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A Mamata dos Sertanejos e o injusto ataque à Lei Rouanet

A Lei Rouanet voltou ao centro das discussões após a polêmica entre Anitta e o cantor Zé
Neto, que transbordou para Gusttavo Lima e outros sertanejos bolsonaristas, deflagrando a
polarização musical na campanha eleitoral.

De um lado, a nata da MPB, a maioria dos roqueiros, sambistas, rappers, funkeiros, a


diversidade do pop contemporâneo, músicos instrumentais consagrados e do outro, os
sertanejos velhos e novos, perdendo de lavada para “o outro lado”, como Bolsonaro chama
quem não está alinhado com ele. A exceção é a cantora Roberta Miranda que se solidarizou
com Anitta, pioneira como mulher no sertanejo, Roberta Miranda precisou enfrentar o
machismo e o desprezo dos homens em um meio dominado por eles para fazer sucesso.
Porém, atualmente, não por acaso quase todos os cantores sertanejos estão alinhados
ideologicamente com o bolsonarismo e repetem os ataques injustos e sem sentido ao papel
desenvolvido pela Lei Rouanet - mecanismo federal de incentivo à cultura que foi sancionada
pelo governo liberal do então Presidente Fernando Collor de Mello, em 23 de dezembro de
1991.

A lei, que passou a ser chamada oficialmente de Lei Federal de Incentivo à Cultura, na verdade
não usa verba pública do orçamento da União, nem de estados ou municípios. Esta lei permite
que empresas ou pessoas físicas patrocinem projetos culturais previamente aprovados pelo
próprio governo federal, podendo descontar o valor patrocinado em parte do imposto devido à
Receita Federal. Sendo que para conseguir esta aprovação de um projeto na Lei Rouanet, o
caminho é longo e burocrático, são meses ou anos passando por várias análises de técnicos
pareceristas, que verificam minuciosamente o plano de trabalho e cada custo do orçamento da
proposta. Hoje o cachê de um cantor solo, por exemplo, não pode ultrapassar míseros R$ 3
mil. Bem diferentes dos cachês milionários dos shows com verba pública direta pagos pelas
prefeituras ou pelo orçamento secreto federal. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), a Lei Federal de Incentivo à Cultura representa apenas 0,66% da renúncia fiscal da
União. Bem inferiores aos incentivos recebidos por outros setores econômicos que raramente
sofrem qualquer tipo de ataque: Comércio e Serviços: 28,5%; Indústria: 11,89%; Saúde:
11,60%; Agricultura: 10,32%; Educação: 4,85%; Habitação: 4,45%. Comprovando que estes
ataques sofridos pelos artistas, produtores e a maioria da produção cultural são insanos e esta
longe de ser uma preocupação econômica ou de qualquer sentido de moralidade. Um governo
com características autoritárias e de extrema-direita, como o de Bolsonaro, tem o objetivo de
banir o pensamento e a critica. Por isso que historicamente desprezam e procuram demonizar
todas as áreas do conhecimento: cultura, educação, ciência e a imprensa em geral.
A fala do cantor sertanejo Zé Neto, que faz dupla com Cristiano, mirou os seus ataques na
cantora Anitta e na Lei Rouanet e acertou a si próprio, e deu a senha para abrir a caixa preta
dos patrocínios públicos aos shows sertanejos. O tiro saiu totalmente pela culatra. Apesar de
ter dito que não precisava da Lei Rouanet, como se fosse errado utilizá-la, Zé Neto e seus
amigos sertanejos sempre abraçaram a mamata da verba pública direta e superfaturada.
Dados do Portal da Transparência mostram que o show em que Zé Neto fez a declaração foi
pago pela prefeitura de Sorriso ao valor de R$ 400 mil. Nos últimos meses a dupla Zé Neto &
Cristiano realizou shows com valores bem diversos. O cachê variou, estranhamente, em até
188% - dos R$ 180 mil pagos à dupla para uma apresentação em Campos Gerais aos R$ 550
mil para um show em Extrema, ambas as cidades de Minas Gerais.

Toda esta polêmica fez a hashtag #CPIdoSertanejo entrasse nos trends topics do Twitter.
A repercussão gerou uma crise no mundo sertanejo após o Ministério Público de vários
estados abrirem inquéritos para investigar as origens dos contratos altíssimos previstos para os
artistas. Vários shows agendados já foram cancelados e o Ministério Público esta abrindo
investigação dos valores dos shows já realizados. O órgão pede esclarecimentos urgentes das
prefeituras a respeito da origem do dinheiro e qual seria o retorno do show para os moradores
de cada município. Um dos exemplos tem como protagonista o cantor Gusttavo Lima, que
cobrou cachê milionário de R$ 800 mil para se apresentar em uma vaquejada em São Luiz,
município de cerca de 8 mil habitantes, ao Sul de Roraima. A cidade tem o segundo menor PIB
do estado, atrás somente de Uiramutã, e o valor exigido pelo cantor equivale a 266 vezes o
teto da Lei Rouanet para cachês de artistas, que diminuiu de R$ 45 mil para R$ 3 mil,
justamente no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Em outra investigação envolvendo Gusttavo Lima, mostra a destinação de R$ 1,9 milhão para
realizar apenas um show em Ituiutaba (MG), a cidade natal do deputado Federal André
Janones, do Avante que destinou uma emenda do orçamento secreto ao artista neste valor
astronômico. Tudo isso mostra que nem só de tratores, caminhões de lixo e ônibus escolares
superfaturados vive o orçamento secreto da aliança de Bolsonaro com o Centrão, em ligação
direta com as prefeituras, para distribuir verbas públicas sem nenhum controle. Assim, chega a
ser absurda a discussão sobre a legalidade da verba gasta pela prefeitura, pois
independentemente de já estar 'carimbada', ou não, para a Saúde ou a Educação, é
claramente um despropósito gastar tanto dinheiro assim - com um único show -, enquanto a
cidade carece de tantas necessidades. Legal ou não, aprovado ou não, o gasto é imoral. É
estúpido e eleitoreiro.

Assim, assistimos a mais uma das tremendas contradições e falácias bolsonaristas: petrolão é
crime, rachadinha, não. Os filhos do Bolsonaro podem praticar tráfico de influência, o de Lula,
não. Lei Rouanet é mamata, dinheiro da prefeitura, não. Por isso a confusão toda.
Zé Neto, Gusttavo Lima e outros sertanejos, que vivem posando de patriotas e cinicamente
como defensores do dinheiro público, agora são atacados por suas vítimas.
Enquanto isso a bela Anitta vive a sua carreira internacional consolidada, continua se
posicionando sobre a necessidade urgente de mudança no atual quadro político do Brasil, além
de cantar e rebolar pelo mundo. Ela já figurou no 15º lugar da lista dos músicos mais influentes
nas redes sociais, da Billboard e foi a primeira cantora brasileira a ficar em primeiro lugar no
Spotify. Além disso, nesta quinta-feira (dia 02), a cantora teve a sua escultura de cera
inaugurada pelo museu de cera mais famoso do mundo, o Madame Tussauds na Times
Square, em Nova Iorque. Parabéns Anitta!

Jamir Lopes - Gestor e Produtor Cultural

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