Você está na página 1de 2

ESPERANÇAR É PRECISO!

Esperançar se fez verbo na obra do pensador Paulo Freire, que teria


completado 100 anos em 2021, se vivo estivesse. Esperançar inspira e mobiliza
todo o seu legado. Na obra Pedagogia da Esperança (1992), Freire dizia “É
preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem
gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não
é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás,
esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante,
esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”.

O ano de 2021 terminou sem deixar saudades: inflação, desemprego, fome,


descaso com a covid-19 - que ceifou cerca de 620 mil vidas -, ataques maciços
contra direitos trabalhistas e o escandaloso orçamento secreto para deputados
e senadores (cerca de 20 bilhões por ano) - que é uma imensa corrupção
legalizada e institucionalizada pelo atual governo federal - tudo isso,
infelizmente, foi o que ditou o ritmo deste ano que passou. Porém como no
poema de Fernando Pessoa, devemos dizer que navegar é preciso, extraindo
forças da necessidade de seguir, enquanto vida houver. Trabalhar, resistir, lutar
e amar. Realizar algo bom para nós e para a coletividade faz a vida valer a
pena. Faz a vida ter um propósito. Bem sei que não é fácil ser atingido pelas
perdas e conseguir superá-las. Seja na perda de um ente querido, perda do
emprego, da renda, suportar as consequências exige força e resistência física e
mental. Na Marinha, falam que é na turbulência que se conhecem os bons
marinheiros. Assim é também na vida de um modo geral.

Desde os primeiros dias do ano novo teremos como maior desafio enfrentar
com energia, esperança e resistência muitas dificuldades. A luta será imensa e
lutaremos desarmados, mas, com a força do amor, da razão e do propósito,
não deixando ninguém abandonado pelo caminho. Em 2022 temos como
sociedade a missão de reestabelecer a verdade, a sensatez, o respeito, a
democracia, a inclusão social e o amor. Como disse o inspirador Padre
Lancellotti “Não seremos nem alienados ou pessimistas, mas comprometidos
com os direitos humanos e a liberdade que humaniza a vida”. E neste
necessário exercício de esperançar lembremos também dos lindos versos de
Cecília Meireles “A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu
nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A
inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da
mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão,
começam a preparar sua vida para a primavera que chega. (...) Mas é
certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece e a terra
maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação. (...) Algum dia,
talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera
que desejarem, no momento que quiserem independentes deste ritmo, desta
ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros
cantos e outros hábitos”.
No Brasil de hoje e de sempre, esperançar deve ser o verbo a ser transformado
em luta. Acredito também que o campo da cultura será fundamental para a
reconstrução do país. O poder estratégico da cultura para o desenvolvimento
humano em todos os seus aspectos. Ela seduz, empodera e liberta. Pois é a
cultura o mais forte cimento social existente, não a religião ou a ideologia.
Por isso que governos autoritários, de diferentes épocas e continentes, via de
regra, priorizaram demonizar, perseguir e controlar as manifestações culturais.
Em 2022 para esta necessária reconstrução, mais do que nunca precisaremos
nos inspirar e mergulhar nos pensamentos, nas obras e nas artes de Paulo
Freire, Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Guimarães Rosa, Conceição Evaristo,
Djamila Ribeiro, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mano Brown, Bethânia, Fernanda
Montenegro e muitos outros.

Neste ano que se inicia, desejo a todos os leitores e amigos muita coragem,
consciência, cultura, união e amor - pois mais do que nunca esperançar é
preciso!

Jamir Lopes - Gestor e Produtor Cultural

Você também pode gostar