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jusbrasil.com.br
14 de Junho de 2020

As relações entre a Lava Jato, a Globo e a


Mossack & Fonseca

O envolvimento da emissora com a lavanderia de


dinheiro panamenha explicaria o recuo da força-
tarefa em Curitiba?

Atropelada por outros fatos e providencialmente


esquecida pela mídia, a 22ª fase da Lava Jato
continua um mistério. Por que ela destoa tanto dos
padrões de outras ações do juiz Sergio Moro e da
força-tarefa?
E por que a missão organizada para ser a cereja do
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bolo após dois anos de intensas investigações
tornou-se uma letra morta, um arquivo incômodo
nos escaninhos da Justiça Federal em Curitiba?

A 22ª fase, batizada de Triplo X, referência pouco


sutil ao apartamento triplex em um edifício na
praia paulista do Guarujá atribuído ao ex-
presidente Lula, ganhou as ruas em 27 de janeiro.

Não era, portanto, uma ação qualquer. Investia-se


naquele momento contra o alvo mais cobiçado
desde o início da Lava Jato. As coisas não saíram,
porém, como planejado.

Um dos endereços visitados por agentes da Polícia


Federal �cava no Conjunto Nacional, prédio de
escritórios e lojas na Avenida Paulista, centro
�nanceiro de São Paulo.

A busca e apreensão aconteceu mais precisamente


na �lial brasileira da Mossack & Fonseca, banca de
advocacia panamenha internacionalmente
conhecida por assessorar tra�cantes, ditadores,
corruptos e sonegadores no ato de esconder
dinheiro em paraísos �scais.

Qual a relação da empresa com o apartamento no


Guarujá? Uma o�shore aberta pela Mossack &
Fonseca, a Murray Holdings LCC, tinha em seu
nome outro tríplex no mesmo prédio. Ao esbarrar
na �rma panamenha durante a fase preliminar da
investigação, a força-tarefa acreditou ter
encontrado o elo para provar que Lula havia
cometido o crime de ocultação de patrimônio.
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Em resumo: por meio de laranjas, a empreiteira
OAS esconderia os verdadeiros proprietários dos
imóveis no Edifício Solaris. Bingo? Longe disso.
Logo no primeiro dia, a Triplo X identi�cou 40
indivíduos e empresas no Brasil que �zeram
negócios com a Mossack & Fonseca. E aí começa o
mistério. (Leia o outro lado)

Ao contrário de outras fases e do padrão de


comportamento do juiz Moro, os representantes do
escritório panamenho não amargaram longos
períodos na cadeia nem tiveram os pedidos de
prisões temporárias convertidos em detenções
preventivas, cuja suspensão �ca a critério da
Justiça. Foram soltos em tempo recorde, menos de
dez dias após a operação. Entre os libertados
per�lava-se o principal representante da
companhia no Brasil, Ricardo Honório Neto.

O executivo trabalha na Mossack & Fonseca há ao


menos dez anos e é bem relacionado, com contatos
na própria Polícia Federal. Em 2007, um e-mail
interceptado prova que Honório Neto havia sido
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informado a respeito de uma operação da PF no
escritório da empresa.

Na mensagem, ele avisa da ação e orienta


subordinados a destruir e ocultar documentos antes
da chegada dos federais. Esconder informações é,
aliás, uma prática corriqueira e contínua na
companhia. Escutas telefônicas recentemente
autorizadas que embasaram a Triplo X �agraram
Ademir Auada, um dos presos em 27 de janeiro e
logo liberado, a confessar a destruição de papéis do
escritório.

A eclosão do escândalo internacional que envolve


diretamente a empresa panamenha, a partir do
megavazamento de 11,5 milhões de documentos
sobre as o�shore pertencentes a políticos,
ditadores, celebridades e a�ns, todas criadas com o
intuito de no mínimo sonegar impostos, causou
constrangimentos na força-tarefa da Lava Jato.

Os investigadores sabem que serão cobrados por


causa do “desinteresse” em relação às atividades da
Mossack & Fonseca. O juiz Moro não atendeu aos
pedidos de explicação de CartaCapital. Teria sido
apenas desatenção ou algum interesse especí�co
explicaria o comportamento incomum da turma de
Curitiba no episódio?

Raciocinemos: Moro já a�rmou mais de uma vez


que o apoio dos meios de comunicação é essencial
na cruzada contra a corrupção. A parceria mídia-
Justiça, entende o magistrado, serve para impedir o
sistema político de barrar as investigações. Mas e
se um dos aliados na imprensa cair por acaso na
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rede de apuração? O que fazer?

Não se sabe. Fato é que entre os documentos


apreendidos durante a Triplo X aparecem os
registros de o�shore ligadas a Alexandre Chiapetta
de Azevedo. O empresário foi casado até
recentemente com Paula Marinho Azevedo, �lha de
João Roberto Marinho, um dos herdeiros da Globo,
que apoia de forma acrítica a Lava Jato e até
concedeu um prêmio ao juiz Moro. Na lista
encontrada na sede da Mossack & Fonseca desponta
a Vaincre LLC.

A o�shore integra uma complexa estrutura


patrimonial: é sócia da Agropecuária Veine
Patrimonial, que por sua vez é dona de uma
imponente e moderna casa em uma praia exclusiva
de Paraty, litoral do Rio de Janeiro, que
pertenceria à família Marinho.

A propriedade é alvo de uma ação do Ministério


Púbico Federal por crime ambiental. Os Marinho,
assim como o ex-presidente Lula no caso do triplex
no Guarujá, negam ser os donos do imóvel.

Diferentemente do que acontece no caso de Lula, as


relações dos herdeiros da Globo com a casa em
Paraty se avolumam. Na mesma lista apreendida no
escritório da Mossack & Fonseca, ao lado do
registro a respeito da Vaincre LLC aparece o nome
de outra empresa, a Glem Participações, que detém
um contrato com o governo estadual do Rio de
Janeiro para a exploração do parque de remo da
Lagoa Rodrigo de Freitas.
Segundo o blog Vi o Mundo, do jornalista Luiz
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Carlos Azenha, a Glem pertence a Azevedo, ex-
marido de Paula Marinho. A neta de Roberto
Marinho aparece ainda como �adora do contrato
entre o governo �uminense e a Glem.

Outro documento revela que a Agropecuária Veine


é dona de uma cota de um helicóptero do modelo
Augusta A-109, matrícula PT-SDA, utilizado pela
família Marinho. O endereço para entrega de
correspondências no contrato de importação do
helicóptero é o mesmo da empresa de Azevedo.

Só para esclarecer: a empresa dona do triplex em


Paraty recebe suas correspondências no escritório
do ex-marido de uma das herdeiras da Rede Globo.

As Organizações Globo enviaram nota a


CartaCapital explicando a situação das o�shore,
do helicóptero e do triplex em Paraty. Diz a nota
que ninguém da família é proprietário da empresa
que administra o sítio. Diz também que Paula
Marinho não é dona da o�shore Vaincre, mas pela
primeira vez con�rma que a empresa é de
propriedade do ex-marido.

Ou seja, o triplex serviu, sim, à família, uma vez


que a o�shore é uma das sócias da propriedade em
Paraty. A emissora a�rma também que Paula não
tem ligação nenhuma com a Glem Participações e
diz que o helicóptero pertenceu ao ex-genro, tendo
sido �adora da aeronave a pedido de Alexandre.

O ex-genro global foi procurado pela revista, mas


não se manifestou sobre o assunto. A história da
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casa em Paraty não é a única relação dos Marinho
com a Mossack & Fonseca e os Panama Papers.

Segundo o jornal holandês deVerdieping Trouw,


com base em documentos vazados, a emissora
brasileira teria usado empresas de fachada para
pagar intermediários na compra de direitos de
transmissão da Copa Libertadores da América.

O diário argentino La Nación trouxe outras


revelações: “Por razões �scais, em 2012, a T&T
transferiu os seus direitos à empresa
Torneios&Tra�c Sports Marketing BV, com sede
nos Países Baixos. Por trás dessa o�shore
holandesa, a Mossack & Fonseca criou a Medak
Holding Ltd., registrada em Chipre, que, por sua
vez, era controlada pela uruguaia Henlets Grupo”.

A reportagem prossegue: “A empresa holandesa,


com licença de televisão concedida pela T&T,
intermediava a venda dos direitos. A o�shore
negociou aportes milionários com a TV Globo do
Brasil, que eram depositados no ING Bank, em
Amsterdã.
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A empresa holandesa e a TV Globo tiveram
contratos negociados de 2004 a 2019, a uma
quantia estimada de 10 milhões de dólares”.

Não à toa, a Globo registrou timidamente o


escândalo internacional que monopolizou a atenção
da mídia estrangeira nos últimos dias. Na segunda-
feira 4, por exemplo, o Jornal Nacional tratou do
assunto em meros 40 segundos. Sem imagens, o
texto basicamente informava que a Procuradoria-
Geral da República investigaria os donos brasileiros
de o�shore abertas pela Mossack & Fonseca. E
ponto.

Há outros ilustres nativos, vários envolvidos em


crimes de corrupção, no rol de clientes do
escritório panamenho. Robson Marinho,
conselheiro afastado do Tribunal de Contas do
Estado de São Paulo e acusado de receber propina
durante sua passagem pelo governo do tucano
Mário Covas, é dono da Higgins Finance.
Segundo o Ministério Público, Marinho embolsou
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2,7 milhões de dólares em troca de contratos
fraudulentos assinados com a multinacional
francesa Alstom. A propina teria ainda abastecido o
caixa 2 de campanhas eleitorais do PSDB paulista.

Além dos Marinho globais e do Marinho tucano, os


proprietários de o�shore até agora �agrados na
enorme pilha de documentos incluem políticos
brasileiros de sete partidos: PSDB, PDT, PMDB, PP,
PSB, PSD e PTB.

Constam da lista, entre outros, o indefectível


Eduardo Cunha, presidente da Câmara, o ex-
governador de Minas Gerais Newton Cardoso, o ex-
ministro Edison Lobão, o falecido tucano Sérgio
Guerra, acusado por um dos delatores da Lava Jato
de ter recebido 10 milhões de reais para abafar
uma CPI, e o ex-deputado federal João Lyra.

Fora do Brasil, a “lista negra”, conforme de�nição


de parte da mídia estrangeira, também inclui
nomes para todos os gostos, de amigos do
presidente russo Vladimir Putin ao cunhado do
presidente chinês Xi Jinping.

O primeiro-ministro islandês, Sigmundur


Gunnlaugsson, viu-se obrigado a renunciar após a
descoberta de que mantinha uma o�shore em
sociedade com a mulher.

Depois de uma entrevista desastrada a um canal de


tevê, na qual emudeceu diante das perguntas dos
repórteres e encerrou a conversa sem maiores
explicações, Gunnlaugsson foi pressionado pelo
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partido e por protestos de eleitores.

Na América Latina, o nome de maior destaque é o


do presidente da Argentina, Mauricio Macri. Dono
de duas o�shore abertas nos anos 1980, Macri
a�rma que as operações foram legais e tratavam de
uma sociedade com o pai.

Embora os 11,5 milhões de documentos vazados


possibilitem a todos entender melhor como
funciona o esquema de lavagem de dinheiro no
mundo, a atuação da Mossack & Fonseca não é
propriamente uma novidade.

O escritório, fundado em 1977 pelo alemão Jurgen


Mossack e o panamenho Ramón Fonseca, à época
vice-presidente do país, estendeu seus serviços por
mais de 40 países.

Em 2014, o jornalista norte-americano Ken


Silverstein reconstruiu a história da Mossack &
Fonseca e suas relações com ditadores, tra�cantes e
criminosos diversos.
Rami Makhlouf, o homem mais rico da Síria,
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descreve Silverstein, valeu-se da empresa
panamenha para esconder dinheiro sujo do ditador
Bashar al-Assad. Muammar Kadda�, que dominava
a Líbia com mão de ferro, e Robert Mugabe, do
Zimbábue, também foram clientes.

Os Panama Papers, pelo que se viu até o momento,


tendem a se tornar um escândalo de maior
proporção do que o vazamento das contas da �lial
suíça do banco britânico HSBC. Mas, no Brasil
atual, como diria o juiz Moro, “não vem ao caso”.

A rede criminosa da Mossack é grande e em outros


momentos, curiosamente, chegou a ser alvo de
interesse da Lava Jato. Foi quando identi�cou que
a lavanderia panamenha foi responsável pela
abertura das o�shore em nome do ex-diretor da
Petrobras Renato Duque e o lobista Mário Góes.

Todos foram presos e cumprem ou cumpriram


longas prisões preventivas até delatar tudo o que
sabiam ou até desconheciam.

Caberá ao Conselho Nacional de Justiça, ao


Conselho Nacional do Ministério Público e ao
Supremo Tribunal Federal, se provocados, se
manifestarem sobre tais “peculiaridades” judiciais
de Curitiba.

Outro lado: a resposta do


Grupo Globo
1- Existe alguma relação entre os proprietários do
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Grupo Globo e a empresa Agropecuaria Veine
Patrimonial?

R: Não. Os proprietários do Grupo Globo não são


donos dessa empresa.2 - Existe alguma relação
entre a o�shore Vaincre LCC e Paula Marinho
Azevedo? R: Paula Marinho não é proprietária
dessa empresa, direta ou indiretamente. O
responsável por essa empresa é o ex-marido de
Paula Marinho.3 - Existe alguma relação entre a
Glem Participações e Paula Marinho Azevedo? R:
Paula Marinho não é e nunca foi proprietária dessa
empresa. A empresa é de propriedade da família do
ex-marido de Paula Marinho.4 - Um contrato do
helicóptero Agusta A-109, matrícula PT-DAS, tem
como endereço de correspondência a Glem
Participações. Paula foi �adora do termo entre o
Estado do Rio e a Glem Participações para a
concessão do estádio de remo na Lagoa Rodrigues
de Freitas. Qual a relação dela com o helicóptero e
com a empresa? R: O helicóptero que teve as
documentações expostas não pertence e nem é
utilizado pela família ou pelo Grupo Globo. Quanto
à �ança, se operou na época em que esteve casada,
a pedido do então marido.5 - Um heliponto em
Paraty foi registrado em nome da Agricultura Veine
com o direito de uso de tal aeronave acima
mencionada. O ex-marido dela fez ou faz uso da
aeronave? Qual a relação de Paula com este
heliponto? R: O Grupo Globo não tem relações com
essa empresa nem com o heliponto. O possuidor da
aeronave é o ex-marido de Paula.

6 - Tal heliponto �ca em uma praia e presta serviço


a uma residência a beira mar. Qual a relação da
 
propriedade com a empresária? R: O Grupo Globo
informa que a citada casa não pertence e nunca
pertenceu a qualquer membro da família Marinho.

7 -Segundo o jornal holandês de Verdieping Trouw,


documentos revelam que a emissora teria usado
empresas de fechada para pagar intermediários em
direitos de transmissão da Libertadores da América.
Qual o posicionamento da empresa? R: A Globo
adquiriu os direitos de transmissão da Copa
Libertadores da América da empresa detentora e
autorizada a cedê-los. Toda a movimentação
�nanceira foi registrada e realizada via Banco
Central e todos os impostos recolhidos conforme a
regulação vigente.

Fonte: Carta Capital

Disponível em: https://viniciusgmp.jusbrasil.com.br/noticias


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