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e da espiritualidade
Cultura da violência
Acredito que de todos os temas aqui tratados a questão da paz seja para mim
uma das mais instigantes e inspiradoras, dado o contexto atual de expansão
descontrolada de uma cultura da violência tanto no plano macro da sociedade
quanto nos micros espaços das relações interpessoais e intrapessoais. Esta
cultura da violência, da barbárie tem sido disseminada e, lamentavelmente cada
vez mais vem fazendo parte, a contra gosto é claro, da vida de todos nós. A
violência não mais está restrita a um segmento ou a um território, ela é sistêmica,
apesar de se saber que as populações das áreas mais pobres e determinados
grupos étnicos como negros, jovens e mulheres serem as principais vítimas.
Trata-se, portanto de uma grave patologia social.
Observa-se ainda que para além da violência que adentra a escola oriunda do
território, onde ela se situa, geralmente marcado por contradições e injustiças,
há também uma violência que é interna à própria escola sendo que, muitas
vezes, ela (escola) é produtora de violência. Para Bock, Furtado, Teixeira (2018,
p. 335) No contexto escolar “é importante destacar a violência exercida
seletivamente sobre crianças e jovens das camadas populares”. Sawaia (2003,
p.57) também denuncia essa situação ao indicar como a escola que deveria ser
um espaço de acolhimento e de promoção do desenvolvimento humano acaba,
não raro, produzindo mais sofrimento em função de impor certas formas de
violência.
É sobre esse cenário de uma cultura da violência tanto física quanto simbólica
que a educação é convocada a contribuir mediante a disseminação de uma
cultura da paz (CÍRCULOS EM MOVIMENTO, 2022). Roizman e Diskin (2021,
p. XXI) destacam que “em uma cultura de paz não ausência de conflitos, mas
sim a busca ativa de sua resolução de forma construtiva por meio da negociação,
diálogo e da democracia”.
Agora vem uma pergunta fundamental: E o que é paz? Primeiro não se deve
reduzir a ideia de paz aquelas visões romantizadas que buscam caracterizá-la
como um estado de tranquilidade, sossego ou calmaria permanente. Claro que
esses estados são importantes e compõem de algum modo a paz, mas a paz vai
para além destas condições emocionais. Há uma visão de paz que é
caracterizada pela ausência de algo. Paz compreendida enquanto ausência de
violência, de guerras1. É o que importantes autores denominam de paz negativa
(JAREZ, 2002). E a outra forma de entender a paz que seria, não pela ausência,
mas pela presença de algo. Há paz quando se observa justiça, oportunidades,
inclusão, democracia, políticas públicas funcionais. Paz com essa pegada teria
uma perspectiva positiva, caracterizada por uma presença. Jarez (2002, p. 126)
assim descreve esta perspectiva
1
Essa perspectiva remonta à tradição da Pax romana na qual a guerra e revoltas eram evitadas em função
do poder de coação do Império Romano. Então era garantida mesmo que a contragosto. Pois a repressão
dos romanos a algum tipo de resistência era devastadora.
não a experiência da paz. Ao se viver numa sociedade injusta ou numa escola
injusta essa realidade vai influenciar nos afetos produzindo tristezas,
desconfortos, inadequações, não pertencimentos enfim, sofrimento ético-político
(SAWAIA, 2014).
Uma educação afetiva tem a missão de criar esse clima favorável aos bons
encontros os quais encontra na CNV uma aliada valiosa. Chama atenção ainda
a visão de Rosemberg (2006, p. 32) quando esclarece que “A CNV promove
maior profundidade no escutar, fomenta o respeito e a empatia e provoca o
desejo mútuo de nos entregarmos de coração”. Não duvido quanto a ser a CNV
um caminho afetivo e, por isso, mais que possível para se construir uma paz
sustentável e duradoura.
Pedagogia da tolerância
Para implantar uma pedagogia da paz comprometida com uma ética dos afetos
é fundamental sustentar esse projeto com base na tolerância. Muitas das
violências observadas e aqui relatadas têm que ver com as dificuldades que as
pessoas, em geral, possuem de serem tolerantes, inclusive para consigo. Tolerar
não necessariamente é aceitar tudo. Isso é passividade ou melhor
permissividade. Tolerar tem que ver com acolher o diferente. Nisso concordo
com Freire (2014, p.26) “o que a tolerância autêntica demanda de mim é que
respeite o diferente, seus sonhos, suas ideias, suas opções, seus gostos, que
não o negue só por que é diferente.”
Reinventar a educação
Viabilizar situações que permitam que o educando efetive encontros com a arte
(teatro, pintura, poesia, música, literatura...), o encontro com a natureza
(passeios ao ar livre, aulas de campo, jardinagem, contato com animais,
contemplação da natureza....) e o encontro com o outro (rodas de conversas em
pares, observação atenta dos colegas, conhecer as histórias de vida dos demais
alunos, momentos coletivos de mindfulness...).
2
“Uma palavra epistemologicamente empregada por Freire para expressar, com enorme carga afetiva,
cognitiva, política, ética e ontológica, os projetos e os atos das possibilidades humanas” (STRECK, REDIN,
ZITKOSKI, 2019)
O ser humano carece do sagrado e do profano
Ribeiro (2020, p. 120) chama atenção para o fato, por ele defendido, de que não
existe oposição entre o sagrado e o profano no contexto da experiência de
espiritualidade, “ambos são apenas de natureza distintas”. Essa perspectiva é
importante ao reafirmar a escola, enquanto um espaço laico, na rota possível e
necessária de promoção de ações que contemplem não apenas os aspectos já
amplamente reconhecidos como pertencentes ao universo tradicional da escola
e da educação, logo esta percepção amplia as possibilidades de ações
pedagógicas que não descuidarem do ser integral, incluindo-se e articulando o
cognitivo, o social, o político, o afetivo e sim, o espiritual.
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Nesta última dimensão que trata de uma escola e uma educação afetiva se
trouxe à reflexão questões envolvendo a categoria da paz e em seguida da
espiritualidade. Espero que a leitura tenha proporcionado a ampliação dos
entendimentos relacionados a estas duas categorias que geralmente são
estereotipadas e geram algum tipo de restrição do entendimento das mesmas e
principalmente dificuldades em reconhecer o papel que as mesmas podem ter
no contexto educativo. Nenhum projeto de educação que se proponha
transformar, para melhor as pessoas, pode prescindir de ter nos seu currículo
essas duas importantes questões: a paz e a espiritualidade.