crescimento ósseo, por fechamen- terísticas são devidas a padrões de cresci- na anterior rasa, órbitas rasas, elevação do
to da sutura, geralmente resulta no não de- mento compensatório ao longo das sutu- teto orbitário (deformidade dos “olhos de
senvolvimento do espaço subaracnóideo ras coronárias, metópica e lambdóidea(8). arlequim”) e depressão do osso petroso.
subjacente, levando a uma indicação cirúr-
gica. Pacientes com craniossinostoses po- Sinostose metópica Sinostose coronária bilateral
dem apresentar espaços subaracnóideos Os pacientes com esta forma de cranios- A craniossinostose de ambas as suturas
aumentados abaixo das regiões de compen- sinostose têm uma deformidade frontal em coronárias está geralmente associada com
sação do crescimento craniano(6). forma de quilha de navio, conhecida como sinostose de outras suturas e/ou outras
O diagnóstico de craniossinostose é trigonocefalia. O crescimento ósseo é simé- malformações sindrômicas (Figura 4)(4,5).
baseado na forma da calvária relacionada trico na sutura sagital e assimétrico nas Tais pacientes têm diminuição do diâme-
às suturas cranianas. A presença de sinais suturas coronárias, produzindo a forma tro ântero-posterior, chamada de braquice-
radiográficos secundários na sutura, mas característica de pêra com eminências fron- falia. Ocorre deposição óssea assimétrica
ausência de sinais primários, não deve re- tais achatadas(8). Sinais radiográficos asso- ao longo das suturas escamosas, produzin-
tardar o diagnóstico e a correção cirúrgi- ciados incluem hipotelorismo (distância do saliências bitemporais (Figura 5). O
ca. Crianças operadas antes dos três meses intercantal menor que 15 mm em crianças crescimento simétrico ao longo das sutu-
de idade têm resultado estético mais favo- menores que um ano de idade), seios et- ras sagital e metópica produz uma cabeça
rável do que aquelas que são operadas mais moidais hipoplásicos e encurvamento an- alta(8). Achados radiográficos adicionais
tardiamente(7). A velocidade de crescimen- terior das suturas coronárias(4,5). são os mesmos que na sinostose coronária
to craniano em crianças mais velhas é me- unilateral, exceto que eles ocorrem bilate-
nor e pode não ser adequada para promo- Sinostose coronária unilateral ralmente.
ver um contorno craniano adequado após Os pacientes com este tipo de cranios-
a cirurgia(8). sinostose têm achatamento do osso fron- Sinostose lambdóidea unilateral
tal, elevação da sobrancelha ipsilateral, Os pacientes com esta anormalidade
Sinostose sagital exoftalmia ipsilateral e sutura palpável(4). têm achatamento do osso occipital, conhe-
A sinostose sagital é o tipo de cranios- Os achados radiográficos incluem plagio- cido como plagiocefalia. Não há anomalias
sinostose mais comum, respondendo por cefalia (achatamento) sobre a sutura afeta- faciais(5). Ocorre crescimento ósseo com-
50% de todos os casos, e usualmente é um da, com expansão parietal e frontal no lado pensatório na escamosa ipsilateral, lamb-
achado isolado(4). Os pacientes têm um oposto e temporal no mesmo lado (Figura dóidea e sagital contralateral, resultando
alongamento do crânio, conhecido como 2)(8). Às vezes ocorre sinostose da sutura em saliência temporal no mesmo lado, de-

A B
Figura 1. Escafocefalia. Sinostose sagital isolada (aumento do diâmetro ântero-posterior).

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Figura 2. Plagiocefalia. Si-


nostose coronal unilateral
resultando em proeminência
frontal contralateral.
A B

Figura 3. Plagiocefalia com


envolvimento assimétrico de
suturas, exceto a sagital, e al-
teração do eixo desta.
A B

pressão da pineal e expansão parietoocci- com braquicefalia. Achados radiográficos Observações finais
pital contralateral(8). A sinostose da sutura incluem achatamento do occipício e uma Nem todos os casos de craniossinostose
lambdóidea pode produzir apenas leve de- fossa posterior rasa(5). Aumento do cresci- terão deformidade craniana. As deformida-
formidade, devido ao pequeno crescimento mento ósseo ocorre ao longo de ambas as des da calvária típicas nas craniossinosto-
que ocorre ao longo desta sutura(8). suturas escamosas, resultando em proemi- ses primárias estão ausentes nos casos de
nência temporal bilateral com deslocamen- sinostoses secundárias a um crescimento
Sinostose lambdóidea bilateral to anterior e inferior da pineal. A expan- cerebral inadequado.
Este é o tipo menos comum de cranios- são em ambos os lados da sutura sagital Nem todas as deformidades cranianas
sinostose(5). Os pacientes se apresentam elevam o vértex (Figura 6)(8). pediátricas são devidas à craniossinostose.

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Craniossinostoses primárias: ensaio iconográfico

Figura 4. Órbita em “olhos-de-gato” associada a Figura 5. Braquicefalia. Sinostose coronal bilateral Figura 6. Braquicefalia. Sinostose lambdóidea bi-
braquicefalia coronal bilateral. (aumento do diâmetro látero-lateral). lateral (expansão lateral com elevação do vértex).

A assimetria craniana pode resultar da 2. Vannier MW, Hildebolt CF, Marsh JL, et al. Cran- 6. Chadduck WM, Chadduck JB, Boop FA. The sub-
posição do feto no útero ou no berço após iosynostosis: diagnostic value of three-dimensional arachnoid spaces in craniosynostosis. Neurosurgery
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deve cruzar uma sutura para que o diagnós- measurements. 5th ed. Chicago: Year Book Med G. Age as a critical factor in the success of surgical
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