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Arte de roubar

J.R. GUZZO
REVISTA VEJA

O que se pode esperar de bom


de uma eleição para presidente
da República em que todos os
candidatos, com exceção de
um só, vão fazer sua
campanha com dinheiro que
r o u b a ra m d i r e t a m e n t e d e
você?

Eis aí uma das mais


espetaculares safadezas que
estão sendo praticadas neste
exato momento pelos políticos
brasileiros — da extrema
direita à extrema esquerda,
na cara de todo mundo e em
plena luz do dia. Não é pouco:
o Tesouro Nacional vai doar aos
políticos, para suas “despesas
de campanha” deste ano, um
presente extra de 1,7 bilhão de
reais, já separado no
Orçamento de 2018.

É uma aberração que tiveram a


coragem de chamar de “Fundo
de Defesa da Democracia”,
ou algo assim. Vem se somar
a o “ F u n d o P a r t i d á r i o ”,
vigarice antiga criada para dar
aos partidos políticos, a cada
ano, quantias desviadas dos
impostos e destinadas a
ajudar na sua
“manutenção”.
No ano passado, com um
projeto de lei relatado na
Câmara pelo deputado Vicente
Candido, do PT, e gerido no
Senado por ninguém menos
que o senador Romero Jucá,
fizeram uma mágica que
multiplicou dramaticamente,
numa tacada só, os valores que
a população deste país será
obrigada a entregar aos
políticos no decorrer de 2018.

É uma conquista notável para


os anais da arte de roubar.

Quatro anos atrás, a mesada


anual das gangues que fazem o
papel de “partidos” no
Congresso Nacional era de 300
milhões de reais. Foi
aumentando, aumentando
— e agora, diante da
necessidade de “defender a
democracia”, está reforçada
por esse novo 1,7 bi. A
desculpa é que há eleições
neste ano e as doações de
“caixa dois”, imaginem só,
foram proibidas pelos
nossos tribunais superiores.

É mais ou menos assim: como


está teoricamente mais
difícil praticar crime
eleitoral, chama-se o
público para fornecer o
dinheiro que os criminosos
desembolsavam até agora.
Brilhante.

O que querem mesmo é o


dinheiro. É uma atração e
tanto

Era para ser pior. Os partidos


queriam 3,5 bilhões de reais. O
PT, então, exigia até 6 bi, ao
fixar o valor do Fundo numa
porcentagem do Orçamento
da União.

De um jeito ou de outro, é bom


para as “orcrims”, bom para
os políticos e ruim para você.

Esse dinheiro, obviamente, não


é inventado — tem de sair de
algum lugar, e esse lugar é o
seu bolso. Também não pode
ser duplicado. Se foi para os
partidos é porque não foi para
ninguém mais; no caso de
2018, quase 500 milhões de
reais foram desviados das
áreas de saúde e educação
para o cofre dessas figuras
que estão se propondo a
salvar o Brasil.

O fabuloso “Estado” brasileiro,


essa entidade sagrada para
o pensamento da esquerda
nacional, não tem dinheiro
para comprar um rolo de
esparadrapo. Mas tem, de
sobra, para dar a qualquer
escroque que consegue o
registro de uma
candidatura. Claro que tem. O
dinheiro não é “do Estado”, ou
“do governo”, ou “do Temer”.

Isso não existe.

Estado algum tem dinheiro;


quem tem o dinheiro que
eles gastam é você. É de
você que eles roubam, e são
justamente os mais pobres que
ficam com o prejuízo pior.
Quando se tira dinheiro dos
ricos e dos pobres ao mesmo
tempo, quem é que sofre mais?

A isso o PT e a esquerda em
geral dão o nome de
conquista democrática
popular — é o prodigioso
“financiamento público das
campanhas eleitorais”, que,
segundo o seu evangelho,
elimina a influência “das
grandes empresas” nas
eleições etc., etc.

É um espanto, pois o PT foi o


mais voraz de todos os
tomadores de dinheiro de
empreiteiras de obras e
outros magnatas que jamais
passaram pela política
brasileira. Agora, está
avançando também sobre
os impostos pagos pela
população — e faz isso com o
apoio apaixonado dos seus
piores inimigos na cena
política, os famosos “eles”
amaldiçoados pelo ex-
presidente Lula há mais de
trinta anos e acusados de
criar todas as desgraças do
Brasil.

Até o momento, só o candidato


João Amoêdo, do Partido
Novo, recusou-se a receber
essa propina: o partido deixou
parados no banco os 2 milhões
e pouco de reais que o Fundo
depositou em sua conta.

Por que nenhum outro fez a


mesma coisa?

Não perca o seu tempo ouvindo


explicações complicadas. Os
demais não fizeram porque
não quiseram fazer; o que
querem mesmo é o
dinheiro. É uma atração e
tanto.

Derruba até figuras com os


teores de pureza revolucionária
da candidata Manuela D’Ávila,
que faz cara de horror
diante da hipótese de sujar
as mãos com essas sórdidas
questões financeiras. Prefere
enfiar as mesmas mãos
diretamente no seu bolso —
como se assim o dinheiro
roubado ficasse limpo.

Da direita velha nem


adianta falar; roubar é o seu
destino.
Mas quando a jovem de
esquerda age igual, e nem
se dá ao trabalho de
disfarçar, é que a coisa está
realmente preta.

Publicado em VEJA, edição nº 2580

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