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r e v b r a s o r t o p .

2 0 1 4;4 9(2):140–148

www.rbo.org.br

Artigo Original

Planejamento pré-operatório de artroplastias totais


primárias de quadril com o uso de radiografias
convencionais夽

Edson Hidenori Miashiro a,∗ , Edson Noboru Fujiki b , Eduardo Nagashigue Yamaguchi b ,
Takeshi Chikude b , Luiz Henrique Silveira Rodrigues b , Gustavo Martins Fontes b
e Fausto Boccatto Rosa b
a Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil
b Clínica de Ortopedia do Hospital Estadual Mário Covas da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), Santo André, SP, Brasil

informações sobre o artigo r e s u m o

Histórico do artigo: Objetivos: apresentar um método analógico de planejamento pré-operatório de artroplastias


Recebido em 11 de outubro de 2012 totais primárias de quadril baseado na medida dos componentes pela sobreposição das
Aceito em 5 de dezembro de 2012 transparências da prótese sobre a radiografia pré-operatória. E verificar a acurácia, tanto na
previsão do tamanho do componente acetabular e do componente femoral usado como na
Palavras-chave: restauração do offset e na correção das dismetrias.
Artroplastia de quadril Métodos: entre março de 2005 e julho de 2009 foram analisadas 56 artroplastias totais pri-
Planejamento márias de quadril feitas em 56 pacientes no Hospital Estadual Mário Covas. As medidas dos
Quadril/radiografia componentes femorais e acetabulares obtidas no planejamento foram comparadas com
as que foram usadas na cirurgia. Os offset medidos no planejamento pré-operatório foram
comparados com os medidos na radiografia pós-operatória. A dismetria foi avaliada nos
momentos pré e pós-operatórios.
Resultados: foi observada uma acurácia de 78,6% (p < 0,001) na previsão do tamanho do com-
ponente acetabular e de 82,2% (p < 0,001) na previsão da haste femoral. Os offset medidos
no planejamento pré-operatório foram estatisticamente semelhantes aos offset medidos na
radiografia pós-operatória. No pós-operatório observamos a equalização absoluta em 48,2%
dos casos. Em 87,5% a dismetria foi igual a ou menor do que 1 cm e em 69,6% foi igual a ou
menor do que 0,5 cm.
Conclusões: a acurácia foi de 78,6% e 82,2%, respectivamente, para os componentes aceta-
bulares e femorais. Os offset planejados pré-operatório foram estaticamente semelhantes
aos medidos na radiografia pós-operatória. Verificamos equalização absoluta em 48,2% dos
casos.
© 2013 Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Publicado por Elsevier Editora
Ltda. Todos os direitos reservados.


Trabalho realizado no Hospital Estadual Mário Covas da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), Santo André, SP, Brasil.

Autor para correspondência.
E-mail: lhfmj@yahoo.com.br (E.H. Miashiro).
0102-3616/$ – see front matter © 2013 Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbo.2013.12.003
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Preoperative planning of primary total hip arthroplasty using


conventional radiographs

a b s t r a c t

Keywords: Objective: the objective of this study was to present an analogue method for preoperative
Hip arthroplasty planning of primary total hip arthroplasty procedures based on measuring the components
Planning by overlaying the transparencies of the prosthesis on the preoperative radiographs and chec-
Hip radiography king the accuracy, both for predicting the size of the acetabular and femoral components
used and for restoring the offset and correcting the dysmetria.
Methods: between March 2005 and July 2009, 56 primary total hip arthroplasty procedures
performed on 56 patients at the Mario Covas State Hospital in Santo André were analyzed.
The measurements on the femoral and acetabular components obtained through planning
were compared with those that were used in the surgery. The offsets measured through
the preoperative planning were compared with those measured on the postoperative radi-
ographs. Dysmetria was evaluated before and after the operation.
Results: accuracy of 78.6% (p < 0.001) in predicting the size of the acetabular component and
82.2% (p < 0.001) in predicting the femoral nail was observed. The offsets measured through
preoperative planning were statistically similar to the offsets measured on the postoperative
radiographs. After the operation, we observed absolute equalization in 48.2% of the cases.
In 87.5%, the dysmetria was less than or equal to 1 cm and in 69.6%, it was less than or equal
to 0.5 cm.
Conclusions: the accuracy was 78.6% and 82.2%, respectively, for the acetabular and femoral
components. The offsets that were planned preoperatively were statistically similar to those
measured on postoperative radiographs. We found absolute equalization in 48.2% of the
cases.
© 2013 Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Elsevier Editora
Ltda. All rights reserved.

Introdução Material e métodos

No início, o planejamento pré-operatório das artroplastias de O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da
quadril não era bem entendido e usado, pois os desenhos Faculdade de Medicina do ABC, sob o número CEP 258/2007.
e os tamanhos das próteses eram muito limitados.1,2 Atual- Entre março de 2005 e julho de 2009, foram analisadas 56
mente, a variedade de desenhos e o número de tamanhos dos artroplastias totais primárias de quadril feitas em 56 pacientes
componentes têm aumentado consideravelmente e transfor- no Hospital Estadual Mário Covas.
maram a artroplastia total de quadril num procedimento mais A média de idade foi de 65 anos. Trinta e sete (66,1%) eram
complexo.2 do gênero feminino e 19 (33,9%) do masculino. Todos tinham
O planejamento pré-operatório permite a escolha ade- diagnóstico de artrose.
quada do tamanho dos componentes, a equalização dos O critério de inclusão foi a presença de artrose unilateral
membros e a redução do tempo de cirurgia.2 do quadril. Os critérios de exclusão foram: artrose bilate-
Charnley1 demonstrou a importância do estudo radiográ- ral; protrusão acetabular moderada e grave pela Classificação
fico pré-operatório para a escolha do tamanho correto dos de Sotelo-Garza e Charnley12 ; displasia acetabular acima do
componentes da prótese, além de enfatizar a importância da tipo I de Crowe13 ; fraturas do colo do fêmur e pacientes com
restauração do offset. Esse último está diretamente relacio- alterações em outras articulações que causaram dismetrias.
nado com a estabilidade da artroplastia.1,3–6 Todas as artroplastias foram totais, cimentadas e feitas
As dismetrias são complicações frequentes das artroplas- pela abordagem posterior.
tias totais de quadril. São causas de lombalgia, distúrbios da Foram feitas radiografias na incidência anteroposterior (AP)
marcha e lesões do nervo ciático.7–11 da bacia, centradas na sínfise púbica com rotação interna de
Neste estudo, com o uso de radiografias convencionais, 15◦ dos membros inferiores, com distância de 1 m entre a
apresentamos um método de planejamento pré-operatório ampola do aparelho e o filme, e uma radiografia do 1/3 pro-
de artroplastias totais primárias de quadril, baseado na ximal do fêmur em perfil.
medida dos componentes por meio da sobreposição das A mensuração do componente acetabular foi feita pela
transparências da prótese sobre a radiografia pré-operatória. sobreposição da transparência acetabular sobre o quadril nor-
Este trabalho tem como objetivos: verificar a acurácia na mal, na radiografia em AP, para a escolha do número que
previsão do tamanho dos componentes acetabular e femo- melhor se adaptasse ao contorno do acetábulo. Foram usa-
ral, analisar a restauração do offset e a correção das das como parâmetros a borda lateral superior do acetábulo, a
dismetrias. gota de lágrima e a linha ilioisquiática de Köhler (fig. 1A e 1B).
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Figura 1 – (A) Sobreposição da transparência do


componente acetabular sobre o lado normal. A seta branca
à esquerda indica a borda lateral superior do acetábulo. A Figura 2 – (A) Linhas de referência H, V1 e V2. Centro de
seta branca à direita indica a gota de lágrima. O centro de rotação marcado no lado normal, indicado pela seta. Linhas
rotação do quadril (CR) está marcado na transparência e de referência: a primeira passa pela borda inferior das
indicado pela seta preta. (B) Linha ilioisquiática de Köhler. gotas de lágrima (linha H); a segunda é perpendicular à
A seta branca indica a linha ilioisquiática de Köhler. O linha H e passa pela borda lateral da gota de lágrima do
tamanho do componente acetabular não deve ultrapassar a lado normal (linha V1); a terceira é também perpendicular à
linha ilioisquiática. A seta preta indica o centro de rotação. linha H e passa pela borda lateral da gota de lágrima do
lado a ser operado (linha V2). (B) Transferência do CR do
lado direito (normal) para o esquerdo. A distância a deve
ser igual a a’ e a distância b deve ser igual a b’.

O tamanho do componente acetabular não deve ultrapassar a


linha ilioisquiática (fig. 1B). A partir das linhas de referência, transferiu-se o CR do lado
Após se marcar na radiografia o centro de rotação (CR) do normal para o afetado. Definimos, então, quatro distâncias
quadril normal (fig. 1A e 1B), ele foi transferido para o lado a medidas em milímetros:
ser operado. Para transferi-lo, foram usadas, como parâmetro,
três linhas de referência: Distância a: é a medida do segmento compreendido entre o
CR do lado normal e a linha V1 (fig. 2B);
Linha H: passa pelo limite inferior das gotas de lágrima Distância b: é a medida do segmento compreendido entre o
(fig. 2A) CR do lado normal e a linha H (fig. 2B);
Linha V1: passa pela borda lateral da gota de lágrima do lado Distância a’: tem o mesmo tamanho da distância a e seu
normal e vai perpendicular até o ponto de encontro com a início é na linha V2 (fig. 2B);
linha H (fig. 2A) Distância b’: tem o mesmo tamanho da distância b e seu
Linha V2: passa pelo bordo lateral da gota de lágrima do lado início é na linha H (fig. 2B).
a ser operado e vai perpendicular até o ponto de encontro ponto de cruzamento entre as distâncias a’ e b’ é o CR do lado
com a linha H (fig. 2A) a ser operado.
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Figura 5 – Quadris normais. A linha 1 passa pelo limite


inferior das tuberosidades isquiáticas. A linha 2 passa pela
borda lateral superior dos acetábulos. A linha 3 passa pelo
ponto médio dos trocanteres menores. As 3 linhas estão
Figura 3 – Offset da prótese. paralelas.

O componente femoral escolhido deverá ser o que tiver o


offset mais próximo do lado normal.
As dismetrias podem ser de três tipos: à custa do fêmur, à
custa do acetábulo e à custa do fêmur e do acetábulo (mista
ou combinada).15
Para identificá-las, foram tomadas como parâmetros três
linhas na radiografia em AP da bacia centrada na sínfise
púbica.15
Linha 1: foi determinada traçando-se uma reta pelos pontos
mais distais das tuberosidades isquiáticas;
Linha 2: foi determinada traçando-se uma reta pela borda
lateral superior dos acetábulos;
Linha 3: foi determinada traçando-se uma reta pelo ponto
médio dos trocanteres menores.
Em quadris normais, as três linhas são paralelas (fig. 5).

Figura 4 – Mensuração com a transparência.

O offset femoral é a distância compreendida por uma linha


que vai perpendicularmente do centro de rotação da cabeça
femoral até o ponto de encontro com uma linha que passa
pelo meio do longo eixo do fêmur.14
O offset da prótese é a distância de uma linha que vai per-
pendicularmente do centro de rotação da cabeça da prótese
até o ponto de encontro com uma linha que passa no meio do Figura 6 – Cálculo da dismetria. A dismetria é obtida por
maior eixo longitudinal da haste femoral (fig. 3). meio da diferença entre as distâncias entre a linha H e a
Para a escolha do tamanho do componente femoral fez-se linha 3 ao nível dos trocanteres menores. A diferença entre
a sobreposição da sua transparência sobre a radiografia em AP a medida do segmento “a” e do segmento “b” será o valor
do lado a ser operado (fig. 4). da dismetria. Dismetria = a – b.
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Figura 7 – A seta branca indica o desenho da bacia com o


componente acetabular. A seta preta indica o desenho do
fêmur.

Figura 8 – Planejamento pré-operatório. As linhas 1, 2 e 3


estão paralelas.
Para medir a dismetria, foram usadas, como parâmetros, a
linha H, que passa pelo limite inferior das gotas de lágrima, e
a linha 3 (fig. 6).
Usamos o programa Statistical Package for Social Sciences
Desenhou-se a bacia com o componente acetabular esco-
(SPSS), em versão 17.0, para a obtenção dos resultados de teor
lhido, o CR calculado e o fêmur a ser operado, com o uso de
estatístico.
papel vegetal sobre a radiografia em AP (fig. 7).
O desenho da bacia foi sobreposto ao desenho do fêmur e
ambos foram colocados sobre a transparência do componente
femoral (fig. 8). Resultados
Definiu-se o nível da osteotomia do colo do fêmur para
equalizar os membros com o deslize dos desenhos sobre a Foi observada acurácia de 78,6% (p < 0,001) na previsão do
transparência femoral. Para isso foi necessário manter o para- tamanho do componente acetabular (tabela 1).
lelismo entre as linhas 1, 2 e 3 (fig. 8). Foi observada acurácia de 82,2% (p < 0,001) na previsão da
O teste de qui-quadrado foi aplicado para verificar haste femoral (tabela 2).
a acurácia na previsão dos componentes acetabulares e Os offset medidos no planejamento pré-operatório foram
femorais. estatisticamente semelhantes aos offset medidos na radiogra-
O teste de Mann-Whitney foi aplicado para comparar as fia pós-operatória, pois p = 0,630 (tabela 3).
medidas de offset planejadas com as obtidas na radiografia O deslocamento médio do CR foi de 4 mm no eixo horizon-
pós-operatória. tal e de 6 mm no eixo vertical.
As dismetrias foram analisadas no momento pós- As dismetrias no momento pré-operatório apresentaram
-operatório. uma média de 1,6 cm, com variação de 0,0 a 3,9 cm (tabela 4).

Tabela 1 – Distribuição frequencial e percentual de componentes acetabulares usados nos dois momentos de observação
Componente acetabular planejado Componente acetabular usado Total

44 48 50 52

44 18 0 0 0 18
32,10% 0,00% 0,00% 0,00% 32,10%
48 0 20 0 0 20
0,00% 35,70% 0,00% 0,00% 35,70%
50 0 1 3 0 4
0,00% 1,80% 5,40% 0,00% 7,10%
52 0 5 1 3 9
0,00% 8,90% 1,80% 5,40% 16,10%
54 0 0 0 3 3
0,00% 0,00% 0,00% 5,40% 5,40%
56 0 0 1 1 2
0,00% 0,00% 1,80% 1,80% 3,60%
Total 18 26 5 7 56
32,10% 46,40% 8,90% 12,50% 100,00%

Fonte: Hospital Estadual Mário Covas.


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Tabela 2 – Distribuição frequencial e percentual de hastes femorais usadas nos dois momentos de observação
Componente femoral planejado Componente femoral usado Total

10,5 12 13,5 15 35,5 37,5

10,5 8 0 0 0 0 0 8
14,30% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 14,30%
12 3 15 0 0 0 0 18
5,40% 26,80% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 32,10%
13,5 0 0 1 0 0 0 1
0,00% 0,00% 1,80% 0,00% 0,00% 0,00% 1,80%
15 0 1 1 1 0 0 3
0,00% 1,80% 1,80% 1,80% 0,00% 0,00% 5,40%
16,5 0 0 0 1 0 0 1
0,00% 0,00% 0,00% 1,80% 0,00% 0,00% 1,80%
35,5 0 0 0 0 15 1 16
0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 26,80% 1,80% 28,60%
37,5 0 0 0 0 2 6 8
0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 3,60% 10,70% 14,30%
44 0 0 0 0 0 1 1
0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 1,80% 1,80%
Total 11 16 2 2 17 8 56
19,60% 28,60% 3,60% 3,60% 30,40% 14,30% 100,00%

Fonte: Hospital Estadual Mário Covas.

Tabela 3 – Descrição e comparação entre os offset planejados e usados


Par de Variáveis n Média Desvio- padrão Mínimo Máximo Percentil 25 Mediana Percentil 75 Significância (p)

Offset planejado (mm) 56 39,7 5,4 30,0 55,0 35,0 38,5 42,0 0,630
Offset usado (mm) 56 40,3 6,4 30,0 57,0 35,0 39,0 45,0

Fonte: Hospital Estadual Mário Covas.

Tabela 4 – Descrição do membro inferior afetado no momento pré-operatório


Comprimento do membro n Média Desvio- padrão Mínimo Máximo Percentil 25 Mediana Percentil 75
inferior afetado no
momento pré-operatório
(cm)

Encurtado 53 1,7 0,9 0,4 3,9 1,0 1,5 2,3


Equalizado 3 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Total 56 1,6 0,9 0,0 3,9 0,9 1,5 2,2

Fonte: Hospital Estadual Mário Covas.

No pós-operatório observamos a equalização dos membros A correlação entre as variações dos valores do offset pós-
em 27 (48,3%) pacientes, alongamento em 18 (32,1%) e encur- -operatório em relação ao planejado com a inclinação do
tamento em 11 (19,6%). componente acetabular foi estatisticamente não significante
A dismetria média no momento pós-operatório foi de (p = 0,657).
0,4 cm, com variação de 0,0 a 2,1 cm (tabela 5).
Observamos que a dismetria no momento pós-operatório
foi igual a ou menor do que 1,0 cm em 87,5% dos pacientes e Discussão
menor do que ou igual a 0,5 cm em 69,6%.
Com relação à haste femoral, foi observado posiciona- Durante a década de 1970, havia um número limitado de
mento em neutro em 43 quadris (76,7%), valgo em três (5,4%) implantes.2,16 Atualmente, há vários desenhos diferentes e
e varo em 10 (17,9%). um maior número de tamanhos disponíveis,17 o que torna o
A análise da inclinação do componente acetabular, no planejamento indispensável.2,16 Entretanto, existem poucos
plano frontal, demonstrou uma média de 42◦ , com variação estudos que avaliam a acurácia na previsão do tamanho dos
de 30◦ a 58◦ . componentes.2,6,16,18,19
As variações do offset na radiografia pós-operatória em Com o objetivo de avaliarmos o método empregado em
relação ao que fora planejado foram estatisticamente seme- nossa instituição iniciamos a pesquisa.
lhantes (p = 0,123) nas posições da haste femoral em neutro, Atualmente existem métodos de planejamento por meio de
varo e valgo. radiografias digitais que permitem uma precisão elevada,6,20
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Tabela 5 – Descrição do membro inferior afetado no momento pós-operatório


Comprimento do membro N Média Desvio- padrão Mínimo Máximo Percentil 25 Mediana Percentil 75
inferior afetado no
momento pré-operatório
(cm)

Encurtado 11 0,9 0,7 0,3 2,1 0,4 0,8 1,7


Alongado 18 0,7 0,3 0,4 1,5 0,5 0,6 1,0
Equalizado 27 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Total 56 0,4 0,5 0,0 2,1 0,0 0,3 0,6

Fonte: Hospital Estadual Mário Covas.

como demonstraram Eggli et al.,6 que observaram acurácia em centro de rotação pareceram-nos difíceis de mensurar, pois
torno de 90% na previsão dos componentes. podem variar muito com a magnificação nas radiografias con-
Em nosso país, as radiografias digitais ainda não são usadas vencionais, pois são medidas em milímetros. Yoder et al.23
como rotina. O método descrito em nosso trabalho foi menos observaram que medidas de 4 a 5 mm são muito imprecisas
preciso, porém pode ser aplicado às radiografias convencio- nas radiografias convencionais, o que explica a maior acurácia
nais, sem custo adicional ao procedimento. do planejamento com o uso de radiografias digitais.
Em nossa casuística, observamos uma acurácia de 78,6% Em situações nas quais o acetábulo apresenta perda de
para os componentes acetabulares e 82,2% para os femo- estoque ósseo ou displasia, a colocação do componente ace-
rais, valores esses semelhantes aos apresentados por Paniego tabular no centro de rotação ideal é mais difícil, pois nesses
et al.,2 que obtiveram acurácias de 83% para os componen- casos pode ser necessária uma cobertura adicional com
tes acetabulares e 76% para os femorais, e aos relatados por enxerto da cabeça femoral. Esses casos foram excluídos no
González Della Valle et al.,16 que observaram acurácias de 83% nosso estudo, pois poderiam levar a um viés na análise do
e 78%, respectivamente, para os componentes acetabulares e deslocamento do centro de rotação.
femorais, ambos por métodos de planejamento com o uso de As dismetrias são complicações comuns após artroplastias
radiografias convencionais. de quadril.7–9 Pode-se prever a sua correção por meio do pla-
É difícil prever a magnificação exata nas radiografias nejamento pré-operatório1,3,6,21 e, também, no ato cirúrgico.8
convencionais. Por essa razão, para minimizar os possíveis Frequentemente há alongamento do lado operado.7 Disme-
desvios padronizamos a feitura da radiografia conforme des- trias acima de 1 cm estão relacionadas à lombalgia.9 Nossos
crito na metodologia. resultados foram inferiores aos apresentados por Eggli et al.,6
Numa artroplastia, deve-se restaurar a biomecânica do que observaram dismetrias inferiores a 5 mm em 94% dos
quadril às condições normais, por meio da escolha do tama- casos. Em nossa casuística, observamos equalização absoluta
nho apropriado da prótese, para evitar complicações intra e em 48,2% dos casos. Em 87,5% a dismetria foi igual a ou menor
pós-operatórias e, consequentemente, aumentar a sua longe- do que 10 mm e em 69,6% foi igual a ou menor do que 5 mm.
vidade. Entretanto, deve-se levar em consideração que o trabalho de
A importância do offset está relacionada ao funciona- Eggli et al.6 foi feito por meio de radiografias digitais.
mento da musculatura abdutora1,4,5,21 e com o planejamento Dolhain et al.5 referiram que o posicionamento do compo-
é possível restaurá-lo.1,3–6,21,22 A sua restauração está relaci- nente femoral em varo ou valgo e o do componente acetabular
onada à estabilidade da artroplastia.1,3,6,21 Os offset medidos têm influência no offset da artroplastia. Em nossa casuística foi
no planejamento pré-operatório em nossa casuística foram feito o estudo do relacionamento entre os valores de aumento,
estaticamente semelhantes aos medidos na radiografia pós- diminuição e equalização dos offset obtidos no pós-operatório
-operatória. Esse fato está relacionado à acurácia de 82,2% na com o posicionamento do componente femoral na posição
previsão do tamanho das hastes femorais, que tinham valores varo, valgo ou neutra. Foi observado que não houve uma
de offset fixos. Portanto, o acerto no tamanho do componente diferença estatisticamente significante entre as categorias da
femoral incorrerá na maior probabilidade de se obter o offset variável posição da haste femoral (p = 0,123). A haste femo-
planejado. ral foi posicionada em neutro em 76,7% dos casos, em varo
Yoder et al.,23 em 1988, observaram maiores índices de em 17,9% e em valgo em 5,4%. Porém, nos casos nos quais
soltura do componente femoral quando o componente aceta- observamos o posicionamento em valgo ou varo, foram erros
bular foi colocado acima e lateralmente ao centro de rotação. discretos que não incorreram em variações significativas do
Pagnano et al.,24 em 1996, observaram maiores índices de offset.
soltura dos componentes acetabular e femoral quando o ace- Contrariando o observado por Dolhain et al.,5 em nossa
tabular foi colocado acima do centro de rotação, mesmo casuística as variações do offset não estiveram relacionadas
sem deslocamento lateral. Em nossa casuística, as médias de às variações de inclinação do componente acetabular.
variação do centro de rotação planejado foram de 4 mm no Dobzyniac et al.25 determinaram como ideal para o com-
eixo horizontal e de 6 mm no eixo vertical, próximas às apre- ponente femoral o posicionamento da haste em neutro no
sentadas por Paniego et al.,2 que observaram 96% dos centros plano frontal, com 20◦ a 30◦ de anteversão e posição neu-
de rotação colocados com deslocamento menor do que 4 mm tra. Para o componente acetabular, 45◦ de abdução e 20◦ a
do centro de rotação planejado. As mudanças de posição do 30◦ de anteversão. Lewinneck et al.11 definiram como zona
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de segurança para o componente acetabular uma inclinação 3. Bono JV. Digital templating in total hip arthroplasty. J Bone
entre 30◦ e 50◦ , no plano frontal, e uma anteversão entre 5◦ e Joint Surg Am. 2004;86 (Suppl 2):118–22.
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25◦ . Em nossa casuística, o componente acetabular foi posi-
Rorabeck CH. Soft-tissue balancing of the hip: the role of
cionado com inclinação média no plano frontal de 42◦ , com
femoral offset restoration. Instr Course Lect. 2005;54:
variação de 30◦ a 58◦ . 131–41.
Para se obter uma maior precisão no posicionamento 5. Dolhain P, Tsigaras H, Bourne RB, Rorabeck CH, Mac Donald S,
dos componentes da prótese, foram desenvolvidos sistemas Mc Calden R. The effectiveness of dual offset stems in
de navegação por computador, que permitiram uma menor restoring offset during total hip replacement. Acta Orthop
variação no posicionamento do componente acetabular.26–29 Belg. 2002;68(5):490–9.
6. Eggli S, Pisan M, Müller ME. The value of preoperative
Não usamos esses sistemas, pois seu custo ainda é alto em
planning for total hip arthroplasty. J Bone Joint Surg Br.
nosso país. Em nosso estudo, a média de inclinação do compo- 1998;80(3):382–90.
nente acetabular no plano frontal foi de 42◦ , com uma variação 7. Konyves A, Bannister GC. The importance of leg length
de 32◦ a 58◦ . Essa variação foi maior do que a apresentada com discrepancy after total hip arthroplasty. J Bone Joint Surg Br.
o uso dos sistemas de navegação por computador. 2005;87(2):155–7.
O planejamento pré-operatório permite no ato cirúrgico 8. McGee HM, Scott JH. A simple method of obtaining equal leg
uma maior precisão na escolha do tamanho dos componentes length in total hip arthroplasty. Clin Orthop Relat Res.
1985;(194):269–70.
acetabular e femoral e facilita a correção das dismetrias. Per-
9. Jasty M, Webster W, Harris W. Management of limb length
mite prever dificuldades intraoperatórias, como a necessidade inequality during total hip replacement. Clin Orthop Relat
de enxerto ósseo de cabeça femoral nos casos de displasia Res. 1996;(333):165–71.
acetabular para feitura de cobertura adicional, a necessidade 10. Turula KB, Friberg O, Lindholm TS, Tallroth K, Vankka E. Leg
de osteotomia in situ do colo do fêmur no caso de protrusões length inequality after total hip arthroplasty. Clin Orthop
acetabulares graves e a necessidade de componentes peque- Relat Res. 1986;(202):163–8.
11. Lewinnek GE, Lewis JL, Tarr R, Compere CL, Zimmerman JR.
nos em pacientes de baixa estatura. Possibilita a escolha do
Dislocations after total hip-replacement arthroplasties. J
componente femoral para restaurar o offset, assim como deter-
Bone Joint Surg Am. 1978;60(2):217–20.
minar o centro de rotação ideal no lado afetado. 12. Sotelo-Garza A, Charnley J. The results of Charnley
arthroplasty of the hip performed for protrusio acetabuli. Clin
Orthop Relat Res. 1978;(132):12–8.
Conclusões 13. Crowe JF, Mani VJ, Ranawat CS. Total hip replacement in
congenital dislocation and dysplasia of the hip. J Bone Joint
a) Observamos uma acurácia de 78,6% e 82,2%, respectiva- Surg Am. 1979;61(1):15–23.
mente, para os componentes acetabulares e femorais. 14. Lecerf G, Fessy MH, Philippot R, Massin P, Giraud F, Flecher X,
b) Os offset medidos no planejamento pré-operatório foram et al. Femoral offset: anatomical concept, definition,
assessment, implications for preoperative templating and hip
estaticamente semelhantes aos medidos na radiografia
arthroplasty. Rev Chir Orthop Traumatol. 2009;95(3):
pós-operatória;
210–9.
c) Verificamos equalização absoluta em 48,2% dos casos. Em 15. Cabral FP, Rondinelli PC, Côrtes S. Artroplastia total do
87,5% a dismetria foi igual a ou menor do que 1 cm e em quadril: planejamento pré-operatório. In: Rondinelli PC,
69,6% foi igual a ou menor do que 0,5 cm. editor. O quadril do adulto. São Paulo: Medsi; 2001. p. 1089–91
(Clínica Ortopédica, v 2, n.◦ . 4).
16. González Della Valle A, Slullitel G, Piccaluga F, Salvati EA. The
precision and usefulness of preoperative planning for
Conflitos de interesse cemented and hybrid primary total hip arthroplasty. J
Arthroplasty. 2005;20(1):51–8.
17. Massin P, Geais L, Astoin E, Simondi M, Lavaste F. The
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
anatomic basis for the concept of lateralized femoral stems: a
frontal plane radiographic study of the proximal femur. J
Arthroplasty. 2000;15(1):93–101.
Agradecimentos
18. Carter LW, Stovall DO, Young TR. Determination of accuracy
of preoperative templating of noncemented femoral
Agradecemos à colaboração dos professores Giancarlo Pole- prostheses. J Arthroplasty. 1995;10(4):507–13.
sello, Sérgio Mainine, Alberto Miyazaki e Joel Murachovski, 19. Knight JL, Atwater RD. Preoperative planning for total hip
cujas opiniões foram fundamentais na elaboração deste tra- arthroplasty. Quantitating its utility and precision. J
balho. Arthroplasty. 1992;7 (Suppl):403–9.
20. Oddy MJ, Jones MJ, Pendegrass CJ, Pilling JR, Wimhurst JA.
Assessment of reproducibility and accuracy in templating
refer ê ncias hybrid total hip arthroplasty using digital radiographs. J Bone
Joint Surg Br. 2006;88(5):581–5.
21. Linclau L, Dokter G, Peene P. Radiological aspects in
1. Charnley J. Low friction arthroplasty of the hip. New York: preoperative planning and postoperative assessment of
Springer-Verlag; 1979. cementless total hip arthroplasty. Acta Orthop Belg.
2. Paniego G, Buttaro M, González Della Valle A, Piccaluga F. 1993;59(2):163–7.
Utilidad e predictibilidad de um método de planeamiento 22. Rittmeister M, Callitsis C. Factors influencing cup orientation
preoperatorio para la artroplastia total de cadera. Rev Asoc in 500 consecutive total hip replacements. Clin Orthop Relat
Argent Ortop Traumatol. 2004;69(1):6–12. Res. 2006;(445):192–6.
148 r e v b r a s o r t o p . 2 0 1 4;4 9(2):140–148

23. Yoder SA, Brand RA, Pedersen DR, O’Gorman TW. Total hip 27. Schleicher I, Nogler M, Donnelly W, Sledge J. Acetabular
acetabular component position affects component loosening placement using an imageless navigation system, a cadaver
rates. Clin Orthop Relat Res. 1988;(228):79–87. trial. J Bone Joint Surg Br. 2004;86 Suppl
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the rate of loosening after total hip arthroplasty. J Bone Joint bias of imageless computer navigation and surgeon estimates
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