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P)
Capítulo 1
Pov Lauren
Fazia seis semanas que eu não fazia sexo. Nos meus padrões,
esse era um tempo longo. No entanto, essa única vontade
que antes era constante na minha vida, atualmente também
estava decaindo na minha lista de prioridades. 5
- Olá, Chloe.1
Não queria falar que meu sumiço se dava à minha total falta
de vontade em fazer sexo, e que agora eu precisava tirar o
atraso.2
Foi quando vi uma garota que, até então, nunca havia visto
no The Hills. Uma menina aparentemente normal. Cabelos
longos castanhos, pele bronzeada, traços latinos, um pouco
mais alta que Selena e parecia completamente deslocada. 2
Uma novata. 1
- Ela é boa?4
- Claro, por isso ela ela está aqui embaixo. - Ela sorriu para
mim com simpatia e dispensou as três meninas que
acompanhavam nossa conversa com um aceno de mãos. Elas
se foram, e Chloe chamou Camila. A menina atendeu ao
chamado e veio em nossa direção.
- Obrigada.
Eu queria novidades.4
Fui ao The Hills aquela noite não esperando por uma novata,
mas sim por uma simples trepada. Mas o destino foi gentil
comigo, colocando Camila a minha disposição.
Pov Camila
Mais uma noite no The Hills. Mais uma noite para eu me sentir
uma vadia. Mas aquilo era idiota de se dizer. Eu era uma
vadia. Uma vadia que agora se arrumava para sua próxima
cliente. A tal Lauren.5
- Bem, pelo menos ela é bonita. - Falei para mim mesma, mas
sabia que aquilo não funcionaria. - Ok, ok, não muda quase
nada. Mas vamos lá, finja que será ao menos um pouco
prazeroso.11
Não respondi.1
- Como disse? 1
- Eu não faço...1
- Você é muito exigente. - Ela concluiu, não parecendo ter
ficado aborrecida. - Espero que saiba me recompensar por
isso.4
- Vou recompensa-la.3
- Chupe.10
- Obrigada.
2
Sem dizer mais nada, ela abaixou até sua calça caída no chão
e de dentro do bolso, tirou um preservativo. Jogou a
embalagem em cima da cama, e sem cerimônias, tirou meu
sutiã e me deitou na cama, cobrindo-me com seu corpo.
Rapidamente levou sua boca a um dos meus seios, sugando-o
com delicadeza, o que estranhei. As pessoas com quem eu
me deitava normalmente não eram sutis, e sempre faziam
com que, ao final da relação, eu tivesse uma nova marca para
a coleção.3
- Estou machucando? - Ela perguntou.2
- Não.
Sem mais o mínimo cuidado, ela chupou com força meu seio
esquerdo enquanto uma de suas mãos apertava e beliscava o
direito. Sua outra mão deslizou para dentro da minha calcinha
e seus dedos começaram a me tocar. - No início devagar, mas
depois rápido, muito rápido. Senti dois dedos deslizando para
dentro de mim.1
- Fique de quatro.3
Obedeci, virando-me na cama e colocando minhas mãos e
meus joelhos no colchão, ficando em umas das posições que
eu considerava mais humilhantes.7
- Que foi?1
- Isso...
Lembrei que precisava gemer para estimula-la, e o fiz. Ela
pareceu gostar, me agarrando com mais força e reforçando o
movimento em meus quadris. Me inclinei em sua direção,
minha boca próxima ao seu ouvido e sussurrei palavras sujas.
Elas a tiraram do sério, e ela finalmente gozou, gemendo mais
alto do que antes, ainda agarrada ao meu quadril. Fiquei
esperando que ela retomasse a consciência, deitada por cima
dela. Meu corpo, apenas úmido, repousava em cima do dela,
muito suado. Ainda que estivesse praticamente desidratando,
Lauren tinha um perfume maravilhoso. Parecia exalar do seu
próprio suor, porque eu não me lembrava do seu cheiro ser
tão potente antes de começarmos a transar.2
- Estou. Mas quero mais ainda. Fiquei muito tempo sem isso,
agora você vai ter que me ajudar a recuperar o tempo
perdido. E você é novata, estou te descobrindo. O corpo das
outras eu já conheço de olhos fechados. É legal te descobrir.2
Pov Lauren
- Tenho que quitar o prejuízo que lhe dei durante esse tempo,
não é?... - Sorri, pegando minha dose de Whisky que acabara
de pedir no bar.
- Lauren?
Me virei e vi Camila, vestindo uma blusa comprida de gola
alta vermelha, um short curto, meia-calça preta e sapato
baixo. Ela definitivamente não parecia uma puta.2
- Obrigada.
Esperava que ela tirasse por baixo, até seus pés, mas só
então notei que a calcinha que ela usava tinha fechos muitos
discretos nas alças laterais. Bastou um simples movimento
com os dedos para que a peça caísse no chão entre suas
pernas.
Linda.
- Vire-se... - Pedi.
- Camila...
- ahhh....
- Isso... Isso.
- Hmm...
- Aiii!
- Desculpa!4
- Hmmmm!
- Ahhhhhhhh!
Eu não sabia se ela estava gostando ou sentindo dor.14
- Só continua!
- ahhhhhh!
- Camila?
- Sim?
Pov Camila
Por quê? Por que eu havia permitido aquilo? Por que havia
deixado com que ela tomasse posse do meu corpo tão
completamente? Meu corpo!
- É verdade... - Concluiu.
Esperei em silêncio.
***
Eu não ligava.
Será que ela viria essa noite? "Amanhã nos falamos" ela
disse. Será que foi só por falar? Será que me escolheria outra
vez? Talvez escolhesse a garota nova. Talvez nem viesse.
- Olá.
- Olá, Hardin.
- Tenho que te dizer que você é linda. Fico até espantado que
ninguém nessa espelunca ainda tenha te escolhido.
Ele não era delicado. Dava ordens como quem fala com
criados, esperando ser atendido imediatamente. Quando eu
hesitava, ele prontamente me segurava com força e sem
pedir permissão, fazia o que tinha em mente. Mas ele não era
o único cliente assim: A maioria agia desse jeito. O problema
é que eu tinha outra pessoa em mente. Uma pessoa mais
delicada, mais preocupada. Alguém que tinha me
proporcionado, de alguma forma, prazer...
4
- SOCORRO!
- Me larga! SOCORRO!
-Hhhmpppfff!!
- Se você não colaborar, sua puta, eu juro por Deus que vai se
arrepender.
[ FINAL DO GATILHO ]
Pov Lauren
Sai da empresa uma hora antes: Assim haveria tempo de
passar em casa e tomar um bom banho.
- Não hoje, amor. Parece que o cavalheiro que está com ela -
e devo admitir, um pedaço de mau caminho - pagou caro pela
noite inteira da menina. O que quer dizer que você só vai
conseguir vê-la amanhã.
Ela se arrepiou.
- Ela suspirou.
- Vou tentar falar com Juan. Ainda temos três reuniões hoje
e...
***
- Mila?
***
Capítulo 2
Pov Lauren5
- Ally?4
- O quê?
- Mas...1
- Estou contando com você, Ally. Eu sei que vai se sair muito
bem.1
Ela hesitou.
- Obrigada.
E desligou.
***
- Olá. - Acenei.
- Lauren, querida! Onde esteve ontem? Por que não veio?
Pov Camila
- Camila... O que...?1
- O que aconteceu?
Sua voz, assim como ela, era gentil. Samantha era a menina
que eu mais gostava na casa. Ela se preocupava
genuinamente com todas nós. Era uma amiga muito
agradável e doce, embora eu a conhecesse havia pouco
tempo.
Finalmente me acalmei.
Hora de voltar.1
***
Ótimo.
É verdade...
- Vamos lá, Mila. - Falei, com falsa animação. - Quem sabe seu
príncipe ou princesa não esteja esperando por você lá
embaixo?4
O tom de deboche nas minhas palavras até me fez rir, um riso
amargurado. Suspirei, levantei-me da cama e desci mais uma
vez para o salão.1
E então eu a vi.
Não queria aceitar, mas o fato era que eu estava eufórica por
vê-la. Porque aquela mulher era de alguma maneira, por
algum motivo, mais importante do que todos os outros
daquele lugar, mesmo que ela só me visse como mais uma
das meninas do The Hills.
- Eu estou livre...
Pov Lauren
Amêndoas e shampoo.
Merda!
- Achou que eu não fosse ver? Não sou cega! Você parece
uma colcha de retalhos, pelo amor de Deus!11
- Se não vai me comer, peço que saia do meu quarto para que
eu arranje outro cliente.
- Não vou sair! E você não vai ter mais porra de cliente
nenhum essa noite! Vou falar com Chloe sobre...6
- Lauren...
Eu não era amiga dela. Sequer sabia seu nome completo. Não
sabia nada sobre ela, mas tentava desesperadamente
relacionar meu instinto protetor a algum sentimento nobre,
puro. Seria amizade? Embora soasse estranho, só podia ser
amizade.
Mesmo com o olhar fixo em seu ombro, pude notar que ela
me encarava.
Eu não.
- Lauren?
- Seu perfume...
- Eu amo...1
Ela.
- Deus...5
- P-p-putaquepariu!
Não consegui conter o palavrão ao sentir a ponta da sua
língua passar timidamente pela cabeça do meu pau, agora
tão absurdamente duro que chegava a doer. Como se ela
soubesse disso, começou a lambê-lo com muita suavidade
sem usar os dentes. Depois de algum tempo, quando meu
corpo já estava acostumado com seu toque, ela finamente me
tomou na boca de uma vez só, apenas deixando com que,
novamente, meu pau se acostumasse com o calor e a maciez
do que agora o envolvia.3
Não funcionou.
- Não...
- Sim...
- Pode.
- Ahhh!
- Putaqueopariu...
- Quero dizer, você poderia até meditar enquanto eu te comia,
não parecia se abalar nem comigo toda dentro de você. E
hoje não quer conversar. É estranho, sabe?
- Sua...
- HMMMMMM!14
Pov Camila
- Merda...
- Meeerda...
- Hhhmmpff...
- Ah, merda...
- Lauren..
- Hmmmmmmm....
- Hm.
- Me ouviu?
- Uhum.4
Aquilo era uma coisa nova que entraria para a minha lista de
coisas nas quais eu era péssima em fazer: Acordar alguém de
maneira graciosa.2
- Lauren...
- Hmmmm?
- Uhm-hm...
Imóvel.
Ótimo.
- Sim...
***
- Tudo bem.
- Por quê?
- Você é romântica?
Suspirei.
- Não. Nunca.2
- Já.
Então seu rosto ficou triste como eu jamais havia visto, e isso
me fez sentir uma súbita tristeza por ela.
Revirei os olhos.
- Ah, então se ela está bem com isso, tudo bem. - Disse
Samantha, tentando dar um fim naquele assunto.
- Até.
***
Capítulo 3
Pov Camila
Não sei por quanto tempo eu fiquei ali. Tudo parecia tão
calmo e fácil. O lugar era lindo, a grama era bem aparada, de
um verde vivo. As gotas agora, mais grossas e em maior
quantidade, caíam pesadamente na superfície do enorme
lago que ficava no centro do parque. Aquela atmosfera me
contagiava, e naquele momento, aquele lugar era o melhor
lugar do mundo para se estar.
- Eu concordo.1
Aquele tipo de voz que você imagina que uma mulher linda
tenha, e pelo fato de ter estado pensando naquela voz de
cinco em cinco minutos, quando me dispersava da história de
Jane Austen à minha frente, não precisava nem me virar para
saber quem era a mulher que se encontrava a pouco menos
de um metro de distância de mim.
Mesmo assim me virei, encarando aqueles olhos verdes
maravilhosos. Ela estava ensopada da cabeça aos pés e trazia
uma revista enrolada completamente molhada e mole em
uma mão, e na outra, seu casaco.1
- Entendi.
- É.4
Ela sorriu.
- Por quê?
- Bom, eu... Eu tinha dez anos quando meu pai morreu. Levou
dois tiros em um assalto. Minha mãe era dona de casa, nunca
trabalhou, e nos sustentávamos com dinheiro do meu pai. Ele
era policial. Quando ele morreu minha mãe teve que procurar
emprego. Como ela não sabia fazer muita coisa, arranjou um
emprego de garçonete. Pagava pouco e exigia muitas horas
do dia dela. Então eu tive que sair da escola pra tomar conta
da casa. Essas coisas.
- Eu lamento.
- Você me ilumina.10
Ela disse isso calmamente, e continuou me olhando como se
tivesse acabado de me dar bom dia.
Ela ficou calada. Vi em sua expressão que ela não tinha nada
que pudesse ser dito para me fazer sentir melhor. Mas isso
não era novidade.
- Eu não quero fazer parte disso, Camila. Não sabia que era
assim.
Ainda assim, podia sentir meu peito quase explodindo. Ele era
pequeno para manter tantas coisas que lutavam entre si pela
liderança lá dentro. Senti uma onda repentina de sinceridade
se apoderando de mim, e antes que pudesse sair correndo
deixando-a com meu silêncio, fechei os olhos e simplesmente
falei:
***
Não sei a que horas o sono veio, e também não sei quanto
tempo fiquei divagando sozinha no escuro do quarto. A chuva
voltou a bater com força no telhado e meus pensamentos
teimavam em voar para aquela tarde de sábado, o que
deveria ter sido só mais uma tarde de sábado qualquer.
***
Pov Lauren
É engraçado como domingos costumam ser dias monótonos é
deprimentes.
- Alôôôô...
- Obviamente, senhora.
- Você poderia...
- Mas eu...
- Merda.
- Ok...
Ri novamente.
E, enfim, desligou.
Vida de merda.
Flashback on
Lembrei que após o almoço não havia nada a ser feito senão
dormir.1
Flashback Off
***
Suspirei.
Ela sorriu.
- Claro que não! Você tem que dar uma resposta àqueles
cavalheiros. - Ela apontou para um canto onde seis ou sete
homens, todos de terno e gravata, conversavam e davam
olhadelas em nossa direção.
- Vou pra casa. Tem uma garota fenomenal ali louquinha pra
me dar, e eu não vou ficar conversando com esses pinguins
velhos e feios a noite toda. Não se preocupe, eu pego um táxi.
***
Ally me mataria.3
- Você tem que ir. Eu tenho que ir! Já são quase 12h e a
minha secretária vai me matar!1
- Alô
- Desculpa, Ally...
E desligou.
Ela bufou.
- Gloria.
- Mas, você sabe... Foi casual. Nós não temos nada mais sério.
- Eu sei disso, não sou imbecil. Mas isso não significa que eu
não possa tomar café da manhã. Não estou pedindo suas
chaves do apartamento, só queria que você me desse dez
minutos.2
***
- Não está ocupada! Eu sei que você está fingindo! Você nem
olha pra mim.
Ela me olhou.
- Me espanta você ser tão burra que não percebe o que está
fazendo com a sua própria vida.
- Você não é mais criança. Sabe que às vezes temos que nos
jogar de cabeça.1
Ela riu.
- Lauren, eu gosto de você. De verdade. Quero te ver feliz,
mas você tem que se ajudar.
- Errado aos olhos dos outros pode não significar nada. Talvez
ela seja a mulher ideal.9
E saiu.
***
Assim, às 22h eu rumava para o The Hills em um táxi, fazendo
exatamente aquilo que Ally havia me aconselhado a não
fazer: Viver a vida da maneira mais lamentável possível. 1
Passei pelo bar e pedi uma dose de Whisky, que não demorou
a sair.
- Se divertiu? - Provoquei.4
Como não tinha muito para pensar, puxei com força Camila
pela cintura, deslizando seu corpo pelo banco contínuo em
que nós estávamos sentadas até trazê-la quase para cima do
meu colo. Segurei com mais força do que o necessário,
mantendo-a colada a mim enquanto olhava com ódio para
aquele maldito que agora voltava para o bar com cara de
derrota.
- Ai.
- Obrigada.
- Pelo quê?
- Tudo ótimo.1
- Impressão sua.
- Você bebeu?2
Eu sabia por que ela estava perguntando aquilo. Não era nem
pelo meu hálito, mas sim porque, quando eu bebia, falava de
uma forma arrastada.
- Bebi.
- Quantas doses?
- Duas. - Menti. Ela não pareceu acreditar.1
- Isso é um interrogatório?
- Só estou dizendo...
- Ok, vai pro Don Juan do bar. Ele deve estar bebendo suco de
maracujá.1
- Camz... Desculpa.
- Ou isso.
- Vai me desculpar?
Ela me olhou.
Pov Camila
- Rindo do quê?
Corei, feliz por saber que ela não podia ver minha vergonha.
- Sua cor favorita em geral.
- Preto. E a sua?
- Azul me dá sono.
- 20 de Junho. E o seu?10
- 13 de Setembro.1
- Pra onde?
- Lauren...
- Hum?
- É a verdade!
- Você se importa!
- Por favor...
Aquilo não era normal. Não devia ser assim tão bom.2
Ela não precisou pedir duas vezes. Três segundos depois, meu
corpo se contorcia em deliciosos espasmos longos, enquanto
eu afrouxava as unhas na perna dela.
- Se você for pagar pela minha hora, vai ter que me deixar
fazer meu trabalho.1
Me valei imediatamente.
- Shh. Estou tentando fazer um conta - Ela disse sem olhar pra
mim.
- Oito.2
***
Capítulo 4
Pov Lauren
- Olá, querida.
- Olá.
- Tome, cuidado.
- Ah, você não sabe como é bom não ter que descer.2
Sorri por saber que ela estava mesmo feliz, e me senti bem
em saber que fora meu ato que havia feito com que ela
pudesse dar aquele sorriso.
- É.
- Deve ser bom ser rica. - Ela falou com um suspiro, tirando os
olhos de mim e voltando-se para frente. - Ser importante,
morar bem, ter tudo o que quiser...2
- Eu pareço ter tudo o que quero pra você? - Perguntei um
pouco mais seca do que gostaria, e o tom de minha voz fez
com que ela olhasse para mim outra vez, um pouco
espantada.
- Ahm... Não.
- Aquilo o quê?
- Não, não foi ela, Ally é apenas minha amiga mesmo. Ela é
mais velha.
- Me desculpa...
- Um pouco.4
Ainda remoendo a dor que eu sentia, notei que havia algo pior
naquela história. Eu podia sentir minha cabeça esquentando
ao ponto de ferver, enquanto lutava para não pensar no que
podia ter acontecido depois de baterem nela. Naquele
momento, eu daria tudo para que Camila afastasse aquele
pensamento de mim, mas o único jeito de fazer isso poder
acontecer seria perguntar ela. E eu tinha medo da resposta.
- Camz... Você expulsou ele do seu quarto depois disso, não
é?2
Ela olhou para mim de uma forma calma e triste, com olhos
que poderiam pertencer a uma criança inocente e indefesa.
Uma criança.2
- Ele me amordaçou.1
- Por quê?
- Eu só quero saber.
Olhei-a incrédula.
- Obrigada...
- Promete?
- Lauren... - Ela falou com uma voz muito baixa, como se fosse
recomeçar a chorar em questão de segundos.
Merda.
***
Quando acordei, demorei um pouco para entender onde
estava, até que senti o corpo de Camila colado ao meu. Olhei
um pouco em volta e me dei conta de que agora nós
estávamos em posições completamente diferentes.
***
- Ela é MINHA!2
Uma puta.
- Eu esperei por você, mas você não veio. Pensei que você
fosse me proteger.
O cenário agora havia mudado, e agora existíamos só nós
duas, ainda em nossas posições, enquanto todos os outros
coadjuvantes haviam desaparecido. Fui tomada por uma
esperança ao ver que podia caminhar até ela, mas minha
alegria durou o tempo necessário para que eu me desse conta
de que não conseguia me mover. Tentei falar alguma coisa,
mas minha voz também não era audível.1
- Não volte mais aqui. Não quero mais ver você, não quero
mais falar com você. Finja que não me conhece, que eu nunca
existi.1
- Você cochilou.
- Um nome.
- Ninguém.2
- Não, eu vou.
Não era pensar em Camila que me fazia mal, mas sim não
entender o motivo da confusão de sensações em que eu me
encontrava todas as vezes que ela aparecia na minha
cabeça.1
De fato, pensar nela era bom. Era bom até demais para que
fosse considerado saudável. No entanto, ela tinha um
estranho poder de fazer com que eu tivesse dúvidas de tudo o
que eu sentia depois que a conheci.
***
- Ah... Obrigada.
Encarei-a sem dizer nada. Eu não tinha o que dizer. Não tinha
como justificar meu comportamento estranho durante aqueles
dias. E ela estava certa, eu estava perdida.
Ela sorriu.
***
Por isso, obriguei a Ally a ficar do meu lado o dia inteiro, lendo
comigo papéis. Dessa forma, quando sua perspicácia a
avisava de que minha cabeça estava muito além das linhas
dos contratos a nossa frente, ela me chamava novamente à
realidade.
Eu não poderia fugir dela por muito tempo, e isso estava cada
vez mais claro.1
- Estou.
- Lauren!
- Vim beber.
- AAAHHH!1
- Oi. Desculpa.
Ela terminava de vestir um robe azul. Não sei como isso era
possível, mas só de olhar para ela eu conseguia sentir - ou
achar que sentia - o frescor do banho recém tomado e a
maciez daquele pele bronzeada, ainda um pouco úmida e
extremamente convidativa.
- Passe em mim.3
Ela realmente achava que eu ia conseguir passar aquela
merda nela? Ela não podia achar isso.
- Camzzi...1
Segurei sua mão ali por mais algum tempo, querendo apenas
sentir o calor que a pele dela emanava, mas finalmente a
soltei, deixando-a fazer seu trabalho.
Por que ela tinha que ser tão boa? Por que tinha que ser tão
linda? Tão ela?1
Por que tinha que ter aquele perfume, ou aqueles olhos? E por
que tinha que me olhar daquele jeito, como se gostasse de
mim?
É. Eu eu já estava na merda.
Ela não falou nada por um longo tempo. Eu também não falei.
- Dorme aqui...2
Em tudo.
Imediatamente.
Vesti o vestido de qualquer jeito, calcei o salto e olhei para ela
pela primeira vez, desde que eu havia decidido ir embora.
- Tudo bem?
- Até.
Eu já fazia ideia.
Eu já sabia.
***
Capítulo 5
Pov Camila
Não sabia quem tinha sido a pessoa que havia lhe dado a
impressão de que ela não era importante, mas gostaria
imensamente que ela não acreditasse no que quer que a
tenham dito.3
Bem, talvez eu não tenha sabido mostrar a ela que ela era
importante. Mas se assim fosse, acredito que ela não
permaneceria no meu quarto comigo depois. Foi só quando eu
pedi para que ela ficasse que algo pareceu mudar dentro de
sua cabeça, então ela tinha que ir embora.
Eu não sabia porque ela havia feito aquilo. Mas o que quer
que fosse, me deixou um pouco mais triste do que deveria.
- Não.
- Por que não?
- Ela pagou pela sua semana! Com certeza ela deve gostar de
você.
- Desculpem.
***
- Vamos ao shopping!2
- Eu realmente prefiro...
Ela.
- Gostou do filme?
- Nada. - Menti.
***
Segunda-feira.
O dia não seria muito diferente dos outros. Certo, eu não teria
que trabalhar o que era bastante bom, mas fora isso, eu não
via a menor diferença.
- Mila...
Passei pela porta que dava para a rua de trás, deserta até
mesmo àquela hora, enquanto tentava afastar o sentimento
de rejeição das minhas ex melhores amigas, então dei alguns
passos pela calçada, olhando o chão, até me dar conta de que
eu não estava sozinha.
- Você não...
- Esse é o presente.
- Eu não posso aceitar. - Falei categoricamente.1
Ela levou sua mão até minha boca, tapando-a com suavidade
e me fazendo parar de falar.
- Abre.2
- Ok, ok, vou fingir que acredito. - Ela piscou para mim e eu
senti meu rosto ferver. Devia estar vermelha como uma
pimenta, mas ela pareceu se divertir com isso, sorrindo ainda
quieta com minha vergonha. - Agora, a lembrança.
- Você disse que não tinha uma favorita, então agora pode
escolher. Foi tudo que eu achei na floricultura. - Ela disse, me
entregando o buquê gigantesco.2
- Então, gostou?
Bom, isso explicava muita coisa. Mas ela não precisava saber
disso.
- Obrigada. Mesmo.
- Não. Você fez com que eu amasse todas. Vai ser impossível
escolher uma agora.
- Eu não consigo.
- Por quê?
- Aham...
- Uhum... Mc Donalds?5
- Qual o problema?
- Não vamos!
- Eu estou dizendo!
***
- Alguma especialidade?
- Parece que você está com medo que eu pense que suas
atitudes sejam mais do que realmente são. Não vou confundir
as coisas, então não precisa medir suas palavras. Não se
preocupe, eu sei... Bom, eu sei o que não é.
- Sei.4
- Disse.
- O que achou?
- Lindo.
- É mesmo lindo.
- Eu imagino.
- Que foi?1
Sem tirar seus olhos dos meus, Lauren trouxe minha mão
para cima e deixou um beijo suave de demorado ali.
- O-Obrigada.
Passei pela sala onde já havia algumas meninas, mas não dei
importância a nenhuma delas. Fui direto para o quarto e me
tranquei lá.
Sem pensar, fui até o vaso, e tirei do meio das flores, o papel
com a lista das diversas espécies que ali estavam. Deitei de
bruços na cama e li uma por uma, tentando identifica-las.
Era uma citação. Uma citação que não fazia sentido estar ali.
- Mahatma Gandhi.
***
Capítulo 6
Pov Lauren
- Senhora?2
- Sim?
Mas até isso exigia de mim uma força de vontade que eu não
tinha.1
- Não senhora.
- Obrigada.1
- Lauren.
Qualquer coisa.
Quase.
Ela.
- Desculpe!
Levantei a cabeça lentamente, tentando lidar com a dor
presente que fazia minha testa pesar algumas toneladas.
Eu me afastaria.2
***
Minhas últimas noites não poderiam ser classificadas como
boas. Eu consegui dormir algo como duas, no máximo três
horas por noite. Mesmo que o cansaço estivesse sempre
presente, minha cabeça simplesmente não conseguia relaxar,
e então eu passava o resto das horas pensando.
Entrei e encontrei Ally com uma cara que devia ser usada
quando um de seus filhos fazia algo de ruim.
- Nenhuma.
Olhei-a interrogativa.
- Como nenhuma?
Encarei-a com raiva, algo que eu pensei não poder sentir nas
condições em que me encontrava.
- Eu vou tentar.
Eu insistia para mim mesma que o que iria fazer não era nada
demais.
- Ah, oi.
- Ocupada.
- Nós estranhamos você ter ficado tanto tempo sem vir ver a
Mila.2
Olhei para ela sem entender o que ela quis dizer com aquilo.
- Quê?
- Bom, ela parece ser sua favorita, né? Todas nós ficamos
surpresas por você ter ficado tanto tempo longe dela. Quer
dizer, só quem pareceu não dar muita importância pra isso foi
ela.5
Encarei-a sem saber o que falar.
Por outro lado, por que ela não havia dado importância? Ela
não tinha dito que me queria por perto? Será que ela não
fazia questão da minha presença?
Será que ela não sentia tanto a minha falta quanto eu sentia a
dela?
Então, eu a vi.
Agora ela estava ali, tão perto, mesmo sem saber da minha
presença, um alívio repentino me tomou completamente, e
me dei conta de que aquele momento tinha sido, até agora, o
melhor momento da minha semana.
É verdade.
Pude ver pela minha visão periférica que ela ainda mantinha
uma postura ofensiva para mim, mas tomada pela
curiosidade, se virou para a direção que eu apontava.
- Hardin...
Camila, eu e ele.
Ele tentava reagir, e talvez fosse mais forte do que eu, mas
naquele momento, nem os músculos de Mike Tyson poderiam
parar meu ódio borbulhante e explosivo.
- ME LARGA!
- ME SOLTEM, PORRA!
- Não!
***
Capítulo 7
Pov Camila
Então por que ela achou que eu quisesse ser mais do que
isso? Por que achou que eu estava tentando seduzi-la ou ter
algum tipo de controle sobre ela? Por que achou que eu iria
pensar que tinha esse direito?1
De sentimento algum.
Quando tinha.
Doeu demais.2
Não devia doer tanto. Não devia porque eu sabia que aquela
era exatamente a verdade, mas doía porque, de alguma
forma - milagre talvez- eu esperava que ela visse em mim
algo além de uma prostituta.1
Alguém que valesse a pena, que pudesse ser legal e fazê-la rir
de piadas bobas. Alguém que ela pudesse ver não como um
objeto, mas como uma pessoa.
Era verdade.
Eu podia ver pelo timbre de sua voz que ela sentia muito por
estar me lembrando daquelas coisas. Não era ela quem
estava me cobrando, era Chloe, mas era ela quem vinha
trazer a má notícia.2
A notícia de que eu deveria voltar a realidade e desempenhar
minha função, esquecendo do que quer que tenha acontecido.
Eu sabia, ela não voltaria nunca mais. Era uma certeza tão
grande e tão esmagadora que não havia como contestá-la.
Eu não a veria outra vez. Noite após noite, ela não estaria ali.
Das dezenas de pessoas que entrariam naquele lugar, não
havia a menor possibilidade de uma dessas pessoas ser ela.
Ela não voltaria. Por que ela foi embora? Ela disse que estaria
por perto.1
- Camila!
Me virei mais rápido do que deveria, o que quase resultou em
um tombo.
- Obrigada.
Era uma péssima hora para ter uma crise, ainda mais porque
Chloe me encarava como se eu estivesse estragando sua ceia
de Natal.
Não seja idiota. Você sempre fez isso, por que não conseguiria
agora? Não mudou nada.
- M-me desculpe...
- Eu sabia que isso iria acontecer... Devia ter sido mais firme
quanto a vocês duas.
***
Acordei no dia seguinte com batidas na porta do quarto. Pelas
forças das batidas, eu sabia quem era.
Afirmei com a cabeça, sem dizer nada. Era claro que eu sabia.
- Eu sei...
- Então, Mila, acho que você sabe o que eu quero dizer. Sei
que você não está passando por um dos melhores momentos
da sua vida, depois do que a Lauren fez.
Dor. Senti uma dor forte no peito ao ouvir seu nome outra
vez. Ninguém mais falou sobre ela, e eu mesma estava me
policiando para não pensar no seu nome.
Ela estava certa, é claro. Mas como explicar a ela que eu não
conseguia mais fazer aquilo? Que motivo eu daria a ela, já
que nem eu mesmo sabia?
Se ela fizesse isso, eu sabia que iria acabar indo parar na rua.
Por favor, não toque no nome dela outra vez. Por favor.
Chloe suspirou.
***
Todo dia.
- Camila?
- Sim.
- Melhorando. - Menti.1
- Eu sei...
- Não.
Minha voz saiu firme, de uma forma que eu não esperava que
saísse, me pegando completamente de surpresa e ao que
tudo indicava, surpreendendo Chloe também.
- Não?
***
Minha estadia ali havia sido rápida, mas foi o suficiente para
que eu pudesse fazer amizades.1
Mas não me restava muito mais coisas a fazer, por isso optei
por uma despedida rápida e objetiva.
Eu havia mentido quando disse que não sabia para onde ir.
Era possível que eu arranjasse algum lugar para ficar por ali,
enquanto tentava dar um jeito na minha vida. A vizinhança
não era agradável, mas os aluguéis não eram caros, o que era
bom porque eu não procurava nada luxuoso e estava em
contenção de gastos, já que havia perdido uma boa
quantidade de dinheiro ao pagar meus próprios programas
para Chloe.
Continuar sobrevivendo.
Mas eu era uma mulher. Uma mulher que nunca na vida havia
trabalhado em algo que não exigisse meu corpo como parte
do acordo, então as coisas eram mais difíceis.
***
Era uma pena que tudo havia acabado de uma forma tão
triste e amarga, mas ainda sim, não deixava de ter sido doce
um dia.
Era tudo que havia restado. Um amargo forte que temperava
cada dia, cada tentativa e cada fracasso.
Por isso, eu pensei que fosse ser um bom sinal aquela manhã
ter sido diferente. Acordei mais bem disposta e mais confiante
do que o normal, o que poderia ser sinal de mudanças boas
na minha vida.
Mas eu deveria ter mantido meu ceticismo em assuntos
relacionados a sortes e coisas do tipo. Não pelo fato de agora
serem aproximadamente 18h e eu não ter conseguido nada.
Era o que acontecia todos os dias, portanto isso não era sinal
de azar, mas sim uma constante irritante.
- Olá, Camila.
Ele continuava com o sorriso estranho, me encarando como
predador. Eu poderia até dizer que o conhecia de algum lugar.
Talvez já o tivesse visto antes, mas onde?4
- Sente-se.
- Da última vez que te vi, você não estava assim tão magra,
mas ainda lembro de você. Foi uma das melhores noites que
eu passei naquele lugar, sabia?
Ele tinha sido meu cliente. Eu não lembrava exatamente dele,
não sabia seu nome, mas tinha a impressão que o tinha visto
em algum lugar.
- Eu não... Eu só queria....
Por que ele tinha que lembrar de mim? Por que ele tinha que
me conhecer?
Estigma. Desgraça.1
***
Tudo bem, isso era só mais uma das coisas ruins que sempre
me aconteciam, e eu já estava me acostumando com aquela
maldita falta de sorte.
Seria irreversível.
Perfeito.
A mulher do espelho não era eu, mas talvez dentro dos olhos
castanhos, um resquício do que eu fui ainda existisse.
***
Caminhei devagar pela rua, enquanto tentava me lembrar do
caminho para onde estava indo. Antigamente eu teria rezado
para que ninguém me visse sair do prédio ou que as calçadas
estivessem desertas àquela hora, mas hoje eu não me
importava.
Por um lado, era bom. Não pensar fazia com que eu não me
lamentasse e não sofresse.
Humilhante.1
Era humilhante.
Não era justo com ela, nem comigo, nos forçar àquela
situação.
- Cem dólares.9
A expressão dela, antes indecifrável, passou imediatamente
para um choque tão real que eu pude quase sorrir com o
efeito que havia causado nela.
Não saber o que falar tendo tanto para dizer era uma
sensação horrível.
Por hora, ser ignorada era bom. Era mais fácil do que ter que
encará-la e ter que lidar com exigências.
Eu poderia fingir para ela, mas não para mim. Para ela seria
um programa, para mim seria um pouco mais do que isso.
***
Capítulo 8
Pov Camila
- Eu mudei.
- Eu estou vendo.
- É mentira.
- Não é ment...
Eu estava em choque.2
Fui empurrara para trás pelo peso de seu corpo e caí deitada
de costas no colchão macio com ela ainda agarrada em mim.
Notando que eu não retribuía aos seus beijos, ela se afastou
sua boca minimamente da minha e abriu os olhos, me
encarando agora como quem implorasse para que eu
retribuísse.
Foi então que, como um clique, senti meu corpo todo queimar
de uma vez, quase entrando em um tipo de combustão
instantânea, me tirando do transe e finalmente me puxando
de volta para a realidade.
Absolutamente perfeito.
Depois.
Senti sua mão migrar para a minha nuca outra vez, e esperei
de olhos fechados pela sua boca, enquanto sua respiração
ofegante se chocava contra a pele do meu rosto, ainda úmida
pelo choro recente.
***
Dia seguinte.
18:46 7
- QUE?
- Ah, merda!
- Merda! Merda!
Sua voz também tinha o tom frio e seco de ontem, mas como
não esperava nada de diferente daquilo, não me importei. Ao
invés disso, me esforcei para pensar em uma boa resposta
para dar, mas não consegui nenhuma.
- Senta.
- Gosta?
- Sou eu.
Continuei encarando-a, sem entender muito bem. Ela me
encarou rapidamente, e falou outra vez.
Claro, era do feitio dela saber fazer essas coisas bonitas e que
exigiam algum talento especial. Talvez ela também
escrevesse poesias ou coisas assim.
- Ah. É lindo.
- Me guie.
- É aqui, obrigada.
- Sim.
Não deveria ser tão difícil, exceto pelo fato de que era. Não
apenas difícil, mas insuportavelmente doloroso.
- Certo...
- Qual é o andar?
- Sexto.2
Era uma esperança patética, mas ainda assim, virei outra vez
para as escadas e comecei a subir, permitindo-a ficar um
pouco mais. Mesmo que no final das contas isso só tornasse
tudo pior.
- Ok.
Ok.
- Vem.
- Eu já volto.
Por que nenhuma das ações dela faziam o menor sentido para
mim? O que ela queria com aquilo? Não, minhas suposições
NÃO estavam certas, e eu queria me convencer disso. Mas
então, o que diabos estava acontecendo?
- Vamos.
Automaticamente, segui suas palavras e me levantei, saindo
do carro e indo com ela rumo ao elevador, que nos esperava
porque o empregado segurava a porta para nós.
Silêncio.
Um quarto de hóspedes.
Eu não sabia qual havia sido o momento exato que ela tivera
essa ideia brilhante mas agora, sozinha naquele quarto sem
sua presença para tirar minha concentração, eu tentava
imaginar o motivo daquilo.
***
- Eu não estou...
- Não é óbvio?
- Não, não é.
Eu fazia força para que os tremores no meu corpo não
afastassem minha voz, já que eu queria passar um mínimo de
segurança.
- Não.
Ela suspirou.
- Sobre o quê?
- Sobre mim.
Não, eu não fazia ideia do que ela tinha para dizer, mas o que
quer que fosse, devia ser algo importante. Só pelo fato de
Lauren se prestar a manter uma conversa comigo, coisa que
ela parecia evitar a qualquer custo nas últimas horas, e eu
poderia dizer que suas palavras deviam der dignas de
atenção.
- Por favor?
Continuei encarando-a por algum tempo, mas finalmente
tomei a iniciativa de atender ao seu pedido. Virei-me pronta
para ir até meu quarto e pegar alguma peça de roupa, mas
ela interrompeu meus movimentos quando se dirigiu
novamente a mim.
Me calei. Ela iria atrás de mim outra vez? Outra vez? Quando
havia sido a primeira vez, para início de conversa?
- Laur...
Pov Lauren
Eu sabia que estava sendo uma babaca por não parar de dar
ordens, sendo que eu não tinha o direito nenhum disso, mas
não era como se eu estivesse tentando mandar nela. Camila
sempre teria escolha comigo, em qualquer que fosse a
questão.
Era verdade, eu não sabia lidar com aquilo. Meu orgulho, por
assim dizer, ainda estava ferido. Algo dentro de mim fazia
com que eu me irritasse com o fato de ter visto a mulher que
eu agora admitia precisar se oferecendo para qualquer um.
Era verdade que aquilo era minha culpa, mas meu lado
irracional simplesmente odiava vê-la disponível a outras
pessoas.
- Por que.... Por que está dizendo essas.... O que você quer
com...
- Camz...
- Tira...
- Eu te amo.11
***
Capítulo 9
Pov Lauren
Flashback on
A primeira coisa que fiz ao chegar em casa foi abrir duas das
minhas melhores garrafas de Whisky e simplesmente acabar
com elas. A culpa de ter feito o que tinha acabado de fazer e
a dor que eu sentia como consequência das minhas decisões
foi o que me convenceu de encher a cara quase a ponto de
entrar em coma alcoólico talvez fosse uma boa saída.
Esse deve ter sido o motivo pelo qual ela decidiu não ir atrás
de mim até a minha casa, e eu não sabia se aquilo era bom
ou ruim.
Seria bom porque eu não teria que aturar ninguém. Não que
eu tivesse que "aturar" Ally, é claro, ela era minha amiga e
quase sempre muito bem vinda, mas naquele momento eu
não estava com cabeça para quem quer que fosse.
- Alô
- Obrigada por atender, agora sei que você ainda tem braços.
Que merda está acontecendo com você?
Como imaginei, ela não ligou mais. Mais uma semana havia
se passado sem que eu saísse do meu apartamento.
Seria para o meu próprio bem me afastar dela, então por que
doía tanto?
***
- Tudo bem, Austin. Pode ir. E não se preocupe com Ally, ela
só é um pouco exagerada de vez em quando.
- Porque você está magra, com olheiras, sua cara está mais
pálida do que já é, e seu cabelo consegue estar mais rebelde
do que o normal.
Havia algum tempo que eu não me olhava no espelho. Talvez
uns três dias. E mesmo com aquela descrição tenebrosa da
minha aparência, ela continuou ali, me encarando, sem
parecer estar com medo do meu estado perturbado.
- Eu sei que a sua família está bem, então seu estado atual só
pode ser por causa de uma mulher. Na verdade, é algo
bastante intuitivo, pra não dizer óbvio.1
- Não é isso. Pode ser também, mas creio que isso seja o de
menos, por mais irônico que possa parecer. Eu simplesmente
não posso ficar com ela, porque... Nós somos muito
diferentes, nossas vidas são quase opostas. Ela...
- Você já deixou claro pra ela que sente algo por ela?
- Não...
Silencio.
- É.
- É.
Mais silêncio.
Mas além de ser adulta, séria e inteligente, ela era uma mãe
de família. Estava simplesmente fora de questão ouvi-la dizer
que talvez uma garota de programa fosse uma boa escolha,
porque elas estavam posições diametralmente opostas: Ally
era o tipo de mulher que construía uma família e baseava-se
na confiança, no amor e na integridade para mantê-la.
- Eu não consigo...
- Consegue. Você vinha sendo uma diretora muito melhor nos
últimos tempos. Sei que consegue assumir esse papel outra
vez.
***
Três meses.
Fazia três meses desde que havia visto Camila pela última
vez. Três meses desde que havia sentido aquele perfume, que
havia falado aquelas coisas, que a havia humilhado na frente
de todos os clientes daquele lugar. Aquela era a última
imagem que ela pôde guardar de mim, uma idiota insensível
e estúpida, egoísta e covarde.
Qualquer coisa.
- Lauren?
- Sim?
- A porta estava aberta. Então eu entrei.
- Ah.
- Vim te fazer uma visita, já que não consigo falar com você.
- Ah... Oi.
Morta.
- Ally...
- Sim.
- Tudo bem. Você sabe que, se ficasse com ela, teria que
esconder a verdade da sua família e dos seus amigos. Para
poupar tanto você mesma quanto ela. Não é?
- Sim.
- E sabe que teria que andar sempre receosa com o fato de
que ela poderia encontrar, a qualquer momento, um cliente
antigo no meio da rua. E você, estando ao lado dela, teria que
assumir o compromisso.
- Eu sei...
- Além disso, você teria que superar o fato dela ter pertencido
a tantas outras pessoas, e que se vendia para todas elas.
- Lauren!
Ela falou com a voz um pouco mais alta, mas não chegou a
me assustar. Encarei-a porque estava confusa, e não sabia o
que fazer primeiro.
- Eu estou bem!
- Eu não vou ficar aqui e bancar sua babá, minha filha está
com febre em casa, me esperando. Só vim aqui porque, se
você acabasse se matando, eu teria que viver com essa culpa
para sempre. Faça o que você tem que fazer para tentar ficar
melhor. Eu espero do fundo do meu coração que você não se
decepcione. Sei que você está ansiosa, mas por favor, tente
controlar seus nervos antes de sair por essa porta. Eu não
quero que você sofra algum acidente.
- Ok.
Ally se encaminhou para a porta, e eu pude sentir sua
relutância em me deixar sozinha, como se estivesse com
medo que eu fizesse alguma besteira.
- Espero que sua filha fique bem. - Falei, enquanto ela já abria
a porta.
***
Talvez fosse prudente se eu tivesse ficado um pouco mais de
tempo dentro do carro, testando minha respiração e
esperando que a vontade de vomitar melhorasse um pouco.
- Ela... - Comecei.
- Como você não sabe pra onde ela foi? Como deixou que ela
fosse embora sem saber pra onde ela iria? - O desespero fez
com que minha voz soasse um pouco mais alta e autoritária
do que o normal.
- Não é mentira, sua idiota. Ela sumiu. Só Deus sabe onde ela
está, e eu só espero que esteja bem. Porque se ela não
estiver, a culpa vai ser toda sua.
Eu sentia exatamente isso. Embora não conseguisse entender
o motivo pelo qual me culpasse por ela ter partido, algo me
dizia que a culpa de Camila não estar ali era toda minha. E se
ela estivesse sofrendo agora, se estivesse passando por
problemas, onde quer que ela estivesse, eu teria que viver
com esse fato.
- Você não sabe o que fez com ela. Não tem ideia de como a
machucou.
Entrei em ruas menores, sem saber para onde ir, e foi então
que me deparei com um dilema pessoal. Eu queria encontrá-
la, desesperadamente. Mas era simples: Eu não poderia
encontrá-la se ela estivesse em algum apartamento, sã e
salva, enquanto assistia tv. Ela tinha que estar na rua, e se
isso acontecesse, eu sabia o que ela estava fazendo.
Então eu a vi.
Lá estavam eles.
- Cem dólares.
Flashback off.+
Capítulo 10
Pov Camila
Então, eu acordei.
***
***
- Licença...
Ah. Isso.
- Um sanduíche.
Linda. De morrer.
Quando voltou, trazia em uma das mãos uma jarra com suco
de morango e na outra um prato com ovos mexidos, torradas,
salsicha, queijo e, ao que tudo indicava, molho de ervas. 4
O cheiro maravilhoso de toda aquela mistura fez com que eu
sentisse o peso da fome em meu estômago mais uma vez,
mas ainda assim tentei parecer indiferente.
- Por quê?
Roupas. Era isso. Ela queria sair pra comprar roupas para
mim.
- Eu não quero que você compre essas coisas pra mim. - Falei
antes de me dar conta de que tinha formulado uma frase.
Vi seu sorriso discreto deixar seu rosto lentamente,
transformando-se em uma expressão contrariada.
- Por quê?
- Por que não quero que você fique me sustentando. Isso faz
com que eu me sinta mal. E inútil.
Meu pai não sustentava minha mãe, jamais havia sido assim.
Ele cuidava dela, ele a protegia, e estava claro que aquilo não
era algo que ele tomava como obrigação, mas fazia
simplesmente porque a amava. E se o que Lauren estava
fazendo fosse, de alguma forma, remotamente comparável
áquilo, não havia como reprimi-la.
- Você vai conhecer uma amiga minha. Ela está vindo pra cá
daqui a pouco.
***
Não ainda.
- Olá.
- Você é linda.
- Ei!
***
- Eu não quero...
- Sim...
- Eu sei...
- Por mim você podia queimar todo aquele seu dinheiro, não
te faria falta alguma. - Ela começou, empregando veneno à
sua voz, e pude notar que não havia sido de propósito, não
para me atingir: Lauren só lembrava onde vinha o pouco
dinheiro que eu tinha guardado, e simplesmente odiava isso. -
Além do mais, sou eu que quero te dar uns presentes.
Portanto, sou eu que devo pagar.
Ela ficou quieta por muito tempo, apenas olhando para frente
e evitando bater contra um poste. Eu sabia que ela devia
estar puta agora, e desejei que ela soubesse que minhas
palavras não foram propositais. Ainda assim, me mantive
calada, recolhida no meu canto, esperando por sua reação.
- Eu não estou querendo te comprar, Camila. Estou fazendo
isso porque me sinto responsável pelo seu bem estar. E se
você não entende isso, então nós temos um problema
bastante sério aqui.
***
- Fome?
Pov Lauren
Meu dedo parou em cima do botão '' próximo '' quando ouvi a
porta do quarto sendo aberta ao meu lado. Imediatamente,
olhei para o lugar e a vi fechando a porta atrás de si, me
encarando com simplicidade.
Primeiro, ela estava ali. Ela não havia se negado a vir até a
mim, e isso tudo era o que eu queria.
Mas foi pelo terceiro motivo que senti minha cabeça girar um
pouco e meu nervosismo atingir um nível alarmante, a ponto
de me fazer pensar que talvez pudesse ter um ataque
cardíaco ou algo parecido. No exato momento em que ela
fechou a porta, por algum motivo sobrenatural talvez, uma
lufada de vento me trouxe um perfume que há muito tempo
eu não sentia. E foi exatamente aquele perfume que fez com
que meu corpo subitamente parecesse uma gelatina
derretendo.
Se era assim que ela me queria, era assim que ela me teria.
Não porque eu concordaria com aquilo - apesar de que sim,
eu concordaria - mas porque, no momento, não havia a
menor possibilidade de lutar contra o poder que ela tinha
sobre mim. Aquele poder era grande demais para que eu
conseguisse evitar.
- Estou.3
Claro que sim. Ela sabia do poder que tinha sobre mim.
Qualquer idiota poderia dizer isso olhando para meu estado
quando ela estava por perto.
Fui tomada pelo antigo pânico de saber que ela tinha total
convicção da minha dependência, e que, por consequência,
poderia fazer qualquer coisa comigo.
Provavelmente não.
***
***
Capítulo 11
Pov Camila
- Aqui não.
- Camz...
- Camz...
- Camz... acorda...
Medo.
- Eu vou ficar.
- Até logo.
Merda.
Fiquei por um longo tempo me espreguiçando e ronronando
feito gato nos lençóis amassados, não sabendo se queria
sentir o cheiro do corpo dela ali ou o cheiro do perfume que
agora estava suspenso no ar. Mas qualquer um dos cheiros
me dava arrepios, então eu não me importava.
***
Acordei uma hora depois, e agradeci aos céus por não ter tido
um novo pesadelo. Me mexi um pouco na cama, agarrada ao
travesseiro dela, e então fiquei estática e atenta ao ouvir a
porta da sala bater.4
Bom, eu não sabia como responder àquilo, então fui grata por
não ter sido uma pergunta, mas sim uma afirmação.
- Muito prazer.
Senti uma enorme gratidão a ela por não olhar para mim
como quem estivesse me julgando ou me analisando, o que
fez com que minha simpatia por ela fosse imediata.
- Aham... Não sei... Talvez eu possa ter algo a ver com isso,
mas...
- Eu imagino.
- Entendo...
- Foi por isso que você disse que achava que eu era mais
uma? Mais uma das... - Mais uma das mulheres descartáveis
de Lauren.
Era isso que passava pela minha cabeça, mas que eu não tive
coragem de dizer.
***
O almoço foi preparado por ela. Não por vontade minha, mas
porque Guadalupe quase me ameaçou de morte quando fiz
menção de chegar perto do fogão. Ainda assim, fiquei
contente com o ar leve e despreocupado que nossa amizade
tomava em tão pouco tempo.
É claro que ela sabia o que acontecia, mas ainda assim, não
precisava ser explícito.
Para minha total surpresa, conheci ainda uma área nos fundos
do apartamento que dava para uma linda piscina de porte
médio no chão claro, e dividia espaço com uma ducha na
parede, e também tinha uma pequena sauna.
- Ah.
- Como não vou mais vê-la por algum tempo, espero que a
senhorita tenha um feliz Natal.
- 21 de dezembro.
O tempo que fiquei ali era incerto. Embora o dia tenha sido
cansativo ajudando Guadalupe com a casa, eu não estava
cansada. Por isso, me mantive acordada, mesmo com o
ambiente relaxante. Não sabia que horas eram, e não queria
saber, porque isso implicaria em relacionar imediatamente os
ponteiros do relógio com a chegada de Lauren, transformando
minha paz momentânea em ansiedade.
Foi quando ela me alcançou que pude notar a única flor que
ela trazia em uma das mãos, que agora me era oferecida.
Peguei a Camélia branca sem pensar, sentindo as pontas dos
dedos formigarem levemente, e como se pudesse estudá-la,
fiquei olhando para ela por algum tempo.
- Que bom que você gostou. - Ouvi sua voz dizer acima de
mim, e então senti o toque suave de seus dedos em meus
cabelos, trazendo para trás da orelha uma grande mecha que
servia como uma espécie de cortina entre nós duas.
- É.
- Ahm... Então, você e Guadalupe se conheceram ?
- Sim.
- Está frio aqui. Acho que o aquecedor não chega até essa
parte da casa. - Falei em um tom casual.
Respirei fundo e decidi fazer algo que já deveria ter feito, caso
tivesse tido a oportunidade.
- Não está muito frio pra isso? - Perguntei, sentindo uma raiva
irracional do meu próprio descontrole.1
- Por quê?
Lauren pareceu notar isso também, então tudo o que fez por
um bom tempo foi me encarar com uma expressão séria, mas
leve.
- Ok.
Eu queria dizer mais do que tudo bem, queria dizer que ela
não precisava pedir desculpas por algo que não fez, e queria
dizer que a grosseria naquela situação havia partido de mim.
Mas tudo o que consegui fazer foi me agarrar ao seu braço
com toda a força e aproveitar o alívio e a leveza de tê-la
comigo outra vez. Lauren aplicou beijos suaves e inocentes
em meu pescoço, fazendo um tipo de carinho com os dedos
na minha barriga.1
- Você disse que queria dormir nesse quarto, mas não falou
nada quanto a dormir sozinha.5
- P-para!
- Por que não me deixa fazer isso? Pode confiar em mim. Você
manda eu parar, e eu paro.
- Você gozou?1
Ela parecia mais confusa e fora de si do que eu, mas tudo que
pude fazer foi confirmar com a cabeça.
Não me importei.
***
***
Capítulo 12
Pov Camila
Te amo.11
Assinado, Lauren.
Te amo.
Amo.
Eu ainda não era capaz de dizer a ela aquilo. E esse fato era
desesperante. E o fato de que eu precisava deixar isso claro
era ainda pior.
Como já eram 11:30h, comi pouco para que meu almoço não
fosse prejudicado. Me perguntei então onde exatamente eu
almoçaria, mas sabia que o resto daquele dia dependia do
que eu estava prestes a fazer.
- Alô?
- Camz?
- É, sou eu.1
- Ally?
- É...
- Alô?
- Oi Ally. É a Camila. Desculpe te incomodar, sinto muito, mas
eu preciso da sua ajuda. Pensei que talvez nós pudéssemos
almoçar juntas, se você não tiver alguma coisa melhor pra
fazer, é claro.
- Aham...
- Anote o endereço.
Alcancei rapidamente o papel dobrado em cima do criado
mudo e uma caneta, anotando o número e a rua que Ally me
passava.
- Está ótimo.
- Até.
- Li...
- Ok...
***
Como esse não era o caso, pedi para que o porteiro chamasse
um táxi para mim, e então eu já esperava Ally em uma mesa
para duas pessoas. Embora o lugar fosse ainda bastante
elegante - o que eu vinha aceitando com mais frequência, já
que nada naquelas redondezas poderia ser barato - parecia
ser menos caro do que os dois restaurantes em que já
estivera com Lauren antes.
- Tudo bem.
- Acho que temos que almoçar logo, já que você tem que
voltar...
- Não pense que ela é sempre assim. É claro que sair com
você teve algo a ver com o surto de bondade. Ou isso, ou
então é o espírito do Natal.5
- Onde estamos?
- Em um shopping.
Aquela calculista!
- "Ela"?
- Beatrice.
Ela suspirou.
- Ela pediu pra que tudo que você comprasse fosse pago
nesse cartão.
Olhei-a espantada.
- Isso é sério?
Suspirei.
Eu sabia disso, mas não deixaria claro a ela que o motivo pelo
qual eu não aproveitava a situação se dava pelo meu
desconforto em, mais uma vez, parecer uma usurpadora ao
lado de Lauren.2
Achei melhor não tentar entender o que ela quis dizer com
aquilo. Como parecia não ser algo ruim, deixei para lá, me
focando agora na primeira loja que vi à minha frente.
- Eu falo com ela depois. Vou deixar claro que a culpa disso foi
minha. Desculpe, mas não tem o menor cabimento pagar o
presente dela com esse cartão.
- 19:30h1
- Camila?
Não era uma ameaça. Era um pedido, e por mais que sua voz
soasse firme, isso ficou bastante claro.
Então pela primeira vez desde que a conheci, pude sentir nela
algum tipo de cumplicidade. E, para piorar, eu não sabia
explicar como ou por que sentia, mas sabia que era uma
sensação suficientemente forte para não conseguir ignorá-la.
***
***
Depois de algum tempo, chegamos em um restaurante bem
iluminado e pequeno, com uma decoração discreta e clara.
- Prometo.
- Na nossa casa.1
- Sei.
Ah. O Natal.
Mas eu entendia.
- Eles devem sentir a sua falta. Sim, você tem que ir.
Mesmo assim, não era uma opção pedir para que ela ficasse.
Eu não era a pessoa mais altruísta do mundo, mas também
não era tão egoísta a ponto de tentar fazê-la ficar só porque
eu precisava dela.
- Lon...dres?
- Eu não...Eu...
Eu não sabia o que dizer. Mas sabia que tinha que dizer
alguma coisa, porque da forma que Lauren me olhava, eu
provavelmente parecia estar muito perto de uma crise de
pânico.
Eu sabia que não tinha falado em voz alta. Sabia que havia
conseguido guardar aquela demonstração de rancor para mim
mesma, e agradeci em silêncio por conseguir fazê-lo. Eu não
queria jogar aquilo na cara dela, como se lembrá-la do que ela
fez fosse me fazer sentir melhor.
Ainda assim, pela simples mudança em sua expressão e seus
olhos, eu pude notar que, mesmo sem a minha ajuda, Lauren
pensou exatamente na mesma coisa que eu.
***
Merda.
Gostosa.
Ela entrou no banheiro, encostando a porta atrás de si. Voltei
ao meu quarto e tirei todos os agasalhos, vestindo a camisa
que era minha agora. Escovei os dentes me olhei no espelho
por algum tempo, na dúvida se tentaria seduzir ela ou se a
deixaria descansar.
Ela era linda. Não linda do tipo "claro que dormiria ela," mas
sim do tipo "por favor, por favor, me coma."
Um sonho erótico.
Gostosa!
Deus!
- Opa!
Ela pareceu surpresa, mas não desesperada em se cobrir.
Aliás, ela não se cobriu, simplesmente alcançando a toalha e
se secando como se estivesse perfeitamente sozinha. Isso
significava que eu ainda estava vendo - e encarando - tudo:
Cada lindo e glorioso centímetro.
Gostosa! GOSTOSA!
- Mais forte.
- Para!
- Sobe aqui.
Ela se levantou rapidamente em seus joelhos assim que tirou
minhas pernas de seus ombros e as colocou com delicadeza
no chão.
Seu rosto ficou quase da mesma altura que o meu agora, seu
corpo inclinado para mim e sua boca muito próxima a minha
enquanto seus olhos me olhavam com submissão e amor, seu
pau incrivelmente duro para quem não estava sendo
estimulado de forma alguma.
Por favor...
- Camz
- Minha.
Eu era dela. De quem mais seria? Não tinha como contestar
aquilo, e também não havia necessidade. Embora tivesse
praticamente saído em um sussurro, o tom de voz acusava
que aquilo não havia sido uma pergunta ou um pedido de
confirmação. Era uma verdade, um fato já aceitado tanto por
ela quanto por mim.
Boba.
Mas gostosa.
- Não.
- Que bom.
***
Capítulo 13
Pov Camila
***
Acordei às 10:15h sentindo um pouco de frio. Estava sozinha
e com dor de cabeça, por isso tentei dormir mais um pouco,
tarefa que se mostrou impossível, já que minha ansiedade
não me deixava relaxar.
Eu havia acertado.
Sempre fui muito crítica com as coisas que fazia, mas não
havia como negar que aquilo estava mesmo bom. Senti
orgulho de mim mesma pelo feito, e desejei profundamente
que Lauren estivesse ali para que pudesse provar minha
receita e, quem sabe, me encher de elogios.
Como água se transformando em vinho, ela milagrosamente
surgiu pela porta que dava para a sala. Me assustei com sua
aparição quase sobrenatural, embora tivesse ficado feliz, e
me perguntei quando ela havia desenvolvido a capacidade de
ser silenciosa como uma lesma.
- Sim.
- Posso provar?
- Acho que não fui clara. Vou reformular a frase: Posso comer
você com isso algum dia?5
- Você tem sorte por ter um balcão entre nós duas. Toda vez
que você fica corada eu tenho uma vontade quase
incontrolável de te abraçar até te asfixiar.
- Bom, contanto que você não diga pra minha mãe que eu sou
boa de cama...
***
- Vou.
Linda, obviamente.
***
***
Estremeci.
- Alguém chegou!
- Estou bem.
- É o que parece.
Clara pigarreou ao meu lado, e então lembrei que ela estava
ali. Não só isso, mas agora se mantinha em uma postura
muito reta, com o braço esquerdo entrelaçado ao meu
direito.2
- Ou Mila. - Informei.
- Sra. Jauregui...
- Crianças, acalmem-se.
- Bom, vou descer para ver como estão os pratos para a ceia.
Mila, sinta-se em casa.
Talvez ela estivesse certa. Mas se fosse esse o caso, nós duas
sabíamos o motivo.
- Eu... Não.
- Ótimo.
E, é claro, bonito.
- Então. Qual foi o crime que você cometeu pra ter que aturá-
la?
- Pode ir na frente.1
- Obrigada.
- De nada.
- Estou vendo.
- Claro que não. Só estou deixando claro que ela está muito
bonita.
- Obrigada, Chris. - Agradeci, lisonjeada.
- Bom, vamos?
- Pode.
- Você sabe que eu sou uma merda nessas coisas. Você que é
a moça que cozinha.
O casal saiu das nossas vistas - Oliver duro feito uma pedra
sendo carregado pela mão por Taylor que saltitava feito uma
gazela - e me apressei em me aproximar de Clara e Michael.
Não demorou muito até que Taylor chegasse outra vez, agora
vestindo um vestido azul curto e com babados combinando
com sandálias muito delicadas. Ela toda lembrava uma
borboleta.
- Ah, desafia, é?
E estava mesmo.
- Ela é bibliotecária.6
- S-sim.
Ela estava bêbada, e eu não sabia até onde sua noção iria. -
Bom, eu vou contar.
A Camila que ela havia conhecido antes desse dia não era a
mesma Camila de agora.
Olhei espantada para Oliver. Por que ele havia dito aquilo?
Só então ele pareceu entender que sua piada não havia saído
como o planejado.
- Tudo bem... - Falei numa voz baixa, e rezei para que eles
parassem de olhar para mim.
- Preciso mijar.1
Suspirei.
- Pra mim?
- É. Um presente de Natal. - E dizendo isso, estendi o
embrulho para ela.
- Não dei.
Ela suspirou.
Estava perfeito.
***
Luz.
A razão veio me tomando aos poucos, e foi junto com ela que
a mulher começou a se mexer. Foi quando finalmente ela se
virou para mim que levantei de imediato, quase caindo da
cama. Reparei que eu também estava nua.
- Que porra...
O apartamento.
Desespero.
- Não.
Sem nada.
***
Capítulo 14
***
Pov Camila
- Calma...
Mas eles eram fortes demais até mesmo para o meu pânico.
Alívio.
- Você deve ter comido alguma coisa ontem que não fez bem.
Vai se sentir melhor depois de um banho quente.
- Você não vai limpar nada. Não está bem pra isso.
- Eu vomitei, eu limpo.
- Por que está insistindo? Você sabe que eu não vou te deixar
fazer isso.
- Que foi?
- Tenho cachecol.
Tentei não me agarrar nos cabelos dela outra vez, mas era
involuntário. Eles pareciam estar ali única e exclusivamente
para isso. Senti sua boca passear de um lado ao outro do meu
pescoço, de forma tranquila e torturante, traçando um
caminho de fogo por onde passava. Sua língua descia e subia,
perto da minha orelha e nos limites do meu ombro. Eu ia
explodir em algum momento, e a culpa seria toda dela.
- Acredito.
Encerramos aquela discussão, pelo menos
momentaneamente. Parecia errado optar pela preocupação
quando tínhamos tantas coisas para desfrutar juntas. Mais do
que isso, parecia estúpido.
Não consegui deixar de rir. Foi difícil fazer com que ela me
largasse, por isso demorei um pouco para escolher uma roupa
apropriada na minha mala. Finalmente constatei que havia
trazido um suéter preto de gola alta, o que seria perfeito para
cobrir minhas marcas.
- Três.
Corei.
- Obrigada, mãe.
***
- Passeio? Onde?
- Por aí.
Ela sorriu de volta, mas seu sorriso foi sumindo aos poucos.
Eu sabia que ela sabia. Ela sabia inclusive qual era a essência
do sonho, se eu tomasse como referência suas palavras no
banheiro.
- Ainda assim...
- Eu acordei ao lado de uma mulher que não conhecia. Era
uma cliente. Era como se você não tivesse voltado aquele dia.
- Sei.
- Tentar não ter medo? Isso não está nas minhas mãos.
- Você já disse...
- Eu acredito.
- Não acredita. Se acreditasse...
Sem muito mais o que falar, ela olhou para as mãos em seu
colo e suspirou sem vida.
Fiquei um pouco triste em vê-la daquela forma, então fui eu a
quebrar o silêncio.
- Lo. - Segurei seu queixo de maneira firme e fiz com que ela
olhasse para mim - Eu não vou a lugar nenhum.
- Acredito.
- Claro.
- Não sei...
- Você disse ontem pra sua família que foi no dia em que nos
encontramos na praça perto da sua casa...
- E quando admitiu?
- Que citação?
- Já.
Ela riu.
- Claro.
- Qualquer coisa.
- Diga.
- Eu queria a sua ajuda... Você é uma pessoa que
normalmente consegue as coisas que quer, certo?
- Estou ouvindo.
- Eu quero.
- Por quê?
- Já te disse... - Comecei, tentando parecer menos
envergonhada - Essa situação me deixa mal.
- Que situação?
- Você tentou?
Ela suspirou.
- Tudo bem. Não vai ser difícil.
- Não!
- Imaginei.
- Não se preocupe. Se você vai ficar feliz com isso, vai ser
feito do seu modo.
- Obrigada.
Ela sorriu, e então senti vontade de agarrá-la. Felizmente,
antes que acabássemos as duas dentro do chafariz gelado,
ouvimos uma voz ecoando ao longe pelo campo aberto. Era
Clara fazendo algum tipo de sinal para que voltássemos.
Mas era óbvio que ela não me deixaria escapar ilesa. Por isso,
segundos depois aceitei o fato de ser agarrada e tomada em
um beijo brutal, me deixando sem defesa, exatamente como
os beijos de cinema. Lauren finalmente me largou naquele
estado gelatinoso que eu costumava ficar quando ela parava
de me tocar.
- Linda.
- Ah, mãe, a Mila não vai ficar me olhando. Ela prefere uma
certa coisa albina.
Sorri.
***
- Cuide dela.
Pov Lauren
- Você sabe que eu sei que tem alguma coisa. E sei que não
tem a ver com você propriamente, mas sim com ela.
Suspirei.
- Você está bem. - Ela falou, com toda aquela sabedoria que
não era comum em irmãs caçulas - E se você está bem, então
não faz diferença.
Passamos, meu pai, Chris e eu, uma boa parte dela discutindo
mais assuntos sobre as empresas. Me senti um pouco culpada
por deixar Camila sozinha, e rezava o tempo todo para que
minha mãe não estivesse em algum canto da casa de
conversa com ela sobre mais detalhes do seu passado. Assim
que um tópico do nosso assunto esfriava, eu pedia licença e
ia à sua procura.
Ficamos ali por um bom tempo sem fazer nada além de olhar
para a tv. Ela parecia se divertir com piadas nas quais eu não
prestava atenção, porque sua risada baixa, rouca e
incrivelmente fofa era muito mais interessante do que
qualquer coisa naquele aposento. Me dei conta de que havia
me apaixonado completamente pelo som da gargalhada dela.
Fiquei prestando atenção cada vez que ela ria. Passei horas
me concentrando apenas nisso, até que em algum momento
Chris apareceu como uma assombração.
Ela ficou em silêncio por pouco tempo, mas logo falou outra
vez.
- O padre é um gato...
- Que foi?
- Certo.
- Lo?
Agarrei-a com os dois braços e fiz com que ela pulasse contra
meu corpo de forma violenta. Senti a cabeça do meu pau
tocá-la até o final, mas como não ouvi reclamações, não
parei.
- Não quero dar chance pro seu irmão ouvir alguma coisa e vir
tirar sarro com a minha cara outra vez amanhã. Vamos fazer
isso baixo, tá?
Ela segurou meu pau com uma das mãos e o guiou para sua
entrada, abaixando devagar até estar completamente
sentada e confortável ali outra vez.
- Porra, Camila...
Era óbvio que ela sabia que eu tinha feito aquilo por querer.
Conseguindo agarrar um dos travesseiros, Camila trouxe-o
até a altura de sua cabeça e o mordeu, deixando ali gemidos
abafados e roucos. Continuei tocando-a naquele ponto
propositalmente, agora mais rápido e com mais força. Minhas
coxas ficaram dormentes com o movimento repetitivo, mas
não diminuí o ritmo.
***
Capítulo 15
Pov Camila
Eu duvidava.
- Juro.
- Ok, vou te dizer. Mas você tem que me prometer que nunca,
nunca vai dizer pra ninguém que eu te contei. Certo?
- Pr... Prometo!
- Tudo bem... A verdade é a seguinte... - Ele demorava muito
entre um raciocínio e outro. Eu já olhava com desespero para
ele, implorando para que cuspisse logo toda a verdade - Ally e
Lauren compartilharam um amor tórrido e intenso...
- Ah, sim, elas são só amigas. Agora. Mas quando se tem sete
anos, a vida é uma aventura.
Sete anos?
- HAHAHAHAHAHAHA!
- Quer me explicar...
- A única coisa que Lauren teve com Ally foi um primeiro beijo
de fedelhas. Azar da Ally que tirou '"salada mista."É claro que
língua era uma coisa muito difícil para as duas, então elas
ficaram só no selinho mesmo. Hahahaha!
- Desculpa.
- Bom... Não sou bom nessas coisas, mas você sabe o que eu
quero dizer. Lauren é uma mulher muito legal. É legal até
demais. Não é porque sou irmão dela, mas você não vai
encontrar alguém bacana assim tão fácil.
Eu sabia. Chris não precisava sequer se esforçar para fazer
com que eu entendesse aquilo, simplesmente porque eu já
sabia o que ele queria dizer: Eu tinha sorte de ser dela.
- Você vem?
- Pode apostar.
***
As roupas.
- Tudo... bem...
- Eu não...
- Você tem o tempo que quiser. Mas não diga que confia em
mim.1
- Mas... Eu confio... - Falei, muito baixo. Ela não ouviu, se
levantando abruptamente e pegando uma boxer e uma calça
no armário perto da cama. Jogou o lubrificante dentro do
criado mudo outra vez e bateu a gaveta com força. Tremi com
o barulho.
- Me desc...
Por que infernos eu agi daquela forma? Por que fugi dela? Eu
não precisava fugir dela, e sabia disso. Lauren era a pessoa
que eu mais amava e na qual eu mais confiava por isso,
minha atitude não tinha a menor explicação. Fui até a cama
e vesti minhas roupas outra vez. Sentei, ainda me sentindo
culpada, e esperei até que ela voltasse. Mas isso não
aconteceu. Caminhei até a sala e a achei deitada no sofá
vendo tv. Algum filme qualquer. Me perguntei se ela havia me
visto ali, parada a alguma distância dela. Se viu, não fez nada
para me deixar ciente disso. Entendi então que ela não queria
ficar perto de mim, e me senti pior. Queria pedir desculpas
pela minha atitude, embora eu não tivesse feito por mal.
Queria dizê-la que confiava nela, e que em momento algum
tive medo de que ela passasse dos limites comigo. Mas ela
não parecia disposta a ouvir, e eu respeitaria isso.
Com o objetivo de devolver seu espaço, me retirei
silenciosamente, caminhando para o meu quarto e ficando
por lá pelo resto da noite.
***
Olhei ao meu lado e constatei que ela não estava lá. Senti um
aperto no peito. Tomei coragem para me levantar e me
levantei. Depois da higiene matinal feita, me arrumei pelo
menos de forma a ficar apresentável, e então saí do quarto à
sua procura. Era domingo. Ela deveria estar em algum lugar,
mas eu não a encontrei. Fui até seu quarto, cozinha e sala.
Nada. Lauren parecia ter simplesmente desaparecido.
Procurei-a no resto da casa, na área da piscina, adega,
biblioteca e demais salas. Tudo isso para constatar o que já
sabia: Ela não estava ali.
Me senti mal. Não por estar sozinha, mas porque saber que
estávamos daquela forma me angustiava.
Ela não parecia puta, mas também não estava feliz. Lauren
estava empregando uma certa formalidade na voz que me
incomodava.
- Não.
Ela assentiu.
Ela não me tratou mal, mas também não fez questão alguma
de mostrar que sabia que eu estava ali. A forma como me
ignorava e fazia parecer que não estava acontecendo nada
entre nós me abalou. Pensei em tocar no assunto da noite
anterior, mas sabia que ela me interromperia e não
conversaria comigo. Talvez eu estivesse mal acostumada em
tê-la me mimando demais, e sentir um pouco da sua
indiferença era algo para o qual eu não estava preparada.
- Pode.
***
Os três dias que se passaram - segunda, terça e quarta-feira -
se mostraram incrivelmente vazios. Minhas manhãs e tardes
eram solitárias, e quando Lauren chegava em casa - muito
mais tarde do que o normal - os diálogos eram tão discretos
que pareciam estar ali por pura educação. Ela não estava
sendo de forma alguma rude, mas estava tão distante que me
fazia mal. Tentando não ser egoísta, quis acreditar que seu
afastamento se dava porque, como ela mesmo havia dito e
mostrado, muitas pendências da empresa teriam que ser
fechadas até o final do ano. Isso provavelmente justificava o
fato de chegar em casa depois das 22h e, enquanto não
dormia, falar ao telefone com algumas pessoas diferentes
sobre contratos e outras coisas que eu não entendia.
Ainda assim, era impossível deixar de sentir sua falta. Não era
a falta de sexo que me incomodava, mas sim a falta de
qualquer tipo de interação entre nós. E eu tinha medo de
tomar alguma atitude quanto a isso simplesmente porque
tinha medo de ser rejeitada, mesmo que o motivo fosse o
trabalho.
Assenti com a cabeça sem motivo, apenas para ter algo para
fazer.
- Quer ver tv? - Ela desviou seus olhos dos meus e se virou
para pegar o controle no criado mudo, ligando a televisão
logo em seguida.
- Por que está fazendo isso? Por que está me tratando assim
desde aquela noite? Você nem me toca!
***
- Argh...
- Arghhh!
- Lo, respire.
- Aaaarrgh...
- Não está nada bem! Você parece ter sido espancada! Não
vou mais tocar em você...
- Merda!
- Viu só? Não sou tão indefesa. - Falei sorrindo, mas um pouco
culpada também - Não ardeu no banho?
- Acho que dei sorte... - Ela disse, saindo do closet e indo para
o quarto, me deixando na frente do espelho sozinha por
algum tempo. Voltou alguns segundos depois, me entregando
um embrulho. Encarei-a irritada, esperando uma explicação.
- É lindo. Obrigada.
***
- Claro, querida.
- Foi...
Normani gargalhou.
- Não é por nada não, mas eu mando muito bem. - Ela falou
atrás de mim, olhando para o meu reflexo e piscando. Sorri de
seu comentário, agradecendo o quase-elogio. Quando
abrimos a porta, levamos outra vez um susto ao dar de cara
com Lauren apoiada na parede com cara de cachorro
abandonado. Ela vestia uma calça branca soltinha e uma
blusa aberta em formato de X que mostrava sua barriga, mas
atrás a blusa era fechada então cobria suas costas
arranhadas. Aparentemente, a ansiedade em me ver não a
deixou terminar de se arrumar. Ela me encarou com os olhos
muito abertos, sem dizer uma única palavra, e ficou assim
durante algum tempo. Me perguntei se ela poderia estar
dormindo e ter esquecido de fechar os olhos.
- Obrigada. - Sorri.
- Eu sei.
Suspirei.
Gemi alto.
- Alô?
Ally nos atendeu com uma taça de vinho na mão, o que achei
ser o motivo de vê-la mais sorridente nessa ocasião do que na
última em que estivemos juntas.
- Não sou!
- É sim.
- Quer ir?
Julia quicava no sofá ao meu lado toda vez que matava algum
monstro, e eu ria. Ela era mesmo uma graça. Tentei imitar o
movimento de seus dedos no controle, e até consegui
algumas proezas.
Ela suspirou.
Marcel achou que já era hora de Julia comer alguma coisa e "
sair da frente daquele videogame." Eu concordava, já
sentindo tanto minha cabeça quanto meus dedos doerem, e
fui eternamente grata a ele por isso. Saí à procura de Lauren
e demorei um pouco até encontrá-la. Quando finalmente a
avistei, a um canto da sala lotada de gente, ela parecia
entretida em uma conversa com uma morena alta e muito
bonita, que parecia exageradamente contente em estar
falando com ela. Então, de repente, senti meu sangue ferver. +
***
Capítulo 16
Pov Lauren
Aquela era Shay. Eu não a via havia algum tempo, mas ainda
lembrava de suas indiretas nada discretas para cima de mim.
Ela era uma das primas de Ally, e uma das coisas que me
lembro na adolescência era que ela sempre deixava claro que
estaria disposta a me dar a qualquer momento do dia. Tive
que aturar piadas quanto à minha sexualidade por sempre
negá-la. De fato, era esquisito que alguém não a desejasse,
porque Shay era mesmo muito bonita. Mesmo completamente
diferente de Ally, ela sempre chamou a atenção por sua pele
morena, altura imponente e olhos sedutores. Mas minha
consciência nunca deixou que eu me aproveitasse de uma
mulher da família da minha melhor amiga. Além disso, eu
sabia que mesmo que decidisse usá-la, ela grudaria em mim
como chiclete e jamais me deixaria em paz de novo.
Mesmo Camila sendo muito mais baixa que Shay, que era um
pouco mais alta do que eu, ela não pareceu intimidada em
momento algum. Por isso, me assustei ao vê-las se encarando
de igual para igual, Shay com um sorriso debochado no rosto
e Camila com um olhar assassino.1
- Estava observando de longe, e me pareceu que você estava
excessivamente próxima a minha namorada. Espero que não
se importe se eu ficar aqui.3
Sem dizer mais nada, caminhou para trás no meio das várias
pessoas que se divertiam. E então, Camila se voltou para
mim. E imediatamente temi pela minha vida.
- Eu não estava dando mole pra ela. Eu juro...4
***
- Não. Por que ela não está com você? - Ally perguntou,
deixando de lado a mesa e colocando as mãos na cintura, me
encarando com um olhar de " O que você fez dessa vez?"
- A última vez que fui lá, estava. Faz uns 40 minutos, desci pra
pegar mais whisky. Ela estava sentada perto da bancada.
Parecia um pouco triste, então me pediu uma dose de alguma
coisa.
- Você deu alguma coisa pra ela beber? - Falei, torcendo para
que sua resposta fosse negativa.
- Camz?
A voz dela saiu mais alta do que o normal. Ela estava bêbada,
e eu sabia disso antes de sentir o cheiro de vinho no hálito
dela.
- Eu nunca, nunca estaria com você por outra coisa que não
fosse isso. Não quero a porra do seu dinheiro, não preciso da
porra do seu nome pra conseguir status em nada. Eu
simplesmente amo você. Amo tanto que acho que seria capaz
de matar alguém se estivesse a ponto de te perder. Porque eu
preciso de você. Eu preciso de você. - Ela soluçou, agora
chorando tão compulsivamente que talvez precisasse de
algum socorro - Não é justo ser vista como uma vagabunda
interesseira... Eu não sou. Preciso que você saiba disso...
Preciso que entendam isso pelo menos uma vez...
- Como foi que você se tornou isso tudo pra mim em tão
pouco tempo? - Falei em um tom muito baixo, enquanto
afagava seus cabelos e a admirava. Ela não respondeu,
absorta em seu sono. Sorri sem motivo algum.
***
- Eu imagino.
- Está tudo bem. Mas agora vocês já sabem que ela fica um
pouco louca quando bebe. - Dei uma risada, sem tirar os olhos
dela.
- Por isso que acho que vocês vão dar certo. - Ela estendeu as
chaves do carro para mim - Dirija com cuidado.
- Não! Ummmpppff...
- Calma, amor. Não vou fazer nada. Só quero te deixar
confortável pra dormir. - Sussurrei em seu ouvido, e ela
pareceu se acalmar por um momento. Mas assim que retomei
o zíper em minhas mãos e abri mais um pouco o vestido, ela
se afastou outra vez, dessa vez me empurrando.
Pov Camila
- Está melhor?
- Mais ou menos.
Me senti culpada por aquela resposta. Eu queria que ela
soubesse. Achava que tinha deixado isso claro desde o
momento em que ela voltou para a minha vida.
Lauren me encarou sem dizer nada. Ela não sorria, mas seus
olhos brilhavam ao ouvir aquelas palavras. Quando entendeu
que não tinha mais nada a ser dito, ela foi se deitar ao meu
lado, muito próxima a mim, encostando a ponta do seu nariz
no meu e me permitindo sentir o cheiro do perfume natural
da sua pele.
***
- Claro.
Estávamos vendo tv no quarto, esperando o sono chegar.
Ela lembrava.
- É...
- Bom, você disse que queria algo simples... Achei algo que
você poderia fazer. Não é nada difícil, e infelizmente não deve
ser muito divertido também, mas se não gostar e quiser fazer
alguma outra coisa, pode vir falar comigo...
- É. E sei que você tem um gosto pela leitura. Mas isso é mais
difícil do que a maioria das pessoas acha. É preciso ter pelo
menos bacharelado em biblioteconomia. De qualquer forma
alguma coisa que ao menos remetesse a isso. Pelo menos pra
quem não entende do assunto.
Notei que ela ficou um pouco sem graça, parando antes de
continuar a falar.
- Hmmmpppff...
- Bom dia. - Ela falou, com uma voz sedutora ao meu ouvido.
Fui despertada pelos seus beijos suaves no meu pescoço e o
forte cheiro de pasta de dente de menta.
- Gosto.
- O que tem?
E então, prosseguiu:
***
- Amor?
- Sim.
- Eu coloquei lá.
- Ei! É seu!
- Lauren disse que você anda irritada com ela. - Ela falou,
enquanto comia a sobremesa.
Ela riu, porque sabia que não tinha como negar aquela
afirmação.
- Isso...
- Bom, tudo bem. Pode não ser traição, mas é injusto. Se você
dorme com uma pessoa e pensa em outra, é sinal que só está
usando a pessoa com quem você está no momento. E mesmo
que ela nunca vá saber...
- Queria dormir? Pelo visto ela não era muito boa, né? -
Perguntei, ainda olhando para a tv, mas muito atenta à
conversa.
- Ela era bonita e tal... Mas, não sei... Acho que o problema
era que ela não era você. Eu estava meio obcecada por você
na época.
- Você nunca fez isso? - A voz dela saiu tímida, quase como se
estivesse se sentindo culpada por fazer aquela pergunta -
Quero dizer, nunca gozou com outra pessoa pensando em
mim?
- Não.
Mais silêncio.
- Nunca?
- Nunca.
- Eu fui a primeira que fez você gozar?
- Por quê?
- Sim. Vai ser a primeira e única que vai fazer isso da forma
certa.
Ela sentia. Sentia muito por aquilo. Sentia muito pelo que
havia acontecido comigo, eu podia ver na tristeza e na raiva
que seus olhos não conseguiam esconder.
- Aquilo não conta. Não merece ser lembrado, porque não foi
nada.
Não sei como, mas ela conseguiu puxar minha calcinha até os
tornozelos. Quando dei por mim, ela própria já estava
completamente nua, sentada em seus calcanhares e me
trazendo para cima das suas pernas, mantendo-me sentada
de costas para ela ali.
***
- Certo. Não era hoje que você tinha aquela reunião pela qual
está esperando há um mês?
- Merda!
- Não vou!
- Tudo bem.
Capítulo 17
Pov Camila
Passei o dia todo deitada. Me levantava para ir ao banheiro
com frequência, e vez ou outra beliscava alguma coisa que
Lauren havia preparado durante a semana e permanecia na
geladeira. Escolhi um livro aleatório na biblioteca e comecei a
lê-lo, mas na terceira vez que acabei cochilando, desisti da
leitura.2
- Defina "estranha."
Ela estava mentindo. Aquilo não era um chute. Ally podia não
saber exatamente o que era, mas ela suspeitava de alguma
coisa que não queria me falar.
- Não...
- Não.
Ela pareceu mais aliviada. Ally e sua aura de mistério
estavam começando a me dar nos nervos também. O celular
dela tocou de novo, e, de novo, ela não atendeu.
- Será que vou ter que operar alguma coisa? - Perguntei sem
pensar, quebrando o silêncio desconfortável - Eu vou estragar
a viagem pra Londres...
Aquela parecia ser a voz de Ally. Ah, sim. Ally. Ela estava ao
meu lado.
- Mila?
- Isso é impossível.
- Ah, não. Não é. Não estou dizendo que você pode estar
grávida. Estou dizendo que você está.
"Grávida."
- Doutor? - Chamei.
- Desde quando?
Ouvir aquilo mais uma vez fez com que, de novo, meu
coração perdesse uma batida. Mas dessa vez, talvez porque
agora meu cérebro já havia voltado a trabalhar, aquelas
palavras não me machucaram. Não foi desesperante. Foi
apenas surpreendente.
- Não vai. Você está no início da gravidez, o feto não vai ser
prejudicado. Basta parar com as pílulas agora que sabe que
vai ser mãe.
- Não.
- Ótimo. Não se auto-medique, algumas substâncias podem
fazer mal ao feto. A primeira coisa que você deve fazer agora
é procurar um obstetra. Ele vai guiá-la melhor. E não se
preocupe, seu bebê não corre risco.
Meu bebê não corre riscos. - Repeti para mim mesma - Meu
bebê.
Eu estou grávida.
Torci para que fosse, porque não esperei por sua resposta.
Corri para lá e consegui alcançar o vaso sanitário antes de
vomitar no azulejo do chão. Ally veio me socorrer, segurando
minha testa com delicadeza. Não vomitei muito, mesmo
porque tinha comido muito pouco.
Virei para ela pela primeira vez, pega de surpresa pela voz de
Ally. A viagem havia sido silenciosa até aquele ponto. Eu
ainda estava digerindo a informação, tentando
desesperadamente traçar algum plano para quando Lauren
viesse com perguntas como "Onde vocês estiveram a tarde
toda?," e, depois da resposta, algo como "E afinal, qual foi o
diagnóstico?."
Da Lauren.
- Chegamos.
- É...
Lauren. Ela não havia notado. Mas era hora dela saber o que
eu sabia.
- A reação dela...
- Seja ela qual for, ela tem que saber! Ela é a mãe. Você não
fez isso sozinha.
Será que ela poderia achar que aquilo era algum tipo de golpe
por interesse? Ou pior, achar que eu já estava grávida antes
de encontrá-la? Será que ela poderia pedir para que eu não
tivesse aquele filho? O nosso filho?
E então, o celular dela tocou outra vez. E o que quer que ela
fosse me falar ficaria para outra hora.
- Ela quer falar sobre você. E tenho certeza que com você ela
não vai ser uma troglodita.
Merda.
- Você saiu?
- Lauren?
- Estou chegando em casa, não saia desse apartamento! Não
saia da cama! Eu não devia ter ido trabalhar!
- Vou...
Eu nunca a tinha visto tão nervosa, mas tinha certeza que Ally
já estava acostumada a vê-la e a lidar com ela daquela forma.
Começamos uma conversa sobre gravidez. Agradeci por Ally
compartilhar sua experiência de duas gestações, dando
conselhos e me informando de tudo o que era
desaconselhável fazer. E cada vez que ela falava algo como o
bebê de vocês, minha mão voava mecanicamente para a
barriga e acariciava distraidamente o lugar. E então, ouvi o
barulho de chaves impacientes na fechadura da porta da sala.
Meu coração deu um salto.
- Eu estou grávida.
Pov Lauren
- Há quanto tempo...
Bem era um pouco vago. Eu não estava bem. Bem não dizia
tudo que eu sentia. Não dizia tudo que estava dentro de mim.
Era uma palavra muito simples, muito pobre para descrever
meu estado naquele momento. Eu não estava bem. Estava
em choque. Em êxtase. Estava tentando conter o turbilhão de
coisas no meu peito, tentando conter o grito, tentando conter
as lágrimas. Estava tentando ficar calma, tentando recuperar
o fôlego e o movimento das pernas. Estava tentando
recuperar o controle das batidas do meu coração.
- Não seja boba, eu não fiz nada. Amanhã ligo pra você pra
trocarmos algumas informações.
- Até mais...
Ouvi aquele pequeno diálogo, mas não processei palavra
alguma. Eu não estava realmente prestando atenção. Talvez
mais coisas tivessem sido ditas entre uma resposta e outra,
mas eu não saberia dizer. Não me importava.
- Ah, não!
***
Capítulo 18
Pov Camila
- O quê?
- Não fiz isso. Me despedi. Só tive que fazer rápido antes que
você se levantasse sozinha.
Continuei encarando-a com uma cara de Qual é porra do seu
problema?
- Lauren?
- Sim?
Ela havia não só aceito, como ficado feliz. Muito feliz. Seus
olhos não conseguiam esconder aumentava - e muito - a
minha própria felicidade.
- Lo?
- Lo - repeti seu nome mais uma vez, tentando fazer com que
ela entendesse que sua atitude estava atingindo um grau de
exagero quase preocupante - eu nunca comi uma macadâmia
na minha vida. Não sei nem o gosto disso.
- Eu sei, amor. Mas sei que tem coisas que eu posso fazer, e
vou fazer tudo que estiver ao meu alcance. - Ela disse
distraidamente, puxando gentilmente para cima meu casaco
e espalmando a mão ali - Você está se sentindo bem hoje?
- Sim.
- Nenhum enjoo?
Ela parecia uma criança. Uma criança boba e feliz por causa
de outra criança.
- É.
- Tipo?
- Eu também não.
- Ih, foi mal! Mila, se você estiver aí, foi só forma de dizer!
- Ah, sim, obrigada! Vou ver... Mas ele está lá hoje? - Lauren
ficou em silêncio por algum momento, esperando a resposta
- Ok, vou tentar. Obrigada, Ally.
- Fez sim. Usou sua voz sexy pra convencer a secretária. Ela
provavelmente vai ter sonhos eróticos com você essa noite.
- Por quê?
***
- Bom dia, doutor. - Ela respondeu por mim, puxando uma das
cadeiras para que eu me sentasse e fazendo o mesmo em
seguida.
- É...
- Não. - Respondi.
- Já fez exames?
- Está tudo bem. - O dr. Carlos riu e olhou para Lauren, como
se estivesse pedindo permissão para fazer alguma coisa - Mas
gostaria de pelo menos checar os lugares mais importantes.
Ela pode manter a roupa. Tudo bem?
Como ele iria tocar em mim, e isso não tinha nada a ver com
nenhum outro corpo, me achei no direito de responder.
- Não.
- Por que você não está falando comigo? - Ela insistiu assim
que entramos no apartamento. Encarei-a com uma cara nada
boa.
- Você foi uma idiota. Por que diabos agiu daquele jeito
imaturo? - Perguntei, querendo que ela desse alguma
desculpa que fizesse com que meu desgosto passasse. Ela
fechou ainda mais a cara ao me responder:
- Não, não pode, porque eu nunca te dei motivos pra isso. Não
foi o seu caso.
- E...? - Provoquei.
Bem, era óbvio que ela estava certa quanto a esse ponto. Mas
eu não era idiota.
- Por favor, me atenda. Senão eu venho aqui ver por que você
não atendeu.
- Estou bem. Não estou enjoada. Nem com fome, nem com
sede, nem com dores, nem com frio, nem com calor, nem
com sono.
- Ah... - Ela falou, só para ter algo para dizer. Me agarrei a ela
outra vez, encaixando meu rosto na curvatura do seu pescoço
e respirando de uma forma propositalmente intensa ali. Senti-
a estremecer de leve.
***
- Está nervosa?
Ele riu.
- É uma menina.
Fiquei calada por algum tempo, de costas para ela. Outra vez,
Lauren havia me pego de surpresa, se mostrando
extremamente confiante em coisas que pareciam banais
quando ela falava, mas que eram enormes.
- Você quer ter três filhos? - Perguntei com uma voz fraca,
depois de algum tempo.
Forcei minha língua contra sua boca, e quando ela abriu seus
lábios, me permitindo aprofundar o beijo, quase berrei de
alegria. Meu corpo começou a tremer, e minha boceta latejar
sem que eu pudesse evitar, porque aquele tipo de intimidade
há algum tempo me fazia falta. E então, em menos de um
minuto, eu estava completamente molhada pronta para ela.
- Durma. O dia foi pesado pra você hoje. - Ela falou, me dando
selinhos de leve e tentando se afastar um pouco de mim.
- Não foi pesado. Não estou com sono. - Falei, um pouco
desesperada, ainda agarrada ao seu pescoço. De certa forma,
aquilo era mentira: Eu estava mesmo cansada, não porque
havia feito muita coisa naquele dia, mas porque passei
metade dele tensa com tudo que tinha para saber. Lauren
usou seu golpe mais baixo, movendo seus dedos lentamente
de cima a baixo nas minhas costas, percorrendo a espinha de
forma torturante e lenta. Ela sabia que aquilo era fatal. Sabia
que eu dormiria instantaneamente. Merda.
- Alô?
- Pode falar.
- É sobre Lauren.
Suspirei.
- Então?
- É...
- Calma, Mila.
- Tudo bem.
- Até.
- Não seja idiota! Ela não está te traindo! - Falei em voz alta,
controlando a vontade de me estapear.
***
Capítulo 19
Pov Camila
- Quero sexo.1
Ela não respondeu, e pelo menos fiquei mais satisfeita por ela
não ter insistido na mentira.
- Amor...
- Eu sei...
- Como você está lidando com isso tão bem durante todo esse
tempo? - Falei, já tremendo.
Pov Lauren
- Alô?
- Boa noite.
- Foda-se! Você merecia mais nove ANOS sem sexo por isso!
Sua... Sua... folha de papel A4 do caralho! - Ela pontuou, com
mais um soco no meu ombro.3
Quando percebi que tinha dado certo, colei meus lábios nos
dela de novo, só que agora com um pouco de força e forcei
minha língua contra a dela, sem dar espaço para um beijo
carinhoso. Abracei-a com vontade, ainda que tomando
cuidado com sua barriga.
Senti minha camisa ser puxada para cima, e a tirei junto com
o sutiã de qualquer jeito, voltando meus lábios para o pescoço
dela. Não que eu precisasse estimulá-la, mas sabia que meu
nariz encostando naquela área deixava Camila simplesmente
louca.
- Então quer dizer que toda vez que ficarmos um tempo sem
transar vai ser bom assim? - Falei, provocando-a.
Ela levantou a cabeça e me olhou. Embora parecesse quase
inofensiva agora, vi um lampejo do brilho assassino de antes
passar pelo seu olhar.
- Quero.
Não tive como deixar de rir. Ela continuou séria, mas logo em
seguida me beijou calmamente, segundos depois começando
a aprofundar o beijo e fazendo com que meu corpo, ainda
colado ao dela, começasse a ferver outra vez. E recomeçamos
a matar as saudades. Uma vez, duas vezes, três vezes.
Fizemos de tudo. Ao final da noite, ela parecia tão exausta
que tive que servir de apoio durante seu banho.
***
Camila Pov
(Quarto mês)
- Amor? - Ela gritou assim que ouvi a porta da sala ser batida.
Ela obviamente percebeu que não estava tudo bem, e por isso
se aproximou, beijando meu pescoço de leve enquanto jogava
despreocupadamente seu vestido em algum canto,
envolvendo seus braços em mim logo em seguida.
- Eu toda.
Eu, por outro lado, não conseguia saber como conter tantos
sentimentos - tanto opostos quanto complementares - dentro
de mim, todos lutando por espaço de uma vez. Não era
incomum me sentir ansiosa, preocupada, aflita,
explosivamente feliz e completamente emotiva, tudo ao
mesmo tempo. Por isso, era nela que eu buscava meu próprio
equilíbrio, já que tudo que Lauren parecia sentir era uma
plena felicidade e uma paz inabalável. Sua postura só mudou
um pouco em um determinado dia.
- Tenho que ir a um lugar. - Falei, observando-a embrulhar as
porcelanas em jornais para só então irem parar dentro de
uma das caixas de papelão. O apartamento agora estava
estranhamente vazio apenas sendo preenchido pelos cantos
por mais e mais caixas de diferentes tamanhos empilhadas
umas nas outras, embora os móveis continuassem ali.
- Ok... Onde?
- The Hills.
- Você não precisa ir... - Comecei, tentando fazer com que ela
considerasse a possibilidade de me deixar fazer aquilo
sozinha. Se ela estava apenas tentando ser gentil, essa era a
hora de pensar melhor na situação.
- Por quê?
- Porque eu quero estar do seu lado. Sei que não vai ser fácil
pra você, por isso quero estar lá. Mesmo sabendo que não vai
ser fácil pra mim também.
- Você vai ficar bem? - Perguntei sem conseguir ver seu rosto.
- Ok. Obrigada por isso. - Falei, beijando suas costas com uma
genuína gratidão. Me retirei da sala segundos depois,
deixando-a sozinha com o resto da arrumação.
***
Não ouvi a resposta dela, mas imaginei que ela devia ter
acenado com a cabeça. A simples interação de Scarlet com
Lauren, por um momento, havia me feito pensar em coisas
esquisitas. Eu estava agora no papel da esposa grávida, e
bem ou mal, sabia que minha namorada já havia dormido
com ela. Com ela e com todas as garotas que encontraria
dentro daquela casa. Claro que, na época, eu estava na
mesmíssima posição de Scarlet, o que não seria tão esquisito
de lembrar se Lauren não estivesse ali, a poucos metros de
nós duas, tornando aquele momento estranho em muitos
níveis diferentes. Aquilo era surreal. E desconfortável.
- Claro, vem.
Era claro que nenhuma delas sabia da metade das coisas que
havia acontecido comigo naquele tempo.
- Já sabe o sexo?
- Ela já chuta?
- Desde Dezembro.
- Mila?
- Oi, Chloe.
- Sim.
- Onde?
- No mesmo lugar que você me encontrou.
- Ela veio aqui. Não sei quanto tempo demorou até que te
encontrasse, mas estava um pouco desesperada pra te achar.
Dei a ela o endereço que tinha e, depois desse dia, nunca
mais a vi.
Aquele encontro não havia sido fácil. Mas não foi, nem de
longe, tão difícil quanto eu pensei que seria. Havia sido assim
na ocasião em que conheci a família de Lauren, e havia sido
assim nessa ocasião. Talvez eu estivesse com a mania de
superestimar tudo que acontecia à minha volta.
- Ok.
***
Capítulo 20
Pov Camila3
- Como?
- Durmo depois.
Depois do que pareceram semanas, Lauren encontrou a
chave certa no molho e girou a maçaneta. Ela parecia calma,
até um pouco divertida com a minha agitação. Tive vontade
de socá-la.
- Ora, ora!
- Vocês chegaram!
- Estou muito feliz de tê-las outra vez aqui. Gostaria muito que
viessem mais vezes...
- AHHHH!
- Pelo menos agora vou ter uma filha perto de mim. Vou poder
até ver minha neta crescer!
- Uh-oh... Acho que vocês vão ter que colocar grades na casa,
ou terão uma avó intrusa. - Michael riu de forma tranquila, e
isso foi o suficiente para lembrar a todos de sua presença ali.
- Panda Albina!
- Legal! Vamos rezar pra ela não puxar essa cara feia da
Lauren. - Ele disse gargalhando.
- Ei, Chris! Vou te mostrar quem tem a cara feia aqui. - Ela
respondeu, e talvez eu fosse reprimi-la, caso Taylor não
surgisse do nada também ao nosso lado, de mãos dadas com
Oliver.
- Uau!
- Já gostei dele.
- Chris, por que não cala a boca? Sua voz está me irritando. -
Ela disse, demonstrando seu humor claramente afetado pela
gravidez.
- Ei, será que o guri vai ser esquisito que nem a Taylor? - Chris
lançou na roda, e pelo olhar em sua expressão, eu tive
certeza que ela planejava degolá-lo enquanto ele dormia. 1
- Sempre.
Era o aniversário de Michael, e eu havia esquecido
completamente daquilo. Lembrei de Lauren mencionando, um
dia, o aniversário do pai em primaveras londrinas, mas
ultimamente eu andava tão distraída que aquela informação
havia sido deixada esquecida em algum canto do meu
cérebro. Por isso Chris, Taylor, Oliver e, em parte, Lauren e
eu, estávamos ali.
- Ah, puta que pariu, Pai! - Chris falou, fechando os olhos com
força - Isso é nojento!
- Cale-se, Jabulani.
- Cale-se, albina.
- Um minuto.
- Gostou?
- Vamos ver o resto. - Ouvi outra vez sua voz atrás de mim,
muito perto do meu ouvido. Tremi um pouco, caminhando de
maneira mecânica para a escada. Chegamos ao andar de
cima em um tipo de varanda para a área da piscina. Imaginei
como seria uma festa naquele lugar.
- Eu gosto de amarelo.
Encarei-a curiosa.
- Sério?
- Lauren, tudo está bom pra mim, contanto que você venha
incluída no pacote.
***
- Não... Caia...
- Não caí.
- Quase caiu...
- Então... "Quase."
- Ok. Vamos logo. Seus pais e seus irmãos já devem estar nos
esperando.
Recolhi meu prato e meu copo, levando-os até a pia que
ficava naquele mesmo balcão e comecei a lavá-los, parecendo
distraída. Não a encarei outra vez, e ela não voltou a falar.
Terminei de limpar as coisas, calcei minhas pantufas rosa
chiclete e subi para o quarto, apressando-a a fazer o mesmo e
trazer as malas quando subisse.
- Assim como?
***
- Oliver...
- Camilita!
- Meu Deus! Mila, será que ela vai assumir que é uma panda
albina?
- Como é?
Lauren havia, assim como a irmã, aparecido em uma
fumacinha mágica.
- O...k...
Olhei para ela, já com vontade de rir, mas notei que seu rosto
realmente tinha um tom esverdeado.
- Bom, se ela é louca, eu não sou. Você tem que parar com
essa neurose, e estou falando sério. Eu sei dizer o que é
perigoso ou não, e da mesma forma que você não colocaria
nossa filha em risco, eu também não faria isso. Não sou
incapaz de tomar conta de mim mesma, e seu exagero soa
como desconfiança.
- Porra, mãe!
***
Nada aconteceu.
Era fofo que ela gostasse de Lauren e tudo mais, mas porra!
Era EU quem a carregava para cima e para baixo. Era EU
quem estava cedendo espaço no meu corpo para que ela se
formasse. Seria bacana se ela gostasse de mim também,
não? 1
***
- E então?
- Jura?
- Juro.
- O que é então?
- Não!
- Tem certeza?
- Claro que tenho, amor!
- Vou ligar pra Taylor. Posso pelo menos levar vocês até lá?
***
- Pode deixar.
- Tenho sim.
- Como é?
- Ah, já achei alguma coisa que é a sua cara. Que sem graça.
- Vamos levar.
- Quanto é? - Perguntei.
- Não faço idéia. Mas ficou lindo em você, temos que levar.
- Por quê?
- Porque o cartão de crédito que eu tenho é da Lauren.
- Experimente.
- Prometo.
Peguei a peça das mãos dela e caminhei mais uma vez para
os provadores, trocando as roupas e me enfiando dentro do
vestido. Me olhei no espelho de má vontade, mas nem isso foi
o suficiente para tirar a beleza dele. Eu parecia um tipo de
princesa medieval. As mangas finas se ajustavam
perfeitamente aos meus braços e a parte folgada disfarçava
completamente minha barriga um pouco crescida. Me
surpreendi ao notar que minha cintura, ainda assim,
continuava destacada.
- Sim, sim... Mas esse vestido parece ter sido feito pra você...
Você está... Linda.
***
- Fale por si só. Não sou fresca como você, posso carregar
umas bolsas de vez em quando. - Taylor replicou, mas fez
cara de alívio quando teve as mãos livres.
Congelei.
***
- Claro.
A verdade era que aquela não era uma festa com o intuito
baderneiro que Chris queria. Ninguém ia encher a cara e
vomitar no sofá, ninguém ia pular pelado no chafariz, e
ninguém ia dançar loucamente na pista de dança. Aquela
festa era para pessoas sérias demais, donos de negócios e
empresários comportados. Até mesmo Mike e Clara eram
mais jovens que a esmagadora maioria dos convidados ali
presentes, e pessoas da minha idade eram praticamente
inexistentes.
- Ei, Lauren.
- Oi, Jonathan.
O que ouvi não foi muito, mas foi o suficiente para me atingir.
- ...só estou aqui pra dar o recado: Ela está sozinha de novo...
Acho que não deu certo com o outro cara. De qualquer forma,
ela veio passar algumas semanas em Londres, e depois volta
pro Texas. Eu disse que vinha pra festa do Mike e ela
imaginou que você estaria aqui. Ela me pediu pra te dizer que
está muito arrependida, e que vocês podiam voltar juntas
pros Estados Unidos. Disse que estava com saudades e não
sei mais o quê. 1
- Ainda acho que ela não merece o seu perdão, mas Beatrice
continua sendo minha prima. E eu disse que falaria com você,
mas vi que você está bem agora. De qualquer forma, o recado
está dado. 1
Capítulo 21
Pov Lauren1
- Nada!
- Prometo.
Ela soltou minha mão e sumiu no escuro. Rezei para que ela
não desse com os dentes em alguma pedra e acabasse tendo
que ir parar em um hospital. Antes de tudo ficar em silêncio
outra vez, ouvi alguns palavrões proferidos com ódio. Era
possível que ela tivesse chutado alguns tocos de madeira ou
escorregado.
- QUE PORRA...
- Não era pra ser assim! - Ela começou, quase chorando - Isso
tinha que ser perfeito! Mas está dando tudo errado! Chris está
certo, eu sou uma covarde... Eu preciso aprender a fazer isso
sóbria... Me desculpa por estragar essa noite, mas eu te disse
que você saberia depois da festa...
- Estou... Tentando...
***
Era estranho como meu corpo não sentia a falta de descanso.
Eu não tinha dormido bem, já que a noite havia sido recheada
de pensamentos sobre o meu casamento e o quão irreal
aquilo parecia ser. Por isso, era de se esperar que eu
acordasse tarde - no mínimo, depois de Lauren. Mas lá estava
eu, com os olhos arregalados às 6:15h da manhã, encarando
sua expressão tranquila e hipnotizada pelo movimento do seu
peito de inspirar e expirar.
- Antes disso...
- Ok.
Ela riu sem muita vontade da própria piada. Eu teria rido para
encorajá-la, mas meu coração ainda estava parado na mesma
batida, por isso tudo que fiz foi continuar encarando-a sem
reação alguma. Ela engoliu em seco e seu sorriso
desapareceu.
- Por favor... Por favor, diga que sim. - Ela falou outra vez, e o
tom levemente desesperado em sua voz me fez reagir.
- Mas...
- PORRA!
- Alô!
- Oi... Mila?
Assim que calei a boca, senti receio de ter sido grosseira pelo
tom que usei com ela. Para minha alegria, Taylor não pareceu
se chatear.
- Ok...
***
- O que houve?
- Quantas vezes por dia posso dizer que te amo sem você me
achar um saco? - Perguntei encostando nossos lábios sem
fazer força. Ela riu, me trazendo para cima do seu colo.
- Amor... Vou te contar uma coisa que talvez ainda não tenha
ficado clara: Você me excita pra caralho.1
***
- Obrigada.
***
- Da decoração.
Olhei para Lauren apenas para ter certeza que aquela escolha
não a havia desagradado.
- Por quê?
Ela a ignorou.
- Por que você pergunta isso se sabe que pode? - Ela riu
contra minha orelha.
- Você vai chamar aquele seu amigo? Jonathan?
- Não.
- Você ainda sente alguma coisa por ela? Por favor, se sentir...
Pode falar.
- A minha vadia.
- A sua...?
- Eu... Queria...
***
- De acordo.
- E você realmente acha que eu não sei qual flor vai estar no
seu buquê? - Ela perguntou, divertida, enquanto enrolava
uma mecha do meu cabelo no seu indicador.
- Ei!
- Lo, estou com fome. Faz um sanduíche pra mim? - Pedi, com
cara de abandono.
- Claro, amor! - Ela consentiu, já se levantando - Quer um
sanduíche de quê?
- Taylor! O vestido!
Diante dos protestos dos dois últimos por não serem os noivos
e, por isso, poderem continuar ali, Taylor deixou claro que a
presença de qualquer homem à minha volta estava proibida.
Eles obedeceram mal humorados, indo embora com Lauren.
***
Pov Camila
- Não!
- Também quero ser uma surpresa pra você no dia. - Ela falou
com um sorriso no rosto enquanto me abraçava.
- Você não vai ficar sozinha. Vai ficar com a minha mãe e a
minha irmã.
- Ah, acho que ela chegou. - Ela disse, segurando minha mão
e me levando para o hall de entrada.
- Mas essa casa fica a cada dia mais linda! - Clara falou,
aparecendo tão de repente quanto Chris e indo abraçar Ally e
Marcel.
***
- Sim. - Menti. Ela não precisava saber que meus olhos não
haviam sido pregados nem mesmo por dez minutos, mas eu
tinha certeza que o tom de roxo nas minhas pálpebras
deixavam esse fato bastante óbvio.
- Por quê?
- Para com isso, idiota. Não está vendo que ela está nervosa?
- Taylor falou em um tom de reprovação.
Por algum motivo, aquilo me fez rir e falar pela primeira vez
em muito tempo:
- Ela pode beber, mas não vai passar a noite com uma garota
de programa.
- Ah, tem sim. Não sei quantas doses de qualquer coisa o seu
irmão vai fazer você beber, e não sei onde vocês vão. Mas só
quero que você se lembre de mim.
Ela disse isso com sua voz sedutora e carinhosa, como uma
gata mansa, e eu me senti um pouco instável.
- Certo. - Falei, ainda contra sua boca - Vou fingir que você
não está tão cheirosa e linda, e que não vai servir de isca pra
vadias solteiras.
- Hmmm...
- Duas, eu acho...
- Você está bêbada. - Falei contra sua boca, passando um
braço em volta do seu pescoço.
Pela primeira vez, olhei para suas mãos e notei que elas não
estavam vazias. Nelas, havia uma caixa branca de veludo
aberta, mostrando um par de brincos em forma de gotas.
Pareciam feitos de vidro. Eram belíssimos, delicados e de
aparência incrivelmente valiosa.
- Só isso?
- São lindos...
***
Tentei ficar de pé outra vez, feliz por não sentir mais aquela
tontura inicial. Andei o mais rápido que pude para o banheiro,
escovando os dentes sem sequer me olhar no espelho e
entrando dentro do chuveiro de uma vez.
- Mila, respira.
- Tem certeza?
Era bom que Taylor estivesse ali. Se não fosse por ela, eu
provavelmente acabaria chorando em um cantinho, ainda
enrolada na toalha. Eu não sabia se ela já tinha tudo
esquematizado e cronometrado dentro da cabeça, mas sua
expressão de dona da situação foi o suficiente para me
acalmar um pouco.
Do meu casamento.
Com ela.
- ... seu cabelo já é liso por si só, mas vamos passar uma
escova e..
- ... o que você acha desses pontos de luz? Acho que vão
combinar com...
- ... unhas em tom claro, certo? Não acho que combine outra
cor aqui, porque...
- Claro.
Me pediram para olhar para cima, olhar para baixo, fazer bico,
inclinar o pescoço, abaixar a cabeça, fechar e abrir os olhos,
estender as mãos e separar os dedos. Falaram comigo
durante toda aquela tarde, e tudo que fiz, além de obedecer,
foi responder coisas como "sim," "aham" e "é." Taylor
aparecia de dez em dez minutos, cada vez mais produzida e
maquiada, fazendo cara de "está ficando bonita" para mim, e
eu sorria para ela puramente por reflexo.
- Ei, você tem que se focar aqui. Se ficar muito nervosa vamos
ter que parar pra cuidar de você. - Ela começou de maneira
muito séria, e desejei não ser uma grávida frouxa e inútil.
- Eu sei...
Era óbvio que existiam noivas muitos mais bonitas do que eu,
mas mesmo assim o elogio de Taylor surtiu efeito, trazendo
algo dentro de mim que eu não lembrava existir: Eu senti
amor próprio, senti minha auto-estima ser tocada de alguma
forma, mesmo que discretamente.
Quem iria me levar até o altar? Por que eu não havia pensado
naquilo antes?
- Oliver... Quem...
***
Cheguei à frente do jardim da casa de Clara e Michael no
carro que Oliver dirigia. A cerimônia seria nos fundos, perto
do chafariz, por isso não havia perigo em ser vista por
ninguém: Todos já estavam em seus lugares.
- Só se você quiser.
Ainda não... Que eu não acorde agora, ainda não... Por favor...
***
- Sua esposa estava bêbada, tenho certeza que ela não fez
por mal. Além do mais, deve ser muito difícil se controlar
perto de você.
- Acho que você é mesmo a coisa mais linda que eu já vi. - Ela
disse com uma voz sexy, passando o indicador pela linha do
meu queixo.
- Ainda bem que não foi a mama que veio chamar vocês aqui.
- Chris disse, saindo de trás de um arbusto e rindo feito uma
criança - Ela ficaria constrangida.
- Ei, só vim chamar vocês pra algumas fotos. Podem voltar pro
matinho depois.
- Oi...
Sorri sem abrir os olhos. Poucas coisas eram tão boas quanto
ouvir sua voz de repente ao pé do meu ouvido.
- Oi.
- Foi...
- Isso é sério?
- Não acredito que eu tive que esperar esse tempo todo pra
saber disso... - Ela pontuou com um sorriso no rosto,
infiltrando os dedos por baixo da minha trança outra vez e me
puxando mais para perto - Por que nunca me disse isso?
- Está com frio? - Ela perguntou, e notei que aquela não era
uma pergunta provocativa, mas sim verdadeiramente
ingênua.
- Aham.
Quando ela voltou a ficar de frente para mim, tudo que fez foi
me encarar por um longo tempo enquanto brincava com seus
dedos na minha nuca. Nós duas ficamos em silêncio, como se
não soubéssemos o que fazer a partir dali, ou como se não
precisássemos fazer nada mesmo.
Minha.
Eu não sabia por que tudo que ela dizia fazia com que eu me
derretesse, mas ouvi-la se referir à sua barriga daquela forma
definitivamente me deixou mais boba do que nunca. Quando
Camila virou de barriga para cima, fui tomada por uma
vontade imoral de agarrá-la e enchê-la de beijos, mas tudo
que fiz foi beijar sua barriga.
- De mim ou dela?
- Das duas.
- Quando ela nascer você não vai conseguir ficar longe dela.
Acha que eu não sei?
QUINTO MÊS
- Está nervosa?
- Não fique. - Falei, levando minha mão livre para a sua perna
- Vai dar tudo certo.
- Claro que sim. Não só o seu toque como a sua voz. Ela já
estabeleceu com você uma relação familiar, e vai reconhecê-
la quando ouvi-la falando com ela depois do nascimento
também.
- Isso é difícil dizer. Ela deve interagir mais com ela do que
você, estou certo?
Claro que ele estava certo. Ela também tinha seus momentos
de hipnose com sua própria barriga, mas eu simplesmente
não desgrudava dela. Eu admitia exagerar, mas como não me
importava com as piadas, nunca mudei de atitude.
- Mas não precisa ficar triste - Ele completou, me tirando dos
meus devaneios - Quando ela nascer, vocês duas terão um
vínculo muito forte, e acredite, único. Ela vai saber quem você
é, e vai amá-la da mesma forma.
Eu não sabia definir nada ali, mas sabia que tinha alguma
coisa se mexendo. Era como as ultrassonografias comuns, em
preto e branco, mostrando apenas uma imagem achatada de
alguma coisa que provavelmente era a minha filha.
- Eu não consigo ver direito... - Falei um pouco baixo, me
inclinando para perto dela enquanto tentava definir o que
estava sendo mostrado na tv. Nesse momento, a massa
dinâmica em preto e branco se moveu levemente, mas o
suficiente para me fazer entender agora o que exatamente eu
estava encarando.
- Só mais um pouco...
- Como ela está? Ela está bem? Ela está perfeita? - Sua voz
saiu meio esganiçada, tentando soar em meio ao choro e
àquele turbilhão de emoções.
- Ok...
- Não... Eu posso?
- Sim.
- Ok...
***
Mais cedo naquele dia, nós tínhamos ido fazer compras para a
mudança no guarda-roupa de Camila, escolhendo peças que
coubessem nela. Agora estávamos no próximo estágio: As
roupas que vestiriam o que estava dentro daquela barriga.
Olhei para a peça de roupa que ela trazia nas mãos e larguei
a que eu segurava. Era um vestidinho de lã branco com
bordados, babados e flores coloridas. E era menor que o meu
antebraço.
- Tudo bem...
- Aqui está.
- Ah, obrigada...
- Não estou mentindo. Juro por Deus, você está uma delícia.
- Você vai ver. O tempo vai passar muito mais rápido assim. -
Ela continuou, agora se virando para Camila - Mila, sempre
que quiser mais uma companhia, pode me chamar. Estou
sempre por aqui.
SEXTO MÊS
- Bom dia. - Ela falou com sua voz mais rouca e sexy perto do
meu ouvido, sentada em cima dos meus quadris, ondulando
com o corpo ali de forma proposital. Eu, obviamente, já
estava dura como uma pedra: Ela havia me deixado naquele
estado sem que eu estivesse sequer consciente.
Mas aquele era o meu dia. E eu queria ser mimada por ela até
enjoar.
- Não quero fazer nada. Quero ficar aqui com você. - Repeti.
- Mas...
- Mas nada, sua teimosa! O aniversário é meu!
***
- Estou!
Olhei para seu rosto - porque até então meus olhos estavam
varrendo cada curva do corpo dela - e vi ali um olhar
provocante. Olhei de esguelha para a vasilha em cima do
criado mudo e depois voltei a encará-la, já sorrindo.
- Maravilhoso.
- Perfeito. - Respondi.
- Porra...
- Ssss... Amor...
- Sim?
- Posso tirar a venda? - Perguntei, sem me preocupar com o
fato de que estava completamente ofegante.
- Por favor...
- Não.
- Não.
- Caralh... Espera...
Eu queria pedir para que ela fosse mais devagar. Não queria
gozar tão rápido, e não queria fazer isso na boca dela. Mas eu
sequer conseguia pronunciar alguma palavra direito, e
quando quase voltei a pensar de forma coerente outra vez -
quando Camila parou de me chupar por alguns segundos -,
me dei conta de que a trégua havia acontecido unicamente
para que ela tivesse tempo de pegar a vasilha e derramar
mais daquela porra daquela calda fria em mim.
- Goza.
- Você vai me matar... - Falei com uma voz fraca, ainda muito
abalada pelo orgasmo recente.
Levei minha língua até o vale dos seus seios, lambendo ali o
líquido da maneira mais provocante que pude. Ela revirou os
olhos assim que sentiu minha língua entrando em contato
com a pele dela, e aquilo me deu mais vontade de continuar.
- Merda!
SÉTIMO MÊS
- Lolo?
- Que foi?
- Um pouco agitada. Mas acho que está bem. Mila está lá com
ela.
- Ótimo.
Aquela era uma ótima notícia. Era claro que tudo não passava
da intuição dela, mas a intuição dela não era como as outras
intuições femininas. Era quase como a de Taylor: Assustadora
e, até onde eu lembrava, confiável. E levando em conta que
essa ligação era bastante forte principalmente entre as duas,
eu já estava mais tranquila só de ouvi-la dizer aquilo.
Ficamos ali por um bom tempo sem fazer nada. Era irritante
não poder pegar um carro e correr ao encontro de Taylor, e
quanto mais o tempo passava, mais difícil era lembrar das
palavras reconfortantes da minha mãe.
- Chris, sua cara feia fez com que a foto do meu sobrinho
sumisse. Seu idiota! - Falei de bom humor em voz alta para
que ele me escutasse.
Minha mãe disse que ligaria outra vez, deixando claro seu
desejo de viajar para a França na próxima semana para
conhecer o neto pessoalmente. Eu sabia que aquele era o tipo
de coisa que faria com que meu pai desse um jeito de se
ausentar na empresa para acompanhá-la. E também sabia
que isso era uma ótima idéia, mas mesmo assim fiquei um
pouco preocupada. E não tinha nada a ver com o fato de que
eu passaria uma semana cuidando dos negócios do meu pai
na ausência dele, mas sim com o fato de que Camila não
poderia contar com a companhia da minha mãe. Eu sabia que
ela não ficaria completamente sozinha, mas ainda assim, era
um pouco preocupante.
***
Meu pai e Camila riram juntos, mas eu não achei graça. Aliás,
não estava gostando nada daquilo.
- Dá no mesmo.
- Não consigo entender por que o Juan não é normal nos seus
padrões, mas acho que o motivo pra sua pergunta é simples:
Porque ele é o único disponível.
Derrotada.
OITAVO MÊS
- Amanhã ele vai dar a primeira aula pra Mila. Eu vou estar lá.
Assim nós decidimos melhor as coisas. - Minha mãe falou
animada.
- Aproximadamente?
- Não.
Encarei Camz e notei que ela estava fazendo força para não
rir, escondendo a boca com a toalha.
Não que eu não confiasse dela. Era NELE que eu não confiava.
Ela estava emocionalmente abalada - e "hormonalmente"
também -, e homens sãos uns filhos da puta oportunistas e
espertos. Principalmente homens latinos, musculosos e
professores de hidroginástica.
- Senhora Jauregui!
- Sim senhora.
Quase estuprando-a.
- Você chegou cedo! - Ela falou como uma menina feliz, mas
pela primeira vez eu não estava olhando para ela. Estava
olhando para o maldito latino.
Ele era loiro. Loiro e bronzeado. E tinha olhos verdes também.
E tinha uma argola de cigano, ou qualquer porra assim, em
uma das orelhas. Era também mais alto que eu, e era
musculoso. E tinha, no máximo, 30 anos. E parecia um
modelo saído da capa de uma revista de boa forma.
O desgraçado.
Ela falou pra caralho. Falou sobre o que fez, sobre o que
deixou de fazer, sobre a lista de compras, sobre algum enfeite
de louça que ela tinha quebrado acidentalmente, se
desculpou pelo menos três vezes por isso e falou sobre o seu
horário. Ela falou tanto que o maldito latino teve tempo de se
trocar e sair do vestiário já completamente vestido.
Ao vê-lo caminhar, a empregada parou de falar outra vez para
admirá-lo.
- Obrigada...
- Por que não está usando o maiô que eu comprei pra você? -
Perguntei, entrando no aposento novamente enquanto
tentava disfarçar o tom de mágoa na voz. Ela ainda estava
dentro da piscina, perto da borda, ao lado da escada.
- Ah, sim. Ele é verde fluorescente. Talvez seja por ISSO que
eu não estou usando.
- Nem tudo.
- Não...
- Essa porra tinha que estar com dois nós cegos... - Comecei
contra o seu ouvido em um tom de bronca, mas aquilo
pareceu animá-la ainda mais. Deslizei as mãos entre as suas
pernas e comecei a brincar com meus dedos ali.
Com uma das mãos, puxei o laço que mantinha nela a parte
de cima do biquini, e o tomara-que-caia caiu na água de uma
única vez. Passeei as mãos pelo corpo dela como sempre
fazia, porque sabia que ela gostava e porque eu gostava de
reconhecê-la com o tato também. Segurei seus cabelos e a
puxei delicadamente, virando sua cabeça de forma que
conseguisse beijá-la. Ela suspirou, retribuindo meu beijo e
rebolando como podia em mim. Entendi que aquilo era um
claro sinal de "me coma com força," mas ela sabia que eu não
faria aquilo. Não com força.
- Não...
- Temos que fazer isso mais vezes aqui. - Falei em uma voz
baixa.
Ela sorriu, se virando para mim de uma vez.
- Eu duvido muito.
- Por quê?
- Por que ele é comprometido.
Revirei os olhos.
- Namorado?
- Precisamente.
Mais silêncio.
- Você é exagerada.
- Mas estou falando isso pro seu bem. Você tem que relaxar.
Tem que confiar mais em mim. E tem que saber lidar com a
possibilidade de me perder, de um jeito ou de outro. Mesmo
que eu te garanta que isso não vai acontecer pela minha
vontade. Mas todo mundo pode perder alguém.1
- Depende só de você.
***
Nossas visitas ao obstetra começaram a ser quinzenais. E
assim como nas outras visitas o médico seguia sempre o
mesmo roteiro: Media a pressão de Camila, checava seu peso
e escutava o coração da nossa filha. Perguntava sobre os
sintomas, dores, exercícios e alimentação. E sempre no final
da consulta, para a minha tranquilidade, ele repetia a mesma
coisa: Tudo estava correndo como o esperado.
E os dias passaram.
NONO MÊS
- Não. Não temos que ir pro hospital. Só estou dizendo que ela
não para quieta.
Suspirei aliviada.
Mas tudo bem. Era por um bem maior. Depois que a nossa
filha nascesse, eu tiraria o atraso.
- Não, continua!
- Não muito.
- Era.
- Lauren...
- Mais ou menos...
- Mais ou menos?
- Melhor? - Perguntei.
- Não.
- Pior?
- Ainda é suportável.
- Alô?
Capítulo 24
Pov Lauren
"Seja normal."
- Somos.
Tudo que tivemos que fazer foi andar por um longo corredor -
Camila na cadeira de rodas, eu (com um formulário nas mãos)
e a recepcionista caminhando -, entrar em um elevador e
chegar a uma sala verde-bebê enjoativo. E mesmo sendo tudo
o que tivemos que fazer, a coisa toda pareceu demorar mais
do que tinha que demorar.
- Quê? Não...
- Ótima hora pra fazer isso. Volte daqui a uns quinze minutos,
ok?
- Mas...
***
- Sim?
- O Dr. Lewis pediu para mantê-la por mais algum tempo aqui
fora.
Ele suspirou.
- Não, não tem. Temos que fazer logo pra que sua filha
sobreviva.
Minha voz saiu abafada, quase baixa demais para ser ouvida.
Eu estava incrédula, incapaz de aceitar que aquilo tivesse se
transformado em um pesadelo daquela magnitude. Tudo
estava acontecendo rápido demais, e minha cabeça, ainda
trabalhando de forma lenta, não conseguia acompanhar. Meu
peito começou a doer, uma dor abstrata mas muito real. O
medo de perder minha filha sem sequer tê-la visto uma única
vez estava me corroendo, me matando. E, somado a isso, a
minha impotência diante daquela situação era esmagadora.
- É lóg... É lógico!
- Então, a partir de agora, recomponha-se. Sua esposa não
pode ficar mais nervosa. Você precisa estar calma ao lado
dela, precisa tranquilizá-la. Ela não sabe o que está
acontecendo.
- Sim.
- Nós vamos ficar aqui. - Meu pai disse - Vai dar tudo certo.
Me dei conta então de que o que eu achava ser uma sala era,
na verdade, um outro corredor. Um corredor menos comprido
e mais fino, com apenas duas portas à direita e uma à
esquerda. Quando estava pronta para me dar como perdida
ali, o homem que antes havia me impedido de ver Camila saiu
de uma das portas à direita e me entregou roupas verdes,
dobradas e limpas.
- Está tudo bem? - Falei muito baixo, perto do seu ouvido. Ela
apenas sorriu e piscou, muito lentamente, assentindo
vagamente com a cabeça.
- Vamos logo... - Ouvi o Dr. Lewis dizer outra vez, e sua voz
tinha um tom de urgência. Não era pressa, mas sim algo
mais, em um tom bastante baixo. Talvez propositalmente
baixo. - Está sangrando muito...
- Rápido!
- A pressão dela!
- Vamos rápido!
Se tratava de Camila.
- Senhora...
Sacudi suas mãos para longe outra vez e dei meia volta, indo
para o outro lado do corredor. Eu não podia fazer nada para
voltar, mas se aquela era a menor distância que eu teria da
minha mulher, eu aceitaria.
Eu PRECISO dela.
- Lauren...
- Eu PRECISO vê-la.
- Tudo bem.
- Ok. Obrigada...
- Espero que você consiga dormir. Sei que o dia não foi fácil.
Claro que cadeiras de hospitais não são muito confortáveis,
mas...
Como havia sido dito, ela estava dormindo. A cama era larga
e parecia confortável, até onde me era possível presumir.
Camila parecia calma, em um sonho tranquilo. Seus
batimentos e sua respiração estavam sendo monitorados por
aparelhos quase silenciosos atrás da cama, e aquilo fez com
que ela parecesse mais frágil do que nunca.
Ela tinha tubos finos no nariz e nas costas das mãos, e eu
sabia que era melhor não tocá-la. Mesmo assim, uma enorme
vontade de abraçá-la me atingiu como um soco, mas me
contive. Tudo que fiz então foi observá-la nos seus mínimos
detalhes, das suas pálpebras imóveis à intensidade da sua
respiração. Ela estava bem. Ela ficaria bem, e isso era o
suficiente.
***
- Senhorita?
- Hmppffff...
Eu não sabia direito para onde estava olhando, mas sabia que
o lugar era claro. Fiz uma força quase sobre-humana para
virar a cabeça, enfiando o rosto nos lençóis e quase
sufocando sem querer. Tinha um leve cheiro de farmácia.
- Eu sinto muito...
- Ok. Não vou a lugar nenhum. - Ela riu outra vez, deixando
claro que aquilo era uma tentativa de piada. E mesmo que
fosse uma piada sobre seu estado de saúde, o que a tornava
bastante sem graça, eu ri. Porque vê-la bem era maravilhoso.
***
- Acho que você está com sono. - Ela falou outra vez, não
conseguindo conter o largo sorriso no próprio rosto.
- Oi... - Falei meio sem jeito, fazendo força para não engasgar,
e mesmo baixo, o som da minha voz pareceu transformá-la.
Seu desinteresse se transformou em uma expressão de
curiosidade e total atenção, como se, naquele momento, ela
tivesse me reconhecido.
- Ah, então você sabe quem ela é! - Camila falou outra vez, e
ouvi um risinho animado atrás de mim. Provavelmente da
minha mãe - Você quer ir pro colo dela?
Era óbvio que eu não faria isso! Era mais fácil atear fogo nos
meus próprios olhos do que deixar que minha filha caísse.
Mas, e se ela se sentisse desconfortável no meu colo?
- Acho que ela vai parecer com você... - Respondi, mas não a
encarei. Meus olhos estavam fixos na nossa filha. Eu
simplesmente não conseguia deixar de admirá-la.
- Não, filha. Ela é uma cópia sua. Parece que estou vendo
você recém-nascida.
- Ela é perfeita...
Eu poderia ficar com ela nos braços para sempre, mas meus
pais também queriam tirar uma casquinha. Concordei em
ceder-lhes minha filha por alguns minutos, um pouco
contrariada por possivelmente atrapalhar seu sono.
Felizmente, ela não acordou. Tirei fotos deles para enviar à
Taylor (que, àquela altura, já havia me ligado mais de
cinquenta vezes) e conversei com o médico mais uma vez
sobre a saúde da minha filha e da minha mulher.
- O nome dela.
- E...?
***
Capítulo 25
Pov Camila
Ter Sophie agora me fazia sentir mais a falta dos meus pais, e
eu não sabia o motivo. Alguma parte de mim queria tê-los por
perto para mostrá-los a incrível obra de arte que eu havia
trazido ao mundo, e vê-los felizes com uma netinha linda que
eles jamais puderam ter. Queria também mostrá-los o
tamanho da minha felicidade, e como, na verdade, tudo
melhorou depois que Lauren apareceu na minha vida.
Era bom ter Clara e Mike sempre por perto. Era em momentos
onde minha tristeza órfã aumentava que eles faziam com que
eu me sentisse em casa, dentro de uma família, sem nunca
achar que aquilo era apenas gentileza. Eu realmente
pertencia àquela família, e isso era algo maravilhoso. Mais
maravilhoso ainda era saber que a minha filha, a pessoinha
que eu mais amava no mundo, fazia parte dela também.
Ela, por sua vez, não disfarçava sua mais nova obsessão, e
mesmo que passasse todo o tempo permitido do meu lado,
me mimando da forma que sabia fazer muito bem, era só
Sophie entrar em cena para que eu fosse imediatamente
esquecida e substituída por ela. Mas eu não ficava chateada.
Na verdade, sinceramente, achava aquilo adorável.
Ela deu um sorriso simples, mas muito largo, talvez não tendo
a intenção de ser provocante, enquanto ainda ninava com
paciência a nossa filha adormecida no colo. Era uma visão
interessante. Meus ovários estariam explodindo caso eu não
estivesse sentindo uma dor altamente anti-tesão.
***
- Divórcio, Lauren.
A primeira vez que tive que dar banho nela, implorei para que
Clara estivesse presente. Eu nunca havia feito aquilo, e nos
meus piores pesadelos Sophie se debatia toda molhada nas
minhas mãos, escorregava pelos meus dedos e se estatelava
no chão.
- Eu não sei...
- É...
- Está doendo?
- Está.
- Um bocado.
***
- Sei...
Lauren, por sua vez, só tinha olhos para a filha. Sempre que
chegava em casa - o que vinha acontecendo cada vez mais
tarde - a primeira coisa que ela fazia era correr pelos
aposentos em busca dela. Como estávamos frequentemente
juntas, eu era a primeira pessoa que ela via também, mas
sabia que toda aquela euforia e saudade borbulhante não
eram direcionadas a mim.
- Bom... Vai ser uma festa particular. Mas ei, nós temos que
comemorar!
- Por que está acordada? Já disse pra você parar com isso,
você tem chegado muito tarde e...
O mínimo necessário.
***
- Vai.
Ótimo. O pai dela iria. Ela não ousaria fazer alguma besteira
com o pai lá. Ela não ousaria fazer alguma besteira de forma
alguma, certo?
Parei instantaneamente.
***
Eu não sei por que, mas a impressão que eu tinha era de que
Lauren estava dando a entender que eu não sabia tomar
conta da nossa filha sem ela.
- Me desculpa...
E desligou.
- Voltei!
- Senti sua falta também. Já disse que não consigo dormir sem
você? - Ela falou, ainda muito próximo à minha boca. Meus
olhos ainda estavam fechados.
Ela piscou e sorriu para mim, mas por mais que parecesse
uma brincadeira eu estava convencida de que Lauren tinha
ficado chateada com as minhas palavras. O simples fato de
lembrar delas já provava isso.
- Não seja boba. Você sabe lidar com ela melhor do que
ninguém. E ela não gosta mais de mim.
- Você tem uma visão muito deturpada das coisas. Talvez não
note como ela fica quieta quando você brinca com o cabelo
dela, ou como ela olha pra você quando está mamando, ou
como ela gosta de sentir o cheiro da sua pele.
- Esse bicho vai ficar longe dela até que ela consiga sair
debaixo dele sozinha se precisar! - Falei meio nervosa, o que
fez com que Lauren risse ainda mais da minha cara.
- Por quê? Estou assim tão acabada? - Ela riu, ignorando meu
abraço oferecido e sentando no sofá, já me puxando para o
seu colo. Tirei o casaco das mãos dela e o joguei longe. Ela
não precisava se vestir, por mais fria que a noite estivesse.
- Vai...
- É. - Ela pontuou.
- Eu acho que seria bom me limpar...
- Ok.
Puta merda..
- Mas eu pensei...
- Acho que vou ter que te acordar de novo. - Ela falou com
uma voz estupidamente sexy, e no mesmo segundo sua mão
que antes brincava na minha barriga foi parar dentro da
minha calcinha.
- Tenho.
- Mas se machucar...
Meu Deus, como era bom estar com ela outra vez...
- Você está...
- Mamando. Estou.
- Que foi?
- Não é bom?
- É errado principalmente porque é bom!
- Mesmo?
- Que espaço?
- Por nada.
***
Aos três meses ela já sorria tanto que eu não entendia como
os músculos do seu rosto não ficavam cansados. Ela fazia isso
para qualquer um que resolvesse falar com ela, fosse Lauren,
eu, os avós, o pediatra ou alguém na rua. Era como se ela
simplesmente adorasse todo mundo.
- Hum... - Soltei.
- Não sei...
- Mas... Eu queria que olhos dela fossem iguais aos seus, não
queria que fossem verdes.
- Eu não ligo pra isso Lo, o importante é que nossa filha está
saudável, a cor dos olhos não importa.
***
Isso porque ela já era linda por si só, e essa minha opinião
não tinha nada a ver com o fato de eu ser mãe dela (o que,
consequentemente, me fazia achá-la linda de qualquer jeito).
Minha filha era um daqueles bebês de capa de revista, aquele
tipo de criança que parecia um anjo e que fazia com que os
outros sorrissem inconscientemente. Mas não havia como ser
diferente disso: Sendo praticamente uma xerox de Lauren,
era humanamente impossível ela não ser linda de doer.
- Mila!
- Taylor!
- Ele não ri pra mim. - Clara parecia meio triste - Nunca sorriu.
Estou quase me fantasiando de Papai Noel pra tentar de
alguma forma...
- Pois é. Mas ele nunca mostra o sorriso que tem. Acho que é
por isso que quando isso acontece todo mundo fica meio
abobalhado. Parece que ele consegue controlar o humor das
pessoas quando faz isso, sei lá.
- É, pois é.
***
Chris chegou no dia seguinte, agarrando todos os bebês que
encontrava pela frente. E como consequência de sua
personalidade meio explosiva, tanto Sophie quanto Jackson
foram imediatamente com a cara de Chris. Era inegável,
mesmo àquela altura, que ele sempre seria o tio favorito, não
havia como não se divertir com ele. Até eu me divertia com
ele.
***
- "Lin-da."
- "Eeeh iahhh."
Aos cinco meses Sophie era só bochechas e dobras. Seus
olhos estavam se diferenciando cada vez mais, o que a
tornava cada vez mais bela. Se antes ela sorria abertamente
para a sua outra mãe, agora eu jurava que podia ouvi-la
gargalhando das palhaçadas que ela fazia. Quando Lauren
apresentou o piano a ela, seu mundo pareceu se transformar.
A partir daí nenhum dia podia ser passado sem que ela
tocasse alguma coisa para ela. Como seus dedinhos ainda não
tinham força suficiente para apertar a tecla e tirar algum som
dela, ela se contentava em ouvir qualquer melodia que saísse
dos dedos da mãe, sentada no colo dela.
- Bebês... - Ri.
- "mii-my"
- "mommy"
- "miii-my"
Suspirei.
- Vocês.
- O que tem a gente?
- Ela teve um dia muito duro. Brincou mais do que podia. Não
exija mais nada dela. - Falei em tom de brincadeira, pegando-
a no colo e passando os dedos na sua cabecinha.
- Que estratégia?
- Deixá-la cansada. Assim ela dorme cedo. - Ela concluiu,
passando o indicador com leveza pela minha perna e me
olhando com cara de maníaca sexual - E assim a gente pode
ir dormir tarde. Sabe?
- Para!
- Quê?
- Para! Agora!
- Não! Para!
Me afastei dela à força, procurando minha calcinha em algum
lugar e vestindo-a.
- Nãããão...
Ela gargalhou.
- "Mommy"
- "Myyh"
- "Mommy."
- "Miiimy"
- Eu espero. - Concluí.
- "Mommy."
- ELA FALOU!
- Falou sim!
- Ela falou "mom- maa."
- É a mesma coisa!
- "momm-my."
- Prove.
- "Mommyyy."
***
***
Foi difícil nos despedir dela, mas sabíamos que Clara e Mike
cuidariam da nossa filha com toda a atenção e amor de que
ela precisava. Além do mais, ela simplesmente adorava os
avós.
Sempre estaria.
- Saudade dela.
- Sei.
Capítulo 26 (final)
Camila Pov
Sophie, como qualquer criança saudável, cresceu, graças a
Deus. Sim, porque por mais que bebês sejam fofos e lindos
quando ainda não fazem nada sozinhos, eles dão um certo
trabalho. E mesmo que nos arrependamos lá na frente por
termos torcido para que eles tivessem crescido logo, no fundo
sentimos uma alegria imensa por vê-los amadurecerem e se
transformarem em pessoinhas cheias de saúde e prontas para
conquistar o mundo.
Mas ela ainda não é uma adulta, nem uma adolescente. Está
longe disso. Sophie tem 6 anos, há precisamente dois dias.
Desisti de brigar.
Fiquei com medo. Por que Lauren teve que sair cedo num
domingo? Meu aniversário tinha alguma coisa a ver com
aquilo, ou seu sumiço repentino não passava de uma
coincidência?
- E as flores?
- Ah, é? - Provoquei-a.
- É.
- Não...
- Espera, Sophie...
- Não adianta. Ela não vai ouvir ninguém enquanto não pedir
desculpas pelo menos dez vezes pra Atena. - Emma falou
calmamente, rindo da situação.
Suspirei.
- Alô?
- Mãe!
- Mãe!
- Mãe!
- Mãe!
Ela riu.
- Por quê?
Congelei.
- Por quê?
- Por quê?
- Porque sim.
- Aaah...
- Lembro sim.
- E quais foram?
- Precisamente.
- Sim. Eu concordei.
- E você acha que a sua filha não vai querer vir junto? -
Perguntei esquecendo completamente de continuar puta com
ela.
- Mommy...1
-Mommy...
- Eu tô aqui atrás.
O cabelo não é.
- Porra, Atena!
- Mommy, eu tô de pijama.
- E qual o problema?
- Da escola.
- Como ele é?
- Bobo.
- Seis.
- Não, não pode. - Lauren falou, tentando não ser seca com a
filha - Você já é linda. Agora vamos limpar o que a Atena fez
no presente da mamãe.
***
Mas tenho que admitir que seu ciúme idiota me divertiu. Foi
impagável a cara que Lauren fez ao saber que a filha e o
amiguinho estavam brincando na casa da árvore, tendo Atena
como única companhia. Ela passou a festa inteira indo lá
oferecer brigadeiro aos dois, obviamente com o intuito de se
certificar que Jacob não estava molestando Sophie. Os pais do
menino, Graças a Deus, não notaram como minha esposa é
estranha.
Não importa.
Dessa vez, de gêmeos.
FIM.+