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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Forgioni, Paula A.
Os fundamentos do antitruste / Paula A. Forgioni. – 10. ed. rev.,
atual. e ampl. – São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2018.
Bibliografia.
ISBN 978-85-85-549-4717-0
1. Antitruste 2. Direito antitruste – Brasil 3. Direito antitruste –
Legislação – Brasil 4. Direito comercial – Legislação – Brasil 5.
Direito da concorrência – Legislação – Brasil 6. Direito econômico
– Legislação – Brasil I. Título.

18-17267 CDU-347.733(81)(094)
Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Direito antitruste 347.733(81)(094)

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Os Fundamentos do Antitruste
Paula A. Forgioni
10.ª edição revista e atualizada

Prefácio à 1.ª edição


Eros Roberto Grau
1.ª edição: 1998; 1.ª tiragem: maio de 1998; 2.ª tiragem: outubro de 2000; 2.ª edição: 2005;
1.ª tiragem: janeiro de 2005; 2.ª tiragem: outubro de 2005; 3.ª edição: 2008; 4.ª edição: 2010;
5.ª edição: 2012; 6.ª edição: 2013; 7.ª edição: 2014; 8.ª edição: 2015; 9.ª edição: 2016.

© desta edição [2018]


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Impresso no Brasil
[07-2018]
Profissional
Fechamento desta edição:
[30.05.2018]

ISBN 978-85-549-4717-0

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Para meus pais,
Norma e Eugenio Forgioni.
Por tudo.

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Agradecimento da Autora

Este ano, 2018, os Fundamentos do Antitruste comemoram 20 anos de sua


primeira edição. Sinto-me profundamente agradecida pela acolhida que este
livro recebeu e continua recebendo, seja como texto em várias faculdades, seja
como apoio para os operadores do direito antitruste. O esforço de atualização
é constante, pois o cenário é complemente diverso daquele de 1998. Apesar de
todas as crises, construímos um caminho sem volta: por maiores que sejam as
dificuldades conjunturais, o principal mote deste livro provou-se verdadeiro: o
antitruste é um instrumento de implementação de políticas públicas, e não apenas
questão limitada às lides entre agentes econômicos privados.

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Prefácio à 1.ª edição

Acompanhei a pesquisa da Professora Paula A. Forgioni, na construção de


sua tese de doutoramento, agora editada. A releitura meditada do texto que ora
é publicado confirma a impressão, que venho nutrindo, de que o exercício da
atividade acadêmica produz satisfações intelectuais que amplamente superam,
e de modo largo, as mazelas do ofício.
Em formulários que se deve preencher para a Universidade e para agências
de apoio à pesquisa usa-se a expressão “capacidade de formar doutores”. Não
tenho nenhuma simpatia por ela, sobretudo porque essa capacidade costuma
ser mensurada em termos quantitativos – jamais qualitativos –, muitas vezes
cuidando o professor “orientador” de com resultados tais e quais incensar a
própria mediocridade. O doutor bem formado é aquele em cuja tese o orien-
tador não se reconhece, visualizando apenas o novo colega, aquele cuja tese
passa a ser texto de releitura pelo orientador.
Este é o livro da Professora Paula, sobre os fundamentos do antitruste,
título que diz pouco, na minha opinião, de um conteúdo mais ancho.
Prefácio é o espaço que se deve ocupar apresentando o livro ao leitor,
dizendo de suas virtudes, eventualmente de seus ângulos ocultos. Mas deste
livro tenho muito o que falar, de modo que, embora temendo compor algo
ortodoxo, deixarei correrem os dedos sobre o teclado do notebook, a registrar
impressões que comigo restam, após esta releitura.
É um livro de Direito Econômico – e essa é a primeira impressão que me
ocorre enfatizar – é um livro de Direito Econômico, dizia, o livro da Professora
Paula A. Forgioni. O antitruste é nele inserido no Direito Econômico tal como
concebido e ensinado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde

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10 Os fundamentos do antitruste

o tomamos também – mas não exclusivamente, por certo – como um método


interpretativo. É um livro de Direito Econômico o livro da Professora Paula A.
Forgioni porque, vê-se para logo, sustenta-o a familiaridade da autora com os
temas fundamentais da Teoria Geral do Direito, de intimidade com os quais
procuramos não carecer, os estudiosos da disciplina na Faculdade de Direito
do Largo de São Francisco.
Assim, por ser como é, o livro não toma o antitruste apenas como um me-
canismo de eliminação de efeitos autodestrutíveis do mercado liberal, porém
como técnica de que lança mão o Estado contemporâneo na implementação de
políticas públicas. Quem não estiver mal informado ou embriagado pelos dis-
cursos da “modernidade neoliberal”, de eficácia exemplar na comercialização
dos patrimônios estatais, é capaz de bem discernir que o mercado capitalista
é uma instituição produzida pelo Estado-ordenamento e que sua perenidade
dele depende. Disse-o já, e repito: o Direito Econômico – e nele se insere o
antitruste, repito ainda – presta-se a defender o capitalismo dos capitalistas.1
O fato é que, segundo e de acordo com a Constituição do Brasil, a con-
corrência, no Brasil, não é um fim em si mesmo, mas um instrumento que
deve ser utilizado tendo-se em vista a realização dos objetivos do Brasil (art.
3.º), e da ordem econômica (art. 170). Daí porque não se cuida, neste passo,
de preferência ideológica: no Brasil, na vigência da Constituição de 1988, o
antitruste é instrumento de implementação de políticas públicas. A afirmação
disso basta para definir a estatura do livro da Professora Paula, que não se pode
confundir com pequenos estudos, embora de muitas páginas.
Um outro aspecto a salientar respeita ao cuidado da autora na análise da
evolução histórica da regulação dos mercados e, sobretudo, do que denomi-
nou “a concorrência no Brasil”. O conhecimento das circunstâncias históricas
ponderadas pela autora é indispensável à perfeita apreensão do fenômeno do
antitruste, tal como se manifesta entre nós.
Essa preocupação historicista decorre, de resto, do compromisso com
a postura metodológica assumida diante do fenômeno jurídico por quantos
tomam o direito como uma linguagem do todo social ou, dizendo-o de outro

1. Da Lei 8.884/94 escrevi, na terceira edição do meu A ordem econômica na Constituição


de 1988: “Ela não é, meramente, uma nova lei antitruste; assim, seu fundamento
constitucional não se encontra apenas, exclusivamente, no § 4.º do art. 173 da
Constituição de 1988 – trata-se de lei voltada à preservação do modo de produção
capitalista”.

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Prefácio à 1.ª edição 11

modo, como uma instância da realidade. Por isso mesmo, aliás, é que o livro
da Professora Paula é um livro de Direito Econômico brasileiro.
Há alguns poucos meses, quando o CADE apreciou contratação celebrada
entre duas cervejarias, telefonou-me um jornalista que – discorrendo a respeito
da matéria com a segurança própria de quem não tem a menor ideia do tema
de que cogita e, concomitantemente, não é dotado do menor senso de autocrí-
tica – indagou qual a minha opinião a respeito de certa jurisprudência norte-
-americana, considerada na decisão tomada na mesma tarde. Respirei fundo e
disse ao meu interlocutor que propunha um exercício anterior, de análise da
jurisprudência do Congo Belga e do Curdistão! Depois passaríamos ao Japão,
à Índia, aos Estados Unidos... Até que talvez, quem sabe, pudéssemos estudar
um pouco de direito brasileiro. A entrevista não prosperou, evidentemente.
Esses diálogos geralmente não prosseguem, senão à custa de muito sacri-
fício. Lógico que não me refiro a diálogos meus com jornalistas, até porque já
não me telefonam quase nunca, por certo em razão da minha falta de paciência.
Refiro-me, agora, ao diálogo que o pesquisador trava consigo mesmo ao se
colocar diante das lições do direito comparado e das experiências da histó-
ria, do direito positivo, da doutrina brasileira. É evidente que aquelas lições
não podem ser desprezadas, sem que se admita, contudo, que afetem a plena
apreensão das nossas experiências. Lembro-me bem de ter ouvido da Profes-
sora Paula, a esse respeito, a seguinte e muito expressiva frase: “Procurar esse
equilíbrio é um calvário, que me causa profundas e constantes crises”. Essas
crises, contudo, por elas apenas passam – mas todos eles por elas passam – os
autênticos intelectuais, que padecem de incerteza e insegurança. Os apedeutas,
estes encontram-se a salvo de tais crises – padecem de non aggiornamento, ainda
que geralmente compensam essa falha exibindo síndromes de universidades
alienígenas, sobretudo norte-americanas, e gravatas bem vistosas.
O livro da Professora Paula A. Forgioni tem a virtude, ademais, de não ser
preconceituoso. Há alguns anos vivi uma experiência notável em uma cidade
da Alemanha, durante um jantar, com colegas da universidade local. Men-
cionei, em determinado momento, o nome de Carl Schmitt, o que provocou
certa surpresa, informando-me um dos convivas que Schmitt sofria reservas
intelectuais (= não era lido!) por ter sido simpatizante do nacional-socialismo...
Preconceitos desse tipo não podem ser admitidos. A circunstância de recusar-
mos alguns dos pressupostos teóricos – ou mesmo todos eles – da Escola de
Chicago não significa que não se possa ou deva citar Bork ou Posner. Atitudes
desse tipo são, simplesmente, burras, profundamente burras.

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12 Os fundamentos do antitruste

O livro da Professora Paula é, também sob esse aspecto, inteligente, passan-


do de um lado para o outro do que se poderia designar “territórios demarcados”
sem o menor constrangimento. Isso pressupõe, naturalmente, uma enorme
independência intelectual, incompatível com a mediocridade.
Há muito a dizer sobre o livro, que certamente há de incomodar alguns
tanto quanto há de informar e ensinar a muitos. Incomodará, por um lado,
na medida em que com ele serão outros comparados e a excelência dos bons
livros desnuda a insuficiência dos não tão bons.2 Ensinará, na medida em que
desperta e incita a inteligência do leitor.
A questão, no antitruste, está em aberto – é ainda a Professora quem diz.
Insegurança e imprevisibilidade versus segurança e previsibilidade. E, diante
dessa abertura, de um lado o agente econômico, doutro o Estado implementador
de políticas públicas e a sociedade. A exposição contida no livro que apresento
tem a virtude de, além de ensinar, despertar no leitor o impulso de prosseguir,
de aprofundar. O avanço pelos campos da Teoria Geral do Direito – é por aí,
agora, que a Autora nos conduz –, é irrecusável.
Por tudo isso, e mais ainda, que não dito, e pela altíssima qualidade do
texto, é grande e forte a satisfação que me desperta a publicação deste livro,
onde aprendemos muito e através do qual poderemos ensinar mais.
Dezembro de 1997.
Eros Roberto Grau

2. Não estou, evidentemente, criticando a qualidade de todos os livros escritos sobre


o tema. Os que conheço, trabalhos de Sergio Varela Bruna e de Nuno T. P. Carvalho,
por exemplo, causam-me ótima impressão.

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Introdução da Autora

1. Quando a primeira edição deste livro foi escrita, a Internet ainda não
havia se espraiado pelo mundo e o acesso à informação era incrivelmente di-
fícil. Para ter notícia das decisões antitruste europeias ou norte-americanas,
éramos obrigados a esperar que revistas especializadas chegassem até nós;
viajávamos para copiar artigos e comprar livros. A pesquisa era manual, com
total dependência dos índices das revistas especializadas.
Por mais que nossos jovens alunos recusem-se a crer, no Brasil, mu-
lheres solteiras não costumavam ser aceitas na Magistratura, não se falava
em direito ambiental, a ideia de responsabilidade objetiva causava arrepios
na maior parte de nossos professores, não existia direito do consumidor e
muito menos preocupação com a disciplina jurídica da competição entre os
agentes econômicos.
Em 1996, na EAESP-FGV, Prof. Gesner de Oliveira, Prof. Arthur Barrio-
nuevo e eu tentávamos transmitir um pouco da matéria a alguns moços que
ficariam um mês no apertado anexo do Ministério da Justiça, em que tudo era
improvisado. Na verdade, Prof. Gesner, recém-empossado na Presidência do
CADE, desejava levar consigo alguns alunos para assessorá-lo na organização
das coisas e, para tanto, solicitou nosso auxílio.
2. Ao entrar pela primeira vez na nova e imponente sede do CADE em
Brasília, não pude deixar de pensar na longa estrada percorrida, em tão pouco
tempo. O pé-direito altíssimo, especialmente na sala de espera, deve mesmo
intimidar empresários acusados da prática de cartel que, há uma década, nada
teriam a temer.

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14 Os fundamentos do antitruste

Hoje, não há empresa de porte razoável que desconheça o caráter ilícito


dos cartéis ou ignore a necessidade de notificação de certas concentrações ao
CADE. Os concursos para admissão no Ministério Público e na Magistratura
federais passaram a exigir do candidato o domínio da Lei Antitruste (hoje, Lei
12.529, de 2011). O simples fato de um livro brasileiro que trata exclusiva-
mente da concorrência estar em sua nona edição, com algumas reimpressões
pelo caminho, comprova a disseminação da matéria.
3. Dois aspectos, imbricados entre si, impactaram profundamente o an-
titruste desde a concepção desde livro: a revolução das telecomunicações e o
incremento da importância da propriedade intelectual (ou, como preferimos
referir, dos “exclusivos”).
Nos últimos anos, pulularam decisões e novos regulamentos relevantes.
As repercussões dos casos Microsoft e Google, a revisão das horizontal mergers
guidelines norte-americanas, os novos regulamentos europeus sobre concen-
trações, restrições verticais e distribuição de automóveis, o julgado do caso
Wanadoo, a crise de 2008, quando analisados em conjunto, levam à conclusão
de que a função do antitruste no século XXI é cada vez mais diversa daquela a
que estamos acostumados.
Quanto à doutrina, se, por um lado, há o surgimento de boas ideias que
fazem evoluir as teorias econômica e jurídica, por outro, a quantidade de
informação disponível muitas vezes leva à confusão do joio com o trigo. Por
essa razão, manteve-se o vetor central deste livro: transmitir a visão global
da matéria, abrindo estradas para que os fundamentos do antitruste sejam
pavimentados.
Entretanto, essa proposta obriga-nos a repensar certas premissas, tantas
vezes escondidas no cipoal de teorias e análises empíricas dos casos espe-
cíficos.
4. A primeira observação é que, ao contrário do que se apregoa, a aplica-
ção das regras antitruste encerra sempre, ainda que veladamente, uma opção
política. Inexiste técnica neutra. Transcurar essa dimensão da disciplina da
concorrência impede sua adequada compreensão, reduzindo-a à simplicidade
apenas aparente. A afirmação de que “a melhor política industrial é não ter
política industrial” implica, como é óbvio, assunção de escolha política – e não
mero reconhecimento do resultado da atuação de certa força natural e aprio-
risticamente mais adequada (= eficiente). Esconder o mote político traz consigo
a admissão do livre comportamento dos agentes econômicos como única forma de

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Introdução da Autora 15

alocar recursos na sociedade, desprezando – ou procurando impedir – o emprego


de ferramentas que visem a subjugar os determinismos econômicos.3 “Longe de
serem ‘naturais’, os mercados são políticos”.4
Há, contudo, o outro lado da moeda. A assunção explicita do caráter polí-
tico da lei implica graves consequências, na medida em que divergências (e op-
ções) sobre aspectos fulcrais do antitruste, cujas raízes estão nas peculiaridades
de cada sistema, mostram-se mais importantes do que se quer fazer crer. É mais
conveniente esquivar-se de possíveis críticas, afirmando, genericamente, que a
decisão foi orientada apenas pelo critério da “busca da eficiência e do aumento
do grau de competição efetiva no mercado”. Caso contrário, a impressão seria
de regras demasiadamente imprecisas e inseguras, para não dizer arbitrárias.
A análise das divergências entre União Europeia e Estados Unidos em
casos relevantes deixa claros os problemas derivados do caráter político do
antitruste. Há outra forma de explicar as diferentes posturas sobre a ilicitude
das práticas comerciais do Google, da Microsoft, ou, ainda, sobre o dever de
empresas dominantes comportarem-se de forma a não aniquilar a concorrência
por conta de seu poder econômico?
5. Não bastasse, lembremos ainda que, no Estado Democrático de Direito,
o antitruste aparece como a disciplina capaz de gerar maior grau de insegurança
e imprevisibilidade para os agentes econômicos, especialmente em virtude

3. Na síntese de Avelãs Nunes: “A ciência económica não pode continuar a adiar a busca
de um outro padrão de racionalidade. A ciência económica tem de assumir-se de
novo como economia política, como um ramo da filosofia social (...). O que está em
4. causa, em última instância, é um dos pontos fundamentais do neoliberalismo reinante: a
ideia de que o mercado é o único mecanismo racional de afectação de recursos escassos
a usos alternativos, nele se realizando o princípio universal de racionalidade inerente à
natureza humana, que o marginalismo imprimiu no código genético do homo oeconomi-
cus (um agente racional maximizador)” (Neoliberalismo e direitos humanos, 62). E, mais
adiante: “(...) a história das sociedades humanas mostra que o mercado não é um puro
mecanismo natural de afectação eficiente e neutra de recursos escassos e de regulação
automática da economia. O mercado deve antes considerar-se, como o estado, uma
instituição social, um produto da história, uma criação histórica da humanidade, que
surgiu em determinadas circunstâncias económicas, sociais, políticas e ideológicas.
Uma instituição que veio servir (e serve) os interesses de uns (mas não os interesses
de todos), uma instituição política destinada a regular e a manter determinadas
estruturas de poder que asseguram a prevalência dos interesses de certos grupos
sociais sobre os interesses de outros grupos sociais” (64).
Avelãs Nunes, baseado em David Miliband (Neoliberalismo e direitos humanos, 64)

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16 Os fundamentos do antitruste

da (necessária) amplitude de sua linguagem. Julgar algo “certo” ou “errado”


obriga a consideração de variáveis quase infinitas: momento histórico, estágio
de evolução da ciência econômica, capacidade daquela empresa (naquela si-
tuação, praticando aquele ato) prejudicar a concorrência, eventuais benefícios
para os consumidores etc. As perguntas de caráter geral multiplicam-se, sem
jamais trazer apenas uma resposta certa: o que é beneficiar o consumidor? O
que é realmente concorrer (“competition on the merits”)? O que é prejudicar
a concorrência? Qual a diferença entre uso e abuso do poder econômico? Isso,
para não mencionar os exercícios de quiroscopia: “o que o consumidor faria
se a situação fosse diversa”? “Acertada a exclusividade, é crível que outras
empresas passarão a atuar no mesmo mercado em prazo razoável para evitar
abusos? Qual prazo razoável? Três meses? Quatro? Um ano?”.
O texto legal (seja aqui, nos EUA ou na União Europeia) limita-se a, de
forma geral, condenar atos que tenham por objeto ou efeito prejudicar a con-
corrência. O resto, queiramos ou não, toca ao intérprete.
Devemos resistir à tentação de afirmar que o antitruste está “em crise”. Por
definição, crises são passageiras, possuem início, meio e fim. Quando a situação
perpetua-se no tempo e no espaço, não se trata de crise, mas de característica
da matéria. Embora a ninguém agrade admitir, um dos atributos intrínsecos
do direito concorrencial é a insegurança.
Nas últimas décadas, apreendemos que, no direito, há sempre mais de uma
resposta possível. O leque de opções “corretas” abre-se diante do intérprete,
que segue por apenas um caminho, desprezando outros. No antitruste, para
o bem ou para o mal, esse leque é muito mais amplo do que em outros ramos
do direito.
6. Os pressupostos da Escola de Chicago, construída em torno da busca
por soluções previsíveis e seguras, somente são compreendidos diante dessa
relativa imprevisibilidade do resultado da interpretação dos textos normativos.
Richard Posner, quando leu Hans Kelsen pela primeira vez, acreditou que seus
pensamentos seriam semelhantes, pois ambos preocupar-se-iam agudamente
com a segurança jurídica. Se não se sabe o que é justo, ao menos se diga aquilo
que pode ou não ser feito! A análise econômica do direito apresentaria solu-
ção que o positivismo não foi capaz de alcançar. No entender de Posner, as
proposições de Kelsen sucumbiriam diante da insegurança ínsita à linguagem,
imprecisa por natureza. Chicago, ao postular a adoção da decisão economica-

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Introdução da Autora 17

mente mais “eficiente”, indica ao destinatário da norma um único caminho a


seguir, eliminando a angústia que deriva da incerteza.
7. Salvo aberrações, todas as correntes almejam que o antitruste traga a
melhor distribuição dos recursos de que a sociedade dispõe, que haja cresci-
mento/desenvolvimento e que as pessoas vivam bem. Apenas divergem pro-
fundamente sobre qual é essa situação perfeita e como alcançá-la.
Ora, a concorrência, por definição, promove a sobrevivência do agente
econômico mais eficiente; elimina o clientelismo dos empresários que somente
sobrevivem por conta de protecionismos governamentais, muitas vezes estabe-
lecidos em detrimento da população (que deve pagar preço mais elevado por
determinado produto ou serviço). Deixa livre o caminho para que empresas
melhores tomem o mercado, trazendo benefícios para o consumidor. Com
essa linha de argumentação, justifica-se a ausência de qualquer indução da
economia pelo Estado.
8. A premissa básica de que seria possível entregar a condução da economia
(e de nossas vidas) a uma “instituição” (mercado) impermeável à instrumenta-
lização por determinada categoria econômica, social ou política não encontra
respaldo na realidade. Como admitiu o mesmo Posner após a crise de 2008:
“a capitalist system cannot consist just on free markets”. E mais: “[m] odern
economics is, on the one hand, very mathematical, and, on the other, very
skeptical about government and very credulous about the self-regulating
properties of markets. That combination is dangerous. Because it means you
don’t have much knowledge of institutional detail, particular practices and
financial instruments and so on. On the other hand, you have an exaggerated
faith in the market. That was a dangerous combination”.5 A análise econômica
não pode ser considerada como a solução de todos os males, e muito menos
apta a proporcionar a segurança jurídica que buscamos há séculos. Apenas
para utilizar exemplo recente: se a segurança pregada pela análise econômica
fosse verdadeira, economistas de alto renome não teriam se digladiado nos
casos Microsoft e Google.
9. Eis aqui uma das principais diferenças entre as Escolas que se debruçam
sobre a disciplina da concorrência: desde Adam Smith, muitos presumem que
o bem comum deriva da atuação egoísta de cada um de nós: “Todo indivíduo

5. Disponível em: [www.newyorker.com/online/blogs/johncassidy/2010/01/interview-


-with-richard-posner.html]. Acesso em: 02.01.2012.

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18 Os fundamentos do antitruste

empenha-se continuamente em descobrir a aplicação mais vantajosa de todo


capital que possui. Com efeito, o que o indivíduo tem em vista é sua própria
vantagem, e não a da sociedade. Todavia, a procura de sua própria vantagem
individual natural ou, antes, quase necessariamente, leva-o a preferir aquela
aplicação que acarreta as maiores vantagens para a sociedade”.(...) “Geralmen-
te, na realidade, ele não tenciona promover o interesse público nem sabe até
que ponto o está promovendo; (...) e orientando sua atividade de tal manei-
ra que sua produção possa ser de maior valor, visa apenas a seu próprio ganho
e, neste, como em muitos outros casos, é levado como que por mão invisível a
promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções”. Em suma, para
Adam Smith e seus seguidores: “ao perseguir seus próprios interesses, o indi-
víduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente
do que quando tenciona realmente promovê-lo. Nunca ouvi dizer que tenham
realizado grandes coisas para o país aqueles que simulam exercer o comércio
visando ao bem público”.
Isso pode realmente ser verdadeiro em certas situações. Jhering já ad-
vertia: a concorrência é o regulador natural do egoísmo. Entretanto, as livres
forças de mercado não são capazes de operar “milagres”, como alguns países
estão apreendendo a duras penas. Tampouco os consumidores são a única
categoria a ser beneficiada pelo sistema econômico. A uma, porque nem toda
a população é “consumidora”. Há empregados, empresas dos mais variados
portes, pessoas carentes, serviços públicos a serem prestados, esgotos a serem
construídos, remédios a serem distribuídos, crianças a serem tiradas das ruas
e seres humanos a serem vacinados. Bem apontou Amartya Sen que podemos
não saber o que é justo, mas percebemos o que é muito injusto. Não havendo
vacinas suficientes para todos, seria correto deixar que a lei da oferta e da de-
manda se encarregasse de escolher os que devem ser imunizados?
10. Há momentos e situações em que o ordenamento jurídico trabalha
e incentiva a colaboração ou o estabelecimento de critérios não baseados na
capacidade de pagamento do “agente econômico”. A lei da sobrevivência do
mais forte é realmente ótima quando se é o mais forte.
Lembremo-nos, por exemplo, da organização dos trabalhadores em sindi-
catos, neutralizando a competição que entre eles seria “natural”. Considerando
que a demanda por empregados é igual àquela de qualquer outra mercadoria
(Adam Smith), os primeiros casos antitruste aplicaram o Sherman Act contra
os sindicatos. Tanta foi a pressão social que, em 1.914, o Clayton Act veio a
autorizar a união, declarando que o trabalho não é bem em comércio.

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Introdução da Autora 19

Até hoje, muitos sustentam (ou veladamente acreditam) que os sindicatos,


por arrefecer a concorrência entre os trabalhadores, sobem artificialmente os
salários e aumentam a inflação. O antitruste tende a aumentar a eficiência das
empresas, também fomentaria aquela dos trabalhadores, forçados que seriam
a disputar os postos disponíveis.
11. O mais interessante de tudo isso é que o antitruste acaba sendo objeto
de ataques provenientes de todos os lados. Os chamados “liberais” acreditam
que o progresso decorre da livre atuação das empresas que, mesmo poderosas,
devem ser deixadas sem amarras que as impeçam de crescer. Viu-se essa postura
claramente assumida quando o juiz Thomas Jackson pretendeu coibir práticas
comerciais da Microsoft.6 Ao mesmo tempo, autores de esquerda encaram o
antitruste como mera forma de preservar a estrutura vigente, corrigindo dis-
torções do modelo capitalista para viabilizar sua sobrevivência. A concorrência
faz emergir o pior do ser humano. Para Engels, a competição criou e desen-
volveu o proletariado; fez com que o capital se concentrasse em poucas mãos
e a população se aglutinasse nas cidades. “A concorrência é a expressão mais
completa da guerra de todos contra todos que impera na moderna sociedade
burguesa. Essa guerra, uma guerra pela vida, pela existência, por tudo e que,
em caso de necessidade, pode ser uma guerra de morte, não se trava apenas
diante entre as diferentes classes da sociedade, mas também entre os diferentes
membros dessas classes: cada um constitui um obstáculo para o outro e, por
isso, todos procuram eliminar quem quer que se lhes cruze o caminho e tente
disputar seu lugar”.
Até mesmo na Bíblia a competição aparece como algo destrutivo, que afasta
o ser humano da colaboração. Lê-se na Carta de São Paulo aos Filipenses (Fl
2, 1-11): “Irmãos, se existe consolação na vida em Cristo, se existe alento no

6. À época, Milton Friedman afirmou: “Under the circumstances, given that we do have
antitrust laws, is it really in the self-interest of Silicon Valley to set the government
on Microsoft? Your industry, the computer industry, moves so much more rapidly
than the legal process, that by the time this suit is over, who knows what the shape
of the industry will be. Never mind the fact that the human energy and the money
that will be spent in hiring my fellow economists, as well as in other ways, would
be much more productively employed in improving your products. It’s a waste! But
beyond that, you will rue the day when you called in the government. From now on
the computer industry, which has been very fortunate in that it has been relatively
free of government intrusion, will experience a continuous increase in government
regulation. Antitrust very quickly becomes regulation. Here again is a case that seems
to me to illustrate the suicidal impulse of the business community”.

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20 Os fundamentos do antitruste

mútuo amor, se existe comunhão no Espírito, se existe ternura e compaixão,


tornai então completa a minha alegria: aspirai à mesma coisa, unidos no mesmo
amor; vivei em harmonia, procurando a unidade. Nada façais por competição
ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais im-
portante e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro”.
12. Aos juristas cabe identificar problemas e propor soluções para melho-
rar a vida das pessoas, não meramente lastimar situações fáticas.
A não intervenção, assim como a intervenção exagerada, comprometem
igualmente o processo concorrencial. É hora de fincar nossos objetivos em matéria
concorrencial, pois não poucos são os aventureiros que almejam fazê-lo.
A introdução da efetiva concorrência mostra-se indispensável em inúme-
ros setores, garantindo que nosso mercado, esparramado por todo o território
nacional, não acabe indevidamente fechado em benefício de poucos. Restrições
verticais impostas pelas empresas detentoras de poder econômico são capazes
de causar verdadeiros desastres a médio e longo prazos. A garantia do acesso
aos canais de distribuição implica a efetiva proteção da liberdade de concorrer
e do bem-estar social.
Permitir a concentração em alto grau, com a destruição do empreende-
dorismo local, pode não ser o remédio para o Brasil em todas as situações.
Há regiões em que a colmatação dos canais de distribuição, inclusive pelo
esmagamento do comércio tradicional, leva ao desemprego, diminuição da
atividade econômica e compromete o desenvolvimento. É preciso perceber
que, considerando até mesmo a extensão física do território brasileiro, os ga-
binetes do CADE em Brasília podem não ser suficientes para garantir que os
benefícios da efetiva concorrência cheguem à população. Daí a importância da
política concorrencial séria e efetiva, que considere nossa realidade. Ou alguém
poderia razoavelmente supor que o abastecimento da população pode ser feito
da mesma forma no Brasil e na Europa (ou nos Estados Unidos)? Quem assim
crê não conhece a realidade dos nossos mercados e da nossa gente.
Ao mesmo tempo em que somos obrigados a considerar a pequena venda
perdida na periferia do Nordeste, lidamos com problemas típicos desta que já
foi chamada de Era da Informação. O fechamento da Internet ou a obstrução
do acesso ao conhecimento pode significar a destruição da concorrência. A
julgar das decisões proferidas nos últimos anos, a União Europeia parece estar
bem atenta a essa realidade.

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Introdução da Autora 21

13. Teorias ditas “schumpeterianas” são distorcidas para justificar a livre


atuação dos agentes em posição dominante e o alijamento das pequenas e
médias empresas. Como será abordado em capítulo específico, a ideia da qual
se parte é bastante simples: a concorrência gera inovação, pois uma empresa,
visando a superar outra, vê-se obrigada a criar, a inovar. Com a inovação (i.e.,
vantagem competitiva adquirida), destroem-se os competidores, chegando-se
até mesmo ao monopólio que, por sua vez, subsistirá apenas enquanto não se
iniciar novo ciclo, pois surgirá outra inovação. A destruição da concorrência,
pois, não há de ser reprimida, pois é “criativa” de progresso.
A perplexidade tem inicio quando a “inovação” passa a justificar tudo.
Chega-se a afirmar que a função da concorrência não é diminuir preços, apenas
estimular a inovação. Uma empresa nitidamente dominante fecha os canais de
distribuição aos competidores? Trata-se de “inovação” nas técnicas de venda.
Microsoft vincula seu navegador ao sistema operacional? Nada mais correto,
pois beneficia o consumidor. Wanadoo pratica preços baixíssimos no mercado
francês de banda larga? Sem a comprovação da possibilidade de recuperação de
seu “investimento” na prática predatória, não se deve penalizar esse “bônus”
concedido aos consumidores. Tudo é desculpa para não intervir.
14. Há verdadeira apologia das grandes empresas, que se fortalecem cada
vez mais, via operações de concentração raramente obstadas e imposição de
restrições verticais a fornecedores e distribuidores.
Cabe aqui breve questionamento. É realmente coerente, ao mesmo tempo,
condenar severamente os cartéis entre os agentes econômicos e não obstar as
concentrações? Diz-se que estas trazem consigo “eficiências” que jamais seriam
alcançadas individualmente por seus partícipes, e que os cartéis nada têm de
bom. Em inúmeros casos de aprovação de concentrações, o observador atento
poderia pensar que a mesma prática, ainda que com “restrições”, jamais teria
sido admitida caso fosse apresentada como acordo entre concorrentes.
15. Outro mito que precisa ser superado no Brasil toca à “especialização”
dos julgadores. Por óbvio, não se discute ser urgente a formação de quadros
profissionais aptos a lidar com o direito antitruste. O primeiro passo seria
introduzi-lo como matéria obrigatória no curriculum das escolas de direito e
administração e passar a exigi-la no exame nacional da Ordem dos Advogados
do Brasil e nos concursos para Magistratura e Ministério Público Estaduais,
a exemplo do que já se faz no âmbito federal. No início dos anos de 1980,
nada se sabia sobre direito do consumidor e direito ambiental. Hoje, o país é

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22 Os fundamentos do antitruste

referencia nessas matérias, especialmente por conta da atuação do Ministério


Público e da Magistratura.
Ao contrário de campos afeitos à regulação setorial (telecomunicações,
eletricidade, saneamento básico, transporte terrestre e marítimo, saúde, edu-
cação etc.), que possuem corte vertical, a análise antitruste é horizontal. A
Anatel domina as peculiaridades técnicas, políticas, econômicas e jurídicas
do mercado de Telecomunicações. A Anac, da aviação civil, a Anvisa, da saúde
e assim por diante. Já o aplicador do antitruste é obrigado a julgar práticas
em mercados completamente diversos, que vão desde chocolates, cervejas,
cimento e frutas até aviação, motores, padarias, grande varejo, fabricação
de helicópteros. Ou seja, mesmo dominando as bases teóricas da matéria, o
operador do direito, na maioria das vezes, debruça-se sobre mercado cujo
funcionamento lhe é absolutamente estranho. A especialização das autori-
dades antitruste é, pois, relativa.
Essa é também uma das razões pela qual muitos aplicadores do antitruste
assumem postura tímida, advogando ser melhor deixar “o livre-mercado
cumprir o seu papel”. “Na dúvida, é melhor não intervir”, costumamos ouvir
com frequência. Assim, o “culpado” do desastre será sempre o mercado (ou
seja, a ineficiência do agente privado), nunca da autoridade pública. Com
isso, a força do poder econômico vai ditando as regras, sujeitando consumi-
dores e empresas de menor porte. Talvez aí tenhamos o verdadeiro paradoxo
do (atual) antitruste: ao acreditar que a concorrência está conduzindo o
mercado, na verdade, está se entregando a formatação das regras que pautam
a conduta dos agentes econômicos às empresas dominantes, ou detentoras
de tecnologia.
16. Talvez a reação natural a esse conturbado contexto fosse o desânimo,
como se pouco adiantasse insistir na efetiva aplicação do direito concorren-
cial. Não é bem assim. O antitruste muito pode fazer pelo desenvolvimento
do país; para tanto, devem-se explicitar os objetivos a serem perseguidos pela
disciplina da concorrência entre os agentes econômicos.
Isso trará, por primeiro, o efeito de diminuir a insegurança decorrente
da amplitude dos termos da Lei 12.529, de 2011. Um exemplo simples: em
2010, na União Europeia, deixou-se bastante claro que acordos verticais
envolvendo agente econômico com mais de 30% de market share são vistos
com desconfiança. Ou seja, as empresas possuem parâmetro firme em que
se apoiar.

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Introdução da Autora 23

De nada adianta afirmar genericamente que nossa intenção é “proteger a


concorrência”. Com esse argumento, amplo e impreciso, justifica-se qualquer
tipo de decisão, desde a aprovação de concentração de 80% do mercado até
a proibição da venda de pãezinhos abaixo do custo pelo pequeno mercado
da periferia.
A questão é saber como pretendemos melhorar o funcionamento do
mercado brasileiro e catalisar o desenvolvimento. Podemos até nutrir nossas
dúvidas, mas, com certeza, o caminho não passa pela inércia complacente que
muitas vezes testemunhamos e, tampouco, por teorias de prateleira que nos
servem bem menos do que se anuncia.

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Sumário

AGRADECIMENTO DA AUTORA.............................................................. 7

PREFÁCIO À 1.ª EDIÇÃO........................................................................... 9

INTRODUÇÃO DA AUTORA...................................................................... 13

PANORAMA DO TRABALHO...................................................................... 37

1. DISCIPLINA DO COMPORTAMENTO DOS AGENTES


ECONÔMICOS NOS MERCADOS E CONCORRÊNCIA: TRÊS
MOMENTOS DIVERSOS.................................................................. 41

1.1. Introdução.................................................................................... 41

1.2. O primeiro período. A disciplina da concorrência para eliminar


distorções tópicas.......................................................................... 45
1.2.1. Antiguidade grega............................................................ 45
1.2.2. Antiguidade romana......................................................... 48
1.2.3. Idade Média...................................................................... 50
1.2.4. Mercantilismo.................................................................. 58
1.2.5. A discussão entre os teóricos........................................... 61

1.3. O segundo período. A concorrência e o liberalismo econômico..... 63

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26 Os fundamentos do antitruste

1.3.1. Estados Unidos da América. O Sherman Act. Seu signifi-


cado no contexto de evolução da disciplina da concor-
rência. A coroação do segundo período........................... 73
1.3.2. O contexto social, econômico e político do Sherman Act..... 75
1.3.3. A atualidade das discussões que antecederam a promul-
gação do Sherman Act....................................................... 82
1.4. O terceiro período. As normas antitruste como instrumento de
implementação de políticas públicas. A concorrência-instru-
mento............................................................................................ 84

2. A CONCORRÊNCIA NO BRASIL........................................................... 93

2.1. A fase fiscalista.............................................................................. 93


2.2. D. João VI e a transferência da Corte portuguesa para o Brasil.... 97
2.3. O Brasil independente.................................................................. 101
2.4. Constituições brasileiras de 1934 e 1937. Dec.-lei 869, de 1938.... 104
2.5. A luta contra os trustes e seu caráter nacionalista. Agamemnon
Magalhães..................................................................................... 110
2.6. Dec.-lei 7.666, de 1945................................................................. 112
2.7. Constituição de 1946 e os diplomas de repressão ao abuso do
poder econômico emanados sob sua égide................................... 115
2.7.1. Lei 4.137, de 1962. Vinte e nove anos de vigência des-
provida de eficácia material.............................................. 117
2.7.1.1. Os debates que antecederam a promulgação da
Lei Antitruste e a discussão sobre sua necessi-
dade e função..................................................... 117
2.7.1.2. As sempre repetidas críticas lançadas contra o
projeto de Agamemnon Magalhães e o texto
que acabou por ser promulgado........................ 119
2.7.1.3. A constante busca por segurança e previsibili-
dade................................................................... 120
2.7.1.4. Lei 4.137, de 1962............................................. 123
2.7.1.4.1. A associação de empresas.................. 123

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Sumário 27

2.7.1.4.2. A possibilidade de autorização de prá-


ticas restritivas................................... 124
2.7.1.5. A falta de eficácia material da Lei 4.137, de
1962. Contradição entre seu texto e a política
concentracionista atuada pelo governo fede-
ral?..................................................................... 125
2.7.1.6. Lei 4.137: um punhado de “surtos de vigência”... 128

2.8. Lei 8.158, de 1991........................................................................ 129

2.9.  Lei 8.884, de 1994........................................................................ 130

2.10. Lei 12.529, de 2011...................................................................... 131

2.11. Os desafios do antitruste no Brasil de hoje................................... 133

3. O SISTEMA DA LEI ANTITRUSTE BRASILEIRA................................... 135

3.1. O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Estrutura ad-


ministrativa................................................................................... 136
3.1.1. Superintendência-Geral................................................... 136
3.1.2. Tribunal Administrativo de Defesa Econômica................ 137
3.1.3. Departamento de Estudos Econômicos............................ 138
3.1.4. Procuradoria-Geral do CADE.......................................... 138

3.2. Práticas restritivas e caracterização da ilicitude pelos efeitos....... 138

3.3. Disciplina das infrações à ordem econômica e das concentra-


ções na Lei 12.529, de 2011. Conexão entre os arts. 36 (tipifi-
cação e exemplificação das infrações), 88 (dever de submissão
e análise das concentrações) e 90 (definição das concentrações
que devem ser submetidas à apreciação governamental)............. 142

3.4. Ainda sobre a caracterização da ilicitude pelos efeitos da práti-


ca. Os incisos do art. 36, caput, da Lei 12.529/2011..................... 144
3.4.1. Art. 36, caput, I: tutela da livre-concorrência e da livre-
-iniciativa......................................................................... 144

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28 Os fundamentos do antitruste

3.4.2. Incs. II e IV do art. 36, caput, da Lei Antitruste. Domí-


nio de mercado e abuso de posição dominante. Ainda a
tutela da livre-concorrência e da livre-iniciativa.............. 147
3.4.3. Inc. III do art. 36 da Lei Antitruste. A tutela do consu-
midor, além da livre-iniciativa e da livre-concorrência.... 148
3.4.4. As duas almas do art. 36 da Lei 12.529, de 2011............. 151
3.5. Efeitos potenciais dos atos restritivos da concorrência................. 152
3.6. A forma do ato.............................................................................. 152
3.7. Os sujeitos da Lei Antitruste. Sujeitos públicos e sujeitos pri-
vados.......................................................................................... 153
3.8. A responsabilidade do grupo pelas infrações à ordem econô-
mica.............................................................................................. 154
3.9. Procedimentos administrativos no âmbito do CADE................... 155
3.9.1. Procedimentos relacionados à apuração de infrações à
ordem econômica............................................................. 155
3.9.2. Procedimentos relacionados à aprovação de concentra-
ções econômicas pelo CADE............................................ 157
3.10. Acordos entre a Administração Pública e empresas: compromis-
sos de cessação, acordo em controle de concentração e acordo
de leniência................................................................................... 158
3.10.1. Compromissos de cessação (art. 85)................................ 158
3.10.2. Acordos em controle de concentrações (referido nos
arts. 9.º, V, 13, X e 46, § 2.º)............................................ 160
3.10.3. Acordos de leniência (art. 86).......................................... 160
3.11. A cessação imediata de práticas danosas à concorrência: ordens
de cessação, medidas preventivas, liminares e antecipação de
tutela............................................................................................. 161
3.12. Lei Antitruste e atuação do Ministério Público............................ 162
3.13. A aplicação privada da Lei Antitruste........................................... 164
3.14. Lei Antitruste e atuação do Poder Judiciário................................ 165

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Sumário 29

4. OS OBJETIVOS DAS LEIS ANTITRUSTE: AS POLÍTICAS


ECONÔMICAS ATUADAS...................................................................... 169

4.1. As escolas de pensamento antitruste: a consolidação da Escola


de Chicago no cenário norte-americano....................................... 174
4.2. A visão europeia do antitruste: a concorrência instrumental....... 189
4.2.1. Nota sobre o protecionismo dos Estados-Membros e o
conflito com as regras europeias de tutela da livre-concor-
rência....................................................................................... 193
4.3. O caso brasileiro: as bases constitucionais e a concorrência-­
-instrumento................................................................................. 196
4.4. As normas antitruste como instrumentos de implementação de
políticas públicas.......................................................................... 198

5. AS VÁLVULAS DE ESCAPE DAS LEGISLAÇÕES ANTITRUSTE.......... 203

5.1. Primeira válvula de escape. Regra da razão, isenções e autoriza-


ções................................................................................................... 205
5.1.1. O sistema norte-americano: rule of reason........................ 205
5.1.1.1. O sistema norte-americano e as isenções em
bloco.................................................................. 209
5.1.2. O sistema europeu. As isenções....................................... 214
5.2. O sistema brasileiro. Risco jurídico e consultas........................... 218
5.2.1. As isenções antitruste em bloco no sistema brasileiro e
seu fundamento jurídico. Lei geral de defesa da concor-
rência e leis específicas (microssistemas jurídicos)......... 219
5.3. Segunda válvula de escape. O conceito de mercado relevante...... 222
5.3.1. O mercado relevante geográfico....................................... 224
5.3.2. O mercado relevante material.......................................... 229
5.3.3. A elasticidade do mercado relevante................................ 237
5.3.4. Contraponto: notas críticas ao método tradicional para
a delimitação do mercado relevante................................. 239

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30 Os fundamentos do antitruste

5.3.5. A delimitação do mercado relevante nos Estados Uni-


dos. O teste do monopolista hipotético e o risco de “fal-
sos negativos”................................................................... 240
5.3.6. A delimitação do mercado relevante na Europa............... 244
5.3.7. A delimitação do mercado relevante no Brasil e a in-
fluência do sistema norte-americano............................... 245
5.4. Terceira válvula de escape. O jogo do interesse protegido............ 246
5.4.1. Lei de tutela da concorrência ou lei de repressão ao abu-
so do poder econômico?.................................................. 251
5.4.2. Lei Antitruste, Lei da Propriedade Industrial e Código
de Defesa do Consumidor................................................ 252
5.4.2.1. Concorrência desleal e lei antitruste................. 252
5.4.2.2. Código de Defesa do Consumidor.................... 257
5.5. As válvulas de escape e a insegurança jurídica. O direito concor-
rencial e a previsibilidade necessária à atuação dos agentes econô-
micos................................................................................................. 257

6. POSIÇÃO DOMINANTE E SEU ABUSO................................................ 269

6.1. Considerações iniciais sobre posição dominante.......................... 269


6.1.1. Poder econômico, posição dominante e potestas............. 269
6.1.2. Vantagem competitiva e posição dominante. Uso e abu-
so do poder econômico.................................................... 274

6.2. O agente econômico detentor de posição dominante................... 280

6.3. Determinação da existência de posição dominante...................... 282


6.3.1. Indicativos da existência de posição dominante.............. 283
6.3.1.1. Market share x market power............................. 283
6.3.1.2. Concorrência potencial e barreiras à entrada
de novos agentes econômicos. Mercados con-
testáveis............................................................. 285
6.3.1.3. Comportamento/dependência dos consumi-
dores e/ou fornecedores..................................... 289

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Sumário 31

6.3.1.4. Potência econômica da empresa........................ 290


6.3.1.5. Estrutura avançada da empresa, com alto grau
de integração vertical......................................... 291
6.3.1.6. Domínio de tecnologia...................................... 291
6.3.1.7. Grau de crescimento do setor............................ 292
6.3.1.8. Aspecto temporal............................................... 292
6.3.1.9. Vantagem da primeira jogada; existência de
consumidores cativos........................................ 293
6.3.1.10. Domínio dos canais de distribuição.................. 293
6.3.2. A necessária conjugação dos indicativos.......................... 294
6.3.3. Da estrutura do mercado ao comportamento da em-
presa.............................................................................. 294

6.4. Posição dominante derivada de vantagem competitiva. A aten-


ção das autoridades antitruste. A “responsabilidade especial”
das empresas em posição dominante............................................ 296

6.5. Abuso de posição dominante. Algumas práticas típicas............... 298


6.5.1. Imposição de preços abaixo do custo............................... 300
6.5.1.1. Venda justificada............................................... 301
6.5.1.2. Racionalidade da conduta de preços predató-
rios..................................................................... 302
6.5.1.3. Os parâmetros para a determinação do “cus-
to” referido pelo art. 36, § 3.º, XV, da Lei
12.529/2011....................................................... 305
6.5.2. Imposição de preços de aquisição de matérias-primas
dos concorrentes.............................................................. 307
6.5.3. Vendas casadas................................................................. 308
6.5.3.1. Definição de vendas casadas e critérios para
aferir sua ilicitude.............................................. 308
6.5.3.2. A venda casada e o aumento de participação
no mercado do produto vinculado.................... 310

8004.indb 31 21/06/2018 13:33:07


32 Os fundamentos do antitruste

6.5.3.3. Fechamento (foreclosure) do mercado do pro-


duto vinculado.................................................. 313
6.5.3.4. Discriminação entre os adquirentes.................. 313
6.5.3.5. Segurança da qualidade do produto.................. 314
6.5.3.6. Outros efeitos das vendas casadas .................... 315
6.5.3.7. A visão norte-americana das vendas casadas.
O caso Kodak.................................................... 317
6.5.3.8. A visão europeia das vendas casadas................. 320
6.5.3.9. Vendas casadas: as lições dos casos Microsoft
nos EUA e na União Europeia........................... 322

6.6. A interface entre direito da concorrência e propriedade intelec-


tual: o grande desafio dos próximos anos. Práticas ligadas ao abu-
so de “exclusivos” (ou direitos de propriedade intelectual)............ 324
6.6.1. A importância da inovação............................................... 332
6.6.2. Recusa de contratar e facilidades essenciais..................... 333
6.6.2.1. A posição norte-americana................................ 334
6.6.2.2. A posição europeia............................................ 336
6.6.3. A Lei Antitruste brasileira e a Propriedade Intelectual.... 339
6.7. Dependência econômica e abuso de posição dominante.............. 340

7. ACORDOS ENTRE AGENTES ECONÔMICOS..................................... 347

7.1. Acordos verticais e acordos horizontais. Definição...................... 348


7.2. Acordos horizontais: os cartéis..................................................... 349
7.2.1. Os cartéis e suas justificativas.......................................... 354
7.2.2. Os cartéis de preço........................................................... 355
7.2.3. Acordos entre agentes econômicos. Circunstâncias fáti-
cas que estimulam os cartéis............................................ 357
7.2.4. Price leadership................................................................. 360
7.2.5. Cartéis, paralelismo consciente e a prova da infração à
ordem econômica............................................................. 361

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Sumário 33

7.2.6. Uma constante exceção: os cartéis de exportação............ 366

7.3. Acordos verticais: a proteção da concorrência entre não concor-


rentes............................................................................................ 368

7.4. Contratos entre fornecedores e distribuidores. Restrições verti-


cais e seus tipos............................................................................. 370
7.4.1. Efeitos pró-concorrenciais dos acordos verticais............. 372
7.4.2. Acordos verticais e economia dos custos de transação.... 375
7.4.3. Acordos verticais e coibição da atuação de free riders..... 379
7.4.4. Efeitos anticoncorrenciais das restrições verticais........... 380
7.4.4.1. Fechamento do mercado................................... 380
7.4.4.2. O aumento dos custos dos concorrentes........... 383
7.4.4.3. Restrições verticais e a facilitação de cartéis..... 384
7.4.4.4. A diminuição das opções do consumidor. Di-
minuição do grau de concorrência no ponto
de venda............................................................ 385
7.4.4.5. Arrefecimento da concorrência intramarca. Fa-
cilitação de conluio........................................... 387
7.4.4.6. Exploração de falhas de informação dos con-
sumidores.......................................................... 389
7.4.4.7. Aumento dos preços para os consumidores...... 390
7.4.4.8. Levantamento de barreiras à entrada de discoun-
ters........................................................................ 390
7.4.4.9. Prejuízo aos consumidores inframarginais (in-
framarginal consumers) e indução de publici-
dade excessiva................................................... 391
7.4.5. Imposição/sugestão dos preços de revenda. Exemplos
do direito comparado....................................................... 392
7.4.6. A fixação de preços mínimos de revenda no Brasil.......... 403
7.4.7. Acordos verticais e exclusividade..................................... 403

7.5. Os acordos verticais e as vendas pela Internet.............................. 406

8004.indb 33 21/06/2018 13:33:07


34 Os fundamentos do antitruste

7.6. Análise caso a caso dos acordos verticais e o atual momento da


economia brasileira....................................................................... 408

8. CONCENTRAÇÕES ENTRE AGENTES ECONÔMICOS...................... 411

8.1. As formas assumidas pelas concentrações. Art. 90 da Lei


12.529/2011.................................................................................. 412
8.2. As concentrações e seus tipos....................................................... 416
8.3. Razões da concentração................................................................ 417
8.4. Disciplina das concentrações. Ponderação entre benefícios e
prejuízos concorrenciais............................................................... 420
8.5. Avaliação das concentrações pelas autoridades antitruste............ 426
8.6. Impacto das concentrações sobre o mercado................................ 431
8.7. Mecanismo da Lei Antitruste Brasileira para viabilizar as con-
centrações econômicas. Análise e autorização pelo CADE........... 435
8.7.1. Critérios para determinação da necessidade de submis-
são da operação de concentração ao CADE..................... 436
8.7.2. Controle prévio da operação de concentração................. 437
8.7.2.1. Nota sobre os sistemas norte-americano e eu-
ropeu................................................................. 438
8.7.3. Revisão da autorização pelo CADE.................................. 439
8.7.4. O acordo em controle de concentrações.......................... 440
8.8. A tendência mundial de fraca implementação do controle de
concentrações............................................................................... 441

9. EXTRATERRITORIALIDADE DAS LEIS ANTITRUSTE......................... 443

9.1. Conflito de jurisdições.................................................................. 448


9.2. Limites à extraterritorialidade. As leis de bloqueio (blocking
laws).............................................................................................. 451
9.3. Os obstáculos enfrentados pelas empresas. As concentrações in-
ternacionais e sua apreciação por várias jurisdições..................... 456

8004.indb 34 21/06/2018 13:33:07


Sumário 35

9.4. Proposta para diminuição dos conflitos de leis e de jurisdição.... 458

BIBLIOGRAFIA............................................................................................ 461

OBRAS DA AUTORA................................................................................... 509

8004.indb 35 21/06/2018 13:33:07


8004.indb 36 21/06/2018 13:33:07
Panorama do trabalho

O estudo das normas que regulamentam a concorrência entre os agentes


econômicos, principalmente no Brasil, é cercado de preconceitos que acabaram,
muitas vezes, por comprometer o entendimento da matéria. Acreditamos ser
preciso rever o método de análise da questão, conforme o prisma do direito
econômico. É essa a proposta deste estudo, que somente pode ser atingida
partindo-se da identificação e sedimentação dos fundamentos do antitruste
(ou do direito antitruste, tomados ambos, neste trabalho, como uma técnica de
que lança mão o Estado contemporâneo para implementação de políticas públicas,
mediante a repressão ao abuso do poder econômico e a tutela da livre-concorrência).
Se, por um lado, muito foi feito nos últimos vinte anos pela doutrina na-
cional para a sedimentação dos fundamentos do direito econômico, seu objeto
e método, o antitruste, no Brasil, ainda não foi corretamente dimensionado.
Tem-se por assente o fato de que o direito econômico é o conjunto das técnicas de
que lança mão o Estado contemporâneo em sua função de implementar políticas
públicas, mas há certo vazio doutrinário no que tange ao entendimento do
direito antitruste como uma dessas técnicas.
No passado, consolidou-se tradição de profundo desprezo pelo antitruste.
Afinal, se, em um momento histórico, o propósito da política econômica era
o fortalecimento da indústria nacional, com a opção pela concentração dos
agentes econômicos, de nada serviria o antitruste. Ou, ainda pior, a efetividade
do direito antitruste seria conflitante com a política econômica pretendida.
Descartou-se, assim, a disciplina concorrencial como poderoso instrumento
jurídico, a serviço de uma política governamental.
Temos, pois, um primeiro preconceito, que deverá ser abandonado. O
antitruste já não pode ser visto apenas como um arranjo inteligente de normas
destinado a evitar ou neutralizar os efeitos autodestrutíveis do mercado liberal,

8004.indb 37 21/06/2018 13:33:07


38 Os fundamentos do antitruste

mas, ao contrário, deve ser encarado como um instrumento de implementação


de políticas públicas.
Justifica-se, assim, o Capítulo 1 deste livro: para compreender o antitruste,
faz-se a análise da evolução histórica da disciplina a fim de comprovar que, em
determinado momento, após as duas grandes guerras, a concorrência passa a
ser vista como um instrumento. Com a visão global da história, cai o primeiro
(e mais perigoso) mito que grava o estudo do antitruste.
Passamos à evolução da disciplina no Brasil (Capítulo 2). Analisa-se,
desde os tempos da colônia, a política econômica implementada pela metró-
pole e as consequências sobre a concorrência. Comprova-se que a disciplina
antitruste, entre nós, tem gênese absolutamente diversa da norte-americana, pois
nasce miscigenada com a proteção à economia popular e à tentação protecionista.
Irrefutáveis, nesse sentido, são os argumentos colhidos dos debates parlamen-
tares e das funções constitucionais que eram destinadas aos nossos primeiros
diplomas antitruste. Como exemplo, basta analisarmos o significado político
da Lei Malaia e as reações que provocou.
É fascinante perceber como a técnica jurídica das normas antitruste brasi-
leiras amolda-se ao nosso contexto histórico, determinando perfil característico
e inconfundível com outros ordenamentos. Embora a inspiração no Sherman
Act tenha sempre sido declarada, o resultado é um sistema jurídico próprio,
vigoroso e independente, sem prejuízo de, em muitos momentos históricos,
ser desprovido de efetividade material.
Terminamos a análise da evolução legislativa brasileira com o atual diplo-
ma antitruste (Lei 12.529/2011), estudando seus vetores de funcionamento
no capítulo 3. Especial atenção é dada à capitulação das infrações à ordem
econômica, identificam-se, no contexto constitucional, os interesses prote-
gidos por cada um dos incisos do art. 36 da Lei 12.529, de 2011, e como eles
podem ser conjugados.
Estabelecido o quadro de evolução e o sistema da lei antitruste brasileira,
percebe-se que um aspecto sempre se coloca como pano de fundo a qualquer
debate: qual o objetivo de uma lei antitruste? De início, constata-se o equívoco
da pergunta, pois não há um objetivo geral que possa ser perseguido, e qualquer
tentativa de se estabelecer escopo único está fadada ao insucesso. A lei anti-
truste desempenha, em cada sistema, em cada ordenamento, função própria,
cambiável, inclusive, em virtude do momento histórico. Descortina-se, assim,
a perigosa armadilha colocada pela Escola de Chicago e pela análise econômica
do direito. Se, por um lado, essas escolas exercem um quase irresistível fascí-
nio decorrente da segurança proporcionada pelas fórmulas matemáticas, de
outro desabam quando confrontadas com a pululante realidade disciplinada

8004.indb 38 21/06/2018 13:33:07


Panorama do trabalho 39

pelo direito antitruste, plena de conflitos de interesses e finalidades. É esse o


objeto do Capítulo 4.
Comprovado que (i) as normas antitruste são um instrumento de imple-
mentação de políticas públicas e que (ii) disciplinam realidade que está muito
longe de ser asséptica, passamos, no Capítulo 5, a verificar a técnica jurídica
que permite a atuação dessas políticas. Em virtude mesmo da mutável realidade
que disciplinam, as normas antitruste não podem ser concebidas, interpretadas
ou aplicadas de forma rígida, sob pena de comprometimento (ou inefetivida-
de) do sistema. Há a necessidade de mobilidade e flexibilidade. Identificamos,
então, as válvulas de escape, técnicas jurídicas que permitem a adaptação das
normas à realidade que disciplinam, visando à implementação de determinada
política pública. Dentre as várias válvulas de escape existentes, estudaremos: (i)
a regra da razão, as isenções e autorizações; (ii) o elástico conceito de mercado
relevante; e (iii) o jogo do interesse protegido.
A regra da razão, as isenções e autorizações são as válvulas de escape mais
comezinhas, utilizadas pelas autoridades antitruste de forma a permitir a prática
de atos restritivos da concorrência. A delimitação do mercado relevante – pri-
meiro passo lógico necessário à aplicação das normas antitruste – mostra que,
desde o início, o processo de interpretação/aplicação do antitruste reveste-se
de elasticidade e maleabilidade singulares.
Mas a existência e utilização das válvulas de escape trazem consigo
insegurança jurídica. No campo do direito antitruste trata-se de fenômeno
mundialmente apontado pela doutrina mais autorizada e que se agrava em
virtude da atividade de grupos de pressão sobre as autoridades antitruste. Não
seria chegada a hora de falarmos, ao invés de segurança e previsibilidade, em
“insegurança jurídica?”
Para abordar essa questão, foi necessário retroceder no tempo, deixando
clara a linha evolutiva que reflete a tensão entre (i) positivação/interpretação
literal do texto normativo/segurança e previsibilidade jurídicas/inadequação
à realidade e (ii) o abandono da literalidade do texto normativo/insegurança
jurídica. Passando pelo movimento da redescoberta do direito romano e da
codificação, culminamos na moderna construção doutrinária dos princípios
jurídicos e sua utilização na concretização do direito antitruste.
Nos Capítulos 6, 7 e 8 é feita a análise dos principais institutos regulamen-
tados pelas normas antitruste: (i) acordos entre agentes econômicos, incluindo
os acordos horizontais (cartéis) e os acordos verticais; (ii) poder econômico e
seu abuso, dando-se relevo a algumas práticas típicas; e (iii) concentração de
agentes econômicos, com os problemas derivados da atual tendência mundial
de afrouxamento de seu controle pelas autoridades antitruste.

8004.indb 39 21/06/2018 13:33:07


40 Os fundamentos do antitruste

Por fim, no Capítulo 9, dedicamo-nos à análise do efeito extraterritorial


das normas concorrenciais, diretamente relacionado com a questão da imple-
mentação de políticas públicas.

8004.indb 40 21/06/2018 13:33:07


1
Disciplina do comportamento
dos agentes econômicos
nos mercados e concorrência:
três momentos diversos

“In historical retrospect, the flow of ideas appears to take on an air of


inevitability which the individual can do little to modify” –
Kenneth G. Dennis

Sumário: 1.1. Introdução. 1.2. O primeiro período. A disciplina da concorrência


para eliminar distorções tópicas. 1.2.1. Antiguidade grega. 1.2.2. Antiguidade
romana. 1.2.3. Idade Média. 1.2.4. Mercantilismo. 1.2.5. A discussão entre os
teóricos. 1.3. O segundo período. A concorrência e o liberalismo econômico.
1.3.1. Estados Unidos da América. O Sherman Act. Seu significado no contexto de
evolução da disciplina da concorrência. A coroação do segundo período. 1.3.2.
O contexto social, econômico e político do Sherman Act. 1.3.3. A atualidade
das discussões que antecederam a promulgação do Sherman Act. 1.4. O terceiro
período. As normas antitruste como instrumento de implementação de políticas
públicas. A concorrência-instrumento.

1.1. Introdução
O interesse pelo estudo da história da concorrência motiva-se pela busca
de resposta à seguinte questão: a partir de que momento a concorrência e o
livre-mercado foram identificados como valores dignos da tutela de um orde-
namento jurídico?
Ao referir um ordenamento jurídico, partimos da pressuposição da exis-
tência da pluralidade de ordenamentos. Não é nossa preocupação exclusiva,
no momento, o ordenamento jurídico estatal. Interessa-nos analisar a regu-
lamentação dos mercados por normas emanadas de qualquer poder capaz
de impor sistema munido de sanções externas e institucionalizadas, ou seja,
sanções jurídicas,1 ainda que esse poder seja corporativo.

1. Adotamos a tipologia de Norberto Bobbio, que entende ser a presença de sanção


externa e institucionalizada uma das características dos grupos de normas que cons-

8004.indb 41 21/06/2018 13:33:07


42 Os fundamentos do antitruste

Para que possamos assim proceder, devemos abandonar a crença na


necessária vinculação – feita por alguns – entre concorrência e o mercado do
Estado liberal burguês (livre-mercado). Se, por um lado, é forçoso admitir que
existe ligação da noção de livre-mercado (decorrente da própria estrutura de
organização criada pela economia capitalista) com aquela de concorrência,
essa interdependência não há de ser presumida.
Isso porque o início da disciplina da competição não é concomitante ao
surgimento do mercado liberal. Regras de concorrência a serem respeitadas
pelos – hoje chamaríamos – agentes econômicos, ao contrário do que se pos-
sa pensar, são muito anteriores ao surgimento do conceito de livre-mercado,
entendido como próprio ao sistema de produção capitalista.
Ademais, muitas vezes se confundem fenômenos diversos, lançando-se
mão de terminologia única. É preciso distinguir entre (i) regras que disciplinam
a conduta dos agentes econômicos (ligadas, por força, ao que Isabel Vaz chamou
de “fenômeno econômico da concorrência”) e (ii) regulação da concorrência
correlata a um discurso técnico-econômico e mesmo à ideia de mercado liberal.
Regras disciplinadoras do comportamento dos agentes econômicos sem-
pre houve. São várias as notícias sobre, por exemplo, a vedação dos monopólios
na antiguidade, do acaparramento de mercadorias etc. Quando pensamos
nesse tipo de regulamentação, devemos ter em mente a concorrência como
fenômeno que se verifica quando, no mínimo, duas pessoas estão dispostas a
trocar, comprar ou vender a terceiro o mesmo bem, ou bens intercambiáveis.
Temos concorrência sempre que dois ou mais agentes econômicos competem
pela mesma oportunidade de troca.
Se, por um lado, essa visão mostra-se bastante empírica, de outro, parte
da inegável constatação de que a concorrência existe desde que haja comércio,
desde que haja mercado.2-3
O outro sentido de concorrência é aquele que foi estudado por Kenneth
G. Dennis, em sua tese para a obtenção do grau de doutor em filosofia, na

tituem os ordenamentos jurídicos (Teoria generale del diritto, p. 129), havendo, em


princípio, um ordenamento jurídico onde quer que exista um grupo social organi-
zado (p. 277).
2. É útil o recurso à observação de Max Weber: “Falamos de mercado quando pelo menos
por um lado há uma pluralidade de interessados que competem por oportunidades
de troca” (Economia e sociedade: fundamentos da economia compreensiva, p. 419).
Sobre a definição de mercado, v. Paula A. Forgioni, A evolução do direito comercial
brasileiro: da mercancia ao mercado, p. 187 e ss.
3. Umberto Santarelli anota que a figura do comerciante ou mercador não surge na baixa
Idade Média, “perché ovviamente lo scambio mercantile, più o meno ampio, è sempre
presente in ogni tipo di società” (L’esperienza giuridica basso-medievale, p. 81).

8004.indb 42 21/06/2018 13:33:07


Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 43

Universidade de Oxford, Inglaterra.4 Propôs-se a identificar, ao longo da his-


tória, o momento no qual aqueles que discorreram sobre relações econômicas
referiram-se, pelas primeiras vezes, à “concorrência” em seu sentido técnico,
ou seja, ligado à regulação (i.e., disciplina) do mercado.
Partindo da análise semântica do verbo to compete, Dennis conclui que
seu uso coloquial e neutro5 vulgarizou-se, na Inglaterra, no século XIV, sen-
do que teria adquirido sentido ativo (ou conotação econômica) apenas por
volta do século XVI, nesse mesmo país e, talvez um pouco antes, na França
e na Itália.6
Dennis tem em mente a distinção que fizemos alguns parágrafos acima,
apartando a concorrência correlata à conduta dos agentes econômicos da
concorrência em seu sentido técnico-econômico. Nessa linha, anota que
Aristóteles faz referência aos monopólios e inicia a análise do fenômeno da
troca, em sua Ética.
Mas em que momento a palavra “concorrência” (competition) passou a
ser empregada em claro sentido econômico? Dennis afirma que isso somente
teria ocorrido no século XVIII,7 pois seguramente Aristóteles, os juristas roma-
nos ou os primeiros autores escolásticos não identificaram concorrência com

4. “Competition” in the history of economic thought. Tese de doutorado apresentada à


Faculdade de Estudos Sociais da Universidade de Oxford, out. 1975.
5. No sentido de to fall together, coincide, be fitting. Cf. Dennis, “Competition” in the
history of economic thought, p. 4.
6. “Philological studies do offer something of a guideline by placing the beginnings of
the active sense of the verb, to compete, in or around the 16th century for English,
perhaps somewhat sooner than for French and Italian equivalents. Given the ex-
pansive outlook and accelerating pace of life throughout Western Europe during
the 15th and 16th centuries, with the discoveries of new markets and trade routes
and with commercial progress being fuelled by the influx of Spanish American gold
and silver, this seems an appropriate era for our history to begin. And, indeed, my
rather selective sample of 16th century literature does confirm the broad pattern.
The earliest instances of the cognates of competition I could find in an economic
context fall within the latter half of the 1500s” (Dennis, “Competition” in the history
of economic thought, p. 17).
7. “The (...) fragments from the economic literature of the 16th and early centuries
would be very misleading if it created the impression that there was any sustained
discussion of competitive ideas during this period. There was not anything of the
kind. Direct and explicit references to competition are extremely rare and they cer-
tainly do not amount to anything even approximating a conscious recognition of it
as a principle of economic thought” (“Competition” in the history of economic thought,
p. 25).

8004.indb 43 21/06/2018 13:33:07


44 Os fundamentos do antitruste

justo preço,8 o que lhes fazia utilizar a palavra com claro sentido coloquial, e
não técnico.
É bem verdade que não existia, antes do século XVIII, a regulamentação
da concorrência tendo em vista a manutenção do sistema de produção, ou a
preservação/disciplina do próprio mercado.9 Da mesma forma, tudo indica
que não havia, no senso comum, a consciência da necessidade da regulamen-
tação da concorrência. Os monopólios não eram regulados na antiguidade,
pois que contrários a uma forma de mercado escolhida como ótima, mas por
razões extremamente práticas, ligadas ao fornecimento de mercadorias10 e ao
abastecimento da população.
Existe, portanto, diferença fundamental entre a proteção/regulamentação
da concorrência, no Estado liberal, e aquela que lhe foi anterior. Essa diversi-
dade que se coloca pode ser de finalidade, e, muitas vezes, não se trata de uma
diferença formal das normas utilizadas.
Traça-se, assim, a linha da evolução do fenômeno da concorrência ou, se
quisermos, das normas que disciplinam a atividade dos agentes econômicos
no mercado. Contudo, no antitruste, uma fase de desenvolvimento não supera
a precedente, de forma que, hoje, os vetores que passamos a expor convivem
no seio dessa disciplina. Três passos principais da evolução, que resultam nos
três principais vetores do direito concorrencial, podem ser identificados:
(i) a determinação de regras para o comportamento dos agentes econô-
micos no mercado por razões absolutamente práticas, visando a resultados
eficazes e imediatos, eliminando distorções tópicas;11

8. “What is essential here is that neither Aristotle, nor the Roman jurists, nor the early
scholastic writers directly identified competition as the concomitant of the just
price, because they were not concerned as scientists with the explanation of market
behaviour so much as they were anxious as ethical theorists to lay down the rules of
justice in exchange” (“Competition” in the history of economic thought, p. 20).
9. Remo Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 34.
10. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 54. A respeito, Dennis, “Competition” in
the history of economic thought, p. 19: “It seems quite ludicrous to attribute to medieval
scholars what amounts to a competitive ethic, and yet is what happens when the medie-
val condemnation of monopoly is set alongside the doctrine of the just price with little
attention to the underlying essence of the case. Monopoly was widely condemned through
the Middle Ages for economic reasons which are now familiar, the restricting of output to
artificially raise price which it usually entailed, and the scholastic writers objected to
monopoly for its arbitrariness and the ‘iniquity’ or inequality it led to in the process of
economic exchange, following the lines of Aristotle’s analysis of justice” (grifamos).
11. No entender de Ascarelli, até a metade do século XVIII, inexistia princípio geral de
liberdade de acesso ao mercado, sendo a economia regulada mediante a estrutura

8004.indb 44 21/06/2018 13:33:07


Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 45

(ii) a regulamentação do comportamento dos agentes econômicos como


corolário de um sistema de produção entendido como ótimo. Essa disciplina
é vista como correlata à estrutura do próprio sistema. A concorrência assume
seu sentido técnico, que lhe é dado pela ciência econômica. De outra parte, sua
disciplina visa a proteger o mercado contra seus efeitos autodestrutíveis (cor-
reção de efeitos tópicos danosos, visando à manutenção do sistema);
(iii) a regulamentação da concorrência e, portanto, do comportamento dos
agentes econômicos no mercado passa a ser vista não apenas como essencial
para a manutenção do sistema, mas também como instrumento de implemen-
tação de políticas públicas (correção dos efeitos tópicos danosos, visando não
apenas à manutenção, mas também à condução do sistema).
Feitos esses esclarecimentos, voltamos ao esquema proposto para anali-
sar a regulamentação do comportamento dos agentes econômicos em vários
períodos históricos, passando pela concorrência como contraponto do Estado
liberal burguês para chegar à sua disciplina contemporânea, quando passa a
ser vista também como instrumento de implementação de políticas públicas,
intrinsecamente ligada ao direito econômico.12

1.2. O primeiro período. A disciplina da concorrência para eliminar


distorções tópicas
1.2.1. Antiguidade grega
Luzzatto, embora limitado pela escassez de documentação,13 aponta que,
na antiguidade grega, havia a regulamentação dos monopólios, de forma a gerar
para o governo receitas consideráveis.14 Como exemplo, a estratégia da cidade

corporativa e a disciplina pública (Teoria della concorrenza e dei beni immateriali:


istituzioni di diritto industriale, p. 3).
12. Muito tem sido discutido a respeito da classificação do direito concorrencial como
uma área do direito econômico. A partir do momento em que, contemporaneamente,
entendemos as normas antitruste como instrumento de implementação de políticas
públicas, não podemos deixar de colocá-las no contexto dos “instrumentos de que
lança mão o Estado, na sua função de implementar políticas públicas” e, portanto, do
direito econômico. Não obstante, visto sob outros prismas (complementares àquele
do direito econômico, mas não excludentes), o direito antitruste pode ser entendido
como afeito ao direito comercial ou mesmo internacional.
13. Franceschelli ressalta a falta de documentos do período anterior àquele romanístico
(Trattato di diritto industriale, p. 33).
14. Fritz Machlup, na obra The political economy of monopoly: business, labor and go-
vernment policies (p. 185), identifica a seguinte cronologia dos monopólios, na

8004.indb 45 21/06/2018 13:33:07


46 Os fundamentos do antitruste

de Selimbria, que reteve todas as provisões de fermento, exceto aquelas neces-


sárias à população por um ano. Posteriormente, vendeu o produto por preço
elevado, inclusive no mercado externo. Na mesma linha, Pítocles sugeriu que
a cidade de Atenas instituísse monopólio estatal do chumbo sobre as minas
da região de Lauría, possibilitando a elevação de seus preços – proposta que
foi combatida por Demóstenes. De qualquer forma, os monopólios na Grécia
antiga, ao que tudo indica, tinham pouca duração e eram instituídos, pelos
governantes, em períodos de dificuldades econômicas.
No que diz respeito aos monopólios privados, não havia sua proibição per
se, o que podemos deduzir do relato feito por Aristóteles da estratégia comer-
cial encampada por Tales de Mileto.15 Este filósofo, prevendo abundante safra
de azeitonas, alugou todos os lagares das cidades de Mileto e Chio. Chegada
a época da colheita, detinha, com exclusividade, os instrumentos necessários
para seu processamento, podendo cobrar por sua utilização o que hoje cha-
maríamos de “preços de monopólio”.
Aristóteles, nessa passagem de sua Política, ressalta que Tales de Mileto
pagou pouco pelo aluguel dos lagares porque ninguém concorria com ele.16
Ou seja, faz referência ao fato de que a oferta e a procura influíam na determi-
nação do preço.17

história antiga: circa 2100 a.C. – Código de Hamurábi, contendo referências a práticas
monopolísticas; 347 a.C. – a palavra “monopólio” é utilizada, pela primeira vez, na
Política de Aristóteles, em discussão sobre as pessoas que instituíram monopólios de
lagares e ferro, para posteriormente revendê-los com lucro em tempo de alta procu-
ra; circa 160 a.C. – Cato faz referência a associações entre companhias rivais para o
estabelecimento de preços de monopólio; circa 30 d.C. – Tiberius introduz a palavra
“monopólio” na língua latina em um comunicado ao Senado; circa 79 d.C. – Plinius
faz referência às reclamações dos cidadãos contra os excessos dos monopólios; 483
d.C. – Zenão proíbe todos os monopólios, públicos ou privados, combinações e
acordos de preços; 533 d.C. – o Código de Justiniano contém proibições de práticas
monopolistas.
15. A referência é feita por Luzzatto (Monopolio – Storia, Enciclopedia Italiana, p. 694), por
Harold G. Fox (Monopolies and patents: a study of the history and future of the patent
monopoly, p. 19) e por Isabel Vaz (Direito econômico da concorrência, p. 54 e ss.).
16. Aristóteles, Política, p. 34.
17. Alguns autores sustentam que havia na obra de Aristóteles a clara referência da con-
corrência como fator determinante na formação do preço. Baseiam-se no fato que,
ao iniciar a narração do episódio de Tales de Mileto, Aristóteles afirma: “There is the
anecdote of Thales the Milesian an his financial devide, which involves a principle
of universal application, but is attributed to him on account of his reputation for
wisdom” (transcrição de Harold G. Fox, Monopolies and patents, p. 19 – grifamos).

8004.indb 46 21/06/2018 13:33:07


Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 47

Há indicações seguras de que a atividade dos agentes econômicos com


certo “poder de mercado” era regulamentada com o escopo de proteger a po-
pulação contra manipulações de preços e escassez artificial dos produtos. O
professor grego Lambros E. Kotsiris relata prática levada ao conhecimento do
Senado de Atenas, por volta do ano de 386 a.C., e, posteriormente, ao tribunal
presidido pelo Thesmothetae. Trata-se, segundo esse autor, do primeiro caso
antitruste relatado da história.18
A pequena região da Ática, com alta densidade populacional, tinha solo
bastante pobre, com baixa produtividade de grãos, de sorte que sua quase tota-
lidade era importada. Para proteger a população dos abusos dos comerciantes
e importadores, havia leis que impunham algumas obrigações. Ao mesmo
tempo que a importação de grãos era incentivada, os mercadores tinham seus
estoques limitados e controlados pelo governo. O lucro máximo que poderia
ser obtido com a comercialização vinha prefixado.
A penalidade para a transgressão das leis era bastante severa: a morte.
Considerando-se que o governo fiscalizava as atividades dos agentes en-
volvidos no comércio de grãos, estes assumiam sério risco ao violarem as
disposições legais.
O inverno de 388-387 a.C. parece ter sido bastante tumultuado para o
comércio internacional com as guerras que se travaram na região por onde
a mercadoria deveria ser transportada. Consequentemente, seu preço (e de
produtos derivados, como o pão) elevou-se de forma acentuada. Anytys, o
funcionário encarregado do comércio de grãos, aconselhou os mercadores a
não concorrerem entre si e a praticarem preços razoáveis.
Formaram espécie de associação, com o escopo de fazer cessar qualquer
concorrência entre eles, e adquiriram grandes quantidades de produtos, cumu-
lando estoques muito além do que lhes era permitido. Geralmente, praticavam
preços razoáveis, auferindo lucro acima do normal apenas quando havia ru-
mores de perdas de navios ou de outros infortúnios com as cargas. As mesmas
práticas foram repetidas no inverno de 387-386 a.C.
O acordo dos comerciantes de grãos foi levado ao conhecimento do Pryta-
nes, espécie de comitê executivo do Senado, que, à época, não tinha poderes para
impor penas de morte. Transferiu-se o caso, pois, para a corte de julgamento.

Ademais, Fox assinala que Aristóteles claramente refere que o estabelecimento de


monopólios pelas cidades acabava por elevar o preço das mercadorias (Monopolies
and patents, p. 19).
18. Lambros E. Kotsiris, An antitrust case in ancient greek law, The International Lawyer,
p. 451-457.

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48 Os fundamentos do antitruste

A acusação, preparada por Lísias, baseou-se no seguinte argumento: em


maus tempos, os comerciantes compraram grãos e recusaram-se a vendê-los
ao público, estocando mais do que lhes seria lícito; para haver o produto,
pagava-se o preço exigido, ainda que demasiadamente alto. Em tempos de paz,
transformavam-se em pessoas que afligiam a população.19
Não há referências históricas sobre o resultado do julgamento; contu-
do, devemos olhar para esse exemplo como demonstração de que práticas
concertadas entre agentes econômicos foram regulamentadas com base no
interesse público, ou seja, para o bem da sociedade em geral, muito antes da
época moderna.
1.2.2. Antiguidade romana
A prática dos monopólios também existia em Roma, onde o monopólio
do sal assegurava ao governante grande parte de suas rendas. Já no final do
Império, para aumentar a arrecadação, o número de monopólios concedidos
aos particulares, mediante retribuição, multiplicou-se de tal forma a abranger
toda a distribuição de alimentos.20 Procurou-se coibir essa política de mono-
pólios pelo Édito de Zenão (ou Zeno), de 483. Também os acordos que hoje
chamaríamos “de preço” foram regulamentados pelo referido diploma.21-22
Já na antiguidade romana havia a preocupação de impedir o açambar-
camento de mercadorias, de coibir o abuso de preços, “ou assegurar que o
trabalho assumido fosse executado, e a preços – hoje diríamos – de mercado
ou de concorrência”.23

19. Para adicionais comentários sobre esse discurso de Lísias, v. Manuel Couceiro No-
gueira Serens, A monopolização da concorrência e a [re-]emergência da tutela da marca,
p. 57 e ss.
20. Fox, Monopolies and patents, p. 22.
21. Franceschelli adverte que a prática dos agentes econômicos, ao menos no período
pós-clássico, previa a utilização de pactos ou acordos limitativos da concorrência,
ou pactos que hoje seriam chamados de atividade ou mesmo zona (Trattato di diritto
industriale, p. 54).
22. “That no one may presume to exercise a monopoly of any kind of clothing or of fish
or of any other thing serving for food or for any other use, whatever its nature may
be, either on his own authority or under a rescript of an emperor already procured,
or that may hereafter be procured, or under an imperial decree or under a rescript
signed by our Majesty; nor may any person combine or agree in unlawful meeting
that different kinds of merchandise may not be sold at a less price than they may have
agreed upon among themselves”. A tradução para o inglês é de Thorton, Combinations
in restraint of trade, p. 32, apud Fox, Monopolies and patents, p. 23.
23. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 35.

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 49

As normas que regulavam o exercício dos monopólios desempenhavam


função bem específica, que hoje chamaríamos de repressão ao abuso do po-
der econômico, evitando que a população fosse prejudicada pelas concessões
governamentais. Explica-se a constante preocupação com o preço praticado e
com a escassez artificial de gêneros de primeira necessidade.
Posteriormente, à época do imperador Leão, estabeleceu-se a proibição
per se dos monopólios, excetuando-se aquele do sal.24 Da conjugação de todas
essas normas “[t]emos como resultado que, ao lado das proibições relativas
ao açambarcamento de mercadorias, existem outras ligadas ao comércio, à
produção de bens ou serviços e ao exercício de atividade econômica, com
amplitude de conteúdo notável e significativa”.25
Não se pode atribuir aos antigos ideias próprias ao liberalismo econômi-
co, acreditando na existência da antítese monopólio/livre-concorrência desde
aqueles tempos. Os princípios norteadores da economia eram bem outros e
buscavam resultados imediatos, coibindo comportamentos nocivos à popu-
lação, como a fixação dos preços por acordo entre os agentes econômicos ou
o açambarcamento de mercadorias.26-27

24. No original: “ne risulta che, accanto ai divieti relativi all’accaparramento di merci,
ce ne sono di quelli che concernono il commercio di esse o la produzione di beni o
servizi, e l’esercizio di attività economiche, con un’ampiezza di contenuto veramente
notevole e significativa” (Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 35).
25. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 37.
26. “Non so se se ne può dedurre, come, con suggestiva anticipazione delle moderne
alternative dell’economia, fanno alcuni storici che anche nel mondo antico l’antitesi
sarebbe stata tra concorrenza e monopolio, e che mentre in Egitto era prevalsa
quest’ultima forma di mercato, onde l’attività di produzione e di scambio si svolgeva
attraverso monopoli statali esclusivi, a Roma e lungo l’attività economica si sarebbe
svolta sotto il segno della libertà di iniziativa. Ma è certo, da un lato, che mentre sarebbe
antistorico attribuire agli antichi propositi o pensieri di un sia pur vago liberalismo
economico giacchè altri sono i principi ispiratori delle vicende economiche di quel
mondo, il risultato fu – per lungo tempo – proprio quello di un libero scambio quasi
completo, con l’elaborazione spontanea di nuovi e informali strumenti giuridici,
sorti nell’ambito dello jus gentium; ed è probabile dall’altro che la funzione vera del
divieto dei monopoli e dei patti sui prezzi e di non concorrenza fosse quella annonaria,
e cioè avesse tratto a quelle preoccupazioni di approvvigionamento, controllo dei
prezzi e limitazione dei consumi, assicurazione di prestazioni e servizi essenziali,
che condurranno ad una vaga e propria economia regolata, all’Editto di Diocleziano
sui prezzi, all’appartenenza obbligatoria alle corporazioni di mestiere, all’assunzione
statale diretta di compiti e funzioni economico-produttive, al dominio dei pubblici
monopoli” (Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 36-37).

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50 Os fundamentos do antitruste

1.2.3. Idade Média27
Desde a alta Idade Média,28 e também no período histórico sucessivo, o
conceito de monopólio ligava-se à regalia, ao privilégio concedido pelo sobe-
rano29 e exercido, no mais das vezes, por particulares.30
A intervenção direta da autoridade na estocagem e distribuição de gêneros
alimentares, em especial cereais, é determinada não por razões fiscais, mas
sim sociais e políticas. Geralmente, ao particular era conferida a liberdade de
negociar, assegurando-se à autoridade o direito de preferência ou exclusividade
na aquisição de mercadorias até que fossem restabelecidos os estoques desti-
nados à manutenção dos militares e da população das cidades, nos momentos
de escassez.31
Nos lugares de maior desenvolvimento econômico, ao lado desses mo-
nopólios (concedidos pelo soberano e exercidos por agentes privados), vão
se colocando autênticos monopólios privados,32 que assumem, como afirma

27. Harold Fox, Monopolies and patents, p. 20. Sobre o sistema de comércio na Roma
antiga: “The Roman theory of trade was that of free competition, but the practice of
obtaining exclusive sale was so widespread that the Senate received many complaints
on the subject” (p. 22). Essa posição é criticada por Franceschelli, que entende não
existir na antiguidade a antítese entre concorrência e monopólio (Trattato di diritto
industriale, p. 36).
28. Sobre o comércio e a produção na alta Idade Média, no setor rural, cf. Georges Duby,
Economia rural y vida campesina en el occidente medieval, p. 202 e ss.
29. O caráter de privilégio do monopólio concedido ao particular constituirá instrumento
de que lançarão mão os Estados para estimular a expansão comercial e colonial, e
será questionado, já no século XVI, na Inglaterra.
30. Luzzatto (Monopolio – Storia, Enciclopedia Italiana, p. 694) adverte que dentre esses
tipos de monopólios figura, em primeiro lugar, aquele de cunho da moeda, sempre
considerado uma regalia. Na Lombardia, aqueles que procuravam ouro nas areias dos
rios do Vale Padano eram obrigados a vender todo o metal à câmara real de Pavia por
preço estabelecido pelo próprio comprador, ou seja, tinha-se o autêntico monopólio
de compra do produto.
31. Luzzatto, Monopolio – Storia, Enciclopedia Italiana, p. 695.
32. O ordenamento das corporações (estatutos) era autenticamente jurídico, no sentido
dado por Norberto Bobbio. Havia, portanto, na Idade Média, pluralidade de ordena-
mentos jurídicos, como Francesco Calasso assinala com a habitual clareza: “È questa,
como s’è avvertito più volte, l’epoca in cui il principio associativo trionfa, o, come
l’abbiamo definita, della pluralità degli ordinamenti giuridici. Lo statuto comunale
fu la più celebre e appariscente forma di codificazione di ius proprium” (Medio Evo
del diritto, p. 431).

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 51

Luzzatto,33 alguns aspectos característicos das grandes concentrações capita-


listas contemporâneas.
A baixa Idade Média mostra duas facetas.34A primeira é a Europa dos
pequenos artesãos, das corporações de ofício, na qual se assentaram as nor-
mas de disciplina da concorrência que nos interessam mais de perto. A outra
refere-se às grandes empresas, chamadas, com evidente apelo publicitário, de
Medieval Super Companies.35
Esses grandes mercantes (ou empresários) não tinham sobre si o manto
protetor das corporações de ofício. Criaram-no individualmente, atraindo favo-
res dos governantes e papas da época. Como exemplo, Franceschelli nos traz o
consórcio celebrado, em 1301, entre banqueiros e mercadores de Florença para
a exploração das salinas de Angioini, ou ainda outro consórcio, celebrado em
1358, para monopolizar a exportação cipriota de algodão, açúcar, sal e outros
produtos provenientes da Síria.36
Vários autores dão notícia de que, em 1283, na cidade de Veneza, por
deliberação do Maggior Consiglio, com o escopo de neutralizar a concorrência
entre comerciantes venezianos nos mercados da Síria, foram eles praticamente
obrigados a aderir a um consórcio.37
Voltemos às corporações de ofício, que acabam por transformar a Idade
Média em um dos períodos mais ricos em termos de história da concorrência,
sistematicamente ignorado pelos livros especializados norte-americanos.38

33. Luzzatto, Monopolio – Storia, Enciclopedia Italiana, p. 695. Segundo o mesmo autor, no
duecento alguns comerciantes genoveses, concessionários de várias minas estrangeiras de
alume, concentraram nas próprias mãos toda a exportação do Levante para os mercados
italianos e de Flandres. Como faria também, dois séculos mais tarde, a família Medici,
concessionária do alume de Tolfa, tendo assegurado, mediante a celebração de um acordo
entre a S. Sede e o Reino de Nápoles, a exportação do alume dessa região. No final do século
XV, a família Fugger, com alguns associados, consegue garantir para si o monopólio do
cobre em toda a Europa central, triplicando o preço do produto em poucos anos.
34. Armando Sapori, Studi di storia economica medievale, p. VIII e ss. Cf., também, sobre
Sapori, Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 86 e ss.
35. Cf. Fábio Konder Comparato sobre o Banco da Família Medici, de Florença: Na
proto-história das empresas multinacionais: o Banco Medici de Florença, Direito
empresarial, p. 261.
36. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 92.
37. Outros exemplos são trazidos por Wilberforce, Campbell and Elles, The law of res-
trictive trade practices and monopolies, p. 27 e ss.
38. Os autores americanos não costumam situar a Idade Média como origem de algumas
normas de concorrência que temos até hoje, sejam referentes à concorrência desleal,

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52 Os fundamentos do antitruste

As corporações de ofício surgem em contexto de florescimento do comér-


cio e artesanato nas cidades, como associação daqueles que tinham interesses
comuns e tencionavam protegê-los.39 As corporações não nascem de imposi-
ções das autoridades, mas sim da espontânea união dos agentes econômicos,40
catalisada pelo peculiar momento histórico. Não se pode, portanto, deixar de
notar a semelhança da motivação da gênese das corporações de ofício e dos
cartéis ou associações atuais: união dos agentes econômicos tendo em vista a
proteção dos interesses que são comuns.
Nesse período histórico, nascem muitas das regras de concorrência,41 po-
sitivando normas que, de certa maneira, inspiram o legislador até nossos dias.
No que tange às normas de conduta dos agentes econômicos, mais do que
princípios, vemos pautas de comportamento seguidas por muitos séculos, não

sejam referentes ao antitruste. Partem da contestação dos monopólios concedidos


pelo rei, já no século XVI.
39. “Il rapido fiorire delle industrie e dei traffici nella età comunale aveva portato per
tempo tutti coloro che a questo movimento intenso parteciparono, ad associarsi in-
sieme per difendere i propri interessi comuni” (Calasso, Medio Evo del diritto, p. 431).
As corporações nasceram, segundo Franceschelli, “come pare, spontaneamente, e
quindi per lungo tempo non dotate di giuridico riconoscimento, erano centri di (...)
organizzazioni di resistenza a difesa dei comuni interessi (...)” (Medio Evo del diritto,
p. 40-1 – grifamos). No mesmo sentido, Alessandro Lattes, Il diritto commerciale
nella legislazione statutaria delle città italiane, p. 24, e Fernando Conesa, Libertad de
empresa y estado de derecho, p. 24.
40. As corporações de ofício, assinala Franceschelli, têm origem ainda na Roma antiga
(cf., tb., Paul Rehme, Historia universal del derecho mercantil, p. 67). Com efeito,
nos primeiros tempos do Império, desenvolvia-se profícua atividade industrial. O
trabalho não era apenas o escravo, sendo certo que o artesanato livre se organizou
inicialmente em oito corporações principais: (i) ourives, (ii) carpinteiros, (iii) cons-
trução civil, (iv) sapateiros, (v) manufatura do couro, (vi) ferreiros, (vii) manufatura
em argila e (viii) tintureiros (Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 40). Em
um primeiro momento, não há, ao contrário do que se possa pensar, identidade
entre as corporações romanas e aquelas medievais, pois as primeiras não gozavam
de monopólios e não tinham regras de acesso ao mercado, previsão de estágios etc.
Posteriormente, ainda em Roma, houve o monopólio das corporações de ofício com
a obrigatoriedade da participação dos agentes que desenvolviam aquela atividade
econômica. No entender de Franceschelli, temos a substituição da concorrência pelo
monopólio (Trattato di diritto industriale, p. 41). Sobre a atividade econômica em
Roma, v. também Feliciano Serrao, Impresa e responsabilità a Roma nell´età commer-
ciale, p. 17 e ss. e Petro Cerami, Andrea di Porto e Aldo Petrucci, Diritto commerciale
romano, p. 34 e ss.
41. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 56.

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 53

por crença em sua adequação, mas como resposta a uma mesma necessidade,
há muito sentida, de união, para a melhor proteção dos interesses mercantis.42
Essa união implica, no caso das corporações de ofício, a neutralização de
qualquer concorrência entre os agentes econômicos partícipes da coalizão,43
chegando-se a afirmar que esses corpos de mercadores representam a “negação
do princípio da livre-concorrência”.44 Em linguagem atual, as corporações de
ofício poderiam ser consideradas grandes cartéis.
Percebe-se, daí, que dois eram os tipos de normas que disciplinavam a
atividade das corporações de ofício: as primeiras, os estatutos das próprias
corporações, ordenamentos jurídicos moldados pelos comerciantes ou arte-
sãos para disciplinar sua atividade. O outro sistema era aquele da Comuna
medieval,45 que procurava regular a atividade das corporações, fazendo-o,
na maioria das vezes, pelo controle dos estatutos e imposição de normas de
conduta obrigatórias para seus membros.46 Muito da disciplina das ativida-

42. A respeito, nota Nicoletta Sarti, em estudo sobre os estatutos da sociedade dos notá-
rios de Bolonha, de 1336, que os membros dessa corporação eram, salvo Johannes
de Garfagninis, filhos de notários, e, continua, “significativo indice, sia di una cor-
porazione che tendeva a irrigidirsi in casta, guardinga e circospetta nei confronti
di coloro che non vi appartenevano elettivamente per discendenza familiare, sia di
una generalizzata situazione di crisi economica e demografica, che rendeva quasi
necessario il monopolio dell’esercizio professionale” (Gli statuti della società dei notai
di Bologna dell’anno 1336, p. XLI).
43. Por todos, Sapori, Studi di storia economica medievale, p. IX.
44. José Ferreira de Souza, Uniões de emprezas concorrentes, 1939, 19.
45. John Gilissen explica que o direito de legislar, na Baixa Idade Média, foi estendido
às cidades e, por vezes, às comunidades de habitantes, havendo mais de dez mil
estatutos de Comunas e senhorios italianos (Introdução histórica ao direito, p. 296).
46. Calasso, Medio Evo del diritto, p. 434; Paul Rehme, Historia universal del derecho
mercantil, p. 66; e H. Sieveking e C. Becker, Historia económica universal (de la
Prehistoria a 1943): enseñanzas económicas para durante la Guerra y la post-Guerra,
p. 111. A propósito dos conflitos políticos entre as corporações e a Comuna, cf.,
também, Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 94. Em Florença, anota
Gene Brucker, houve verdadeiro conflito entre a “aristocracia” e os “artesãos”, que
buscavam maior participação política (Dal comune alla signoria: la vita pubblica a
Firenze nel primo Rinascimento, p. 48 e ss.). As corporações enfrentavam, constan-
temente, problemas com a autoridade da cidade em que estavam localizadas, sendo
obrigadas, muitas vezes, a fazer concessões e a adequar-se a determinado padrão de
conduta: “Se la corporazione, per la sua destinazione stessa, era un ordinamento
completo e chiuso, è evidente che, dovendo svolgere la propria vita, economica
e giuridica, entro l’orbita dell’ordinamento comunale, era obbligata a fare i conti
con questo; (...). La lotta scoppiò apertamente nel corso del Duecento, e diede i

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54 Os fundamentos do antitruste

des dos membros das corporações foi estabelecida por atos dos governantes
das cidades.47
Algumas regras de controle das corporações e dos comerciantes vinham
postas no interesse daquele que hoje chamaríamos de “consumidor”. Assim,
a vedação do açambarcamento de mercadorias em Florença, punindo com
multas os acordos monopolísticos, e a Ordenança de Ricardo de Messina e
Felipe Augusto, no ano de 1190, assegurando que os membros das Cruzadas
tivessem pão a preço não excessivo. Sapori dá, ainda, notícia de várias outras
normas impostas pela Comuna: também em Florença, um fiscal, ao fim do dia,
cortava a cauda de todos os peixes que haviam sido postos à venda, para que
se visse, no dia seguinte, que o produto não era fresco.
O mecanismo das feiras era utilizado para evitar abusos de preços, prin-
cipalmente de gêneros de primeira necessidade. Exigia-se que os agricultores
levassem suas mercadorias a determinado lugar (praça do mercado), em horas
preestabelecidas, viabilizando a concorrência. Impunha-se, ainda, a obrigação
dos vendedores de liquidar sua mercadoria antes do final da feira. Por outro
lado, proibia-se aos compradores a aquisição de mercadoria acima da neces-
sitada (“acaparramento”), bem como a compra para revenda. A desconfiança
em relação ao comerciante impunha a contratação de funcionários públicos
para a pesagem das mercadorias.48 Em Verona e arredores, era proibida a incetta
de animais selvagens, frangos, ovos para revenda. Igualmente, vedava-se a
exportação de trigo, para que os habitantes da cidade conseguissem o produto
a melhor preço.49 No século XIII, as Comunas de Viterbo e Urbino possuíam
regras que proibiam as peixarias de se associar na aquisição e venda dos pro-
dutos que comerciavam. Na Boêmia de Wenceslau II, eram vedados acordos
para aumentar o preço de minérios.50

suoi frutti” (Francesco Calasso, Gli ordinamenti giuridici del rinascimento medie-
vale, p. 145). Cf., ainda, Calasso, Medio Evo del diritto, p. 434, sobre a fiscalização
dos estatutos das corporações pela Comuna, e Paul Rehme, Historia universal del
derecho mercantil, p. 66.
47. Franceschelli ressalta, baseado em Visconti (Dardanariatus e monopolium), as dis-
posições de dois desses documentos, Honorantie civitatis Papiae e Libro del Prefetto,
dos quais são tiradas as regras de conduta adiante referidas.
48. Cf. Clive Day, Historia del comercio, p. 51.
49. Bonfante, Storia del commercio, p. 243.
50. Wilberforce, Campbell and Elles, The law of restrictive trade practices and mono-
polies, p. 22. Os mesmos autores dão notícias de várias outras regras das comunas
italianas com o mesmo escopo, especialmente as leis de Florença, de 1322 e 1325.
Reportam, também, regras de cidades germânicas e francesas.

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 55

Talvez o mais importante desses controles fosse a fixação, por algumas


cidades, do lucro máximo que determinada categoria poderia obter.51 Clive Day
assinala que a determinação do preço de mercadorias essenciais por parte da
Comuna foi abandonada com celeridade, tendo-se demonstrado ineficiente:
ao impor-se o preço baixo, os bens simplesmente desapareciam do comércio,
sujeitando a população à carestia do produto.52
Por sua vez, o ordenamento jurídico “privado” (ou seja, estabelecido
pelos agentes econômicos e não pela Comuna) fixava regras de conduta que
merecem atenção: (i) ninguém deveria intrometer-se em negócio iniciado por
outro; (ii) não se poderiam abrir lojas e oficinas concorrentes senão a certa
distância daquelas existentes; (iii) não era lícito vender coisas estranhas àquelas
próprias da categoria artesanal ou profissional a que se pertencia.53
Nos estatutos das corporações de ofício, podemos identificar três grupos de
normas que interessam ao estudo da concorrência: (i) normas que estabeleciam
o monopólio da corporação; (ii) normas que fixavam regras de conduta para os
membros da corporação e que acabavam por neutralizar qualquer concorrência
que se pudesse estabelecer, seja entre os agentes econômicos, seja potencial;
(iii) normas que impunham a jurisdição e o poder de fiscalização econômica da
corporação sobre seus membros.
Como mencionado, as corporações de ofício eram organizadas de forma a
assegurar um monopólio: ninguém que não fosse membro poderia desenvolver
a atividade econômica por ela regulamentada.54 De outra parte, para integrar
a corporação, haveria de ser cumprido um período de experiência, superados
exames e pagas taxas.

51. O que levou Sapori a observar a força política das corporações mais poderosas: o
lucro médio do comércio de tecidos franceses era da ordem de 12%, sendo certo que
o lucro de um padeiro e de outros profissionais pertencentes a categorias menores
estava bem abaixo desse percentual.
52. Historia del comercio, p. 51.
53. Para detalhado estudo dos aspectos (anti)concorrenciais das corporações de ofício,
bem como inúmeros exemplos de regras, v. texto de Manuel Couceiro Nogueira
Serens, A monopolização da concorrência e a [re-]emergência da tutela da marca, 99
e ss.
54. Sobre a identidade de forma dos estatutos das corporações de ofício e aqueles das
cidades, cf. Calasso, Gli ordinamenti giuridici del rinascimento medievale, p. 140 e ss.,
e Paul Rehme, Historia universal del derecho mercantil, p. 66 e ss. Sobre as regras das
corporações, cf. Calasso, Gli ordinamenti giuridici del rinascimento medievale, p. 144
e ss.; Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 94 e ss., e Paul Rehme, Historia
universal del derecho mercantil, p. 67 e ss.

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56 Os fundamentos do antitruste

Essas normas que se vão colocando, correlatas ao monopólio das cor-


porações, tangenciam problemas de acesso ao mercado e limitam a liberdade
de concorrência de cada um.55 As corporações de ofício impunham barreiras,
controlando o acesso ao mercado dos agentes econômicos que ofereciam uma
concorrência potencial,56 detendo, portanto, o perfeito controle da oferta do
produto no mercado.57
As corporações de ofício exerciam constante vigilância e coordenação da
atividade de seus membros, conformando-a com o regulamento preestabelecido
(“polícia econômica”, como classificaram alguns teóricos).58 Certas normas
eram destinadas a impedir a concorrência entre os membros da corporação,
coibindo as formas mais usuais de atração da clientela do outro (vedação da
publicidade, do exercício da mercancia fora do estabelecimento, da denegrição
da imagem de concorrente ou de seu produto, do boicote etc.).59
Ainda sobre o controle da oferta, algumas corporações limitavam expres-
samente a capacidade de produção de seus membros, controlando o número
de operários e instrumentos de trabalho ou ainda a quota de matéria-prima
que poderia ser adquirida.60 Inclui-se nessa categoria a vedação de importação

55. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 58.


56. Lembra Nicoletta Sarti, as normas que regulavam as corporações eram caracterizadas
pelo “‘esclusivismo cittadino’, il quale tanto più si accentuava quanto più dramma-
tiche divenivano le condizioni della economia locale” (Gli statuti della società dei
notai di Bologna dell’anno 1336, p. XLI).
57. A respeito, Franceschelli: “L’appartenenza all’arte era obbligatoria per l’esercizio, nel
comune, dell’attività in questione e che ciò era dovuto a ragioni di protezionismo
di categoria e quindi allo scopo di limitare la concorrenza nell’offerta dei prodotti
o servizi” (Trattato di diritto industriale, p. 94-5). Lattes (Il diritto commerciale nella
legislazione statutaria delle città italiane, p. 29), por sua vez, faz referência à inte-
ressante observação de Roscher, comentando a proibição de filhos ilegítimos de
participarem das corporações: “fu forse talora un modo indireto di combattere la
concorrenza nelle arti, poi chè il lungo tirocinio tratteneva i garzoni in un celibato
non sempre morale facendo aumentare il numero delle nascite illegittime”.
58. Calasso (Gli ordinamenti giuridici del rinascimento medievale, p. 144), citando Doren,
Le arti fiorentine, p. 75 e ss. No mesmo sentido, Franceschelli, Trattato di diritto in-
dustriale, p. 90, e Alessandro Lattes, Il diritto commerciale nella legislazione statutaria
delle città italiane, p. 60. Franceschelli anota que as corporações de ofício colocavam
rígidas normas de produção que deveriam ser seguidas pelos artesãos. Aqueles que
as desrespeitassem estariam indo “contra o fazer” da corporação, daí a origem das
palavras contrafacere e “contrafacção” (Trattato di diritto industriale, p. 96).
59. Cf. Sapori, Studi di storia economica medievale, p. 221.
60. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 113.

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 57

de insumos. Outras estabeleciam o preceito de não efetuar vendas por preços


diversos daqueles estabelecidos pela corporação ou pela Comuna, incluindo
a uniformização das condições e prazos de pagamento.61 Era vedado o paga-
mento de salários em mercadorias, pois possibilitaria a venda abaixo do custo
suportado por outros membros da corporação. Do mesmo modo, havia certo
controle da jornada de trabalho, proibindo-se qualquer atividade produtiva
em horário noturno ou em dias reservados ao descanso.62
Tomando-se a estrutura mercadológica da época, na qual os estabeleci-
mentos de cada categoria localizavam-se quase que exclusivamente na mesma
rua ou praça, a uniformização dos preços suprimia o principal elemento de
diferenciação entre os produtores.
Detinham as corporações poder de jurisdição, sendo-lhes facultado impor
penalidades aos membros que desrespeitassem suas normas, tais como suspen-
são ou exclusão, com o consequente cancelamento da matrícula, inscrição em
“livro negro” e proibição dos demais membros de comerciar com o faltoso.63 O
sistema jurídico era completo e perfeitamente apto a atingir a finalidade à qual
se destinava: controlar a atividade naquele setor da economia.
Em suma, o sistema das corporações de ofício, lançando mão de regras
próprias, fazia desaparecer quaisquer diferenciações entre os produtos que
pudessem levar à concorrência, pois propiciava a completa uniformização não
só do seu preço, mas também da qualidade.64

61. “Tra la generica raccomandazione al mercante di osservare la lealtà per il buon


nome dell’Arte e della città, e la fissazione dei prezzi, si trovano però una quantità di
disposizioni, alcune delle quali tendono in prevalenza a salvare la correttezza nelle
contrattazione, ed altre mirano in prevalenza a contenere i prezzi: raggiungendo però
talvolta, le une e le altre, un risultato in entrambi i campi” (Sapori, Studi di storia
economica medievale, p. 213-214).
62. Franceschelli (Trattato di diritto industriale, p. 114) assinala que o motivo da proibição
do trabalho fora do expediente normal seria religioso. De qualquer forma, como é
bastante sabido hoje em dia, a limitação do horário de produção é um dos instrumen-
tos utilizados para a uniformização da quantidade de produção pelos concorrentes
e, consequentemente, controle da oferta dos produtos.
63. Sobre a evolução do poder jurisdicional das corporações de ofício, v. Paul Rehme,
Historia universal del derecho mercantil, p. 68. A respeito das sanções estabelecidas
pelo ordenamento jurídico da corporação medieval, cf. Alessandro Lattes, Il diritto
commerciale nella legislazione statutaria delle città italiane, p. 25.
64. Robert L. Heilbroner observa que o objetivo último das corporações de ofício não
era o lucro, ou mesmo tornar “um grande homem de negócios ou monopolista” seu
dirigente ou integrante. Ao contrário, buscava-se, acima de tudo, afastar os riscos
do desenvolvimento da atividade econômica. Ademais, “a concorrência estava

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58 Os fundamentos do antitruste

Tal como hoje, também àquela época houve reações contra os cartéis e
monopólios estabelecidos pelas corporações. Alguns historiadores da con-
corrência65 apontam que, nesse período, a literatura jurídica, glosando ou
comentando o Édito de Zenão, acusava a ilicitude dos monopólios e de alguns
acordos entre os agentes econômicos. O pós-glosador Azone, em sua obra Sum-
ma codicis, condenou veementemente os acordos (ou quaisquer consórcios)
de preços e a prática de conservarem-se na família os segredos das artes e do
ofício.66 Posteriormente, moldando casos práticos, ressaltou que, muito embora
o Édito de Zenão condenasse pactos anticompetitivos (como diríamos hoje),
frequentemente eles eram celebrados por negociantes e artesãos bolonheses.67

1.2.4. Mercantilismo68
Foi-se desenvolvendo na literatura, principalmente a partir dos comen-
tários ao Édito de Zenão, certa ideia de condenação per se dos monopólios
ou das atividades e acordos monopolísticos. Nas palavras de Franceschelli,
“gli scrittori avevano oramai e da tempo sott’occhio gli statuti delle arti, e le
pratiche e i patti degli operatori economici, che avevano dato vita a numerose
altre pratiche contrarie alla libertà economica”.69
Com esse espírito, os estatutos das cidades italianas da época vedavam
o açambarcamento de mercadorias, buscavam controlar ou fixar os preços

estritamente limitada e os lucros também eram mantidos aos níveis prescritos. A


publicidade era proibida e até os progressos técnicos à frente dos demais confrades
membros da corporação eram considerados desleais. (...) Não havia o livre jogo de
preços, nenhuma concorrência livre, nenhuma exploração incansável de vantagens.
Existindo à margem de uma sociedade relativamente alheia à circulação monetária,
as corporações procuravam forçosamente eliminar os riscos em suas pequenas
empresas. Seu objetivo não era o crescimento, mas a preservação, a estabilidade e a
ordem” (Robert L. Heilbroner, A formação da sociedade econômica, p. 58-59).
65. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 68.
66. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 57.
67. Commentarium ad singulas leges Codicis, referido por Franceschelli, Trattato di diritto
industriale, p. 68.
68. Não se pode deixar de mencionar o relato histórico do crescimento do poder econô-
mico do Estado (e também dos particulares) efetuado por Alberto Moniz da Rocha
Barros, em monografia para o concurso à cadeira de Introdução à Ciência do Direito
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (O poder econômico do Estado
contemporâneo e seus reflexos no direito, p. 31 e ss.), pouco mencionada pela doutrina
nacional.
69. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 70.

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 59

praticados pelos comerciantes etc., minimizando os efeitos indesejáveis do


monopólio (ou o abuso do poder econômico, em linguagem moderna). Pos-
teriormente, em 4 de outubro de 1540, Carlos V promulgou lei, de certa forma
inspirada no Édito de Zenão, que vedava os pactos “sabidos de monopólio”.70
Mas nem todos os monopólios eram ilegais. Foi-se estabelecendo a dis-
tinção entre monopólios ilícitos e lícitos, que seriam aqueles outorgados pelos
soberanos, tendo em vista o bem comum. A apreciação do que vai ao encontro
desse bem comum compete, em um primeiro momento, ao governante e so-
mente a ele.
Os monopólios legais, fossem exercidos diretamente pelo governo, fos-
sem exercidos pelos particulares, mediante concessão, acabaram largamente
utilizados no comércio colonial e do além-mar. Veneza, Espanha e Portugal
transformaram-se nos “Estados armadores” que detinham o monopólio do
comércio marítimo, facilitando a participação de navios privados em seus
empreendimentos.
Na primeira metade do século XVI, a política mercantilista das grandes
metrópoles era embasada em sistema de exclusividade no relacionamento com
as colônias, apto a proporcionar o aumento do estoque metálico das nações
europeias. Impunha-se o monopólio da compra e venda dos produtos do Novo
Mundo, bem como o monopólio do transporte, efetuado exclusivamente pelos
navios da metrópole, salvo autorizadas e controladas exceções.71 Recorreu-se,
ainda, ao sistema das companhias privilegiadas, que detinham a concessão do
comércio com as colônias.72
Os preços, tanto dos produtos provenientes das colônias, como daqueles
que eram importados das metrópoles, acabavam determinados unilateralmente
pelos países europeus, o que possibilitava balança de pagamentos francamente
favorável a estes últimos. Para a eficiência do sistema de “pacto colonial” que
se estabelecia, era necessário que a colônia não oferecesse qualquer tipo de
concorrência à metrópole. Por esse motivo, impediu-se, durante longo tempo,
que se instalasse no Brasil qualquer tipo de indústria ou processamento de
matérias-primas.
O poder de conceder monopólios ou exclusividade de exploração de de-
terminado setor da economia constitui poderoso instrumento de poder nas mãos
do soberano europeu. Utilizando-se dos favores, o rei tinha, em contrapartida,

70. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 76.


71. Paul Hugon, História das doutrinas econômicas, p. 83.
72. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 79.

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60 Os fundamentos do antitruste

o pagamento de impostos e de taxas do monopólio que garantia a entrada de


recursos em seus cofres.
Não obstante, principalmente na Inglaterra, inicia-se, no final do século
XVI, a contestação da legalidade da concessão real desses exclusivos. O mo-
73

vimento de reação ao poder do soberano é apontado por muitos como o início


da história do antitruste, pela riqueza das decisões dos tribunais ingleses a
respeito dessa matéria.
Costuma-se considerar o chamado “caso dos monopólios”, de 1603,74
como o primeiro pronunciamento judicial sobre os princípios gerais da common
law acerca dos monopólios (e também sobre o poder real de concedê-los). Para
que não se façam interpretações equivocadas desse episódio, convém ressaltar
que não havia sido consolidada, à época, a ideia de livre-iniciativa ou liberdade
de comércio como forma de se atingirem os ideais de liberdade econômica ou
eficiência.75 Mesmo assim, com o escopo de justificar a posição que tomavam,
os julgadores apontam alguns dos efeitos danosos do monopólio para a eco-
nomia e, consequentemente, para o bem comum.76
A rainha Elizabeth havia concedido, em 1598, a Edward Darcy o mono-
pólio da importação e fabricação de cartas de jogo em seu reino. Discutiu-se
a licitude de tais concessões. Darcy argumentou que as cartas de jogo não
constituiriam bem essencial à vida, incitando, ao invés, o ócio e o vício, razão
por que sua produção e comercialização deveriam ser controladas. De outra
parte, a rainha, no que diz respeito às diversões de seus súditos, teria o poder
de ditar normas, permitindo-as apenas na medida em que as considerasse
adequadas e razoáveis.
Os argumentos contrários, entretanto, prevaleceram. Sustentou-se que o
monopólio seria ilegal na common law.77 Concomitantemente, lançou-se mão

73. Fox e Sullivan, Cases and materials on antitrust, p. 11.


74. 11 Coke 84, 77 eng. Rep. 1260 (K. B. 1603). Transcrição de Fox e Sullivan, Cases and
materials on antitrust, p. 11.
75. Fox e Sullivan, Cases and materials on antitrust, p. 11.
76. Harold G. Fox, comentando a atuação dos juízes no caso dos monopólios: “Their expla-
nation upon the inconvenience of monopolies has become a classic; and the exposition
of the law in the arguments of counsel and the reasons for judgment, having formed
the basis of the patent systems of England, the British Dominions, the United States
of America, and many foreign states, ranks as one of the most valuable contributions
ever made to a theory of jurisprudence” (Monopolies and patents, p. 87).
77. Harold G. Fox assinala que “the view of the common law concerning monopolies
was that, in general, they were void unless for the common good” (Monopolies and
patents, p. 86).

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 61

de argumentos econômicos, propugnando que, com o monopólio, os preços


das mercadorias tenderiam a aumentar, ao mesmo tempo que a qualidade do
produto diminuiria. Ademais, outras pessoas que desejassem fabricar aque-
les bens estariam impedidas de fazê-lo, sendo levadas ao empobrecimento.
Condenou-se a concessão do monopólio pela rainha por três principais razões,
que, modernamente, seriam assim identificadas: (i) prática potencial de preços
de monopólio; (ii) diminuição potencial da qualidade do produto; e (iii) esta-
belecimento de barreiras à entrada de novos agentes econômicos no mercado.
Após o julgamento de outros casos semelhantes, a reação aos monopólios
derivados de concessões pelos governantes generalizou-se,78 culminando,
em 1624, com a aprovação, pelo Parlamento inglês, do Statute of Monopolies,
impedindo a concessão real de monopólios, de maneira a limitar o poder do
soberano.79

1.2.5. A discussão entre os teóricos


Como já expusemos, podemos identificar, em qualquer período histórico,
duas ordens de regras de conduta que estão a pautar a atividade dos comercian-
tes: a primeira, dos próprios comerciantes, que se unem por uma identidade
de interesses para protegê-los; outra, a regulamentação da atividade comercial
por autoridade que lhe é exterior (seja, por exemplo, o poder da Comuna, seja
o poder estatal).
Neste passo, é necessário que se faça referência ao debate travado entre os
historiadores da concorrência. Alguns, como Franceschelli, baseados na sofis-
ticação e amplitude das normas a que nos referimos no item anterior, afirmam
a identidade dessa regulamentação com aquela que lhe foi posterior. Também
a concorrência na Idade Média, à época das corporações de ofício, pode ser
vista como o berço de muitas das normas contemporâneas que disciplinam a

78. Sobre o processo de evolução da contestação aos monopólios, que culminou com
os Statutes of Monopolies, v. Harold Fox, Monopolies and patents, p. 86 e ss. Ainda
sobre o mesmo argumento, H. Sieveking e C. Becker assinalam que, com a derrota
do soberano na questão dos monopólios, a liberdade de comércio converteu-se em
princípio fundamental do direito inglês, não obstante o fato de que “el mercantilismo
inglés no otorgó en modo alguno plena libertad de tráfico; antes bien, fué unido a un
intenso favorecimento de las fuerzas productivas nacionales” (Historia económica
universal, p. 194-195).
79. A análise do “caso dos monopólios” resta incompleta se não ponderarmos a disputa de
poder existente entre o Parlamento e o soberano inglês. Como é logo de se perceber,
mais do que questão de liberdade econômica ou bem-estar da população, tratava-se de
retirar da rainha um de seus mais poderosos instrumentos, enfraquecendo seu poder.

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62 Os fundamentos do antitruste

matéria. Geraldo Vidigal destaca a doutrina que entende que o Sherman Act
norte-americano, de 1890, teria tido sua inspiração no próprio Édito de Zenão.80
Tomando em consideração essas normas, não parece haver diferença
marcada entre a estrutura e a forma utilizadas para a regulamentação da con-
corrência. E, se pensarmos apenas na finalidade estrita e imediata das regras
que eram emanadas por um poder exterior ao dos comerciantes (com o escopo
de evitar distorções tópicas), podemos efetivamente vislumbrar a tão falada
identidade.81 Tenha-se em mente, entretanto, que essas normas reguladoras da
concorrência não a protegiam como um bem em si mesmo considerado, e muito
menos como correlata a um tipo de estrutura de produção tida como ótima.82
De outra parte, consideradas as normas postas pelos próprios comerciantes
para a disciplina de sua atividade, vê-se a identidade com os acordos que, até
nossos dias, são celebrados pelas empresas.83 Por exemplo, no caso que nos é

80. “Wilbeforce, Campbell e Elles, assinalando que já na Índia e na Grécia, em época


anterior ao nascimento de Cristo, leis tinham sido promulgadas contra a formação
de monopólios, contra a elevação arbitrária de preços e a provocação artificial de
escassez de gêneros, levantaram a hipótese de se haver inspirado o Sherman Act na
Constituição de Zeno, que em 483 buscara ordenar os mercados romanos, criando
para a ação restritiva do comércio sanções que iam até o confisco e o banimento”
(Objeto do direito econômico, p. 27-28). Os mesmos autores destacam que, prova-
velmente, o Édito de Zenão não foi tão efetivo, pois Justiniano foi forçado a trazer
nova regulação. “Justinian attempted to base the economy of the state on official
monopolies managed by paid officials. It is, however, evident that this early version
of national state monopolies did not work well, since it enabled corrupt officials to
increase prices to their personal advantage without fear of criminal prosecution”
(The law of restrictive trade practices and monopolies, p. 21).
81. Geraldo Vidigal afirma, textualmente: “Dessa forma, as soluções jurídicas para a
contenção dos monopólios nasceram dois milênios antes da revolução industrial
e floresceram, na antiguidade e na Idade Média, visando à ação dos comerciantes”
(Objeto do direito econômico, p. 28).
82. Sobre Atenas, Lambros E. Kotsiris assinala que a liberdade de comércio e a con-
corrência eram a regra geral. Não se tratava de regra jurídica ditada pela crença em
um certo sistema econômico, mas no princípio de que os cidadãos eram livres de
comerciar, a não ser que o poder público impusesse algumas restrições (An anti-
trust case in ancient greek law, The International Lawyer, p. 452). Com relação ao
mercantilismo, Paul Hugon acentua: “O pensamento mercantilista apresentava-se,
portanto, sob a forma de sistema ou ‘arte’ econômica. Homens de ação, empiristas,
presos à realidade, não concebiam os mercantilistas a existência de leis econômicas”
(História das doutrinas econômicas, p. 91).
83. No ano de 1606, foi celebrado acordo entre Londoners e Westerners, dividindo o
território americano para fins de colonização e impedindo, dessa forma, o confronto

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 63

relatado por Kotsiris, os importadores e comerciantes de grãos decidiram se


unir, praticando preço uniforme e eliminando a concorrência que poderiam
estabelecer entre si. Da mesma forma, nas corporações de ofício, é patente a
motivação de sua gênese: união dos agentes econômicos disciplinando, uni-
formemente, sua atividade, tendo em vista interesses comuns.
Chega-se à seguinte conclusão: onde quer que haja comércio, os agentes
econômicos tendem a adotar determinados comportamentos que objetivam
sua proteção, independentemente do governo (= poder externo) a que estão
sujeitos. Esse fenômeno pode ser compreendido e justificado levando-se
em consideração o fato de que os agentes econômicos, em qualquer período
histórico, estão sujeitos a leis econômicas, semelhantes às da física. Leis cuja
existência independe de qualquer autoridade. Nas poéticas palavras de Hu-
bert Henderson: “Os mercadores aventureiros, as companhias comerciais ou
industriais, os monopólios, as guildas, os governos e os sovietes aparecem e
desaparecem. Mas, subjacente a todos eles e, se necessário, apesar de todos
eles, os ajustamentos profundos da oferta e da procura continuarão a ocorrer
regular e repetidamente enquanto a maldição que atingiu Adão pesar sobre o
destino do homem”.84
Ou, na visão mais realista de Lambros Kotsiris: “A ideia do antitruste é tão
antiga quanto a civilização e tão contemporânea quanto o espírito humano.
Ela provém da típica tendência da natureza humana segundo a qual homens de
todas as épocas buscaram aumentar seus interesses pecuniários, aproveitando-
-se das necessidades de seus companheiros e valendo-se dos mais variados
mecanismos e métodos para realizar seu propósito”.85
Explica-se a identidade de formas tanto entre as normas colocadas pelos
agentes econômicos como pela autoridade que lhes é exterior. Identidade que
não somente fascina, mas também dá origem ao debate.

1.3. O segundo período. A concorrência e o liberalismo econômico


Durante o período que se convencionou chamar de “revolução industrial”,
houve profunda modificação do sistema de produção. Não se tratará aqui dos
progressos da humanidade nessa época, pois nosso foco está em indicar o

entre os dois grupos em um mesmo mercado: foram criadas duas companhias, uma
com sede em Londres e outra em Plymouth (cf. Bernard Bailyn, The New England
merchants in the seventeenth century, p. 3).
84. A oferta e a procura, p. 26.
85. Lambros E. Kotsiris, An antitrust case in ancient greek law, The International Lawyer,
p. 451.

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64 Os fundamentos do antitruste

momento em que a concorrência passou a ser identificada como correlata a


um modelo de organização do mercado.
Com a Revolução Industrial, o centro de produção deixa de ser a oficina do
maestro e desloca-se para as fábricas. Os grandes investimentos em maquiná-
rios, os espaços que se faziam necessários à sua acomodação e a quantidade de
mão de obra empregada levam à organização das indústrias. A relação maestro
e aprendiz é substituída por aquela entre patrão e empregado. Este assume o
risco do empreendimento, pois efetua o investimento, e seu retorno depende
da produção das fábricas. Nada há, portanto, na atividade desse empresário
que lembre a segurança proporcionada pelo sistema das corporações de ofício
medievais.86
Como contrapartida desse risco, há a exigência de maior liberdade. Não
se poderia conceber a atividade do moderno empresário limitada pelas rígidas
regras das corporações de ofício. Elas desempenharam, é verdade, em uma
economia relativamente estável, papel primordial de proteção dos interesses
dos comerciantes e produtores. Nesse outro momento histórico, as antigas
pautas de conduta perdem seu sentido, pois a conquista dos mercados passa a
ser essencial: era necessário o restabelecimento da concorrência.
O sentimento geral, ao menos para os industriais e comerciantes, era de
que as normas das corporações de ofício deveriam ser abolidas.87 Tomava-se
como exemplo a indústria do algodão, que, nova e sem os jugos corporativos,
era das que mais progredia.
Extinguindo-se as corporações e suas rígidas regras, dava-se liberdade
ao comerciante e ao industrial, e era restabelecida a licitude da competição
entre os agentes econômicos. Não que estes a desejassem em si mesma (como
não a desejam até hoje, pois a concorrência, ainda que lícita, é para o agente
econômico potencialmente nociva), mas a liberdade de atuação para buscar
novos mercados, praticando os preços que entendessem convenientes, con-
quistando consumidores (inclusive de outros agentes econômicos) e aumen-
tando as vendas, sem qualquer restrição.88 Lembremo-nos, ainda, que muitas

86. Antonis Manitakis, La liberté du commerce et de l’industrie: en droit belge et en droit


français, p. 16.
87. Richard van Dülmen anota que as corporações acabavam por não admitir em seus
quadros muitos artesãos, que permaneciam, assim, à margem do sistema produtivo,
transformando-se em mão de obra disponível para a nova indústria (Los inicios de la
Europa moderna, p. 110).
88. “L’existence de la concurrence devient la condition du fonctionnement de cette écono-
mie dans son ensemble et se révèle un moyen indispensable pour les ‘entrepreneurs’

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 65

das corporações de ofício vedavam a publicidade, o que poderia configurar a


proibição de uma forma eficaz de conquista de mercado.
É por esses motivos que o mercado liberal, também para os comerciantes e
industriais, traz como correlata a ideia de livre-concorrência.
A Riqueza das nações, de Adam Smith, não contém ideias sobre a concor-
rência que fossem inteiramente novas em 1776, mas constitui a sedimentação
de movimento que se alinhavava89-90 e que buscava a libertação do agente
econômico: a liberdade de comércio e de indústria consagrava o princípio da não
intervenção do Estado no funcionamento normal do mercado,91 propiciando a
implantação da ordem econômica almejada pela burguesia.
A partir do final do século XVIII, “le marché prend forme comme projet po-
litique et social et sert au type de société que les libéraux veulent promouvoir”.92
Com Adam Smith, a concepção de mercado muda de perspectiva,93 assumindo
sua dimensão política; a concorrência revelará seu papel central como fator de
organização do fluxo de relações econômicas.94
A noção de mercado deixa de ser relacionada apenas ao local ou à reu-
nião de pessoas em torno de trocas, para fundir-se às ideias de concorrência e
de liberdade econômica. O mercado é a arena na qual os agentes não apenas
trocam, mas competem livremente por oportunidades de troca.95 A força con-

qui veulent accroître leurs ressources en s’appropriant une partie des ressources des
autres” (Antonis Manitakis, La liberté du commerce et de l’industrie, p. 19).
89. Dennis, a respeito, ressalta que “The Wealth of Nations is a classic not because it was
first to ennuciate the fundamental principles of competition and liberalism. In this
regard, it came at the end, rather than at the beginning, of the truly liberal intellec-
tual tradition. It is a classic because it gave economic liberalism its first really sound
economic calculus” (“Competition” in the history of economic thought, p. 90).
90. No Brasil, o representante máximo da escola liberal foi José da Silva Lisboa, o Viscon-
de de Cairu. Paul Hugon assinala que esse autor não se limitou a seguir as ideias de
Adam Smith. Por exemplo, enquanto este se mostrava defensor da agricultura, Cairu
é francamente favorável à indústria (Paul Hugon, História das doutrinas econômicas,
p. 158-159). A obra de Cairu será referida quando da análise da história das normas
de concorrência no Brasil.
91. Antonis Manitakis, La liberté du commerce et de l’industrie, p. 23.
92. Marthe Torre-Schaub, Essai sur la construction juridique de la catégorie de marché, p. 3.
93. Pierre Rosanvallon, Le libéralisme économique, p. 70.
94. Para referência às obras anteriores a Adam Smith que, de certa forma, já carregavam
o ideário liberal, v. Kenneth Davis, Competition in the history of economic thought, p.
43 e ss.
95. Marthe Torre-Schaub, Essai sur la construction juridique de la catégorie de marché, p. 4.

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66 Os fundamentos do antitruste

correncial vem reconhecida como organizadora do modelo de alocação de


recursos em sociedade, sob a égide da liberdade econômica. Livre-iniciativa e
livre-concorrência tornam-se princípios do sistema.
Em março de 1791, com a adoção do Décret d’Allarde, procura-se instaurar a
liberdade de comércio e de indústria para todos, permitindo o exercício de uma
profissão sem a necessidade de pertencerem os cidadãos a uma corporação de
ofício.96 Pouco depois, em Veneza e na Toscana, buscou-se o mesmo caminho.97
A Lei Le Chapelier, de junho de 1791, proibiu as corporações de ofício
e buscou a liberdade de comércio, instrumental para a nova ordem que se
instalava. Contudo, desde o primeiro momento – como nos lembra Eros Ro-
berto Grau98 –, a liberdade econômica não é vista como um direito ilimitado dos

96. Antonis Manitakis, La liberté du commerce et de l’industrie, p. 17.


97. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 294.
98. “O que mais importa considerar, de toda sorte, é o fato de que, em sua concreção em
regras atinentes à liberdade de iniciativa econômica, o princípio, historicamente,
desde o Decreto d’Allarde, jamais foi consignado em termos absolutos” (A ordem
econômica na Constituição de 1988, item 89. Cf., tb., do mesmo autor, Autorização
para o exercício de iniciativa econômica – Agências de turismo, Revista de Direito
Mercantil, n. 49, p. 24). No mesmo sentido é a lição de Ataliba Nogueira (O Estado é
meio e não fim, p. 82 e ss.): “Mesmo enquanto dominava o laissez faire, não se limitou
o Estado à proteção do direito e da segurança, mas, tendo em vista a promoção do
bem comum, outorgou direitos, tais como o dos filhos e outros parentes na sucessão
hereditária (...). Sempre ao Estado compete o dever de fomentar a riqueza, a cultura,
o comércio, a indústria, a prosperidade nacional e daí a primeira Exposição Uni-
versal e as que se seguiram, todas ainda ao tempo do liberalismo e com prêmios e
outros estímulos. Sem esquecer a abertura de escolas, museus, bibliotecas, meios de
transportes e numerosas outras obras públicas, que não se coadunam com o simples
conceito de tutela do direito”. Com efeito, já no final do século XVIII, via-se clara
demonstração de que o Estado não havia assumido, apenas, as funções que lhe eram
atribuídas pelos teóricos do liberalismo. Ou seja, o liberalismo econômico absoluto
nunca existiu (José Borrell y Maciá, El intervencionismo del Estado en las actividades
económicas, p. 7). Cf., ainda, a opinião de Fábio Nusdeo, Fundamentos para uma
codificação do direito econômico, p. 13 e ss. Lembre-se, à guisa de exemplo, que a
atuação do Estado inglês sobre a economia, fomentando o desenvolvimento de sua
armada, foi utilizada pelos federalistas estadunidenses como indicativo das vantagens
da condução do sistema por um poder centralizado: “Muito já ouvimos falar das
frotas da Grã-Bretanha e, se formos sensatos, pode chegar o tempo em que as frotas
da América também venham a ser dignas de atenção. Mas se um governo nacional
uno não tivesse regulamentado a navegação da Grã-Bretanha de modo a torná-la
um viveiro de homens do mar, se um governo nacional uno não tivesse requisitado
todos os recursos e materiais nacionais para construir frotas, suas proezas e ameaças

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 67

comerciantes. Ao contrário, havia restrições impostas pelo Estado, objetivando


o atendimento ao interesse público. Essas, é logo de se perceber, não corpori-
ficavam massiva atividade “intervencionista” sobre a economia, mas apenas
garantiam a manutenção do novo sistema que se instalava, baseado, em última
instância, na liberdade de atuar e de concorrer.99
Por sua vez, a teoria econômica apressou-se em ressaltar as vantagens da
livre-concorrência para o mercado e para os consumidores.100 Em 1780, diria Del
Filangieri, em sua obra Scienza della legislazione: “Os melhores regulamentos
do mundo, as melhores leis, as melhores determinações jamais serão capazes
de melhorar os trabalhos feitos pelas mãos dos homens sem a emulação, sem a
concorrência. À medida que a concorrência é maior, mais o produtor procura
melhorar a sua capacidade produtiva para superar aquela do concorrente”.101
A concorrência passa a ser encarada como solução para conciliar liberdade
econômica individual e interesse público:102 preservando-se a competição entre
os agentes econômicos, atende-se ao interesse público (preços inferiores aos
de monopólio, melhora da qualidade dos produtos, maior nível de atividade
econômica etc.), ao mesmo tempo que se assegura ao industrial ou comerciante
ampla liberdade de atuação, com a concorrência evitando qualquer compor-
tamento danoso à sociedade.
A concorrência é o antídoto natural contra o grande mal dos monopólios,
apta a regular o mercado,103 conduzindo ao bem-estar social, sem a necessidade

nunca teriam sido celebradas”. Da mesma forma, é feita referência à atuação de França
e Grã-Bretanha, que subsidiariam o pescado nacional ou imporiam tarifas àquele
importado dos Estados Unidos, buscando neutralizar sua vantagem competitiva:
“Rivalizamos com a França e a Grã-Bretanha na pesca, e podemos abastecer seus
mercados a menor custo que eles próprios, a despeito de todos os seus esforços para
evitá-lo por meio de subvenções ou da imposição de tarifas ao pescado estrangeiro”
(James Madison et al., Os antigos federalistas (1787-1788), p. 107 e 105).
99. “(...) quando l’interesse particolare” – dirá Turgot, ministro di Luigi XVI – “è esat-
tamente lo stesso che l’interesse generale, ciò che di meglio si può fare è di lasciare
ciascun uomo libero di fare ciò che vuole” (Francesco Galgano, Storia del diritto
commerciale, p. 61).
100. Para a completa referência às obras científicas acompanhando a evolução que culmi-
nou no liberalismo econômico, cf. Dennis, “Competition” in the history of economic
thought, p. 43 e ss.
101. Referido por Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 289.
102. Cf. Dennis, “Competition” in the history of economic thought, p. 43.
103. Fábio Nusdeo, a respeito, anota: “O mercado funcionaria, assim, como um imenso
aparelho regenerador, promovendo a reciclagem do hedonismo individual em aco-

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68 Os fundamentos do antitruste

da intervenção estatal, ou seja, a existência do livre-mercado seria assegura-


da sem que se precisasse de maior atuação exógena. Por esse motivo, nesse
momento histórico, não havia maiores preocupações em se impor limites à
liberdade de concorrência.104
Há o consenso de que o preço ideal é aquele determinado por um mercado
competitivo, sem a interferência de qualquer outro fator que não a oferta e a
procura do produto. Muito embora, no passado, já se houvesse promulgado
leis com o escopo de controlar práticas que levassem aos preços excessivos
em detrimento dos consumidores, com o liberalismo assenta-se o princípio
de que os preços devem ser determinados não por fatores e atuações artificiais
dos agentes econômicos, mas sim pela lei da oferta e da procura.
Os princípios do liberalismo econômico permeiam as decisões dos tribu-
nais sobre questões de concorrência. Alguns, como o caso King vs. Norris,105
assentam pautas hermenêuticas que são até hoje consideradas.106

modação racional do interesse da coletividade” (Fundamentos para uma codificação


do direito econômico, p. 9). Matteo Caroli, destacando que a noção de concorrência
é de primária importância na teoria econômica clássica, conceitua-a como “il mec-
canismo che permette il libero trasferimento di risorse produttive da un settore
all’altro dell’attività economica, in funzione della diversa utilità dei loro possibili
impieghi”. Em outras palavras, diz o autor que, quando em determinado mercado
criam-se condições mais vantajosas para os competidores daquelas existentes em
outros mercados, outros agentes econômicos são atraídos, provocando a anulação
das vantagens antes existentes, mediante a redução dos preços ao seu “valor natural”
(que é o custo mínimo de produção). Assim, considerando-se um longo período
de tempo, o setor permaneceria em situação de equilíbrio, na qual o preço é igual
ao custo médio mínimo e a qualidade corresponde àquela em que o custo médio é
minimizado (La regolamentazione dei regimi concorrenziali, p. 11).
104. P. S. Atiyah, em sua obra The rise and fall of freedom of contract, assim situa a questão:
“Throughout the whole period 1770-1870, the belief in competition, both in com-
mercial and industrial affairs, and in life generally, was powerful and itself largely
paralleled what was going on in the world”. As penalidades para o insucesso, bem
como a premiação do sucesso, eram determinadas pela ordem “natural” das coisas.
Aqueles que trabalhavam com afinco “naturalmente” recebiam sua recompensa, ao
passo que a miséria era a retribuição para os incapazes. Haveria limitação no número
de filhos de cada casal, dependendo de suas possibilidades econômicas (p. 283-284).
105. 2 Kenyon 300. 96 Eng. Rep. 1189 (K. B. 1758). Transcrição efetuada por Fox e Sul-
livan, Cases and materials on antitrust, p. 17. Para maiores detalhes sobre este caso,
v. capítulo referente aos acordos entre agentes econômicos.
106. Alguns autores apontam que o princípio da liberdade de comércio foi fixado no
julgado conhecido como School Masters, de 1410, no qual se estatuiu que o pro-
prietário de escola já estabelecida na cidade não poderia reclamar se novo estabe-

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 69

Os proprietários de salinas em Droitwich, na Inglaterra, decidiram celebrar


entre si, por escrito, acordo fixando o preço do sal, de forma que a venda abaixo
do preço acordado acarretaria multa no valor de 200 pounds. O instrumento foi
posteriormente destruído. Por ocasião do julgamento, no ano de 1758, Lord
Mansfield manifesta-se no sentido de que: “(...) se qualquer acordo for cele-
brado para fixar o preço do sal, ou de qualquer outra necessidade da vida, por
pessoas que lidam com esse bem, o tribunal aproveitaria a oportunidade para,
independentemente da origem da reclamação, demonstrar a natureza de crime
(...) independentemente de o preço fixado ser alto ou baixo, uma vez que todos os
acordos dessa natureza trazem consequências danosas e devem ser reprimidos”.
A função primordial do Estado era a harmonização dos conflitos, com o
direito viabilizando a fluência das relações de mercado (“livre-mercado”). Nas
palavras de Comparato, o Estado é o árbitro do respeito às regras do jogo econô-
mico ou, como quer Grau, o produtor do direito e o provedor da segurança.107
Retomando nossa linha de evolução da concorrência, percebe-se clara-
mente que, quando da revolução industrial, dá-se início a uma sua nova con-
cepção, correlata ao mercado liberal. Livre-mercado significa poder conquistar
novos consumidores, praticando o comércio e a indústria como bem aprouver ao
agente econômico. E tudo isso não é possível sem que haja a livre-concorrência.108

lecimento atraísse os estudantes (a decisão é reportada na maioria dos case books


norte-americanos). O comentário sobre a fixação do princípio do livre comércio é
de William L. Prosser, Handbook of the law of torts, p. 954.
107. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, item 3. Para Galgano,
são as seguintes as funções que a burguesia estava disposta a reconhecer ao Estado:
(i) aplicação da lei; (ii) defesa do território e (iii) relações exteriores, de forma que
“o Estado deve somente vigiar a liberdade econômica dos burgueses” (Pubblico e
privato nella regolazione dei rapporti economici, Trattato di diritto commerciale e di
diritto pubblico dell’economia: la costituzione economica, v. 1, p. 105. Essa mesma
passagem foi publicada com o nome de Il privato di fronte allo Stato, inserida em
capítulo da obra Il diritto privato fra codice e costituzione, p. 37-41). Adam Smith,
em discurso de 1755, individualizou as três funções que caberiam ao Estado para
assegurar o desenvolvimento econômico: “Para arrancar um Estado do mais baixo
grau de barbárie e elevá-lo à mais alta opulência, bastam três coisas: a paz, impostos
módicos e uma tolerável administração da justiça” (citado por Paul Hugon, História
das doutrinas econômicas, p. 115).
108. Por essa razão, Vincenzo Donativi afirma, comentando o mercado liberal e o libe-
ralismo econômico: “(...) libertà di concorrenza, che così, per la prima volta nella
storia, si afferma come ‘valore’, in contrasto con l’ideale solidaristico della cultura
pre industriale” (Introduzione storica, Diritto antitrust italiano, p. 51). Ascarelli,
com a habitual clareza, comenta que: “Nei primi due periodi [anteriores à Revolução

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70 Os fundamentos do antitruste

Essa livre atuação dos agentes econômicos acabou por gerar elevada
concentração de capitais e poder em mãos de alguns, trazendo fatores de ins-
tabilidade que comprometiam a preservação do mercado. As concentrações e
os monopólios causavam distúrbios sociais não indiferentes. Basta pensar na
prática dos chamados “preços de monopólio”, que propiciam alto lucro para
o produtor ou comerciante, pagos pela população. De outra parte, os mono-
pólios, ou as grandes concentrações de poder econômico, acabam por sujeitar
a classe operária a condições desfavoráveis de trabalho.109-110 Com sua união,

Francesa] non esiste un principio generale di libertà di accesso al mercato e cioè


di libertà di esercizio di una attività destinata al mercato; l’economia (e proprio nel
settore industriale e commerciale) si presenta, in via generale, regolata attraverso la
struttura corporativa e la disciplina pubblicista e viene preclusa una generale libertà
di esercizio delle attività economiche del mercato nel campo della produzione dei
manufatti e dell’intermediazione come in quello del trasporto e del credito. È invece
con la Rivoluzione Francese che, sul continente europeo, si afferma l’opposto prin-
cipio di una generale libertà di esercizio delle attività commerciali e industriali ed il
principio viene accentuato nel corso del sec. XIX, vuoi in relazione al suo rilievo, ed
anche negli scambi internazionali, vuoi attraverso la sua estensione alla libera costi-
tuzione delle società anonime (e cioè, diremo, all’esercizio di una attività economica
anche attraverso una società anonima), seppure d’altro canto, già a metà del sec. XIX,
si vengano da un lato sancendo limiti nei riguardi della disciplina della carta moneta
e poi dell’attività bancaria, dall’altro ponendo i problemi che attengono alla tutela
del lavoro. L’affermazione del principio della libertà di iniziativa trova la sua premessa
nella strumentalità di questa per il progresso economico e l’industrializzazione” (Teoria
della concorrenza e dei beni immateriali, p. 4 – grifamos). Na mesma linha é o enten-
dimento de Ripert: “Le capitalisme ne demande rien de plus puisqu’il tient de la loi la
permission de créer toutes sortes de sociétés et surtout ces merveilleuses sociétés par
actions qui vont lui permettre de drainer les capitaux pour établir la grande industrie
et développer le commerce” (Aspects juridiques du capitalisme moderne, p. 21).
109. “O empreendedor, inserido num contexto rigidamente concorrencial, é necessa-
riamente levado a procurar a melhor combinação dos fatores produtivos e a obter o
máximo de produção ao mínimo custo. Consequentemente, e face à relativa infle-
xibilidade de grande parte dos seus custos industriais, tende a reduzi-los dentre as
rubricas economicamente mais tolerantes, ou seja, sobre o custo do fator trabalho.
A tendência, historicamente constatada, foi a de reduzir-se, de um lado, os salários
e, de outro, aumentar as horas de trabalho” (Modesto Carvalhosa, Considerações
sobre direito econômico, p. 81-82).
110. Friedrich A. Hayek contesta a ideia da tendência autodestrutiva da concorrência:
“(...) alegam que ‘o capitalismo em seus primórdios’, ou o ‘liberalismo’ provocou um
rebaixamento do padrão material da classe trabalhadora. A lenda, embora totalmente
falsa, tornou-se parte do folclore de nossa época. O fato é, evidentemente, que, em
decorrência do desenvolvimento de mercados livres, a remuneração do operariado

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 71

inicia-se a pressão e o conflito capital/trabalho – mais um incontestável fator


de instabilidade do sistema.111 Percebeu-se, ainda, que a competição selvagem
entre os agentes econômicos é potencialmente prejudicial, podendo levar à
sua destruição, e deve, portanto, ser regulamentada.112-113
Essas distorções geraram insatisfação popular e culminaram com a regula-
mentação da concorrência entre os agentes econômicos, dentre outras medidas
destinadas à atenuação do problema. A regulamentação visava à correção do
sistema, propiciando a manutenção do que lhe era essencial: o livre merca-

conheceu, nos últimos cento e cinquenta anos, uma elevação jamais ocorrida em
qualquer período anterior da história. Grande parte das obras contemporâneas sobre
filosofia do direito também está repleta de clichês ultrapassados acerca da suposta
tendência autodestrutiva da complexidade do mundo moderno, clichês decorrentes
do entusiasmo pelo ‘planejamento’ de trinta ou quarenta anos atrás, quando a ideia
gozava de grande prestígio e suas implicações totalitárias ainda não eram claramente
compreendidas” (Direito, legislação e liberdade, v. 1, p. 76). Segundo Massino Egidi
(Mercato e democrazia: il processo di distruzione creatrice, Capitalismo, socialismo
e democrazia, p. XVII), essas ideias de Hayek, compartilhadas pela chamada escola
austríaca, são retomadas por Schumpeter: “Schumpeter espande ulteriormente questo
punto di vista e suggerisce un modello che integra selezione ed innovazione: egli sos-
tiene infatti che il cuore del processo (ciclico) di sviluppo risiede nell’attività di inno-
vazione, che viene posta in atto dagli imprenditori quando le condizioni economiche
sono favorevoli (...). Il sucesso dell’attività di innovazione crea una diminuzione nei
costi e nei prezzi dei nuovi beni che richiede a tutti i produttori di adeguarsi rapida-
mente, per non essere selezionati sfavorevolmente ed espulsi dal mercato”. O processo
de desenvolvimento tem origem, assim, no entender de Schumpeter, na sequência
inovação-imitação, desenvolvendo a concorrência papel primordial. Lembra que, no
período em que o big business estava relativamente “livre”, o nível de vida das massas
melhorou sensivelmente. A concorrência viabiliza, assim, o processo da “destruição
criativa” (Capitalismo, socialismo e democrazia, p. 77).
111. Orlando Gomes, sobre as modificações introduzidas no sistema jurídico com o escopo
de retomar (ou garantir) a estabilidade do sistema: “Todas as medidas destinadas
a proteger o trabalhador, amparar o devedor e tutelar os fracos, consubstanciadas
numa legislação cada vez mais audaciosa, não respondem outra finalidade do que a
de restabelecer um equilíbrio social, irremediavelmente perdido” (A crise do direito,
p. 15).
112. Cf. Oscar Dias Corrêa, O sistema político-econômico do futuro: o societarismo, p. 169.
113. Keynes anota que talvez o primeiro economista ortodoxo a atacar frontalmente o
laissez-faire tenha sido Cairnes, em 1870, na aula inaugural sobre “Economia política
e laissez-faire”, proferida na University College de Londres: “A máxima do laissez-
-faire – declarou – não tem qualquer base científica mas, na melhor das hipóteses,
trata-se de uma simples regra cômoda para a prática” (O fim do laissez-faire, de Tamás
Szmrecsány (org.), John Maynard Keynes: economia, p. 115).

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72 Os fundamentos do antitruste

do. Superam-se, apenas, alguns dos princípios do liberalismo, em virtude de


“acontecimentos” que “não poderiam ser imaginados ao tempo em que Adam
Smith elaborou sua doutrina, no bucólico retiro de Kircaldy”.114
Se, como referimos, em um primeiro momento do Estado liberal, não hou-
ve maiores preocupações de controlar a concorrência ou o comportamento dos
agentes econômicos, impondo-lhe limites, a necessidade de fazê-lo, mediante
a atuação do Estado, tornou-se evidente. Mas, de qualquer forma e acima de
tudo, mantinha-se o livre comércio, a livre-concorrência e o livre-mercado, ou seja,
mantinha-se o liberalismo econômico.115 Coarctava-se a excessiva acumulação de
poder em mãos de alguns agentes que poderia gerar a instabilidade do sistema
e, consequentemente, seu comprometimento.116
Frise-se, mais uma vez: nada há, na regulamentação da concorrência, de
contrário ao espírito do liberalismo econômico. A respeito, comenta Grau: “O
modelo clássico de mercado ignorava e recusava a ideia de poder econômico.

114. Modesto Carvalhosa, Considerações sobre direito econômico, p. 81.


115. “Mas é a partir do liberalismo econômico que a necessidade de uma disciplina espe-
cífica da concorrência no mercado apresenta-se como problema à espera de solução
jurídica. Posto o princípio de liberdade de acesso ao mercado, mister se fazia impedir
que esta liberdade degenerasse em licença, com prejuízo da própria concorrência. Se o
jogo era doravante livre, necessário se fazia, para que esta liberdade perdurasse, que as
regras do jogo fossem respeitadas. Nascia daí um conjunto de normas específicas, no
bojo do Direito Comercial, cujo fundamento era a princípio a defesa dos interesses dos
próprios comerciantes” (Fábio Konder Comparato, Concorrência desleal, RT 375/30).
116. Eros Roberto Grau (A ordem econômica na Constituição de 1988, item 5) dá notícia de
vários diplomas que tiveram por escopo corrigir as disfunções do sistema: em 1810, na
França, disciplinando os estabelecimentos insalubres (cf., também, Georges Ripert,
Aspects juridiques du capitalisme moderne, p. 22 e 23) e, posteriormente, em 1814,
o emprego de crianças. Em 1819, na Inglaterra, regula-se o emprego de crianças na
lavoura algodoeira. O exemplo que nos é trazido por Themístocles Cavalcanti vem
demonstrar a tomada de consciência da necessidade de se eliminar os efeitos auto-
destrutíveis do capitalismo: “(...) a Suprema Corte dos Estados Unidos da América
do Norte, em 1905, no famoso caso Lohner v. New York, julgou inconstitucional
uma lei do Estado de Nova York, que fixou em 60 horas máximas o trabalho semanal,
e 10 horas por dia, para os padeiros, porque essa lei atingira o direito do cidadão a
trabalhar tantas horas quanto entendesse. O direito de comprar ou vender o trabalho
é garantia assegurada pela Constituição. Essa decisão foi tomada por cinco votos
contra quatro, mas três anos depois, em 1908, por voto unânime, a Corte Suprema
admitiu a constitucionalidade da lei do Estado de Oregon fixando em 10 horas
por dia o trabalho das mulheres. Mais tarde, em 1917, por cinco votos contra três,
também admitia o mesmo direito aos homens” (Intervenção da União no domínio
econômico, Estudos sobre a Constituição brasileira, p. 25-26).

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 73

Na práxis, todavia, os defensores do poder econômico, porque plenamente


conscientes de sua capacidade de dominação, atuando a largas braçadas sob a
égide de um princípio sem princípios – o princípio do livre-mercado –, passaram
e desde então perseveram a controlar os mercados. Daí o arranjo inteligente
das leis antitruste, que preservam as estruturas dos mercados, sem contudo
extirpar a hegemonia dos monopólios e oligopólios”.117
Ou seja, a eliminação das distorções conjunturais, decorrentes do mercado
ou do modo de produção, visa à preservação do mesmo mercado, no qual os
agentes econômicos podem atuar, conquistar novos consumidores – e, por-
tanto, competir livremente.
O fenômeno a que nos referimos é explicado por Habermas.118 Analisando
a atividade governamental, aponta que, a fim de constituir e manter o modo de
produção (ou seja, o mercado), certos requisitos que viabilizam a continuidade
de sua existência hão de ser preservados. Por exemplo, o Estado deve assegurar
as premissas do direito civil, como as instituições básicas da propriedade e da
liberdade de contratar. Ao mesmo tempo, deve proteger o mercado contra seus
efeitos autodestrutíveis mediante o controle da jornada especial de trabalho, a
promulgação de normas antitruste, a estabilização do sistema monetário etc.
Essas são, tipicamente, as funções do Estado liberal. “Por mais paradoxal que
pareça – afirmará Polanyi – não [são] apenas os seres humanos e os recursos
naturais que tinham que ser protegidos contra os efeitos devastadores de um
mercado autorregulável, mas também a própria organização da produção
capitalista”.119
Como veremos na terceira parte dessa linha de evolução das normas
disciplinadoras da concorrência que estamos traçando, o grande perigo atual
está em considerar, apenas, essa função restrita da regulamentação antitruste,
como se ainda estivéssemos no período inicial do liberalismo econômico,
desprezando seu processo de evolução, que corre paralelo àquele das funções
exercidas pelo moderno Estado capitalista.
1.3.1. Estados Unidos da América. O Sherman Act. Seu significado no
contexto de evolução da disciplina da concorrência. A coroação do
segundo período
O Sherman Act de 1890 representa, para muitos, o ponto de partida do
estudo dos problemas jurídicos relacionados à disciplina do poder econômi-

117. A ordem econômica na Constituição de 1988, item 4.1.


118. A crise de legitimação no capitalismo tardio, p. 69 e ss.
119. A grande transformação, p. 163.

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74 Os fundamentos do antitruste

co.120 Essa legislação é entendida como o mais significativo diploma legal que
corporificou a reação contra a concentração de poder em mãos de alguns agentes
econômicos, procurando discipliná-la. Não se há de dizer que o Sherman Act
constitui reação ao liberalismo econômico, pois visava, justamente, a corrigir
distorções que eram trazidas pela excessiva concentração do capital, ou seja,
corrigir as distorções criadas pelo próprio sistema liberal.121 Não obstante a
opinião contrária de parte da doutrina norte-americana,122 o Sherman Act tratou,
em um primeiro momento, de tutelar o mercado (ou o sistema de produção)
contra seus efeitos autodestrutíveis.

120. Cf. Bernini, Un secolo di filosofia antitrust: il modello statunitense, la disciplina


comunitaria e la normativa italiana, p. 21. Estudo de David J. Gerber procura de-
monstrar que, no ano de 1890, a Áustria “was the only European country to have
legislation that generally invalidated cartel agreements, and the relevant provisions
of that legislation had been in effect for almost a century” (The origins of European
competition law in fin-de-siècle Austria, The American Journal of Legal History, v. 36,
n. 4, october 1992, p. 420). Assim, o modelo de legislação de disciplina da concor-
rência teria sido articulado na Áustria, na última década do século XIX, sendo certo
que essas ideias teriam sido disseminadas na Alemanha e, posteriormente, no resto
da Europa (p. 405 e ss.).
121. Cf. Alberto Xavier, Subsídios para uma lei de defesa da concorrência (Ciência e técnica
fiscal, n. 138 e 139, jun.-jul. 1970, p. 14). Eleanor Fox e Lawrence Sullivan (The good
and bad trust dichotomy: a short history of a legal idea, The Antitrust Bulletin, spring
1990, p. 63) anotam brevemente que, à época, acreditava-se que a livre-concorrência
era essencial à eficiência econômica e sua regulamentação constituía um dilema para
ambas as partes no debate que antecedeu a promulgação do Sherman Act. Se dúvidas
havia naquele período histórico, hoje está consolidada a visão global do fenômeno
e não se pode entender que o Sherman Act contrariava o sistema estabelecido pelo
liberalismo econômico.
122. Thomas J. Dilorenzo (The origins of antitrust: an interest-group perspective,
International Review of Law and Economics, n. 5, 1985, p. 73 e ss.) procura de-
monstrar que a promulgação do Sherman Act não teve o escopo de eliminar efeitos
autodestrutíveis do mercado, uma vez que não havia prejuízos significativos que
estivessem sendo suportados quer pelos agricultores, quer pelos pequenos em-
presários e consumidores. Na realidade, conclui esse autor: “It is also apparent
that individuals and groups uncomfortable in an atmosphere of rapid change were
becoming increasingly adept at using the regulatory powers of the state to their
own advantage, to slow or eliminate such change. It is in this atmosphere that
the Sherman Antitrust Act was passed in 1890” (p. 77), ou seja, inconformados
com a nova situação de livre competição que se estabelecia, aqueles que a temiam
buscavam a promulgação de uma lei que regulamentasse a concorrência entre os
agentes econômicos. Trata-se, como se pode perceber, de argumentação coerente
com a doutrina da Escola de Chicago.

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 75

Corroborando esse entendimento, Edward Thomas Sullivan e Jeffrey L.


Harrison, em estudo sobre os debates que antecederam, no Congresso norte-
-americano, a promulgação do Sherman Act, frisam que se buscava, com a
regulamentação da concorrência, manter o livre-mercado e a liberdade de
atuação dos agentes econômicos,123 incentivando a competição: “Uma inter-
pretação objetiva e equilibrada do histórico legislativo do Sherman Act revela
que, à medida que a lei era debatida, foram discutidos vários objetivos e múl-
tiplos valores daqueles favoráveis a sua promulgação. Hoje em dia, contudo,
é pacífico que as leis antitruste foram promulgadas com o escopo precípuo de
encorajar a concorrência”.124
Dentro da linha de evolução da disciplina da concorrência que tecemos, o
Sherman Act representa a coroação do segundo período identificado: a concorrên-
cia é vista como primordial para o sistema econômico, ao mesmo tempo que se
exige atuação do Estado para eliminar as distorções que pode causar ao sistema.125

1.3.2. O contexto social, econômico e político do Sherman Act


Antes de 1850, a economia americana caminhava desaquecida, dominada
pela agricultura e por pequenas empresas, ressentindo-se não apenas da escassez
de capital, mas também de mão de obra.126 Aproximadamente em 1865, tem

123. “The Congress that passed the Sherman Act was concerned with business concen-
tration, acquisition of monopoly power, and cartels that might lead to increased
prices and overcharges to consumers. Entrepreneurial independence and freedom
for independent decisionmaking and contracting in the market were, in addition,
themes expressed in the legislative debates by those favoring legislation” (Unders-
tanding antitrust and its economic implications, p. 3). No mesmo sentido é a lição de
Edward P. Hodges: “(...) it is important to bear in mind that the purpose of the Act as
indicated by its title, was to protect trade and commerce against unlawful restraints
and monopolies” (The Antitrust Act and the Supreme Court: an analysis of the Supreme
Court decisions construing Section I of the Sherman Antitrust Act, p. 1).
124. Understanding antitrust and its economic implications, p. 3.
125. Não se fala, ainda, de condução da economia pelo governo, mediante a implementa-
ção de determinados programas. A respeito, Modesto Carvalhosa: “As medidas eram
puramente episódicas, supletivas, casuísticas e empíricas, dentro de uma conotação
eminentemente pragmática. O Estado não possuía um projeto para conduzir a eco-
nomia privada através de determinados programas. A liderança do Estado, através da
implantação do dirigismo, seria fruto de outros fatores históricos, surgidos a partir
de 1914, os quais ensejaram os primeiros elementos para a formulação do Direito
Econômico” (Considerações sobre direito econômico, p. 89).
126. Para resumo da economia norte-americana entre os anos de 1815 e 1860, v. Clive
Day, Historia del comercio, p. 519 e ss.

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76 Os fundamentos do antitruste

início processo de aumento da produção. Entre 1865 e 1873 houve a duplicação


dos quilômetros das estradas de ferro.127 As pequenas empresas dão, muitas
vezes, lugar a monopólios e oligopólios, mediante processo de integração ver-
tical e horizontal. Inicia-se a produção em massa, com a economia em franca
evolução e a sedimentação da infraestrutura necessária ao desenvolvimento.
Paralelamente, assiste-se à urbanização da população, que se deslocava do
campo para as cidades, transformando-se em mão de obra disponível para o
trabalho industrial. O antigo problema da escassez de trabalhadores foi ainda
abrandado pela imigração europeia, sobretudo a partir de 1890. Em 1920,
emergente classe de operários já havia substituído os artesãos. Formava-se
mercado consumidor tipicamente urbano.
De outra parte, as empresas, buscando atrair capitais para a atividade
industrial, passam a se organizar sob a forma de corporations,128 instrumento
apto a atender às necessidades da indústria que se fortalecia.
Nesse processo, as estradas de ferro desempenham função decisiva: via-
bilizam o transporte de mercadorias e o escoamento da produção, integrando
grande parte do país através de teia de canais de acesso a vários mercados e
centros de produção. Segundo Robert Heilbroner, a integração territorial, além
do surgimento da produção em série, alargou o mercado e mudou as feições
da concorrência, estabelecendo-a, inclusive, entre empresas antes isoladas
geograficamente.129
Na década de 1870, as estradas de ferro iniciaram um processo de com-
petição predatória, na disputa pela clientela.130 Descontos relevantes eram
concedidos, com o sacrifício do lucro, cada vez menor. Toma-se, pois, decisão

127. Fox e Sullivan, Cases and materials on antitrust, p. 25.


128. A questão é abordada no clássico estudo de Berle e Means, A propriedade privada na
economia moderna, p. 25 e ss.
129. “O surgimento da produção em série alterou radicalmente essa estrutura fragmentada
de mercado e, ao mesmo tempo, o tipo de concorrência dentro do mercado. Quando
canais e estradas de ferro abriram o acesso ao interior e novas técnicas de fabricação
aumentaram imensamente a produção, a qualidade local do sistema de mercado
mudou. Cada vez mais, um mercado unificado e interligado integrava o país inteiro
e os pequenos semimonopólios de fornecedores locais eram invadidos pelas grandes
fábricas em cidades distantes” (A formação da sociedade econômica, p. 153).
130. Por exemplo, no ano de 1869, a tarifa do frete ferroviário do percurso Nova York –
Chicago para um quintal de grão caiu de US$ 1,88 para US$ 0,40, em apenas vinte
dias. Posteriormente, a tarifa voltou a subir para US$ 1,88 despencando, logo em
seguida, para US$ 0,25 (os dados são reportados por Robert Heilbroner, A formação
da sociedade econômica, p. 154).

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 77

bastante própria dos agentes econômicos, em qualquer período histórico:


celebraram acordos, disciplinando sua forma de atuação no mercado e neutra-
lizando a concorrência.131 As ferrovias, para sua “mútua proteção” e para que
tarifas “razoáveis” fossem praticadas, acertaram um cartel.132
Foi estabelecido, ainda, que um comitê “shall be appointed to establish rates,
rules, and regulations on the traffic subject of this association, and to consider
changes therein, and make rules for meeting the competition of outside lines”.133
Assim como ocorreu com as estradas de ferro, também em outros setores
da economia verificou-se o fenômeno da cartelização. Essa forma de organi-
zação dos agentes econômicos, porém, apresentou grande inconveniente: a
instabilidade. Os termos dos acordos não eram juridicamente vinculantes para
as partes,134 ou seja, não havia como, legalmente, fazer respeitar o acordo caso
um dos partícipes decidisse descumpri-lo. Como foi posteriormente estudado
pela teoria econômica, a tentação de desrespeitar um cartel é bastante grande,
quase irresistível em determinadas circunstâncias.135
Do ponto de vista dos agentes econômicos, portanto, sua organização em
cartéis136 ou pools não atingia os resultados desejados por não proporcionar

131. A referida associação pode ser entendida como resultante das próprias peculiaridades
desse setor da economia, pois, como é notório, os recursos necessários à construção
de estradas de ferro são bastante elevados, o que implica longo espaço de tempo para
o retorno do investimento efetuado.
132. O caso dessa associação, organizada formalmente no ano de 1889, foi uma das pri-
meiras práticas julgadas sob a égide do Sherman Act (United States v. Trans-Missouri
Freight Association – 166 U. S. 290 – 1897). V. Willian Letwin, Law and economic
policy in America: the evolution of the Sherman Antitrust Act, p. 167 e ss.
133. United States v. Trans-Missouri Freight Association – 166 U. S. 290 – 1897.
134. Fox e Sullivan (The good and bad trust dichotomy: a short history of a legal idea, The
Antitrust Bulletin, p. 60) apontam que, devido mesmo a esta instabilidade, sistemas de
transporte de petróleo faliram. Da mesma forma, um acordo celebrado para o trans-
porte de carvão, estabelecendo preços do serviço, teve curta duração. Ainda sobre a
instabilidade, Heilbroner relata episódio bastante típico, ocorrido durante reunião dos
dirigentes de estradas de ferro destinada a fixar o preço das tarifas: o presidente de uma
das companhias aproveitou breve intervalo para telegrafar os novos preços à sua em-
presa, para ser a primeira companhia a baixá-los, violando, assim, o acordo que acabava
de ser celebrado. “Por acaso, seu telegrama foi interceptado de modo que, quando o
grupo se reuniu de novo, o nosso homem foi obrigado a reconhecer que mesmo entre
ladrões nem sempre existe honra” (A formação da sociedade econômica, p. 155).
135. Essa questão é analisada no capítulo referente aos acordos entre empresas.
136. Sobre a evolução histórica dos cartéis, cf. Alberto Moniz da Rocha Barros, O poder
econômico do Estado contemporâneo e seus reflexos no direito, p. 23-46.

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78 Os fundamentos do antitruste

certeza ou estabilidade; daí se lançar mão do trust, instituto tradicional do direito


anglo-saxão, para resolver os problemas do empresariado.137 O industrial trans-
feria a um trustee o poder derivado de suas ações, recebendo, em contrapartida,
um trust certificate.138 Os trustes proporcionavam a administração centralizada
dos agentes econômicos que atuavam no mesmo mercado, impedindo, de ma-
neira segura e estável, que a concorrência se restabelecesse entre eles.
Tem-se não apenas o incremento de um processo de integração hori-
zontal, mas também a dissociação da propriedade do poder que delas deriva,
concentrando-se este nas mãos do trustee. Standard Oil, celebrado em 1882, foi
o primeiro e mais conhecido de todos os trustes. Rockfeller, seu administrador,
fez com que essa empresa por muitos anos controlasse a indústria americana
do petróleo.
O fenômeno geral verificado nos Estados Unidos foi uma típica concen-
tração, com a diminuição do número de empresas e convergência do poder em
mãos de poucos agentes econômicos, liderados pelos trustes.139 Muitos setores

137. Segundo Heilbroner, a ideia de utilizar o trust como forma de associação de empresas
ocorreu ao advogado da nova Standard Oil Company, Samuel Dodd, no ano de 1879
(A formação da sociedade econômica, p. 155).
138. Berle e Means explicam o trust: “Corresponde à criação de um grupo de ‘fideico-
missos’ ou trustees, muitas vezes membros da diretoria, que ficam com o poder
completo de voto de todas as ações que lhes são entregues. Quando a maioria das
ações é controlada pelo fideicomisso como geralmente ocorre, os trustees exer-
cem o controle quase completo sobre os negócios da empresa, embora sem terem,
necessariamente, importante participação na mesma. Os acionistas, por sua vez,
recebem, em lugar de ações, trust certificates, que os habilitam a participar dos
dividendos resultantes das operações, quando os diretores julgarem conveniente
distribuí-los” (A propriedade privada na economia moderna, p. 104). Francesco de
Franchis assim define o trust, após ressaltar que não existe, na civil law, instituto
idêntico: “In breve, il concetto fondamentale del trust sta in questo: il costituente,
detto settlor of the trust aliena taluni beni o diritti a favore del trustee che li am-
ministra nell’interesse di un’altra persona, detta cestui que trust e ora, più spesso,
beneficiary (...)” (Dizionario giuridico, p. 1.477). Carvalhosa, por sua vez, explica
que “caracteriza-se o truste pela transferência de capitais e valores econômicos de
uma determinada pessoa física ou jurídica, que tem como objetivo gerir e admi-
nistrar aqueles capitais e valores; exerce esta última o papel de agente fiduciário,
trustee, cabendo-lhe, com plena autonomia, aplicar tais bens e valores da melhor
forma, no interesse do agenciador. Ao trustee cabe a direção, de maneira uniforme,
do conjunto de negócios que lhe são confiados” (Poder econômico: a fenomenologia
– Seu disciplinamento jurídico, p. 41).
139. Na opinião de Heilbroner, “não se deve pensar que foi apenas o movimento no
sentido da trustificação e da fusão que promoveu o surgimento da firma gigantesca,

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 79

de utilidade pública, tais como eletricidade e indústria do aço, no decorrer da


década de 1880, organizaram-se sob a forma de trustes.140
A partir de 1880 acentuam-se as discussões sobre os trustes e o poder
econômico que concentravam. De uma parte, colocaram-se grandes empre-
sários e economistas, sustentando que a concentração do poder econômico
propiciava o incremento da produção e a expansão da indústria. Para essa
classe, a própria concorrência já era o fator regulador do mercado e a evolução
“natural” determinava a inexorável substituição do sistema de competição
pela colaboração entre as empresas.141 Necessário, pois, que sobrevivessem
apenas os mais fortes. Não é preciso grande esforço para perceber a influência
da teoria darwiniana no slogan que resume essa posição: survival of the fittest
eram as palavras de ordem.142
Os consumidores, agricultores, trabalhadores e pequenos empresários
colocaram-se, ao invés, contra a concentração do poder econômico, tida como
causa de muitos males que assolavam a sociedade da época.143 A prática de

com sua capacidade de limitação – ou eliminação – dos concorrentes. Igualmente,


ou talvez mais importante, foi o processo de simples crescimento interno”. Assim,
General Motors, AT&T, Du Pont, Ford cresceram principalmente em virtude da
franca expansão em que se encontravam seus mercados (A formação da sociedade
econômica, p. 157).
140. Fox e Sullivan, The good and bad trust dichotomy: a short history of a legal idea, The
Antitrust Bulletin, p. 62.
141. Certos economistas argumentavam serem alguns dos trustes “naturais” e, conse-
quentemente, de nada adiantariam leis que procurassem destruí-los (cf. Hadler,
Blake, Pitofsky e Goldschmid, Trade regulation: cases and materials, p. 57).
142. “In the mid-nineteenth century, the idea that competition was a ‘natural law’ received
a powerful impetus from the writings of Charles Darwin, and the use to which they
were put by Herbert Spencer. Darwin’s Origin of Species was first published in 1859,
and it was (as he himself acknowledged) much influenced by Malthus and also by
Spencer. Applying the ideas of Malthus to the whole animal and vegetable kingdom
and combining them with the concept of the social struggle for survival propagated
by Herbert Spencer, Darwin had hit upon the theory of natural selection. (...) The
phrase, ‘the survival of the fittest’ which was used by Darwin was, in fact, borrowed
by him from Herbert Spencer, who had previously used it in a description of the
social struggle which takes place among mankind” (P. S. Atiyah, The rise and fall of
freedom of contract, p. 285). Cf., também, para sintética análise da questão, Harold
Demsetz, Economic, legal, and political dimensions of competition, p. 16 e ss.
143. Não havia, à época, entretanto, a distinção entre os bons e os maus trustes (cf. Fox
e Sullivan, The good and bad trust dichotomy: a short history of a legal idea, The
Antitrust Bulletin, p. 62).

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80 Os fundamentos do antitruste

preços de monopólio, a posição de sujeição dos demais agentes econômicos


(inclusive consumidores) ao poder dos grandes revoltavam a população mais
miúda. Um historiador concluiu: “Dizia-se que os trustes ameaçavam a liberda-
de, pois corrompiam servidores públicos e subornavam legisladores; gozavam
de privilégios como o protecionismo tarifário; controlavam o comportamento
dos concorrentes mediante a baixa de preços, penalizavam os consumidores
aumentando os preços, fraudavam investidores com a diluição de suas ações.
Em suma, abusavam de todos. A solução que o público desejava era bastante
óbvia: uma lei que destruísse o poder dos trustes”.144
A situação a que estavam sujeitos os agricultores era sintomática: o alto
custo dos equipamentos agrícolas, ao mesmo tempo que o preço de seus
produtos despencava no mercado,145 constituía fator que fazia aumentar a
insatisfação de forma preocupante. A maioria dos sessenta e quatro memoriais
dirigidos ao Congresso americano contra a ação dos trustes foi apresentada
por grupos de agricultores.146
É deflagrada intensa campanha publicitária contra os trustes, com a
publicação reiterada nos jornais das “imorais” práticas comerciais utilizadas
pelos seus líderes para arrasar os concorrentes e obrigar a adesão de pequenas
empresas. Já ao final do ano de 1887, a população colocava-se abertamente

144. Como transcrito por Dilorenzo, The origins of antitrust: an interest-group perspec-
tive, International Review of Law and Economics, p. 77.
145. Cf. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis: problems, texts, cases, p. 49: “Agrarian dis-
content furnished strong and often persistent pressure toward reform. The farmers
were numerous and they formed pressure organizations, such as the National Grange.
They were distressed because they received low agricultural prices while paying
high prices for farm equipment and other manufactures because of monopolies
and import tariffs. Harried by high and discriminatory railroad and grain elevator
charges, they were also appessed by tight credit and high interest rates exacted by
the eastern money magnates, whose opposition to easier money and silver coinage
‘crucified’ the West ‘upon a cross of gold’. Dissatisfaction with manufactures of farm
machinery and other goods, railroads, and eastern financiers became a cry against
monopoly, a cry that also came to voice the frustrations of urban dislocation. Long
hours, child labor, crowded slums, and related conditions reinforced the pressure
toward reform”. Para Dilorenzo, a ação dos agricultores era motivada pelo temor que
alimentavam em relação ao processo de livre competição dos agentes econômicos.
Buscavam proteção contra os chamados land monopolies ou grandes fazendas de trigo
(The origins of antitrust: an interest-group perspective, The International Review of
Law and Economics, p. 75).
146. Cf. T. J. Dilorenzo, The origins of antitrust: an interest-group perspective, The Inter-
national Review of Law and Economics, p. 75.

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 81

contra a distorção na economia causada pela excessiva concentração do


poder econômico.147
Nas eleições de 1888, a tônica do antitrust orientou a campanha presi-
dencial de forma a que todos os candidatos propagandeassem a necessidade
de uma lei que controlasse o poder econômico. Com discurso agressivo contra
os trustes, o Presidente Harrison é eleito.
Desde janeiro do mesmo ano de 1888, o Congresso norte-americano já
tratava da questão, discutindo o projeto de lei trazido pelo Senador John Sher-
man.148 Em 1890, finalmente, o Sherman Act foi promulgado.149
Apenas esse diploma, entretanto, mostrou-se insuficiente para propiciar
aos agentes econômicos a segurança e a previsibilidade que sempre almejaram.
Ressentia-se, no texto do Sherman Act, da vagueza de suas previsões. Não se
pode ainda olvidar que o Sherman Act não continha regras que disciplinassem o
processo de concentração de empresas, deixando à margem da regulamentação
prática geralmente condenada pela opinião pública.
Após a publicação dos trabalhos do Comitê Pujo, que investigou o cha-
mado money trust, denunciando que alguns poucos bancos controlavam
inúmeras empresas, a indisposição da sociedade civil contra os blocos econô-

147. Fox e Sullivan relatam esse estado de espírito da população: “During the 1880s,
people became more focused on negative economic developments and began to
look to law and government to remedy what had gone wrong in economy. The trust
became a symbol of the new order. To its supporters, it signified wealth, coopera-
tion, and progressive development. To its detractors, these impersonal, centrally
administered monoliths represented greed, inhumanity, and economic stratification.
Consequently, despite the fact that only eight industrial consolidations during the
1880s actually took the form of trusts, the term trust came to denote more than a
specific legal device for corporate combination. It was the catchphrase in a public
debate over the course of economic growth and the distribution of wealth” (The
good and bad trust dichotomy: a short history of a legal idea, The Antitrust Bulletin,
p. 63). Handler, Blake, Pitofsky e Goldschmid (Trade regulation, p. 57), por sua vez,
complementam: “The kind of remedy that the public desired was also clear enough:
it wanted a law to destroy the power of the trusts”.
148. As discussões entre democratas e republicanos na tramitação que antecedeu o Sherman
Act são comentadas por Handler, Blake, Pitofsky e Goldschmid (Trade regulation, p.
59 e ss.).
149. Para Milton Handler, o Sherman Act não introduziu, no sistema jurídico norte-
-americano, qualquer princípio novo, mas “[the] Congress merely affirmed its faith
in competition as the principal regulating force in our economy by forbidding res-
traints of trade and monopolization in interstate and foreign commerce” (Antitrust
in perspective: the complementary roles of rule and discretion, p. 3).

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82 Os fundamentos do antitruste

micos acentuou-se ainda mais. Exigia-se a regulamentação da concentração


indiscriminada.150
Nesse contexto, no ano de 1914, é promulgado o Clayton Act, que exem-
plifica e condena algumas práticas restritivas da concorrência, tais como vendas
casadas, aquisição de controle de outras companhias etc.
A sistemática adotada pelo Clayton Act inspirou várias legislações antitrus-
te: ao lado da tipificação de algumas condutas potencialmente anticompetitivas,
há uma qualifying clause,151 segundo a qual as práticas elencadas somente serão
consideradas ilícitas se, e somente se, restringirem a concorrência de forma
não razoável ou tenderem à criação de um monopólio (“lessened competition
or tended to create a monopoly”).152
Com gerais funções de vigilância e aplicação das leis antitruste, no mesmo
ano de 1914, é criada a Federal Trade Commission, ou FTC, pela promulgação
do Federal Trade Commission Act. Em 1936, temos o Robson-Patman Act (tratan-
do de discriminação) e, finalmente, em 1950, é promulgado o Celler-Kefauver
Act, com o escopo de reforçar as previsões do art. 7.º do Clayton Act, na disci-
plina das fusões, completando-se o quadro básico legislativo norte-americano
em matéria antitruste, que vigora até os nossos dias.153

1.3.3. A atualidade das discussões que antecederam a promulgação do


Sherman Act
Observadas as discussões que antecederam a promulgação do Sherman
Act, vê-se que os dois grupos principais que se antagonizavam tiveram sua
argumentação utilizada e reutilizada em momentos históricos posteriores,

150. A respeito do Comitê Pujo, confira-se Eleanor Fox e Lawrence Sullivan, Cases and
materials on antitrust, p. 94. O mesmo comitê demonstrou que o grupo bancário Mor-
gan detinha 341 diretorias em 112 companhias, cuja riqueza agregada era três vezes
superior ao valor de todas as propriedades imobiliárias e pessoais da Nova Inglaterra.
O problema que se colocava não era apenas o sacrifício da livre-concorrência, mas
principalmente o temor do poderio dos grandes grupos (Heilbroner, A formação da
sociedade econômica, p. 157-158).
151. A terminologia é de Fox e Sullivan, Cases and materials, on antitrust, p. 95.
152. Fox e Sullivan, Cases and materials on antitrust, p. 95. De outra parte, cria exceções
legais à aplicação das normas antitruste, pois estabelece que os sindicatos (trade
unions) não estão sujeitos às restrições das leis de regulamentação da concorrência.
153. Cf. Pitofsky, The political content of antitrust, transcrito por E. Thomas Sullivan e
Herbert Hovenkamp, Antitrust law, policy and procedure: cases, materials, problems,
p. 4, e também Viscusi, Vernon e Harrington Jr., Economics of regulation and antitrust,
p. 58.

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 83

embora maquiadas com maior refinamento, viabilizado pela evolução da


ciência econômica.154
Tome-se como exemplo a posição (aproveitada, em sua essência, pela
Escola de Chicago) daqueles contrários à regulamentação do poder econômi-
co pelo poder público: qualquer lei restritiva da livreconcorrência teria por
consequência manter no mercado empresas ineficientes que, não fosse a tutela
estatal, estariam condenadas ao desaparecimento.155 Há aqueles que veem a
disciplina antitruste com suspeição, acusando-a de, indevidamente, coarctar o
saudável crescimento econômico das empresas. Para essa corrente, o antitruste
nada mais faz se não reprimir o progresso.156
Nessa linha, Milton Friedman, ao criticar a perseguição antitruste contra
a Microsoft, afirmou que:
Antitrust case against Microsoft set a dangerous precedent that foresha-
dowed increasing government regulation of what was formerly an industry

154. “A contemporary application of the antitrust laws has a certain déjà vu quality. The
central arguments heard today in antitrust are similar to those echoed in the early,
formative years of this country. The genesis of the antitrust debate predates the first
antitrust statute, the Sherman Act, in 1890” (Edward Thomas Sullivan e Jeffrey L.
Harrison, Understanding antitrust and its economic implications, p. 2). No mesmo
sentido, o clássico estudo de James May, Antitrust in the formative era: political and
economic theory in constitutional and antitrust analysis, 1880-1918, Ohio State Law
Journal, v. 50, 1989, especialmente p. 288 e ss.: “The congressional debates preceding
passage of federal antitrust legislation in 1890 and 1914 reflected the contemporary
diversity of national antitrust sentiment”. Ver também, Victor H. Kramer, The Su-
preme Court and tying arrangements: antitrust as history, Minnesota Law Review, v.
69, 1985, p. 1.014.
155. David J. Gerber dá notícia de discussões travadas no final do século passado, na
Áustria, sobre questões antitruste. Expondo uma das correntes que se formavam,
assevera: “Some people believed that no legislation was needed, he reported, because
free competition would itself prevent the cartel from significantly raising prices and
would eventually lead to its collapse” (The origins of European competition law in
fin-de-siècle Austria, The American Journal of Legal History, p. 423).
156. Explicam McChesney e William Shughart: “the literature critical of antitrust suggests
that enforcement of the laws may not enhance economic efficiency. Indeed, because
the antitrust authorities may bring cases against the wrong firms or impose relief
that are ineffective in some instances and have unintended consequences in others,
vigorous enforcement efforts may in fact lead to an economy characterized by lower
rates of growth in real output, higher prices, and lower employment levels than
otherwise” (Fred McChesney e William Shughart II, The causes and consequences of
antitrust. The public choice perspective, p. 168).

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84 Os fundamentos do antitruste

that was relatively free of government intrusion and that future technological
progress in the industry will be impeded as a result.157
Por sua vez, Alan Greenspan, um dos principais arautos do liberalismo
econômico:
Antitrust laws prevent firms from actions that may benefit society due to
fear of antitrust violations. (…) No one will ever know what new products,
processes, machines, and cost-saving mergers failed to come into existence,
killed by the Sherman Act before they were born. (…) The antitrust laws in
the United States have led to the condemnation of the productive and efficient
members of our society because they are productive and efficient.158
De outra parte, prega-se a necessidade da efetiva proteção dos consumi-
dores, preservando seu direito de escolha e não os sujeitando aos monopó-
lios, assim como a manutenção de pequenas e médias empresas no mercado,
garantindo-lhes abrigo contra práticas abusivas de agentes com elevado grau
de poder econômico.
Também no Brasil, os mesmos dois grupos de interesses se defrontaram e
se defrontam, discutindo a conveniência da regulamentação da concorrência e
do controle do exercício do poderio econômico, como será visto nos próximos
capítulos.

1.4. O terceiro período. As normas antitruste como instrumento de


implementação de políticas públicas. A concorrência-instrumento
Na parte anterior, frisamos que, desde o início do século XIX, com o
escopo de preservar o sistema liberal (livre-concorrência e livre-mercado),
autorizava-se a atuação do Estado visando à eliminação das distorções que se
apresentavam, afastando-se fatores de instabilidade. Foram promulgadas leis
que disciplinavam a concorrência entre os agentes econômicos.
Já no primeiro quartel do século XX, têm lugar alguns acontecimentos que
modificam a postura do Estado em face da regulamentação e condução da eco-
nomia. Em 1914, inicia-se a Primeira Grande Guerra. Os países vão divisando
que, como afirmou Comparato,159 as guerras não se ganham apenas nos campos

157. The Business Community’s Suicidal Impulse. Disponível em: [http://www.cato.org/


pubs/policy_report/v21n2/cpr399.pdf]. Acesso em: 30.07.2010.
158. Antitrust. Disponível em: [http://politicalinquirer.com/2007/12/12/interrupting-
-the-election-coverage-alan-greenspan-on-antitrust-circa-1961/]. Acesso em:
30.07.2010.
159. O indispensável direito econômico. Ensaios e pareceres de direito empresarial, p. 455.

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 85

de batalha. Atua-se no sentido de organizar a economia, direcionando-a para


a guerra. Surtos de regulamentação estatal da atividade econômica se fazem
presente,160 não obstante julgados por muitos como temporário e eventual.
A atuação conjuntural do Estado, durante o século XIX, não havia sido
suficiente para debelar as chamadas crises do capitalismo.161 Em 1929, após
a quarta-feira negra, houve a quase total paralisia dos fatores de produção.
Tudo estava estagnado, com a população sofrendo as consequências da crise:
desemprego, carestia de produtos de consumo etc.
O Estado é chamado a reimpulsionar a máquina econômica e o faz in-
tervindo em diversos setores, oferecendo crédito para a produção industrial,
incentivando a produção agrícola, intervindo no setor bancário e de seguros,
planejando o comércio exterior etc.162
Assim, muito embora sempre se tenha verificado a atuação do Estado na
economia, a partir do início do século XX, a quantidade de normas emanadas
aumentou sensivelmente, de forma a fazer ver uma interferência não apenas
episódica, mas organizada e sistemática. O Estado passa a dirigir o sistema,163
com o escopo de evitar as crises.164

160. “A economia, em conjunto, tinha de modificar a sua orientação num sentido definido
pelo Estado (...). Pela primeira vez na história moderna, o Estado dominou a vida
econômica” (Alberto Moniz da Rocha Barros, O poder econômico do Estado contem-
porâneo e seus reflexos no direito, p. 45).
161. V. Habermas, A crise de legitimação do capitalismo tardio, p. 11 e ss.
162. Cf. Capograssi sobre as “novas” funções do Estado, que é chamado a “agir” (L’ambiguità
del diritto contemporaneo, La crisi del diritto, p. 20 e ss.). Indispensável, também,
a leitura da obra de Alberto Moniz da Rocha Barros, O poder econômico do Estado
contemporâneo e seus reflexos no direito, p. 89 e ss.
163. Ascarelli, há muito, vislumbrava a existência de “(...) uno Stato, non più agnostico,
ma che afferma vigorosamente e rigorosamente la propria sovranità in ogni campo,
che considera organicamente e concretamente gli individui nelle loro categorie, tutore
sempre più vigile dell’economia nazionale, regolatore nell’interesse di fini superiori
delle forze in conflittto, che riconosce il valore dell’iniziativa privata non assumendo
in linea generale la gestione diretta delle imprese, ma insieme la disciplina subordi-
natamente ai suoi fini che trascendono quelli individuali, assumendo veramente la
direzione dell’economia nazionale” (La funzione del diritto speciale e le transforma-
zioni del diritto commerciale, Rivista di Diritto Commerciale, v. 32, p. 9).
164. Habermas primeiramente observa que “no capitalismo liberal as crises aparecem na
forma de problemas econômicos de direção não resolvidos”, para, mais adiante, com-
plementar: “(...) as funções socialmente integrativas da manutenção da legitimidade
não podem mais ser efetuadas através de funções sistêmicas integrativas do mercado
e dos restos decrépitos das tradições pré-capitalistas (...). A atividade governamen-

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86 Os fundamentos do antitruste

Essa atuação do Estado, incentivada pela teoria econômica da época (prin-


cipalmente pelas ideias de Lord Keynes) e pela Igreja Católica (pregando que
ao Estado caberia promover o bem-estar social),165 transmuda-se em disciplina
jurídica da atividade privada, com a implementação de políticas públicas.
Nesse contexto, os teóricos identificam o nascimento do direito econômico
como um ramo do direito: “o conjunto das técnicas jurídicas de que lança mão
o Estado contemporâneo na realização de sua política econômica”.166
No desempenho dessa sua nova função de direção da economia, o Es-
tado utiliza instrumentos jurídicos que lhe permitem “estabilizar, estimular
e dirigir o rumo de sua economia sem apelar para a ditadura e substituir um
sistema baseado na propriedade por um sistema de poder ostensivo”.167 Esses
instrumentos viabilizarão, mediante a direção do comportamento dos agentes
econômicos, não apenas a preservação, mas a condução do mercado. Daí falar-
mos em técnicas de direção sobre o mercado, de que se utiliza o Estado em sua
função de implementação de uma política pública.
As técnicas de direção sobre o mercado assumem várias formas, conforme
a sistematização feita por Grau,168 de que nos utilizamos. O Estado, em sua

tal agora busca a meta declarada de condução do sistema para evitar crises (...)” (A
crise de legitimação no capitalismo tardio, p. 39 e 71). Vittorio Ottaviano também
discorre sobre essas novas funções assumidas pelo Estado (Il governo dell’economia:
i principi giuridici, Trattato di diritto commerciale e di diritto pubblico dell’ economia:
la costituzione economica, p. 193 e ss.). Entre nós, a questão foi abordada por Fábio
Nusdeo (Fundamentos para uma codificação do direito econômico, p. 25): “Mas, como
já se deixou antever, não se conteve o Estado naquele papel de relativa neutralidade
e platonismo. Aberto o caminho para a sua entrada no sistema, passa gradualmente
a assumir um segundo papel, dentro do qual marca presença ao impor finalidades
outras que não a de mero suprimento de condições para superar as imperfeições an-
teriormente apontadas. Trata-se, agora, de lograr a obtenção de objetivos de política
econômica, bem definidos para o desempenho do mesmo sistema, o que implica, em
última análise, impor-lhe distorções, alterá-lo, interferir no seu funcionamento, a
fim de fazer com que os resultados produzidos deixem de ser apenas os naturais ou
espontâneos, para se afeiçoarem às metas fixadas”.
165. A respeito, Alberto Venancio Filho, A intervenção do Estado no domínio econômico: o
direito público no Brasil, p. 16.
166. Fábio Konder Comparato, O indispensável direito econômico, Ensaios e pareceres
de direito empresarial, p. 465.
167. Adolf Berle, The American economic republic, referido por Alberto Venancio Filho, A
intervenção do Estado no domínio econômico, p. 12.
168. Elementos de direito econômico, p. 63 e ss. Cf., também, sobre a atuação do Estado
na economia e sobre a economia, Francesco Galgano, Pubblico e privato nella re-

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 87

função de implementar uma política econômica, atua no domínio econômico,


ou seja, desempenha diretamente funções que (i) não despertaram o interesse
dos empresários ou (ii) devem ser desenvolvidas pelo governo por razões de
“interesse nacional”. O Estado assume, em regime de monopólio, determinado
setor da economia, impondo, mediante a promulgação de uma norma, a ex-
clusividade da exploração. Nenhum agente econômico privado poderá competir
com o poder estatal. Exemplo típico é lembrado por Adolfo di Majo, expondo
a motivação do processo de estatização das ferrovias italianas.169 A esse tipo
de intervenção estatal dá-se o nome de ação por absorção.
O Estado pode também atuar por participação no domínio econômico,
quando desempenha atividade típica de agentes econômicos privados, com eles
competindo em igualdade de condições, sem que haja barreiras legais à entrada
de novos competidores naquele setor da economia, impostas pelo governo.
Incluem-se, também, na atuação por participação, as atividades que o Estado
desenvolve em parceria com o setor privado, detendo ações ou quotas de so-
ciedades comerciais.
Mas a atividade do Estado pode desenvolver-se sobre o domínio econômi-
co, com o escopo de regular o processo de produção. É a atividade legislativa e de
regulação, mediante a qual são impostas regras de conduta a serem observadas
pelos agentes econômicos, de sorte a disciplinar suas práticas no mercado.170
A atividade do Estado a que nos referimos (e também a influência da
disciplina pública no comportamento dos agentes econômicos privados) é
comumente chamada de intervenção estatal. Muito já se discorreu sobre a
ambiguidade dessa expressão e sobre as inúmeras palavras utilizadas para

golazione dei rapporti economici, Trattato di diritto commerciale e di diritto pubblico


dell’economia: la costituzione economica, p. 123 e ss.
169. Adolfo di Majo, L’avocazione delle attività economiche alla gestione pubblica o so-
ciale, Trattato di diritto commerciale e di diritto pubblico dell’economia: la costituzione
economica, v. 1, p. 373.
170. Conforme a sanção imposta pelo Estado seja positiva (sanção premial) ou negativa
(sanção punitiva), Grau estabelece a distinção entre “ação por indução” e “ação
por direção” (Elementos de direito econômico, p. 65). Sobre a “ação por indução”
ou “técnica do encorajamento”, Norberto Bobbio observa: “L’introduzione della
tecnica dell’incoraggiamento riflette un vero e proprio mutamento nella funzione
del sistema normativo nel suo complesso, nel modo di attuare il controllo sociale;
segna il passaggio da un controllo passivo che si preoccupa più di sfavorire le azioni
nocive che di favorire le azioni vantaggiose, a un controllo attivo che si preoccupa di
favorire le azioni vantaggiose più che di sfavorire le azioni nocive” (Dalla struttura
alla funzione, p. 26).

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88 Os fundamentos do antitruste

identificar esse fenômeno. Para nós, entretanto, importa notar que muitas
vezes a atuação do Estado sobre a economia (“intervenção”) é efetuada mediante
utilização de norma destinada a tutelar a livre-concorrência entre os agentes ou
reprimir o abuso do poder econômico, ou seja, uma norma antitruste. Dentre
as técnicas de organização dos mercados171 colocam-se as normas destinadas a
regular a concorrência entre os agentes econômicos e o abuso do poder econômico.
A análise contemporânea das normas antitruste não pode prescindir de
sua consideração como uma técnica, como um instrumento de que lança mão o
Estado para dar concreção à determinada política pública.
Especificamente no campo do direito da concorrência, temos, no exem-
plo europeu pós-guerra, sua caracterização como instrumental à determinada
política.172-173 Pensemos, primeiramente, na atuação da União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas, Estados Unidos, França e Inglaterra sobre a economia
alemã. As quatro potências não lograram acordar a política industrial que
deveria ser implementada na Alemanha, de sorte que cada uma passou a agir
independentemente nas zonas de influência que lhes haviam sido atribuídas
pelo Tratado de Potsdam.174

171. A terminologia é de Geraldo Vidigal, Objeto do direito econômico, principalmente


p. 50.
172. A economia alemã, principalmente desde o final do século XIX, gravitava em torno
dos cartéis. O governo não somente os permitia como incentivava sua criação e desen-
volvimento. Sob o regime nazista, o fenômeno acentua-se ainda mais (cf., a respeito,
o estudo de Thomas Janicki e Hans Jürgen Ruppelt, Germania federale, Concorrenza e
controllo delle concentrazioni in Europa, p. 247-277). “O Ministro da Economia recebe
poderes para regulamentar o mercado, reunir as empresas em cartéis, convenções
ou ‘ententes’ similares, ou juntá-las a consórcios já existentes, quando essa união ou
fusão pareça necessária, no interesse das empresas, do conjunto da produção e da
coletividade”. Em 1.º de maio de 1934, são instituídos monopólios para a compra
do leite, gado, manteiga e os preços agrícolas passam a ser determinados pelo “co-
missário de preços” e não pelo mercado: “Na economia autárquica que o nazismo
procurou edificar visando fins guerreiros, as necessidades de abastecimento não
deixavam espaço para uma agricultura livre da direção estrita do Estado” (Janicki e
Ruppelt, Germania Federale, Concorrenza e controllo delle concentrazioni in Europa,
p. 72 e 77).
173. Jorge de Jesus Ferreira Alves aponta que a concorrência-instrumento afirma-se no di-
reito positivo português após a Primeira Grande Guerra e teria apoio na lei portuguesa
de 1925, que proíbe os acordos restritivos da concorrência. Após a Segunda Grande
Guerra, a teoria da “concorrência-instrumento” teria sido adotada pela França, com
as leis de 1953 e 1977. No mesmo contexto incluiriam-se a lei inglesa de 1956 e a
alemã de 1957 (Direito da concorrência nas Comunidades Européias, p. 16).
174. D. G. Goyder, EC competition law, p. 17.

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 89

Os objetivos, em um primeiro momento, foram bastante restritivos, bus-


cando anular qualquer ameaça, ainda que potencial, que pudesse ser oferecida.
A política foi atuada mediante a descartelização da economia, quebrando-se a
estrutura dos principais grupos empresariais alemães (IG Farben, Bayer, Hoechst,
Basf) que atuavam em vários setores da economia (carvão, ferro, químicos,
plásticos, engenharia pesada, bancos etc.).175
Em 1951, houve a assinatura do Tratado de Paris (que instituiu a Comu-
nidade Europeia do Carvão e do Aço), tendo como fim maior “contribuir, de
harmonia com a economia geral dos Estados-membros e pelo estabelecimento
de um mercado comum (...) para a expansão econômica, para o aumento do
emprego e para a melhoria do nível de vida nos Estados-membros” (cf. art. 2.º
do Tratado de Paris). Elegeram-se, ao mesmo tempo, como incompatíveis com
o novo mercado que se criaria, práticas restritivas que tendessem à divisão do
mercado. O art. 5.º do documento trata, ainda, da concorrência, colocando
como uma das funções da Comunidade assegurar “o estabelecimento, manu-
tenção e respeito de condições normais de concorrência”.176
Fixa-se a noção de concorrência-instrumento, pela qual esta não é um
valor em si, “não é um valor absoluto, mas um meio normal, eventualmente
privilegiado, de obter o equilíbrio econômico. Daí derivam consequências
importantes: se a concorrência não é um valor em si mesmo, pode ser sacri-
ficada em homenagem a outros valores”.177-178 Goyder aponta as razões por
que a concorrência foi eleita como digna de tutela jurídica pelo ordenamento

175. As informações são sempre de D. G. Goyder, EC competition law, p. 17. Ainda sobre
a utilização do antitruste para enformar a economia alemã e japonesa no pós-guerra,
v. Wyatt Wells, Antitrust and the formation of the postwar world, p. 137 e ss.
176. Por essa razão, Giorgio Bernini frisa que nos Tratados CECA e CEE “a salvaguarda da
liberdade de concorrência não pode ser considerada como um fim em si mesmo. As
disposições em causa inscrevem-se no contexto dos objectivos gerais prosseguidos
pelos Tratados, tendo a sua aplicação lançado as bases de uma ‘filosofia antitrust’
verdadeiramente comunitária” (As regras de concorrência, CE, p. 346). Já nos Es-
tados Unidos, coloca o mesmo autor, “a liberdade de concorrência é considerada
como inseparável da noção de democracia política que caracteriza o ‘american way
of life’” (p. 346).
177. Jorge de Jesus Ferreira Alves, Direito da concorrência nas Comunidades Européias,
p. 16.
178. Costuma-se situar, como faz Jorge de Jesus Ferreira Alves (Direito da concorrência
nas Comunidades Européias), a concorrência-instrumento (tipicamente europeia) em
contraposição à concorrência-condição norte-americana, pela qual “a concorrência
é um fim em si mesmo. É um valor absoluto que só por ela se realiza o progresso e
o equilíbrio econômico”. No entanto, muito embora de forma mais diluída que a

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90 Os fundamentos do antitruste

comunitário:179 “Obviamente, o elemento principal era que a ausência de


concorrência nos mercados alcançados pelo Tratado de Paris de 1951 (ou,
ao menos, suas grandes imperfeições) constituía um grande entrave para as
indústrias que necessitavam de concorrência para melhorar seu desempenho.
Ademais, tinha-se o conhecido exemplo dos Estados Unidos, uma economia
que, aparentemente, havia alcançado proeminente posição de força industrial
mediante décadas de livre-concorrência (...)”.180
Nos arts. 65 e 66 do Tratado de Paris foram estabelecidos os efetivos ins-
trumentos para a implementação da política (conforme fixado nos primeiros
dispositivos do diploma). O art. 65 veda “todas as decisões de associações de
empresas e todas as práticas concertadas que, no mercado comum, tendam
direta ou indiretamente a impedir, restringir ou falsear o funcionamento nor-
mal da concorrência e que, em especial, tendam a: a) fixar ou determinar os
preços; b) restringir ou controlar a produção, o desenvolvimento técnico ou os
investimentos; e c) repartir os mercados, os produtos, os clientes ou as fontes
de abastecimento”. Os acordos ou decisões proibidos pelo Tratado de Paris
são absolutamente nulos e não podem ser invocados perante qualquer órgão
jurisdicional dos Estados-membros. O mesmo art. 65 já prevê a possibilidade
de isenções individuais para algumas práticas restritivas da concorrência.
O art. 66 do Tratado determina estar sujeita à autorização prévia da Co-
missão qualquer operação que tenha por efeito direto ou indireto a concen-
tração de empresas, prevendo a possibilidade da concessão de isenções em
bloco para determinadas categorias de negócios, em processo orientado para
a concretização dos objetivos gerais do tratado, esculpidos nos arts. 2.º e 3.º.
Passo importante para a integração europeia, na área econômica, foi to-
mado com a celebração do Tratado de Roma, firmado em 25 de março de 1957,
que instituiu a Comunidade Econômica Europeia. Seguindo a tradição que se
iniciara com o Tratado de Paris, a proteção da concorrência na Europa é vista

europeia, também os Estados Unidos utilizam-se da concorrência como instrumento


de implementação de políticas públicas, como expomos adiante.
179. A respeito, é clara a lição de Bernini: “(...) o critério utilizado depois da guerra
baseia-se na noção do caráter lícito da ‘planificação privada da economia’ sendo a
livre-concorrência considerada como um instrumento que salvaguarda os interesses
do consumidor e o desenvolvimento do progresso tecnológico. Esta mudança de
orientação ideológica pode, pelo menos dentro de certos limites, surgir como uma
consequência da evolução que caracterizou o sistema econômico dos principais
países europeus no período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial” (As regras de
concorrência, CE, trinta anos de direito comunitário, p. 345-346).
180. D. G. Goyder, EC competition law, p. 19.

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Disciplina do comportamento dos agentes econômicos nos mercados e concorrência 91

como instrumento de que as autoridades devem lançar mão para implementação


da política e obtenção do fim maior proposto.
Inegável, portanto, que a regulamentação da concorrência é fenômeno
de direito econômico, na medida em que configura uma “técnica” de que se
lança mão “para implementar determinada política pública”. Ou, nas palavras
de Donativi: “A criação de um regime que pretende garantir que a concorrên-
cia não seja falseada (...) representa um instrumento que tem como função a
realização do objetivo da integração econômica comunitária”.181
A disciplina da concorrência insere-se em contexto de dupla instrumen-
talidade: “Por um lado, organiza os processos que fluem segundo as regras da
economia de mercado, colocando a sua disposição normas e instituições (...)
e, por outro, converte-se em instrumento de que lança mão o Estado para in-
fluir em tais processos e, a um tempo só, obter a consecução de determinados
objetivos de política social – instrumento destinado ao desenvolvimento de
políticas públicas, como se vê”.182
A respeito do que chamamos dupla instrumentalidade do direito concor-
rencial europeu, é conclusiva a lição de Frignani e Waelbroeck: “a política
de concorrência persegue dois objetivos principais: de um lado, provocar
o desfazimento de acordos e práticas tendentes ao fechamento do mercado
comum dentro das fronteiras de cada Estado-membro; do outro lado, facilitar
a adaptação das empresas às novas dimensões do mercado e aumentar sua
competitividade a nível mundial, favorecendo a cooperação e a concentração
entre as empresas dos diversos Estados-membros”.183
Com a criação do ideal de união da Europa, viu-se na concorrência efe-
tivamente um meio para concretizar determinada política pública, de forma
institucionalizada. Intensifica-se o caráter instrumental da concorrência, que
passa a ser tomada como um princípio cardeal a orientar o processo de interpre-
tação/aplicação das normas antitruste.
A União Europeia, tal como hoje existe, não teria sido alcançada sem a
implementação de política concorrencial consistente. Assim, as normas que
disciplinam a competição são utilizadas para atingir fins maiores, tendentes à
implementação dos escopos impostos pelos Tratados da União Europeia – TUE
e também pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – TFUE,
especialmente pelo art. 3.º do primeiro, ou seja, o “crescimento económico

181. Introduzione storica, Diritto antitrust italiano, p. 75.


182. Eros Roberto Grau, na primeira edição de A ordem econômica na Constituição de 1988,
p. 33.
183. Aldo Frignani e Michel Waelbroeck, Disciplina della concorrenza nella CEE, p. 7.

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92 Os fundamentos do antitruste

equilibrado”, “a estabilidade dos preços, numa economia social de mercado


altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso
social”, “um elevado nível de protecção e de melhoramento da qualidade do
ambiente”, além do fomento do “progresso científico e tecnológico”, além da
“justiça e a protecção sociais, a igualdade entre homens e mulheres, a solida-
riedade entre as gerações e a protecção dos direitos da criança”. A política con-
correncial deve também ser instrumento da promoção da “coesão económica,
social e territorial” e da “solidariedade entre os Estados-membros”. Atente-se,
ainda, para o art. 7.º do TFUE que exige a “coerência entre as suas diferentes
políticas e acções, tendo em conta o conjunto dos seus objectivos (...)”.184
No Brasil, por força da Constituição de 1988, a concorrência mostra-se
instrumento, não um fim em si, como veremos nos próximos capítulos. Por
ora, deixe-se bem vincado que, adotada essa perspectiva, a definição do direito
antitruste há de ser moldada de forma a evidenciar a importante ligação que
tem e mantém com suas diretivas constitucionais.185
Entende-se, assim, o direito antitruste como técnica de que lança mão o
Estado contemporâneo para implementação de políticas públicas, mediante a
repressão ao abuso do poder econômico e a tutela da livre-concorrência.

184. Sobre a atual política antitruste europeia, v. a 6.ª edição de Wallace, Pollack e Young,
Policy-making in the European Union, p. 133 e ss.
185. Em sentido mais amplo, o “direito antitruste” pode ser entendido, como quer Isabel
Vaz, como “o conjunto de regras e instituições destinadas a apurar e a reprimir as
diferentes formas de abuso de poder econômico e a promover a defesa da livre-
-concorrência” (Direito econômico da concorrência, p. 242). No mesmo prisma,
coloca-se a definição de José Ignácio Gonzaga Franceschini: “O ramo do Direito
Penal-Econômico que disciplina as relações de mercado entre os agentes econô-
micos, tutelando-lhes, sob sanção, o pleno exercício do direito constitucional da
livre-concorrência, em prol da coletividade nacional” (Disciplina jurídica do abuso
do poder econômico, RT 640/257). Atualmente, entretanto, quando se compreende
o caráter instrumental das normas antitruste, insertas em um contexto de direito
econômico, não se pode deixar de referi-lo como técnica relacionada à implementação
de políticas públicas.

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2
A concorrência no Brasil
“Todo povo tem na sua evolução, vista à distância, um certo sentido” –
Caio Prado Jr.

Sumário: 2.1. A fase fiscalista. 2.2. D. João VI e a transferência da Corte portuguesa


para o Brasil. 2.3. O Brasil independente. 2.4. Constituições brasileiras de 1934 e
1937. Dec.-lei 869, de 1938. 2.5. A luta contra os trustes e seu caráter nacionalista.
Agamemnon Magalhães. 2.6. Dec.-lei 7.666, de 1945. 2.7. Constituição de 1946 e os
diplomas de repressão ao abuso do poder econômico emanados sob sua égide. 2.7.1.
Lei 4.137, de 1962. Vinte e nove anos de vigência desprovida de eficácia material.
2.7.1.1. Os debates que antecederam a promulgação da Lei Antitruste e a discussão
sobre sua necessidade e função. 2.7.1.2. As sempre repetidas críticas lançadas contra o
projeto de Agamemnon Magalhães e o texto que acabou por ser promulgado. 2.7.1.3. A
constante busca por segurança e previsibilidade. 2.7.1.4. Lei 4.137, de 1962. 2.7.1.4.1.
A associação de empresas. 2.7.1.4.2. A possibilidade de autorização de práticas
restritivas. 2.7.1.5. A falta de eficácia material da Lei 4.137, de 1962. Contradição
entre seu texto e a política concentracionista atuada pelo governo federal? 2.7.1.6. Lei
4.137: um punhado de “surtos de vigência”. 2.8. Lei 8.158, de 1991. 2.9. Lei 8.884,
de 1994. 2.10. Lei 12.529, de 2011. 2.11. Os desafios do antitruste no Brasil de hoje.

Não se deve pretender iniciar o estudo da disciplina da concorrência no


Brasil partindo já do início do século XX, com o texto dos arts. 115 a 117 da
Constituição Federal de 1934. Primeiramente, é necessário delinear a história
da implementação de políticas públicas em nosso país para divisar a atuação
do Estado sobre a economia. Sem a identificação dessa tradição, restam por
demais etéreas as inúmeras diferenças entre o atual sistema antitruste brasileiro
e alguns ordenamentos alienígenas.
No Brasil, os ventos do liberalismo fizeram-se sentir de forma particular
e a disciplina da atividade dos agentes econômicos no mercado, buscando a
tutela da livre-concorrência e a repressão ao abuso do poder econômico, as-
sume ainda hoje caráter bastante típico (e que decorre, diretamente, de nossa
evolução histórica), diverso dos demais ordenamentos em que habitualmente
os aplicadores do direito buscam inspiração.
2.1. A fase fiscalista
Os primeiros tempos do colonialismo brasileiro, anteriores à transferência
da corte portuguesa para o Brasil, foram marcados pela atuação, por parte da

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94 Os fundamentos do antitruste

metrópole, de política fiscalista, ou seja, a Coroa buscava a utilização de sua


soberania para efeitos fiscais, impondo à colônia o pagamento de impostos que
garantissem o abastecimento de seus cofres. Foi assim com os chamados ciclos
coloniais: pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro e pedras preciosas.
Não havia à época, como atesta Helio Jaguaribe,1 o interesse pelo progresso
econômico e cultural da colônia,2 mas a viabilização de sua exploração, da forma
mais profícua possível. Os monopólios que eram estabelecidos não devem ser
vistos como atuação do Estado na economia, buscando o desenvolvimento ou
o atendimento das necessidades da população, pois eram facetas da política
fiscalista que procurava auferir maiores lucros na exploração da colônia.3
O sucesso da política fiscalista requeria que fossem sufocadas quaisquer
tentativas de desenvolvimento industrial brasileiro.4 À guisa de exemplo, a
Carta Régia de 1766, que proibiu as atividades dos ourives, a vedação da fa-
bricação de mel de vinho, ou ainda da cultura de uvas (sempre para que fosse
eliminada a concorrência com o similar português).5
Assume particular importância o Alvará de 5 de janeiro de 1785, que
proibiu “todas as fábricas, manufaturas, ou teares ou galões, de tecidos, ou de
bordados de ouro, e prata: de veludos, brilhantes, setins, tafetás, ou de outra
qualquer qualidade de seda: de belbutes, chitas, bombazinas, fustões, ou de

1. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento político, p. 129.


2. Caio Prado Jr. (Formação do Brasil contemporâneo, p. 333 e ss.) descreve a inércia
da administração colonial em vários setores, destacando a falta de fomento à
produção.
3. João da Gama Cerqueira, em capítulo de sua obra Tratado da propriedade industrial
(p. 2): “... a política da metrópole orientava-se exclusivamente no sentido de explorar
as riquezas naturais de sua opulenta possessão americana e entravar por todos os
meios qualquer surto de atividade que pudesse pôr em risco os interesses econômi-
cos e financeiros da coroa ou ameaçar-lhe a soberania, favorecendo a independência
política da colônia”.
4. Celso Furtado, Formação econômica da América Latina, p. 49. Mais recentemente,
a questão é retomada com profundidade por Calixto Salomão Filho, Brisa Lopes de
Mello Ferrão e Ivan César Ribeiro, As origens coloniais da pobreza e da má distribuição
de renda e, também, Calixto Salomão Filho, Monopólio colonial e subdesenvolvi-
mento, publicado em 2009.
5. Heitor Ferreira Lima, História político-econômica e industrial do Brasil (Brasiliana, v.
347), p. 121. Vasta listagem das restrições portuguesas à indústria brasileira encon-
tra-se em outra obra do mesmo autor, História do pensamento econômico no Brasil
(Brasiliana, v. 360), p. 71. Vale, também, a referência ao estudo de Lemos Britto, no
qual analisa as razões e consequências do Alvará de 5 de janeiro de 1785 (Pontos de
partida para a história econômica do Brasil, p. 191 e ss.).

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A concorrência no Brasil 95

qualquer outra qualidade de fazenda de algodão, ou de linho, branca, ou de


cores: e de panos, baetas, droguetes, saetas, ou de outra qualquer quantidade
de tecidos de lã; ou os ditos tecidos sejam fabricados de um só dos referidos
gêneros; excetuando tão somente aqueles dos ditos teares, e manufaturas, em
que tecem, ou manufaturam fazendas graofas de algodão, que fervem para o
uso e vestuário dos negros, para enfardar e empacotar fazendas, e para outros
ministérios semelhantes”.
Seria até ilógico falarmos, nos primeiros tempos do Brasil colônia, em
“defesa da livre-concorrência”, uma vez que não havia qualquer concorrência
significativa estabelecida entre os agentes econômicos. Além disso, a nível
interno, o mercado consumidor não assumia maiores proporções em virtude
mesmo da acentuada dispersão demográfica.
Não obstante, tomados os relatos de alguns historiadores, podemos
concluir que havia, nesse período histórico, certa preocupação com aquele
que hoje chamaríamos “consumidor”, identificando tênue interesse do poder
centralizado com a população exposta ao comércio então praticado.
Nessa linha, a revogação do estanco concedido pelo Estado português à
Companhia do Comércio do Brasil (que possuiu o privilégio do comércio na
costa brasileira e também o monopólio da venda do vinho, azeite, bacalhau
e trigo)6 deu-se, segundo sustentado por alguns,7 em virtude não apenas do
desabastecimento que se estava fazendo sentir na colônia, mas também dos
preços excessivos que eram impostos à população, em desrespeito aos tabe-
lamentos instituídos.
A vedação do comércio com outros países que não Portugal acabava por
determinar uniformização nos preços das matérias-primas exportadas, pois o
monopólio do comércio internacional fazia com que houvesse, no Brasil, um

6. Cf. Lemos Britto, Pontos de partida para a história econômica do Brasil, p. 85.
7. Para Sérgio Buarque de Holanda: “A reclamação maior referia-se ao problema do
abastecimento regular. O estanco assegurado à companhia parecia inconveniente.
É que, conforme as denúncias havidas, ocorria uma especulação desmedida. Não
remetendo as quantidades necessárias, a companhia, por seus dirigentes, ou por
meio de intermediários, suspeitos de estarem ligados a eles ou a funcionários sem
escrúpulos, forçava a alta dos gêneros. O tabelamento não se cumpria na realidade.
Porque a venda não se fazia diretamente ao público e sim a intermediários que
adquiriam as grandes partidas e, por sua vez, impunham os preços que desejavam
no negócio com o consumidor” (História geral da civilização brasileira, p. 324).
Sobre os abusos da Companhia de Comércio, cf. Lemos Britto, Pontos de partida
para a história econômica do Brasil, p. 86-91, contendo transcrições dos protestos
apresentados pela população.

8004.indb 95 21/06/2018 13:33:08


96 Os fundamentos do antitruste

monopólio bilateral, ou seja, um único comprador de produtos de exportação e


um único vendedor dos bens provenientes da Europa.8
Em alguns breves períodos transparecem arroubos de desenvolvimento
econômico. Certas experiências, como aquelas do Marquês de Pombal, “dés-
pota esclarecido”,9 valem para demonstrar o quanto era arraigada, em meados
do século XVIII, a filosofia intervencionista do Estado português, que deveria
orientar e conduzir a iniciativa privada. Tudo era feito sob a égide do Estado,
e o comércio desenvolvia-se em meio aos monopólios reais ou concedidos
pela coroa.
A organização da Companhia do Grão-Pará e Maranhão (1755) e da
Companhia de Pernambuco e Paraíba (1759) demonstra a ideologia de Pom-
bal.10 Vários incentivos e privilégios foram concedidos a essas companhias,
de sorte que a Mesa do Bem Comum elaborou documento expondo a Pombal
seu descontentamento com a Companhia do Grão-Pará, que, no seu entendi-
mento, pelos “privilégios e objetivos” prejudicaria o sistema de “liberdade de
comércio” vigente.11
Alguns setores da população insurgiram-se contra as companhias. Ao
analisar suas alegações e os motivos da contestação, encontramos queixas
contra típicas práticas de abuso da posição dominante (v.g., venda por preços
exorbitantes, desvalorização dos produtos para aquisição por preço inferior
ao real) e também reclamações por prejuízos ao consumidor (v.g., venda de
gêneros deteriorados, sem que os compradores pudessem escolher).
Em conclusão, a atuação do Estado sobre e na economia não era fenômeno
isolado, mas, ao contrário, a linha de atuação da metrópole visava à exploração

8. Sobre o monopólio do comércio reservado às metrópoles, v. Roberto C. Simonsen,


História econômica do Brasil, p. 351 e ss.
9. Sérgio Buarque de Holanda, História geral da civilização brasileira, t. 1, v. 2, p. 41.
10. Nas palavras de Sérgio Buarque de Holanda: “O Estado, soberano e ponderante,
intervencionista, absorvente, traçava os caminhos, fixava as normas e utilizava a
experiência, a boa vontade, os interesses e os recursos da coletividade, a todos se
sobrepondo. (...) A iniciativa privada não frutificara em empreendimentos de vulto.
Impunha-se assisti-la, coordená-la, impulsioná-la, dando-lhe vigor e consistência.
A liberdade de comércio devia ser compreendida nas limitações impostas pelo
meio socioeconômico, insistamos, desabituado aos empreendimentos arrojados.
Liberdade sui generis, realizada na base de monopólios promovidos pelo Estado,
mas a cargo do capital privado” (História geral da civilização brasileira, t. 1, v. 2,
p. 327).
11. Sérgio Buarque de Holanda, História geral da civilização brasileira, t. 1, v. 2, p. 332.
Cf., também, Roberto C. Simonsen, História econômica do Brasil, p. 359.

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A concorrência no Brasil 97

máxima dos recursos da colônia.12 Qualquer resquício de liberalismo econô-


mico, neste período (se algum existe), há de ser visto sob esta ótica.13-14

2.2. D. João VI e a transferência da Corte portuguesa para o Brasil


Com a vinda de D. João VI para o Brasil,15 iniciou-se a implementação
de política que acabou por fomentar o desenvolvimento econômico do país.
Havia, finalmente, uma “orientação econômica e social”,16 ditada, acima de
tudo, pela necessidade do governo português de transferir para o Brasil sua
sede, em virtude da invasão napoleônica da península Ibérica,17 e também pelo

12. Por essa razão, Heinrich Sieveking e C. Becker referem-se à “fundação de uma política
econômica do Estado”, baseada em sua intervenção na economia, e aos “meios para
implementar essa política”, durante o período mercantilista (Historia económica
universal, p. 166 e ss.).
13. Alberto Venancio Filho comenta, a respeito, que o descaso da metrópole para com o
Brasil era um “sistema de prevalência do poder privado sobre o poder público, que
vai marcar até os nossos dias a feição do Estado Brasileiro” (A intervenção do Estado
no domínio econômico, p. 23).
14. Ambas as companhias traziam proventos para a coroa. Sérgio Buarque de Holanda
anota que “a Casa Real não se limitou, porém, a comerciar esporadicamente; lançou-se
ao monopólio das produções mais lucrativas da época” (História geral da civilização
brasileira, t. 1, v. 2, p. 346).
15. Para breve resumo dos atos de D. João VI, no Brasil, cf. Waldemar Martins Ferreira,
História do direito constitucional brasileiro, p. 37 e ss.
16. Heitor Ferreira Lima nos dá notícia de aspirações absolutamente liberais presentes,
no Brasil, pouco antes da chegada da família real portuguesa: “Aquele, porém, que
melhor soube sintetizar em palavras as reivindicações das forças produtoras nacionais
da época foi, sem dúvida, o desembargador João Rodrigues de Brito, homem letrado,
que conhecia Adam Smith e J. B. Say. Em inquérito mandado abrir pelo conde de
Ponte, em 1807, às vésperas, por conseguinte, da chegada da Corte portuguesa ao
Brasil, respondeu ele que, ‘para os lavradores lograrem a plena liberdade que pede
o bem da lavoura, era preciso que eles tivessem, 1) a de cultivar quaisquer gêneros,
que bem lhes parecessem; 2) a de construir quaisquer obras e fábricas que julgassem
convenientes para o aproveitamento de seus frutos; 3) a de os mandar vender em
qualquer lugar, por qualquer caminho, e pelo ministério de quaisquer pessoas, de
que se quisessem servir, sem ônus ou formalidade alguma; 4) a de preferir quaisquer
compradores que melhor lhes pagassem; e 5) finalmente a de venderem em qualquer
tempo que lhes conviesse’” (História político-econômica e industrial do Brasil, p. 119).
17. Comenta Hélio Jaguaribe: “O que determinou a mudança de atitude e da política
(...), mais do que quaisquer outras influências, foi a total transformação das relações
entre a coroa e o Reino causada pela invasão napoleônica de Portugal e pela vinda da
Corte para o Brasil” (Desenvolvimento econômico e desenvolvimento político, p. 143).

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98 Os fundamentos do antitruste

interesse inglês em aumentar a área em que praticava seu comércio, substituindo


os então bloqueados mercados europeus.18
De qualquer forma, abandonando os motivos determinantes dessa mu-
dança, o fato é que foi parcialmente desativada a política fiscalista, dando-se
lugar ao incentivo ao desenvolvimento econômico brasileiro. Em 28 de janeiro
de 1808, os portos foram abertos às nações amigas. No mesmo ano, funda-se o
Banco do Brasil19 e institui-se a liberdade de manufatura e indústria, revogando-
-se o já referido alvará de 1785.20 Notamos, no texto do famoso alvará de 1.º
de abril de 1808, algumas passagens que nos deixariam entrever – não fosse
o peculiar contexto histórico que sempre nos cercou – rasgos do mais puro
liberalismo: “Eu o Príncipe Regente faço saber que o presente Alvará virem: que
desejando promover e adiantar a riqueza nacional, e sendo um dos mananciais
dela as manufaturas e a indústria que multiplicam e melhoram e dão mais va-
lor aos gêneros e produtos da agricultura e das artes e aumentam a população
dando que fazer a muitos braços e fornecendo meios de subsistência a muitos
dos meus vassalos, que por falta deles se entregariam ao vício da ociosidade:
e convindo remover todos os obstáculos que podem inutilizar e frustrar tão
vantajosos proveitos: sou servido abolir e revogar toda e qualquer proibição que
haja a esse respeito no Estado do Brazil e nos meus Domínios Ultramarinos e
ordenar que daqui em diante seja lícito a qualquer dos meus vassalos, qualquer
que seja o País em que habitem, estabelecer todo o gênero de manufaturas,
sem exceptuar alguma, fazendo os seus trabalhos em pequeno, ou em grande,
como entenderem que mais lhes convém”.
Há de se considerar, ainda, que o alvará de 1.º de abril de 1808 não aca-
bou por fomentar a indústria nacional de forma decisiva, como por vezes é ser

18. Heitor Ferreira Lima, História político-econômica e industrial do Brasil, p. 116.


19. Cf. Alvará de 12 de outubro de 1808: “atendendo (...) a que os obstáculos que a falta
de giro dos signos representativos dos valores põem ao comércio, devem quanto antes
ser removidos, animando e promovendo as transações mercantis dos negociantes
desta e das mais praças dos meus domínios com as estrangeiras: sou servido a orde-
nar que nesta Capital se estabeleça um Banco Público que (...) promova a indústria
nacional pelo giro e combinação dos capitais isolados, e facilite juntamente os meios
e os recursos, de que as minhas rendas reais e as públicas necessitarem para ocorrer
as despesas do Estado”.
20. Entende Heitor Ferreira Lima que “de fato, estes dois atos do soberano português
têm a mais alta significação histórico-social para nós porque, com duas penadas,
varria para sempre os dois maiores óbices ao nosso crescimento econômico, fazendo-
-nos com isso aparecer ante o mundo, juridicamente, em igualdade de condições no
concerto das nações” (História político-econômica e industrial do Brasil, p. 115).

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A concorrência no Brasil 99

afirmado. Com efeito, se, ao mesmo tempo em que foi permitida a indústria,
abriram-se os portos às nações amigas, sujeitou-se, na verdade, a incipien-
te indústria nacional à devastadora concorrência estrangeira. Essa mesma
concorrência, a que se refere Topik, e “que veio a perseguir os empresários e
industriais durante todo o período do Império e da República”.21
D. João VI adota um “liberalismo pragmático, não ortodoxo, que visava
a retirar do princípio da liberdade de comércio e de iniciativa todas as vanta-
gens que pudesse proporcionar, deixando de aplicá-lo quando contrariasse os
interesses nacionais”.22 Com a implementação dessa política, acabou-se por
contentar, ao menos imediatamente, as aspirações dos lavradores e comercian-
tes, que ansiavam por liberdade de atuação.23
É incontestável a influência que exerciam, à época, as obras e os estudos
desenvolvidos pelo Visconde de Cairu,24 para quem D. João VI criou, no Rio de
Janeiro, a cadeira de ciência econômica.25 A teoria do liberalismo econômico
entrava no Brasil, através do filtro de Cairu.26

21. A presença do Estado na economia política do Brasil de 1889 a 1930 (p. 151). A seguir,
Steven Topik expõe que o “maior problema da atividade manufatureira no Brasil,
porém, seria mais a escassez de oportunidades econômicas do que a concorrência
estrangeira”.
22. Hélio Jaguaribe, Desenvolvimento econômico e desenvolvimento político, p. 146.
23. Heitor Ferreira Lima, História político-econômica e industrial do Brasil, p. 131.
24. Essa influência é sintetizada por Heitor Ferreira Lima: “Um investigador da econo-
mia nacional assinala que toda a geração intelectual que fez a nossa independência
política, estava cheia de Gournay, Adam Smith e Say, salientando essa influência em
Cairu (...), acrescentando: ‘Tudo que D. João fez foi em grande parte inspirado nas
inteligentes ideias espalhadas pelos discípulos brasileiros de Adam Smith e Say’”.
Ainda sobre Cairu: “Tido como uma espécie de ministro sem pasta, era consultado
para os atos importantes desse período extraordinário de nossa história, em que foi
lançado o fundamento definitivo do que é hoje o Brasil” (História do pensamento
econômico no Brasil, p. 77).
25. E não economia política, como se tem noticiado (cf. Decreto de 23 de fevereiro
de 1808, com a rubrica do Príncipe Regente). Passa José da Silva Lisboa a ocupar,
cumulativamente, os cargos de Deputado e Secretário da Mesa da Inspeção da Agri-
cultura e Comércio da Cidade da Bahia e a “propriedade e regência” da “Cadeira
e Aula Pública” de ciência econômica na cidade do Rio de Janeiro. Heitor Ferreira
Lima nota que essa cadeira criada pelo Príncipe Regente nunca foi exercida por José
da Silva Lisboa (História do pensamento econômico no Brasil, p. 73).
26. Jorge Caldeira, comentando a obra de Cairu: “Em seus ‘Princípios de economia po-
lítica’, pretensamente um folheto de divulgação de Smith, o bom Cairu remontou as
ideias do mestre a seu modo, dando uma cor toda local a sua versão. Começou por

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100 Os fundamentos do antitruste

Mas mesmo esse pragmático liberalismo econômico era implementado à


medida permitida pela Inglaterra. Por exemplo, com a celebração do tratado de
1810, o Brasil viu-se impossibilitado de, contrariamente ao ocorrido no sul dos
Estados Unidos, atuar uma política protecionista, resguardando a capacidade
de exportação do país.27
Parece unânime entre os doutrinadores que o liberalismo, no Brasil, foi
introduzido de forma bastante peculiar, pois que depurado pelas especificida-
des de nosso sistema econômico e político. Não obstante, alguns utilizavam-se
das teorias liberais para embasar sua revolta contra o intervencionismo de
Portugal, que impunha infindável série de restrições às atividades comer-
ciais e industriais brasileiras, muitas vezes conforme ditavam os interesses
ingleses. É nesse sentido que o “liberalismo econômico” se fazia presente,
pois os agentes brasileiros encontravam nessa doutrina certo respaldo para
suas aspirações.

substituir o mercado por um outro princípio regulador da vida econômica, o velho


e bom paternalismo da coroa: ‘O primeiro princípio da economia política é que o
soberano de cada nação deve considerar-se como o chefe ou cabeça de uma vasta
família, e consequentemente amparar todos os que nela estão como seus filhos e
cooperadores da geral felicidade’” (Mauá: empresário do Império, p. 118). Sem a
mesma linha romanceada, Paul Hugon anota que Cairu situa o liberalismo econômico
“exatamente no quadro das condições do meio brasileiro e de suas possibilidades de
evolução (...). Sua doutrina será, pois, liberal, não resta dúvida – (...) mas naciona-
lista e não cosmopolita” (História das doutrinas econômicas, p. 159-60). Com efeito,
Cairu elege como o primeiro dos “princípios capitais” que formam as “leis essen-
ciais da Economia Política” a consideração, pelo “chefe”, de “todos a que tem a seu
cargo, como filhos e cooperadores da felicidade da casa, promove sem parcialidade
os comuns interesses; e se faz amar e respeitar com o menor e mais suave exercício
de sua autoridade” (José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu, Princípios de economia
política, p. 114). Cairu aproxima o pai de família do Estado (p. 118-19), salientando
que “na Monarquia Portuguesa tem havido épocas em que esta sentença tem tido a
mais exata aplicação” (p. 120).
27. Para Hélio Jaguaribe: “O acordo em apreço veio a exercer crescente ação inibidora
sobre o desenvolvimento econômico brasileiro. Tudo indica, sem dúvida, que o Brasil
não teria seguido um rumo econômico muito distinto do que trilhou se o tratado em
referência não houvesse sido pactuado. Sua condição de exportador de produtos pri-
mários, como sucedeu com o Sul dos Estados Unidos, o manteria, mesmo que pudesse
adotar uma política protecionista, como exportador de tais produtos e importador de
acabados. Uma tarifa protecionista bem planejada, no entanto, poderia, a exemplo
do que ocorreu com os mesmos Estados Unidos, ter resguardado a capacidade de
exportação do país e, ao mesmo tempo, ter instaurado condições propícias para sua
industrialização” (Desenvolvimento econômico e desenvolvimento político, p. 148).

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A concorrência no Brasil 101

2.3. O Brasil independente


Se um dos primeiros passos em direção à nossa independência política
foi a revolução constitucionalista portuguesa,28 nada há de original em se
concluir que a revolta brasileira contra o domínio português se fez sentir de
maneira mais premente quando da tentativa de reimposição do monopólio
do comércio internacional. O restabelecimento do sistema de cabotagem em
nossas costas, de forma que o comércio somente poderia ser efetuado em frotas
portuguesas,29 conforme pretendido por Portugal, significava “na realidade
nossa recolonização”.30
A independência brasileira se faz, segundo Heitor Ferreira Lima, conforme
a trama urdida das lojas maçônicas, em cuja finalidade se incluía “o estímulo
ao comércio livre e à produção agrícola, com o aproveitamento das fontes de
riqueza das nações, sob o funcionamento de um regime liberal”.31
Entretanto, as graves crises que assolaram o período do primeiro reinado
não permitiram que se constituísse ambiente propício para o desenvolvimento
da manufatura.32 Não que esta não tenha havido por completo, apenas restou
de pouco volume, em virtude, também, da exiguidade de nosso mercado con-
sumidor e da priorização da atividade agrícola.33
É interessante notar que, à época do Império, de forma análoga à que
ocorria na Europa durante a Idade Média, os artesãos de semelhante ocupação
se localizavam, quase que em sua totalidade, em uma mesma rua. Mas, dos
fatos que nos são relatados por Heitor Ferreira Lima, podemos deduzir que não
havia uniformização de preços e de qualidade dos produtos, tanto é que alguns
agentes se destacavam, sendo mais procurados que os outros, e socialmente
respeitados na preconceituosa sociedade da época.34

28. A revolução constitucionalista buscava a restauração dos privilégios mercantis da


metrópole, visando ao reabastecimento dos cofres do rei, de forma a contornar a
crise financeira que se apresentava.
29. Ainda Heitor Ferreira Lima anota que esse monopólio acabou por causar inúmeros
transtornos para a população e para os agricultores, “vindo assim a dificultar a vida
pelos preços caros, estiolando a produção sob tais encargos” (História político-
-econômica e industrial do Brasil, p. 185).
30. História político-econômica e industrial do Brasil, p. 184.
31. História político-econômica e industrial do Brasil, p. 187.
32. História político-econômica e industrial do Brasil, p. 206.
33. Heitor Ferreira Lima, História do pensamento econômico no Brasil, p. 89.
34. “Dentro dessa imensa variedade de atividades, havia algumas figuras que sobres-
saíam e se tornavam mesmo famosas como entalhadores, que decoravam os templos

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102 Os fundamentos do antitruste

No período regencial e no segundo reinado, salvo algumas alternações


iniciais no poder, os liberais (representantes da pequena burguesia urbana),
inclusive por falta de base econômica, não lograram impor suas ideias ao im-
perador. Ao contrário, beneficiada também pelos elevados lucros da cultura
do café, a classe agrária afirmava-se no governo, assegurando uma série de
privilégios. O governo do Império foi conservador.35
Nesse período, o fenômeno da intervenção do Estado no domínio econô-
mico dava-se, principalmente, por atuação sobre as tarifas alfandegárias, “que
tinham influência no incipiente sistema econômico da época”.36
É fato que, em certos momentos, houve o que alguns chamam de “surtos
de industrialização”.37 Um dos mais significativos teve como expoente Irineu
Evangelista de Souza, o Visconde (e posteriormente Barão) de Mauá, figura
controvertida e centro de interesses de alguns estudiosos, que o denominam “o
empresário do Império”.38 Mauá clama por liberdade de atuação, insurgindo-se
contra a sufocante atuação do Estado sobre a economia.

da cidade; certos tapeceiros e estofadores, muito procurados pelas famílias ricas;


determinados ourives que faziam as insígnias para a nobreza; joalheiros que realiza-
vam verdadeiras obras de arte, muito admiradas e procuradas; prateiros, autores de
crucifixos, castiçais, lampadários para as igrejas, lapidários e outros mais” (Heitor
Ferreira Lima, História político-econômica e industrial do Brasil, p. 211).
35. “(...) convém lembrar aqui o papel que o império representou nesta conjuntura.
Ele sempre constituiu uma força conservadora, não raro reacionária, que só muito
prudentemente acompanhava o surto de renovação que perpassava na vida brasileira.
Quando cedia à pressão dos acontecimentos, era para firmar-se logo depois numa
mobilidade intransigente. (...) O império não se mostrará mais progressista com
relação às demais reformas econômicas e sociais exigidas pela conjuntura do mo-
mento. E será está quiçá a causa fundamental do seu desaparecimento. Por ‘império’
não entendo aqui unicamente a administração pública e a estrutura política, mas
o conjunto das instituições, bem como a posição ideológica dominante no regime
imperial” (Caio Prado Jr., História econômica do Brasil, p. 195, nota 67).
36. Alberto Venâncio Filho, A intervenção do Estado no domínio econômico, p. 25.
37. Cf., também Steven Topik, A presença do Estado na economia política do Brasil de 1889
a 1930, p. 151 e ss. Caio Prado Jr., referindo-se ao surto industrial na década posterior
a 1850, anota que “boa parte desses empreendimentos e outros semelhantes que
aparecem pela mesma época não representa mais que especulação estimulada pela
súbita liberação dos capitais dantes invertidos no tráfico africano, bem como pela
inflação de crédito e emissões de papel moeda que então se verificaram” (História
econômica do Brasil, p. 192).
38. Para resumo das obras de Mauá, cf. Jair Ribeiro da Silva, Mauá: em face da economia
nacional, p. 52 e ss.

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A concorrência no Brasil 103

Em termos de disciplina da concorrência interna pouco há, também


neste período, que possa ser estudado. O Brasil, na realidade, era abastecido
por mercadorias estrangeiras, não oferecendo à indústria interna qualquer
concorrência.39 A própria atividade comercial era dominada pelos estrangei-
ros.40 Não eram atuadas, também, políticas protecionistas que possibilitassem
o desenvolvimento da indústria nacional. Dentre algumas poucas tentativas
de seu fomento, destaca-se a proposta do Brigadeiro Cunha Matos, deputado
pela província de Goiás, apresentada no dia 20 de maio de 1826, que visava a
obrigar todas as repartições públicas do Império e as ordens religiosas a com-
prarem manufaturas de origem nacional, salvo quando fossem insuficientes
ao consumo, caso em que poderiam ser adquiridos produtos estrangeiros. O
projeto foi, entretanto, rejeitado, após longas discussões.41-42
Ainda quanto à legislação do Brasil independente, Teixeira de Freitas,
no Esboço do Código Civil, publicado entre 1860 e 1865 (antes, portanto, do
Sherman Act norte-americano), previa em seu artigo 3046 que seriam proi-
bidas as sociedades “destinadas a embaraçar a liberdade do comércio, ou da
indústria”, compreendendo-se nessa vedação “[a]s sociedades ou convênios
entre comerciantes para venderem suas mercadorias ou entre fabricantes para

39. “Faltava sobretudo o que a moderna indústria fabril e mecanizada exige como condi-
ção essencial de vida: um mercado amplo e em contínua expansão, o que as condições
sociais e econômicas da grande massa da população brasileira não podiam oferecer.
Não era assim possível às manufaturas nacionais concorrerem com a importação
estrangeira proveniente de indústrias altamente desenvolvidas, em constante e ace-
lerado progresso. Era a esta que caberia satisfazer às necessidades limitadas do país;
as manufaturas indígenas só excepcionalmente estariam em condições de supri-las”
(Caio Prado Jr., História econômica do Brasil, p. 199).
40. De acordo com Gilberto Bercovici, a promulgação do Código Comercial de 1.850
visou a proteger os investimentos estrangeiros, principalmente ingleses. Essa lição
coaduna-se com o testemunho de Brasilio Machado que, em 1907, ensinava aos
seus alunos das Arcadas: “Entre nós (...) quasi todo commercio é explorado por
estrangeiros” (O Codigo Commercial do Brasil em sua formação histórica, 268).
41. Heitor Ferreira Lima, História do pensamento econômico no Brasil, p. 84 e ss.
42. Interessante é a observação de Caio Prado Jr. no que diz respeito à concorrência en-
tre os fazendeiros de café, na disputa pela mão de obra dos imigrantes, fator que se
reverteu a favor destes últimos. Em centros como São Paulo, foi bastante limitada a
adoção de uma política, por parte dos fazendeiros, que “escravizasse” o trabalhador
imigrado: A procura por mão de obra e sua relativa escassez impediu que os pro-
prietários de terras lançassem mão de recursos para reter os empregados contra sua
própria vontade (História econômica do Brasil, p. 212).

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104 Os fundamentos do antitruste

venderem seus produtos, por um preço taxado” e “[a]s sociedades ou conluios


para impedir a concorrência de compradores nas vendas públicas”.

2.4. Constituições brasileiras de 1934 e 1937. Dec.-lei 869, de 1938


A Carta de 1934, em seu art. 115, eleva, pela primeira vez, a nível consti-
tucional, a liberdade econômica. Coloca-a, entretanto, não de forma incondi-
cionada, delimitando seu exercício. In verbis: “Art. 115. A ordem econômica
deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da
vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses
limites, é garantida a liberdade econômica”.
O texto constitucional utiliza a expressão “limites”, ou seja, a liberdade
dos agentes econômicos pode ser restringida para garantir a justiça e as neces-
sidades da vida nacional.43 A liberdade econômica aparece em nosso ordena-
mento, intrinsecamente ligada à ideia de que ao Estado é facultado intervir na
(v.g., art. 116)44 e sobre (v.g., art. 117)45 a economia, no resguardo de interesses
maiores que aquele dos agentes econômicos individualmente considerados.46

43. O que nada tem de contraditório pois, como já vimos no Capítulo I, o próprio libera-
lismo não trouxe consigo um Estado apenas “provedor do direito e da segurança”, e
a liberdade econômica não surge como direito ilimitado. Sobre a diferenciação entre
limites dos poderes do Estado (relacionada ao “Estado de Direito”) e das funções do
Estado (“Estado-mínimo”), v. Norberto Bobbio, Liberalismo e democracia, p. 17.
44. “Art. 116. Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União
poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as
indenizações devidas, conforme o art. 112, n. 17, e ressalvados os serviços munici-
palizados ou de competência dos Poderes locais”. Comentando este dispositivo em
coletânea por eles organizada, José Inácio Gonzaga Franceschini e José Luiz Vicente
de Azevedo Franceschini: “Obviamente não era o texto autoexequível; e, a seguir,
não foi objeto de regulamentação. Não deixou, contudo, de ser o primeiro preceito
constitucional pátrio a preocupar-se em retirar o Estado da posição de mero espec-
tador de fenômenos econômicos que atingissem à coletividade, correlacionando a
organização da ordem econômica a ‘princípios de justiça e às necessidades da vida
social’, com o escopo de possibilitar ‘a todos existência digna’. Só presentes esses
parâmetros, garantia a Carta Magna a liberdade econômica” (Poder econômico: exer-
cício e abuso. Direito antitruste brasileiro, p. 7).
45. “Art. 117. A lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do cré-
dito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito. Igualmente providenciará
sobre a nacionalização das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo
constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no País”.
46. Cf. Cláudia Perrone Moisés e Lígia Maura Costa, Brazilian law: the cases of abuse
of dominant position and behaviors restricting the competition, Revue de Droit des
Affaires Internationales, n. 2, 1993, p. 238.

8004.indb 104 21/06/2018 13:33:08


A concorrência no Brasil 105

Essa limitação explica-se pelo fenômeno de regulamentação da economia


brasileira pelo governo federal, que se fez presente para minimizar os efeitos da
grande crise de 1929, estendendo-se por toda a década de 30. Edgard Carone
relata, sinteticamente, esse acontecimento:47 “A crise de 1929, que se prolon-
ga por quase toda a década de 1930, leva o Estado a intervir na economia de
maneira constante. A pressão das classes produtoras é que força o governo
a adotar as primeiras medidas, apesar de sua relutância inicial. O processo
maior se dá em relação à agricultura, atingindo o café, o açúcar e o cacau. Mas
o decreto proibindo a importação e maquinismo (1931) e as novas medidas
protecionistas mostram que a indústria também está amparada”.
No início da década de 30, o Estado brasileiro intensifica sua atuação sobre
e no domínio econômico, para não apenas corrigir as disfunções trazidas pela
economia vigente, mas também (e principalmente) conduzir esse sistema,
regulamentando a atividade dos agentes econômicos.
A questão que naturalmente se apresenta versa sobre o início da inter-
venção estatal na economia brasileira: em qual período identificamos seu
nascimento? Sem a pretensão de discutir tema estranho ao objeto principal
deste livro, tomamos por certo o fato de que intervenção estatal, no Brasil,
sempre houve.48
Por exemplo, desde os tempos coloniais, a coroa portuguesa regula-
mentava a atividade econômica no Brasil (ainda que não para fomentá-la),
implementando, como dissemos, política fiscalista. Ora, se não atuasse sobre
a economia, como poderia implementar a referida política pública?49
Durante toda a primeira república, no período que vai de 1889 a 1930,
o Estado brasileiro já era um dos mais intervencionistas da América Latina,
como assinala o professor de história da Universidade da Califórnia, Steven

47. A segunda república (1930-1937), p. 185. Sobre a mesma questão, comenta Alberto
Venancio Filho: “A partir da década dos anos trinta, acentua-se o mecanismo de
intervenção do Estado no domínio econômico, com a criação de autarquias econô-
micas para defesa de produtos da agricultura e da indústria extrativa” (A intervenção
do Estado no domínio econômico, p. 32).
48. Sobre o conceito de “intervenção” (do qual nos valemos), v. Eros Roberto Grau, A
ordem econômica na Constituição de 1988, itens 34 e seguintes. V., ainda, do mesmo
autor, considerações sobre os primórdios do planejamento no Brasil (Planejamento
econômico e regra jurídica, p. 128 e ss.)
49. Steven Topik assinala que “na realidade, o Estado brasileiro já era um dos mais
intervencionistas da América Latina, muito antes do colapso do comércio exterior
em 1929” (A presença do Estado na economia política do Brasil de 1889 a 1930,
p. 11).

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106 Os fundamentos do antitruste

Topik, concluindo longa pesquisa sobre esse nosso momento político.50 O


trabalho de Topik faz com que não possamos negar a atuação do Estado na e
sobre a economia brasileira durante a primeira república.
Na década de 1930, houve um aumento quantitativo (que acabou por gerar
um incremento qualitativo) dessa intervenção: em virtude da crise que se apre-
sentava, tornou-se necessário não apenas contorná-la, mas também conduzir
o próprio sistema, justamente para evitar o advento de novas crises.51
Em 1934, a livre iniciativa não é vista em seu sentido tradicional e a con-
corrência não deveria ser encarada como direito ilimitado dos agentes econô-
micos. Entretanto, não houve, sob a égide dessa Constituição, a promulgação
de qualquer lei que regulamentasse o processo competitivo, sob uma ótica
antitruste.52
O movimento pela diminuição da intervenção estatal, em alguns setores,
se fazia sentir. Ainda Edgard Carone, valendo-se de manifestação de Roberto

50. Ainda Steven Topik: “A presença preponderante do Estado brasileiro em sua econo-
mia não tem recebido suficiente atenção, sendo sempre considerada secundária por
historiadores da Primeira República. (...) Outros autores acham que o liberalismo
econômico fora introduzido num esforço de imitar a prosperidade europeia, aceitando
cegamente as suas ideias intelectuais. Hélio Jaguaribe conclui que ‘o pensamento
brasileiro (...) permaneceu fiel às doutrinas do laissez-faire, aplicadas com sectaris-
mo doutrinário’. Celso Furtado afirma que ‘a ciência econômica europeia no Brasil
vinha filtrada através das faculdades de direito, sendo transformada numa doutrina
aceita sem qualquer tentativa de comparação com a realidade. Sempre que essa
realidade estava longe da teoria ideal da doutrina, era isso considerado um sintoma
de patologia social’. Seja por motivos materiais ou por questões ideológicas, ‘as ações
econômicas do Estado republicano brasileiro ficaram extremamente reduzidas’. (...) A
interpretação dominante é que no Brasil, só depois do fim da Primeira República e da
tomada do poder por Getúlio Vargas, em 1930, ter-se-ia formado no país, nas palavras
de Robert Haynes, ‘um espírito nacionalista que determinou o fim do laissez-faire
econômico e enfatizou uma nova posição de força do governo federal na economia’.
Assim, foi só a partir de 1930 que a política econômica do Estado passaria a ser um
tema importante para estudos” (A presença do Estado na economia política do Brasil
de 1889 a 1930, p. 12-13).
51. Sobre a atuação do governo brasileiro, a partir do Estado Novo, colocando em prática
projetos de planejamento, v. Edgard Carone, A república liberal I: instituições e classes
sociais (1945-1964), p. 76 e ss. V., também, L. C. Bresser Pereira, Desenvolvimento
e crise no Brasil, p. 35 e ss. Sobre as principais medidas intervencionistas do Estado
brasileiro, no período, cf. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de
1988, item 5.
52. A concorrência entre os agentes econômicos foi disciplinada, sob uma ótica indivi-
dual, mediante a promulgação do Código da Propriedade Industrial.

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A concorrência no Brasil 107

Simonsen,53 ressalta que os industriais da época desejavam que o Estado se


dedicasse às “funções mais espinhosas, como o problema social, por exemplo.
Restringindo a ação estatal a certas funções, os industriais teriam maior liber-
dade e lucros”. Paralelamente, esses mesmos industriais não tinham capitais
e técnicas suficientes para superar “certos problemas”. A intervenção estatal,
no Brasil, apareceria “como imposição do momento e da falta de iniciativa
particular”.
Considerado esse contexto, em que o Estado buscava suprir a atividade
econômica privada, para o sustento do próprio sistema, coloca-se a Constitui-
ção Federal de 1937, em que a liberdade de iniciativa é tomada nos seguintes
termos: “Art. 135. Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização
e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se
a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio
econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual
e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus
conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos
interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio
econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do
estímulo ou da gestão direta”.
A intervenção do Estado no domínio econômico poder-se-ia dar, nos
termos do referido texto constitucional, mediante seu controle (atuação sobre
a economia), estímulo (atuação sobre a economia mediante a utilização de
sanções positivas) ou gestão direta (atuação do Estado na economia),54 mas
apenas para “suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fato-
res da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir
no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação”.
A Constituição de 1937 tem inspiração nitidamente fascista,55 semelhante,
portanto, àquela adotada por Mussolini, na Itália. O princípio constitucional

53. Sobre a aproximação entre o setor industrial e o governo, o profundo estudo publica-
do em obra coletiva sob a direção de Boris Fausto, de autoria de Eli Diniz, O Estado
Novo: estrutura de poder relações de classes, História geral da civilização brasileira,
p. 80 e ss.
54. A terminologia, mais uma vez, é de Grau (Planejamento econômico e regra jurídica,
p. 23-24) e Francesco Galgano (Pubblico e privato nella regolazione dei rapporti
economici, Trattato di diritto commerciale e di diritto pubblico dell’economia: la costi-
tuzione economica, v. 1, p. 123).
55. Alberto Venancio Filho anota que a Constituição de 1937 tem sua inspiração direta
na Constituição polonesa de 1934, enquanto Waldemar Ferreira aponta a influência
fascista sobre o governo da época (História do direito constitucional brasileiro, p. 102).

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108 Os fundamentos do antitruste

positivado no referido art. 135 tinha a função de desempenhar, em nosso


sistema, idêntico papel da Dichiarazione IX da Carta del Lavoro, de 1927, e,
posteriormente, do art. 41 da Constituição da República Italiana.
A identidade entre o art. 135 da Constituição brasileira e a referida Dichia-
razione IX não foi, em momento algum, mascarada. Mesmo pela semelhança
de forma e função que desempenhavam, podemos nos valer das palavras de
Galgano comentando o texto italiano: “La dottrina economica del fascismo
faceva propri, in tal modo, i postulati della dottrina economica liberale: essa ri-
conosceva il primato dell’iniziativa economica privata; attribuiva all’intervento
pubblico nell’economia carattere subalterno rispetto all’iniziativa privata”.56
O art. 141 do texto constitucional brasileiro de 1937 colocava, como prin-
cípio, a proteção à economia popular. Regulamentando o referido dispositivo,
veio o Dec.-lei 869, de 18 de novembro de 1938, nitidamente, em muitos de seus
aspectos, uma lei antitruste. O primeiro diploma brasileiro antitruste surge com
função constitucional bastante definida, buscando a tutela da economia popular e
portanto, precipuamente, do consumidor.
A evolução da disciplina, no Brasil, não se deu como nos países com certa
tradição antitruste: o antitruste não nasce, no Brasil, como fator de ligação entre o
liberalismo econômico e (manutenção da) liberdade de concorrência. Nasce como
repressão ao abuso do poder econômico e tendo como interesse constitucionalmente
protegido o interesse da população, do consumidor.
Essa função constitucionalmente assegurada à nossa primeira Lei Antitrus-
te constitui uma das principais diferenças que se fazem sentir entre o sistema
norte-americano e o brasileiro. A legislação norte-americana vem calcada no
princípio da proteção e manutenção da concorrência (como correlata a um
princípio liberal) e não na proteção direta do consumidor.
Essa conclusão, embora possa ser contestada por alguns, exsurge da aná-
lise das discussões que precederam à promulgação do Sherman Act: buscou-se,
naquele momento, principalmente, a repressão aos atos que atentassem contra
a livre-concorrência entre os agentes econômicos. Os distúrbios na economia
eram provocados pelos detentores de excessivo poder econômico são quase
que unanimemente apontados pela doutrina especializada como cardeais do
movimento a favor da promulgação da Lei Antitruste.
O Dec.-lei 869, de 1938, ao contrário, vinha embasado (como declara
sua própria ementa) no art. 141 da Constituição Federal de 1937, ou seja, na

56. Pubblico e privato nella regolazione dei rapporti economici, Trattato de diritto com-
merciale e di diritto pubblico dell’economia: la costituzione economica, v. 1, p. 120.

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A concorrência no Brasil 109

proteção da economia popular. A diferença de escopos (ou de interesses imedia-


tamente protegidos) entre as duas legislações impediu, em muitos aspectos, que
fosse adotada entre nós sistematização em tudo semelhante à norte-americana.57
Sob o manto da proteção da economia popular, é no Dec.-lei 869, de 1938,
que se colocam, pela primeira vez, em nosso sistema jurídico, algumas normas
antitruste que perduram até hoje: coibição do açambarcamento de mercadorias
(art. 2.º, IV), manipulação da oferta e da procura (art. 2.º, I e II), fixação de
preços mediante acordo entre empresas (art. 3.º, I), venda abaixo do preço de
custo (art. 2.º, V), exclusividade (art. 3.º, I) etc.58
Ali também se abrigam dispositivos que, hoje em dia, estão espalhados
por diversos diplomas. Por exemplo, a provocação de oscilação artificial no
preço e fluxo de valores mobiliários (art. 2.º, VI) e a gestão fraudulenta de
instituições financeiras (art. 2.º, IX).
Dentre os dispositivos nitidamente antitruste, é importante que nos dete-
nhamos nos declarados objetos ou efeitos de alguns dos comportamentos tipifi-
cados. Iniciemos, pois, pelo inc. III do art. 2.º do Dec.-lei 869, de 1938, in verbis:
“III – promover ou participar de consórcio, convênio, ajuste, aliança ou fusão de
capitais, com o fim de impedir ou dificultar, para o efeito de aumento arbitrário
de lucros, a concorrência em matéria de produção, transporte ou comércio”.
O referido inciso introduziu, desde o ano de 1938, em nosso sistema ju-
rídico, a condenação de determinadas práticas (participação em consórcios,
convênios, ajustes, alianças ou fusão de empresas) que levassem ao aumento
arbitrário de lucros, à semelhança do que é disposto, atualmente, no art. 36,
III, da Lei 12.529/2011.
Da mesma forma, “o fim de dominar o mercado em qualquer ponto do
país e provocar a alta de preços” era expressamente condenado pelo inc. IV do
mencionado art. 2.º do Dec.-lei 869, de 1938. Talvez se possa identificar, nesse
ponto, a origem do atual inc. II do art. 36 da Lei 12.529, de 2011.

57. Shieber compila a opinião de autores que veem, no Decreto-lei 869, de 1938, o decal-
que da legislação norte-americana (Abusos do poder econômico: direito e experiência
antitruste no Brasil e nos EUA, p. 17).
58. “No direito brasileiro a gênese da Lei Antitruste encontra-se nos dispositivos que
tratam dos crimes contra a economia popular (...). Este dispositivo (referindo-se ao
art. 141 da Constituição de 1937] foi regulamentado pelo Decreto-lei 869, de 18 de
novembro de 1938, em que foram enumerados os crimes contra a economia popu-
lar. Neste decreto-lei com normas definindo e punindo crimes contra a economia
popular, tem-se a primeira norma jurídica antitruste brasileira” (Benjamin Shieber,
Abusos do poder econômico, p. 4).

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110 Os fundamentos do antitruste

O prejuízo à concorrência entre os agentes econômicos, levando-se em


consideração o que hoje chamaríamos de “interesse do mercado”, fazia-se
presente, por exemplo, no inc. V do mesmo art. 2.º do Dec.-lei 869, que vedava
a prática de preços predatórios.
Coerente com a ideologia espelhada na Constituição de 1937, o Dec.-lei
869, de 1938, autorizava a atuação do Estado sobre o domínio econômico
apenas para neutralizar os efeitos autodestrutíveis decorrentes da própria
estrutura do mercado. O Estado, ao menos na ideologia constitucional, como
se vê no referido diploma, não teria maiores funções de condução do sistema,
apenas de correção das disfunções que se verificavam.
Assinala Shieber que, se por um lado o Dec.-lei 869, de 1938, foi instru-
mento apto a corrigir algumas disfunções no campo dos preços, artifícios e
fraudes contra os consumidores, de outro não teve maior aplicação no campo
antitruste.59 Carlo Barbieri Filho refere-se a um único caso, no qual as normas
antitruste do Dec.-lei 869 encontraram aplicação: um parecer do Dr. Aníbal
Freire, aprovado pelo Presidente Getúlio Vargas, sobre cláusulas de contrato
celebrado entre Standard Oil Company of Brasil e proprietários de postos de
gasolina, em que se determinou que a consulente modificasse alguns aspectos
do referido instrumento.60
2.5. A luta contra os trustes e seu caráter nacionalista. Agamemnon
Magalhães
Mais do que a luta para controlar as atividades dos agentes detentores de
poder econômico, o antitruste, no Brasil, surge com uma aura de “nacionalis-
mo”, de proteção do interesse nacional contra o poder estrangeiro.
Ao contrário do que ocorrera nos Estados Unidos, os “poderes econômi-
cos”, combatidos inclusive pela opinião pública, não eram apenas internos ou
derivados de disfunções do processo nacional de acumulação de capital. Ao
contrário, no Brasil, amalgama-se, desde o início, a repressão ao abuso do poder
econômico com o nacionalismo e o protecionismo, assumindo nosso sistema, mais
uma vez, particularidades não encontradas alhures.
É sob esse prisma que devemos encarar a trajetória de Agamemnon Ma-
galhães, ministro de Getúlio Vargas, eleito à unanimidade pelos doutrinadores

59. Cf. Shieber, Abusos do poder econômico, p. 6. No entender desse autor, a pouca efe-
tividade do diploma deveu-se, acima de tudo, à falta de instituição de “um órgão
especializado com competência para executar os dispositivos antitruste do Decreto-
-lei 869”.
60. V. transcrição de Carlo Barbieri Filho, Disciplina jurídica da concorrência: abuso do
poder econômico, p. 34.

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A concorrência no Brasil 111

o pioneiro do antitruste no Brasil. Com efeito, se analisarmos a atuação de


Agamemnon Magalhães, veremos que se voltava, quase que precipuamente,61
contra o poder econômico que derivava do capital estrangeiro,62 apto a colocar
em xeque a soberania e a estabilidade nacionais.63
Aqueles que algo escrevem sobre Agamemnon Magalhães costumam
referir a vital importância que desempenhou sobre a formação de seu caráter
o episódio ocorrido com Delmiro Gouveia, industrial da localidade de Pedra,
região do Rio São Francisco.64 “Captando um fio d’água da Cachoeira de Paulo
Afonso e criando uma civilização”,65 Delmiro Gouveia construiu uma fábrica
de fios de algodão, passando a atuar em setor dominado pela empresa inglesa
Machine Cotton e suas controladas. O empresário resistiu a todas as pressões
da competidora para que vendesse sua propriedade. Terminou morto e seu
corpo jogado nas águas do Rio São Francisco.66 Seus filhos continuaram a luta,
obtendo do Presidente Artur Bernardes assinatura, em 19 de junho de 1926,
de decreto-lei elevando as taxas de importação das linhas de coser de 2.000
para 10.000 réis o quilo. Posteriormente, por força da atuação do embaixador
inglês, o decreto foi revogado no governo de Washington Luís. A fábrica de
Pedras foi desativada, e os equipamentos atirados no Rio São Francisco.67-68

61. Isso não quer dizer que Agamemnon Magalhães não se tenha voltado contra o poder
econômico nacional, considerado que for o testemunho de Paulo Germano Magalhães
(As origens do nome “Lei Malaia”. Revista do CADE, p. 13).
62. O que faz com que José Alexandre Tavares Guerreiro refira-se a Delmiro Gouveia
como um “empresário nacionalista” (Formas de abuso de poder econômico, Revista
de Direito Mercantil, p. 41).
63. É sintomática a posição de Moniz Bandeira: “Efetivamente, ao contrário do que su-
cedeu nos Estados Unidos e em outros países mais adiantados, onde a concentração
resultou do desenvolvimento capitalista, no Brasil, país retardatário, os monopólios
implantados pelas corporações estrangeiras constituíam fator de atraso e entrave ao
seu próprio esforço de industrialização” (Cartéis e desnacionalização: a experiência
brasileira – 1964-1974 (Retratos do Brasil, v. 96), p. 5).
64. Por todos, cf. Paulo Germano Magalhães, Revista do CADE, n. 4, p. 12.
65. Discurso de Agamemnon Magalhães perante a Câmara dos Deputados, publicado
no Anexo A ao DCN – Diário do Congresso Nacional, n. 123, p. 4, 4.ª coluna.
66. Moniz Bandeira assinala que a opinião pública não tinha qualquer dúvida de que a
morte de Delmiro Gouveia teria sido encomendada pela Machine Cotton (Cartéis e
desnacionalização, p. 5).
67. Cf. intervenção de Afonso de Carvalho ao discurso de Agamemnon Magalhães perante
a Câmara dos Deputados, publicada no Anexo A ao DCN, p. 4, 4.ª coluna.
68. A prática de adquirir empresas para depois sucateá-las e absorver sua participação de
mercado é expressamente vedada por nossa Lei Antitruste e também pela Lei 6.404,
de 1.976 (Lei das Sociedades por Ações).

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112 Os fundamentos do antitruste

Se esse foi efetivamente o episódio que tanto impulsionou Agamemnon


Magalhães a atuar contra o poder econômico, há de se vislumbrar o caráter
protecionista que permeava as ideias da época. Em suas palavras: “O capital
industrial, que atingiu ao seu apogeu no Velho Mundo e na América do Norte,
só nos meados do século XX se volta para o Brasil e atravessa as nossas frontei-
ras, com a sua técnica, as suas formas de concentração, a sua cobiça de lucros
e de mercados. O Brasil que, na colônia e no Império, não soube defender-se
contra o mercantilismo capitalista, que levou o ouro do açúcar, das minas e
do café para Portugal, Holanda e Inglaterra, deve ter outra atitude em face da
Revolução Industrial. Se as Companhias de Comércio dos séculos XVI, XVII e
XVIII dominaram os mares e as trocas do mundo, os trusts e os cartéis contro-
lam hoje a produção industrial e a sua distribuição em todos os mercados. A
verdade é que devemos ser senhores das nossas matérias-primas e das nossas
riquezas minerais, mas, senhores industrialmente, formando no Brasil um
grande mercado de trabalho e de consumo”.69
Essa postura protecionista vinha aliada, como sabemos, a discurso que
propugnava a necessidade da atuação do Estado para garantir a liberdade de
concorrência entre os agentes econômicos. Em meio a tudo isso, passa a linha
de evolução do direito antitruste brasileiro.

2.6. Dec.-lei 7.666, de 1945


Projeto de Agamemnon Magalhães, em 1945, transforma-se no Dec.-lei
7.666, ou, como ficou mais conhecido, na “Lei Malaia”.70 Antes, a regulamenta-
ção da repressão ao abuso do poder econômico era efetuada por alguns diplomas
legais, diluída pela falta de sistematização. Modificando completamente o rumo,
a Lei Malaia disciplina a matéria de forma específica, sistemática, voltando-se
de forma firme e direta contra o abuso do poder econômico. Se a mudança de
rumos é bastante evidente, cabe perguntar: o que teria levado Getúlio Vargas
à promulgação da Lei Malaia?
Paulo Germano Magalhães (filho de Agamemnon Magalhães) afirma
que “teria levado o Sr. Getúlio Vargas a assinar o Dec.-lei 7.666 a convicção

69. Agamemnon Magalhães, Abuso do poder econômico, in Abuso do poder econômico,


Recife, Folha da Manhã, 1949, p. 12-13. Publicado também na RF, ago. 1949, p. 285
e ss.
70. Paulo Germano Magalhães, em entrevista publicada na Revista do CADE, n. 4, p. 11,
explica que Agamemnon Magalhães, por alguns de seus traços fisionômicos e pela
cor de sua pele, possuía algumas características orientais, de forma que acabaram
por apelidá-lo de Malaio, decorrendo daí o nome “Lei Malaia”.

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A concorrência no Brasil 113

de que grupos financeiros nacionais e internacionais estariam por trás da


violenta reação política que contra ele se manifestara, no país, logo após a
guerra mundial”.71
A justificativa apresentada parece ser bastante coerente com o espírito
nacionalista que presidia, à época, as discussões antitruste. Conforme noticia
Moniz Bandeira, o Departamento de Estado Norte-Americano interpretou o
Dec.-lei 7.666 como “um ato de nacionalismo econômico, que desencorajava
a entrada de capitais estrangeiros no Brasil”.72 Tratar-se-ia de instrumento
protecionista nas mãos do governo de Getúlio Vargas?
Mas, deixando de lado as motivações do presidente e de seu ministro
Agamemnon com a promulgação da Lei Malaia, o fato é que esse diploma
representa, em termos de sistematização da matéria e técnica jurídica, grande
avanço, em muitos aspectos semente da regulamentação atual.
Como bastante ressaltado pela doutrina,73 a Lei Malaia tem caráter nitida-
mente administrativo e não penal: já não se refere a “crimes contra a economia
popular”, mas sim a “atos contrários aos interesses da economia nacional”. Nas
palavras de Shieber, “o decreto-lei estabelecia a repressão administrativa aos
trustes, aos cartéis e todas aquelas combinações que visam dominar o mercado
nacional. Era contra a tradição do judicialismo americano”.74
À Administração Pública era dado averiguar as práticas contrárias aos
interesses da economia nacional, determinar a aplicação de sanções e autorizar
atos restritivos, tendo sido criada, com tal escopo, a Comissão Administrativa
de Defesa Econômica – CADE. Os atos que não fossem aprovados pela CADE
eram “nulos e de nenhum efeito”. Ou seja, facultava-se ao Poder Executivo,
segundo seu juízo de conveniência e oportunidade, autorizar determinada
conduta. Introduzia-se em nosso ordenamento jurídico o sistema de “autori-
zação prévia para formação, incorporação, transformação e agrupamento de

71. A nova liberdade: combate aos trustes e cartéis, Brasil Hoje, v. 10, p. 21. Comenta,
ainda, o mesmo autor: “A ameaça ao poder econômico nacional e internacional que
conspirava pela queda de Getúlio era terrível. A luta era titânica. Mas o jagunço
estava na tocaia. Redigiu a ‘Lei Malaia’, a Lei Antitruste, que Getúlio promulgou sob
a forma do Decreto-lei 7.666” (p. 19).
72. Cartéis e desnacionalização, p. 3.
73. Isabel Vaz, Direito econômico da concorrência, p. 249-50. Benjamin Shieber, Abusos
do poder econômico, p. 8.
74. Abusos do poder econômico, p. 8. A expressão “judicialismo americano” é de Agamem-
non Magalhães, quando apresentou o Projeto 122/1948 à apreciação da Câmara dos
Deputados (cf. Suplemento A ao DCN, n. 123, p. 4, 1.ª coluna).

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114 Os fundamentos do antitruste

determinadas empresas, além do registro de outros ajustes e acordos, com a


interferência no processo de produção e circulação das riquezas”.75
A ilicitude das práticas era determinada em virtude de seus efeitos, o que
afastava maiores investigações sobre a intenção do agente. Eram tomados como
contrários aos interesses da economia nacional os entendimentos, ajustes ou
acordos (art. 1.º, I) que tivessem por efeito a elevação dos preços de venda dos
respectivos produtos (alínea a), a supressão da liberdade econômica (alínea
b) ou a influência do mercado de modo favorável ao estabelecimento de um
monopólio (alínea c).
São considerados pelo referido diploma não apenas os efeitos atuais e
imediatos das práticas, bem como os efeitos potenciais que poderiam advir,
o que se pode depreender da utilização constante da expressão “desde que de
tais atos resulte ou possa resultar”.
Podemos identificar no texto expressão que nos permite concluir ter-se
pensado, à época, em delimitação do que hoje chamamos “mercado relevante”.
Se não, que outra explicação poderíamos dar à referência aos “monopólios
regionais”, conforme disposto na alínea c, inc. I, do art. 1.º da Lei Malaia?
A inovação veio também na tentativa de se conceituar, da forma mais
ampla, o significado do termo “empresa”, qualificando-a como “as pessoas
físicas ou jurídicas de natureza comercial ou civil que disponham de organi-
zação destinada à exploração de qualquer atividade com fins lucrativos” (art.
1.º, parágrafo único).
No entender de muitos, o Dec.-lei 7.666 colocava nas mãos do Poder
Executivo instrumento apto a controlar a atividade das grandes empresas em
território brasileiro, facultando até mesmo a intervenção naquelas que prati-
cassem atos nocivos ao interesse público. As ponderações efetuadas, à época,
que tocavam a questão da hostilidade ao capital estrangeiro, baseavam-se na
constatação de que a Lei Malaia daria ao governo possibilidade de atuar forte
política protecionista. A estrutura da CADE, ligada diretamente ao Poder
Executivo, mantém-se até hoje entre nós.
A resistência ao Dec.-lei 7.666 foi ferrenha.76 Alguns setores da oposição
chegaram a qualificar a CADE de órgão “nazifascista”, que ameaçava a eco-
nomia brasileira.77

75. Alberto Venâncio Filho, A intervenção do Estado no domínio econômico, p. 290.


76. Sobre os ataques à Lei Malaia e sua inoportunidade política, cf. Paulo Germano Maga-
lhães, em entrevista concedida à Revista do CADE, n. 4, p. 12. Cf., também, Agamemnon
Magalhães, Suplemento A ao DCN, n. 123, p. 4, 1.ª coluna. A respeito, são as palavras

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A concorrência no Brasil 115

Com a queda de Getúlio Vargas, o Dec.-lei 7.666 de 1945 foi revogado,


77

em 9 de novembro do mesmo ano, pelo presidente provisório José Linhares,


não tendo superado três meses de vigência.78

2.7. Constituição de 1946 e os diplomas de repressão ao abuso do


poder econômico emanados sob sua égide
A Constituição brasileira de 1946 trouxe pela primeira vez de forma
expressa79 o princípio de repressão ao abuso do poder econômico, em seu
art. 148:80 “Art. 148. A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder
econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou
sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados
nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros”.
Se considerarmos que esta foi a primeira vez que se escreveu no texto
constitucional o princípio referido, assiste razão a Isabel Vaz ao afirmar que
neste ponto “tem início uma nova fase no chamado ‘sistema brasileiro anti-
truste’, onde a tônica deixa de ser simplesmente a defesa da ‘economia popular’
através dos diplomas legais citados”.81 De outra parte, levando em conta os
estritos termos do Dec.-lei 7.666, de 1945, no qual, como vimos, a principal

de Waldemar Ferreira: “Decreto-lei de 1945, dispondo sobre os atos contrários à ordem


econômica, estabeleceu sistema incompatível com a tradição brasileira, na repressão
dos trustes. Era remédio mais pernicioso que a moléstia que se propusera debelar;
por isso, no regime instaurado pelo golpe de Estado de outubro de 1945, revogou-se
aquele decreto-lei” (História do direito constitucional brasileiro, p. 193).
77. Cf. Moniz Bandeira, Cartéis e desnacionalização, p. 3.
78. No entender de Edgard Carone, a revogação da Lei Malaia foi motivo de júbilo da
classe produtora (cf. A república liberal II: evolução política (1945-1964), p. 13).
79. Parte da doutrina, liderada por Pontes de Miranda, sustenta que o princípio da repressão
ao abuso do poder econômico se encontrava implícito nas Constituições de 1934 e 1937
(Comentários à Constituição de 1946, v. 4, p. 27). Fábio Nusdeo também sustenta que o
princípio da repressão ao abuso do poder econômico já se encontrava na Constituição
de 1934 (Abuso do poder econômico, Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 136).
80. Agamemnon Magalhães justifica a ratio desse dispositivo com o seguinte raciocí-
nio: “A livre-concorrência é (...) a base da economia liberal”. Por sua vez, o poder
econômico “é o que resulta da posse dos meios de produção. Quando esses meios de
produção, em certos setores da atividade são dominados por um indivíduo ou um
grupo de indivíduos, são dominados por uma empresa ou por um grupo de empresas,
evitando que outros deles também possam dispor, há abuso do poder econômico”.
Nesse contexto, o Estado deve “intervir para evitar ou suprimir o abuso” (Abuso do
poder econômico, Abuso do poder econômico, p. 11 e ss.).
81. Direito econômico da concorrência, p. 249-50.

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116 Os fundamentos do antitruste

ótica era, justamente, a de repressão ao abuso do poder econômico, podemos


ver que o art. 148 da Constituição Federal apenas fez consolidar uma tendência
que procurava afirmar-se.
Entretanto, com a evolução industrial do nosso país, acelerada pelas
duas grandes guerras, a necessidade de normas sobre a repressão ao abuso do
poder econômico se fez sentir de forma mais intensa.82 O texto constitucional,
inspirado na tradição iniciada pelo Dec.-lei 869, de 1938 (especialmente no
que tange à repressão ao aumento arbitrário de lucros) e no Dec.-lei 7.666, de
1945, veda “toda e qualquer forma de abuso do poder econômico” que tenha
por fim (i) dominar o mercado nacional, (ii) eliminar a concorrência e (iii)
aumentar arbitrariamente os lucros.
Afastando-se da sistematização efetuada pelo Dec.-lei 7.666 de 1945, a
Constituição Federal condenou os atos abusivos pela sua finalidade (“que te-
nham por fim”) e não pelos seus efeitos (“que tenham por efeito”), conforme
constava do art. 1.º do referido Decreto-lei.
É sintomática a observação efetuada por Pontes de Miranda a respeito do
art. 148 da Constituição de 1946, que, percebendo o poderoso instrumental que
estaria sendo colocado em mãos do governo federal, asseverou: “(...) é dificílimo
manobrar as duas políticas a de intervenção na economia e a de luta contra os
trustes. Acaba o Estado por ter tantas armas debaixo do braço – e tantos sabres
e machados – que não possa ou não saiba usar, com acerto, de nenhuma. Fixar
preço e perseguir trustes, sem aparelhamento quase genial, se não genial, de
economia e de administração públicas, é o mais perigoso dos empirismos”.83
No Brasil, não é tarefa fácil para o jurista sistematizar a evolução histórica
das normas antitruste, perdidas em um cipoal de diplomas, em que se protegem
os mais diversos interesses, apenas mediatamente compatíveis. A Lei 1.521, de
26 de dezembro de 1951, embora alterando, como diz sua epígrafe, “disposi-
tivos da legislação vigente sobre crimes contra a economia popular”, contém
regras tipicamente antitruste. É o caso, exemplificativamente, do art. 3.º, III, que
condena o acordo entre empresas “com o fim de impedir ou dificultar, para o
efeito de aumento arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de produção,
transporte ou comércio”, ou ainda o inc. V do mesmo artigo, vedando a prática
de preços predatórios (“vender mercadorias abaixo do preço de custo”).84

82. Agamemnon Magalhães, Abuso do poder econômico, p. 12.


83. Comentários à Constituição de 1946, p. 28.
84. Para a transcrição e comentários sobre os debates parlamentares que antecederam
a promulgação da Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951, cf. Sousa Neto, Júri de
economia popular.

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A concorrência no Brasil 117

Desta feita, até o ano de 1962, não encontramos em nosso ordenamento


diploma legal específico que regulamentasse a repressão ao abuso do poder
econômico, conforme estava previsto no art. 148 da Constituição Federal.

2.7.1. Lei 4.137, de 1962. Vinte e nove anos de vigência desprovida de


eficácia material
2.7.1.1. Os debates que antecederam a promulgação da Lei Antitruste
e a discussão sobre sua necessidade e função
Os debates legislativos que antecederam a promulgação da Lei 4.137, de
10 de setembro de 1962, fornecem algumas informações sobre a evolução da
disciplina da concorrência no Brasil que não podem ser desprezadas.
A Lei 4.137, de 1962, teve origem no Projeto 122, de 1948, de autoria
do Deputado Agamemnon Magalhães. Com a morte de seu pai, o Deputado
Paulo Magalhães renovou no ano de 1955,85 sem qualquer alteração, o referido
Projeto 122.
Depreende-se dos debates inicialmente travados no Congresso Nacional
que, em um primeiro momento, a promulgação de uma lei de repressão ao
abuso do poder econômico tinha por escopo apenas eliminar os efeitos au-
todestrutíveis do próprio mercado, preservando-o.86 É também constante a
referência à proteção ao consumidor, ou melhor, aos prejuízos que são impostos
à população em decorrência do abuso do poder econômico87 e que deveriam
ser neutralizados pela promulgação de uma lei antitruste.88

85. Projeto 3-1955 (cf. Shieber, Abusos do poder econômico, p. 11).


86. “Realmente, a repressão ao abuso do poder econômico só estará completa quando o
mecanismo liberal libertar o mercado de sua presença e de seus efeitos. A lei de que
cogita o art. 148 da Constituição não é apenas repressiva. Mas antes restauradora
das condições normais do mercado. É uma lei de defesa da liberdade econômica e
da concorrência”. Parecer da Comissão de Constituição e Justiça ao Projeto 122/48.
Anexo A ao suplemento do DCN, n. 123, 28 jul. 1961, p. 5, 4.ª coluna.
87. Agamemnon Magalhães (Anexo A ao suplemento DCN, n. 123, p. 5, 1.ª coluna)
fornece vários exemplos de práticas abusivas que eram perpetradas.
88. Não se pode deixar de fazer referência à contenda que se instalou no foro do Estado
da Guanabara (Juizado de Direito da 1.ª Vara da Fazenda Pública), na década de 50,
em que se procurou demonstrar serem a Rio-Light S. A. Serviços de Eletricidade e
Carris e a Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico, na realidade, braços de trusts
internacionais, sendo que “as holdings no Brasil” estavam “fazendo o que as suas
donas não podem mais fazer nos Estados Unidos”, atuando práticas absolutamente
desleais, corrompendo a administração e remetendo para o exterior lucros abusivos.
As principais peças e documentos acostados aos autos foram publicados em separa-

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118 Os fundamentos do antitruste

Os exemplos de Agamemnon Magalhães, em seus discursos, são pre-


mentes. Refere-se, sempre, a Delmiro Gouveia e a trustes (cuja existência, no
Brasil, era, em sua opinião, indiscutível): truste do fósforo, do trigo, além de
inúmeros abusos de patentes indevidamente concedidas.89
Mas as intervenções de Jurandir Pires ao discurso de Agamemnon deixam
entrever a discussão que até hoje se repete nos foros especializados. De um
lado, os apelos do ex-ministro de Getúlio Vargas, ressaltando os malefícios da
concentração do poder econômico, de outro, Jurandir Pires fazendo ver que
o poder econômico é absolutamente natural na estrutura capitalista e nada há
que possa (ou deva) detê-lo de forma eficaz. A justificar sua posição, o último
deputado afirmava que, também nos Estados Unidos da época (país que Aga-
memnon tomava como exemplo) “algo existe na lei que não funciona bem,
porque esse país incontestavelmente, no mundo contemporâneo, possui, ao
mesmo tempo, a maior força de poder econômico e o maior número de trustes
e cartéis”.90
Não foram poucas as vozes que falaram na Tribuna sobre a inconveniência
e desnecessidade de uma lei específica destinada a reprimir o abuso do poder
econômico. Hermes Lima chegou a sustentar que as leis então vigentes (Leis
1.521 e 1.522, de 1951) “dispensariam o projeto” que se achava em estudos
no Congresso Nacional.91
Os debates e depoimentos prestados tocaram, também, a questão do
“tamanho” das empresas brasileiras, deslocando a discussão para a polêmica
atuação da Lei Antitruste sobre a estrutura do mercado. A respeito, foi elucidati-

ta do v. 9 da Revista de Direito da Procuradoria-Geral, sob o título Abusos do poder


econômico – Light versus Estado da Guanabara, Rio de Janeiro, 1960.
89. Agamemnon Magalhães, Anexo “A” ao suplemento DCN, n. 123, p. 5, 1.ª coluna.
90. Anexo A ao suplemento DCN, n. 123, p. 4, 3.ª coluna. Se as intervenções de Jurandir
Pires iniciaram-se no tom mais cordial – encontrando respostas também cordiais
de Agamemnon Magalhães – no decorrer do debate os ânimos iam se acirrando. As
intervenções de Jurandir Pires tornaram-se cada vez mais jocosas e insistentes. Por
exemplo, quando Agamemnon conclamou a Câmara para que votasse favoravelmente
seu projeto, pois, “se o Parlamento quiser tranquilizar a opinião, vote essa lei, por ser
lei de emancipação da nação brasileira contra todos os abusos do poder econômico,
sejam os de casa, sejam os de fora”, imediatamente Jurandir Pires atravessa: “Não
deve ser assim, porque o americano não conseguiu” (Anexo A ao suplemento DCN,
n. 123, p. 4-5).
91. A opinião é corroborada por Otto Eduardo Vizeu Gil, Lei de repressão ao abuso do
poder econômico – CADE – Finalidade – Ilegalidade do art. 25, II, do Dec. 52.025,
de 20 de maio de 1963, in José Inácio Gonzaga Franceschini e José Luiz Vicente de
Azevedo Franceschini, Poder econômico: exercício e abuso, p. 466.

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A concorrência no Brasil 119

va a palestra do Ministro Nélson Hungria para os congressistas, alertando para


o seguinte fato: “Transformou-se (o sistema antitruste), nos Estados Unidos,
num sistema programático, num sistema político fundamental, ao utilizarem-
-se os trustes e consórcios para fins que atendam ao interesse nacional e ao
interesse público”.92
Parte dos congressistas entendia que a atenção dever-se-ia voltar para “os
atos e abusos do poder econômico mais do que”(...) “a estrutura da firma ou
das empresas que poderiam praticar esses atos”,93 permitindo o processo de
concentração de empresas, próprio do capitalismo. Haviam de ser reprimidos,
tão apenas, os abusos de poder econômico perpetrados pelas empresas em
posição dominante.

2.7.1.2. As sempre repetidas críticas lançadas contra o projeto de Aga-


memnon Magalhães e o texto que acabou por ser promulgado
Criticou-se o projeto de Agamemnon, primeiramente, por não trazer em
seu bojo a definição de “abuso do poder econômico”. Sustentou-se que, por
essa falha, simples compra e venda de um cavalo, em um mercado de peque-
na cidade, poderia ser considerada como ato de abuso do poder econômico.
Causava revolta, também, o excesso de poderes atribuídos à CADE. Os argu-
mentos em que se apoiavam os críticos iam da fácil corrupção de prepostos do
Poder Executivo ao fato de que nem sequer em regimes despóticos dava-se ao
soberano tantos poderes quanto aqueles que se pretendia outorgar à CADE.94
O projeto de Agamemnon, utilizando técnica já esboçada no Dec.-lei 7.666,
de 1945, fazia decorrer a ilicitude do ato de seu efeito. Entretanto, conforme
alguns parlamentares da época, a insegurança jurídica que daí adviria seria
absolutamente insuportável. Para eles, fazer depender a ilicitude do ato de
seu efeito é o mesmo que culpar o motorista de um carro que trafega por uma
ponte pelo seu eventual desmoronamento. Passado o automóvel, observa-se:
se a ponte caiu, seu condutor é culpado. Nessa linha, um dos substitutivos

92. Anexo A ao suplemento DCN, n. 123, p. 15, 1.ª coluna.


93. Anexo A ao suplemento DCN, n. 123, p. 26, 3.ª coluna.
94. Para exemplo, Waldemar Ferreira: “Não existe ato que não tenha sido envolvido
como abuso de poder econômico, em excesso legiferante evidentemente contra-
producente, tanto mais que o projeto se propôs instituir comissão administradora
de defesa econômica que será a orientadora e diretora de toda a vida mercantil,
industrial e agrícola do Brasil, dotada de poderes amplos e vastíssimos, para tudo
prever, ordenar, controlar, dirigir e punir. Em tais termos, instituindo essa ditadura
industrial, o projeto está fadado a insucesso e será modificado de molde a pôr-se em
termos hábeis e eficazes” (História do direito constitucional brasileiro, p. 194).

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120 Os fundamentos do antitruste

apresentados acabou por cambiar a expressão “por efeito” por “por fim”, dando,
pois, destaque à intenção do agente e não aos efeitos decorrentes de seu ato.
Em 1962, finalmente, foi promulgada a Lei 4.137.95 Cria-se, por seu art.
8.º, o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, incumbido da
apuração e repressão dos abusos do poder econômico.
A promulgação desse diploma, desconsiderando a opinião dos que en-
tendiam que a repressão ao abuso do poder econômico deveria dar-se pela
modernização e aplicação das Leis 1.521 e 1.522, de 1951, aparta a Lei An-
titruste, finalmente, dos dispositivos que tratam da economia popular e do
abastecimento.96
Regulamentando o art. 146 da Constituição Federal, vieram, poste-
riormente, as Leis Delegadas 4 e 5, de 26 de setembro de 1962, dispondo,
respectivamente, sobre “a intervenção no domínio econômico para assegurar
a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo” e sobre a
organização da Superintendência Nacional do Abastecimento (Sunab) como
autarquia federal. O art. 148 da Constituição Federal, por sua vez, vinha re-
gulado pela Lei 4.137, de 1962.
Em termos de sistematização das práticas abusivas, com o texto aprovado
da Lei 4.137, de 1962, em muito ficou prejudicado o projeto apresentado por
Agamemnon Magalhães. Quebrando a linha que poderia decorrer do Dec.-lei
7.666, de 1945, as práticas passam a não mais a ser consideradas ilícitas em
virtude de seus efeitos e sequer de sua finalidade, pretensamente eliminando
a “insegurança jurídica” que havia sido apontada por muitos.97
2.7.1.3. A constante busca por segurança e previsibilidade
No processo de interpretação e aplicação da Lei 4.137 de 1962, dúvidas
foram suscitadas a respeito do caráter taxativo, ou não, das práticas elencadas

95. Regulamentada, em 20 de maio de 1963, pelo Decreto 52.025.


96. A Lei Delegada 4 revogou expressamente a Lei 1.522, de 26 de dezembro de 1951,
ressalvando “a continuação dos serviços por ela criados, os quais serão extintos à
medida que forem substituídos pelos novos serviços” (art. 25).
97. A supressão da caracterização da ilicitude do ato pelos efeitos produzidos recebeu
aplausos de Alberto Venancio Filho, comentando que a enumeração do art. 2.º da
Lei 4.137, de 1962, “é evidentemente taxativa, e abrange todas as formas de abuso do
poder econômico para as quais a lei comina sanções, uma vez que foi, prudentemen-
te, excluído qualquer critério de assemelhação, como previsto no projeto do Poder
Executivo de 1961, que considerava ainda abuso do poder econômico qualquer ato
semelhante aos mencionados no texto da lei e que objetivasse as consequências nela
previstas” (A intervenção do Estado no domínio econômico, p. 297).

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A concorrência no Brasil 121

em seu art. 2.º. Esses debates pautaram-se no problema da segurança e previsi-


bilidade jurídicas, que, até nossos dias, é um dos balizadores das discussões em
direito da concorrência. Enfrentava-se (como, ademais, enfrenta-se até hoje) o
problema da conciliação da eficiência do sistema antitruste (coibindo o maior
número de práticas prejudiciais possível) com a segurança e previsibilidade a
serem proporcionadas aos agentes econômicos.
Procurando dar ao sistema amplitude maior do que aquela que decorreria
da interpretação literal do texto legal, o Procurador-Geral do CADE, ao tratar do
“Caso da Barrilha”,98 contrariamente ao que se ouvia de alguns, considerou que
o art. 2.º da Lei 4.137 não estabelecia elenco taxativo, mas que: “A lei fornece
o roteiro, o caminho, a estrada para que o CADE apure, investigue, denuncie
e contenha os abusos. Qualquer que seja a capa sob a qual se esconda o abuso,
ao Conselho cumprirá despir-lhe a máscara, através de apuração da verdade
dos fatos e reprimir a prática abusiva”.99
Essa ponderação originou-se no fato de que empresas produtoras de
vidros e importadoras de barrilhas, reunidas na Associação Técnica Brasileira
de Indústrias Automáticas de Vidro (ATBIAV), estariam atuando a prática
conhecida por dumping, não prevista expressamente na Lei Antitruste da épo-
ca.100 O CADE, em seu julgamento,101 superou essa questão, afirmando que
“o abuso do poder econômico caracteriza-se por meios que tenham por fim
dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitra-
riamente os lucros”. Suplantado o problema da tipificação legal, a acusação foi
considerada improcedente, uma vez que não haveria “provas autorizadoras
da condenação”.102

98. Denominação comercial dos carbonatos de sódio e de potássio.


99. Parecer do Procurador-Geral do CADE, no Processo Administrativo 1, referido por
Alberto Venancio Filho (A intervenção do Estado no domínio econômico, p. 302).
100. Valendo-se dos elementos doutrinários de que se dispunha à época, Paulo Germano
Magalhães, então Procurador-Geral do CADE, consciente da inexistência de tradição
brasileira sobre a questão, sustentou a aplicabilidade da Lei Antitruste para a prática
de dumping. Cf., a respeito, suas alegações finais no Caso da Barrilha: A nova liberdade,
p. 125 e ss.
101. Transcrição de Guilherme A. Canedo de Magalhães, O abuso do poder econômico:
apuração e repressão; legislação e jurisprudência, p. 45.
102. A polêmica que envolveu o Caso da Barrilha levou o CADE, entendendo improcedente
a acusação por falta de provas, a fazer constar da ementa do Processo Administrati-
vo 1 a observação de que “é salutar a existência de um órgão como o CADE, capaz
de promover levantamentos e análises em setores de produção e comercialização
para apurar possíveis abusos do poder econômico. Apurar para julgar e punir, mas

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122 Os fundamentos do antitruste

O posicionamento do CADE, assumido no Caso da Barrilha, entretanto,


não se assentou como princípio geral. Ao contrário, por ocasião do julgamento
do Processo de Averiguações Preliminares 37, ficou decidido que: “Tratando-
-se de caracterização de delito punido com pena severa, como acontece com
aqueles capitulados na Lei 4.137/62, exige-se rigoroso enquadramento às
disposições legais”.103
A problemática da tipificação acirra-se com os termos da Emenda Cons-
titucional 1, de 1969, alterando dispositivos da Constituição Federal de 1967.
Colocou-se, expressamente, em seu art. 160, V, “a repressão ao abuso do po-
der econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da
concorrência e o aumento arbitrário de lucros”, como um princípio basilar da
ordem econômica e social.
Determinada corrente doutrinária passou a sustentar que, com a refor-
mulação constitucional de 1969, estariam derrogadas as “disposições coativas
atinentes à matéria que estritamente não se enquadrem num dos termos do
trinômio: dominação de mercados nacionais, eliminação da concorrência e
aumento arbitrário de lucros”.104 Essa doutrina, entretanto, transcurava as
disposições do texto do art. 2.º da Lei 4.137, que considerava abuso do poder
econômico determinadas práticas apenas na medida em que pudessem produzir
os seguintes resultados: (i) domínio do mercado ou eliminação total ou parcial
da concorrência, (ii) elevação sem justa causa dos preços, com o objetivo de
aumentar arbitrariamente os lucros, sem aumentar a produção, (iii) condições
monopolísticas ou abuso da posição dominante, com o fim de promover a ele-

também para reconhecer a improcedência de denúncia que não encontre prova nos
fatos. É pelo julgamento imparcial e sem paixões que se deve firmar o CADE” (cf.
transcrição de Guilherme A. Canedo de Magalhães, O abuso do poder econômico:
apuração e repressão, p. 45).
103. Para subsídios sobre essa controvérsia, cf. Guilherme A. Canedo de Magalhães, O
abuso do poder econômico: apuração e repressão, p. 67 e ss. Cf., também, as opiniões
favoráveis à necessidade de tipificação exaradas por Pontes de Miranda (Acusação
injustificada de abuso de poder econômico e interpretação do art. 2.º, IV, b, da Lei
4.137, de 10 de setembro de 1962, in José Inácio Gonzaga Franceschini e José Luiz
Vicente de Azevedo Franceschini, Poder econômico: exercício e abuso, p. 481 e ss.) e
Orozimbo Nonato (Cláusula de exclusividade em contrato de fornecimento – Su-
bordinação de utilização de serviço à compra do bem, in José Inácio Gonzaga Fran-
ceschini e José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini, Poder econômico: exercício e
abuso, p. 486 e ss.).
104. José Inácio Gonzaga Franceschini e José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini, Su-
mário histórico dos antecedentes legislativos da chamada “Lei Antitruste” brasileira,
in Poder econômico: exercício e abuso, p. 15.

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A concorrência no Brasil 123

vação temporária dos preços e (iv) formação de grupo econômico. Ou seja, as


práticas que eram tipificadas nos vários incisos somente poderiam ser conside-
radas abusivas se produzissem o efeito apontado no caput do inciso respectivo.
Exemplificando com as palavras da própria autoridade antitruste: “Uma
tabela de descontos quantitativos só pode configurar infração à Lei 4.137/62
se servir de meio para a formação de grupo econômico, por agregação de em-
presas, ou proporcionar o domínio dos mercados nacionais, ou a eliminação
total ou parcial de concorrência”.105 A emenda constitucional em nada alterou
a validade do diploma antitruste vigente.
Questão diversa é aquela que considera a amplitude dos termos e conceitos
utilizados no mesmo art. 2.º, tais como “domínio do mercado”, “eliminação
total ou parcial”, “justa causa”, “aumento arbitrário de lucros”, “criação de
dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de
empresa”, e assim por diante.
Tendo em vista essa amplitude, alguns intérpretes da Lei Antitruste per-
ceberam, desde logo, que poderiam utilizá-la como instrumento coibitório de
determinados comportamentos, ainda que não estivessem previstos de forma
expressa no texto normativo. Por exemplo, a prática do dumping poderia
subsumir-se ao inc. I, g, do art. 2.º, da Lei 4.137, de 1962, pois consubstanciaria
a “criação de dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvol-
vimento de empresa”.
Essa análise técnica das discussões que se travaram, longe de constituir
mero exercício acadêmico, é válida para demonstrar que alguns dos problemas
derivados do texto legal da Lei Antitruste e sua interpretação foram superados
pela própria evolução legislativa brasileira, fruto da meditação sobre nossa
realidade e não mera transposição de institutos alienígenas. Erros e acertos já
foram cometidos e não podemos prescindir de seu estudo, sob pena de impos-
sibilitar a correta inserção do antitruste no atual contexto brasileiro.

2.7.1.4. Lei 4.137, de 1962


2.7.1.4.1. A associação de empresas
Nos termos da Lei 4.137, a associação de empresas seria considerada
ilícita se (e somente se) produzisse determinado resultado ou objetivo que
estivesse tipificado em lei106 de forma bastante aberta, mediante a utilização
de termos amplos.

105. Ementa do Processo Administrativo 3.


106. A questão maior, à época, era determinar qual esse resultado ou objetivo.

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124 Os fundamentos do antitruste

Transforma-se a Lei Antitruste em instrumento de legitimação de “certas


práticas que a economia nacional, por força da política econômica do governo
da Revolução de 64, começava a incentivar”,107 pois, com esse expediente,
relativizava-se a aplicação da norma, coadunando sua interpretação com a
política vigente. A aplicação da Lei 4.137, de 1962, foi efetivada com a utili-
zação de típica “válvula de escape” da legislação antitruste, possibilitando a
implementação de determinada política econômica.

2.7.1.4.2. A possibilidade de autorização de práticas restritivas


Mas não é somente sob tal prisma que se verifica a instrumentalidade da
Lei 4.137, de 1962. Este diploma previa não apenas a repressão ao abuso do
poder econômico a posteriori, mas também, em seu art. 74, colocava a necessi-
dade de aprovação e registro no CADE dos “atos, ajustes, acordos ou conven-
ções entre as empresas, de qualquer natureza, ou entre pessoas ou grupo de
pessoas vinculadas a tais empresas ou interessadas no objeto de seus negócios
que tenham por efeito” a diminuição do grau de concorrência no mercado em
questão. Ou seja, estabelecia a possibilidade de controle, por parte da autoridade
administrativa, dos atos praticados pelos agentes econômicos e que pudessem
produzir qualquer dos efeitos tipificados no referido art. 74.108
O CADE teve oportunidade de manifestar-se sobre contratos submetidos
à sua apreciação, nos termos da lei vigente, conforme podemos depreender das
várias ementas transcritas por Franceschini.109 Entretanto, o mais rumoroso
caso de “autorização prévia” ocorrido diz respeito à submissão, por parte de
Volkswagen A. G. e Ford Motor Company, em petição datada de 24 de março de
1987, da operação de constituição da holding Autolatina – Comércio, Negócios
e Participações Ltda. A decisão do CADE corroborou a concentração, justifi-

107. Tercio Sampaio Ferraz Junior, Lei de defesa da concorrência: origem histórica e base
constitucional, Revista dos Mestrandos em Direito Econômico da UFBA, n. 2, p. 69.
108. Quais sejam: “a) equilibrar a produção com o consumo; b) regular o mercado;
c) padronizar a produção; d) estabilizar os preços; e) especializar a produção ou
distribuição; f) estabelecer uma restrição de distribuição em detrimento de outras
mercadorias do mesmo gênero ou destinadas à satisfação de necessidades conexas”.
A respeito, é interessante a ementa transcrita por Franceschini, que sustenta ser a
concentração de empresas ato controlado posteriormente: “A mera constituição,
fusão ou incorporação de empresas, por si só, não se insere na sistemática específica
de controle prévio prevista no art. 74 da Lei 4.137, de 1962, estando submetida
apenas ao sistema de fiscalização a posteriori, estabelecido nos arts. 72 e 73 da lei do
CADE” (Ementa 455, Poder econômico: exercício e abuso, p. 393).
109. Poder econômico: exercício e abuso, p. 383 e ss.

8004.indb 124 21/06/2018 13:33:09


A concorrência no Brasil 125

cando seu entendimento no fato de que a celebração dos contratos objetivaria


a “otimização” da produção das empresas partícipes.110

2.7.1.5. A falta de eficácia material da Lei 4.137, de 1962. Contradi-


ção entre seu texto e a política concentracionista atuada pelo
governo federal?
Ao contrário do que se possa pensar, não é insignificante o número de
averiguações preliminares que se fez proceder durante a vigência da Lei 4.137,
de 1962. Não obstante, até o ano de 1975, apenas onze processos haviam sido
julgados pelo CADE,111 e em apenas um a prática foi considerada abuso do
poder econômico.112
Um dos principais problemas enfrentados na concretização das disposi-
ções da Lei 4.137 pelo CADE derivou da atuação do Poder Judiciário, agindo
para salvaguarda das garantias individuais dos cidadãos, constitucionalmente
asseguradas. A grande maioria das decisões do Conselho acabou por ter seus
efeitos suspensos em decorrência de mandados de segurança impetrados pelas
empresas condenadas na esfera administrativa.
Lembremo-nos, somente à guisa de exemplo, do caso dos pneumáticos,
julgado pelo CADE no ano de 1976.113 Em rumoroso processo, a autoridade
antitruste havia aplicado “pesada multa pecuniária” às empresas infratoras.
Em meio a uma “onda” de interesse pela legislação antitruste, a execução da

110. Conselheiros do CADE fizeram constar de seu relatório que enviaram ofício ao Ga-
binete do Ministro da Fazenda, para sua audiência, “tendo em vista a dimensão da
pretensão e os relevantes interesses envolvendo o Estado e a economia nacionais”.
111. Cf. ementas transcritas por Guilherme A. Canedo de Magalhães, O abuso do poder
econômico: apuração e repressão, p. 45 e ss.
112. Trata-se do Processo Administrativo 11, julgado em 24 de setembro de 1974, em que
foi representada Refrigerantes Sul-Riograndense S. A. – Indústria e Comércio, tendo
sido autoras da representação Pampa Refrigerantes Ltda. e Refrigerantes Vontobel
Ltda. Decidiu o CADE que “a destruição proposital dos instrumentos de comércio
de empresa concorrente constitui abuso do poder econômico”. Interessante é o teor
do voto de Guilherme A. Canedo de Magalhães no processo em questão, transcrito
em seu livro (O abuso do poder econômico: apuração e repressão, p. 67 e ss). Moniz
Bandeira sustenta que a condenação da Pepsi Cola “teve como objetivo salvar as
aparências e dar uma satisfação à opinião pública”, tendo em vista a inoperância do
CADE e, principalmente, o fato de que, não obstante as provas coletadas, na totalidade
dos processos levados a julgamento até então, o denunciado havia sido absolvido,
na maioria das vezes, por ausência de provas (Cartéis e desnacionalização, p. 136).
113. Cf. Franceschini, Poder econômico: exercício e abuso, ementa 146, p. 155.

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126 Os fundamentos do antitruste

decisão foi suspensa por força de um mandado de segurança,114 e posterior-


mente anulada115 pelo Poder Judiciário.
Em virtude dessa aplicação bastante diluída e quase ineficaz, o CADE passa
a ser visto pelo empresariado (e mesmo pela população) como órgão inoperante
ou que, se fazia algo, não era de muito relevo.116 Alguns viram nessa imagem
o reflexo do desarmamento da atuação do CADE, levado a efeito pela política
econômica que era então adotada, incentivadora, sobretudo, das fusões e in-
corporações e da criação de grandes empresas e conglomerados nacionais.117

114. A notícia é dada por Hermes Marcelo Huck, em artigo publicado no jornal O Estado
de S. Paulo (Eficácia da Lei Antitruste no Brasil), em 27 fev. 1977, p. 46.
115. Cf. Franceschini, Poder econômico: exercício e abuso, ementa 146, p. 156.
116. Vale referir Moniz Bandeira: “(...) o CADE, em todos os seus anos de existência, sempre
se caracterizou pela inoperância, jamais tomando qualquer atitude para coibir os abusos
do poder econômico, que lhe chegaram ao conhecimento” (Cartéis e desnacionaliza-
ção, p. 136). Ao que tudo indica, a proporção elevada de absolvições no CADE, em
relação aos processos efetivamente levados a julgamento, gerava certa revolta e crença
na inoperatividade do órgão. Cf., por exemplo, todas as discussões que envolveram o
Processo Administrativo 1, que teve como indiciadas a Associação Técnica Brasileira
das Indústrias Automáticas de Vidros e suas associadas (absolvidas por falta de provas).
Da mesma maneira, no Processo Administrativo 9, que teve como representada Indús-
trias Elétricas Brown Boveri S. A. (também este caso de grande repercussão pública),
o CADE absolveu a representada, mais uma vez, por falta de provas.
117. Tercio Sampaio Ferraz Junior coloca que a franca política de agregação empresarial
verificou-se, sob o prisma jurídico, pelas Leis 5.727/71 e 6.151/74 e, nesta última,
com a criação do COFIE, FMRI e PMRC, no âmbito do BNDE, “todos, destinados a
incentivar a política de fusão e incorporação nos setores em que a excessiva disse-
minação de empresas nacionais lhes retire o poder de competição e as coloque em
posição frágil, perante o concorrente estrangeiro”. Salienta, ainda, o mesmo autor, que
a atuação do CIP estabelecendo preços máximos a serem praticados também seria um
fator de “desorientação” na aplicação da Lei Antitruste (Lei de defesa da concorrência:
origem histórica e base constitucional, p. 70). Nos termos do II PND: “Emergência
e Forte Expressão da Capacidade Empresarial Nacional, para a formação de número
significativo de grupos nacionais sólidos e, não raro, grandes, no Centro-Sul, no
Nordeste e nas demais áreas. Para esse objetivo serão acionadas as seguintes linhas
de operação: Criação de fortes estruturas empresariais, através de: (...) 3) Política de
fusões e incorporações, com estímulos financeiros (o FMRI e o PMRC, no BNDE) e
fiscais (COFIE), nos setores em que a excessiva disseminação de empresas nacionais
lhes retire o poder de competição e as coloque em posição frágil, perante o concor-
rente estrangeiro. 4) Formação de conglomerados nacionais, realizando a integração
financeira, financeiro-industrial, financeiro-serviços, assim como outras fórmulas,
de maneira flexível, em alternativas de liderança financeira, liderança industrial ou
supervisão por empresa controladora holding. O objetivo central deve ser a maior

8004.indb 126 21/06/2018 13:33:09


A concorrência no Brasil 127

Entretanto, a afirmação de que a ineficácia da legislação antitruste de-


rivaria de contradição entre a política concentracionista do governo federal
e os dispositivos da Lei Antitruste deve ser vista com certa reserva, pois, em
princípio, nada há de contraditório na existência (e efetiva aplicação) de uma
lei antitruste e eventual política concentracionista.
Basta, para justificar tal afirmação, o exemplo europeu no qual se permite
processo de aglutinação de empresas, e a concomitante vigência e efetividade
dos dispositivos antitruste.
A análise de algumas manifestações do CADE no período de vigência da
Lei 4.137/62 demonstra que a aparente “contradição”, se existia, foi superada
no processo de interpretação e aplicação do texto normativo. Com efeito,
muitas foram as decisões do CADE que em nada obstaram o processo de con-
centração de empresas. Ao contrário, ainda que timidamente, as válvulas de
escape chegaram a ser utilizadas pela autoridade antitruste como auxiliares
na implementação da política econômica do governo federal.
Como princípio, colocou-se que “a simples compra de empresa concor-
rente não é por si só abuso do poder econômico”,118 de sorte que “a simples
aquisição de acervos de empresa, a fusão ou incorporação entre empresas ou
a mera participação de fabricante no capital social de revendedor, não basta,
por si só, ao reconhecimento do abuso do poder econômico. O delito econô-
mico não se consuma pela simples existência de um dos fatos descritos nos
incs. do art. 2.º da Lei 4.137, de 1962, fazendo-se mister a tal desiderato que
mencionados fatos acarretem, como consequência, o domínio do mercado e
a eliminação da concorrência”.119

produtividade no uso dos recursos, pela fluidez intersetorial das aplicações, e a ga-
rantia de estrutura financeira sólida” (II Plano Nacional de Desenvolvimento – PND,
Lei 6.151, de 4 de dezembro de 1994, Capítulo IV, A estratégia econômica: opções
básicas, Modelo de Mercado e Funções de Governo, I, 3 e 4). Cf., sobre o I e II PND,
Eros Roberto Grau, Planos nacionais de desenvolvimento, Enciclopédia Saraiva do
Direito, v. 58, p. 497 e ss., e Planejamento econômico e regra jurídica, p. 158 e ss. Esse
mesmo autor observa que havia três regimes em relação às concentrações, seguidos
pelo governo federal: poderiam ser admitidas, coibidas ou incentivadas. Seriam ad-
mitidas na medida em que se encontrava prevista uma série de formas mediante as
quais poder-se-ia dar a associação de empresas (v.g. na Lei das Sociedades por Ações).
Seriam coibidas por leis como aquela de número 4.137, de 1962 (Lei Antitruste) e
ainda seriam incentivadas por atuação de órgãos governamentais como o COFIE.
118. Ementa 53, referida por José Inácio Gonzaga Franceschini e José Luiz Vicente de
Azevedo Franceschini, Poder econômico: exercício e abuso, p. 58.
119. Ementa 55 (Poder econômico: exercício e abuso, p. 58).

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128 Os fundamentos do antitruste

Ou seja, o entendimento de que a prática somente seria vedada na medida


em que produzisse um dos efeitos elencados no texto normativo permitiu a au-
torização de inúmeros atos concentracionistas. Na mesma linha, se a operação
de concentração havia sido aprovada pela Comissão de Fusão e Incorporação
de Empresas – COFIE, ou na defesa do interesse nacional, encontravam-se
motivos para que a prática não fosse considerada ilícita: “Ainda quando ve-
rificada a existência de concentração econômica, não há falar em abuso do
poder econômico quando as empresas envolvidas atuem de conformidade
com as normas legais e regulamentares emanadas dos órgãos competentes da
Administração Pública, máxime quando a atividade vise um benefício para
a economia nacional, tal como, por exemplo, a substituição de importações.
(...)
Das numerosas e aprofundadas pesquisas que os órgãos de apoio do CADE
realizaram, constata-se que as empresas pesquisadas atuam de conformidade
com normas legais e regulamentares emanadas dos órgãos próprios da Ad-
ministração Pública. E, como bem salientou a Procuradoria ‘quem usa de um
direito não comete ato ilegal’”.120
O jogo do interesse protegido se fazia presente em algumas decisões do
CADE, emanadas no período com que nos preocupamos. Houve não apenas a
utilização dos “interesses da economia nacional” como justificadores da licitude
da concentração,121 mas também dos “interesses do consumidor”: “Razoável é
a aquisição do controle acionário de empresa concorrente quando, estando esta
em difícil situação financeira, representa a transação a manutenção de empre-
gos, sem prejuízo do mercado consumidor. Impõe-se a solução, máxime quando
se trate de operação fiscalizada e orientada por órgãos governamentais”.122

2.7.1.6. Lei 4.137: um punhado de “surtos de vigência”


Pode-se ter a impressão, pela transcrição das ementas que efetuamos,
que a Lei 4.137/62 foi utilizada como eficaz e atuante instrumento de política
econômica, auxiliar no processo de concentração de empresas e fortalecimento
da indústria nacional. Tal conclusão, entretanto, não é correta. Em seu período
de vigência, sem embargo de alguns breves “surtos” ou “ondas” de aplicabili-
dade, a Lei Antitruste de 1962 não encontrou maior efetividade na realidade
brasileira, sendo impossível identificar qualquer atuação linear e constante de
diretriz econômica que se tenha corporificado em uma política da concorrência.

120. Ementa 57 (Poder econômico: exercício e abuso, p. 60).


121. Cf., também, ementa 60-A (Poder econômico: exercício e abuso, p. 63).
122. Ementa 59 (Poder econômico: exercício e abuso, p. 61).

8004.indb 128 21/06/2018 13:33:09


A concorrência no Brasil 129

2.8. Lei 8.158, de 1991


O panorama do direito antitruste brasileiro parecia alterar-se com a pro-
mulgação da Lei 8.158, de 8 de janeiro de 1991. Alardeava-se a abertura do
mercado brasileiro e a liberalização da economia.123 A intenção declarada era
deixar, na maior medida possível, que o mercado se autorregulasse, aplicando,
para tanto, suas próprias leis. Mas era ao mesmo tempo necessário que fossem
evitadas as disfunções ou crises que poderiam advir do comportamento dos
agentes econômicos “livres” no mercado. Nasce, novamente, a necessidade
de uma lei antitruste, instrumento de que dispunha o governo para reprimir a
ocorrência de abusos no mercado. Explica-se, assim, a MP 204, de 2 de agosto
de 1990, convertida, posteriormente, na Lei 8.158.
Procurou-se, no novo diploma, acelerar o procedimento administrativo
de apuração das práticas em violação à ordem econômica, com a criação da
SNDE – Secretaria Nacional de Direito Econômico, do Ministério da Justiça,
que tinha a função de “apurar e propor as medidas cabíveis com o propósito
de corrigir as anomalias de comportamento de setores econômicos, empresas
ou estabelecimentos, bem como de seus administradores e controladores,
capazes de perturbar ou afetar, direta ou indiretamente, os mecanismos de
formação de preços, a livre-concorrência, a liberdade de iniciativa ou os prin-
cípios constitucionais da ordem econômica”. Sem a revogação da Lei 4.137,
de 1962, o CADE passou a funcionar junto à SNDE, que lhe dava suporte de
pessoal e administrativo.
O incremento da qualidade técnica das decisões emanadas pelo CADE
sob a égide da nova lei foi sensível, e várias práticas julgadas. Alguns casos
rumorosos (a que se faz referência ao longo deste trabalho), versando sobre a
repressão ao abuso do poder de agentes econômicos de grande porte, encon-
traram repercussão nos meios de comunicação, de sorte que se tem, mais uma
vez, ciência da existência de uma “autoridade antitruste” no Brasil.
Esse breve período, quando parecia que, afinal, teríamos uma legislação
antitruste aplicada efetivamente como instrumento de política econômica, pouco
durou aos olhos do público. Com o novo governo instalado em 1992, não obstante
o CADE continue sua atuação destinada a coibir o abuso do poder econômico,
esta acaba sendo sufocada, na imprensa, pelo triste papel que a Lei Antitruste
passa a desempenhar no contexto econômico brasileiro: instrumento de ameaça
de retaliação por parte do governo federal contra determinados setores da economia.

123. José Tavares de Araújo Jr., Mercosul, Plano Bush e competitividade internacional da
indústria brasileira, Brasil: o desafio da abertura econômica, p. 99.

8004.indb 129 21/06/2018 13:33:09


130 Os fundamentos do antitruste

Dilui-se a aplicação da Lei 8.158, de 1991, como uma lei antitruste, quer
para corrigir disfunções que se apresentam no mercado, quer para auxiliar a
implementação de determinada política pública. Tirada do bolso em momentos
de conveniência política, a Lei Antitruste foi lançada, com grande bulha por
parte do governo e da imprensa, contra agentes econômicos que auferissem
“lucros abusivos”.
2.9.  Lei 8.884, de 1994
O diploma de 1994 sistematizou a matéria antitruste, aperfeiçoando seu
tratamento legislativo, além de transformar o CADE em autarquia federal,
beneficiando-lhe com destinação orçamentária própria. Alguns progressos no
texto normativo foram introduzidos, derivados, principalmente, da evolução
brasileira e europeia.
A Lei 8.884, de 1994, implementou o que se convencionou chamar
de “Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência” – SBDC, composto pelo
CADE, pela SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico, vinculada
ao Ministério da Fazenda, e pela SDE – Secretaria de Direito Econômico, do
Ministério da Justiça.
No início, houve aplicação menipeica da legislação antitruste por parte
de algumas autoridades administrativas. Por exemplo, dias depois do início
de sua vigência, foi decretada a prisão preventiva de acionista de “importante
rede atacadista”, do gerente-geral da empresa e de executivos de “lojas de de-
partamentos”, acusados de “aumentos abusivos dos preços”.124 De outra parte,
algumas decisões proferidas pelo órgão desde o final dos anos 90, autorizando
acentuado acréscimo do nível de concentração em determinados mercados, fez
emergir certa imagem de “tribunal político”, em detrimento da credibilidade
do CADE junto à opinião pública.
Não obstante, desde o final do século passado, a atuação do Poder Execu-
tivo na área do antitruste vem se dando de forma a não mais se vislumbrarem
“surtos” de aplicação da Lei Antitruste, mas linha contínua de atuação, embora
com altos e baixos. Incrementou-se o interesse acadêmico pela matéria e o
aumento do número de monografias jurídicas publicadas sobre o tema.
Em resumo, após mais de quinze anos de vigência da Lei 8.884, de 1994,
conclui-se que o progresso da matéria no Brasil foi bastante grande, destacando-
-se os seguintes aspectos:
– Consolidação do controle das concentrações empresariais: Não obstante os
textos normativos anteriores previssem a necessidade da apresentação dos atos

124. Comentários à Lei Antitruste, p. 1-2.

8004.indb 130 21/06/2018 13:33:09


A concorrência no Brasil 131

de concentração para aprovação do CADE, inexistia regulamentação a respeito


e nenhuma empresa sequer se preocupava com essa “formalidade”. O cenário
alterou-se marcadamente a partir do final dos anos 90 e, atualmente, não há
advogado especializado em fusões e aquisições que desconheça tal obrigação
e os riscos envolvidos em seu eventual descumprimento;
– Consolidação do controle dos cartéis: antes do ano 2000, no Brasil, não
se via qualquer consciência da ilicitude em relação aos cartéis, ou seja, muito
embora expressamente proibidos pelos textos normativos, a grande maioria dos
agentes econômicos não entendia que ajustes com seus concorrentes poderiam
ser ilícitos. Nada a se estranhar, pois essas associações chegavam até mesmo a
ser incentivadas pelo governo em vários setores da economia. O quadro atual
é completamente diverso, com a modificação da percepção do empresariado
em relação às práticas colusivas. Nos últimos anos, foram muitos os cartéis
investigados e condenados pelo CADE em processos que encontraram larga
repercussão na imprensa;
– Aumento do respeito institucional do Poder Judiciário pelo CADE: a análise
das decisões do CADE demonstra que, não obstante os equívocos e exageros
naturais para uma agência que vem se consolidando, elevou-se a qualidade
das análises empreendidas. O nível das investigações conduzidas também
melhorou. A presença do CADE junto aos Tribunais foi incisiva e responsável,
com o aumento da qualidade do corpo técnico dedicado à defesa das posições
da Autarquia.125 Em resposta, o Judiciário passou a dedicar mais respeito às
decisões do CADE;
– Aumento da atuação do Ministério Público na área do antitruste: o Minis-
tério Público passou a atuar de forma sistemática junto ao CADE e aos demais
órgãos relacionados à política da concorrência, fiscalizando a efetiva proteção
do interesse público nas decisões e atos administrativos praticados (ou não
praticados) pelos entes públicos.

2.10. Lei 12.529, de 2011


Em 2011, foi promulgado novo diploma antitruste (Lei 12.529, em vigor
a partir de 2 de junho de 2012). Do ponto de vista do direito material, pouco
se alterou, com a manutenção dos critérios de determinação da ilicitude das
práticas empresariais. No capítulo seguinte, analisaremos o sistema dessa lei;
por ora, cumpre destacar as principais inovações:

125. Por exemplo, o STJ já se manifestou em relação à interpretação do art. 65 da Lei


Antitruste, determinando o depósito integral do valor da multa para suspender a
exigibilidade das decisões do CADE.

8004.indb 131 21/06/2018 13:33:09


132 Os fundamentos do antitruste

–  Reestruturação do SBDC: A Secretaria de Acompanhamento Econômico


do Ministério da Fazenda teve diminuídas suas funções relativas ao antitrus-
te, restando-lhe a competência não exclusiva126 de promover a concorrência
junto à própria Administração (art. 19). A SDE, naquilo que diz respeito à
implementação da Lei 12.529/2011, foi incorporada pelo CADE, que passou
a ser composto por duas divisões principais: Tribunal Administrativo e Supe-
rintendência-Geral. Ao primeiro, compete principalmente julgar as acusações
de infração à ordem econômica e as operações de concentração; ao segundo,
investigar e instruir os atos a serem apreciados pelo Tribunal. Há, também,
o Departamento de Estudos Econômicos, cuja principal função é elaborar as
análises e pareceres para embasar a atividade do CADE;
– Imposição de dever de apresentação prévia dos atos de concentração:
atendendo a antigo pleito de membros da SDE e do CADE, as empresas estão
obrigadas a apresentar os atos de concentração dos quais participam antes de
sua concretização. Sem a aprovação administrativa, as operações não podem
ser consumadas (art. 88, § 3.º);
– Aumento do poder da Administração Pública: a imposição do ônus da
apresentação prévia das concentrações deposita nas mãos do SBDC poder
de obstar a concretização de negócios por mera inércia e, com isso, criar
dificuldades à atividade empresarial. O controle da legalidade de excessivos
atrasos deverá ser efetuado pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário,
sob pena de sujeitar as empresas ao arbítrio ou aos efeitos nocivos da even-
tual ineficiência dos órgãos antitruste. Ademais, os poderes de investigação
atribuídos à Administração aumentaram consideravelmente em relação ao
disposto na lei anterior;
– Modificação da forma de cálculo das multas por infração à ordem econô-
mica: os critérios para cálculo das multas diminuíram de 1% a 30% “do valor
do faturamento bruto no (...) último exercício, excluídos os impostos”,127 para
“0,1% a 20% do valor do faturamento bruto (...) no último exercício anterior
à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial
em que ocorreu a infração”.128 Embora, em princípio, a penalidade pecuniá-
ria não possa ser “inferior à vantagem auferida”, sabe-se que, na maioria das
infrações, sua estimativa é extremamente difícil, senão impossível. Por isso,

126. Também à Superintendência Geral compete “orientar os órgãos e entidades da Ad-


ministração Pública quanto à adoção de medidas necessárias ao cumprimento” da
lei antitruste (cf. art. 13, XIII).
127. Como era previsto no art. 23 da Lei 8.884/1994.
128. Cf. art. 37, I, da Lei 12.529/2011.

8004.indb 132 21/06/2018 13:33:09


A concorrência no Brasil 133

teme-se que essa redução dos parâmetros legais da sanção implique incentivo
à atuação dos cartéis;
– Aumento dos recursos materiais à disposição do CADE mediante a criação
de duzentos cargos de “especialistas em políticas públicas e gestão governa-
mental” para exercício prioritário no CADE.

2.11. Os desafios do antitruste no Brasil de hoje


Nos últimos quinze anos, muito foi feito pelo antitruste no Brasil. Mas
tanto ainda há por fazer. De início, é preciso dotar o CADE de recursos mate-
riais suficientes para enfrentar a demanda gerada por um País como o nosso,
com mercado interno em franca expansão.
Espera-se que, nos próximos anos, o CADE passe a efetivamente coibir
abusos de posição dominante e outras práticas bastante lesivas aos consumi-
dores e à fluência de relações econômicas, deixando de se preocupar quase que
exclusivamente com atos de concentração129 – que muito raramente apresentam
problemas concorrenciais relevantes.130 Nos últimos anos, grande parte da
energia e dos recursos públicos direcionou-se à análise de atos de concentra-
ção e não de processos administrativos que investigavam condutas abusivas,
frustrando aqueles que esperavam atuação mais forte para conter as práticas
predatórias de empresas em posição dominante.
Em um país de dimensões continentais, com diversidades tão marcadas
entre as regiões e em ebulição econômica, não se pode pretender que o CADE, a
partir de seus gabinetes de Brasília, tenha condições de, sozinho, coibir o abuso
de posições dominantes e de práticas anticompetitivas em todo o território na-
cional. A Lei 12.529/2011, na medida em que protege interesses difusos, ligados
ao bom funcionamento do mercado e à defesa dos consumidores, deve ter sua
eficácia material garantida pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.

129. Veremos nos capítulos seguintes que a matéria tratada pela Lei Antitruste aparta-se
em dois grandes eixos: (i) repressão às práticas anticompetitivas [vedação dos acor-
dos – horizontais e verticais – restritivos da concorrência, bem como a repressão ao
abuso de posição dominante, conforme previstos no art. 36 da Lei 12.529, de 2011];
e (ii) disciplina das concentrações entre agentes econômicos (art. 88 e seguintes). Os
primeiros dizem respeito a “condutas” que podem acarretar a aplicação de sanções
(art. 37).
130. Informa o sítio do CADE que, de janeiro de 2004 a dezembro de 2011, 93,2% dos
atos de concentração foram aprovados sem restrição, 6,7% aprovados com restrição
e 0,1% reprovados (cf. www.cade.gov.br, acesso em 2 de janeiro de 2012).

8004.indb 133 21/06/2018 13:33:09


8004.indb 134 21/06/2018 13:33:09
3
O sistema da Lei Antitruste brasileira

Sumário: 3.1. O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Estrutura adminis-


trativa. 3.1.1. Superintendência-Geral. 3.1.2. Tribunal Administrativo de Defesa
Econômica. 3.1.3. Departamento de Estudos Econômicos. 3.1.4. Procuradoria-Geral
do CADE. 3.2. Práticas restritivas e caracterização da ilicitude pelos efeitos. 3.3. Disci-
plina das infrações à ordem econômica e das concentrações na Lei 12.529, de 2011.
Conexão entre os arts. 36 (tipificação e exemplificação das infrações), 88 (dever de
submissão e análise das concentrações) e 90 (definição das concentrações que devem
ser submetidas à apreciação governamental). 3.4. Ainda sobre a caracterização da
ilicitude pelos efeitos da prática. Os incisos do art. 36, caput, da Lei 12.529/2011.
3.4.1. Art. 36, caput, I: tutela da livre-concorrência e da livre-iniciativa. 3.4.2. Incs.
II e IV do art. 36, caput, da Lei Antitruste. Domínio de mercado e abuso de posição
dominante. Ainda a tutela da livre-concorrência e da livre-iniciativa. 3.4.3. Inc. III do
art. 36 da Lei Antitruste. A tutela do consumidor, além da livre-iniciativa e da livre-
-concorrência. 3.4.4. As duas almas do art. 36 da Lei 12.529, de 2011. 3.5. Efeitos
potenciais dos atos restritivos da concorrência. 3.6. A forma do ato. 3.7. Os sujeitos
da Lei Antitruste. Sujeitos públicos e sujeitos privados. 3.8. A responsabilidade do
grupo pelas infrações à ordem econômica. 3.9. Procedimentos administrativos no
âmbito do CADE. 3.9.1. Procedimentos relacionados à apuração de infrações à or-
dem econômica. 3.9.2. Procedimentos relacionados à aprovação de concentrações
econômicas pelo CADE. 3.10. Acordos entre a Administração Pública e empresas:
compromissos de cessação, acordo em controle de concentração e acordo de le-
niência. 3.10.1. Compromissos de cessação (art. 85). 3.10.2. Acordos em controle
de concentrações (referido nos arts. 9.º, V, 13, X e 46, § 2.º). 3.10.3. Acordos de
leniência (art. 86). 3.11. A cessação imediata de práticas danosas à concorrência:
ordens de cessação, medidas preventivas, liminares e antecipação de tutela. 3.12.
Lei Antitruste e atuação do Ministério Público. 3.13. A aplicação privada da Lei
Antitruste. 3.14. Lei Antitruste e atuação do Poder Judiciário.

Este capítulo introduz ao leitor os vértices da Lei 12.529, de 2011, desta-


cando a dinâmica dessa Lei e da correlação entre os vários institutos nela dis-
ciplinados. Também se desenha o quadro geral das atuações dos entes ligados
à concreção do antitruste no Brasil.1

1. Para análise da diversidade de sistemas administrativos implementados pelas leis


antitruste, v. o resultado da pesquisa de direito comparado de Eleanor Foz e Michel
Trebilcock, The design of competition Law institutions and the Global Convergence of
process norms: The GAL competition Project, disponível em [http://papers.ssrn.com/
sol3/papers.cfm?abstract_id=2128913], último acesso em 12 de fevereiro de 2013.

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136 Os fundamentos do antitruste

3.1. O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Estrutura ad-


ministrativa
A Lei 12.529/2011 organiza o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência,
composto por dois órgãos: (i) Conselho Administrativo de Defesa Econômica
– CADE, autarquia especial, ligada ao Ministério da Justiça e (ii) Secretaria de
Acompanhamento Econômico – SEAE, do Ministério da Fazenda. Na verdade,
no âmbito do direito concorrencial, as competências da SEAE são bastante
restritas, limitadas praticamente à advocacia da concorrência. O grande pro-
tagonista da matéria é o CADE, “entidade judicante com jurisdição em todo
o território nacional”.2
O CADE é constituído por três órgãos: (i) Tribunal Administrativo de
Defesa Econômica; (ii) Superintendência-Geral e (iii) Departamento de Es-
tudos Econômicos.

3.1.1. Superintendência-Geral
A principal figura da Superintendência é o Superintendente-Geral,
que atua com auxílio de dois Superintendentes-Adjuntos por ele indica-
dos (cf. art. 12, § 7.º). Entre as competências da Superintendência-Geral,
destacam-se:
(i) apuração e investigação de infrações à ordem econômica;
(ii) instrução das análises dos atos de concentração econômica, apro-
vando-os ou impugnando-os perante o Tribunal Administrativo de Defesa
Econômica (art. 13, XII).3
Extensos poderes são atribuídos à Superintendência-Geral, tais como:
(i) requisitar informações e documentos de quaisquer pessoas, físicas ou
jurídicas, bem como determinar as diligências que entender necessárias (art.
13, VI, a);
(ii) realizar inspeção na sede social, estabelecimento, escritório, filial
ou sucursal de empresa investigada, de estoques, objetos, papéis de qualquer
natureza, assim como livros comerciais, computadores e arquivos eletrônicos,
podendo extrair ou requisitar cópias de quaisquer documentos ou dados ele-
trônicos (art. 13, VI, c);

2. Cf. Lei 12.529/2011, art. 4.º.


3. O Superintendente Geral poderá participar, quando entender necessário, sem direito
a voto, das reuniões do Tribunal e proferir sustentação oral, na forma do regimento
interno (Lei 12.529/2011, art. 14, I).

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O sistema da Lei Antitruste brasileira 137

(iii) requerer ao Poder Judiciário busca e apreensão de documentos, ob-


jetos, livros comerciais, computadores e arquivos magnéticos de empresas ou
pessoas físicas (art. 13, VI, d);
(iv) requisitar vista e cópia de documentos e objetos constantes de in-
quéritos e processos administrativos instaurados por órgãos ou entidades da
administração pública federal (art. 13, VI, e); e
(v) requerer vista e cópia de inquéritos policiais, ações judiciais de quais-
quer natureza, bem como de inquéritos e processos administrativos instaurados
por outros entes da federação (art. 13, VI, f).
Com relação às empresas detentoras de posição dominante, a Superin-
tendência-Geral tem competência para acompanhar, permanentemente, suas
atividades, podendo requisitar informações e documentos (cf. art. 13, II).

3.1.2. Tribunal Administrativo de Defesa Econômica


O Tribunal Administrativo de Defesa Econômica é órgão judicante, com-
posto por seis conselheiros e um presidente com certa autonomia em relação
ao Poder Executivo, na medida em que possuem mandato fixo de quatro anos
(art. 6.º, § 1.º), vedada a recondução, e somente o perdem em virtude de decisão
do Senado Federal, por provocação do Presidente da República, ou em razão
de condenação penal irrecorrível por crime doloso, de processo disciplinar ou
de infração a seus deveres previstos na própria lei antitruste (art. 7.º).
As principais competências do Tribunal são:
(i) o julgamento das condutas dos agentes econômicos, determinando
se constituem, ou não, infrações à ordem econômica, bem como a imposição de
multas e demais penalidades previstas em lei;
(ii) apreciar os atos de concentração econômica, aprovando-os, rejeitando-
-os ou aprovando-os com restrições (art. 9.º, X);
(iii) aprovar os termos de compromissos de cessação, mediante os quais
os agentes econômicos obrigam-se a abandonar práticas suspeitas (art. 9, V);
(iv) aprovar os termos de acordos em controle de concentrações, visando a
garantir que as operações aprovadas efetivamente tragam os benefícios eco-
nômicos esperados;
(v) apreciar, em grau de recurso, as medidas preventivas adotadas pelos
conselheiros ou pela Superintendência-Geral (art. 9.º, VI), bem como concedê-
-las (art. 9.º, IV); e
(vi) responder a consultas sobre condutas de práticas em andamento (art.
9.º, § 4.º).

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138 Os fundamentos do antitruste

3.1.3. Departamento de Estudos Econômicos


O Departamento de Estudos Econômicos, dirigido por um Economista-
-Chefe, emite pareceres e realiza estudos econômicos visando a subsidiar
a atuação do CADE. O Economista-Chefe pode comparecer às sessões do
Tribunal, sendo-lhe facultado usar da palavra (Lei 12.529/2011, art. 51, III).

3.1.4. Procuradoria-Geral do CADE
A atuação da Procuradoria-Geral do CADE (PROCADE), cuja existência
é prevista no art. 15 da Lei 12.529/2011, tem a principal função de defender os
interesses do órgão em juízo, incluindo a promoção da execução das decisões
proferidas pelo Tribunal. O Procurador-Chefe, tal como o Economista-Chefe,
poderá comparecer às sessões do CADE e usar da palavra (art. 16, § 2.º e art.
18, § 1.º).

3.2. Práticas restritivas e caracterização da ilicitude pelos efeitos


As práticas antitruste são tradicionalmente classificadas conforme suas
três principais manifestações (às quais, posteriormente, dedicamos capítulos
específicos): (i) acordos, que podem ser horizontais e verticais; (ii) abuso de
posição dominante e (iii) concentrações.
No que tange à tipificação legal, a Lei 12.529/2011 é peculiar, embora
seu texto possa lembrar aqueles de sistemas estrangeiros. Para efeitos de ca-
racterização da infração à ordem econômica, ao se referir a “atos sob qualquer
forma manifestados”, o art. 36, caput, inclui toda e qualquer conduta (ou seja,
aquilo que não seja mero “fato”) que possa, de alguma forma, prejudicar a
concorrência, sem distinção entre acordos, abusos ou concentrações.
Nos Estados Unidos, a técnica jurídica utilizada é diversa. O Sherman Act,
em seu art. 1.º, declara ilícito todo e qualquer contrato, combinação sob a forma
de truste ou qualquer outra forma ou conspiração em restrição do tráfico ou co-
mércio entre os Estados, ou com nações estrangeiras. Por sua vez, o art. 2.º veda a
dominação do mercado, bem assim a tentativa de atingi-la (monopolize e attempt
to monopolize). Temos duas normas apartadas: uma vedando o acordo entre
empresas; outra, a posição dominante. As concentrações, inicialmente julgadas
com base nos dispositivos do próprio Sherman Act, em 1914 receberam regula-
mentação especial, com a promulgação do Clayton Act (especialmente art. 7.º).4

4. Em 1950, com o escopo de tornar mais efetiva a aplicação do art. 7.º do Clayton Act,
o diploma foi complementado pelo Congresso americano, mediante a promulgação
do Celler-Kefauver Antimerger Amendment.

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O sistema da Lei Antitruste brasileira 139

Ou seja, tem-se três suportes fáticos distintos, para três hipóteses distintas (acordos
– verticais ou horizontais – abuso e concentração).
O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – TFUE veda os
acordos entre empresas que possam prejudicar o comércio entre os Estados-
-membros e que tenham por objeto ou efeito impedir, restringir ou falsear o
jogo da concorrência no mercado interno (art. 101), ao mesmo tempo em que
o art. 102 coíbe o abuso da posição dominante, também na medida em que este
possa ser prejudicial àquele comércio. As concentrações foram inicialmente
abrigadas sob o manto desses artigos; no ano de 1989, passaram a ser regidos
por diploma especial (Regulamento CE 4.064). Hoje, são disciplinadas pelo
Regulamento do Conselho 139, de 20 de janeiro de 2004, e pelo Regulamento
802/2004, da Comissão Europeia, com as alterações introduzidas pelo Regu-
lamento 1.269, de 2013. Novamente: três suportes fáticos distintos, para três
hipóteses distintas.
Tanto no mencionado art. 101 quanto no art. 102, há elenco exemplifi-
cativo das práticas vedadas. Destarte, o sistema europeu situa o acordo entre
empresas (v.g., acordo de fixação de preços, acordo de limitação ou controle
da produção, acordo de divisão dos mercados, vendas casadas) e o abuso da
posição dominante (v.g., imposição de preços não equitativos, limitação da
produção, discriminação, vendas casadas) em dois dispositivos separados, com
suportes fáticos e hipóteses de incidências diversos.
Ademais, porque na Europa a disciplina da concorrência é instrumen-
tal aos objetivos delimitados especialmente no art. 3.º do Tratado da União
Europeia, adota-se sistema de determinação da ilicitude pelo objeto ou efeito
das práticas, de sorte que estas somente serão proibidas se (i) prejudicarem o
comércio com os Estados-Membros ou, especificamente no caso de acordos
entre empresas, (ii) tiverem por objeto ou efeito impedir, restringir ou falsear
o jogo da concorrência no mercado interno europeu.
Já o sistema da lei brasileira é híbrido, que aproveita o europeu no que
tange à caracterização do ilícito pelo objeto ou efeito,5 mas supera tanto esta
tradição quanto aquela norte-americana no que toca à tipificação dos atos.

5. Há muito, o Dec.-lei 7.666, de 1945, procurou introduzir, entre nós, a caracteriza-


ção da ilicitude da prática pelos efeitos que produzia. O Projeto 122, apresentado
por Agamemnon Magalhães, adotava essa sistematização (que acabou por não
prevalecer no texto da Lei 4.137, de 1962). As críticas lançadas foram ferozes e
ressaltavam, quase à unanimidade, o problema da insegurança jurídica causada
por esse tipo de sistematização. O sistema de caracterização do tipo por seus efei-
tos era adotado pelo Clayton Act (cf. art. 3.º: “It shall be unlawful for any person

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140 Os fundamentos do antitruste

Tomando como ponto cardeal o objeto ou efeito da prática analisada, o


art. 36, caput, da Lei 12.529, de 2011, refere-se aos “atos sob qualquer forma
manifestados”, englobando, a um só tempo, os acordos e as concentrações entre
empresas, o domínio de mercado e o abuso de posição dominante.6-7
Para que seja considerado contrário à ordem econômica, basta que o ato
(quer acordo, quer abuso, quer concentração) determine a incidência do art. 36,
caput, ou seja, tenha por objeto ou produza um dentre os seguintes efeitos:
(i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre-concorrência ou
a livre-iniciativa; (ii) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii)
aumentar arbitrariamente os lucros; ou (iv) exercer de forma abusiva posição
dominante.
Em decorrência do método adotado pela Lei 12.529, de 2011, o intérpre-
te brasileiro é poupado de esforços hermenêuticos para a caracterização de
determinada prática como atentatória à ordem econômica, como ocorre em
outros ordenamentos. Por exemplo, o art. 101 do TFUE situa a venda casada
como típico acordo entre empresas ou abuso de posição dominante (pois que

engaged in commerce, in the course of such commerce, to lease or make a sale


of contract for sale of goods, wares, merchandise, machinery, supplies, or other
commodities, whether patented or unpatented, for use, consumption, or resale
within the United States or any Territory thereof or the District of Columbia or
any insular possession or other place under the jurisdiction of the United States,
or fix a price charges therefor, or discount from, or rebate upon, such price, on the
condition, agreement, or understanding that the lessee or purchaser thereof shall
not use or deal in the goods, wares, merchandise, machinery, supplies, or other
commodities of a competitor or competitors of the lessor or seller, where the effect
of such lease, sale or contract for sale or such condition, agreement, or understanding
may be to substantially lessen competition or tend to create a monopoly in any line of
commerce”). Comenta Giorgio Bernini: “Il criterio di illegalità sancito nel Clayton
Act appare, almeno da un punto di vista formale, più rigido di quello che era venuto
evolvendosi sulla base dell’interpretazione data dalle Corti al testo del Sherman Act:
si tende, infatti, a definire l’effetto della pratica incriminata, risultando la pratica
stessa illegale qualora l’effetto ‘possa essere quello di diminuire sostanzialmente
la concorrenza o tendere a creare un monopolio in qualsiasi linea di commercio
(‘may be to substantially lessen competition or tend to create a monopoly in any
line of commerce’) (Un secolo di filosofia antitrust, p. 45).
6. Ao empregar a palavra “ato”, o texto do art. 36 da Lei 12.529/2011 supera as discus-
sões que se travaram, na Europa, sobre as diferenças e semelhanças entre os “acordos
entre empresas”, “decisões de associação de empresas” e “práticas concertadas”.
7. Cf., sobre a evolução jurisprudencial norte-americana determinando os tipos de
“acordos” (contract, combination, conspiracy) referidos pela hipótese prevista no art.
1.º do Sherman Act, Fox e Sullivan, Cases and materials on antitrust, p. 450 e ss.

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O sistema da Lei Antitruste brasileira 141

tomada como exemplo de prática restritiva tanto no elenco do art. 101 quanto
no do art. 102).8
Voltando à lei brasileira, a partir do momento em que a venda casada
(tipificada no inc. XVIII do § 3.º do art. 36 da Lei 12.529, de 2011) implique
a incidência de um dos incisos do art. 36, caput, será considerada contrária à
ordem econômica.
Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, existe a preocupação de ca-
racterizar a posição dominante do agente econômico em determinado mercado
relevante, para que se lhe possa imputar o abuso9 (afinal, não se pode abusar de
posição que não se detém). No Brasil, o intérprete não precisa necessariamente
lançar mão desse raciocínio, uma vez que a lei não exige que se caracterize o ato
como abuso de posição dominante para que seja vedado: basta, como visto, a
existência de determinados objetivos ou a produção de um dos efeitos previs-
tos no art. 36, caput, da Lei 12.529, de 2011. Entre nós, não é necessário deter
posição dominante para infringir a ordem econômica.
Embora a caracterização da posição dominante, do acordo entre empresas
ou da concentração seja dispensável à verificação do ilícito no sistema brasileiro,
há algumas ocasiões em que a diferenciação assumirá relevância, e deverá ser
efetuada para fins de:
(i) Determinação dos agentes que devem ser responsabilizados. Se tratarmos
de típico acordo entre empresas, muito provavelmente todos os partícipes terão
contribuído para a prática, sendo sujeitos ativos de comportamento tipificado
como ilícito. Ao contrário, em se tratando de abuso de posição dominante,
geralmente será responsabilizado apenas o agente detentor dessa posição.
(ii) Argumentação quanto à existência de infração à ordem econômica, quando
se sustenta que uma empresa com diminuto poder de mercado não é apta a
praticar atos que levem ao prejuízo para a livre-iniciativa ou livre-concorrência10
(v., a esse respeito, o capítulo referente ao abuso de posição dominante).

8. Daí, como advertem Frignani e Waelbroeck, há quem sustente que a imposição de


venda casada somente seria sancionada pelo Tratado (i) se praticada por uma empresa
em posição dominante ou (ii) se envolvesse atos praticados por duas empresas. Ou
seja, nada haveria de ilícito na venda casada imposta por uma única empresa sem o
domínio do mercado.
9. Inúmeros são os casos analisados pelos tribunais sobre essa questão. A título exem-
plificativo citamos, nos Estados Unidos, United States v. E. I. Du Pont de Nemours
e Co. (351 U. S. 377 – 1956), e, na Europa, United Brands c. Commissione delle
Comunità Europee (causa 27/76. Racc. 1978, p. 207).
10. A venda casada pode não prejudicar a livre-concorrência se o agente econômico não
detiver poder de mercado. Nesse caso, inexiste coerção sobre o consumidor, que

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142 Os fundamentos do antitruste

(iii) Nos casos de “paralelismo consciente”, quando se procurará com-


provar ou negar que o comportamento uniforme ou paralelo dos agentes
econômicos não decorreu de motivo outro senão o exercício saudável da
concorrência. Partindo-se do pressuposto da racionalidade dos agentes eco-
nômicos, a semelhança de condutas não implicaria a existência de prática
ilícita, mas decorreria da resposta “racional” de todos à determinada situação
de mercado.11 Nesse caso, a prática somente poderia ser sancionada diante da
comprovação do “acordo” entre os agentes.12

3.3. Disciplina das infrações à ordem econômica e das concentrações


na Lei 12.529, de 2011. Conexão entre os arts. 36 (tipificação e
exemplificação das infrações), 88 (dever de submissão e análise
das concentrações) e 90 (definição das concentrações que devem
ser submetidas à apreciação governamental)
O texto do art. 36, caput, de nossa lei antitruste é bastante amplo, abran-
gendo infinitos atos ou contratos que podem ser praticados ou celebrados em
restrição à concorrência e práticas abusivas. Por essa razão, o mesmo art. 36,
em seu § 3.º, menciona uma série de condutas que, caso impliquem a conco-
mitante incidência do caput e seus incisos, consubstanciarão infrações à ordem
econômica. Frise-se bem: o elenco do § 3.º é exemplificativo. No Brasil, não
há “infração per se”, pois as condutas do § 3.º, para serem declaradas ilícitas,
necessitam da comprovação de seus efeitos abusivos ou anticompetitivos, con-
forme exigido pelo caput do art. 36.

poderá optar por adquirir o produto de outro fornecedor. Pensemos em um açou-


gue, situado na cidade de São Paulo, que vincula a venda de carne bovina à venda de
carne suína. Se esse agente econômico não detiver poder de mercado, o consumidor,
simplesmente, adquirirá a carne bovina de outro açougue, de sorte que poderá não
ocorrer prejuízo à concorrência. Não se trata de colocar a posição dominante como
indispensável para a caracterização da infração à ordem econômica, criando “regra
fixa” (ou “infração per se”), mas de concluir que os prejuízos ao mercado podem
variar conforme o poder detido pelo agente.
11. Determinados mercados, por suas características estruturais, são mais propensos
à ocorrência do paralelismo consciente. A primeira delas é a existência de elevadas
barreiras à entrada de novos players, de forma que o eventual aumento de preços
acima dos níveis competitivos não é suficiente para atrair novas empresas àquele
mercado. A segunda é o reduzido número de agentes econômicos (i.e., mercado oli-
gopolizado), que permite a rápida observação do comportamento dos concorrentes,
ensejando respostas quase imediatas.
12. Para explicações sobre o paralelismo consciente, v. o capítulo em que tratamos das
concentrações de empresas (capítulo oitavo).

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O sistema da Lei Antitruste brasileira 143

Pensemos em uma pequena venda situada no centro de Porto Alegre


que, para atrair clientela, oferece escovas de dente abaixo do preço de custo.
Embora a prática em si esteja descrita no art. 36, § 3.º, XV da Lei Antitruste,13
não configurará infração da ordem econômica, pois, além de não restringir a
concorrência, não traz aumento arbitrário de lucros e muito menos domínio
de mercado.
Igualmente, prática não prevista expressamente no § 3.º do art. 36, caso
restritiva da concorrência, será considerada ilícita, bastando, para isso, a com-
provação da incidência do caput do art. 36.
A letra do caput do art. 36 levaria à condenação de todas as concentrações
entre agentes econômicos que infrinjam a concorrência. Entretanto, isso não
seria benéfico para a economia, pois, ao fim e ao cabo, algumas podem trazer
consigo fatores de desenvolvimento, incluindo benefícios para os consumi-
dores. Por conta disso, o art. 88, § 6.º, c/c art. 90, permite que concentrações
sejam realizadas. Para tanto, segundo o disposto no art. 88, o agente econômico
deverá pedir autorização ao CADE. Os critérios para identificação (art. 90) e
autorização das concentrações (art. 88) serão expostos no capítulo 8. Por ora,
fixe-se o seguinte quadro geral:

Art. 36 Disciplina das infrações à or- Art. 36, caput: Definição geral das prá-
dem econômica ticas ilícitas, i.e., das infrações à ordem
econômica.
Art. 36, § 3.º: Exemplos de práticas que
podem configurar infração à ordem eco-
nômica, conforme a incidência, ou não,
dos incisos previstos no caput do art. 36.

Art. 88 Disciplina o dever de submis- Art. 88, caput: estabelece a possibilidade


são das concentrações econô- de aprovação, pelo CADE, de concentra-
micas ao CADE ções econômicas.
Art. 88, I e II: estabelece o gabarito para
apresentação obrigatória de concentra-
ções, valendo-se de critério baseado no
faturamento bruto; atingidos aqueles
parâmetros, a concentração deverá ser
obrigatoriamente submetida à aprovação
do CADE.

13. “Art. 36, § 3.º, XV – vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo
do preço de custo”.

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144 Os fundamentos do antitruste

Art. 90 Define as operações que devem


ser entendidas como concentra-
ções para fins de obrigatorieda-
de de submissão ao CADE
Art. 88, Enumera os efeitos nocivos das
§ 5.º concentrações que serão consi-
derados pelo CADE para a análi-
se do ao de concentração
Art. 88, Estabelece as eficiências neces-
§ 6.º sárias à aprovação da operação
de concentração pelo CADE

3.4. Ainda sobre a caracterização da ilicitude pelos efeitos da prática.


Os incisos do art. 36, caput, da Lei 12.529/2011
3.4.1. Art. 36, caput, I: tutela da livre-concorrência e da livre-iniciativa
O interesse tutelado pelo art. 36, caput, I, está expresso de forma bastante
clara: a livre-concorrência ou a livre-iniciativa. Ou seja, aos agentes é assegurada
liberdade de desenvolvimento de atividade econômica e, para garantir a ma-
nutenção do sistema e das regras do jogo, são impostos limites à sua atuação,
formatando seu comportamento no mercado. A disciplina da concorrência
coloca-se como correlata à livre-iniciativa.14
O texto do art. 36, caput, I, ao proteger a livre-iniciativa e a livre-concorrência,
dá concreção ao mandamento do art. 170, caput e inc. IV, da CF. É curiosa a referên-
cia do texto constitucional à livre-concorrência e à livre-iniciativa, pois esta, como
assinala Grau, é a liberdade de comércio e indústria e a liberdade de concorrência.15

14. V. análise do segundo período de evolução das normas de tutela da concorrência, no


primeiro capítulo.
15. Ainda Eros Roberto Grau expõe os “inúmeros sentidos” que “podem ser divisados no
princípio, em sua dupla face, ou seja, enquanto liberdade de comércio e indústria e
enquanto liberdade de concorrência”, equacionando-os da seguinte forma: a) liber-
dade de comércio e indústria (não ingerência do Estado no domínio econômico): a.1)
faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título privado – liberdade
pública; a.2) não sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de lei – liber-
dade pública; b) liberdade de concorrência: b.1) faculdade de conquistar a clientela,
desde que não através de concorrência desleal – liberdade privada; b.2) proibição de
formas de atuação que deteriam a concorrência – liberdade privada; b.3) neutrali-
dade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos
concorrentes – liberdade pública (cf. A ordem econômica na Constituição de 1988, item
89). Josserand vislumbra três aspectos da liberdade de comércio que se concretizam

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O sistema da Lei Antitruste brasileira 145

Em outras palavras, a liberdade de iniciativa implica a liberdade de concorrência


e vice-versa.16
A liberdade de iniciativa a que fazem referência o texto constitucional e a
própria Lei Antitruste não conflita com a necessidade da atuação estatal, para
garantir a manutenção/preservação do sistema econômico, conduzindo-o de
forma a impedir as crises, mas a Complementa.17
A partir do momento em que o Estado passa a intervir na Economia há
modificação no próprio princípio da livre-iniciativa que, há muito, deixou
de ser correlato a uma política de laissez-faire. A atuação do Estado sobre a
economia não é tida como indesejável pelo sistema jurídico que, ao contrário,
a institui e regulamenta.18

no dogma da livre-concorrência: (i) liberdade de estabelecimento; (ii) liberdade de


fabricação; e (iii) liberdade de circulação de mercadorias, em conformidade com as
leis econômicas, principalmente a lei da oferta e da procura (De l’esprit des droits et
de leur relativité: théorie dite de l’abus des droits, p. 231-232).
16. A ordem econômica na Constituição de 1988, item 89.
17. Ademais, “embora seja assim, força é reconhecermos, de uma parte, que a livre-con-
corrência é elevada à condição de princípio da ordem econômica, na Constituição de
1988, mitigadamente, não como liberdade anárquica, porém social” (Eros Roberto
Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, item 93).
18. A respeito, Tullio Ascarelli: “D’altra parte questa azione importa il superamento del
liberalismo dell’economia classica che assumeva che il funzionamento della libera
concorrenza avrebbe automaticamente importato il raggiungimento di determinate
finalità, tendendo a negare l’influenza della struttura istituzionale e concependo
il sistema economico come necessariamente determinato, così come, nello stesso
periodo, il sistema giuridico veniva a sua volta concepito come un dato meramente
logico, astratto dalla storia. Questa teorizzazione riposava su una premessa implicita
di piena elasticità e automatismo del mercato e di grande mobilità dei suoi fattori
e sulla generalizzazione di quella produzione con costi marginali crescenti che si
osserva in agricoltura, laddove proprio lo sviluppo dell’industria ha messo in evi-
denza la frequenza di premesse diverse e spesso opposte. Essa si riportava, in via
definitiva, a una concezione della storia come già naturalisticamente determinata,
anzichè come frutto della umana volontà e perciò appunto avvicina l’equilibrio
economico a un equilibrio meccanico che non sarebbe potuto essere che natura-
listicamente determinato, anzichè ravvisare nella storia un’opera umana ed allora
cogliere d’altra parte il significato storicamente condizionato delle stesse forme
economiche. Il passaggio a un pubblico intervento nell’economia si collega così con
una diversa visione della storia, e col superamento della premessa giusnaturalista
propria dell’economia liberale del secolo passato” (Teoria della concorrenza e dei
beni immateriali, p. 16).

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146 Os fundamentos do antitruste

É bastante comum que, ao mencionar a “livre-iniciativa”, venha à mente o


conceito tradicional de liberdade (sensibilidade e acessibilidade a alternativas
de conduta e de resultado)19 o agente econômico atuando no mercado com o
mínimo de “repressão” estatal. Mas – insistimos – essa visão da livre-iniciativa
(ou da livre-concorrência e mesmo da autonomia privada) não exclui outra
que lhe é complementar, de que essa mesma livre-iniciativa, para que continue
existindo, deve ser não apenas regulamentada, mas também conduzida pela
autoridade governamental.20
Assim, no princípio da livre-iniciativa (e da livre-concorrência) abriga-
-se, também, a atuação estatal no sentido de (i) disciplinar comportamentos que
resultariam em prejuízos à concorrência e (ii) disciplinar a atuação dos agentes
econômicos, de forma a implementar uma política pública, dando concreção aos
ditames do art. 3.º e do art. 170 da CF. Em conclusão, quando a autoridade anti-
truste autoriza ou coíbe determinado comportamento do agente econômico, deve
atuar o princípio da livre-iniciativa e da livre-concorrência, tal qual modernamente
concebidos e existentes no seio de nossa Constituição.
Na tutela da livre-iniciativa (e, portanto, da livre-concorrência) encontra-
-se um dos principais parâmetros da nossa Lei Antitruste e pauta de sua inter-
pretação. Os acordos entre empresas são vedados na medida em que configu-
ram entrave à livre-iniciativa ou à livre-concorrência. Ou seja, é no prejuízo à
livre-concorrência e à livre-iniciativa que se encontra o caráter ilícito de qualquer
prática concertada.21 Destaque-se a lição do Min. Carlos Velloso: “... esclareça-se
que a ordem econômica, segundo o modelo constitucional brasileiro, fundada
na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por finalidade
assegurar a todos existência digna, no rumo da justiça social, objetivos que
deverão ser atingidos mediante a observância dos princípios enumerados
nos incisos I a IX do art. 170 da Constituição. Um desses princípios, por isso
mesmo viga mestra do sistema econômico, é o da livre-concorrência. Quer dizer,
tudo aquilo que possa embaraçar ou de qualquer modo impedir o livre exercício da
concorrência é ofensivo à Constituição. Bem por isso, essa mesma Constituição,
no § 4.º do art. 173, dispõe que ‘a lei reprimirá o abuso do poder econômico que

19. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, item 88.
20. Por essa razão, afirma F. C. de San Tiago Dantas: “As leis antitrust exprimem a
concepção de que a liberdade econômica não é um princípio absoluto, em nome
do qual se possam admitir os próprios pactos que excluem tal liberdade, mas é um
regime social e econômico a defender mesmo contra a liberdade individual, se esta
o ameaçar” (Problemas de direito positivo, p. 21).
21. Voto do Min. Carlos Velloso, do STF, na ADIn 1.094-8-DF.

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O sistema da Lei Antitruste brasileira 147

vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento


arbitrário de lucros’” (o destaque não é do original).
Qualquer ato praticado por um agente econômico, individualmente,
ainda que não seja detentor de posição dominante no mercado, poderá ser
considerado ilícito se, de algum modo, prejudicar a livre-concorrência ou a
livre-iniciativa em conduta dissociada de sua vantagem competitiva. O mesmo
ocorre em relação à tentativa de monopólio e ao abuso de posição dominante,
como passamos a analisar.

3.4.2. Incs. II e IV do art. 36, caput, da Lei Antitruste. Domínio de mercado


e abuso de posição dominante. Ainda a tutela da livre-concorrência
e da livre-iniciativa
Os incs. II e IV referem-se, respectivamente, ao domínio de mercado e ao
abuso da posição dominante. Uma vez que o texto normativo prevê a ilicitu-
de do ato contrário à ordem econômica, ainda que os fins visados não sejam
alcançados, inclui-se na redação do art. 36 a prática que possa ter por objeto
ou por efeito a dominação do mercado, ou seja, propiciar a detenção de poder
econômico suficiente para assegurar o comportamento independente e indiferente
em relação aos demais agentes.22
De certa forma, a busca do monopólio (attempt to monopolize) e a posição
monopolística são potencialmente prejudiciais à concorrência, uma vez que,
em geral, implicam processo que passará pelo aniquilamento dos competidores.
Retornamos ao problema que muito já foi referido: a concorrência, é
cediço, prejudica os concorrentes, mas esses prejuízos podem ser licitamente
causados, desde que resultantes “de processo natural fundado na maior eficiên-
cia de agente econômico em relação a seus competidores” (art. 36, § 1.º, da Lei
12.529/2011). Ou seja, desde que uma empresa seja mais capacitada do que
seu concorrente, poderá licitamente buscar a posição dominante no mercado,
vindo até a dominá-lo, com a eliminação de seus competidores. Nada há de
mais esperado senão a busca do domínio de mercado, uma vez que o objetivo
do agente econômico é o seu crescimento no setor em que atua.
Mas, também nesse ponto, precisamos fixar algumas pautas de interpre-
tação. Se, entre nós, a posição dominante não é vedada em si, como coloca o
§ 1.º do art. 36, nem todo o ato praticado por empresa em posição dominante
será considerado ilícito pela Lei Antitruste. Entretanto, a linha que separa o
abuso de posição dominante de seu exercício normal, por vezes, é muito tênue,

22. A definição de poder econômico vem analisada no Capítulo 6 deste trabalho.

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148 Os fundamentos do antitruste

e não há notícias na lei de seu traço, podendo ser vivificada somente se consi-
derados os efeitos anticoncorrenciais da prática analisada, atuais e potenciais.
O parâmetro que devemos colocar toca ao ditame constitucional da prote-
ção à livre-iniciativa e à livre-concorrência, e a coibição ao aumento arbitrário
de lucros. Todo abuso de posição dominante implica restrição à livre-iniciativa,
à livre-concorrência ou aumento arbitrário de lucros. Só podemos dizer que
um agente econômico abusou da posição dominante que detinha se prejudi-
cou a livre-concorrência ou a livre-iniciativa ou aumentou arbitrariamente
seus lucros. Caso contrário, trata-se de um ato que não há de ser sancionado
pela Lei Antitruste. Outra exegese nos conduzirá à absurda possibilidade de
condenação, per se, de todo e qualquer ato praticado por empresa em posição
dominante, conforme o livre entendimento da autoridade antitruste.
De outra parte, nem toda restrição à concorrência implica domínio ilícito
de mercado, pois pode ser derivada de vantagem competitiva, prevista no § 1.º
do art. 36. O ato da empresa em posição dominante, restritivo da concorrên-
cia, poderá não configurar abuso por decorrer do exercício normal da posição
dominante.
Em resumo: nem toda a restrição à livre-concorrência ou à livre-iniciativa
é domínio de mercado ou abuso de posição dominante, mas não há domínio de
mercado ou abuso de posição dominante sem restrição à livre-concorrência, à
livre-iniciativa ou que dê lugar a aumento arbitrário de lucros.
Considerando-se os incs. I e IV do art. 36 da Lei 12.529/2011, para caracte-
rizar a ilicitude de uma prática, não há a necessidade de se comprovar a posição
dominante do agente econômico. Com efeito, o monopólio e o abuso de posição
dominante são vedados apenas na medida em que consubstanciam prática
prejudicial à livre-concorrência e à livre-iniciativa (prejudiciais ao mercado
e, portanto, subsumíveis, desde logo, ao inciso I do art. 36 da Lei Antitruste).

3.4.3. Inc. III do art. 36 da Lei Antitruste. A tutela do consumidor, além da


livre-iniciativa e da livre-concorrência
O inc. III do art. 36 da Lei Antitruste coíbe o aumento arbitrário de lucros
do agente econômico, sem qualquer referência a eventual posição dominante
por ele detida.23 Há de se repisar que a repressão aos altos lucros, em princípio,

23. Tullio Ascarelli, ainda na vigência do Dec.-lei 869, de 1938, já enfrentava a questão:
“Qual, entretanto, o sentido de ‘aumento arbitrário dos lucros’?” e “Quando se pode
definir o lucro como arbitrário”, perguntava o mestre, concluindo que a resposta,
dada pela lei francesa, seria que “o lucro será arbitrário quando não seja ‘le resultat
du jeu naturel de l’offre et la demande’” (...) “o lucro normal não pode ser arbitrário”

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O sistema da Lei Antitruste brasileira 149

não traz incentivo à concorrência ou à livre-iniciativa, na medida em que a


possibilidade de sua auferição é sinalizador para a concorrência potencial apto
a aumentar o grau de competitividade do mercado relevante. Possibilidade
de ganhos atrai agentes econômicos que, muitas vezes, estão prontos a alçar
voo para entrar naquele setor da economia (in the wings). Onde há lucros,
se não houver elevadas barreiras à entrada, a concorrência potencial tende a
transformar-se em efetiva.
O inc. III do caput do art. 36 visa, precipuamente, à proteção do consumidor,
ou daqueles explorados pelos agentes dominantes.24
Desde há muito, encontra-se nos diplomas brasileiros antitruste, bem
como nas normas constitucionais, a repressão aos lucros arbitrários ou aos
preços excessivos correlatos ao abuso do poder econômico, tendo em vista a
proteção da população, dos consumidores. Comentando a Lei 4.137, de 1962,
asseveraram Nelson de Azevedo Branco e Celso de Albuquerque Barreto: “A
legislação brasileira antitruste, embora impregnada de um sentido neolibera-
lista, não tem como único objetivo restabelecer o livre mecanismo de preços e
da concorrência. O legislador constituinte procurou, ainda, proteger o consu-
midor contra a sede de lucros excessivos por parte de empresas ou associações
de produtos que pretendam aumentar, arbitrariamente, seus ganhos em função
de posições monopolísticas”.25
Desde o Dec.-lei 7.666, de 1945, a repressão ao abuso do poder econômico,
entre nós, vem ligada à ideia de repressão ao aumento arbitrário dos lucros.
Essa tradição acabou por corporificar-se, em nível constitucional, já na Carta
de 1946, e se mantém até os nossos dias.26

(Os contratos de cartel e os limites de sua legitimidade no direito brasileiro, Ensaios


e pareceres, p. 228 e ss.).
24. Nesse sentido, Pietro Barcellona, Intervento statale e autonomia privata nella disciplina
dei rapporti economici, p. 45-46.
25. Repressão ao abuso do poder econômico, p. 23.
26. Vale a transcrição dos dispositivos de nossas Constituições anteriores que mencionam
a repressão ao abuso do poder econômico como correlata à repressão ao aumento
arbitrário de lucros, para que se possa efetuar facilmente a comparação entre seus
textos: CF 1946 – “Art. 148. A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder
econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais,
seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais,
eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros”. CF 1967, alterada
pela EC n. 1, de 1969 – “Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar
o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios:
(...) V – repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos

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150 Os fundamentos do antitruste

Em sistemas nos quais tradicionalmente há a concentração de poder, com


a presença de mercados cartelizados, costuma-se controlar a atividade dos
agentes econômicos em posição dominante, impedindo que estes dela abusem
em detrimento do consumidor.27 Não há combate à posição dominante em si
e muito menos à concentração de empresas, impedindo-se, apenas, o abuso
do poder econômico, o que pode implicar a repressão aos lucros excessivos.28
Não obstante, a ideia do direito antitruste reprimir fator que fomentaria
a concorrência causa verdadeiro repúdio a alguns estudiosos mais afetos à
tradição norte-americana. Naquele sistema (cujo bem maior tutelado é a livre-
-concorrência) não podemos encontrar dispositivo análogo ao nosso inc. III do
art. 36 da Lei 12.529, de 2011, ou ao art. 102 do TFUE.
A explicação para essa omissão é simples: como nos Estados Unidos
protege-se, em um primeiro momento (de forma direta), a livre-concorrência,

mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. CF 1988


– Art. 173, “§ 4.º. A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação
dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
27. Sobre a questão, assinala Thomas E. Kauper: “Within the Community, competition
policy was seen as one of several aimed at fuller integration of the Member State’s
economies. As a result, heavy emphasis has been placed on firm conduct which
seemed to reestablish national or regional boundary lines. National economies were
relatively small and barriers between them relatively high. Firms were thought to
be suboptimal in scale. Greater size was thought desiderable. Market power was
inevitable, particulary since significant national protections remain. The solution,
consistent with a long regulatory tradition, was to deal directly only with the abuse
of that power. This solution clearly embodied in the first two examples in Article 86,
also reflects both a greater confidence in the correctness of government intervention
in markets and a stronger belief that monopoly once created will endure than is true
in the United States. American antitrust is hostile to judicial evaluation of the reaso-
nableness of prices. And we have generally assumed that normal market forces will
cause the erosion of monopoly power except in cases where such power is the result
of greater efficiency (which the law ought not condemn), government protection, or
predatory conduct. In recent years, the law of monopolization under the Sherman
Act has been directed almost exclusively at conduct targeted at competitors, conduct
which might be viewed as predatory” (Article 86, excessive prices, and refusals to
deal, Antitrust Law Journal, v. 59, 1991, p. 443-444).
28. San Tiago Dantas doutrina, ex professo: “Todas as vezes que se configura, na economia
de um país, uma situação de monopólio natural, a intervenção econômica é inevitável
para que a função reguladora dos preços e fornecimentos, entregue pela ação dos fatores
naturais e circunstanciais ao grupo dos monopolistas, não seja exercida em proveito
exclusivo desse grupo, com prejuízo aos consumidores e da sociedade em geral” (Preço
uniforme do açúcar para todas as usinas do país, Problemas de direito positivo, p. 97).

8004.indb 150 21/06/2018 13:33:09


O sistema da Lei Antitruste brasileira 151

não há qualquer interesse jurídico na repressão ao lucro abusivo. Dessa cons-


tatação não deriva a conclusão de que a Lei Antitruste norte-americana não
protege o consumidor. Fá-lo, porém, mediante a proteção da livre-concorrência.
Essa diferença entre a lei brasileira (também de repressão ao abuso do poder
econômico, além da proteção da livre-concorrência) e lei americana (de tutela
da livre-concorrência) é absolutamente fundamental e deve ser considerada
no processo de interpretação do art. 36, sob pena de transpormos, daquela
realidade, princípio que não faz parte de nosso sistema jurídico e que com ele
não é compatível.29
De outra parte, no inc. III do art. 36, caput, encontra-se, também, a tutela
da livre-concorrência e da livre-iniciativa, na medida em que o aumento arbitrá-
rio de lucros possa configurar atentado a esses bens juridicamente protegidos.
Pensemos, v.g., no franqueador que aufere lucros excessivos pela imposição
de cláusulas restritivas de concorrência a seus franqueados.30

3.4.4. As duas almas do art. 36 da Lei 12.529, de 2011


Depois da análise individual dos incisos do art. 36, caput, de nossa Lei
Antitruste, podemos concluir que há, nesse diploma legal, a proteção à livre-
-iniciativa e à livre-concorrência (como manda o art. 170, caput e seu inc. IV,
da CF). Essa seria a primeira alma a habitar no referido art. 36 como senhora
da casa.
Mas, concomitantemente, outro espírito que se abriga no mesmo espaço,
à medida que se reprime o abuso do poder econômico que vise ao aumento
arbitrário de lucros (art. 173, § 4.º, da CF) e, por consequência, cause prejuízo
ao consumidor (art. 1.º da Lei 12.529, de 2011) ou a outros agentes econô-
micos (v.g., fornecedores/distribuidores). Ou seja, ao mesmo tempo em que
se protege a livre-iniciativa e a livre-concorrência, tutela-se (no caso do inc.
III do art. 36, também de forma imediata – é bom que se frise) o consumidor,
impedindo que a ele sejam impostos preços excessivos, mediante o aumento
arbitrário de lucros.
Podemos dizer que no art. 36 da Lei 12.529, de 2011, habitam “duas al-
mas”, fato que nada tem de contraditório, ao contrário do que querem alguns.

29. É sempre atual a advertência lançada por Ascarelli quanto aos riscos da mera trans-
posição de institutos jurídicos de um sistema para outro (Premissas ao estudo do
direito comparado, Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, p. 4 e ss.).
30. Essa função sistêmica do art. 36, III, da Lei 12.529/2011 (então art. 20, III, da Lei 8.884,
de 1994), que viabiliza a repressão ao abuso da dependência econômica, é desenvolvida
em Paula A. Forgioni, Contrato de distribuição, especialmente p. 343 e ss.

8004.indb 151 21/06/2018 13:33:09


152 Os fundamentos do antitruste

3.5. Efeitos potenciais dos atos restritivos da concorrência


O art. 36, caput, da Lei 12.529/2011, refere-se aos efeitos potenciais a se-
rem eventualmente produzidos pela prática analisada.31 Isso significa que a
Lei procura coibir atos que, no futuro, possam vir a gerar abusos ou prejuízos
concorrenciais.
Não se aplica ao art. 36 a definição estrita de ato jurídico, tal como concebido
pela doutrina de direito privado: o ato visado pela Lei Antitruste pode não ter
por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direito.
Mais uma vez, a simples transposição de clássicas definições de direito civil para
o direito da concorrência corre o risco de não ser adequada, pois as práticas
serão vedadas ainda que não sejam consideradas jurídicas, que não produzam
(ou possam produzir) qualquer efeito juridicamente vinculante, qualquer
obrigação. A doutrina especializada entende que até atos de efeitos meramente
morais, desde que restritivos da concorrência, são vedados pela Lei Antitruste.32
Na mesma vertente, o ato nulo de pleno direito, inválido ou ineficaz, ou
que não tenha chegado a existir no mundo jurídico, poderá subsumir-se à Lei
Antitruste brasileira, caso determine a incidência de qualquer dos incs. do art.
36, caput, da Lei 12.529, de 2011.
3.6. A forma do ato
Para efeitos da composição do suporte fático previsto no art. 36, caput, da
Lei Antitruste, pouco importará a forma de que se reveste o ato analisado, uma
vez que o texto normativo limita-se a determinar a vedação de “atos”, sendo
estes “sob qualquer forma manifestados”.
Bastará a verificação dos efeitos atuais ou potenciais para comprovar a
existência da prática vedada: simples trocas de informações, entendimentos
informais, cartas de intenção ou mesmo acordos de cavalheiros (gentleman’s
agreements) podem caracterizar-se como atentatórios à ordem econômica, se
acarretarem a incidência do art. 36, caput.
A ilicitude da prática, nos termos da Lei Antitruste, é de todo independente
de sua tipificação formal pelo ordenamento jurídico.33 Pense-se, a propósito,

31. Tullio Ascarelli, na vigência do Dec.-lei 869, de 1938, referia os efeitos potenciais
das práticas restritivas da concorrência (Os contratos de cartel e os limites da sua
legitimidade no direito brasileiro, Ensaios e pareceres, p. 229).
32. Cf. Frignani e Waelbroeck, Disciplina della concorrenza nella CEE, p. 8.
33. Não se deve confundir a questão aqui tratada com a possibilidade de previsão de
isenção em bloco para determinadas práticas, como explicado em capítulo específico
deste livro (capítulo 5).

8004.indb 152 21/06/2018 13:33:09


O sistema da Lei Antitruste brasileira 153

nos consórcios entre empresas ou nos grupos de sociedades, expressamente


previstos nos arts. 278 e seguintes e 265 e seguintes da Lei das Sociedades por
Ações (Lei 6.404, de 1976) e também nos acordos de acionistas, regulados
pelo art. 118 do mesmo diploma. Esses atos podem corporificar a celebração
de cartéis entre os concorrentes ou acordos verticais em restrição ao livre
comércio,34 e, nessa medida, estão proibidos pela Lei Antitruste.
3.7. Os sujeitos da Lei Antitruste. Sujeitos públicos e sujeitos privados
Na União Europeia, visto o sistema adotado pelos textos de seus tratados,
a utilização do termo “empresas” acabou por gerar a necessidade de trabalhosa
construção jurisprudencial, com o escopo de afirmar o seu significado.35-36
O texto da Lei 12.529/2011 valeu-se dessa evolução para regular a matéria,
dispondo, em seu art. 31: “Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de
direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou
pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com
ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de
monopólio legal”. Dessa forma, nosso texto normativo evita polêmica que se es-
tende há muitos anos em sistemas com tradição antitruste bastante consolidada.
Em decorrência da amplitude dos termos empregados pelo art. 31, são
pouco frutíferas as alegações de qualquer ente, público ou privado, no sentido
de que não está sujeito às disposições da Lei Antitruste, procurando se esqui-
var das restrições que lhe são impostas.37 Qualquer um que possa praticar ato
restritivo da concorrência deverá ser atingido pelas disposições da lei, ainda
que sua atividade não tenha fins lucrativos.

34. Cf. Tullio Ascarelli, Consorzi volontari tra imprenditori, p. 40.


35. Aponta Goyder: “a single organization of personal, tangible and intangible elements,
attached to an autonomous legal entity and pursuing a given long term economic
aim” foi a definição de empresa dada pela Corte de Justiça Europeia no ano de 1962,
e que vem sendo até hoje largamente utilizada (EC competition law, p. 87-8). Cf.,
também, Roberto Pardolesi, Intese restrittive della libertà di concorrenza, Diritto
antitrust italiano, p. 154 e ss.; Bael e Bellis, Competition law of the EEC, p. 23. Para a
evolução do conceito de empresa no Brasil, na Itália e na Europa, v. Paula A. Forgioni,
A evolução do direito comercial brasileiro. Da mercancia ao mercado, p. 55 e ss.
36. Paula A. Forgioni, L’articolo 85 del Trattato CEE – requisiti per la sua applicazione,
Disciplina antitrust: la recente disciplina italiana alla luce della normativa comuni-
taria, Rapporto di ricerca, 8.º Corso Giuristi d’Impresa, Università di Bologna, 1991,
p. 24.
37. Sobre o conceito de “empresa”, ainda na vigência da Lei 4.137, de 1962, cf. Werter
Faria, Direito da concorrência e contrato de distribuição, p. 10 e ss., e Rubens Requião,
Consórcio de empresas, RT 430/20, ago. 1971.

8004.indb 153 21/06/2018 13:33:09


154 Os fundamentos do antitruste

Mas, em que medida os entes ligados à Administração Pública estão sujei-


tos aos dispositivos da Lei Antitruste? A Lei 12.529/2011 volta-se à disciplina
de condutas de agentes econômicos no mercado, não incidindo sobre a imple-
mentação de políticas pelos poderes públicos. Isso significa que a Administração,
ao desempenhar suas funções (= deveres/poderes), não está sujeita ao mesmo
tratamento que as normas antitruste dispensam aos agentes econômicos que
atuam no campo da atividade econômica em sentido estrito. Repita-se: a Admi-
nistração está sujeita às limitações da Lei Antitruste apenas na exploração,
pelas entidades que a conformam como Administração Indireta, de atividade
econômica em sentido estrito.38
Por conta disso, não se pode entender que a Lei Antitruste aplica-se in-
discriminadamente a quaisquer “pessoas físicas ou jurídicas de direito público
ou privado”, independentemente da consideração do tipo de atividade que
desempenham. Afrontaria a Constituição admitir que o CADE teria compe-
tência para penalizar ou balizar o comportamento dos entes da Administração
incumbidos da formulação/implementação de políticas públicas ou mesmo da
prestação de serviços públicos.39 Se assim fosse, o CADE colocar-se-ia acima
da Presidência da República, a quem incumbe chefiar o Poder Executivo. Isso,
a toda evidência, não faz o mínimo sentido.

3.8. A responsabilidade do grupo pelas infrações à ordem econômica


O art. 33 da Lei Antitruste determina serem “solidariamente responsáveis
as empresas ou entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito,
quando pelo menos uma delas praticar infração à ordem econômica”. Os grupos
de direito estão previstos nos arts. 265 e seguintes da Lei das Sociedades por
Ações e são extremamente raros no Brasil.

38. Sobre a distinção entre atividade econômica em sentido amplo e em sentido estrito, v.
Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, item 36 e ss. Esclarece o autor que a
expressão atividade econômica pode ser empregada em distintos sentidos: ao afirmar-
mos que serviço público é tipo de atividade econômica, a ela atribuímos a significação de
gênero no qual se inclui a espécie, serviço público; ao afirmarmos que o serviço público
está para o setor público assim como a atividade econômica está para o setor privado,
a ela atribuímos a significação de espécie. Resta bem claro que o gênero – atividade
econômica – compreende duas espécies: o serviço público e a atividade econômica. A
Constituição do Brasil aparta (i) as atividades econômicas em sentido estrito, cujo de-
senvolvimento é próprio ao setor privado, (ii) e os serviços públicos, cuja prestação é
atribuída, direta ou indiretamente, sob sua responsabilidade, ao Estado.
39. A esse respeito, v. Eros Roberto Grau e Paula A. Forgioni, Loterias: serviços públicos.
Livre-iniciativa/livre-concorrência e imposição de restrições à atividade dos lotéricos,
O Estado, a empresa e o contrato, p. 123.

8004.indb 154 21/06/2018 13:33:09


O sistema da Lei Antitruste brasileira 155

Muito mais importante é a caracterização da responsabilidade solidária


dos integrantes dos grupos de fato de forma que o patrimônio de um membro
poderá responder por penalidades ou indenizações impostas em virtude da
prática ilícita de outro. A grande questão ligada a essa responsabilidade solidária
será a caracterização do que se deve entender por grupo de fato,40 visto que não
há consenso doutrinário ou jurisprudencial sobre a questão. Seguramente, a
amplitude dos termos da Lei dificulta sua aplicação pelo CADE e mesmo pelo
Poder Judiciário. Não obstante, parece inexistirem dúvidas de que existe res-
ponsabilidade solidária por infração à ordem econômica no caso de sociedades
controladoras e controladas.

3.9. Procedimentos administrativos no âmbito do CADE


O CADE lidará principalmente com duas ordens de questões: (i) apuração
e julgamento de condutas que possam implicar infração à ordem econômica,
ou seja, a incidência do art. 36, caput e (ii) análise de concentrações visando
à sua eventual aprovação.
Cada uma dessas situações dá origem a procedimentos administrativos
diversos.41-42

3.9.1. Procedimentos relacionados à apuração de infrações à ordem eco-


nômica
A investigação sobre eventual infração à ordem econômica geralmente
tem origem em representação formulada por qualquer interessado, ou em ato

40. Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, A Lei das S.A., Rio de Janeiro, Re-
novar, 1992. Cf. ainda, sobre os conceitos de grupo de direito e grupo de fato, Clóvis
V. do Couto e Silva, Grupo de sociedades, RT 647/7 e ss., set. 1989.
41. A Lei 12.529/2011 é não apenas complexa, mas também confusa no que diz
respeito aos procedimentos administrativos no âmbito do CADE. Limitaremos
nossa análise a aspectos gerais dessas práticas, até mesmo porque inexistem ainda
decisões administrativas ou judiciais capazes sanar as lacunas e contradições do
texto normativo.
42. O art. 48 da Lei Antitruste prevê seis procedimentos administrativos: (i) procedi-
mento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem
econômica; (ii) inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econô-
mica; (iii) processo administrativo para imposição de sanções administrativas por
infrações à ordem econômica; (iv) processo administrativo para análise de ato de
concentração econômica; (v) procedimento administrativo para apuração de ato de
concentração econômica; e (vi) processo administrativo para imposição de sanções
processuais incidentais.

8004.indb 155 21/06/2018 13:33:09


156 Os fundamentos do antitruste

de ofício da Superintendência-Geral.43 A partir da representação, é possível a


instalação de três tipos de procedimentos:
(i) caso a Superintendência-Geral tenha dúvidas quanto à competência
do CADE para apreciar a questão, dará início ao procedimento preparatório de
inquérito administrativo para apuração de infração à ordem econômica (art. 66,
§ 2.º);44
(ii) caso a Superintendência-Geral entenda haver indícios suficientes,
determinará desde logo a abertura de “Processo administrativo para imposição
de sanções administrativas por infrações à ordem econômica”; ou
(iii) na hipótese de concluir que não há indícios suficientes para a ins-
tauração de processo administrativo, a Superintendência-Geral determinará
a abertura de Inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem
econômica.
Em resumo, esclarecida a competência do CADE sobre a prática se, desde
logo, houver indícios suficientes de infração, abre-se o processo administrativo;
caso contrário, instaura-se o inquérito com o escopo de verificar se a suspeita
de incidência do art. 36, caput, possui fundamento. Pelo sistema da nossa Lei, à
Superintendência-Geral cabe apurar os fatos e proferir parecer sobre a conduta
investigada, enquanto que ao Tribunal Administrativo compete o julgamento

43. Dispõem o art. 66, caput e seu § 1.º da Lei Antitruste: “O inquérito administrati-
vo, procedimento investigatório de natureza inquisitorial, será instaurado pela
Superintendência-Geral para apuração de infrações à ordem econômica. § 1.º O
inquérito administrativo será instaurado de ofício ou em face de representação
fundamentada de qualquer interessado, ou em decorrência de peças de informação,
quando os indícios de infração à ordem econômica não forem suficientes para a
instauração de processo administrativo”. De acordo com o § 6.º do mesmo art. 66,
“A representação de Comissão do Congresso Nacional, ou de qualquer de suas
Casas, bem como da Secretaria de Acompanhamento Econômico, das agências
reguladoras e da Procuradoria Federal junto ao CADE, independe de procedimento
preparatório, instaurando-se desde logo o inquérito administrativo ou processo
administrativo”.
44. Ao final desse procedimento, abrem-se as seguintes opções: (i) arquivamento do
processo preparatório ou (ii) indeferimento do requerimento de abertura de inquérito
administrativo ou seu (iii) arquivamento, bem como (iv) instauração de inquérito
administrativo para apuração de infrações à ordem econômica, ou finalmente,
(v) abertura de processo administrativo para imposição de sanções administrativas
por infrações à ordem econômica. Nas três primeiras hipóteses, caberá recurso de
qualquer interessado ao Superintendente-Geral (cf. art. 66, § 4.º).

8004.indb 156 21/06/2018 13:33:09


O sistema da Lei Antitruste brasileira 157

sobre a licitude ou ilicitude da conduta, pois o parecer da Superintendência-


-Geral não é vinculante.

3.9.2. Procedimentos relacionados à aprovação de concentrações econô-


micas pelo CADE
O processo administrativo para análise de ato de concentração econômica,
disciplinado pelo art. 53 e seguintes da Lei 12.529/2011, inicia-se quando as
partes submetem ao CADE o ato de concentração que pretendem realizar,
efetuando o pagamento das taxas correspondentes (art. 88). Por força de lei,
as partes não podem concretizar o ato antes de sua aprovação pelo CADE.
O requerimento é recebido pela Superintendência-Geral que, após a
instrução que considerar devida – e que poderá ser célere ou mais profunda,
dependendo da complexidade do caso – aprová-lo-á ou decidirá impugná-lo
perante o Tribunal.
Ocorrendo a aprovação, terceiros interessados, bem como a agência com-
petente em caso de setores regulados, poderão apresentar recurso contra essa
concordância. Igualmente, qualquer conselheiro do Tribunal poderá avocar a
prática, submetendo-a a apreciação do plenário.
Caso o Superintendente-Geral impugne a operação, as empresas poderão
opor-se a essa decisão, por meio de petição escrita, dirigida ao Presidente do
Tribunal.
Tanto em uma quanto em outra hipótese, a operação será levada ao
julgamento do Tribunal, que poderá aprová-la, rejeitá-la completamente ou
aprová-la parcialmente, ou seja, impondo-lhe restrições a fim de “mitigar os
eventuais efeitos nocivos do ato de concentração sobre os mercados relevantes
afetados” (art. 61, § 1.º), tais como venda de ativos, cisão, alienação de controle,
licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual ou “qualquer
outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à
ordem econômica” (art. 61, § 2.º, VI).45 Sinteticamente:

45. A Lei Antitruste prevê, ainda, a existência de dois outros ritos: (i) procedimento
administrativo para apuração de ato de concentração econômica e (ii) processo
administrativo para imposição de sanções processuais incidentais. Embora a Lei
não seja clara a esse respeito, presume-se que o primeiro tem lugar para investigar
se determinada operação econômica deveria ter sido submetida à sua apreciação do
CADE, nos termos do art. 88, e não o foi. O segundo relaciona-se ao descumprimento
de deveres ancilares das empresas representadas ou que pleiteiam a aprovação de
operação de concentração econômica.

8004.indb 157 21/06/2018 13:33:09


158 Os fundamentos do antitruste


recurso de terceiros
 
  aprovação total

 

 aprovação avocação por conselheiro
  rejeição total

 remessa


 recurso da agência  ao Tribunal 
Superintendente
 
reguladora   aprovação parcial
    (com restrições)
 impugnação recurso da parte  
 ð 

3.10. Acordos entre a Administração Pública e empresas: compromis-


sos de cessação, acordo em controle de concentração e acordo
de leniência
A Lei Antitruste prevê três tipos de acordos entre os entes públicos e as
empresas, sem os quais não é possível entender o sistema brasileiro concor-
rencial. São eles:

3.10.1. Compromissos de cessação (art. 85)


Não são raros os casos em que pairam dúvidas sobre a eventual ilicitude
da prática analisada. Ademais, a coleta de provas pode ser longa e dispendiosa
para a Administração. À empresa não interessa o desgaste à imagem que de-
corre do processo investigativo, a necessidade de provisão de eventual multa,
despesas com advogados, assessores etc. Os executivos desviam-se de suas
atividades administrativas para se preocuparem com elaboração de estratégias
de defesa, em detrimento do bom fluxo dos negócios. Sobretudo, há sempre o
risco da condenação, ainda mais diante dos amplos termos empregados pela
Lei Antitruste e da mutabilidade das decisões ao longo do tempo.
O CADE e o agente econômico ao qual foi imputada a prática de infração
tipificada no art. 36, caput, da Lei 12.529/2011 podem celebrar no âmbito
dos procedimentos preparatórios, inquérito ou processos administrativos46
acordo, denominado “compromisso de cessação”, por força do qual (i) a Ad-
ministração abre mão do prosseguimento do processo administrativo (e, pois,
da penalização do agente), enquanto estiverem sendo cumpridos os termos do
compromisso e (ii) o administrado compromete-se a fazer cessar imediatamente
a prática, sem que haja reconhecimento de eventual ilicitude.47

46. Mencionados no art. 48, I a VI, da Lei 12.529/2011.


47. In verbis: “Art. 85. Nos procedimentos administrativos mencionados nos incisos
I, II e III do art. 48 desta Lei, o CADE poderá tomar do representado compromisso

8004.indb 158 21/06/2018 13:33:09


O sistema da Lei Antitruste brasileira 159

Nosso compromisso de cessação encontra inspiração no consent decree


norte-americano,48 mas lá se exige a efetiva participação do Poder Judiciário.49
Por exemplo, no caso Microsoft, o juiz estadunidense simplesmente recusou o
acordo costurado entre a autoridade antitruste e a empresa, porque entendeu
que os termos da avença não protegiam o interesse público. No Brasil, a grave
questão do controle do atendimento ao interesse público pelas cláusulas do
compromisso de cessação deve ser feito pelo Ministério Público, sem a exclusão
da manifestação do Poder Judiciário, quando provocado.50
A Lei exige que, nos casos dos incs. I e II do § 3.º do art. 36 da Lei
12.529/2011, o Compromisso de Cessação preveja a obrigação de recolher ao
Fundo de Defesa de Direitos Difusos valor pecuniário não inferior à sanção
mínima aplicável (art. 85, § 2.º), i.e., 0,1% do valor do faturamento bruto da
empresa, grupo ou conglomerado no último exercício anterior à instauração
do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu
a infração.
Muito se tem reclamado dos acordos celebrados nos casos de acusação de
cartel porque as quantias pagas a título de multa estariam aquém dos benefícios
auferidos pelo conluio ao longo de anos. Sendo bastante difícil determinar qual

de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em
juízo de conveniência e oportunidade, devidamente fundamentado, entender que
atende aos interesses protegidos por lei”.
48. Sobre o consent decree no sistema norte-americano, Richard Epstein, Antitrust consent
decrees in theory and practice.
49. Para Milton Goldberg: “The consent decree is, of course, a compromise between two
parties in a civil suit, the exact terms are fixed by negotiation between the parties and
formalized by the signature of the federal district judge” (Nature, purpose and use of
consent decrees, paper n. 08, Bureau of Business and Economic Research, p. 1). Mais
recentemente, James Rob Savin: “The decree is essentially a court-approved contract
between the defendant and the Attorney General with the legal effect of a litigated
judgment. Due to the frequency of their use, the dictates of consent decrees govern a
substantial number of businesses and even entire industries”. Ademais, “the Tunney
Act requires a district court to determine that a proposed consent decree is in the
public interest before the court enters the decree as a judgment. (...) A consent decree
represents an agreement between the federal government and a defendant created
to settle a pending antitrust action. (...) The settlement, once entered, is permanent
and has the same res judicata and estoppel effects against the government as would
a judgment after trial”. (Tunney Act ’96: two decades of judicial misapplication).
50. Sobre o compromisso de desempenho e o compromisso de cessação, v. Eros Roberto
Grau e Paula A. Forgioni, Compromisso de cessação e compromisso de desempenho
na Lei Antitruste brasileira, O Estado, a empresa e o contrato, p. 229 e ss.

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160 Os fundamentos do antitruste

o lucro auferido por conta da prática espúria, às empresas pagariam quantia


irrisória para se livrar de penalizações maiores.
Outra fonte de preocupações referente ao compromisso de cessação diz
respeito ao sigilo que pode ser atribuído à proposta feita pela empresa repre-
sentada, dificultando seu conhecimento e fiscalização por terceiros.

3.10.2. Acordos em controle de concentrações (referido nos arts. 9.º, V,


13, X e 46, § 2.º)
Trata-se de acordo51 celebrado entre o CADE e empresas que almejam ter
aprovadas operações de concentração da qual participam. A operação é admi-
tida pelo órgão, porém com restrições aceitas pelas partes, ou seja, as empresas
(ou apenas uma delas) assumem compromissos que visam a assegurar que os
benefícios esperados da concentração tenham lugar. Nos termos do art. 61, a
possibilidade de celebração de acordo não elide a competência do CADE para
impor as restrições que entender necessárias como condição para a validade
e eficácia da operação. Sobre esse instrumento nas mãos da Administração,
falaremos no capítulo referente às concentrações.

3.10.3. Acordos de leniência (art. 86)


Não é fácil provar a existência de um cartel, ou seja, de acordo não escrito
entre agentes econômicos, ainda mais se consideramos que o comportamento
paralelo pode decorrer das próprias características do mercado.52 Assim, a Lei
12.529/2011 prevê que o CADE, por intermédio da Superintendência-Geral,
acorde com um dos partícipes do conluio que, diante de sua confissão da
participação na prática investigada e da entrega de provas, haja a extinção da
ação punitiva da Administração Pública ou a redução de 1/3 a 2/3 da penali-
dade aplicável.
A mecânica da leniência exige que a pessoa física ou jurídica interes-
sada no acordo proponha-o ao CADE, competindo ao órgão, por meio da
Superintendência-Geral, aceitar ou não a oferta – que será mantida em sigilo,

51. O acordo em controle de concentrações vinha disciplinado no art. 92 do texto legal,


que acabou vetado pela Presidenta da República, porquanto restringiria “a possi-
bilidade de celebração de acordos à etapa de instrução dos processos, limitando
indevidamente um instrumento relevante para atuação do Tribunal na prevenção e
na repressão às infrações contra a ordem econômica” (cf. Mensagem de veto n. 536,
de 30 de novembro de 2011).
52. O acordo de leniência pode ter lugar em qualquer hipótese de infração à ordem eco-
nômica, mas acaba empregado quase que exclusivamente nos casos de cartéis pelas
dificuldades inerentes à investigação desse tipo de infração.

8004.indb 160 21/06/2018 13:33:09


O sistema da Lei Antitruste brasileira 161

salvo interesse das investigações ou do processo. A eventual recusa por parte


da Administração “Não importará em confissão quanto à matéria de fato, nem
reconhecimento de ilicitude da conduta analisada” (art. 86, § 10) e a existência
da proposta não terá qualquer divulgação. Essas garantias são importantes para
incentivar os agentes a procurar o CADE sem recear que, caso sua proposta
não seja aceita, acabem prejudicados pela revelação de fatos e de documentos
ou sofram retaliações de terceiros.
A Lei impõe condições para que o acordo se viabilize:
(i) o denunciante deverá colaborar efetivamente com as investigações e
com o processo administrativo, ou seja, o acordo deverá assegurar a efetividade
da colaboração e o resultado útil do processo;
(ii) dessa colaboração há de resultar a identificação dos demais partícipes
e a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração;
(iii) o denunciante deve ser o primeiro a se oferecer, às autoridades, para
delatar o esquema infrator;
(iv) o denunciante deve cessar seu envolvimento no conluio desde a
propositura do acordo;
(v) o CADE deverá, efetivamente, necessitar das provas fornecidas pelo
denunciante para assegurar a condenação da prática. É defeso à Administração
celebrar acordo de leniência (e, dessa forma, beneficiar o denunciante) quando
já houver provas suficientes à caracterização de infração à ordem econômica;
(vi) o denunciante deve comparecer, sob suas expensas, sempre que soli-
citado, a todos os atos processuais, até o encerramento do processo.

3.11. A cessação imediata de práticas danosas à concorrência: ordens


de cessação, medidas preventivas, liminares e antecipação de
tutela
Os processos de apuração de práticas abusivas costumam ser longos e
complexos; inúmeras vezes, lida-se com prejuízos potenciais à concorrência,
mas sabe-se que, se nada for feito, os danos à economia podem ser irreparáveis
ou de difícil reparação.
O art. 84 da Lei Antitruste prevê a possibilidade de, tanto o Superinten-
dente-Geral quanto o Conselheiro Relator do processo no CADE proferirem
medidas preventivas contendo ordens de cessação, determinando que a prática
investigada seja suspensa desde logo, “quando houver indício ou fundado re-
ceio de que o representado, direta ou indiretamente, cause ou possa causar ao
mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado

8004.indb 161 21/06/2018 13:33:09


162 Os fundamentos do antitruste

final do processo”. Dessa decisão, “caberá recurso voluntário ao Plenário do


Tribunal, em 5 (cinco) dias, sem efeito suspensivo” (§ 2.º).
Eventualmente, a Procuradoria do CADE tomará as medidas judiciais so-
licitadas pelo Tribunal ou pela Superintendência-Geral, necessárias à cessação
de infrações da ordem econômica (Lei 12.529/2011, art. 15, V).
Associações, empresas, consumidores e, especialmente, o Ministério
Público podem se valer diretamente da esfera judicial para obstar a conduta
prejudicial ao mercado, independentemente da atuação do CADE. É o que dis-
põe o art. 47, “os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82
da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para,
em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a
cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como
o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente
do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do
ajuizamento de ação”. Essa possibilidade de atuação direta dos prejudicados e
do Ministério Público é fundamental para garantir maior implementação da Lei
Antitruste em todo o território nacional, evitando abusos do poder econômico.

3.12. Lei Antitruste e atuação do Ministério Público


A competência do CADE é estabelecida pela Lei 12.529/2011. Entretanto,
várias condutas anticompetitivas encontram-se expressamente capituladas
como crimes na Lei 8.137/90, de 27 de dezembro de 1990, que, além de definir
ilícitos contra a ordem tributária, avança sobre aspectos penais de infrações à
ordem econômica e às relações de consumo. O Ministério Público, cada vez
mais, debruça-se sobre questões ligadas à concorrência, aumentando a impor-
tância da Lei 8.137/90 no que diz respeito à ordem econômica.53
Ao analisar o ordenamento jurídico brasileiro, em matéria concorrencial,
identificamos três principais frentes de atuação do Parquet:
(i) na esfera judicial (criminal e cível);
(ii) na esfera administrativa; e
(iii) como fiscal da Lei, cuidando da observância da Lei 12.529/2011,
pelos integrantes do CADE.

53. Sobre a atuação do Ministério Público e a Lei 12.529/2011, indispensável a leitura


de Lafayete Josué Petter, Direito econômico, p. 226 e ss.

8004.indb 162 21/06/2018 13:33:09


O sistema da Lei Antitruste brasileira 163

No âmbito criminal, o Ministério Público deve promover diretamente


as ações originadas do art. 4.º da Lei 8.137, de 1990, coibindo práticas que
infrinjam a ordem econômica ou prejudiquem a concorrência.54
Na esfera cível, o art. 47 da Lei 12.529/2011 atribui-lhe direta competência
para pleitear a condenação dos infratores junto ao Poder Judiciário.55
Ainda no que diz respeito à atuação do Ministério Público Federal na
dimensão judicial, temos sua importante função de custos legis em processos
ligados à Lei Antitruste; conforme o disposto no art. 82, III, do Código de Pro-
cesso Civil (art. 178 do CPC/2015), compete-lhe intervir nas causas em que
haja “interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte”.
Na esfera administrativa, o Ministério Público Federal participa diretamen-
te da dinâmica do CADE, pois mantém representante junto àquela autarquia,
designado pelo Procurador-Geral da República, ouvido o Conselho Superior
do Ministério Público Federal.56
Ainda como fiscal da Lei Antitruste, o Ministério Público Federal deve
propor as ações que entender convenientes, caso apure que os membros do
CADE deixaram, de alguma forma, de cumprir seu dever-poder, violando
princípios norteadores da Administração Pública (cf. arts. 1.º e 2.º da LC 75,
de 1993). A esse respeito, com propriedade, afirma Lafayete Josué Petter: “[o]
membro do MPF pode, com total independência, promover a responsabilização
de quem de direito, perante o poder Judiciário, inclusive demandando contra
as autoridades integrantes do CADE”.57

54. “Art. 4.º Constitui crime contra a ordem econômica: I – abusar do poder econômico,
dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante
qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas; II – formar acordo, convênio, ajuste
ou aliança entre ofertantes, visando: a) à fixação artificial de preços ou quantidades
vendidas ou produzidas; b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou
grupo de empresas; c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distri-
buição ou de fornecedores.; VII – elevar sem justa causa o preço de bem ou serviço,
valendo-se de posição dominante no mercado.”.
55. Sobre as atribuições de competência do Ministério Público Federal e Estadual nas
questões de concorrência, v. Lafayete Josué Petter, Direito Econômico, 227 e ss. V.,
também, de Waldir Alves, Atuação do Ministério Público Federal junto ao CADE
e nos processos cíveis e penais de infração contra a ordem econômica e as relações
de consumo. Disponível em: [http://www.lafayetepetter.com/DoutrinaDirEcon/
Waldir_Artigo_MPF_e_o_CADE_Del_Rey.htm#_ftn1]. Acesso 21.07.2010.
56. Lei 12.529/2011, art. 20.
57. Direito econômico, p. 226.

8004.indb 163 21/06/2018 13:33:09


164 Os fundamentos do antitruste

No cenário brasileiro, a atuação do Ministério Público é fundamental para


garantir a eficácia material da Lei Antitruste, coibindo os abusos contra peque-
nas e médias empresas, consumidores ou a população menos favorecida. O
Parquet, espalhado que está por todo território nacional, tem às vezes melhores
condições do que o CADE para buscar o cumprimento da Lei 12.529/2011,
pois está mais próximo dos problemas enfrentados pelos agentes econômicos.
Além disso, o CADE, embora possua experiência na matéria, conta com poucos
servidores, em sua maioria concentrados na cidade de Brasília, ao passo que o
Ministério Público atua na realidade de todos os estados brasileiros.
Contudo, para que esteja apto a exercer tão importante função, alcançando
o sucesso já encontrado no direito ambiental e no direito do consumidor, os
quadros estatais (Ministério Público e Poder Judiciário) devem ser preparados,
sob pena de se obter resultados indesejados para a economia e para a sociedade.

3.13. A aplicação privada da Lei Antitruste


Ainda são poucas as faculdades de direito que mantém cursos dedicados
à matéria concorrencial. Igualmente, os exames para habilitar os bacharéis ao
exercício da advocacia não exigem que o candidato se debruce sobre essa área
do direito tão importante para a proteção dos consumidores e das empresas.
O fato é que, tal como o Ministério Público, a advocacia é primordial para
a difusão da cultura da concorrência no país. Nos Estados Unidos, grande parte
das ações antitruste é promovida por agentes econômicos privados, e não pelas
agências encarregadas da aplicação do Sherman Act. Na União Europeia, gran-
de esforço tem sido feito para o aumento do grau de implementação privada
das regras antitruste, especialmente ações que visam a obter indenização por
infração às normas de tutela da concorrência. A Comissão tem emanado regras
e orientações com tal escopo.58
Entre nós, o desconhecimento da lei antitruste impede que a defesa das
empresas e dos consumidores seja realizada de forma plena, inclusive e espe-
cialmente perante o Poder Judiciário. Repita-se: a defesa da concorrência não
se faz apenas no âmbito do CADE, mas também na esfera judicial, como bem
explicita o art. 47 da Lei brasileira.

58. Para comentários, v. Caroline Cauffman, The European Commission Proposal for a
Directive on Antitrust Damages: A first Assessment. Disponível em: [http://papers.
ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2339938]. Acesso em: 01.04.2014. V. também,
Maier-Rigaud, Frank P. and Schwalbe, Ulrich, Private Enforcement Under EU Law:
Abuse of Dominance and the Quantification of Lucrum Cessans (November 25, 2013).
Disponível em SSRN: [http://ssrn.com/abstract=2359327]. Acesso em: 01.04.2014.

8004.indb 164 21/06/2018 13:33:09


O sistema da Lei Antitruste brasileira 165

Sempre com base no art. 47 da Lei 12.529/2011, bem assim nas regras
gerais do Código Civil, as partes que experimentam prejuízos em decorrência
de práticas empresariais que configuram atentado à ordem econômica pos-
suem legitimidade para requerer, junto ao Poder Judiciário, a condenação das
infratoras ao pagamento de perdas e danos.59
Se os advogados não levarem ao conhecimento dos juízes os abusos come-
tidos pelos agentes econômicos com posição dominante, a Magistratura não
será impelida a enveredar pela matéria, prejudicando a sociedade brasileira.
Advirta-se, contudo: isso somente poderá ser feito a partir do momento em que
o conhecimento do direito concorrencial disseminar-se entre os advogados. A
eficácia material da Lei 12.529/2011 não repousa exclusivamente nas mãos do
CADE e do Ministério Público, exigindo postura ativa da advocacia nacional.

3.14. Lei Antitruste e atuação do Poder Judiciário


A Constituição Federal é bastante clara: “a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5.º, XXXV). Dessa forma,
todas as causas antitruste podem ser levadas à apreciação dos magistrados.
Repita-se: todas elas, sem exceção.
É corrente a discussão sobre a atuação do Poder Judiciário em relação às
decisões das agências reguladoras e do CADE; por vezes, os argumentos são
enviesados, buscando-se a proteção de grupos de interesses (públicos e priva-
dos), e não a correta interpretação do sistema jurídico brasileiro.
A observação sistemática de nosso ordenamento permite concluir que à
Magistratura compete:
(i) a apreciação direta das infrações à ordem econômica, tanto na esfera
cível, quanto na criminal; e

59. Roger Blair e David Kaserman indicam três métodos que, na sua opinião, poderiam
ser utilizados para a determinação dos prejuízos decorrentes de prática restritiva
da concorrência: (i) before and after; (ii) yard-stick; e (iii) market share. O primeiro,
como o próprio nome sugere, implica o exame dos preços (ou lucro) no período
anterior à prática restritiva, projetando-os de forma a determinar o lucro que teria
sido obtido pelo prejudicado se nenhuma violação houvesse ocorrido. O segundo
método requer a comparação da situação do prejudicado, após a prática restritiva,
com a de outra empresa que não sofreu qualquer efeito decorrente da violação. Por
fim, mediante a aplicação do método da market share busca-se determinar qual a
parcela de mercado que foi perdida pelo prejudicado, sendo, portanto, uma variação
dos dois primeiros apontados (Antitrust economics, p. 78 e ss.).

8004.indb 165 21/06/2018 13:33:09


166 Os fundamentos do antitruste

(ii) a revisão das decisões tomadas pelas autoridades antitruste, sem


qualquer limitação.
Quanto ao primeiro aspecto, é importante lembrar que a EC 7/77 foi su-
perada pela Constituição de 1988, de forma que, a partir dela, não é necessário
o término dos processos administrativos para que se deem a apreciação e interven-
ção judicial. Além disso, o art. 47 da Lei Antitruste é bastante claro quanto à
possibilidade de manifestação judicial em qualquer fase e independentemente
do processo administrativo conduzido pelo CADE.
O particular, o Ministério Público e as outras pessoas mencionadas no texto
legal, ao se depararem com a prática de infração à ordem econômica, podem
propor ação judicial sem que haja procedimento administrativo instaurado,
ou ajuizá-la no curso desse mesmo procedimento.
No que tange à revisão judicial das decisões administrativas, em que pesem
as opiniões contrárias, no Estado Democrático não se admite o poder sem controle.
Partindo desse pressuposto, as decisões do CADE estão amplamente sujeitas
ao controle judicial. Não vem a talho, neste momento, trazer à baila problemas
ligados ao estudo da discricionariedade da Administração Pública, tema dos
mais tortuosos enfrentado pelo Direito Administrativo,60 mas é importante
pontuar que, de tanto em tanto, surgem vozes defendendo que as decisões do
CADE não poderiam ter seu mérito revisto pelo Poder Judiciário, pois estas
seriam discricionárias em virtude, principalmente, da expertise do órgão61 e
dos amplos termos empregados no texto da Lei Antitruste.

60. V. Eros Roberto Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação do direito, A linguagem
e os conceitos jurídicos.
61. Embora os entes integrantes do CADE sejam versados em questões concorrenciais,
deve-se entender que, pela própria natureza da Lei 12.529/2011, sua atuação implica
corte horizontal da realidade, pois lhe cabe analisar os mais diversos setores, cada
qual com características e dinâmica bastante peculiares; o mercado de chocolates
não se comporta da mesma forma do que o de shopping centers de luxo na cidade
de São Paulo que, por sua vez, é diverso do de cimento ou de produção de suco de
laranja. Dessa forma, as atividades do CADE diferenciam-se daquelas das agências
reguladoras, que lidam com corte vertical, aprofundando-se específica e exclusiva-
mente no setor regulado. Assim, por exemplo, a Anatel cuidará de questões relativas
às telecomunicações, a Anac do setor de aviação civil; todos os casos que enfrentam
dizem respeito ao setor que regulam. Ao contrário, o SBDC, a cada novo processo,
deve debruçar-se sobre um segmento diferente, tomando decisões que impactam
desde o mercado de cervejas até o de pasta de dentes.

8004.indb 166 21/06/2018 13:33:09


O sistema da Lei Antitruste brasileira 167

Ocorre que a revisão judicial é a segurança do cidadão contra eventuais


abusos ou enganos cometidos pelo Poder Executivo. O antitruste não é uma
ciência exata, vários são os interesses que podem ser protegidos conforme o sentido
da decisão e, sobretudo, a interpretação do mesmo texto legal altera-se profunda-
mente com o passar do tempo.
Ao contrário do se possa pensar, quanto maior a amplitude dos termos legais,
maior a exposição dos interesses dos administrados ao risco de sofrerem abusos –
e não o contrário. É preciso manter o inc. XXXV do art. 5.º da Constituição
Federal como ponto cardeal de nosso sistema jurídico.
É possível esboçar o seguinte quadro das medidas a serem tomadas pelos
agentes econômicos privados (p. ex., consumidores e empresas prejudicadas),
e pelo Ministério Público quanto às infrações à ordem econômica:

 •  representação junto ao CADE


 •  denúncia ao Ministério Público
Agente econômico privado 
 • propositura de ação judicial para obter a cessação da
 prática e/ou indenização por perdas e danos

 • atuação de seu representante no CADE durante as


 sessões do órgão, podendo se manifestar sobre as
 questões deliberadas
 • manifestação em processos administrativos condu-
 zidos e apreciados pelo CADE
Ministério Público 
 •  propositura de ações penais (Lei 8.137/90)
 •  propositura de ações cíveis
 •  atuação como custos legis
 •  fiscalização do CADE

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4
Os objetivos das leis antitruste:
as políticas econômicas atuadas

“It should be noted that to obtain oil for the lamp from
economists is to gain no assurance of a steady flame”
– Lawrence Anthony Sullivan.

Sumário: 4.1. As escolas de pensamento antitruste: a consolidação da Escola de Chi-


cago no cenário norte-americano. 4.2. A visão europeia do antitruste: a concorrência
instrumental. 4.2.1. Nota sobre o protecionismo dos Estados-Membros e o conflito
com as regras europeias de tutela da livre-concorrência. 4.3. O caso brasileiro: as
bases constitucionais e a concorrência-­instrumento. 4.4. As normas antitruste como
instrumentos de implementação de políticas públicas.

Cada ordenamento jurídico possui uma série de princípios próprios que


o embasa, diversa daquela de outros sistemas.1 Essa peculiaridade decorre da
diversidade das realidades que permeiam cada um dos direitos. O direito (ou o
sistema jurídico) é diretamente ligado a seus contextos histórico, econômico e
social, que não são os mesmos de outros direitos.2-3 Entretanto, o ordenamento
não apenas é modificado pela realidade que o circunscreve, mas também age
de modo a modificá-la, dando lugar à relação simbiótica. Cada componente
está ligado ao seu escopo, que é, por sua vez, instrumental a todo o sistema e
com ele harmonizado.
A Lei Antitruste desempenhará, em determinados sistemas jurídicos e
momentos históricos, função diversa daquela assumida em outros sistemas,

1. Ascarelli refere-se às “premissas implícitas” de cada sistema jurídico (Premissas ao


estudo do direito comparado, Problemas das sociedades anônimas e direito comparado,
p. 12-13).
2. Cf. Eros Roberto Grau, La doppia destrutturazione del diritto: una teoria brasiliana
sull’interpretazione, p. 12.
3. O que faz Jhering afirmar que “L’idea che, in fondo, il diritto dovrebbe essere il me-
desimo in ogni luogo, non è migliore dell’idea che tutte le cure mediche dovrebbero
essere uguali per tutti i malati” (Lo scopo nel diritto, p. 310; cf., também, A evolução
do direito, p. 348). V., ainda, G. Noto Sardegna, L’abuso del diritto, p. 62.

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170 Os fundamentos do antitruste

em outros momentos.4-5 Discussões excessivamente gerais sobre os objetivos


da Lei Antitruste,6 sem que sejam referidos o país, a lei e o momento de que
se trata, são estéreis.7
É impressionante a miríade de “objetivos máximos” que já foram atribuí-
dos às leis antitruste: redistribuição da renda; proteção das pequenas empresas;
concentração do poder político, controle regional dos negócios, proteção dos
trabalhadores, eficiência econômica,8 bem-estar do consumidor, controle
de preços, obtenção de resultados econômicos desejáveis (v.g., eficiência na
utilização das riquezas, progresso, estabilidade de produção e emprego e

4. Hendrik Zwarensteyn procurou identificar os objetivos da Lei Antitruste norte-


-americana quando da promulgação do Sherman Act para, posteriormente, ressaltar
que esses não coincidem com aqueles perseguidos atualmente (The special character
of the American antitrust laws, Some aspects of the extraterritorial reach of the American
antitrust laws, p. 67-81). No que tange ao sistema europeu, Frignani e Waelbroeck
lembram que os objetivos das normas de concorrência nada têm de imutáveis, poden-
do, conforme as alterações no contexto econômico, ser substituídos (Disciplina della
concorrenza nella CEE, p. 7). Sobre a modificação da visão do fenômeno antitruste
no correr do tempo, cf. James May, Historical analysis in antitrust law, New York Law
School Law Review, vol. 35, 1990, p. 863 e ss.
5. Ainda sobre a modificação da visão do antitruste nos Estados Unidos, afirma Hylton:
“Should the antitrust laws seek to enhance competition by maintaining an atomistic
structure, in which numerous small companies businesses compete, or should it aim
to maximize consumer welfare? A crude but fair summary of the development of
antitrust law is that courts have shifted, though gradually, from an adherence to the
former to an acceptance of the latter” (Antitrust law. Economic theory and common
law evolution, p. 40).
6. V. Terry Calvani e John Siegfried, Economic analysis and antitrust law, p. 11 e ss. V.,
também, Jonathan Neville (Antitrust Legalines), p. 10. Ainda, Luciano di Via, Alcune
riflessioni sulla rule of reason ed il concetto di consistenza di una restrizione della
concorrenza, Rivista del Commercio Internazionale 10.2-3/297 e José Ignácio Gonzaga
Franceschini, Disciplina jurídica do abuso do poder econômico, RT 640/255, fev. 1989.
7. Há muito, entre nós, advertia Fábio Nusdeo: “A tutela da concorrência e a repressão
aos abusos do poder econômico são objetivos de caráter múltiplo, inseridos no pró-
prio conjunto da política econômica de cada país, com o qual devem guardar uma
necessária coerência. É por esse motivo que se tem observado, ao longo da história
econômica dos vários países, posições e atitudes diversas frente aos mesmos. Tal
diversidade tem refletido menos diferenças de cunho doutrinário e ideológico e
muito mais as preocupações com as metas assinadas para a economia de cada país
em determinados momentos históricos” (Abuso do poder econômico, Enciclopédia
Saraiva do Direito, vol. 2, p. 121).
8. Terry Calvani e John Siegfried, Economic analysis and antitrust law, p. 11 e ss.

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 171

distribuição equitativa de renda), promoção da concorrência, promoção de


condutas leais,9 limitação da atuação e da expansão das grandes empresas,10
controle do poder político dos grandes conglomerados, ampliação da capaci-
dade competitiva das empresas nacionais para assegurar participação maior
no comércio internacional11 e assim por diante.
Muito se comenta atualmente sobre a busca, pelo antitruste, da “eficiência”
e de “preços inferiores” para os consumidores. Visto, por muitos autores da
Escola de Chicago, como objetivo supremo da disciplina antitruste, seria essa
a mais preciosa das manifestações da eficiência alocativa.12 Mas, ao contrário
do sustentado por parte da doutrina, estamos longe de qualquer consenso,
especialmente fora dos Estados Unidos. Na União Europeia, mais de uma
vez, a Corte de Justiça deixou claro que a disciplina antitruste não visa apenas
a proteger os interesses dos concorrentes e dos consumidores, mas tutelar a
estrutura do mercado e, portanto, a concorrência.
É até possível traçar linhas gerais sobre as funções normalmente desempe-
nhadas por leis antitruste, ou seja, objetivos cuja concretização instrumentalizam,
mas sem que sejam apontados determinados escopos como ótimos ou como neces-
sariamente visados pelo sistema. Repise-se, ainda que em teoria, isso somente
poderá ser feito se considerada a realidade de cada lei antitruste.
Sob esse prisma devem ser encaradas as discussões a respeito do intuito da
Lei Antitruste: mais do que objetivos, estamos falando de relação entre instrumentos

9. V., a esse respeito, o excelente escrito de Gerber, Fairness in competition law: European
and U.S. experience. Disponível em: [http://www.kyotogakuen.ac.jp/o_ied/informa-
tion/fairness_in_competition_law.pdf]. Acesso em 21.07.2010.
10. Jonathan Neville Antitrust, p. 10.
11. Valéria Guimarães de Lima e Silva, Direito antitruste. Aspectos internacionais, p. 25.
12. Afirma-se haver “general agreement that the Paramount economic objective of
antitrust is to promote consumer welfare by preserving the free private competitive
market system as the principal institution for allocation resources and determining
price and output”. Nesse sentido, o antitruste seria “a compulsory economic non-
-planning” (cf. Oppenhein, Weston e McCarthy, Federal antitrust laws, p. 9). Essa a
corrente dominante nos Estados Unidos, bem defendida por Herbert Hovenkamp,
Implementing antitrust´s welfare goals. Disponível em: [http://papers.ssrn.com/sol3/
papers.cfm?abstract_id=2154499]. Acesso em: 08.02.2013. Afirma esse conhecido
autor: “The dominant view of antitrust policy in the United States is that it should
promote some version of economic welfare. More specifically, antitrust promotes
allocative efficiency by ensuring that markets are as competitive as they can practi-
cably be, and that firms do not face unreasonable roadblocks to attaining productive
efficiency, which refers to both cost minimization and innovation”.

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172 Os fundamentos do antitruste

e objetivos possíveis. E, acima de tudo, tratamos com princípios. Essa correção é


indispensável para que não se caia na tentadora armadilha da indiscriminada
transposição das teorias econômicas para o campo do direito da concorrên-
cia. “A lei é um documento programático que incorpora princípios básicos,
e, mais do que em qualquer outro campo, em relação ao direito antitruste se
pode falar em législation par principes, ou seja, de um corpo de normas que
contém escolhas de valor e proibições de ordem geral”.13
As controvérsias entre os economistas da Escola de Chicago e aqueles de
outras linhas estabelecem-se em torno de um problema central: qual o objetivo
que deve ser perseguido pela Lei Antitruste (independentemente da lei de que
se trata) e que tipo de concorrência deve ser protegida (sem que se considere
qualquer contexto). Essa excessiva generalização pode implicar a equivocada
crença de que existiria um objetivo único para toda e qualquer norma anti-
truste, independentemente do contexto em que se insere e dos conflitos de
interesse existentes.14
Os debates ancorados apenas na teoria econômica acabam por desviar o
ponto fulcral da Lei Antitruste: ela é instrumental a determinada política eco-
nômica, possuindo, por consequência, objetivos bem próprios, diversos daqueles
das demais leis antitruste. Além disso, o amplo espectro proporcionado pelos
termos fluidos normalmente empregados no texto normativo permitem que
os tribunais e as autoridades antitruste alterem sua interpretação/aplicação,
coadunando-as com as mais diversas visões econômicas.15

13. Un secolo di filosofia antitrust, p. 91. Em trabalho posterior, o mesmo autor explica
seu pensamento sobre a filosofia da legislação antitruste: “Si tratta del tipico esempio
di quella che i francesi definiscono ‘législation par principles’: e, cioè, un modello
legislativo che si limita ad incorporare criteri di apprezzamento e giudizi di valore,
senza indulgere in regolamentazioni di dettaglio, e così riservando all’interprete un
ampio margine di discrezione” (L’analisi economica del diritto: pietra filosofale nella
genesi, interpretazione e messa in opera della normativa antitrust, Consumatore,
ambiente, concorrenza, p. 193).
14. Vale a transcrição da advertência lançada por Gunnar Myrdal: “But in most questions
of economic policy there are conflicts of interests. This in fact should not be con-
cealed by obscure talk of a priori principles. In those cases neither an economist nor
anybody else can offer a ‘socially’ or ‘economically correct’ solution” (The political
element in the development of economic theory, p. 193. Há tradução para o português
de José Auto: Aspectos políticos da teoria econômica).
15. Thomas Piraino, Reconciling the Harvard and Chicago Schools: a new antitrust approach
for the 21st century, p. 346. Disponível em: [http://www.repository.law.indiana.edu].
Acesso em outubro de 2016.

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 173

Por exemplo, os arts. 101 e 102 do Tratado sobre o Funcionamento da


União Europeia – TFUE, que disciplinam o acordo entre empresas e o exercício
da posição dominante, respectivamente, desempenham função diversa do art.
36 da Lei 12.529, de 2011, na medida em que perseguem objetivos diferentes.
Podemos dizer que os referidos artigos do TFUE tendem a escopos colocados
pelo art. 3.º do mesmo Tratado, quais sejam: “crescimento económico equili-
brado”, “estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente
competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social”,
“elevado nível de protecção e de melhoramento da qualidade do ambiente”,
além do fomento do “progresso científico e tecnológico”, da “justiça e a pro-
tecção sociais, a igualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre as
gerações e a protecção dos direitos da criança”, “coesão económica, social e
territorial” e “solidariedade entre os Estados-Membros”. Já a nossa Lei 12.529,
de 2011, tem o declarado objetivo de “(...) assegurar a todos [uma] existência
digna, conforme os ditames da justiça social (...)” (art. 170 da CF, devendo ser
considerada, também, a orientação dada por seu art. 3.º).
Tornam-se claras, então, as armadilhas trazidas pelas fórmulas matemá-
ticas: a aparente certeza e segurança jurídicas que proporcionam são afastadas
pelo comprometimento do sistema, que pode decorrer de seu indevido enrije-
cimento.16 Sua aplicação deve ser temperada pelos princípios embasadores da
Lei Antitruste, que não se resume a problemas relacionados com a “eficiência
econômica” ou, como afirma Sullivan: “The antitrust laws do not deal solely
with problems of allocative efficiency”.17 A questão assume contornos ideoló-
gicos bastante marcados porque a definição da eficiência (e de sua proteção)
como o “único” fim da legislação antitruste envolve a opção (política) que dá

16. “Por muito que o crescente recurso a métodos matemáticos lhe dê uma aura de
ciência exacta, a verdade é que ela [a economia] é uma ciência argumentativa; e,
pese embora o consenso que hoje encontramos em torno de alguns princípios fun-
damentais, a aplicação do Direito da Concorrência não se compadece nem com a
excessiva simplificação de modelos, por muito úteis que estes nos sejam para suportar
algumas intuições e regras de decisão, nem com a enorme quantidade de dados que
é indispensável para uma análise empírica que nos permita concluir se uma prática
concreta, adoptada por um ou mais agentes determinados num mercado e contexto
reais, é ou não contrária à defesa da concorrência” (Miguel Moura e Silva, Direito da
concorrência, 9).
17. Antitrust, p. 376. Contra, entre nós, José Inácio Gonzaga Franceschini: “A finalidade
e propósito do Direito da Concorrência é a eficiência econômica, em benefício do
consumidor, tutelando um bem jurídico da coletividade” (Introdução ao direito da
concorrência, Revista de Direito Econômico 21/119).

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174 Os fundamentos do antitruste

menor (ou nenhuma) importância a outras diretivas e, especialmente, defende


o menor grau possível de atuação estatal.
Feitos esses esclarecimentos, passamos a analisar as principais escolas de
pensamento que pretendem responder às seguintes questões: qual a função do
antitruste? Que objetivos pode perseguir?18

4.1. As escolas de pensamento antitruste: a consolidação da Escola


de Chicago no cenário norte-americano
Não se pode pretender iniciar a caminhada pelos meandros do antitruste
sem conhecer os ensinamentos das Escolas de Harvard e de Chicago, espe-
cialmente porque a evolução desse embate explica muito das atuais posturas
norte-americana e europeia em relação à disciplina da concorrência.19-20 Repise-
-se: qualquer que seja a posição adotada pelo intérprete, deverá sempre partir
dos princípios embasadores das normas antitruste, e, somente dentro de sua
instrumentalidade, analisar as escolas de pensamento que mencionamos.
A compreensão das duas vertentes é facilitada se tomarmos as ideias
lançadas por John M. Clark, a partir da década de 40,21 que podem ser resumi-
das – correndo-se o risco da demasiada simplificação – da seguinte forma: A
realidade demonstra que a concorrência não é um regulador “simples e auto-
mático”, parte integrante do “óbvio e simples sistema da liberdade natural”.
Se a concorrência continua eficiente, apesar das imperfeições do mercado, é
de maneira diversa da relatada nos livros de economia.

18. Ainda sobre a evolução da base teórica do antitruste, v. Calixto Salomão Filho,
Regulação e concorrência, p. 55 e s. Sobre sua interface com regulação e desenvolvi-
mento, v., do mesmo autor, Regulação da atividade econômica, especialmente p. 135
e s. Vale, ainda a referência à sua obra Direito concorrencial. As estruturas, na qual o
autor analisa as várias Escolas de pensamento relativas ao direito concorrencial.
19. Sobre o debate entre as duas escolas, v. Roger van den Bergh, Introduzione: l’analisi
economica del diritto della concorrenza, Diritto antitrust italiano p. 16 e ss.; Rudolph
J. Peritz, A counter-history of antitrust law, Duke Law Journal, 1990, p. 300 e ss., e
também François Souty, Le droit de la concurrence de l’Union Européenne, p. 35.
20. Thomas Piraino chega a se referir a “the battle for the soul of antitrust”. Hovenkamp
(The Harvard and Chicago Schools and the Dominant Firm) e Elhauge (Harvard,
not Chicago: which antitrust school drives recent U.S. Supreme Court decisions?)
também seguem analisando as decisões a partir dos referenciais essas duas escolas.
21. Utilizamos aqui a seminal obra, publicada em 1961, de J. M. Clark, Competition
as a dynamic process (A concorrência como processo dinâmico, na tradução de Ruy
Jungman), que é, como diz o próprio autor, a “ampliação de uma linha de pesquisas
originadas de um artigo do autor, intitulado ‘Em direção a um conceito de concor-
rência viável’, publicado em junho de 1940 da American Economic Review”.

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 175

Partindo da sistematização efetuada por Chamberlin e Robinson sobre


mercados nos quais não existiria “concorrência perfeita”,22 Clark afirma que
o sistema imperfeito, relatado pelos mencionados economistas, “conseguiu
de algum modo atingir um estado de crescente produtividade que o colocou
no primeiro plano das economias mundiais, difundindo os benefícios de
renda real crescente entre a população em um grau jamais sonhado”. Conclui

22. No mercado idealizado pela doutrina liberal, não haveria lugar para o poder econômi-
co. Ao contrário, a atomização do ambiente faria com que nenhum agente econômico
pudesse agir com indiferença ou independência em relação aos demais. Entretanto,
para que as livres forças de mercado se manifestassem de forma a atuar a lei da oferta
e da procura, alguns requisitos haveriam de estar presentes. Primeiramente, não se
poderia verificar a existência de economias de escala, ou mesmo a diferenciação
dos produtos. Despiciendo frisar que muito raramente esses pressupostos se en-
contram presentes na pululante realidade dos mercados. Ao contrário, como nos
ensina Fábio Nusdeo, existem cinco “inoperacionalidades” que, “se não aniquilam
o mercado como mecanismo dúctil e ágil de coordenação de controle das decisões
econômicas, mostram, no entanto, a sua inaptidão para eficiência quando alguns de
seus pressupostos deixam de estar presentes. São elas: [i] a falta de mobilidade de
fatores que gera as crises de super ou subprodução; [ii] o deficiente acesso a todas as
informações relevantes pelos agentes econômicos que falseia as suas decisões; [iii] a
concentração empresarial derivada do fenômeno das economias de escala que elimina
o jogo concorrencial por inquinar a estrutura mercantil; [iv] os efeitos externos da
atividade econômica produzindo custos e benefícios sociais – as externalidades – que
se quedam incompensados e, assim, deixam de sinalizar adequadamente a escassez;
[v] a impossibilidade de captar as necessidades da comunidade por bens de caráter
coletivo, isto é, aqueles que atendem concomitantemente às necessidades de um
número razoavelmente grande de pessoas” (numeração introduzida, por nós, no
texto original). A realidade contraria, portanto, o princípio da atomização e impõe
o fenômeno da concentração do mercado. Esta, como é logo de se perceber, permite
e pressupõe a criação de um “poder de mercado” e pode levar até a uma situação de
monopólio absoluto ou de monopsônio. Entre o modelo da concorrência atomística
(pressuposto do teórico mercado liberal) e o mercado no qual exista a atuação de
apenas um agente econômico como comprador ou vendedor, existe uma infinidade
de situações intermediárias, caracterizando a concorrência imperfeita ou monopo-
lística. Destarte, tal qual o poder econômico, também a concorrência é uma questão
de grau. A ausência completa de poder econômico em determinado mercado, assim
como a concorrência absolutamente perfeita, correspondem a “estado utópico do
sistema econômico”, encontrado apenas excepcionalmente na realidade (a explica-
ção sobre concorrência imperfeita, na forma que ora expomos, é efetuada por Fábio
Nusdeo, v. seus Fundamentos para uma codificação do direito econômico, Cap. I, p. 7
e ss., especialmente p. 22 a 24, e Abuso do poder econômico, Enciclopédia Saraiva
de Direito, vol. 2, p. 121 e ss. e, mais recentemente, Curso de economia, 6.ª edição,
especialmente capitulo sexto).

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176 Os fundamentos do antitruste

baseando-se no pensamento de Galbraith, que, de acordo com a teoria que


se encontrava relatada nos livros de economia, deveríamos estar sofrendo de
todos os males associados ao monopólio. “E por que não estamos?”, pergunta
Clark. Na resposta a essa sua questão, encontramos o cerne de seu pensamento.
Se todos os desastres previstos nos livros de economia não ocorreram, é
porque as imperfeições que se verificam no mercado não são necessariamente
danosas a longo prazo. Não seria, pois, oportuno que a política da concorrên-
cia tivesse por escopo eliminar todas essas imperfeições que podem acabar
atuando como fator de neutralização de outras disfunções do mercado. Assim,
a persistência de algumas imperfeições não impede que seja atingida uma
workable competition, ou uma concorrência viável. Muito do pensamento de
Clark penetrou nos integrantes da Escola de Harvard, dentre os quais desta-
camos Areeda, Turner,23 Sullivan e Blake.24
Em linhas gerais, a Escola de Harvard parte do pressuposto de que empresas
com poder econômico usá-lo-ão para implementar condutas anticompetitivas –
“todo homem que possui poder é levado a dele abusar; ele vai até onde encon-
tra limites”, ensina Montesquieu. Por isso, devem ser evitadas as excessivas
concentrações, que acabam por gerar disfunções prejudiciais ao próprio fluxo
das relações econômicas,25 buscando-se modelo de workable competition. Essa

23. O que não significa que esses autores fossem “radicais”. Assiste razão a Hovenkamp,
ao comentar o difundido tratado de Areeda e Turner (Antitrust Law): “The Antitrust
Law treatise is in fact something of an economics scavenger, picking and choosing
among economics’ diverse theories for doctrine that is both theoretically defensible
and administratively useful” (Harvard, Chicago and transaction cost economics, p. 4).
24. Cf., também, Roger van den Bergh, Introduzione: l’analisi economica del diritto della
concorrenza, Diritto antitrust italiano, p. 16-17.
25. Phillip Areeda e D. Turner, expoentes da Escola de Harvard, escreveram, em 1978:
“Populist values are served, to a very considerable extent, by the antitrust policies
that promote economic efficiency and progressiveness. The competitive market is
one in which power is not unduly concentrated in the hands of one or a few firms.
They are sufficiently numerous to offer real alternatives to their suppliers and custo-
mers, whose fate is thus determined by impersonal market forces rather than by the
arbitrary fiat of another. And the several firms that share that market will necessarily
have less individual economic or political significance than would be had by a single
firm, or by substantially fewer firms, controlling that market. Accordingly, the goals
of dispersed power and wider business opportunities are served by an antitrust policy
which eliminates monopoly not attributable to economies of scale or superior skill,
and which prevent those mergers, agreements, or practices which obstruct efficient
competition. Populist goals and efficiency goals are consistent over a wide range”
(Antitrust law, p. 7-25).

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 177

questão, por sua vez, está relacionada ao problema da quantidade de agentes


econômicos atuantes em determinado setor da economia. O modelo de con-
corrência que se propugna implica a manutenção ou incremento do número
de agentes econômicos no mercado.26 Dessa forma, dá-se preferência a uma
estrutura mais pulverizada, evitando-se as disfunções no mercado. A frase small
is beautiful identifica-se com a tese que defendem.27 Um de seus principais pi-
lares repousa na crença de que a conduta do agente econômico – e, portanto,
de toda economia – está diretamente ligada à estrutura do mercado. Em três
palavras “estrutura-conduta-performance”.
A escola de Harvard (também referida como “estruturalista”) vê as restri-
ções verticais com desconfiança e entende que o agente econômico é propenso
a utilizar sua posição dominante em um mercado para alavancá-la em outro
(leverage theory).28
A partir da década de 1980 atinge seu auge a Escola de Chicago, levada ao
poder, nos Estados Unidos, durante o governo de Ronald Reagan.29 Iniciada

26. Para análise dos argumentos favoráveis e contrários à concorrência atomística, cf.
Richard Markovits, Antitrust: alternatives to delegalization, Juridification of social
spheres, p. 340 e ss.
27. Cf. Schumacher, apud Roger van den Bergh, Introduzione: l’analisi economica del
diritto della concorrenza, Diritto antitrust italiano, p. 33, nota 77.
28. Cf. Hovenkamp, Harvard, Chicago and transaction cost economics, p. 2.
29. Michel L. Glassman, em entrevista concedida durante o governo Reagan e publica-
da em Antitrust Law and Economics Review, descreve, sinteticamente, as mudanças
implementadas na política antitruste governamental: “First, say the critics, they’ve
abandoned vertical restraints of all kind in accordance with Chicago theory; then
they believe that product differentiation, far from being anticompetitive, is in fact
procompetitive, so they’re not interested in that; they’re not interested in concen-
tration since they don’t believe it leads to collusion of either the overt or implicit
varieties; they’ve greatly reduced the level of merger enforcement since they don’t
believe either conglomerate or vertical mergers are a problem and, even when a ho-
rizontal one appears, all they do is say okay, you’ve got a 3% overlap here in your two
operations so sell these 2 grocery stores and we’ll approve the merger; and in the price
fixing area – since they don’t believe that implicit solution follows from oligopolistic
interdependence or anything sophisticated like that – all they’re interested in is the
relatively petty variety where 50 small highway-construction people get caught set-
ting prices in a local motel room” (Changing presumptions in antitrust: there’s more
competition than we thought, Antitrust Law and Economics Review, vol. 16, n. 1, 1984,
p. 76). Indispensável, para que possamos entender as modificações introduzidas pela
Escola de Chicago, a análise dos registros do seminário ocorrido em abril de 1982,
promovido pela School of Business and Administration e pela School of Law, ambas
de Saint Louis University. Conforme o relato de E. Perry Johnson, pode-se observar

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178 Os fundamentos do antitruste

pelas lições de Aaron Director e Ronald Coase nos anos 50,30 tem como prin-
cipais expoentes Bork, Bowman, Mac Gee, Telser e Posner. Revolucionando o
entendimento que se tinha da matéria, Telser inicia a contestação à ilicitude dos
acordos verticais valendo-se da doutrina do free-rider. Mac Gee ataca a teoria
tradicional dos preços predatórios, afirmando que não há base racional para

que as leis antitruste começam a ser vistas como um mal a ser exorcizado (Current
antitrust goals and policies: how different are they really?, Saint Louis University Law
Journal, vol. 27, 1983, p. 321). Algumas vozes, como a de David Stockman, chegam a
sustentar que “You don’t have to structure competition, that’s where I disagree with
the whole antitrust tradition (...) My view is that a monopoly never develops unless
it’s sanctioned by government authority. There’s no such thing as privately developed
and composed monopoly. (...) The antitrust process is totally useless and a sink of
economic resources and wealth we can do without”. Atuando a política propugnada
pela Escola de Chicago, com a eleição de Reagan: (i) o Congresso diminui os recursos
para FTC; (ii) James C. Miller (economista e não jurista) é nomeado para chefiar a
FTC; (iii) Willian Baxter passa a comandar o Justice Department’s Antitrust Division
e, conjuntamente com outros Justice officials, propugna nova e mais permissiva polí-
tica para os acordos verticais. Em 1987 Harold G. Fox observava que, mesmo com a
substituição de Reagan, a derrota da Escola de Chicago talvez não fosse tarefa fácil,
tendo em vista os inúmeros juízes seguidores dessa linha econômica que foram por
ele apontados (Economists and antitrust policymaking: the “communications” GAP
(III), Antitrust Law and Economics Review, vol. 19, n. 1, 1987, p. 55).
Posteriormente, no ano de 1992, foi publicado o editorial de Charles E. Mueller, reco-
mendando uma “agenda” a ser seguida pelo Presidente Clinton, buscando a reversão
de algumas distorções apresentadas nos governos Reagan e Bush (pai), bem como
apontando as decisões da Suprema Corte que deveriam ter suas linhas modificadas
(An antitrust agenda for President Clinton: demote “theory” and restore the private
cases, Antitrust Law and Economics Review, vol. 24, n. 1, 1992).
Para uma visão geral dos efeitos da era Reagan na política antitruste, cf. Marc Allen
Eisner, Antitrust and the triumph of economics: institutions, expertise, and policy
change, p. 2 e ss. Douglas Ginsburg e Eric Fraser apresentam análise sobre o gradativo
aumento de importância dos economistas nas agências norte-americanas (The role
of economic analysis in competition law).
Apanhado geral da evolução até o governo Obama é realizado por Pitofsky, na in-
trodução da obra How the Chicaco School overshot the market, organizada por ele e
Steven C. Salop.
30. Cf. Edmund W. Kitch, The fire of truth: a remembrance of law and economics at
Chicago, 1932-1970, The Journal of Law and Economics, vol. 26, abr. 1983, p. 163-
233. Nesse artigo é efetuada a transcrição de debate entre economistas da Escola de
Chicago analisando suas raízes e o início da interpenetração entre as escolas de direito
e de economia. A análise econômica é vista como nova perspectiva de abordagem dos
casos antitruste, apta a explicar “o que os juízes não haviam entendido” (p. 194).

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 179

sua adoção.31 Bork lança profundos questionamentos sobre toda a disciplina


antitruste, identificando preocupante paradoxo: ao mesmo tempo em que o
antitruste busca preservar a concorrência, combate-a, de sorte que se trata de
uma “política em guerra com si mesma”.32-33
A Escola de Chicago defende o menor grau possível de regulamentação
da economia pelo Estado. Assim, o jogo da concorrência (apto a, por si só,
disciplinar o fluxo das relações econômicas) deve desenvolver-se livremente,
com o mínimo de interferência estatal. 34
A Escola de Chicago traz para o antitruste, de forma indelével, a análise
econômica, instrumento de uma busca maior: a eficiência alocativa do mercado,35

31. Os pressupostos teóricos da Escola de Chicago acabam por modificar a aplicação da


Lei Antitruste. Não há razão para impedir determinado comportamento, se não for
demonstrado que a prática produz, também, efeito destorcido sobre a alocação dos
recursos e, consequentemente, sobre o bem-estar geral da economia. Muitas práticas
que eram tradicionalmente consideradas ilícitas, porque prejudiciais à concorrência
(ilícitas per se), passam a ser consideradas apenas ilícitas in se, na medida em que
asseguram economias de produção (cf. Matteo Caroli, La regolamentazione dei re-
gimi concorrenziali, p. 25). Com efeito, salientam Hovenkamp e Elhauge, Chicago
advoga a licitude per se de várias práticas (The Harvard and Chicago schools and the
dominant firm, respectivamente).
32. Chega-se a afirmar que “Bork nearly killed antitrust” (Harry First, Bork and Microsoft:
why Bork was right and what we learn about judging exclusionary behavior”).
33. The antitrust paradox: a policy at war with itself, p. 3 e ss. Ainda sobre o dilema
enfrentado pela legislação antitruste, v. Kelvin Jones, Law and economy: the legal
regulation of corporate capital, p. 108 e ss. William F. Shughart vê, na joint venture
celebrada entre General Motors e Toyota, hipótese na qual as normas antitruste
foram utilizadas para subverter a concorrência. As duas empresas mencionadas
pretendiam associar-se, visando a fabricação de um novo carro nos Estados Unidos.
Tão logo anunciada a joint venture, duas concorrentes, Chrysler e Ford, apresentaram
petição à Federal Trade Commission, denunciando a prática. Não obstante a joint
venture tenha sido aprovada pela FTC, a vitória foi também dada à Chrysler e Ford
(em prejuízo da livre-concorrência), uma vez que a joint venture deveria limitar sua
produção a 250.000 unidades por ano (Antitrust policy and interest-groups politics,
p. 161).
34. Wayne D. Collins, Regulation, deregulation and antitrust law, Antitrust, vol. 7, n. 1,
out. 1985, p. 8-9.
35. “The Chicago School model of antitrust policy dictates that allocative efficiency
as defined by the market should be the only goal of the antitrust laws” (Herbert
Hovenkamp, Antitrust policy after Chicago, Michigan Law Review, n. 84, 1985, p.
213-84). Mais recentemente, do mesmo autor, v. “Implementing antitrust´s welfare
Goals” (2012).

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180 Os fundamentos do antitruste

que sempre beneficiaria os consumidores. Esse fato é verdadeiro, esteja o agente


econômico em posição monopolista ou sujeito à competição. Os principais ins-
titutos antitruste passam a ser pensados em termos de “eficiência alocativa”:36
sob esse prisma, as concentrações (e o poder econômico que delas deriva) não
são vistas como mal a ser evitado, os acordos verticais passam a ser explicados
em termos de economia de custos de transação, eficiências e ganhos para os
consumidores.37 A respeito, as palavras de Bork38 sintetizam o pensamento da
Escola de Chicago: “[O] crescimento interno (das empresas), em mercados
de grande porte, tornou-se perigoso. O crescimento mediante fusões com
concorrentes é praticamente impossível, assim como a aquisição de clientes
ou fornecedores. Descartou-se, inclusive, aquisições que tenham por objetivo
a entrada em novos mercados, porque a lei corporifica uma mitologia sobre
os perigos de concentrações conglomeradas. Associações de cooperação entre

Sobre a relação entre o texto legal e a eficiência, cf. Michael A. Crew e Charlotte
Twight, On the efficiency of law: a public choice perspective, Public Choice, n. 66,
1990, p. 15-36; Oliver E. Williamson (Antitrust enforcement: where it’s been, where
it’s going, Saint Louis University Law Journal, vol. 27, 1983, p. 289-314). Já na déca-
da de 70 a doutrina cingiu-se à análise da eficiência do mercado. Efetivamente, na
literatura daquela época podemos identificar essa preocupação, que passa a pautar a
análise do antitruste: tudo era ponderado de acordo com a “eficiência”. Cf., a título
exemplificativo, H. Michael Mann e James W. Meeham Jr., em trabalho no qual se
propõem a estudar “the effort being made at the Federal Trade Commission (FTC) to
allocate its resources so as to maximize social benefit” (Policy planning for antitrust
activities: present status and future prospects, The antitrust dilemma, p. 15).
36. Richard Markovits explica: “A policy is said to increase allocative efficiency if it gives
its beneficiaries the equivalent of more dollars than it takes away from its victims”
(Antitrust: alternatives to delegalization, Juridification of social spheres, p. 334). Nas
palavras de Francesco Denozza: “L’ efficienza allocativa (...) coincide, dal punto di
vista della produzione, con una situazione in cui non esiste un’allocazione alter-
nativa che consenta di produrre una maggiore quantità di almeno un bene, senza
che diminuisca la produzione di alcuno degli altri beni. Più in generale, come è ben
noto, una situazione è ottimale, secondo il criterio di Pareto, quando non esiste la
possibilità di migliorare la situazione di alcuno dei membri della società considerata
senza peggiorare quella di alcuno degli altri” (Antitrust: leggi antimonopolistiche e
tutela dei consumatori nella CEE e negli USA, p. 27).
37. Para resumo dos pontos cardeais da Escola de Chicago, v. Herbert Hovenkamp, Fe-
deral antitrust policy: the law of competition and its practice, p. 61 e ss. E, para visão
global mais atualizada, Post-Chicago developments in antitrust law (org. Cucinotta,
Pardolesi e Bergh).
38. Em 1987, Robert Bork chegou a ser indicado para a Suprema Corte estadunidense
por Ronald Reagan, mas seu nome não foi aprovado pelo Senado.

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 181

empresas independentes são proibidas em razão de uma indevida aplicação da


divulgada política contra fixação de preços e divisão de mercado. O Tribunal
destruiu as formas mais úteis das quais o fabricante poderia lançar mão para
controlar a distribuição de seus produtos, impondo formas mais custosas de
acesso ao público. O Tribunal, desnecessariamente, tem determinado regras
sobre o comportamento dos preços que acabam por aumentá-los, tornando os
mercados menos eficientes para alocar os recursos da sociedade”.39
Ou, como teve ocasião de afirmar em conferência: “(...) nos termos das
atuais leis antitruste, da forma como estão escritas, o pacto entre direito e
economia (...) é inevitável. Não há outra forma de os tribunais procederem e
produzirem resultados benéficos (...). O antitruste não tem alternativa a não
ser se embasar na economia”.40
Nessa mesma exposição de Bork podemos identificar importante eixo
do raciocínio da Escola de Chicago. O ex-professor de Yale (mas formado em
Chicago) inicia explicando o que chamamos de “jogo do interesse protegido”.
Sustentando que a análise econômica não pode ser aplicada a todas as áreas do
direito, afirma que, “quando se pleiteia que seja fechada uma sala de audiência,
o juiz deverá sopesar o conflito entre o direito do réu a um julgamento justo e o
direito da imprensa de relatar questões de interesse público. Quando se aplica
uma lei que proíbe a obscenidade, o juiz deverá sopesar o direito à liberdade
de expressão do indivíduo em relação ao interesse da comunidade de sustentar
seus valores morais. Quando um regulamento militar que proíbe a utilização
de chapéus e similares dentro de certos recintos é aplicado, o Tribunal, ao jul-
gar a utilização de um yarmulka41 por um oficial da marinha, deverá sopesar o
valor do direito à liberdade de religião e a necessidade da disciplina militar. Em
cada um desses exemplos, o juiz poderá encontrar dificuldades no processo de
valoração. Certamente, ele não poderá se valer de critérios numéricos – e, caso
assim proceda, logo perceberá que a aparente precisão é falsa. (...) qualquer
que fosse o sentido da decisão, sempre um valor prevaleceria em detrimento do
outro. Resta-nos o problema filosófico de valores que não possuem um deno-
minador comum – valores que são, ao contrário dos dólares, incomensuráveis”.
Bork coloca no polo oposto (other end of the spectrum) o antitruste,
indissociável da economia, cujo interesse a ser perseguido é o da eficiência

39. The antitrust paradox, p. 4.


40. Robert Bork, The role of the courts in applying economics, Antitrust Law Journal,
vol. 54, 1985, p. 23.
41. Típica indumentária judaica para cobrir a cabeça em sinal de submissão a Deus
(também conhecida como kipa).

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182 Os fundamentos do antitruste

alocativa, de modo a autorizar a busca por soluções exatas e constantes, que


nos são dadas pela ciência econômica. A Escola de Chicago percebe o antitruste
em ambiente asséptico, livre dos conflitos de princípios ou de interesses presentes
na aplicação de cada caso concreto.42-43
O discurso utilizado baseia-se no tecnicismo. Ou seja: as decisões a serem
tomadas não derivariam de opções políticas, seriam racionais e neutras. No
entanto, dizem os críticos, a falácia de tal argumento salta aos olhos, porque
impossível separar os dois aspectos: toda técnica implementa uma opção política.
Com efeito, “[a]inda quando [uma decisão é] alicerçada em dados e elabora-
ção eminentemente técnicos, ela não se desvincula de metas ou parâmetros
políticos que passam a integrar aqueles dados e aquela elaboração como um
de seus elementos intrínsecos”.44
A negação dessa evidência produz como já se assinalou, “dissimulação
política das autoridades independentes”,45 na busca de legitimação para seus
atos. Trata-se de “ofensiva de neutralidade a política”,46 baseada na lógica do
economicismo e na pressuposição (inegavelmente política) de que os mercados
devem ser conduzidos conforme suas próprias e irrevogáveis leis.
O modelo chicaguiano de pensamento é, acima de tudo, positivista e pro-
cura distanciar do direito aquilo que poderia desestabilizá-lo. Para a Escola de

42. Ainda segundo Bork, no que diz respeito ao antitruste, a escolha do legislador já teria
sido pela proteção do bem-estar do consumidor, o que levaria à constante busca pela
eficiência econômica: “So far as I’m aware, Congress, in enacting these statutes, never
faced the problem of what to do when values come into conflict in specific cases.
(...) They did, however, make certain choices that suggest that in cases of conflict
consumer welfare is to be preferred to small producer welfare, as well as to all other
values. For example, the clear indication that price-fixing rings are to be unlawful,
and that monopoly gained through superior efficiency is to be lawful, are indicators
of that” (The role of the courts in applying economics, Antitrust Law Journal, p. 24).
Posner não comunga da mesma opinião no que diz respeito à “vontade do legislador”
(cf. Interview with Judge Richard Posner, Seventh Circuit Court of Appeals, Antitrust,
Spring 1992, vol. 6, n. 2, p. 4-7).
43. Vale a remissão a crítica à Escola de Chicago e sua busca por “verdades naturais”,
lançada por Charles B. Cohler (The new economics and antitrust policy, The Antitrust
Bulletin, Summer 1987, p. 401 e ss.). Dworkin, por sua vez, contesta a afirmação de
Posner de que o direito antitruste deveria ser atuado sempre de forma a maximizar
o bem-estar social (social wealth) (A matter of principle, p. 275 e ss.). Essa crítica
mereceu resposta de Posner (The economics of justice, p. 107 e ss.).
44. Cf. Fabio Nusdeo, Fundamentos para a codificação do direito econômico, p. 88.
45. Cf. Natalino Irti, L’ordine giuridico del mercato, p. 35.
46. Natalino Irti, L’ordine giuridico del mercato, p. 35.

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 183

Chicago, a certeza e segurança demandam o afastamento dos elementos que não


levam à eficiência alocativa e que comprometem o grau de previsibilidade do
sistema. Posner afirma que essa análise econômica do direito é de certa forma,
o resgate da doutrina de Kelsen, para quem o problema da “indeterminação”
do direito coloca-se sempre como um defeito por conta de uma linguagem
que não é suficientemente clara, deixando espaços para vários significados.
Posner entende que, sendo impossível determinar a solução “mais justa” em
cada caso concreto, é social e democraticamente preferível que a alocação de
recursos entre os indivíduos seja realizada pelo mercado, e não pelo direito,
ou seja, venha determinada pelo resultado da somatória das vontades indivi-
duais. Assim, a tomada de decisões na sociedade deve ser feita de acordo com
o critério econômico da eficiência alocativa, que reverterá sempre em prol do
bem-estar do consumidor.
A legitimidade desse postulado estaria no fato de resultar da consideração
global das preferências individuais sendo, pois, democraticamente justificável.
Sua adoção eliminaria o problema da incerteza do direito. Enquanto na dou-
trina positivista clássica [que Posner diz “indiscutível paradigma dos juristas
continentais”] a indeterminação da linguagem põe-se como problema, porque
deixa espaço a interpretações divergentes, na análise econômica “[a]s escolhas
dos juízes e dos advogados não são negadas, mas admitidas explicitamente,
desde que endereçadas com base em critérios de eficiência. A linguagem assume
menos relevância [do que na doutrina kelseniana]: as regras têm justificativa
não hermenêutica, as palavras são apenas um modo de representá-la e, por
conta disso, podem ser verbalizadas de várias formas”. Uma vez que os opera-
dores do direito nada podem dizer de “científico” sobre os pontos de partida
do ordenamento ou sobre os valores distributivos, eles devem ser ignorados e
o direito analisado com base na eficiência econômica, definida abstratamente
como maximização do bem-estar (= eficiência alocativa).47-48

47. Cf. Richard Posner, “Kelsen, Hayek, and the economic analysis of law”.
48. Exemplo dessa aplicação e da redução do escopo do ordenamento jurídico à con-
cretização de um único objetivo é dado por Posner. Buscando inspiração apenas
na racionalidade econômica, afirma: para realizar todo o seu potencial, as crianças
requerem considerável investimento de seus pais, que será maior ou menor confor-
me o comportamento dos pequenos e a disponibilidade dos genitores. Dependerá,
também, de quanto uma pessoa ama seus filhos: maior o apreço, maior o dinheiro
gasto. Mas mesmo quando há um profundo carinho, existe o risco de gastos insufi-
cientes se a família for pobre. É fato que, no “mercado” de adoção, a procura supera
a oferta, ou seja, há mais casais procurando um filho do que crianças disponíveis
(Posner refere-se à realidade norte-americana). Para Posner, isso decorre de uma

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184 Os fundamentos do antitruste

O único valor social a ser considerado seria o da “eficiência alocativa”,


de forma que todos os problemas jurídicos e sociais devem ser “traduzidos” e,
portanto, considerado apenas seu viés econômico49 (o direito exsurge, assim,
mais seguro e previsível). Como resultado, o novo fundamento do direito
seria a economia, reduzindo-se a complexidade do fenômeno jurídico. 50-51

ineficiente intervenção estatal, que não leva em conta a racionalidade dos agentes
e a eficiência econômica. Afinal, várias pessoas que podem ter filhos não querem
criá-los, ao mesmo tempo em que há famílias prontas para acolhê-los. Os “custos
de produção” dos pais naturais são infinitamente menores do que os da família que
cria o bebê (por isso existe o mercado negro de crianças). Se as mulheres grávidas
pudessem celebrar contrato de venda dos seus filhos, sem qualquer tabelamento de
preços, o problema estaria resolvido, com ganhos para as crianças, porque quem está
disposto a pagar mais tratá-las-á melhor. É bem verdade que os pais adotivos pode-
riam estar dispostos a gastar dinheiro por motivos “errados” (wrong reasons), como
a exploração sexual. Mas, aí, agirão as leis de proteção dos menores. Igualmente,
poder-se-ia argumentar que os ricos ficariam com todos os bebês – ou pelo menos
com os melhores. Para Posner, embora tal resultado fosse ótimo para as crianças, não
se verificaria: ricos têm famílias menores do que os pobres; então, ricos precisarão
de menor quantidade de bebês do que os pobres. Ademais, a desregulamentação do
mercado aumentaria o incentivo de produção de crianças para a venda (Economic
analysis of law, p. 149-154); em suma, haveria filhos adotivos para todos (ou seja,
oferta e demanda tenderiam a se equilibrar).
49. Chicago baseia-se em trindade, assim resumida na crítica de Pedro Mercado Pacheco:
quando existem condições de concorrência perfeita, ao direito não é reservada ne-
nhuma função decisória ou de intervenção para obter o resultado eficiente. O direito
seria, assim, “uma estrutura redundante em relação ao mercado”, e sua única função,
nesta hipótese, é garantir as condições de liberdade e segurança do tráfico mercantil.
Na presença de falhas de mercado (externalidades, monopólio, bens coletivos) a
função do direito é reduzir a existência desses obstáculos, diminuindo os custos de
transação “que impedem que um resultado eficiente seja atingido por intermédio
de um acordo negociado”. Quando a decisão de mercado é impossível porque os
obstáculos não podem ser eliminados, a função do direito seria “atuar como um
mercado simulado”; o juiz ou o legislador deve tomar “a solução que o mercado teria
adotado, se não existissem obstáculos ao seu funcionamento” (El análisis económico
del derecho, p. 38).
50. Pedro Mercado Pacheco, El análisis económico del derecho, p. 38. V., também, François
Souty, Le droit de la concurrence de l’Union Européenne, p. 35.
51. Nas palavras de Hovenkamp que, nos últimos anos, tem se colocado como defensor
dessa linha dogmática: “The Chicago School has produced many significant contri-
butions to the antitrust literature of the last half century. Thanks in part to Chicago
School efforts today we have an antitrust policy that is more rigorously economic,
less concerned with protecting noneconomic values that are impossible to identify

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 185

Um dos maiores e mais problemáticos efeitos da Escola de Chicago foi o


deslocamento do eixo das discussões antitruste: da política econômica para
as teorias econômicas.52
Nessa linha, a busca por segurança e previsibilidade jurídica constitui
perigoso incentivo para que o estudioso do antitruste caia na armadilha da
análise econômica do direito, que mostra qual canto de sereia, fórmulas aptas
a resolver os casos concretos que se apresentam.53-54
Advirta-se, contudo, que as críticas lançadas à Escola de Chicago não
significam que a teoria econômica seja inútil para a análise do direito da con-
corrência, muito ao contrário. “Although it does not provide to the law a single,
glorious goal, it distinctly has its uses”.55 A ciência econômica explicará muitos
dos fenômenos que devem ser regulamentados, de sorte que – na medida em que
explica a realidade e as consequências da tomada de decisão jurídica – mostra-se
poderoso e indispensável instrumento na mão do jurista.56-57

and weigh, and more confident that markets will correct themselves without gover-
nment intervention” (The Harvard and Chicago Schools and the Dominant Firm.
Disponível em: [http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1014153].
Acesso em: 21.07.2010).
52. “The ideology of antitrust slowly evolved, however, from a debate about political
economy to one about economic theory” (Gavil, Kovacic e Baker, Antitrust law in
perspective, 61).
53. Para ilustrar essa afirmação, v. estudo de Clair Wilcox e William G. Shepherd (Public
policies toward business, especialmente p. 111 e ss.), que contém ponderações bas-
tante contundentes: “a correct or optimal policy will increase competition up to the
margin at which the benefits of extra competition are just offset by the lost technical
economies of scale”.
54. Phillip Areeda e Louis Kaplow anotam as diversas interpretações dadas ao Sher-
man Act, que implementaram políticas completamente diversas: “As we shall see,
antitrust courts have rejected such preferences in condemning cartels but have been
more receptive to them in other contexts. Even so, no criteria have appeared by which
a judge is to decide how much to prefer particular producers (and their shareholders
and employees) over other members of society” (Antitrust analysis, p. 57).
55. Lawrence Anthony Sullivan, Antitrust, p. 5.
56. Para análise dos pressupostos da Escola de Chicago, bem como de seus principais
paradigmas, v. Paula A. Forgioni, Análise econômica do direito: paranoia ou misti-
ficação? e A evolução do direito comercial brasileiro, da mercancia ao mercado, p. 194
e ss.
57. “If economics cannot supply the law with prefabricated policy goals, it can provide
techniques which the law may use as tools in pursuit of its own objectives” (Sullivan,
Antitrust, p. 9).

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186 Os fundamentos do antitruste

Mesmo durante o período em que a Escola de Chicago reinou sobera-


na, vozes já apontavam problemas anticompetitivos das restrições verticais
e das concentrações. O movimento “revisionista” tomou corpo a partir de
meados da década de 1980, com autores de peso como Laurence A. Sullivan,
Robert L. Steiner, Steven C. Salop, Eleanor M. Fox, Warren S. Grimes, Ro-
bert Pitofsky, Stephen F. Ross, William S. Comanor e outros. Essa vertente,
mesmo aplaudindo a análise econômica introduzida por Chicago, acusa-a
de ser demasiadamente simplista. Assim, com métodos mais aprofundados,
indicam prejuízos concorrenciais de determinadas condutas (especialmente
os acordos verticais) sem, contudo, desprezar os benefícios que delas deri-
vam. É possível que aparente ganho de eficiência não seja compensado pela
perda ou diminuição de incentivo à entrada de novos concorrentes, e nem
sempre soluções centradas apenas no resultado alocativo vão ao encontro dos
interesses dos consumidores.58 Segundo Hovenkamp, entre os sucessos desse
movimento podemos considerar algumas teorias sobre o aumento dos custos
dos concorrentes (raising rival’s costs), bem como os efeitos anticompetitivos
verticais das concentrações.59

58. Expressam Michael H. Riordan e Steven C. Salop: “These new post-Chicago theories
neither ignore nor reject the economic analysis of the Chicago School. Instead, they
apply the newer methodology of modern industrial organization theory to more
realistic market structures in which vertical mergers can have anticompetitive effects.
(...) it does identify situations where vertical mergers and other vertical restraints
can raise significant competitive concerns” (Stephen Ross, Network economic effects
and the limits of GTE Sylvania’s efficiency analysis, p. 947).
59. Ainda sobre a diferença entre as correntes, Alan J. Meese, Price theory and vertical
restraints: a misunderstood relation, UCLA Law Review 45:143, 1997. Também Eleo-
nor M. Fox, Dopo Chicago, dopo Seattle e il dilemma della globalizzazione, Mercato
Concorrenza Regole 1:53, 2001 e de Herbert Hovenkamp, Un esame dell’antitrust
del dopo Chicago, Mercato Concorrenza Regole 1:11, 2001 e The reckoning of
post-Chicago antitrust, Post-Chicago developments in antitrust law, p. 1-33. Mais
recentemente, alguns autores indicam aproximação entre as Escolas de Harvard e
de Chicago, mostrando que vários de seus expoentes não defenderiam postulados
condizentes com o padrão conduta-estrutura-performance. Segundo Hovenkamp:
“while structuralism is sometimes associated with a ‘Harvard School’ of antitrust,
Harvard´s own economists and antitrust scholars abondoned most of it more than
thirty years ago, prior to the time that TCE [Transaction Costs Economy] became
well established in the economics literature”. Embora as arestas desse embate te-
nham, hoje, diminuído, é difícil chegar a conclusões peremptórias sobre os limites
[ou inexistência de limites] entre essas correntes, tantas são as esfumaturas dos au-
tores que se debruçam sobre o estudo do direito concorrencial. De uma forma ou de
outra, a doutrina especializada, especialmente a norte-americana, segue utilizando

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 187

Em 2008, com a crise mundial, a Escola de Chicago sofreu inegável


abalo em suas crenças. Em outubro daquele ano, Alan Greenspan, por anos
chefe do Federal Reserve norte-americano e que defendia veementemente a
diminuição da carga legal sobre o comportamento das empresas, renegou um
dos mais fortes pressupostos do pensamento dominante: “I made a mistake in
presuming that the self-interest of organizations, specifically banks, were such
that they were best able in protecting their own shareholders and the equity
in their firms”:.“This crisis has turned out to be much broader than anything
I could have imagined”.
Por sua vez, Richard Posner asseverou: “a capitalist system cannot consist
just on free markets”.60 E mais: “[m]odern economics is, on the one hand, very
mathematical, and, on the other, very skeptical about government and very
credulous about the self-regulating properties of markets. That combination is
dangerous. Because it means you don’t have much knowledge of institutional
detail, particular practices and financial instruments and so on. On the other
hand, you have an exaggerated faith in the market. That was a dangerous
combination.”61 Para Posner, a rigidez da Escola de Chicago pode já não mais
ser a mesma. Novas propostas, como aquela ligada à Economia Comporta-
mental (Behaviour Economics), ao desafiar o antes incontestável postulado da
racionalidade dos agentes econômicos, demonstrariam que, ao fim e ao cabo,
a intervenção estatal na economia pode não ser tão perniciosa quanto antes
apregoado. Cada vez mais doutrinadores acreditam que o antitruste não se re-
sume à simples busca da eficiência alocativa.62-63 O direito é fenômeno complexo

a relação entre esses dois paradigmas (Harvard/Chicago) para explicar a marcha do


antitruste, ou para lhe propor novos rumos.
60. Introdução à obra The crisis of capitalist democracy, publicada em 2.010.
61. Disponível em: [http://www.newyorker.com/online/blogs/johncassidy/2010/01/
interview-with-richard-posner.html#ixzz0roD0n5Pf]. Acesso em: 21.07.2010.
62. Pitofsky posiciona a questão e alerta para os inconvenientes dessa visão asséptica
do direito antitruste: “There probably has never been a period comparable to the
last decade, however, when antitrust economists and lawyers have had such success
in persuading the courts to adopt an exclusively economic approach to antitrust
questions (...) [This approach however] is bad history, bad policy, and bad law to
exclude certain political values in interpreting the antitrust laws” (The political
content of antitrust, transcrito por Sullivan e Hovenkamp, Antitrust law, policy and
procedure, p. 4-5). Com a mesma finalidade, leia-se Herbert Hovenkamp, Antitrust
policy after Chicago, Michigan Law Review, n. 84, 1985, p. 213 e ss. (transcrito por
Handler, Blake, Pitofsky e Goldschmid, Trade regulation, p. 17 e ss.).
63. Dudley H. Chapman explica que a política antitruste não é baseada, apenas, em um
único, coerente, objetivo ou razão. O próprio contexto em que surgiu o Sherman Act

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188 Os fundamentos do antitruste

que não pode ficar enclausurado nos limites da economia. Ou, nas palavras de
Eleanor Fox: “antitrust is Law; it is not economics”.64
Mas essa reação de parte da doutrina norte-americana longe está de alterar
o cenário de supremacia da escola de Chicago e as crenças de muitos de seus
seguidores. O antitruste norte-americano tem aplicação rareada. Quase todas as
práticas são permitidas; pouca ou nenhuma é a contestação às concentrações.65
Os governos que se seguiram à Era Reagan perseveraram na linha conservadora
e a maioria consolidada da Suprema Corte parece acreditar que “o antitruste
faz mais mal do que bem”.66 De tanto em tanto, proclama-se que o antitruste

desautorizaria qualquer conclusão nesse sentido. São identificadas três principais


razões da Lei Antitruste: (i) razões de ordem moral, tendo em vista as disposições de
caráter penal do Sherman Act; (ii) bem-estar do consumidor (relacionado à eficiência
econômica); e (iii) forma de preservação do contexto competitivo (Molting time for
antitrust: market realities, economic fallacies, and european innovations, p. 6-7).
64. Segue: “Moreover, economic models require assumptions, and assumptions are
commonly selected to accord with values, beliefs, larger pictures, and contexts.
(…) The question is one of balance, built it is also one of values” (Monopolization,
abuse of dominance, and the indeterminacy of economics, 740). Em outro artigo,
Eleanor Fox é ainda mais incisiva: “(…) a chorus of conservative and libertarian
policy makers and specialist technicians proclaim the new litany: Antitrust is for
efficiency. The perspective has shifted form the notion that antitrust is for com-
petition to the notion that antitrust is for efficiency. Many influential supporters
of antitrust as efficiency, including jurists, presume that business does is efficient
and what government (antitrust enforcement) does is usually inefficient. Con-
sequently, today, we face the Efficiency Paradox: Modern antitrust (…) is meant
to help us reach efficiency. However, by trusting dominant firm strategies and
leading firm collaborations to produce efficiency, modern U.S. antitrust protects
monopoly and oligopoly, suppresses innovative challenges, and stifles efficiency”
(Introdução ao escrito The efficiency paradox. Disponível em: [http://ssrn.com/
abstract=1431558]. Acesso em: 05.01.2012). Na mesma linha de Fox, coloca-se
Albert A. Foer, “On the inefficiencies of efficiency as the single-minded goal of
antitrust”. Neste artigo, Foer transcreve opinião de Fox sobre qual seria o foco
do antitruste: “preserving the autonomy of rivals and potential rivals, preserving
abilities to adjust and adapt, keeping the field clearer for competition on the merits
by those without power”.
65. V. Jonathan Baker e Carl Shapiro, Reinvigorating horizontal merger enforcement.
66. Cf. a excelente introdução de Pitofsky à obra How the Chicago School Overshot the
Mark, publicada em 2008, em que afirma que a consolidação da maioria conservadora
na Suprema Corte “produced a working majority for the skeptical view that antitrust
really did more harm than good”.

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 189

renascerá na América, mas, até o presente momento, não se observam resul-


tados concretos.
4.2. A visão europeia do antitruste: a concorrência instrumental
A disciplina da concorrência, na União Europeia, é instrumental, ou seja,
ligada aos seus fins, conforme estabelecido especialmente no art. 3.º do Tratado.
Desta feita, a concorrência não é um fim em si, mas instrumento, meio de atingir-se
o fim maior perseguido pela própria União.67 Em termos práticos, a concorrência
instrumento significa que (i) a competição somente será protegida na medida
em que propiciar a consecução dos objetivos da União Europeia e (ii) é possível
o sacrifício da concorrência para atingir um fim maior. No sistema europeu, a
concorrência “não é um valor absoluto, mas um meio normal, eventualmente
privilegiado, de obter o equilíbrio econômico. Daí derivam consequências im-
portantes: se a concorrência não é um valor em si mesmo, pode ser sacrificada
em homenagem a outros valores”.68
A disciplina antitruste na União Europeia tem por escopo principal
garantir a integração entre os mercados dos Estados-membros, impedindo o
levantamento de barreiras [públicas e privadas] à atuação dos agentes econô-
micos em todo território, ou seja, “realizar a integração dos mercados nacionais
pelo estabelecimento de um mercado único”.69 Em linhas gerais, busca-se a
concorrência qualitativa, integração do mercado, preservação da cultura e de
um sistema de distribuição gerador de centros pulverizados de organização
dos fatores de produção; “proteger não apenas os interesses dos concorrentes
ou dos consumidores, mas a estrutura do mercado”.70
O asséptico ideário de Chicago não teve tanta influência na Europa: o
próprio texto do Tratado da União Europeia, no qual estão presentes inúmeros

67. Sobre as ideologias que inspiram a regulamentação da concorrência na Europa, v.


Calixto Salomão Filho, Direito concorrencial: as estruturas, p. 67 e ss. e Francis Snyder,
Ideologies of competition in European Community law, The Modern Law Review,
vol. 52, n. 2, mar. 1989, p. 149 e ss. e Gerber, Law and competition in twentieth century
europe: protecting Prometheus.
68. Jorge de Jesus Ferreira Alves, Direito da concorrência nas Comunidades Europeias, p.
16. Para a visão brasileira, José Marcelo Martins Proença, Concentração empresarial
e o direito da concorrência, p. 38 e ss.
69. Caso GlaxoSmithKline Services Unlimited v. Commission [2009], parágrafo 61.
70. Caso GlaxoSmithKline Services Unlimited v. Commission [2009], parágrafo 63.
Seguindo: “e, deste modo, a concorrência em si mesma. Por isso, a declaração da
existência de objectivo anticoncorrencial de um acordo não pode ficar subordinada
a que os consumidores finais fiquem privados das vantagens de uma concorrência
eficaz em termos de aprovisionamento ou de preços”.

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190 Os fundamentos do antitruste

interesses e fins a serem conciliados, não autoriza interpretação que reduza a


concorrência a um fim único.71
O caráter instrumental fez com que a regulamentação e aplicação das
normas sobre a concorrência assumissem, na Europa, contorno bastante
particular. Hoje, não há dúvidas de que, ao contrário do que acontece nos
Estados Unidos, o antitruste segue sendo fundamental para a vida econômica
do Velho Continente.
Ainda quanto aos objetivos do antitruste na União Europeia, acredita-se
que a manutenção de um mercado saudável exige a imposição às empresas
dominantes do dever de efetivamente concorrer com aquelas de menor porte,
valendo-se de suas vantagens competitivas e não apenas daquelas derivadas de
seu poderio econômico. Coíbem-se práticas das empresas dominantes que vão
além da normal prática do mercado, propiciando-lhe vantagem excessiva ou
injustificada.72 Trata-se da tutela da “competition on the merits”, muitas vezes
criticada pelos norte-americanos porque, na medida em que dá condições de
competição às empresas de menor porte, implicaria a tutela dos concorrentes
e não da concorrência.73 Em resumo: a União Europeia enxerga a abertura,
possibilidade de acesso, disputa e estrutura concorrencial do mercado como
mecanismos aptos a produzir bem estar econômico, competitividade e inte-
gração dos mercados em seu território.74
Embora possa desagradar a muitos, estamos em face de escolha política
(policy), que pondera o escopo da regulamentação da atividade econômica.75 O
ambiente europeu é inegavelmente mais fértil ao resguardo da empresa de me-
nor porte, viabilizando um mercado mais pulverizado. Tende-se à preservação
de outros valores além de, simplesmente, a tutela da eficiência econômica. A
proteção dos agentes contra o abuso é também forma de encontrar eficiência,

71. Cf. Giorgio Bernini, Linee per una legislazione antimonopolistica in Italia, Diritto
economico, p. 399.
72. Guyon, Droit des affaires, p. 972.
73. William J. Kolasky, What is competition? Disponível em: [http://www.justice.gov/
atr/public/speeches/200440.htm]. Acesso em: 07.01.2012.
74. Eleanor Fox, The efficiency paradox. Disponível em: [http://ssrn.com/abs-
tract=1431558]. Acesso em: 05.01.2012. No original: “The European Union
values openess, access, rivalry, and the competitive structure of markets as me-
chanisms to produce economic welfare, competitiveness, innovation, and market
integration”.
75. Admite a doutrina europeia que “[c]ertaines pratiques sont em réalité condamnées
pour dês raisons purement politiques, dans la mesure où elles sont contraires à l’
intégration dês marches européens” [Lois e Joseph Vogel, Droit de la distribution, 31].

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 191

mas eficiência que leva ao estabelecimento de condições para a proteção de


ideais que não a mera competição sobre os preços.76
Pode-se discordar dessa policy, mas é desonesto negar sua existência em
face da conclusão óbvia que emerge da análise sistemática dos textos legis-
lativos, da essência da maioria das decisões tomadas pela Comissão e pelas
autoridades antitruste nacionais. Talvez não seja o discurso oficial empreen-
dido nos debates internacionais, uma vez que os norte-americanos insistem
na inadequação do sistema europeu.77
Tecnicamente, grande parte do ordenamento europeu de direito con-
correncial estrutura-se sobre textos normativos positivados, que acabam por
formatar o mercado, induzindo o comportamento dos agentes econômicos.78
Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, a União Europeia emite
regulamentos que disciplinam a atividade das empresas, desestimulando-as
a adotarem determinadas práticas tidas por inconvenientes para a economia.
Esses regulamentos são periodicamente revisados, visando a se adaptar às
mutações das condições econômicas e mesmo políticas.
A partir de 2003, teve lugar o chamado movimento de modernização do
direito antitruste europeu, com a modificação da mecânica de relacionamen-
to e competências entre a Comissão Europeia e as autoridades antitruste dos
Estados-membros e alteração dos principais regulamentos de isenção e de
Guidelines de orientação para os agentes econômicos.
O quadro é complexo: ao mesmo tempo, há regras jurídicas e autoridade
antitruste europeia [Comissão], mas cada Estado-membro mantém sua lei e
autoridade nacional. O advento do Regulamento 1/2003 (também conhecido
como “Modernisation Regulation”) deve ser analisado no contexto do processo
de descentralização da competência para implementação das regras antitruste
na União Europeia, que toma corpo no início do séc. XXI.

76. Como enuncia Roberto Pardolesi, um dos maiores difusores da modernização do


antitruste europeu: “L’approccio economico Chicago-style, quello che ravvisa nel
perseguimento dell’efficienza allocativa la stella polare dell’antitrust, non vi ha mai
fatto seriamente presa; e la stessa opportunità d’ispirare l’applicazione della disci-
plina antimonopolistica all’oculato impiego di categorie economiche, che pure ha
segnato significativi progressi, ancora stenta ad imporsi. L’antitrust comunitario
non nasconde di essere ‘multi-valued’. E, all’interno di questa varietà di obiettivi, la
logica dei ‘bounds of power’ continua a dispiegare il proprio fascino”. (“Disciplina
delle concentrazioni in Europa e negli Stati Uniti: una convergenza difficile”).
77. Debra Valentine, “Thoughts on the EC’s green paper on vertical restraints”.
78. Esse mecanismo será explicado no capítulo referente às válvulas de escape [item
5.1.2].

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192 Os fundamentos do antitruste

A aplicação do direito concorrencial pelas autoridades nacionais ama-


dureceu a partir dos anos 1980, até mesmo com o arrefecimento – mas não
desaparecimento – de certo protecionismo presente no relacionamento com
a Comissão Europeia. Os especialistas apontam algumas prováveis razões
desse movimento de “modernização”, tais como o crescimento do volume
de transações comerciais, a aglutinação de novos países à União (em 1962, a
Comunidade Econômica Europeia era composta de apenas 6 países) e também
as duras críticas que vinham sendo desferidas contra a política centralizadora
da Comissão.
Há de se considerar, ainda, que a concentração de poderes em mãos da
Comissão permitiu o espraiamento de uma “cultura comum” de concor-
rência ao longo de mais de 40 anos de vigência do regulamento 17/1962. Da
mesma forma, após quatro décadas de decisões antitruste, os parâmetros de
interpretação do [atual] art. 101 do TFEU foram razoavelmente divulgados,
tornando menos traumática a “descentralização” desses poderes, que passam
a ser divididos com as autoridades nacionais.
Não obstante, o órgão europeu supranacional mantém sua importância
na concreção das normas antitruste; por exemplo, toca-lhe a coordenação da
“European Competition Network”, ou “Rede Europeia da Concorrência”,
integrada pelas autoridades antitruste nacionais, para imprimir coerência e
integridade a sua atuação. Esclarece a Comunicação da Comissão sobre a coo-
peração no âmbito da rede de autoridades de concorrência (2004/C 101/03) que
o Regulamento 1/2003 “cria um sistema de competências paralelas em que
a Comissão e as autoridades responsáveis em matéria de concorrência dos
Estados-membros (...«ANC») podem aplicar os artigos 81 e 82 do Tratado CE
[hoje, artigos 101 e 102 do TFUE]. Em conjunto, as ANC e a Comissão formam
uma rede de autoridades públicas, que agem no interesse público e cooperam
estreitamente para proteger a concorrência. A rede é uma instância de debate
e de cooperação tendo em vista a aplicação e execução da política comunitária
em matéria de concorrência”.79

79. Deixa-se claro, ainda, que aquela normativa “baseia-se num sistema de competências
paralelas em que todas as autoridades responsáveis em matéria de concorrência têm
competência para aplicar os artigos 81 ou 82 do Tratado e são responsáveis por uma
repartição do trabalho eficiente relativamente aos casos em que se considera neces-
sário proceder a um inquérito. Simultaneamente, cada membro da rede permanece
livre de decidir se deve ou não instruir um processo”. O sítio oficial da ENC salienta
a cooperação entre o ente central e as autoridades nacionais: que “[t]he Commission
and the competition authorities in the Member States, operating within the European
Competition Network (ECN), are urged to cooperate in a close and complementary

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 193

4.2.1. Nota sobre o protecionismo dos Estados-Membros e o conflito com


as regras europeias de tutela da livre-concorrência
Um dos maiores problemas enfrentados pela União Europeia em sua
política concorrencial diz respeito ao protecionismo dos Estados-membros,
que ainda se faz presente, embora de forma mais dissimulada e diluída do que
no passado.80
O protecionismo dos Estados-membros deu origem à série de julgados
pela Corte de Justiça. Em um primeiro momento, não houve dificuldade em se

manner in ensuring effective application of the Community competition rules within


the European Union”. Disponível em: [http://europa.eu/legislation_summaries/
competition/firms/l26109_en.htm]. Acesso em 14.06.2010.
80. A respeito do protecionismo dos Estados-membros, a Comissão Europeia já esclare-
ceu que “uma abordagem positiva relativamente ao ajustamento estrutural implica o
recurso a uma política que permita aos poderes públicos evitar políticas industriais
‘defensivas’ de caráter protecionista. Estas políticas resultaram no passado da inca-
pacidade de antecipar em tempo útil os ajustamentos necessários ou da intenção de
facilitar as necessárias adaptações” (Suplemento do Boletim n. 3/91, p. 11). Mais
recentemente, fala-se em um “renascimento do protecionismo” decorrente das várias
tentativas dos Estados-membros de interferir em aquisições de empresas nacionais
por outras com sede fora de suas fronteiras (“cross-border acquisitions of ‘national
companies’”). Damien Gerard é bastante incisivo ao analisar decisões europeias: “The
EC competition policy has faced a ‘renaissance of protectionism’ (…), in the form
of various attempts by Member States to interfere with cross-border acquisitions of
‘national companies’. Those attempts have taken place across the EU from Spain,
where the “Endesa-saga” has been running for years, to Poland, where the government
attempted to interfere with the acquisition of retail bank BHP by Unicredit of Italy,
and from Italy, where Abertis withdrew its merger plan with Autostrade after months
of legal disputes and uncertainties created by public authorities, to Hungary, where
the government has pledged to do ‘everything in [its] hands’ to block the acquisition
of energy incumbent MOL by Austria’s OMV. This list is barely exemplary and cons-
ciously fails to mention France’s openly assumed policy of ‘economic patriotism’ and
willingness to ‘keep economic decision-making centers onto French soil’, which is
translating into the defense of ‘national champions’ in all sorts of industrial sectors,
including hardly strategic ones. The Commission appears to have reacted aggressively
against Member States’ interferences with transactions of a Community dimension,
by taking far-reaching measures motivated by the view that “otherwise the EU’s Single
Market will descend into chaos” (Protectionist Threats Against Cross-Border Mergers:
Unexplored Avenues to Strengthen the Effectiveness of Article 21 ECMR. Disponível
em: [http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1338023]. Acesso em:
21.07.2010). No mesmo sentido, Stefan Schonberg, Europe´s new protectionism: a
former policy insider autlines the disturbing trend. Disponível em: [http://findarticles.
com/p/articles/mi_m2633/is_2_20/ai_n26874764/]. Acesso em: 15.01.2012.

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194 Os fundamentos do antitruste

reconhecer a ilicitude de algumas medidas, tomadas pelos Estados-membros,


de efeitos equivalentes a uma discriminação: calendários de importação, vendas
ligadas (subordinando a importação à aquisição de um bem nacional) ou até
mesmo a obrigação de utilização de produtos nacionais. Não obstante, a autori-
dade europeia logo teve que lidar com medidas protecionistas mais sofisticadas.
Citamos, a título de exemplo, (i) a normativa italiana que proibia o registro de
ônibus com mais de sete anos, provenientes de outros países; (ii) a restrição,
imposta pela Inglaterra, de importação de bonecas infláveis, enquanto a pro-
dução inglesa era autorizada; (iii) as tarifas postais francesas, que estabeleciam
um preço especial para as publicações daquele país; (iv) a normativa italiana
que previa o alargamento das contribuições financeiras a favor das empresas
municipais de transportes urbanos que adquirissem veículos de tração elétri-
ca, com a condição de que fossem fabricados na Itália; (v) a normativa alemã
segundo a qual os produtos medicinais poderiam ser comercializados somente
por uma empresa farmacêutica com sede em território alemão; (vi) as normas
gregas que permitiam a importação de apenas alguns tipos de corte de carne;
(vii) as normativas de vários países que impunham, além do certificado de
qualidade do produto, obtido no país de origem, outro, a ser concedido pela
autoridade nacional; (viii) a normativa italiana que reservava a denominação
“vinagre” apenas para aquele feito de vinho, obrigando os vinagres de diversas
origens agrícolas a utilizarem-se da denominação “agro”; (ix) a obrigação de
comercializar vinho frisante alemão somente em garrafas do tipo champenois,
forçando o agente econômico estrangeiro a incorrer em despesas mais elevadas
para a comercialização do vinho em território alemão; (x) a normativa italiana
que proibia a comercialização de macarrão produzido com a utilização de fa-
rinha outra que não de grano duro etc.81 No ano de 1996, a Comissão Europeia
condenou a SCK (entidade holandesa que certifica as empresas de aluguel de
gruas) por ter utilizado seu sistema de certificação para excluir do mercado as
empresas não filiadas, em particular aquelas estrangeiras.
As próprias legislações antitruste dos países membros chegaram a ser
utilizadas como autênticos instrumentos protecionistas. Por exemplo, o caso
italiano: em 1990 foi promulgada a primeira lei antitruste daquele país (Lei
287, de 10 de outubro), e muito se ouvia a respeito de seu caráter protecio-
nista. Dizia-se que era chegada a hora de a Itália, a exemplo dos demais países
europeus, possuir uma lei antitruste para proteger seu mercado interno. No
mesmo ano de 1990, o professor da Universidade de Bologna, Fabio Gobbo

81. Para análise da jurisprudência europeia, cf. Giuliano Marenco, La giurisprudenza co-
munitaria sulle misure di effetto equivalente a una restrizione quantitativa (1984-1986),
p. 166-196, artigo no qual encontramos vários dos exemplos de que ora nos valemos.

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 195

(e um dos membros da Autorità antitruste italiana) chegou a admitir que, se


possível fosse, a lei antitruste italiana seria utilizada pela recém-criada autori-
dade como um ombrello para proteção da indústria do país.
Daniele de Giovanni anota que o sistema alemão organizou-se de tal
forma, concatenando as políticas financeira e antitruste, que acabou por pra-
ticamente impermeabilizar seu mercado às indústrias estrangeiras. Aponta, o
mesmo autor, os dispositivos da normativa antitruste alemã utilizados como
autêntico instrumento de práticas protecionistas, na medida em que permite
ao ministro da economia autorizar uma fusão, ainda que esta, criando posição
dominante no mercado, seja vedada pela autoridade competente (Bundeskar-
tellamt). Quando, algumas vezes, estiveram em jogo interesses da própria
Alemanha, valendo-se desse procedimento especial, o ministro autorizou as
fusões e, consequentemente, contribuiu para reforçar a posição da indústria
alemã no mercado global.82
É interessante notar que, em um primeiro momento, acreditou-se que as
concentrações e os acordos entre empresas dar-se-iam entre agentes econômi-
cos situados em diversos países da comunidade, criando, assim, os “campeões
europeus”. A realidade, entretanto, mostrou-se bem outra, já que, inclusive
por motivos fiscais, as concentrações acabaram por realizar-se ao nível dos
mercados internos dos Estados-membros.83
Nos últimos anos, o protecionismo interno europeu (assim como a utiliza-
ção das normas antitruste com tal finalidade) vem diminuindo, embora ainda
se faça sentir. Como exemplo, deve-se recordar os entraves que se apresentaram
durante o julgamento do caso Engesa pela autoridade antitruste espanhola,
no ano de 2007. A Comissão afirmou que as fortes condições impostas pela
agência espanhola para aprovação da operação violavam as normas europeias
sobre concentrações. A autoridade nacional determinou que a gigante alemã
vendesse cerca de 30% da capacidade de produção da Engesa com o propósito
de desencorajar a concentração. Essa decisão foi amplamente reconhecida
como ato protecionista da Espanha, que preferiria que o negócio fosse estabe-
lecido entre Engesa e Gas Natural, outra empresa espanhola, a fim de criar um
“campeão nacional” no setor de energia. Para a Comissão, entretanto, essas

82. Le politiche della concorrenza: presente e futuro, Quaderni di economia e banca, p. 61


e ss. e também Patrizio Bianchi e Giuseppina Gualtieri, Economia di mercato ed isti-
tuzioni pubbliche per il funzionamento del mercato nella nuova fase di integrazione
europea: un’analisi di economia politica, Concorrenza e controllo delle concentrazioni
in Europa, p. 25 e ss.
83. Aldo Frignani, Intese, posizioni dominanti, concentrazioni (diritto comunitario),
Novissimo Digesto italiano, p. 388.

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196 Os fundamentos do antitruste

condições “violate the EC Treaty’s rules […] since they are not justified on
public security grounds and that in any event they are neither necessary nor
proportionate for the protection of public security”. A Comissão contestou
ainda a competência dos espanhóis para apreciar aquela operação. Outros casos
de evidente protecionismo interno costumam ser apontados: Sanofi/Aventis,
Suez/Gaz de France, Albertis/Autostrade, Telecom Italia e UniCredit/HBV.
Em julho de 2010, a Corte de Justiça, corroborando posicionamento da
Comissão Europeia, entendeu que o governo de Portugal, ao vetar a aquisição
da participação da Portugal Telecom na sociedade brasileira Vivo pela espanhola
Telefônica, estaria dando lugar à “restrição não justificada à livre circulação
de capitais”. De nada adiantou o argumento embasado na defesa do “interesse
nacional” utilizado pelos portugueses.

4.3. O caso brasileiro: as bases constitucionais e a concorrência-­


-instrumento
O texto da Constituição de 1988 não deixa dúvidas quanto ao fato de a
concorrência ser, entre nós, meio, instrumento para o alcance de outro bem
maior, qual seja, “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social”. José Alexandre Tavares Guerreiro, mesmo antes do advento da
Constituição de 1988, já via a proteção da concorrência como serviçal de um
bem maior, o interesse coletivo, de ordem pública.84
A disciplina da concorrência, no Brasil, surge, como anotamos no segundo
capítulo, em contexto de proteção da economia popular (cf. Decreto-lei 869, de
1938, e Decreto-lei 7.666, de 1945), o que, sem sombra de dúvidas, já lhe atribui
caráter instrumental, ainda que vinculado à economia popular e ao consumidor.
O caráter instrumental da proteção da concorrência permanece na atual
Constituição, que manda reprimir o abuso do poder econômico que vise à
dominação dos mercados e à eliminação da concorrência (art. 173, § 4.º), em
atenção ao princípio da livre-concorrência (art. 170, IV). Ordena, também,
que seja reprimido o aumento arbitrário de lucros (art. 173, § 4.º), conforme
o princípio da defesa do consumidor (art. 170, V). Essa proteção, entretanto,
vai inserta no fim geral e maior, em obediência ao caput do art. 170 e ao art. 3.º.
Como já escrevemos em conjunto com Eros Roberto Grau,85 os princípios
da livre iniciativa e da livre-concorrência são instrumentais da promoção da

84. Formas de abuso de poder econômico, Revista de Direito Mercantil 66, p. 45 e ss.
85. Loterias: serviços públicos. Livre iniciativa/livre-concorrência e imposição de res-
trições à atividade dos lotéricos, O Estado, a empresa e o contrato, p. 123.

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Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 197

dignidade humana. A Constituição do Brasil, em seu todo, persegue objetivos


mais amplos e maiores do que, singelamente, o do livre-mercado.
Referindo-nos aos princípios veiculados pelo seu art. 170, teremos que
todos eles têm por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social. E o seu art. 1.º enuncia como dois dos fundamentos da Re-
pública Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e os valores sociais
da livre iniciativa.
Evidentemente a Constituição não persegue modelo de mercado apartado
da livre iniciativa e da livre-concorrência – muito ao contrário. Os princípios
veiculados em seu art. 170 e todas as regras que a partir deles se desdobram
estão à disposição dos fins enunciados pelo art. 3.º da própria Constituição e,
portanto, não podem ser lidos ou tomados apartadamente do sistema ao qual
pertencem e ao qual, ao mesmo tempo, dão conformação. Veja-se, a propósito,
o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal:
“Embora a atual Constituição tenha, em face da Constituição de 1967 e
da Emenda Constitucional 1/1969, dado maior ênfase à livre iniciativa, uma
vez que, ao invés de considerá-la, como estas (arts. 157, I, e 160, I, respec-
tivamente), um dos princípios gerais da ordem econômica, passou a tê-la
como um dos dois fundamentos dessa mesma ordem econômica, e colocou
expressamente entre aqueles princípios o da livre-concorrência que a ela está
estreitamente ligado, não é menos certo que tenha dado maior ênfase às suas
limitações em favor da justiça social, tanto assim que, no art. 1.º, ao declarar
que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de
Direito, coloca entre os fundamentos deste, no inciso IV, não a livre iniciativa
da economia liberal clássica, mas os valores sociais da livre iniciativa: ade-
mais, entre os novos princípios que estabelece para serem observados pela
ordem econômica, coloca o da defesa do consumidor (...) e a redução das
desigualdades sociais”.86-87

86. ADIn 319/4/DF, Rel. Min. Moreira Alves. Julgada em 3 de março de 1993.
87. Vale mencionar, ainda, a seguinte passagem do mesmo julgado: “A ordem econô-
mica, também fundada na livre iniciativa, deve conformar-se aos ditames da justiça
social (CF, art. 170). A respeito desses princípios retores da ordem econômica, pon-
dera José Afonso da Silva (...) ‘Assim, a liberdade de iniciativa econômica privada,
num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social
(o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que liberdade de desen-
volvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto,
possibilidade de gozar das facilidades e necessidades de submeter-se às limitações
postas pelo mesmo. É nesse contexto que se há de entender o texto do (...) art.
170, parágrafo único, sujeito aos ditames da lei e, ainda, dos condicionamentos

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198 Os fundamentos do antitruste

No resumo de Gilberto Bercovici, “apesar de todos os problemas, a Cons-


tituição de 1988 é um instrumento capaz de promover, por meio da atuação do
Estado, a transformação social”88 e essa instrumentalidade se faz sentir também
da disciplina da concorrência.
Isso tudo significa que, no Brasil, não se pode sustentar que a disciplina
antitruste visa apenas a implementar a eficiência, seja ela alocativa, produtiva
ou dinâmica. A grande questão é criar e preservar, nos ditames constitucionais,
ambiente no qual as empresas tenham efetivos incentivos para competir, inovar
e satisfazer as demandas dos consumidores; proteger o processo competitivo
e evitar que os mercados sejam fossilizados pelos agentes com elevado grau
de poder econômico.

4.4. As normas antitruste como instrumentos de implementação de


políticas públicas
Tendo-se em mente os objetivos da Lei Antitruste, aparece clara, con-
juntamente com o aspecto instrumental desse tipo de norma, sua aptidão
para servir à implementação de políticas públicas, especialmente de políticas
econômicas entendidas como “meios de que dispõe o Estado para influir de
maneira sistemática sobre a economia”.89
Ou seja, o antitruste já não é encarado apenas em sua função de eliminação
dos efeitos autodestrutíveis do mercado,90 mas passa a ser considerado instru-

constitucionais em busca do bem-estar coletivo” (do parecer da Procuradoria Geral


da República, de autoria de Moacir Antônio Machado da Silva, transcrito no voto
do Min. Rel. Moreira Alves).
88. Dilemas da concretização da Constituição de 1988, p. 102.
89. Adolfo Weber, Política económica, vol. 1, p. 18. J. Tinbergen entende a política eco-
nômica como a “manipulação deliberada de um certo número de meios capazes de
atingir fins determinados” (Téchniques modernes de la politique économique, p. 14,
citado por José Francisco de Camargo, Política econômica – Bases metodológicas –
Subsídios para uma política de desenvolvimento econômico, p. 25). Políticas públicas,
como as define Eros Grau, são “todas as atuações do Estado, cobrindo todas as for-
mas de intervenção do Poder Público na vida social”. As políticas públicas, esclarece
o mesmo autor, não se reduzem à categoria das políticas econômicas, mas antes, de
modo mais amplo, englobam todo o conjunto de atuações estatais no campo social
(políticas sociais) (O direito posto e o direito pressuposto, p. 26).
90. Orlando Gomes, em linha com vários outros juristas, tomava a repressão ao abuso
do poder econômico como “conceito amortecedor”, ou seja, uma forma de adaptar
a lei ao fato toda vez que se chocassem. Em outras palavras, inseria o instituto em
um contexto de eliminação de efeitos autodestrutíveis (A crise do direito, p. 126).

8004.indb 198 21/06/2018 13:33:10


Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 199

mento ou meio de que dispõe o Estado para conduzir e conformar o sistema.91-92-93


Vale a referência às palavras de Siro Lombardini, mencionando um dos objetivos
que pode ser perseguido mediante a aplicação da Lei Antitruste: “Oferecer um
instrumento para que as administrações públicas possam orientar as decisões
dos grandes grupos de empresas para realizar o processo de desenvolvimento
tido como possível e desejável”.94
Também no que se refere ao antitruste, ao vê-lo como instrumento de
implementação de políticas públicas, não estamos restringindo sua atuação ao
campo da superestrutura. Ao contrário, trata-se de “um nível funcional de todo
o social”, como expusemos no início deste capítulo. Frignani e Waelbroeck, a
respeito, asseveram: “Não devemos fazer da concorrência um dogma, um mito;
a concorrência, entendida como liberdade de ação do empresário, ou como
estrutura aberta de mercado, é um instrumento de política econômica que tem
que ser adaptado no tempo e no espaço. A história da aplicação da disciplina
antitruste, em todo o mundo, às vezes demonstra o sacrifício do princípio (ou
da norma) no altar de outros objetivos conjunturais e imediatos”.95
A constatação do caráter instrumental das normas antitruste não decorre
de exercícios teóricos, mas da análise de reiteradas decisões das autoridades
de países com certa tradição antitruste.
Em princípio, a política antitruste poderá ser atuada tanto:
(i) por aplicação da Lei Antitruste, ainda que por via de concessão de au-
torização ou isenção, ou;
(ii) pela não aplicação da Lei Antitruste a práticas restritivas. Em outras
palavras, o Estado, com o escopo de formatar o funcionamento do mercado,

91. Por essa razão, Kelvin Jones afirma que: “Antitrust legislation is an attempt to res-
tructure economic relations by legal means and, as such, it is an excellent example
of the law intervening in the conduct and organization of economic affairs” (Law
and economy, p. 18).
92. Sobre a intervenção governamental mediante a disciplina da concorrência e o direi-
to comunitário europeu, cf. Jean-Marie Rainaud e René Cristini, Droit public de la
concurrence, p. 11 e ss.
93. “La legislazione antimonopolio costituisce allora uno strumento utilizzabile per la
concorrenzialità internazionale dei gruppi nazionali; in questo senso va interpretata
l’esplicita tendenza in molti paesi europei a favorire la crescita di ‘campioni nazionali’:
imprese in grado di affrontare adeguatamente il confronto mondiale” (Matteo Caroli,
La regolamentazione dei regimi concorrenziali, p. 177).
94. La legislazione antimonopolistica nella politica economica, La libertà di concorrenza,
p. 45.
95. Disciplina della concorrenza nella CEE, p. 8.

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200 Os fundamentos do antitruste

pode afastar a aplicação da Lei Antitruste, eliminando ou amenizando, por


exemplo, a vigilância ou controle sobre o processo de concentração.96
A casuística estrangeira é fértil em exemplos sobre a implementação de
política econômica, mediante a aplicação (ou não aplicação) da Lei Antitrus-
te.97 Analise-se, a respeito, o protecionismo que pode ser atuado pelas normas
antitruste, a que nos referimos neste capítulo, ou ainda todo o processo de
incentivos à concentração de empresas.
Dessa forma, a não implementação de uma política de concorrência vi-
gorosa pode expressar precisamente a implementação de uma determinada
política. Na dicção de Irti: “Intervenção e não intervenção são a mesma coisa:
decisões, ambas, de política econômica e não natural ou tecnicamente puras.
Ambas requerem uma tomada de posição em face da economia e a vontade de
estruturá-la de um modo ou de outro”.98
No ano de 1992, o Departamento de Justiça norte-americano determinou
o que poderíamos chamar de “pautas de interpretação” do Sherman Act, de
forma a assegurar a realização do declarado objetivo de favorecer as exporta-
ções norte-americanas e sancionar os cartéis prejudiciais aos interesses do país.99
Outro exemplo, bastante referido pela doutrina estrangeira, reporta o caso do
cartel de produtores suíços de relógios, que celebraram acordos de controle
de produção, preços e distribuição, e jamais foi reprimido pelas autoridades
antitruste suíças. Não se tem notícia também de que a Lei Antitruste japonesa
tenha sido aplicada contra o sistema de Keiretsu, que praticamente impermea-

96. Sobre a prática administrativa de não aplicação das regras de direito, em matéria de
concorrência, cf. Lucile Tallineau, La non-application in des règles de droit, Droit
public de la concurrence p. 169 e ss.
97. Para visão da política atuada pela Europa mediante a utilização das normas que
disciplinam a concorrência, cf. Giorgio Bernini, As regras de concorrência, CE,
trinta anos de direito comunitário. Por exemplo, salienta aquele autor que nos anos
60, “nomeadamente em relação aos problemas colocados pelos acordos de distribuição
exclusiva, a interpretação das regras de concorrência parece ter tido por objectivo a
realização da unidade do mercado comum” (p. 347).
98. No original de Irti: “Ci piace ripetere con Talleyrand che intervento e non intervento
sono la stessa cosa: decisione, ambedue, di politica economica, e non naturalmente o
tecnicamente pure. Ambedue postulano una presa di posizione rispetto all’economia,
e la volontà di strutturarla in un modo o nell’altro” (Teoria generale del diritto e pro-
blema del mercato, Rivista delle Società, anno XLV, n. 1, gennaio-febbraio, 1999, 14).
99. Cf. Sullivan e Hovenkamp (Antitrust law, policy and procedure, p. 97): “The new
interpretation is designed to protect American exporters without regard to harm to
American consumers, as long as the challenged conduct would violate the antitrust
law of the United States if the conduct has occurred within United States boundaries”.

8004.indb 200 21/06/2018 13:33:10


Os objetivos das leis antitruste: as políticas econômicas atuadas 201

biliza os canais de distribuição daquele país aos produtos estrangeiros, não


obstante os protestos de empresas americanas e europeias.100
Lembremo-nos, ainda à guisa de exemplo, que, nos primeiros anos ime-
diatamente seguintes à promulgação do Sherman Act, exceto por alguns jul-
gados condenando cartéis, essa lei foi muito pouco aplicada.101 Na opinião do
historiador Arthur Johnson,102 essa não aplicação da Lei Antitruste deveu-se ao
fato de que o governo seguia uma policy of drift porque não queria indispor-se
com o grande empresariado e obstar o crescimento industrial.103
Outra prática ilustrativa é inglesa: por mais de um século, os cartéis entre
os armadores foram aceitos, não obstante seu caráter restritivo da concorrência,
por se entender que constituem fator de estabilização e eficiência do mercado.
Deliberadamente, pois, o governo inglês não aplicou a Lei Antitruste nacional
contra esses acordos.104

100. Cf. Sullivan e Hovenkamp, Antitrust law, policy and procedure, p. 97. A mesma questão
é analisada sob prisma diverso por J. Mark Ramseyer (The antitrust pork barrel in
Japan, Antitrust, Summer 1992, p. 40-3), que parte do pressuposto de que a política
antitruste japonesa não prejudica as vendas americanas. Sobre a visão europeia, v.
European integration: trade and industry (org. L. Alan Winters e Anthony Venables),
especialmente p. 220 e ss.
101. Para análise dos primeiros julgados americanos baseados na Lei Antitruste, cf. Wil-
liam Howard Taft, The Antitrust Act and the Supreme Court, p. 49 e ss.
102. Antitrust policy in transition, 1908: ideal and reality, 48, Miss. Valley Hist. Review, 415,
referida por Fox e Sullivan, Cases and materials on antitrust, p. 56.
103. William Howard Taft escreveu em 1914 que “The object of the anti-trust law was
to suppress the abuses of business (...). It was not to interfere with a great volume
of capital which, concentrated under one organization, reduced the cost of produc-
tion and made its profits thereby and took no advantage of its size by methods akin
to duress to stiffe competition with it. I wish to make this distinction as emphatic
as possible, because I conceive that nothing could happen more destructive to the
prosperity of this country than the loss of that great economy in production which
has been and will be affected in all manufacturing lines by the employment of large
capital under one management” (The Antitrust Act and the Supreme Court, p. 127).
104. O exemplo é cogitado por A. V. Lowe, tratando das blocking laws britânicas: “In
Britain, cartels of shipowners, known as conferences, have been accepted for more
than a century as a necessary evil if stable, regular, and efficient scheduled shipping
services are to be maintained. (...) To this day, it remains the firm and deliberate policy
of the British Government to exempt international shipping conferences from the
application of general British (and, at least at present, of EEC) competition legisla-
tion, and to allow operators freely to enter into conference agreements” (Blocking
extraterritorial jurisdiction: the British protection of trading interests act, 1980, The
American Journal of International Law, vol. 75, 1981, p. 258).

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202 Os fundamentos do antitruste

Diante dessa realidade, da qual apenas destacamos parte, seria de se espe-


rar que o estudo da matéria por especialistas fosse pautado nessa perspectiva,
desnudando a atuação estatal que se concretiza mediante a interpretação/
aplicação das normas antitruste. Mas não é esse o enfoque majoritariamente
dado. Nega-se ou transcura-se o caráter instrumental das normas antitruste,
considerando-as apenas maneiras de “eliminação dos efeitos autodestrutíveis
do mercado” ou promotor da “eficiência alocativa”, em visão seguramente ul-
trapassada ou viciada, pois que despreza uma das mais poderosas ferramentas
de que pode lançar mão o Estado contemporâneo para implementação de suas
políticas econômicas. Nesse raciocínio, esposado por muitos teóricos, espe-
cialmente aqueles ligados à Escola de Chicago, prega-se, acima de tudo, a não
utilização das normas antitruste como instrumento de política econômica.105
Contudo, como ponderou mais recentemente Steven Salop, em conclusão
que pode ser estendida ao contexto europeu e mesmo brasileiro: “ideologia e
política causam profundo impacto na lei antitruste e na sua aplicação. O anti-
truste não se transformou em mero exercício tecnocrata, em que todos os par-
ticipantes concordam sobre os objetivos e padrões a serem implementados”. 106

105. Essa visão é fortemente sentida nos dias de hoje. Por todos, v. Herbert Hovenkamp,
Implementing Antitrust’s Welfare Goals, 81 Fordham L. Rev. 2471 (2013). Disponível
em: [http://ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol81/iss5/11]. Acesso em: 01.04.2014.
106. Steven Salop “What Consensus? Ideology, Politics and Elections Still Matter” (2013).
Disponível em: [http://scholarship.law.georgetown.edu/facpub/1207]. Acesso em:
01.04.2014.

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5
As válvulas de escape
das legislações antitruste

“O menor descuido vos fará partir na direção oposta ao vosso destino”


– Oswald de Andrade

Sumário: 5.1. Primeira válvula de escape. Regra da razão, isenções e autorizações.


5.1.1. O sistema norte-americano: rule of reason. 5.1.1.1. O sistema norte-americano
e as isenções em bloco. 5.1.2. O sistema europeu. As isenções. 5.2. O sistema bra-
sileiro. Risco jurídico e consultas. 5.2.1. As isenções antitruste em bloco no sistema
brasileiro e seu fundamento jurídico. Lei geral de defesa da concorrência e leis
específicas (microssistemas jurídicos). 5.3. Segunda válvula de escape. O conceito
de mercado relevante. 5.3.1. O mercado relevante geográfico. 5.3.2. O mercado
relevante material. 5.3.3. A elasticidade do mercado relevante. 5.3.4. Contraponto:
notas críticas ao método tradicional para a delimitação do mercado relevante. 5.3.5.
A delimitação do mercado relevante nos Estados Unidos. O teste do monopolista
hipotético e o risco de “falsos negativos”. 5.3.6. A delimitação do mercado relevante
na Europa. 5.3.7. A delimitação do mercado relevante no Brasil e a influência do
sistema norte-americano. 5.4. Terceira válvula de escape. O jogo do interesse pro-
tegido. 5.4.1. Lei de tutela da concorrência ou lei de repressão ao abuso do poder
econômico? 5.4.2. Lei Antitruste, Lei da Propriedade Industrial e Código de Defesa
do Consumidor. 5.4.2.1. Concorrência desleal e lei antitruste. 5.4.2.2. Código de
Defesa do Consumidor. 5.5. As válvulas de escape e a insegurança jurídica. O direito
concorrencial e a previsibilidade necessária à atuação dos agentes econômicos.

As legislações antitruste, quer no enunciado de suas normas, quer em seu


processo de aplicação, contêm instrumentos destinados a evitar que a tutela da
concorrência venha a desempenhar função oposta àquela desejada, criando,
por exemplo, obstáculos ao crescimento da indústria nacional, ao aumento
de seu grau de competitividade ou ainda à distribuição dos bens e serviços.
Decorre daí a necessidade de flexibilização do texto normativo, destinada
a adequá-lo à mutável realidade em que se insere.1-2 Entendidas as normas anti-

1. É impossível prever tudo na lei de forma a autorizar aquilo que tem que ser autorizado
e reprimir o que tem que ser reprimido (The political economy of monopoly, p. 103).
2. Há de ser salientado o caráter flexível das normas de direito econômico: “Com efeito,
versando continuamente a ordenação de situações conjunturais, assumindo as dis-

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204 Os fundamentos do antitruste

truste como instrumento de implementação de políticas públicas, é impossível


dissociá-las da realidade, petrificando seu processo de interpretação/aplicação.
Lembremos, mais uma vez, que “o caráter instrumental das regras de concor-
rência (...) legitima (...) um método de interpretação destas regras que tem em
consideração o contexto econômico e social no qual estas estão destinadas a
operar. Este contexto, que constitui um verdadeiro quadro de referência, está,
pela sua própria natureza, em constante mutação: historicamente, a aplicação
das regras de concorrência segue uma evolução (...)”.3
Suponhamos uma legislação antitruste rígida, com a seguinte norma: “são
vedados quaisquer acordos que tenham por objeto ou por efeito, ainda que
potencial, a restrição da concorrência”, de maneira que todos, absolutamente
todos os acordos celebrados, que acabem por restringir a concorrência, serão
terminantemente proibidos. Não há, no sistema, previsão de isenções, auto-
rizações ou fórmulas de flexibilização do texto normativo. Ademais, existe o
princípio, nesse ordenamento hipotético, de que in claris cessat interpretatio.
Ocorrerá que algumas práticas, embora restritivas da concorrência, mas
que trariam benefícios ao sistema, serão vedadas. Por exemplo, seria permitida
a celebração de acordo entre empresas que viabilizasse o aumento da rede de
distribuição de determinado produto, ou mesmo um cartel de exportação etc.
A aplicação literal do texto normativo, sem qualquer flexibilização, pode
gerar efeitos opostos àqueles desejados.4 É necessário que a Lei Antitruste conte-
nha meios técnicos que permitam à realidade permear o processo de interpretação/
aplicação das normas nela contidas. A estes meios técnicos denominamos “válvulas
de escape”.

posições de direito econômico a função de ferramenta normativa, é imprescindível


sejam dotadas de caráter extremamente flexível” (Eros Grau, Planejamento econômico
e regra jurídica, p. 187).
3. Giorgio Bernini, As regras de concorrência, CE, trinta anos de direito comunitário,
p. 347.
4. A necessidade de flexibilização do texto normativo antitruste foi apontada, entre
nós, por José Alexandre Tavares Guerreiro: “É um dado irrecusável da realidade
contemporânea a necessidade de estender os limites da autoridade jurisdicional
para além do formalismo clássico. O balizamento mais amplo do órgão julgador em
sua função de encontrar a verdade real e de realizar a Justiça in concreto revela-se
em todos os países do Ocidente, assinalando singularmente a experiência jurídica
de nossos dias. Isso porque, no que aqui concerne, o casuísmo legal, por mais por-
menorizado que seja, não abriga todas as modalidades de concertos articulados
para fraudar standards jurídicos” (Formas de abuso de poder econômico, Revista
de Direito Mercantil, p. 46).

8004.indb 204 21/06/2018 13:33:10


As válvulas de escape das legislações antitruste 205

5.1. Primeira válvula de escape. Regra da razão, isenções e autorizações


Tanto a regra da razão quanto as isenções e autorizações são técnicas des-
tinadas a viabilizar a realização de determinada prática, ainda que restritiva da
concorrência, afastando-se barreiras legais à sua concretização. De maneira geral,
podemos dizer que são as válvulas de escape mais utilizadas no processo de
interpretação/atuação das normas antitruste.5
Apartam-se a regra da razão, isenções e autorizações conforme o método
de que se lança mão para viabilizar a concretização da válvula de escape. O
afastamento das barreiras legais a uma determinada prática restritiva da con-
corrência dá-se, geralmente:
(i) na tradição norte-americana, pela chamada rule of reason (regra da ra-
zão). Nos Estados Unidos também se utiliza a técnica da isenção para admitir
a prática de determinados atos restritivos da concorrência;
(ii) na tradição da União Europeia, mediante a concessão de isenções, nos
termos do art. 101(3) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia –
TFUE, disciplinadas pelo Regulamento 01/2003; e
(iii) no sistema adotado pelo diploma antitruste brasileiro, pela concessão
de autorizações, sem prejuízo das isenções à Lei Antitruste postas, implícita
ou explicitamente, por outros textos normativos.

5.1.1. O sistema norte-americano: rule of reason


A análise da regra da razão costuma partir da Lei Antitruste norte-ameri-
cana e da construção jurisprudencial sobre ela edificada.6-7
O Sherman Act não prevê em seu texto, de forma expressa, qualquer
válvula de escape. Em outras palavras, nos estritos termos dessa lei, não há
possibilidade de serem consideradas lícitas as práticas que, embora restritivas
da concorrência, acabem por trazer benefícios para o sistema.

5. Pelas especificidades que apresentam, a análise dos métodos destinados ao controle


das concentrações de empresas será realizada em capítulo específico. Por ora, tratamos
apenas da viabilização de acordos (verticais ou horizontais) entre agentes econômicos.
6. Ver, a respeito, o estudo efetuado, no Brasil, sobre as origens da regra da razão: Shie-
ber, Abusos do poder econômico: direito e experiência antitruste no Brasil e nos EUA,
p. 72 e ss. Cf., também, Nuno T. P. Carvalho, As concentrações de empresas no direito
antitruste, p. 69 e ss.
7. Para a explicação da evolução jurisprudencial norte-americana que culminou com
a introdução da regra da razão, v. Calixto Salomão Filho, Direito concorrencial: as
estruturas, p. 141 e ss. V., também, Milton Handler, Antitrust in perspective, p. 3-28.

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206 Os fundamentos do antitruste

Assim, em princípio, qualquer prática que restringisse, ainda que minima-


mente, o tráfico ou comércio entre os Estados, ou com as nações estrangeiras,
era tido por ilícito pelo Sherman Act. A aplicação literal do texto normativo
implicaria a condenação de inúmeras práticas, mesmo que os prejuízos su-
portados pelo mercado, ou pela concorrência, fossem em muito suplantados
pelas vantagens a serem auferidas pela economia nacional como um todo, ou
ainda pelos consumidores.
Nos primeiros anos de vigência do Sherman Act, essa aplicação literal e
desvinculada da realidade política acabou por ser atuada pelas Cortes norte-
-americanas. O mais significativo aresto dessa corrente jurisprudencial foi o
caso United States vs. Trans-Missouri Freight Association.8
Julgava-se a licitude do acordo celebrado entre várias companhias do
mercado de estradas de ferro. O cartel era justificado como necessário e útil
à proteção das empresas envolvidas, garantindo-lhes preço razoável para o
serviço que prestavam. Na ocasião, o Juiz Peckham declarou que nenhuma
prática, salvo exceções que taxativamente elencava, poderia ser considerada
lícita por implicar restrição “razoável” da concorrência. Para Peckham, naquele
momento, não existia qualquer base jurídica para a aplicação da regra da razão,
uma vez que o Sherman Act era claro e proibia qualquer restrição da concor-
rência, fosse ou não razoável. A vedação estabelecida no art. 1.º do Sherman
Act incidia, pois, sobre toda e qualquer prática restritiva: “(...) quando a Lei
declara ilegal qualquer contrato ou ajuste que restrinja o tráfico ou comércio
entre os Estados etc., o significado puro e simples de tais palavras não se limita
aos contratos que restrinjam o comércio de forma desarrazoada, mas abrange
todos os contratos, de forma que adicionar qualquer exceção ou restrição à lei
equivalerá a incluir algo que foi omitido pelo Congresso”.9
Uma das argumentações colocadas pelo mesmo julgador para justificar
seu posicionamento baseou-se no apelo à insegurança jurídica que seria causada
se somente as práticas restritivas “não razoáveis” fossem sancionadas:10 “se

8. 166 U. S. 290 – 1897.


9. É possível observar que, muitas vezes, embora a opinião do Juiz Peckham tenha
sido superada pela jurisprudência (e até por ele mesmo), alguns autores atuais,
que recusam a natureza das normas antitruste como instrumento de política eco-
nômica, valem-se do mesmo tipo de argumentação. Como exemplo, as palavras de
Ross (Principles of antitrust law, p. 496-7): “Of course, competition does not always
represent sound policy, but the courts have wisely determined that federal judges
should not be the ones to decide whether or not a deviation from our general policy
of competition is appropriate in a specific context”.
10. Sobre a insegurança jurídica e a regra da razão, cf. Robert Bork, The antitrust paradox,
p. 73.

8004.indb 206 21/06/2018 13:33:10


As válvulas de escape das legislações antitruste 207

somente o contrato que restringir o comércio de forma não razoável for incluído
no significado da lei e, portanto, apenas este for declarado ilegal, fica claro que
a determinação daquilo que é razoável será alcançada com grande incerteza”.
Mas essa interpretação restritiva e literal do Sherman Act foi perdendo
força. O próprio Justice Peckham, posteriormente, no caso United States vs.
Joint Traffic Association, colocou o que se convencionou chamar de “primeira
regra da razão”: o Sherman Act vedaria, apenas e tão somente, as restrições
suportadas direta e efetivamente (directly and effectually) pelo comércio. Ao
invés, se os efeitos da prática fossem indiretos e incidentais, esta não estaria
incluída na proibição legal.
De qualquer forma, não existia, ainda, regra que fizesse a interpretação do
Sherman Act consistente e efetiva.11 Percebe-se, da análise das primeiras decisões
em que a Suprema Corte aplicou aquela lei antitruste, que seus juízes estavam
divididos, em linha de princípio, entre duas posições:12 a primeira, tendo por
principal expoente Peckham, que entendia ilícita qualquer prática que, direta
e efetivamente, prejudicasse o livre comércio; e a outra linha de pensamento,
liderada por White, sustentando que o Sherman Act vedava somente as práticas
que restringiam a concorrência de forma não razoável.
Finalmente, no caso Standard Oil Co. of New Jersey vs. United States, a
Corte Suprema americana coloca, de forma clara, a regra da razão. O Sherman
Act no entender de White, deixava transparecer a intenção do legislador de
não restringir o direito de celebrar contratos, desde que não restringisse o
comércio nacional ou internacional. Ao contrário, a lei visaria a, apenas,
proteger aquele comércio de práticas que implicassem sua indevida restrição
(undue restraint).13
Pela regra da razão, somente são consideradas ilegais as práticas que res-
tringem a concorrência de forma não razoável14 (que se subsumiriam, por via de

11. Fox e Sullivan, Cases and materials on antitrust, p. 69.


12. Durante os primeiros anos de vigência do Sherman Act, desenvolveu-se o debate
entre “literalistas” e defensores da regra da razão. Sobre a primeira corrente, que
defendia a aplicação literal do texto normativo, pode-se encontrar informações
no texto de Rudolph Peritz, A counter-history of antitrust law, Duke Law Journal,
p. 264 e ss., 1990.
13. No original: “evidenced the intent not to restrain the right to make and enforce
contracts, whether resulting from combination or otherwise, which did not unduly
restrain interstate or foreign commerce, but to protect that commerce from being
restrained by methods, whether old or new, which would constitute an interference
that is an undue restraint”.
14. Há, dessa forma, a diferenciação entre os good trusts e os bad trusts.

8004.indb 207 21/06/2018 13:33:10


208 Os fundamentos do antitruste

consequência, à regra da proibição per se).15 A contrario sensu, são permitidas


as práticas que não impliquem obstáculo desarrazoado ao livre comércio.16-17
Como afirma Shieber,18 a regra da razão acaba, na realidade, por determinar
uma modificação no art. 1.º do Sherman Act, muito embora não lhe tenha sido
alterado o texto, que passou a viger com a seguinte redação: “Todo e qualquer
contrato, combinação sob a forma de truste ou qualquer outra forma ou cons-
piração em (desarrazoada) restrição do tráfico ou comércio entre os Estados,
ou com nações estrangeiras, é declarado ilícito pela presente Lei”.
Em seu voto, Juiz White sustentou que não haveria, fundamentalmente,
diferenças entre a primeira regra da razão, colocada por Peckham, e a segun-
da, posta por ele.19 Seriam, no seu entender, one and the same thing. Bork,
posteriormente, complementaria a argumentação de White, afirmando que
ambas visariam à promoção do economic welfare, encontrando, neste ponto,
sua identidade.20

15. Para breve e conclusiva explicação da per se rule, cf. Phillip Areeda, The changing
contours of the per se rule, Antitrust Law Journal, vol. 54, p. 27 e ss., 1985. A consi-
deração de uma prática como ilícito per se faz com que ela seja tomada em si mesma
como anticompetitiva, dispensando maior ponderação entre os benefícios e prejuízos
para a concorrência que dela adviriam. “Per se rules of antitrust illegality are reser-
ved for those situations where logic and experience show that the risk of injury to
competition from the defendant’s behaviour is so pronounced that it is needless and
wasteful to conduct the usual judicial inquiry into the balance between the behaviour’s
procompetitive benefits and its anticompetitive costs” (voto dissidente proferido pelo
Juiz Scalia no caso Eastman Kodak Co. vs. Image Tech. Svcs. (504 U.S. 451 – 1992).
16. De forma clara, manifestou-se o Juiz White no caso United States vs. American Tobacco
Company (221 U. S.106 – 1911): “The words ‘restraint of trade’ (...) only embraced
acts or contracts or agreements or combinations (...) which, either because of their
inherent nature or effect or because of the evidente purpose of the acts etc., injuriously
restrained trade” (transcrição de Robert H. Bork, The antitrust paradox, p. 36).
17. Sobre as diferenças entre a regra da razão e a per se condemnation, v. Giorgio Bernini,
L’analisi economica del diritto: pietra filosofale nella genesi, interpretazione e messa
in opera della normativa antitrust, Consumatore, ambiente, concorrenza (Il diritto
privato oggi), p. 195 e ss.
18. Shieber, Abusos do poder econômico: direito e experiência antitruste no Brasil e nos
EUA, p. 75.
19. From Peckham to White: economic welfare and the rule of reason, The Antitrust
Bulletin, summer 1980, p. 275.
20. A respeito da identidade entre as duas regras da razão, cf. John R. Carter, From
Peckham to White: economic welfare and the rule of reason, The Antitrust Bulletin,
p. 275 e ss. Vale, ainda, a referência à analise da regra da razão efetuada por Robert
Bork, The antitrust paradox, p. 33-41.

8004.indb 208 21/06/2018 13:33:10


As válvulas de escape das legislações antitruste 209

Não obstante as discussões sobre a origem da regra da razão deve-se desta-


car a técnica jurídica utilizada: quando aplicada, essa regra faz com que não haja
a composição do suporte fático necessário à incidência da norma que determinaria
a ilicitude do ato (no caso, o art. 1.º do Sherman Act). Isto é, para que seja com-
posto o suporte fático previsto na hipótese normativa, necessário se faz que a
prática em questão restrinja a concorrência de forma não razoável, sendo esse
fator elemento (indispensável) do mesmo suporte fático. Sem esse, o suporte
fático não se completa, a incidência da norma é afastada e suas consequências
(a vedação, a ilicitude) não se produzem.21 Tem-se como resultado, a licitude da
prática restritiva da concorrência.
A ilicitude per se desobriga a autoridade antitruste de realizar análise mais
profunda do ato praticado e do seu contexto econômico: a partir do momento
em que uma conduta é tomada como “ilícita per se” e considerada restritiva da
concorrência, de forma não razoável, deverá ser repudiada.
A regra da razão não se identifica com a abordagem caso a caso das práticas
analisadas, como muitas vezes se tem dado a entender. O chamado case by case
approach é outra das válvulas de escape de que pode lançar mão o intérprete
na aplicação de uma norma antitruste, e significa, em linhas gerais, que cada
caso deve ser analisado individualmente, considerando-se suas particularidades,
o contexto econômico no qual se insere e os efeitos anticompetitivos que produz
no(s) mercado(s) relevante(s) atingido(s).22 A regra da razão, por sua vez, é o
método de interpretação que impõe a ilicitude, apenas, das práticas que res-
tringem a concorrência de forma “não razoável”. Percebe-se, portanto, que a
aplicação da regra da razão pode dar ensejo a uma análise caso a caso, mas com
ela não se confunde.

5.1.1.1. O sistema norte-americano e as isenções em bloco


Nos Estados Unidos, alguns setores da economia não estão sujeitos às
regras antitruste (isto é, gozam de imunidade) por força de isenções legais
(legal exemptions).23

21. Sobre a questão da configuração do suporte fático e a produção de efeitos jurídicos,


cf. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, vol. 1, p. 3-35.
22. Ou, nas palavras da Suprema Corte americana: “The varying circumstances of each
case determine the result” (United States vs. E. I. Du Pont de Nemours e Co. – 351
U. S. 377 – 1956).
23. A análise dogmática da técnica jurídica ligada à isenção é realizada no próximo
item, quando tratamos das isenções no sistema europeu, bem como no item em que
estudamos o sistema das isenções no Brasil.

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210 Os fundamentos do antitruste

As normas antitruste estabelecem a proteção da concorrência de forma


ampla, com generalidade e elevado grau de abstração. Desde 1890, o Congresso
norte-americano emanou leis aparentemente conflitantes com essas previsões
gerais, na medida em que autorizavam a diminuição do grau de competição para
o caso específico regulado. Esses diplomas, por vezes, tratam de um inteiro
setor da economia, por outras, fazem-no parcialmente. São ainda isentados da
política geral antitruste determinados atos ou atividades.24
As razões para a concessão das isenções são as mais variadas: pressões
sobre o Congresso (lobby), monopólios naturais, tutela dos consumidores,
salvaguarda de um setor da economia etc.
Para a compreensão do mecanismo jurídico inerente às isenções, é ne-
cessário retomar lição basilar do antitruste: a concorrência tende a diminuir
os preços praticados no mercado, impelindo o agente eficiente à redução dos
custos para evitar demasiado sacrifício do seu lucro. Ocorre que, em alguns seg-
mentos, a excessiva pressão pela diminuição dos custos mostra-se inadequada,
porque pode levar o agente econômico ao desprezo de aspectos socialmente
relevantes, como a segurança para o adquirente ou a qualidade dos produtos.
Ademais, a obtenção de lucro maior (que seria impossível em um mercado
concorrencial) pode implicar a sobrevivência de um setor ou mesmo a manu-
tenção de empregos. A isenção é assim utilizada para afastar ou arrefecer o moto
concorrencial, possibilitando o funcionamento do setor de acordo com sua lógica
particular, não baseada exclusivamente no resguardo da competição.
Muitas das isenções norte-americanas são hoje contestadas, havendo quem
sustente que as razões norteadoras de sua outorga não mais existem.25 É fato
que, após o deregulation movement dos anos 80 do século passado, essas ilhas
de proteção passaram a ser vistas ainda com maiores reservas. De qualquer
maneira, colocadas pela lei, são respeitadas pelos Tribunais e pelas autoridades
administrativas.
Alguns exemplos de setores abrangidos por isenções são as cooperativas
agrícolas, transporte marítimo de cargas, sindicatos e setor de seguros. Clássica
hipótese de isenção em bloco é o Export Trading Company Act, que admite os
cartéis de exportação, subtraindo-os expressamente do campo de incidência
das normas antitruste.
A isenção (i) pode ser estatuída inequívoca e expressamente pelo Con-
gresso americano, ou (ii) sua existência decorrer da interpretação sistemática

24. Cf. Schwartz, Flynn e First, Problems in antitrust, p. 798.


25. Para um resumo dessas críticas, v. Schwartz, Flynn e First, Problems in antitrust, p.
807 e ss.

8004.indb 210 21/06/2018 13:33:10


As válvulas de escape das legislações antitruste 211

do texto normativo. Na primeira hipótese, dar-se-ia menor margem a conflitos.


Mesmo assim, os limites das isenções legais acabam sendo discutidos à exaustão
e a marcada tendência é a atuação de uma interpretação restritiva.
Os debates intensificam-se quando a isenção é estipulada de forma implíci-
ta pelo texto normativo (implied exemption). Indaga-se qual teria sido a vontade
efetiva do legislador: isentar ou não a prática da Lei Antitruste? No entender
da Suprema Corte, a incidência da lei concorrencial será afastada “in cases of
plain repugnancy between the antitrust and the regulatory provisions”.26
A isenção antitruste para setores especiais não deve ser confundida com
a doutrina da primary jurisdiction, segundo a qual a Corte suspende a análise
até que a autoridade “primariamente” competente decida a questão. A prima-
ry jurisdiction não afasta a apreciação do caso pelo Poder Judiciário, apenas o
impede de sentenciar sem que haja o pronunciamento da autoridade adminis-
trativa nos seguintes casos: (i) necessidade de investigação de fatos complexos,
inseridos na área de especialização da autoridade setorial; (ii) competência da
autoridade setorial para a matéria em discussão; ou, ainda, (iii) a interpretação
da lei específica abarca relevante aspecto de política setorial, cuja definição é
atribuída àquela autoridade.27 Em suma: em decorrência da primary jurisdic-
tion, as vias administrativas devem ser esgotadas previamente à manifestação
do Poder Judiciário.
Ainda sobre as isenções no sistema norte-americano, destaca-se a solução
encontrada para harmonizar possíveis conflitos entre leis restritivas da concor-
rência, emanadas pelos estados e pelos municípios, e as leis antitruste federais.
Como exemplo, o caso julgado pela Suprema Corte no ano de 1991: Columbia
vs. Omni Outdoor Advertising, Inc.28 A administração da cidade de Columbia, na
Carolina do Norte, impôs restrições para a construção de painéis nas ruas. Certo
agente econômico sentiu-se prejudicado e ajuizou ação antitruste sob a alegação
de que a regulamentação restritiva da concorrência derivara de indevida pressão

26. United States vs. Philadelphia Nat. Bank, 374 U.S. 321 (1963).
27. Schwartz, Flynn e First, Problems in antitrust, p. 798. Vale transcrever parcialmente
a decisão proferida no caso Philadelphia, 374 U.S. 321 (1963): “The doctrine of
‘primary jurisdiction’ (...) requires judicial abstention in cases where protection of
the integrity of a regulatory scheme dictates preliminary resort to the agency which
administers the scheme. (...) Court jurisdiction is not thereby ousted, but only
postponed. (...) Thus, even if we were to assume the applicability of the doctrine
to merger-application proceedings before the banking agencies, the present action
would not be barred, for the agency proceeding was completed before the antitrust
action was commenced”.
28. 499 U.S. 365 (1991).

8004.indb 211 21/06/2018 13:33:10


212 Os fundamentos do antitruste

exercida por empresas particulares sobre a Administração Pública. A decisão


da Suprema Corte invocou a Parker Immunity, estabelecida no caso Parker vs.
Brown,29 segundo a qual as restrições concorrenciais admitidas por Estados-
-membros, enquanto “atos de governo”,30 não estão sujeitas ao Sherman Act.
“O Sherman Act condena práticas anticoncorrenciais, não políticas públicas”;
ademais, o antitruste não considera ilícito influenciar o governo para que adote
medidas restritivas da concorrência (cf. Noerr doctrine).31 Nesse julgamento,
a Suprema Corte afirmou que a Lei Antitruste é aplicável apenas quando o
Estado atua “not in a regulatory capacity, but as a commercial participant in
a given market”. O espírito do Sherman Act é “prohibiting the restriction of
competition for private gain but permitting the restriction of competition in
the public interest”.
Em fevereiro de 2013, a Suprema Corte norte-americana repisou esse
entendimento no caso FTC x Phoebe Putney Health System, Inc.,32 estatuindo
que “when a local governmental entity acts pursuant to a clearly articulated
and affirmatively expressed state policy to displace competition, it is exempt
from scrutiny under the federal antitrust laws”.33

29. 317 U.S. 341 (1943).


30. A doutrina do state action permite aos governos estaduais, mediante atividade regu-
ladora, determinar o afastamento das leis gerais federais de concorrência (cf. Stephen
F. Ross, Principles of antitrust law, p. 498).
31. “Under Noerr, a firm that makes misleading or even untruthful claims to the go-
vernment in order to get the government to injure the petitioner’s competitors has
antitrust immunity both (1) for any injury caused by the government response
itself; and (2) for any consequences that flow from the fact that the public heard
the misleading claims and responded by transferring their business away from the
competitors” (Herbert Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 683).
32. 568 U.S. ___ (2013).
33. Em fevereiro de 2015, uma Suprema Corte bastante dividida determinou, no caso
North Carolina Dental, que está sujeito à legislação antitruste um ente controlado
por profissionais privados, embora se tratasse de órgão regulador pretensamente go-
vernamental. A Lei do estado da Carolina do Norte estabelece que a “North Carolina
State Board of Dental Examiners” é “a agência do Estado para regulação da prática da
odontologia”. Alguns profissionais reclamaram à agência que não dentistas estariam
oferecendo serviço de clareamento de dentes por preços inferiores aos por eles cobra-
dos. Assim, o ente expediu mais de 47 notas de “cease and desist” a esses terceiros,
afirmando que a prática não autorizada da odontologia configurava crime. A decisão
estabeleceu que, porquanto “a controlling number of the Board’s decision makers
are active market participants in the occupation the Board regulates, the Board can
invoke state-action antitrust immunity only if it was subject to active supervision

8004.indb 212 21/06/2018 13:33:10


As válvulas de escape das legislações antitruste 213

Portanto, as isenções à Lei Antitruste (i.e., as restrições à concorrência) são


permitidas em prol do interesse público.
A tradição antitruste norte-americana rejeita a ideia de que, no processo
judicial, a conduta anticoncorrencial possa ser justificada pelos magistrados
com base em sua “conveniência social”. Nas palavras de Ross:
“The courts have routinely held that the Sherman Act establishes that
competition in the provision of foods and services is our national policy. Of
course, competition does not always represent sound policy, but the courts have
wisely determined that federal judges should not be the ones decide whether
or not a deviation from our general policy of competition is appropriate in a
specific context. Congress clearly has the power (...)”.34
Em síntese, para os norte-americanos, a Lei Antitruste assume que a con-
corrência preside o andamento dos mercados. No entanto, há hipóteses em
que essa premissa não deve ser seguida (porque a competição não vai sempre
ao encontro do interesse público), não cabendo aos julgadores estabelecer
quando será ou não aplicada. Essa opção já foi (e somente pode ser) efetuada
pela lei, mediante a concessão de isenção; a prerrogativa de reconhecer falhas de
mercado e de moldar a respectiva correção pertence ao Congresso, não às Cortes
e muito menos às autoridades administrativas.
Por fim, cumpre notar que a lei pode remeter a competência do julgamen-
to de atos anticompetitivos a ente administrativo específico35 e, dessa forma,
submetê-lo a uma autoridade cujo mote e função principal não são a defesa da
concorrência (em geral), mas sim o funcionamento de determinado setor da
economia de acordo com regras que lhe são peculiares.36

by the State” – o que não ocorria naquele caso concreto. “An entity may not invoke
Parker immunity unless its actions are an exercise of the State’s sovereign power”.
Segue a Corte: “The question is whether the State’s review mechanisms provide
‘realistic assurance’ that a non-sovereign actor’s anticompetitive conduct ‘promotes
state policy, rather than merely the party’s individual interests.’ [North Carolina state
board of dental examiners v. Federal Trade Commission, 574 U. S. ____ (2015)].
Embora o caso não mencione expressamente, a questão que parece estar por trás da
discussão é a da captura de entes reguladores por agentes econômicos privados. Para
os primeiros comentários, v. Herbert Hovenkamp, “Antitrust, capture, federalism
and the North Carolina Dental Case”, disponível em [http://papers.ssrn.com/sol3/
papers.cfm?abstract_id=2570807]. Acesso em 27.04.2015.
34. Cf. Stephen F. Ross, Principles of antitrust law, p. 496-497.
35. Cf. Herbert Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 705.
36. V. sobre o sistema de isenções (tanto no Brasil como em outros sistemas jurídicos):
Lei Antitruste e sistema portuário brasileiro. Competência dos órgãos integrantes

8004.indb 213 21/06/2018 13:33:10


214 Os fundamentos do antitruste

5.1.2. O sistema europeu. As isenções


Muitas vezes, as leis antitruste determinam a ilicitude de práticas restritivas
da concorrência e, ao mesmo tempo, preveem a possibilidade de sua legitimação
mediante a concessão de isenções; admitem, pois, que a prática seja realizada
pelos agentes econômicos, sem que lhes seja imposta qualquer sanção. Como
já dito, o sistema antitruste europeu adota a metodologia das isenções como
principal técnica jurídica para flexibilizar a aplicação de suas normas.37
Nos termos do art. 101 do TFEU, são incompatíveis com o mercado
comum e nulas todas as práticas que possam prejudicar o comércio entre os
Estados-membros e que tenham por objeto ou por efeito impedir, restringir ou
falsear o jogo da concorrência no mercado comum – art. 101 (1 e 2). Entretanto,
essas mesmas práticas podem ser isentadas (ou seja, a restrição pode não ser
aplicada), caso acarretem a melhoria da produção ou distribuição de bens, ou
ainda o progresso técnico ou econômico – art. 101(3).
Não é viável, no sistema europeu, a concessão de isenções para práticas
que configurem abuso de posição dominante, uma vez que o TFEU é claro ao
prever a possibilidade de isenções apenas aos acordos entre empresas restri-
tivos da concorrência.
Quando se trata da utilização do método das isenções, duas normas devem
ser levadas em consideração: uma primeira que veda, de forma geral, as práticas
restritivas da concorrência; e outra norma, a específica, que autoriza a prática

do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e do Conselho de Auto-


ridade Portuária (CAP), Lei Antitruste e leis que autorizam práticas restritivas da
concorrência. A lei Ferrari, e A negociação coletiva de direitos de execução de obras
musicais e a Lei Antitruste, todos em Eros Roberto Grau e Paula A. Forgioni, O Es-
tado, a empresa e o contrato.
37. Advertindo sobre as diferenças entre os sistemas europeu e americano, Frignani e
Waelbroeck assinalam quanto às isenções: “Non si tratta dell’equivalente della ‘rule
of reason’ del diritto antitrust statunitense: questa non permette di giustificare intese
il cui oggetto restrittivo sia dimostrato, ma di valutare se certi accordi o pratiche che
non sono vietati in se stessi (per se) possano essere considerati ammissibili, o deb-
bano, al contrario, essere vietati tenuto conto dei loro effetti. Al contrario, l’art.85,
paragrafo 3 permette di esentare tutte le intese, anche quelle di cui sia dimostrato
il carattere intrinsecamente anticoncorrenziale” (Disciplina della concorrenza nella
CEE, p. 89). No mesmo sentido, Bernini faz ver que o § 3.º do art. 85 do Tratado CE
(atual art. 101 do TFUE) introduziu um “teste de eficiência” que “não se encontra
na experiência antitruste dos Estados Unidos”, havendo, portanto, uma diferença
substancial entre a rule of reason e as isenções (As regras de concorrência, CE, trinta
anos de direito comunitário, p. 370).

8004.indb 214 21/06/2018 13:33:10


As válvulas de escape das legislações antitruste 215

restritiva quando concedida a isenção. Qualquer consideração sobre teoria


hermenêutica que se pretenda proceder deve partir de dois suportes fáticos
apartados e distintos (um geral e um específico) necessários à incidência de
duas normas jurídicas diversas.38
Assim, ao afirmar que determinada prática restritiva da concorrência é
vedada, está-se apontando a composição do suporte fático da norma (geral).
Ao invés, no momento da concessão da isenção, outro suporte fático (relativo
à norma específica) compor-se-á.
Tomemos, como exemplo, a seguinte situação: dois agentes econômicos
europeus celebram acordo que tem por efeito a restrição da concorrência no
mercado da União Europeia. Verificar-se-á, em sua plenitude, o suporte fático
necessário à incidência do art. 101(1) do TFUE, e a prática será, por via de
consequência, ilícita. Suponhamos, entretanto, que para essa mesma práti-
ca haja uma isenção. Temos a composição do suporte fático relativo ao art.
101(3) – e não mais ao art. 101(1); com a incidência do art. 101(3), a prática
é considerada lícita.
Na Europa, como vimos nos capítulos anteriores, a proteção da concorrên-
cia é instrumental (concorrência instrumento), e os artigos específicos sobre
antitruste do TFUE (art. 101 e ss.) devem ser interpretados/aplicados de forma
harmoniosa com as demais políticas, conforme o art. 7.º do TFUE, ou seja, é
obrigatória a “coerência entre as suas diferentes políticas e acções, tendo em
conta o conjunto dos seus objectivos (...)”. Assim, a política concorrencial,
além de se concretizar em consonância com as outras políticas europeias, deve
ser moldada pelos escopos gerais postos principalmente no art. 3.º do Tratado
da União Europeia – TUE, como o “crescimento económico equilibrado” e “a
estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente com-
petitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social” e “um
elevado nível de protecção e de melhoramento da qualidade do ambiente”, além
do fomento do “progresso científico e tecnológico”, a “justiça e a protecção
sociais, a igualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre as gerações
e a protecção dos direitos da criança”. A política concorrencial deve também
ser instrumento da promoção da “coesão económica, social e territorial” e da
“solidariedade entre os Estados-Membros”.

38. A respeito, a explicação de Pontes de Miranda: “(...) a regra jurídica pode ser con-
cebida para o geral, mas admitir atenuações, gradativas ou não, e exceções, além
das limitações que são comuns a todas. Então, há dois suportes fáticos: o da regra
jurídica e o da regra jurídica atenuação, ou exceção. A limitação é apenas a negação
do suporte fático da regra jurídica geral” (Tratado de direito privado, vol. 1, p. 26).

8004.indb 215 21/06/2018 13:33:10


216 Os fundamentos do antitruste

Analisando, mais de perto, o mecanismo europeu das isenções: o art.


101 (1 e 2) do TFUE prevê a nulidade de “todos os acordos entre empresas,
todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas
que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que
tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência
no mercado interno”. Esse texto legal proíbe todos os acordos restritivos da
concorrência no mercado europeu, independentemente de maiores ponde-
rações sobre as eficiências deles derivadas. No entanto, o art. 101(3) permite
que sejam isentadas as práticas “que contribuam para melhorar a produção
ou distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou eco-
nómico, contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do
lucro daí resultante”.39
Nos primeiros tempos da implementação do sistema de isenções,40 era
necessário que os agentes econômicos interessados na obtenção desse “salvo
conduto” dirigissem-se à Comissão Europeia, dando início a procedimento
administrativo. À época, foram tantos os pedidos de isenção que o órgão não
possuía condições materiais para proceder a sua análise.41 Por essa razão, e
também para conferir maior grau de segurança e previsibilidade aos agentes
econômicos, editaram-se vários regulamentos que isentam em bloco (block
exemptions) algumas categorias de acordos, cujas características demonstram
que o prejuízo à concorrência eventualmente causado é suplantado pelos benefícios
trazidos ao mercado.42 Caso a prática não se subsumisse a uma isenção em bloco,
havia ainda a possibilidade de se pleitear a concessão de uma isenção individual.

39. Atendidas determinadas condições, quais sejam: “a) Não imponham às empresas
em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses
objectivos; b) Nem deem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência
relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa”.
40. Ainda como art. 85 do Tratado de Roma.
41. James S. Venit indica os seguintes motivos como determinantes da adoção das
isenções em bloco: (i) caráter dúplice do art. 85 do Tratado da União Europeia
(hoje art. 101), que permite a isenção de uma prática restritiva da concorrência;
(ii) inexistência de uma regra da razão que impedisse a incidência do art. 85 (1)
do Tratado CE sobre práticas que poderiam ser consideradas “benéficas”; e (iii)
incapacidade da Comissão, derivada da limitação de seus recursos, para isentar
(ou isentar em um período razoável de tempo) todas as práticas notificadas que
não deveriam ser proibidas (Technology licensing in the EC, p. 485). Ainda sobre
os motivos da introdução das isenções em bloco, cf. Paolo Mengozzi, Il diritto della
Comunità Europea, p. 335.
42. Como exemplo, a isenção em bloco referente às restrições verticais, instituída pelo
Regulamento 330, de 2.010, que substituiu o Regulamento 2.790, de 1999.

8004.indb 216 21/06/2018 13:33:10


As válvulas de escape das legislações antitruste 217

A subsunção à isenção em bloco segue lógica linear: atrelando-se ao modelo


proposto pelo texto normativo, o agente econômico “paga” a certeza e segurança
jurídicas que advêm da autorização, com a renúncia à maior flexibilidade nego-
cial.43 Dessa forma, a União Europeia estimula que as avenças celebradas pelos
agentes econômicos sigam determinada moldura, considerada admissível em
termos concorrenciais e coerente com a política pública cuja implementação é
perseguida. A segurança e a previsibilidade serão apanágios dos negócios que
obedecerem ao texto do regulamento de isenção, porque se sabe de antemão
que, em princípio, restarão imunes a contestações antitruste. Por exemplo,
de acordo com o Regulamento 330/2010, que estipula isenção em bloco para
certas restrições verticais, há de ser considerado ancorado em porto seguro
(safe harbor) o acordo de exclusividade entre fornecedor e distribuidores que
não possuam participação superior a trinta por cento nos mercados relevantes
em que atuam.
Com a entrada em vigor do Regulamento 01/2003, não é mais necessária
a concessão de isenção individual para as práticas não subsumíveis às isenções
em bloco.44 As empresas são incentivadas a efetuar sua própria apreciação so-
bre a compatibilidade da prática com as regras de concorrência dos tratados
europeus.45
Não obstante, conforme o art. 10 do mesmo Regulamento, a Comissão
pode, por razões de interesse público europeu, declarar de ofício46 que, em fun-
ção dos elementos de que tem conhecimento, o art. 101 do Tratado é inaplicável

43. Roberto Pardolesi, Franchising: tipo e tipologie.


44. Dispõe seu art. 1.º: “1. Os acordos, as decisões e as práticas concertadas referidos no
n. 1 do art. 81 do Tratado que não satisfaçam as condições previstas no n. 3 do mesmo
artigo são proibidos, não sendo necessária, para o efeito, uma decisão prévia. 2. Os
acordos, as decisões e as práticas concertadas referidos no n. 1 do art. 81 do Tratado
que satisfaçam as condições previstas no n. 3 do mesmo artigo não são proibidos,
não sendo necessária, para o efeito, uma decisão prévia”.
45. Cf. item 96 das Orientações relativas às restrições verticais. Afirmam Louis Vogel e
Joseph Vogel que sua consequência foi “transférer aux opérateurs la responsabilitè
de procéder à une auto-évaluation de leurs accords. Ceux-ci doivent apprécier leurs
parts de marché, déterminer s’ils se trouvent em deçà ou au-delà du double seuil de
30%, si la nature de lerus accords ou la situation de marché n’est pás susceptible de
les exposes à un retrait de l’exemption ET, au-delà de la zone de sécurité, évaluer
eux-mêmes les accords verticaux au regard des règles de concurrence européennes”
[Droit de la distribution, 27, 28].
46. A versão em língua portuguesa do referido regulamento utiliza a expressão “decla-
rar oficiosamente”. No entanto, analisando as versões em língua inglesa e italiana,
verificamos que o termo indica a atuação “de ofício” por parte da autoridade anti-

8004.indb 217 21/06/2018 13:33:10


218 Os fundamentos do antitruste

a um acordo, decisão de associação de empresas ou prática concertada, quer


por não estarem preenchidas as condições do n. 1 do art. 101, quer porque se
verificam as condições de isenção do n. 3 do art. 101.
Além das isenções em bloco para determinados tipos de avenças, na Europa
há setores da economia que são excluídos das normas antitruste previstas no TFUE;
são os chamados “setores especiais” (special sectors), tais como agricultura,
seguros, veículos automotores, transporte aéreo, marítimo e outros.
Deste modo, na União Europeia temos:
(i) as isenções em bloco, estabelecidas por regulamentos específicos, que
afastam contestações antitruste daqueles negócios efetivados dentro dos limites
permitidos;
(ii) as declarações de ofício de licitude da prática, que podem ser concedidas
sempre que o interesse público comunitário relacionado com a aplicação dos
arts. 101 e 102 do Tratado assim o exija; e
(iii) os setores especiais, sujeitos a sistema concorrencial próprio.47

5.2. O sistema brasileiro. Risco jurídico e consultas


Respeitada a orientação constitucional (em especial, art. 170 e ss. da
CF), a licitude ou ilicitude da prática dos agentes econômicos é estatuída
pelo art. 36, caput, da Lei 12.529, de 2011, sendo considerada ilegal a que
implicar (i) prejuízo à livre-concorrência ou à livre iniciativa; (ii) domínio
de mercado relevante; (iii) aumento arbitrário de lucros; ou (iv) abuso de
posição dominante.
O art. 88 da Lei 12.529, de 2011, exige que sejam apresentadas para auto-
rização apenas as concentrações que atinjam o gabarito ali previsto.48 Entre essas
concentrações, incluem-se negócios de “contratos associativos”, “consórcios”
ou joint-ventures (art. 90). A exemplo do sistema europeu atual, os acordos
que não implicarem concentração econômica não necessitam de autorização
prévia do CADE para sua eficácia.
Do ponto de vista do agente econômico, se, por um lado, dispensa-se o
gasto de tempo e dinheiro normalmente envolvido na obtenção da autorização,

truste (na versão inglesa consta a expressão acting on its own initiative, enquanto no
documento em língua italiana utiliza-se a expressão d’ufficio).
47. Marcelo Martins Proença explica que o sistema europeu não adota a regra da razão,
mas sim as isenções (Concentração empresarial e o direito da concorrência, p. 46).
48. Remete-se o leitor para o capítulo 8, em que é analisado o procedimento para obtenção
de autorização para concentrações.

8004.indb 218 21/06/2018 13:33:10


As válvulas de escape das legislações antitruste 219

por outro pode aumentar o grau de insegurança jurídica caso pairem dúvidas
quanto à licitude do contrato, ou seja, sobre a incidência ou não do art. 36,
caput, da Lei Antitruste.
Visando a diminuir os efeitos adversos dessa imprevisibilidade, é facultado
às empresas formular consultas ao CADE, conforme previsto no art. 9.º, § 4.º,
da Lei 12.529, de 2.011, porquanto “[o] Tribunal poderá responder consultas
sobre condutas em andamento, mediante pagamento de taxa e acompanhadas
dos respectivos documentos”.
Na mesma linha, o CADE poderá com base no art. 9.º, inciso XIV, por
meio do Tribunal, instruir as empresas sobre as formas de infração à ordem
econômica, emitindo textos de orientação sobre os limites da licitude das prá-
ticas e os critérios empregados para a abertura de processos administrativos.
Essas instruções poderão ser prestadas por meio de regras gerais escritas, que
funcionarão como balizas para o comportamento das empresas que preferirem
evitar contestações por parte da autoridade antitruste.

5.2.1. As isenções antitruste em bloco no sistema brasileiro e seu funda-


mento jurídico. Lei geral de defesa da concorrência e leis específicas
(microssistemas jurídicos)
Atualmente, também por conta do espraiamento dos pressupostos da
Escola de Chicago [vide capítulo referente aos objetivos da lei antitruste],
acredita-se que a concorrência deva ser preservada acima de tudo. Porém,
existem situações em que o próprio legislador manda que, em determinados
setores, a competição há de ser arrefecida. A concorrência é a regra geral, mas
outra escolha política pode ser considerada; nessas hipóteses, a lei especial
prevalecerá sobre a lei geral.49-50
A Lei 12.529, de 2011, é lei de caráter geral, que visa a disciplinar o com-
portamento dos agentes que atuam no domínio econômico, tanto de maneira
repressiva (punindo os abusos de poder econômico e as práticas restritivas da
concorrência) quanto preventiva (mediante o controle previsto no art. 88).
Repise-se: a Lei Antitruste protege a concorrência de forma geral, o mercado

49. Correntemente, poucos autores admitem que o excessivo grau de concorrência


pode ser prejudicial à dinâmica do mercado. V., para compreensão do ponto de vista
contrário ao mainstream, Maurice E. Stucke, Is competition always good?, disponível
em [http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2157193], último acesso
em 8 de fevereiro de 2013.
50. Por exemplo, a lei pode visar a incentivar a cooperação entre os agentes econômicos,
e não a concorrência.

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220 Os fundamentos do antitruste

concorrencial como um todo, quer perseguindo-o como um fim a ser atingido,


quer preservando-o (sempre na moldura do art. 170 da CF).
O conceito de norma geral tem sido objeto de tormentosos debates.51 Os
atributos da especialidade e da generalidade, que apartariam as normas gerais
das especiais,52 derivam de juízo de comparação entre duas normas. Norma
geral e norma especial não são geral e especial em si e por si, mas sempre
relativamente a outras normas. Uma norma que é geral em relação à outra,
pode ser tida como especial em face de outra. Temos também – observa Eros
Roberto Grau com base em Natalino Irti – que a norma geral é dotada de uma
compreensão menor e de uma extensão (sujeitos aos quais cada norma se diri-
ge) maior, ao passo que a norma especial é dotada de uma compreensão maior
e de uma extensão menor.
Por isso, quando afirmamos que a Lei Antitruste é uma lei geral, no sentido
atribuído pela teoria do direito, indicamos que, em princípio, a Lei Antitruste
regula a concorrência de forma geral entre os agentes econômicos. Ela será geral
quando comparada a diplomas que lhe fazem escapar determinados setores
ou práticas do regramento antitruste, submetendo-os a lógica diversa da con-
correncial plena (leis específicas).
É indiscutível que existe, em nosso ordenamento, princípio segundo o
qual o sistema não contém, em si, antinomias ou contradições.53 Consequen-
temente, se a regra A autoriza uma ação, não pode a regra B proibi-la. Como
explica Carlos Maximiliano, “[s]upõe-se que o legislador, e também o escritor
do Direito, exprimiram o seu pensamento com o necessário método, cautela,
segurança; de sorte que haja unidade de pensamento, coerência de ideias; todas
as expressões se combinem e harmonizem. Militam as probabilidades lógicas
no sentido de não existirem, sobre o mesmo objeto, disposições contraditórias
ou entre si incompatíveis, em repositório, lei, tratado, ou sistema jurídico”.54
A impossibilidade da existência de contradições significa, em última
instância, não ser viável a convivência, no sistema jurídico, de um texto auto-
rizativo de restrição concorrencial e outro que, ao mesmo tempo, sujeita-a às
proibições da Lei Antitruste.

51. Eros Roberto Grau, Licitação e contrato administrativo: estudos sobre a interpretação
da lei, p. 11-12. V., também, do mesmo autor, Direito urbano, p. 129.
52. Natalino Irti, L’età della decodificazione, p. 53 e ss. A referência ao estudo de Irti é de
Eros Roberto Grau (v. nota anterior).
53. “(...) le norme di un ordinamento hanno un certo rapporto tra loro, e questo rapporto
è il rapporto di compatibilità” (Norberto Bobbio, Teoria generale del diritto, p. 208).
54. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 168.

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As válvulas de escape das legislações antitruste 221

Assim, as (aparentes) antinomias55 com que nos depararmos hão de ser


resolvidas: para tanto, manda nosso ordenamento que a lei específica prevaleça
sobre a lei geral.56 Como vimos, a Constituição Federal pressupõe que a livre-
-concorrência deva imperar, de forma geral, nos mercados. Mas também reco-
nhece possível, para atingir os fins maiores positivados no art. 170, o sacrifício
total ou parcial da competição em certos setores, submetendo-os a regramento
diverso, que arrefece a pressão concorrencial. Em virtude de texto legal, é posta
uma isenção em bloco, que permite prática restritiva da concorrência. Eis nossas
isenções: leis específicas autorizadoras de restrições concorrenciais, que prevalecem
sobre a regra geral (Lei 12.529, de 2011).
Vê-se, portanto, que o sistema jurídico brasileiro admite a existência de
isenções à Lei Antitruste. Não é necessária disposição expressa nesse sentido;
a legalidade e constitucionalidade das leis específicas autorizadoras de práticas
anticompetitivas decorrem diretamente da Constituição Federal. Enfim, as
isenções em bloco, no Brasil, brotam da interpretação sistemática do nosso direito.57
Decorre da natureza das isenções que sejam tomadas cum grano salis,
interpretadas restritivamente. Isso porque, sob pena de comprometimento
do funcionamento adequado do sistema, as leis específicas, que estabelecem
exceções à lei geral, devem ser lidas de forma estrita. Não se poderá proceder
à interpretação extensiva, incluindo na isenção algo não previsto em seu texto
normativo.

55. Não se pode deixar de notar, ainda com Bobbio, que a antinomia no sistema jurídico
é sempre aparente e nunca real, já que o próprio ordenamento contém regras que
devem necessariamente levar à solução de possíveis conflitos entre suas normas
(Teoria generale del diritto, p. 218-235).
56. Mais uma vez, a lição de Carlos Maximiliano: “Se existe antinomia entre a regra geral
e a peculiar, específica, esta, no caso particular, tem a supremacia. Preferem-se as
disposições que se relacionam mais direta e especialmente com o assunto de que se
trata: in toto jure generi per speciem derogatur, et illud potissimum habetur quod
ad speciem directum est – ‘em toda disposição de Direito, o gênero é derrogado pela
espécie, e considera-se de importância preponderante o que respeita diretamente à
espécie’” (Hermenêutica e aplicação do direito, p. 169). Nessa esteira, Bobbio: “Il (...)
criterio (...) della lex specialis, è quello in base a cui di due norme incompatibili,
una generale e una speciale (o eccezionale), prevale la seconda: lex specialis derogat
generali. Anche qui la ragione del criterio non è oscura: legge speciale è quella que
deroga ad una legge più generale, ovvero che sottrae ad una norma una parte della
sua materia per sottoporla ad una regolamentazione diversa (...)” (Teoria generale
del diritto, p. 220-221).
57. Sobre as imunidades antitruste no Brasil, v. Calixto Salomão Filho, Direito concor-
rencial: as estruturas, p. 209 e ss.

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222 Os fundamentos do antitruste

A autorização ou a lei específica que afasta a aplicação da Lei Antitruste


são exceções, isto é, restrições à livre-concorrência e/ou à livre iniciativa, cuja
possibilidade, limites e fundamentos devem estar especificados na lei e em-
basados na Constituição Federal. Ilustrativa, mais uma vez, a sempre atual e
precisa lição de Carlos Maximiliano, inspirada em Coelho da Rocha:
“Quando um ato dispensa de praticar o estabelecido em lei, regulamento,
ou ordem geral, assume o caráter de exceção, interpreta-se em tom limitativo,
aplica-se às pessoas e aos casos e tempos expressos, exclusivamente”.58

5.3. Segunda válvula de escape. O conceito de mercado relevante


Em várias passagens, a Lei 12.529, de 2011, refere-se a “mercado relevan-
te”, tornando indispensável a compreensão desse conceito para sua aplicação.59
O mercado relevante é aquele em que se travam as relações de concorrência
ou atua o agente econômico cujo comportamento está sendo analisado. Sem sua
identificação, é impossível determinar a incidência de qualquer das hipóteses
contidas nos incisos do art. 36, caput, da Lei 12.529, de 2011. A partir do mo-
mento em que o texto normativo faz menção à restrição da “concorrência”, para
a caracterização do ilícito devemos determinar de qual concorrência estamos
tratando (com o escopo de verificar se a prática analisada teve por objeto ou
por efeito restringi-la). O mesmo se dá em relação ao domínio de mercado e
ao abuso de posição dominante: são práticas que somente existem em concreto,
ou seja, se referidas a um determinado mercado: ao mercado relevante.60

58. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 285.


59. É bastante comum, principalmente na doutrina estadunidense, que se identifique
o mercado relevante com o abuso de posição dominante, ou mesmo com o poder
de mercado. Por essa razão, a maioria dos livros estrangeiros trata das matérias em
conjunto. Tecnicamente, entretanto, tal aproximação não deve ser automática, pois
o mercado relevante é um conceito que permeia todo o direito antitruste (e não, apenas,
o abuso de posição dominante). Com efeito, a partir do momento em que as práticas
são vedadas por produzirem (ou poderem produzir) efeitos anticoncorrenciais, a
determinação da ilicitude passará pela delimitação do mercado relevante no qual esses
efeitos serão sentidos. Em outras palavras, não se pode falar de impactos anticon-
correnciais senão em determinado mercado: o mercado relevante.
60. A Corte de Justiça europeia, julgando o caso Asko, estabeleceu que “In the context
of article 86, the object of market delineation is to define the area of commerce in
which conditions of competition and the market power of the dominant firm is to be
assessed. The concept of substitutability involves the question whether the market
is drawn broadly enough so as to include not only the products manufactured or
marketed by the allegedly dominant producer but also those which are in effective

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As válvulas de escape das legislações antitruste 223

Mas, como delimitar o mercado relevante de um bem ou serviço? Existem


alguns pressupostos metodológicos básicos, largamente aplicados com essa fi-
nalidade, e que passaremos a expor. Não obstante, inexiste fórmula matemática
para a determinação do mercado relevante, mas apenas métodos que acabam
por nos fornecer indicativos que, utilizados de forma conjugada, auxiliam-nos
nessa tarefa. Vale, sempre, a advertência de Sullivan: “(...) as relações econô-
micas raramente são tão simples a ponto de autorizar a definição de mercado
relevante com exatidão e segurança. Não existe, para cada modelo, um único,
real, ‘mercado’ esperando para ser descoberto”.61
Se o recorte do mercado relevante implica, necessariamente, a percepção
do mercado no qual atua determinado agente econômico (ou agentes econô-
micos), estamos tratando do mercado em que este concorre. Ou seja, a busca
do mercado relevante passa pela identificação das relações (concretas, ainda que
potenciais) de concorrência de que participa o agente econômico.
No caso de empresas detentoras de monopólio (i.e., que não enfrentam
a concorrência), o mercado relevante coincidirá com seu mercado de atuação
exclusiva. De qualquer modo, o raciocínio que efetuamos neste capítulo vale,
mutatis mutandis, para determinar o mercado relevante de um agente monopo-
lista (no qual encontraremos a ausência de qualquer relação de concorrência).
Para a delimitação do mercado relevante, devemos analisar dois aspectos
complementares e indissociáveis: o mercado relevante geográfico e o mercado
relevante material, ou mercado do produto.62

competition with it” [85/609/EEC: Commission Decision of 14.12.1985 relating to


a proceeding under Article 86 of the EEC Treaty. IV/30.698 – ECS/AKZO].
61. No original: “economic relationships are seldom so simple that a relevant market
can be defined with exactitude and confidence. There is not for any product a single,
real ‘market’ waiting to be discovered” (Antitrust, p. 41).
62. Renè Joliet anota que já por ocasião do julgamento do caso Standard Oil Co. of New
Jersey vs. United States, a Suprema Corte americana reconheceu que as palavras
“any part of commerce” possuíam “a geographical and a distributive significance”
(Monopolisation and abuse of dominant position, p. 80). Aldo Frignani (Abuso di po-
sizione dominante, Diritto antitrust italiano, p. 335 e ss.) identifica, além do aspecto
geográfico e material do mercado relevante, também um certo caráter temporal. Por
exemplo, em virtude de safras em épocas distintas, mercados relevantes poderiam
ser apartados, de forma que haveria, também, um mercado relevante temporal a ser
considerado. Não vemos elementos, entretanto, para considerar o caráter temporal
do mercado relevante como distinto daquele material: se, por questões temporais, os
produtos não se encontram em direta relação de concorrência e não são intercambiá-
veis, é porque não fazem parte do mesmo mercado relevante material. Tomemos o caso

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224 Os fundamentos do antitruste

5.3.1. O mercado relevante geográfico


O mercado relevante geográfico é a área onde se trava a concorrência relacio-
nada à prática que está sendo considerada como restritiva.63 Destarte, o mercado
relevante geográfico não pode ser determinado abstratamente, pois depende
da localização do agente econômico e também da natureza do produto e da
conduta que está sendo analisada.64
Identifica-se o mercado relevante geográfico com o espaço físico onde se
desenvolvem as relações de concorrência que são consideradas. Pode ser com-
preendido como a área na qual o agente econômico é capaz de aumentar os
preços que pratica sem (i) perder um grande número de clientes, que passariam
a utilizar-se de um fornecedor alternativo situado fora da mesma área ou (ii)
provocar imediatamente a inundação da região por bens de outros fornecedores
que, situados fora dela, produzem bens similares.65
A questão simplifica-se diante de um exemplo: suponhamos que determi-
nada padaria, localizada no bairro de Pinheiros, na cidade de São Paulo, tenha
desenvolvido sistema de produção de pães e doces que lhe permite reduzir a

que é dado pelo próprio autor: a Comissão não considerou como integrantes de um
mesmo mercado relevante os programas televisivos semanais e aqueles diários. Ora,
mais do que identificarmos um “mercado relevante temporal”, trata-se, na verdade,
de diversos mercados relevantes materiais. Cf., a respeito dessa questão, os comentários
de Werter Faria, Direito da concorrência e contrato de distribuição, p. 24.
63. “The geografic relevant market is that area where that allegedly dominant firm
faces competition in respect of the practices which are considered abusive” (Bael e
Bellis, Competition law of the EEC, p. 65). O Capítulo 5 do fomulário CO (utilizado
pelos agentes econômicos, na União Europeia, para informar à Comissão as práticas
concentracionistas) prevê: “O mercado geográfico relevante compreende a área em
que as empresas em causa fornecem e procuram produtos ou serviços relevantes,
em que as condições de concorrência são suficientemente homogéneas e que podem
distinguir-se de áreas geográficas vizinhas devido ao facto, em especial, de as condi-
ções da concorrência serem consideravelmente diferentes nessas áreas. Os factores
que interessam para a apreciação do mercado geográfico relevante incluem a natureza
e características dos produtos ou serviços em causa, a existência de obstáculos à en-
trada ou de preferências dos consumidores, diferenças consideráveis das partes de
mercado das empresas entre áreas geográficas vizinhas ou diferenças substanciais de
preços”. Cf., também, Benjamin M. Shieber, O conceito de dominação dos mercados
nacionais na lei antitruste, RT 338/27-29, 1963.
64. Nas palavras de Hovenkamp: “The size of the geografic market depends on the nature
of the product and of the people who buy and sell it” (Federal antitrust policy: the
law of competition and its practice, p. 108).
65. Cf. Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 108.

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As válvulas de escape das legislações antitruste 225

quantidade de farinha empregada, ao mesmo tempo em que torna o produto


mais leve e saboroso, mantendo seu valor nutritivo. Em decorrência dessa
vantagem competitiva, os consumidores da região abandonam seus antigos
fornecedores e, muito embora algumas vezes a loja seja um pouco mais distante,
passam a adquirir produtos desse inovador padeiro.
As outras padarias daquele entorno diminuem suas vendas e a grande
maioria chega, inclusive, a fechar suas portas. Identificamos, assim, a existência
de uma relação de concorrência entre esses agentes econômicos, de sorte que
integram o mesmo mercado relevante geográfico.
Mas, como é intuitivo, todas as padarias de São Paulo não estão no mes-
mo mercado relevante geográfico. Ora, pão é produto que se compra quase
que diariamente e, com certeza, os consumidores do bairro do Morumbi não
atravessarão, todos os dias, a cidade para comprar os pãezinhos especiais. O
que economizariam no preço do produto, acabariam gastando no transporte
até o fornecedor. Assim, podemos dizer que o mercado relevante da padaria
que consideramos é o mercado do bairro de Pinheiros (e, talvez, de alguns
bairros vizinhos), pois que ali são travadas as relações de concorrência de que
participa a mencionada padaria.66-67

66. No caso Souza Cruz vs. Philip Morris, trilha semelhante foi seguida pela SDE na
elaboração de parecer no Processo Administrativo 08012.003303/98-25, em que a
Philip Morris S.A. lamentava-se da conduta da Souza Cruz S.A. de celebrar acordos
de exclusividade com vários pontos de venda situados em locais estratégicos da
cidade de São Paulo: “Não se pode ignorar o desconforto enfrentado pelo fumante,
que esteja sem o cigarro de sua preferência e queira comprá-lo num local em que a
totalidade dos pontos de venda tenha celebrado contrato de exclusividade de ven-
das com a representada. Há desconforto para o consumidor fiel a uma marca, que,
impossibilitado de locomover-se por razões variadas, tenha que fumar outra marca
de cigarros. Mesmo que o consumidor já saiba que uma determinada área da cidade
esteja totalmente fechada por contratos de exclusividade, há o desconforto de sempre
ter de lembrar de comprar o produto de sua preferência antes de chegar nessa área.
É importante ter em mente que o ato de fumar é um vício, o que torna este mercado
bem distinto dos demais, nos quais os consumidores não precisam comprar o bem
de que necessitam no exato momento em que o demande”.
67. A autoridade antitruste italiana já afirmou que, em princípio, cada aeroporto cons-
titui um mercado relevante geográfico distinto. No entanto, como adverte Aldo
Frignani, essa premissa pode ser válida para cidades como Roma, mas em Milão há
certa relação de substituição entre os dois aeroportos da região. Ademais, algumas
vezes, há fungibilidade entre aeroportos situados em cidades diversas. Vale também
lembrar o método normalmente adotado pela Comissão Europeia quando da análise
de práticas envolvendo companhias aéreas: o aspecto mais importante na definição

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226 Os fundamentos do antitruste

Entendido o conceito básico de mercado relevante geográfico, devemos


considerar que, se o escopo é identificar relações de concorrência, por óbvio
estas devem ter uma série de características ao menos similares. Por essa ra-
zão, a disputa deverá ser relativamente uniforme para autorizar a conclusão de
existência de um mercado relevante geográfico único.
Quando do julgamento do caso Banana Chiquita,68 que até hoje serve de
paradigma naquela jurisdição, a Corte de Justiça europeia, procurando delimi-
tar o mercado geográfico em que atuava a empresa United Brands, determinou
que não deveriam ser incluídos os mercados italiano, francês e inglês, pois que
os subsídios e os incentivos governamentais daqueles países impediam que a
concorrência ali travada fosse semelhante à de outros Estados europeus. Já nos
casos De Havilland, Boing/McDonnell Douglas e General Electric/Honeywell,69 a
Comissão entendeu que o mercado relevante geográfico seria aquele mundial,
uma vez que inexistiam barreiras à circulação dos produtos.70-71
Nesse quadro, podemos identificar alguns aspectos importantes a serem
considerados quando da delimitação do mercado relevante geográfico:72
(i) Hábitos dos consumidores. Deve ser verificado se o consumidor está
disposto a se afastar do local onde se encontra para adquirir outro produto ou
serviço similar ou idêntico. Esse fato somente será determinado em cada caso
concreto, podendo variar de acordo com a intensidade e as características da prática

de mercado relevante é a opinião dos consumidores e seu comportamento. Identifi-


cados os consumidores “sensíveis ao fator tempo”, é pouco provável que outro meio
de transporte possa ser considerado “substituto razoável” daquele aéreo. V. também
Delta Air Lines/Northwest Airlines, julgado pela Comissão Europeia em 06.08.2008.
No mesmo sentido, os casos Air France/KLM, parágrafos 9 e seguintes e Lufthansa/
Swiss, parágrafos 12 e seguintes, todos disponíveis no sítio da Comissão Europeia.
68. United Brands c. Commissione delle Comunità Europee (causa 27/76), Racc. 1978,
p. 207.
69. Commissione CEE, 02.10.1992, Caso n. IV/M.053, Aerospatiale-Alenia/de Havilland,
publicado em Giurisprudenza Commerciale, n. 19.4, jul.-ago. 1992, parte II, p. 531-­
557. (M.877), OJ 1995 C144/23 (caso Boeing/McDonnell) e (M.2220), de 03.07.2001
(Caso GE/Honeywell).
70. No entender da Comissão: “Non esistono ostacoli tangibili all’importazione di tali
velivoli nella Comunità e i costi di trasporto sono trascurabili” (Caso n. IV/M 053,
Giurisprudenza Commerciale, n. 19.4, p. 537).
71. No caso De Havilland, porém, excluíram-se os mercados da China e da Europa orien-
tal, visto que se apresentavam com características concorrenciais bastante atípicas.
72. Os três primeiros itens são de Aldo Frignani e Cristóforo Osti, (20 mesi di legge an-
titrust italiana, Diritto del Commercio Internazionale, n. 6.2, jul./dez. 1992, p. 353-4).

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As válvulas de escape das legislações antitruste 227

antitruste considerada. Por essa razão, Lawrence Sullivan afirma: “(...) em mer-
cados geográficos há tendências ao invés de certezas absolutas. Empresas que
se encontram em um raio de 50 milhas podem ser diretamente concorrentes.
Pode ser possível ignorar 100 milhas de distância caso ocorra um aumento de
1% do preço, mas não se ocorrer um aumento de 3%”.73
Muitas vezes, a consideração dos hábitos dos adquirentes traz a definição
do mercado relevante geográfico em bases locais, porque é raro que o consu-
midor, para obter produtos de seu uso pessoal e constante, esteja disposto a
afastar-se de sua zona de residência.74
Com a popularização da Internet, tal como se deu em virtude do aumento
das estradas de ferro nos Estados Unidos do século XIX, alguns mercados re-
levantes que tendiam a ser regionais passam a ser considerados de forma mais
ampla. Entretanto, o idioma do consumidor pode constituir barreira, que leva
à segmentação do mercado relevante.75
(ii) Incidência de custos de transporte. Os custos de transporte consti-
tuem um dos mais influentes fatores na determinação do mercado relevante
geográfico,76 fazendo com que, muitas vezes, os produtores locais encontrem-
-se em posição de independência e indiferença em relação a agentes econômicos
localizados em áreas diversas. A desigualdade entre os preços dos produtos
locais e aqueles que devem ser transportados pode ser tão alta a ponto de
impedir a relação de concorrência entre os fornecedores, isolando-os em
mercados relevantes geográficos apartados. Da mesma forma, algumas ve-
zes, a existência de várias fábricas em diversas regiões indica a existência

73. Antitrust, p. 42.


74. Aldo Frignani e Cristóforo Osti, 20 mesi di legge antitrust italiana, Diritto del Com-
mercio Internazionale, p. 353.
75. V. decisão proferida no Ato de Concentração 08012.003386/2001-73 entre Camargo
Corrêa S.A. e Promon Tecnologia S.A. pelo Conselheiro-relator Cleveland Prates
Teixeira, na qual se adotou o parecer da SEAE, elaborado pelo técnico Marcelo
Leandro Ferreira, que efetuava as seguintes considerações acerca do mercado rele-
vante geográfico da operação sob análise: “Algumas empresas brasileiras, inclusive
a Camargo Corrêa e a Promon, utilizam serviços prestados por portais estrangeiros.
Há, contudo, uma tendência clara para que os portais nacionais atendam primor-
dialmente as necessidades das empresas que atuam no Brasil”. Massimo Mota aponta
os casos europeus em que o diferencial do idioma também foi importante: (i) Kirch/
Richemont/Telepiù, (ii) CLT/Disney/Super RTL e (iii) Nordic Satellite Distribution
(Competition Policy, 115).
76. Thomas Sullivan e Jeffrey Harrison, Understanding antitrust and its economic impli-
cations, p. 219.

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228 Os fundamentos do antitruste

de mercados relevantes geográficos distintos. Nessas hipóteses, o custo de


transporte pode inviabilizar a comercialização em outras localidades, forçando
os agentes econômicos a manter centros produtivos nas proximidades dos
mercados consumidores.
(iii) Características do produto, tais como durabilidade, resistência ao
transporte etc. Analisando-se as características dos bens, já se decidiu que os
mercados relevantes geográficos do leite pasteurizado e do leite fresco não se
identificam (o leite pasteurizado pode ser comercializado – e, portanto, “con-
correr” – em uma área mais ampla que a referente ao leite fresco). Da mesma
forma, os mercados relevantes geográficos dos produtos congelados e frescos
podem não coincidir.
(iv) Incentivos de autoridades locais à produção ou comercialização. Como
visto linhas acima, atos das autoridades administrativas podem levar à falta
de homogeneidade na concorrência, pois, muitas vezes o incentivo governa-
mental impede que os agentes econômicos estabeleçam, entre si, uma relação
de concorrência.
(v) Existência de barreiras à entrada de novos agentes econômicos no mer-
cado.77 Se uma área é refratária à entrada de novos players, provavelmente
constituirá mercado relevante geográfico distinto; as empresas que nele atuam
não estarão sujeitas à concorrência externa, ainda que potencial. Pensemos,
por exemplo, no caso de altos impostos de importação. Os obstáculos que se
colocam à entrada de agentes econômicos no mercado protegido impedem a
relação de concorrência entre as empresas nacionais e estrangeiras. Inexistindo
tais barreiras, o mercado relevante geográfico poderá até mesmo ser aquele
mundial.78 Assume, pois, particular relevância a identificação das importações
atuais ou potenciais do setor e a presença (também atual ou potencial) de con-
correntes estrangeiros, com fins de comprovação da existência de um mercado
relevante geográfico global.
(vi) Taxa de câmbio praticada pelo país, que inviabiliza a importação de
produtos estrangeiros a preços competitivos, ou mesmo entraves burocráticos,
podem isolar o mercado relevante geográfico.

77. Considera-se barreira à entrada qualquer fator que torne o acesso de novos agentes
econômicos ao mercado mais custosa ou mais difícil, inclusive a diferenciação do
produto (cf. Viscusi, Vernon e Harrington Jr., Economics of regulation and antitrust,
p. 56).
78. Areeda e Kaplow ensinam: “Even if they are not a single market, the imports may
mean that the remote firms constrain the defendant’s power” (Antitrust analysis,
p. 578).

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As válvulas de escape das legislações antitruste 229

5.3.2. O mercado relevante material


O mercado relevante material (ou mercado do produto) é aquele em que o
agente econômico enfrenta a concorrência, considerado o bem ou serviço que
oferece. Sua delimitação, a exemplo do mercado relevante geográfico, parte da
identificação das relações de concorrência.
Primeiramente, deve-se atentar para a necessidade do consumidor satisfei-
ta pelo produto para verificar se ele está normalmente disposto a substituí-lo por
outro(s). Se a resposta for afirmativa, ambos (ou todos) farão parte do mesmo
mercado relevante material. Assim, a fungibilidade (ou intercambiabilidade)
dos produtos para o consumidor faz com que integrem mercado relevante
material idêntico.79
Explica-se a razão por que produtos aparentemente semelhantes podem
não integrar o mesmo mercado relevante: uma caneta de plástico e outra de me-
tal precioso, com certeza, não satisfazem idêntica necessidade do consumidor
e não estão em relação de concorrência. Outras vezes, produtos diversos são
destinados a objetivos iguais, integrando um só mercado. Lawrence Sullivan
convida a pensar, por exemplo, em flocos de milho: podem ser incluídos no
mesmo mercado relevante de todos os alimentos que são consumidos no café da
manhã?80 Empresas produtoras de filmes plásticos, daqueles que são utilizados
para acondicionar alimentos levados aos refrigeradores e congeladores, atuam
no mesmo mercado relevante de outras que produzem embalagens de plástico
rígido? Trens e ônibus são intercambiáveis aos olhos dos consumidores? A
resposta poderá ser afirmativa se concluirmos que satisfazem necessidades
semelhantes dos consumidores e que estes estariam dispostos a tomar os re-
feridos produtos por fungíveis.
No entanto, a intercambiabilidade nem sempre é fácil de ser constatada.
Podemos ter indício de que dois ou mais produtos são intercambiáveis (ou

79. Assim é definido o mercado relevante material, no já citado formulário CO: “Um mer-
cado do produto relevante compreende todos os produtos e/ou serviços considerados
permutáveis ou substituíveis pelo consumidor devido às suas características, preços
e utilização pretendida. Um mercado do produto relevante pode em alguns casos ser
composto por um certo número de produtos e/ou serviços individuais que apresentam
características físicas ou técnicas amplamente indênticas e que sejam permutáveis (...).
Os factores importantes para a avaliação do mercado de produto relevante incluem a
análise da razão da inclusão dos produtos ou serviços nestes mercados e da exclusão de
outros através da utilização da definição acima referida e tendo em conta, por exemplo,
a substitutibilidade, condições de concorrência, preços, elasticidade de preços cruzados
da procura ou outros factores relevantes para a definição dos mercados de produto”.
80. Antitrust, p. 41.

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230 Os fundamentos do antitruste

fungíveis) quando o aumento no preço de um deles conduz ao aumento da


procura do(s) outro(s) (fenômeno da elasticidade cruzada ou cross elasticity).81
Ocorrendo tal hipótese, há certo indicativo de que os consumidores estão
dispostos a substituir um bem pelo outro, o que situaria ambos em relação
de concorrência e autorizaria sua integração no mesmo mercado relevante
material.82 Aqui, pesquisas junto aos consumidores podem mostrar-se úteis.
A ampliação dos limites do mercado relevante material é estratégia comum
nas defesas antitruste. Como exemplo, podemos lembrar a argumentação apre-
sentada por empresa produtora de refrigerantes “cola” (que denominaremos
“X-cola”), perante a Comissão das então Comunidades Europeias. Por volta
do ano de 1988, iniciou-se, na Itália, agressiva campanha publicitária para o
lançamento de um refrigerante do tipo “cola”, denominado 101. Não obstante
a preparação do mercado, o tal refrigerante não era comercializado e impossível
era encontrá-lo nas prateleiras dos distribuidores.
Descobriu-se que a empresa “X-cola” havia encaminhado a cada um dos
revendedores de seu produto (supermercados, quitandas etc.) correspondência
na qual informava que, se houvesse a comercialização de 101 naquele estabe-
lecimento, não lhe seria mais fornecido o produto da “X-cola”. No entanto,
como “X-cola” tinha aceitação certa junto aos consumidores, gerando consi-
deráveis lucros para os distribuidores, estes se abstiveram de comercializar o
novo refrigerante.
Não havia dúvidas quanto à prática em si, pois eram muitas as cartas
enviadas por “X-cola” em poder da Comissão. Sem embargo às cabais provas
colacionadas, a defesa apresentada destacou-se, à época, por sua engenhosi-
dade, contestando a afirmação de que a “X-cola” deteria posição dominante.
A argumentação pôs ênfase nos hábitos dos consumidores, sustentando que
os italianos não costumavam consumir “X-cola” durante as refeições diárias,
fazendo-o apenas nas ocasiões em que o prato principal era pizza. A empresa
acusada providenciou várias fotografias de pizzarias italianas, para evidenciar

81. “When cross-elasticity is high, the two products should be included in the same
market” (Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 576). O critério da elasticidade
cruzada para determinação do mercado relevante material foi pela primeira vez uti-
lizado, pela Suprema Corte Americana, no caso Du Pont (United States vs. E. I Du
Pont de Nemours e Co. (351 U. S. 377 – 1956). Esse método, como salienta Ross,
foi posteriormente empregado nas Mergers Guidelines do ano de 1984 (Principles of
antitrust law, p. 46) e também naquelas do ano de 1992.
82. Para análise das críticas que são feitas pela Escola de Chicago ao critério da elastici-
dade cruzada, v. comentários de Ross sobre a opinião de Turner e Posner (Principles
of antitrust law, p. 47 e ss.).

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As válvulas de escape das legislações antitruste 231

que sobre as mesas encontravam-se não apenas refrigerantes cola, mas também
águas minerais, cervejas e vinhos.
Assim, a empresa “X-cola” afirmava que não detinha a posição dominante
no mercado relevante, porque este incluiria não apenas o mercado de refrige-
rantes cola, mas também aquele de águas, cervejas e vinhos. Ora, se não detinha
a posição dominante, não poderia dela abusar e muito menos ser punida por
infração ao art. 86 do Tratado CE (hoje art. 102 do TFUE).
Em 2007, interessante caso foi analisado pelo CADE. As requerentes,
que pleiteavam a aprovação da aquisição da tradicional Mate Leão pela Coca-
-Cola, alegaram que, de início, o mercado relevante a ser considerado seria o
“mercado de bebidas não alcoólicas, que inclui bebidas carbonatadas à base
de colas, outras bebidas carbonatadas, água, sucos de fruta prontos para be-
ber ou concentrados, refrescos, chás prontos para beber, isotônicos, sucos
de frutas não concentrados”, e, “possivelmente, inclusive, todas as bebidas
comercializáveis”.83As mesmas partes admitiram, contudo, a hipótese de outra
análise, considerando os segmentos de mate e ice tea. No Brasil, Mate Leão é
tradicional marca de chá-mate, enquanto que a Coca-Cola, indiretamente, está
ligada ao Nestea (em virtude de joint-venture mundial com a Nestlé).
Na hipótese de chá-mate e ice tea serem considerados concorrentes, ha-
veria concentração de mercado, pois o consumidor, que antes poderia optar
entre duas fabricantes diversas, passaria a ter uma escolha. Tomadas essas
bebidas de forma apartada, a concentração seria praticamente inexistente.
Mate Leão e Coca-Cola não concorriam antes da operação e seguiriam não
concorrendo depois.
O CADE afirmou que os consumidores percebiam ambas as marcas como
substitutas decidindo, primeiramente, que o mercado proposto, de bebidas
não alcoólicas, era de “abrangência desarrazoada”. O mercado relevante seria
o de chás prontos para beber e os guaranás não gaseificados.84
Ainda no que toca à delimitação do mercado relevante material, assumem
relevo os efeitos dos sinais distintivos dos produtos, tais como as marcas. Regra
geral, podemos dizer que a identificação do bem ou serviço com uma marca
não é por si só suficiente para caracterizar a existência de mercado relevante
distinto.85 Entretanto, quando os consumidores não têm por hábito substituir

83. Ato de Concentração n. 08012.001383/2007-91, julgado em 2008.


84. A operação foi, contudo, aprovada sem restrições, concluindo-se que não haveria
relevantes barreiras à entrada, sendo improvável o exercício de poder de mercado.
85. Cf. Shieber, Abusos do poder econômico: direito e experiência antitruste no Brasil e
nos EUA, p. 49.

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232 Os fundamentos do antitruste

o produto identificado pela marca por outro que lhe é em tudo semelhante,
pode haver a caracterização de vários mercados, derivada da infungibilidade dos
produtos. O critério que deve ser utilizado, mais uma vez, parte não apenas da
necessidade, mas também dos hábitos do consumidor, motivo por que devemos
cogitar de “substituição razoável”.86
Em situações nas quais a dependência dos consumidores é tal que os impe-
de de se valer de outros produtos em princípio intercambiáveis, considera-se a
existência de vários mercados relevantes distintos. A Comissão Europeia assim
decidiu apreciando a prática ABG Oil Companies operating in the Netherlands,
durante a chamada crise do petróleo da década de 1970:87 “Restrições econô-
micas tais como existiram nos Países Baixos durante a crise do petróleo podem
alterar substancialmente as relações comerciais existentes entre fornecedores
que detêm parcela substancial do mercado, quantidades disponíveis de pro-
duto e seus clientes. Por razões alheias ao controle dos fornecedores normais,
seus clientes podem se tornar completamente dependentes para o suprimento
de produtos escassos. Assim, enquanto perdura a situação, os fornecedores
encontram-se em posição dominante em relação a seus clientes”.
Por fim, a identificação das relações de concorrência (e do mercado re-
levante) pode levar em consideração a oferta, se o comportamento do agente
econômico considerado for condicionado pela concorrência que é oferecida
por outros produtores. Fala-se em elasticidade cruzada da oferta para referir a
possibilidade de substituição do fornecedor.88
Por exemplo, tomemos uma produtora de tintas do tipo X, destinadas ex-
clusivamente à pintura de determinado bem. Poderá ocorrer que as produtoras
de tintas Y (que possuem diversa finalidade) sejam capazes de, imediatamente,
passar a fabricar tintas tipo X, sem que, para isso, sejam obrigadas a incorrer
em elevados custos para iniciar a produção da outra tinta e tampouco amargar
elevados prejuízos se abandonarem aquela atividade. Por essa razão, o mer-
cado relevante poderia incluir as fabricantes de tintas X e Y (ou seja, deveria

86. Cf. Bael e Bellis, Competition law of the EEC, p. 61. Para Areeda e Kaplow, “product
differentiation, like product substitution generally, is a matter of degree”, pois “some
smokers would walk a mile for a cigarette C while others would quickly shift to
cigarette L in response to a fractional price change” (Antitrust analysis cit., p. 575).
87. Cf. referência de Bael e Bellis, Competition law of the EEC, p. 70-71.
88. No entender de Massimo Mota: “there might also be substitutability on the side of
supply, when producers that are currently supplying a different product possess
those skills and assets that make it possible to switch production in a short period
of time (say, up to six months or one year) if a price rise occurs” (Competition Policy,
p. 103).

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As válvulas de escape das legislações antitruste 233

ser considerado não somente o hábito do consumidor – aspecto relacionado


à demanda – mas também a concorrência existente para a oferta do produto
ou serviço). Com esse tipo de raciocínio, no caso Torras/Sarrio, a Comissão
Europeia entendeu que papéis couchê de alta qualidade, com maior brilho
(coated paper) e papéis mais simples (low-coating paper) deveriam ser incluí-
dos no mesmo mercado relevante, pois os fabricantes podem, com facilidade,
modificar a qualidade dos papéis que oferecem ao público.89
A possibilidade de alteração da produção deve ser “fácil, rápida e provável”.
O potencial fabricante há de, efetivamente, deter condições (know-how, pessoal
e equipamentos) de iniciar a fabricação do outro bem, as perdas decorrentes da
eventual saída do mercado em caso de insucesso (sunk costs) devem ser diminu-
tas e barreiras à entrada transponíveis sem grandes esforços ou investimentos.90
Investiga-se a real possibilidade de o novo fabricante chegar aos adquirentes do
produto. Assim, problemas referentes à introdução do bem no mercado (ma-
rketing) e aos canais de distribuição disponíveis requerem análise cuidadosa.
Apenas para que se tenha uma visão global da questão do mercado rele-
vante, já foi decidido:
(i) o mercado de bananas não se identifica com aquele de frutas frescas,
uma vez que as primeiras seriam as únicas a satisfazer uma necessidade espe-
cífica de determinada classe de consumidores, composta de pessoas idosas,
doentes e crianças;91
(ii) não há um mercado relevante material específico para o papel celo-
fane, mas sim o mercado de papéis flexíveis de embalagem (flexible packaging
materials);92
(iii) distinguem-se os mercados relevantes de peças para máquinas regis-
tradoras e de máquinas registradoras;93

89. (Caso n. IV/M.166 – Torras/Sarrio, julgado em 24.02.1992). No Brasil, apartaram-se


os mercados de (i) papéis de imprimir e escrever revestido; (ii) papéis de escrever e
imprimir não revestidos em bobinas; (iii) papéis de escrever e imprimir não revestidos
em formato cut size, (iv) papéis especiais e (v) papéis cartão (Ato de Concentração
n. 08012.000182/2002-61).
90. Massimo Mota, Competition Policy, p. 104.
91. United Brands c. Commissione delle Comunità Europee (causa 27/76), Racc. 1978,
p. 207 (transcrita parcialmente por Paolo Mengozzi, Casi e materiali di diritto delle
Comunità Europee, p. 335 e ss.).
92. United States vs. E.I Du Pont de Nemours e Co. (351 U. S. 377 – 1956).
93. Hugin vs. EC Commission [1979] ECR 1869, referido por Bael e Bellis, Competition
law of the EEC, p. 63.

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234 Os fundamentos do antitruste

(iv) cada tipo de vitamina constitui um mercado relevante material distinto


(v.g. A, B1, B2, B3, B6, C, E, H, B12, D, PP, K e M);94
(v) pneus novos colocados nos caminhões e aqueles (também novos) utili-
zados para substituí-los constituem mercados relevantes materiais distintos,
pois os primeiros são vendidos aos construtores de automóveis e os segundos
a distribuidores profissionais;95
(vi) diferenciam-se os mercados das embalagens para leite fresco e leite
pasteurizado;96
(vii) distingue-se o mercado de espaços de publicidade televisiva daquele
de espaços publicitários em jornais e revistas;97
(viii) gesso em folha e pasta de gesso (plasterboard e wet plaster) consti-
tuem mercados distintos;98
(ix) açúcar industrial (vendido fundido ou em sacos de mais de 50
quilogramas) e açúcar vendido a retalho não participam do mesmo mercado
relevante;99
(x) jornais vendidos nas bancas, no entender da autoridade antitruste
francesa, não fazem parte do mesmo mercado relevante dos jornais vendidos
por assinatura;100
(xi) o mercado de serviços funerários é diverso do mercado de transporte
de defuntos;101

94. Hoffmann-LaRoche vs. EC Commission [1979] ECR 461, referido por Bael e Bellis,
Competition law of the EEC, p. 63.
95. Michelin vs. EC Commission [1983] ECR 3461, referido por Bael e Bellis, Competition
law of the EEC, p. 63, e por Aldo Frignani, Abuso di posizione dominante, Diritto
antitrust italiano, p. 320.
96. Tetra Pak I (BTG licence), OJ 1988 L272/27, referido por Bael e Bellis, Competition
law of the EEC, p. 64.
97. Bollettino, 1992, n. 7, referido por Aldo Frignani e Cristoforo Osti, 20 mesi di legge
antitrust italiana, Diritto del Commercio Internazionale, p. 352.
98. Case T. 85/89 [1990] 4 CMLR 464, referido por D. G. Goyder, EC competition law,
p. 349.
99. In G.U. n. L 284, 19.10.88, referida por Aldo Frignani, Abuso di posizione dominante,
Diritto antitrust italiano, p. 320.
100. Dec. 87-D-08, Rapport du Conseil de la Concurrence, 1987, annexe 18, referido
por Aldo Frignani, Abuso di posizione dominante, Diritto antitrust italiano,
p. 320.
101. Trib. Milano, 08.06.1972, Giur. ann. dir. ind., 1972, n. 135, referido por Aldo Frignani,
Abuso di posizione dominante, Diritto antitrust italiano, p. 321.

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As válvulas de escape das legislações antitruste 235

(xii) os mercados de cimento e de material de construção feito de mistura


de areia, pequenas pedras e cimento (calcestruzzo) são diversos;102
(xiii) há apenas um mercado no que tange aos aparelhos de barbear que
necessitam água para seu uso (prodotti per la rasatura bagnata). Incluem-se,
nesse mercado, os aparelhos de barbear descartáveis, de duas lâminas e de
lâminas em sistema;103
(xiv) existem três diversos mercados no que toca aos eixos diferenciais para
automóveis: agrícolas e rodoviários (componentes de tratores, colheitadeiras,
plantadeiras e máquinas rodoviárias), eixos pesados, destinados a caminhões
acima de 8 toneladas, e eixos leves (tipo Salisbury), para caminhões de até 8
toneladas, automóveis e utilitários;104
(xv) não se confundem os mercados relevantes de telhas de barro com
telhas de fibrocimento, assim como não se identificam os mercados relevantes
de caixas d’água de fibra de vidro, aço inoxidável e poliuretano com aquelas
de fibrocimento;105
(xvi) o mercado de leite pasteurizado tipo C constitui mercado relevante
distinto daquele do leite longa vida;106
(xvii) são diversos os mercados de fabricação de ônibus urbanos (utiliza-
dos para o transporte público de curta distância), ônibus interurbanos regio-
nais (utilizados para transporte fora da área urbana) e de ônibus de turismo
(concebidos para tempo livre, essencialmente utilizados em viagens de longa
distância);107

102. Provvedimento 15.07.1992, Tekal-Italcementi, Bollettino, 1994, n. 28 e 29, re-


ferido por Aldo Frignani, Il divieto di abuso di posizione dominante (nei primi
quattro anni di applicazione della l. n. 287/90), Diritto del Commercio Interna-
zionale, p. 56.
103. Warner Lambert/Gillette e BIC/Gillette, publicado em GUGE L 116/21. Comentada
por Andrea Valli, Finanziamenti a concorrenti, acquisti di partecipazioni di mino-
ranza in concorrenti e oligopolio (un commento alla decisione Gillette), Diritto del
Commercio Internazionale, n. 8.1, jan.-mar. 1994, p. 179.
104. Ato de Concentração 01/94. Conselheiro-relator: Marcelo Monteiro Soares, Revista
do IBRAC, vol. 2, n. 4:3.
105. Ato de Concentração 06/94. Conselheira-relatora Neide Malard, Revista do IBRAC,
vol. 2, n. 3/87.
106. Ato de Concentração 11/94. Conselheiro relator Marcelo Monteiro Soares, Revista
do IBRAC, vol. 2, n. 3/70.
107. Caso Mercedes-Benz/Kässbohrer. A Comissão considerou, para efeitos de segmen-
tação do mercado, a diversidade entre os adquirentes dos produtos: no caso de ôni-
bus urbanos, as adquirentes são as autarquias locais; já os ônibus interurbanos são

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236 Os fundamentos do antitruste

(xviii) as colas para papel em bastão não integram o mesmo mercado


relevante das colas líquidas;
(xix) existe um mercado relevante distinto de prestação de serviços
de manutenção dos equipamentos (no caso, fotocopiadoras) de uma marca
específica, ainda que esta não seja dominante no mercado de fabricação do
equipamento;108
(xx) não se confundem os mercados de água mineral e refrigerantes,
também por conta da acentuada diferença de preços entre eles;109
(xxi) não existe um mercado relevante geral de bebidas não alcoólicas:
chás prontos em geral (incluindo ice tea) e guaranás não carbonatados devem
ser incluídos no mesmo mercado;110
(xxii) apartam-se os mercados de telefonia fixa e de telefonia celular;111
(xxiii) o mercado de venda de espaço virtual para publicidade é isolado,
não se reconhecendo um mercado relevante de vendas de espaços publicitários
em geral;112
(xxiv) são distintos o mercado de varejo tradicional e o mercado de vendas
à distância;113

comprados pelo setor de transporte e concessionárias, ao passo que os internacionais


são adquiridos por operadoras de turismo.
108. No famoso caso Kodak, julgado pela Suprema Corte norte-americana no ano de 1992,
haveria um mercado relevante específico de prestação de serviços de manutenção
de máquinas fotocopiadoras Kodak.
109. Caso Nestlé/Perrier (M.190), OJ 1996 L53/20. Nas palavras da Comissão: “The Com-
mission considers that a limited substitutability in terms of functionality alone is not
sufficient to establish substitutability in competition terms. In the present case, if the
only criteria to establish substitutability was to be quenching thirst, many products
of very different nature which fulfil that function would have to be considered as
belonging to the same market (tea, milk, beer, certain fruits etc.). Several factors,
however, indicate the existence of a distinct market for bottled source waters, where
operators are able to act with a significant independece of the actions of companies
selling soft drinks, in particular in the area of pricing”. A decisão segue analisando
as motivações dos consumidores que os levam a preferir a água mineral engarrafada
em lugar de simplesmente beber água de torneira ou mesmo refrigerantes.
110. A operação foi, contudo, aprovada sem restrições, pois se concluiu que não haveria
relevantes barreiras à entrada, sendo improvável o exercício de poder de mercado.
111. Ato de Concentração 53500.002400/2004 apreciado pelo CADE.
112. Atos de Concentração 08012.000182/2002-61 e 08012.000880/00-89, julgados pelo
CADE.
113. Atos de Concentração 08012.011238/2006-37.

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As válvulas de escape das legislações antitruste 237

No que tange à delimitação dos mercados relevantes materiais, podemos


identificar certa tendência mundial das autoridades antitruste de limitar, cada
vez mais, sua abrangência,114 o que acaba por:
(i) caracterizar, com maior facilidade, a posição dominante do agente
econômico (como no caso Banana Chiquita);
(ii) potencializar os efeitos anticompetitivos de determinada prática; e
(iii) impedir que as práticas sejam tomadas como minor agreements (ou
acordos de pouca relevância), isentos da obrigação de comunicação ou de
pedidos de isenções ou autorizações aos órgãos antitruste.
Em processos de concentração, pode interessar a extensão do mercado
relevante a ser considerado, impedindo que seja acolhida a argumentação de
que a operação foi do tipo “conglomerada”, não tendo causado maiores im-
pactos sobre a concorrência. A excessiva segmentação dos mercados envolvidos
pode levar à falsa conclusão de que duas empresas não são concorrentes quando,
na realidade, competem entre si.
5.3.3. A elasticidade do mercado relevante
Após a fixação dos conceitos de mercado relevante geográfico e material,
não é difícil concluir que se trata de outra das válvulas de escape da legislação
antitruste: dependendo da solução mais adequada à concretização da política
econômica, logra-se delimitar o mercado relevante de forma instrumental.115
A Comissão Europeia deixa bastante claro aos agentes econômicos que “[m]
arket definition is a tool to identify and define the boundaries of competition
between firms. It serves to establish the framework within which competition
policy is applied by the Commission. The main purpose of market definition
is to identify in a systematic way the competitive constraints that the underta-
kings involved face”. Note-se bem: (a) definição do mercado é uma ferramenta
para identificar e definir as fronteiras da concorrência entre empresas e (b)
o conceito de mercado relevante está diretamente relacionado aos objetivos
perseguidos pela política de concorrência.116

114. Cf. Frignani e Waelbroeck, Disciplina della concorrenza nella CEE, p. 113; Fox e
Sullivan, Cases and materials on antitrust, p. 41. Aldo Frignani, Il divieto di abuso
di posizione dominante (nei primi quattro anni di applicazione della l. n. 287/90),
Diritto del Commercio Internazionale, p. 56.
115. Aldo Frignani faz referência ao caráter “soggettivo ed aleatorio della delimitazione
del mercato” (Abuso di posizione dominante, Diritto antitrust italiano, p. 336).
116. Disponível em [http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:
31997Y1209(01)&from=EM], acesso em 23.07.2016. Texto em português: Comu-
nicação da Comissão relativa à definicação de mercado relevante para efeitos do direito

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238 Os fundamentos do antitruste

Lançando mão desse instrumento, pode-se diluir o market power do agente


econômico, como ocorreu no discutido caso Du Pont. Ao invés, a segmentação
do mercado relevante é capaz de levar à configuração de posição dominante
(v.g. caso da Banana Chiquita ou mesmo o caso Kodak). Assim, a operação de
determinação do mercado relevante, normalmente o primeiro passo na aná-
lise de uma prática antitruste, possibilita a flexibilização do texto normativo,
colocando-o a serviço da política a ser implementada.
Como vimos, a caracterização do mercado relevante é crucial para a autoriza-
ção ou impedimento das operações entre agentes econômicos, pois que os efeitos
decorrentes serão sopesados dentro dessa moldura. Restringindo-se o mercado
relevante, as consequências da prática poderão ser sentidas de forma mais aguda.
De outra parte, o aumento da dimensão do mercado é capaz de diluir o impacto
anticoncorrencial e, algumas vezes, permitir sua autorização. Nesse sentido, Ja-
mes MacCall117 coloca: “Em um grande número de fusões, a determinação do(s)
mercado(s) no(s) qual(is) atuam as empresas envolvidas determinará o resultado
da decisão. Por exemplo, se as empresas envolvidas forem concorrentes em um
mesmo mercado, serão aplicados os parâmetros das concentrações horizontais,
extremamente restritivos, e provavelmente a fusão será considerada nula. De
outra parte, se as empresas envolvidas não atuarem no mesmo mercado, serão
aplicados os parâmetros das concentrações conglomeradas, bastante permissivos,
e a concentração terá maiores probabilidades de ser aprovada”.
Interessante exemplo nos foi dado pela Comissão Europeia, no já referido
caso De Havilland, que apreciou pedido de autorização de concentração: foram
identificados, pela autoridade, três mercados relevantes no setor de aerona-
ves para transportes regionais, conforme o número de lugares em cada avião.
Assim procedendo, a Comissão concluiu que, após a operação, a adquirente
seria titular de 64% do mercado de aeronaves com 40 a 59 lugares e 76% do
mercado de aeronaves com 60 ou mais lugares. Não obstante, como salientaram
as partes, se fosse considerado simplesmente o mercado em sua globalidade, a
adquirente seria titular de não mais de 50% do mercado relevante.118

comunitário da concorrência, publicada em 09.12.1997.: “A definição de mercado


constitui um instrumento para identificar e definir os limites da concorrência entre
as empresas. Permite estabelecer o enquadramento no âmbito do qual a Comissão
aplica a política de concorrência. O principal objecto da definição de mercado con-
siste em identificar de uma forma sistemática os condicionalismos concorrenciais
que as empresas em causa têm de enfrentar”.
117. James McCall, Sum and substance of antitrust, p. 225.
118. Alberto Saravalle, Il caso De Havilland: tutela della concorrenza o politica industriale,
Diritto del Commercio Internazionale, n. 6.1, jan.-jun. 1992, p. 251.

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As válvulas de escape das legislações antitruste 239

No Brasil, temos vários exemplos da aplicação do “elástico conceito de


mercado relevante”. O CADE, ao apreciar a prática concentracionista da aqui-
sição da Cia. Siderúrgica Pains pelo Grupo Gerdau,119 concluiu que esta última
empresa, se autorizada fosse a operação, seria titular de indesejável posição
dominante no mercado brasileiro de aços longos. Ora, se acolhida tivesse sido a
argumentação da empresa adquirente, relevando o fato de que o setor em que
atua está sujeito a elevado grau de concorrência internacional (e, portanto, o
mercado relevante geográfico a ser considerado seria aquele mundial), não se
poderia dizer que do negócio teria decorrido a posição dominante da Gerdau.
Da mesma forma, em outra decisão, empresa fabricante de cola líquida e outra
que fabricava cola em bastão concentraram-se. Se os mercados relevantes de
cola em bastão e cola líquida fossem considerados como apartados, a conclu-
são seria que não houve maior impacto sobre a concorrência. Já se o mercado
fosse único, após a operação teríamos uma elevação no grau de concentração.
Segundo noticiado, a decisão da autarquia considerou a existência de dois
mercados relevantes distintos e apartados. A definição do mercado relevante
jogou papel crucial, determinando o resultado da decisão. 120

5.3.4. Contraponto: notas críticas ao método tradicional para a delimitação


do mercado relevante
Como vimos, a operação de delimitação do mercado relevante envolve
as relações de concorrência de que participa o agente econômico cuja prática está
sendo analisada. Longe de ser um fetiche da praxe antitruste ou mera opera-
ção matemática, a identificação do mercado é instrumental para que se possa
aplicar a lei. Se o conceito de mercado relevante tem a ver com a identificação
das relações de concorrência e sua delimitação, mostra-se imprescindível,
para valorar corretamente o comportamento do agente e suas consequências
sobre o mercado (ou seja, o prejuízo à livre-concorrência e à livre iniciativa,
mencionadas no art. 170 da CF).
A demarcação do mercado do produto inclui todos os bens que possam
equivaler a “substitutos razoáveis” daquele analisado. Parte-se da necessidade

119. Ato de Concentração 16/94. Requerentes: Siderúrgica Laísa S.A. (Grupo Gerdau) e
Grupo Korf GmbH (Cia. Siderúrgica Pains). Relator: Conselheiro José Matias Pereira.
120. A título exemplificativo, podemos ainda lembrar as definições de mercado relevante
realizadas nos casos Direct TV e Nestlé/Garoto. Ato de Concentração 53500.000359/99.
Requerentes: TV Globo Ltda e TV Globo São Paulo Ltda. Relator: Conselheiro João
Bosco Leopoldino da Fonseca. Ato de Concentração 08012.001697/2002-89. Reque-
rentes: Nestlé Brasil Ltda. e Chocolates Garoto S.A. Relator: Conselheiro Thompson
Almeida Andrade. Os votos estão disponíveis no sítio do CADE: www.cade.gov.br.

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240 Os fundamentos do antitruste

do consumidor (adquirente) que é atendida pelo produto; se houver outros


bens que supram esse mesmo querer, é porque há disputa entre eles.
Com o escopo de proporcionar segurança e previsibilidade, as autorida-
des antitruste indicam aos agentes econômicos quais os métodos empregados
para a construção do mercado relevante na sua jurisdição. Valendo-nos dessas
sinalizações, podemos lançar os olhos sobre os três sistemas primordiais que
nos interessam mais de perto: norte-americano, europeu e brasileiro.

5.3.5. A delimitação do mercado relevante nos Estados Unidos. O teste do


monopolista hipotético e o risco de “falsos negativos”
Nos Estados Unidos, a técnica empregada está assim expressa nas Hori-
zontal Mergers Guidelines de agosto de 2010:
“A market is defined as a product or group of products and a geographic
area in which it is produced or sold such that a hypothetical profit-maximizing
firm, not subject to price regulation, that was the only present and future
producer or seller of those products in that area likely would impose at least a
‘small but significant and nontransitory increase in price, assuming the terms
of sale of all other products are held constant. A relevant market is a group of
products and a geographic area that is no bigger than necessary to satisfy this
test. The ‘small but significant and non-transitory’ increase in price is employed
solely as a methodological tool for the analysis of mergers: it is not a tolerance
level for price increases”.
Como se vê, os estadunidenses adotam o critério do monopolista hipotético
(também conhecida como “SSNIP test”, i.e., “small but significant and non-
-transitory increase in price”), investigando as consequências de reduzido,
mas significativo, incremento no nível dos preços por ele praticados.
Um cuidado que se deve ter com esse método é evitar o erro que muitos
autores apontam ter ocorrido no caso Du Pont,121 julgado pela Suprema Corte
norte-americana no ano de 1956. Resumindo a contenda grosso modo, a Du
Pont foi acusada de dominar o mercado de fabricação de papel celofane. Em sua
defesa, alegou que o segmento em que atuava seria o de embalagens flexíveis
em geral (i.e., enfrentava a concorrência de outros agentes econômicos), de
forma que não poderia ser considerada detentora de posição dominante. O
raciocínio partia da necessidade do consumidor satisfeita pelo celofane, isto
é, da utilidade do celofane para o adquirente (embalar pães, biscoitos, carnes
etc.). Argumentava a Du Pont que, para cada uma dessas aplicações, haveria

121. United States vs. Du Pont & Co., 351 U.S. 377 (1956).

8004.indb 240 21/06/2018 13:33:11


As válvulas de escape das legislações antitruste 241

produtos concorrentes de que o comprador poderia lançar mão para obter


praticamente o mesmo resultado (papel-manteiga, filme plástico e outros).
Demonstrou-se que, quando a Du Pont levantava os seus preços, a demanda
dos substitutos também crescia. Haveria, pois, “elasticidade cruzada preço/
demanda”, na medida em que o incremento do preço do celofane conduzia
ao aumento da procura das outras embalagens flexíveis. A Corte entendeu
que, se a elevação do preço impelia o consumidor à compra de outro produto,
era claro o vínculo concorrencial existente entre eles. Integrariam o mesmo
mercado relevante, portanto.
Provavelmente, se o julgamento fosse realizado nos dias atuais, o mercado
relevante teria sido delimitado de forma diversa, levando em conta a existên-
cia do segmento de celofane em apartado. Aqueles que não concordam com
a decisão tomada no ano de 1956 mencionam que o julgamento deu lugar à
chamada “falácia do celofane”.122 Para entendê-la, partamos de um exemplo.
Suponhamos que as donas de casa brasileiras prefiram limpar vidros com
certo produto especialmente concebido para tal fim, já que é realmente mais
eficiente do que o álcool. O único fabricante desse produto sobe seus preços
em alguns centavos. Como o aumento não foi significativo, poucas decidirão
comprar o álcool. Mas se o produtor elevar “excessivamente” os preços, boa
parcela de consumidoras preferirá valer-se do álcool, mesmo com queda do
rendimento. Concluímos que em conjunturas normais, álcool e limpa-vidros
não são concorrentes, mas eventual “abuso” por parte da produtora deste
último conduzirá os consumidores à aquisição do primeiro. Teremos certa
“elasticidade cruzada da demanda”, mas que, em vez de indicar a presença de
concorrência, estará dando sinal de um abuso. No caso Du Pont, muitos afirmam
que a elasticidade cruzada que tanto impressionou a Corte nada mais revelaria
senão um abuso de posição dominante.
Outro exemplo: A maioria dos banhistas das praias brasileiras ditas
sofisticadas costuma adquirir bebidas nas barracas que ali se estabelecem,
ou mesmo junto a vendedores que circulam pelas areias. O verão de 2014

122. Como veremos adiante, vários autores assinalam que a presença de certo grau de
elasticidade cruzada não indica, necessariamente, que dois produtos são intercam-
biáveis pelo consumidor, mas, ao contrário, pode significar que a empresa em posição
dominante está abusando do poder de mercado, impondo preços acima daqueles que
seriam normais em um mercado concorrencial. Assim, conclui o autor, a elasticidade
cruzada somente deve ser considerada para fins de delimitação do mercado relevante
se – e somente se – os agentes econômicos estiverem praticando preços competitivos
(v. Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 98 e ss. e Massimo Mota, Competition
Policy, 105 e ss.).

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242 Os fundamentos do antitruste

foi extremamente quente. Tanto as barracas quanto os ambulantes passaram


a cobrar preços bastante elevados pela cerveja e outras bebidas geladas. Em
resposta, os consumidores mudaram seus hábitos e começaram a levar seus
próprios coolers, com a provisão de consumo para o dia de veraneio. Assim, o
mercado relevante que, normalmente, restringir-se-ia às barracas e aos ambu-
lantes passou a incluir os mercados e padarias que também fornecem bebidas
aos banhistas.
O texto das Horizontal Merger Guidelines norte-americana pode impelir à
“falácia do celofane” porque estuda os mercados levando em conta o preço atual
do produto (que pode já corporificar um abuso de posição dominante). A conse-
quência desse equívoco seria uma definição desmesuradamente ampla do mercado,
conduzindo à conclusão de que o agente não teria poder econômico quando, na
realidade, está abusando de sua posição dominante.123 A correção, normalmente
indicada, preconiza a utilização dos preços competitivos como ponto de partida da
investigação. No entanto, como logo se percebe, não é tarefa fácil a explicação
do que seriam preços competitivos em um mercado que não é competitivo.
Outra dificuldade é que o método norte-americano acaba recortando o
mercado relevante em torno do poder do agente. Se o propósito da operação de
demarcação é identificar os agentes aptos a exercer poder de mercado, centrar
o exame nesse mesmo poder é uma redundância que pode levar a conclusões
equivocadas.124
Uma terceira linha de problemas – que deve ser pensada junto à questão da
“falácia do celofane” – é a aparente segmentação do mercado relevante que pode
derivar da diferenciação do produto. Para aumentar suas vendas em mercados
competitivos, cada agente econômico procura explorar veios peculiares das
necessidades dos consumidores e, com isso, cativá-los. O êxito, nesse caso,

123. David Harbord e Georg von Graevenitz, Market definition in oligopolistic and ver-
tically related markets: some anomalies, European Competition Law Review 3:151,
2000, p. 151-152. V., também, Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 105 e ss.
124. Nessa linha, a crítica de David Harbord e Georg von Graevenitz: “If the purpose
of market definition is to identify those firms which are potentially able to exerci-
se ‘market power’, then it is a redundant step in competition policy investigations,
which leads to logical absurdities, and should be eliminated (...). If our purpose in
defining relevant markets is simply to identify firms with market power, then it may
not appear to matter very much if we distinguish market power from monopoly po-
wer in market definition. However, if this is the aim then it is far from clear why we
should undertake a market definition exercise in the first place” (Market definition
in oligopolistic and vertically related markets: some anomalies, European Competition
Law Review 3:151, 2000, p. 151-152).

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As válvulas de escape das legislações antitruste 243

implica menor grau de elasticidade da demanda, maior poder de mercado, mas


não chega a nos levar à sua segmentação. Para ilustrar, pensemos no sabão em
pó O, líder de vendas, que pode fixar os preços acima daqueles de seus compe-
tidores. O fato de os adquirentes ponderarem a relação entre custo/benefício
e decidirem pagar um pouco mais pelo sabão de renome não deve necessaria-
mente significar um mercado relevante composto apenas daquele produto.
Em setores em que a diferenciação das marcas é importante, deve-se
cuidar para não a confundir com a possibilidade de satisfação de necessidade
específica do consumidor. Embora a especialização (exploração de nichos)
busque arrefecer a concorrência, os produtos aparentemente distintos conti-
nuam a atender a mesma exigência (isto é, permanecem concorrendo entre si
e, consequentemente, integrando o mesmo mercado relevante). A fronteira
não é de fácil identificação e requer corte artificial desferido pelo intérprete.
Ao mesmo tempo, essa diferenciação pode ser crucial para reconhecer certo
poder do agente dentro de um mercado mais amplo.
Mais recentemente, alguns autores já notavam a flexibilização do método
norte-americano que, em vários casos, especialmente nos de conduta, tem se
valido de abordagens mais maleáveis. Na súmula de James Keyte e Neal Stoll,
“[g]one are the days when a precisely delineated market definition and rigid
structural market analysis were invariably the starting point”. Assim, a posição
adotada pela Federal Trade Commission e pelo Departamento de Justiça nos
últimos anos tenderia a admitir a desnecessidade da fixação rígida das fronteiras
do mercado relevante diante de clara evidência do prejuízo concorrencial.125

125. “In recent years a distinct trend has emerged in the Federal Trade Commission’s (FTC
or the Commission) approach to nonmerger antitrust enforcement. The FTC has
begun to eschew the ‘traditional’ structural method of proving harm to competition in
favor of a more fashionable and flexible approach. Gone are the days when a precisely
delineated market definition and rigid structural market analysis were invariably
the starting point in Sherman Act or FTC section 5 cases. Indeed, the position often
now articulated by the FTC is that a rigorous structural analysis, including market
definition, is essentially unnecessary where a defendant’s conduct can be characte-
rized as ‘inherently suspect’ or where it believes there is ‘direct’ evidence of harm to
competition. (…) Nor has the FTC’s use of direct anticompetitive effects analysis
been confined to the nonmerger context. For the past several years, particularly
following the Staples decision, the FTC has been pursuing a strategy of challenging
mergers under section 7 based primarily, if not solely, on the idea that the acquisition
eliminates significant head-to-head competition between close substitutes; in the
FTC’s view, defining traditional antitrust markets in such circumstances is unneces-
sary. This approach is most often used when challenging a combination’s so-called
unilateral effects. Taken together, the FTC’s infatuation with these new modes of

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244 Os fundamentos do antitruste

Essa postura foi acolhida nas novas Guidelines de 2011 que expressamente
admitem: “Relevant markets need not have precise metes and bounds”.

5.3.6. A delimitação do mercado relevante na Europa


Tradicionalmente, a União Europeia enfrenta a definição do mercado
relevante de forma mais atenta às relações concorrenciais do que ao poder
de mercado do agente econômico. Novamente, chama-se atenção para a
Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante: “A
definição de mercado constitui um instrumento para identificar e definir
os limites da concorrência entre as empresas. Permite estabelecer o enqua-
dramento no âmbito do qual a Comissão aplica a política de concorrência.
O principal objecto da definição de mercado consiste em identificar de uma
forma sistemática os condicionalismos concorrenciais que as empresas em
causa têm de enfrentar. O objectivo de definir um mercado tanto em função
do seu produto como em função da sua dimensão geográfica é o de identificar
os concorrentes efectivos das empresas em causa susceptíveis de restringir o
seu comportamento e de impedi-las de actuar independentemente de uma
pressão concorrencial efectiva. É nesta óptica que a definição de mercado
permite subsequentemente calcular as quotas de mercado, o que representa
uma informação profícua em relação ao poder de mercado para apreciar a
existência de uma posição dominante ou para efeitos de aplicação do artigo
85” (hoje, art. 101 do TFUE).
A delimitação do mercado relevante na União Europeia é uma ferramenta
de implementação de políticas públicas, aos objetivos maiores da União Eu-
ropeia, e um deles é promover a integração do mercado europeu. As fórmulas
matemáticas são utilizadas pela Comissão, incluindo o teste do monopolista
hipotético (“SSNIP test”),126 mas sempre enquadradas nos objetivos da po-
lítica de concorrência: “Existe uma série de testes quantitativos que foram
especificamente concebidos para efeitos de definição dos mercados. Estes são
constituídos por várias abordagens econométricas e estatísticas: estimativas da

analyses of competitive harm not only must be acknowledged, it must be anticipated


by all antitrust practitioners from the outset of any FTC matter that historically would
have been subject to the usual market definition battle. More broadly, the trend away
from a market definition requirement in FTC actions raises several significant policy
concerns – including the risk of ‘false positives’ – and, at a minimum, suggests that
courts need to define much more clearly and predictably what will be considered
an anticompetitive effect” (Markets? We don’t need no stinking markets! The FTC
and market definition, Antitrust Bulletin, setembro de 2004).
126. Whish & Bailey, Competition Law, p. 27.

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As válvulas de escape das legislações antitruste 245

elasticidade e elasticidade cruzada da procura de um produto, testes baseados


na analogia das oscilações dos preços ao longo do tempo, a análise do efeito
de causalidade entre séries de preços e a semelhança entre os níveis de preços
e/ou a sua convergência. A Comissão toma em consideração os elementos
quantitativos disponíveis passíveis de permitir uma análise rigorosa com vista
a estabelecer a estrutura de substituição no passado”.
As palavras da autoridade antitruste italiana, expressas em trabalho da
lavra de Paulo Buccirossi, são válidas para qualquer sistema antitruste: “a ope-
ração de identificação do mercado, todavia, não possui apenas um conteúdo
técnico. Ao contrário, implica uma escolha política (policy) da parte das au-
toridades antitruste”.127

5.3.7. A delimitação do mercado relevante no Brasil e a influência do sis-


tema norte-americano
No Brasil, o Anexo V da Resolução 15 do CADE, de 1998, determina que:
“[U]m mercado relevante do produto compreende todos os produtos/
serviços considerados substituíveis entre si pelo consumidor devido às suas
características, preços e utilização. Um mercado relevante do produto pode
eventualmente ser composto por um certo número de produtos/serviços que
apresentam características físicas, técnicas ou de comercialização que reco-
mendem o agrupamento”.
No entanto, o Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração
Horizontal, anexo à Portaria Conjunta SDE/SEAE 50, de 01.08.2001, adota
declaradamente o teste do monopolista hipotético como critério para demarcar
o mercado relevante:
“A definição de um mercado relevante é o processo de identificação do
conjunto de agentes econômicos, consumidores e produtores, que efetivamente
limitam as decisões referentes a preços e quantidades da empresa resultante
da operação. Dentro dos limites de um mercado, a reação dos consumidores
e produtores a mudanças nos preços relativos – o grau de substituição entre
os produtos ou fontes de produtores – é maior do que fora destes limites. O
teste do ‘monopolista hipotético’, descrito adiante, é o instrumental analítico

127. No original: “L’operazione di individuazione del mercato tuttavia non ha solo un


contenuto tecnico. Essa infatti implica l’assunzione di scelte di policy da parte delle
autorità antitrust”. Publicação cuidada pela Autoritá Garante della Concorrenza e
del Mercato, intitulada Scelte di policy e definizione del mercato rilevante: un modello
strategico.

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246 Os fundamentos do antitruste

utilizado para se aferir o grau de substitutibilidade entre bens ou serviços e,


como tal, para a definição do mercado relevante”.128
Seguramente, o mercado relevante é construído em cada caso concreto.
Como vimos acima, não devemos ter a ilusão de que, nas situações reais, existe
um mercado relevante pronto para ser descoberto pelo intérprete; muito ao
contrário, cuida-se de uma operação lógica em que deve ser adotado um proce-
dimento peculiar que nos permite identificar as relações de concorrência de que
participa o agente econômico.
Em suma, podemos observar que cada autoridade antitruste costuma
desenvolver método próprio de estudo e estabelecimento das fronteiras do
mercado relevante. Nos Estados Unidos, é ele recortado em torno do poder
do agente; quando se parte da constatação da sua capacidade de aumentar e
manter o novo preço por um período razoável de tempo, no fundo, está-se
medindo o poder de mercado do agente, o quanto ele resiste às forças do mer-
cado (concorrência). Os europeus, por sua vez, partem de técnica que tem em
vista, inicialmente, os eventuais substitutos do bem cogitado, o que desvincula
a delimitação do mercado relevante do poder de mercado, convergindo para a
relação concorrencial vista de uma maneira mais instrumental. A diferença entre
os procedimentos, sabemos, é sutil, mas possui importância prática. Tanto que,
nos Estados Unidos, as Guidelines de 2010 sobre o processo para delimitação
do mercado relevante tornaram-no mais flexível.

5.4. Terceira válvula de escape. O jogo do interesse protegido

“Quem quer atingir um escopo deve querer também os meios aptos a


alcançá-lo” – Rudolf von Jhering.

Corroborando a definição de Jhering de que o direito é o interesse juri-


dicamente protegido (e nem todos os interesses reclamam proteção jurídica,
enquanto outros não podem esperá-la),129 a análise empírica das decisões

128. Na nota 6 ao texto resta esclarecido: “Destaque-se que este [teste do monopolista
hipotético] não é o único instrumental possível de ser utilizado na delimitação do
mercado relevante. Outros métodos, tais como o da elasticidade cruzada ou o teste
da correlação de preços ao longo do tempo (price correlation over time), também
podem ser úteis. Entretanto, seja qual for o método utilizado, a lógica do teste do
‘monopolista hipotético’ deve estar sempre presente, isto é, identificar os produtos
e as regiões geográficas que possam limitar a capacidade de decisão da nova firma
criada quanto a preços e quantidades”.
129. Jhering, La dogmática jurídica, p. 189.

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As válvulas de escape das legislações antitruste 247

antitruste demonstra que, dependendo da solução que se entenda como apro-


priada, declara-se determinado interesse (dentre muitos) como digno da tutela
do ordenamento jurídico.130-131-132
Temos, contida no texto normativo, uma multiplicidade de interesses
que reclamam proteção jurídica, e que implica mais um dos meios de que
dispõe a autoridade para, utilizando-se das possibilidades que são dadas pela
lei, concretizar determinada política econômica, optando por cuidar de um
desses interesses.133
Quando, no caso concreto, decide-se declarar determinado interesse como
digno de tutela jurídica, temos que todos os outros interesses, que se abrigam
nas mesmas normas, não são inválidos ou ineficazes; apenas se afasta sua tutela
naquela hipótese. Não há antinomia ao se optar pela proteção de determinado
interesse, em detrimento dos outros.
A mais essa “válvula de escape” das normas antitruste, consubstanciada
na possibilidade de decisão conforme o interesse digno de tutela jurídica

130. “Qu’il nous soit donc permis de conclure à la non-existence actuelle d’une définition
satisfaisante des droits protégés. Ceci est dû essentiellement à la variété des intérêts
en cause. ULMER remarque justement que la question du droit protégé n’est au fond
rien d’autre que celle du but et du rôle de la réglementation législative” (Dietrich
Reimer, La répression de la concurrence déloyale en Allemagne, p. 103).
131. Fox e Sullivan fazem referência a essa problemática destacando as diferenças nas
decisões decorrentes da proteção de diversos interesses (Cases and materials on
antitrust, p. 10).
132. Ralph Miliband alerta para o fato de que os grandes “interesses” organizados nas
sociedades pluralistas-democráticas não competem em termos iguais e que, por
conseguinte, é possível que alguns deles sejam capazes de obter uma vantagem de-
cisiva e permanente no processo de competição. O poder econômico manifestado,
inclusive, nos lobbies constitui um fato que nenhum governo pode ignorar (O Esta-
do na sociedade capitalista, p. 179 e 180). V., também, Fábio Nusdeo, Fundamentos
para uma codificação do direito econômico, p. 120 e ss. Nessa mesma linha, aponta a
doutrina que a razão dessa disparidade entre os graus de tutela conseguidos pelos
grupos sociais pode repousar nos elevados custos de coordenação enfrentados por
algumas categorias de agentes, como os consumidores.
133. Vivifica-se a definição que Emilio Betti dá à interpretação jurídica, como sendo “il
procedimento ricognitivo diretto a identificare e a riprodurre negli apprezzamenti
dell’interprete le valutazioni comparative degli interessi in conflitto che sono già
contenute nelle norme giuridiche” (Diritto, metodo, ermeneutica, p. 544). O intérprete
deve levar em consideração a multiplicidade de interesses protegidos, contidos no
texto normativo. No caso do antitruste, a tarefa do hermeneuta se complica sobre-
maneira, considerada a natureza dos interesses contidos nas leis e, muitas vezes, dos
conflitos entre eles existentes.

8004.indb 247 21/06/2018 13:33:11


248 Os fundamentos do antitruste

no caso concreto que se está analisando, dá-se o nome de “jogo do interesse


protegido”.134
A questão se torna complexa quando considerado o já referido leque
de interesses que se pode abrigar sob as normas antitruste:135-136 interesse do

134. Não se pode deixar de notar a semelhança do raciocínio que aqui efetuamos e aquele
de Esser, a respeito da escolha entre os vários métodos de interpretação jurídica.
Diz o autor que, em princípio, existem o método gramatical, histórico, lógico e
sistemático de interpretação do direito e que, dependendo da ocasião ou do caso
concreto que se está levando em consideração, elege-se um desses métodos como
ótimo para fins daquela interpretação específica. Não obstante, “ciò che ancora non
è stato spiegato a proposito di questi elementi e criteri di una corretta interpreta-
zione, sono i motivi che stanno alla base della decisione sull’importanza del singolo
criterio di interpretazione teleologico o grammaticale, sistematico o anche storico,
nel caso singolo”. A conclusão a que chega Esser é inquietante: “Così si chiarisce il
fatto che, nonostante le spiegazioni metodologiche sull’importanza e la portata del
singolo schema interpretativo, a mala pena prese in considerazione dalla prassi, a
seconda dell’utilità di un elemento interpretativo da riconoscere ufficialmente, in
realtà caratteristiche interpretative sistematiche o riflettenti il loro fine, grammaticali
o storiche, vengono utilizzate selettivamente, in modo sommamente arbitrario, o
apparentemente arbitrario, in un modo cioè determinato da risultato” (Precomprensione
e scelta del metodo nel processo di individuazione del diritto: fondamenti di razionalità
nella prassi decisionale del giudice, p. 121-122 – grifamos). Cf., ainda, Larenz (Meto-
dologia da ciência do direito, p. 142).
135. Allan Fels expõe a multiplicidade de interesses que podem ser afetados pela regula-
mentação do mercado pelo governo: “(a) the general consumer or public interest; (b)
particular groups of an industry’s consumers who receive discriminatory treatment,
either favourable or unfavourable, as a result of regulation; (c) producers, or sub-
-groups of producers, in the regulated industry itself; (d) employees or other suppliers
of inputs to a particular industry; (e) producers of substitute or complementary
goods; (f) groups which do not consume the principal output of an industry but
which are subject to actual or self-perceived externalities arising from its activities.
Examples include persons living near factories which cause pollution, and tempe-
rance grops seekling liquor regulation; (g) the regulators; (h) the goverment (for
exemple, where regulation allows the industry to make monopoly profits which the
government appropriates for itself through taxation or other means); (i) politicians
and political parties. This enumeration suggests that many hypothesis concerning
the effects of regulation are possible. Empirical studies of regulation only sometimes
conclude that regulation serves one interest exclusively at the expense of all others”
(The political economy of regulation, U. N. S. W. Law Journal, vol. 5, p. 32, 1982).
Sobre a prevalência do interesse especial (ou seja, de uma determinada categoria)
sobre o interesse público (inclusive na Escola de Chicago), cf. M. L. Greenhut e Bruce
Benson, American antitrust laws in theory and in practice, p. 145 e ss.

8004.indb 248 21/06/2018 13:33:11


As válvulas de escape das legislações antitruste 249

mercado, interesse do consumidor, interesse nacional, bem comum, eficiência


alocativa, interesse público137 etc. Teoricamente, a aplicação da Lei Antitruste
136

pode tutelar cada um desses interesses, resultando, muitas vezes, em possibi-


lidades de decisões de vários sentidos, alguns diametralmente opostos.138 Para

136. Shieber já identificava o emaranhado de interesses na Lei Antitruste: “Os benefícios


econômicos que se espera da concorrência podem ser encarados sob vários aspectos.
Primeiro, o aspecto que visa os interesses do consumidor, que goza, sob um regime
em que prevalece a concorrência, de menor qualidade, menor preço, e um grande
número de produtos entre os quais se possa escolher. Segundo, o aspecto que visa
os interesses das empresas concorrentes, tanto as potenciais como as atuais. Estas
gozam, num regime de concorrência, da liberdade de dedicar-se a um ramo de ne-
gócios e de crescer pelo mérito de seus atributos, sem sofrer entraves pelas ações
conjuntas das empresas que já fazem parte do mercado ou pelas atividades de em-
presas dominantes. Finalmente, o aspecto que visa ao interesse da nação inteira no
desenvolvimento econômico do país, que, sob um regime de concorrência, goza de
um parque industrial moderno que o fortalece e assegura ao povo os produtos que
melhoram sua vida quotidiana” (Abusos do poder econômico, p. 64).
137. Ernest S. Griffith faz interessantes observações sobre o conteúdo ético do interesse
público, de forma que nos leva a perguntar se não seria norte por demais fluido.
Para responder a essa questão, o referido autor pondera que, muitas vezes, a legiti-
midade vem tomada como parâmetro: se esta existe, há o atendimento ao interesse
público: “Definições desprovidas de conteúdo ético são enganadoramente fáceis
nessa conjuntura. O pensamento positivista de tal modo penetrou em nossa ciência
social, que a palavra ‘público’ chegou frequentemente a ser aplicada a considerações
puramente processuais. Muitos juristas e políticos estão inclinados a dotar todo
e qualquer ato que se adapte a um processo ‘legítimo’ do atributo ou qualidade de
interesse público. Quando pressionados a dar uma definição funcional de ‘legítimo’,
esses estudiosos recorrem a conceitos como ‘constitucional’ e em seguida procu-
ram descobrir um denominador comum entre atos de déspotas (benevolentes ou
não), de democracias refinadas e de longa duração (...). A palavra ‘interesse’ não
sobreviverá a essa aplicação universal, muito embora a palavra ‘público’ possa
passar relativamente incólume, limitando sua identificação como um processo.
Economistas de ponto de vista semelhante fazem um pouco melhor. ‘A livre escolha do
consumidor’ substitui a ‘legitimidade’ como o critério de interesse público, e a atividade
do governo destinada a promover essa escolha é, por isso, claramente considerada
como de ‘interesse público’” (Os fundamentos éticos do interesse público, O interesse
público, p. 26 – grifos nossos). Confira-se, também, para uma definição econômica
do que vem a ser o “interesse público”, Clair Wilcox e William G. Shepherd, Public
policies toward business, especialmente p. 7-22.
138. W. Friedmann comenta que “(...) o crescente poder de grupos maciços e altamente
organizados de industriais, trabalhadores, agricultores, varejistas, veteranos, anun-
ciantes e muitos outros, lutando cada qual para assegurar seus interesses, suscita

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250 Os fundamentos do antitruste

ilustrar essa afirmação, valemo-nos do julgamento proferido em antigo caso


norte-americano:139 “Praticar preços baixos para eliminar concorrentes é legal
porque tais preços beneficiam o consumidor”.
Naquela ocasião, decidiu-se que a prática de preços predatórios deveria
ser admitida porque traria benefícios para o consumidor, que passaria a pagar
menos para adquirir aquele produto. Percebe-se, com esse exemplo, como o
jogo do interesse protegido pode ser utilizado para justificar as decisões an-
titruste que devem servir a uma política econômica governamental, pois está
claro que, se os julgadores houvessem tido por bem proteger a concorrência,
a decisão teria sido outra.140
Não obstante, qualquer que seja a posição adotada pelo intérprete que se
encontra diante do cipoal de interesses “protegíveis”, há de ser abandonada
a confortável crença, referida com a habitual sagacidade por Bork, de que “as
boas coisas são sempre compatíveis”,141 de forma que se poderia encontrar
harmonia intrínseca entre todos os interesses a serem protegidos.

a palpitante questão da existência ou não de um interesse público, expressando as


aspirações e os valores da comunidade, e se colocando acima dessas forças e pres-
sões” (O conteúdo instável do interesse público: alguns comentários sobre o artigo
de Harold D. Lasswell, O interesse público, p. 90).
139. Mogul Steamship Co. vs. MacGregor (Cases and materials on antitrust, p. 16).
140. Harold D. Lasswell, sobre a relatividade do que chama de “interesses comuns”: “Há
um vasto campo para os observadores atentos que descrevem um dado contexto
como diverso de outro na identificação de interesses comuns. Até certo ponto isso
é questão de gosto em definição e a necessidade não suscita nenhum problema de
tradução interexplicativa se os termos forem claramente demonstrados. Possíveis
diferenças nascem também da escolha do processo usado na análise empírica do
contexto” (O interesse público: sugestões de princípios de conteúdo e de método,
O interesse público, p. 73-74). Vale, ainda, a respeito, repisar: quando da ascensão da
Escola de Chicago ao poder, no governo Reagan, passou-se a entender a “eficiência
alocativa” como o interesse máximo a ser protegido pelas normas antitruste, que
somente faria beneficiar o consumidor. Assim, mudou-se radicalmente a linha de
orientação da interpretação das normas antitruste (cf. Rudolph J. R. Peritz, Foreword:
antitrust as public interest law, New York Law School Law Review, p. 771 e ss.).
141. “In looking to the legislative history, one discerns repeated concern for the welfare of
consumers and also for the welfare of small business and for various other values – a
poutpourri of other values. So far as I’m aware, Congress, in enacting these statutes,
never faced the problem of what to do when values come into conflict in specific
cases. Legislators appear to have assumed, as it is most comfortable to assume, that
all good things are always compatible” (The role of the courts in applying economics,
Antitrust Law Journal, p. 24, referido, também, por Fox e Sullivan, Cases and materials
on antitrust, p. 34).

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As válvulas de escape das legislações antitruste 251

5.4.1. Lei de tutela da concorrência ou lei de repressão ao abuso do poder


econômico?
Neste passo, é necessário questionar se é mesmo indiferente referir a Lei
12.529, de 2011, como “lei de repressão ao abuso do poder econômico” ou “lei
de tutela da livre-concorrência”. A resposta negativa se impõe.
Quando se faz referência à “lei de tutela da livre-concorrência”, está se
colocando a livre-concorrência ou a livre iniciativa como bem maior protegido
pela Lei Antitruste. Não que a repressão ao abuso do poder econômico seja
completamente desprezada: ao contrário, mas ela é amparada apenas na medida
em que se mostra instrumental à tutela da livre-concorrência. Nesse sentido,
podemos dizer que o Sherman Act é uma “lei de tutela da livre-concorrência”.
Já ao falarmos em “repressão ao abuso do poder econômico”, privilegiamos
em grau máximo essa repressão. Algumas práticas, ainda que não prejudiciais
à livre-concorrência, serão vedadas pela lei. Como exemplo, a coibição dos
lucros arbitrários, que poderiam ser fator de fomento (e não de prejuízo) para
a concorrência, e que vêm capitulados como infração à ordem econômica por
nossa Lei Antitruste.142
No Brasil, considerando-se o teor do art. 173, § 4.º, da CF, parece-nos não
haver dúvidas de que a Lei 12.529, de 2011, é uma lei de repressão ao abuso do
poder econômico: “Lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à do-
minação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário
dos lucros”. Essa sua matriz direta. Quando posta no quadro geral do art. 170
(e do art. 3.º da Constituição do Brasil), evidencia-se ainda mais seu caráter
instrumental, buscando a promoção da dignidade da pessoa humana.
A questão do jogo do interesse protegido, em nossa Lei Antitruste, rela-
ciona-se principalmente com o art. 36, caput, e com os critérios para aprovação
das concentrações, postos no art. 88, § 6.º. Para se desfazer a confusão instalada
sobre o sentido e o alcance daqueles dispositivos, é preciso interpretá-los em

142. Em princípio, existem duas formas de controlar o preço utilizando-se as normas an-
titruste: a primeira, é assegurando que a concorrência exerça seu papel, impedindo
a prática de preços muito acima do custo marginal. Assim, por exemplo, quando se
desfaz um monopólio, estabelecendo a concorrência em um setor da economia, os
preços tendem (se não houver acordo entre os agentes econômicos, neutralizando
essa mesma concorrência) a estabilizar-se em patamar inferior àqueles típicos do
monopólio. Esse foi um dos principais motes que inspirou a desestatização de vários
setores da economia a partir dos anos 80. Outra técnica consiste em controlar os preços
praticados pelos agentes econômicos com posição dominante no mercado. No primeiro
caso, fomenta-se a concorrência; no segundo, reprime-se o abuso do poder econômico.

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252 Os fundamentos do antitruste

consonância com o texto constitucional e com o art. 1.º da própria Lei Antitrus-
te: “Art. 1.º. Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência –
SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem
econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa,
livre-concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e
repressão ao abuso do poder econômico”.
O texto legal menciona expressamente uma miríade de interesses dignos
de tutela jurídica. O art. 36, caput, como expusemos no capítulo terceiro,
trata da livre-concorrência, da livre iniciativa e da tutela daqueles que se encon-
tram em posição de sujeição em relação ao titular de poder econômico ou de
posição dominante. Além disso, o art. 88, § 6.º, I a da Lei 12.529, 2011, prevê
a possibilidade de autorização de concentrações restritivas da concorrência
que propiciem “a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico”.
O texto legal faz também referência aos “consumidores” e aos benefícios que
lhes são repassados pelas operações.
Em momento algum, nosso sistema jurídico corrobora a afirmação, re-
verberada por muitos, de que a Lei Antitruste brasileira visaria, apenas e tão
somente, à tutela da “eficiência alocativa”, nela encontrando seu valor supremo.
Ao contrário, encontramos na Lei complexa constelação de princípios, valores
e interesses que não pode ser ignorada pelo intérprete.
5.4.2. Lei Antitruste, Lei da Propriedade Industrial e Código de Defesa do
Consumidor
Existe, no Brasil, tendência a se misturar áreas de incidência de diplomas
diversos, como a Lei da Propriedade Industrial, o Código Brasileiro de Defesa
do Consumidor e a Lei Antitruste. A confusão muitas vezes se justificaria,
considerando-se que os bens jurídicos tutelados mediatamente por uma lei
são protegidos de forma direta e imediata por outra,143 não sendo difícil que se
percam os contornos da nítida individualização.
Sem embargos às dificuldades encontradas, é necessário que esses diplo-
mas sejam tecnicamente apartados, sob pena de comprometer sua aplicação
eficaz.
5.4.2.1. Concorrência desleal e lei antitruste
No campo da repressão à concorrência desleal, costuma-se referir à dupla
finalidade de suas normas: a proteção dos concorrentes contra a concorrência

143. Francesco Carnelutti diferencia a proteção mediata e imediata de interesses em sua


obra Sistema di diritto processuale civile: funzione e composizione del processo, vol. 1,
p. 7 e ss.

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As válvulas de escape das legislações antitruste 253

desleal e a proteção da coletividade contra os excessos da concorrência.144 Em


outras palavras, o bem imediatamente tutelado relaciona-se ao concorrente,
protegendo-se, por via de consequência e de forma indireta, a coletividade
contra os excessos da concorrência.
Na proteção da concorrência leal, efetuada em nosso sistema jurídico
principalmente pela Lei 9.279, de 14.05.1996, o bem imediatamente tutelado
é a proteção do concorrente, do interesse do agente econômico individualmente
considerado, e não a tutela do interesse coletivo ou geral da concorrência, como
ocorre nas normas antitruste.145

144. Dietrich Reimer, La répression de la concurrence déloyale en Allemagne, p. 104. O Código


da Propriedade Industrial cumpre função constitucional de tutela da livre iniciativa
e da livre-concorrência, mas sob prisma diverso daquele das normas antitruste.
145. A questão em muito se elucida considerando-se a lição de Francesco Messineo:
“Si può ora stabilire che gli interessi, a tutela dei quali la norma giuridica è predis-
posta, sono – in sostanza – di due specie. Si trata o di interessi colletivi, ovvero di
interessi individuali. I primi sono quelli che concernono pluralità di soggetti, siano
essi considerati quale somma o quale unità; gli altri sono quelli che concernono il
singolo come tale” (Manuale di diritto civile e commerciale, p. 4). Adotando, pois,
essa classificação, podemos dizer as normas antitruste protegem imediatamente
interesses coletivos, enquanto as normas de tutela da concorrência leal protegem
imediatamente o interesse individual do concorrente. Vale a referência à moderna
doutrina nacional, que, fazendo coro ao Professor da Academia de Fiesole, Mauro
Capeletti, ensina: “É metaindividual (...) o interesse público, exercido com relação
ao Estado. Mas esse interesse (à ordem pública, à segurança pública) constitui in-
teresse de que todos compartilham. (...) Já por interesses coletivos entendem-se os
interesses comuns a uma coletividade de pessoas e apenas a elas, mas ainda repou-
sando sobre um vínculo jurídico definido que as congrega. A sociedade comercial,
o condomínio, a família dão margem ao surgimento de interesses comuns, nascidos
em função da relação-base que congrega seus componentes, mas não se confundindo
com os interesses individuais.(...) Outro grupo de interesses metaindividuais, o dos
interesses difusos propriamente ditos, compreende interesses que não encontram
apoio em uma relação-base bem definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas
a fatores conjunturais ou extremamente genéricos, a dados de fato frequentemente
acidentais e mutáveis: habitar na mesma região, consumir o mesmo produto, viver
sob determinadas condições socioeconômicas, sujeitar-se a determinados empreen-
dimentos etc. Trata-se de interesses espalhados e informais à tutela de necessidades,
também coletivas, sinteticamente referidas à qualidade de vida. E essas necessidades e
esses interesses, de massa, sofrem constantes investidas, frequentemente também de
massas, contrapondo grupo versus grupo, em conflitos que se coletivizam em ambos
os polos” (Ada Pellegrini Grinover, A problemática dos interesses difusos, A tutela
dos interesses difusos, p. 30-31). A análise caso a caso de cada uma das práticas em
infração da ordem econômica nos indicará o interesse que está sendo prejudicado. A

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254 Os fundamentos do antitruste

Inexistindo infração à ordem econômica capitulada no art. 36, caput, da


Lei 12.529, de 2011, não há violação antitruste. A esse respeito, é clara a ma-
nifestação do então Juiz Federal Silvério Luiz Nery Cabral: “Não constituem
abuso do poder econômico, mas, antes, condutas indenizáveis pela via civil e
eventualmente reprimíveis através da competente ação penal privada, os atos
de concorrência desleal que não caracterizem manobras de domínio do mer-
cado pela eliminação da concorrência e pelo aumento arbitrário dos lucros”.146
É no bem jurídico diretamente protegido pelos dois diplomas que encontra-
mos a diferença entre as normas antitruste e aquelas de repressão à concorrência
desleal. Nestas, o bem imediatamente tutelado refere-se ao concorrente,147 ao
passo que o direito antitruste atenta à concorrência, ao bom fluxo de relações
econômicas, ao mercado.148 Nas primeiras, cuida-se da lisura do concorrente
em seu interagir com os outros agentes econômicos, enquanto nas segundas
preocupa a manutenção e condução da estrutura do mercado.149 Ademais,

adotar-se a classificação da Professora Ada, em alguns casos poderíamos identificar


a proteção de interesses difusos, como, por exemplo, nas hipóteses de imposição de
preços excessivos aos consumidores (tomados no sentido do art. 2.º do Código de
Defesa do Consumidor) ou ainda na preservação do mercado. Já em outros casos,
poderiam estar sendo prejudicados interesses coletivos (v. g. de agentes econômicos
reunidos em associações) e, na maioria das vezes, interesses públicos. Por essa razão,
preferimos adotar a classificação de Messineo, mais útil para o desenvolvimento
deste nosso trabalho, que distingue, apenas, os interesses individuais dos interesses
coletivos (ou “egoísticos” dos “metaindividuais”, como prefere a moderna doutri-
na) (cf. Rodolfo de Camargo Mancuso, Interesses difusos: conceito e legitimação para
agir, p. 64 e ss.).
146. Cf. José Inácio Gonzaga Franceschini e José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini,
Poder econômico: exercício e abuso, ementa 96, p. 98-99.
147. Fábio Konder Comparato anota: “O primitivo fundamento da repressão aos atos
de concorrência desleal foi (...) a proteção à liberdade subjetiva dos concorrentes. Era
considerada desleal a atividade mercantil que causasse prejuízo aos concorrentes,
desviando-se das normas habituais de exercício da atividade econômica, tais como
as forjaram os próprios comerciantes” (Concorrência desleal, RT 375/30).
148. A respeito, passagem da decisão do CADE no caso Fiat vs. Transauto: “O bem jurídico
sob tutela é o mercado, local onde atuam as forças de produção, cuja conduta deve
se pautar pelos interesses da coletividade. A instauração do processo não leva em
conta o direito ou o interesse individual do representante, mas sim interesses difusos,
consubstanciados na manutenção de um mercado livre, onde o poder econômico se
cria e se mantém nos estritos termos da lei e a concorrência se processa livremente,
sem abusos” (R Ibrac, vol. 2, n. 1, p. 95).
149. Destacando a diferença entre as leis antitruste e de defesa da concorrência leal, Ed-
mund Kitch e Harvey Perlman: “In the development of the laws of unfair competition

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As válvulas de escape das legislações antitruste 255

tenha-se sempre em mente, como faz Machlup,150 que o prejuízo causado a


um concorrente ou aos concorrentes é diverso do prejuízo à concorrência.151
Entretanto, na complexidade dos fatos, os limites da separação da discipli-
na da concorrência desleal e do direito antitruste não são nítidos, até porque a
mesma prática pode prejudicar o concorrente e, simultaneamente, a concorrência.
Dessa forma, é bastante natural que exista, em nossa lei de repressão à
concorrência desleal, dispositivo que a liga com a legislação antitruste, de
forma que uma prática de restrição à livre-concorrência ou de abuso do poder
econômico pode ser vista, em alguns casos, como ato de concorrência desleal.
Basta, para tanto, considerarmos o teor do inciso III do art. 195 da Lei 9.279,
de 1996: comete crime de concorrência desleal aquele que “emprega meio
fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem”.
Em que pese à dificuldade da doutrina em qualificar o que seria “meio
fraudulento”,152 forçoso admitir que, se alguém prejudica o concorrente
mediante prática tipificada como contrária à ordem econômica, conduz-se
de forma fraudulenta, na medida em que aquele ato é repudiado pelo ordena-
mento. Por exemplo, a venda de bens abaixo de seu custo, tendo por efeito a
eliminação de seu concorrente, pode configurar, ao mesmo tempo, abuso do
poder econômico e concorrência desleal (pois é utilizada, no mercado relevante,
uma prática definida por nosso ordenamento como ilícita e, portanto, fraudu-
lenta). Nesse caso, serão aviltados tanto a livre-concorrência e a livre iniciativa
(conforme o art. 36, caput, da Lei Antitruste) quanto o direito do concorrente
individualmente considerado, que será lançado para fora do mercado.153 Ao
reverso, ato de concorrência desleal pode ser encarado como violação à Lei
Antitruste desde que implique a incidência de qualquer dos incisos do art.

and in fashioning administrative regulations, it may be well to remember that the


antitrust laws provide protection and relief from at least the most egregious ‘market
imperfections’” (Legal regulation of the competitive process: cases, materials and notes
on unfair business practices, trademarks, copyrights and patents, p. 16, nota 2).
150. The political economy of monopoly, p. 103.
151. Cf., também, José Ignácio Gonzaga Franceschini, Disciplina jurídica do abuso do
poder econômico, RT 640/262.
152. A respeito, cf. Celso Delmanto, Crimes de concorrência desleal, p. 80-81.
153. A partir do momento em que o próprio conceito de “meio fraudulento” vem tomado
pela doutrina em seu sentido o mais amplo possível, na maioria das vezes não há
a necessidade de se caracterizar a prática como atentatória à livre iniciativa para
considerá-la fraudulenta. Entretanto, em virtude dessa “ponte” estabelecida entre
a Lei Antitruste e aquela de tutela da concorrência leal, vê-se, mais claramente, a
incidência dos dois tipos de norma sobre o mesmo suporte fático.

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256 Os fundamentos do antitruste

36, caput, da Lei 12.529, de 2011, pois o dano a apenas um concorrente pode
implicar lesão ao bem imediatamente protegido pela Lei Antitruste.154
Especialmente em ambientes concentrados, a prática desleal do agente
econômico, que tenha por objeto ou por efeito a eliminação de apenas um
concorrente, trará consequências não desprezíveis para o mercado, de forma
a caracterizar o prejuízo à livre-concorrência ou à livre iniciativa. Considere-
mos, por exemplo, o suborno de dirigente de concorrente, em mercado no qual
atuam apenas duas empresas: essa prática não apenas acarretará a incidência
da Lei 9.279, de 1996, mas também da Lei Antitruste.155
Em conclusão, a diferenciação dos interesses imediatamente protegidos
pelas Lei Antitruste e Lei de Concorrência Desleal faz com que regulamentem
fenômenos diversos: a proteção do concorrente muitas vezes pode não impli-
car proteção da concorrência. De outra parte, considerando-se que também as
normas de concorrência desleal (de forma mediata) fomentam a concorrência
e o progresso tecnológico, colocam-se pontes entre as duas legislações que nos
permitem, em alguns casos, a interpenetração das matérias.
Atualmente, os problemas de intersecção entre a Lei Antitruste e Lei da
Propriedade Industrial muito longe estão de se restringir a questões ligadas
aos efeitos dos atos de concorrência desleal capitulados no art. 195 da Lei
9.279, de 1996. A realidade da nossa “Sociedade da Informação” exige que
andemos muito além, percebendo como as normas de tutela da livre iniciativa,

154. Comenta Hugo L. Black, juntamente com outros autores: “Where, as here, the practice
is one that’s inherently anticompetitive, the finding of public injury has already been
made: ‘Congress’, said that the Court, has ‘determined its own criteria of public harm’
and it is ‘not for the courts to decide whether in an individual case injury had actually
occurred’. In addition, the Court’s prior cases ‘have made clear that an effect on prices in
not essential to a Sherman Act violation’. As to the plaintiff’s insignificant market share,
the practice is by its nature anticompetitive: ‘As such, it is not to be tolerated merely
because the victim is just one merchant whose business is so small that his destruction
makes little difference to the economy. Monopoly can as surely thrive by the elimination
of such small businessmen, one at a time, as it can by driving them out in large groups’”
(“Price effect” not essential to Sherman Act violation: even the single “small merchant”
has antitrust rights, Antitrust Law and Economics Review, vol. 24, n. 2, p. 39, 1992).
155. Na opinião de Hermano Duval (Concorrência desleal, p. 338), a instituição de um cartel
é perfeitamente lícita, do ponto de vista da legislação de repressão à concorrência
desleal, levando-se em consideração, para determinar a incidência dessas normas,
apenas os efeitos que aquele cartel produzirá. Assim, v.g., um cartel que inclua todos
os agentes econômicos do mesmo mercado relevante não será contrário à Lei 9.279,
de 1996. De outra parte, esse cartel será seguramente sancionado pela Lei Antitruste,
a partir do momento em que restringir a livre-concorrência e a livre iniciativa.

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As válvulas de escape das legislações antitruste 257

da livre-concorrência e de repressão do abuso do poder econômico constituem


balizadores da atuação lícita dos titulares de “exclusivos”, ou seja, de direitos
de propriedade intelectual. Essa importante questão será analisada adiante,
no capítulo em que estudamos o abuso de posição dominante.

5.4.2.2. Código de Defesa do Consumidor


Tal como ocorre com a Lei da Propriedade Industrial, não são poucas
as confusões levadas a cabo na aplicação do Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor e da Lei Antitruste, misturando-se institutos e confundindo-se
o campo de incidência dos diplomas.
Pode ocorrer que o mesmo suporte fático desencadeie a incidência de normas
de defesa do consumidor e de normas antitruste. Mas isso não pode forçar-nos
a desconsiderar que os diplomas protegem diretamente interesses diversos: a
livre iniciativa e a livre-concorrência, de uma parte, e o consumidor, de outra.
Argumentar-se-á que a partir do momento em que a livre-concorrência é
defendida, tutela-se o consumidor, o que é, na maioria das vezes, verdadeiro.
Já se disse, com propriedade, que “a tutela da concorrência é a proteção do
consumidor no atacado”. Ademais, nas decisões antitruste em que se tem a
preocupação (imediata) da tutela da livre-concorrência, a proteção (mediata) ao
interesse do consumidor, quando existente, é não raro utilizada como elemento
argumentativo.156 Ademais, aqueles que defendem ser a eficiência alocativa
o único norte do antitruste, colocam o foco da discussão no oferecimento de
preços inferiores aos consumidores. Nesse prisma, tudo o que leva à redução
de preços é considerado benéfico.
Mas, como já dissemos, nas leis antitruste, a tutela do consumidor é media-
ta, ao passo que a livre iniciativa e a livre-concorrência são bens imediatamente
tutelados. Lembremo-nos do exemplo referido no início deste capítulo: o preço
excessivamente baixo pode ser considerado benéfico, no primeiro momento,
para os consumidores, que passam a adquirir o produto por preço inferior àquele
que era praticado; na verdade, prejudica a livre iniciativa e a livre-concorrência.

5.5. As válvulas de escape e a insegurança jurídica. O direito con-


correncial e a previsibilidade necessária à atuação dos agentes
econômicos

156. Cf., ainda, sobre a posição da Escola de Chicago, o capítulo referente aos objetivos
da Lei Antitruste.

8004.indb 257 21/06/2018 13:33:11


258 Os fundamentos do antitruste

A necessidade de flexibilização das normas antitruste, para que possam


melhor servir à sociedade (o que é feito, como vimos, pela utilização das
válvulas de escape), acaba por gerar fenômeno muito referido pela doutrina
especializada e pelos advogados que atuam na área do direito concorrencial: a
insegurança jurídica. Ou seja, ressente-se a falta de generalidade e previsibilidade
no processo de interpretação/aplicação das normas que disciplinam a atividade
dos agentes econômicos no mercado.157 A respeito, perguntou Lesguillons, de
forma incisiva: “Is it not time to talk of legal insecurity?”.158-159
Assim, ao mesmo tempo que as válvulas de escape constituem instrumento
indispensável ao sistema, acabam por gerar incômoda instabilidade e o desejo
de maior vinculação do intérprete ao texto normativo.160-161

157. Sobre a questão da segurança jurídica no mercado, v. Paula A. Forgioni, Teoria geral
dos contratos empresariais.
158. Competition law and purchase of companies, Revue de Droit des Affaires Internationa-
les, n. 4-5, 1989, p. 383. Kingman Brewster Jr. toca o problema da certeza/flexibilidade
das normas antitruste, no campo das relações internacionais: “Any reevaluation of
foreign commerce antitrust policy must give high priority to the competing claims
of certainty and flexibility” (Antitrust and american business abroad, p. 11).
159. No Brasil, a questão da insegurança jurídica das normas antitruste sempre assume
lugar de destaque na imprensa. O CADE que, como vimos, não possuía tradição de
atuação (ocupando, via de consequência, um papel secundário), no início da década
de 90 iniciou atuação mais intensa. A “subjetividade” da lei passou a preocupar não
apenas os empresários, mas também o governo federal, todos espantados diante
de decisões da autoridade antitruste que seriam conflitantes com a política econô-
mica adotada. Vale referência à extensa reportagem publicada no jornal A Gazeta
Mercantil, nesse conturbado período em que a “insegurança” causada pelas normas
antitruste se fez sentir de forma aguda. O CADE teria conseguido obstar as concen-
trações “graças a critérios nebulosos da própria lei”. A “subjetividade” permitiria
que casos semelhantes tivessem decisões distintas. Em conclusão: “Subjetividade.
No fundo, essa é a grande preocupação do ministro da Justiça, Nelson Jobim, com
relação ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica” (edição de segunda-feira,
05.02.1996, 1.ª página e p. A-6 e A-7).
160. A respeito da rule of reason, dizem Fox e Sullivan: “If only that kind of contract which
is in unreasonable restraint of trade be within the meaning of the statute, and decla-
red therein to be illegal, it is once apparent that the subject of what is a reasonable
rate is attended with great uncertainty. What is a proper standard by which to judge
the fact of reasonable rates? (...) To say, therefore, that the act excludes agreements
which are not in unreasonable restraint of trade, and which tend simply to keep up
reasonable rates for transportation, is substantially to leave the question of reasona-
bleness to the companies themselves” (Cases and materials on antitrust cit., p. 41). A
insegurança jurídica que seria causada pela aplicação da regra da razão foi comentada

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As válvulas de escape das legislações antitruste 259

Essa constatação posiciona o antitruste dentro de uma linha de evolução


do direito que não pode ser ignorada, e que diz respeito ao grau de vinculação
do intérprete ao texto normativo: a insegurança leva à necessidade do respeito à
letra da lei ou, ao menos, à possibilidade de se determinar o que é “jurídico”,162
o que pode ou não pode ser feito. De outra parte, essa vinculação é capaz de
acarretar a inadequação do direito, tornando-o excessivamente rígido para
regular as relações sociais e conduzir o sistema.

(antes de sua sedimentação na jurisprudência americana) pelo Juiz Taft, em 1898,


quando do julgamento do caso United States vs. Addyston Pipe e Steel Co. (85 F. 271 –
6th Cir. 1898): “It is true that there are some cases in which the courts, mistaking,
as we conceive, the proper limits of the relaxation of the rules for determinating
the unreasonableness of restraints of trade, have set sail on a sea of doubt, and have
assumed the power to say, in respect to contracts which have no other purpose and
no other consideration on either side that the mutual restraint of the parties, how
much restraint of competition is in the public interest, and how much is not. The
manifester danger in the administration of justice according to so shifting, vague,
and indeterminate a standard would seem to be a strong reason against adopting it”.
Edward P. Hodges assinala que, à época em que a Suprema Corte anunciou a regra
da razão, foi argumentado que esta seria inútil, porque ninguém poderia saber o que
era legal ou ilegal (The Antitrust Act and the Supreme Court, p. 3).
161. Esse problema foi também percebido por Matteo Caroli: “Qualsiasi discussione
sull’impostazione di una filosofia normativa ed economica della tutela della con-
correnza si scontra con una antitesi di fondo che sembra irrisolvibile con i tradi-
zionali strumenti di analisi: il dilemma della ‘rule versus discretion’, per cui da un
lato, disposizioni elastiche rispetto alle singole fattispecie sono ineluttabili in un
sistema economico quale l’attuale caratterizzato da estrema variabilità e specificità,
ma al tempo stesso aprono spazi ad interferenze sulla dinamica economica di fattori
ad essa del tutto estranei, oltre a suscitare timori per un insieme di decisioni che
finirebbe con l’essere incerto e lento, lì dove le imprese non temono le traparenze e
le regole. Temono le incertezze e la discrezionalità” (La regolamentazione dei regimi
concorrenziali, p. 145).
162. É bastante conhecida a passagem da obra de Radbruch que sustenta a afirmação
que fazemos: “A disciplina da vida social não pode ficar entregue, como é óbvio,
às mil e uma opiniões dos homens que a constituem nas suas recíprocas relações.
Pelo facto de esses homens terem ou poderem ter opiniões e crenças opostas, é que
a vida social tem necessariamente de ser disciplinada duma maneira uniforme por
uma força que se ache colocada acima dos indivíduos. (...) Se ninguém pode definir
dogmaticamente o ‘justo’, é preciso que alguém defina dogmaticamente, pelo menos,
o ‘jurídico’, estabelecendo o que deve observar-se como direito” (Gustav Radbruch,
Filosofia do direito, p. 177-178).

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260 Os fundamentos do antitruste

Existem alguns momentos históricos em que há a busca por um direito


positivado que a tudo prevê, que seria apto a proporcionar aos agentes econômi-
cos segurança e previsibilidade em grau máximo. Por exemplo, durante a Idade
Média, o aproveitamento do direito romano (que estava sendo redescoberto
na Escola de Bologna e posteriormente também em Pavia) no ordenamento
jurídico dos mercadores. Isso porque o direito então existente não se mostrava
suficiente para proporcionar condições estáveis e previsíveis, mais adequadas
ao desenvolvimento do comércio.163
Da mesma forma, a insegurança do direito não escrito levou ao movi-
mento da Codificação,164 destinado a satisfazer e apoiar os ideais da burguesia
em ascensão.

163. A explicação histórica de que se vale Enrique Marí pode trazer algumas luzes à
afirmação que efetuamos. Inicialmente, o autor explica que a teoria hermenêutica
esteve sujeita a profundas mudanças como consequência de seu papel de mediação
entre o caráter geral das normas e sua aplicação fática. O período histórico em que
essas alterações mais se fazem presentes é, na opinião do autor, a Idade Moderna:
com a burguesia em ascensão, reclamava-se segurança e previsibilidade, a ser orien-
tada pela lei do mercado e sua expansão. Dentre as aspirações e necessidades da
burguesia, coloca Marí (i) normas de procedimento válidas para todos, (ii) proteção
dos direitos individuais; (iii) cientificidade para os textos legais; (iv) pretensão de
verdade e objetividade; (v) certeza e previsibilidade confiáveis; e (vi) controle do
voluntarismo dos governantes. Essas aspirações da burguesia desembocarão no
movimento da codificação, orientando ambos, a exegese e a codificação, para duas
correntes centrais do racionalismo moderno: utilitarismo e positivismo legal (Enrique
E. Marí, La interpretación de la ley. Análisis histórico de la escuela exegética y su nexo
con el proceso codificatorio de la modernidad, p. 233 e ss.). O mesmo Marí observa
que a redescoberta do direito romano indica, no campo econômico, a presença
de interesses vitais dos agentes agrários e urbanos em um momento de crescente
desenvolvimento do intercâmbio de mercadorias. A utilização do direito romano,
conjuntamente com o incipiente direito mercantil e marítimo, produzidos por esses
mesmos agentes, visava obter: (i) noções precisas e claras de propriedade absoluta;
(ii) procedimentos racionais de prova; e (iii) estrutura jurídica profissional. Não
obstante, na transposição do direito romano, os glosadores viram-se diante de uma
realidade que já não se adaptava ao texto. Daí a tarefa que lhes foi imputada de recons-
truir o direito, sem contradições (p. 250-51). Conclui, com apoio em Max Weber,
que os glosadores buscavam, mais uma vez, a segurança e previsibilidade jurídica,
mediante: (i) construção de um complexo normativo compacto; (ii) consistência
lógica, aliada à ausência de contradições; (iii) inexistência de lacunas; e (iv) direito
hermeticamente fechado e autossuficiente (p. 252). Em resumo, busca-se um sistema
de direito.
164. Pois, como assinala Claus-Wilhelm Canaris, as codificações são “essencialmente
redutoras e simplificadoras”, provocando, em um primeiro momento, atitudes po-

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As válvulas de escape das legislações antitruste 261

A aplicação estrita do direito codificado, por sua vez, já não bastou e não
basta, pois que se percebeu que a interpretação literal do texto normativo
não levaria à solução de todos os problemas,165 sendo incapaz de se moldar à
realidade social.166 Karl Engisch relata a linha de evolução em que procuramos
situar o direito concorrencial: “Houve um tempo em que os juristas aderiram
firmemente à opinião de que deveria ser possível estabelecer uma clareza e
segurança jurídicas absolutas através de normas rigorosamente elaboradas, e
especialmente garantir uma absoluta univocidade a todas as decisões judiciais e
a todos os actos administrativos. Esse tempo foi o do iluminismo (...). A descon-
fiança que haviam chamado sobre si os juízes no período da justiça de arbítrio
e de gabinete (quer dizer, de uma justiça que se acomodava às instruções dos
senhores da terra) e, por outro lado, a adoração da lei animada por um espírito
racionalista, fizeram com que a estrita vinculação do juiz à lei se tornasse no
postulado central. Ao mesmo tempo foi-se conduzindo ao exagero de estabele-
cer insustentáveis proibições de interpretar e comentar a lei (...). O juiz deveria
ser ‘o escravo da lei’. Esta concepção da relação entre a lei e o juiz entrou de
vacilar no decurso do século XIX. Começa então a considerar-se impraticável
o postulado da estrita vinculação do juiz à lei, por isso que não é possível ela-
borar as leis com tanto rigor e fazer a sua interpretação em comentários oficiais
de modo tão exacto e esgotante que toda a dúvida quanto à sua aplicação seja
afastada. (...) A situação actual é a seguinte: a vinculação à lei dos tribunais e
das autoridades administrativas não está tão reduzida quanto, no começo do
nosso século, a chamada Escola do Direito Livre considerou ser inevitável e

sitivistas (Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. XIII).


165. Larenz esclarece que o abandono do positivismo jurídico (inclusive temperado pela
jurisprudência dos interesses) “só se verificou com a perturbação das estruturas
sociais no tempo da inflação e do segundo pós-guerra, com as alterações da vida
econômica, sobretudo nas relações de trabalho, numa palavra, com a irrupção do
novo mundo social no sistema tradicional de conceitos” (Metodologia da ciência do
direito, p. 98, nota 4).
166. Não são poucas e tampouco originais as críticas lançadas contra a interpretação literal
do texto normativo. Por todas, a observação de Ripert: “A lei, como expressão da
vontade do legislador, parece-lhes sempre respeitável. Todo jurista é sucessor dum
pontífice. Guarda do Direito, julga-se obrigado a ser o defensor das leis. O texto
promulgado no Diário Oficial torna-se sagrado. As Universidades e os tribunais são
os edifícios consagrados ao culto” (Influência do fator político no direito, O direito
e a vida social, p. 159). Cf., também, Aurelio Candian, La legge commerciale nel
sistema del diritto privato, Rivista del Diritto Commerciale, p. 340.

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262 Os fundamentos do antitruste

correcto; está-o todavia em certa medida e de modo a obrigar-nos a orientar as


nossas considerações metodológicas noutras direções e por outras vias”.167-168
Assim, em períodos históricos em que a insegurança jurídica aumenta
sobremaneira, há a busca pela segurança do texto normativo e sua aplicação
literal, ou seja, codificação e exegese restritiva dos textos.169 Mas, ao mesmo

167. Karl Engisch, Introdução ao pensamento jurídico, p. 170-172.


168. Para identificarmos ainda mais concretamente essa linha de evolução, analisemos a
evolução do brocardo in claris cessat interpretatio que nos é relatada, com a habitual
clareza, por Carlos Maximiliano: “O brocardo – In claris cessat interpretatio, embo-
ra expresso em latim, não tem origem romana. Ulpiano ensinou o contrário: (...)
‘embora claríssimo o édito do pretor, contudo não se deve descurar da interpreta-
ção respectiva’. (...) A exegese, em Roma, não se limitava aos textos obscuros. (...)
Entretanto, com o transcorrer do tempo, um processo útil quando empregado com
o necessário critério redundou em danoso abuso. A escolástica introduziu o acervo
de distinções e subdistinções e com estas reduzia a Hermenêutica a uma casuística
intrincada; apelava em demasia para o argumento de autoridade, para a communis
opinio; os pareceres dos doutores substituíam os textos; as glosas tomavam o lugar
da lei; assim, de excesso em excesso, se chegou à deplorável decadência jurídica,
ao domínio dos retóricos e pedantes (...). Era força tocar atrás, levar a magistratura
a estudar as leis e guiar-se pelo próprio critério profissional da exegese, em vez de
compulsar exclusivamente as obras dos doutores e intérpretes, exagerados e infiéis.
Sistematizaram as normas e limitaram o campo da Hermenêutica. Foi sob a influência
desta reação necessária que abrolharam os aforismos conservadores: In claris non
fit interpretatio. – Lex clara non indiget interpretatione. – In claris non admittitur vo-
luntatis quaestio. Para os grandes males os remédios enérgicos, violentos! (...) Em
pleno século dezoito Richeri fazia do brocardo célebre a base da sua doutrina de
Hermenêutica Jurídica; (...). Cem anos depois, na Faculdade de Direito do Recife,
prelecionava (...) Paula Batista. (...) Discorria o catedrático brasileiro: ‘Interpretação
é a exposição do verdadeiro sentido de uma lei obscura por defeitos de sua redação, ou
duvidosa com relação aos fatos ocorrentes ou silenciosa. Por conseguinte, não tem
lugar sempre que a lei, em relação aos fatos sujeitos ao seu domínio, é clara e precisa.
Interpretatio cessat in claris’. A nenhum jurista ficaria bem repetir hoje as definições
se não estendem só aos textos defeituosos; jamais se limitam ao invólucro verbal”
(Hermenêutica e aplicação do direito, p. 51-53).
169. Nesse contexto situam-se muitas correntes doutrinárias, a exemplo do positivismo
jurídico (ligado ao movimento da codificação) e que pregam a indiferença do direito
em relação aos fatos históricos e sociais contemporâneos (cf. Paulo Bonavides, Curso
de direito constitucional, p. 416), no sentido de furtar-se a efetuar qualquer juízo de
valor, i.e., o direito é um fato, e não um valor (Norberto Bobbio, Il positivismo giuridico,
p. 151). Mas principalmente, o positivismo prega a interpretação mecanicista que,
na atividade do jurista, faz prevalecer o elemento declarativo sobre aquele produtivo
ou criativo do direito. “Usando uma imagem moderna, podemos dizer que o jus-

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As válvulas de escape das legislações antitruste 263

tempo, a estreita vinculação do intérprete à letra da lei pode levar a uma incapa-
cidade do sistema para disciplinar os casos concretos que se lhe apresentam.170
Não se descobriu solução para esse problema, como ainda não se vis-
lumbrou o remédio para a crise geral do direito (formal) apontada, já há tanto
tempo, pelos mais diversos autores, das mais variadas tendências ideológicas:
de Orlando Gomes a Ripert, de Capograssi a Ravá, de Calamandrei a Carnel-
lutti, de Engisch a Dworkin.
Percebido que a estreita vinculação do intérprete ao texto normativo, no
caso do antitruste, é impossível, continua a busca de soluções. Neste passo,
somos levados às doutrinas econômicas que, algumas vezes, acenam com um porto
seguro, qual seja, a possibilidade de fórmulas matemáticas fixas e previsíveis a serem
utilizadas pelos intérpretes, dando-lhes a ilusão de segurança e de previsibilidade.
Mas também essas fórmulas logo se mostram insuficientes para acomodar a
pululante realidade a ser disciplinada pelo antitruste.
Há uma perene busca da doutrina pelas formas de que se poderia revestir
um “novo” direito, mais apto a disciplinar a realidade social. Neste contexto,
passou-se mais recentemente por muitas estradas, como aquela da tentativa de
entender a interpretação jurídica como inserta em uma teoria da interpretação
unitária no campo teórico.171

positivismo considera o jurista uma espécie de robô ou calculador eletrônico” (Cf.,


ainda, Canaris, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p.
XII e ss.). No mesmo contexto, podemos inserir a obra de Kelsen, que entende ter, a
ciência do direito, um objeto bem delimitado, qual seja o conhecimento das normas
jurídicas válidas, existentes, ocupando-se, portanto, da validade e não da eficácia das
normas. Trata-se, em outras palavras, de uma ciência normativa, distinguindo-se,
pelo objeto e pelo método, da sociologia do direito (ciência jusnaturalista, ciência
do ser, fundada no princípio da causalidade e que estuda o comportamento efetivo
dos homens). Da mesma forma, a política possui um caráter de subjetividade, ao
passo que o direito “si richiama a una istanza oggettiva” (o resumo das posições de
Kelsen de que aqui nos valemos foi elaborado, em 1967, por Renato Treves, como
prefácio à edição italiana da obra de Kelsen Lineamenti di dottrina pura del diritto).
170. É indispensável, para a compreensão das modernas teorias hermenêuticas e sua
revolta contra a interpretação formal do texto normativo, a leitura do breve resumo
efetuado por Francesco Ferrara Interpretação e aplicação das leis, p. 164 e ss. (publicada
em conjunto com a obra Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, de Manuel A.
Domingues de Andrade).
171. Cf., para maiores esclarecimentos sobre essa doutrina, que tem como um de seus
maiores expoentes Gadamer, Emilio Betti, Interpretazione della legge e degli atti giu-
ridici (teoria generale e dogmatica), p. 83 e ss., e Enrique Marí, La interpretación de

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264 Os fundamentos do antitruste

Hoje, vivifica-se o entendimento do ordenamento jurídico como sistema


de regras e princípios e, na relação entre ambos, vislumbra-se método inter-
pretativo que possa levar a (i) garantir certa previsibilidade do resultado da
conduta do agente e (ii) maior adequação do direito à realidade que disciplina.
Mas o que seriam os princípios jurídicos, essa fórmula apontada como
quase mágica para a solução do problema vinculação ao texto normativo/fle-
xibilidade das normas antitruste ou mesmo segurança jurídica/insegurança
jurídica?
Utilizando-nos dos estudos e da terminologia proposta por Eros Roberto
Grau,172 podemos dizer que os princípios gerais de direito são proposições des-
critivas, através das quais os juristas referem, de maneira sintética, o conteúdo
e as grandes tendências do direito positivo. São as normas que embasam o
ordenamento jurídico orientando, inclusive, a interpretação das regras. De
outra parte, há, ainda, os princípios jurídicos que constituem regras jurídicas,
ou seja, as normas explicitamente formuladas no texto do direito positivo.
O sistema jurídico é um sistema de regras e princípios, “pois as normas
do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a forma
de regras”.173 Assim, as regras e os princípios são duas espécies de normas.
Os princípios jurídicos embasam as regras e lhes são hierarquicamente supe-
riores.174 Podem “desempenhar uma função argumentativa, permitindo, por
exemplo, denotar a ratio legis de uma disposição (...) ou revelar normas que
não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos ju-
ristas, sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e complementação
do direito”.175-176

la ley. Análisis histórico de la escuela exegética y su nexo con el proceso codificatorio


de la modernidad, p. 233-294.
172. V. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, p. 36 e ss.
173. Direito constitucional, p. 165.
174. No mesmo sentido, Ronald Dworkin, Taking rights seriously, p. 26.
175. Canotilho, Direito constitucional, p. 167.
176. Vale, neste passo, a referência ao caso U. S. vs. E. I. Du Pont de Nemours e Co., 353,
U. S. 586, 77 S. Ct. 872 (1957). Nesse julgamento, a Suprema Corte americana
condenou a aquisição, pela Du Pont, de 23% do capital da General Motors Corp.,
uma vez que existia entre ambas uma relação de fornecimento de alguns produtos
utilizados pela montadora em sua linha de produção. Com a modificação do art. 7.º
do Clayton Act, ocorrida no ano de 1950, o sistema americano deixou explícito que
as concentrações verticais eram consideradas ilícitas, desde que prejudicassem, de
forma substancial, a concorrência. Não obstante, o procedimento judicial do caso Du
Pont foi iniciado no ano de 1949, anteriormente, portanto, à modificação do Clayton

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As válvulas de escape das legislações antitruste 265

Exemplo bastante elucidativo da aplicação das regras e dos princípios no


sistema antitruste nos é dado por Dworkin. Sustenta esse autor que ao construir
a regra da razão, os tribunais norte-americanos acabaram por permitir que o
art. 1.º do Sherman Act funcionasse, ao mesmo tempo, como uma regra (rule) e
um princípio (principle). Aquele artigo, como já inúmeras vezes referido neste
trabalho, determina que todo e qualquer contrato, combinação sob a forma
de truste ou qualquer outra forma ou conspiração em restrição do tráfico ou
comércio entre os Estados, ou com nações estrangeiras, é ilícito. Ao construir
a regra da razão, as cortes americanas, na verdade, determinaram quando esse
dispositivo deveria ser tratado como uma regra ou como um princípio. Trata-se
da regra quando se determina ilícito qualquer contrato que restrinja a concor-
rência, aplicando-se, literalmente, o texto normativo. Ao invés, é facultado
seu tratamento como princípio, pois, ao introduzir na hipótese normativa a
palavra unreasonable, a corte permitiu sua flexibilização.
Desse modo, por força do princípio que foi introduzido, conclui Dworkin,
a corte deverá levar em consideração uma série de outros princípios e políticas
com o escopo de elucidar as ocasiões em que determinada prática restritiva
não é “razoável”.177
Todas essas observações sobre os princípios jurídicos merecem, entretanto,
oportuno esclarecimento: o método interpretativo baseado nos princípios nada
tem de mágico e não trará a segurança e/ou previsibilidade no grau que talvez
fosse querido pelos agentes econômicos e pelos operadores de direito.178 É bas-

Act. Assim, forçoso concluir que, na condenação da operação de concentração, a


Corte aplicou os princípios embasadores da matéria e que seriam, posteriormente,
positivados na alteração do Clayton Act. Nesse sentido é a lição de Hovenkamp:
“The du Pont case had been brought in 1949, before § 7 of the Clayton Act had been
amended to cover vertical mergers. Although the Supreme Court could not literally
apply the amended statute, it applied the “policy” of the statute as amended. Today
most people treat the case as a § 7 vertical merger case” (Antitrust, p. 137).
177. A respeito da forma pela qual as cortes americanas lançaram mão desse sistema de
regras e princípios na construção da rule of reason, cf. Dworkin, Taking rights seriously,
p. 27-28.
178. Pietro Barcellona, identificando interesses e princípios jurídicos, afirma que “il rife-
rimento ai principi, che apparentemente dovrebbe costituire un criterio sicuro per
impedire al giudice di inserire nella risoluzione di un caso le proprie scelte, il proprio
punto di vista, in realtà non può svolgere questa funzione perché i principi, gli inte-
ressi e i valori, nel nostro ordinamento, sono accolti tutti in modo reciprocamente
condizionato; ciò naturalmente rinvia per la ricostruzione del sistema al giudice che,
mediante le argomentazioni descritte, porrà questi principi in un rapporto di regola
ed eccezione” (Diritto privato e processo economico, p. 359).

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266 Os fundamentos do antitruste

tante óbvio que não se pode garantir, em grau máximo, a adequação súbita das
normas à realidade e a um só tempo ter, também em grau máximo, generalidade
e previsibilidade: a operação de concentração que foi interessante aprovar hoje
poderá admitir outra solução amanhã. Mas isso, como é logo de se perceber,
nada tem que ver com arbitrariedade, mas com o fato de o sistema jurídico,
inúmeras vezes, admitir como certa ou possível mais de uma solução. Assim
não fosse e, por exemplo, não teríamos presenciado a superação (overruling) de
vários precedentes jurisprudenciais norte-americanos, para que fosse adotada
nova visão (geralmente mais liberal) de determinadas práticas.
No que diz respeito ao atual contexto brasileiro, a correta aplicação dos
princípios evitará que a análise, interpretação e aplicação das normas antitruste
continuem a deslizar sobre duas ilusões que, há muito, Ascarelli condenava:179
“A primeira é a que julga estar, qualquer problema social ou econômico, já
inteiramente resolvido quando resolvido juridicamente; ser apenas suficiente
ditar uma lei ou um decreto para que os problemas sejam resolvidos. Esquece-
-se que, afinal, a eficiência das normas jurídicas é condicionada pela situação
econômica e social e assenta, sempre, em parte, sobre fatores extrajurídicos e
sobre a ‘virtude’ lembrada por Montesquieu. As normas jurídicas não acarretam,
diretamente, um determinado resultado; ditam deveres, cuja observância não
é automática, e cuja sanção tem um custo. A segunda é a que confia apenas
em fatores extrajurídicos, descuidando do aperfeiçoamento do tecnicismo
jurídico. Esquece-se a importância e a eficiência do direito na disciplina da
conduta humana jurídica só à vista da sua humana imperfeição, entrando num
caminho que pode levar a substituir o direito pelo arbítrio”.
Está bastante claro que as normas antitruste são um sistema de princípios,
como bem salientou Bernini,180 e se os abandonarmos como pautas interpreta-
tivas, aí sim estaremos no mais puro campo da arbitrariedade,181 do “pragma-
tismo caótico”.182-183 Contudo, para que se possa lançar mão dos princípios,

179. Tullio Ascarelli, Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, p. 87, nota
126-bis.
180. Un secolo di filosofia antitrust, p. 91.
181. Por essa razão, as autoridades antitruste de muitos países procuram diminuir o
grau de insegurança jurídica a que estão sujeitos os agentes econômicos, expedindo
Guidelines ou normas de orientação. No Brasil, isso poderá ser feito pelo CADE, com
base no art. 9.º, XIV, da Lei Antitruste.
182. A expressão é utilizada por Paulo Bonavides expondo as ideias de Müller, Curso de
direito constitucional, p. 416.
183. Talvez para afastar a insegurança causada pelo desvio dos princípios, segundo Ross
(Principles of antitrust law, p. 496-7), a tradição antitruste norte-americana rejeita a

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As válvulas de escape das legislações antitruste 267

especialmente quando tratamos de normas de tutela da livre-concorrência, é


necessário que eles sejam identificados. O superamento do subjetivismo, como
nos lembra Esser, exige o conhecimento do processo de política do direito, em medida
suficiente para deixar entender a motivação da decisão e suas consequências.184
Em outras palavras, para que seja proporcionado certo grau de segurança e
previsibilidade, exige-se a definição da política185 da concorrência por parte das
autoridades competentes.186

ideia de que, em processos antitruste, comportamentos anticoncorrenciais possam


ser justificados com base no argumento de que a prática restritiva seria socialmente
desejável. Os tribunais americanos estabeleceram que o princípio embasador do
Sherman Act implica fomento do maior grau de concorrência possível, tanto na
produção quanto na distribuição dos bens. Assim, não caberia aos juízes federais
(federal judges), na opinião do autor, decidir quando a restrição à concorrência é
recomendável.
184. Josef Esser, Precompreensione e scelta del metodo nel processo di individuazione del
diritto, p. 130.
185. A palavra “política” (policy, na obra de Dworkin) vem utilizada, no contexto deste
trabalho, como “that kind of standard that sets out a goal to be reached, generally
an improvement in some economic, political, or social feature of the community”
(Dworkin, Taking rights seriously, p. 22).
186. No que tange ao modelo europeu em matéria de concorrência, vale destacar ob-
servação da própria Comissão admitindo que as empresas, para desempenhar suas
funções no mercado, “devem poder contar por parte das autoridades públicas com um
ambiente e uma perspectiva claros e previsíveis para suas actividades” (Suplemento
do Boletim 3/91, p. 7), ou seja, a segurança e a previsibilidade advêm da transparência
da política concorrencial.

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6
Posição dominante e seu abuso
“In the absence of a book of rules, how can we decide whether
the fight is fair or foul?”– Fritz Machlup.

Sumário: 6.1. Considerações iniciais sobre posição dominante. 6.1.1. Poder econômi-
co, posição dominante e potestas. 6.1.2. Vantagem competitiva e posição dominante.
Uso e abuso do poder econômico. 6.2. O agente econômico detentor de posição
dominante. 6.3. Determinação da existência de posição dominante. 6.3.1. Indicativos
da existência de posição dominante. 6.3.1.1. Market share x market power. 6.3.1.2.
Concorrência potencial e barreiras à entrada de novos agentes econômicos. Mer-
cados contestáveis. 6.3.1.3. Comportamento/dependência dos consumidores e/ou
fornecedores. 6.3.1.4. Potência econômica da empresa. 6.3.1.5. Estrutura avançada
da empresa, com alto grau de integração vertical. 6.3.1.6. Domínio de tecnologia.
6.3.1.7. Grau de crescimento do setor. 6.3.1.8. Aspecto temporal. 6.3.1.9. Vantagem
da primeira jogada; existência de consumidores cativos. 6.3.1.10. Domínio dos canais
de distribuição. 6.3.2. A necessária conjugação dos indicativos. 6.3.3. Da estrutura
do mercado ao comportamento da empresa. 6.4. Posição dominante derivada de
vantagem competitiva. A atenção das autoridades antitruste. A “responsabilidade
especial” das empresas em posição dominante. 6.5. Abuso de posição dominante.
Algumas práticas típicas. 6.5.1. Imposição de preços abaixo do custo. 6.5.1.1. Venda
justificada. 6.5.1.2. Racionalidade da conduta de preços predatórios. 6.5.1.3. Os
parâmetros para a determinação do “custo” referido pelo art. 36, § 3.º, XV, da Lei
12.529/2011. 6.5.2. Imposição de preços de aquisição de matérias-primas dos con-
correntes. 6.5.3.Vendas casadas. 6.5.3.1. Definição de vendas casadas e critérios para
aferir sua ilicitude. 6.5.3.2. A venda casada e o aumento de participação no mercado
do produto vinculado. 6.5.3.3. Fechamento (foreclosure) do mercado do produto
vinculado. 6.5.3.4. Discriminação entre os adquirentes. 6.5.3.5. Segurança da qua-
lidade do produto. 6.5.3.6. Outros efeitos das vendas casadas. 6.5.3.7. A visão norte-
-americana das vendas casadas. O caso Kodak. 6.5.3.8. A visão europeia das vendas
casadas. 6.5.3.9. Vendas casadas: as lições dos casos Microsoft nos EUA e na União
Europeia. 6.6. A interface entre direito da concorrência e propriedade intelectual:
o grande desafio dos próximos anos. Práticas ligadas ao abuso de “exclusivos” (ou
direitos de propriedade intelectual). 6.6.1. A importância da inovação. 6.6.2. Recusa
de contratar e facilidades essenciais. 6.6.2.1. A posição norte-americana. 6.6.2.2. A
posição europeia. 6.6.3. A Lei Antitruste brasileira e a Propriedade Intelectual. 6.7.
Dependência econômica e abuso de posição dominante.

6.1. Considerações iniciais sobre posição dominante


6.1.1. Poder econômico, posição dominante e potestas
Quando se faz referência à “posição monopolista”, pode-se pensar na
existência de apenas um agente econômico em determinado mercado. Não

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270 Os fundamentos do antitruste

obstante, é comum, tanto na doutrina jurídica quanto na econômica, que a


expressão “posição monopolista” venha utilizada para referir aquela do agente
econômico que não é o único a atuar no mercado relevante.1
Parte-se do pressuposto de que mesmo a empresa que não atue sozinha no
mercado pode deter poder econômico tal (ou seja, razoável) que lhe permita agir
de forma independente e com indiferença à existência ou comportamento dos
outros agentes. Em virtude da ausência de ambiente concorrencial, o agente
econômico titular de “razoável” poder não sofre maiores pressões de competi-
dores.2 Neste caso, a posição dos pequenos agentes será sempre de sujeição
ao comportamento da outra empresa. Não é necessária a completa ausência de
concorrência no mercado para que se verifique a posição dominante: basta que a
concorrência não seja de tal grau a ponto de influenciar significativamente o
comportamento do “monopolista”.3

1. Cf. Fritz Machlup, The political economy of monopoly, p. 82-3. Talvez a confusão entre
as expressões “posição monopolista” e “monopólio” tenha origem na tradução do
termo monopoly para as línguas latinas. Como assinala Thomas E. Kauper, monopoly
é comparável à expressão “posição dominante” e não, necessariamente, a monopólio
(Article 86, Excessive prices, and refusals to deal, Antitrust Law Journal, p. 443).
Monopólio, lembra-nos Modesto Carvalhosa, origina-se “de duas palavras gregas:
monos só; polein vender; donde vender só” (Poder econômico: a fenomenologia, seu
disciplinamento jurídico, p. 30). Esse mesmo autor faz a distinção entre monopólio
no sentido estrito (vender só) e monopólio em sentido lato, que significa “uma po-
sição de força dos vendedores em relação aos seus compradores, ou vice-versa, em
um determinado mercado” (p. 31).
2. A respeito, Frignani e Waelbroeck: “Se un’impresa è capace di esercitare sul mercato
un’influenza preponderante, ciò significa che essa può agire senza dover tener conto
delle reazioni dei concorrenti, mentre questi ultimi devono tener conto delle sue: essa
è dunque sottratta ad una concorrenza effettiva. Nelle due ipotesi, fattore decisivo è
l’assenza di pressione concorrenziale, e conseguentemente la concorrenza non gioca il
suo ruolo di regolatrice del mercato” (Disciplina della concorrenza nella CEE, p. 100).
Entre nós, afirmava Modesto Carvalhosa, em 1967: “Caracteriza-se, assim, o poder
econômico pela capacidade de opção econômica independente, naquilo em que essa
capacidade decisória não se restringe às leis concorrenciais do mercado. Titular do
poder econômico, portanto, é a empresa que pode tomar decisões econômicas apesar
ou além das leis concorrenciais do mercado” (Poder econômico: a fenomenologia, seu
disciplinamento jurídico, p. 2).
3. Foi por essa razão que a Corte de Justiça Europeia asseverou, no caso United Brands,
que: “Non è necessario che un’impresa abbia eliminato ogni possibilità di concor-
renza per essere in posizione dominante”. Mas, se por um lado, posição dominante
não implica monopólio, de outro, o monopólio pressupõe a posição dominante (cf.
Frignani, Abuso di posizione dominante, Diritto antitrust italiano, p. 350-351).

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Posição dominante e seu abuso 271

A empresa que se encontra em posição dominante tende a adotar o com-


portamento típico do monopolista, aumentando preços no limite máximo, não
prezando a qualidade de seu produto ou serviço e ainda impondo a outros prá-
ticas que não seriam adotadas caso houvesse concorrência.4 Basta a influência,
o poder de determinar as regras do jogo de forma unilateral,5 independente e
autônoma, neutralizando as forças normais que regeriam o mercado.
A maioria dos economistas afirma que há posição dominante quando o
agente detém a capacidade de impor preços muito acima de seu custo margi-
nal. Do ponto de vista jurídico, entretanto, essa assertiva deve ser entendida
no sentido de que a independência e indiferença do agente econômico podem
manifestar-se pela possibilidade de imposição de preços acima daqueles deri-
vados da competição, mas também de outras formas.6-7

4. Em um mercado no qual haja concorrência, dizem os economistas que o preço


praticado deverá ser próximo ao custo marginal. O preço muito acima desse valor
caracterizaria a existência de mercado concentrado e de market power do agente
econômico que pratica tal preço: “Market power is the ability to raise price by redu-
cing output. Today we measure market power as the ratio of the profit-maximizing
price for a seller’s output to the seller’s marginal cost at that rate of output. A seller
whose marginal cost of producing a widget is $1,00, but who can maximize its
profits by selling the widget at $1,02 has a small amount of market power. A seller
whose marginal cost is $1,00 but whose profit-maximizing price is $1,75 has a great
deal of market power” (Sullivan e Hovenkamp, Antitrust law policy and procedure,
p. 589). O preço praticado é também função da elasticidade da demanda. Assim,
quanto maior o grau de intercambiabilidade, menores as possibilidades de controle
de preço pelo agente econômico, pois maior é o número de produtores do mesmo
bem e a possibilidade de escolha do consumidor.
5. Diferencia-se como advertem Frignani e Waelbroeck (Disciplina della concorrenza
nella CEE, p. 107), o “monopólio” do “oligopólio”: neste, temos mais de um agente
econômico atuando no mercado, cujos comportamentos influenciam-se mutuamen-
te, enquanto no caso do monopólio apenas um agente determina as regras do jogo
do mercado.
6. E. Thomas Sullivan e Jeffrey L. Harrison, comentando a definição da Suprema Corte
americana sobre market power, no sentido de que constitui “the power to control prices
or exclude competition”, afirmam: “The logical interpretation of the Court’s language
is that market power is a measure of a firm’s ability to raise prices above competitive
levels, without incurring a loss in sales that more than outweights the benefits of the
higher price” (Understanding antitrust and its economic implications, p. 214).
7. Para análise econômica da determinação de market power mediante a utilização
do Lerner Index, cf. Edward Thomas Sullivan e Jeffrey L. Harrison, Understanding
antitrust and its economic implications, p. 214 e ss. Cf. também Hovenkamp, Federal
antitrust policy, p. 80 e ss.

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272 Os fundamentos do antitruste

O comportamento do monopolista é caracterizado pela ausência de riscos,


ou seja, o detentor de posição dominante pode dar-se à adoção de estratégia
de mercado que, se não coroada de sucesso, não lhe trará prejuízos de monta,
como ocorreria em um mercado competitivo.8 Diante de “erro estratégico” do
monopolista, não haverá agentes econômicos que dele poderão aproveitar-se,
penalizando o engano cometido.
No direito da concorrência, o poder econômico próprio ao agente em
posição dominante deverá ser tomado como potestas,9 ou seja, nas palavras
de Passarelli, como “una supremazia del volere del titolare, grazie alla quale
lo stesso può da solo realizzare il suo interesse: a questa supremazia, che può
chiamarsi potestà, fa riscontro dall’altro lato del rapporto non un obbligo, ma
una mera soggezione, poichè il soggetto è veramente passivo, subisce le conse-
guenze della potestà”.10-11 E outra forma não há de encarar o poder econômico
que embasa a posição dominante.
Colocadas essas premissas, a regulamentação do exercício da posição
dominante e do poder econômico, que lhe é pressuposto, mostra-se simples.
A posição dominante implica sujeição (seja dos concorrentes, seja de agentes eco-
nômicos atuantes em outros mercados, seja dos consumidores) àquele que o detém.

8. Valentine Korah, Concept of a dominant position within the meaning of article 86,
Common Market Law Review, p. 395-396.
9. Isso não significa que o poder econômico confere a seu titular direito potestativo,
o que seria mesmo uma incongruência jurídica, pois o poder econômico é um fato
(ainda que regulamentado pelo direito) e não um direito atribuído pelo ordenamento
jurídico (para corroborar nossa posição basta uma vista de olhos no elenco de típicos
direitos potestativos, notando-se, de início, a patente diferença. Consulte-se Carlos
Alberto da Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, p. 175-176, e também Pontes de
Miranda, Tratado de direito privado, vol. 5, p. 241). Ao invés, o que há de comum
entre o direito potestativo e o poder econômico é a potestà (que inclui, como vimos,
a capacidade de atuação de um comportamento indiferente e independente) e a
posição de sujeição que lhe é correlata. Sobre direitos potestativos, cf. ainda Fabio
Konder Comparato, O poder de controle na sociedade anônima, p. 101 e ss.; Francesco
Santoro-Passarelli, Dottrine generali del diritto civile, p. 56 e ss.; A. von Tuhr, Tratado
de las obligaciones, t. 1, p. 14 e ss.; e Karl Larenz, Derecho civil, p. 281 e ss.
10. Francesco Santoro Passarelli. Dottrine generali del diritto civile, p. 55.
11. Luigi Capogrossi Colognesi, de forma ampla, assim coloca a potestas: “Potestas ap-
partiene ad un gruppo di termini derivati da potis che esprimono, in varie sfumature
e con diverse qualificazioni, l’idea del “potere” nella sua forma più immediata. Esso
è il termine più generale per indicare il comando, la supremazia di um soggetto su
altri sia nel campo del diritto privato (...) che in quello del diritto pubblico (...)”
(Potestas, Nuovissimo Digesto italiano, p. 508).

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Posição dominante e seu abuso 273

Ao revés, implica independência, liberdade de agir sem considerar a existência ou


o comportamento de outros sujeitos.
Explica-se, assim, a definição da Suprema Corte norte-americana sobre o
poder de mercado: “o poder de controle dos preços ou de exclusão da concor-
rência”, posteriormente complementada para abranger também as hipóteses
nas quais o agente econômico consegue obrigar outrem a fazer algo que não
faria em um mercado competitivo.12
Na definição da Corte de Justiça europeia, a posição dominante “[d]iz
respeito a uma posição de poder econômico detida por uma empresa, que
lhe confere o poder de obstar a efetiva concorrência no mercado em análise,
facultando-lhe comportamentos independentes em relação aos próprios con-
correntes, clientes, consumidores e sem que, por isso, deva sofrer qualquer
consequência prejudicial”.13
Em suas investigações, a Comissão Europeia adota, em linhas gerais, a
definição estabelecida pela Corte de Justiça, com algumas precisões:
“A posição dominante foi definida [pela jurisprudência] como sendo
uma posição de poder económico de que goza determinada empresa e que
lhe permite evitar uma concorrência efectiva em determinado mercado ao
dar-lhe o poder de ter uma conduta, em larga medida, independente dos seus
concorrentes, dos seus clientes e mesmo dos consumidores. Esta noção de
independência está relacionada com a intensidade da pressão competitiva a
que a empresa em causa está sujeita. A posição dominante faz com que esta
pressão concorrencial não seja suficientemente eficaz e, como tal, a empresa
goza de um poder de mercado considerável e duradouro. Consequentemente,
as decisões da empresa são em grande medida insensíveis às acções e reacções
dos concorrentes, dos clientes e mesmo dos consumidores. A Comissão ‘pode-
rá considerar que não existe uma pressão concorrencial efectiva, mesmo que
subsista um certo grau de concorrência real ou potencial’.”14

12. United States v. E. I. Du Pont de Nemours e Co. – 351 U. S. 377 (1956). A Suprema
Corte também já definiu o poder de mercado como “the power to force a purchaser
to do something that he would not do in a competitive market” e também como
“the ability of a single seller to raise price and restrict output” (Eastman Kodak Co.
v. Image Tech. Svcs. – 504 U.S. 451 (1992).
13. A referência é de Frignani e Waelbroeck a duas sentenças da Corte de Justiça europeia:
caso United Brands (Banana Chiquita) e Hoffmann-La Roche (vitaminas) (Disciplina
della concorrenza nella CEE, p. 101).
14. Cf. item 7 da Comunicação contendo orientação sobre as prioridades da Comissão
na aplicação do art. 82 do Tratado CE (hoje, art. 102 do TFUE), de 2009.

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274 Os fundamentos do antitruste

Entre nós, já se manifestou o CADE: “O domínio de mercado deve ser en-


tendido como um poder de agir. No aspecto ativo esse poder confere à empresa
dominante a capacidade de influir sobre as outras empresas do mercado; no
aspecto passivo, a empresa dominante não se deixa influenciar pelo compor-
tamento das demais participantes do mercado. Dominar é, pois, poder adotar
um comportamento independente das concorrentes, tornando-se apta para
controlar o preço, a produção ou a distribuição de bens ou serviços de uma
parte significativa do mercado, excluindo, assim, a concorrência”.15
Para a Lei Antitruste brasileira (art. 36, § 2.º da Lei 12.529/2011),
“presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de em-
presas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de
mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado
relevante (...).16
Em conclusão: a posição dominante é decorrência e, ao mesmo tempo, se
identifica com o poder detido, pelo agente, no mercado, que lhe assegura a possi-
bilidade de atuar com um comportamento independente e indiferente em relação
a outros agentes, impermeável às leis de mercado.
As teorias econômicas, ao discorrer sobre o comportamento das empresas
que atuam em condições monopolísticas, analisam essa indiferença e inde-
pendência, e as formas mediante as quais se manifestam, concentrando-se no
poder de aumentar preços.
A pauta de repressão ao abuso da posição dominante permeia todo o anti-
truste, na medida em que é também o fundamento da disciplina dos acordos e
das concentrações entre agentes econômicos. Estes são reprimidos em virtude
de sua capacidade de reprodução de condições monopolísticas, como veremos
no próximo capítulo.

6.1.2. Vantagem competitiva e posição dominante. Uso e abuso do poder


econômico
No Brasil, não se pune a posição dominante em si.17 Nos termos do art.
36, § 1.º, da Lei 12.529, de 2011, a posição dominante resultante de processo

15. Voto da conselheira relatora Neide Terezinha Malard, no Processo Administrativo


31, j. 06.10.1993 (Fiat x Transauto), RIBRAC, vol. 2, n. 1, p. 84.
16. Esse percentual pode ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia.
17. Apenas o abuso (e não o uso) da posição dominante é vedado. Outra interpretação
seria inconstitucional, tendo em vista o disposto no art. 170 da Constituição da Re-
pública. Ainda comentando os dispositivos da Constituição Federal de 1967, com a
redação dada pela Emenda de 1969, esclarece Miguel Reale: “Dessarte, todo abuso

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Posição dominante e seu abuso 275

natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus


competidores não caracteriza o ilícito previsto no inc. II do caput do mesmo
dispositivo.18 Consagra-se a vantagem competitiva (competitive advantage)
do agente econômico: se há maior eficiência, nada se deve punir.19
No entanto, sabe-se que a concorrência, ainda que lícita, prejudica alguns
agentes econômicos. Qual é o limite que indica a licitude do prejuízo causado?
Até que ponto deve ser suportado o exercício das vantagens decorrentes da
superioridade do agente econômico? Como diferenciar a concorrência vigorosa
da prática abusiva? Ou, como indaga Machlup: “In the absence of a book of
rules, how can we decide whether the fight is fair or foul?”20

de poder econômico redunda, no mais das vezes, em desvio de poder econômico, pois
o poder econômico, em si mesmo, não é ilícito, enquanto instrumento normal ou
natural de produção e circulação de riquezas numa sociedade, como a nossa, regida
por normas constitucionais que consagram a ‘liberdade de iniciativa’, a ‘função social
da propriedade’ a ‘harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção’ e
a ‘expansão das oportunidades de emprego’” (Abuso do poder econômico e garantias
individuais. In: José Inácio Gonzaga Franceschini; José Luiz Vicente de Azevedo
Franceschini. Poder econômico: exercício e abuso, p. 521).
18. A contrario sensu, há de se considerar ilícita a concorrência oferecida por agente
econômico que não conquistou seu poder de mercado com base em vantagem
competitiva. É o que ocorre nos casos em que o concorrente oferece preço inferior
porque deixou de pagar os impostos e contribuições devidos.
19. Os autores de língua inglesa costumam utilizar a expressão anticompetitive advantage
para os casos em que o agente econômico conquista (ou tenta conquistar) parcela de
mercado utilizando-se de meio “fraudulento”, porque não embasado apenas na sua
superioridade. Por exemplo, a prática da Microsoft de divulgar falsos pré-lançamentos
de produtos, bem como de criar, propositadamente, incompatibilidades entre os
produtos que fabrica e aqueles de concorrentes teriam dado origem a anticompetitive
advantages, ou vantagens não competitivas (cf. United States v. Microsoft Corporation
Civ. N. 94-1564 (SS) (D.D.C.); Response of the United States to Public Comments
Concerning the Proposed Final Judgment and Notice of Hearing, Federal Registrer,
vol. 59, n. 221, 17-11-1994, p. 426).
20. The political economy of monopoly, p. 102. Josserand, em sua clássica obra De l’esprit
des droits et de leur relativité, já havia perguntado: “Mais à quelles conditions en
sera-t-il ainsi? Où découvrir le critérium permettant de distinguer l’acte permis de
l’acte défendu, la concurrence licite de la concurrence indue? Comment concevoir
et établir les limites qu’il convient d’apporter à la liberté commerciale?” (p. 233).
Dabin, por sua vez: “dónde descubrir la línea de demarcación entre el uso y el abu-
so?” (El derecho subjetivo, p. 352). Mario Siragusa se coloca praticamente as mesmas
questões referidas por Machlup, Josserand e Dabin (La nozione di abuso di posizione
dominante, Diritto antitrust italiano, p. 358).

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276 Os fundamentos do antitruste

Para entender o fundamento dessa discussão, vale recordar o antigo caso


School Masters.21 Com simplicidade, os julgadores, há muito, perceberam que
a concorrência prejudica os concorrentes e que os danos a serem suportados podem
ser lícitos ou ilícitos.
Em Gloucester, Inglaterra, existia apenas uma escola, que impunha aos
estudantes os preços que bem entendia (ainda que não excessivos). Ocorre
que, no ano de 1408, outra escola veio a ali se estabelecer, praticando preços
inferiores. Os dirigentes da primeira, inconformados, foram às barras do tri-
bunal, visando ao ressarcimento pelos danos sofridos.
Decidiu-se que, muito embora houvesse o prejuízo, havia sido causado
por atitude lícita da segunda escola. Se tinha condições de oferecer preços mais
baixos pelo serviço, sua “vantagem competitiva” (como a chamaríamos hoje)
não haveria de ser punida ou reprimida.
Atualmente, se, de uma parte, é quase intuitivo que a vantagem compe-
titiva, lícita que é, deve ser incentivada mediante a aplicação das normas de
tutela do livre-mercado e da livre-concorrência, de outra não se tem apropriados
critérios gerais para determinar, na prática, a separação entre a concorrência
lícita, cujos prejuízos causados a terceiros baseiam-se em vantagem compe-
titiva, e a concorrência predatória.22 A maioria dos grandes casos antitruste
passa por essa discussão: por exemplo, o agente econômico com posição domi-
nante pode “comprar” espaços nas gôndolas dos supermercados? A Microsoft,
ao vincular seu navegador (Internet Explorer) ao Windows, está exercendo
vantagem competitiva que licitamente adquiriu ou, ao contrário, abusando
de sua posição dominante?
Alguns economistas, buscando resposta a essas questões, apontam como
absolutamente cardeal o critério de diferenciação com base na “eficiência eco-
nômica”: a eliminação de empresas menos eficientes serviria ao propósito da
Lei Antitruste.23 Coloca-se um dos pontos centrais do pensamento da Escola
de Chicago, a que já fizemos referência.

21. 11 Hen. IV, f. 47, pl. 21 (1410), transcrito por Fox e Sullivan, Cases and materials on
antitrust, p. 18-19.
22. “Thus, if a struggle between competitors ends with the complete elimination of one
of them, it is difficult to establish whether he succumbed to superior efficiency or to
an expensive assault with intent to kill” (Machlup, The political economy of monopoly,
p. 101).
23. “We have seen that the basic ‘merits’ of competition lie in its contribution to economic
efficiency (optimum allocation of productive resources) and dispersion of power. Com-
petition resulting in the elimination of firms because they are less efficient serves one
of the functions assigned to it” (Machlup, The political economy of monopoly, p. 102).

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Posição dominante e seu abuso 277

Outra forma de explicar a licitude (ou ilicitude) dos efeitos decorrentes


do uso (ou abuso) da posição dominante derivaria da aplicação do princípio
geral que condena, em nosso ordenamento jurídico, o abuso do direito,24 hoje
positivado no art. 187 do Código Civil.25 Nesse sentido, a utilização do poder
econômico (e do direito à liberdade econômica) apresentaria restrições se fosse
efetuada de forma não adequada, “reprovável ou reprovada, ilegítima ou tida
como tal”,26 rompendo o “equilíbrio dos interesses em conflito ou do desvio
da finalidade do direito, da sua destinação social e econômica”.27 Isso seria
válido não apenas para os casos de abuso de posição dominante, mas também
para acordos entre empresas e concentração (na medida em que são vedados
pela aptidão de reprodução de condições monopolísticas).
No caso do abuso do poder econômico, o direito de que se abusa é a liberdade
econômica, liberdade de iniciativa, liberdade de concorrência etc. (ou seja, os
direitos que assistem ao agente econômico no Estado liberal). Em princípio, nada
há de ilícito na utilização dessas liberdades. Entretanto, no momento em que
ocorre o abuso do poder econômico, há abuso do direito à liberdade econômica,
liberdade de iniciativa, liberdade de concorrência28 etc. O sujeito lança-se ao gozo
“anormal”,29 “reprovável”, “ilegítimo”, “imoral”30 desses seus direitos, ou seja,
“excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social,
pela boa-fé ou pelos bons costumes”, nos termos do art. 187, já mencionado.
A utilização do princípio da condenação do abuso do direito, ainda que
não traga conclusões seguras sobre a licitude ou ilicitude do ato do agente eco-

24. Sobre a doutrina do abuso do direito (ou abuso de direito, como preferem alguns)
e resumo das principais correntes de pensamento, consultar a dissertação de Paulo
de Araújo Campos, Abuso do direito, apresentada como exigência para obtenção de
título de mestre na área de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, em dezembro de 1982, e também à obra de Fernando Augusto Cunha de
Sá, Abuso do direito, Lisboa, 1973.
25. “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé
ou pelos bons costumes.”
26. Mario Rotondi, L’abuso di diritto, p. 17.
27. Markovitch, citado por Philadelpho Azevedo em parecer publicado na RT 129/36.
Nas clássicas palavras de Jorge Americano: “O abuso desnatura o direito e faz com
que o deixe de ser” (Parecer publicado na RT 129/59).
28. Nesse sentido, Giulio Levi, L’abuso del diritto, p. 105.
29. Saleilles, Étude sur la théorie générale de l’obligation, p. 375. Cf., também, já sobre o
sistema brasileiro, Plinio Barreto, em parecer publicado na RT 129/24.
30. Cf. Jean Dabin, El derecho subjetivo, p. 366.

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278 Os fundamentos do antitruste

nômico (nem poderia fazê-lo, considerando-se o caráter elástico das normas


antitruste), situaria a questão na teoria geral do direito.
Não obstante, a mais autorizada doutrina, ao tratar das normas antitruste,
não se preocupa em situá-las em um contexto de “abuso de direito” ou “abuso
de poder”.31
Críticas poderiam ser lançadas à utilização da doutrina do “abuso de direi-
to” para explicar o “abuso do poder econômico”. De início, o poder econômico
não é um direito, mas sim um fato,32 uma situação (fática) que proporciona ao
agente econômico indiferença e independência em relação aos outros agentes, às
leis de mercado. O “abuso do poder econômico” não trataria do abuso de um
direito, mas sim do abuso de um “fato”, de uma posição (e não de um poder
derivado de um direito, assegurado pelo ordenamento jurídico).33
Em outras palavras, quando se diz que há o abuso do direito de proprie-
dade, identifica-se o mau uso de um direito que é atribuído ao sujeito pelo
ordenamento jurídico (o direito de propriedade). Ao invés, quando falamos de
“abuso do poder econômico”, não há um direito a que possamos nos referir34
e que atribua ao agente o “poder econômico” ou sua situação de independên-
cia e indiferença.35 No máximo, o poder econômico deriva da utilização de
uma liberdade econômica (v.g., liberdade de concorrência), mas não é por
esta instituído.

31. Quando se menciona o “abuso de poder” está se tratando de abuso do poder confe-
rido por um direito. Assim, por exemplo, o abuso do poder de controle da sociedade
anônima pressupõe o poder que é atribuído ao acionista controlador, conforme os
termos da Lei 6.404, de 1976 (Lei das Sociedades por Ações). A doutrina especiali-
zada geralmente se refere à expressão “abuso de poder” como sendo correlata a um
poder-dever funcional (abuso de autoridade) (cf., a esse respeito, P. Grippo, Abuso di
autorità o di potere, Enciclopedia giuridica italiana, vol. 1, parte 1, Milano, Vallardi, p.
92 e ss.; José Luiz Sales, Abuso de poder, Repertório enciclopédico do direito brasileiro,
p. 356 e ss.; Fernando Díaz Palos, Abuso de autoridad o poder, Nueva enciclopedia
jurídica, t. 2, p. 121 e ss.).
32. Alguns autores apontam que o poder econômico é inerente à natureza das coisas,
“inébranlable, invincible, inexpugnable” (Anne-Sophie Choné, Les abus de domi-
nation, 1).
33. Nesse sentido, Giulio Levi: “Tuttavia è stato detto anche che, parlando sempre di
abuso di posizione dominante, si faccia in realtà riferimento ad una situazione
di fatto, più che di diritto” (L’abuso del diritto, p. 113).
34. O mesmo se diga em relação à posição dominante: trata-se de “fato” e não de “direito”.
35. Diz-se que uma pessoa é mais forte fisicamente do que outra. Ora, essa superioridade
física não é um direito, mas sim um fato. O mesmo se dá com empresa titular de poder
econômico: não se trata de um direito seu, mas sim de mero fato.

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Posição dominante e seu abuso 279

Ademais, a doutrina do “abuso de direito” vem impregnada de inegável


ranço privatístico. Por exemplo, Pontes de Miranda afirma que: “O estudo do
abuso do direito é a pesquisa dos encontros, dos ferimentos, que os direitos
se fazem”.36 Ora, não toca ao direito antitruste a disciplina do respeito mútuo
às esferas de direitos dos sujeitos, mas sim a regulamentação do mercado. Não
interessam os concorrentes, mas sim a concorrência.37 A ideia de repressão ao
abuso de direito traz à mente a regulamentação própria ao Estado liberal, que
intervém para neutralizar os efeitos autodestrutíveis que advêm do mercado.
Nesse sentido são as palavras de Josserand: “Os interesses da coletividade
devem fatalmente preponderar sobre as prerrogativas do indivíduo. Assim
como uma propriedade rural ilimitada, uma concorrência sem limites é social
e praticamente irrealizável: um direito absoluto está destinado à destruição; ele
devoraria a si próprio por seus próprios excessos; como as demais liberdades, a
liberdade de comércio quer ser regulamentada, sabiamente organizada (...)”.38
Repise-se: modernamente, o antitruste já não pode ser encarado apenas sob
esse ângulo de “correção de efeitos autodestrutíveis”, de sorte que a adoção da
teoria do abuso de direito pode mostrar-se perigosa, sob o aspecto dogmático,
porque sugere senão uma opinião ultrapassada, ao menos parcial, do antitruste.
O antídoto contra essa distorcida abordagem é, seguindo o conselho de
Vicente Ráo,39 considerar a repressão ao abuso de direito como princípio, que

36. Tratado de direito privado, vol. 53, p. 68.


37. O mesmo Josserand, em seu livro De l’esprit des droits et de leur relativité, ao comentar
as restrições à liberdade de comércio e de concorrência, não cogita de qualquer norma
de repressão ao abuso do poder econômico, mas sim da concorrência desleal e seus
atos de contrafação e violação de marcas. Em outras palavras, vê a regulamentação
da concorrência como disciplina da relação entre agentes econômicos privados, para
tutela de seus interesses: deve-se evitar o abuso de direito de um, para que o outro não
seja prejudicado.
38. De l’esprit des droits et de leur relativité, p. 232.
39. Vicente Ráo entende, entre nós, ser a repressão ao abuso de direito um princípio
de nosso ordenamento: “Também se diz, comumente, que o conceito de abuso do
direito, nas legislações ocidentais, tem apenas um sentido moral, alcançando, tão só,
as relações de indivíduo e a sociedade; mas, semelhante alegação importa desconhe-
cimento da real natureza desse conceito, ou seja, de sua natureza de princípio que,
como tal, tanto se dirige à aplicação do direito comum nas relações entre pessoas,
quanto à elaboração das leis, econômicas ou não, tendentes a realizar a harmonia
social” (O direito e a vida dos direitos, vol. 1, p. 149). Tercio Sampaio Ferraz Junior,
ao iniciar breve ensaio denominado Da abusividade do poder econômico, parte do
princípio de que: “Todo abuso é censurável. Quando parte de pessoa física ou jurídica
que detém poder, isto é, que se acha em condições de criar para outros situações

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280 Os fundamentos do antitruste

embasa todo o nosso ordenamento jurídico, e não se refere, exclusivamente, à


proteção de esferas de direitos e interesses privados. Sob esse prisma, a repressão
ao abuso do poder econômico pode também ser entendida como a coibição
ao abuso dos direitos de liberdade econômica, visando à implementação de
políticas públicas. Nesta hipótese, resta o problema de se delimitar o que seria
“uso” do “abuso” do poder econômico, questão de difícil – senão impossível –
solução por fórmula geral.

6.2. O agente econômico detentor de posição dominante


O art. 36, em seu § 2.º, estabelece que se presume posição dominante
sempre que “uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral
ou coordenadamente as condições de mercado (...)”. Decorre do próprio texto
normativo, que a posição dominante não será necessariamente detida por um
único player, pois a situação de independência e indiferença em relação aos
demais agentes econômicos poderá ser desfrutada ou decorrer da existência
de um grupo de empresas.
A expressão “grupo de empresas” é utilizada, no texto legal, em sua acepção
mais ampla, referindo-se tanto aos grupos de direito constituídos sob a égide
da Lei das Sociedades por Ações quanto ao grupo de fato (os conhecidos gru-
pos empresariais). O que é relevante, para efeitos da caracterização da posição
dominante, é que a empresa pode deter poder econômico muito maior do que
lhe seria próprio, em virtude de sua inserção em grupo empresarial.
Pensemos em uma pequena sociedade, com atividades desenvolvidas no
setor de distribuição de gás, e sede no Estado de Alagoas. Suponhamos que
esse mercado relevante seja competitivo, e nele atuem empresas detentoras de
parcelas de mercado quase equivalentes. Uma dessas distribuidoras, subsidiária
de importante empresa paulista, inicia autêntica guerra de preços, eliminando
as outras concorrentes. Podemos afirmar que a empresa que praticou os preços
predatórios não detinha posição dominante? Não, se considerarmos, como
manda a lei, o grupo de empresas à qual pertence e a potência econômica do
grupo.40 Consagra-se o conceito europeu da unique economic entity, que tende
a considerar sociedades coligadas como um único agente econômico, para fins
de caracterização da posição dominante.

de dependência, torna-se uma ofensa ao direito que configura e garante o poder”.


Por fim, repisando que o poder econômico não é abusivo em si, conclui que “para
efeitos de repressão do abuso, a lei deve presumir que o poder econômico que vise à
dominação de mercado, à eliminação da concorrência e aumento arbitrário de lucros
é abusivo” (Revista de Direito Econômico 21/23).
40. Vide n. 6.3.1.4, infra.

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Posição dominante e seu abuso 281

Os grupos de fato incluem não apenas aqueles constituídos por sociedades


controladora e controladas, mas também referem-se às aglutinações derivadas
da comunhão de interesses contratual, ainda que não formalizada. Também
neste caso, é o poder de que é titular a empresa ou o grupo de empresas que
conta, ainda que este decorra de avença privada, explícita ou implícita.41
Todas as vezes que um acordo entre agentes econômicos tem por conse-
quência proporcionar aos partícipes condição de independência de comporta-
mento (ainda que coletivo) em relação a outros agentes econômicos, podemos
falar em existência de posição dominante.

41. A Comissão europeia já se manifestou no sentido de que empresas ligadas por força
contratual deteriam posição dominante no mercado, pois: (a) apresentavam-se como
uma só entidade, de forma que sua individualidade não aparecia aos olhos do públi-
co; (b) suas decisões econômicas revelavam elevado grau de interdependência em
matéria de preços e de condições de venda, relacionamento com a clientela e estraté-
gias comerciais; (c) no que tange à produção, haviam estabelecido entre si vínculos
estruturais mediante a troca de mercadorias (Aldo Frignani, Abuso di posizione
dominante, Diritto antitrust italiano, p. 315). Ademais, no caso Vetro Plano, segundo
nos contam Aldo Frignani e Cristoforo Osti, a Corte de Justiça determinou que “non
si può escludere che più imprese siano unite da tali vincoli economici che, per tale
motivo, esse detengono insieme una posizione dominante rispetto agli altri opera-
tori sullo stesso mercato” (20 mesi di legge antitrust italiana, Diritto del Commercio
Internazionale, p. 357). Ainda Aldo Frignani coloca que: “Si può convenire che non
sussistono obiezioni di principio all’applicazione dell’art. 86 ad una situazione simile.
Certo le parti non costituiscono una unità economica; esse rimangono indipendenti
e sono in grado di riacquisire la loro intera libertà di azione in caso di scioglimento
dell’intesa. È indubitabile tuttavia che, nella misura in cui esse sopprimono o limitano
la loro concorrenza reciproca, rafforzando la loro indipendenza di comportamento nei
confronti dei terzi. Se la posizione così acquisita le mette al riparo da ogni concorrenza
effettiva, non c’è alcuna ragione di non applicare loro l’art. 86, almeno nella misura
in cui il comportamento loro rimproverato non si identifica con quello attraverso il
quale esse hanno eliminato la reciproca concorrenza” (Abuso di posizione dominante,
Diritto antitrust italiano, p. 316). Essa, entretanto, não é a opinião de Enrico Raffaelli:
“(...) il comportamento vietato può essere realizzato anche da più imprese. Da ciò
consegue un problema di coordinamento tra l’art. 86 e l’art. 85, che pone il divieto di
accordi tra imprese e di pratiche concordate pregiudizievoli della concorrenza.(...)
La questione è controversa. Si può comunque affermare che quando i comportamenti
vietati sono posti in essere da più imprese troverà applicazione l’art. 85 nel caso in
cui tali comportamenti siano il risultato di accordi o pratiche concordate, mentre si
applicherà l’art. 86 quando il gruppo di imprese in considerazione è contraddistinto
da una società dominante che impone la sua volontà alle altre, e ciò in assenza di
particolari legami tra queste imprese” (Cronache Comunitarie – Il divieto di abuso
di posizione dominante nel diritto comunitario, Il Foro Italiano, p. 78).

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282 Os fundamentos do antitruste

6.3. Determinação da existência de posição dominante


O processo de determinação da existência de posição dominante de uma
empresa deve partir da consideração de que a diferença entre um mercado con-
centrado e um mercado competitivo é questão apenas de grau.42 Não há métodos
de interpretação jurídicos ou fórmulas matemáticas que levem à conclusão
segura e definitiva sobre a existência de posição dominante em determinado
mercado, não obstante a tentativa dos economistas nesse sentido. A posição
dominante é um fato, nem sempre fácil de se constatar.
Tanto do ponto de vista da teoria econômica quanto da jurídica, o pri-
meiro passo normalmente adotado para a determinação da existência de po-
sição dominante, como vimos, é a delimitação do mercado relevante de que
estamos tratando, para posteriormente analisarmos sua estrutura.43 Passada
a primeira etapa, por si só plena de percalços hermenêuticos, as dificuldades
permanecem.44
Dentro da complexa realidade do mercado relevante em que atua a empresa
cujo comportamento se analisa, há alguns aspectos que podem e devem ser con-
siderados. Tratamos com várias faces da mesma realidade, buscando delimitar

42. “There is no sharp division between monopoly and competition: market power is
a matter of degree” (Valentine Korah, Concept of a dominant position within the
meaning of article 86, Common Market Law Review, p. 396). No mesmo sentido, René
Joliet, Monopolisation and abuse of dominant position, p. 76, e Richard Wish e David
Bailey, Competition Law, 25.
43. Partindo da necessária vinculação entre posição dominante e poder de atuar certo
comportamento de indiferença e independência em relação aos demais agentes
econômicos, admite-se que a determinação da posição dominante é decorrência da
estrutura do mercado relevante: o número e o poder econômico de cada uma das
empresas atuantes, o grau de diferenciação dos produtos e as barreiras à entrada
daquele mercado são todos fatores a serem analisados e que nos revelarão algo sobre
a estrutura do mercado que estamos analisando (cf. René Joliet, Monopolisation and
abuse of dominant position, p. 92).
44. Denozza a respeito da determinação da existência de posição dominante: “L’accer-
-tamento dell’esistenza di una posizione dominante sembra porre il giudicante di
fronte alla necessità di confrontare una situazione reale (quella in cui l’agente impone
concretamente un prezzo o una certa condizione contratuale) con una situazione
ipotetica (quella che si avrebbe se il mercato fosse concorrenziale) per verificare se in
questa ipotetica situazione quel reale comportamento sarebbe ugualmente possibile.
Si procede allora ad un accertamento necessariamente indiziario: vengono accertati
dei fatti, considerati indizi dell’esistenza di una posizione dominante (fatti, cioè, in
assenza dei quali – si suppone – l’impresa non potrebbe tenere certi comportamenti
senza essere punita dall’azione dei concorrenti)” (Antitrust, p. 47).

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Posição dominante e seu abuso 283

os contornos da estrutura do mercado relevante. Não se poderá considerá-las,


pois, individualmente, fora do contexto maior em que se inserem, sob pena de
chegar-se a resultado completamente enviesado.

6.3.1. Indicativos da existência de posição dominante


6.3.1.1. Market share x market power
Há uma aproximação quase intuitiva entre a parcela de mercado detida
pelo agente econômico e o poder dela derivado.45 Presume-se que, quando a
empresa detém parcela substancial do mercado (market share), possui poder
econômico tal que lhe permite atuação independente e indiferente, ou, na
terminologia norte-americana, possui market power.46 Ao revés, a partici-
pação diminuta da empresa faz presumir que esta não é capaz de afetar o
mercado com seu comportamento ou, para usar a terminologia atual da lei
brasileira, não é “capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições
de mercado”.
Por conta disso, é comum que a análise sobre a estrutura do mercado rele-
vante parta do critério da observação da market share, sendo esse método o mais
utilizado pelas cortes e autoridades antitruste,47 na medida em que constitui
forte indício sobre a existência, ou não, de posição dominante.48

45. Vale a consulta a Motta, Competition policy, p. 118, sobre a análise das market shares
dos agentes econômicos no processo de determinação da posição dominante.
46. Nas palavras de Hovenkamp, “Market power is the ability of a firm to increase its
profits by reducing output and charging more than a competitive price for its product.
(...) More appropriately, market power is the power to raise prices above competitive
levels without losing so many sales that the price increase is unprofitable” (Federal
antitrust policy, p. 79).
47. Cf. Sullivan e Hovenkamp, Antitrust law, policy and procedure, p. 590. Também ana-
lisando a jurisprudência dos tribunais americanos, E. Thomas Sullivan e J. Harrison
afirmam que “the analysis of power frequently involves two questions. First, what
is the relevant market for ascertaining the defendant’s market share? Second, what
does market share indicate about market power, especially when actual share is not
high?” (Understanding antitrust and its economic implications, p. 220). René Joliet,
por sua vez, assinala: “All judicial searches for monopoly power start with the pri-
mary fact of the relative size” (Monopolisation and abuse of dominant position, p. 92).
Sobre a utilização da quota de mercado como critério para determinação da posição
dominante, na Itália, v. Aldo Frignani e Cristoforo Osti, 20 mesi di legge antitrust
italiana, Diritto del Commercio Internazionale, p. 355. Alguns autores, muito embora
afirmem que a questão do poder de mercado deve ser analisada caso a caso, identificam
as parcelas de mercado que foram tomadas pelos tribunais como um indicativo da

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284 Os fundamentos do antitruste

No caso brasileiro, a Lei 12.529/2011 considera que, em princípio, o poder


48

econômico do agente pode ser medido pela parcela do mercado relevante que
controla. É o que se deduz do § 2.º do art. 36, que presume a posição dominante
ligada ao percentual de 20%.
Entretanto, nem sempre o elevado percentual de mercado detido pela
empresa significa existência de posição dominante,49 assim como sua diminuta
participação pode não implicar ausência de poder. Primeiramente, o market
share só adquire algum valor, para fins de verificação da existência de posição
dominante, se comparado àquele dos concorrentes.50
Ademais, é fato que a posição dominante deriva não da parcela de mercado
de que a empresa é titular, mas do poder econômico que detém e que lhe permite
independência e indiferença em relação ao comportamento de outros agentes,
colocando-lhe a salvo de pressões concorrenciais. Não basta, pois, a determi-
nação da parcela de mercado detida pela empresa para mesurar seu poder, ou
seja, seu market power, porque, ainda que titular de parcela não substancial

existência de posição dominante, buscando uma regra geral que se possa deduzir (cf.
René Joliet, Monopolisation and abuse of dominant position, p. 93, e Aldo Frignani,
Abuso di posizione dominante, Diritto antitrust italiano, p. 338-339). Não obstante,
os percentuais não constituem gabarito definitivo para a determinação da posição
dominante, sendo apenas indicativo.
48. Nas palavras da Corte de Justiça europeia (United Brands c. Commissione delle
Comunità Europee (causa 27/76), Racc. 1978, p. 207): “Furthermore although the
importance of the market shares may vary from one market to another the view may
legitimately be taken that very large shares are in themselves, and save in exceptional
circumstances, evidence of the existence of a dominant position. An undertaking
which has a very large market share and holds it for some time, by means of the vo-
lume of production and the scale of the supply which it stands for – without those
having much smaller market shares being able to meet rapidly the demand from
those who would like to break away from the undertaking which has the largest
market share – is by virtue of that share in position of strength which makes it an
unavoidable trading partner and which, already because of this secures for it, at the
very least during relatively long periods, that freedom of action which is the special
feature of a dominant position”.
49. “But large market share is not the evil that the Sherman Act condemns. The evil
of monopoly is not the fact that the monopolist has a large percentage of a certain
market. The evil is that, perhaps because it has a large percentage, it is able to charge
more than a competitive price for the monopolized product” (Sullivan e Hovenkamp,
Antitrust law, policy and procedure, p. 589).
50. No caso Hoffmann-LaRoche v. EC Commission [1979] ECR 461, para a determinação
da posição dominante da empresa, a Corte de Justiça considerou a relação entre sua
participação no mercado e aquela dos maiores concorrentes.

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Posição dominante e seu abuso 285

do mercado, pode ter a capacidade, por exemplo, de impor preços,51 detendo


poder econômico que lhe assegura a posição dominante.
Em resumo, no Brasil, comprovado que o agente econômico detém e
abusa de poder que lhe garante a posição dominante, ainda que não detenha
20% do mercado, seu comportamento poderá vir a ser sancionado, pois esse
percentual estabelece presunção relativa [iuris tantum] e não absoluta. Existe
a necessidade da convergência de várias outras evidências, além da parcela
de mercado detida pelo agente econômico, para constatar se o poder por ele
detido é apto a lhe assegurar a posição dominante.52
6.3.1.2. Concorrência potencial e barreiras à entrada de novos agentes
econômicos. Mercados contestáveis
A ausência de concorrência potencial em mercados concentrados é vista
como um dos principais indicadores da posição dominante: se a empresa
encontra-se livre de pressões concorrenciais, atuais e potenciais, sua indepen-
dência concretiza-se em grau máximo, viabilizando a atuação potestativa.53
De outra parte, muitas vezes, embora detentor de parcela substancial do
mercado relevante, o agente econômico está impossibilitado de adotar com-
portamento típico do monopolista, impedindo assim o aumento demasiado
seus lucros, em virtude da concorrência potencial existente, ou da capacidade
ociosa dos demais agentes econômicos que atuam no mercado relevante, pois:
a) se não houver significativas barreiras à entrada,54-55 os agentes eco-
nômicos que estão afastados do mercado (in the wings) podem nele entrar,
determinando o restabelecimento da concorrência; ou

51. A questão foi bastante discutida no caso Dimmitt Agri Indus. v. CPC Int’l, 679 F2d
516 (5th Cir. 1982), referida por Sullivan e Hovenkamp, Antitrust law, policy and
procedure, p. 608.
52. Nesse sentido, diz-se que a posição do agente econômico no mercado pode ser “contesta-
da” por outros agentes ou fatores, o que faria com que essa posição não fosse “dominante”.
53. Sobre os efeitos da concorrência potencial, cf. Schumpeter, Capitalismo, socialismo
e democrazia, p. 80.
54. Podemos considerar, a exemplo da Comissão e da Corte de Justiça europeia, que
qualquer custo a ser suportado pelos agentes econômicos para viabilizar sua entrada
no mercado deve ser tomado como barreira à entrada (cf. Frignani, Abuso di posizione
dominante,” Diritto antitrust italiano, p. 341). Fábio Nusdeo explica que as barreiras
de entrada são “um obstáculo ao acesso de novas unidades produtoras em virtude
da posição de privilégio que conferem às já atuantes num dado mercado” (Abuso do
poder econômico, Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 125).
55. Nada impede que as barreiras à entrada sejam colocadas pelos próprios agentes,
com a utilização de sua potência econômica. Por exemplo, (a) o agente econômico

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286 Os fundamentos do antitruste

b) os demais agentes econômicos do mesmo mercado podem não estar


produzindo de acordo com sua capacidade máxima, porque o preço praticado
não compensaria o aumento da produção. Quando o agente econômico detentor
de parcela substancial do mercado elevar os preços, os demais aumentarão sua
produção, incrementando, de consequência, o grau de concorrência enfrentado.
Nesse sentido, também a atuação dos agentes econômicos estrangeiros
representa concorrência potencial, se há a possibilidade de seu ingresso no
mercado interno (ou seja, com preços competitivos)56 de forma efetiva e em
tempo razoável. A concorrência potencial será sentida (= percebida) pelo agen-
te nacional, que a considerará quando houver de decidir sobre a estratégia a
adotar. O agente econômico nacional terá seu poder de mercado mitigado, pois
sempre levará em consideração a existência (possibilidade de entrada) e/ou

pode utilizar-se de pressão sobre o governo para eliminar a concorrência ou levantar


barreiras à entrada, obtendo proteção ao seu setor de atividade: “The practices by
which men in certain occupations, businessmen in certain industries, attempt to
influence government to intervene in their behalf and protect them from ‘newcomers’
competition may, from some points of view, be regarded as ‘monopolistic business
practices” (Machlup, The political economy of monopoly, p. 118). É o caso típico da
atuação dos agentes econômicos que pressionam o aumento das tarifas alfandegárias
praticadas para os produtos similares estrangeiros, alegadamente com o escopo de
proteção da indústria nacional. Da mesma forma, (b) constantes guerras de preços
(ou ameaças de guerras todas as vezes que existe o perigo da entrada de um novo
concorrente no mercado), ou (c) barreiras dificultando a chegada do concorrente às
fontes de mercadorias e serviços, indispensáveis à sua atividade econômica, podem
servir para manter fora do mercado os concorrentes potenciais (Machlup, The poli-
tical economy of monopoly, p. 122, e ainda Frignani, Abuso di posizione dominante,
Diritto antitrust italiano, p. 342). Fábio Nusdeo aponta como uma das barreiras de
entrada que se pode verificar em um mercado a “diferenciação de produtos”. As-
sim, a criação de uma infungibilidade do bem com a determinação de um mercado
relevante material distinto dos “competidores” levaria a uma posição privilegiada
naquele mercado segmentado (Abuso do poder econômico”, Enciclopédia Saraiva
do Direito, p. 125). Atualmente, uma das maiores (e mais insuperáveis) barreiras à
entrada que encontramos é a impermeabilização do mercado por conta de direitos
de propriedade intelectual, problema que será tratado adiante em item específico.
56. A imposição de elevadas taxas de importação poderá eliminar ou arrefecer a con-
corrência entre o agente econômico estrangeiro e aquele nacional por lhes situar em
mercados relevantes materiais diversos, apartados em virtude do distinto público
consumidor. Assim, suponhamos que sabonetes franceses sejam comercializados
internamente a preço 10 vezes superior ao produto nacional. Não haverá concorrência
(ou esta será desprezível) entre os dois produtos que, portanto, integrarão diversos
mercados relevantes materiais.

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Posição dominante e seu abuso 287

o comportamento do agente estrangeiro. A futura entrada, quando factível, é


capaz de desempenhar o mesmo papel de uma força competitiva atual, presente
(perceived potential entry).57-58
Conclui-se que a consideração da concorrência potencial nos mercados
assenta-se sobre pressupostos típicos do liberalismo econômico, na medida
em que lida com modelo de concorrência perfeita, em que há a mobilidade
dos agentes devido à inexistência de barreiras à entrada.59 A questão assume
particular relevância para a Escola de Chicago: sempre dentro do pensamento
de que não é necessário maior controle do comportamento dos agentes econô-
micos, nos casos em que o mercado é competitivo, sustenta-se que, não havendo
barreiras à entrada e à saída de novos agentes econômicos no mercado (ou
seja, em se tratando de contestable markets),60 inexistiria razão para controlar

57. Cf. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 881 e ss.


58. Em certos casos, a posição do agente econômico pode ser “contestável”, embora
não haja efetiva importação do produto que comercializa (ou o mercado relevante
geográfico a ser considerado pode ser aquele mundial). Pensemos, por exemplo, em
determinada commodity, cujos preços são determinados pelo mercado. A existência
de concorrência potencial efetivamente percebida pelo agente econômico pode fazer
com que ele não assuma postura de independência e indiferença em relação aos outros
agentes, levando em consideração, para pautar sua estratégia, o comportamento do
mercado. Dessa forma, pode ocorrer que esse agente econômico não pratique preços
superiores àqueles normalmente encontrados, acrescidos de eventuais custos de
internação do produto. A caracterização da posição dominante dependerá também
da análise de outros fatores, tais como o tempo necessário à importação do produto
e as dificuldades do processo.
59. Discute-se se as economias de escala constituiriam barreira à entrada de novos
concorrentes. Valentine Korah expõe o “elegante” pensamento de Bade Fuller,
demonstrando justamente que economias de escala não são barreiras, mas sim as
poucas possibilidades de lucros: “If the market is expanding and can already absorb
the production of some 10 plants of the minimum efficient scale, the market will
soon be able to absorb the output of a new plant. 1f it can take only one, and is ex-
panding but slowly, a prospective new entrant would realise that once his plant came
in stream, there would be substantial idle capacity, and the owners of the two plants
might compete in price until they were only covering their variable costs, allowing
nothing for the capital costs. Such an investment is unlikely to be profitable. It is
the probable lack of profits, rather than the size of the investment, that is the entry
barrier” (Concept of a dominant position within the meaning of article 86, Common
Market Law Review, p. 407).
60. Um mercado é dito contestável se a entrada ou saída dos agentes econômicos é sempre
possível, sendo que para tanto não devem enfrentar elevados custos. Daí podermos
dizer que, nesse tipo de mercado: (a) não existem significativos vínculos adminis-

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288 Os fundamentos do antitruste

o comportamento das empresas que ali atuam. Essa vigilância seria realizada
pelo próprio mercado.
Entretanto, ainda que haja certa mobilidade dos fatores de produção, para
que os concorrentes potenciais entrem no mercado é necessário determinado
espaço de tempo.61 Daí que os efeitos danosos do comportamento da empresa
que abusou de seu poder podem ser desde logo sentidos, e não compensados,
posteriormente, pela entrada dos novos agentes.
Deve, pois, ser vista com certa reserva a premissa de que a existência de
concorrência potencial fará com que não seja adotado comportamento abusi-
vo. Ora, se por um lado, é bem verdade que o agente, ao aumentar seu preço
de forma excessiva, pode atrair para seu mercado outras empresas, tornando
atual a concorrência potencial, de outra, a demora na correção da distorção
poderá trazer consequências danosas para o mercado (e, como contrapartida,
vantagens para o agente econômico que abusa de sua posição e desvantagens
para os consumidores), que não podem e não devem ser desprezadas. Para jus-
tificar esse entendimento, valemo-nos, mais uma vez, da arguta observação de
Denozza:62 “A tese segundo a qual o poder monopolístico será destruído pela
entrada de novas empresas no mercado está, sem sombra de dúvidas, correta,
na medida em que tudo na história da humanidade está destinado a mudar (até
o Império Romano caiu com o tempo). Deduzir, desse fato, argumentações
contra a intervenção judicial para impedir a formação ou acelerar a dissolução
de posições de poder monopolístico seria como sustentar a desnecessidade da
repressão ao homicídio porque todos os seres humanos devem morrer um dia”.
As advertências da Comissão europeia, ao explicitar seus critérios para de-
terminação da posição dominante, demonstram a cautela a se adotar em relação

trativos que limitem ou impeçam a entrada ou saída naquele setor da economia; (b)
as condições de oferta e demanda são praticamente as mesmas para os concorrentes
atuais e potenciais; (c) os investimentos efetuados naquele setor podem ser utili-
zados trabalho alternativos e existe mercado secundário de bens de capital em que
seu valor pode ser inteiramente recuperado (cf. Matteo Caroli, La regolamentazione
dei regimi concorrenziali, p. 33). Por essas razões, ensina Roger Van den Bergh, “le
imprese che operano in mercati contendibili sono soggette alla ‘toccata e fuga’ di
rivali occasionali” (Introduzione – L’analisi economica del diritto della concorrenza,
Diritto antitrust italiano, p. 42).
61. A entrada no mercado é elemento diverso da existência de barreiras. Explica Caroli:
“Anche senza alcun ostacolo strutturale all’entrata, è comunque necessario un certo
intervallo temporale per stabilire ed organizzare la capacità produttiva nel nuovo
settore e per attivare i canali di distribuzione nel mercato” (La regolamentazione dei
regimi concorrenziali, p. 36).
62. Antitrust, p. 64-65.

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Posição dominante e seu abuso 289

à concorrência potencial: há de se presumir que a empresa será dissuadida de au-


mentar os preços apenas se a expansão de seus competidores ou a entrada de novo
operador for provável, rápida e suficiente. Para que a expansão ou entrada sejam
prováveis, elas devem mostrar-se suficientemente lucrativas para o concorrente
ou para o novo player, exigindo o estudo de fatores como (a) barreiras à expansão
ou à entrada, (b) prováveis reações da empresa investigada e dos concorrentes e
(c) os riscos e custos de fracasso (“sunk costs”). Para que a expansão ou a entrada
seja considerada adequadamente rápida deve ser capaz de dissuadir ou impedir
eventuais abusos. Por fim, para que a expansão ou a entrada seja suficiente, não
se pode apresentar como simples entrada de pequena escala, por exemplo, em
um nicho de mercado, devendo ser de tal magnitude a ponto de desestimular
qualquer tentativa de aumento de preços pela empresa investigada.63
Vale, também, atentar para a possibilidade de substituição do produto,
considerando-se sua oferta. Se há chances de outros fabricantes, sem custos
demasiados (considerando, inclusive, os chamados sunk costs),64 entrarem no
mercado, essa concorrência pode ser entendida como “percebida” pelo agente e,
consequentemente, considerada para fins de delimitação do mercado relevante.
Em conclusão, quanto mais o mercado for impermeável, menor será o grau de
concorrência potencial a que estará sujeito. A medida dessa impermeabilização deriva
dos obstáculos à entrada (e à saída) de novos agentes, pois a existência de barreiras
permite que a empresa já instalada, livre de pressões competitivas, valha-se de sua
posição (dominante) para aumentar seus lucros de forma excessiva (ou anormal,
como quer Korah), sem com isso atrair outros operadores para seu ramo de negócios.65
6.3.1.3. Comportamento/dependência dos consumidores e/ou for-
necedores
Muitas vezes, o agente econômico, ainda que suportando certo grau de
concorrência, detém a posição dominante em virtude da dependência que os
consumidores mantêm do produto ou serviço oferecido.

63. Cf. item 16 da Comunicação acima referida.


64. Sunk costs são custos irrecuperáveis que o agente econômico deverá incorrer caso
decida cessar suas atividades econômicas em determinado mercado. Assim, assume
particular relevância, por exemplo, a verificação da existência de mercado de maqui-
nário usado, naquele setor da economia. A questão dos sunk costs é primordial na
consideração da concorrência potencial: os agentes econômicos que se encontram
in the wings somente terão interesse em entrar no mercado se os custos dessa entrada
forem inferiores às vantagens a serem auferidas.
65. Cf. Korah, Concept of a dominant position within the meaning of article 86, Common
Market Law Review, p. 396.

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290 Os fundamentos do antitruste

Tem-se, nesses casos, baixo grau de elasticidade cruzada (cross elasticity)


do produto, sendo reduzida sua cambiabilidade com similares, ainda que
satisfaçam necessidades do consumidor bastante parecidas. Este, por algum
motivo, despreza o outro bem que lhe traria utilidade semelhante, e continua
a preferir aquele que habitualmente utiliza.
É o que ocorre, por exemplo, com muitas marcas de produto e seus “fiéis”
consumidores. Não se trata, necessariamente, de considerar a priori os produtos
identificados por cada marca como um mercado relevante distinto. Entretanto,
pode ocorrer que o sinal distintivo dê origem à falta de elasticidade cruzada do
produto com seus similares, assegurando a seu titular situação de independência
e indiferença, típica da posição monopolística.66
Igualmente, os fornecedores podem deter grau de dependência tal do agente
econômico distribuidor, que este acaba por assumir posição de independência e
indiferença. Em alguns casos, os fornecedores, ao precisar do distribuidor para
escoar sua produção, têm enfraquecido seu poder de barganha e acabam sujeitos
ao poder do comprador. Essa situação dá ensejo a questões ligadas à dinâmica
de funcionamento do grande varejo, em que não é raro ver os produtores na
mão das grandes redes de supermercados (buyer´s power). Esse fenômeno será
estudado adiante.

6.3.1.4. Potência econômica da empresa


A posição de independência e indiferença do agente econômico pode de-
rivar de sua própria potência econômica (deep pocket),67 ou da força econômica
do grupo a que pertence. É o caso dos grandes conglomerados, com disponi-
bilidade interna de recursos ou facilidade de captação de receitas financeiras,
ou até de empresas que, atuando em vários mercados relevantes, aproveitam
o suporte econômico de uma atividade para impulsionar a outra.68

66. A questão foi tratada quando da análise do mercado relevante material.


67. Segundo Frignani: “(...) il potere finanziario merita di essere considerato nella misura in
cui è suscettibile di esercitare un’incidenza sulla posizione concorrenziale dell’impresa
sul mercato (specialmente quando la mette in grado di scatenare una guerra dei prezzi,
sapendo che essa potrà resistere più a lungo dei suoi concorrenti, o permettendole
di accrescere le sue vendite spendendo somme importanti per la pubblicità o per lo
sviluppo di un elevato numero di prodotti. Tuttavia, sono le conseguenze del potere
finanziario, specialmente nella misura in cui contribuiscono a rafforzare le barriere
all’entrata, piuttosto che il potere finanziario in se stesso, che costituiscono il criterio
pertinente” (Abuso di posizione dominante, Diritto antitrust italiano, p. 344).
68. Machlup observa que “this stronger firm finances its competitive campaign out of its
capital (or out of its earnings from other activities); it succeeds not because it is more

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Posição dominante e seu abuso 291

A eventual capacidade ociosa do agente econômico pode significar grau


de poder de mercado bastante elevado, por lhe possibilitar a resposta imediata
a aumentos de procura, mais celeremente e incidindo em menores gastos que a
concorrência. Desta maneira se impede a entrada de novos agentes econômicos
no mercado ou o aumento da participação de seus concorrentes.

6.3.1.5. Estrutura avançada da empresa, com alto grau de integração


vertical
O controle de várias, senão de todas, as fases do processo de produção
e/ou de distribuição de um produto é capaz de proporcionar ao agente poder
econômico tal que lhe assegure a posição dominante. Com efeito, a certeza de
que disporá da matéria-prima a preços competitivos (integração vertical), e/
ou de que o produto chegará aos seus consumidores (redes de distribuição),
coloca a empresa em situação privilegiada, que poderá configurar a posição
dominante.
Esse foi o entendimento da Corte de Justiça europeia quando do julga-
mento do conhecido caso United Brands (Banana Chiquita). Concluiu-se
pela existência de posição dominante dessa empresa, que atuava em todas
as fases do processo de produção e distribuição de bananas nos principais
países da Europa.

6.3.1.6. Domínio de tecnologia
A vantagem competitiva, derivada do domínio da tecnologia a que as
outras empresas, por qualquer razão, não têm acesso, é capaz de colocar o
agente econômico em posição de independência e indiferença em relação ao
comportamento dos demais.
A esse respeito, a questão que envolveu a Microsoft, nos Estados Unidos
e na Europa. Não há dúvidas que, principalmente após o lançamento do Mi-
crosoft Windows, essa empresa domina o mercado a tal ponto que sua atuação
condiciona o comportamento dos demais agentes econômicos. A vantagem

efficient in producing the goods and services with which it competes, but merely be-
cause it commands overwhelming financial strength. This is the kind of competition
that is called oppressive or predatory and injurious to the public interest” (The political
economy of monopoly, p. 102). No caso Eastman Kodak Co. v. Image Tech. Svcs. (504
U.S. 451 – 1992), a Suprema Corte Americana afirmou que: “The Court has held many
times that power gained through some natural and legal advantage such as a patent,
copyright, or business acumen can give rise to liability if ‘a seller exploits his dominant
position in one market to expand his empire into the next’”.

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292 Os fundamentos do antitruste

competitiva de que dispõe – trata-se de relativo consenso – não deriva de ato ou


prática desleal, mas do desenvolvimento de tecnologia de ponta, que mudou
a vida do planeta.
Durante os chamados “casos Microsoft”, não foram poucas as vozes que
se levantaram para afirmar que a atuação das autoridades antitruste procurava
punir não o eventual abuso da posição dominante, mas a mera existência da
posição dominante, impedindo a empresa – porque detinha considerável poder
econômico – de implementar determinadas práticas comerciais.
Ainda no que diz respeito à tecnologia, alguns argumentam que o fato de
deterem, em determinado momento, vantagem competitiva sobre seus concor-
rentes não significa que seriam titulares de posição dominante, especialmente
se a tecnologia controlada estiver em franco desenvolvimento, tornando-se
obsoleta rapidamente. Em outras palavras, a possibilidade de veloz superação
da técnica faria com que esses agentes, embora com elevada market share, não
desfrutassem de posição de independência e indiferença, na medida em que
estariam sujeitos à constante pressão concorrencial.

6.3.1.7. Grau de crescimento do setor


René Joliet69 assinala que o grau de crescimento do setor pode ser fator
de relativização da market share detida pelo agente econômico: nos setores em
expansão, a empresa dominante deve ter a capacidade de continuar seu cresci-
mento, sob pena de ceder a seus competidores parcela de mercado. A expansão
do mercado é, portanto, elemento que enfraqueceria o poder econômico do
agente, devendo ser considerado.

6.3.1.8. Aspecto temporal
Ainda que certa empresa detenha elevado percentual de mercado, não
é dito que, necessariamente, será titular de posição dominante. Isso porque,
considerando-se a concorrência sob seu aspecto dinâmico, sua “superioridade”
pode ser absolutamente esporádica, de forma a não assegurar qualquer inde-
pendência de comportamento.
Julgando prática relacionada à distribuição de filmes cinematográficos,
a Comissão Europeia considerou que as profundas variações anuais entre as
parcelas detidas pelas várias empresas não decorriam de modificações em seu
poder econômico, ou mesmo na estrutura do mercado. Ao contrário, a elevada
parcela de mercado detida, em um determinado ano, significava apenas que o

69. Monopolisation and abuse of dominant position, p. 96.

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Posição dominante e seu abuso 293

agente econômico comercializou, naquele período, filmes que atraíram maior


público aos cinemas.70

6.3.1.9. Vantagem da primeira jogada; existência de consumidores


cativos
Há situações em que o agente econômico, por adotar certo comportamento
antes dos demais, adquire elevado grau de poder econômico, especialmente
quando essa atuação traz consigo o aumento significativo das barreiras à entrada
e ao desenvolvimento das empresas, aumentando seus custos.
Tomemos, por exemplo, situação em que a empresa A, iniciando suas ati-
vidades em determinado país, estabelece acordos de fornecimento exclusivo de
matéria-prima escassa na região com todos os possíveis fornecedores, por prazo
relativamente extenso. A empresa B terá maior grau de dificuldade para atuar na
mesma região, pois sentirá a carestia de insumo fundamental. Ou restará sem
matéria-prima, ou ainda deverá comprá-la de outras fontes, aumentando seus
gastos. Tem-se, assim, o incremento do grau de impermeabilização do mercado.
Pensemos também que a primeira jogada pode determinar a conquista
(vinculação) de adquirentes que, uma vez cativos, resistem à mudança, di-
minuindo o grau de elasticidade da demanda naquele mercado. A empresa A
consegue fabricar aparelho que passa e dobra todas as roupas perfeitamente,
com punhos e colarinhos sem qualquer vinco. Essa incrível máquina seria
de reduzidas dimensões, silenciosa, consumiria pouca energia, duraria no
mínimo 10 anos e ainda teria preço razoável. É de se imaginar que as donas
de casa correriam às lojas para comprá-la. Quando a empresa B conseguisse
inventar algo semelhante, seria mais difícil sua entrada no mercado, pois, para
vender seu produto, haveria de convencer as donas de casa a desfazerem-se das
máquinas A, “perdendo” o dinheiro que pagaram. Elas seriam consumidoras
“cativas”, ou locked-in consumers.
Aqui, ainda que em decorrência da eficiência da empresa A, as barreiras de
entrada no mercado são aumentadas, atribuindo-lhe poder e independência,
especialmente em relação aos consumidores aprisionados.

6.3.1.10. Domínio dos canais de distribuição


Os canais de distribuição são fundamentais para o sucesso de qualquer
empresa. Se não chegar até aqueles que estariam dispostos a comprá-lo, de

70. O exemplo é de Frignani, Abuso di posizione dominante, Diritto antitrust italiano,


p. 340.

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294 Os fundamentos do antitruste

nada adiantará a fabricação de produto de qualidade e bom preço. Por conta


disso, o controle dos veios de escoamento da produção pelo(s) agente(s) pode
conferir-lhe(s) posição de superioridade em relação a seus competidores.
Não por outra razão, os especialistas insistem que a análise dos efeitos
de práticas (como a exclusividade) é incompleta se não observarmos com
cautela a estrutura de distribuição e os acordos existentes entre os vários elos
da cadeia produtiva. O domínio dos canais de distribuição pode significar o
controle do mercado.

6.3.2. A necessária conjugação dos indicativos


Nossa pretensão nos itens anteriores não foi elaborar lista exaustiva e
dogmaticamente impecável que levaria a soluções incontestáveis, mas pontuar
situações que, diante da imbricada realidade dos fatos, devem ser sopesadas
quando da análise do poder de mercado dos agentes. Em todas as hipóteses,
ao fim e ao cabo, a análise para determinação do grau de poder do agente repousa
na concorrência que enfrenta e no impacto, sobre seu comportamento, do grau de
competição a que se sujeita. Repise-se: a posição dominante não é absoluta; trata-
-se de questão de grau.
Por isso, nenhum dos elementos indicados acima pode ser considerado,
individualmente, como decisivo. “Em geral, uma posição dominante resulta
de uma combinação de vários factores que, isoladamente, não são necessaria-
mente determinantes”, nas palavras da Comissão europeia.71
Torna-se, mais uma vez, evidente a elasticidade da aplicação da Lei An-
titruste, pois a própria determinação da existência de posição dominante é
processo que requer valorações subjetivas e a conjugação de variáveis, a serem
efetuadas pelo intérprete.

6.3.3. Da estrutura do mercado ao comportamento da empresa


Observando a prática antitruste, identificamos certa tendência, por parte
das autoridades antitruste, de considerar como indício do abuso de posição do-
minante o próprio comportamento da empresa. O raciocínio é bastante simples:
se a empresa praticou ato que consubstancia típico abuso de posição dominante
é porque tinha poder suficiente para fazê-lo.72 A Corte de Justiça europeia já se

71. Cf. item 10 da Comunicação contendo orientação sobre as prioridades da Comissão


na aplicação do art. 82 do Tratado da Comunidade Europeia (hoje, art. 102 do Tratado
de Funcionamento da União Europeia), de 2009.
72. A respeito, Areeda e Kaplow: “Imperfections in market definition coupled with the
uncertain connections between the market shares we see and the market power we

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Posição dominante e seu abuso 295

manifestou nesse sentido: “Onde se manifestam os efeitos do abuso, é irrele-


vante (...) determinar o mercado a ser tomado em consideração para constatar
uma posição dominante”.73
Desta forma, são os meios de ação de que dispõe o agente econômico e
a faculdade que lhe assiste de exercitar influência considerável sobre o mer-
cado que caracterizariam a posição dominante.74 Ou, nos termos de antigo
memorandum da Comissão Europeia:75 “O domínio de mercado não pode ser
definido unicamente a partir da quota de mercado detida por uma empresa ou
de outros elementos quantitativos de uma determinada estrutura de mercado.
Trata-se, acima de tudo, de um poder econômico, quer dizer, da faculdade de
exercer sobre o funcionamento do mercado uma influência notável e típica das
empresas em posição dominante. Tal capacidade econômica de uma empresa
dominante, seja ou não utilizada com um escopo determinado, influencia o
comportamento e as decisões de outras empresas. Uma empresa que é capaz de,
no momento em que deseja, suplantar as concorrentes, pode dispor de posição
dominante e determinar de forma decisiva o comportamento das outras em-
presas, mesmo que sua quota de mercado seja ainda relativamente pequena”.76
Ao contrário, a empresa com diminuto poder de mercado, em princípio,
não seria capaz de causar prejuízo para a concorrência. Nesse sentido é o voto
proferido pela conselheira do CADE Neide Terezinha Malard no Processo
Administrativo 32, que envolveu empresas distribuidoras de vales-refeições

hope to infer might lead us to reexamine economic performance or conduct as direct


indicators of a firm’s power to charge supracompetitive prices” (Antitrust analysis,
p. 581). No mesmo sentido, Aldo Frignani (Abuso di posizione dominante, Diritto
antitrust italiano, p. 336-337). A título exemplificativo: uma empresa A, detentora
de 10% do mercado relevante, impede o acesso de concorrente aos canais de dis-
tribuição. Partindo-se da pressuposição de que essa prática é considerada típico
abuso de posição dominante, nada obsta considerar que, muito embora a empresa
A detenha apenas 10% do mercado relevante em questão, seja titular de posição
dominante. Se produziu o efeito anticompetitivo, é porque tinha poder suficiente
para tanto. Quando efetuamos esse raciocínio, partimos de análise estrutural do
mercado (indicador objetivo) para passarmos a um indicador subjetivo, baseado
no comportamento efetivamente atuado pela empresa (cf. Frignani e Waelbroeck,
Disciplina della concorrenza nella CEE, p. 103 e ss.).
73. Caso ICI/CSC, 06.05.1974. No mesmo sentido, Rhône-Poulenc/SNIA (cf. Francesco
Stella, Posizione dominante collettiva e concentrazioni: il caso Rhône-Poulenc/SNIA,
Diritto del Commercio Internazionale, 8.1/166).
74. Cf. Frignani e Waelbroeck, Disciplina della concorrenza nella CEE, p. 104.
75. De 01.12.1965.
76. Apud Frignani, Abuso di posizione dominante, Diritto antitrust italiano, p. 344.

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296 Os fundamentos do antitruste

e de mercadorias. Foi afirmado, na ocasião, que apenas os agentes com certo


poder econômico têm condições de influenciar o comportamento do mercado.
Argumentou-se no sentido de que a prática adotada não poderia causar, como
efetivamente não causou, qualquer dano para a concorrência, o que desautori-
zaria a aplicação da Lei Antitruste: “Segundo a teoria econômica, na estrutura
concentrada, a contração ou a expansão dos negócios das empresas de grande
porte influencia as condutas de suas concorrentes e a parcela de poder que de-
têm o mercado pode ser, eventualmente, utilizada em restrição à concorrência.
Por outro lado, as empresas de pequeno porte, que atuam na parcela residual
deste mercado, têm uma participação tão diminuta, envolvendo um número
tão pequeno de negócios que, ao contrário de suas concorrentes de grande
porte, não são capazes de afetar o mercado com o seu comportamento ou de
deslocar a participação relativa de qualquer outra, ainda que possuísse essa
intenção. O poder de mercado é, pois, condição necessária para que a conduta
de uma empresa possa resultar em benefício ou prejuízo à concorrência”.77

6.4. Posição dominante derivada de vantagem competitiva. A atenção


das autoridades antitruste. A “responsabilidade especial” das
empresas em posição dominante
A lei brasileira, como insistimos várias vezes, não condena o domínio
de mercado pelo agente econômico, desde que derivado de “processo na-
tural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus
competidores”,78 ou seja, resultante de vantagem competitiva. Nada há de
ilícito na conduta de empresa que conquista “parcela substancial do mercado
relevante”, simplesmente por ser mais eficiente que seus concorrentes.
Entretanto, é fato que as autoridades antitruste mantêm vigilância maior
sobre o comportamento das empresas que detêm posição dominante. Essa
postura se justifica porque é a atuação da empresa “mais forte” que, com maior
probabilidade, poderá afetar (e prejudicar) a concorrência. Seu ato, na medida
em que ele próprio tem capacidade para determinar o ambiente concorrencial,
coloca em risco, de forma mais acentuada, a segurança do mercado. Ou, como
afirma Hovenkamp: “In general, the more market power a firm has, the more
damaging its exclusionary practices might be”.79-80

77. Revista do IBRAC, vol. 2, n. 2, p. 15.


78. Cf. art. 36, § 1.º, da Lei 12.529/2011.
79. Herbert Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 244.
80. “Today ‘monopolization’ refers to a number of activities that may be illegal when per-
formed by the dominant firm in a properly defined relevant market” e, mais adiante,

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Posição dominante e seu abuso 297

Práticas que, se atuadas por empresas pequenas, quase nenhum impacto


trariam, podem causar verdadeiros desastres concorrenciais quando imple-
mentadas por agentes detentores de elevado poder econômico.
Por essas razões, na União Europeia, exige-se da empresa dominante
que se comporte de maneira tal a não destruir as condições de concorrência
existentes no mercado. Esse agente deve oferecer concorrência saudável,
baseada na superioridade real de seus produtos ou serviços (“competition
on the merits”), e não alavancar-se em sua força econômica. Imputa-se-lhes
“responsabilidade especial”, para que não distorçam o campo da batalha com-
petitiva, em detrimento daqueles de menor dimensão.81 O agente dominante
tem o direito de atuar livremente no mercado, desde que o prejuízo infligido a
seus concorrentes decorra do “mérito dos bens ou serviços que fornecem”.82
Como estabelecido no caso Michelin I, a empresa não deve ser recriminada
porque detém posição dominante, mas, independentemente dos fatores que
a levaram a essa situação de domínio, possui uma responsabilidade especial,
ou seja, um dever de não permitir que sua conduta distorça a competição no
mercado comum.83

“for example, in a competitive market a refusal to deal, a sudden price reduction, a


policy of leasing and not selling a product, or of keeping research secret are absolutely
consistent with competition on the merits” (Hovenkamp, Federal antitrust policy, p.
241 e 244). Mario Siragusa, por sua vez, analisando a sentença da Corte de Justiça
no caso United Brands, afirma que: “(...) La struttura commerciale di un’impresa
in posizione dominante può anche avere un effetto sulla legalità del suo sistema di
prezzi sulla base dell’Articolo 86...” (Diritto e politica della concorrenza nella CEE:
prezzi discriminatori e non equi (articolo 86), Diritto Comunitario e degli Scambi
Internazionali, p. 475). Com efeito, leva-se em consideração o prejuízo à concorrên-
cia e ao mercado que será causado pela prática, partindo-se do pressuposto de que
apenas os agentes econômicos detentores de market power lograrão causar tais danos.
81. Eleanor Fox, Monopolization, abuse of dominance, and the indeterminacy of econo-
mics, 727. V., sobre a “responsabilidade especial” das empresas em posição dominante,
Eirik Osterud, Identifying exclusionary abuses by dominant undertakings under EU
Competition Law, p. 33 e ss.
82. Vozes se levantam contra a amplitude da expressão e do conceito de “competition
on the merits”, advogando a adoção de critérios mais “seguros” e “estáveis” para a
aferição da posição dominante. V., a esse respeito, o Policy Brief da OCDE. Disponível
em: [www.oecd.org/dataoecd/10/27/37082099.pdf]. Acesso em: 27.07.2010.
83. No original: “finding that an undertaking has a dominant position is not in itself a
recrimination but simply means that, irrespective of the reasons for which it has such
a position, the undertaking concerned has a special responsibility not to allow its
conduct to impair genuine undistorted competition on the common market” [caso
322/81, Michelin v. Commission, 1983].

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298 Os fundamentos do antitruste

A ideia é que a concorrência já se encontra restringida em mercados nos


quais atua empresa com posição dominante, de sorte que não se pode permitir
que ela reduza, ainda mais, a competição. Exemplo desse posicionamento é
encontrado no caso Van den Bergh Foods, de 2003. O oferecimento gratuito,
ao distribuidor, de freezer para armazenamento de sorvetes na condição de
que fosse utilizado exclusivamente para produtos da empresa dominante foi
considerado abusivo. Embora a prática fosse comum no mercado, entendeu a
Corte europeia que “essas considerações, aplicáveis em situações normais de
mercados competitivos, não podem ser aceitas sem reservas no caso de mer-
cados em que, justamente porque um dos agentes detém posição dominante,
a concorrência já se encontra restringida”.84
Essa responsabilidade especial das empresas dominantes, que assume pa-
pel cada vez mais central na definição do que vem a ser o “abuso” de posição
dominante, reforça-se com o aumento da importância dos exclusivos ligados
à propriedade intelectual. A Comissão Europeia, ao julgar o caso Microsoft de
2004, evocou-a por três vezes. Outro exemplo ilustrativo foi a condenação do
Google ao pagamento de multa no valor de 2,42 bilhões de Euros, por abuso de
posição dominante em relação ao Google Shopping. O Google não teria atuado
uma “competition on the merits”.85

6.5. Abuso de posição dominante. Algumas práticas típicas


Embora expressamente vedado, o abuso de posição dominante não vem
definido em nossa lei, sendo considerados apenas os efeitos que são (ou podem

84. Caso T-65/98, Van den Bergh Foods Ltd. v. Commission [2003]. No original: “Those
considerations, which are applicable in the normal situation of a competitive market,
cannot be accepted without reservation in the case of a market of wich, precisely because
of the dominant position held by one of the traders, competition is already restricted”.
85. Margrethe Vestager, responsável pela política de concorrência, declarou: “A Google
tem criado muitos produtos e serviços inovadores que mudaram as nossas vidas, o
que é uma boa coisa! Porém, a estratégia da Google para o seu serviço de comparação
de preços não era apenas a de atrair clientes tornando o seu produto melhor do que
o dos seus concorrentes. Em vez disso, a Google abusou da sua posição dominante
no mercado na vertente de motor de busca, promovendo o seu próprio serviço de
comparação de preços nos seus resultados de pesquisa e despromovendo os dos
concorrentes. O que a Google tem feito é ilegal ao abrigo das regras anti-trust da
UE. Negou a outras empresas a possibilidade de competir com base nos seus mé-
ritos e de inovar. Mais importante ainda, negou aos consumidores europeus uma
escolha genuína de serviços e a possibilidade de tirar pleno partido dos benefícios
da inovação”. Press release disponível em: [http://europa.eu/rapid/press-release_IP-
17-1784_pt.htm]. Acesso em: 23.02.2018.

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Posição dominante e seu abuso 299

ser) produzidos sobre o mercado. A Lei 12.529/2011, em seu art. 36, § 3.º,
limita-se a enumerar práticas abusivas mais comuns.86 Em termos simples: não
se procure na lei a resposta para qualquer indagação do tipo “o que é abuso de
posição dominante?” Encontraremos apenas alguns de seus exemplos.
A maioria das condutas mencionadas no art. 36, § 3.º, refere-se a práticas
de abuso de posição dominante e não a acordos entre empresas. Não se trata de
inovação do atual diploma antitruste, pois, desde a promulgação das primeiras
leis de tutela da concorrência no Brasil, já havia a preocupação preponderante
de controlar o abuso da posição dominante.
Essa opção explica-se pelo fato de que na estrutura industrial brasileira
encontram-se, de há muito, agentes econômicos detentores de grande poder
de mercado, ou seja, a concentração de poder não é, para nós, fenômeno novo.
A principal preocupação sempre disse respeito à regulamentação do abuso
de posições fortes de mercado, procurando-se dar ao governo federal meios de
controlar a atividade dos agentes com significativo poder econômico.
A partir da promulgação do Sherman Act, em 1890, muitas práticas fo-
ram condenadas pelas cortes norte-americanas por serem típicos exercícios
abusivos de posição dominante, tais como: (a) espionagem ou sabotagem; (b)
concentrações; (c) diminuição da produção; (d) aumento da produção; (e)
discriminação de preços; (f) recusa de contratar; (g) integração vertical; (h)
vendas casadas; (i) aumento dos custos a serem suportados pelos concorrentes
(price squeeze); (j) manipulação da pesquisa e desenvolvimento tecnológico;
(k) abuso de direito de propriedade industrial; (l) abuso do direito de demanda,
mediante a propositura de ações judiciais ou medidas administrativas vexatórias
contra concorrente; (m) preços predatórios, entre outras.87
No Brasil, algumas dessas práticas são encaradas como atos de concorrên-
cia desleal, tipificados na Lei da Propriedade Industrial. Entretanto, na medida
em que prejudicam não apenas o concorrente, mas também a concorrência e

86. Em termos de racionalidade da conduta, o exercício abusivo de posição dominante


pode servir de várias formas ao agente econômico: (a) reduzindo a participação dos
concorrentes no mercado, (b) impedindo o crescimento dos concorrentes, (c) em
mercados em expansão, obstando o aumento da participação dos concorrentes, de
forma a diminuir sua share relativa, (d) coagindo os concorrentes a aceitarem as
sinalizações de preço do detentor de posição dominante, abandonando qualquer
ideia de guerra de preços, (e) convencendo os concorrentes da irracionalidade da
competição e vantagens da cooperação, (f) enfraquecendo os concorrentes de ma-
neira tal que sejam forçados a vender seu controle ou seus ativos, (g) eliminando os
concorrentes do mercado (cf. Machlup, The political economy of monopoly, p. 101).
87. Cf. Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 260.

8004.indb 299 21/06/2018 13:33:12


300 Os fundamentos do antitruste

o mercado como um todo, poderemos identificar a incidência da norma anti-


truste, a exemplo do que ocorre em outras jurisdições.
A doutrina europeia, glosando o art. 102 do Tratado sobre o Funciona-
mento da União Europeia, costuma apontar quatro manifestações típicas do
abuso de posição dominante: (a) imposição de preços não equitativos; (b)
limitação da produção ou distribuição de produtos ou serviços, ou ainda ao
desenvolvimento técnico de outros agentes econômicos; (c) discriminação de
fornecedores ou adquirentes; e (d) vendas casadas.88
Tomando como referencial a nossa Lei Antitruste, passamos a analisar
algumas das práticas mencionadas no art. 36, § 3.º, lembrando sempre que
somente constituirão infrações à ordem econômica caso seu objeto ou efeito trouxer
consigo a incidência de qualquer dos incisos do caput do mesmo dispositivo.

6.5.1. Imposição de preços abaixo do custo


O art. 36, § 3.º, XV, da Lei 12.529/2011 exemplifica como possível infração
à ordem econômica “vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente
abaixo do preço de custo”.
Para que se componha o suporte fático necessário à incidência do referi-
do inc. XV, é preciso que a imposição do preço abaixo de seu custo tenha por
objeto ou possa produzir um dos efeitos tipificados no caput do art. 36 da Lei
Antitruste. Ademais, para caracterizar o ilícito, a conduta há de ser injustificada.
A vinculação entre a prática do preço abaixo do custo e seus objetivos é
essencial ao funcionamento adequado do sistema de repressão ao abuso do poder
econômico. De fato, nem sempre a venda de bem abaixo de seu preço de custo é
ilícita. A não incidência da restrição, em certos casos, é indispensável para que se
evite a sanção de comportamento de agente econômico que não desenvolve qual-
quer atividade contrária à livre-concorrência, mas prática normal de mercado.
A doutrina costuma classificar a venda abaixo do preço de custo tomando
por base seu caráter temporal: poderá ser esporádica, de longa duração ou ainda
estender-se por período limitado de tempo.

88. A bibliografia sobre as vendas casadas é extensa. Cite-se Areeda e Kaplow, Antitrust
analysis, p. 704 e ss.; Herbert Hovenkamp, Economics and federal antitrust law, p.
214 e ss.; Guillermo Cabanellas Jr., Antitrust and direct regulation of international
transfer of technology transactions, p. 105 e ss.; Werter Faria, Direito da concorrência
e contrato de distribuição, p. 93 e ss. Para competente análise histórica dos tying
arrangments nos Estados Unidos da América, v. Victor Kramer, The Supreme Court
and tying arrangements: antitrust as history, Minnesota Law Review, p. 1013-1070.
Vide, também, capítulo específico em Paula A. Forgioni, O contrato de distribuição.

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Posição dominante e seu abuso 301

6.5.1.1. Venda justificada
Ocasiões há em que a venda abaixo do preço de custo é considerada lícita,
bastando, para tanto, que seja “justificada”. Não cogita a Lei 12.529, de 2011,
da intenção do agente, mas do objeto e dos efeitos da prática. Se esses forem
suficientes para justificá-la, poderá ser considerada como lícita.
A venda abaixo do preço de custo feita em caráter esporádico implica,
geralmente, a necessidade de venda imediata do produto. Aqui, a atuação do
agente econômico é destinada a corrigir ou evitar prejuízo potencial superior
àquele que adviria da comercialização do bem por menos de quanto custou.
Não se trata de comportamento habitual do agente econômico. É o que ocorre
nas “desovas” de produtos perecíveis próximos da data de validade, em que o
empresário, por opção racional, prefere suportar menores prejuízos a perder
a produção disponível para a venda.
Outra justificativa para a venda abaixo do custo poderá ser o acesso ao
mercado, mostrando-se como alternativa razoável para que o agente econô-
mico, desejando iniciar suas atividades em determinado mercado relevante,
atraia o consumidor a experimentar o produto.
Muito se discute o problema dos brindes e descontos promocionais, que
determinam a comercialização do produto com preço abaixo de seu custo.
Trata-se de estratégia utilizada pelos agentes econômicos não apenas para
viabilizar a entrada em novo mercado, mas também para desviar clientela dos
concorrentes.89 Contudo, muitas vezes, a política de brindes ou de descontos
camufla esquemas anticompetitivos, que visam a tornar o adquirente cativo
e inacessível aos competidores. A partir do momento em que a concessão do
brinde ou desconto determinar a incidência do art. 36, caput, da Lei Antitruste,
haverá de ser considerada ilícita.90

89. A prática também pode ser considerada ato de concorrência desleal segundo os
efeitos atuais ou potenciais produzidos. Reimer traz o exemplo do caso Suwa, em
que a corte alemã julgou desleal a distribuição massiva e gratuita de caixas de sabão
em pó (La répression de la concurrence déloyale en Allemagne, p. 111).
90. Sobre os descontos de fidelidade que consubstanciam prática discriminatória, cf.
Goyder, EC competition law, p. 358 e ss., e Giorgio Massina, La disciplina della con-
correnza e del mercato: i cartelli interbancari – Gli sconti di fedeltà, Giurisprudenza
Commerciale, 19.1/121-123. No Brasil, a legislação que regulamenta a distribuição
gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propa-
ganda, veda que a autorização da promoção pelas autoridades competentes seja con-
cedida caso implique distorção do mercado, objetivando-se, através da promoção, o
alijamento de empresas concorrentes (cf. art. 11, IV, do Dec. 70.951, de 09.08.1972).

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302 Os fundamentos do antitruste

Os preços abaixo do custo podem significar a busca da manutenção da


posição no mercado: ao se sentir ameaçado pela conduta comercial agressiva
de concorrente, o agente econômico realiza a venda de seus produtos abaixo
do preço de custo. Da mesma maneira, pode-se buscar a eliminação do con-
corrente ou sinalização para o potencial competidor que enfrentará grandes
obstáculos no mercado almejado, desestimulando a entrada.
Se o preço abaixo do custo for praticado em caráter esporádico, e não
tiver por objeto ou por efeito a eliminação do concorrente do mercado, ou a
sinalização para evitar a entrada de concorrentes potenciais, poderá ser tomado
como lícito. De outra parte, parece evidente a ilicitude do preço predatório
que tem por objeto ou por efeito a eliminação ou diminuição da participação
de concorrente no mercado. Nesses casos, em que a venda abaixo do preço de
custo implica o objeto ou efeito (ainda que potencial) da eliminação de con-
corrente e consequente diminuição do grau de competição em determinado
mercado relevante, diz-se que o agente econômico pratica preço predatório
(predatory pricing).91-92

6.5.1.2. Racionalidade da conduta de preços predatórios


É bastante evidente que os preços predatórios somente se mostrarão
interessantes para o agente econômico capacitado a suportar custos elevados
durante certo período, ou seja, detentor de razoável poder econômico. Por esse

91. Eleanor M. Fox e Lawrence A. Sullivan conceituam preço predatório como “pricing
below an appropriate measure of cost for the purpose of eliminating competitors
in the short run and reducing competition in the long run” (Cases and materials on
antitrust, p. 864). Sobre a mesma questão, Kitch e Perlman: “Sales below cost are
part of what is recognized as ‘predatory pricing’, a pricing strategy that lowers prices
in an area to drive out competition with the expectation that losses sustained can
be made up by higher prices once a monopoly position is established. The success
of such a strategy depends on not only the ability to obtain some market power but
also to sustain it long enough to recoup past losses with interest and to secure higher
profits than would have resoluted in the absence of the strategy” (Edmund W. Kitch
e Harvey S. Perlman, Legal regulation of the competitive process, p. 423).
92. Veja-se a lição de José Frederico Marques: “E que é justa causa? É aquela que, embora
não prevista em lei, está em harmonia com o direito: é a causa secundum jus, aquela
que lícita se apresenta diante dos mandamentos da ordem jurídica, ou dos princípios
gerais de direito, tanto que, quem procede com justa causa, está no exercício regular
de um direito”. Entretanto, restaria em aberto a questão, no caso concreto, de saber
se a prática estaria “em harmonia com o direito” (José Frederico Marques, Direito
penal econômico – Princípios sobre a interpretação de suas normas – Do conceito
de monopólio, RF 215/50).

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Posição dominante e seu abuso 303

motivo, os economistas apontam alguns “requisitos de racionalidade” para sua


prática. A uma, os demais agentes econômicos que atuam no mercado relevante
deverão ser suficientemente fracos para que se possibilite sua aniquilação. A
duas, o mercado relevante deve estar estruturado de tal forma que permita ao
agente econômico prever por quanto tempo deverá praticar o preço predatório.
A três, os lucros a serem obtidos com a prática deverão compensar os prejuízos
incorridos pelo agente econômico ao sustentar o baixo preço.93
Em outras palavras, a racionalidade da conduta do agente econômico que
pratica preços predatórios está relacionada (a) ao prejuízo à concorrência que
pode ser causado e, consequentemente, (b) ao poder de mercado detido pelo
mesmo agente. Na análise da licitude do preço predatório devem ser levados
em consideração vários fatores, tais como a existência de barreiras à entrada
de novos agentes econômicos e a possibilidade de alienação dos ativos das
“vítimas” do preço predatório. A prática de preço predatório não seria racional
(ou seja, inapta a causar prejuízos à concorrência) se o mercado considerado
for contestável, pois, após a destruição dos atuais competidores, a concorrên-
cia potencial poderia tornar-se efetiva, com a entrada de novos operadores.
Da mesma maneira, pode-se lograr a eliminação dos atuais concorrentes,
levando-os à falência, e outro investidor adquirir os ativos da sociedade falida,
iniciando, novamente, a produção. Neste caso, também pode inexistir prejuízo
à concorrência (embora seja sentido prejuízo aos concorrentes).94-95
No final da década de 1960, a partir da publicação do célebre estudo de
John S. McGee,96 muito se debate sobre as reais vantagens a serem auferidas

93. Cf. Herbert Hovenkamp, Economics and federal antitrust law, p. 172-173.
94. Para Hovenkamp: “The predator’s worst nightmare goes like this: after a long, expen-
sive period of predation the victim files for bankruptcy and its plant and equipment
are auctioned off to a prospective rival who intends to stay in the market (...)” (Federal
Antitrust Policy, p. 312).
95. Como exemplo, tomemos o caso Brooke Group Ltd. v. Brown & Williamson Tobacco
Corp. (1993), em que a Suprema Corte norte-americana afastou a condenação da
ré por preço predatório porque a recuperação dos prejuízos havidos com a prática
seria improvável. A venda abaixo do custo teria restado comprovada, bem como a
intenção de praticar preços predatórios. Em 2010, a Corte de Justiça europeia decidiu
que, para a condenação por preços predatórios, não é necessária a demonstração da
possibilidade de recuperação do “investimento” feito na prática ilícita (caso France
Télécom, C-202/07. V., também, MEMO/09/146).
96. O estudo a que nos referimos é exposto no artigo de McGee Predatory price cutting.
The Standard Oil (NJ) Case, 1 J. L. e Econ., p. 137 (1958). Também disponível em:
[http://www-personal.umich.edu/~twod/oil-ns/articles/research-oil/research-oil/
john_mcgee_predatory_pricing_standard_oil1958.pdf]. Acesso em: 27.02.2012.

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304 Os fundamentos do antitruste

pelo agente econômico que pratica o preço predatório, bem como se essa seria
uma alternativa racional a ser adotada pelas empresas.
McGee sustentava que dificilmente a venda do produto abaixo do custo
teria por resultado o domínio do mercado, implicando, portanto, decisão abso-
lutamente irracional:97 os prejuízos decorrentes da fixação do preço do produto
abaixo de seu custo seriam certos e sentidos imediatamente, enquanto não se
poderia garantir os eventuais lucros futuros. O preço predatório seria praticado,
apenas, por empresas incompetentes, com o intuito de se proteger da superio-
ridade dos competidores. A opção racional seria a compra do concorrente.98
Posteriormente, Richard Posner e Frank H. Easterbrook99 estudaram as
críticas lançadas contra as ideias de McGee, concluindo que, embora esse autor
estivesse correto ao afirmar que a prática de preços predatórios era bastante
rara, não implicava sempre escolha irracional da empresa. Se a empresa obtém
recursos financeiros a preço inferior àquele que é imposto ao seu concorrente,
o preço predatório pode ser uma opção racional.100
Nos Estados Unidos, não se tem notícia de condenação recente pela prática
de preços predatórios. Ao contrário, da última vez que se manifestou sobre o
assunto, em 1993 [caso Brooke Group Ltd. vs. Brown & Williamson Tobacco
Corp.], a Suprema Corte norte-americana afastou a condenação da ré porque
a recuperação dos prejuízos havidos com a prática seria improvável, embora a
venda abaixo do custo, bem como a intenção de praticar preços predatórios
tenham sido comprovadas.
Na Europa, a visão é diversa. No caso Wanadoo, tanto a Comissão europeia
quanto o Tribunal de Justiça afirmaram não ser indispensável para a condenação
que se comprove a possibilidade de recuperação das perdas experimentadas pela
empresa que pratica o preço predatório; o dano à concorrência está presente
ainda que o retorno do “investimento” não aconteça.101

97. A respeito, Machlup afirma que “price wars are often more a matter of emotions than
of rational deliberations with calculated risks and estimated chances of success” (The
political economy of monopoly, p. 120).
98. Sobre a irracionalidade da prática do price cutting, v. Robert H. Bork, The antitrust
paradox, p. 148 e ss.
99. Posner e Easterbrook, Antitrust, p. 682 e ss.
100. Cf., também, a posição de Steven C. Salop de que o preço predatório é raro, mas não uma
“miragem” (Measuring entry barriers and the rule of reason: a sophisticated approach
to antitrust analysis, Antitrust Law and Economics Review, vol. 15, n. 4, p. 63).
101. Como ventilado acima, em 2003, a Comissão aplicou multa de mais de 10 milhões
de Euros à Wanadoo Interactive S.A., naquela época subsidiária da France Télécom,

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Posição dominante e seu abuso 305

Esse julgamento assume particular relevância ao confirmar a disposição


europeia contra os abusos em relação aos preços praticados pelas operadoras
de telecomunicações, especialmente em setores fundamentais para o desenvol-
vimento da Sociedade de Informação. Segundo a Comissão, em decorrência do
caso Wanadoo, o povo francês desfruta de menor preço de acesso à banda larga,
reduzido em cerca de 30%. Desde a decisão, esse mercado cresceu rapidamente:
nos sete meses seguintes, o número de usuários conectados subiu tanto quanto
nos 17 meses durante os quais houve o preço predatório.102

6.5.1.3. Os parâmetros para a determinação do “custo” referido pelo


art. 36, § 3.º, XV, da Lei 12.529/2011
Superadas as considerações sobre a racionalidade da prática dos preços
predatórios, a questão que se coloca gravita em torno da distinção entre preços
predatórios e preços derivados da competição legítima, pois apenas os primeiros
são sancionados pela Lei Antitruste.103 No centro desse debate, situa-se a de-
finição do que vem a ser “venda abaixo do custo”, ou, mais especificamente,
“custo”.104

pelo abuso de posição dominante consubstanciado na prática de preços predatórios


que visava a excluir competidores do mercado de Internet de alta velocidade. Em
janeiro de 2007, o tribunal de primeira instância confirmou a decisão, mantida em
definitivo pela Corte de Justiça em abril de 2009. Todas essas esferas concordaram
ser possível a condenação pela prática de preços predatórios mesmo sem que reste
demonstrada a capacidade de recuperação dos prejuízos pela empresa dominante.
Ao contrário, é relevante observar os efeitos da conduta para identificar os prejuízos
impostos aos consumidores.
102. Cf. Comissão europeia, MEMO/09/147, de abril de 2009.
103. Easterbrook, em voto proferido no Eggs Case (A. A. Poultry Farms, Inc. vs. Rose
Acre Farms Inc. – 888 F.2d 1396 (7th Cir. 1989), conclui que haveria três formas
de determinar quando os preços seriam predatórios. A primeira delas tem a ver
com custos. Se os preços forem acima dos custos, a concorrência seria benéfica.
No entanto, nessa hipótese, tem-se a dificuldade de determinação dos custos.
A segunda diz respeito à intenção do agente econômico. Ocorre que a intenção
de aniquilar o concorrente é inerente à concorrência saudável e lícita. De outra
parte, pesquisar a real intenção do agente não é tarefa fácil em um procedimento
antitruste. Restaria, apenas, a possibilidade de recuperar os prejuízos advindos
da prática predatória, ao seu final. “If a monopoly price later is impossible, then
the sequence is unprofitable and we may infer that the low price now is not pre-
datory”. Transcrito por Thomas D. Morgan, Modern antitrust law and its origins,
p. 670).
104. V. Posner, Economic analysis of law, p. 683 e ss.

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306 Os fundamentos do antitruste

O termo “custo” não possui significado unívoco na teoria econômica. Tal


como utilizado na Lei 12.529/2011, pode referir-se a: custo fixo, custo variável;
custo total, custo médio ou custo marginal.105
Procurando solucionar o problema da determinação do custo, as cortes
americanas adotaram o chamado Areeda-Turner test: identificam-se os custos
variáveis do agente econômico, que são divididos pelo número de unidades
produzidas. Temos o custo médio variável (avarage variable total cost), que
seria o patamar determinante da licitude do preço praticado. Se a comercia-
lização do produto se desse por preço inferior ao custo médio variável, seria
considerado ilícito.106
O Areeda-Turner test é criticado pelos economistas, principalmente porque
a identificação dos custos variáveis pode não ser tarefa simples107 e a existên-
cia de capacidade ociosa por parte do agente predador poderia distorcer os
resultados obtidos.108
Conforme explicado em suas guidelines, a Comissão Europeia entende
que esse critério também é razoável para a determinação da ilicitude da prática,
embora não o único, como estabelecido no item C de sua orientação sobre a
matéria.109-110
De qualquer forma, a dificuldade não foi superada, permanecendo a
questão do significado da expressão “abaixo do custo”. Uma vez que, no caso
da prática de preço predatório (inc. XV do art. 36, § 3.º), o texto normativo

105. A palavra “custo” assume vários sentidos. Custo fixo é o custo que não varia e inde-
pende da quantidade de bens produzida. Custo variável, como o próprio nome diz, é
aquele que varia conforme a alteração da produção. A soma dos custos fixos e daqueles
variáveis nos traz o custo total. O custo médio é o custo total dividido pela quantidade de
bens produzidos. Custo marginal é a modificação no custo total, advinda do aumento
da produção de um determinado bem. Em palavras bastante simples, é o aumento do
custo que deriva do aumento da produção (cf. Posner, Economic analysis of law, p. 684).
106. Barry Kellman assinalou, em 1985, que nenhuma Corte americana havia condenado
qualquer agente econômico pela prática de preços predatórios quando tais preços
eram superiores ao average total cost (Private antitrust litigation, p. 163).
107. Cf. Hovenkamp, Economics and federal antitrust law, p. 185.
108. Cf. Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 311.
109. Orientação 2009/C 45/02.
110. Especialistas afirmam que “total cost but above average variable cost are only to
be considered abusive if they form part of a plan to eliminate competitors” (Iratxe
Gurpegui Ballesteros and Agnes Szarka, Predatory pricing in the telecoms sector:
the ECJ rules on the issue of recouping losses. Disponível em: [http://ec.europa.eu/
competition/publications/cpn/2009_2_8.pdf]. Acesso em 28.07.2010).

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Posição dominante e seu abuso 307

não coloca parâmetros a serem seguidos, a definição do preço predatório, e,


consequentemente, da determinação da incidência do inc. XV, competirá, em
um primeiro momento, ao CADE e, em última instância, ao Poder Judiciário.

6.5.2. Imposição de preços de aquisição de matérias-primas dos concor-


rentes
O agente econômico pode encontrar-se em posição que lhe permita o
aumento do preço de matérias-primas ou insumos essenciais à atividade do
concorrente, sem aumentar seus próprios custos. Trata-se da prática que é
chamada em língua inglesa de price squeeze (preços opressivos). É possível, tam-
bém, que haja ilicitude da prática, caso, mesmo aumentando seus custos, esse
incremento prejudique mais seus concorrentes do que a empresa dominante.
Tomemos o seguinte exemplo: certo agente econômico é proprietário
de um frigorífico e, ao mesmo tempo, da maioria das fazendas de gado da re-
gião. Entretanto, produz maior quantidade de quilos de carne do que poderia
processar em seu estabelecimento. Por essa razão, vende, para outros, a carne
bovina proveniente de suas fazendas. Ocorre, entretanto, que o processamento
da carne gera lucros bastante elevados, e a concorrência dos demais frigorífi-
cos começa a ser desconfortável. Muito provavelmente, o frigorífico de nosso
exemplo aumentaria o preço da carne a ser fornecida para seus concorrentes,
elevando seus custos.
Percebe-se, portanto, que o price squeeze é uma forma de aumentar os
custos dos concorrentes.111 A atitude do agente econômico que atua o price
squeeze é, sem dúvida, predatória, porém não baseada no preço do produto em
si, como no caso do price cutting.
A prática do price squeeze pode se mostrar bastante vantajosa, se comparada
ao preço predatório, pois (a) não é necessário que a empresa suporte guerra
de preços no mercado e (b) os lucros da prática são auferidos quase que de
imediato, não sendo necessário longo período para o retorno do investimento.
Retornando ao nosso exemplo, nele estão quase que caricaturados os efeitos
anticompetitivos do ato e o consequente prejuízo à livre-concorrência. Casos
há, entretanto, em que pairam fundadas dúvidas sobre o caráter ilícito da
prática, pois muitos atos que implicam aumento dos custos dos concorrentes
são derivados, tão somente, do lícito exercício de vantagem competitiva.112

111. Thomas Sullivan e Jeffrey Harrison, Understanding antitrust and its economic impli-
cations, p. 234.
112. O elevado custo a ser suportado pelo concorrente para entrar no mercado pode não
constituir prática abusiva da empresa dominante, mas deverá ser computado como

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308 Os fundamentos do antitruste

Outro interessante exemplo é a decisão proferida no caso Ball Memorial


Hospital Inc. vs. Mutual Hospital Inc.113 A Corte norte-americana apreciou o
argumento de que o baixo valor dos pagamentos efetuados pelo plano de saú-
de aos hospitais credenciados fazia com que estes fossem obrigados a impor
preços mais elevados aos pacientes que se valiam de outros planos de saúde.
Eram criadas dificuldades à atividade dos agentes econômicos, motivo por
que a prática deveria ser considerada ilícita. A argumentação, todavia, não foi
acolhida pelo Judiciário, pois se entendeu que somente haveria a caracterização
do ilícito se um hospital credenciado tivesse a possibilidade de imposição de
preços elevados aos pacientes, o que inocorria no caso apreciado, em que o
mercado era pulverizado.114

6.5.3. Vendas casadas
6.5.3.1. Definição de vendas casadas e critérios para aferir sua ilicitude
As vendas casadas são tradicionalmente vistas como abusivas quando
praticadas por empresas que detêm a posição dominante. Dizemos que existe
venda casada quando um sujeito subordina a venda de um bem (produto
principal, produto subordinante ou tying product) à aquisição de outro, ou à
utilização de um serviço (produto ou serviço vinculado, subordinado ou tied
product). Também é considerada venda casada a vinculação da prestação de
um serviço à utilização de outro ou à aquisição de determinado bem.

barreira à entrada, ou seja, fator que atribui maior grau de impermeabilização ao


mercado, tornando mais difícil a entrada de concorrentes.
113. Thomas Sullivan e Jeffrey Harrison, Understanding antitrust and its economic impli-
cations, p. 235.
114. No conhecido caso Trinko (540 U. S.), a Suprema Corte decidiu que “a defendant
with no antitrust duty to deal with its rivals has no duty to deal under the terms
and conditions preferred by those rivals” e, em 2009, no caso Linkline (Pacific Bell
Telephone Co. v. Linkline Communications, Inc., 555 U.S. (2009), que “Where there
is no duty to deal at the wholesale level and no predatory pricing at the retail level,
a firm is not required to price both of these services in a manner that preserves its
rivals’ profit margins”. Assim, partindo desse pressuposto, a Suprema Corte, embora
não dando por encerrado o caso, asseverou: “if AT&T can bankrupt the plaintiffs by
refusing to deal altogether, the plaintiffs must demonstrate why the Law prevents
AT&T from putting them out of business by pricing them out of the market”. V. para
comentários desses dois últimos julgados, bem como para comparação com a postura
europeia sobre preços predatórios, Emch e Leonard, Predatory Pricing after linlLine
and Wanadoo. Disponível em: [http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id
=1412727&rec=1&srcabs=1428065]. Acesso em: 26.07.2010.

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Posição dominante e seu abuso 309

A casuística dos tying arrangements demonstra que os agentes econômicos


são bastante criativos nas formas de implementação desse expediente: cláusulas
contratuais de redação sofisticada, alegações de necessidade de manutenção da
qualidade, vinculação do produto mediante imposição técnica (por exemplo,
apenas determinada recarga do mesmo fabricante encaixa na máquina), perda
da assistência “gratuita” caso o adquirente valha-se de produtos, serviços ou
peças de reposição de outros fabricantes etc.
Ocorre que, em princípio, tudo pode ser dividido. Seria possível a venda de
um casaco sem os botões, de carro sem os pneus, de sapatos sem o cadarço,
de copiadora sem o toner, de lavadora sem o tambor e assim por diante. Qual
o limite da vinculação (subordinação) lícita que a aparta daquela anticoncor-
rencial? Quando haveria a incidência do disposto no inc. XVIII do art. 36,
§ 3.º, da Lei 12.529/2011?
Resta patente que, em qualquer julgamento que trate de vendas casadas,
haverá um “corte artificial” que distingue a vinculação normal, inerente ao produto,
daquela anticompetitiva. Essa observação nos leva à necessidade de identificar
quando existe um ou mais de um bem. É claro que o casaco com seus botões é
uma coisa apenas, assim como a máquina de lavar e seu tambor. Já a impressora
e cartucho são dois produtos diversos. Por quê? Existe critério jurídico que
nos ampare na diferenciação?
Embora essa seja questão difícil de ser resolvida,115 muitas vezes podemos
assumir que temos apenas um produto quando não houver procura compensatória
para ambos separados,116 ou seja, quando não for proveitosa para o adquirente
padrão a compra de uma coisa sem a outra. Conquanto possa haver exceções
(como a moça que gostaria de colocar no casaco fecho especial ou trocar os
cadarços de seu tênis por outros coloridos), os consumidores normais não se
interessariam pela aquisição de um paletó sem os botões, tampouco sapatos
sem amarrilhos.
Ademais, o grau de fechamento do mercado à concorrência derivado da
venda casada dependerá do poder detido pela empresa que lida com o produ-
to principal. Por exemplo, um açougue de determinada cidade que vincule a
venda da carne bovina à de carne suína. O consumidor que não se interessar
pela aquisição conjunta simplesmente dirigir-se-á a outra loja. Situação bem

115. V. Ross, Principles of antitrust law, p. 287.


116. Aproveitamos, aqui, a decisão do caso Kodak, adiante discutida, em que se afirmou:
“[f]or service and parts to be considered two distinct products, there must be sufficient
consumer demand so that it is efficient for a firm to provide service separately from
parts” (Eastman Kodak Co v. Image Tech. Svcs., 504 U.S. 451 (1992).

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310 Os fundamentos do antitruste

diversa daquela em que o açougue é o único estabelecimento desse tipo na região


e há elevadas barreiras no caminho de novos entrantes derivadas, por exemplo,
da regulação urbanística. Nesta segunda hipótese, o mercado de venda de carne
suína poderia ser fechado; na primeira, esse efeito seria improvável.
Por tudo isso, podemos colocar os seguintes requisitos para a configuração
de venda casada anticoncorrencial:
a) deve existir um produto principal e um produto imposto (ou seja, é ne-
cessário que haja dois produtos e não um, ou um bem e um serviço distintos,
ou ainda dois serviços);
b) deve haver coerção para o adquirente do produto;
c) o fornecedor deve ser titular de certo grau de poder de mercado.117

6.5.3.2. A venda casada e o aumento de participação no mercado do


produto vinculado
A venda casada pode significar o ganho de participação no mercado do
produto vinculado, quando o fornecedor do bem principal possui posição do-
minante. Por exemplo, o fabricante de copiadoras que pretende melhorar sua
posição no segmento de toner.
A chamada leverage theory (teoria da alavancagem), adotada em 1917 no
caso Motion Picture,118 sustenta que a posição dominante no mercado do produto
principal auxilia a conquista da mesma posição no mercado do produto impos-
to.119 Vale, aqui, transcrever o entendimento da Suprema Corte norte-americana,
que fixou as premissas econômicas da condenação das vendas casadas:120
“(…) under color of its patent, the owner intends to and does derive its
profit, not from the invention on which the law gives it a monopoly, but from
the unpatented supplies with which it is used, and which are wholly without

117. O segundo elemento (coerção) está normalmente relacionado à existência de poder


de mercado do agente que impõe a restrição.
118. Motion Picture Patents v. Universal Film Co., 243 U.S. 502 (1917).
119. Ou, nas palavras de Sullivan e Grimes: “[u]nder the traditional leveraging theory of
tie-ins, a seller with market power could increase the level of its return through the
use of a tie-in” (The law of antitrust: an integrated handbook, p. 402).
120. A ênfase do julgamento estava na análise da extensão do poder conferido pela lei de
propriedade industrial: o domínio da patente de uma máquina garantiria ao agente
econômico o direito de vincular a comercialização de outros produtos necessários
à utilização do bem, mas não protegidos? Essa a principal questão discutida, e não
as vendas casadas sob a ótica da proteção da concorrência (ao contrário do que faz
crer, muitas vezes, a doutrina especializada).

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Posição dominante e seu abuso 311

the scope of the patent monopoly, thus in effect extending the power to the
owner of the patent to fix the price to the public of the unpatented supplies as
effectively as he may fix the price on the patented machine”.
Essa pressuposição de que o agente pode lançar mão da posição em um
mercado para ganhar market share em outro é alvo de constantes críticas,
principalmente na Escola de Chicago. O trabalho de Bowman, de 1957,121 é
pioneiro nesse sentido, sustentando que o sujeito será capaz de impor preços
típicos de monopólio somente em um dos mercados e não em ambos. Para
ilustrar, tome-se uma empresa que detém posição dominante na fabricação
de janelas e resolve vincular a venda desse produto à aquisição de vidros. Esse
agente econômico sabe que o preço máximo que logra fixar para os vidros é
de R$ 10,00 em um mercado competitivo. As janelas custam R$ 50,00 cada. O
preço total seria R$ 60,00. Melhor e mais fácil do que impor um preço superior
a R$ 60,00 pelo pacote seria vender individualmente o produto principal por
R$ 50,00. Caso contrário, os consumidores tentariam obter os produtos de
outras fontes, mesmo que mais distantes ou menos convenientes, alargando
os limites do mercado relevante geográfico. Posner complementa a crítica,
dizendo que a teoria da alavancagem seria falha ao não explicar porque uma
empresa dominante em um mercado interessar-se-ia em entrar no outro, se é
capaz de alcançar os lucros monopolistas atuando apenas em um deles.
O exemplo de Posner é uma empresa titular da patente de computador,
arrendando-o para seus clientes com a condição de que sejam utilizados apenas
os disquetes que fabrica. Essa firma obteria a posição dominante no mercado de
disquetes. No entanto, não iria auferir lucros típicos de monopólio no segundo
mercado: se ela cobrasse pelos disquetes valor acima daquele concorrencial,
seus clientes iriam encarar o aumento como incremento no preço do leasing.
Se eles estivessem dispostos a pagar mais, a empresa poderia ter explorado
diretamente sua posição dominante no mercado de computadores, sem pre-
cisar valer-se do subterfúgio da venda casada.122 Por essas razões alguns, como
Pardolesi, dizem que a teoria do leverage faz parte do folclore do antitruste.123

121. Artigo do Yale Law Journal citado por Laurence A. Sullivan e Warren S. Grimes, The
law of antitrust, p. 402.
122. Economic analysis of law, p. 312. V., também, Richard A. Posner e Frank H. Easter-
brook, Antitrust, p. 870 e ss.
123. “Laddove siano necessari due prodotti per fornire un servizio – mettiamo, tabulatrici
e relative schede; macchine brevettate e sale usato nella relativa lavorazione; case
prefabbricate e mutui per il loro acquisto; interventi chirugirci ed anestesia; computers
e software operativo, per citare alcune fra le più significative fattispecie statuniten-
se – chi monopolizzi l’un bene può estrarre il profito massimo (corrispondente a

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312 Os fundamentos do antitruste

Para outra parte da doutrina, a teoria de Bowman foi baseada em modelos


ideais de mercado e não na realidade.124 Mesmo não conseguindo obter o domínio
do segundo mercado, o agente econômico pode, valendo-se da venda casada,
aumentar sua participação no mercado vinculado ou produzir outros efeitos
perniciosos como o incremento das barreiras à entrada ou a discriminação
entre os adquirentes.
A teoria que não crê na possibilidade de alavancagem parte do pressuposto
equivocado de que o mercado vinculado é sempre competitivo, desconside-
rando que o agente econômico dominante no mercado principal pode alterar a
dinâmica do mercado vinculado com a sua atuação; por exemplo, introduzindo
modificações de design que tornem seus produtos incompatíveis com os dos
concorrentes.125 A estratégia é elementar: em vez de, simplesmente, impor a
venda casada, força-se que o bem vinculado tenha alguma característica pe-
culiar que impeça a utilização pelo consumidor de produtos concorrentes.126
Mais do que isso, muitas vezes cobre-se essa “inovação” com direitos de pro-
priedade industrial que vedam sua reprodução por terceiros. Nesse cenário, a
defesa das empresas costuma ser facilitada, a partir do momento em que muitas
autoridades antitruste temem “aviltar” os direitos de propriedade industrial,
“desestimulando” o progresso tecnológico.127 No Brasil, esse é um problema
fortemente sentido em relação às peças de reposição no setor automobilístico.128
Além disso, a venda casada pode permitir a discriminação dos consumidores,
como explicado mais a frente.
Outro equívoco do raciocínio de Posner é considerar que o consumidor
tomará o preço superior praticado pelo produto vinculado como aumento

quello ritraibile dall’intero servizio) senza bisogno di trapiantare la sua situazione


di forza sul versante del prodotto complementare”. (Intese restrittive della libertà
di concorrenza, p. 292-293).
124. Sullivan e Grimes, The law of antitrust, p. 402. Phillip Areeda e Louis Kaplow, Antitrust
analysis: problems, texts, cases, p. 706.
125. Sobre a possibilidade de a alavancagem consubstanciar estratégia compensadora
para o agente econômico, v. Tying, foreclosure, and exclusion, de Michael Whinston.
Disponível em: www.jstor.org/pss/2006711. Acesso em: 26.07.2010.
126. Uma simples estrutura de encaixe, por exemplo.
127. Afirmam alguns que o grande equívoco do caso Kodak (adiante discutido) foi que
seus advogados não centraram a argumentação nos direitos de propriedade industrial
que a empresa detinha sobre várias peças de reposição.
128. V. número especial da Revista do IBPI dedicado ao tema. Disponível em: [http://www.
wogf4yv1u.homepage.t-online.de/media/b1f03417495d4142ffff831aac144220.pdf].
Acesso em: 08.01.2011, especialmente o artigo de Karin Grau-Kuntz.

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Posição dominante e seu abuso 313

no preço do produto principal. Não raro – especialmente quando o produto


principal é de alto preço – os consumidores podem não ter consciência do
custo do seu ciclo de vida.

6.5.3.3. Fechamento (foreclosure) do mercado do produto vinculado


É possível que a venda casada implique o fechamento (foreclosure) ou o
aumento de barreiras no mercado do produto vinculado, dificultando a entrada
de novos agentes. É o caso da empresa que detém a patente de determinadas
copiadoras e market share de aproximadamente 80% e não vende as máquinas
aos consumidores, preferindo o sistema de leasing. Assim, logra vincular a
prestação de assistência técnica “gratuita” à compra dos toners, também de
sua fabricação. Os demais fabricantes de toners serão praticamente excluídos
do mercado, porque os tomadores das copiadoras não terão incentivo para
adquirir os bens que oferecem.

6.5.3.4. Discriminação entre os adquirentes


A discriminação entre os compradores é outro dos efeitos que pode ser
gerado pela venda casada. Pensemos em empresa que detém a patente de má-
quina de jateamento com esferas de vidro (do tipo de “jatos de areia”, usada
desde a manutenção de peças de metal até o jateamento de vidros planos). A
cada X horas de uso, é necessário novo carregamento de microesferas. É fato
que alguns adquirentes usarão mais a máquina e outros menos, de forma que
a máquina “valerá” mais para uns do que para outros. O fabricante, contudo,
não pode se aproveitar daqueles que precisam mais do bem, devendo cobrar
preço uniforme de todos.129 Mas, se vincular a venda do equipamento à com-
pra das esferas de vidro, poderá conseguir compensação proporcional ao uso
de cada consumidor, explorando todos ao máximo. Se o cliente adquirir as

129. Caso contrário, poderia ocorrer “arbitragem”, ou seja, o fornecedor não conseguiria
discriminar os adquirentes mediante preços diferenciados porque os compradores
que usassem mais as máquinas fariam a aquisição por meio dos outros, que as uti-
lizam menos. Nas palavras de Curtis Eaton e Diane Eaton, “[p]ara estabelecer um
esquema bem-sucedido de discriminação de preços comum, o monopolista deve
ser capaz de identificar diferentes elasticidades-preços da demanda e de segmentar
seu mercado de acordo com isso, isolando uma porção do mercado da outra. Uma
atividade empresarial, denominada arbitragem, pode minar o propósito de segmen-
tação de mercado do monopolista. A arbitragem consiste em comprar um produto
em um mercado de preço baixo e revendê-lo em um mercado de preço alto. Quando
a arbitragem ocorre, a segmentação de mercado não pode ser realizada de modo
efetivo” (Microeconomia, p. 345).

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314 Os fundamentos do antitruste

esferas sempre daquele fornecedor, este poderá adotar a seguinte estratégia:


cobrar preço inferior pela máquina (captando aqueles que menos a utilizam)
e garantir o ganho pela venda das esferas ao cliente que mais a emprega. Essa
é também a estratégia de muitas fabricantes de impressoras que se vale de jato
de tinta com a venda de cartuchos.
Clássico exemplo da aplicação das vendas casadas para fins de discrimi-
nação é encontrado no caso International Business Machines Corp. vs. United
States,130 do ano de 1936. A IBM detinha 80% do mercado de fabricação de
computadores cuja entrada de dados era feita por cartões perfurados (tabu-
lating machines). Valia-se do leasing, praticando preços que não seriam de
monopólio, mas obrigando os consumidores a usarem seus cartões perfurados
(punch cards), pelos quais cobrava um alto preço. O leasing terminaria se o
consumidor fizesse uso de cartões que não fossem IBM. Oferecendo preços
baixos pelos computadores, atraía os consumidores para quem ele não teria
tanta utilidade, ao mesmo tempo em que forçava aqueles que se serviam das
máquinas intensamente a pagar preço mais elevado. Vale destacar que a IBM
não conseguiria discriminar os adquirentes mediante preços diferenciados,
pois, muito provavelmente, ocorreria uma arbitragem de mercado.131 Quan-
to ao argumento de que a vinculação seria indispensável à manutenção da
qualidade do produto, a Corte entendeu que outras empresas estavam aptas a
fabricar cartões compatíveis com as máquinas IBM, atingindo seus patamares
de excelência.
Deve-se notar que, na discriminação, o propósito do agente não costuma
ser o domínio ou ganho de participação no mercado do produto vinculado
(embora isso também possa ocorrer), mas a exploração do adquirente. Ademais,
a possibilidade de efetivar esse tipo de discriminação depende do grau de poder
econômico do agente no mercado do produto principal.132

6.5.3.5. Segurança da qualidade do produto


Talvez a alegação de necessidade de manutenção da qualidade seja a de-
fesa mais utilizada nos casos de venda casada, pois, em certas hipóteses, pode
encerrar essa virtude. Como exemplo, tomemos móveis que, se instalados com
desídia, apresentarão deformações. Pode ser conveniente para o fabricante
assegurar que o bem que vende não originará problemas futuros e, para tanto,
preferir impor ao consumidor a instalação por seus profissionais. A realidade

130. 298 U.S. 131 (1936).


131. Em função da arbitragem, acima explicada.
132. Cf. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis: problems, texts, cases, p. 708.

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Posição dominante e seu abuso 315

demonstra, entretanto, que os julgadores não costumam acatar tal defesa quan-
do a qualidade do produto ou do serviço poderia ser garantida de outras formas.
Uma delas é o estabelecimento dos requisitos mínimos (e razoáveis) a serem
cumpridos por terceiros independentes que pretendem fornecer o produto
ou serviço, asseverando sua qualificação técnica. No caso Kodak, que será
adiante tratado, a argumentação da necessidade de manutenção da qualidade
do produto foi rechaçada quando se comprovou que os agentes independentes
prestavam serviços de manutenção das copiadoras Kodak adequadamente. O
mesmo ocorreu no caso IBM, porque havia terceiros que também poderiam
fabricar os cartões perfurados utilizáveis nas tabulating machines.

6.5.3.6. Outros efeitos das vendas casadas


A doutrina norte-americana lembra que a venda casada facilita o contorno
da fiscalização dos preços em mercados regulamentados. Havendo controle
sobre a tarifa, o sujeito pode vincular a prestação de um serviço a outro e co-
brar pelo “pacote”. Dessa forma, dificulta-se a apuração exata do custo de cada
um dos elementos vendidos. O mesmo expediente pode ser utilizado quando
houver o pagamento de royalties.
A venda é capaz, ainda, de viabilizar o escoamento de um produto de pouca
aceitação. Nesses casos, o agente econômico, valendo-se de sua posição em
um mercado, obriga o adquirente a obter de forma vinculada outro produto
que ele normalmente não adquiriria, se houvesse concorrência.
A venda casada, por vezes, encobre a prática de preços predatórios, com
a utilização até mesmo de subsídio cruzado; ao efetuar a venda conjunta,
dificulta-se a comprovação de preços abaixo do custo ou mesmo a sua com-
paração com aqueles de mercado.133 Ademais, a empresa dominante em um
setor pode decidir praticar o preço predatório naquele do produto vinculado,
aplicando o lucro monopolista para subsidiar o preço do produto subordinado que
enfrenta concorrência.
A venda conjunta dos produtos principal e vinculado pode implicar di-
minuição dos custos de logística, embalagem e comercialização. Trata-se de
consequência geralmente benéfica das vendas casadas, desde que não produza
impacto anticompetitivo.
No entender de Grimes (um dos maiores críticos da visão chicaguiana que
prega a legalidade per se dos acordos verticais), as vendas casadas podem pre-
judicar o consumidor (reduce consumer demand quality) porque (a) dificultam
o processo de escolha do adquirente, demandando-lhe maiores informações

133. Cf. Sullivan e Harrison, Understanding antitrust and its economic implications, p. 185.

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316 Os fundamentos do antitruste

para efetuar a compra, e (b) embaraçam-lhe a consciência sobre o real custo


de cada um dos itens do “pacote”.134
As vendas casadas geralmente diminuem o leque de escolhas disponíveis
aos adquirentes, ao mesmo tempo em que dificultam a consciência do preço
de cada um dos produtos vinculados.135
Muitas vezes, os consumidores não costumam ponderar todas as variáveis
de suas opções. O problema da irracionalidade dos adquirentes (ou melhor, da
conduta dos agentes fora dos padrões esperados pelos economistas clássicos)
tem sido cada vez mais estudado pela Economia Comportamental, trazendo
novas perspectivas para a disciplina da concorrência e também para a prote-
ção dos consumidores.136 Não se pode assumir que, em todas as hipóteses, as
pessoas farão o que mais lhes convém; esta premissa, por vezes, não é confiável
e traz consigo conclusões e políticas equivocadas.
Não obstante os elevados preços praticados pelas bonbonnières dos ci-
nemas nas grandes cidades, quantas pessoas levam suas próprias guloseimas
às exibições? Essa não seria a conduta “racional” esperada? A resposta, dada
por alguns economistas ligados às ideias da Behaviour Economics, é fácil de ser
compreendida: os seres humanos não consideram apenas o preço (ou fatores
objetivos) para orientar suas escolhas; algumas se sentem “envergonhadas”
de levar seu lanche ao cinema, outras simplesmente acham demasiadamente
trabalhoso fazê-lo, os adolescentes não o farão porque “ninguém faz” e assim
por diante. Portanto, acaba-se pagando por uma pipoca e um refrigerante o
mesmo preço do ingresso e, com isso, aumentando o lucro da sala de exibição.

134. São significativas e irônicas, a esse respeito, as palavras de Stephen Ross: “To illustrate,
consider a variation on a tied sale – the common practice of allowing only one beer
company to sell overpriced beer at baseball games. If Richard Posner were to think
about venturing from his chambers up to Wrigley Field, he might carefully consider
in advance the ticket price and the number of beers he anticipated consuming, and
then decide whether the outing was worthwhile. Most of us, however, are likely to
decide first whether we can afford the ticket; once we get in the stadium and are hot
and thirsty, we will go ahead and buy the beer, even though, had we considered the
full cost of the day’s activity, we might have stayed home. We would prefer compe-
tition among beer vendors” – Antitrust tie-in analysis after Kodak: understanding
the role of market imperfections, p. 273].
135. Principles of antitrust law, p. 283.
136. Para estudos iniciais, v. os seguintes textos: Richard Thaler e Cass Sunstein, Nudge;
Cass Sunstein, Going to extremes. How like minds unite and divide; Richard Layard,
Hapiness e Christine Jolls, Cass Sunstein e Richard Thaer, A behavioral approach
to law and economics. Disponível em: [http://www.law.harvard.edu/programs/
olin_center/papers/pdf/236.pdf]. Acesso em: 08.01.2012.

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Posição dominante e seu abuso 317

Por exemplo, pensemos na presunção, assumida por muitos, de que as


exclusividades “acordadas” entre pontos de venda e marcas de refrigerante não
prejudicariam a concorrência, pois os consumidores deixariam de frequentar
determinado bar se ali não encontram sua marca de refrigerante preferida. A
experiência demonstra que isso não ocorre na grande maioria das vezes, pois,
ao contrário do que assume a economia clássica, a inércia dos seres humanos
também condiciona seu comportamento. As pessoas simplesmente aceitarão
a única marca oferecida naquele estabelecimento.
Também por essas razões, a imposição de vendas casadas aos dealers, quan-
do estes efetuam as vendas aos consumidores finais, pode implicar a diminuição
da concorrência entremarcas nos pontos de venda. Ao contrário do que querem
muitos, esse efeito não deixa de estar ligado ao fechamento do mercado para
os concorrentes. Como ressaltaremos no próximo capítulo, a concorrência no
ponto de venda pode ser fator determinante para o estabelecimento de efetiva
disputa entre os fornecedores (entremarcas).

6.5.3.7. A visão norte-americana das vendas casadas. O caso Kodak


As vendas casadas são proibidas nos Estados Unidos pelo disposto no
art. 3.º do Clayton Act. Ao mesmo tempo, podem compor o suporte fático
do art. 1.º do Sherman Act ou do art. 5.º do FTC Act. Indubitavelmente, a dou-
trina e a jurisprudência norte-americanas são as que mais contribuíram para o
desenvolvimento da teoria jurídica e econômica das vendas casadas. Mas essa
evolução, como quase sempre ocorre no antitruste, é marcada por modificações
de orientação ao sabor do momento histórico e político.
Por exemplo, em 1912, A. B. Dick autorizava o uso de sua patente para
certo tipo de mimeógrafo (stencil-duplicating machine), desde que a pessoa
utilizasse o papel, a tinta e outros insumos por ela fornecidos. Essa restrição foi
considerada legal em julgamento por apertada maioria. Contudo, em 1917,
o direcionamento foi mudado. Entendeu-se ilegal a imposição efetuada por
uma empresa que detinha a patente de um projetor, para que os usuários se
valessem exclusivamente dos filmes também patenteados.137
Durante o governo Reagan, quando a Escola de Chicago encontrou solo
fértil, as vendas casadas foram tratadas com complacência e o são até hoje.138-139

137. Motion Picture Patents v. Universal Film Co., 243 U.S. 502 (1917).
138. Cf. Sullivan e Grimes, The law of antitrust, p. 428.
139. V., ainda, para análise da evolução norte-americana sobre as vendas casadas, os se-
guintes casos: International Business Machines Corp. v. United States, 298 U.S. 131
(1936); International Salt Co. v. United States, 332 U.S. 92 (1947); Times-Picayune

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318 Os fundamentos do antitruste

Em 1984, no caso Jefferson Parish,140 a Suprema Corte, embora sustentando


unanimemente a licitude da prática de um hospital de impor aos pacientes os
serviços de anestesistas ligados a determinada sociedade, com quem mantinha
contrato de exclusividade, dividiu-se quanto à superação da condenação per
se das vendas casadas. Foi ela reiterada, ao menos formalmente.
Vale também analisar dois outros famosos casos julgados nos últimos
anos: o primeiro, em 1992 pela Suprema Corte (caso Kodak)141 e o segundo, em
2001, pela Corte de Apelação para o Distrito de Columbia (caso Microsoft).142
Kodak fabricava e vendia copiadoras, não detendo posição dominante
no mercado entremarcas. Ao contrário, enfrentava a feroz concorrência de
outras empresas, em especial, Xerox e Canon. Além de copiadoras, Kodak co-
mercializava as respectivas peças de reposição; algumas eram fabricadas por
ela própria, outras por terceiros, que as produziam mediante sua requisição.
A Kodak prestava ainda serviços de manutenção das máquinas. Algumas em-
presas independentes (independent service organizations, chamadas de ISOs)
executavam esses mesmos serviços por preços inferiores. Nessa atividade,
empregavam peças de reposição feitas pela Kodak ou por terceiros autorizados.
A Kodak começou a impedi-los de fornecer para as ISOs. Paralelamente, passou
a fornecer peças somente para quem utilizasse seus serviços de manutenção.
Com isso, as ISOs ficaram impedidas de atuar no mercado.
Em que medida a atitude da Kodak consubstancia venda casada ilícita da
prestação de serviços de manutenção com a venda de peças? A Kodak dete-
ria posição dominante em um mercado a jusante (aftermarket), mesmo não
possuindo posição dominante no mercado a montante (de copiadoras)? A
prestação de serviços de manutenção para máquinas Kodak deveria ser vista
como um mercado relevante em si? Essas as questões essenciais discutidas.
Kodak argumentava que não havia dois mercados (prestação de serviços
e fabricação de máquinas), mas apenas um mercado e um produto, porque a
prestação de serviços não poderia ser considerada de forma autônoma. Tanto
que, se aumentasse o preço do serviço, perderia muito na venda de máquinas.
Por essa razão, afirmar que Kodak dominaria o mercado de prestação de serviços

Publishing Co. v. United States, 345 U.S. 594 (1953); Northern Pacific Railway Co. v.
United States, 356 U.S. 1 (1958); Fortner Enterprises v. United States Steel (Fortner
I), 394 U.S. 495 (1969); United States Steel Corp. v. Fortner Enterprises, Inc., 429
U.S. 610 (1977); Jefferson Parish Hospital v. Hyde, 466 U.S. 2 (1984).
140. Jefferson Parish Hospital v. Hyde, 466 U.S. 2 (1984).
141. Eastman Kodak Co v. Image Tech. Svcs., 504 U.S. 451 (1992).
142. United States v. Microsoft Corp., 253 F3d 34 (D.C. Cir. 2001).

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Posição dominante e seu abuso 319

de manutenção de suas máquinas não faria “o mínimo sentido econômico”.


Sustentou, ainda, que a estratégia adotada era excelente e aumentava a concor-
rência entremarcas. Afinal, o preço maior cobrado pelos serviços propiciaria
diminuição no preço das copiadoras e, consequentemente, acirramento da
competição entre as três principais fabricantes.
A Corte, entretanto, refutou os argumentos. Primeiramente, entendeu que
Kodak não iria perder todas as suas vendas se elevasse o preço de seus servi-
ços. Haveria um meio-termo ótimo e compensatório, que poderia ser encontrado.
Ademais, se fosse verdadeiro o raciocínio da Kodak, de que aumentar o valor
dos serviços diminuiria as vendas, deveria incentivar o trabalho das ISOs que,
afinal, barateavam os preços. Não o fez, tanto que as deixou sem condições de
continuarem suas atividades econômicas.
Os julgadores apontaram que o aumento do preço dos serviços não impli-
caria proporcional diminuição das vendas, porque a informação sobre o ciclo de
vida das copiadoras não é facilmente obtida pelo consumidor, envolvendo muitas
variáveis. Esse efeito também não ocorreria porque os consumidores de copia-
doras estão cativos (locked-in consumers): ora, essas máquinas são de elevado
custo e não costumam ser “descartadas” pelos consumidores que podem ser
explorados nos serviços de manutenção. O abuso é viável, porque o proprietário
da máquina está obrigado a se valer dos serviços prestados pela empresa que impõe
a venda casada. Por fim, o argumento da qualidade do produto também não
merecia ser acatado, pois se comprovou que alguns consumidores utilizaram
os serviços da Kodak, mesmo preferindo aqueles das ISOs. Em conclusão,
decidiu-se que a Kodak realizara venda casada ilícita entre a prestação de serviços
de manutenção de suas copiadoras e as peças de reposição.
O mais interessante, porém, é atentar para a estreita definição do mercado
relevante e a afirmação de que a Kodak, mesmo possuindo menos de 20% do
mercado de copiadoras, seria titular de posição dominante no aftermarket.
À época do julgamento, a doutrina norte-americana entendia que, não
obstante as atenuações ocorridas ao longo do tempo, as vendas casadas ainda
estavam sujeitas à proibição per se. No entanto, ao mesmo tempo, somente
poderiam ser consideradas ilícitas se preenchessem os seguintes requisitos:
(a) existência de dois produtos; (b) coerção para o adquirente;143 e (c) posição

143. No caso United States v. Loew’s (371 U.S. 38 – 1.962), decidiu-se que o poder de
mercado deve ser presumido quando o produto principal é protegido pela lei de
propriedade industrial ou por direitos autorais. Discutia-se a legalidade de “pacotes”
para a venda de filmes para televisão, de forma que o adquirente não poderia escolher
aqueles que mais lhe interessassem, mas deveria aceitar a vinculação de fitas de

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320 Os fundamentos do antitruste

dominante do fornecedor. Do ponto de vista técnico-jurídico, a própria sub-


sunção do ato à ilicitude per se já demandava profunda pesquisa sobre o caso
concreto. Isso afastava o método de análise daquele tradicionalmente ligado
às infrações per se, permitindo investigação bem mais ampla.144
O cenário parece estar sendo ainda mais alterado com a decisão do D.C.
Circuit no caso Microsoft, entendendo que a proibição per se não deve ser
aplicada a hipóteses de technical bundling (pacote tecnológico), resultante da
integração entre software interativo e operativo – o correto seria proceder à
análise conforme os parâmetros da regra da razão.145 Os casos Microsoft norte-
-americanos serão adiante tratados em conjunto com aqueles europeus.

6.5.3.8. A visão europeia das vendas casadas


As vendas casadas são tratadas pelo Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia tanto como acordo restritivo da concorrência (art. 101) como
abuso de posição dominante (art. 102). De início, vale destacar que a Europa
mantém visão mais refratária do que a norte-americana no que diz respeito às
vendas casadas.
A resposta europeia para a questão da existência ou não de produtos
distintos, tal qual a norte-americana, também leva em consideração a procura

maior sucesso com outras de menor penetração. O fato de que havia outros títulos
e programas no mercado não afastou a conclusão pela ilicitude. Sobre as posterio-
res modificações dessa presunção, v. Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 400,
para relação de casos julgados pelas Cortes inferiores. Para Hovenkamp: “Courts
have traditionally presumed a seller’s market power in the tying product when the
product is patented or copyrighted. A few courts give the same presumption when
the tying product is trademarked. In most cases courts regard the presumption
as reputable, and there is a strong recent trend away from the presumptions” (p.
400). A Suprema Corte, no ano de 2006, modificou o precedente, assentando que
“[b]ecause a patent does not necessarily confer market power upon the paten-
tee, in all cases involving a tying arrangement, the plaintiff must prove that the
defendant has market power in the tying product”. Caso Illinois Tool Works Inc.
et al. v. Independent Ink, Inc., no qual se expõe toda a evolução americana sobre o
tratamento das vendas casadas.
144. Para Stephen Ross, “a structured rule of reason would better describe the judicial
practice in these cases” (Principles of antitrust law, p. 296).
145. Cf. Roberto Pardolesi e Cristoforo Osti, Disciplina delle concentrazioni in Europa e
negli Stati Uniti: una convergenza difficile, cópia fornecida pelo autor. V., também,
Nicholas Economides e Ioannis Lianos, The elusive antitrust standard on bundling
in Europe and in the United States in the aftermath of the Microsoft cases, de 2009,
e A critical appraisal of remedies in the EU Microsoft cases, de 2010.

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Posição dominante e seu abuso 321

dos compradores em geral. Esclarecem as guidelines europeias de 2010 que


“[d]ois produtos são distintos se, na ausência de subordinação, um número
significativo de clientes teria comprado o produto subordinante sem comprar
igualmente o produto subordinado junto do mesmo fornecedor, permitin-
do a produção autônoma tanto do produto subordinante como do produto
subordinado”. Esse critério foi expressamente aplicado no julgamento do
caso Microsoft de 2007. Para verificar esse fato, é preciso considerar (a) os
hábitos dos adquirentes, ou seja, “que, se tiverem escolha, os clientes adqui-
rem os produtos subordinante e subordinado separadamente junto de fontes
de fornecimento diferentes” ou (b) “a presença no mercado de empresas
especializadas no fabrico ou venda do produto subordinado sem o produto
subordinante” ou, ainda (c) a prática de mercado, ou seja, se empresas com
um reduzido poder de mercado normalmente não subordinam nem agrupam
tais produtos.
Para a Comissão, na hipótese de o produto subordinado ser importante
e complementar para os clientes do produto subordinante, a redução dos for-
necedores alternativos e, por conseguinte, da disponibilidade desse produto,
pode tornar mais difícil a entrada no mercado do produto complementar. É o
que ocorre, por exemplo, com as peças de reposição.
As vendas casadas serão toleradas se a quota de mercado do fornecedor
(tanto no mercado do produto principal como no subordinado) e a quota do
adquirente não excederem a 30%.
Um dos mais importantes efeitos concorrenciais negativos da venda
casada é, para os europeus, o fechamento do mercado do bem subordinado.
Ademais, a vinculação pode igualmente conduzir a preços supracompetitivos,
especialmente em três situações: (a) quando o produto principal e o produto
vinculado são parcialmente substituíveis para o comprador; (b) quando a
subordinação permite discriminação de preços consoante à utilização que o
cliente faz do produto vinculado, por exemplo, a subordinação de cartuchos
de tinta à venda de fotocopiadoras; e (c) nas hipóteses de contratos de extensa
duração, ou de prestação de serviços pós-venda de equipamentos originais que
só serão trocados a longo prazo, torna-se difícil para os clientes calcularem as
consequências da subordinação.
Na mesma toada, entende-se que, enfrentando o fornecedor efetiva con-
corrência no mercado principal, efeitos perniciosos são improváveis, porque
os adquirentes dispõem de alternativas suficientes para comprar os produtos
de forma desvinculada, a não ser que outros fornecedores valham-se de sistema
de vendas casadas semelhante.

8004.indb 321 21/06/2018 13:33:13


322 Os fundamentos do antitruste

6.5.3.9. Vendas casadas: as lições dos casos Microsoft nos EUA e na


União Europeia
As práticas comerciais da Microsoft são bastante conhecidas por todos
aqueles que usam computadores e a Internet. Mesmo antes do lançamento do
Windows XP, a empresa começou a atrelar aplicativos a seu sistema operacional:
em 1995, o Internet Explorer e, em 2000, o Windows Media Player.
Houve três investigações antitruste envolvendo a Microsoft antes de 1995.
Em 1991, a Federal Trade Commission iniciou procedimento para apurar se a
Microsoft estaria abusando de sua posição dominante (monopoly) no mercado
de sistemas operacionais para computadores pessoais, arquivado (closed)
em 1993. O Departamento de Justiça (DOJ) iniciou suas investigações em
agosto do mesmo ano e o processo foi encerrado mediante acordo no qual a
empresa teria se comprometido a não vincular outros produtos Microsoft à
venda do Windows, permanecendo livre para integrar “additional features”
no sistema operacional.
No ano seguinte, ao lançar o Windows 95, Microsoft acoplou-lhe versão
mais desenvolvida do Internet Explorer. Em 1996, seguiram as investigações e,
em 1998, foi protocolado conjunto de ações civis públicas pelo Departamento
de Justiça (DOJ) e por 20 Estados norte-americanos.
O principal ponto ligava-se aos efeitos/licitude da prática da Microsoft de
fornecer “gratuitamente” seu navegador (Windows Explorer) como parte do
Windows, de forma que todos os usuários desse sistema operacional possuíam
cópia da ferramenta, prejudicando outros navegadores como Netscape e Opera.
Também se discutia se Microsoft teria propositadamente alterado seu sistema
para tornar os navegadores concorrentes menos interessantes para os usuá-
rios (download mais lento, aparecimento de problemas no Windows quando
o usuário optava por usar concorrente do Netscape etc.).
Para Microsoft, a fusão entre Windows e Explorer decorreria de natural e
saudável processo de inovação e da força concorrencial, constituindo apenas
um produto e que, além de tudo, era oferecido gratuitamente, beneficiando os
consumidores. As ações que contra ela eram tomadas significavam mera ten-
tativa de proteger ineficientes, que não conseguiam competir com a empresa
capitaneada por Bill Gates.
Após processo bastante tumultuado, incluindo alegações de falsificação
de provas pela Microsoft, pareceres de renomados economistas nos mais di-
versos sentidos, intensa atividade de lobby, alegações de falta de ética contra
o julgador e bastante bulha na imprensa e na sociedade civil, em 2000, o juiz
Thomas Jackson decidiu que Microsoft violara o Sherman Act, determinando

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Posição dominante e seu abuso 323

sua divisão em duas unidades separadas: uma ligada à produção do sistema


operacional, a outra de outros produtos informáticos.
Como era de se esperar, a Corte de Apelação modificou o julgamento,
remetendo-o para nova análise na qual as vendas casadas deveriam ser apre-
ciadas conforme a regra da razão.
Em 2001, a imprensa noticiou que o DOJ não mais pretendia a divisão
da Microsoft e que alternativas deveriam ser encontradas. No mesmo ano,
Microsoft e DOJ chegam a acordo, bastante criticado por ser demasiadamente
complacente com as práticas da empresa. De outra parte, economistas liberais
viram na decisão perigosíssimo precedente de intervenção estatal, que sufocaria
a indústria e a inventividade norte-americanas.146
Na Europa, as práticas da Microsoft foram analisadas de forma diversa.147
Podemos referir dois casos importantes: o primeiro, encerrado em 2004 pela
Comissão, em decisão confirmada em 2007 pelo Tribunal de primeira instân-
cia, no qual a empresa foi condenada por violar as normas concorrências da
União Europeia ao (a) vincular o aplicativo Windows Media Player ao sistema
operacional Windows e (b) não fornecer as informações necessárias para que
houvesse total compatibilidade (interoperability) entre os servidores Windows
e outros, assim como entre cientes Windows e servidores não Windows. À
Microsoft foi imposta elevada multa e a comercialização obrigatória de versão
do Windows sem o Media Player, além da divulgação e licenciamento de infor-
mações que viabilizariam a compatibilidade entre o seu e outros sistemas.148
A segunda investigação, iniciada em 2007, voltava-se contra a vincula-
ção do Windows ao Internet Explorer e terminou, no ano de 2009, mediante

146. Nesse sentido, Milton Friedman: “Under the circumstances, given that we do have
antitrust laws, is it really in the self-interest of Silicon Valley to set the government
on Microsoft? Your industry, the computer industry, moves so much more rapidly
than the legal process, that by the time this suit is over, who knows what the shape.
147. Sobre as diferenças entre as decisões e linhas adotadas pela União Europeia e pelos
Estados Unidos nos casos Microsoft, v. Miguel Moura e Silva, O abuso de posição
dominante na nova economia, 469 e ss.
148. Naquela ocasião, afirmou o Comissário Mario Monti: “As empresas em posição
dominante têm especial responsabilidade por velarem para que a forma como exer-
cem as suas actividades não entrave a concorrência em função do mérito próprio e
não prejudique os consumidores, nem a inovação” (...) “A decisão hoje adoptada
restabelece as condições para uma concorrência leal nos mercados relevantes e
define princípios claros quanto ao futuro comportamento a ser adoptado por uma
empresa com uma posição dominante tão forte”. Disponível em: [http://europa.eu/
rapid/pressReleasesAction.do?reference=IP/04/382&format=DOC&aged=1&lang
uage=PT&guiLanguage=en]. Acesso em: 26.07.2010.

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324 Os fundamentos do antitruste

grandes concessões feitas pela empresa, que – acredita-se – garantem o efetivo


acesso dos usuários Windows a navegadores que não o Internet Explorer. Com
isso, espera a Comissão, a concorrência e as possibilidades de inovação nesse
mercado estarão garantidas.

6.6. A interface entre direito da concorrência e propriedade intelec-


tual: o grande desafio dos próximos anos. Práticas ligadas ao abuso
de “exclusivos” (ou direitos de propriedade intelectual)
Atualmente, um dos mais desafiantes aspectos do antitruste reside na sua
interface com a propriedade intelectual149, ou seja, em que medida os direitos
sobre bens imateriais devem sujeitar-se às regras que visam à proteção de um
mercado saudável e competitivo. A cada dia, aumentam os conflitos norte-sul
e os debates acadêmicos sobre os limites dos poderes atribuídos pelas patentes,
marcas, desenhos industriais, direito do autor etc. A propriedade intelectual já
seria o maior produto de exportação dos Estados Unidos. 150-151-152

149. Distingue-se tradicionalmente a propriedade intelectual da propriedade indus-


trial. No Brasil, a primeira abrange as matérias reguladas pelo direito do autor (Lei
9.610/1998), Lei do Software (Lei 9.609/1998), Lei de Cultivares (Lei 9.456/1997),
Lei de Topografia de Circuitos Integrados (Lei 11.484/2007) e, também, os direitos de
propriedade industrial, regidos pela Lei 9.279/1996, conhecida como Lei de Proprie-
dade Industrial ou Lei de Patentes. Este diploma disciplina as patentes de invenção e
modelos de utilidade, desenhos industriais, marcas, indicações geográficas e repressão
à concorrência desleal. Adotamos, aqui, a expressão “propriedade intelectual” no
sentido empregado por Newton Silveira, ou seja, compreendendo direito de autor,
cultivares e criações industriais, além dos sinais distintivos (Propriedade intelectual,
86). Para explicação detalhada dos conceitos, v. Denis Borges Barbosa, Tratado da
Propriedade Intelectual, v. I, 7 e s.).
150. William Landes e Richard Posner, The economic structure of intellectual property, 3.
151. Para visão geral do problema, v., de Sumanjeet, Intellectual property rights and their
interface with competition policy: in balance or in conflict? Disponível em: [http://
papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1724463]. Acesso em: 15.01.2012.
Para um resumo das principais posições perfiladas, Miguel Moura e Silva, Inovação,
transferência de tecnologia e concorrência, 100 e s. Interessante “working paper”
de Robert D. Anderson e William E. Kovacic foi publicado em setembro de 2017
sobre a interface entre PI e concorrência: The application of competition policy
vis-à-vis intelectual property rights: the evolution of thought underlying policy
chance. Disponível em: [https://ideas.repec.org/p/zbw/wtowps/ersd201713.html].
Acesso em: 20.02.2018.
152. Para Makan Delrahim, integrante da divisão antitruste do Departamento de Justiça,
“intellectual property-based exports – whether copyrighted music, movies or softwa-
re, or patent-protected goods such as pharmaceuticals or electronic products – have

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Posição dominante e seu abuso 325

Essa discussão – embora possua seus aspectos técnicos – é eminentemente


política, pois relacionada aos interesses comerciais dos países. Normalmente,
as nações exportadoras de propriedade industrial tendem a defender proteção
mais intensa dos exclusivos, enquanto as importadoras preferem interpretação
que tome em conta interesses outros que não apenas os dos titulares dos direitos.
É preciso aclarar esse debate, superando a hipocrisia que, muitas vezes, per-
meia o assunto, sob pena de mascarar os reais problemas a serem enfrentados.
A expressão “propriedade” intelectual já denota tomada de posição ideo-
lógica, atribuindo às descobertas, criações e inovações a forte proteção ligada à
visão clássica dos direitos absolutos: poderes de usar, fruir e dispor, oponíveis
erga omnes.153-154 Segundo Ascensão, essa qualificação continua a existir “com
clara função ideológica, para cobrir a nudez crua do monopólio sob o manto
venerável da propriedade”. Por conta desse viés, vários autores preferem referir-
-se a “exclusivos” no lugar de “direitos de propriedade intelectual”.
Embora os exclusivos sempre tenham desempenhado relevante papel
no direito mercantil, é inegável que a matéria ganhou importância na última

become this country’s number one export. As such, their creation and protection is
critical to maintaining a vibrant economy. But, with the rapid pace of globalization,
intellectual property rights are increasingly crucial to all sectors of the global economy
as well” (International antitrust and intellectual property: challenges on the road to
convergence. Disponível em: [http://www.justice.gov/atr/public/speeches/205629.
htm]. Acesso em: 26.07.2010).
153. Na dicção de Karin Grau-Kuntz, “[a] escolha do termo propriedade para designar o
direito exclusivo que recai sobre bens intelectuais foi calcada em razões de cunho
ideológico. A passagem da Idade Média para a Idade Moderna foi marcada especial-
mente por uma mudança no eixo do pensamento filosófico; a sociedade se libertou
da religião e o homem passou a ser considerado em sua individualidade. O conceito
de propriedade exerceu, naquele momento histórico de grandes transformações
sociais, um papel importantíssimo, até mesmo revolucionário. O reconhecimento
estatal da propriedade privada como direito político viabilizaria o desaparecimen-
to das corporações de ofício e dos odiados privilégios ou, em outras palavras, dos
meios de controle do Estado mercantilista. A essência desse pensamento vem bem
expressa no famoso grito de batalha de Gournay: “Laissez-faire” (O que é direito de
propriedade intelectual e qual a importância de seu estudo). Disponível em: [http://
ibpibrasil.org/44072.html]. Acesso em: 26.07.2010).
154. A obra de Ascensão intitulada “Direito autoral” é indispensável para aqueles que
pretendem estudar a interface entre o direito da concorrência e a propriedade inte-
lectual. V., também, artigo de sua autoria Direito intelectual, exclusivo e liberdade,
publicado no sítio do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual – IBPI. Também
são relevantes os modernos textos de Karin Grau-Kuntz, vários deles disponíveis no
mesmo sítio: [http://ibpibrasil.org/].

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326 Os fundamentos do antitruste

década155 a ponto de se afirmar que o direito da propriedade intelectual teria se


transformado no direito da informação. Como anota Hovenkamp, referindo-se
à postura norte-americana sobre patentes e copyrights: “we have become much
more tolerant of practices that were routinely condemned a few decades ago”.156
A compreensão desse fenômeno exige que analisemos dois fatores, comple-
mentares entre si: a visão clássica da propriedade intelectual e as justificativas
que a sustentam e o advento da Terceira Revolução Industrial e a solidificação
da Sociedade da Informação.
Tradicionalmente, a propriedade intelectual é encarada como “ilha de
proteção” do agente econômico contra a força concorrencial, na qual lhe é
assegurado o monopólio de exploração. Os direitos de propriedade industrial
corporificam privilégios que tendem a diminuir o grau de concorrência em
determinado setor da economia, restringindo a livre iniciativa e a livre-concor-
rência de forma a recompensar o criador por seu esforço de inovação e, desta
feita, incentivar o desenvolvimento de produtos e tecnologias.
A justificativa econômica desse pressuposto é de fácil intelecção: sem a
perspectiva de auferição de lucros por conta do investimento, o agente econô-
mico tende a não o realizar.157 Seguindo linha de pensamento esboçada desde o

155. Alguns dos dados empíricos trazidos por Landes e Posner são úteis para demonstrar a
modificação desse cenário e a valorização da propriedade intelectual, ocorridas a partir
dos anos 80. Entre 1985 e 2001, o número de patentes concedidas pelo U.S. Patent and
Trademark Office aumentou de 111.000 para 269.000. No mesmo período, dobrou
o número de ações judiciais sobre direitos de propriedade industrial. Entre 1980 e
2001, os membros da Intellectual Property Section of the American Bar Association
aumentaram de 5.526 para 21.670. De duas revistas especializadas em propriedade
intelectual, existentes em 1980, saltou-se para 26, em 2003. Em 1981, a Universidade
de Chicago oferecia sete cursos ou seminários sobre direito tributário e apenas um
sobre propriedade intelectual; nos primeiros anos do século XXI o número igualou-
-se. Revistas econômicas publicaram cinco artigos sobre propriedade intelectual em
1982, e 235 no ano 2000. E, mais importante do que tudo, entre 1987 e 1999, a renda
anual norte-americana derivada do comércio da propriedade intelectual aumentou
de US$ 10 bilhões para US$ 36,5, enquanto os pagamentos externos realizados no
ano de 1999 não ultrapassaram o montante de US$ 13 bilhões (The economic structure
of intellectual property law, 3).
156. The antitrust enterprise, p. 3.
157. Na explicação de Hovenkamp: “In a private market economy, individuals will not
invest sufficiently in invention or creation unless the expected return from doing
so exceeds the cost of doing so” (IP and antitrust. An analysis of antitrust principles
applied to intellectual property law, § 1.1). Para Landes e Posner: “The dynamic benefit
of a property right is the incentive that possession of such a right imparts to invest

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Posição dominante e seu abuso 327

século XVI, os direitos de propriedade intelectual acabam tomados por muitos


como espécie de direito natural,158 monopólio absoluto de seu titular: a pesquisa
e a inovação devem ser recompensadas mediante a outorga de exclusividade
de exploração capaz de atribuir lucros sedutores.159
O problema – ao qual não se costuma dar o devido destaque – reside no
fato de que a garantia do bom retorno econômico decorre da exclusividade
concedida e, portanto, da ausência de força concorrencial que pressionaria a
redução dos preços e o aumento da qualidade; é fato que o titular do exclusivo
muitas vezes consegue impor aos consumidores preços mais altos dos que
praticaria caso enfrentasse a competição. A distorção gerada pelos privilégios
altera o funcionamento do mercado, aumentando os custos de transação e su-
jeitando os adquirentes às agruras dos preços de monopólio.160 Além disso, a

in the creation or improvement of a resource in period 1 [for example, planting a


crop], given that no one else can appropriate the resource in period 2 [harvest time]”
(The economic structure of intellectual property law, 13). Ainda Posner: “Suppose
that it costs $10 million to invent a new type of food blender, the marginal cost of
producing and selling the blender once it is invented is $ 50, and the estimated
demand is for 1 million of the blenders (we can for present purposes ignore the fact
that demand will vary with the blender’s price). Unless the manufacturer can charge
$60 per blender, he will not recoup his costs of invention. But if other manufacturers
face the same marginal cost as he, competition will (in the absence of patents) bid
the price down to $50, the effort at recoupment will fail, and anticipating this the
manufacturer will not make the invention in the first place; he will not sow if he
won’t be able to reap. Morever, in a world without patents, such inventive activity
as did occur would be heavily biased toward inventions that could be kept secret, in
just the same way that a complete absence of property rights would bias production
toward things that involve minimum preparatory investment” (Economic analysis
of law, p. 38-39).
158. Essa é a visão de cultuados autores: “Assim, a propriedade intelectual é de direito
natural e não um direito de criação humana, ainda que deduzido logicamente dos
princípios do direito natural; ou, por outras palavras, a propriedade intelectual é
imediatamente de direito natural e não apenas mediatamente, por intermédio da ati-
vidade deliberante ou, pelo menos, discursiva da razão, ao contrário da propriedade
privada” (João da Gama Cerqueira, Tratado da propriedade industrial, vol. I, p. 157).
159. Sobre as discussões a respeito do fundamento da concessão de patentes, v. Calixto
Salomão Filho, “Direito industrial, direito concorrencial e interesse público”, p. 18.
160. É importante notar que a outorga de exclusividade (i.e., do monopólio da explora-
ção da propriedade intelectual) não implicará ausência de concorrência, caso haja
outros bens ou serviços que satisfaçam as mesmas necessidades dos adquirentes. Por
exemplo, Tício deterá a patente de determinada impressora, mas não será titular de
posição dominante no mercado caso aquele produto enfrente a concorrência de outros

8004.indb 327 21/06/2018 13:33:13


328 Os fundamentos do antitruste

sociedade restará privada das inovações, algumas, como no caso dos remédios,
indispensáveis à vida.
Em suma: de uma parte, a garantia à propriedade intelectual pode es-
timular o desenvolvimento tecnológico, de outra, porém, é capaz de gerar
situação propensa ao abuso, especialmente em ambientes nos quais a força
concorrencial é arrefecida pela outorga da exclusividade.161 Nota-se potencial
tensão entre as duas legislações.162 Tudo está em acertar o “tênue equilíbrio
entre a justa recompensa do esforço intelectual humano (...) e o estímulo à
evolução cultural e industrial do país”.163

que lhe são intercambiáveis. Em tais situações, existe o monopólio de exploração do


bem protegido, mas não a ausência de concorrência.
161. A esse respeito, Karin Grau-Kuntz: “A questão é simples: a lei garante proteção ex-
clusiva aos bens imateriais com base no argumento de que a inovação é conveniente
para o mercado [inovação = aumento da concorrência = aumento do bem-estar].
Em um primeiro momento, a concorrência é limitada pela propriedade industrial;
entretanto, essa limitação gera concorrência, pois ambos os institutos são comple-
mentares e não antagônicos. O estímulo à inovação dá-se por meio da atribuição de
proveito econômico, ou seja, àquele que inovou é assegurado o direito de não ser
imitado, o que implica vantagem concorrencial. Essa vantagem cristalizar-se-á no
mercado, no processo de formação do preço do bem protegido, uma vez que o titular
do direito exclusivo o determinará levando necessariamente em conta a concorrência
oferecida pelos outros produtos substituíveis existentes no mercado. Ou seja, os
limites e a dimensão da vantagem que lhe assiste por ser titular do direito exclusivo
serão determinados pela concorrência no mercado. Dizendo-o de outro modo: uma
vez que o preço do produto será formado pelo processo concorrencial, a dimensão
da vantagem garantida por esse direito exclusivo sobre o bem imaterial – a dimensão
do estímulo – é formada pela situação de concorrência no mercado. Quanto mais
inovativo for o produto, maior será o lucro do titular do direito exclusivo. Assim,
se a propriedade intelectual garante o prêmio, a concorrência estipula o quantum
desse prêmio. Esse é o pensamento tradicional sobre a propriedade intelectual. No
entanto, note-se que ele pressupõe a existência de concorrência no mercado pois,
como visto, a natureza do prêmio pela inovação é obrigatoriamente concorrencial.
Se o titular do direito exclusivo possui a exclusividade e não está sujeito à concor-
rência, seu prêmio não será de natureza competitiva, mas monopolista. Ocorre
que esse prêmio que não é determinado ou limitado pela concorrência mostra-se
absoluto e sem dimensões, é contrário à natureza estimuladora da competição da
propriedade intelectual, aviltando-a” (O desenho industrial como instrumento de
controle econômico do mercado secundário de peças de reposição de automóveis.
Disponível em: [http://www.apdi.pt/]).
162. Sofia Oliveira Pais, Entre inovação e concorrência, 21.
163. Newton Silveira e Walter Godoy dos Santos Jr., Propriedade intelectual e liberdade,
p. 20. Ou, nas palavras de Hovenkamp: “The key to economic efficiency lies in balan-

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Posição dominante e seu abuso 329

A partir dos anos 1980, aflorou a chamada Economia da Informação, con-


solidando ambiente no qual a força competitiva das empresas depende cada
vez mais de sua capacidade de gerar, processar e aplicar conhecimento.164 Essa
mudança no ambiente institucional mostra-se tão marcada que muitos passam
a identificar o ente produtivo com a organização de quatro fatores de produção:
capital, trabalho, recursos naturais e tecnologia.165 Como já se observou, se no
século XX os principais objetos do comércio eram petróleo, aço e mão de obra
barata, agora, no século XXI, esse foco repousa sobre informação, tecnologia e
conhecimento. Na Nova Economia, os detentores dos direitos de propriedade
intelectual determinam quem utilizará e controlará os mais importantes ativos
da sociedade, ou seja, quem e de que forma poderá dispor desses bens.166 “O
domínio legal é substituído pelo domínio das estruturas técnicas” (Ascensão).167
O conhecimento torna-se indispensável não apenas ao acesso, mas à
permanência no mercado. A tecnologia da informação introduz “um padrão
de descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e cultura”.
Como notado por Manuel Castells: “O que caracteriza a atual revolução tec-
nológica não é a centralidade de conhecimentos e informação, mas a aplicação
desses conhecimentos e dessa informação para a geração de conhecimentos e de
dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de rea-
limentação cumulativo entre a inovação e seu uso”.168 Por conta disso, represar
o acesso à informação pode implicar elevados prejuízos sociais; no atual es-

cing the social benefit of providing economic incentives for creation and the costs of
limiting the diffusion of knowledge” (Herbert Hovenkamp et alii, IP and Antitrust.
An analysis of antitrust principles applied to intellectual property law, 1-10).
164. Concretizou-se a intuição de Fábio Konder Comparato, que, no início dos anos
70, afirmava: “A verdadeira concorrência empresarial (...) será travada em tôrno de
produtos novos e técnicas novas” (Aspectos jurídicos da macro-emprêsa, p. 5).
165. No ano de 1986, na doutrina brasileira, a tecnologia é apontada como um dos fatores
de produção por Fábio Konder Comparato (“Função social da propriedade dos bens
de produção”, p. 31).
166. Lea Shaver, Access to knowledge in Brazil. New research on intellectual property, inno-
vation and development, p. 8.
167. Direito intelectual, exclusivo e propriedade.
168. A sociedade em rede, p. 69. A tecnologia sempre foi fundamental em todas as revolu-
ções industriais: a primeira ocorreu pela máquina a vapor; a segunda, pela energia
elétrica. Na Terceira Revolução Industrial, papel diverso lhe é reservado: o acesso
ao conhecimento significa capacidade de produzir novo conhecimento. Ao reverso,
sua obstrução implica tornar inacessíveis as possibilidades de desenvolvimento. O
conhecimento somente pode se desenvolver a partir dele próprio. Daí falar-se em
“retroalimentação” do saber.

8004.indb 329 21/06/2018 13:33:13


330 Os fundamentos do antitruste

tágio de evolução da humanidade, a possibilidade de desenvolvimento passa,


necessariamente, pelo acesso ao conhecimento. A questão, bem colocada por
Peritz, é que a “inovação pode levar à concorrência mediante a destruição
criativa, mas muito frequentemente o resultado para o mercado é o monopólio
ou sua consolidação”.169
A disciplina jurídica da proteção à propriedade intelectual não pode ser
vista de forma apartada desse quadro. Exatamente porque constituem “garan-
tia de monopólios”, restringindo a livre-iniciativa, os direitos de propriedade
industrial devem ser encarados como exceção.170 A interpretação que a eles se
dá será restritiva e não extensiva. Essa diretriz foi bem marcada pelo STJ em
2.018, ao estabelecer que “a própria proteção ordinária conferida ao titular
de patentes consiste em privilégio que excepciona a regra geral de nosso
ordenamento jurídico, cujo objetivo visa assegurar a ampla concorrência e a
livre iniciativa”171.
O direito da propriedade intelectual (e as exclusividades por ele garantidas)
deve ser interpretado em consonância com o direito concorrencial.
No caso brasileiro, ninguém ousaria negar que a proteção da proprie-
dade intelectual visa ao desenvolvimento nacional, especialmente conside-
rando os termos incisivos do art. 5.º, XXIX, da CF. Entretanto, para que se
dê a concreção desse preceito constitucional, é preciso encarar a concessão

169. Competition policy in America, 306.


170. A doutrina norte americana tende a atribuir maior proteção à propriedade e aos
direitos dela decorrentes. Por exemplo, v. Richard Posner, The law & economics of
intellectual property, 2002. Disponível em: [http://www.amacad.org/publications/
spring2002/posner.pdf]. Acesso em: mar. 2008.
171. Segue o julgado: “o objetivo último de um sistema de patentes não é proteger, exclusi-
vamente, a invenção, mas sim promover a atividade inventiva e o avanço tecnológico,
com vistas a atender aos interesses da coletividade. O titular do invento, por óbvio,
deve gozar de privilégio temporário, a fim de obter remuneração condizente com
os custos de seu trabalho e o sucesso de sua invenção, mas o fim almejado é mais
amplo: promover o desenvolvimento do País nos âmbitos científico, tecnológico,
econômico e social. A proteção à patente de invenção, com atribuição de privilégio
a seu titular, constitui, portanto, um fim imediato do sistema patentário, servindo
de meio para alcance de uma finalidade mediata e maior. É o que se extrai da norma
do art. 5º, XXIX, da Constituição da República, segundo a qual a lei assegurará aos
autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como
proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas
e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento
tecnológico e econômico do País (Recurso Especial 1.721.711/RJ, j.20.04.2018, rel.
Min. Nancy Andrighi).

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Posição dominante e seu abuso 331

de exclusivos como instrumento concorrencial.172 Os direitos de propriedade


intelectual não são protegidos pelo sistema para beneficiar o agente econô-
mico, mas para fomentar as inovações e o desenvolvimento, permitindo que
o titular desfrute de uma ferramenta de conquista de mercado, da qual seus
competidores não dispõem.
Com efeito, a proteção das criações dá-se para atribuir incentivo competi-
tivo às empresas, e não para lhes agraciar com poder ilimitado de propriedade.
Se a humanidade já evoluiu até que a função social fosse incorporada ao exercício
da propriedade de bens móveis e imóveis, não há por que exepcionar os direitos de
propriedade intelectual desse compromisso.
Nesse prisma, tanto a livre-concorrência como a concessão de direitos de
propriedade intelectual colocam-se como elementos de proteção da coletividade,
de busca do bem-estar, deixando de apoiar a inclinação oportunista e egoísta
do agente econômico. Nas palavras de Karin Grau-Kuntz:
“O legislador, ao transformar informações em bens dotados de valor
econômico, premia o sujeito que exercerá no mercado a exclusividade com
uma vantagem concorrencial. Essa vantagem concorrencial que, como bem
expressa o termo ‘concorrencial’, é um instrumento destinado a ser aplicado no
mercado (e daí, mais uma vez, evidencia-se uma diferença entre as naturezas
da propriedade imaterial e do direito de propriedade sobre as coisas), apela (e
aqui, no verbo ‘apelar’, vem ressaltado o caráter instrumental) aos interesses
dos outros agentes econômicos, que também aspiram alcançar uma vantagem
concorrencial semelhante. Em outras palavras, a vantagem concorrencial de
um significa um meio (portanto, instrumento) de estímulo para que outros se
esforcem em superar aquele agente agraciado, gerando nesse processo, no que
toca às patentes, a desejada concorrência de superação inovadora.”173
Repise-se: os direitos de propriedade intelectual brotam e vivem nos
quadrantes da nossa Constituição; não são fins em si mesmos, mas instru-
mentos que se prestam aos escopos maiores insculpidos no caput do art.
170 e nos arts. 1.º, IV e 3.º. Assim enquadrada, a matéria abandona enfoque

172. Como já se observou: “historically IP regimes have been used by countries to further
what they perceive as their own economic interests. Countries have changed their
regimes at different stages of economic development as that perception (and their
economic status) has changed” (Integrating intellectual property rights and develo-
pment policy, relatório produzido no ano de 2002 pela Commission on Intellectual
Property Rights do Reino Unido).
173. Sobre a controvertida questão da patente “pipeline”, v. [http://ibpibrasil.org/media
/155123c1662385b4ffff819cac144221.pdf]. Acesso em: 26.07.2010.

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332 Os fundamentos do antitruste

excessivamente privatista, incorporando aspecto indispensável ao atendi-


mento dos anseios contemporâneos.

6.6.1. A importância da inovação


É bastante conhecida entre nós a ideia de “destruição criativa”, desenvol-
vida por Joseph Schumpeter.174 A concorrência impele o agente econômico a
ser cada vez melhor e, nessa luta, leva-o ao aprimoramento, gerando inovação
e, consequentemente, progresso. Quando a empresa conquista a inovação, é
natural até que destrua seus concorrentes, mas, porque esse processo leva ao
desenvolvimento da economia como um todo, deve ser estimulado.
O problema é que a aplicação exagerada (por vezes com marcado viés
ideológico) dos ensinamentos de Schumpeter implica distorções graves.
Chega-se a afirmar que “o objetivo da concorrência não é a redução de preços,
mas o incentivo à inovação”. As inovações Shumpeterianas tudo justificariam;
admitem-se práticas verdadeiramente abusivas, restritivas da concorrência e
prejudiciais à sociedade para preservar pretensa “capacidade de inovar”. Nessa
visão, quase não há “abuso” dos grandes agentes, pois estes costumam deter
maiores recursos e, portanto, maior capacidade de inovar.
Poucos duvidam que a garantia de exclusivos fomenta a economia e o
progresso do país, sendo quase impensável sua abolição na economia moder-
na. Todavia, quando há atribuição de poder de mercado (em virtude dessa
mesma exclusividade), a concorrência pode ser distorcida, prejudicando o
jogo concorrencial ao invés de fomentá-lo. As ideias Schumpeterianas devem
ser aplicadas com cautela quando tratamos de mercados em que nem todos os
agentes são titulares de grau de poder econômico semelhante.
Sabe-se que tanto a pesquisa quanto o desenvolvimento podem ser mais inten-
sos em mercados nos quais os concorrentes encaram disputa equilibrada (“neck-
-to-neck”) e não estão assimetricamente colocados. Afinal, garantidos a posição
dominante e os lucros de monopólio, o que resta do estímulo de inovar?
Grandes descobertas podem ser até feitas por adolescentes nas garagens
das casas de seus pais; diz-se que Isaac Newton não precisou de muito para
modificar a história da ciência: bastou-lhe observar a queda de uma maçã. Mas,
convenhamos: isso não costuma ser comum. É preciso dispor de recursos – inclu-
sive de tecnologia, conhecimento e informação – para poder promover a inovação.
Na economia moderna, uma inovação pode semear inúmeras outras,
de forma que o congelamento do mercado derivado da excessiva proteção

174. Em sua obra Capitalismo, socialismo e democracia, escrito em 1942 (item 7).

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Posição dominante e seu abuso 333

dos exclusivos gera temor. É notória a importância das “short-follow in-


novations”, que, para virem à luz, requerem acesso ao conhecimento antes
sedimentado.175-176
Quando se trata de inovação, progresso e propriedade industrial, é per-
tinente a observação de Hovenkamp: “patents and copyrights sometimes
constitute formidable barriers to entry”.177 A proteção excessiva aos exclusivos
pode retardar ou mesmo dizimar a inovação.178

6.6.2. Recusa de contratar e facilidades essenciais


Uma das questões em antitruste que mais tem despertado diferenças entre
norte-americanos e europeus liga-se à possibilidade de se impor a agente eco-
nômico em posição dominante o dever de compartilhar o uso de seus ativos,
tangíveis ou intangíveis, com concorrentes atuais ou potenciais.179-180
A situação que costuma se colocar é a seguinte: certa empresa é proprietária
de bem que se mostra indispensável ou muito importante para que outra(s)
empresa(s) mantenha(m)-se ou entre(m) naquele mercado, viabilizando a
concorrência. O direito antitruste pode impor a essa empresa dominante que
franqueie o acesso/uso de sua fonte de vantagem competitiva, licitamente
conquistada, aos competidores? Parece claro que esse acesso beneficiará o
concorrente, mas em que casos se pode dizer que fomentará a concorrência?
Para a maioria dos autores norte-americanos, bem como para a atual
composição da Suprema Corte, a imposição de acesso seria contrária ao

175. Essas preocupações orientam a atuação da União Europeia, mas não dos Estados
Unidos. Para a análise da diferença desses posicionamentos, v. John Vickers, Com-
petition policy and property rights. Disponível em: [http://www.economics.ox.ac.
uk/materials/working_papers/paper436.pdf]. Acesso em 08.01.2011.
176. É necessário analisar detidamente institutos e teorias estrangeiros antes de “trans-
plantá-los”, tal e qual, para a nossa realidade. Nas palavras de Calixto Salomão Filho,
Brisa Lopes de Mello Ferrão e Ivan César Ribeiro: “não seria nenhum excesso afirmar
que o que alguns autores denominam de transplante legal pode ser interpretado como
uma imposição de instrumentos jurídicos protetivos das estruturas concentradoras”
(Concentração, estruturas e desigualdade, p. 25).
177. The antitrust enterprise, p. 14.
178. Lea Shaver, Access to knowledge in Brazil. New research on intellectual property, inno-
vation and development, p. 8.
179. No Brasil, para a análise da questão da recusa de contratar, v. Priscila Brolio Gonçalves,
A obrigatoriedade de contratar no direito antitruste, São Paulo, Singular, 2010.
180. Em 2011, afirma a Federal Trade Commission: “one of the most unsettled areas of
antitrust has to do with the duty of a monopolist to deal with its competitors”.

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334 Os fundamentos do antitruste

verdadeiro espírito do antitruste e desestimularia a busca das empresas pelo


diferencial competitivo e pela eficiência. De outro lado, muitos autores e
julgadores europeus veem a atribuição desse acesso forçado como a única ou
a melhor forma de se garantir o estabelecimento ou a manutenção de concor-
rência efetiva no mercado.
Especialmente na União Europeia, as discussões acentuam-se por conta
do compartilhamento de infraestruturas antes detidas pelos Estados Membros
que, com a onda de privatizações iniciada nos anos 80, passam aos particula-
res. É o caso de portos, ferrovias, estruturas ligadas às telecomunicações etc.
Cada vez mais, o eixo do debate desloca-se para a necessidade de propiciar
o acesso dos competidores a conhecimento e tecnologia, muitas vezes protegida
por direitos de propriedade intelectual.181 O exemplo mais recorrente é o acesso
a patentes ou programas de computador protegidos por exclusivos, de forma
que outras empresas tenham condições de produzir tecnologia e inovação.
A questão inicial liga-se à concessão do acesso, e não das condições de
remuneração ou de retribuição por esse uso. Estabelecido que a empresa em
posição dominante deve abrir seu ativo a terceiros, o passo seguinte diz respeito
às condições dessa utilização, isto é, preço, quantidades, períodos etc.
Do ponto de vista jurídico, estamos diante de eventual prática de abuso
de posição dominante por parte do agente econômico, que pode se traduzir em
recusa de contratar [i.e., de estabelecer liame jurídico que autorize terceiros ao
uso do ativo]. A doutrina norte-americana cunhou o termo “essential facility”
para se referir a esse ativo cuja utilização deve ser aberta. A tradução literal
dessa expressão “facilidade essencial” espalhou-se entre nós, embora melhor
fosse falar em “infraestrutura” ou mesmo “ativo exclusivo” capaz de estimular
ou manter a concorrência naquele setor da economia.

6.6.2.1. A posição norte-americana


Dois casos norte-americanos são reputados muito importantes para a com-
preensão da questão do acesso a facilidades essenciais à concorrência naquele
país. O primeiro é o caso Aspen Skiing, julgado no ano de 1985; o segundo, em
2004, conhecido como caso Trinko.
Na cidade de Aspen, conhecida estação de inverno norte-americana, havia
quatro pistas de esqui. Três eram de propriedade da empresa Aspen Skiing e

181. Sobre a caracterização da recusa de licenciar direitos de propriedade intelectual


como abuso de posição dominante [art. 101 do TFUE], com os mais significativos
casos europeus, v. Luís Pinto Monteiro, A recusa em licenciar direitos de propriedade
intellectual no direito da concorrência.

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Posição dominante e seu abuso 335

uma da Highlands. Normalmente, turistas que apreciam esse esporte esco-


lhem uma única cidade para gozar suas férias, nela se instalando. Contudo,
gostam de variar as montanhas, pois consideram monótono lançar-se sempre
na mesma pista.
Aspen Skiing e Highlands ofereciam um bilhete unificado aos turistas, de
forma que, pagando preço único, poderiam esquiar indistintamente nas quatro
montanhas. O faturamento era dividindo entre elas conforme a frequência em
cada pista.
Aspen Skiing resolveu modificar o critério de divisão de receitas, com o que
não concordou Highlands. A primeira interrompeu a prática do ticket único,
passando a trabalhar com um bilhete exclusivo, que dava acesso apenas às suas
pistas. Com isso, a participação de Highlands no mercado, de cerca de 20,5%
na temporada de 1976/1977, passou a 11% em 1980/1981.
O Tribunal havia de determinar se estava diante de uma prática tendente
a excluir ou restringir a concorrência ou, ao contrário, do sucesso empresarial
ligado a um produto superior, uma atividade bem gerida ou mesmo sorte. Para
tanto, perquiriu se haveria justificativa empresarial válida (“valid business
reason”) para acabar com a cooperação de tantos anos. Isso aconteceria, por
exemplo, se a franquia de acesso ao concorrente obrigasse a investimentos não
rentáveis, ou se não houvesse capacidade disponível para cessão. Segundo o
Tribunal, no sistema jurídico norte-americano, não existe um dever geral de
auxiliar os concorrentes.
Diante da inexistência de qualquer “valid business reason”, a Suprema
Corte norte-americana entendeu que Aspen Skiing estaria obrigada a manter
a prática de ticket único.
Já no caso Trinko,182 relatado pelo juiz conservador Scaglia, a solução dada
pela Suprema Corte foi diversa. Verizon possuía a infraestrutura para telefonia
celular na cidade de Nova Iorque e, por força da regulação específica, deveria
permitir a utilização de sua rede pelos concorrentes. Contudo, demorou para
viabilizar esse acesso. Trinko, um escritório de advocacia especializado em con-
tencioso indenizatório, propôs ação judicial visando à condenação de Verizon
por abuso de posição dominante, acusando-a de violar o art. 2.º do Sherman Act.
Scaglia afastou a pretensão de Trinko, em acórdão que sintetiza os princi-
pais argumentos desferidos contra a doutrina da “essential facility”.183

182. Verizon Communications Inc. v. Law Offices of Curtis v. Trinko, LLP., n. 2-682,
julgado em 13.01.2004.
183. In verbis: “Firms may acquire monopoly power by establishing an infrastructure that
renders them uniquely suited to serve their customers. Compelling such firms to

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336 Os fundamentos do antitruste

A ideia norteadora do voto do Juiz Scaglia é que a empresa em posição


dominante lutou e deve seguir lutando para conquistar a superioridade em
relação a seus concorrentes; obrigá-la a abrir mão da exclusividade da sua
“fonte de vantagem” competitiva significaria, na verdade, boicotar o incentivo
à inovação e ao investimento, em prejuízo do sistema econômico.
Em consonância com sua posição de que o juiz não pode “criar” regras
e deve manter-se apegado ao texto da lei, Scaglia expressa sua preocupação
quanto à assunção, pelos Tribunais, do papel de “planejadores centrais”, para
o qual não tem competência e não estão preparados.

6.6.2.2. A posição europeia


Na União Europeia, embora não se possa dizer que exista um dever geral
de colaboração do agente dominante com os demais que atuam no mesmo
mercado, consagrou-se a obrigatoriedade da chamada “competition on the
merits”, ou seja, a empresa com supremacia econômica pode e deve concorrer
baseada exclusivamente em suas vantagens competitivas e não na supremacia
já conquistada.184 Dessa forma, a aplicação da teoria da “essential facility” é
mais espraiada do que nos Estados Unidos. Esse posicionamento fica bastante
claro no julgamento do caso Holyhead:185
“Uma empresa numa posição dominante não pode discriminar em be-
nefício das suas próprias actividades num mercado conexo. O proprietário
de uma infraestrutura essencial que utiliza o seu poder num mercado no
intuito de proteger ou reforçar a sua posição noutro mercado conexo, no-

share the source of their advantage is in some tension with the underlying purpose of
antitrust law, since it may lessen the incentive for the monopolist, the rival, or both
to in-vest in those economically beneficial facilities. Enforced sharing also requires
antitrust courts to act as central planners, identifying the proper price, quantity, and
other terms of dealing a role for which they are ill-suited. Moreover, compelling ne-
gotiation between competitors may facilitate the supreme evil of antitrust: collusion.
Thus, as a general matter, the Sherman Act “does not restrict the long recognized
right of [a] trader or manufacturer engaged in an entirely private business, freely to
exercise his own independent discretion as to parties with whom he will deal.” “a
firm with no antitrust duty to deal with its rivals has no obligation to provide those
rivals with a ‘sufficient’ level of service”.
184. V. John Vickers, Competition policy and property rights. Disponível em: [http://
www.economics.ox.ac.uk/research/WP/pdf/paper436.pdf]. Acesso em 08.01.2011.
185. Sea Containers/Stena Sealink, julgado de 1993 e disponível em: [http://eur-lex.eu-
ropa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31994D0019:PT:HTML]. Acesso
em: 08.01.2012.

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Posição dominante e seu abuso 337

meadamente ao recusar o acesso ao concorrente ou ao conceder o acesso em


condições menos favoráveis do que as dos seus próprios serviços, impondo
assim uma desvantagem competitiva ao mesmo, infringe o artigo 86” [atual
art. 102 do TFUE].
Vale também referir o caso Magill, julgado em 1991 pela Corte de Justiça.
Muito antes da popularização da Internet, havia quatro principais canais de
televisão na Irlanda e Irlanda do Norte: dois eram controlados pela BBC e os
restantes pela ITV e RTE. Cada uma dessas redes editava semanalmente seu
próprio guia, contendo exclusivamente sua grade de programação. Magill de-
cidiu ofertar ao público um novo produto que forneceria informações sobre as
quatro redes. Para tanto, haveria de ter acesso aos dados da programação das
emissoras, que estavam protegidos por direitos autorais. Não vinha ao caso
discutir a adequação ou não da proteção desse tipo de informação pelo direito
do autor, pois o fato é que ele existia e impedia Magill de ter acesso à matéria
prima indispensável para elaborar o guia completo. Era também incontestá-
vel a existência de demanda para a nova publicação. A Corte de Justiça não
conseguiu identificar qualquer “justificação objetiva” para o comportamento
das emissoras, além de impedir um concorrente de atuar no mercado de guias
televisivos. Com isso, obrigou-as a franquear o acesso aos dados sobre sua
programação à nova entrante. A decisão da Corte de Justiça foi influenciada
também pelo fato de que, naquele caso, não havia substituto do produto que
passaria a ser oferecido aos consumidores (i.e., o guia “completo”).
Outro julgado que deixa clara a posição europeia é o caso IMS Health
GmbH & Co. OHG e NDC Health GmbH & Co. KG (causa C-418/01), de 2004.
IMS desenvolveu uma “estrutura modular (...) para o fornecimento de dados
relativos às vendas regionais de produtos farmacêuticos na Alemanha”, agru-
pando as informações em 1860 módulos, cada um deles correspondente à área
geográfica limitada. Esses módulos correspondiam a grupamentos derivados
da conjugação de vários critérios, como circunscrições administrativas, setores
postais, densidade da população, ligações de transporte, distribuição geográfica
das farmácias e dos consultórios médicos.
IMS distribuiu gratuitamente suas estruturas modulares a farmácias e a
consultórios médicos, de forma que os tais módulos transformaram-se em “pa-
drão comum, ao qual os seus clientes adaptaram os seus sistemas informático
e de distribuição”. Essa estrutura modular estava protegida pela exclusividade
dada pela lei alemã de direitos de autor.
O problema iniciou-se com a recusa de IMS de licenciar o esquema dos
módulos à NDC, sua concorrente. Em 2011, a Comissão ordenou à IMS que
concedesse “a todas as empresas presentes no mercado dos serviços de for-

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338 Os fundamentos do antitruste

necimento de dados sobre as vendas regionais na Alemanha uma licença de


utilização da estrutura de 1860 módulos”. Para a Comissão, “o facto de recusar,
sem justificação objetiva, o acesso a essa estrutura é susceptível de eliminar
toda e qualquer concorrência no mercado em causa, pois, sem ela, é impossível
continuar nesse mercado”.
Para IMS, o esquema dos módulos era “uma manifestação de concorrência,
já que traduz os esforços do fabricante para obter uma vantagem concorrencial
ao desenvolver produtos e serviços melhor adaptados às necessidades de sua
clientela”. Sobre o esforço de adaptação que os clientes deveriam fazer para
adaptar-se a um produto concorrente “trata-se de esforço normal, sendo os
custos suportados contrabalançados pelas vantagens do produto concorrente”.
Mas, segundo a Comissão, o esquema de módulos gerava “uma relação de
dependência” dos clientes em relação a essa estrutura. O Tribunal de Justiça
entendeu que “um alto grau de participação dos laboratórios farmacêuticos no
desenvolvimento da estrutura de 1860 módulos protegida pelo direito de autor,
a supô-lo provado, pôde criar uma dependência técnica dos utilizadores em
relação a essa estrutura, nomeadamente no plano técnico. Nestas condições,
é provável que esses laboratórios devam fazer esforços técnicos e económi-
cos extremamente elevados para poder adquirir estudos relativos às vendas
regionais dos produtos farmacêuticos apresentados com base numa estrutura
diferente da protegida pelo direito de propriedade intelectual. O fornecedor
desta estrutura alternativa pode então ser constrangido a oferecer condições
financeiras susceptíveis de excluir toda e qualquer rentabilidade económica de
uma actividade realizada a uma escala comparável à da empresa que controla
a estrutura protegida”.
A postura favorável ao compartilhamento, quando existe a possibilidade
de fechamento de mercado, influenciou o julgamento dos casos Microsoft na
União Europeia. Conforme esclarecido nas Guidelines sobre a aplicação do art.
102 do TFUE, a União Europeia preocupa-se em não permitir que a proprie-
dade intelectual seja empregada para obstar a inovação (follow-on innovation).
De acordo com a Comissão:186 “O prejuízo ao consumidor pode (...) surgir
quando os concorrentes excluídos pela empresa dominante são, em resultado
da recusa, impedidos de introduzir bens ou serviços inovadores e/ou quando
é provável que a inovação subsequente venha a ser travada”.

186. Cf. Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do art. 82.º do Tratado
da Comunidade Europeia (atual art. 102 do TFUE) a comportamentos de exclusão
abusivos por parte de empresas em posição dominante, de 2009. Essa passagem das
Guidelines tem por referência o julgamento dos casos Microsoft.

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Posição dominante e seu abuso 339

Ademais, a inovação pode ser mais efetiva quando os competidores


encontram-se em condições mais ou menos emparelhadas, cabeça-a-cabeça
(neck-to-neck competition), do que quando se colocam assimetricamente no
mercado.187 Na medida em que os exclusivos podem gerar mercados com
elevado grau de assimetria entre os agentes, são vistos com certas reservas,
coibindo-se sua utilização abusiva para impedir o desenvolvimento de empresa
concorrente ou o desenvolvimento de novos produtos.
Um dos critérios para determinar essa abusividade repousa na conside-
ração da função essencial da prerrogativa assegurada. Garante-se ao titular o
exercício regular dos privilégios relacionados ao objeto específico do direito que
detém. Por exemplo, a função essencial da marca é permitir a diferenciação
dos produtos, ou seja, possibilitar ao consumidor que distinga determinado
produto de outros semelhantes. Inexiste ilicitude se a utilização do direito de
marca gravitar em torno dessa sua função típica. A abusividade surge quando
esses limites são extrapolados.188

6.6.3. A Lei Antitruste brasileira e a Propriedade Intelectual


O abuso dos exclusivos (i.e., de direitos de propriedade intelectual) pode
gerar a incidência do art. 36, caput, da Lei 12.529/2011, na medida em que
(a) prejudique a concorrência; (b) implique aumento arbitrário de lucros ou
(c) configure abuso de posição dominante. As leis específicas (v.g., Código da
Propriedade Industrial e Lei de Direito Autoral) concedem isenções antitruste
para os direitos de propriedade intelectual que mencionam, não para eventuais
abusos concorrenciais perpetrados mediante sua indevida utilização.
A Lei 12.529/2011 traz expressa referência ao abuso dos direitos de proprie-
dade intelectual em três outros dispositivos. Primeiramente, conforme disposto
no art. 36, § 3.º, XIV, constitui exemplo de prática anticompetitiva “açambarcar
ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual
ou de tecnologia”. No inc. XIX do mesmo parágrafo, enumera também o exer-
cício ou exploração abusiva de direitos de propriedade industrial, intelectual,
tecnologia ou marca como possível infração.
No que diz respeito especificamente às patentes, dispõe o art. 38 que
“(...) quando assim exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral
(...)”, o CADE poderá recomendar ao órgão público competente que “(...)

187. John Vickers, Competition policy and property rights. Ainda sobre o tema, Eirik
Osterud, Identifying exclusionary abuses by dominant undertakings under EU
Competition Law, 216 e ss.
188. Louis Vogel, Droit de la concurrence, 336.

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340 Os fundamentos do antitruste

seja concedida licença compulsória de direito de propriedade intelectual de


titularidade do infrator, quando a infração estiver relacionada ao uso desse
direito” (art. 38, IV, a).
À exceção, portanto, da licença compulsória de direitos de propriedade
intelectual, o CADE pode aplicar às infrações cometidas por meio de exclusi-
vos todas as penalidades incidentes sobre os abusos em geral, ou seja, multas,
publicação de extrato da decisão condenatória, proibição de contratar com
instituições financeiras oficiais e de participar de licitação, inscrição do infrator
no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor, cisão de sociedade, transfe-
rência de controle societário, venda de ativos, cessação parcial de atividade, ou
qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos
nocivos à ordem econômica (cf. incisos do art. 38).
A Lei 9.279/1996, por sua vez, determina no art. 68 que “o titular ficará
sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela
decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico,
comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial” (g.n.).
Em conclusão, os abusos dos direitos de propriedade intelectual são veda-
dos por nosso ordenamento jurídico, aplicando-se-lhes as disposições referen-
tes à Lei Antitruste. Os direitos de que gozam os titulares dos exclusivos somente
podem ser exercidos nos limites de sua função econômica e social, ou seja, como
instrumentos concorrenciais, sob pena de configurar infração à ordem econômica.

6.7. Dependência econômica e abuso de posição dominante


A definição de posição dominante tem gerado acirradas discussões a res-
peito do poder que um agente econômico detém em relação a outros, mesmo
que enfrente certo grau de concorrência no mercado em que atua. A hipótese
geralmente trazida como referência é o poder dos grandes varejistas sobre
seus fornecedores. Essa análise reflete momento de preocupação mundial,
em que são repensadas algumas premissas a respeito do funcionamento de
mercados concentrados.
Até pouco tempo, até mesmo por influência da Escola de Chicago, certa
visão teórica parecia razoavelmente consolidada: a concorrência existente entre
as grandes redes de supermercados impediria que praticassem preços exces-
sivos para os consumidores. No prisma tradicional da análise concorrencial,
se a empresa não tem o poder de controlar os preços, não é titular de posição
dominante e nada (ou muito pouco) haveria de causar preocupação. O inegável
poder de barganha dos grandes varejistas, o lançamento das chamadas “marcas
próprias”, a concorrência existente entre os grandes grupos dariam o sinal
verde para uma postura de certa forma omissiva das autoridades antitruste.

8004.indb 340 21/06/2018 13:33:13


Posição dominante e seu abuso 341

A partir do momento em que os supermercados possuem interesse em


atrair público, proporcionando-lhe preços mais baixos do que a concorrência,
utilizariam seu poder negocial sobre os fornecedores para oferecer melhores
condições de venda ao consumidor final.
Os grandes supermercados, possuindo abertos os canais necessários ao
escoamento dos produtos, lançam-se no mercado das coisas que comerciali-
zam. Aproveitando-se das vantagens dessa integração vertical, podem oferecer
bens com marca própria mais acessíveis, que concorrem diretamente com os
fabricados por terceiros, forçando a redução de preços. As “guerras de preços”
também são entendidas como benéficas e pró-concorrenciais, porque não
seriam praticadas em intensidade apta a comprometer a sobrevivência dos
players desse mercado.
Em suma: grandes redes trar-nos-iam, ao final das contas, os tão almejados
resultados de um mercado concorrencial – e, em época de preocupação com
taxas inflacionárias, nada mais providencial que baixos preços no mercado
varejista alimentar. Por tudo isso, as normas antitruste costumam ser afastadas
desse contexto; se o escopo principal da defesa da concorrência é o aumento
da eficiência alocativa do sistema e, consequentemente, o benefício para o
consumidor, o incremento do poder dos distribuidores – que os capacita a
encarar melhor os fornecedores sem lhes conferir “posição dominante” no
mercado – haveria de ser fomentado e não coibido.
No entanto, a questão não pode ser colocada de forma tão simples, muito
menos no Brasil. A opção por fomentar grandes conglomerados gera o chamado
buyer’s power, ou seja, o poder econômico dos grandes varejistas sobre seus
fornecedores, que, por sua vez, acabam em situação de dependência econômica.
Consequentemente, ao contrário do que se pensava, efeitos anticoncorrenciais
podem ser produzidos. Por exemplo, o desenvolvimento de marcas próprias
pode dificultar o surgimento de novas marcas e de inovações tecnológicas, por-
que dificulta cada vez mais o acesso dos concorrentes aos canais de distribuição.
Em relação a esse tema, os seguintes fatores causam especial preocupação
competitiva:
(a) estrangulamento e abuso dos fornecedores: a situação de dependência
econômica dos fornecedores, da qual, muitas vezes, os varejistas se prevalecem,
estrangula a margem de lucro dos primeiros. Embora, ao menos em teoria, o
sistema jurídico ofereça instrumentos para viabilizar a coibição desse abuso,
é pouco provável que um “agente econômico racional” disponha-se a atacar
seu principal cliente, sujeitando-se a retaliações comerciais. A grita contra os
excessos é cada vez mais forte, em vários países do mundo. No contexto francês,
Sylvie Lebreton anota que, após a compra, pela Cora, da Société Européenne

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342 Os fundamentos do antitruste

des Supermarchés, a Société Grands Magasins B (GMB), encarregada da dis-


tribuição, impôs aos fornecedores a renegociação das condições de compra,
dentro da ideia de participation à la corbeille de la mariée. Segundo a visão crítica
dessa autora, a prática não foi obstada em virtude de uma timidé certaine do
Conselho da Concorrência. Outras condutas bastante comuns são a exigência
de vantagens como descontos financeiros, verbas de fidelidade, taxas de par-
cerias comerciais, colaboração em reformas e construções de novos pontos de
venda, contribuição com promoções, garantia de margem de preço, obrigação
de alocar funcionários próprios para trabalhar nas lojas. É frequente, também,
a obrigação de entrega de “enxoval” (produtos fornecidos gratuitamente ou
no início do relacionamento comercial, ou quando de promoções e inaugura-
ções) e de efetuar a troca da mercadoria caso haja o vencimento do prazo de
validade. Se, por um lado, essas práticas poderiam diminuir o preço de venda
para o consumidor, por outro, muitas vezes implicam abuso da situação de
dependência econômica do fornecedor;
(b) alta margem de lucro dos grandes varejistas: entre as listas das maiores
fortunas, há sempre nomes ligados ao grande varejo. Para muitos, isso signi-
fica que a margem de lucro dessas empresas é excessivamente elevada, e que
eventuais ganhos obtidos em virtude do grande poder de barganha não são
repassados aos consumidores, ao menos na medida em que seria de se esperar
em mercado que se diz presidido por ferrenha competição;
(c) aniquilamento de sistemas de distribuição tradicionais, integrados por
empresas de pequeno e médio porte: a invasão das áreas urbanas pelas grandes
e “eficientes” redes varejistas pode significar o fim do comércio tradicional de
menor porte. Ou seja, menor número de empresas, diminuição de pontos de
venda à disposição dos consumidores e de opções de escoamento da produ-
ção para os fornecedores, especialmente os de menor porte. Algumas cidades
preocupam-se com esse fato e, de uma forma ou de outra, impedem o estabe-
lecimento de grandes varejistas nos chamados “centros urbanos”.
Nessa esteira, inicialmente a Alemanha e, mais tarde, a França inseriram
em suas leis antitruste dispositivos que permitem, de forma mais clara, a
repressão aos abusos cometidos por agentes econômicos com relativo poder
de mercado, embora não sejam detentores de posição dominante no sentido
tradicional do termo (já que não são aptos a controlar o preço porque enfren-
tam concorrência). Na Alemanha, já se decidiu que o reconhecimento de que
o abuso do poder relativo no mercado pode, em certas circunstâncias (como
naquelas em que há dependência do fornecedor ou do comprador), ser tão
nocivo para o mercado quanto a discriminação exercida pela empresa detentora
de posição dominante.

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Posição dominante e seu abuso 343

A preocupação com a excessiva soberania dos distribuidores levou a


Comissão Europeia a bloquear uma operação de união entre dois dos maiores
varejistas finlandeses na decisão Kesko/Tuko, do ano de 1996. Segundo Julian
Maitland-Walker, os seguintes fatores influenciaram a tomada dessa decisão:
(a) o processo de consolidação no sistema de distribuição, aliado ao compor-
tamento de alguns agentes econômicos de grande porte, colocou em xeque
a crença dos consumidores de que a concorrência seria acirrada nesse setor;
(b) fabricantes tornaram pública a preocupação com a sua dependência dos
grandes distribuidores; (c) a ameaça da “lista de fornecedores”, elaborada pe-
los grandes distribuidores, diminuiu o acesso aos canais varejistas para novos
fornecedores; (d) fazendeiros ingleses protestaram e demonstraram que os
grandes distribuidores não repassaram aos consumidores reduções operadas
nos preços da carne.
Mais recentemente, pesquisa conduzida por iniciativa da AAI – Agribu-
siness Accountability Initiative – insiste nos seguintes efeitos perniciosos do
buyers power na União Europeia, ainda que não sentidos no curto prazo: dimi-
nuição das escolhas e da qualidade dos produtos disponíveis aos consumidores,
falha de abastecimento em determinadas localidades, diminuição da inovação
em vários produtos, com o aumento de dependência das marcas próprias.
A eliminação do comércio tradicional, com a concentração nas grandes
redes, pode ser desastroso para a produção local, que não encontra formas
de escoar a produção. Em países como o Brasil, no qual as classes C e D estão
aumentando seu consumo e, portanto, a demanda por marcas acessíveis, im-
pedir a atuação dos agentes econômicos locais pode interessar não apenas às
grandes redes, mas aos grandes fornecedores, contendo os pequenos agentes
que mordicam sua market share.
No início de 2008, na União Europeia, o Parlamento requereu à Comis-
são que (a) investigasse os impactos que a concentração do setor de varejo
está produzindo sobre os pequenos negócios, fornecedores, trabalhadores e
consumidores, identificando especialmente os abusos do poder de compra
decorrentes dessa concentração e (b) propusesse medidas adequadas, incluin-
do regulação, para proteger os consumidores, trabalhadores e produtores de
abusos de posição dominante ou impactos negativos identificados ao longo
da investigação.
As preocupações do Parlamento justificam-se na medida em que (a)
o mercado interno está, cada vez mais, dominado por pequeno número de
redes de supermercado, (b) essas redes estão se transformando em porteiros
(“gatekeepers”), controlando o acesso de produtores rurais e fornecedores aos
consumidores europeus; (c) há evidências em toda a União Europeia de que

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344 Os fundamentos do antitruste

os grandes supermercados estão abusando do seu poder de compra, forçan-


do a diminuição dos preços pagos aos fornecedores a níveis insustentáveis,
impondo-lhes condições desleais de comercialização; (d) esse estrangulamento
(“squeeze”) dos fornecedores impactam negativamente tanto a qualidade do
emprego e a proteção ambiental; (e) a diversidade de produtos oferecida aos
consumidores tende a diminuir, incluindo prejuízos à herança cultural e aos
outlets e (f) alguns países europeus já emanaram regulação específica para
limitar tais abusos e, como as grandes redes atuam concomitantemente em
vários países, mostra-se conveniente a uniformização das legislações.189
Em 2010, o novo regulamento europeu sobre as restrições verticais
procurou coibir o abuso do poder de compra, estabelecendo que não estão
incluídas na isenção em bloco as práticas envolvendo fornecedores e distri-
buidores que detenham mais de 30% do mercado relevante, de forma a atingir
os acordos normalmente celebrados entre grandes distribuidores e grandes
fornecedores, em prejuízo dos agentes de menor porte. Como observado por
Vogel, “o objetivo da Comissão ao estabelecer esse duplo gabarito é proteger
as pequenas empresas contra o poder de compra do grande varejo no setor de
distribuição”.190 Na regulamentação anterior, apenas a market share detida pelo
fornecedor era considerada [30%]. Com a introdução do double threshold, é
necessário que a quota de mercado detida por cada empresa não exceda a 30%
de qualquer mercado relevante afetado pelo acordo.
Em 2012, a Itália regulou os contratos celebrados entre os produtores
agrícolas e os adquirentes (excluídos consumidores), visando a coibir o abu-
so da dependência econômica. Esses negócios devem ser informados pelos
princípios da transparência, lealdade, proporcionalidade e correspondência
recíproca das prestações.191 A nulidade da avença pode ser declarada de ofício
pelo juiz e a autoridade antitruste está encarregada de aplicar as multas estipu-
ladas na lei. Entre outras, as seguintes condutas são capituladas como ilegais:

189. Cf. Written declaration pursuant to Rule 116 of the Rules of Procedure on investi-
gating and remedying the abuse of power by large supermarkets operating in the
European Union. Disponível em: [http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.
do?pubRef=-//EP//NONSGML+WDECL+P6-DCL-2007-0088+0+DOC+PDF+V0//
EN&language=EN]. Acesso em: 02.05.2015.
190. No original: “[t]he Commissions’s objective with the establishment of this double
threshold is to protect small businesses against the buyer power of large retailers in
the distribution sector” (Louis Vogel, EU Competition Law applicable to distribution
agreements: review of 2010 and Outlook for 2011).
191. Decreto-Legge 24 gennaio 2012, n. 1 (Raccolta 2012). “Disposizioni urgenti per la
concorrenza, lo sviluppo delle infrastrutture e la competitivita”.

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Posição dominante e seu abuso 345

imposição de condições contratuais injustificadamente gravosas, imposição de


condições objetivamente diversas para prestações equivalentes, subordinação
da regularidade de relações comerciais à prestação injustificada, desconforme
à sua natureza.192
Em outubro de 2014, a Comissão Europeia divulgou os resultados de
estudo no setor alimentar, sobre o impacto econômico do moderno varejo
nas escolhas e inovações.193 A conclusão é que o buyer’s power merece atenção,
pois há evidências de que a elevada concentração ligue-se a menor grau de
inovação. Outras pesquisas têm demonstrado que a concentração das gran-
des redes supermercadistas pode levar ao aumento dos preços praticados aos
consumidores na área impactada.194
O momento mundial requer reflexão desprovida de motivações passionais.
Ao contrário do que às vezes se pretende fazer crer, não estamos tratando de
meras tecnicidades econômicas, mas do futuro de nossas empresas, de empre-
gos e da concreção dos princípios constitucionais que garantem a todos uma
ordem econômica baseada na dignidade da pessoa humana. Afirmar, somente,
que “assim é o mercado”, ou que se trata da “sobrevivência do mais forte”, não
parece mais ser resposta capaz de calar a ampla gama de preocupações que se
espalha pelo mundo.195
No caso brasileiro, o abuso da dependência econômica pode configurar
infração à ordem econômica quando implicar (a) prejuízo à concorrência,
(b) domínio de mercado relevante, (c) aumento arbitrário de lucros ou (d)
abuso da posição dominante. Ou seja: é possível que o abuso de dependência
econômica configure infração à ordem econômica, nos termos do art. 36,
§ 3.º, da Lei 12.529/2011, se:

192. Países do leste europeu e a Finlândia também adotaram medidas para evitar a repres-
são a esse tipo de abuso de dependência econômica, conforme noticiam Philippe
Chauve e An Renckens, “The European food sector: are large retailers a competition
problem?”, 8 e 9.
193. “The economic impact of modern retail on choice and innovation in the EU food
sector. Final report”. Disponível em [http://ec.europa.eu/competition/publications/
KD0214955ENN.pdf]. Último acesso em 2 de maio de 2015.
194. Marie-Laure Allaind, Claire Chambolle, Stephane Turolla e Sofia B. Villas-Boas, “The
impact of retail mergers on food prices: evidence from France”: “prices on competing
firms in areas where the merger occurred (treated group) increased significantly
relative to the controle areas where existing firms were not affected by a merger”.
195. O tema do abuso da dependência econômica, em seus aspectos contratual e concor-
rencial, é desenvolvido em Paula A. Forgioni, O contrato de distribuição, especialmente
Parte III.

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346 Os fundamentos do antitruste

– a prática prejudicar a concorrência (mesmo que o agente não seja titular


de posição dominante);
– implicar o aumento arbitrário de lucros do agente; ou
– houver abuso de posição dominante, caracterizada conforme o mercado
relevante identificado no caso concreto.

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7
Acordos entre agentes econômicos

“A contract among competing sellers (...) is like any other contract in the sense
that the parties would not sign it unless they expected it to make them all
better off” – Richard A. Posner.

Sumário: 7.1. Acordos verticais e acordos horizontais. Definição. 7.2. Acordos


horizontais: os cartéis. 7.2.1. Os cartéis e suas justificativas. 7.2.2. Os cartéis de
preço. 7.2.3. Acordos entre agentes econômicos. Circunstâncias fáticas que esti-
mulam os cartéis. 7.2.4. Price leadership. 7.2.5. Cartéis, paralelismo consciente e
a prova da infração à ordem econômica. 7.2.6. Uma constante exceção: os cartéis
de exportação. 7.3. Acordos verticais: a proteção da concorrência entre não con-
correntes. 7.4. Contratos entre fornecedores e distribuidores. Restrições verticais e
seus tipos. 7.4.1. Efeitos pró-concorrenciais dos acordos verticais. 7.4.2. Acordos
verticais e economia dos custos de transação. 7.4.3. Acordos verticais e coibição
da atuação de free riders. 7.4.4. Efeitos anticoncorrenciais das restrições verticais.
7.4.4.1. Fechamento do mercado. 7.4.4.2. O aumento dos custos dos concorren-
tes. 7.4.4.3. Restrições verticais e a facilitação de cartéis. 7.4.4.4. A diminuição
das opções do consumidor. Diminuição do grau de concorrência no ponto de
venda. 7.4.4.5. Arrefecimento da concorrência intramarca. Facilitação de conluio.
7.4.4.6. Exploração de falhas de informação dos consumidores. 7.4.4.7. Aumento
dos preços para os consumidores. 7.4.4.8. Levantamento de barreiras à entrada
de discounters. 7.4.4.9. Prejuízo aos consumidores inframarginais (inframarginal
consumers) e indução de publicidade excessiva. 7.4.5. Imposição/sugestão dos
preços de revenda. Exemplos do direito comparado. 7.4.6. A fixação de preços
mínimos de revenda no Brasil. 7.4.7. Acordos verticais e exclusividade. 7.5. Os
acordos verticais e as vendas pela Internet. 7.6. Análise caso a caso dos acordos
verticais e o atual momento da economia brasileira.

Os acordos1 entre os agentes econômicos tendem, muitas vezes, a viabili-


zar a reprodução de condições monopolísticas e, por essa razão, são tradicio-
nalmente regulamentados pelas legislações antitruste. A união entre agentes
(concorrentes ou não) é capaz de dar lugar a poder econômico tal que permita
aos partícipes desfrutar de posição de indiferença e independência em relação

1. Utilizamos a palavra “acordo” em seu sentido mais amplo, que compreende as ex-
pressões “decisão de associação de empresas”, “prática concertada”, ou ainda “prática
orquestrada”, podendo todas ser subsumidas à palavra “atos”, prevista na hipótese
do caput do art. 36 da Lei 12.529, de 2011.

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348 Os fundamentos do antitruste

aos outras empresas, impactando o funcionamento do mercado.2 Os acordos


podem diminuir as oportunidades de negócios para os não participantes,
excluindo-os ou prejudicando-os no jogo concorrencial.
A Lei Antitruste determina serem ilícitos apenas e tão somente os acordos
entre agentes econômicos que tenham por objeto ou efeito (i) limitar, falsear
ou de qualquer forma prejudicar a livre-concorrência ou a livre iniciativa, (ii)
dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii) aumentar arbitrariamente
os lucros; ou (iv) exercer de forma abusiva posição dominante. Não estão ex-
cluídos, a priori, da sujeição à Lei Antitruste os acordos celebrados por peque-
nos agentes (detentores de reduzido ou nenhum poder econômico). Apenas,
em se tratando de tais operadores, pode-se presumir (e não concluir) que sua
atitude não terá o condão de determinar a incidência de qualquer inciso do
art. 36, caput, da Lei 12.529/2011.

7.1. Acordos verticais e acordos horizontais. Definição


Os acordos restritivos da concorrência são divididos entre acordos verticais
e horizontais, segundo os mercados relevantes em que atuam os partícipes.
Acordos horizontais são aqueles celebrados entre agentes econômicos que
atuam no mesmo mercado relevante (geográfico e material) e estão, portanto,
em direta relação de concorrência.
Já os acordos verticais disciplinam relações entre agentes econômicos que
desenvolvem suas atividades em mercados relevantes diversos, muitas vezes
complementares. Quando se fala de acordos verticais, em teoria da organiza-
ção industrial e em antitruste, lida-se com imaginária linha vertical que nos
conduz, através da extração da matéria-prima, das várias fases da produção e
da comercialização, até o comprador final do produto.3 Por exemplo, o acordo
entre empresa fabricante e outra distribuidora configura acordo vertical, ou
entre a franqueadora e seus franqueados.

2. O fundamento econômico para a vedação de tais acordos, no entender de Roberto


Pardolesi, é que “il coordinamento tra imprese indipendenti consente loro di ri-
produrre il comportamento del monopolista e, quindi, di massimizzare i profitti
congiunti (Intese restrittive della libertà di concorrenza, Diritto antitrust italiano, p.
146, e Analisi economica della legislazione antitrust italiana, Consumatore, ambiente,
concorrenza, p. 115). No mesmo sentido, Sullivan e Hovenkamp, Antitrust law, policy
and procedure, p. 183; Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 187.
3. Cf. Fox e Sullivan, Cases and materials on antitrust, p. 522. Roberto Pardolesi, Intese
restrittive della libertà di concorrenza, Diritto antitrust italiano, p. 244, e Analisi
economica della legislazione antitrust italiana, Consumatore, ambiente, concorrenza,
p. 127.

8004.indb 348 21/06/2018 13:33:13


Acordos entre agentes econômicos 349

Essa distinção entre os tipos de acordo não se opera simplesmente para fins
didáticos, pois evidencia os diversos efeitos produzidos para a concorrência.
Enquanto os acordos horizontais neutralizam a competição principalmente
entre os agentes econômicos que atuam no mesmo mercado relevante (encon-
trando-se, portanto, em relação de competição), os acordos verticais podem
produzir efeitos anticoncorrenciais em três mercados relevantes (mercado
do fornecimento de matéria-prima, mercado da produção e da distribuição),
como será visto adiante.
Para que se possa corretamente analisar os efeitos do acordo, hão de se
individualizar, com exatidão, todos os mercados que serão atingidos. Deve-se,
ainda, identificar a posição que os agentes econômicos ocupam em cada um
desses segmentos (fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de
um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa).4
Como exemplo, tomemos a produção e distribuição de cerveja em de-
terminado país. No primeiro estágio da cadeia, está a empresa que produz o
malte. Adiante, a cervejaria. Depois, os distribuidores de cerveja no atacado
e, por fim, os bares e restaurantes que vendem aos consumidores finais. Os
contratos entre esses agentes econômicos são verticais. Já aqueles celebrados
entre duas ou mais cervejarias são horizontais.

7.2. Acordos horizontais: os cartéis


Nosso sistema jurídico há muito determina a ilicitude de acordos entre
empresas concorrentes que fossem nocivos, em seu objeto ou efeito, à con-
corrência.
O Esboço de Teixeira de Freitas capitulava, no art. 3.046, como ilícitas as
sociedades “destinadas a embaraçar a liberdade do comércio, ou da indústria”,
compreendendo-se, nessa vedação, “[a]s sociedades ou convênios entre co-
merciantes para venderem suas mercadorias ou entre fabricantes para vende-
rem seus produtos, por um preço taxado” e “[a]s sociedades ou conluios para
impedir a concorrência de compradores nas vendas públicas”.
O Dec.-lei 869, de 18 de novembro de 1938, vedava “promover ou parti-
cipar de consórcio, convênio, ajuste, aliança ou fusão de capitais, com o fim
de impedir ou dificultar, para o efeito de aumento arbitrário de lucros, a con-
corrência em matéria de produção, transporte ou comércio” (art. 2.º, III), bem
assim “celebrar ajuste para impor determinado preço de revenda” (art. 3.º, I).

4. Sobre a identificação dos mercados relevantes na análise de acordos verticais, v. Paula


A. Forgioni, Contratos de distribuição, p. 379 e ss.

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350 Os fundamentos do antitruste

Por sua vez, o Dec.-lei 7.666, de 22 de junho de 1945, proibia “os en-
tendimentos, ajustes ou acordos entre empresas comerciais, industriais ou
agrícolas, ou entre pessoas ou grupo de pessoas vinculadas a tais empresas
ou interessadas no objeto de seus negócios, que tenham por efeito: a) elevar
o preço de venda dos respectivos produtos; b) restringir, cercear ou suprimir
a liberdade econômica de outras empresas; c) influenciar no mercado de
modo favorável ao estabelecimento de um monopólio, ainda que regional”
(art. 1.º, I).
A Lei 4.137, de 10 de setembro de 1962, considerava forma de abuso
do poder econômico dominar os mercados nacionais ou eliminar total ou
parcialmente a concorrência por meio de ajuste ou acordo entre empresas,
ou entre pessoas vinculadas a tais empresas ou interessadas no objeto de suas
atividades (art. 2.º, I, a).
A Lei 8.884, de 1994, no art. 21, I, II e III, exemplificava como ilícitas as
práticas de “fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer for-
ma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços”, “obter
ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre
concorrentes” e “dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou
semiacabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos
intermediários”.
Hoje, o art. 36, § 3.º, I, da Lei 12.529, de 2011, refere-se à eventual ilicitude
das práticas de “acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob
qualquer forma: a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;
b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada
de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou li-
mitada de serviços; c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual
ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de
clientes, fornecedores, regiões ou períodos; d) preços, condições, vantagens
ou abstenção em licitação pública”, bem como a incitação de cartéis (inc. II),
por “promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme
ou concertada entre concorrentes”.
Os acordos horizontais têm como pressuposto o fato de que a concorrência,
ainda que lícita, prejudica os concorrentes, pois faz com que o empresário acabe
por auferir lucros menores, força o cuidado com a qualidade do produto e gera
a necessidade de investimentos para que o agente econômico possa manter-se
no mercado, competindo. O processo de expansão da empresa torna-se mais
penoso em mercados onde há efetiva disputa da clientela. “A concorrência
obriga os produtores a procurarem, constantemente, a melhoria de seus

8004.indb 350 21/06/2018 13:33:13


Acordos entre agentes econômicos 351

produtos e a diminuição do preço de custo”.5 É, portanto, “natural” que os


agentes econômicos persigam a supremacia no mercado, para poder dominá-
-lo e desfrutar das vantagens proporcionadas por um monopólio, afastando a
concorrência que tanto prejudica seus interesses.6-7
O agente econômico buscará, de forma “natural”, a neutralização da
concorrência, mediante (i) a conquista de posição monopolística (com a
consequente eliminação ou neutralização da força competitiva dos agentes
econômicos que atuam no mesmo mercado relevante, isto é, obtenção do
domínio do mercado no sentido que lhe empresta o inc. II do art. 36, caput,
da Lei 12.529/2011), e/ou (ii) a realização de acordos (de forma a regular ou
neutralizar mutuamente a força concorrencial de cada um dos partícipes,8 re-
produzindo condições monopolísticas).9 Nesses pactos, há a regulamentação
da recíproca concorrência entre os agentes econômicos.10

5. Ascarelli, Os contratos de cartel e os limites de sua legitimidade no direito brasileiro,


p. 223.
6. A respeito Areeda e Kaplow: “In the absence of legal impediments, competitors
would like to join together in the hope of eliminating competition among themselves,
thereby restricting output and rising prices” (Antitrust analysis, p. 188). Interessante
notar que a Suprema Corte americana, no caso Standard Oil, já percebia que “An
attempt by each competitor to monopolize a part of interstate commerce is the very
root of all competition therein. Eradicate it, and competition necessarily ceases –
dies. Every person engaged in interstate commerce necessarily attempts to draw to
himself, and to exclude others from, a part of that trade; and, if he may not do this,
he may not compete with his rivals”.
7. Traçando paralelo entre as origens etimológicas das palavras competition e concurrence,
Kenneth G. Dennis chegou à conclusão de que na palavra “concorrência” – em seu
uso coloquial e não técnico – há um resíduo, quase implícito, de “acordo”. “Now,
there may be little hint of the meaning of competition in the English word concur-
rence (‘agreement, concord,’ also the sense of ‘coinciding with, being simultaneous
with or parallel to’), and yet lodged deep in the meaning of competition there lies a
residual, almost implicit, element of agreement or concurrence!” (“Competition” in
the history of economic thought, p. 6).
8. A busca da vantagem competitiva pela associação entre os agentes econômicos
pode ocorrer tanto nos acordos verticais quanto naqueles horizontais. A decisão de
associação, em qualquer dos casos, parte do pressuposto de que “there are much
greater possibilities of succeding with a partner than by acting alone” (Andre-Marc
Chevallier, The contractual relationships in a corporate joint-venture, Revue de Droit
des Affaires Internationales, n. 7, 1988, p. 857).
9. A restrição à concorrência sentida no mercado relevante em que atuam os partícipes
da operação pode se dar de dois modos, como assinalam Adriano Propersi e Maria
Rita Astorina: (i) viabilizando o aparecimento de uma empresa ou grupo de empresas

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352 Os fundamentos do antitruste

As avenças entre empresas concorrentes (que atuam, pois, no mesmo


10

mercado relevante geográfico e material) e que visam a arrefecer a competição


existente entre elas são denominados cartéis.11 Na lição de Nelson de Azevedo
Branco e Celso de Albuquerque Barreto:12 “(...) o cartel representa um acordo, um
ajuste, uma convenção, de empresas independentes, que conservam, apesar desse
acordo, sua independência administrativa e financeira. (...) O cartel tem como
precípuo objetivo eliminar ou diminuir a concorrência e conseguir o monopólio
em determinado setor de atividade econômica. Os empresários agrupados em
cartel têm por finalidade obter condições mais vantajosas para os partícipes, seja
na aquisição da matéria-prima, seja na conquista dos mercados consumidores,
operando-se, desta forma, a eliminação do processo normal de concorrência”.
Trazendo a tradicional definição de cartel para o contexto da Lei
12.529/2011, devemos concluir que se um acordo não restringe a livre-
-concorrência ou não acarreta a incidência de qualquer inciso do art. 36,
caput, da Lei 12.529/2011, não se há de falar na existência de cartel,13-14 pois a

que deterão a posição dominante ou (ii) permitindo a concentração do mercado de


forma a torná-lo mais propício à formação dos cartéis (Antitrust: normativa italiana
e comunitaria – Il fenomeno delle concentrazioni aziendali, p. 168).
10. Tullio Ascarelli, Consorzi volontari tra imprenditori, p. 17-18. Cf., também, Le unioni
d’imprese, Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto Generalle delle Obligazioni,
v. 33, 1935, p. 153.
11. A doutrina estrangeira atual permanece conceituando o cartel como “accordo tra
imprese diretto a ridurre la concorrenza” (cf. Francesco de Franchis, Dizionario
giuridico, p. 430). Waldirio Bulgarelli lembra a clássica definição de cartéis, da lavra
de Liefmann: “São acordos ou uniões voluntárias entre empresas independentes da
mesma espécie com o fim de domínio monopolístico do mercado”. Ressalta, ainda,
o mesmo professor, a observação de Ferri no sentido de que, mais tarde, Liefmann
haveria atenuado a definição, reconhecendo que, algumas vezes, os cartéis visam,
apenas, a influir sobre o mercado e não, necessariamente, dominá-lo (O direito dos
grupos e a concentração de empresas, p. 16, nota 37).
12. Repressão ao abuso do poder econômico, p. 30.
13. Cf. parecer de Antão de Morais, Abuso do poder econômico – Agrupamento de em-
presas – Concorrência – Sociedade por cotas – Gestão de negócio – Ratificação, RF,
jan. 1949, p. 61. Comparato, ainda na vigência da Lei 4.137, escreveu: “É ao cartel
e ao grupo empresarial de coordenação que se refere a Lei 4.137, de 1962, ao falar
em ‘atos, ajustes, acordos ou convenções entre as empresas, de qualquer natureza,
ou entre pessoas ou grupo de pessoas vinculadas a tais empresas ou interessadas no
objeto de seus negócios’, que tenham por efeito uma das finalidades previstas no art.
74” (Fábio Konder Comparato, O poder de controle na sociedade anônima, p. 27).
14. Entre nós, Pinto Antunes explicou o cartel, destacando o comportamento ilícito por
ele atuado: “Embora seja organização durável (o cartel), constitui uma aliança, um

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Acordos entre agentes econômicos 353

associação não traz, em si, efeito anticompetitivo que interesse à proteção da


ordem econômica.
Em conclusão, os cartéis são acordos entre concorrentes, atuais ou potenciais,
destinados a arrefecer ou neutralizar a competição entre eles e que têm seu objeto
ou efeito tipificado nos incisos do art. 36, caput, da Lei 12.529 de 2011.15
É, por exemplo, a hipótese de agentes econômicos que se unem em conluio,
sob o manto da “associação de classe”, ou “associações buscando a qualidade
do produto”. Nada há de ilícito na congregação de agentes econômicos, sendo
essa prática, inclusive, assegurada pela Constituição Federal. Não obstante, a
partir do momento em que a associação é instrumento (ou disfarce) adotado
pelos agentes econômicos para viabilizar prática anticompetitiva (ou seja, desde
que haja a incidência de qualquer dos incisos do art. 36, caput), esta haverá de
ser considerada abusiva.16

entendimento entre empresas para determinados fins ou objetivos. (...) Assim, livres
de tudo, acordam em vender as suas mercadorias concorrentes pelo mesmo preço,
restringindo, neste caso, a luta pela captação da clientela (...). Igualmente, podem
convencionar, as empresas concorrentes, em limitar, em certa proporção, a produ-
ção de cada uma, dada a superprodução dos produtos no mercado consumidor. Ou,
também, limitar ou dividir as zonas de influência para evitar os transportes inúteis
na satisfação da clientela. Além dessas formas simples de cartel para limitação dos
preços da produção, do mercado, ainda é possível engendrar-se meio mais racional
de entendimento ou cartelização através da criação de um escritório central que se
incumbirá da repartição dos lucros ou então, mais completo, com gestão comercial
e organização central de venda” (José Pinto Antunes, A produção sob o regime de
empresa, p. 142).
15. Tratar-se-á de ato ilegal (porque contrário a normas imperativas) e, pela sua realiza-
ção, os agentes econômicos perseguem fim que não é admitido pelo ordenamento
jurídico. Vê-se, portanto, a ilegalidade do ato na tentativa de realizar determinado
escopo vedado pelo ordenamento jurídico (cf. Messineo, Dottrina generale del
contratto, p. 268-269).
16. O CADE, desde a vigência da Lei 4.137, de 1962, tem entendido que somente podem
ser considerados cartéis (e, portanto, reprimidos pela Lei Antitruste) os acordos
entre agentes econômicos que produzem os efeitos anticompetitivos capitulados
no texto normativo. No Processo Administrativo 26, de 1971, interpretando a siste-
mática estabelecida pelo art. 2.º do diploma então vigente, estabeleceu a autoridade
antitruste: “(...) não há que falar em infrações ao item I, alíneas a e f, do art. 2.º da
Lei do CADE, pois que os atos capitulados naquelas alíneas são simples meios para
obtenção dos fins previstos no caput do item. Se esses fins não forem alcançados,
ainda que por outros meios, não podemos cogitar de violações autônomas às alíneas
a e f ” (Voto transcrito por José Inácio Gonzaga Franceschini e José Luiz Vicente de
Azevedo Franceschini, Poder econômico: exercício e abuso, p. 69, ementa 67).

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354 Os fundamentos do antitruste

Não é incomum que o acordo entre empresas dê aos participantes con-


dições de alterar coordenadamente as condições de mercado, de modo que as
empresas passam a coletivamente deter posição dominante, nos termos do art.
36, § 2.º, da Lei 12.529, de 2011.

7.2.1. Os cartéis e suas justificativas


As justificativas tradicionalmente apresentadas para os cartéis destacam
as vantagens advindas da neutralização da concorrência. Não é raro ouvir-se
que, principalmente em tempos de crise, os acordos entre os concorrentes
desempenhariam papel fundamental e seu desaparecimento causaria maiores
prejuízos à economia que sua manutenção.17 Um dos principais argumentos
favoráveis aos cartéis é que visam a eliminar a concorrência ruinosa (cutthroat
competition), predatória, destrutiva, prejudicial não somente às empresas,
mas também a toda coletividade.18 Da mesma forma, em uma economia ainda
não consolidada, a união dos agentes econômicos poderia vir a ser a melhor
alternativa para a competição em nível internacional.
Aponta-se que, em períodos de crise, o volume das vendas costuma de-
clinar, obrigando alguns agentes econômicos a saírem do mercado. Passada
a recessão, a volta dessas empresas implicaria custos adicionais de restabele-
cimento que poderiam até mesmo inviabilizar o retorno. A concentração do
mercado e a perda da capacidade do sistema poderiam ser evitadas se fosse
permitida a esterilização da concorrência entre os agentes econômicos.
O cartel pode implicar a neutralização da força da oferta e da procura so-
bre a formação dos preços (que passarão a ser determinados por acordo entre
os concorrentes), mantendo-os estáveis. Por essa razão, já foi sustentado que
o cartel, significando estabilidade dos preços, implica o aumento do grau de
segurança e previsibilidade, de forma a propiciar aos agentes econômicos a
planificação de seus investimentos e produtividade, revertendo-se a carteliza-
ção a favor da coletividade. Ademais, aumenta a força dos agentes econômicos

17. Para a análise dos argumentos a favor dos cartéis, bem como para a contra-argumen-
tação, cf. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 190 e ss.
18. Entre nós, há muito Shieber observava que: “Falências e desemprego causados
por preços vis que resultam de uma concorrência ruinosa, não podem ser evitados
legitimamente através de atos das empresas atingidas que visam restringir esta con-
corrência. Considera-se que estes males são preferíveis aos que podem resultar da
entrega a particulares do poder de controlar significativamente a vida econômica do
país, por meio de restrições da concorrência” (Abusos do poder econômico: direito e
experiência antitruste no Brasil e nos EUA, p. 95).

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Acordos entre agentes econômicos 355

para negociar com seus fornecedores (countervailing power, na terminologia


empregada por Galbreith) e, dependendo do caso concreto, isso pode significar
limitação do poder econômico de outros agentes.

7.2.2. Os cartéis de preço


Não é nossa intenção esgotar os tipos de cartéis que podem ser celebrados
entre os agentes econômicos. Não obstante, havemos de fazer referência aos
cartéis de preço, pela relevância que assumem no contexto econômico atual
e por estarem expressamente citados no art. 36, § 3.º, I, a, da Lei Antitruste.
Há muito os tribunais condenam os acordos de fixação de preços,19 quer
acima, quer abaixo do preço de mercado ou de custo, por entenderem que os
preços deveriam decorrer da livre atuação das forças do mercado.20 A repulsa
dos ordenamentos jurídicos ao artificial estabelecimento dos preços pelos
agentes econômicos tem justificativa simples: a concorrência é fator que
tende a levar ao barateamento dos produtos, como decorrência da disputa
pela clientela.
Retoma-se a definição que Jhering dava à concorrência, conceituando-a
como “o regulador espontâneo do egoísmo”. Em outras palavras, o egoísmo, que
leva o agente econômico a procurar explorar ao máximo aquele que depende
de seu produto ou serviço, converter-se-á em “corretivo de si próprio” pela
concorrência. “O egoísmo do vendedor que exagera o seu preço é paralisado
pelo de outro mercador que prefere vender por um preço módico a não vender
de maneira nenhuma; o egoísmo do comprador que oferece muitíssimo pouco,
é paralisado pelo de um outro que oferece mais”.21
Em mercados competitivos, os abusos serão “naturalmente” coibidos, pois
punidos pelas próprias forças de mercado (se um agente econômico resolve
aumentar demasiadamente os preços que pratica, perderá seus consumidores).
Não se há de admitir, portanto, que esse efeito tão desejado pelo sistema (e
que decorre da concorrência entre os agentes econômicos) seja neutralizado
por acordo entre os concorrentes. Não é por outro motivo que, nos Estados

19. A partir do século XIX, as cortes iniciam a recusa à execução de acordos de preços
(cf. Posner, Economic analysis of law, p. 285).
20. Nesse sentido foi a decisão do CADE no Processo Administrativo 53, de 1992. Os
hospitais do Estado de Sergipe praticavam exatamente o mesmo preço pelos serviços
que prestavam, sem levar em conta as diferenças existentes entre os vários estabe-
lecimentos. A tabela de preços fixada pela Associação dos Hospitais do Estado de
Sergipe foi declarada ilícita pela autoridade antitruste.
21. Jhering, A evolução do direito, p. 140.

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356 Os fundamentos do antitruste

Unidos, entende-se que há proibição per se dos acordos que têm por objeto ou
efeito a fixação dos preços.22-23
Podemos individuar dois tipos de acordos de uniformização de preços,
conforme a estrutura do mercado relevante em que atuam os partícipes:
a) acordos celebrados entre agentes econômicos que possuem poder
econômico semelhante, como:
• acordos que determinam a elevação do preço de determinado produto
seguindo percentual fixo (v.g., todos os produtores aumentam o preço de seus
produtos em 5%, uma vez a cada semestre); a ilicitude pode estar presente ainda
que os preços praticados pelos partícipes sejam diversos;
• acordos mediante os quais agentes econômicos concorrentes fixam o
preço de venda ou ainda fixam preço mínimo de venda;
• acordos de estabilização de preços, efetivados mediante a recompra siste-
mática de produtos no mercado pelos próprios agentes econômicos fabricantes;
b) price leadership, em que há um agente econômico com poder suficiente
para impor sua política de preços aos demais participantes do mercado.
Nos acordos de liderança de preço, conforme a capacidade do agente
econômico de resistir à atuação de seu concorrente mais forte, ser-lhe-á (ou
não) imputada a prática de ato restritivo da concorrência.24 Neste segundo

22. “[The per] se rule is a valid and useful tool of antitrust policy and enforcement. And
agreements among competitors to fix prices on their individual goods or services
are among those concerted activities that the Court has held to be within the per se
category” (Milton Handler, Harlam M. Blake, Robert Pitofsky, Harvey J. Goldsch-
mid, Trade regulation, p. 271). Cf., também, A. D. Neale, El contenido político de la
legislación antitrust, Monopolio y competencia, p. 184-195.
23. Entretanto, segundo alguns autores, mesmo essa proibição não é aplicada de forma
rígida, ou seja, muitas vezes, para as Cortes americanas, determinada prática que
tenha por objeto ou efeito a fixação de preços não seria subsumível à proibição per
se. Para análise dos leading cases norte-americanos, embasando a afirmação de que
“the per se rule is not as prohibitive as is often assumed”, cf. estudo de Areeda, The
changing contours of the per se rule, Antitrust Law Journal, p. 27 e ss. O mesmo Aree-
da, em conjunto com Kaplow, afirma, resumindo seu pensamento, que “although
the per se prohibition against price fixing has become settled law, it has long been
understood that certain forms of collaborative activity should be permitted even
though they limit price or other dimensions of competition among collaborators”
(Antitrust analysis, p. 187).
24. A. D. Neale entende que “cuando las pruebas de un caso sólo establecen la existencia
de una situación de liderazgo de precios, no se considerará que el lider o sus segui-
dores han violado las leyes antitrust. Naturalmente, y sobre otros fundamentos, será

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Acordos entre agentes econômicos 357

caso, não se poderá falar, sequer, em “acordo”, pois que a empresa de menor
poder apenas “sujeitou-se” à outra, adotando o comportamento que lhe foi
imposto pelo concorrente.25

7.2.3. Acordos entre agentes econômicos. Circunstâncias fáticas que esti-


mulam os cartéis
Muitas vezes, não existe no mercado um agente econômico singularmente
considerado que consiga impor sua política de preço. Assim, as empresas entram
em acordo para eliminar os efeitos da concorrência sobre o preço de produtos
ou serviços, de forma que as variações já não decorrerão de modificações da
oferta ou da procura.26
Os especialistas costumam afirmar que, nessas hipóteses, inexistindo me-
canismos de coerção, os agentes econômicos são “naturalmente” compelidos
à quebra do cartel, e acabam por vender mais barato, iniciando a guerra de pre-
ços.27 Os acordos de preço, celebrados em mercados sem empresas dominantes,
seriam “naturalmente” instáveis.28 Essa é uma das razões por que se diz que,
quanto maior o número de empresas em determinado mercado, mais difícil
a cartelização29 (pois maiores serão o número de partícipes, os custos de sua
coordenação e as probabilidades de algum deles quebrar o cartel).

posible probar que el dominio del lider resulta de la monopolización, en cuyo caso
es factible iniciar un juicio conforme al Título 2 de la Ley Sherman” (El contenido
político de la legislación antitrust, Monopolio y competencia, p. 193).
25. Não se trata de determinar a intenção do agente econômico ou ainda sua culpa,
mas as características fáticas do mercado relevante, de forma a identificar eventual
impossibilidade/total irracionalidade do agente de adotar comportamento diverso
daquele de seu concorrente mais forte.
26. É clássico o exemplo dos acordos entre as ferrovias norte-americanas, anteriores à promul-
gação do Sherman Act. Setores da economia que requerem custo fixo ou inicial bastante
elevado são aqueles em que mais se afirma o caráter ruinoso da competição, buscando
justificar a celebração dos cartéis (cf. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 190).
27. Posner e Easterbrook asseveram que: “Each member has an incentive to cheat his
fellows (...). If enough members of the cartel succumb to this kind of temptation, the
cartel will collapse” (Antitrust, p. 97). Cf., ainda, sobre a instabilidade dos cartéis, Ro-
berto Pardolesi, Analisi economica della legislazione antitrust italiana, Consumatori,
ambiente, concorrenza, p. 115 e ss., e Posner, Economic analysis of law, p. 285 e ss.
28. Sullivan e Hovenkamp destacam que, caso os agentes econômicos tenham custos
de produção diversos, as vantagens para os membros do cartel de preços não serão
uniformes. Assim, com sua celebração, alguns se sentirão lesados. Daí também de-
correria a instabilidade dos cartéis (Antitrust law, policy and procedure, p. 183).
29. Antitrust law, policy and procedure, p. 183.

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358 Os fundamentos do antitruste

Além de sua instabilidade, mais problemas ocorrem nesse tipo de cartel,


especialmente no que toca à fixação dos preços: se demasiadamente alto, outros
agentes econômicos, que oferecem concorrência potencial, serão encorajados
a entrar no mercado, evitando o desfrute de posição monopolística pelos partí-
cipes do acordo. Não será viável a sobrevivência do ajuste ou a reprodução de
condições monopolísticas, a menos que existam barreiras à entrada de novos
competidores.
A análise econômica indica elementos que caracterizam a predisposição
do mercado à cartelização efetiva:30
(i) número de agentes econômicos: quanto maior a quantidade de sujeitos
cujas atuações devem ser ordenadas, maiores os custos dessa coordenação e
as probabilidades de insucesso do cartel; de outra parte, menor o número de
players, mais fácil e barata a coordenação de suas atividades;31
(ii) homogeneidade do produto, porque, quanto mais uniformes os bens
ou serviços comercializados, menores as possibilidades de se quebrar o cartel
pela introdução de diferenciações;
(iii) baixa elasticidade da procura em relação ao preço, ou seja, a quantidade
de produtos vendidos mantém-se relativamente estável quando se elevam os
preços; nessas condições, é mais fácil para as empresas impor preços elevados
aos adquirentes e auferir maiores lucros com o cartel;
(iv) existência de barreiras de entrada para novas empresas/investidores; se a
entrada de agentes for rápida, sem maiores entraves, o cartel acabará atraindo
novos competidores para o mercado e, portanto, diminuindo suas possibili-
dades de lucro e o incentivo à cartelização;
(v) mercado em retração, pois o mercado que atravessa uma situação de
crise é mais propenso à cartelização; mercados em expansão implicam maiores
custos de monitoramento de eventuais quebras; e

30. A lista é de Posner, Economic analysis of law, p. 287-288.


31. Cf. a esse respeito, Regis Bonelli, Concentração industrial no Brasil: indicadores da
evolução recente, Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 10, n. 3, dez. 1980, p. 853.
Sobre mercados pulverizados e cartéis, Sérgio Buarque de Holanda Filho esclarece
que em mercados mais concentrados há maior facilidade para que as empresas entrem
em acordo entre si, principalmente no que concerne à política de preços (Estrutura
industrial no Brasil: concentração e diversificação, p. 14). Há muito, entre nós, José
Xavier Carvalho de Mendonça, ao conceituar os cartéis, assinalava que, para seu su-
cesso, era indispensável (i) forte espírito de disciplina dos empresários; (ii) proteção
aduaneira; e (iii) ausência de sucedâneo dos produtos (Tratado de direito comercial
brasileiro, vol. 1, p. 306).

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Acordos entre agentes econômicos 359

(vi) estrutura do mercado dos adquirentes do produto; se houver poucos


compradores, eventuais quebras do cartel serão mais facilmente detectáveis e
o cartel tem maiores possibilidades de sucesso.
Entretanto – é bom que se advirta – a instabilidade típica dos cartéis não
poderá ser tomada como argumento a favor de sua licitude. Enquanto existem,
ainda que por breve período de tempo, causam danos ao mercado e à ordem
econômica, como demonstra a doutrina especializada.32
Muitas vezes, o acordo concretiza-se mediante a determinação de asso-
ciação ou entidade de classe dos preços a serem praticados, ou do compor-
tamento uniforme dos agentes econômicos.33 A esse respeito, é elucidativo o
caso National Society of Professional Engineers v. United States:34 os estatutos
da National Society of Professional Engineers, uma associação que congregava
mais de 69.000 engenheiros, estabeleciam a vedação de seus membros virem
a negociar, com cliente potencial, os preços de serviços a serem prestados, até
que esse houvesse efetivamente selecionado os engenheiros para determinado
projeto. A cláusula foi considerada ilícita, uma vez que consubstanciava acordo
para suprimir a competição de preços.35

32. Cf. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 189.


33. Forçosa a referência ao problema da licitude das chamadas “tabelas de honorários”,
que muitas vezes são colocadas por associações de classe. Argumenta-se que as
tabelas tratam, apenas, de “sugestões” aos associados, que podem acatá-las ou não
e, justamente por esse motivo, não configurariam restrição à livre-concorrência.
A resposta à questão será dada, mais uma vez, pelo impacto que tais “sugestões”
acabam por acarretar sobre o mercado relevante em questão. Se se constatar que a
“sugestão”, na verdade, acabou por determinar (ou poderia determinar) um “preço
mínimo” dos serviços a serem prestados, a prática será considerada ilícita, pois teve
por efeito (ainda que potencial) a diminuição do grau de concorrência no mercado. A
chama do debate reacende-se, de tanto em tanto, em relação à Ordem dos Advogados
do Brasil, que vincula os advogados a cobrar, no mínimo, os preços fixados pelos
conselhos seccionais, abandonando-se o entendimento de que serviriam, apenas, de
“referenciais”. Não obstante, como (no caso da OAB) o respeito à tabela de preços é
imposto por lei federal. No caso COAPI (1996), a Comissão Europeia condenou a
decisão da organização profissional dos agentes da propriedade industrial da Espanha
que estabeleceu tabela de honorários mínimos.
34. 435 U. S. 679, 98 S. Ct. 1355, 55 L. Ed. 2d 637 (1978).
35. A Comissão europeia entendeu ilegal a fixação das tarifas relativas à prestação de
serviços dos spedizionieri doganali (atividade detalhadamente regulamentada na
Itália e que poderia ser comparada à função de profissionais que atuam na liberação
da documentação para exportação, em nome e por conta do proprietário da merca-
doria). É de se notar que a fixação havia sido determinada pelo CNSD (Consiglio

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360 Os fundamentos do antitruste

No que diz respeito aos pactos de uniformização dos produtos que têm
consequências sobre os preços, Handler, Blake, Pitofsky e Goldschmid36 relatam
caso julgado nos Estados Unidos, no ano de 1965 (National Macaroni Manu-
facturers Association v. FTC).37 Macarrões podem ser fabricados, em princípio,
com dois tipos de trigo: durum wheat e hard wheat. O macarrão elaborado com
durum wheat é de melhor qualidade e melhor recebido pelo mercado consumi-
dor. No início do ano de 1961, constatou-se que haveria falta de durum wheat.
Os membros da National Macaroni Manufacturers Association, com o ale-
gado escopo de manter a melhor qualidade possível dos produtos e garantir
o fornecimento de durum wheat, decidiram que os vários tipos de macarrão, a
partir daquele momento, seriam produzidos, todos eles, com metade de durum
wheat e metade de hard wheat. A FTC, por sua vez, havia considerado aquele
ajuste ilegal, pois as empresas atuantes no mercado, ao uniformizar seu pro-
duto, haviam acabado por deprimir o preço da matéria-prima, violando a regra
que veda a fixação de preços. Por esses motivos, a corte condenou a prática.

7.2.4.  Price leadership


Nos acordos de price leadership os agentes econômicos seguem o preço
praticado pela empresa que detém posição dominante no mercado. A ques-
tão do price leadership é, dentre aquelas referentes aos acordos destinados à
uniformização dos preços, a que mais tem preocupado os teóricos, porque
nem sempre a prática do price leadership configura ato colusivo e implica a
responsabilização de todos os agentes econômicos que aumentam seus preços
de forma orquestrada.
Pode-se estar diante de típico abuso de posição dominante, na medida
em que um agente econômico, apto a atuar comportamento indiferente e
independente em relação a seus concorrentes, a estes (seguidores) impõe-se
como líder na determinação dos preços a serem praticados. Os concorrentes
encontram-se em posição de sujeição.
Há casos de price leadership nos quais os agentes econômicos detentores
de posição dominante podem estabelecer mecanismos coercitivos para obrigar
as pequenas empresas a seguir os preços impostos mediante a utilização de

Nazionale degli Spedizionieri Doganali), no exercício de competência determinada


pela lei italiana (cf. Aurelio Pappalardo e Antonio Tizzano, Rassegna di diritto comu-
nitario della concorrenza (1 luglio 1993-31 dicembre 1993), Diritto del Commercio
Internazionale, 8.2/427 e ss., abr./jun. 1994).
36. Trade regulation, p. 262.
37. 345 F. 2d 421 (7th Cir. 1965).

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Acordos entre agentes econômicos 361

força ou intimidação38 (aumentando o grau de sujeição). De qualquer forma –


deve-se ressaltar – pode não haver mecanismo de coerção explícita, sendo
que, neste caso, a sujeição decorre da própria estrutura do mercado relevante.
Como precisou a Suprema Corte americana, existe a possibilidade de agen-
tes econômicos, com reduzido poder, serem obrigados, mediante a utilização de
instrumentos coercitivos, a respeitar a “liderança” de agente dominante, donde
se poderá concluir que o comportamento dos “seguidores” foi determinado
pela convicção de que seriam punidos caso se rebelassem contra o líder.39 Essa
“crença” seria o próprio elemento de coerção.

7.2.5. Cartéis, paralelismo consciente e a prova da infração à ordem eco-


nômica
Muitas vezes, a identificação do caráter anticoncorrencial de uma prá-
tica colusiva é tarefa difícil, pois, ao observar o mercado, o intérprete pode
deparar-se com preços semelhantes que decorrem não de um acordo, mas
do funcionamento “normal” daquele setor econômico. A existência de price
leadership ou mesmo de comportamento uniforme das empresas não implica
necessariamente conluio ou abuso de posição dominante. Ao contrário, a seme-
lhança das estratégias pode ser decorrência de processo normal de competição. A
doutrina especializada dá o nome de “paralelismo consciente” a esse fenômeno,
que geralmente ocorre em mercados com reduzido número de agentes.40-41

38. Machlup (The political economy of monopoly, p. 129), após analisar a estrutura de
várias price leaderships nos Estados Unidos, assevera que: “Price leadership invites
particular disapprobation if the ‘leader’ enforces his will upon the ‘followers’ by
force, threat and intimidation. There are even cases, mostly in local trades, where
the ‘forceful influences’ are extra-economic, such as social boycott and similar sorts
of moral suasion or acts of violence committed or threatened by racketeers and
‘protective societies’”.
39. Federal Trade Commission v. The Cement Institute, referido por Machlup, The political
economy of monopoly, p. 129. A “natural” consequência do alijamento do mercado
poderia ser considerada “punição” a ser imposta ao agente econômico, constituindo,
portanto, elemento de coerção.
40. “Conscious parallelism refers to parallel pricing decisions by firms in oligopolistic
industries, carried out in the absence of explicit price-fixing agreements” (Keith
Hylton, Antitrust Law. Economic theory and common Law evolution, p. 21).
41. Shieber anota o caso United States v. National Malleable e Steel Catsings Co. Naquela
ocasião, a identidade das curvas de preços dos agentes econômicos foi tomada pelo
Procurador Federal dos EUA, como prova absoluta da conspiração. A defesa salientou
que, por serem os produtos intercambiáveis, as pequenas empresas seriam obrigadas
a seguir a política de preços do agente dominante. O juiz acolheu essa argumentação,

8004.indb 361 21/06/2018 13:33:13


362 Os fundamentos do antitruste

Partindo do pressuposto que os agentes econômicos agem racionalmente


e visam ao lucro, até que ponto a resposta a uma situação de mercado pode
configurar ato ilícito? Em caso de preços semelhantes, deve-se comprovar a
existência do “acordo” para que se possa condenar a prática?42
Determinados mercados, por suas características estruturais, são mais
propensos à ocorrência do paralelismo consciente. A primeira delas é a exis-
tência de elevadas barreiras à entrada de novos players, de forma que preços
semelhantes e acima dos níveis considerados competitivos não são suficientes
para atrair novas empresas. A segunda é o reduzido número de agentes econômi-
cos (i.e., mercado oligopolizado), que permite identificação e veloz reação ao
comportamento dos concorrentes.43
A título exemplificativo, tomemos um setor com elevadas barreiras à
entrada de novas empresas, no qual a clientela é disputada por três agentes
econômicos de porte semelhante. Não é de se espantar que a empresa A pre-
suma que, se rebaixar seus preços, B e C, quase que imediatamente, seguirão
pela mesma estrada.44 As três podem não ver vantagem alguma em diminuir o

sustentando que a harmonização dos preços, tomada pelo Procurador-Geral como


prova do conluio, nada mais era senão o resultado de uma concorrência forte e bem
informada (Abusos do poder econômico: direito e experiência antitruste no Brasil e nos
EUA, p. 89). Neide Malard, a esse respeito, assinala que “a identidade de preços em
um mercado oligopolizado decorre, com frequência, de prática comercial normal e,
muitas vezes, previne a concorrência predatória”. Com apoio em Joe Bain, afirma que
“desde que não se verifique a existência de conluio, a prática é tida como legal nos
Estados Unidos”. Ainda na opinião da mesma especialista, a ausência de combinação
prévia também afastaria a ilicitude da prática (O cartel, Revista de direito econômico,
21/45). V., também, Keith Hylton, Antitrust Law. Economic theory and common Law
evolution, p. 73 e ss.
42. Aqui, é importante notar que o art. 102 do Tratado sobre o Funcionamento da União
Europeia coloca como componente de sua hipótese normativa a existência de “acor-
do”, ou de “prática concertada” entre os agentes econômicos. Da mesma forma, nos
Estados Unidos, deve haver um “contract”, “combination” ou “conspiracy” entre
as partes. Porém, raramente uma prática concertada é documentada pelos agentes
econômicos, de sorte que sua prova é, por vezes, quase impossível. Para solucionar
essa questão, as cortes acabaram afirmando que a existência do acordo pode ser de-
duzida das próprias circunstâncias do caso, mas que não basta a mera semelhança
de comportamento para a condenação.
43. Sobre o paralelismo de ações, e o espectro de condutas que se encontra entre o
comportamento independente e a colusão, Black, Conceptual fondations of antitrust,
especialmente p. 184 e ss.
44. “[I]n most real markets, each market participant recognizes that its pricing decisions
will have an impact on and will draw a response from competitors. For such players,

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Acordos entre agentes econômicos 363

preço de venda, o que as conduziria a uma “guerra de preços” que tende não
ter vencedores.
Conscientes desse fato, os agentes econômicos simplesmente não di-
minuem seus preços, não “compram a briga”, porque sabem que isso não
os levará ao incremento de sua market share. Ao contrário, aumentam, de
forma “natural” os preços praticados, sem que qualquer pacto entre eles seja
estabelecido; os preços subirão em todo o mercado. Isso porque “[q]uando
oligopolistas reconhecem sua interdependência e diminuem a concorrência
nos preços, os resultados podem assemelhar-se àqueles de um monopolista,
procurando maximizar seu proveito”.
A constatação do fenômeno do paralelismo consciente traz um dos prin-
cipais problemas das autoridades antitruste nos dias de hoje: não é possível
a condenação dos agentes econômicos por terem agido de forma racional,
respondendo a estímulos do mercado, sem que tenham se lançado na prática
de qualquer ato ilícito.
Nos Estados Unidos, respeitado especialista em antitruste escreveu, em
1962, opinião que é seguida pela doutrina e pelas cortes daquele país até os
dias atuais:
“[C]onscious parallelism is devoid of anything that might reasonably
be called agreement when it involves simply the independent responses of a
group of competitors to the same set of economic facts – independent in the
sense that each would have made the same decision for himself even though
his competitors decided otherwise”.45
A Corte de Justiça Europeia, no julgamento do caso Materie Coloranti,
deixou clara a impossibilidade de condenação dos agentes pelo mero para-
lelismo de preços, embora este possa constituir forte indício da existência
de conluio:
“(...) ainda que o paralelismo de comportamentos não possa sozinho iden-
tificar uma prática concordada, ele pode constituir, todavia, um sério indício,
desde que leve a condições de concorrência que não correspondem àquelas
normais do mercado, considerando a natureza dos produtos, da entidade e do
número de empresas, e do volume do mercado considerado.”

output and pricing decisions are taken with an eye to what the competitive response
will be” (Sullivan e Grimes, The law of antitrust: an integrated handbook. Saint Paul:
West Group, 2000, 39).
45. Turner, “The definition of agreement under the Sherman Act: consious paralllism
and refusal to deal”, Harvard Law Review, 75:655 (1962).

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364 Os fundamentos do antitruste

“(...) cada produtor é livre para modificar como quer os próprios preços
e pode levar em conta, com tal fim, os comportamentos atuais os previsíveis
dos seus concorrentes”.46
A questão é que a prova da combinação entre os agentes econômicos é
difícil de ser obtida. Salvo alguns casos patológicos (ainda comuns no Brasil),
as empresas, sabedoras da ilicitude de sua conduta, não costumam produzir
documentos que a comprovem. Valendo-nos da expressão em língua inglesa,
no que tange às combinações, é difícil encontrar uma smoking gun; não se há
de esperar que o agente econômico lavre ata da reunião em que foi acertado o
aumento de preços entre os concorrentes.
A realidade demonstra, ainda, ser possível que empresas, na busca do
arrefecimento da competição, não deem lugar propriamente a um acordo
sobre determinada conduta, mas troquem informações e ajam de maneira tal
a catalisar a prática de comportamento orquestrado.47
É por essas razões que, para a condenação de agentes econômicos por
práticas colusivas, não basta o paralelismo de suas condutas.48 É necessário
que se comprove um “plus”, um elemento adicional 49 apto a demons-

46. Sentença da Corte de Justiça Europeia, de 14 de julho de 1972. Causa 48/69.


47. O art. 101 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia refere-se a esse tipo
de conduta como “prática concertada”. António Carlos dos Santos, Maria Eduarda
Gonçalves e Maria Manuel Leitão Marques quanto às práticas concertadas: “é uma
noção difícil de precisar. Não se exige nenhum acordo ou decisão conjunta, nenhu-
ma manifestação de vontade no sentido de criar laços jurídicos entre as partes, mas
exige-se algo mais do que uma conduta idêntica, mesmo se consciente, por parte
dos agentes, algo mais do que a existência de comportamentos paralelos num certo
mercado destituídos de qualquer vontade de agir em comum. Ou seja, o facto de uma
grande empresa estar em condições de impor uma política de preços a outras de menor
dimensão e de estas seguirem o preço daquela, ou de, num mercado oligopolista, as
empresas que o integram acabarem racionalmente por uniformizar comportamen-
tos, não significa, por si só, a existência de uma prática concertada. Esta exige que o
comportamento paralelo resulte de uma cooperação/concertação interempresarial
consciente, ou como diz o TJCE, de ‘uma forma de coordenação entre empresas que,
sem ter sido levada até à realização de uma convenção propriamente dita, substitui
conscientemente os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre elas’”
(Direito econômico, p. 345).
48. “Evidence of conscious parallelism or interdependence alone is not enough to war-
rant a finding of an agreement” (Sullivan e Harrison, Understanding antitrust and its
economic implications, p. 131).
49. Nessa linha, alguns autores afirmam que apenas o “paralelismo consciente plus”
seria condenável. O paralelismo consciente plus não é propriamente paralelismo

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Acordos entre agentes econômicos 365

trar que o comportamento dos agentes econômicos no mercado não foi


espontâneo.50-51

consciente, mas prática concertada, ou seja, o comportamento semelhante é acom-


panhado de elemento que comprova a conduta não espontânea dos agentes econômicos
no mercado.
50. Para Roberto Pardolesi: “Não há necessidade de aculturação economicista para cons-
tatar que a uniformidade do comportamento de sujeitos interdependentes (porque
atuam em mercado que, em virtude do restrito número de participantes, nega-lhes
o anonimato do modelo de concorrência perfeita) presta-se a ser ‘entendida’ como
pura racionalidade, que não traz nenhum tipo de malícia. Um rápido alinhamento
de preços ao sinal fornecido por uma empresa poderia ser, sim, fruto de concertação
a montante, mas também derivar de uma mudança objetiva dos custos relevantes
para toda a indústria, ou ainda da difundida convicção que o agente, a quem se deve a
iniciativa, tenha sido (...) um sensível intérprete das breves variações dos equilíbrios
de mercado. (...) Em outras palavras, não há necessidade de se comprovar o acordo,
mas não basta destacar a semelhança comportamental. Para dar o alarme, há neces-
sidade de um ‘quid pluris’, que se preste a projetar o paralelismo de conduta entre
empresas interdependentes como um mais do que provável concerto de vontades.
(...)” (Le intese orizzontali, AAVV, Diritto antitrust italiano, v. 1, p. 170).
51. Muitos autores costumam colocar o “dilema do prisioneiro” como metáfora para
explicar que os cartéis implicam resultado global mais econômico. Mário Henrique
Simonsen ilustra didaticamente o mencionado dilema: “Dois marginais, suspeitos
de um crime, são apanhados pela polícia e interrogados em celas separadas. Cada um
deles é abordado por um juiz, cujas ameaças e promessas estão acima de qualquer
suspeita, e que lhes diz: ‘confesse o crime, colaborando com a justiça, em seu próprio
interesse. Se ambos, você e seu parceiro, confessarem, cada qual pegará seis anos de
xadrez. Se um confessar e o outro não, o primeiro só pegará dois anos de cadeia, como
prêmio pela colaboração, o outro 10 anos, como punição pela mentira. É possível
que nenhum de vocês confesse e, nesse caso, a pena será de apenas quatro anos para
cada um. Mas pense, pois seu interesse é confessar’. (...) Para qualquer jogador, a pena
individual é menor confessando do que não confessando. Isso significa que ambos
confessarão, pegando cada qual seis anos de cadeia. Trata-se de um exemplo clássico
de conflito entre racionalidade individual e coletiva. Se fosse permitido um pacto irre-
vogável e irretratável entre os dois parceiros do crime, o melhor para ambos seria não
confessar e pegar apenas quatro anos de xadrez. O interrogatório em celas separadas
impede esse pacto, e a racionalidade individual condena ambos a seis anos de cadeia”
(Ensaios analíticos, p. 410). Pode-se concluir, juntamente com Mario Franzosi, que a
solução mais vantajosa, que assegura o resultado global mais econômico, é obtida (i)
imediatamente, com a adoção de uma prática concertada entre os agentes ou (ii) não
imediatamente, após uma série de tentativas e erros (Monopolio – Oligopolio – Concen-
trazioni, p. 19). Sobre essa questão e também sobre a posição das cortes americanas,
v. Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 159. Indispensável, ainda, a referência à
discussão travada entre Turner e Posner, explicada por Hovenkamp na mesma obra.

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366 Os fundamentos do antitruste

A mera coincidência de comportamentos não configura prova suficiente


para a condenação de agentes econômicos pela prática de cartel, porque essa
identidade pode decorrer de fenômeno “natural”, denominado “paralelismo
consciente” de conduta; é indispensável prova de que os agentes econômicos
não agiram de forma espontânea ao traçar suas estratégias de mercado.
Para facilitar a obtenção de provas da existência do cartel, a Lei Antitruste
prevê a possibilidade de celebração do chamado “acordo de leniência”, visando
a obter a cooperação, nas investigações, de partícipes do conluio. O art. 86
determina que “o CADE, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá
celebrar acordo de leniência (...) com pessoas físicas e jurídicas que foram
autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente
com as investigações e o processo administrativo (...)”. Em contrapartida,
extingue-se a ação punitiva da Administração Pública, ou reduz-se a penali-
dade aplicável de 1/3 a 2/3. Ademais, nos crimes contra a ordem econômica
e demais crimes relacionados à prática de cartel, a celebração do acordo de
leniência determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o
oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência (cf.
art. 87 da Lei 12.529, de 2011).
Não obstante estarem sendo empregados por nossas autoridades, dúvidas
há quanto à constitucionalidade dos acordos de leniência e a extensão de seus
efeitos no âmbito penal. Ademais, uma vez que a confissão premiada não tem
o condão de afastar pleitos de indenização ajuizados por terceiros, temem
os agentes econômicos que a admissão da participação no conluio possa ser
utilizada contra seus interesses, especialmente na esfera judicial, ou em juris-
dições estrangeiras.52

7.2.6. Uma constante exceção: os cartéis de exportação


É comum (e incentivado por vários governos) que os exportadores unam-
-se de forma a enfrentar a concorrência internacional e maximizar os benefícios
decorrentes da economia de escala. São os chamados “cartéis de exportação”.53-54

52. Sobre o programa de leniência brasileiro, v. Fernando de Magalhães Furlan, Questões


polêmicas em direito antitrustre, p. 141 e s.
53. A respeito da atuação dos cartéis de exportação, v. Maira Yuriko Rocha Miura, Os
cartéis de exportação na ordem jurídica brasileira. Uma visão de direito comercial,
dissertação de mestrado defendida em 31 de maio de 2010 na Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo – Largo de São Francisco. V., também, Bertho Condé,
Modificativos da teoria dos valores internacionais, Introdução ao estudo de comércio
internacional, p. 111-123.

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Acordos entre agentes econômicos 367

Os governos dos países de origem dos membros do cartel, com o escopo de


54

propiciar o fortalecimento de suas exportações, não aplicam a Lei Antitruste


para coibir esse tipo de ajuste.55-56
O incentivo aos cartéis de exportação pode ser atuado tanto pela não apli-
cação da Lei Antitruste, fazendo-se como se ela não existisse, quanto mediante
a concessão de isenções ou autorizações. Em ambos os casos, justifica-se a com-
placência governamental pelo fato de que os efeitos do cartel de exportação não
são sentidos no mercado interno, mas podem afetar estruturas e consumidores
estrangeiros, não protegidos pela Lei Antitruste nacional.57

54. Geralmente o mercado relevante geográfico a que pertencem os exportadores é aquele


nacional. Pode ocorrer, entretanto, que esse mercado relevante geográfico englobe
vários Estados, o que acontece com frequência nos casos de blocos econômicos.
55. Edmond Huysser traz vários exemplos para demonstrar que, em períodos de crise, os
cartéis de exportação são mais propícios à prática do dumping (Théorie et pratique du
dumping, p. 38). Sobre isenções para cartéis de exportação, v. Wolfgang Friedmann
e George Kalmanoff, Joint international business ventures, p. 245-246 (o autor, além
da legislação europeia, analisa a questão da aplicação do Sherman Act aos cartéis de
exportação anteriormente ao ano de 1982).
56. Não se pode deixar de referir a lição de Thomas Fritz: “If industrialized countries
really had an interest in tackling the impacts of international cartels they could
have done so already. Yet, in 1998 OECD members couldn’t reach agreement on
banning so-called ‘hard core cartels’. Instead, OECD countries merely agreed on a
set of non-binding recommendations against these severe abuses of market power
(OECD 2001:54). Furthermore, certain malpractices like export cartels are explici-
tely exempted from most OECD countries’ competition laws. While ignoring their
negative impacts on foreign markets, export cartels tend to be perceived as valuable
export promotion measures. As long as they don’t restrict competition at home,
Northern governments deny any reason to act. Developing countries, on the other
hand, suffer huge losses from such conspiracies. A report commissioned by the Word
Bank suggests that in 1997 developing countries imported US$ 81 billion of goods
which had been affected by price-fixing cartels. These goods represented 8,8% of
total imports in the poorest countries. According to that report, the real amounts
maybe even higher since only a small fraction of cartels can be revealed. In 1999
the US Department of Justice unveiled a spectacular conspiracy, the vitamin cartel,
involving several pharmaceutical companies from Switzerland, Germany, France,
Japan, and the US. During nine years this cartel allocated markets and fixed prices
for global vitamins sales, which in 1999 reached US$ 2 billion. Since then, dozens of
lawsuits have been filed and, for instance, Hoffman-La Roche was convicted to pay
US$ 500 million, the largest criminal fine in the US” (The wrong forum: competition
policy in the WTO).
57. Tanto é assim que os cartéis de exportação acabam por perder suas isenções se os
efeitos da prática se fazem sentir no mercado nacional. Cf. United States v. United

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368 Os fundamentos do antitruste

Nos Estados Unidos, o texto do art. 1.º do Sherman Act não deixava dúvidas
quanto à sua incidência também sobre os cartéis de exportação. Necessitava-se
da criação de válvula de escape que permitisse ao governo proteger as associa-
ções entre exportadores.58
Buscando a introdução de mecanismo seguro e que não dependesse da boa
vontade do Poder Judiciário, o Congresso norte-americano editou, em 1918,
o Webb-Pomerene Act,59 concedendo isenções a acordos e práticas colusivas de
empresas, reunidas em associações, com o escopo único de comerciar com o
exterior.60
Em 1982, o mesmo Congresso editou o Export Trading Company Act,
aprimorando a sistemática existente e deixando claro que a Lei Antitruste
norte-americana protege, apenas e tão somente, exportadores e consumidores
norte-americanos,61 estando, portanto, isentados os cartéis de exportação.
No Brasil, sem qualquer sombra de dúvidas, os cartéis de exportação são
passíveis de autorização com base no art. 88 da Lei 12.529, de 2011. No entan-
to, a complacência expressa e pública da autoridade nacional pode mostrar-se
inconveniente para as empresas participantes, a quem não interessa admitir
que agem de forma concertada perante governos estrangeiros.
7.3. Acordos verticais: a proteção da concorrência entre não concor-
rentes
Ao envolver agentes econômicos que atuam em estágios diversos da
mesma cadeia de produção/comercialização, os acordos verticais colocam-se

States Alkali Export Assn. – 86 F. Sup. 59 (SDNY 1949), referido por Areeda e Kaplow,
Antitrust analysis, p. 161.
58. Cf. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 160.
59. Sobre o Webb-Pomerene Act e sua reduzida aplicação, cf. Posner e Easterbrook, An-
titrust, p. 77.
60. Aqui, não se trata da aplicação da regra da razão, pois o Congresso norte-americano
editou lei que concede isenção a determinadas práticas.
61. O Export Trading Company Act permite ao Secretário de Comércio norte-americano,
com a concordância do Procurador-Geral (Attorney General), a concessão de verdadei-
ras e próprias isenções, corporificadas em certificados dos quais consta que a prática
(i) não prejudica a concorrência no mercado norte-americano; (ii) não restringe as
exportações de qualquer concorrente norte-americano; (iii) não altera, de forma não
razoável, os preços do produto exportado praticados no mercado interno; e (iv) não
consubstancia ato de concorrência desleal entre os exportadores. Os exportadores
assim isentados são imunes à condenação em ações cíveis e criminais, cuja causa de
pedir seja o descumprimento do Sherman Act, a menos que descumpram qualquer
um dos quatro requisitos necessários à concessão da isenção.

8004.indb 368 21/06/2018 13:33:14


Acordos entre agentes econômicos 369

como alternativa ao processo de concentração de empresas, pois, com a cele-


bração do acordo, cada um dos agentes mantém isolado seu centro de poder, ao
contrário do que ocorreria na concentração, em que um partícipe (ou ambos)
perde sua autonomia.62 De qualquer forma, a atuação conjunta das empresas
é capaz de causar, nos mercados envolvidos, praticamente os mesmos efeitos
que derivariam de prática concentracionista,63 especialmente se o prazo de
vinculação for longo.
Não é necessária a existência de relação direta de concorrência entre os
agentes econômicos para que o acordo recaia no âmbito de aplicação da Lei
Antitruste. Nesse sentido, diz-se que a Lei Antitruste disciplina a “concorrência
entre não concorrentes”, ou, nas palavras de Shieber, trata de “acordos entre
empresas não concorrentes em restrição da concorrência”.64

62. John Kenneth Galbraith adverte que os acordos verticais, quando possibilitam o
controle do abastecimento, são medidas de “proteção elementar”, pois diminuem
a “grande e incontrolável incerteza” quanto ao preço da matéria-prima (O novo
estado industrial, p. 33). Na mesma linha, E. A. G. Robinson (A indústria em regime
de concorrência, p. 141 e ss.) afirma que a integração vertical, frequentemente, é
resultado da busca de segurança. Classifica as integrações verticais em “para frente”
e “para trás”. As primeiras visam “garantir mercados e escoadouros para a produção
da parte dominante da integração” e são comumente formadas “em épocas em que a
capacidade de produção supera o consumo, pois seu objetivo é o controle de certos
mercados”. Já a integração “para trás” assegura o abastecimento de matérias-primas
e “se forma principalmente nas fases de bons negócios, já que existem para evitar que
os proprietários de fontes de matérias-primas temporariamente limitadas explorem
as firmas consumidoras”. Robinson observa ainda que as vantagens asseguradas,
em épocas de preços altos, pelo controle das fontes de matérias-primas se anulam,
até certo ponto, nos períodos de preços baixos, “pelas perdas que representaria a
aquisição forçada de matérias de uma determinada fonte”.
63. Sobre a integração vertical, comentam Areeda e Kaplow: “A firm may be said to be
vertically integrated to the extent that it does for itself what otherwise could be done
by independent firms in the market-place” (Antitrust analysis, p. 507). A opção pela
integração, com a perda da autonomia entre as empresas, será, acima de tudo, uma
questão de análise da relação entre seu custo e benefício (p. 625).
64. “Ainda que os acordos entre empresas concorrentes em restrição da concorrência
sejam mais significantes do que os acordos entre não concorrentes, cuja função
normal é de restringir a concorrência, estes são também importantes. Estes, tanto
como aqueles, podem eliminar a concorrência no mercado. Assim, um acordo entre
um produtor e seus revendedores fixando o preço de revenda do produto que ele
fabrica elimina a concorrência entre os revendedores com respeito ao preço deste
artigo” (Benjamin Shieber, Abusos do poder econômico, p. 139). A restrição colocada
pelo art. 36, caput, da Lei 12.529/2011 diz respeito não apenas a acordo que possa

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370 Os fundamentos do antitruste

7.4. Contratos entre fornecedores e distribuidores. Restrições verti-


cais e seus tipos
Para desenvolver sua atividade, a empresa precisa obter insumos e escoar
sua produção. Ela mesma pode extrair a matéria prima de que necessita, assim
como vender diretamente a seus clientes. É o caso da fábrica de cosméticos
que mantém plantações dos componentes que utiliza e possui lojas próprias
para venda.
Considerando o contexto econômico em que se insere, bem como sua
estratégia de mercado, é possível que a empresa decida adquirir a matéria prima
de terceiros e/ou realizar a venda por meio de outros agentes. Nesta hipótese,
para dar concreção à sua estratégia econômica lançará mão dos chamados
acordos verticais.
Desde a perspectiva do direito contratual tradicional, os acordos verticais
assumem variados tipos,65 que podem ser agrupados conforme a semelhança
de sua função econômica, qual seja, viabilizar o escoamento da produção
(contratos da distribuição) ou o fornecimento de bens ou serviços (contratos
de fornecimento).
Na categoria dos contratos da distribuição, incluímos a concessão co-
mercial (ou contrato de distribuição stricto sensu), franquia, representação
comercial, comissão mercantil66-67 e outros.

prejudicar a concorrência entre os agentes econômicos que atuam em um mesmo


mercado relevante, mas sim a qualquer concorrência, independentemente de os par-
tícipes do acordo atuarem ou não no mesmo mercado.
65. Alguns previstos em textos normativos, outros apenas socialmente típicos. Sobre
a tipicidade social dos contratos, v. Paula A. Forgioni, Contrato de Distribuição,
capítulo 1.
66. Para a definição de cada um desses tipos, v. Paula A. Forgioni, Contrato de Distribuição,
p. 94 e ss.
67. É preciso não confundir a expressão contratos da distribuição com contrato de distri-
buição. A primeira identifica determinada categoria de contratos cuja função econô-
mica é aquela de “organizzare e curare lo smercio dei prodotti di un fabricante in un
dato territorio” (Fabio Bortolotti, Concessione di vendita (contratto di), Appendice
al Novissimo Digesto Italiano, p. 222). Assim, os contratos da distribuição (categoria
econômica e não jurídica, segundo o mesmo autor) abrangem não apenas os contratos
de concessão comercial, como também os de representação e a comissão mercantil.
Roberto Baldi, por sua vez, define os contratos da distribuição como aquele “insieme
di quei rapporti con i quali intermediari professionisti collaborano in forma stabile e
continuativa con l’industriale per la distribuzione dei suoi prodotti, costituendo l’anello
di congiunzione tra il produttore ed il consumatore” (Il contrato di agenzia, p. 1). Já

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Acordos entre agentes econômicos 371

Para melhor adaptar a relação contratual às suas necessidades, os agentes


econômicos costumam apor determinadas cláusulas nos acordos verticais68,
conhecidas como restrições verticais.69 Para o direito concorrencial, as restri-
ções são estipulações contratuais geralmente inseridas nos acordos verticais70 que
restringem a liberdade de atuação do distribuidor ou do fornecedor. As restrições
verticais mais comuns são:
(i) exclusividade, mediante a qual uma parte (ou ambas) obriga-se a não
contratar com terceiros o mesmo objeto do negócio que mantém com a outra;
(ii) divisão territorial, de forma a garantir que cada um dos distribuidores
de determinado produto seja o único a comerciar bens da mesma marca em
determinada região ou com determinados clientes;
(iii) restrições sobre preços de revenda (ou resale price maintanance – RPM),
ou seja, cláusulas que visam a proporcionar, ao fabricante, certo controle sobre
os preços praticados pelos distribuidores;
(iv) vendas casadas, i.e., estipulações que obrigam os distribuidores a
adquirir bens e serviços de forma vinculada; e
(v) concessão de descontos de fidelidade, metas, bonificações e outros
incentivos aos distribuidores, visando a aumentar as vendas de determinado
fornecedor, em detrimento de seus competidores.

o contrato de distribuição coincide com a concessão comercial sendo, portanto, um


dos contratos da distribuição. Desta forma, o contrato de distribuição (= concessão
mercantil) é um dos tipos dos contratos da distribuição, ou seja, que viabilizam o es-
coamento da produção dos agentes econômicos baseada em vendas indiretas.
68. Essas cláusulas são “socialmente típicas”, porquanto largamente empregadas nos
negócios empresariais. Sobre o tema, v. Paula A. Forgioni, Contratos empresariais.
Teoria geral e aplicação, p. 50 e s.
69. Para resumo dos diferentes sentidos em que as expressões “integração vertical”,
“restrição vertical”, “concentrações verticais” assumem na literatura especializada, v.
Paulo Furquim de Azevedo, Integração Vertical e Outros Arranjos: Polêmica e Esque-
cimento na Defesa da Concorrência, Anais do XXVI Encontro Nacional de Economia,
p. 481 e s. Importante é a observação feita pelo autor, que não pode ser perdida de
vista: a “confusão terminológica não é, no entanto, gratuita. Ela reflete as diferenças
de abordagem das correntes da literatura, em alguns casos, e a complementaridade
da análise proposta, em outras”.
70. Nessa ótica, Jorge Lobo explica que os contratos da distribuição têm ponto em co-
mum: “expandir a rede de distribuição de produtos e serviços em diferentes zonas
geográficas com reduzidos custos, a fim de propiciar ao industrial, ao comerciante
e ao prestador de serviços maior participação no mercado e maior rentabilidade”
(Jorge Lobo, Contrato de “franchising”, p. 1).

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372 Os fundamentos do antitruste

Muito empregadas no campo do direito contratual, as restrições verticais


podem causar impactos competitivos relevantes e, nessa medida, são objeto
de preocupação do direito antitruste.
Em que pese à passionalidade do debate, é inegável que os acordos ver-
ticais não são benéficos ou deletérios a priori. Sua análise sob o prisma da Lei
12.529/2011 exige que sejam sopesados prós e contras. Vejamos alguns dos
principais desdobramentos dessas restrições, cuja ponderação é indispensável
à caracterização da incidência (ou não incidência) do art. 36, caput, da Lei
Antitruste.

7.4.1. Efeitos pró-concorrenciais dos acordos verticais


Ao analisar os efeitos das práticas antitruste, devemos identificar os
mercados em que serão sentidos. No caso dos acordos verticais, poderá ha-
ver impacto em, pelo menos, três níveis (i) aquele do produtor do bem ou
serviço, (ii) dos distribuidores, ou ainda (iii) dos fornecedores de bens para
o produtor.71
Ainda para a compreensão dos efeitos concorrenciais dos acordos verticais,
distingue-se a competição entre marcas (interbrand competition) daquela intra-
marca (intrabrand competition). A primeira estabelece-se entre os fabricantes/
fornecedores dos produtos e a segunda entre os vários distribuidores de uma
mesma marca. Por exemplo, pensemos em três redes de fast food da cidade de
São Paulo e que estruturam suas redes em contratos de franquia:
Discute-se em que medida acordos verticais geram consequências bené-
ficas para a economia, capazes de suplantar a restrição à concorrência a que
dão origem. Trata-se de assunto dos mais polêmicos em antitruste, sendo que
nem a doutrina e tampouco a jurisprudência encontram-se perto de consenso
sobre a conveniência ou não desses pactos.72

71. Ernest Gellhorn, Antitrust law and economics in a nutshell, p. 343.


72. Fox e Sullivan asseveram: “For many years vertical contractual restraints were se-
riously suspect and often condemned outright under the antitrust laws. Analyzed
most commonly under Section 1 of the Sherman Act and Section 3 of the Clayton
Act, and occasionally, if monopolistic, under Section 2 of the Sherman Act, vertical
restraints were condemned as instruments for limiting entrepreneurial freedom,
exploiting customers, and excluding small sellers from free and open access to
markets. More recently, the intellectual tide has turned. As we near the end of
the twentieth century and as Chicago School economics permeates discourse, a
new and simple conception of vertical restraints has taken hold in many quar-
ters, namely: if the restraint is vertical it must be efficient and it must be good for
consumers. As society has become more solicitous of the needs of established

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Acordos entre agentes econômicos 373

De uma parte, colocam-se aqueles que veem nos acordos verticais prejuízos
para a concorrência e para o sistema tão perniciosos quanto os dos acordos
horizontais,73 na medida em que neutralizam a competição entre os distribui-
dores de um mesmo produto (intrabrand competition) e fecham oportunidades
de mercado.74 De outra, alega-se que não se pode perceber, nos acordos verti-
cais, efeitos restritivos iguais aos produzidos pelos cartéis,75 pois fomentam a
concorrência entre os produtores (interbrand competition).
No que diz respeito aos efeitos sobre a concorrência provocados pelos
acordos verticais, devemos levar em conta duas ordens de questões: esse tipo
de acordo pode restringir a concorrência entre os agentes econômicos distri-
buidores de um mesmo bem ou serviço (intrabrand competition) e, ao mesmo
tempo, fomentar a concorrência no mercado relevante em que atua o produtor
(interbrand competition). Os acordos verticais acabariam por trazer benefícios
e não prejuízos para a concorrência, já que: (i) implicariam redução de custos
na distribuição (inclusive economia dos chamados “custos de transação”),76
viabilizando economias de escala; (ii) facilitariam a entrada de novos agentes
econômicos no mercado de distribuição, pois permitiriam o retorno do in-
vestimento efetuado; (iii) impediriam a atuação de free riders; (iv) evitariam
a concentração dos distribuidores, de forma a não permitir que aqueles mais
agressivos acabassem por incorporar outros, causando um indevido grau
de concentração no mercado; (v) permitiriam a preservação da imagem do

business, the law has changed to be more hospitable to vertical restraints” (Cases
and materials on antitrust, p. 522). V., também, Damien Geradin e Caio Mario da
Silva Pereira Neto, For a rigorous “effect-based” analysis of vertical restraints
adopted by dominant firms: an analysis of the EU and Brazilian competition law,
disponível em: [http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2173735].
Acesso em: 13.02.2013.
73. Handler, Blake, Pitofsky e Goldschmid, Trade regulation, p. 573.
74. Para a Comissão Europeia “[n]a maior parte das restrições verticais só poderão surgir
problemas em matérias de concorrência se existir uma concorrência insuficiente
num ou mais estádios da actividade comercial, ou seja, se existir um certo grau de
poder de mercado a nível do fornecedor ou do comprador ou a ambos os níveis”
(Orientações relativas às restrições verticais, de 2010, item 23).
75. Cf. Roberto Pardolesi, Intese restrittive della libertà di concorrenza, Diritto antitrust
italiano, p. 244-245.
76. Para explicação da teoria dos custos de transação, v. Paula A. Forgioni, Contrato de
distribuição, p. 306 e ss.; Calixto Salomão Filho, Direito concorrencial. As condutas,
p. 28 e ss.; e Jorge Fagundes e João Luiz Pondé, Economia institucional: custos de
transação e impactos sobre a política de defesa da concorrência, principalmente
p. 161-168.

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374 Os fundamentos do antitruste

produto; e (vi) eliminariam a “dupla marginalização”, ou seja, a elevação de


preços quando ambos, fornecedor e distribuidor, conseguem impor preços de
monopólio aos adquirentes.77-78
Principalmente os autores da Escola de Chicago costumam repisar as
vantagens trazidas pelos acordos verticais, chegando a advogar a que seriam
sempre lícitos (licitude per se).79 Valem-se de toda a argumentação exemplifica-
da no parágrafo anterior mas, sobretudo, frisam a economia dos custos de tran-
sação, a nocividade dos free riders e a necessidade de preservação da imagem
do produto.

77. Em 1950, Joseph Spengler observava que a Suprema Corte norte-americana


parecia seguir na estrada de tratar os acordos verticais como ilícitos per se. Por
isso, considerando um monopólio bilateral, chamou a atenção para uma função
benéfica que os acordos verticais são capazes de assumir, ao eliminar a dupla mar-
ginalização que vem à luz quando ambos os agentes conseguirem impor preços
de monopólio ao[s] adquirente[s]. Sempre que detiverem certo grau de poder de
mercado, o produtor e o distribuidor imputarão, cada qual, sua margem aos seus
custos respectivos. Essa dupla imposição, chamada pela doutrina especializada
“dupla marginalização”, decorre do fato de que cada um dos agentes econômicos
tende a tomar isoladamente suas decisões sobre os preços que praticará, sem
considerar o impacto para as atividades de seu parceiro vertical. Assim, o preço
tenderá a ser demasiadamente elevado, ou seja, superior àquele que maximizaria
os lucros conjuntos do produtor e seus distribuidores. Segundo muitos economistas,
a maneira mais fácil de eliminar esse fenômeno é a integração vertical. Por isso,
admite-se que certas restrições verticais, como a imposição do preço máximo de
revenda, contribuam para a solução desse problema. [Vertical integration and
antitrust policy, 347].
78. A respeito da motivação para a celebração de acordos verticais, cf. Areeda e Kaplow,
Antitrust analysis, p. 630 e ss.
79. Praticamente todos os autores que tratam, ainda que brevemente, da disciplina
dos acordos verticais expõem, ao mesmo tempo, suas vantagens e desvantagens.
Citamos, pela clareza da exposição, Handler, Blake, Pitofsky e Goldschmid, Trade
regulation, p. 572. Veja-se também Ross para comparação das escolas de Harvard e
Chicago (Principles of antitrust law, p. 225 e ss.). Se quisermos resumir a posição da
Escola de Chicago podemos nos valer das contundentes palavras de Bork: “Antitrust’s
concern with vertical mergers is mistaken. Vertical mergers are means of creating
efficiency, not injuring competition” (The antitrust paradox, p. 226). Roger Van den
Bergh aponta o estudo de Telser, Why should manufactures want fair trade, como
o início da contestação da ilicitude dos acordos verticais pela Escola de Chicago
(Introduzione – L’analisi economica del diritto della concorrenza, Diritto antitrust
italiano, p. 24-25). V. também P. W. Andrews sobre RPM (On competition in economic
theory, p. 127 e ss.).

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Acordos entre agentes econômicos 375

7.4.2. Acordos verticais e economia dos custos de transação


Os acordos verticais podem ser benéficos para o fluxo de relações econô-
micas na medida em que diminuem os custos de transação. Essa assertiva, tão
simples para os economistas, carece de decodificação jurídica.80
As primeiras indagações que forçam a reflexão sobre os custos de transação
podem ser assim resumidas: se os mercados funcionam tão bem e asseguram
o fluxo econômico, como pregam os economistas clássicos, por que existem
empresas? Por que existem entes que organizam fatores de produção? Por
que as empresas vinculam-se entre si, estabelecendo vínculos estáveis? Essas
questões foram abordadas por Ronald Coase em 1937. Para ele, a realização
de transações econômicas implica custos (custos de transação ou transaction
costs), que variam segundo a natureza da própria operação e a forma mediante
a qual é organizada. Em suma, os custos de transação são os gastos para se va-
ler do mercado.81 Afirma Coase em seu trabalho de 1960, retomando as lições
expostas em 1937:
“Para realizar uma transação no mercado, é necessário descobrir quem está
disposto a contratar, informar as pessoas que se quer contratar e os termos dessa
contratação, conduzir as negociações, barganhar, redigir o contrato, fiscalizar
para ver se os termos do contrato estão sendo cumpridos e assim por diante”.82
Ora, negociar traz custos e a tendência natural do agente econômico é
adotar o procedimento de transação que mais os reduza.83 O uso do merca-
do pode ser caro; lidar com outras pessoas envolve riscos e gastos, que são
inversamente proporcionais às informações detidas sobre a contraparte.84

80. Cf. Paul Milgrom e John Roberts, Economics, organization and management. Para
os juristas, é ainda de grande utilidade a obra Competitividade: mercado, Estado e
organizações, de Elizabeth Farina, Paulo Furquim de Azevedo e Maria Sylvia Mac-
chione Saes, que explica conceitos basilares para o entendimento dos contratos de
distribuição, como custos de transação e oportunismo.
81. Cf. Viscusi, Vernon e Harrington, Economics of regulation and antitrust, p. 221.
82. No original: “In order to carry out a market transaction, it is necessary to discover
who it is that one wishes to deal with, to inform people that one wishes to deal and on
what terms, to conduct negotiations leading up to a bargain, to draw up the contract,
to undertake the inspection needed to make sure that the terms of the contract are
being observed, and so on” (The problem of social cost, The firm, the market and the
law, p. 114).
83. V. Andy C. M. Chen e Keith N. Hylton, Procompetitive theories of vertical control,
p. 573.
84. Nas palavras de Hovenkamp: “Use of the market can be expensive. Negotiating costs
money. Dealing with other persons involves risk, and the less information one firm

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376 Os fundamentos do antitruste

Com base nas lições de Coase e Williamson, definimos custos de transação


como aqueles em que a empresa incorre mesmo antes de realizar o negócio
(ex ante costs) para encontrar o parceiro, conceber, negociar, minutar e blin-
dar o acordo, bem assim os custos posteriores (ex post costs) relacionados a
problemas e ajustes que vem à tona durante a vida do contrato por conta de
inevitáveis lacunas, erros, omissões e fatos que não foram antecipadamente
previstos pelas partes.85
Os principais custos de transação identificados pela doutrina especializada
em organização industrial são os seguintes:
(i) Custos de coordenação (coordination costs)
São os gastos derivados do estabelecimento do negócio e de suas condições
(tal como o preço, prazo, época de entrega), bem como da busca de parceiros
comerciais, incluindo as despesas inerentes à sua aproximação. Por exemplo,
em alguns mercados, o custo de coordenação corresponde ao desembolso
para obter informações sobre as preferências dos adquirentes, custos com
publicidade, propaganda, gastos para a tomada de decisões empresariais sobre
a determinação do preço do produto. Do lado do comprador, essas despesas
podem derivar do tempo gasto na procura do melhor fornecedor que lhe ofereça
o preço e as condições de pagamentos mais vantajosos.
(ii) Custos de motivação (motivation costs)
Os custos de transação relacionados à motivação podem ser classificados
em dois principais tipos: os ligados à assimetria e à falta de completude da infor-
mação, quando as partes não conhecem todos os dados relevantes e necessários
sobre a outra e sobre o negócio, e aqueles inerentes ao fato de que a parte, ao
assumir algumas obrigações e vincular-se à adoção de tal comportamento, pode
ser prejudicada pela atitude da outra. Paul Milgrom e John Roberts86 dão o se-
guinte exemplo de custos de motivação: um fabricante que, na ânsia de vender
seu produto, faz importantes adaptações na linha de produção para satisfazer
as necessidades específicas de certo comprador. O sujeito deve estar ciente de
que, uma vez executado o investimento de adaptação, o adquirente procurará

has about the other, the greater the risk”. (Federal antitrust policy, p. 372).
85. Na dicção de Williamson: “The ex ante costs of drafting, negotiating, and safeguarding
an agreement and, more especially, the ex post costs of maladaptation and adjustment
that arise when contract execution is misaligned as a result of gaps, errors, omis-
sions, and unanticipated disturbances; the costs of running the economic system”
(The mechanisms of governance, p. 379. V., também do mesmo autor, The vertical
integration of production: market failure considerations).
86. Economics, organization and management, p. 30.

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Acordos entre agentes econômicos 377

conseguir preços inferiores e outros benefícios. Esse fabricante encontrar-se-á


em posição enfraquecida que pode levá-lo a ceder aos pleitos do comprador.
Em tal situação, durante a contratação, ou haverá o abandono do negócio ou
recursos adicionais serão despendidos para proteger o adquirente do oportu-
nismo da contraparte. A busca de economia dos custos de transação é uma das
variáveis consideradas pelos agentes para determinar a estratégia empresarial
que adotarão e a formatação dos negócios a serem celebrados.
Algumas situações normais da vida empresarial geram ambiente pro-
pício à celebração de acordos de longa duração, com restrições verticais.87
Destaquem-se:
a) Tipo de investimento necessário à consecução da transação
A realização de muitas transações econômicas requer investimento espe-
cífico a fim de atender às necessidades da contraparte. São os chamados custos
idiossincráticos que, quando presentes, costumam implicar a celebração de
contrato que busca proteger a parte que efetua o investimento (desde que o
agente econômico possua poder de barganha para tanto).88 Um dos sujeitos tem
interesse na vinculação do outro a um contrato de prazo estendido, para poder
amortizar os gastos incorridos na viabilização do negócio;89
b) Frequência e duração da transação
Quando transações similares ocorrem frequentemente entre as mesmas
partes, pode ser conveniente a introdução de rotinas que as tornem menos custo-
sas. Além do mais, sujeitos de um relacionamento comercial longo inclinam-se

87. Enuncia Coase, em 1960, que “[b]ut where contracts are peculiarly difficult to draw
up and an attempt to describe what the parties have agreed to do or not to do (...)
would necessitate a lengthy and highly involved document, and where, as is proba-
ble, a long-term contract would be desiderable, it would be hardly surprising if the
emergence of a firm or the extension of the activities of an existing firm was not the
solution adopted of many occasions to deal with the problem of harmful effects”
(The problem of social cost, The firm, the market and the law, p. 116). Isso remonta à
lição de 1937: “If one contract is made for a longer period instead of several shorter
ones, then certain costs of making each contract will be avoided” (The nature of the
firm, The firm, the market and the law, p. 39).
88. Com efeito, é bastante comum que o agente econômico mais necessitado da con-
tratação submeta-se às exigências do outro, aumentando o risco assumido com a
realização do negócio.
89. O Código Civil considerou esse aspecto, viabilizando a recuperação dos custos
incorridos na execução do contrato celebrado por prazo indeterminado em caso
de sua ruptura abrupta e imotivada (V., Paula A. Forgioni, Contrato de distribuição,
capítulo 12, p. 469 e ss.).

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378 Os fundamentos do antitruste

a conceder favores um ao outro, porque a perenidade do negócio geralmente


se reverte em prol de ambos.
Voltemos às lições de Williamson, para quem os mercados e as empre-
sas são instrumentos que podem ser usados para a realização de trocas. Ou
seja, no desenvolvimento de suas atividades, o agente econômico pode optar
entre (i) a solução interna ou (ii) a celebração de contratos (i.e., a interação
com outros agentes econômicos). A escolha dependerá da eficiência relativa
das opções, do sopesamento das vantagens e desvantagens de cada uma delas.
Williamson aproveita os ensinamentos de Coase sobre os custos de transação
e explica-nos porque os contratos podem apresentar-se como alternativa à
solução interna corporis.
De acordo com esse autor, o sistema possui uma eficiência relativa por
conta de fatores humanos e dos custos envolvidos na execução de contratos
complexos. A racionalidade condicionada (ou seja, a escassa capacidade da
mente humana de formular e resolver as complexas situações do mundo real) e
o comportamento oportunista (falta de lealdade nas relações comerciais) podem
representar risco ainda maior quando há poucos parceiros a serem escolhidos.
Algumas vezes, a estrutura interna da empresa é capaz de evitar esses proble-
mas (custos de transação), em razão da hierarquia e de outros elementos da
organização/administração empresarial. Em consequência, a solução interna
corporis será mais conveniente do que a contratual.90
Mas os contratos podem ter por efeito a economia desses custos. As
restrições (como exclusividade, imposição de preços de revenda, limitação
territorial etc.) apostas em acordos verticais podem significar uma forma de
viabilizar a solução externa, mediante a celebração de contratos com outros
agentes econômicos. A celebração de um negócio com terceiros mostrar-se-ia
proveitosa e eficiente.
Contudo, mesmo Williamson destaca os aspectos anticoncorrenciais
que podem decorrer das restrições verticais associadas ao poder de mercado.91
Circunstâncias que combinem restrições verticais com domínio do fabricante ou do
adquirente devem ser tratadas com cautela, ainda que haja economia dos custos
de transação.

90. Coase demonstrara a importância da empresa na organização dos fatores de produ-


ção, contestando a pressuposição difundida pelos economistas de que a lógica dos
preços regeria todas as relações econômicas ou que o sistema econômico funcionaria
sozinho (isto é, a crença de que “[t]he economic system ‘works itself’”). O empresário
coordenador (the entrepreneur-coordinator) seria uma island of conscious power (The
nature of the firm, parte I, The firm, the market and the law).
91. Sullivan e Grimes, The law of antitrust, p. 293.

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Acordos entre agentes econômicos 379

Resumindo, se o agente econômico reconhecer que o sistema de vendas


diretas não lhe é o mais conveniente, a busca da economia dos custos de tran-
sação tende a conduzi-lo à celebração de acordos com restrições verticais. Por
esse motivo, explica Roger Van den Bergh que, “por meio dos acordos desse
tipo, os custos resultam mais baixos do que em situações de independência
entre atacadistas e revendedores; o grau de eficiência aumenta, portanto”.92
Ou, como esclarecem Posner e Easterbrook, expoentes da Escola de Chicago, a
integração vertical pode ser uma fonte de economia de custos. Uma empresa in-
tegrada verticalmente poupa na medida em que não precisa, a todo o momento,
empenhar-se para encontrar, negociar e executar contratos com fornecedores;
essa mesma empresa pode alcançar eficiências técnicas estabelecendo-se nas
proximidades de sua parceira comercial, reduzindo o risco de comportamen-
tos oportunistas. Diante de incertezas sobre a quantidade de insumos de que
necessitará, por meio de acordos verticais pode garantir o fornecimento de
suas necessidades ordinárias, valendo-se de compras esporádicas no mercado
apenas diante de situações imprevistas.93
Vê-se, portanto, que o propósito de redução dos custos de transação é um
dos principais motivos que conduz o agente econômico a estabelecer o tipo de
relação jurídica típica dos acordos verticais. A racionalidade da celebração do
negócio está, de fato, no alcance da economia de custo de transação que não seria
possível se fossem realizadas compras e vendas apartadas, sem vínculo estável
entre as partes.
7.4.3. Acordos verticais e coibição da atuação de free riders
O sistema jurídico procura impedir que um agente econômico aposse-se
indevidamente da vantagem competitiva desenvolvida por outro, para que as
empresas tenham incentivos para aprimorar seus produtos ou seu processo
de produção/comercialização.94

92. Introduzione – L’analisi economica del diritto della concorrenza, Diritto antitrust
italiano, p. 37.
93. “Vertical integration is a potential source of substantial cost savings. An integrated
firm saves the costs of finding, negotiating and enforcing contracts with suppliers
(...); it can achieve technical efficiencies by locating productive facilities close to one
another (...) at reduced risk of opportunistic behavior (...). Because the demand for
a firm’s output may be uncertain, so may its demand for inputs, and it may be able to
economize on input costs by acquiring facilities to supply its ordinary needs, going
into the market only for unexpected purchases of inputs” (Antitrust: cases, economic
notes and other materials, p. 869).
94. Essa afirmação, contudo, deve ser tomada com reservas. V., neste livro, comentário
sobre a relação entre a propriedade industrial e o direito da concorrência.

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380 Os fundamentos do antitruste

Pensemos em um distribuidor que efetue investimentos para incremen-


tar suas atividades, adquirindo ponto comercial conveniente e treinando
seu pessoal para as vendas. Essas providências aumentam seus custos com a
distribuição e fazem com que o preço do produto oferecido ao consumidor
seja mais elevado. Imaginemos outro distribuidor, com ponto comercial na
periferia da cidade, sem qualquer infraestrutura e que se utiliza da mão de obra
mais barata disponível no mercado, não oferecendo qualquer tipo de preparo
ao seu pessoal. As pessoas que trabalham naquele estabelecimento não são
capazes, sequer, de demonstrar o produto de maneira satisfatória, convencendo
o consumidor a adquiri-la.
Muito provavelmente, os potenciais compradores conhecerão o produto
no primeiro estabelecimento, convencer-se-ão de suas vantagens, aprende-
rão como utilizá-lo. Mas o comprarão do outro distribuidor (free rider), que
vende mais barato, pois que não deve suportar custo fixo tão elevado como o
primeiro distribuidor.95
A teoria do free rider, complementada pela alegada necessidade da ma-
nutenção da qualidade do produto (obtida, também, mediante a imposição
de vendas casadas), é utilizada na justificação econômica dos contratos de
franquia, bastante tolerados pelas autoridades antitruste. No que tange à ne-
cessidade de se manter a imagem de prestígio ou luxo de um produto, insiste-se
no direito da empresa de atuar em determinado mercado relevante [“nicho”],
que é seu alvo, composto por consumidores ditos “sofisticados” e de maior
poder aquisitivo. A manutenção do preço elevado implica a preservação da aura
de luxo trazida pelo produto. Não há, dessa forma, interesse mercadológico
em permitir, pela redução do preço, o acesso de certo extrato da população ao
bem comercializado.96

7.4.4. Efeitos anticoncorrenciais das restrições verticais


7.4.4.1. Fechamento do mercado
O escoamento da produção é vital para o desenvolvimento da empresa;
preço e qualidade pouco ou nada significam se não houver a venda do produto.
A partir do momento em que o distribuidor vincula-se a um só fornecedor,
comercializando apenas uma marca, os concorrentes desse fabricante podem

95. O exemplo é dado por E. Thomas Sullivan e Jeffrey L. Harrison, Understanding anti-
trust and its economic implications, p. 150, e, também por Ross, Principles of antitrust
law, p. 225.
96. Cf. D. G. Goyder, EC competiton law, p. 271.

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Acordos entre agentes econômicos 381

perder importante canal de escoamento da sua produção.97 Os principais efeitos de


algumas restrições verticais como a exclusividade far-se-ão sentir no chamado
mercado entre marcas. É a hipótese do fabricante de refrigerantes que detém
poder econômico a ponto de impor aos supermercados cláusula de exclusivi-
dade ou acordar a utilização prioritária de todas as gôndolas disponíveis: seu
concorrente não conseguirá escoar a produção. É certo que, nessa hipótese,
poder-se-ia alegar que as bebidas também são vendidas a restaurantes, bares
e similares (alargando-se, dessa forma, o mercado relevante); mas é fato que
um grande canal de distribuição seria fechado, prejudicando o desempenho
das atividades comerciais dos outros produtores. É esse tipo de fenômeno que se
tem em mente ao afirmar que a restrição vertical (no caso, a exclusividade) pode,
em potência, fechar o mercado aos concorrentes (ou “foreclosure the market”,
em língua inglesa).98-99
Ascarelli já advertia que a contratação da exclusividade não visa a disci-
plinar a concorrência entre as partes, mas a impedir que uma ou todas prestem
serviços ou forneçam a terceiros. O impacto concorrencial deriva da obstrução
do acesso aos produtos, serviços ou canais de distribuição pelos agentes eco-
nômicos que não participam do contrato.100
Por isso, diz-se que o prejuízo à concorrência (atual ou potencial) será
diretamente proporcional à parcela de mercado cooptada pelo fabricante (i.e.,
do efetivo fechamento dos canais de distribuição ao concorrente).
Mais recentemente, autores apontaram situações em que o bloqueio dos
canais de escoamento, ainda que não efetuado por empresa dominante, pode
ser prejudicial à concorrência. Havendo obstrução, os “remanescentes” enfren-
tariam grau de concorrência menor com a saída daquele verticalmente integrado
(i.e., capturado pela cláusula de exclusividade) e, portanto, aumentariam seus
preços. Exemplificando: supomos um mercado com três agentes econômicos,

97. É preciso considerar, como faz Diane Wood, que “all contracts exclude somebody”.
Se B decide comprar de um determinado produtor A, outros agentes não terão acesso
àquela quantidade transacionada (International competition policy advisory committee
– Hearings).
98. “Foreclosure occurs when vertical integration by one firm denies another firm access
of the market” (Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 382).
99. A obstrução do mercado também pode advir de outras práticas relacionadas aos con-
tratos de distribuição, como as vendas casadas. Por todas, a explicação de Sullivan e
Grimes (The law of antitrust, p. 382): “(...) foreclosure restraints, such as tie-ins and
exclusive dealing, directly preclude competitors from making sales to a buyer, who
is required not to deal in certain products of rival sellers as a condition of sale”.
100. Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, p. 64-65.

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382 Os fundamentos do antitruste

cada qual detentor de um terço de market share. Se um deles for vinculado a


uma cláusula de exclusividade, os outros dois ficarão expostos a nível menor de
concorrência e poderão aumentar os seus preços.101 Os competidores potenciais
da empresa integrada deverão encarar custos maiores para entrada ou perma-
nência no mercado. Nessa linha, um agente econômico, temendo o ingresso
de novos players, buscará firmar contratos de exclusividade por prazos longos
que forçarão o aumento de custos da possível entrada, desestimulando-a ou
tornando-a menos eficiente.102
Outra linha doutrinária alega que os contratos que encerram restrições
verticais não seriam tão prejudiciais à concorrência porque possuem prazo
limitado. No entanto, é comum que esse tipo de vínculo protraia-se por muitos
anos e, nessa medida, o prazo da restrição assume relevância para que possamos
avaliar seus impactos anticoncorrenciais. Outro argumento favorável é no sentido
de que, ao contrário do que ocorre nos casos de concentrações, nos acordos
verticais o fornecedor não consegue governar todos os aspectos da vida econômica
do distribuidor. Sabe-se, no entanto, que o poder do fornecedor muitas vezes
leva-o a deter considerável controle sobre o concessionário (que se encontra
em posição de dependência econômica), ainda que não tenha ocorrido a formal
perda de autonomia dos centros decisórios.103-104

101. Ademais, a diminuição do número de agentes disponíveis poderá facilitar a formação


de cartel.
102. Philippe Aghion e Patrick Bolton Contracts as a barrier to entry, The American Eco-
nomic Review 77:388, 1987, p. 388.
103. A prática brasileira traz exemplo jurisprudencial administrativo enriquecedor para
o estudo da cláusula de exclusividade, no caso que ficou conhecido como Directv,
julgado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE – em junho de
2001. Grosso modo, a Rede Globo de Televisão permitia que apenas uma TV fechada
(SKY), com quem mantinha contrato de exclusividade, transmitisse o seu sinal.
A Directv, concorrente da SKY, sentiu-se prejudicada e representou contra a Rede
Globo, acusando-a de abuso de posição dominante e recusa de contratar. No caso,
era crucial determinar se o bem (programação da Rede Globo) seria uma facilidade
essencial sem a qual as outras televisões fechadas estariam condenadas a perder o
jogo concorrencial. Conforme comprovado nos autos, um assinante da Directv po-
deria ter acesso à programação da Rede Globo pela TV aberta, mudando a posição de
uma chave em sua televisão. Já os assinantes da SKY receberiam a imagem da Globo
sem a necessidade de tal “esforço” e com uma qualidade de transmissão que se dizia
melhor. O acordo de exclusividade entre Globo e SKY estaria fechando o mercado de
forma indevida, impedindo a atuação do agente econômico excluído (Directv)? O
voto de vista do então Conselheiro Celso Campilongo centra a análise nos impactos
anticoncorrenciais da conduta, destacando que no “mercado DTH, as operadoras
concorrem entre si, essencialmente, com base em dois elementos, quais sejam o

8004.indb 382 21/06/2018 13:33:14


Acordos entre agentes econômicos 383

7.4.4.2. O aumento dos custos dos concorrentes


104

Um mercado em que os distribuidores estejam ligados a restrições


verticais pode significar o aumento de barreiras à entrada de novos agentes,

preço da assinatura e o pacote de canais e serviços oferecidos ao assinante. A oferta da


programação da Globo pela SKY, a uma qualidade superior, sem necessidade de lidar
com mecanismos de ‘chaves’, é, justamente, um atrativo oferecido por tal prestadora
aos seus usuários”, ou seja, um instrumento concorrencial, um fator de diferenciação
que busca atrair consumidores. Portanto, nesse caso, a exclusividade foi encarada
como um elemento que incentivaria a concorrência entre as operadoras de TV a cabo
na busca da lícita captação de clientes. O mercado relevante, no caso, foi delimitado
pelo mesmo Conselheiro: “[E]ntendo que o mercado de origem (montante) deve
ser definido como programação para canais de televisão (TV aberta e TV fechada),
por considerar que a programação das TVs abertas e fechadas concorre entre si, e o
mercado alvo (jusante) como o de serviço de distribuição de TV fechada pelo sistema
DTH, uma vez que a estrutura e tecnologia empregada nesse sistema se diferencia,
em muito, dos demais sistemas de TV fechada”.
104. Ainda no âmbito administrativo, veja-se o voto do Conselheiro Roberto Augusto
Castellanos Pfeiffer no Processo 08012.009991/98-22, em que figuraram como
representante Participações Morro Velho Ltda. e como representado Condomínio
Shopping Center Iguatemi: “No caso dos acordos de exclusividade, os efeitos poten-
ciais anticompetitivos estão associados: (i) à implementação de condutas colusivas no
mercado ‘de origem’, quando são utilizados como instrumento de divisão do mercado
entre produtos substitutos; ou (ii) ao aumento unilateral do poder de mercado da
empresa que impõe a exclusividade, por meio do ‘bloqueio’ (market foreclosure) do
mercado e/ou aumento de barreiras à entrada no segmento de distribuição (ou de
fornecimento de insumos), o que pode resultar diretamente de cláusulas contratuais,
ou indiretamente por aumento de custos dos rivais. Os possíveis benefícios da prática
envolvem a economia de custos de transação, ao buscar a contenção de condutas
oportunistas em defesa de investimentos não recuperáveis, como em marcas e tec-
nologias, e na proteção de ativos específicos. Os efeitos potenciais anticompetitivos
e os possíveis benefícios da prática devem ser cuidadosamente ponderados numa
análise antitruste”. Debruçando-se sobre a cláusula de exclusividade imposta pelo
Shopping Iguatemi a alguns dos lojistas que ali se instalaram, concluiu o Conselheiro
que ela visara a atingir dois principais objetivos (i) permitir a cobrança de aluguel
elevado, evitando-se a concorrência decorrente da estratégia de expansão do lojista
para eventuais outros estabelecimentos e (ii) evitar a concorrência de outros shoppin-
gs, tornando-se diferenciado em relação a eles, criando um nicho em que se tornara
monopolista. “Se essa restrição vertical implicar algum grau de controle sobre as
estratégias de competição dos shoppings rivais, o Shopping Iguatemi poderá afetar
os custos de diferenciação dos concorrentes ou mesmo impossibilitar essa estratégia.
Essa capacidade de afetar os custos dos rivais ou de impossibilitar a diferenciação
constitui uma restrição à competição e um bloqueio à entrada de novos concorrentes”.

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384 Os fundamentos do antitruste

especialmente porque deverão incidir em elevados custos para instalar rede


alternativa de escoamento de produção.105 Pensemos, por exemplo, no siste-
ma brasileiro de distribuição de veículos automotores. É fato que um novo
entrante desse mercado teria, como uma das principais barreiras a transpor,
a construção de rede de concessionárias. Realmente, aqueles sujeitos que já
atuam no setor são exclusivos das montadoras aqui já estabelecidas e não po-
dem comercializar veículos novos de outras marcas. Igualmente, ao cooptar os
mais eficientes distribuidores, um fabricante pode obrigar seus concorrentes
a se valerem de concessionários que desempenham suas atividades de forma
não tão satisfatória.
Mas, em que medida tal efeito caracterizaria a exclusividade como anti-
competitiva? No nosso exemplo, a ilegalidade é afastada porque existe isenção
em bloco para a prática posta pela Lei Ferrari.106 Nos outros contratos de dis-
tribuição não subsumíveis a esse diploma, a resposta dependerá do impacto
anticoncorrencial do fechamento do mercado.
Hovenkamp anota que a elaboração da teoria do aumento dos custos
dos rivais (“raising rivals’ costs” – RRC) foi uma das maiores contribuições
da doutrina da era pós-Chicago. A motivação dos agentes econômicos para
adoção das práticas verticais mostra-se mais evidente (ou seja, plausível ou
racional) quando estas são encaradas como práticas tendentes a aumentar os
custos suportados pelos concorrentes e não simplesmente eliminá-los do mercado.

7.4.4.3. Restrições verticais e a facilitação de cartéis


Como vimos no início deste capítulo, alguns cartéis são naturalmente
instáveis em virtude da tentação de sua quebra pelos participantes, derivada
de diferenças dos custos de produção, elevado número de agentes a terem suas
atividades coordenadas, necessidade de elemento de coerção eficaz etc. Enfim,
a doutrina especializada, nas últimas décadas, debruça-se sobre os requisitos
para a estabilidade desses acordos, concluindo que sua criação e sua manu-
tenção são demasiadamente custosas na maioria dos casos.
As restrições verticais podem servir à solidez dos conluios na medida em
que diminuem o poder dos compradores de forçar os fabricantes a concorrerem entre
si. Por exemplo, tomemos um mercado em que os postos de gasolina sejam em
sua maioria “multimarcas”, revendendo produto de várias fornecedoras. Na

105. Valentine Korah e Warwick Rothnie anotam que a preocupação com o efeito raising
rivals’ costs é mais americana do que europeia (Exclusive distribution and the ECC
competition rules, p. 28).
106. Cf. Lei 6.729, de 1979, art. 3.º, § 1º, b.

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Acordos entre agentes econômicos 385

hipótese de cartel a montante, os postos podem ter condições de estimular a


concorrência, impelindo os fornecedores à quebra da avença. É o que ocorrerá
se obtiverem acordos individuais com a estipulação de termos mais vantajosos,
transgredindo as regras do cartel. Mas, se os postos forem exclusivos, essa pres-
são pró-concorrencial não existirá.107 Em suma, a exclusividade pode auxiliar
os competidores a superar obstáculos que normalmente enfrentariam para manter
o cartel e os preços acima dos níveis competitivos.108

7.4.4.4. A diminuição das opções do consumidor. Diminuição do grau


de concorrência no ponto de venda
Um dos pontos mais delicados das restrições verticais, em especial da
exclusividade – e ignorado por grande parte da doutrina norte-americana –
diz respeito à diminuição das opções do consumidor que dela pode derivar. Para
identificar esse efeito, é necessário examinar cuidadosamente o contexto de
cada mercado impactado pelo acordo vertical. Consideremos a seguinte hi-
pótese: as duas principais fabricantes de refrigerantes de certo país celebram
acordos de exclusividade com bares, restaurantes e similares, de forma que
cada uma deterá parcela significativa do mercado relevante. Nesse processo,
inicialmente deverá ser tomada decisão sobre a existência de um mercado
relacionado à venda de refrigerantes (ou bebidas em geral?) aos bares, restau-
rantes e similares ou se, ao contrário, deve-se incluir, no mesmo segmento, o
fornecimento para grandes atacadistas (por exemplo, supermercados). Feito
isso, impõe-se verificar qual o percentual de mercado “fechado” ou “capturado”
pelos acordos de cada marca e concluir sobre os impactos concorrenciais do
ato. Supondo que a grande maioria dos bares e restaurantes esteja vinculada à
cláusula de exclusividade, é inegável a redução do grau de escolha do consumidor.
Veja-se a observação da Comissão Europeia, em 1992, ao julgar a prática de
exclusividade imposta pela sociedade alemã Langnese-Iglo GmbH:109
“Os acordos de exclusividade restringem as opções do consumidor. Nos
locais de venda vinculados por esses acordos, o consumidor só encontra a gama
de gelados de um determinado fabricante. Mesmo quando, na proximidade do
local de venda vinculado, um outro local de venda (vinculado) propõe a gama
de produtos de outro fabricante, isso não constitui uma alternativa do mesmo
nível à variedade de escolha num único local de venda. Se, por um lado, essa
situação não constitui de modo algum a regra, por outro lado não é prático

107. O exemplo é de Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 432.


108. Pitofsky, Vertical restraints and vertical aspects of mergers – A U.S. perspective.
109. Processo IV/34.072.

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386 Os fundamentos do antitruste

para o consumidor ter que mudar de local de venda quando pretenda adquirir
determinados artigos incluídos noutras gamas de produtos. O consumidor
não optará por essa solução para satisfazer uma necessidade que se manifesta
sob a forma de impulso e não persistente”.110
Discute-se se, efetivamente, em virtude das restrições impostas aos ad-
quirentes, um viés anticoncorrencial macularia as cláusulas de exclusividade,
pois tal aspecto estaria mais ligado ao direito do consumidor do que ao direito
da concorrência. Nesse ponto, devemos lembrar que a limitação ao consumi-
dor somente será um ilícito antitruste na medida em que prejudicar a livre-
-concorrência ou a livre iniciativa. Muitos sustentam que, nessas hipóteses,
a concorrência entre as marcas não restaria prejudicada, porque se deslocaria
da competição “no ponto” de distribuição, para aquela “pelo ponto” de distri-
buição. No nosso exemplo dos refrigerantes, as duas marcas disputariam os
estabelecimentos privativos. Como quase sempre, em antitruste, não há uma
única resposta correta porque o impacto dependerá do mercado analisado.
De qualquer forma, a concorrência “no ponto” de venda (e não apenas “pelo
ponto” de venda) pode ser importante para o mercado, forçando competição mais
efetiva entre os produtores e impedindo-os de agasalharem-se em exclusividades
que têm por efeito o arrefecimento da concorrência e o levantamento de barreiras
à entrada de outros produtores.

110. Mais recentemente, v. o julgamento do caso C-549/10-C, julgado pela Corte de Justiça
europeia em 19 de abril de 2.012. A Corte confirmou a penalidade que a Comissão
impôs por abuso de posição dominante a empresa Tomra, detentora de mais de 70
% do mercado de máquinas para coleta de embalagens não descartáveis de bebidas
[“reverse vending machines”]. Na decisão da Comissão, entendeu-se que cláusulas
de exclusividade, na medida em que exigem dos adquirentes que adquiram toda ou
grande parte [“significant part”] de suas necessidades da empresa dominante, res-
tringem a concorrência na medida em que fecham o mercado aos competidores. Na
mesma linha, descontos oferecidos conforme a quantidade adquirida pelo cliente,
mas que implicam a compra de toda ou quase toda sua necessidade no fornecedor
dominante, são ilícitas, pois induzem-no a concentrar suas compras no fornecedor
que domina o mercado, prejudicando os outros ofertantes. No entender da Comis-
são, “So far as [Tomra’s] agreements were concerned, the contested decision states
that the stipulated quantity targets constituted individualised commitments which
were different for each customer, regardless of its size and purchasing volume, and
which corresponded to the customer’s entire requirements or to a large proportion of
them, or even exceeded them. The contested decision adds that [Tomra’s] policy of
tying their customers, in particular their key customers, into agreements that aimed
at excluding competitors from the market and denying them any chance of growth
is evident from the documents relating to [Tomra’s] strategy, their negotiations and
the offers made by them to their customers”.

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Acordos entre agentes econômicos 387

Essa linha de raciocínio foi adotada pelo CADE quando do julgamento do


caso “Tô Contigo”, em que indústria detentora de cerca de 80% do mercado de
cerveja nacional procurava, indiretamente, com um sistema de bonificação de
vendas, impor exclusividade a padarias, bares e restaurantes. Destaca-se do voto
do Conselheiro Relator, Fernando Furlan: “O poder de mercado da AmBev não
permite que os estabelecimentos deixem de oferecer suas marcas. O Programa
Tô Contigo funciona como um incentivo para que os PDVs (pontos de venda)
concentrem toda a sua demanda em produtos da AmBev, assim, a consequência
é novamente o aumento dos custos dos rivais, que necessitam incrementar seu
gasto em marketing e conceder descontos além daqueles oferecidos pela firma
dominante, e veem sua capacidade de contestação do mercado reduzida”.111

7.4.4.5. Arrefecimento da concorrência intramarca. Facilitação de


conluio
Vimos que um dos principais efeitos das restrições verticais é o arrefeci-
mento da concorrência entre os distribuidores da mesma marca (competição
intramarca).112 Costuma-se dizer que a imposição de preços de revenda torna
mais provável a cartelização tanto no mercado em que atua o fabricante (entre
marcas) quanto no dos distribuidores da mesma rede (intramarca).
No mercado do fabricante, essa prática garantiria o respeito ao cartel, redu-
zindo os efeitos desestabilizadores da concorrência intramarca e, sobretudo,
desencorajando a concessão de descontos secretos.113 Hipoteticamente, tome-
mos os dois únicos fornecedores de determinado remédio que, com o escopo
de diminuir a disputa, dão lugar a acordo de preços, fixando-os bem acima
de seu custo marginal. O grau de dependência dos consumidores é elevado e,
por conta do cartel, os lucros dos fabricantes serão incrementados. Supondo

111. Processo n. 08012.003805/2004-10, julgado em 2009. A fidelização dos pontos de


venda para os produtos da empresa dominante pode ser alcançado das mais variadas
formas. Sobre essa questão, v. FORGIONI, Paula A. e MIURA, Maira Yuriko Rocha. In:
Rodger, Barry (org.) “The Brazilian beer bottles case”. Landmark cases in competition
Law. Around the world in fourteen stories, London: Wolters, 2013.
112. Esse abrandamento pode não significar sua supressão completa, quando a competição
(inexistente em relação ao preço) se estabelecer sobre outras variáveis, tais como
qualidade de atendimento e da prestação de serviços pós-venda, boa localização do
ponto, layout adequado à atração de clientes etc.
113. Pardolesi, Intese restrittive della libertà di concorrenza, p. 258. V. também Peter
Carstensen, The competitive dynamics of distribution restraints: the efficiency hy-
pothesis versus the rent-seeking, strategic alternatives, Antitrust Law Journal 69:569,
2001, p. 582 e 597.

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388 Os fundamentos do antitruste

que cada um possua ampla rede de distribuição exclusiva, sem a imposição


do preço final, os revendedores provavelmente concorrerão entre si e, dessa
forma, seguirá a disputa entre as duas marcas.
Por outro lado, muitos contestam que a imposição de preço de revenda
teria esse efeito colusivo. Efetuada a venda do remédio para os distribuidores,
os fornecedores já realizaram seus ganhos e não lhes afetaria o nível do preço
final praticado. A diminuição do preço de revenda seria proveitosa para o
fornecedor, pois lhe interessa o fomento da disputa interna da rede. Nesse
contexto, a neutralização da competição entre os distribuidores somente seria
benéfica para o fabricante se implicasse o aumento no grau de eficiência do
sistema de distribuição.114
No entanto, é preciso admitir que, se houver competição no mercado a
jusante, a quantidade de produtos vendida por cada uma das marcas poderá
seguir influenciada por forças concorrenciais. Às vezes, o cartel entre mar-
cas não atinge plenamente seus escopos se, por força da competição entre
os distribuidores, a concorrência dos fornecedores não é eliminada. Além
disso, a quebra do cartel, mediante a concessão de descontos secretos aos
distribuidores, é mais facilmente detectada se houver a imposição de preços
uniformes de revenda.
Por isso, em certos mercados, a competição entre os distribuidores pode
servir de anteparo aos efeitos da cartelização entre marcas; a imposição de preços
de revenda eliminaria esse obstáculo à implementação da estratégia espúria
dos fabricantes.115
Considerando o mercado intramarca, pode também se mostrar sedutora a
diminuição da concorrência entre os distribuidores da mesma rede e, portanto,
a restrição sobre o preço de revenda (ou outras restrições verticais que impli-
quem diminuição do grau de concorrência) torna-se um eficaz instrumento

114. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 637.


115. “As restrições verticais podem ser (...) utilizadas para a imposição de práticas con-
certadas em matéria de preços entre fabricantes. Por exemplo, a manutenção dos
preços de revenda pode facilitar a concertação uma vez que a redução dos preços a
nível retalhista é menos desejável e de mais fácil detecção. Se todos os retalhistas de
marcas diversas mantiverem os preços estabelecidos pelos produtores, quaisquer
reduções dos preços grossistas não poderiam repercutir-se a nível da venda a retalho
sem o risco de serem rapidamente detectadas. A impossibilidade de fazer beneficiar
a terceiros estas reduções e o risco de retaliação por outros membros do cartel as-
seguram a maior estabilidade dos acordos deste tipo mediante a manutenção dos
preços de revenda” (Livro Verde europeu, item 61. Disponível em: [http://europa.eu/
documents/comm/green_papers/pdf/com96_721_pt.pdf]. Acesso em: 25.06.2010).

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Acordos entre agentes econômicos 389

anticompetitivo. Explicam Sullivan e Grimes que “[d]ownstream dealers have


an incentive to urge the adoption of distribution restraints in order to eliminate
competition among them”.116

7.4.4.6. Exploração de falhas de informação dos consumidores


O consumidor mal informado sobre o produto tende a ser prejudicado
no momento da compra se as restrições verticais fizerem com que o ponto
de venda privilegie determinada marca (ou, conforme o jargão brasileiro,
“empurre” certa mercadoria). Esse efeito anticoncorrencial é produzido não
apenas pela imposição de preços de revenda, mas por todas as práticas que,
de alguma maneira, diminuem o grau de competição entre os distribuidores,
garantindo-lhes a obtenção de maior lucro (como as comissões, por exemplo).
Tome-se como exemplo uma loja que comercia várias marcas de má-
quinas de lavar. Uma delas, mediante a imposição de restrições verticais,
como o preço de revenda, garante margem de lucro maior ao distribuidor.
O agente econômico dará preferência à venda desse produto “incentivado”
em detrimento de outros que podem, inclusive, oferecer melhor qualidade e
preço. Portanto, exporá o bem em local de destaque, instruirá os vendedores
para nele centrarem seus esforços e assim por diante. As outras mercadorias
serão vistas apenas mediante pedido expresso do consumidor. Se este não
conhecer as informações necessárias antes de ir às compras, pode acabar
prejudicado.117
Há muitas maneiras de se obter a informação sobre a compra: conselhos
de conhecidos e familiares, propaganda, vendedores/promotores presentes no
ponto de comercialização, estudos técnicos (como levantamento de preços
efetuados por entidades especializadas); experiências próprias anteriores etc.
Mas o esclarecimento no ponto de venda costuma ser importante para a formação
da vontade do adquirente e a perda dessa fonte pode implicar o pagamento de
preço mais elevado pelo consumidor – o que não ocorreria se tivesse acesso à
informação adequada.
Igualmente, é possível que os varejistas disponham os produtos de maneira
a auxiliar a saída da marca “incentivada”. Por exemplo, nos supermercados, o
produto que está na altura dos olhos tem vendas maiores do que os das prate-

116. The law of antitrust, p. 293.


117. Para Stephen Martin: “It is costly for a consumer to acquire information, and boun-
ded rationality limits the amount of information a consumer can consider at any
one time. The result is that it is optimal for consumers to make decisions based on
incomplete information” (Industrial economics, p. 336).

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390 Os fundamentos do antitruste

leiras marginais.118 O comprador que não busca especificamente a mercadoria


“escondida” acaba sendo prejudicado, não aproveitando as vantagens eventual-
mente oferecidas. Essa constatação traz o grave problema da comercialização
dos espaços em gôndolas que tende a privilegiar os agentes econômicos com
maior poder de mercado, em detrimento, muitas vezes, da produção regional
e da entrada de novos players no mercado.
Dessa forma, a redução de preço de um fabricante para ganhar mercado
não produzirá os efeitos esperados: a falha de informação do consumidor,
conjugada ao arrefecimento da concorrência intramarca, tende a neutralizar
o aquecimento da competição que adviria da diminuição dos preços de uma
das marcas concorrentes.119

7.4.4.7. Aumento dos preços para os consumidores


A imposição de condições de revenda pode aumentar o preço para os
consumidores, como apontam alguns críticos da Escola de Chicago. Pensemos,
por exemplo, no sabão em pó da marca O, vendido em grandes supermercados.
Como a marca O possui elevada penetração, pode ser interesse do retalhista
diminuir sua margem de lucro naquele produto a fim de atrair consumidores
para suas lojas. Mas esse rebaixamento será inviabilizado se houver a imposi-
ção do preço final. Ademais, o retalhista tende a elevar os preços de produtos
concorrentes mais baratos, aproximando-os daquele em que obtém maior
margem de comercialização, diminuindo a concorrência entremarcas. Tudo
fará para estimular o consumo do produto cuja venda lhe traz maiores lucros.120

7.4.4.8. Levantamento de barreiras à entrada de discounters


Steiner, em 1985, chamou a atenção para o seguinte fato: os adeptos da
legalidade per se dos acordos verticais tratavam os estabelecimentos que ven-
diam a bom preço, normalmente em grandes quantidades e/ou pouca varie-

118. Em relação aos produtos direcionados às crianças, geralmente adquiridos “por


impulso” (p. ex., guloseimas), o melhor local de disposição na gôndola pode ser na
altura dos olhos do infante (e não de seus pais).
119. Segundo Stephen Martin: “If, them, a firm lowers its price, it will attract some additional
sales from customers who are aware of its prices. But it will not capture the entire mar-
ket. Because it is costly to acquire information, some consumers will remain ignorant
of the lower price and will not switch suppliers” (Industrial economics, p. 337).
120. “All exclusive territories or resale price maintenance is likely to do in such stores
is minimize the interbrand competition as the retailers tend to bring the prices of
lower-priced items up to those as to which price is protected” (Morgan, Modern
antitrust law and its origins, p. 715).

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Acordos entre agentes econômicos 391

dade (discounters ou discount stores), como parasitas. A imposição de preços


de revenda, em vez de aumentar a eficiência do sistema, tenderia a levantar
barreiras à entrada dos agentes econômicos que comercializariam o produto
a preços inferiores.121
Esse problema em relação às lojas de desconto foi levado em considera-
ção pela minoria divergente da Suprema Corte norte-americana ao julgar o
caso Leegin que, ao admitir a imposição pelo fornecedor do preço de revenda
a ser praticado pelos distribuidores, prejudicou aqueles que oferecem preços
inferiores aos adquirentes (vide item 7.4.5, infra).

7.4.4.9. Prejuízo aos consumidores inframarginais (inframarginal


consumers) e indução de publicidade excessiva
Outro estudo pós-Chicago que critica a legalidade per se das restrições
verticais (como os preços de revenda) entende que a sua imposição pode induzir
os distribuidores a realizarem publicidade excessiva (e, portanto, ineficiente)
dos produtos.122
Comanor observa que, na verdade, o varejo oferece dois produtos aos
consumidores: o produto em si e as “informações” sobre o produto, transmi-
tidas por publicidade nos pontos de venda ou mesmo por promotores. Uma
classe de consumidores – que poderia preferir o bem principal “desnudo” e
pagar preços inferiores, seria prejudicada pela restrição vertical. Ou seja, para
alguns compradores não interessa receber a informação no ponto de venda;
preferem passar sem ela e pagar mais barato. Mas os distribuidores “incenti-
vados” prestarão essas informações, porque querem captar a outra classe de
consumidores para a marca. Conclui Comanor: “Producers may induce dis-
tributors to supply an excessive level of information services”. Ou seja, para
“empurrar” a mercadoria incentivada, haverá excessiva e ineficiente atividade
de promoção sobre os consumidores que dela não necessitam.
Passamos a analisar duas das restrições verticais mais comuns e seus
impactos para a concorrência. É importante destacar, contudo, que várias das
observações que seguirão são aplicáveis, mutatis mutandis, a outras restrições
verticais encontradas na prática dos empresários.

121. “For in the neo-Chicago version, discount stores are seen as parasitical. Their lower
prices are ascribed entirely to the avoidance of the costs incurred by traditional sto-
res to provide the services on which the discounters free ride” (Robert Steiner, The
nature of vertical restraints, The Antitrust Bulletin, spring 1985:143, p. 153).
122. Comanor, Vertical price-fixing, vertical market restrictions, and the new antitrust
policy, Harvard Law Review 98:949, 1985, p. 999.

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392 Os fundamentos do antitruste

7.4.5. Imposição/sugestão dos preços de revenda. Exemplos do direito


comparado
A restrição vertical ligada à sugestão ou à imposição de preços de revenda
refere-se a mecanismo pelo qual o fornecedor impõe ao revendedor o preço que
este deve praticar com seus clientes. Por exemplo, a empresa X fabrica apare-
lhos celulares e escoa sua produção por intermédio de rede de distribuidores;
a estipulação mediante a qual X reservar-se o direito de impor o preço final de
venda do aparelho celular que seus distribuidores cobrarão dos consumidores
finais é uma restrição vertical ligada ao preço de revenda.
Para melhor compreender a prática, vale expor o tratamento dado
nos Estados Unidos à imposição de preços de revenda, conhecida como
Resale Price Maintenance (RPM).123 Talvez seja nesse ponto que o cuidadoso
estudo da jurisprudência norte-americana se faz mais necessário, porque
alguns, entre nós, efetuaram leitura açodada de comentaristas estrangeiros
e, inadvertidamente, procuraram aplicar no Brasil lições que somente fazem
sentido em sistema diverso do nosso. Dizendo-o de outro modo: as pecu-
liaridades da evolução jurisprudencial norte-americana nessa área fazem
com que muitas de suas lições não possam ser, simplesmente, transpostas
a nossa realidade.
O primeiro julgado que merece ser analisado é o caso Dr. Miles,124 de
1911.125 Dr. Miles Medical Company produzia medicamentos conforme fór-
mula secreta, mas não patenteada. Vendia seus produtos a intermediários e
atacadistas que, por sua vez, revendiam-nos para retalhistas (p. ex., drogarias,
lojas de departamentos), a quem se dirigia o consumidor final. Com o alegado
propósito de proteger suas vendas e seus negócios, bem como conservar avia-
mento e reputação, Dr. Miles estabelecia cláusulas de imposição de preços de
revenda nos contratos com os distribuidores. Algumas lojas desrespeitaram
as estipulações. Como Dr. Miles mantinha sistema de vigilância dos preços,
identificou o descumprimento e propôs ação judicial contra John D. Park
& Sons Company. A principal questão levada ao tribunal tocava à licitude (e
consequente obrigatoriedade) do restrictive agreement celebrado entre Dr. Mi-

123. Os leading cases norte-americanos em questões de acordos verticais foram analisados


em vários artigos da obra coletiva Antitrust Stories, de Eleanor Fox e Daniel Crane,
New York, Thompson, 2007.
124. 220 U.S. 373 (1911).
125. No ano de 1988, a decisão do caso Sharp – Business Electronics v. Sharp Electronics
(485 U.S. 717) condenou expressamente a imposição de preços de revenda de acordo
com uma abordagem per se.

8004.indb 392 21/06/2018 13:33:14


Acordos entre agentes econômicos 393

les e seus distribuidores. Para o Justice Hughes, era claro que as estipulações
restringiam o tráfico comercial.
Uma das principais razões pelas quais a prática foi condenada não reside
no prejuízo concorrencial, mas na indevida restrição da liberdade do distribuidor
de fixar o preço de um produto que lhe pertence. Argumentou Dr. Miles que, pelo
fato de o fabricante poder optar por efetuar ou não a venda, ser-lhe-ia faculta-
do estabelecer condições de uso do bem, além de fixar os preços de revenda.
“The property of the restraint is sought to be derived from the liberty of the
producer”. A Corte refutou a argumentação, porque uma restrição geral na
alienação seria inválida. Veja-se passagem desse voto, geralmente esquecida
pela doutrina apesar de ser um dos pilares da decisão:
“The right of alienation is one of the essential incidents of a right of gene-
ral property in movables, and restraints upon alienation have been generally
regarded as obnoxious to public policy, which is best subserved by great free-
dom of traffic in such things as pass from hand to hand. General restraint in
the alienation of articles, things, chattels, except when a very special kind of
property is involved, such as a slave or an heirloom, have been generally held
void. ‘If a man,’ says Lord Coke, in 2 Coke on Littleton, 360, ‘be possessed ...
of a horse or of any other chattel, real or personal, and give or sell his whole
interest or property therein, upon condition that the donee or vendee shall
not alien the same, the same is void, because the whole interest and property
is out of him, so as he hath no possibility of a reverter; and it is against trade
and traffic and bargaining and contracting between man and man’”.
Observe-se: uma das justificativas mais utilizadas para a condenação da
imposição dos preços de revenda no sistema norte-americano não é diretamente
ligada a problemas concorrenciais, mas principalmente a questões pertinentes à
propriedade e às faculdades que lhe são inerentes.126

126. Destaque-se o voto dissidente do Justice Holmes: “I think that we greatly exaggerate
the value and importance to the public of competition in the production or distribu-
tion of an article (here it is only distribution) as fixing a fair price. What really fixes
that is the competition of conflicting desires. We, none of us, can have as much as
we want of all the things that we want. Therefore, we have to choose. As soon as the
price of something that we want goes above the point at which we are willing to give
up other things to have that, we cease to buy it and buy something else. Of course, I
am speaking of things that we can get along without. There may be necessaries that
sooner or later must be dealt with like short rations in a shipwreck, but they are not
Dr. Miles’s medicines. With regard to things like the latter, it seems to me that the point
of most profitable returns marks the equilibrium of social desires, and determines
the fair price in the only sense in which I can find meaning in those words. The Dr.

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394 Os fundamentos do antitruste

O fato é que, nesse julgamento, houve a fixação da ilicitude per se da im-


posição de preços de revenda, constituindo-se precedente vinculativo para as
futuras decisões que tratassem desse tipo de restrição vertical.
No entanto, a prática demonstrava que a condenação automática pode-
ria não ser sempre a solução adequada, porque em determinadas hipóteses
mostrava-se eficiente permitir ao fabricante controlar sua rede de distribuição
(principalmente nos casos em que havia concorrência entre marcas). A deter-
minação estratégica que deveria ser tomada pela jurisprudência era empuxada
pelo fato de que, mantida a proibição per se, o agente econômico seria forçado a
lançar mão das vendas diretas, seguramente mais custosas e ineficientes quando
lidavam com produtos que requeriam sistema de escoamento capilarizado.
Mas como enfrentar o precedente? A saída da jurisprudência americana,
oito anos após a decisão Dr. Miles, foi engenhosa. No caso Colgate,127 confirmou-
-se a proibição per se da RPM, mas se permitiu que o fabricante sugerisse os
preços de revenda aos distribuidores, acenando-lhes com o corte de forneci-
mento se não cumprissem a determinação.
A Colgate fabricava sabonetes e produtos de toalete que requerem rede de
distribuição dispersa. Enviou a seus distribuidores cartas, telegramas, circulares
e listas mostrando os preços que deveriam ser praticados, conclamando-os a
adotá-los sob pena de interrupção do fornecimento de mercadorias. A Corte partiu
do seguinte pressuposto:
“The retailer, after buying, could, if he chose, give away his purchase or sell
it at any price he saw fit, or not sell it at all, his course in these respects being
affected only by the fact that he might by his action incur the displeasure of
the manufacturer who could refuse to make further sales to him, as he had the
undoubted right to do. There is no charge that the retailers themselves entered
into any combination or agreement with each other, or that the defendant acted
other than with his customers individually”.
O raciocínio jurídico da Corte supôs que o escopo do Sherman Act seria
a proibição de posições dominantes, contratos e colusões que indevidamente
interferissem no livre exercício dos direitos daqueles que se dedicam ao co-
mércio. Na ausência de qualquer propósito de criar ou manter uma posição
dominante, não se poderia indevidamente tolher a liberdade de o agente eco-
nômico escolher como e quando contratar:

Miles Medical Company knows better than we do what will enable it to do the best
business. We must assume its retail price to be reasonable, for it is so alleged and the
case is here on demurrer”.
127. U.S. v. Colgate & Co, 250 U.S. 300 (1919).

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Acordos entre agentes econômicos 395

“A retail dealer has the unquestioned right to stop dealing with a whole-
saler for reasons sufficient to himself, and may do so because he thinks such
dealer is acting unfairly in trying to undermine his trade”.
A decisão lembra ainda que no caso Dr. Miles: “The unlawful combination
was effected through contracts which undertook to prevent dealers from freely
exercising the right to sell”.
Ou seja, o direcionamento adotado no caso Colgate não seria conflitante
com o precedente do caso Dr. Miles porque, naquela ocasião, a Corte impediu
que o distribuidor fosse privado do seu direito de comerciar nas condições que
melhor entendesse; no caso Colgate, esse direcionamento (i.e., não permitir que
o proprietário do bem fosse privado do seu poder de livre disposição) teria sido
absolutamente respeitado: não se permitiu que o distribuidor fosse obrigado
pelo fornecedor a negociar em circunstâncias que não achasse convenientes e
oportunas. A liberdade de agir dos comerciantes foi, portanto, o embasamento
central de ambas as decisões.
Para qualquer não americano que lance os olhos atentamente sobre o
caso Colgate, afigura-se claro que, em termos práticos (e também para efeitos
concorrenciais), não há muita diferença entre estabelecer o preço de revenda
ou sugeri-lo, acenando com a exclusão do distribuidor que não cumprir a de-
terminação. Essa distinção apenas fazia sentido no sistema norte-americano
em face de sua evolução jurisprudencial; chega, portanto, a ser grotesco pro-
curar transpô-la, tal e qual, para realidades jurídicas diversas, como chegou a
ocorrer no Brasil.
Alguns julgamentos americanos posteriores, na década de 60, parecem
diminuir a diversidade formal que haveria entre a RPM e a sugestão com
ameaça de não fornecimento. Foram identificadas manobras que os agentes
econômicos adotariam para evitar a condenação automática. No caso Parke,
Davis & Co.,128 estabeleceu-se que um fornecedor não poderia usar de coerção

128. 362 U.S. 29 (1960). Nota-se claramente a indisposição da Corte com a isenção dada
no caso Colgate. No entanto, para contornar o precedente, acolheu-se a argumen-
tação do governo no sentido de que “[t]he Government concedes for the purposes
of this case that under the Colgate doctrine a manufacturer, having announced a
price maintenance policy, may bring about adherence to it by refusing to deal with
customers who do not observe that policy. The Government contends, however,
that subsequent decisions of this Court compel the holding that what Parke, Davis
did here by entwining the wholesalers and retailers in a program to promote general
compliance with its price maintenance policy went beyond mere customer selec-
tion and created combinations or conspiracies to enforce resale price maintenance
in violation of 1 and 3 of the Sherman Act”. E, ressaltando a diferença com o caso

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396 Os fundamentos do antitruste

sobre seus revendedores para obter a RPM. A tentativa do agente econômico


de contornar a proibição per se foi também rechaçada no caso Simpson v. Union
Oil Co.129 Uma fornecedora celebrava com seus distribuidores contratos de
consignação de gasolina. Alegava-se que o combustível seria de propriedade
da consignante que poderia, portanto, determinar o preço de revenda do bem.
A situação seria a mesma de uma pessoa que deixa um quadro em consignação
com o antiquário. Justice Douglas esclarece que a consignação não poderia
prestar-se a encobrir sistema de distribuição que viola a vedação de imposição
de RPM.130
Além do caso Colgate, outras atenuações da proibição per se para certos
sistemas de distribuição foram sendo admitidas pela Suprema Corte. No caso
GE,131 deixou-se claro que, em se tratando de representação comercial, o preço
pode ser livremente fixado pelo fabricante. A GE realizava a distribuição de
seus produtos de duas formas: vendas diretas para grandes compradores ou
vendas por intermédio de agentes que recebiam comissão. A expedição da
mercadoria, em ambos os casos, era feita dos armazéns da fabricante, dela não
tomando parte o representante. A propriedade e a posse do bem passavam,
diretamente, da GE para o comprador, em um clássico esquema de agência.
A Corte deixou bem vincado inexistir, na hipótese, fato que indicasse a dissi-
mulação de práticas ilícitas pelo esquema de representação.
O fulcro da decisão foi o método utilizado para a distribuição e não tanto o
impacto concorrencial gerado, como seria mais apropriado. Por essa razão, parte
da doutrina afirma que o caso GE deu continuidade à abordagem formalista já
adotada no caso Dr. Miles, porém com resultados diversos.132

precedente, destaca que Parke, Davis “did not merely announce its policy and then
decline to have further dealings with retailers who failed to abide by it, but, by
utilizing wholesalers and other retailers, it actively induced unwilling retailers to
comply with the policy”.
129. 377 U.S. 13 (1964).
130. “If the ‘consignment’ agreement achieves resale price maintenance in violation of
the Sherman Act, it and the lease are being used to injure interstate commerce by
depriving independent dealers of the exercise of free judgment whether to become
consignees at all, or remain consignees, and, in any event, to sell at competitive
prices. The fact that a retailer can refuse to deal does not give the supplier immunity
if the arrangement is one of those schemes condemned by the antitrust laws”.
131. United States v. General Electric Co, 272 U.S. 476 (1926).
132. Ernest Gellhorn, Antitrust law and economics in a nutshell, p. 291: “It should be noted
that the focus under GE is on the method of the manufacturer’s control over the resale
price and not on its effect on competition or consumer welfare”.

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Acordos entre agentes econômicos 397

Finalmente, no ano de 2007, uma Suprema Corte dividida supera o pre-


cedente estabelecido no caso Dr. Miles. Trata-se do caso Leegin.133
Leegin Creative Leather Products é uma empresa que fabrica e comercializa
acessórios de couro com design próprio, alguns deles vendidos sob a marca
“Brighton”. O sistema de distribuição baseia-se em lojas pequenas, diferen-
ciadas (“small boutiques and specialty stores”) e não na venda em grandes
magazines, como Macy´s, Bloomingdales e outros. No entender de Leegin, ao
menos do que diz respeito à distribuição de acessórios de couro, pequenas
lojas tratam melhor os consumidores, oferecem-lhes melhores serviços,134
enfim, proporcionam maior prazer no ato da compra, quando comparadas
aos grandes magazines.
Kay´s Kloset, uma das lojas distribuidoras, instituiu o “Brighton Retail
Pricing and Promotion Policy” e vendeu os produtos abaixo do preço suge-
rido pela fabricante. É importante notar que Leegin sempre garantira, a seus
distribuidores, margem de ganhos suficiente para que pudessem oferecer aos
consumidores serviços especiais ligados à estratégia de vendas, diferenciando
seu sistema de distribuição.
Não obstante as advertências recebidas, Kay´s Kloset seguiu com os des-
contos, aumentando a concorrência intramarca em sua região. Diante da recusa
de por fim à prática, Leegin suspendeu o fornecimento para aquela distribui-
dora que, em consequência, sofreu prejuízos. O caso foi levado aos tribunais.
Leegin foi acusada de violação à lei antitruste por “entering into agreements
with retailers to charge only those prices fixed by Leegin”.
Superando o precedente fixado em 1911 no caso Dr. Miles, a Suprema
Corte norte-americana expressamente admitiu que a imposição do preço de
revenda não deve ser tida como uma proibição “per se”, mas analisada de acordo
com os parâmetros da regra da razão. Reconheceu-se que, ao fim e ao cabo, a
aplicação do precedente fixado no Caso Colgate produziria praticamente os
mesmos efeitos econômicos da imposição de preços de revenda pelo fornecedor
a seus distribuidores.135

133. Leegin Creative Leather Products, Inc. v. PSKS, Inc., DBA Kloset … Kay´s Shoes – 551
U.S. (2007).
134. Na literatura econômica, o ambiente adequado, por vezes ligado à imagem de gla-
mour, vendedores atenciosos e treinados, adequada exposição dos produtos etc. são
considerados e denominados “serviços” oferecidos pelos distribuidores.
135. “The manufacturer has a number of legitimate options to achieve benefits similar
to those provided by vertical pricerestraints. A manufacturer can exercise its Col-
gate right to refuse to deal with retailers that do not follow its suggested prices.

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398 Os fundamentos do antitruste

Valeram-se os julgadores da literatura econômica, “replete with procom-


petitive justifications for a manufacturer´s use of resale price maintenance”.
Afinal, como já havia sido afirmado no caso Atlantic Richfield, o escopo do
Sherman Act é “the protection of competition, not competitors”. Dentre essas
eficiências, destaca o Tribunal:
(i) incentivo para que os distribuidores invistam em serviços (tangíveis
e intangíveis) e em esforços promocionais que auxiliam o fornecedor a con-
quistar mercado entremarcas;
(ii) coibição da atuação de free riders, pois os estabelecimentos que ofe-
recem preços mais baixos podem aproveitar-se do trabalho daqueles que mais
se empenham e investem;136
(iv) estímulo à entrada de novas empresas e marcas;137 e
(v) estímulo à prestação de serviços, ou seja, oferecimento de amenidades
e assistência aos consumidores, que não haveria em um ambiente infestado
de free riders.138
Estabelecido que a imposição de preço de revenda não configura ilícito per
se, a Suprema Corte adverte: cartéis entre os distribuidores seguem sendo con-
siderados ilegais, bem como coibido o uso abusivo da RPM. Inspiram cuidados
casos nos quais o fornecedor detém poder de mercado ou em que grande parte
dos fabricantes concorrentes também impõe preços de revenda. Sumula-se:
“É evidente que as potenciais consequências anticompetitivas das restrições
verticais ligadas a preços não devem ser ignoradas ou subestimadas”.139
O voto dissidente também se baseou em argumentos econômicos. Seu
pano de fundo é o escopo do Sherman Act: “maintain a marketplace free of

(…) The economic effects of unilateral and concerted price setting are in general
the same”.
136. No original: “discounting retailers can free ride on retailers who furnish services and
then capture some of the increased demand those services generate”.
137. Como já havia sido decidido no caso Sylvania: ““[N]ew manufacturers and manu-
facturers entering new markets can use the restrictions in order to induce competent
and aggressive retailers to make the kind of investment of capital and labor that is
often required in the distribution of products unknown to the consumer.”
138. Afinal, “[o]ffering the retailer a guaranteed margin and threatening termination
if it does not live up to expectations may be the most efficient way to expand the
manufacturer’s market share by inducing the retailer’s performance and allowing it
to use its own initiative and experience in providing valuable services”.
139. “As should be evident, the potential anticompetitive consequences of vertical price
restraints must not be ignored or underestimated”.

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Acordos entre agentes econômicos 399

anticompetitive practices, in particular those enforced by agreement among


private firms”. As restrições verticais podem inibir a expansão dos distribuidores
mais eficientes, que oferecem preços menores e conseguem atrair mais consumidores,
facilitar conluios, enfim, aumentar os preços oferecidos para os consumidores. Os
juízes dissidentes referem-se a estudo realizado pelo Departamento de Justiça,
que teria comprovado serem os preços nos estados em que a prática da RPM
fora permitida de 19 a 27% superiores aos encontrados em outros estados.
Quanto à questão dos free riders, os juízes dissidentes perguntam: até que
ponto sua atuação é realmente impactante?
Em resumo: “what is remarkable about the majority’s argument is that
nothing in this respect is new”. “In sum, there is no relevant change. And wi-
thout some such change, there is no ground for abandoning a well-established
antitrust rule”.
Seguindo, no estudo da tradição norte-americana na disciplina das res-
trições verticais, devemos nos debruçar também sobre a imposição de preços
máximos de revenda. O primeiro precedente que merece atenção é o caso Albre-
cht v. Herald Co.,140 de 1968, em que a Suprema Corte concluiu que a vedação
per se da fixação de preços mínimos de venda deveria levar à regra semelhante
para as práticas que forçavam preços máximos. Albrecht distribuía jornais da
ré, sendo-lhe vedado praticar preços superiores aos indicados pela editora.
Albrecht não seguiu o parâmetro, o que levou a fornecedora a procurar os
clientes e acertar a venda a preço inferior. A distribuidora voltou-se contra a
editora, alegando a indevida imposição do preço de revenda e que fora vítima
de coerção já condenada no caso Parke, Davis. A Suprema Corte deu razão à
Albrecht, entendendo que a fixação de preços de revenda, quer mínimos, quer
máximos, subsumia-se à proibição per se. Essa decisão sofreu severas críticas
da doutrina especializada, chegando-se a falar no Albrecht paradox.141
A mesma linha foi seguida em 1982, no julgado Arizona v. Maricopa Coun-
ty Medical Society.142 Essa sociedade organizava fundações que se colocavam
como alternativas aos planos de seguro de saúde. Os médicos filiados não po-
deriam cobrar dos pacientes valores superiores aos constantes de uma tabela.
Novamente, decidiu-se que a fixação de preços, mínimos ou máximos, viola
per se o art. 1.º do Sherman Act; com qualquer restrição de preço, neutraliza-
-se a concorrência, remunerando os profissionais da mesma forma, indepen-

140. 390 U.S. 145 (1968).


141. Cf. Roger Blair e Amanda Esquibel, Maximum resale price restraints in franchising,
Antitrust Law Journal, p. 161.
142. 457 U.S. 332 (1982).

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400 Os fundamentos do antitruste

dentemente de suas habilidades, experiência, treino ou dificuldade do caso


tratado. Tal restrição poderia desencorajar a entrada de novos profissionais
no mercado, bem como frear o desenvolvimento individual de cada um dos
médicos, que não seriam estimulados ao progresso pelas possibilidades de
obtenção de maior ganho.
Quinze anos depois, no caso State Oil Co. v. Khan, em 1997,143 a proibição
per se da imposição do preço máximo de revenda foi superada pela Suprema
Corte. Esclareceu o Tribunal que as proibições per se devem ser aplicadas apenas
às práticas que geram efeitos concorrenciais previsíveis e perniciosos; no caso
da imposição de preços máximos, seria impossível constatar a nocividade do
ato ex ante. Julgados da Suprema Corte já deixavam entrever que a proibição
per se do caso Albrecht estava se enfraquecendo, ao mesmo tempo em que a
doutrina construíra loquaz arcabouço teórico capaz de demonstrar os resul-
tados benéficos da fixação de preços máximos de revenda.
Guiada pela visão geral de que o escopo principal das leis antitruste é a
proteção da concorrência entre marcas, e que não se devem coibir atos que
resultam em preços menores para os consumidores, a Suprema Corte ameri-
cana viu-se com dificuldades para manter a proibição per se de imposição de
preços máximos de revenda. No seu entender, os efeitos da fixação dos preços
máximos não são tão perniciosos como se imaginava em 1968 e, ademais, a
preservação da regra per se poderia exacerbar problemas relacionados com a
posição dominante dos distribuidores.
Superou-se o precedente. Mas o overrulling de uma proibição per se não
significa sua substituição por uma legalidade per se, apenas a necessidade de
sopesar eficiências e prejuízos à concorrência antes da condenação da prática.
Na Europa, o tratamento dos acordos sobre os preços de revenda é bem
mais cauteloso. A Comissão entende que os adquirentes devem poder buscar
os produtos no país que lhes for mais conveniente, ou seja, são asseguradas as
importações para o país no qual existem acordos entre produtores e distribuido-
res, de forma a evitar eventuais abusos ou a indevida segmentação do mercado.
Bael e Bellis identificam três princípios básicos que disciplinam os
acordos verticais na Europa (e que permanecem mesmo após a entrada em
vigor da nova disciplina das restrições verticais): (i) fomento da competição
entre os distribuidores de um mesmo produto (intrabrand competition); (ii)
integração dos países da União Europeia, evitando-se qualquer forma ou
instrumento que permita o isolamento de “parte substancial” do mercado; e

143. 000 U.S. 96-871 (1997).

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Acordos entre agentes econômicos 401

(iii) proteção dos pequenos importadores paralelos contra o poder econômico


dos grandes fornecedores.
À exceção das restrições hardcore estabelecidas no art. 4.º do Regula-
mento n. 330, de 2010, são admitidas restrições verticais desde que “a quota
de mercado do fornecedor não ultrapassar 30% do mercado relevante em que
vende os bens ou serviços contratuais e de a quota de mercado do comprador
não ultrapassar 30% do mercado relevante em que compra os bens ou serviços
contratuais” (art. 3.º).144
Ademais, os acordos verticais celebrados entre empresas não concorrentes,
cuja quota individual no mercado relevante não ultrapasse 15%, são geralmente
considerados lícitos (regra do de minimis). A Comissão esclarece ainda que “os
acordos concluídos entre pequenas e médias empresas (...) só raramente são
susceptíveis de afectar significativamente o comércio entre os Estados-Membros
ou de restringir consideravelmente a concorrência”,145 nos termos do art. 101
do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – TFUE.
A tradicional visão restritiva da Europa em relação à imposição de preços
mínimos embasa o art. 4.º do mesmo Regulamento, ao determinar que a isenção
em bloco não é aplicável aos casos em que o contrato implique a imposição de
preços mínimos de revenda.146 Nessa linha, não são isentadas quaisquer práticas
que possam, ainda que indiretamente, levar à RPM, tais como:
a) acordos de fixação da margem de distribuição;
b) acordos de fixação do nível máximo de descontos que o distribuidor
pode conceder a partir de determinado nível de preços estabelecido;
c) subordinação da concessão de reduções ou do reembolso dos custos
promocionais por parte do fornecedor a determinado nível de preços;

144. A esse respeito, esclarece a Comissão nas Orientações relativas às restrições verticais:
“Desde que não incluam distorções graves da concorrência, que constituem restri-
ções da concorrência por objecto, o Regulamento de Isenção por Categoria cria uma
presunção de legalidade relativamente aos acordos verticais, em função da quota de
mercado do fornecedor e do comprador” (item 23).
145. Cf. item 11 dos Consideranda das Orientações relativas às restrições verticais.
146. Ou seja, são proibidas as práticas que impliquem “restrição da capacidade de o
comprador estabelecer o seu preço de venda, sem prejuízo da possibilidade de
o fornecedor impor um preço de venda máximo ou de recomendar um preço de
venda, desde que estes não correspondam a um preço de venda fixo ou mínimo, em
resultado de pressões ou de incentivos oferecidos por qualquer uma das partes”. Para
comentários a essa “hardcore restriction”, v. Frank Wijckmans e Filip Tuytschaever,
Vertical agreements in EU competition law, 139 e ss.

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402 Os fundamentos do antitruste

d) estabelecimento de alguma relação entre o preço de revenda estabele-


cido com os preços de revenda de concorrentes; e
e) ameaças, intimidações, avisos, sanções, atrasos ou suspensão das
entregas; ou, ainda, cessação de contratos em função do descumprimento de
determinado nível de preços.
Os efeitos anticoncorrenciais das práticas podem mostrar-se de forma
mais acentuada quando combinados com sistemas de vigilância, capazes de
identificar os distribuidores que reduzem os preços.147 O efeito neutralizador
da concorrência pode advir, também, da impressão do preço recomendado no
produto ou da cláusula de cliente mais favorecido, ou seja, em situações nas
quais uma parte assegura, à outra, o mesmo tratamento dispensado ao seu
melhor cliente. Caso o fornecedor conceda redução de preços de R$ 10,00 ao
cliente X, deverá oferecer a mesma redução de R$ 10,00 ao cliente Y. Essa uni-
formidade preestabelecida nivela os preços praticados pelo agente econômico
e é vista com suspeição pela Comissão.148
Todas essas práticas não serão isentadas por categoria na medida em que
implicarem imposição de preço de revenda.149
Podemos concluir que a Europa centra a análise das restrições verti-
cais de preços em seus efeitos sobre o mercado, buscando controlar mais de
perto aquelas que podem levar efetivamente à diminuição da concorrência
intramarca.
Quanto à imposição do preço máximo de revenda, a prática não será auto-
maticamente isentada quando envolver mais de 30% do mercado relevante de

147. Por exemplo, (i) a criação de sistema de controle dos preços ou (ii) a obrigação de os
distribuidores denunciarem outros membros da rede que infrinjam a determinação.
148. Sobre tais práticas, v. o estudo de Baker, Vertical restraints with horizontal conse-
quences: competitive effects of “most-favored-customer” clauses, Antitrust Law
Journal 64/517, 1996. Explica o autor haver três maneiras de implementação da
cláusula do cliente mais favorecido que ameaçam a competição em nível horizontal:
(i) incentivando a coordenação horizontal entre empresas, devido à menor margem
de negociação individual no plano vertical; (ii) aumentando os custos das empresas
concorrentes, uma vez que o nivelamento dentro da rede vertical conduz à formação
de uma espécie de “cartel”, o qual tem a possibilidade de fixar preços anticompetiti-
vos e assim excluir empresas rivais; e, finalmente, (iii) desencorajando diretamente
a competição entre os rivais no nível horizontal, visto que a cláusula torna menos
agressiva a empresa a ela vinculada; isso, por sua vez, faz com que os concorrentes
respondam com igual diminuição de agressividade concorrencial.
149. A mera existência de lista com preços recomendados ou preços máximos não leva à
conclusão de que há fixação ilícita.

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Acordos entre agentes econômicos 403

fornecimento ou de distribuição. Adverte-se que essa conduta pode incentivar


os distribuidores a aderir ao preço máximo estabelecido, bem como facilitar
a colusão horizontal entre marcas, pelo menos nos mercados concentrados.

7.4.6. A fixação de preços mínimos de revenda no Brasil


No Brasil, a visão de nossas autoridades antitruste sempre pareceu esposar
mais a visão norte-americana do que europeia no que toca à sugestão ou mesmo
imposição dos preços de revenda. Alguns conselheiros chegaram a defender
a legalidade per se de tal prática.
Contudo, em 2013, publicou-se decisão sinalizando para o mercado que
a imposição dos preços de revenda caracteriza infração à ordem econômica.150
O caso implicava imposição de preço de revenda pela SKF do Brasil Ltda.
a seus distribuidores. O Conselheiro Relator, prendendo-se à tradição norte-
-americana e à orientação da Escola de Chicago, havia votado pelo arquivamen-
to do processo, por entender que nada haveria de ilegal da prática analisada.
Posteriormente, a maioria dos conselheiros entendeu que a imposição do preço
de revenda deve ser considerada ilícita, ainda mais quando existem indícios
de colusão no mercado analisado e coação para que os distribuidores sigam as
determinações do fornecedor.151
O voto divergente, e que acabou prevalecendo, deixa claro que “[p]or
enquanto, salvo melhor juízo, a postura europeia, que versa sobre uma ilici-
tude pelo objeto, parece ser mais adequada”. Trata-se de importante diretriz
para os acordos verticais brasileiros, na medida em que põe em xeque, entre
nós, a imposição, pelo fornecedor, dos preços finais ao consumidor, a serem
praticados pelo distribuidor.

7.4.7. Acordos verticais e exclusividade


Outra restrição concorrencial comum diz respeito à exclusividade. Esse
termo costuma ser utilizado para denominar vasto leque de obrigações que

150. Processo Administrativo nº 08012.001271/2001-44, disponível em www.cade.gov.br.


151. A leitura conjunta dos votos e dos pareceres proferidos nesse caso não permite
concluir qual seria, efetivamente, o grau do poder de mercado da fornecedora. Em
princípio, não deteria mais de 30% em nenhum segmento identificado durante as
investigações. Contudo, adverte o voto vencedor que “qualquer menção ao argu-
mento de que a empresa não possui ‘participação de mercado’ elevada deve ser lida
com extrema cautela, visto que tal afirmação se baseia em uma definição de mercado
apriorística e não muito trabalhada, que pode tornar homogêneas mercadorias que
não são substituíveis entre si, tanto pela oferta como pela demanda”.

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404 Os fundamentos do antitruste

podem tocar tanto aos fabricantes quanto aos distribuidores, de forma que a
mesma palavra é empregada para designar veios contratuais diversos.152
Para os norte-americanos, exclusividade vem geralmente associada à
exclusive dealing, ou seja, à obrigação imposta a uma das partes de somente
comprar ou comercializar os produtos da outra. Areeda e Kaplow esclarecem
que a exclusive dealing refere-se a acordos por força dos quais o comprador não
se vale ou não se abastece de bens fornecidos por um concorrente do vende-
dor.153 Para Hovenkamp, há exclusive dealing quando o comprador obriga-se
a adquirir produtos apenas de determinado vendedor.154 Por outro lado, o que
nós chamamos de exclusividade territorial pode ser traduzido para o inglês como
territorial limitation, um expediente de que lança mão o fabricante para evitar
que seus distribuidores concorram entre si, assegurando-lhes áreas exclusivas
de atuação.155 Na Europa, as expressões exclusive purchase e non-compete são às
vezes tidas como sinônimas, ou seja, com o mesmo significado atribuído pelos
norte-americanos para exclusive dealing.156 No entanto, explica-nos Joanna
Goyder que a Comissão separa uma da outra:
“An exclusive purchase clause imposed by a supplier requires a buyer to
obtain all its supplies of the contract goods (e.g. Bally shoes) from the supplier,
whereas a non-compete clause requires him to obtain all his supplies of a parti-
cular product (that is, all his shoes requirements) from the supplier. The former
does not prevent the buyer from obtaining and distributing competing goods,
but the latter does. In practice a supplier may want to impose both exclusive
purchasing and non-compete”.157
Baseados na doutrina americana, dizemos que há exclusividade quando o
distribuidor está obrigado a vender apenas os produtos provenientes de um certo

152. Interessante caso sobre cláusula de exclusividade foi julgado pelo Superior Tribunal de
Justiça, em março de 2010, entendendo ilícita a proibição da atuação de médicos fora
da cooperativa à qual pertencem: “5. A cláusula de exclusividade em tela é vedada pelo
inc. III do art. 18 da Lei 9.656/98, mas, ainda que fosse permitida individualmente a sua
utilização para evitar a livre-concorrência, através da cooptação de parte significativa da
mão de obra, encontraria óbice nas normas jurídicas do art. 20, I, II e IV, e do art. 21, IV
e V, ambos da Lei 8.884/1994 (revogado pela Lei 12.529/2011)” (REsp 1172603/RS).
153. “(...) arrangements under which a buyer does not use or deal in the goods of the
seller’s competitors” (Antitrust analysis, p. 772).
154. Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 430.
155. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 651.
156. Sobre o significado do termo exclusividade, v. Sylvie Lebreton, L’exclusivité contrac-
tuelle et les comportements opportunistes, p. 1.
157. EU distribution law, p. 78.

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Acordos entre agentes econômicos 405

fornecedor. Isso significa que esse mesmo distribuidor somente deverá adquirir o
produto relevante (ou seja, o objeto principal da distribuição) daquele fabrican-
te, ou de outro por ele expressamente indicado. A exclusividade normalmente
implica que o revendedor, salvo autorização expressa em sentido contrário, (i)
não poderá comerciar qualquer outro produto concorrente (exclusividade de
comercialização) e/ou (ii) deverá obter os bens a serem distribuídos junto a de-
terminado fabricante ou a terceiro por ele indicado (exclusividade de aquisição
ou exclusiva de compra,158 esclusiva d’acquisto, exclusive purchase for resale).
As partes podem ainda contratar limitações sobre outras aquisições do
dealer, que não relacionadas ao produto relevante (ou seja, sobre bens que não
concorrem diretamente com aquele distribuído). Esse tipo de restrição pode
interessar ao fornecedor, evitando a confusão da imagem do produto distri-
buído ou seu indevido aproveitamento por terceiros ou pelo distribuidor.159
Enfim, a exclusividade pode significar:
a) obrigação do distribuidor de comercializar apenas os produtos fabri-
cados pelo fornecedor (i.e., obrigação de abstenção de comercializar produtos
concorrentes);
b) obrigação do distribuidor de comercializar apenas os produtos ad-
quiridos de terceiros indicados pelo fabricante (também há, nesta hipótese, a
obrigação de abstenção de comercializar produtos concorrentes);
c) obrigação do distribuidor de não comercializar quaisquer outros pro-
dutos, mesmo que não concorrentes com aqueles que são objeto do contrato
de distribuição;
d) obrigação do fornecedor de vender sua produção exclusivamente por
intermédio do distribuidor (imposição comum quando se trata do sistema de
distribuição no grande varejo);
e) direito do distribuidor de ser o único a comercializar o produto distri-
buído em determinada área (ou em relação a determinados consumidores).
Esse sentido do termo exclusividade, contudo, é ligado à divisão de mercado e
não se confunde com aquele de que ora tratamos.
Rubens Requião dá destaque a dois fenômenos que decorrem da aposição
da cláusula de exclusividade nos acordos verticais: por um lado, potencializa

158. O Regulamento do Conselho das Comunidades Europeias 19/65 definia as exclusivas


de compra como acordos “pelos quais uma delas (partes) se obrigue perante a outra
a comprar determinado produto apenas a esta, para fins de revenda”.
159. Por exemplo, imaginemos que pode não interessar a determinada marca sofisticada
de sapatos femininos ter seus produtos vendidos em loja que comercialize rouparia
sem o mesmo perfil. Trata-se de opção estratégica de marketing, como logo se percebe.

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406 Os fundamentos do antitruste

a influência que o fornecedor exerce sobre o distribuidor; ao mesmo tempo, a


existência de exclusividade gera incremento patrimonial do revendedor, justa-
mente em virtude de sua vinculação a um único fornecedor. Conclui o pro-
fessor: “[S]e é verdade que o concedente projeta o seu poder além do alcance
real de sua empresa, sobre outra que a ela por conveniência se sujeita, não
menos verdade é que a empresa subordinada economicamente, mantendo
sua integridade jurídica, obtém da exclusividade inerente à concessão de
venda uma objetiva valorização patrimonial”.160 No mesmo sentido, Sylvie
Lebreton161 afirma que a exclusividade traz vantagens, pois permite definir
estratégia comercial global de manter presença permanente em diversos
pontos de venda e que aos clientes será concedido tratamento homogêneo;
é “racional”, e seria mesmo perfeita para uma grande indústria que busca a
abertura de novos mercados. Por outro lado, encontra-se associada a certa
“prisão econômica”, em que os efeitos poderiam afrontar o liberalismo eco-
nômico e o individualismo jurídico.162
Tendo em vista o aumento do poder dos grandes varejistas (fenômeno hoje
mundialmente reconhecido), a cláusula de exclusividade que diz respeito ao
fornecimento exclusivo tem sido objeto de agudas preocupações concorrenciais.
Trata-se de estipulação contratual mediante a qual o fornecedor obriga-se a
vender seus produtos unicamente a um distribuidor. O fabricante fica impedido
de contratar a distribuição com outro agente em certa(s) área(s) – ou mesmo
em qualquer localidade (exclusiva ou exclusividade de fornecimento, exclusive
supply).163 Mais uma vez, além do impacto anticompetitivo que a exclusivi-
dade poderá gerar, surge o problema da dependência econômica do fornecedor
derivada da obrigatoriedade de utilização de um único canal de escoamento
de sua produção.

7.5. Os acordos verticais e as vendas pela Internet


Nos últimos dez anos, o comércio pela Internet passou a fazer parte do
nosso dia a dia. Essa modificação dos hábitos de consumo em direção ao
comércio eletrônico levou a doutrina a analisar os impactos jurídicos nesse

160. Aspectos modernos de direito comercial: estudos e pareceres, p. 120.


161. Com base em Pedamon, Parleani, Malaurie e Aynes, Guyenot, Champaud e Durry.
162. L’exclusivité contractuelle et les comportements opportunistes, p. 2-3.
163. Cf. terminologia do Regulamento do Conselho das Comunidades Europeias 19/65,
que definia as exclusivas de fornecimento como acordos “pelos quais uma delas
[partes] se obrigue perante a outra a fornecer determinado produto apenas a esta,
para fins de revenda”.

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Acordos entre agentes econômicos 407

horizonte que se expande cada vez mais.164 Foi preciso repensar os acordos
e as restrições verticais nesse cenário, pois é evidente o aumento do grau de
concorrência propiciado pela Web: mercados antes apartados aproximam-se
de outros, abrindo o leque de opções para o consumidor. Aqueles que, antes,
adquiriam obras estrangeiras em uma pequena livraria situada na frente da
Faculdade, agora as encomendam pelo computador.
Sem exagero, podemos comparar as estradas medievais à Internet. Em
determinados setores da economia, seu domínio é o controle do comércio, e
o bloqueio do acesso à rede, a expulsão do mercado.
Por conta dessas mudanças, no campo concorrencial, o novo regulamento
europeu sobre restrições verticais passou a preocupar-se com vendas feitas pela
Internet. Para compreendê-lo, é preciso considerar a distinção entre vendas
“ativas” e vendas “passivas”.
As primeiras implicam abordagem ativa dos clientes, por exemplo, median-
te encaminhamento de publicidade não solicitada por correio tradicional ou
eletrônico (spans), visitas, publicidade ou promoções dirigidas especificamente
a certo grupo de clientes etc.
Já as vendas passivas envolvem a venda (ou prestação de serviços) a consu-
midores que procuram o distribuidor espontaneamente. A publicidade assume
carácter geral e seria de qualquer modo realizada pelo fornecedor, mesmo que
não atingissem clientes nos territórios ou grupos de clientes (exclusivos) de
outros distribuidores.
De acordo com o Regulamento n. 330, de 2010, não poderão ser isenta-
dos os acordos verticais que, directa ou indiretamente, tenham por objeto a
restrição das vendas activas ou passivas aos adquirentes finais. Permite-se,
contudo, a proibição de os distribuidores exercerem suas actividades além
do território que lhes seja eventualmente atribuído, desde que não o façam
ativamente.
Esclarece a Comissão Europeia que “[e]m princípio, todos os distribuido-
res devem poder utilizar a Internet” e as vendas feitas por meio de sítio próprio
do distribuidor são consideradas passivas. Ademais, “o simples facto de oferecer
diferentes opções linguísticas no sítio Internet não altera o caráter passivo da
venda”.165 As seguintes restrições não são admitidas no âmbito da isenção, pois
desencorajam a concorrência na venda dos produtos pela Internet:

164. A título exemplificativo, v. com a coordenação de Newton de Lucca e Adalberto


Simão Filho, Direito & Internet, volumes I e II.
165. Orientações relativas às restrições verticais, item 52.

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408 Os fundamentos do antitruste

a) cláusulas que tenham por efeito impedir que os clientes de certo terri-
tório visualizem o sítio Web de outros dealers. Igualmente, é vedado obrigar o
distribuidor a adotar sistema de reencaminhamento automático dos clientes
para os sítios do fabricante ou de outros distribuidores (exclusivos);
b) obrigar distribuidor (exclusivo) a encerrar transações com consumi-
dores na Internet quando as informações do cartão de crédito revelam que o
endereço não integra seu território;
c) obrigar o distribuidor a limitar a percentagem das vendas globais rea-
lizadas na Internet;
d) obrigar o distribuidor a pagar preço mais elevado pelos produtos que
se destinam à revenda pela Internet.
É facultado ao fornecedor impor normas de qualidade para as vendas on
line, assim como faz para estabelecimentos físicos, vendas por catálogo ou para
publicidade e promoção em geral. Igualmente, como condição para integrar
a rede, o distribuidor pode ser obrigado a manter uma ou mais lojas físicas ou
salões de exposição.
Esse posicionamento da União Europeia em prol da liberdade de atuação
dos distribuidores pela Internet implica o reconhecimento dos benefícios decor-
rentes [i] do aumento do grau de concorrência intramarcas e [ii] da atuação dos
free riders, especialmente no interesse dos consumidores. É preciso reconhecer
que, como apontado acima, o free rider estimula a concorrência intramarca,
oferecendo preços inferiores aos consumidores.

7.6. Análise caso a caso dos acordos verticais e o atual momento da


economia brasileira
Sob o prisma jurídico, os acordos verticais devem ser examinados me-
diante a utilização de case by case approach, de forma a individuar os efeitos
anticompetitivos que serão sentidos dentro de determinado mercado relevante.
A disciplina jurídica dos acordos verticais, mais do que qualquer outro instituto
antitruste, mostra-se avessa ao estabelecimento de regras fixas e imutáveis,
como lhe quer emprestar parte da moderna teoria econômica.
Fixados os princípios gerais da matéria, a análise caso a caso permitirá que
essas normas sejam aplicadas para concretizar política econômica previamen-
te determinada. O que não pode ser admitido, no Brasil, é o indiscriminado
transplante de teorias econômicas que versam sobre a eficiência dos acordos
verticais, desconsiderando-se a política que se pretende atuar e que deve refletir
os princípios constitucionais.

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Acordos entre agentes econômicos 409

Os acordos verticais podem trazer um dos mais nocivos efeitos das práticas
empresariais: o fechamento do mercado mediante a criação artificial de barreiras
à entrada de novos competidores. Em economias como a brasileira, a admissão
de restrições verticais (especialmente das exclusividades) pode significar
verdadeira “reserva” da empresa com maior poder econômico sobre os novos
consumidores que se agregarão ao mercado. Há de ser discutida, portanto, a
postura de certas agências antitruste que concentram a utilização de seus re-
cursos quase unicamente para a coibição dos cartéis. Embora estes sejam, na
maioria dos casos, perniciosos à concorrência, a tolerância às restrições ver-
ticais pode impor ao país, a médio prazo, os deletérios efeitos de uma política
concorrencial equivocada.
Da mesma forma, como regra geral, não podemos tratar os não integran-
tes de redes oficiais de distribuição como criminosos, que violariam direitos
adquiridos de terceiros. Esses agentes econômicos, ao atuar livremente no
mercado, costumam oferecer preços inferiores aos consumidores, exercendo
importante pressão concorrencial em benefício da população. Basta pensar,
por exemplo, nas redes não autorizadas de oficinas mecânicas, ou mesmo no
problema da importação paralela.
É preciso atenção: o mercado norte-americano encontra-se em patamar
diverso de desenvolvimento e de maturidade daquele brasileiro. Consequente-
mente, a tolerância aos acordos verticais, típica dos estadunidenses, não pode
constituir o norte para aplicação de nossa legislação antitruste, devendo ser
objeto de maior reflexão.

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8
Concentrações entre agentes
econômicos

“Non sono le indagini economiche che fanno dire se il monopolio sia un bene
o un male. È la valutazione che ne dá l’ordinamento giuridico, col complesso
delle sue leggi, dei suoi provvedimenti e delle sue sentenze. Il giudizio di valore o
disvalore viene dunque dallo spirito dell’ordinamento, spirito mutevole come i
vari popoli, e diverso nel tempo como è nel tempo diverso lo spirito del popolo”
– Mario Franzosi.

Sumário: 8.1. As formas assumidas pelas concentrações. Art. 90 da Lei 12.529/2011.


8.2. As concentrações e seus tipos. 8.3. Razões da concentração. 8.4. Disciplina
das concentrações. Ponderação entre benefícios e prejuízos concorrenciais. 8.5.
Avaliação das concentrações pelas autoridades antitruste. 8.6. Impacto das concen-
trações sobre o mercado. 8.7. Mecanismo da Lei Antitruste Brasileira para viabilizar
as concentrações econômicas. Análise e autorização pelo CADE. 8.7.1. Critérios
para determinação da necessidade de submissão da operação de concentração ao
CADE. 8.7.2. Controle prévio da operação de concentração. 8.7.2.1. Nota sobre
os sistemas norte-americano e europeu. 8.7.3. Revisão da autorização pelo CADE.
8.7.4. O acordo em controle de concentrações. 8.8. A tendência mundial de fraca
implementação do controle de concentrações.

Este capítulo não se propõe a esgotar o tema das concentrações entre agen-
tes econômicos, por si só tão amplo que impossível contê-lo em trabalho no
qual se pretende dar notícia, apenas, dos fundamentos do antitruste. Trataremos
dos aspectos mais relevantes do controle das concentrações, tomando-se em
consideração, principalmente, seu caráter instrumental em relação a uma polí-
tica econômica, ligado principalmente à formatação da estrutura do mercado.
Para contextualizar a análise, imagine-se um país em que, no dia de sua
criação, todas as empresas, de todos os setores da economia, fossem do mes-
mo tamanho e dispusessem dos mesmos recursos. Não é equivocado supor
que, em pouco tempo, haveria grande diferença entre elas. Algumas sairiam
do mercado, pelas mais variadas razões, inclusive por incompetência. Outras,
mais capazes de gerar lucros, expandir-se-iam, comprariam suas concorrentes,
fornecedores ou distribuidores. Ou seja, a concentração econômica ocorreria
em grande parte dos setores, em alguns mais rapidamente do que em outros.
Observando a realidade conclui-se que, muitas vezes, a concentração tende
a diminuir o grau de competição no mercado, por atribuir poder econômico

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412 Os fundamentos do antitruste

à empresa. Com isso, reduz-se o estímulo ao corte de preços, à inovação, ao


incremento de qualidade etc. Não é por outro motivo que parte da doutrina
refere-se à concentração como um “efeito autodestrutível do mercado”, apto
a levar o sistema econômico às crises. Outros apontam à concentração como
“falha de mercado”, pois é capaz de prejudicar o bom fluxo de relações econô-
micas, presidido pela concorrência.
De outra parte, é igualmente correto pressupor, em certas hipóteses, ser a
concentração capaz de trazer inovação e desenvolvimento. A competição entre
menor número de agentes também pode ser vigorosa, ainda mais se as empre-
sas forem saudáveis, com recursos para investir na conquista de clientela e na
superação de seu concorrente.
Nesse cenário de prós e contras, como lidar com a aglutinação de poder
econômico? Como viabilizar as melhores condições possíveis de fomento da
inovação e da competição eficaz? Qual grau de competição exigir do mercado?
Todas essas são questões ligadas à disciplina das concentrações.

8.1. As formas assumidas pelas concentrações. Art. 90 da Lei


12.529/2011
Algumas vezes, tendo como referencial a lei antitruste brasileira, somos
tentados a descartar a utilidade de muitas das classificações efetuadas pela
doutrina estrangeira, por não serem aproveitadas pelo texto normativo. Não
obstante, não se pode deixar de considerar que, com base nessas classificações,
são efetuados juízos sobre a conveniência e oportunidade da concessão de au-
torização para determinadas práticas concentracionistas, o que força nossa de-
tenção, ainda que breve, nas categorias de que se vale a literatura especializada.
O que é concentração econômica? A ideia central é simples e expressa o
aumento de riquezas em poucas mãos,1-2 relacionando-se com o aumento de
poder econômico de um ou mais agentes do mercado.3-4

1. José Júlio Borges da Fonseca, Limitações da atividade empresarial emergentes do direito


antitruste (regime das concentrações empresariais), p. 71.
2. Modesto Carvalhosa lembra que a concentração econômica constitui suporte, na
maioria das vezes, ao surgimento do poder econômico (Poder econômico: a fenome-
nologia, seu disciplinamento jurídico, p. 4 e 10).
3. Sobre a relação entre estruturas de mercado concentradas e desenvolvimento, v.
Calixto Salomão Filho, Brisa Lopes de Mello Ferrão e Ivan César Ribeiro, Concentra-
ção, estruturas e desigualdade, p. 25. V., também, de Calixto Salomão Filho, o artigo
Monopólio colonial e subdesenvolvimento.
4. O conceito de concentração foi dado, primeiramente, pela doutrina econômica;
trata-se de elemento “empírico-factual” e não “técnico-jurídico” (cf. Aldo Frigna-

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Concentrações entre agentes econômicos 413

Também os acordos entre empresas podem ser entendidos como práticas


concentracionistas, pois, a partir do momento em que dois agentes (concorren-
tes ou não) se unem, ainda que mantenham sua autonomia, passarão a deter
uma vantagem sobre os demais e que, após a operação, transforma-se em maior
poder econômico de ambas.5 Hoje, são cada vez mais comuns contratos que,
ao estabelecer esquemas de colaboração/cooperação entre as partes, implicam
aglutinação de poder econômico. Tanto é assim que a Lei 12.529/2011 inclui
os “contratos associativos”, “consórcios” e “joint ventures” como atos de con-
centração [cf. art. 90, IV].
Assim, no campo do antitruste, o termo concentração vem empregado
para identificar várias situações que demonstram essa aglutinação de poder
ou de capacidade de alterar as condições do mercado. A mais comum liga-se
a situações em que os partícipes (ou ao menos alguns deles) perdem sua au-
tonomia, como nas operações de fusão, incorporação etc.6 Há, também, con-
centração quando se dá a constituição de nova sociedade ou grupo econômico
cujo poder de controle é compartilhado7 ou quando uma empresa adquire

ni, Intese, posizioni dominanti, concentrazioni (diritto comunitario), Nuovissimo


Digesto italiano, p. 388).
5. Nuno T. P. Carvalho lembra as “concentrações virtuais”, ou seja, “práticas que não
envolvem a transferência do direito de propriedade mas que podem ser atos de
concentração”, como um dos tipos de concentração de empresas que não implicam
alienação de ativos ou mesmo do poder de controle do agente econômico. A título
exemplificativo, temos inúmeras joint ventures entre empresas, ou “alianças”, que não
criam nova estrutura jurídica ou gerencial (As concentrações de empresas no direito
antitruste, p. 110, nota 139). A atual lei brasileira (12.529/2011) considera esses atos
como concentrações econômicas, nos termos do art. 90, IV.
6. Em algumas ocasiões, o fato de duas ou mais empresas possuírem administrador
comum pode significar o aumento do grau de concentração no mercado. São as
chamadas interlocking directorates. Sobre a questão e o estudo comparativo entre os
sistemas americano e europeu, o artigo de Luca Toffoletti, La disciplina della concor-
renza e del mercato: interlocking directorates – Integrazione verticale nel mercato
dell’energia elettrica, p. 548-558. Clóvis V. do Couto e Silva, entre nós, assinala que
administradores comuns podem caracterizar a existência de grupo de sociedades de
fato (Grupo de Sociedades, RT 647/10, set. 1989).
7. “Dal punto di vista economico, la concentrazione può definirsi come il raggruppa-
mento di due (o più) imprese, o la ‘rinuncia all’autonomia economica di più imprese
che vengono riunite sotto una direzione economica unitaria’” (Aurelio Pappalardo,
Giurisprudenza comunitaria e straniera – Il regolamento CEE sul controllo delle
concentrazioni tra imprese, p. 209). Areeda e Kaplow advertem que “antitrust analy-
sis customarily uses the word ‘merger’ to describe a permanent union of previously
separate enterprises. (...) Apart from the few instances requiring greater precision,

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414 Os fundamentos do antitruste

ativos ou parcela do patrimônio de outra. No resumo de Nuno T. P. Carvalho:


“Concentração de empresas é todo ato de associação empresarial, seja por
meio da compra parcial ou total dos títulos representativos de capital social
(com direito a voto ou não), seja através da aquisição de direitos e ativos, que
provoque a substituição de órgãos decisórios independentes por um sistema
unificado de controle empresarial”.8
Normalmente, nas operações de concentração, (a) existem, em um pri-
meiro momento, pelo menos dois agentes econômicos dotados de autonomia
decisória; (b) posteriormente, tais centros decisórios sejam unificados em
um centro unitário constituído por um partícipe ou por um novo ente; (c)
tenha ocorrido modificação na estrutura proprietária ou de gestão de um dos
partícipes.9 Na União Europeia, esclarece o regulamento das concentrações
(n. 139/2004), em seu preâmbulo (item 20), que “o conceito de concentra-
ção deverá ser definido de modo a abranger as operações de que resulte uma
alteração duradoura no controle das empresas em causa e, por conseguinte, na
estrutura do mercado”.10

we may generally speak interchangeably of mergers, consolidations, acquisitions,


amalgamations, or other form of union. Such unions replace independent deci-
sionmaking institutions with a unified system of control (whether or not actually
exercised)” (Antitrust analysis, p. 793). Sobre a noção de concentração na Itália e
na Europa, v. Alessandro de Nicola, La disciplina della concorrenza e del mercato: il
controllo delle concentrazioni in Italia, p. 531 e ss. e também R. Alessi e G. Olivieri,
La disciplina della concorrenza e del mercato, p. 195 e ss.
8. As concentrações de empresas no direito antitruste, p. 91-92. V., também, a observa-
ção de Aurelio Pappalardo: “Il denominatore comune delle numerose ipotesi che
rientrano nella nozione (dalla fusione all’acquisto di partecipazioni di controllo,
alla creazione di imprese comuni, o joint ventures) può ravvisarsi in una modifica
strutturale, tendenzialmente permanente e irreversibile, del controllo dell’impresa”
(Giurisprudenza comunitaria e straniera – Il regolamento CEE sul controllo delle
concentrazioni tra imprese, p. 200).
9. Frignani, Intese, posizioni dominanti, concentrazioni (diritto comunitario), Nuo-
vissimo Digesto Italiano, p. 388.
10. O art. 3.º do mesmo Regulamento define quais as operações que devem ser entendidas
como de concentração, para os fins daquela normativa. Assume relevo no sistema
europeu a ideia da aquisição de “influência dominante” de um agente econômico sobre
o outro, pois é considerada concentração econômica (subsumindo-se, portanto, ao
Regulamento 139, de 2004), a aquisição de “direitos ou contratos que conferem uma
influência determinante na composição, nas deliberações ou nas decisões dos órgãos
de uma empresa” (cf. art. 3.º, 2, b). No Brasil, discute-se em que circunstâncias as
“reorganizações societárias” devem ser submetidas à apreciação do CADE. V., a esse
respeito, Ticiana Nogueira da Cruz Lima, O CADE e as reestruturações societárias.

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Concentrações entre agentes econômicos 415

A nossa Lei enumera expressamente o que deve ser entendido como con-
centração econômica em nosso sistema, mencionando em seu art. 90:
(i) operações de fusão, ou seja, em que duas ou mais empresas, anterior-
mente independentes, fundem-se, dando origem à terceira sociedade. Nos
termos do art. 228, caput da Lei 6.404, de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas),
a fusão é “a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar
sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações”. Assim,
a sociedade A e a sociedade B fundem-se, dando origem à sociedade C. Por
questões tributárias, operações de fusão são raras na prática brasileira.
(ii) aquisição, direta ou indireta, de participações societárias ou de ativos de
terceiros, tangíveis ou intangíveis. A lei determina serem ato de concentração
as operações mediante as quais “uma ou mais empresas adquirem, direta ou
indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores
mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via
contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma
ou outras empresas”(art. 90 da Lei 12.529). Incluem-se, portanto, nos atos de
concentração, a aquisição de:
– controle direto ou indireto de empresa;
– participações minoritárias;
– direitos de propriedade industrial, tais como patentes, know-how, de-
senhos industriais, marcas etc.;
– ativos físicos, como maquinários.
(iii) incorporação de empresas, ou seja, “a operação pela qual uma ou mais
sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e
obrigações” (art. 227, caput da Lei 6.404, de 1976). Assim, se A incorpora
B, B desaparece e tem seus ativos, direitos e obrigações transferidos para o
patrimônio de A.
(iv) constituição de consórcios, i.e., celebração de contratos entre socie-
dades para execução de determinado empreendimento tipificado no art. 278
da Lei 6.404, de 1976. O consórcio “não tem personalidade jurídica e as con-
sorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato,
respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade”
(art. 278, § 1.º).
(v) celebração de “contratos associativos” ou de “joint ventures”. Embora
inexista definição legal ou consenso doutrinário sobre o sentido das expressões
“contratos associativos” ou “joint ventures”, referem-se a negócios jurídicos
mediante os quais duas ou mais empresas, sem constituir consórcio formal
nos termos do art. 278 da Lei Societária, associam-se para realizar o empreen-

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416 Os fundamentos do antitruste

dimento acordado, normalmente atividade empresarial que visa ao lucro. Não


perdem a autonomia dos centros decisórios, mas tem sua liberdade limitada
na medida em que se vinculam para consecução de escopo comum. As áleas
não são comuns, mas interdependentes. Essas contratações são aptas a alterar
as condições de mercado e, nessa medida, objeto de preocupação antitruste.11

8.2. As concentrações e seus tipos


As concentrações são classificadas em horizontais, verticais e conglomeradas,
conforme os mercados de atuação das empresas participantes.12 Assim como os
acordos horizontais, as concentrações desse tipo envolvem agentes econômicos
que atuam no mesmo mercado relevante,13 estando, portanto, em direta relação
de concorrência. As concentrações são ditas verticais se os partícipes desenvol-
vem suas atividades em mercados relevantes “a montante” ou “a jusante”, ou
seja, concatenados no processo produtivo ou de distribuição do produto.14-15
Por sua vez, as concentrações conglomeradas tem a ver com empresas que
atuam em mercados relevantes apartados, sendo subdivididas, conforme seu
escopo ou efeito, em: (i) de expansão de mercado (market extension); (ii) de
expansão de produto (product extension); e (iii) de diversificação (ou pura).16
De forma residual, são entendidas como conglomeradas as concentrações que
não são verticais nem horizontais.17

11. Para o estudo das joint ventures no campo do Direito Concorrencial, v. Luis Silva
Morais, Joint ventures and EU competition law.
12. Cf. Denozza, Antitrust, p. 73.
13. Ou seja, mesmo mercado relevante material e geográfico (cf. Hovenkamp, Federal
antitrust policy, p. 443).
14. Sobre as concentrações verticais, v. José Paulo Fernandes Mariano Pego, O controlo
dos oligopolies pelo direito comunitário da concorrência, 223 e ss.
15. Uma das grandes inovações trazidas pela Escola de Chicago foi a modificação da
visão sobre as concentrações verticais. Durante as décadas de 50 e 60, as autori-
dades antitruste norte-americanas assumiram atitude bastante hostil em relação
a esse tipo de negócio, pois os entendiam aptos a privar os rivais de oportunidade
leal de competição, estabelecendo ligação exclusiva entre agentes econômicos que
atuam em mercados relevantes complementares. Após a metade da década de 70,
essa postura foi alterada, argumentando-se que as concentrações verticais somente
ocorrerão quando delas advier um aumento de eficiência para o setor. De qualquer
forma, a questão dos efeitos das concentrações verticais sobre a concorrência é cada
vez mais controvertida, especialmente por conta do controle de insumos, canais de
distribuição e, especialmente, da tecnologia.
16. Cf. McCall, Sum and substance of antitrust, p. 251.
17. Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 501.

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Concentrações entre agentes econômicos 417

Operações de concentração que implicam a aquisição por uma empresa


de outra que, embora produzindo o mesmo tipo de produto, atua em diverso
mercado relevante geográfico, são denominadas “expansões de mercado”. Já
as concentrações que envolvem “expansão de produto” referem-se à união de
empresas produtoras de bens complementares por natureza. O exemplo clás-
sico, como nos refere McCall, é o da empresa que fabrica detergentes e adquire
fábrica de alvejantes para roupas.18
As concentrações conglomeradas puras, cujo ritmo foi acentuado da
década de 1970, são aquelas em que empresas, cujos produtos não guardam
qualquer relação de concorrência ou complementaridade, unem-se. Pensemos,
por exemplo, em uma rede televisiva que adquire fábrica de geleias ou, ainda,
produtora de cosméticos que passa a comercializar acessórios de couro.
Porquanto podem dar lugar a grandes grupos econômicos controladores
de empresas atuantes nos mais diversos setores da economia, os conglomerados
são uma das principais preocupações daqueles que veem nas concentrações
o perigo de formação de um poder paralelo, apto a condicionar a atuação dos
agentes públicos, utilizando sua força econômica para fins políticos.19
Embora muitas vezes se diga que a concentração conglomerada não
implica maiores impactos diretos sobre a concorrência, a questão poderá
assumir contornos diversos se considerarmos a competição potencial entre
os agentes econômicos. Em teoria, a concentração pode implicar limitação
à concorrência se houver a aquisição de um agente econômico por outro
que desenvolva suas atividades em mercado relevante diverso, mas é seu
concorrente potencial.

8.3. Razões da concentração
São diversos os fatores que podem compelir o agente econômico à concen-
tração. Não se trata de inquirir a intenção do agente econômico ao buscar sua
união com outros, mas de possíveis objetos ou efeitos trazidos pela operação.

18. Cf. McCall, Sum and substance of antitrust, p. 251.


19. V., para maior detalhamento dos argumentos contrários às concentrações conglome-
radas, Stephen Ross, Principles of antitrust law, p. 357. Em livro contemporâneo ao
de Ross, Hovenkamp assinala que, durante a década de 90, nos Estados Unidos, as
concentrações conglomeradas diminuíram em muito seu número. Ainda segundo
este mesmo autor, as concentrações conglomeradas não são mais tidas como graves
ameaças à livre-concorrência, como ocorreu durante a década de 70 (Federal antitrust
policy, p. 502). V. artigo de John Siegfried e M. Jane Barr Sweeney, The social and
political consequences of conglomerate mergers e Terry Calvani e John Siegfried,
Economic analysis and antitrust law, p. 346-369.

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418 Os fundamentos do antitruste

A utilidade desse estudo reside no auxílio à compreensão dos debates sobre


a conveniência da autorização ou tolerância de certas concentrações. Tenha-
-se sempre em mente, porém, que o prejuízo ou benefício que advirá para a
sociedade ou para a economia não é identificável ou quantificável a priori em
nenhuma das situações que passamos a apontar.20-21
(i) Primeiramente, a operação de concentração pode tender ao arrefeci-
mento da concorrência entre os agentes econômicos. Já ressaltamos, no capítulo
referente aos acordos entre empresas, que a concorrência prejudica o concor-
rente, sendo, portanto, bastante “natural” a busca de sua neutralização pelos
agentes econômicos. A operação de concentração coloca-se como uma das
formas de atingir ou reforçar a confortável posição monopolística. Esse tipo
de concentração, não obstante a complacência das autoridades antitruste tem
alto potencial anticompetitivo. Em algumas situações, a empresa adquirente
pretende, simplesmente, “sucatear” a adquirida, tomando sua market share e
tirando-a do mercado ou eliminando sua marca, consolidada aos olhos dos
consumidores.
Ademais, as concentrações verticais podem ter por objeto ou efeito o
prejuízo à concorrência em mercado relevante outro que não aquele da ativi-
dade principal do adquirente, embora o beneficie.22 Por exemplo, a concen-
tração vertical pode garantir o fornecimento de determinada matéria-prima,
mediante o controle do fornecedor. Do ponto de vista da empresa adquirente,
elimina-se a concorrência a que estava sujeita para a compra do produto e,
daquele da empresa adquirida, extingue-se a relação de competição pela venda
do mesmo produto.
As concentrações verticais podem ainda trazer os efeitos anticompetitivos
apontados no capítulo anterior, ao estudarmos os acordos e as restrições verti-
cais. Suponha-se, por exemplo, determinado país em que uma única fornece-

20. “The important point is that neither social harm nor social benefit will be precisely
identifiable or quantifiable in every case. Yet, the lawmaker or interpreter must take
care to remember the general benefits of a free market in capital assets” (Areeda e
Kaplow, Antitrust analysis, p. 805). A operação de concentração raramente terá apenas
um objeto ou efeito determinante, sendo, ao invés, comum a conjugação de muitos
dos fatores aqui expostos.
21. Baseamo-nos no estudo de Areeda e Kaplow sobre as razões das concentrações (An-
titrust analysis, p. 800 e ss.).
22. Neide Malard aponta que a integração ao conglomerado possibilita “a reciprocidade
de operações, situação em que as empresas compram e vendem umas das outras”
(Integração de empresas: concentração, eficiência e controle, Revista do IBRAC, vol.
1, n. 4, p. 46, 1994).

8004.indb 418 21/06/2018 13:33:15


Concentrações entre agentes econômicos 419

dora de latinhas de alumínio tenta satisfazer a demanda de muitas fabricantes


de bebidas. Caso uma destas empresas adquira o controle da indústria de
latinhas (ou com ela celebre acordo de exclusividade), ganhará a “preferência”
da fornecedora, em detrimento dos outros players com quem se digladia.
(ii) A operação de concentração pode viabilizar economias de escala e o
melhor aproveitamento dos recursos disponíveis, como sistemas de distribuição,
sendo essa uma das principais justificativas apresentadas pelas empresas para
as autoridades antitruste. Contudo, alguns autores acreditam que a união de
agentes econômicos, em certos casos, gera ineficiências que serão sentidas
na produção ou mesmo no gerenciamento, exemplificando com a falência
de várias empresas resultante da onda de concentração das ferrovias ameri-
canas, ocorrida na década de 60.23 No entender de Areeda e Kaplow, muitos
dos bens e serviços podem ser adquiridos a preços inferiores no mercado,
sendo, portanto, desnecessária ou mesmo irracional a aquisição de outra
empresa para garantir seu fornecimento. Exemplifica-se com serviços legais
ou de informática.24
(iii) A empresa adquirente pode visar não o controle do outro agente
econômico, mas pessoal especializado, patentes, direitos de propriedade intelec-
tual e outros privilégios. Não se compra a atividade, mas os ativos. No ramo
farmacêutico, essa motivação é bastante comum. Nos últimos anos, a questão
das aquisições de empresas concorrentes detentoras de patentes, aumentan-
do o poder do comprador sobre a tecnologia de certos produtos, é objeto de
grande preocupação pelos efeitos destrutivos que pode trazer não apenas para
a economia dos países, mas também pelas privações impostas às populações
dos países mais pobres.
(iv) A concentração pode viabilizar a entrada do agente comprador em
um novo mercado. Costuma ser mais fácil adquirir negócio pronto a iniciar o
desenvolvimento de qualquer atividade, superando-se, inclusive, os custos
que devem ser afrontados no início de uma empresa (treinamento de pessoal,
pesquisas, publicidade etc.) e que podem já ter sido amortizados pela empresa
adquirida.
(iv) Embora possa parecer uma contradição, muitas vezes a venda da
empresa é o meio mais eficiente ou mais seguro de preservar a continuação de
suas atividades. O empresário que está encerrando sua vida profissional pode
preferir deixar a seus herdeiros outros bens que não a unidade produtiva. Para
os acionistas, administradores, fornecedores e empregados a opção da venda

23. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 802.


24. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 802.

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420 Os fundamentos do antitruste

seria alternativa menos traumática àquela da bancarrota ou do declínio das


atividades empresariais. No Brasil, a venda a terceiro costuma ser solução para
eventual conflito entre os sócios ou acionistas, viabilizando a continuação das
atividades sociais, especialmente em litígios familiares.
(v) Ainda na linha da concentração como forma de dar continuidade à
empresa, muitas vezes é invocada a teoria da “failing firm”, defendendo-se que
é melhor autorizar o ato do que empurrá-la à falência, com a saída daqueles
ativos do mercado. Lembremos que a Lei de Falências brasileira (Lei 11.101, de
2005) procura viabilizar a alienação do ente produtivo para que esta continue
a gerar riquezas e empregos, sob nova administração.25
(vi) Há, ainda, outros fatores a serem ponderados: mediante a operação
de concentração, ganhos ou economias tributárias acabam viabilizados. Nada
obsta, também, que o negócio seja verdadeira opção de investimento de capital.
De outra parte, a aparência de crescimento pode consistir estratégia empresa-
rial ou a diversificação pode ser visada para diminuir os riscos da atividade,
ampliando o leque de mercados em que atua o agente econômico.26

8.4. Disciplina das concentrações. Ponderação entre benefícios e


prejuízos concorrenciais
Duas são as principais ponderações que cercam as discussões sobre a
disciplina das concentrações entre agentes econômicos. Sem a compreensão
dessas questões cardeais, a análise do controle das estruturas de mercado pela
autoridade antitruste (e da política que a cerca) torna-se impossível, ou tão
superficial que a reduz à inutilidade.
Partamos, para facilitar nosso raciocínio, de uma afirmação de Marx: “O
mundo ainda estaria sem estradas de ferro, caso ficasse esperando até que a
acumulação de capitais individuais alcançasse o tamanho requerido para a
construção de uma ferrovia”.27
Em outras palavras, a centralização do capital na mão de poucos agen-
tes econômicos faz com que se possam atingir resultados que, em princípio,

25. Sobre o tema, v. a monografia de Fernando Antônio de Alencar Alves de Oliveira


Júnior, A teoria da failing firm e sua aplicação no Brasil.
26. Areeda e Kaplow (Antitrust analysis, p. 803-804) destacam, ainda, os interesses
pessoais dos administradores (e não dos acionistas) como elemento catalisador da
concentração de empresas, pois o prestígio dos dirigentes decorre, algumas vezes,
do tamanho do empreendimento mais do que dos lucros gerados. Tratar-se-ia, então,
de sacrifício dos lucros, pela expansão.
27. Karl Marx, O capital, vol. 1, Cap. XXIII, 2.

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Concentrações entre agentes econômicos 421

não seriam viabilizados (ou seriam muito mais lentos) caso o mesmo capital
permanecesse pulverizado. O processo de concentração econômica é capaz
de levar a maior grau de eficiência, propiciando inovação, desenvolvimento
tecnológico28 e benefícios para os consumidores. A concentração de capitais
pode fomentar economias de escala29 e propiciar o aproveitamento de sinergias
em benefício da sociedade.30-31 Ou, como se lê no Parecer da Secção de Indús-
tria, Comércio, Artesanato e Serviços sobre o Livro Verde relativo à revisão do
regulamento europeu das concentrações, este é um “instrumento não apenas

28. Frank H. Easterbrook lembra que, muitas vezes, se determinado ato de concentração
for obstado, a empresa adquirente poderá, simplesmente, depois de algum tempo,
eliminar a menor em virtude de sua eficiência econômica (Is there a ratchet in anti-
trust law?, Texas Law Review, vol. 60, p. 716, 1982).
29. “O fenômeno das economias de escala consiste na progressiva redução do custo
unitário da produção de um bem, à medida que o volume produzido aumenta.
Constitui, pois, uma relação inversa entre custo unitário e volume” (Fábio Nusdeo,
Abuso do poder econômico, Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 125). Patrizio Bian-
chi e Giuseppina Gualtieri insistem em que o argumento de obtenção e aumento da
economia de escala não pode ser indiscriminadamente utilizado como justificativa
para as concentrações de empresas: “(...) se è vero che in molti settori possono
sussistere economie di scala tali da favorire la crescita tecnica delle imprese al fine
di migliorarne l’efficienza, è anche ampiamente dimostrato che al di là di una certa
dimensione la crescita esterna si giustifica più per il bisogno di controllare i mercati
che non per ottenere maggiori efficienze nella produzione da riversare sui consu-
matori” (Economia di mercato ed istituzioni pubbliche per il funzionamento del
mercato nella nuova fase di integrazione europea: un’analisi di economia politica,
Concorrenza e controllo delle concentrazioni in Europa, p. 36).
30. Ross lembra que uma empresa com moderna linha de produção, mas com ineficiente
sistema de vendas, pode fundir-se com outra, que utiliza maquinário obsoleto, não
obstante sua distribuição seja extremamente eficiente (Principles of antitrust law,
p. 315). O resultado será uma nova empresa em condições de oferecer concorrência
efetiva aos demais agentes e, portanto, aumento do grau de competitividade no
mercado relevante.
31. Por essa razão, comentando os Mergers Guidelines de 1992, Areeda e Kaplow apon-
tam: “The primary benefit of mergers to the economy is their efficiency enhancing
potential, which can increase the competitiveness of firms and result in lower prices
to consumers. Because the antitrust laws, and thus the standards of the Guidelines,
are designed to proscribe only mergers that present a significant danger to compe-
tition, they do not present an obstacle to most mergers. As a consequence, in the
majority of cases, the Guidelines will allow firms to achieve available efficiencies
through mergers without interference from the Agency” (Antitrust analysis, suple-
mento de 1994, p. 129, relacionado ao Capítulo 5, Mergers: horizontal, vertical,
and conglomerate).

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422 Os fundamentos do antitruste

de controlo da concorrência, mas também com o objetivo de promover tanto


a concorrência como a cooperação entre empresas”.
Fernando Conesa32 divide as vantagens decorrentes das concentrações
em três grandes grupos, quais sejam:
a) No que tange à organização interna do agente econômico: (a.1) há
o incremento do maquinário e do progresso técnico; (a.2) a organização re-
duz os gastos gerais e os custos fixos; (a.3) diminuem consideravelmente as
possibilidades de perdas no processo de produção; (a.4) reduz o risco, com a
obtenção de capitais líquidos.
b) No que diz respeito à posição da empresa no mercado: (b.1) em casos
de concentrações horizontais, o agente econômico se fortalece no relaciona-
mento com seus fornecedores; é facilitado seu crédito no mercado de capitais;
é atraída mão de obra mais qualificada; haverá maiores possibilidades de
conhecimento da procura futura, investimentos em publicidade, aumento da
dimensão comercial da empresa etc.; (b.2) em casos de concentrações verticais,
aumenta-se a segurança de escoamento da produção, controle das fontes de
matéria-prima e possibilidade de prática de preço final inferior.
c) Intensifica-se o poder da empresa em relação ao Estado.
Argumentações a favor das concentrações são feitas ainda com maior
veemência quando relacionadas à necessidade dos países (ou dos blocos eco-
nômicos) de aumentar seu grau de competitividade no mercado globalizado,
justificando a postura francamente favorável das autoridades antitruste em
relação ao processo de concentração de empresas.33
Apenas em 1989, a então Comunidade Econômica Europeia (hoje, União
Europeia) emanou disciplina específica sobre a concentração. O atraso dessa
regulamentação, em relação aos Estados Unidos, não é acidental, pois “a con-
centração de empresas era considerada (...) como instrumento que permitia
adaptar a dimensão das empresas ao alargamento da zona econômica, suposto

32. Libertad de empresa y estado de derecho, p. 75-76.


33. No ano de 1996, na esteira das discussões sobre o chamado Livro Verde, que abordava
a revisão do regulamento das concentrações, o Comitê Econômico e Social repisou
que “(...) é indispensável ter presente que a potenciação das estruturas econômico-
-produtivas deve sempre visar uma maior competitividade a nível mundial da eco-
nomia comunitária em seu conjunto. O controlo comunitário das concentrações
deve, em qualquer caso, inserir-se sempre numa visão global da economia, para ter
em conta o contexto internacional, caracterizado por uma forte e cada vez maior
competitividade”. Esses estudos culminaram nos Regulamentos 139 e 802, ambos
de 2004.

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Concentrações entre agentes econômicos 423

de implicar, entre outras, economias de escala”.34-35 Cristoforo Osti dá relevo


ao mesmo fenômeno: “é sabido que, propositadamente, por muito tempo, o
direito comunitário não possuiu um sistema de avaliação das concentrações.
Essa escolha fundava-se, em boa parte, sobre a convicção de que o processo de
agregação econômica seria, em si, positivo e digno de merecer a tutela no sistema
da economia europeia, não apenas com o escopo de possibilitar às empresas que
atingissem dimensões julgadas mais adequadas para enfrentar o confronto com
a concorrência internacional, mas também para encorajar uma maior coesão
entre as economias nacionais mediante o instituto das concentrações”.36
No ano de 2004, após longo processo de discussão, foram adotados o
Regulamento 139, de 20.01.2004, e o Regulamento 802, de 07.04.2004, mo-
dificando novamente a disciplina europeia das concentrações. Em dezembro
de 2013, a Comissão Europeia alterou essa regulamentação, visando à sim-
plificação dos procedimentos de apresentação das operações de concentração
pelos agentes econômicos.
Entre nós, o declarado incentivo às concentrações, que teve lugar a partir da
década de 60, seguiu o mesmo princípio:37 a união de empresas tende, em mui-
tos casos, a elevar o nível tecnológico do país, fortalecendo sua economia, bem
como habilitar a indústria nacional para enfrentar a concorrência internacional.38

34. Bernini, As regras de concorrência, CE, trinta anos de direito comunitário, p. 372.
No mesmo sentido, Alberto Toffoletto, Le concentrazioni nel diritto comunitário
antitrust, Giurisprudenza Commerciale, 17.3/451-2, maio-jun. 1990 e Aurelio Pap-
palardo, Giurisprudenza comunitaria e straniera – Il regolamento CEE sul controllo
delle concentrazioni tra imprese, Il Foro Italiano, p. 201.
35. De qualquer forma, a ausência de regulamento específico para as concentrações de
empresas não impediu que tanto a Comissão Europeia quanto a Corte de Justiça
aplicassem os arts. 85 e 86 do Tratado CE às práticas concentracionistas (cf., a res-
peito, os célebres casos Continental Can e Philip Morris e a exposição de Bael e Bellis,
Competition law of the EEC, p. 300 e ss.).
36. Divieto delle operazioni di concentrazioni restrittive della libertà di concorrenza,
p. 528.
37. Basta, para comprovar tal afirmação, analisar os fatores que eram tomados para con-
cessão de incentivos fiscais às concentrações, enumerados por Waldirio Bulgarelli ao
comentar a Resolução 1, de 20.08.1971 da Comissão de Fusão e Incorporação de Em-
presas (Cofie): “(a) obtenção de economias de escala (redução de custos e incremento
da produtividade); (b) redução de preços de venda no mercado interno; (c) conquista
e ampliação de mercados externos; e (d) fortalecimento do mercado de capitais” (O
direito dos grupos e a concentração de empresas, p. 54). Cf., também, Modesto Carva-
lhosa, Poder econômico: a fenomenologia, seu disciplinamento jurídico, p. 16.
38. Para uma análise (econômica) do processo de concentração da indústria brasileira na
década de 70, v. Regis Bonelli, Concentração industrial no Brasil: indicadores da evolução

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424 Os fundamentos do antitruste

Mas, de outra parte, não obstante ser capaz de gerar inegáveis vantagens
econômicas para a sociedade, o processo de concentração pode trazer o com-
prometimento do normal funcionamento do mercado, prestando-se a reunir
o poder econômico em mãos de poucos agentes.39 Estes, depois de obtida a
condição monopolística, agem com independência e indiferença em relação a
outros agentes econômicos, muitas vezes abusando dessa sua posição.
Lembre-se, a respeito, que o movimento que deu origem à promulgação
do Sherman Act baseava-se na reação contra os trusts, ou seja, contra poderosas
empresas e o uso que faziam do poder econômico que detinham. A Lei Antitruste
foi, em um primeiro momento, concebida e vista como forma de limitar esse
poder, mantendo-se a chamada “estrutura democrática”.40
A concentração de poder, como abordado no primeiro capítulo, colocava
em risco a estabilidade do sistema, e o meio encontrado para eliminar os efeitos
autodestrutíveis dessa mesma concentração foi (i) combater a formação de
grandes núcleos de poder econômico, ao mesmo tempo em que (ii) se procura-
va controlar o exercício desse poder. Como consequência direta dessa postura,
durante os governos americanos de Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon, Ford
e Carter, o seguinte entendimento orientava a política das concentrações: “Que
grandes concentrações levaram à inércia, produziram inúmeras ineficiências e
causaram custos mais elevados, reduziram a inovação e a capacidade de respon-
der rápida e flexivelmente a mudanças de mercado e a aumentos de preços”.41
Percebemos o paradoxo que se coloca:42 ao mesmo tempo em que a con-
centração de capitais é vista como útil ou até mesmo indispensável ao progresso e

recente, Pesquisa e Planejamento Econômico, p. 851-884. Sobre os aspectos jurídicos do


incentivo às concentrações e análise da legislação brasileira que se prestou a tal fim, cf.
Waldirio Bulgarelli, O direito dos grupos e a concentração de empresas, p. 34 e ss.
39. Existe, na opinião de Berle e Means, uma “força centrípeta”, presente nas concen-
trações, “que atrai a riqueza em volumes cada vez maiores” (A propriedade privada
na economia moderna, p. 33), ou seja, a concentração tende sempre, mais e mais, à
acumulação da riqueza.
40. Por essa razão, Cristoforo Osti afirma: “(...) não é contestável o fato que, historica-
mente, o direito da concorrência desenvolveu não apenas a função política de im-
pedir a concentração de mercado e a formação de poder econômico, como também
de pulverizá-lo e contê-lo quando já existisse, com o escopo de tutelar o processo
democrático nos âmbitos político e jurisdicional que se julgava pudesse ser contro-
lado pelos grandes grupos econômicos” (Divieto delle operazioni di concentrazioni
restrittive della libertà di concorrenza, p. 531).
41. Fox e Sullivan, Cases and materials on antitrust, p. 748.
42. Pietro Barcellona e Giuseppe Cotturri, a exemplo de outros autores, apontam a con-
tradição existente entre a superação do mercado e do regime de concorrência (que

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Concentrações entre agentes econômicos 425

à eficiência do sistema produtivo, é também fator de instabilidade desse próprio


sistema.43-44-45 Por esse motivo, a discussão sobre a regulamentação das con-
centrações e seu controle por parte das autoridades antitruste lidará, sempre,
com o dilema: concorrência atomística ou eficaz?46 Mercados concentrados
ou pulverizados?47-48
O que não se pode deixar de observar é que, nas últimas décadas, em todo
o mundo, houve movimento francamente favorável às concentrações. Hoje, o
número de casos obstados é ínfimo, como se comentará adiante.

ocorre com as concentrações e centralizações) e a (necessidade de) manutenção da


relação mercantil e do regime de livre-concorrência (El Estado y los juristas, p. 227).
43. “(...) se è indubbio che la concentrazione può condurre, in certi casi, alla formazione
di pericolose strutture monopolistiche, non è men vero che essa costituisce spesso
un strumento indispensabile per effettuare operazioni di ristrutturazione e di razio-
nalizzazione che, accrescendo l’efficienza delle imprese, migliorano le condizioni di
concorrenza” (Aurelio Pappalardo, Giurisprudenza comunitaria e straniera – Il rego-
lamento CEE sul controllo delle concentrazioni tra imprese, Il Foro Italiano, p. 200).
44. Fox e Sullivan lembram que, se por um lado o trust liderado por Rockfeller usou
seu poder para forçar a diminuição dos preços dos produtos que adquiria e, ao
mesmo tempo, praticou preços vis com o escopo de eliminar seus competidores, de
outra parte trouxe lucros decorrentes da eficiência (Cases and materials on antitrust,
p. 737-738).
45. A análise histórica que é desenvolvida por Alberto Moniz da Rocha Barros (O poder
econômico do Estado contemporâneo e seus reflexos no direito, p. 89 e ss.) mostra clara-
mente, com o exemplo norte-americano, o paradoxo a que nos referimos, salientando
os períodos em que o Sherman Act não foi aplicado, com o escopo de fortalecimento
do sistema produtivo.
46. Remete-se ao estudo sobre concentração industrial de Sérgio Buarque de Holanda
Filho (Estrutura industrial no Brasil: concentração e diversificação, p. 10-20).
Analisando o resumo que faz este autor das principais escolas econômicas sobre a
concentração, percebe-se que, no fundo, o debate se restringe a, de uma parte, fazer
salientar os benefícios que são trazidos pela concentração econômica (a exemplo
de Schumpeter) e, de outra, os prejuízos decorrentes da excessiva concentração
do capital.
47. Qual o número ideal de agentes econômicos, no mercado? Conforme nos diz Ross,
F. M. Scherer acredita que algo entre dez e vinte empresas seria ideal, enquanto Bork
escreveu que bastariam duas ou três. O Departamento de Justiça Americano, por sua
vez, já entendeu que mercados com mais de cinco ou seis empresas são suficiente-
mente competitivos para permitir a concentração (Ross, Principles of antitrust law,
p. 319-320).
48. Essas discussões são também cardeais nos debates que se travam entre as diversas
escolas do antitruste, a que já fizemos referência no capítulo sobre os objetivos da
legislação antitruste e que, por essa razão, não serão aqui repetidos.

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426 Os fundamentos do antitruste

8.5. Avaliação das concentrações pelas autoridades antitruste


Tanto no Brasil quanto na Europa, a disciplina das concentrações não
pode ser encarada de forma dissociada da política econômica, o que faz com
que seu controle assuma, também, caráter instrumental.
Desde que foi emanado o Regulamento Europeu 4.064/1989 tem-se notícia
de poucas operações de concentração em que empresas europeias tencionavam
adquirir outra estrangeira foram obstadas. Uma delas foi o caso De Havilland,
que se tornou célebre e deu ensejo a inúmeras críticas por parte da doutrina
especializada. A Comissão vetou que a sociedade canadense De Havilland,
atuante no setor de fabricação de aeronaves para transporte regional de pas-
sageiros, fosse adquirida pelo Groupement ddintérêt économique ATR (Avions
de transport régional), controlado pela sociedade francesa Aérospatiale e pela
italiana Alenia, por ser a operação “incompatível com o mercado comum”.
Alberto Saravalle ressalta, que: “A questão mais controvertida da decisão, e
sobre a qual a Comissão ficou dividida, diz respeito aos critérios de julgamento
adotados para avaliar a concentração. De fato, sustentou-se que a operação não
deveria ser avaliada exclusivamente com base na concorrência, mas dever-se-ia
levar também em conta os objetivos da política industrial europeia”.49-50-51-52

49. Não pode deixar de causar surpresa a decisão da Comissão, estranha à tradição da
jurisprudência que já se consolidara. Diz-se, a esse respeito, que muito é devido ao
fato de que, no momento do voto final, o Presidente Delors absteve-se de proferir voto
e o Comissário francês, Scrivener, encontrava-se ausente. Assim, as razões expostas
por Brittan puderam prevalecer, tendo sido, afinal, declarada a incompatibilidade
da operação com o mercado comum.
50. Alberto Saravalle, Il caso De Havilland: tutela della concorrenza o politica industriale,
Diritto del Commercio Internazionale, p. 252.
51. Cf. Alberto Saravalle, Il caso De Havilland: tutela della concorrenza o politica indus-
triale, Diritto del Commercio Internazionale, p. 249.
52. Durante o processo de realização do mercado único europeu, os governos nacionais
incentivaram o processo interno de concentração de empresas, sob o olhar compla-
cente da Comissão Europeia, que intervinha apenas em casos de grave infração ao
“espírito comunitário”. Os governos nacionais encontraram, assim, nas políticas
concentracionistas regionais, um instrumento para afrontar a crise dos anos 80. (i)
A República Federal Alemã, durante os anos 70, promoveu o aumento da capaci-
dade de vários de seus agentes econômicos. Posteriormente, sobretudo durante os
anos 80, a autoridade nacional procurou incentivar a concentração entre grandes
empresas, intervindo, a autoridade antitruste, de forma a evitar que as excessivas
concentrações de poder comprometessem o equilíbrio político do país. (ii) Política
semelhante foi adotada na França, com o incentivo às concentrações, visando afrontar
a concorrência americana e japonesa. A autoridade antitruste francesa não apenas

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Concentrações entre agentes econômicos 427

Por vezes, as discussões envolvendo a obstrução de concentrações de


empresas norte-americanas trazem à tona as disputas comerciais entre a União
Europeia e os Estados Unidos, passando o centro de decisão quase que exclusi-
vamente para a seara política. Exemplos desses conflitos ocorreram mais recen-
temente nos casos General Electric/Honeywell, Boing/MacDonnel Douglas (que
serão mais detidamente analisados no último capítulo) e, também, na análise
da conduta da Microsoft53 que, embora não versando sobre operação concen-
tração, deixou claras as diferentes abordagens adotadas pelos dois sistemas.
Nos Estados Unidos, a questão das concentrações coloca-se de forma
particular, sendo identificáveis várias ondas ao longo de sua história, e, em
algumas delas, o receio quanto ao excessivo poder econômico fez surgir regu-
lamentação sobre o controle dessas operações.54
Ao contrário do que se poderia esperar, após a promulgação do Sherman
Act intensificou-se o número de concentrações empresariais, principalmente
no período compreendido entre os anos de 1897 e 1901.55 Em 1914, poste-
riormente à edição do Clayton Act (condenando a aquisição de ações de em-

anuiu o processo de concentração, como criou as condições para o fortalecimento das


empresas nacionais, de forma a transformarem-se em líderes europeias. Concluindo,
em uma fase bastante delicada da integração europeia, os principais Estados-membros
procuraram reaquecer a economia não mediante a concessão de incentivos para
minimizar os efeitos sociais da crise, mas, principalmente, promovendo práticas
concentracionistas com a instrumentalização de uma política de concorrência (cf.
Patrizio Bianchi e Giuseppina Gualtieri, Economia di mercato ed istituzioni pub-
bliche per il funzionamento del mercato nella nuova fase di integrazione europea:
un’analisi di economia politica, Concorrenza e controllo delle concentrazioni in
Europa, p. 23-27).
53. Em março de 2004, a revista Antitrust Bulletin dedicou número especial à análise
das principais diferenças entre as políticas antitruste norte-americana e europeia. A
conclusão parece ser que há muito mais divergências do que normalmente se veicula.
Indispensável a leitura do artigo de Gunnar Niels e Adrian Kate, Introduction: anti-
trust in the U.S. and the EU – converging or diverging paths? e, também, de Eleanor
Fox, Monopolization, abuse of dominance, and the indeterminacy of economics: the
U.S./E.U. divide.
54. “There have been three periods of intense merger activity in the history of the United
States. Ironically, each of these three periods followed the passage of an antitrust
statute thought to protect the public from anticompetitive mergers” (James McCall,
Sum and substance of antitrust, p. 219).
55. No ano de 1890, New Jersey tornou-se o primeiro estado norte-americano a admitir
que uma empresa fosse titular de ações de outra empresa. Delaware adotou a mesma
posição nove anos depois. A holding torna-se, assim, uma popular forma de consoli-
dação do poder econômico (Fox e Sullivan , Cases and materials on antitrust, p. 737).

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428 Os fundamentos do antitruste

presas atuantes no mesmo mercado quando fosse prejudicial à concorrência),


verificou-se outra onda concentracionista, que iria aumentar durante os anos
20. O Clayton Act raramente foi utilizado para impedir concentrações até sua
revisão, com a promulgação, em 1950, do Celler-Kefauver Act,56 reformulando
o art. 7.º do Clayton Act, de forma à torná-lo aplicável às operações de con-
centração que se verificassem mediante a aquisição de ativos (e não apenas de
ações). Outro período de elevada atividade concentracionista é identificado
em seguida à Segunda Grande Guerra. Após o ano de 1967, intensifica-se a
formação de conglomerados.57 Nas décadas de 70 e 80, tem-se outro movimento
concentracionista nos Estados Unidos. Conforme comentário de Hovenkamp:
“O movimento resultou em muitos fracassos, mas também proporcionou aos
Estados Unidos algumas de suas maiores firmas. Finalmente, esse movimento
deitou os fundamentos da estrutura geralmente oligopolística que boa parte
da indústria americana possui atualmente”.58

56. Fox e Sullivan assinalam que era bastante simples para os agentes econômicos esquiva-
rem-se da incidência do Clayton Act, bastando, para tanto, adquirir os ativos de outras
empresas e não seu controle acionário (Cases and materials on antitrust, p. 740).
57. Os dados históricos desse parágrafo nos são fornecidos por James McCall (Sum and
substance of antitrust, p. 219 e ss.) É de se ressaltar, entretanto, que não há consenso
entre os autores americanos ao indicar os períodos dessas ondas de concentração. Ho-
venkamp, por exemplo, coloca a primeira delas entre os anos de 1895 e 1904, quando
mais de 15% das empresas americanas teriam sido envolvidas em alguma operação de
concentração (Federal antitrust policy, p. 443). Já segundo Fox e Sullivan, uma primeira
onda concentracionista iniciou-se por volta do ano de 1849, intensificou-se no ano
de 1890 e estendeu-se até 1893. Outra onda teve início em 1895, perdendo sua força
no ano de 1904 (Cases and materials on antitrust, p. 738). Para profunda análise do
processo de concentração das empresas norte-americanas, cf. Daniel Guérin e Ernest
Mandel, La concentración económica en Estados Unidos, Capítulos I e II, p. 37-52.
58. Federal antitrust policy, p. 443. O mesmo autor indica evidências de que a aplicação
da Lei Antitruste americana teria levado ao movimento concentracionista das décadas
de 70 e 80. Altos custos fixos e elevada produção forçavam os agentes econômicos à
integração, mas as práticas concertadas eram consideradas ilegais. Desta feita, uma
vez que as concentrações eram vistas de forma mais liberal, muitos empresários
voltaram-se para essa alternativa. Conclui o autor que, provavelmente em virtude
desse caminho, as empresas americanas desenvolveram-se com mais eficiência e
tornaram-se maiores. Ao contrário, na Inglaterra, mais tolerante com os cartéis e
práticas colusivas, as pequenas empresas efetivaram práticas concertadas, em alter-
nativa ao processo de concentração. Por essa razão, na metade deste século, muitas
empresas britânicas eram pequenas, familiares e dominadas pela ineficiência. Assim,
“so agressive American antitrust policy may have had an efficient consequence,
although it was not the consequence that its planners had in mind” (idem, ibidem).

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Concentrações entre agentes econômicos 429

É fato, entretanto, que a concentração de poder econômico nas mãos de


agentes privados é questão delicada nos Estados Unidos.59 Desde a promulgação
do Sherman Act, passando pelo período pós-guerra, quando se temia o poder
das grandes empresas (lembre-se que os cartéis haviam auxiliado a ascensão
e manutenção de Hitler no poder),60 e até hoje, em alguns momentos, acaba-
-se por recear o poder econômico não porque o agente possa dele abusar, mas
simplesmente por sua existência.61-62 Entende-se as palavras de Steven Levy

Tendo em vista a afirmação de Hovenkamp, torna-se bastante útil a análise da evolução


da disciplina da concorrência na Inglaterra, efetuada por Denys Gribbin às páginas
211 a 246 da obra coletiva Concorrenza e controllo delle concentrazioni in Europa. Esse
autor confirma que, desde o final do século XIX, foi favorecida a formação de cartéis
e de organismos cooperativos no âmbito do Reino Unido, com o escopo de enfrentar
a concorrência oferecida pelos konzern alemães (p. 212).
59. A título exemplificativo, o conhecido caso Brown Shoe Co. vs. U.S. (370 U. S. 294, 82
S. Ct., 1502 – 1962), em que a Suprema Corte condenou operação de concentração que
restringiria, apenas, 1% ou 2% do mercado. A Corte repeliu a argumentação de “incipiên-
cia” da operação, concluindo que deveria ser condenada, uma vez que o mercado exibia
uma “tendência” para a concentração e integração vertical (Hovenkamp, Antitrust,
p. 137). Assinale-se, ainda, que a modificação do art. 7.º do Clayton Act, ocorrida em
1950, deveu-se, na opinião de Hovenkamp, ao fato de que “Congress wanted stronger
merger standards that would condemn acquisitions in their ‘incipiency’, before they
had a chance to work their full evil” (Federal antitrust policy, p. 342).
60. “In the late 1930s and early 1940s, with the ascendancy of Hitler supported by the
German cartels, Americans became increasingly fearful of concentrated political
power. A lively merger movement intensified the fear. In 1938 Franklin D. Roosevelt
established the Temporary National Economic Committee (TNEC) to study the
causes of and cures for industrial concentration. (...) Scholars and other observers
saw the trend towards concentration as a threat to democratic institutions and to
the tradition of entrepreneurial competition. (...) In its Final Report, the TNEC
recommended extending the merger law to acquisitions of assets and further recom-
mended that planned mergers and acquisitions be notified to the government” (cf.
Fox e Sullivan, Cases and materials on antitrust, p. 743-744).
61. Fábio Nusdeo situa, nesse contexto, o julgamento do caso Alcoa, em que essa empresa
foi condenada por manter monopólio na venda de alumínio refinado: “Passou-se, assim,
do entendimento da rule of reason para o princípio da per se condemnationem, ou seja,
a condenação do monopólio em si, em virtude dos riscos a ele inerentes” (Abuso do
poder econômico, Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 132). Na mesma linha, Ascarelli
anota que somente em um ambiente de liberdade de iniciativa econômica é possível a
democracia (Sul progetto di legge antitrust, Studi in tema di società, p. 437).
62. “But big business and Americans always have had a love-hate relationship. Big
corporations employ more Americans and pay them higher salaries than small
businesses do. They do most of our research and development, introduce most of

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430 Os fundamentos do antitruste

sobre o caso Microsoft: “The problem isn’t Microsoft’s ambition; it’s Microsoft’s
position”.63
Em meados da década de 70, a Suprema Corte americana (e sua recém-
-formada maioria) marcou o início do domínio da Escola de Chicago.64 Essa
linha envolvia o retorno a um “neoclassicismo” econômico, sustentando o
adequado funcionamento do mercado sem a necessidade de intervenção go-
vernamental. As concentrações de empresas não eram vistas como algo a ser
evitado: se há concentração no mercado, não se deve inferir que ali há excessivo
poder econômico, mas sim economias de escala.65

our new products, defend us, entertain and inform us, and pay most of our taxes.
Notwithstanding these bounties, Americans have always mistrusted big business.
We have written and read about the ‘organization man’ who has ceded his freedom
and identity to his employer. We believe that big business homogenizes us, over-
-standardizes us and – worse of all – makes us pay high prices for shoody products
or poor service. Antitrust is properly concerned only with the last of these sins”
(Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 241-242). Na década de 70, afirmavam
Daniel Guérin e Ernest Mandel (La concentración económica en Estados Unidos, p.
86): “Los monopolios no sólo anulam al ciudadano norteamericano como individuo;
también lo oprimen como ‘animal político’”.
63. Antitrust and common sense – Judge Sporkin is right: Microsoft has gotten too
powerful, Newsweek, 06.03.1995, p. 39, coluna 2.
64. Durante a década de 60, nos Estados Unidos, a estrutura industrial era governada
pelo paradigma da “estrutura – conduta – desempenho”, que sugeria tornarem-se
as empresas menos competitivas (e levadas à colusão ou conduta oligopolística)
em mercados concentrados. Era o chamado S-C-P Paradigm. Na década de 70, este
paradigma começa a ser contestado por aqueles que alegavam (i) ser o alto grau de
concentração necessário em muitos mercados para obtenção de economias de escala e
(ii) que os mercados poderiam continuar a ser competitivos mesmo se funcionassem
em estruturas concentradas (Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 444). Assim,
“the more efficient a firm is, the faster its share will grow; as less efficient smaller
firms are driven out, concentration will naturally increase” (Fox e Sullivan, Cases
and materials on antitrust, p. 749). Neide Malard resume da seguinte forma a posição
da Escola de Chicago, com relação às concentrações: “Segundo a Escola de Chicago,
a concentração econômica não deve ser vista como uma presunção da ilegalidade, e
sim da eficiência. Os agentes econômicos, atuando no mercado de forma racional,
em busca da maximização dos lucros, combinam seus bens de produção da maneira
mais eficiente. Se fracassarem, serão punidos pelas forças competitivas do mercado.
Assim, a intervenção do Estado, por se constituir num movimento estranho ao
mercado, adiciona a ele mais ineficiência ao invés de torná-lo mais competitivo”
(Integração de empresas: concentração, eficiência e controle, RIBRAC, p. 49).
65. Essa posição estava em óbvia contraposição ao paradigma “estrutura – conduta –
desempenho”. Com efeito, considerada essa pauta, seria suficiente verificar que em

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Concentrações entre agentes econômicos 431

Em 1980, com a eleição de Ronald Reagan e a nomeação de William F.


Baxter para Assistant Attorney General encarregado da divisão antitruste do
governo norte-americano consolida-se o poder da Escola de Chicago. Em 1982,
são elaborados novos Merger Guidelines, que exprimem essa visão neoliberal.66
Na vigência das guidelines de 1992 (revistas em 1997), poucas operações de
concentração encontram problemas para aprovação nos EUA. A mesma ten-
dência manteve-se com a nova regulamentação de 2010.

8.6. Impacto das concentrações sobre o mercado


A avaliação de uma operação de concentração envolve a análise de seu
impacto sobre o mercado para determinar em que medida foi este “concentrado”
(ou seja, diminuiu o grau de concorrência ali existente).67
Mas o processo adotado para a determinação dos efeitos de qualquer ope-
ração sobre o mercado é, de sua parte, maleável, permitindo, pela conjugação
dos fatores relevantes no caso concreto, a obtenção de resultados bastante
diversos. Mais uma vez, colocam-se fórmulas, na esperança de proporcionar
maior grau de segurança jurídica na apreciação das operações de concentração,
como veremos a seguir.
O primeiro passo para a avaliação do abalo que uma operação de concen-
tração causa no mercado é a sua delimitação, ou seja, a indicação do mercado

determinado setor da economia as empresas obtém lucros demasiadamente altos,


ou ainda que o grau de concentração é por demais elevado, para deduzir a existência
de comportamentos anticoncorrenciais (cf. Matteo Caroli, La regolamentazione dei
regimi concorrenziali, p. 21). A grande preocupação desloca-se, então, da questão
das barreiras e da concentração para a análise da eficiência.
66. O primeiro Merger Guideline data de 1968. Posteriormente, no ano de 1982, ema-
naram-se novas Guidelines, que foram revistas no ano de 1984 (e são, geralmente,
referidas como as Guidelines de 1984). No ano de 1992, novas Guidelines são intro-
duzidas. Há autores que consideram que as Guidelines posteriores a 1968 são meras
atualizações e modificações da primeira. Da mesma forma, há quem julgue que são
quatro diplomas diversos, cada qual constituindo uma nova Merger Guideline. As
Mergers Guidelines de 1992 foram emanadas, conjuntamente, pelo Departamento
de Justiça e pelo FTC americanos e revisadas no ano de 1997. Em 19.08.2010, novas
Guidelines conjuntas foram lançadas pelos mesmos órgãos.
67. Ross se pergunta “whether the competitiveness of a market structure is more like
age (with each year, one gradually grows older; with each merger, a market gradually
becomes less competitive) or like virginity (one either is a virgin or is not; a market
either has enough firms to be competitive or it does not)” (Principles of antitrust law,
p. 319).

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432 Os fundamentos do antitruste

relevante.68 Posteriormente, identificam-se as quotas de mercado detidas pelas


empresas antes e depois da operação, bem como o grau de concentração do
mercado nesses dois momentos. São também tomados em consideração outros
pontos, tais como (i) existência ou criação de barreiras à entrada de novos
concorrentes, (ii) dinâmica da concorrência naquele mercado relevante e (iii)
concorrência potencial, chegando-se à conclusão sobre o eventual impacto
causado pela concentração.69
Já nos dedicamos, em capítulo específico, ao “elástico conceito de mercado
relevante” e como este pode ser demarcado de forma a condenar (ou aprovar) as
operações de concentração, conforme o entendimento da autoridade antitruste,
razão por que não vem a talho repetir aquelas ponderações. Repise-se apenas
que muitas operações de concentração podem ser viabilizadas se considerado
mercado relevante mais amplo como, por exemplo, o mundial (existindo concor-
rência internacional) e não o mercado relevante brasileiro.
Quanto à delimitação da parcela de mercado (market share) detida pelos
agentes econômicos partícipes da operação de concentração, também desta-
camos, em capítulo específico, que esta pode não refletir o poder de mercado
(market power) envolvido na prática, havendo outros elementos a ser consi-
derados. Não obstante, a market share constitui importante indicativo, pois,
muitas vezes, o percentual de mercado detido pelo agente é proporcional ao
seu poder econômico. Por essa razão, a delimitação da parcela de mercado é
crucial na avaliação do impacto concorrencial da operação.
A teoria econômica, buscando avaliar o grau de concentração presente
no mercado relevante, antes e após a operação, fornece-nos alguns métodos
de cálculo, de que podem as autoridades antitruste lançar mão para afirmar
que um mercado é “muito” ou “pouco” concentrado. Dentre esses, o mais uti-
lizado (e que foi, inclusive, adotado pelas Mergers Guidelines estadunidenses
a partir de 1984) é o chamado Índice HHI (Herfindhal-Hirschman Index).
Inicialmente, calculam-se e somam-se os quadrados das quotas detidas por
todas as empresas do mercado:
a) caso, após a operação, o número obtido for inferior a 1.000, o mercado é
considerado pouco concentrado, e conclui-se que a operação de concentração
não produziu efeitos anticoncorrenciais;

68. Esse método tem sido discutido nos Estados Unidos, propondo-se a análise de con-
centrações mediante o estudo do comportamento dos preços. V., a esse respeito, as
atuais “Horizontal Merger Guidelines” de 2010.
69. Fox e Sullivan, Cases and materials on antitrust, p. 750.

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Concentrações entre agentes econômicos 433

b) caso o número obtido, após a operação de concentração, oscile entre


1.000 e 1.800, o mercado é considerado moderadamente concentrado, e ape-
nas as operações que provocam um aumento inferior a 100 são normalmente
compatíveis; em caso de aumento superior a 100, a operação deve ser apreciada
tomando-se por base outros critérios;
c) se o número obtido for superior a 1.800, o mercado é tido como alta-
mente concentrado, e somente as operações que incrementam o número até 50
admissíveis. Alterações da ordem de 50 a 100 indicam que a operação deve ser
avaliada à luz de outros critérios. Se o aumento for, ao invés, igual ou superior
a 100, presume-se que a operação implica excessiva concentração de poder de
mercado. Essa presunção poderá ser, todavia, afastada, caso comprovado que
o negócio não cria ou reforça o poder de mercado detido pela empresa gerada
pela operação de concentração.
A nossa Lei 12.529/2011 não adotou o HHI como indicador do grau de
concentração de determinado mercado. Não obstante, poderá ser utilizado
como argumento retórico tanto pelas partes que submetem à apreciação do
CADE operação de concentração, como pelo intérprete autêntico.
As Guidelines europeias sobre a implementação do Regulamento 139,
de 2004, esclarecem que é “pouco provável que a Comissão identifique preo-
cupações em termos de concorrência de tipo horizontal numa concentração
com um HHI, após a concentração, situado entre 1.000 e 2.000 e com um delta
inferior a 250, ou numa concentração com um HHI, após a concentração,
superior a 2.000 e com um delta inferior a 150, excepto quando se verificam
circunstâncias especiais (...)”.
Sem dúvidas, se as fórmulas matemáticas acima transcritas pudessem
determinar, por si somente, a conformidade ou não de uma operação de con-
centração com a ordem econômica, seria proporcionado aos agentes confortável
grau de segurança e previsibilidade jurídicas. Entretanto, a realidade que se
apresenta é bem outra e plena de fatores que não se encontram refletidos em
análises puramente matemáticas.
No estudo do efeito anticompetitivo derivado da operação de concen-
tração, assume particular importância à concorrência potencial presente no
mercado relevante, bem assim a existência ou criação de barreiras à entrada
(ou volta) de concorrentes.70 Se, independentemente da operação, há agentes

70. Como assinala Herbert Hovenkamp, em 1972, no caso Ford Motor Co. vs. U.S. (562,
92, S. Ct. 1142), a Suprema Corte americana condenou a aquisição, por parte da
citada empresa, de fabricante de velas de automóvel, por entender que a operação

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434 Os fundamentos do antitruste

econômicos à margem do mercado prontos para alçar voo e aptos a nele en-
trar a qualquer momento (in the wings), a concentração pode não prejudicar
a livre-concorrência.71
Mas essa análise tradicional pode transcurar aspectos concorrenciais im-
portantes, especialmente quando tratamos de concentrações conglomeradas.
Lembram McCall e Denozza72 que, aparentemente, a união de uma empresa
produtora de detergente com outra de alvejantes não produzirá alteração na
composição de ambos os mercados relevantes, mas poderá gerar concentração
(conglomerada) de poder econômico, além de levantar barreiras à entrada de
novos agentes naqueles setores da economia. Sustenta-se que a concentração
pode prejudicar a livre-concorrência, ainda que os partícipes não sejam concor-
rentes, nos casos em que a operação tem o condão de eliminar a concorrência
potencial a que estava (ou seria) exposto um dos agentes.73
Destarte, sobretudo no que tange à avaliação das operações conglome-
radas, fatores outros que não apenas o aumento do grau de concentração em
determinado mercado relevante deverão ser tomados em consideração. A con-
jugação de todos esses valores leva-nos à ponderação que vai além de aspectos
meramente técnicos.
As análises das concentrações costumam também deixar de ponderar fa-
tores ligados ao mercado da distribuição e do fornecimento dos produtos envolvidos
na operação, ou seja, relacionados aos aspectos verticais da concentração. Hoje,
parte da doutrina destaca esse “terceiro mercado relevante”, pouco tratado pela
doutrina e pela jurisprudência produzidas a partir da análise de concentrações
horizontais e não verticais. Esse instrumental limitado não é suficiente para a
solução dos problemas concretos que tem surgido.

levantaria uma barreira à entrada e atuação de novos agentes econômicos naquele


mercado, já que não poderiam competir pelo fornecimento de produtos para a Ford
(Antitrust, p. 137). Trata-se da chamada foreclosure theory. Foreclosure, ressalta o
mesmo Hovenkamp em obra posterior, “occurs when vertical integration by one
firm denies another firm access to the market” (Federal antitrust policy, p. 342).
71. Ross, Principles of antitrust law, p. 360. Areeda e Kaplow apontam que “a merger is
not likely to create or enhance market power or to facilitate its exercise, if entry into
the market is so easy that market participants after the merger, either collectively or
unilaterally could not profitably maintain a price increase above premerger levels.
Such entry likely will deter an anticompetitive merger in its incipiency, or deter or
counteract the competitive effects of concern” (Antitrust analysis, suplemento de
1994, p. 128).
72. James McCall, Sum and substance of antitrust, p. 252, e Francesco Denozza, Antitrust,
p. 74.
73. Ross, Principles of antitrust law, p. 317.

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Concentrações entre agentes econômicos 435

O estudo do mercado de distribuição é fundamental, porque a dinâmica


concorrencial possui uma dimensão horizontal e uma vertical.74 Se descuidar-
mos dos aspectos competitivos ligados ao escoamento da produção, estaremos
subtraindo do exame antitruste grande parte dos problemas, e os resultados
poderão ser inadequados. Já dissemos que o escoamento da produção é pri-
mordial para o sucesso da empresa, condicionando sua atuação no mercado;
assim, é necessário investigar esses mercados relevantes ligados à distribuição
que também são impactados pelas concentrações.75

8.7. Mecanismo da Lei Antitruste Brasileira para viabilizar as concen-


trações econômicas. Análise e autorização pelo CADE
Apontamos no terceiro capítulo que, ao contrário de outros ordenamen-
tos jurídicos, para fins de caracterização da ilicitude, a Lei 12.529/2011 não
classifica as práticas dos agentes econômicos entre acordos, abuso de posição
dominante ou concentrações, referindo-se, apenas, a “atos sob qualquer forma
manifestados” (art. 36, caput). Assim, as concentrações, na medida em que
também são “atos”, podem constituir infração da ordem econômica se tiverem
por objeto ou que possam produzir efeito tipificado em qualquer dos incisos
do mesmo art. 36.
Contudo, mesmo trazendo prejuízos à concorrência, implicando con-
quista ou reforço de posição dominante, ou mesmo domínio de mercado, as
práticas concentracionistas podem ser realizadas, desde que os benefícios trazidos
superem os prejuízos concorrenciais. Para tanto, é preciso que a concentração
seja autorizada pelo CADE, nos termos do art. 88 da Lei Antitruste.
O CADE efetuará juízo de ponderação: considerará os prejuízos con-
correnciais causados pela operação, mas também suas eficiências, ou seja, os
aspectos positivos para a economia, para os consumidores e para a sociedade
em geral. O § 6.º do art. 88 dispõe que as práticas restritivas da concorrência
poderão ser autorizadas, desde que sejam observados os limites estritamente
necessários para atingir os seguintes objetivos: aumento da produtividade ou
da competitividade, melhoria da qualidade de bens ou serviços; e/ou eficiência
e desenvolvimento tecnológico ou econômico. Ademais, devem ser repassados
aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.

74. Robert Steiner, The third relevant market, p. 721.


75. Autores como Robert Steiner salientam que, mesmo nas análises horizontais, não se
pode prescindir da pesquisa de um terceiro mercado relevante (além do geográfico e
do material ou do produto): “Downstreams markets in which distribution firms resell
the goods of manufacturers in the relevant product market to household consumers
in the relevant geographic market”.

8004.indb 435 21/06/2018 13:33:15


436 Os fundamentos do antitruste

8.7.1. Critérios para determinação da necessidade de submissão da ope-


ração de concentração ao CADE
De acordo com o sistema de nossa Lei Antitruste, as operações de concen-
tração devem ser submetidas ao CADE previamente à sua concreção, quando se
subsumirem às hipóteses previstas nos arts. 88, caput, e 90 da Lei 12.529/2011.
Assim, nem todos os negócios que geram concentração são de apresen-
tação obrigatória, mas apenas as operações expressamente mencionadas no
art. 90, acima comentado (fusões, incorporações, compra de controle e de
ativos etc.).
E mesmo as concentrações mencionadas no art. 90, caput, estão dispensa-
das de apresentação se não alcançarem os patamares postos pelo art. 88, caput,
alterados pela Portaria Interministerial 994, de 30 de maio de 2012:
(i) um dos grupos partícipes da operação tenha registrado, no último
balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano
anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 750.000.000,00 (setecentos
e cinquenta milhões de reais); e
(ii) o outro grupo tenha o mesmo faturamento equivalente ou superior a
R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais).
Os critérios são cumulativos, ou seja, se uma empresa com faturamento
superior a setecentos e cinquenta milhões de reais, adquirir o controle de outra
que fatura menos de setenta e cinco milhões, não precisará pedir a autoriza-
ção do CADE. Igualmente, caso nenhum dos partícipes atinja o patamar de
faturamento de setecentos e cinquenta milhões, a operação não precisará ser
informada.76
Dizendo-o de outro modo: para determinar a necessidade de submissão
ao CADE da operação, deve-se, inicialmente, verificar se se trata de operação
expressamente mencionada nas definições do art. 90. Sendo positiva a resposta,
é ainda necessário verificar se o faturamento das partes alcança os patamares
postos pelo caput do art. 88.77

76. Esses patamares têm sido criticados porque permitem que um grande agente eco-
nômico aumente sua participação no mercado mediante a compra de empresas com
faturamento inferior a R$ 75 milhões, sem ter o dever, sequer, de dar notícia das
operações à autoridade antitruste. Essa estratégia tem sido empregada por grandes
grupos para adquirir concorrentes de menor porte, concentrando acentuadamente
o mercado em determinados setores e regiões.
77. O § 7.º do art. 88 da Lei 12.529/2011 reserva ao CADE a competência para, no prazo
de um ano contado da data de consumação, requerer as empresas que apresentem
atos de concentração que não se enquadrem na hipótese normativa do art. 90.

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Concentrações entre agentes econômicos 437

O art. 90, IV, da Lei 12.529/2011 menciona que, para fins de submissão ao
CADE, considera-se ato de concentração qualquer “contrato associativo, con-
sórcio ou joint venture”. Essa redação sempre gerou dúvidas, porque não existe
definição unívoca do que venha a ser um “contrato associativo”, tampouco uma
“joint venture”. Deveriam ser reportados todos e quaisquer contratos celebra-
dos entre agentes econômicos, desde que atingidos os parâmetros objetivos do
artigo 88? Visando à redução da insegurança, foi editada a Resolução CADE
17, de 18 de outubro de 2016, mas que, infelizmente, não foi capaz de dissipar
a polêmica. Dispõe o art. 2.º da Resolução CADE 17/2016 que, respeitados os
critérios estabelecidos no artigo 88, devem considerar-se “associativos quais-
quer contratos com duração igual ou superior a 2 (dois) anos que estabeleçam
empreendimento comum para exploração de atividade econômica, desde que,
cumulativamente: I - o contrato estabeleça o compartilhamento dos riscos e
resultados da atividade econômica que constitua o seu objeto; e II - as partes
contratantes sejam concorrentes no mercado relevante objeto do contrato”.
Primeiramente, o texto não elimina amplo expectro de interpretações pos-
síveis. Ademais, levado ao pé da letra, o ato normativo (nesta parte decorrente
de forte negociação política) poderia autorizar a liberação de acordos verticais,
que não necessitariam, assim, ser submetidos à apreciação do CADE. Infeliz-
mente, é isso que tem acontecido na prática, embora o texto da Lei Antitruste
não autorize essa exclusão.
A Lei prevê, também, importante exceção em relação aos atos que devem
ser apresentados ao CADE. É comum que empresas unam-se para participar
de licitações públicas. Contudo, a análise dessas associações não é função da
autarquia, conforme expressamente disposto no art. 90, parágrafo único, da
Lei Antitruste. Isso porque o CADE não tem competência para se colocar no
ápice da Administração Pública, interferindo em suas políticas. Julgamentos
das autoridades concorrenciais não podem modificar as políticas econômicas
formatadas pelo governo federal e tampouco entrar em conflito com decisões
tomadas por outros entes da Administração que implementem políticas públicas
com as quais o CADE eventualmente não concorde, sob pena de aviltar a orga-
nização e estrutura do Poder Executivo insculpidas na Constituição Federal.

8.7.2. Controle prévio da operação de concentração


A Lei é bastante clara ao afirmar, no § 2.º do art. 88, que o controle dos atos
de concentração pelo CADE será prévio e que estes não poderão ser consumados
antes de apreciados, sob pena de nulidade e multa pecuniária,78 sem prejuízo

78. Com valor não inferior a R$ 60.000,00 e não superior a R$ 60.000.000,00, sem
prejuízo da abertura de processo administrativo.

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438 Os fundamentos do antitruste

da abertura de processo administrativo (§ 3.º). A concentração não autorizada


e efetivada, na medida em que implicar domínio de mercado, abuso de posição
dominante ou prejuízo concorrencial é capaz de configurar infração à ordem
econômica, determinando a incidência do art. 36, caput, exigindo a abertura
de processo para sua investigação.
Sem a autorização, o ato não pode licitamente produzir sua eficácia plena. A
Lei lhe impõe cláusula suspensiva tácita, nos termos do art. 125 do Código Civil.79
Mas, no mundo dos fatos, é possível que altere a situação de mercado.
Por conta disso, o art. 88, § 4.º, estabelece que “Até a decisão final sobre a ope-
ração, deverão ser preservadas as condições de concorrência entre as empresas
envolvidas”, sob pena de aplicação de multa e de outras penalidades. Assim,
as partes deverão cuidar para que a operação não gere efeitos materiais até sua
apreciação pelo CADE.

8.7.2.1. Nota sobre os sistemas norte-americano e europeu


Nos Estados Unidos, a Premerger notification foi instituída pelo Hart-Scott-
-Rodino Act, de 1976, para certas concentrações de empresas. Prevê-se, também,
período de espera (waiting period) para viabilizar que as autoridades antitruste
coletem e apreciem as informações sobre a operação. Nesse espaço de tempo,
a operação não pode ser implementada. De qualquer forma, escoado o termo,
na hipótese de as partes seguirem adiante, as autoridades administrativas, caso
pretendam bloqueá-la, devem socorrer-se do Poder Judiciário.
Na Europa, antes da entrada em vigor da nova regulamentação, a obriga-
ção de notificação poderia ser cumprida até sete dias após a concretização da
operação ou do anúncio da oferta pública destinada a aquisição do controle.
Os Regulamentos 139, de 20.01.2004, e 802, de 07.04.2004, facultam que a
operação de concentração seja notificada antes80 ou após sua celebração; de
qualquer forma, sua eficácia ficará suspensa até a aprovação da Comissão. O
sistema europeu baseia-se no “princípio da notificação obrigatória das concen-
trações previamente à sua realização. Por um lado, a notificação tem importantes
consequências jurídicas favoráveis para as partes na concentração projectada”,
por outro, o descumprimento da obrigação de notificação acarreta imposição

79. In verbis: “Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição


suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que
ele visa”.
80. A notificação prévia é possível desde que haja real intenção de realizar a concentração.
No sistema europeu anterior, a notificação somente ocorria após a celebração de um
binding agreement.

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Concentrações entre agentes econômicos 439

de multas e “consequências negativas para as partes em termos de direito civil”.


A Comissão pode também, nos termos do art. 7(3) do Regulamento 139/2004,
mediante “pedido de derrogação” apresentado pelas, autorizar que, desde logo,
sejam produzidos todos ou parte dos efeitos da operação. Essa derrogação pode
ser pedida e concedida a qualquer momento, quer antes da notificação, quer
depois da transação.

8.7.3. Revisão da autorização pelo CADE


A autorização concedida pelo CADE é vinculante para a autoridade
antitruste, podendo ser revista, apenas, caso baseada em informações falsas
ou enganosas prestadas pelos interessados, se ocorrer o descumprimento de
quaisquer das obrigações assumidas, ou não forem alcançados os benefícios
visados (cf. art. 91, caput, da Lei 12.529/2011).81
Essa impossibilidade de o CADE vir, discricionariamente, a revogar au-
torização concedida, proporciona segurança jurídica ao agente econômico.
Como sabemos, a concessão de autorização pode ser (e geralmente o é) dire-
tamente derivada da política econômica atuada pelo órgão.82 Poderia ocorrer
que a modificação da linha de atuação do governo fizesse conveniente a re-
vogação de uma autorização (no interesse mesmo da tutela da concorrência).
Por exemplo, pensemos que o governo federal poderia pretender revogar a
autorização concedida ao cartel de fabricantes de automóvel, ainda na vigên-
cia da Lei 4.137, de 1962. Isso, entretanto, acabaria por gerar instabilidade
não desejada, pois a autorização não proporcionaria ao agente econômico
segurança alguma sobre a continuação de suas atividades. É por esse motivo
que os casos previstos para a revogação das autorizações estão previstos, em
numerus clausus, no texto do art. 91 da Lei 12.529, de 2011, não sendo o elenco
apenas exemplificativo.
Contudo, ao prever a possibilidade de revogação da autorização se “não
forem alcançados os benefícios visados”, dá-se ampla margem de atuação ao

81. Trata-se, como comenta Renato Alessi, de caso em que a própria norma estabelece
limites, indicando especificamente as condições de fato em presença das quais a
administração poderá revogar o ato administrativo. Observa, ainda, que, confor-
me as condições de fato indicadas são “precisas” ou “imprecisas”, restará ou não à
Administração uma margem de discricionariedade na apreciação da “suficiência”.
Haveria casos, então, em que a revogação seria vinculada e não discricionária (La
revoca degli atti amministrativi, p. 116-17).
82. Sobre a influência política nas decisões de concentrações, v. Mihir N. Mehta e outros,
Political influence and merger antitrust reviews. Disponível em: [https://papers.ssrn.
com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2945020]. Acesso em: 25.02.2018.

8004.indb 439 21/06/2018 13:33:15


440 Os fundamentos do antitruste

CADE. Contudo, mesmo no passado, não se tem notícia de que esse poder
tenha sido exercido por nossa autoridade.

8.7.4. O acordo em controle de concentrações


A Lei 12.529, de 2011, faculta à Administração celebrar com as partes
acordo para viabilizar a aprovação da operação de concentração, denominado
“acordo em controle de concentrações”.83
O objetivo desse acordo é estabelecer condições para a aprovação do ato,
com cláusulas que visam a eliminar os efeitos nocivos à ordem econômica. A
aprovação de seus termos deverá ser realizada pelo Plenário do Tribunal (art.
9.º, V), competindo à Superintendência-Geral sugerir as condições para sua
celebração, bem como fiscalizar o seu cumprimento (art. 13, X). 
O administrado assume, perante a Administração, a obrigação de amoldar
a prática às condições impostas para a sua aprovação. As vantagens de ambas
as partes são evidentes: o administrado obtém a aprovação do ato, embora com
limitações; a Administração aprova-o, segura de que as eficiências alegadas
serão alcançadas.
Note-se que a ausência de acordo com as partes envolvidas não impede
o Superintendente-Geral de sugerir a aprovação do ato com restrições (art.
61, caput), bem como o Tribunal de “aprová-lo parcialmente, caso em que
determinará as restrições que deverão ser observadas como condição para a
validade e eficácia do ato”. 
Nos últimos anos, esses acordos vêm sendo utilizados com frequência
pelo CADE que, obtendo a concordância das empresas aos seus termos, evita
a contestação judicial de suas decisões.
Um dos problemas que se pode vislumbrar em relação a esses acordos é o
controle do atendimento ao interesse público pelos termos negociados entre Admi-
nistração e empresas privadas. A doutrina ondeia e, até o presente momento, não
se tem notícia de eventual controle judicial das cláusulas desses compromissos.
Alguns chegaram a ser acusados de conter restrições meramente “formais” e,
dessa forma, viabilizar a sedimentação de elevado grau de concentração nos
mercados analisados e o abuso contra agentes econômicos que se situavam
em níveis diversos da cadeia produtiva (como distribuidores, por exemplo).
Da forma como acabou promulgada, a Lei não prevê mais a obrigatoriedade
de publicação da minuta desses acordos, o que pode dificultar que terceiros

83. A disciplina do acordo em controle de concentrações era feita pelo art. 92 da Lei
Antitruste, que acabou vetado pela Presidenta da República.

8004.indb 440 21/06/2018 13:33:15


Concentrações entre agentes econômicos 441

interessados e a própria sociedade civil manifestem-se sobre o seu teor. Não


podemos deixar de destacar que o Regulamento Europeu 139, de 20.01.2004,
assegura “aos representantes constituídos dos trabalhadores das empresas”
envolvidas na concentração “a oportunidade de serem ouvidos”.84 Nossa Lei
retirou qualquer referência à consideração dos impactos sociais, como nível
de emprego, nas tratativas entre Administração e Administrado.
Também se afirma que a própria fiscalização do cumprimento desses
compromissos por parte das autoridades antitruste tem se mostrado defeituosa,
de forma que as empresas acabam desviando-se dos termos acordados. Nesse
ponto, a atuação do Ministério Público e da sociedade civil na fiscalização
dos compromissos assumidos pelas empresas perante o CADE, embora ainda
incipiente, tende a aumentar bom funcionamento do sistema.

8.8. A tendência mundial de fraca implementação do controle de


concentrações
Apesar de grande parte dos recursos das autoridades antitruste acabarem
despendidos em atividades relacionadas à análise de atos de concentração,
o fato é que, nas últimas décadas, raríssimas são as operações contestadas e
quase nenhuma efetivamente obstada, seja no Brasil, nos Estados Unidos ou
na União Europeia.85
Essa tendência muitas vezes encerra paradoxo: ao mesmo tempo em que a
coibição de cartéis (acordos entre concorrentes) é feita com vigor, produzindo
efeitos até mesmo na esfera criminal, concentrações entre concorrentes são
aprovadas sem grandes percalços.86
No Brasil, nos últimos anos, foram autorizadas operações que geraram
elevado grau de concentração no mercado e, consequentemente, descrença da
população em relação à atuação do CADE. Também por aqui, embora muitos
recursos sejam canalizados para as análises dos atos de concentração, julga-se
que poucos deles podem gerar problemas concorrenciais e, quando ocorrem

84. O acordo em controle de concentrações não se confunde com o compromisso de cessa-


ção de prática, previsto no art. 85 da Lei Antitruste, porque desempenham funções
sistêmicas bastante diversas. O compromisso de cessação foi estudado no capítulo
terceiro.
85. A análise das raras práticas obstadas pelas autoridades antitruste leva o estudioso
a observar, em algumas ocasiões, rasgos do sempre negado protecionismo, que, na
prática, acabam gerando atritos entre Estados Unidos e União Europeia.
86. V. sobre a tendência de não aplicação efetiva do controle de concentrações, Jonathan
B. Baker e Carl Shapiro, Reinvigorating Horizontal Merger Enforcement.

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442 Os fundamentos do antitruste

estas hipóteses, são celebrados acordos com a Administração para viabilizar a


aprovação sem grandes modificações nos planos originais das empresas.
A situação brasileira das análises das concentrações explica-se também
pela tendência mundial de se entender que, mesmo no caso da presença de
relevantes prejuízos concorrenciais causados pela concentração econômica,
argumentos como “entrada”, “expansão” e “eficiências”, bem como a criação
de “campeões nacionais”, são suficientes para suplantar os efeitos deletérios
das aglutinações empresariais. 87

87. Uma das principais críticas que se faz à autoridade antitruste brasileira refere-se
à falta de oposição firme a duas das principais concentrações de nossa história,
que teriam gerado malefícios ao mercado e aos consumidores. Os casos sempre
lembrados são, na indústria de cervejas, a junção da Antártica com a Brahma, ge-
rando a AMBEV [1.999] e, no setor alimentício, da Sadia com a Perdigão, origem
da BrasilFoods [2.009].

8004.indb 442 21/06/2018 13:33:15


9
Extraterritorialidade
das Leis Antitruste

“If most nations act more or less selfishly in matters of international trade,
each must protect its own interests as best as it can”
– Areeda E Kaplow.

Sumário: 9.1. Conflito de jurisdições. 9.2. Limites à extraterritorialidade. As leis


de bloqueio (blocking laws). 9.3. Os obstáculos enfrentados pelas empresas. As
concentrações internacionais e sua apreciação por várias jurisdições. 9.4. Proposta
para diminuição dos conflitos de leis e de jurisdição.

A extraterritorialidade das normas antitruste é questão visceralmente ligada


ao seu caráter instrumental e à implementação de políticas públicas. Com efeito,
é comum que os países procurem estender seu poder para regulamentar e julgar
todas as práticas antitruste que, de alguma forma, sejam aptas a afetar, ainda que
indiretamente, seus interesses comerciais ou aqueles dos agentes econômicos na-
cionais. A respeito, as palavras do Professor de Yale, Myres McDougal:1 “Quando
a Suíça ou o Canadá ou qualquer outro país emprega seu aparato governamental
para proteger empresários, em atividades que prejudiquem o funcionamento
sadio do processo comunitário dentro dos Estados Unidos, eles estão interferin-
do com os negócios internos e domésticos dos Estados Unidos, tanto quanto os
Estados Unidos podem estar interferindo com os negócios de outros países, ao
aplicar suas leis antitruste às atividades causadoras de danos. Acordos feitos por
empresários privados na Suíça e no Canadá, ostensivamente protegidos pelas leis
desses países, podem afetar ou determinar os preços que eu devo pagar, dentro
dos Estados Unidos, pelo alumínio ou relógios. Num mundo interdependente,
a interferência recíproca dos Estados Unidos no processo comunitário, inclusive
nas questões econômicas, é inevitável”.
A questão da jurisdição assume, assim, particular relevância, principal-
mente se considerarmos a necessidade de os Estados assegurarem a aplicação da

1. José Carlos de Magalhães, Aplicação extraterritorial de leis nacionais, José Inácio


Gonzaga Franceschini e José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini, Poder econômico:
exercício e abuso, p. 668-669.

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444 Os fundamentos do antitruste

lei interna (e seu poder jurisdicional) todas as vezes em que a implementação


de sua política pública assim reclamar.
Três são os critérios geralmente utilizados pelas legislações antitruste com
o escopo de determinar a “lei aplicável”, ou seja, a jurisdição sobre determi-
nada prática, em princípio, contrária à livre-concorrência: (i) territorialidade;
(ii) nacionalidade dos agentes; e (iii) local de verificação dos efeitos. Raramente
as legislações antitruste lançam mão de apenas um desses critérios, sendo
bastante comum sua conjugação.2
O critério da territorialidade implica aplicação da norma antitruste vigente
no mercado em que se verificar a prática restritiva da concorrência. Essa regra é,
portanto, consoante ao princípio de direito internacional segundo o qual “cada
Estado, como membro da comunidade internacional, exerce sua autoridade
dentro de seu território”.3 O princípio da territorialidade é uma das hipóteses
previstas pela lei brasileira para sua aplicação, conforme expressamente dispos-
to no art. 2.º da Lei 12.529/2011: “Aplica-se esta Lei (...) às práticas cometidas
no todo ou em parte no território nacional (...)”.

2. Para que se tenha uma visão completa do aspecto político da extraterritorialidade, v.


José Ângelo Estrella Faria, Aplicação extraterritorial do direito da concorrência. Dis-
ponível em: www.fag.edu.br/professores/adrianenf/Extraterritorialidade.RTF. Acesso
em: 27.07.2010. V., também, Direito antitruste. Aspectos internacionais, de Valéria
Guimarães de Lima e Silva. Na literatura estrangeira, A. V. Lowe, discorre sobre a evo-
lução dos conflitos entre americanos e ingleses, originados dos efeitos extraterritoriais
das leis dos Estados Unidos. Culmina a exposição com as justificativas da blocking
law de 1980, discorrendo, também, sobre a posição inglesa, contrária à utilização do
princípio dos efeitos como determinante da jurisdição competente para apreciação
da prática (Blocking extraterritorial jurisdiction: the British protection of trading
interests act, 1980, The American Journal of International Law, p. 257-282). O artigo
foi prontamente respondido com a publicação de editorial de Andreas F. Lowenfeld,
defendendo a posição norte-americana. Algumas observações contra a posição inglesa
são bastante contundentes: “The UK Protection Trading Interests Act is a response to
efforts by the United States Government to regulate certain aspects of transnational
economic activity according to standards applicable within the United States. From
the American point of view the efforts are quite understandable, indeed obvious. If
A, B and C, all United States companies, cannot join together to set the price of a new
product sold in the United States, why should D and E, say British or French compa-
nies, be permitted to set the price of the same product sold in the same (American)
market?” (Editorial Comment – Sovereignty, jurisdiction and reasonableness: a reply
to A. V. Lowe, The American Journal of International Law, vol. 75, 1981, p. 630).
3. V. José Carlos de Magalhães, O controle pelo Estado da atividade internacional das
empresas privadas, Revista de Informação Legislativa, ano 30, n. 119, jul./set., 1993,
p. 191.

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Extraterritorialidade das Leis Antitruste 445

Em outras palavras, é competente a jurisdição brasileira para apreciar as


práticas antitruste que sejam cometidas dentro de seu território.
Já o princípio dos efeitos (effects doctrine) determina a incidência da lei
antitruste do Estado em que se verificarem as consequências da prática restritiva.
O que importa, neste caso, não é a nacionalidade ou domicílio dos partícipes,
mas o mercado relevante no qual serão produzidos os efeitos.4 Este é o mais
comum dos elementos de conexão, sendo adotado pelo Tratado da União Eu-
ropeia e pelos sistemas norte-americano5 e brasileiro.
É bastante claro o texto do art. 2.º da Lei 12.529/2011, in fine, ao colocar
sob o abrigo da lei brasileira as práticas que “produzam ou possam produzir
efeitos” no território nacional.6 Desta forma, além do critério da territorialidade,
nossa lei adota, expressamente, o critério dos efeitos. Ademais, a jurisdição bra-
sileira será competente para apreciar a prática restritiva ainda que seus efeitos
não se tenham concretizado em território brasileiro, mas exista a possibilidade
de que tal fato venha a ocorrer. Ou seja, a competência brasileira estender-se-á
ainda que os efeitos considerados sejam potenciais.
A Comissão europeia já teve a oportunidade de conceder atestado nega-
tivo à prática restritiva da concorrência cujos efeitos seriam sentidos apenas
no Oriente Médio.7 Alguns autores, entretanto, noticiam que, por vezes, a

4. O ato pode produzir efeitos em mercados de vários países. Por exemplo, um cartel
celebrado na Europa pode produzir efeitos também no Brasil e, neste caso, a autori-
dade brasileira será competente para apreciar a prática (o que não impede a jurisdição
concorrente europeia).
5. Sobre a evolução da jurisprudência norte-americana na criação da doutrina dos efeitos,
cf. José Ângelo Estrella Faria, Aplicação extraterritorial do direito da concorrência,
e Valéria Guimarães de Lima e Silva, Direito antitruste. Aspectos internacionais. Cf.,
também, Americo Beviglia Zampetti, Applicazione della legislazione antitrust
statunitense in materia di commercio internazionale: recenti sviluppi, Diritto del
commercio internazionale, 7.2/304 e ss., abr./jun. 1993.
6. V. Fábio Ulhôa Coelho, Direito antitruste brasileiro, p. 7-8.
7. Cf. Frignani e Waelbroeck, Disciplina della concorrenza nella CEE, p. 29. O TFUE,
versa, somente, sobre os acordos entre empresas que “(...) sejam susceptíveis de
afectar o comércio entre os Estados-membros e que tenham por objetivo ou efeito
impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno (...)” (art. 101). Da
mesma maneira, o art. 102 veda o abuso de posição dominante apenas na medida em
que tal prática seja “(...) susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros
(...)”. Daí decorre a orientação da jurisprudência europeia, que sistemativamente
afirma não ter competência para julgar práticas cujos efeitos são sentidos além do
território europeu (cf. D.E.C.A. e AEG-Elotherm, e atestados negativos concedidos
à Bendix-Mertens, Grosfillex-Fillistorf, Nicholas-Vitapro, referidos por Frignani e

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446 Os fundamentos do antitruste

Europa teme reconhecer expressamente a adoção dessa doutrina. Desta feita,


desenvolveu a “teoria da unidade econômica”, mediante a qual a matriz, se-
diada fora do mercado interno, pode ser responsabilizada pelos atos praticados
por sua controlada. Explica Valéria Guimarães de Lima e Silva que, com esse
método, “o nexo causal que induz à competência territorial é, portanto, o
comportamento praticado no interior do mercado comunitário, que estende a
jurisdição da Comunidade às empresas estrangeiras, quando a análise apontar
para a existência de unidade comportamental entre estas e a empresa do mesmo
grupo encontrada no interior da Comunidade”.8
Por fim, pelo critério da nacionalidade, deve ser aplicada a lei antitruste
do país onde estiverem sediadas as empresas partícipes ou, no caso de pessoas
físicas, a lei do Estado de sua nacionalidade. Esse elemento de conexão é tam-
bém adotado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido.9-10

Waelbroeck, Disciplina della concorrenza nella CEE, p. 29) e também aplica penali-
dades às empresas ou sociedades que não possuem sede em qualquer país da União
Europeia, mas que praticaram atos cujos efeitos ali são sentidos.
8. Direito antitruste. Aspectos internacionais, p. 75. Ainda sobre a mesma questão, v. p.
241 e s.
9. Nota-se, assim, que o sistema americano abriga os três critérios a que fazemos referên-
cia: territorialidade, nacionalidade e efeitos. É importante que se diga, no entanto, que o
texto original do Sherman Act não prevê a existência de qualquer um dos mencionados
critérios. Estes foram colocados, primeiramente, pelo trabalho da jurisprudência
norte-americana. No que tange à legislação, as modificações foram introduzidas com
a alteração da sec. 7 do Sherman Act, com a promulgação do Foreign Trade Antitrust
Improvements Act de 1982, e pelo Restatement of Foreign Relations Law of the United
States (cf. Bernini, Un secolo di filosofia antitrust, p. 120). Hovenkamp (Federal anti-
trust policy, p. 701), esclarece que é dado às Cortes daquele país declinarem de sua
competência, com base no sistema da comity, ou seja, seu “desire to live peacefully
with and accommodate the interests of other nations”. Também a doutrina ameri-
cana assinala que, na primeira metade do século XX, as cortes relutavam em aplicar
sanções decorrentes das leis antitruste às práticas realizadas no exterior. Tome-se, a
título exemplificativo, a seguinte manifestação de Justice Holmes no caso American
Banana Co. vs. United Fruit Co. (1909): “General and almost universal rule is that
the character of an act as lawful or unlawful must be determined wholly by the law
of the country where the act is done” (referido por Hovenkamp, Federal antitrust
policy, p. 699-700). Entretanto, a orientação americana muda em meados da década
de 40, com a afirmação do princípio dos efeitos (United States vs. Aluminum Co. of
America). Para maiores referências e outros julgados posteriores sobre a questão, v.
Handler, Blake, Pitofsky e Goldschmid, Trade regulation, p. 1114 e ss. V., também,
Bernini, Un secolo di filosofia antitrust, p. 119.
10. A respeito, comenta Daniele de Giovanni: “Il Regno Unito si caratterizza per un par-
ticolare approccio al problema dell’extraterritorialità. Il governo britannico ha infatti

8004.indb 446 21/06/2018 13:33:15


Extraterritorialidade das Leis Antitruste 447

Como é logo de se perceber, o critério dos efeitos acaba por estender a


jurisdição de um país sobre atos que não se verificaram em seu território e sobre
pessoas ali não residentes ou sediadas.11 Determina-se, assim, a produção de
efeitos da lei fora do território do Estado que a emanou. Daí a expressão “efeitos
extraterritoriais das leis antitruste”.12
Em princípio, a extraterritorialidade será limitada pelas soberanias de
outros países, como se verá mais adiante. Por ora, basta anotar os protestos
que se levantam contra a agressiva extraterritorialidade das leis antitruste
norte-americanas, que acaba por gerar conflitos e fricções em suas relações
comerciais internacionais.13

sempre sostenuto che l‘extraterritorialità della giurisdizione in tema di politica della


concorrenza debba essere affermata solo sulla base dei principi della ‘nazionalità’
e della ‘territorialità’, e non su quello della dottrina degli effetti, rispondendo con
ostilità a tutti quei paesi, principalmente gli USA, che prendono in considerazione
anche quest’ultimo principio” (Le politiche della concorrenza: presente e futuro,
Quaderni di economia e banca, p. 61). No mesmo sentido, cf. A. V. Lowe, Blocking
extraterritorial jurisdiction: the British protection of trading in-terests act, 1980,
The American Journal of International Law, p. 264.
11. Sobre a possibilidade de aplicação do Sherman Act a cartéis de exportação estrangeiros,
cf. William F. Baxter, The growing conflict between barriers to international trade
and antitrust policy, Private investors abroad: problems and solutions in International
Business in 1982, p. 233-234 e Maira Yuriko Rocha Miura, Os cartéis de exportação
na ordem jurídica brasileira.
12. Transcrevemos as palavras do Juiz Hand, no caso Alcoa, 148 F 2d at 443 (referido
por Handler, Blake, Pitofsky e Goldschmidt, Trade regulation, p. 1136): “[I]t is set-
tled law (...) that any state may impose liabilities, even upon persons not within its
allegiance, for conduct outside its borders that has consequences within its borders
which the state reprehends (...)”.
13. Cf. Sullivan e Hovenkamp, Antitrust law, policy and procedure, p. 97. Bernini (Un
secolo di filosofia antitrust, p. 120) assinala que “alcuni Stati stranieri sono interve-
nuti, in diversi casi, per protestare contro questa allargata sfera di efficacia della legge
americana, che colpisce anche i soggetti non sottoposti alla potestà legislativa degli
Stati Uniti”. Mais especificamente, Michael R. Calabrese (Jurisdiction – Limitations
on concurrent jurisdiction – U. S. Court may order discovery of foreign documents,
notwithstanding foreign law, if discovery will support national policy, is vital to the
litigation, and may be accommodated by the foreign sovereign, Virginia Journal of
International Law, vol. 20, fasc. 4, 1980), relata os protestos levantados por Austrália
e Grã-Bretanha, transcrevendo parte da decisão proferida no caso Rio Tinto Zinc.
Corp. vs. Westinghouse Elec. Corp. (1978) 2 WLR at 108: “For many years now
the United States has sought to exercise jurisdiction over foreigners in respect of
acts done outside the jurisdiction of that country. This is not in accordance with

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448 Os fundamentos do antitruste

9.1. Conflito de jurisdições

Embora possa comportar desrespeito à tradicional doutrina do direito


internacional, as leis antitruste, de modo geral, não utilizam terminologia
exata, deixando de diferenciar, de forma clara, os institutos da lei aplicável e
da jurisdição competente.14
Em se tratando de normas antitruste, considera-se, acima de tudo, seu
caráter de ordem pública, não se podendo falar, portanto, em voluntária aplica-
ção de lei estrangeira a qualquer prática restritiva da concorrência. Não têm
validade, também, cláusulas de lei aplicável contratualmente ajustadas.15 Na
verdade, em se tratando de antitruste, usa-se, geralmente, a expressão lei aplicável
como sinônima de alcance da jurisdição de determinado país.16
A Lei 12.529 de 2011, ao estabelecer, no art. 2.º, sua aplicabilidade “(...)
às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele
produzam ou possam produzir efeitos”, determina, de fato, que o Brasil terá

international law”. O mesmo autor assinala, ainda, que “the Canadian government
‘tolerates’ extraterritorial impact when it serves to promote objectives consonant
with Canadian interests, but rejects U. S. action with conflicts with ‘established and
important economic and social policies’”. Cf., ainda, Americo Beviglia Zampetti,
Applicazione della legislazione antitrust statunitense in materia di commercio in-
ternazionale: recenti sviluppi, Diritto del Commercio Internazionale, p. 304.
14. Por exemplo, a lei antitruste brasileira, em seu art. 2.º, refere-se, claramente, à lei
aplicável e não à jurisdição competente. O mesmo se diga do Foreign Trade Antitrust
Improvements Act, de 1982, que dispõe sobre a aplicabilidade do Sherman Act (cf.
Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 700). Trata-se de questão de “competência
internacional” que, como assinala José Ignacio Botelho de Mesquita: “Não é propria-
mente um problema de competência; é, antes e mais precisamente, um problema de
limite da extensão da jurisdição nacional em face da jurisdição de outros Estados
igualmente soberanos” (Da competência internacional e dos princípios que a infor-
mam, Revista de Processo, n. 50, p. 51).
15. “Si tratta – come è intuitivo – di norme che, attenendo all’organizzazione econo-
mica, hanno il rango di ordine pubblico, talchè non si può sfuggire al loro impero,
neppure sottoponendo il contratto ad altra legge o delocalizzando quanto più è
immaginabile. Esse comunque non solo fungerebbero come norme impeditive del
riconoscimento e/o esecuzione di sentenze o lodi, emanati in base a norme non
conformi, ma troverebbero applicazione automatica in quanto tutti gli Stati ne pre-
vedono l’amministrazione ad opera di autorità ad hoc o delle autorità giudiziarie,
che agiscono ex officio” (Frignani, Il diritto del commercio internazionale, p. 102).
16. Sobre a análise da jurisdição no campo do antitruste, v. o consistente estudo de Valéria
Guimarães de Lima e Silva, Direito antitruste. Aspectos internacionais, p. 44 e ss.

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Extraterritorialidade das Leis Antitruste 449

jurisdição sobre aqueles casos. Em outras palavras, atrai para a competência das
autoridades brasileiras (que passam a ter poder – ainda que concorrente – para
julgar) todas as condutas que possam vir a afetar os interesses econômicos, so-
ciais ou políticos do país. Jurisdição e lei aplicável, no caso, confundem-se.17-18
A aplicação de diversos critérios para determinação dos limites da juris-
dição (ou da lei aplicável) acarreta a possibilidade da existência de autêntico
conflito positivo de jurisdição.19 É o que acaba por acontecer, na maioria das
vezes, com os cartéis de exportação, que não raro são isentados ou ignorados
pela autoridade do país em que se verificou o acordo (pela aplicação do critério
da territorialidade), mas acabam condenados pelo país importador (conforme
o princípio dos efeitos).
Nos casos de jurisdições concorrentes, sucede com certa frequência
que ambos os países aplicam suas leis nacionais e proferem decisões sobre a
mesma prática, gerando questões que tangem à efetividade dos julgados e da
política por eles atuada. O país que isentou determinada conduta restritiva da
concorrência da aplicação da lei antitruste nacional muito provavelmente não
permitirá a execução, em seu território, de sentença ou decisão de autoridade
estrangeira condenando aquele mesmo ato.
Caso os agentes econômicos punidos possuam ativos, distribuidores ou
representantes no país que acabou por penalizar ou vedar a prática, a sanção
poderá ser direcionada sobre esses ativos, representantes ou distribuidores,
o que já não ocorre se o agente econômico considerado infrator não possuir
qualquer bem ou ligação com o país no qual se produzem os efeitos da prática
anticoncorrencial. Neste caso, serão por demais restritos os instrumentos de
que pode lançar mão o Estado para assegurar efetividade à sanção que aplicou.20

17. A doutrina (cf. Calabrese, Jurisdiction – Limitations on concurrent jurisdiction – U.


S. Court may order discovery of foreign documents, notwithstanding foreign law, if
discovery will support national policy, is vital to the litigation, and may be accommo-
dated by the foreign sovereign, Virginia Journal of International Law, p. 928), muitas
vezes, utiliza a expressão conflict of law como sinônima de “conflito de jurisdição”.
Ora, como já ressaltado, em casos antitruste, a questão não assume maior relevância,
transformando-se em mero debate acadêmico.
18. Comentam Sullivan e Hovenkamp a respeito: “Under the Department’s new interpre-
tations, a foreign cartel aimed at limiting purchases of American exports, depressing
the price of those exports, or boycotting American goods or services abroad would
be subject to the Sherman Act” (Antitrust law, policy and procedure, p. 97).
19. A respeito Frignani e Waelbroeck, Disciplina della concorrenza nella CEE, p. 31.
20. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 159, ressaltam que “where, however, all actors
are foreign and without sufficient persons or assets here to coerce compliance, there

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450 Os fundamentos do antitruste

Há de se reconhecer que, como adverte José Ângelo Estrella Faria, “[a] capa-
cidade do Poder Executivo e dos tribunais nacionais de fazer face a práticas
transacionais restritivas da concorrência depende dos meios a seu alcance para
assegurar o cumprimento do direito nacional de concorrência por empresas
sediadas no estrangeiro”.
Bastante ilustrativo a esse respeito é o caso, constantemente referido
pela doutrina especializada, conhecido como o cartel dos relógios suíços. Os
exportadores suíços de relógios deram lugar a pacto neutralizando a concor-
rência entre eles e exportaram seus produtos para os Estados Unidos. Pelo
sistema americano, com base no princípio dos efeitos, a autoridade nacional
era competente para decidir sobre a questão, aplicando o Sherman Act. Com
o escopo de superar o problema da efetividade da decisão (uma vez que de
nada adiantariam decisões que devessem ser executadas na Suíça), o julgado
atingiu apenas os acordos entre empresas suíças e distribuidores americanos.21
A sentença foi dirigida às pessoas que estavam efetivamente (materialmente)
sujeitas à soberania norte-americana, de sorte que o ordenamento jurídico
interno assegurou a efetividade do julgado.
No ano de 1982, o Congresso estadunidense emanou o Foreign Trade An-
titrust Improvement Act (FTAIA) sobre a aplicação extraterritorial do Sherman
Act, determinando que, regra geral, a lei americana somente deve incidir sobre
situações em que o comércio daquele país é afetado. Assim, os arts. 1 a 7 do
Sherman Act incidem sobre as condutas que tenham (i) “direct, substantial,
and reasonable foreseeable effect” em seu comércio e (ii) cujos efeitos deem
origem à reclamações (“claim”) baseadas naqueles mesmos dispositivos legais.
Um dos escopos de tal disciplina, como comenta a doutrina especializada, foi
negar força às decisões estrangeiras que eventualmente contrariem interesses
econômicos ou empresas norte-americanos.
Embasada no FTAIA, em 2004, a Suprema Corte recusou a pretensão dos
reclamantes estrangeiros, que alegavam ter sofrido prejuízos decorrentes da
fixação de preços pelos fabricantes e distribuidores de vitaminas. Os julgadores

may be no remedy. Indeed, there may be no antitrust case if necessary documents


are located abroad and foreign law forbids their removal or disclosure even by a U.
S. Firm”.
21. Conforme relatado por Areeda e Kaplow (Antitrust analysis, p. 158, nota 145), a
sentença dissolvia apenas os acordos entre empresas americanas e suíças que (i)
restringiam ou limitavam a importação de relógios de pulso nos Estados Unidos por
empresas norte-americanas, (ii) limitavam o volume, tipo ou parte de relógio que
as empresas americanas poderiam fabricar fora da Suíça, ou (iii) limitavam a venda
ou revenda de partes dos relógios em território americano.

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Extraterritorialidade das Leis Antitruste 451

entenderam que a lei americana não poderia ser aplicada quando os prejuízos
sofridos pelos consumidores norte-americanos fossem independentes dos danos
experimentados pelos consumidores de outros países.22 A ideia principal, ex-
posta por Justice Breyer, é que “a purchaser in the United States could bring a
Sherman Act claim under the FTAIA based on domestic injury, but a purchaser
in Ecuador could not bring a Sherman Act based on foreign harm”.

9.2. Limites à extraterritorialidade. As leis de bloqueio (blocking laws)


Muito embora os países tendam a aplicar sanções ou expedir ordens a
empresas ou pessoas físicas sediadas ou domiciliadas no exterior, os efeitos
extraterritoriais das leis antitruste sofrem limitações impostas pelas soberanias
dos outros países. Algumas vezes, a imposição de obstáculos manifesta-se pela
promulgação e aplicação de uma lei de bloqueio (blocking law) destinada a
impedir, em território nacional, a produção de efeitos de ordens proferidas
por autoridades estrangeiras, sejam sentenças, sejam determinações de cons-
tituição de provas.
Nem sempre uma blocking law vem posta pelo Estado de forma inequí-
voca, mediante a promulgação de texto de lei que veda, expressamente, v.g., a

22. Nas palavras da Suprema Corte norte-americana: “No one denies that America’s anti-
trust laws, when applied to foreign conduct, can interfere with a foreign nation’s ability
independently to regulate its own commercial affairs. But our courts have long held
that application of our antitrust laws to foreign anticompetitive conduct is nonethe-
less reasonable, and hence consistent with principles of prescriptive comity, insofar
as they reflect a legislative effort to redress domestic antitrust injury that foreign anti-
competitive conduct has caused. (…) We recognize that principles of comity provide
Congress greater leeway when it seeks to control through legislation the actions of
American companies, see Restatement § 402; and some of the anticompetitive price-
-fixing conduct alleged here took place in America. But the higher foreign prices of
which the foreign plaintiffs here complain are not the consequence of any domestic
anticompetitive conduct that Congress sought to forbid, for Congress did not seek to
forbid any such conduct insofar as it is here relevant, i.e., insofar as it is intertwined
with foreign conduct that causes independent foreign harm. (…). Regardless, even
where nations agree about primary conduct, say price fixing, they disagree dramati-
cally about appropriate remedies. The application, for example, of American private
treble-damages remedies to anticompetitive conduct taking place abroad has generated
considerable controversy. See, e.g., 2 ABA Section of Antitrust Law, Antitrust Law Deve-
lopments 1208-1209 (5th ed. 2002). And several foreign nations have filed briefs here
arguing that to apply our remedies would unjustifiably permit their citizens to bypass
their own less generous remedial schemes, thereby upsetting a balance of competing
considerations that their own domestic antitrust laws embody (F. Hoffman-La Roche
Ltd. et al. v. Empagran S. A. et al., 542 U.S. 155 (2004).

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452 Os fundamentos do antitruste

execução de sentenças estrangeiras. Ao contrário, podemos considerar como


lei de bloqueio aquela que, sistematicamente, é atuada pela jurisprudência ou
órgãos administrativos de molde a impedir a produção de efeitos de atos de
autoridades estrangeiras.
Tal função poderia ser desempenhada pelo art. 6.º da Resolução 9, de
2005, do Superior Tribunal de Justiça a quem compete o reconhecimento de
sentenças estrangeiras por força do art. 105, I, i, da CF/1988. Nos termos do
citado dispositivo da resolução, “[n]ão será homologada sentença estrangeira
ou concedido exequatur a carta rogatória que ofendam a soberania ou a ordem
pública”. Assim, o Superior Tribunal de Justiça estaria autorizado a proferir
decisão idêntica àquelas muitas vezes emanadas por outras cortes, recusando
o cumprimento de ordens judiciais estrangeiras sobre questões antitruste.
Não se pode esquecer, ainda, que, no Brasil, o art. 181 da CF determina que
“o atendimento de requisição de documento ou informação de natureza co-
mercial, feita por autoridade administrativa ou judiciária estrangeira, a pessoa
física ou jurídica residente ou domiciliada no País dependerá de autorização
do Poder competente”.
Justifica-se geralmente a lei de bloqueio com base na proteção da soberania
nacional, no poder do país sobre informações e documentos situados em seu
território, bem como na tutela dos interesses comerciais do Estado e de seus
cidadãos, que poderiam ser prejudicados tanto pela execução de sentença
estrangeira quanto pela divulgação de informações.
De forma geral, existem três principais tipos de leis de bloqueio: (i) as
primeiras, impedem a homologação/execução de sentenças estrangeiras; (ii)
outras dificultam ou impedem a colaboração de autoridades, pessoas físicas
ou jurídicas residentes, domiciliadas ou sediadas no país, em processos con-
duzidos por autoridades estrangeiras; (iii) o terceiro tipo elimina os efeitos já
produzidos por sentença estrangeira, como é o caso de algumas disposições
da Lei Britânica de 1980.23
As leis de bloqueio que têm por escopo impedir a constituição de provas
destinadas a instruir processos em outros países acabam por negar a colabo-
ração de autoridades judiciárias nacionais ou ainda por vedar a residentes ou
domiciliados o cumprimento de ordens de autoridades estrangeiras. Podemos
classificar esse tipo de lei de bloqueio segundo o método utilizado com o
propósito de impedir a constituição de provas: (i) pode ser terminantemente
proibida (e penalizada com sanção bastante rigorosa) qualquer divulgação de

23. Luigi Fumagalli, Conflitti tra giurisdizioni nell’assunzione di prove civili all’estero,
p. 150.

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Extraterritorialidade das Leis Antitruste 453

certo tipo de informação, como, por exemplo, ocorria na Suíça relativamente


às normas que protegiam o sigilo bancário, ou ainda às normas que impedem
divulgação de dados sobre sociedades de capital estrangeiro, sediadas nos
chamados “paraísos fiscais”; (ii) outro grupo de normas de bloqueio veda a
divulgação de informações, a menos que haja autorização prévia da autoridade
competente; (iii) já o terceiro tipo autoriza a prestação da informação, outor-
gando, não obstante, o poder à determinada autoridade nacional de intervir
para impedir a divulgação.
É dado constatado empiricamente que “ondas” de blocking laws coincidem
com períodos de instrução de grandes processos antitruste nos Estados Unidos.
Por essa razão, ainda que não tenha sido expressamente declarado por ocasião
de sua promulgação, a maioria das leis de bloqueio originou-se no desejo de
proteção contra a excessiva extraterritorialidade das leis norte-americanas.24
A primeira onda, como nos relata Fumagalli, é identificada na década de
50 e decorre de investigação levada a efeito nos Estados Unidos sobre anoma-
lias no transporte de cargas para aquele país. As autoridades norte-americanas
procuraram constituir provas além dos limites de seu território, sob a ameaça
de imposição de fortes sanções aos estrangeiros que não colaborassem.
Outro grande número de leis de bloqueio foi expedido no período com-
preendido entre os anos de 1976 e 1984, como reflexo do caso Westinghou-
se.25 Essa sociedade celebrou, nos últimos anos da década de 60, com várias
outras empresas, contratos pelos quais se obrigava a fornecer urânio, por certo
período de tempo, a preço fixo (à época, bastante competitivo). Entretanto, a
fornecedora não pode honrar os compromissos que assumira porque o preço
do urânio quadruplicou-se nos últimos meses do ano de 1975.
Quando demandada judicialmente para o cumprimento da obrigação,
a Westinghouse alegou a impossibilidade da prestação, pois o cartel interna-
cional do urânio (do qual participavam, inclusive, governos de vários países
estrangeiros) haveria manipulado os preços praticados no mercado interna-
cional. Paralelamente a procedimento antitruste de iniciativa do governo, a
Westinghouse iniciou ação privada. Para a respectiva instrução, buscou-se a

24. A respeito da extraterritorialidade das leis antitruste norte-americanas, o detalhado


estudo de Kingman Brewster Jr., Antitrust and american business abroad, p. 3-75.
25. Este e outros casos relacionados com a extraterritorialidade norte-americana e as
blocking laws são relatados por Michael Calabrese, Jurisdiction – Limitations on
concurrent jurisdiction – U. S. Court may order discovery of foreign documents,
notwithstanding foreign law, if discovery will support national policy, is vital to the
litigation, and may be accommodated by the foreign sovereign, Virginia Journal of
International Law.

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454 Os fundamentos do antitruste

constituição de provas no exterior, tendo sido expedidas pelas autoridades


americanas várias cartas rogatórias.
A House of Lords da Grã-Bretanha negou a execução da ordem estrangeira
em seu território, por entendê-la contrária à soberania nacional.26 O Canadá,
por sua vez, tratou de promulgar rapidamente uma lei de bloqueio, que ser-
viu de base para os juízes denegarem a constituição de provas em território
canadense. A Austrália não seguiu caminho diverso, emanando também leis
de bloqueio.27
Uma das mais significativas leis de bloqueio do referido período é a pro-
mulgada em 1980 pelo Parlamento britânico, com o declarado objetivo de
proteger o Reino Unido “contra tentativas de outros países de executar suas
políticas econômicas e comerciais unilateralmente”.28 Esse diploma estabelece
três tipos de medidas que podem ser utilizadas para a proteção dos interesses
britânicos: primeiramente, os cidadãos do Reino Unido ficam proibidos de
acatar ordens provenientes de autoridades estrangeiras, desde que elas tenham
efeitos extraterritoriais e prejudiquem os interesses comerciais britânicos. Ade-

26. Como relata Lowe, foi argumentado à época que “1) The antitrust laws of the Uni-
ted States of America (‘U. S.’) should not provide jurisdiction for U. S. courts to
investigate non U. S. companies and non U. S. individuals in respect of their actions
outside the U. S.; 2) For the purposes of United Kingdom sovereignty the U. K.
does not recognise any such investigation as having validity or as being proper; 3)
The matters set out above are rendered a fortiori by virtue of the penal character of
the antitrust laws; 4) Any use of the U. S. antitrust laws or procedures for the above
purposes, except with the authority of the U. K., is an invasion of and prejudicial
to U. K. sovereignty”. A Casa dos Lordes, por sua vez, acolheu integralmente essa
argumentação que havia sido deduzida pelo Poder Executivo (Blocking extraterri-
torial jurisdiction: the British protection of trading interests act, 1980, The American
Journal of International Law, p. 270). O desenrolar do caso do cartel do urânio foi
decisivo para que a Grã-Bretanha emanasse, em 1980, o British Protection of Trade
Interest Act, a que nos referimos adiante.
27. V., sobre o caso, Luigi Fumagalli, Conflitti tra giurisdizioni nell’assunzione di prove
civili all’estero, p. 158, nota 122. Verifique-se, também, Michel Calabrese (Jurisdic-
tion – Limitations on concurrent jurisdiction – U. S. Court may order discovery of
foreign documents, notwithstanding foreign law, if discovery will support national
policy, is vital to the litigation, and may be accommodated by the foreign sovereign,
Virginia Journal of International Law, p. 925 e ss.).
28. Cf. declaração do Secretário de Estado para o Comércio (Secretary of State for Trade),
transcrita por A. V. Lowe, Blocking extraterritorial jurisdiction: the British protec-
tion of trading interests act, 1980, The American Journal of International Law, p. 257.
Como assinala o mesmo autor, é sabido que esta lei de 1980 dirigia-se, frontalmente,
contra os efeitos extraterritoriais da legislação norte-americana.

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Extraterritorialidade das Leis Antitruste 455

mais, as cortes não podem dar execução a julgados estrangeiros que envolvam
questões de indenizações por perdas e danos ou relacionadas à apreciação de
práticas restritivas da concorrência (“involving the award of multiple damages
and of certain other judgements touching upon the control of restrictive prac-
tices”). Por fim, assegura-se ao cidadão britânico, contra quem foi imposto o
pagamento de indenização por uma corte estrangeira, direito de propor ação,
perante cortes nacionais, buscando recuperar a quantia paga em excesso.29
As leis de bloqueio, algumas vezes, assumem caráter desvantajoso para os
agentes econômicos nacionais, chegando a prejudicar suas atividades. Se, na
origem, a promulgação desse tipo de lei foi destinada a proteger os cidadãos e
as empresas, permitindo-lhes autênticos álibis para não cumprirem ordens de
autoridades estrangeiras, acabou por colocar o destinatário da norma em situa-
ção de conflito: caso cumpra sua lei nacional, pode ser sancionado pelo outro
país; de outra parte, se decidir colaborar com a autoridade estrangeira, deverá
suportar as penalidades que lhe são impostas pelas autoridades nacionais.
Em face dessa questão, a jurisprudência norte-americana posicionou-
-se afirmando a necessidade da adoção de um case by case approach, com a
consideração minuciosa do ato analisado.30 Fixaram-se algumas pautas de
interpretação que mandam considerar (i) a boa-fé do agente, de forma a se
constar que este não induziu voluntariamente a subsunção do caso à restrição
legal imposta por seu país, e (ii) os interesses que o país estrangeiro procurou
proteger quando da promulgação da blocking law.31

29. V. Americo Beviglia Zampetti, Applicazione della legislazione antitrust statunitense


in materia di commercio internazionale: recenti sviluppi, Diritto del Commercio
Internazionale, p. 312.
30. “The propriety of the use to which it is put depends upon the circumstances of a
given case” (United States vs. Field, 532 F. 2d 404 (5th Cir.), referido por Calabrese,
Jurisdiction – Limitations on concurrent jurisdiction – U. S. Court may order dis-
covery of foreign documents, notwithstanding foreign law, if discovery will support
national policy, is vital to the litigation, and may be accommodated by the foreign
sovereign, Virginia Journal of International Law, p. 930).
31. Cf., a título exemplificativo, os seguintes casos: United States vs. First National City
Bank – 396 F. 2d 897 (2d Cir. 1968); Trade Development Bank vs. Continental In-
surance Co. – 496 F. 2d 35, 39-41(2d Cir. 1972); American Industrial Contracting,
Inc. vs. Johns-Manville Corp. – 326 F. Sup. 879 (W. D. Pa. 1971); e Arthur Andersen
e Co. vs. Finesilver – 546 F. 2d 338 (10th Cir. 1976), referidos por Calabrese (Juris-
diction – Limitations on concurrent jurisdiction – U. S. Court may order discovery
of foreign documents, notwithstanding foreign law, if discovery will support national
policy, is vital to the litigation, and may be accommodated by the foreign sovereign,
Virginia Journal of International Law, p. 931-932).

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456 Os fundamentos do antitruste

Na maioria das vezes, entretanto, os tribunais americanos decidem tutelar


os interesses de seu país e de seus nacionais. Assim, as pautas de interpreta-
ção a que nos referimos acabam por constituir mera retórica a fundamentar
a decisão.32

9.3. Os obstáculos enfrentados pelas empresas. As concentrações


internacionais e sua apreciação por várias jurisdições
Além dos problemas enfrentados com as leis de bloqueio, a diversidade
de legislações e de políticas econômicas atuadas pelos países gera entraves às
concentrações internacionais, que impactam vários mercados.
Como a maioria dos países mantém sua própria lei concorrencial, com
obrigações específicas quanto à notificação da operação, muitas vezes as em-
presas são obrigadas a submeter pedidos de aprovação em várias jurisdições.
Por exemplo, certa empresa brasileira adquirirá o controle de outra, nos Es-
tados Unidos. Esta, por sua vez, é proprietária de ativos em vários países da
União Europeia. Muito provavelmente, a operação deverá ser informada às
autoridades norte-americanas, à Comissão e, por fim, ao SBDC.
É claro que às empresas interessaria que houvesse apenas um “balcão”,
somente uma autoridade a ser municiada de informações e convencida dos
benefícios da prática. Trata-se do ideal do “one stop shop”, almejado por mui-
tos, que traria também a vantagem da eliminação da possibilidade de decisões
conflitantes.
Entretanto, essa proposta desconsidera a política econômica atuada pelos
países, o que torna sua aceitação bastante difícil. Três casos da década de 1990
ilustram as dificuldades que podem ser enfrentadas pelas grandes fusões.
Nas últimas décadas, os tribunais americanos raramente proibiram
grandes operações internacionais. Anota a doutrina especializada que “essas
decisões são na maioria das vezes resultado de uma aceitação da fusão como
instrumento para uma melhor eficiência produtiva e de economias de escala,
e não de uma limitação espontânea de jurisdição”. Há inegável “predisposição

32. Vale a referência à opinião de Areeda e Kaplow (Antitrust analysis, p. 158): não se tra-
taria necessariamente de proteção dos interesses dos Estados Unidos, mas da atuação,
pelos tribunais americanos, de princípios gerais de antitruste: “(...) our courts do in
fact apply the antitrust laws in these situations, emphasizing the presence and deep
involvement of a U. S. firm, some domestic actions, substantial restraints on U. S.
markets at the core of the restrictive arrangement, conduct highly reprehensible by
antitrust standards, and usually minimal involvement by the foreign government,
which may have permitted but certainly did not require the challenged conduct”.

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Extraterritorialidade das Leis Antitruste 457

favorável” tanto da FTC quanto do DOJ à aprovação das concentrações que


possam beneficiar os consumidores.33
Na União Europeia, a questão assume contornos diversos. Em 1991, isto
é, no início da vigência do Regulamento europeu de concentrações, a Comissão
não autorizou a aquisição, por Aerospatiale, Alenia-Aeritalia e Selenia SpA dos
ativos da de Havilland. Como afirmamos no capítulo referente aos objetivos
das leis antitruste, essa decisão foi bastante controvertida, pois (i) era favorável
aos interesses europeus e (ii) havia sido aprovada pela autoridade canadense.34
Mais bulha, pois prejudicava diretamente o interesse de empresas norte-
-americanas, causou a concentração entre Boeing e McDonnell Douglas, maiores
produtores de aviões estadunidenses. A Federal Trade Commission não se
opôs à operação, enquanto que a Comissão europeia impôs sérias restrições,
especialmente porque o market share da Boeing passaria de 60% para 80%
dos aviões comerciais em atividade.35 A Boeing foi obrigada a ceder, adotando
medidas que favoreceram a europeia Airbus. A Comissão sob forte pressão,
permitiu a fusão.36
No ano de 2001, novo embate teve lugar: a Comissão não concordou com
a fusão entre General Electric e Honeywell, fabricante de motores para aviões,
que havia sido aprovada pelas autoridades antitruste canadenses e americanas.37
Os europeus foram acusados de se valer, para fins protecionistas, de métodos
ultrapassados de análise, cuja aplicação havia há muito sido abandonada pelos
estadunidenses.

33. José Ângelo Estrella Faria, Aplicação extraterritorial do direito da concorrência.


34. Caso n. IV/M053, decidido pela Comissão em 02.10.1991.
35. Caso n. IV/M877, decidido em 1997.
36. Anota José Ângelo Estrella Faria que “os Estados Unidos tinham um incentivo para
aprovar a fusão, mesmo que ela tivesse efeitos anticoncorrenciais substanciais a nível
mundial, porque os custos seriam, na maior parte, externalizados, na medida em
que seriam sentidos fora dos Estados Unidos. A elevação de preços ao consumidor
seria de certa forma paga por consumidores fora dos Estados Unidos, ao passo que os
benefícios da presença de um monopolista, tais como alto emprego ou maior receita
fiscal, aproveitariam apenas aos Estados Unidos. Sobretudo nos Estados Unidos, o
caso é citado como exemplo do uso do direito antitruste para fins protecionistas,
atribuindo-se à Comissão o intuito de favorecer o consórcio Airbus, único concorrente
significativo da Boeing no mercado internacional. Outros têm criticado a decisão por
considerar que a Comissão excedeu seus poderes ao tomar medidas contra uma fusão
cujos efeitos sobre a concorrência no mercado europeu não estavam demonstrados”
(Aplicação extraterritorial do direito da concorrência).
37. Caso n. COMP/M 2220, julgado em 03.07.2001.

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458 Os fundamentos do antitruste

9.4. Proposta para diminuição dos conflitos de leis e de jurisdição


A doutrina norte-americana costuma sugerir três ordens de medidas para
solucionar conflitos de normas e jurisdição antitruste:
(i) a criação de uma autoridade antitruste internacional ou, ainda, seu
tratamento no âmbito da Organização Mundial do Comércio;
(ii) a harmonização das legislações, para que se evitem grandes disparida-
des entre os sistemas; e
(iii) a celebração de tratados visando à colaboração das autoridades
antitruste e à diminuição dos problemas políticos decorrentes da extraterri-
torialidade.
A viabilização do acesso a novos mercados é um dos fatores que mais
impulsiona o pleito de maior rigor das leis antitruste e sua aplicação de acordo
com critérios “absolutamente técnicos”, de forma a minimizar a influência da
política interna de cada país nas decisões.38 Nos últimos anos, intensificaram-
-se os trabalhos tendentes à aproximação entre as legislações e sua aplicação
(tais como aqueles desenvolvidos pela International Competition Network). As
explicações dadas por membros das autoridades antitruste norte-americanas
são bastante coerentes com essa visão: “Em um mundo onde muitas transações
são revistas por várias agências antitruste, o risco de conflitos substantivos
(em especial referentes a grandes transações) aumenta dramaticamente. (...)
Uma vigorosa e competitiva economia de mercado produz milhares de acordos
comerciais e transações todos os dias. (...) E, em nosso entendimento, o escopo
das agências antitruste é identificar e sanear transações anticompetitivas, não
solicitar às empresas requerentes que justifiquem seus negócios de alguma
forma ampla (e vaga)”.39 Nessa visão, urge a adoção de critérios objetivos,
para afastar o antitruste de influências políticas, ou seja, de “instabilidades”.
De outra parte, a colaboração entre as autoridades antitruste para melhor
investigar práticas anticompetitivas tem se mostrado frutífera, especialmente
nos casos em que há convergência de interesses comerciais dos países. Por
exemplo, o acordo de cooperação técnica entre o Brasil e os Estados Unidos,
celebrado em 1999, mas que teve o início de sua vigência de março de 2003,
pode mostrar-se adequado instrumento de combate aos cartéis internacionais.

38. Na opinião de David Gerber, uma das maiores falhas dessa visão que pretende im-
por a análise antitruste baseada em critérios que seriam puramente econômicos é a
não consideração das especificidades dos países em desenvolvimento. (Economic
development and global competition Law convergence, 2013).
39. Charles A. James, Guiding principles and recommended practices for merger notification
and review.

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Extraterritorialidade das Leis Antitruste 459

Para os norte-americanos, esses acordos de cooperação mostram-se conve-


nientes, especialmente se considerarmos que, desde o ano de 1996, mais de
90% dos cartéis investigados pela Divisão Antitruste operavam internacional-
mente40 e, dessa forma, sua condenação requeria a colaboração de autoridades
estrangeiras. Ademais, os acordos de leniência norte-americanos podem não
produzir os efeitos almejados, na medida em que as declarações neles contidas
sejam usadas em processos contra as empresas colaboradoras, conduzidos em
países estrangeiros.41
No caso dos cartéis das vitaminas conduzido nos EUA e na UE, e que
culminaram com a condenação de empresas sediadas naqueles países, dizem
alguns teóricos que “[a]lthough importers and consumers in developing
countries have also been affected by that cartel, EU and US antitrust officials
never shared their findings with colleagues in the South”.42
Na busca dessa “colaboração”, chegou a ir-se mais além, com a defesa da
necessidade da criação de órgão supranacional competente para julgar questões
internacionais antitruste e ditar as pautas de interpretação a serem seguidas
pelos tribunais nacionais.43

40. Cf. David E. Vann e Ethan Litwin, Recent developments in international cartel en-
forcement.
41. Exemplos de outros convênios ou acordos de colaboração mantido pelas autoridades
antitruste brasileiras são União Europeia, Portugal, Federação Russa, Canadá, Chile,
Argentina e Mercosul.
42. Thomas Fritz, The wrong forum: competition policy in the WTO.
43. As palavras de Bernini (Un secolo di filosofia antitrust, p. 122) sintetizam essa cor-
rente de pensamento: “Manca, inoltre, un ente, agenzia od organo internazionale,
con giurisdizione internazionale, in materia antitrust. La disciplina giuridica degli
scambi internazionali è lasciata alle singole Autorità giudiziarie statali, che appli-
cano la loro legge nazionale. È un approccio unilaterale, esclusivo. Non ci si chiede
quale, di una moltitudine di leggi, nazionali od estere, sarebbe più opportunamente
applicabile ad un caso concreto. Ci si preoccupa solo di rivendicare egoisticamente
la giuridizione del proprio ordine giudiziario. Ciò provoca conflitti e sovrapposizioni
nel commercio internazionale, senza favorire la creazione di un tessuto unitario,
capace di comporre antinomie che non restano limitate al settore economico, ma
si spingono anche a livelli più marcatamente socio-politici”. A respeito da mesma
questão, é indispensável, para que se conheça a opinião mais difundida entre juristas
de países desenvolvidos, a consulta ao artigo de Karl M. Meessen, que, após analisar
as principais decisões tratando de conflitos derivados da extraterritorialidade das
leis antitruste, apresenta uma série de sugestões para seu superamento (Antitrust
jurisdiction under customary international law, The American Journal of International
Law, p. 783-810).

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460 Os fundamentos do antitruste

O primeiro ponto que merece relevo é que essa linha de pensamento deno-
ta a percepção do antitruste apenas como instrumento para eliminarem-se os
efeitos autodestrutíveis do mercado. Parte-se do seguinte raciocínio: práticas
restritivas da concorrência podem ser prejudiciais ao fluxo de mercadorias e,
portanto, devem ser reprimidas. Não vem valorizada, entretanto, a aplicação
de determinada política pública mediante a utilização das normas antitruste,
motivo suficiente para afastar a submissão da prática às autoridades estran-
geiras, não comprometidas com políticas internas.
Se por um lado a criação de uma autoridade supranacional pode ser solução
viável e útil para países que possuem política antitruste comum (como, por
exemplo, os países da União Europeia), de outro parece-nos bastante desa-
conselhável para os chamados países subdesenvolvidos. A adoção de modelo
estrangeiro pode implicar intromissão em política interna, principalmente
se estabelecida a submissão das cortes nacionais às linhas determinadas por
outra autoridade.
Ora, a partir do momento em que enxergamos as isenções como válvulas de
escape da legislação antitruste, permitindo sua permeabilização pela realidade
econômico-política de determinada sociedade, percebe-se que algumas deci-
sões de caráter absolutamente interno passariam a ser decididas por autoridade
supranacional.
Por fim, não se pode deixar de notar fenômeno que reiteradamente
tem se feito presente na jurisprudência antitruste brasileira. O fácil acesso a
precedentes norte-americanos tem feito com que muitas decisões do CADE
venham embasadas em decisões estrangeiras que nos são estranhas. Em outras
palavras, percebe-se, em muitos casos, uma “aplicação uniforme” de legisla-
ções bastante díspares e a referência a doutrinas e teorias moldadas a outra
realidade econômica e social que não a nossa. Não são raros os casos nos quais,
ao cotejar as peças dos processos administrativos, temos a nítida impressão
de estarmos todos trabalhando alhures, e não no Brasil. Lança-se, mais uma
vez, a advertência já colocada neste trabalho e que denota – acima de tudo –
profunda preocupação que se instalou nos meios especializados: a experiência
estrangeira, sem dúvida, constitui referencial útil para a condução de nossas
autoridades, mas não podemos perder de vista que tratamos, sempre, de vá-
rios ordenamentos jurídicos, com diversos princípios embasadores que não
podem ser ignorados. Em suma, precisamos vivificar e construir a nossa própria
tradição antitruste e, nisso, o empenho de advogados, agentes públicos, juízes
e membros do Ministério Público será fundamental.

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Obras da Autora

A evolução do direito comercial brasileiro. Da mercancia ao mercado. 3. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2016.
Contrato de distribuição. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014.
Contratos empresariais. Teoria geral e aplicação. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2018.
Direito concorrencial e restrições verticais. São Paulo: Ed. RT, 2007.
O Estado, a empresa e o contrato. São Paulo: Malheiros, 2005 (Em coautoria com Eros
Roberto Grau.)
Sociedades por ações: jurisprudência, casos e comentários. São Paulo: Ed. RT, 1999. (Em
coautoria com Paulo de Lorenzo Messina.)
Teoria geral dos contratos empresariais. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013.

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