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A era Marcola mais perto do fim 15/04/2020 23)06

guerra do PCC

A ERA MARCOLA MAIS PERTO DO


FIM
Prisão do maior fornecedor de cocaína do PCC ameaça hegemonia da facção
paulista nos presídios e nas ruas
ALLAN DE ABREU
15abr2020_12h39

Ilustração de Paula Cardoso

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N
o início da tarde de segunda-feira, 13, ainda manhã no Brasil,
agentes do departamento antinarcóticos dos Estados Unidos
(DEA, na sigla em inglês) e da polícia moçambicana cercaram o
quarto do hotel Montebelo Indy, em Maputo, capital do país africano,
onde o brasileiro Gilberto Aparecido dos Santos, 49 anos, estava
hospedado havia um mês. De bermuda cinza e camiseta azul, na
companhia de dois nigerianos, Fuminho, como é conhecido, não
ofereceu resistência. No quarto, havia quinze celulares, documentos
com a foto do brasileiro e o nome falso de Luiz Gomes de Jesus, além
de uma porção de 100 gramas de maconha. Com o pé direito
engessado, caminhou algemado até a caminhonete dos agentes e
finalmente foi levado para a prisão, após 21 anos foragido.

A prisão de Fuminho causa um abalo profundo nos esquemas de


exportação de cocaína pelo PCC e pode colocar um ponto final na
liderança de Marcola dentro da facção, analisa o diretor-presidente do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.
“Fuminho tinha muito poder e contava com a confiança irrestrita de
Marcola. Sem seu braço-direito e isolado em um presídio federal,
Marcola nunca esteve tão enfraquecido. Resta saber se o Comando

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Vermelho e a Família do Norte (que atua no Amazonas) podem se


aproveitar desse contexto de fragilidade para avançar sobre o grupo
paulista”, diz.

A operação da Polícia Federal que culminou na prisão do maior


fornecedor de cocaína para o Primeiro Comando da Capital (PCC) e
um dos maiores narcotraficantes brasileiros em atividade abdicou das
tradicionais interceptações telefônicas e envolveu sofisticadas técnicas
de inteligência policial, com amplo cruzamento de dados, uso de
informantes e incontáveis horas de campana ao longo de doze meses.
Semanas após assumir o cargo de chefe da Coordenadoria Geral de
Polícia de Repressão a Drogas e Crime Organizado (CGPRE), da
Polícia Federal, o delegado Elvis Aparecido Secco elegeu Gilberto
Aparecido dos Santos como um dos seus alvos prioritários.

Não era para menos. Fuminho constava na lista dos vinte criminosos
mais procurados do Brasil, divulgada em 2019 pelo Ministério da
Justiça. Amigo de juventude de Marco Willians Herbas Camacho, o
Marcola, Gilberto dos Santos era chamado de Fininho pelo corpo
esquálido que preserva até hoje – o apelido Fuminho veio depois,
provavelmente quando a polícia compreendeu de maneira
equivocada o apelido citado por integrantes do PCC em grampos
telefônicos. Em janeiro de 1999, Fuminho e Marcola fugiram juntos do
Carandiru, na capital paulista. Esse último seria capturado seis meses
depois, e desde então segue atrás das grades – atualmente ocupa uma
das celas individuais do presídio federal de Brasília. Já Fuminho
passou um tempo na favela de Heliópolis, em São Paulo, e depois
radicou-se em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, de onde passou a
enviar toneladas de cocaína para o PCC, tornando-se o maior
fornecedor da droga para a facção, ainda que, formalmente, nunca
tenha se filiado à organização do amigo Marcola.

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O delegado decidiu montar uma equipe de quatro agentes em Brasília


com a missão de localizar e prender Fuminho. Secco repetia uma
estratégia que havia sido bem-sucedida anos antes: em 2017, sua
equipe em Londrina, Paraná, prendera Luiz Carlos da Rocha, o
Cabeça Branca, considerado o maior “narco” brasileiro de todos os
tempos, depois de um ano e meio de investigação minuciosa e bem
compartimentada, baseada essencialmente em trabalho de vigilância
e amplo cruzamento de dados.

O primeiro passo da apuração foi buscar nos bancos de dados da


própria PF e em relatórios do Itamaraty dados sobre outras
investigações contra Fuminho. “Havia muito documento baseado em
boatos, sem muitos dados concretos”, diz Secco. A equipe começou
então a rastrear e a seguir os familiares de Fuminho no Brasil, além de
contatar informantes dentro da facção, o que levou a PF a descobrir
quem eram os subordinados do traficante. Mas a investigação só
deslanchou quando os policiais obtiveram a relação de nomes falsos
utilizados por Fuminho – Secco prefere não detalhar as estratégias
utilizadas para chegar a esses nomes.

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Fuminho, algemado, ao ser levado por policiais

Com o dado em mãos, os agentes passaram a mapear os movimentos


migratórios do traficante ao redor do mundo, com o auxílio do DEA.
Durante os doze meses de investigação, Fuminho movimentou
dezenas de toneladas de cocaína entre Brasil, África e Europa,
segundo Secco – a PF suspeita que cabia a ele fazer a ponte entre o
PCC e máfias na Sérvia e na Itália para a remessa da droga para a
Europa a partir do porto de Santos. Na metade de 2019, Fuminho
decidiu trocar a Bolívia pela África do Sul, onde chegou a ser seguido
ao longo de vários dias pela equipe de agentes da PF, na companhia
de policiais sul-africanos. “Ele mudou-se para a África porque
considerava o continente mais seguro para comandar suas operações
de exportação de cocaína do Brasil para a Europa”, diz o delegado da

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PF.

No início deste ano, Fuminho trocou a África do Sul pelo vizinho


Moçambique. Inicialmente, caberia à equipe de agentes da PF a prisão
dele, mas as recentes restrições de voos internacionais devido à
pandemia do coronavírus inviabilizaram a viagem. Secco decidiu
então pedir auxílio ao DEA, que seguiu Fuminho por dez dias pelas
ruas de Maputo até prendê-lo na segunda-feira, com apoio do Serviço
Nacional de Investigação Criminal (Sernic), braço da polícia
moçambicana. Como Fuminho foi preso com maconha, é provável
que responda a uma ação penal no país africano e seja expulso nas
próximas semanas. No Brasil, irá responder a duas ações penais. Uma
delas é por tráfico de drogas e armas, além de formação de quadrilha,
decorrente da descoberta, pela PM paulista, de um laboratório de
refino de cocaína mantido pelo PCC em Itapecerica da Serra, na
Grande São Paulo, em 2013 – no local havia 450 quilos da droga, oito
fuzis, três rifles e duas submetralhadoras.

A segunda ação penal é por homicídio: o Ministério Público acusa


Fuminho de ser o mandante do assassinato de Rogério Jeremias de
Simone, o Gegê do Mangue, e de Fabiano Alves de Souza, o Paca, em
fevereiro de 2018, no Ceará. A suspeita é de que Fuminho tenha
cumprido ordens do amigo Marcola, depois que esse último
descobriu que Gegê – então o número dois da facção – e Paca
estariam desviando dinheiro do PCC. Fuminho demonstra lealdade
absoluta a Marcola, e a Polícia Civil paulista aponta o traficante como
o mentor de ao menos três planos para libertar Marcola: o primeiro,
de 2014, envolveria até um helicóptero blindado, que içaria o chefão
do PCC para fora da Penitenciária de Presidente Venceslau, Oeste
paulista, onde estava na época. O último, do início deste ano, motivou
o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) autorizando o uso
das Forças Armadas no entorno do presídio federal de Brasília, onde

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Marcola está atualmente.

O próximo passo da Polícia Federal será analisar os celulares


apreendidos com Fuminho e rastrear o patrimônio dele. O advogado
de Fuminho não foi localizado pela piauí.

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