Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Fig. 1 – F.S., sexo feminino, 11 anos de idade, aspecto radiográfico pré- Fig. 2 – F.S., sexo feminino, 11 anos de idade, aspecto radiográfico pós-
operatório, incidência ântero-posterior operatório 1 + 2, incidência ântero-posterior
Em nosso serviço temos realizado nos pacientes portado- anos. Os pacientes foram acompanhados por tempo médio
res de paralisia cerebral espástica, com quadris subluxados e de 3 anos e 5 meses, com o mínimo de apenas 10 meses e o
luxados, no mesmo ato operatório: a liberação de partes máximo de 7 anos e 4 meses.
moles, com a tenotomia dos adutores e do músculo iliop- Quanto ao aspecto da dor pré-operatória, os pacientes ou
soas; osteotomia femoral varizante, desrotativa e de encurta- familiares relatavam algum tipo de dor ou desconforto à
mento, com fixação interna com placa e parafusos; e a corre- mobilização da articulação, ou ao posicionamento sentado.
ção da displasia acetabular através da osteotomia periaceta- As indicações cirúrgicas tiveram como objetivos: preve-
bular do tipo Pemberton(10,11), associada à capsuloplastia. E nir ou eliminar a dor, liberar as contraturas articulares, me-
este trabalho tem o objetivo de mostrar a técnica por nós lhorar a postura e facilitar o manuseio desses pacientes.
utilizada, os resultados e nossas complicações. A análise radiográfica foi feita nas radiografias com inci-
dência de frente da bacia nos períodos pré e pós-operatório.
MATERIAL E MÉTODOS Foram medidos: o índice de Reimers(12), isto é, a percenta-
No período compreendido entre setembro de 1989 e no- gem de migração da epífise femoral proximal; o índice ace-
vembro de 1996 foram operados 15 pacientes (19 quadris) tabular(15), para avaliar a displasia do acetábulo e sua corre-
portadores de paralisia cerebral espástica com quadris su- ção com a técnica de Pemberton(10,11).
bluxados e luxados no Grupo de Doenças Neuromusculares O índice de Reimers(12) foi medido tomando-se como base
do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa a linha de Perkins, medindo-se a percentagem da epífise fe-
de Misericórdia de São Paulo – Pavilhão Fernandinho Si- moral que permanecia lateral a esta linha. Essa proporção
monsen. variou de 50 a 100% de migração da epífise no pré-operató-
Quanto ao sexo, eram 13 meninas e 2 meninos. Dos pa- rio, com média de 77%. O índice acetabular no pré-operató-
cientes, 13 eram brancos e 2 negros. Quanto à distribuição rio variou de 40º a 25º, com média de 32,8º.
topográfica da lesão paralítica: 1 paciente hemiparético, 10 Na análise dos resultados consideraram-se: satisfatórios –
diparéticos e 4 tetraparéticos, todos não andadores, exceto 1 quadris com movimentação articular livre e indolor, melho-
hemiparético e 1 diparético que eram deambuladores domi- ra da postura do paciente, articulações que permaneceram
ciliares utilizando andador. reduzidas, com índice de Reimers(12) e índice acetabular(15)
Quanto ao lado acometido, 11 foram no quadril direito e 8 normais; insatisfatórios – quadris que evoluíram com dor,
no esquerdo. A luxação do quadril foi bilateral em 2 casos, limitação da mobilidade, perda da redução articular, parâ-
um lado luxado e outro subluxado em 2 casos, luxação uni- metros radiográficos alterados.
lateral em 10 casos e 1 caso de subluxação unilateral. Técnica cirúrgica – Sob anestesia geral, o paciente é co-
A idade média por ocasião da cirurgia foi de 8 anos e 5 locado em decúbito dorsal horizontal com coxim sob o glú-
meses, com a mínima de 5 anos e 6 meses e a máxima de 12 teo do lado a ser operado.
16 Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 1 – Janeiro, 1998
TRATAMENTO DO QUADRIL SUBLUXADO E LUXADO NA PARALISIA CEREBRAL
Fig. 3 – E.A.R., sexo feminino, 11 anos e 5 meses de idade, aspecto radio- Fig. 4 – E.A.R., sexo feminino, 11 anos e 10 meses de idade, aspecto radio-
gráfico pré-operatório, incidência ântero-posterior gráfico pós-operatório 2 meses lado direito e 5 meses lado esquerdo, inci-
dência ântero-posterior
progressiva subluxação do quadril operado, provavelmente sequilíbrio articular, pois o colo femoral persiste valgo e an-
à custa da não correção adequada do valgismo femoral. Em tevertido, e o teto acetabular vai-se inclinando progressiva-
ambos os casos, ao analisarmos as radiografias pós-operató- mente, tornando-se displásico.
rias imediatas, notamos que houve uma falha na varização/ Esses pacientes gravemente comprometidos e não anda-
desrotação, correspondendo aos casos que permaneceram com dores permaneceram por muitos anos não sendo operados
34% e 30% de migração da cabeça femoral no período pós- ou, quando tratados cirurgicamente, realizavam-se apenas
operatório. Ambos os pacientes estão sem dor na articulação procedimentos nas partes moles. Atualmente, conhece-se
operada. melhor a evolução desses casos que, se não tratados, evo-
Em 1 paciente ocorreu a reluxação da cabeça femoral logo luem com piora progressiva da deformidade em flexão-adu-
após a retirada do gesso, sendo evidenciada radiograficamente ção, dificultando a higiene íntima, o posicionamento senta-
a saída do enxerto no local da osteotomia do ilíaco com per- do e os cuidados com essas crianças, culminando com um
da da correção no acetábulo. O paciente está evoluindo sem quadro doloroso de difícil manuseio.
dor, mas com diminuição da mobilidade articular, porém não A escolha de técnica de acetabuloplastia do tipo Pember-
foi reoperado até o presente estudo. ton(10,11) deve-se ao tipo de insuficiência do teto acetabular
Em 1 paciente ocorreu necrose de epífise femoral, evolu- encontrado no ato operatório, que é anterior, lateral e tam-
indo com dor e atitude em abdução por cerca de seis meses. bém posterior. Na osteotomia periacetabular realizada com
Foi submetido a tratamento fisioterápico com alívio da dor, um formão curvo temos obtido correção satisfatória da dis-
porém persistindo contratura em abdução de 30º; não neces- plasia do acetábulo, que passa a conter melhor a cabeça fe-
sitou de nova intervenção cirúrgica. moral.
Em 1 paciente ocorreu fusão entre a cabeça femoral e o A osteotomia no fêmur com varização, encurtamento e
acetábulo, evoluindo com anquilose fibrosa provocada por desrotação realizados no mesmo ato cirúrgico foi o ponto em
defeito na cabeça femoral. Este paciente evoluiu com desa- que cometemos mais falhas, principalmente nos primeiros
parecimento de dor no quadril com medidas incruentas, mas casos, em que subestimamos a varização. Atualmente, com
pela diminuição da mobilidade articular no pós-operatório o uso de placas anguladas a 90º e auxílio de fluoroscopia,
de um ano e sete meses, ocorreu fratura na diáfise do fêmur, temos procurado manter o ângulo cervicodiafisário em posi-
na transição entre o final da placa de síntese e a diáfise. Foi ção vara (abaixo de 140º) para permitir a melhor centração
então submetido à retirada da placa inicial e nova osteossín- da cabeça femoral.
tese com placa, evoluindo para consolidação sem mais inter- As complicações foram devidas a erros de técnica no fê-
corrências. mur, ora faltando varização, como nos casos que subluxa-
Um paciente, após seis meses de pós-operatório, evoluiu ram, ora faltando encurtamento para relaxar a pressão entre
com diminuição da mobilidade articular acompanhada de dor; a cabeça e o teto acetabular, como no caso em que ocorreu a
nas radiografias evidenciou-se ossificação heterotópica, em necrose da cabeça.
situação inferior pericapsular. O paciente, após estudo labo- No caso em que houve a formação da ponte óssea unindo
ratorial da atividade da ossificação, foi submetido a ressec- a cabeça femoral ao acetábulo, o que ocorreu, provavelmen-
ção, sem mais intercorrências. Atualmente, está sem dor e te, foi a presença de um defeito cartilaginoso na cabeça, por
com recuperação da amplitude de movimento articular; foi nós não valorizado, que acabou por unir-se ao enxerto no
então considerado como resultado satisfatório. ilíaco, levando a anquilose óssea.
Tanto nossos resultados como nossas complicações são
DISCUSSÃO semelhantes aos encontrados na literatura(2,4,9,13) nesse tipo
O tratamento das deformidades do quadril nos portadores de tratamento, inferindo que pacientes portadores de parali-
de paralisia cerebral mostra a necessidade de intervenção sia cerebral representam grande espectro de dificuldades, que
precoce, tanto com fisioterapia como com cirurgias ditas não somente os achados radiográficos de suas articulações
“profiláticas”, como tenotomia dos adutores e do iliopsoas, subluxadas ou luxadas.
pois está determinado que é o desequilíbrio entre as forças Em resumo, nossa recomendação é de que, frente a qua-
atuantes adutora-flexoras que leva estes quadris a progressi- dris subluxados ou luxados da paralisia cerebral espástica,
va subluxação e luxação. Agregada a esse desequilíbrio mus- seja o paciente andador ou não andador, há indicação de re-
cular, a ausência da marcha atua como mais um fator de de- construção dessas articulações com os objetivos de prevenir
18 Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 1 – Janeiro, 1998
TRATAMENTO DO QUADRIL SUBLUXADO E LUXADO NA PARALISIA CEREBRAL
a dor, melhorar a função da marcha ou da postura sentada e 6. Howard, C.B., McKibbin, B., Williams, L.A. et al: Factors affecting the
incidence of hip dislocation in cerebral palsy. J Bone Joint Surg [Br]
facilitar o manuseio desses pacientes. 67: 530, 1985.
7. Lonstein, J.E. & Beck,K.: Hip dislocation and subluxation in cerebral
CONCLUSÃO palsy. J Pediatr Orthop 6: 521, 1986.
8. Miller, F., Dias, R.C., Dabney, K.W. et al: Soft-tissue release for spastic
O tratamento de subluxação e luxação do quadril em por- hip subluxation in cerebral palsy. J Pediatr Orthop 17: 571-584, 1997.
tadores de paralisia cerebral com a tenotomia de adutores e 9. Miller, F., Girardi, H., Lipton, G. et al: Reconstruction of the dysplastic
iliopsoas associada a acetabuloplastia do tipo Pemberton e a hip with peri-ilial pelvic and femoral osteotomy followed by immediate
mobilization. J Pediatr Orthop 17: 592-602, 1997.
osteotomia femoral varizante, desrotativa e de encurtamen-
10. Mubarak, S.J., Valencia, F.G. & Wenger, D.R.: One-stage correction of
to, traz resultados satisfatórios na correção dessas deformi- the spastic dislocated hip. J Bone Joint Surg [Am] 74: 1374, 1992.
dades. 11. Pemberton, P.: Pericapsular osteotomy of the ilium for treatment of con-
genital subluxation and dislocation of the hip. J Bone Joint Surg [Am]
REFERÊNCIAS 47-65, 1965.
12. Reimers, J.: The stability of the hip in children: a radiological study of
1. Bleck, E.E.: Orthopaedic management in cerebral palsy, Philadelphia, the results of muscle surgery in cerebral palsy. Acta Orthop Scand (Suppl)
MacKeith, 1987. 184: 1-160, 1980.
2. Brunner, R. & Baumann, J.U.: Clinical benefit of reconstruction of dis- 13. Root, L.: “Treatment of the hip problems in cerebral palsy”, in Instruc-
located or subluxated hip joints in patients with spastic cerebral palsy. J tional Course Lectures, The American Academy Orthopaedic Surgeons,
Pediatr Orthop 14: 290, 1994. 61st Annual Meeting, 1994.
3. Brunner, R. & Baumann, J.U.: Long-term effects of intertrochanteric 14. Samilson, R.L.: Dislocation and subluxation of the hip in cerebral palsy.
varus-derotation osteotomy on femur and acetabulum in spastic cere- J Bone Joint Surg [Am] 54: 863, 1972.
bral palsy: an 11- to 18-year follow-up study. J Pediatr Orthop 17: 585- 15. Sharp, I.K.: Acetabular dysplasia. The acetabular angle. J Bone Joint
591, 1997. Surg [Br] 43: 268, 1961.
4. Eilert, R.E. & MacEwen, G.D.: Varus derotational osteotomy of the fe- 16. Tachdjian, M.O. & Minear, W.L.: Hip dislocation in cerebral palsy. J
mur in cerebral palsy. Clin Orthop 125: 168, 1977. Bone Joint Surg [Am] 38: 1358, 1956.
5. Gamble, J.G., Rinsky, L.A. & Bleck, E.E.: Established hip dislocation in 17. Tylkowski, C.M., Rosenthal, R.K. & Simon, S.R.: Proximal femoral os-
children with cerebral palsy. Clin Orthop 253: 90, 1990. teotomy in cerebral palsy. Clin Orthop 151: 183, 1980.