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Christiano Marlo Paggi Claus1 ; Marcio Cavalieiri2; Flávio Malcher3; Carlos Trippia4; Antonio Luis Eiras-Araujo5; Eric Pauli6;
Leandro Totti Cavazzola7.
R E S U M O
Hérnias da parede abdominal são um problema bastante comum enfrentado pelo cirurgiões gerais. De diagnóstico essencialmente clínico,
as hérnias abdominais durante muito tempo têm sido consideradas um problema de simples reparo. Entretanto, o acompanhamento
de longo prazo dos pacientes têm demonstrado resultados desapontadores, tanto em termos de complicações quanto risco de
recidiva da hérnia. Neste contexto, o planejamento pré-operatório com controle de comorbidades e pleno conhecimento da hérnia e
suas relações anatômicas com a parede abdominal têm ganho cada vez mais atenção. A tomografia de abdome parece ser a melhor
opção para determinar o tamanho e localização precisos das hérnias abdominais, presença de diastase de músculo reto e/ou atrofia
da parede associada, assim como proporção da hérnia em relação a parede abdominal. Essas informações podem auxiliar o cirurgião
na escolha da melhor técnica cirúrgica (aberta vs. MIS), posicionamento e fixação das telas, e eventual necessidade de aplicação de
toxina botulínica, pneumoperitônio pré-operatório ou técnicas de separação de componentes. Apesar da relevância dos achados,
eles são raramente descritos em exames de tomografia uma vez que os radiologistas não estão acostumados a olhar para a parede
abdominal assim como não sabem quais as informações são realmente necessárias. Por estes motivos, nós reunimos um grupo de
cirurgiões e radiologistas visando estabelecer quais são as informações da parede abdominal mais importantes em um exame de
tomografia assim como propor um laudo estruturado para facilitar a descrição dos achados e sua interpretação.
NOTA TÉCNICA ou em uma hérnia incisional com vários defeitos sob uma
cicatriz cirúrgica fibrótica. As imagens podem ajudar
1 - Universidade Positivo, Clínica Cirúrgica e Cirurgia Minimamente Invasiva - Curitiba - PR - Brasil 2 - Hospital Municipal Lourenço Jorge, Clínica Ci-
rúrgica - Rio de Janeiro - RJ - Brasil 3 - New York University Grossman School of Medicine, Abdominal Core Health - New York - NY - Estados Unidos
4 - Hospital Nossa Senhora das Graças, Radiologia - Curitiba - PR - Brasil 5 - Universidade Federal do Rio de Janeiro e Instituto D’Or de Ensino e Pesquisa,
Radiologia - Rio de Janeiro - RJ - Brasil 6 - Penn State Hershey Medical Center, Minimally Invasive and Bariatric Surgery - Hershey - PA - Estados Unidos
7 - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Cirurgia - Porto Alegre - RS - Brasil
adicionais e menores não diagnosticados pelo exame informações importantes sobre o caso. Em primeiro lugar,
físico podem passar despercebidos durante a cirurgia, pode indicar maior risco de complicações, como obstrução
especialmente se realizada com técnica aberta. intestinal, e maior gravidade em caso de estrangulamento.
O conhecimento desse fato pode auxiliar na definição da
necessidade da cirurgia ou, pelo menos, no planejamento
do momento em que ela deverá ser realizada. Além disso,
a presença de vísceras no interior do saco herniário está
associada a uma maior dificuldade em dissecá-lo e maior
risco de lesão iatrogênica em comparação às hérnias que
contêm apenas gordura.
de imagem que determinam a suspeita do diagnóstico critério para definir se há perda de domínio (PD). A PD é
de estrangulamento do conteúdo herniário, podemos definida quando o volume do conteúdo do saco/hérnia é
observar (Figura 3): maior que 25% do volume da cavidade abdominal14,15.
• dilatação do segmento de alça intestinal Esta informação fundamental permite que o cirurgião
localizado dentro do saco herniário em considere que:
forma de “U” ou “C”, devido à obstrução • pode não haver espaço suficiente para
dos segmentos intestinais aferentes e reduzir todo o conteúdo da hérnia para a
eferentes (obstrução da “alça fechada”); cavidade abdominal e ainda conseguir um
• espessamento da parede intestinal; fechamento fascial primário completo; e
• hipo ou hiperatenuação da parede em • o aumento significativo da pressão intra-
relação ao padrão usual e hipocaptação abdominal com a redução de um grande
parietal, do contraste intravenoso, do volume de conteúdo para a cavidade
segmento intestinal isquêmico; abdominal pode causar importante
• pneumatose intestinal; restrição ventilatória devido à compressão
• fluido dentro do saco herniário; e para cima do diafragma. Embora rara,
• ingurgitamento dos vasos mesentéricos e os pacientes podem até desenvolver
obliteração do plano adiposo mesentérico síndrome compartimental abdominal16.
do segmento herniado; Além disso, o risco de recorrência da hérnia
A presença de um ou mais desses achados é e até evisceração são significativamente
sugestivo de estrangulamento do conteúdo herniário e a aumentados17.
intervenção cirúrgica urgente deve ser considerada12,13. Com essa avaliação prévia, os cirurgiões
podem utilizar várias estratégias para reduzir as
consequências da condição descrita acima. Embora
não seja o objetivo deste trabalho, podemos citar como
alternativas o preparo pré-operatório (emagrecimento
e fisioterapia respiratória), o pneumoperitônio pré-
operatório progressivo e aplicação de toxina botulínica
no pré-operatório, a cirurgia de redução visceral e as
técnicas de separação de componentes. Todas essas
possibilidades visam aumentar a capacidade e/ou a
complacência abdominal18-21.
Para avaliação tomográfica do risco de PD em
hérnias volumosas, usamos o método descrito por Tanaka
Figura 3. Imagem de TC mostrando hérnia abdominal estrangulada: e cols., pois é simples de entender e pode ser realizado
segmento de alça de intestino delgado com sinais de isquemia, caracte- pela maioria dos equipamentos de tomografia mutislice,
rizado por espessamento parietal, densificação do mesentério, líquido
no saco herniário e discreta redução da captação de contraste. Além da além de ser facilmente medido pelo radiologista em sua
distensão das alças intestinais proximais. estação de trabalho padrão (Figuras 4 e 5)14. O saco
herniário e a cavidade abdominal são considerados
estruturas elipsoides, permitindo o cálculo da estimativa
do volume a partir da multiplicação entre as medidas em
6. Qual é a relação entre o volume do conteúdo do linha reta dos eixos longitudinais (crânio-caudal - CC -,
saco herniário e o volume da cavidade abdominal? transversal - T - e ântero-posterior - AP) pela constante
de volume, de acordo com a fórmula simplificada:
A relação entre o volume do saco herniário Volume do saco herniário ou cavidade
e o volume da cavidade abdominal (RVHA) é o melhor abdominal: CC x T x AP x 0,52.
MUSCULATURA
10. Existe hérnia intraparietal? a perda do contorno dos planos anatômicos, podem
indicar sua presença.
Algumas hérnias, principalmente na parede A descrição detalhada do cirurgião quanto a
lateral do abdome, podem ocorrer sem defeito em possíveis reparos ou intervenções prévias na indicação do
todas as camadas dos grupos musculares. Nestes casos, exame é fundamental para permitir a interpretação de
geralmente o músculo oblíquo externo/aponeurose estão achados sutis pelo radiologista. Uma revisão abrangente
ilesos e a hérnia está contida nas camadas musculares da dos laudos operatórios anteriores do paciente pode
PA (Figura 9). Sem essa informação, o cirurgião pode não indicar o tipo de tela, sua localização e plano anatômico
atentar para o defeito da hérnia durante uma abordagem de implantação, o que pode possibilitar a identificação.
aberta, quando encontra a camada miofascial oblíqua Além disso, a busca por dobras e rugas não anatômicas
externa intacta. de contratura da tela pode facilitar a identificação da
tela na TC.
A avaliação de coleções ou tratos fistulosos
por imagem também é importante para decidir as
etapas cirúrgicas, como dividir o tratamento em estágios
para resolver toda a infecção crônica ou reação de
corpo estranho antes de uma nova tentativa de reparo
definitivo com uma nova prótese.
Aqui propomos um relatório padronizado
para exames de imagem da parede abdominal:
Relátorio DECOMP
DEFEITO
1- Localização do (s) defeito (s) da hérnia:
A) Linha média: cm a partir do apêndice xifóide
e/ou sínfise púbica e/ou da cicatriz umbilical
B) Lateral: qual posição anatômica? cm da
Figura 9. Ilustração demonstrando hérnia intraparietal. O músculo oblí-
quo externo está intacto. crista ilíaca e/ou rebordo costal e/ou linha alba/linha
semilunar.
A B S T R A C T
Abdominal wall (AW) hernias are a common problem faced by general surgeons. With an essentially clinical diagnosis, abdominal hernias
have been considered a simple problem to be repaired. However, long-term follow-up of patients has shown disappointing results, both
in terms of complications and recurrence. In this context, preoperative planning with control of comorbidities and full knowledge of the
hernia and its anatomical relationships with the AW has gained increasing attention. Computed tomography (CT) appears to be the best
option to determine the precise size and location of abdominal hernias, presence of rectus diastase and/or associated muscle atrophy,
as well as the proportion of the hernia in relation to the AW itself. This information might help the surgeon to choose the best surgical
technique (open vs MIS), positioning and fixation of the meshes, and eventual need for application of botulinum toxin, preoperative
pneumoperitoneum or component separation techniques. Despite the relevance of the findings, they are rarely described in CT scans
as radiologists are not used to report findings of the AW as well as to know what information is really needed. For these reasons, we
gathered a group of surgeons and radiologists to establish which information about the AW is important in a CT. Finally, a structured
report is proposed to facilitate the description of the findings and their interpretation.