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MY SWEET PROSTITUTE (Camren G!

P)

SINOPSE: Lauren é uma mulher muito bonita que possui algo em


especial, que a faz diferente de todas as outras. Devido a um
problema durante a sua gestação, ela acabou nascendo com um
órgão sexual masculino, ou seja, Lauren é uma mulher intersexual.
Mas isso não fez diferença na vida dela, Lauren é uma grande
empresária que mexe com grandes negócios. Camila é uma
prostituta de luxo, que apesar de se sentir extremamente mal por
isso, não encontra uma saída para sair dessa vida. Então o destino
resolve unir essas duas pessoas, é elas começam a se aproximar.
Lauren sofreu uma grande decepção amorosa. E Camila não
acredita no amor. O que pode acontecer quando duas pessoas
unidas pela desesperança, se veem tão semelhantes atraídas?

Lauren Intersexual (Adaptação)

Capítulo 1
Pov Lauren 

- Merda. Preciso de sexo.16

Eram 22h. White Chicks havia acabado de passar na TV, e eu


começava a falar comigo mesma.

- Ótimo Lauren. Fique maluca e fale sozinha.14

Fazia seis semanas que eu não fazia sexo. Nos meus padrões,
esse era um tempo longo. No entanto, essa única vontade
que antes era constante na minha vida, atualmente também
estava decaindo na minha lista de prioridades. 5

- Bom, já vi que eu aguento seis semanas sem sexo. Mas mais


do que isso também não dá, eu não sou de ferro.1
Vesti um jeans, uma blusa preta e minha jaqueta de couro.
Segui no meu Porsche Cayenne para o lugar onde durante
meses eu me sentia quente e aconchegada quando procurava
uma mulher. 2

A rua estava deserta e silenciosa como sempre. Um pequeno


letreiro rosa-neon muito discreto brilhava em cima de uma
porta bem ornamentada. The Hills2

Entrei no local sem bater. Era familiar, eu já havia estado ali


milhares de vezes. Um ambiente escuro, decorado em
madeira, abrigava homens de classe alta e mulheres lindas e
bem vestidas. Grande parte dos clientes eram senhores ditos
respeitosos fora daquele ambiente. A luz fraca era agradável,
deixando o lugar misterioso e quente. Músicas aleatórias, mas
sempre sensuais, ajudavam na ambientação do local. 2

O bar central acomodava duas meninas lindas que


preparavam drinks. Alguns homens puxavam assunto
enquanto elas faziam seus trabalhos. Aos cantos, muitos sofás
e mesas estavam ocupados por casais, uns mais discretos,
outros completamente sem pudor. 3

- Lauren! É mesmo você?

Me virei e vi um rosto conhecido.

- Olá, Chloe.1

- Por onde andou? Pensei que tivesse nos abandonado.4

- Estive fora por algum tempo. Problemas na empresa. -


Menti.5

- Vai ter que compensar os dias que ficou ausente então.2


Com uma piscada, Chloe me puxou para o bar, ordenando a
moça morena que me  servisse uma dose de Whisky.1

- Olá, Lauren! - Três garotas me cumprimentaram. Virei e vi


três beldades. Samantha, uma morena linda e muito pequena,
Selena, um pouco baixa e com traços latinos e Scarlet, uma
loira escultural. 1

- Oi, meninas. Como estão? 1

- Bem. Mas sentimos saudades suas. - Respondeu a loira, com


uma certa tara no olhar.90

- Esteve frequentando outros ambientes? - Samantha


perguntou.

- Não, eu estava viajando a trabalho. - Menti novamente. 6

Não queria falar que meu sumiço se dava à minha total falta
de vontade em fazer sexo, e que agora eu precisava tirar o
atraso.2

- Bom, você precisa relaxar então - Selena falou,


aproximando-se para me fazer uma massagem nos ombros.1

- As três estão livres, Lauren. - Disse Chloe, como se as


meninas não estivessem ali. Elas sorriram com malícia.7

Foi quando vi uma garota que, até então, nunca havia visto
no The Hills. Uma menina aparentemente normal. Cabelos
longos castanhos, pele bronzeada, traços latinos, um pouco
mais alta que Selena e parecia completamente deslocada. 2

- Chloe, quem é ela? 2

Ela e as meninas se viraram para olhar para o fundo do


salão.2
- Ah, quase tinha me esquecido! Aquela que você não
conhece, chegou há duas semanas. Chama-se Camila.10

Uma novata. 1

Era até estranho encontrar alguém naquele lugar a qual eu já


não havia pegado. Estive com todas, absolutamente todas as
mulheres que moravam no The Hills - inclusive Chloe, que não
se prostituía, apenas coordenava os negócios. 2

- Camila. Repeti seu nome, olhando-a com curiosidade.

- Ela é boa?4

- Bem, durante essas duas semanas, não vi nenhum cliente


insatisfeito. - Ela sorriu - Ela parece tímida e quieta, mas é
como dizem... As tímidas são as melhores na cama.4

- Hm... Ela está livre?1

- Claro, por isso ela ela está aqui embaixo. - Ela sorriu para
mim com simpatia e dispensou as três meninas que
acompanhavam nossa conversa com um aceno de mãos. Elas
se foram, e Chloe chamou Camila. A menina atendeu ao
chamado e veio em nossa direção. 

Ela vestia uma blusa preta de botão com mangas até os


pulsos, uma saia jeans apertada e curta, um cinto branco,
meia-calça preta e um sapato discreto de salto. Lembrava
vagamente uma rainha de rodeio. Elas não estava vulgar,
embora tudo nela fosse justo e curto. Ela estava
simplesmente bonita.3

- Camila... Quero que conheça uma antiga cliente nossa. Esta


é Lauren.1
- Olá - Disse a garota, sem o menor entusiasmo,
completamente diferente das três meninas que tinham
acabado de sair daqui.6

- Olá, Camila. Seu nome é tão lindo quanto você.  1

- Obrigada.

- Vejo que é nova por aqui.6

- Sim. Cheguei há umas duas semanas.

Notei que os olhos dela eram de um castanho diferente.


Pareciam feitos de chocolate cremoso, difícil explicar. Seu
corpo inteiro exalava um perfume suave e muito agradável.
No pescoço, pude notar alguns hematomas e marcas de
mordidas. Tentei não ficar olhando.7

- Esta gostando daqui?8

- Bom, é melhor do que a minha antiga vida, de qualquer


forma.- Ela falou um pouco distraída, olhando em volta. Seu
tom não era nada alegre. Parecia que ela simplesmente tinha
que aceitar a vida que levava. 1

Eu imaginava que nenhuma mulher gostaria de levar essa


vida. No entanto, as outras meninas do The Hills fingiam
gostar de tudo aquilo. Para mim, algumas sequer se sentiam
mal fazendo o que faziam. E no entanto, essa garota
simplesmente não se comportava como elas. Era muito fácil
perceber que Camila não era feliz.3

Chloe olhou-a com um olhar de reprovação, e ela se apressou


em se corrigir:5
- Mas ainda estou me acostumando, tenho certeza que daqui
a algum tempo tudo vai estar mais confortável para mim.
Todos aqui são muito gentis.5

- Tenho certeza que sim. - Falei, ainda encarando seus olhos


de chocolate. - Você está livre agora? Quero te provar.22

Ela se mexeu desconfortável, como se eu a tivesse xingado e


ela tivesse que aceitar o xingamento. 5

- Camila, Lauren é uma cavalheira. Tenho certeza que você


vai gostar muito dela. - Chloe disse, novamente com um olhar
fuzilante para a garota que agora assentia.3

- Claro. - Ela abaixou a cabeça - Estou livre. Eu vou... Vou para


o meu quarto. Me dê 10 minutos, estarei te esperando lá.
Terceira porta. Tudo bem?

- Claro, Camila. Estarei lá em 10 minutos. 2

Dito isso, a menina virou-se e subiu as escadas próximas a


parede a nossa esquerda, para o seu quarto. Eu a segui com
os olhos. Aquela seria a puta mais esquisita que eu comeria. 24

- Desculpe, querida. Camila ainda não se acostumou com tudo


isso.

- Tudo bem. Eu preciso de novidades.

Eu queria novidades.4

Fui ao The Hills aquela noite não esperando por uma novata,
mas sim por uma simples trepada. Mas o destino foi gentil
comigo, colocando Camila a minha disposição.

Ela era nova. Seria uma experiência nova. Eu não conhecia


aquela puta, e o desconhecido era excitante.2
- Depois dou meu veredicto sobre sua nova aquisição, Chloe. 9

Bebi a dose de Whisky e me afastei do bar, rumo ao quarto de


Camila.

Pov Camila

Mais uma noite no The Hills. Mais uma noite para eu me sentir
uma vadia. Mas aquilo era idiota de se dizer. Eu era uma
vadia. Uma vadia que agora se arrumava para sua próxima
cliente. A tal Lauren.5

- Bem, pelo menos ela é bonita. - Falei para mim mesma, mas
sabia que aquilo não funcionaria. - Ok, ok, não muda quase
nada. Mas vamos lá, finja que será ao menos um pouco
prazeroso.11

Não, o fato daquela cliente ser bonita não mudava porra


nenhuma. Eu continuaria oferecendo meu corpo a ela em
troca de dinheiro. Não seria menos suja por isso. Já havia
estado com clientes belíssimos antes, e nenhum deles me deu
o mínimo prazer.2

- Merda. - Eu continuava falando sozinha. - Por que ela tinha


que me ver?6

Todas as noites, quando eu descia, procurava andar sempre


nos cantos mais escuros, pedindo a Deus e a todos os santos
que  ninguém me notasse ali. Me vestia de uma forma nada
sensual e olhava sempre para baixo. Estar com homens e
mulheres, embora fosse meu trabalho e eu já deveria ter me
acostumado com isso há muito tempo, sempre era um
castigo. Eu precisava me sustentar, mas minha maldita
consciência insistia em fazer com que eu me sentisse
muitíssimo mal. 2

Mas lamentações não mudariam nada. Lauren havia, de


alguma forma, me visto. Mesmo rodeada de três lindas
meninas, ela se interessou por mim. Mais tarde fui saber que
ela era uma antiga cliente, então estava tudo explicado:
Provavelmente ela já havia se divertido com todas elas, e
agora queria carne fresca. O que diferenciava Lauren dos
outros clientes? Quase nada, a não ser por um detalhe: Ela
me olhou. Claro, muitos homens e mulheres haviam me
olhado, mas não como ela. Ela me olhou como se quisesse me
entender. Como se tentasse ler meus olhos, encontrar algo
dentro deles. E aquilo poderia não fazer o menor sentido, mas
o fato era que eu havia ficado um pouco desconfortável com o
jeito que ela me olhou. Enquanto me arrumava para recebe-la
em meu quarto, pensava em como seria esse novo castigo.2

Deitei na cama com um robe de seda vermelho e fiquei a sua


espera.1

Não demorou muito e a porta se abriu. A cliente havia entrado


no meu quarto, já tirando a jaqueta de couro e colocando-a
sobre uma cadeira após trancar a porta.

- Poderia pagar antes? - Perguntei de repente. Ela pareceu


surpresa.5

- Pagar antes? E se eu não ficar satisfeita? 1

- Você vai ficar satisfeita - Ela riu, ainda me encarando. 7

- Bom... Se por uma ironia do destino eu não ficar satisfeita,


posso ter meu dinheiro de volta então? 4
- Fechado. Mas isso não vai acontecer.9

Ela riu outra vez, tirando do bolso algumas notas e colocando


em cima da escrivaninha ao lado da cama.2

- Você é muito segura de si.1

Não respondi.1

- Muito bem. Como não nos conhecemos, temos que


esclarecer alguns pontos aqui. Eu sou intersexual.

Encarei-a um pouco confusa 1

- Como disse? 1

- Eu tenho um pênis. - Ela continuou - Agora que você já sabe,


você tem alguma objeção quanto ao sexo? 1

Fiquei surpresa sobre o fato dela ser intersexual, mas achei


interessante. Sobre eu ter alguma objeção na hora do sexo,
ninguém nunca havia me perguntado aquilo. Normalmente as
pessoas tentavam fazer qualquer coisa comigo, e só então,
quando eu negava, elas entendiam que eu não faria.1

- Eu não faço anal. - Falei um pouco baixo. 4

Ela arregalou os olhos

- Uma puta que não faz anal? Estava me referindo a coisas


como sadomasoquismo, bondage... Pra mim, qualquer puta
fazia anal.15

Corei violentamente. Embora eu fosse mesmo uma puta, não


gostava de ser chamada daquela forma.3

- Eu não faço...1
- Você é muito exigente. - Ela concluiu, não parecendo ter
ficado aborrecida. - Espero que saiba me recompensar por
isso.4

- Vou recompensa-la.3

Ficamos em silêncio por algum tempo. Ela olhou ao redor,


analisando a luminosidade e perguntando:

- Não acha que está muito escuro aqui? 1

- O abajur está ligado. - Apontei para o objeto ao meu lado


direito, que emitia uma luz fraca e amarelada.

- Mesmo assim, é muito escuro. Quero ver seu corpo.1

- Não vai querer ver meu corpo.1

Ela pareceu começar a perder a paciência. Talvez eu devesse


parar de discutir com os clientes.2

- Sim, Camila, eu quero ver seu corpo. 

Dizendo isso, ela alcançou o interruptor ao lado da porta e


acendeu a luz.

- Tudo bem - Concluí tristemente. Então ela se posicionou na


frente da cama, e eu sabia que essa era a hora de começar a
fazer algo. Fiquei de joelhos e fui engatinhando até ela.
Quando a alcancei, comecei a abrir seu zíper e já podia sentir
sua ereção. Abaixei suas calças, deixando a boxer branca
intacta.

- Tire o roupão. Já disse que quero ver o seu corpo.3

Merda. O quarto estava muito claro, e aquilo não seria nada


agradável. Hesitei um pouco, mas no fim cedi. Desfiz o nó que
prendia o robe no meu corpo e deixei o tecido fino cair em
cima da cama. Eu estava vestindo uma lingerie da mesma cor
do meu robe vermelho, um sutiã e uma calcinha ambos
pequenos, mas confortáveis. Eram até discretos, se
comparados com lingeries com furos em lugares específicos e
partes transparentes.

Não a encarei e continuei fazendo meu trabalho. Levantei em


meus joelhos para poder tirar-lhe a blusa e seu sutiã, então
depositei suaves beijos em seus seios. 

- Só te dão pessoas violentas?4

Merda. Ela tinha que falar? 

Meus hematomas já faziam parte de mim. Eu não lembrava


de qualquer época em que estivesse sem arranhões,
mordidas ou manchas roxas por toda a extensão do meu
corpo.8

- Me dão pessoas, mas a maioria homens.3

Embora eu só olhasse para os seios dela, eu sabia que ela me


encarava, analisando cada machucado no meu corpo.

- Minha pele é muito sensível. Quando fazem muita pressão


causa isso em mim. A marca de cada pessoa que eu me deito
fica aqui.4

Ela pegou meus pulsos, onde manchas roxas e vermelhas


desenhavam minha pele.

- Por isso usa roupas que escondam seu corpo?2

- Também. - Respondi meio seca.

Ela me fitou por mais um tempo.


Como o silêncio tornava-se cada vez mais desagradável, quis
terminar o assunto.

Lentamente, levei minhas mãos a sua cueca e a abaixei. Vi


seu pênis já completamente ereto, e pude notar que ela
estava mesmo precisando de uma aliviada.1

Foi nesse momento que notei que teria um certo desconforto


com aquela cliente. Grande parte dos homens com quem
havia estado até ali eram de estrutura normal. Algumas vezes
ficava com homens mais altos, e isso sempre indicava que
seus membros eram maiores do que os que eu estava
acostumada a sentir. Por esse motivo, e pelo fato de ser
pequena era comum sentir dor e desconforto na penetração.
Os homens sempre queriam enfiar tudo dentro, sem se
preocupar com as leis físicas relacionadas ao fato de que
objetos grandes simplesmente não cabem em lugares
pequenos. Lauren deveria ter 1,63. Pensei que pelo fato dela
ser interssexual seu pênis poderia ser pequeno, mas estava
completamente enganada. Seu pênis era maior do que os que
eu estava acostumada. Mas eu já havia passado por isso
algumas vezes, não era completamente desconhecido.
Envolvi seu pau com uma mão, já fazendo os movimentos
certos, e continuei acariciando com a outra mão e beijando
sua barriga.2

- Chupe.10

Ok, apressadinha. Abaixei minha cabeça e tomei seu pau na


boca, tomando cuidado com os dentes. Ela era um pouco
mais grossa do que o normal também, por isso tive que me
concentrar. Enquanto chupava devagar a cabeça, eu
continuava punhetando seu pênis. Ela agarrava meus cabelos,
murmurando coisas sem sentido. Seu pau era muito grande
também para a minha boca, e quando ela tentou pôr todo
dentro, fui pega de surpresa. Ainda assim, fiz com que minha
garganta relaxasse, e agradeci em silêncio por não engasgar.
Ela agora estocava com força, colocando toda a extensão do
seu pau dentro da minha boca. Fazia movimentos rápidos e
bruscos. Para manter o equilíbrio, envolvi meus braços nela e
a segurei por trás.5

Enquanto seus gemidos começavam a ficar mais altos, ela


agarrava com mais força meus cabelos e empurrava com
força minha cabeça contra seu corpo, de forma que pudesse
controlar minha boca ali. Não demoraria muito, e ela gozaria.
Dito e feito. O liquido quente começou a escorrer pela minha
garganta. Me concentrei novamente em deixá-la relaxada
para receber todo o gozo. Depois de algum tempo ela puxou
meus cabelos para trás e se retirou de mim.

- Sua boca é muito gostosa.

- Obrigada.
2

Sem dizer mais nada, ela abaixou até sua calça caída no chão
e de dentro do bolso, tirou um preservativo. Jogou a
embalagem em cima da cama, e sem cerimônias, tirou meu
sutiã e me deitou na cama, cobrindo-me com seu corpo.
Rapidamente levou sua boca a um dos meus seios, sugando-o
com delicadeza, o que estranhei. As pessoas com quem eu
me deitava normalmente não eram sutis, e sempre faziam
com que, ao final da relação, eu tivesse uma nova marca para
a coleção.3
- Estou machucando? - Ela perguntou.2

- Não.

- Então eu posso chupar com vontade? 1

Era estranho. Aquela pergunta indicava que ela não era


delicada normalmente, mas estava se esforçando a ser para
não me machucar. Aquilo definitivamente fugia dos padrões
dos clientes que eu atendia.2

- Sim. Eu já me acostumei, não sinto mais dor.1

Sem mais o mínimo cuidado, ela chupou com força meu seio
esquerdo enquanto uma de suas mãos apertava e beliscava o
direito. Sua outra mão deslizou para dentro da minha calcinha
e seus dedos começaram a me tocar. - No início devagar, mas
depois rápido, muito rápido. Senti dois dedos deslizando para
dentro de mim.1

Com o objetivo de estimula-la, prendi os meus dedos nos seus


cabelos e soltei alguns gemidos baixos e aleatórios. Mesmo
com todo o erotismo da situação, eu não sentia prazer. Nunca
senti prazer em nenhuma relação que tenha tido na vida,
porque era errado, era sujo. Era humilhante. Eu sabia que só
fazia aquilo por causa do dinheiro, e não porque meu corpo
queria. Mas vez ou outra lembrava que tinha um papel a
fazer, tinha que estimular e dar prazer aos meus clientes. Era
difícil lembrar, já que em todas as vezes que eu dava, fazia
questão de desligar meu cérebro e agir automaticamente. Eu
não sentia nada, não pensava em nada. Apenas fazia o que
sabia que tinha que fazer.3

Com o objetivo de adiantar aquilo, peguei o preservativo


jogado a minha direita na cama e abri. Ela notou meu
movimento, e embora eu achasse que fosse reclamar, ela
ficou de joelhos a minha frente, entre minhas pernas,
esperando para que eu encaixasse a camisinha no seu pênis.
Sentei na cama e o fiz, grata por saber que aquilo estava indo
rápido. Então ela se deitou em cima de mim novamente, e eu
a virei na cama, ficando agora sentada em cima da sua
cintura. Levantei na cama, ficando de pé, e removi a calcinha
enquanto ela me olhava deitada a minha frente, embaixo de
mim.2

Dei mais duas chupadas em seu pênis coberto, tomando


cuidado com os dentes, e sentei em seu pau, devagar,
tentando adapta-lo ao meu tamanho. Sentava e levantava
lentamente, tentando molda-lo a mim, mas seu pau era
mesmo muito grande. Como aquilo não estava funcionando,
não havia outra opção senão aceitar a dor.

Sem mais delongas, respirei fundo e sentei completamente


sobre ela, arrancando-lhe um gemido de prazer, o que
agradeci mentalmente por abafar meu próprio gemido de dor.

- Merda! Ela ofegou - Eu não caibo em você!6

- Vai caber. Só preciso de uns minutos.1

- Não vai caber nessa posição!1

Não respondi e continuei tentando moldar seu pau ao meu


corpo, levantando e sentando repetidas vezes em seu pênis.
Ela então me agarrou pela cintura, me virou na cama e se
retirando de mim.

- Fique de quatro.3
Obedeci, virando-me na cama e colocando minhas mãos e
meus joelhos no colchão, ficando em umas das posições que
eu considerava mais humilhantes.7

Ela se posicionou atrás de mim, de joelhos e me penetrou


devagar, testando para ver se conseguiria se mover melhor.
Para a minha surpresa, funcionou. Com algumas tentativas
ela já estava completamente dentro de mim. 1

- Achamos uma boa posição para nós duas. - Ela disse,


estocando levemente em mim.

Não respondi. Apenas esperava que aquilo acabasse logo.


Seus movimentos foram ficando mais agressivos e rápidos,
enquanto me segurava pela cintura. Eventualmente, suas
mãos apertavam com força meus quadris, mas logo em
seguida afrouxavam, como se ela lembrasse de que ali
ficariam as marcas dela.2

Suas mãos passeavam por toda a extensão das minhas


costas, indo parar em meus ombros e me segurando ali para
me penetrar com mais força.

- Caralho, Camila! Você é uma delícia!7

Ela começou a me penetrar com mais força do que antes,


com mais fúria, soltando gemidos a cada estocada. Quando
puxou meu quadril mais perto dela, fui pega de surpresa com
o que senti. Não pude deixar de gritar, porque eu não
esperava por aquilo. Ela não parou, ainda me penetrando com
força, como se aquele grito fizesse parte do ato.1

E a cada vez que ela estocava dentro de mim, eu sentia a


mesma coisa. Uma sensação muito forte quase explosiva.2
Ela não poderia ter descoberto meu ponto G, poderia? 3

- Ahhh! Ahhh! Ahhh! Lau... Ahhhh! Lauren! 

- Que foi?1

- Para! Pelo amor de Deus.1

Ela parou dentro de mim.

- Que foi? Machuquei você?

- Sim! - Menti. Não queria dizer a ela que estava sentindo


prazer pela primeira vez na vida.5

- Desculpa! - Ela disse, se retirando de mim e deitando de


barriga pra cima na cama, ao meu lado.

Eu respirava com dificuldade, de cabeça baixa, ainda naquela


posição. Algum tempo depois, me recompus e voltei a sentar
em cima dela.

- Acha que vai conseguir? - Ela perguntou - Não quer dar um


tempo sei lá....1

- Não. - Respondi. Sentei de uma vez em seu pau, e como


esperava, consegui fazê-lo sem dor.1

Querendo mais do que tudo que aquilo acabasse, comecei a


me movimentar rapidamente meu quadril, friccionando-o ao
dela, na tentativa de levá-la rapidamente ao segundo
orgasmo. Ela não parecia ter objeções, e segurando minha
cintura, me ajudou a cavalgar nela, movendo meu quadril
para cima e para baixo.1

- Isso...
Lembrei que precisava gemer para estimula-la, e o fiz. Ela
pareceu gostar, me agarrando com mais força e reforçando o
movimento em meus quadris. Me inclinei em sua direção,
minha boca próxima ao seu ouvido e sussurrei palavras sujas.
Elas a tiraram do sério, e ela finalmente gozou, gemendo mais
alto do que antes, ainda agarrada ao meu quadril. Fiquei
esperando que ela retomasse a consciência, deitada por cima
dela. Meu corpo, apenas úmido, repousava em cima do dela,
muito suado. Ainda que estivesse praticamente desidratando,
Lauren tinha um perfume maravilhoso. Parecia exalar do seu
próprio suor, porque eu não me lembrava do seu cheiro ser
tão potente antes de começarmos a transar.2

Lembrei que ela pediria o dinheiro de volta caso não estivesse


satisfeita com meu desempenho. E eu não podia perder
aquele maldito dinheiro depois de ser obrigada a trepar com
ela.  Levantei-me de seu pênis, retirando gentilmente a
camisinha, dando um nó e jogando na lixeira ao lado da
cama. Voltei a me colocar um pouco abaixo dela, entre suas
pernas. Ela me encarava meio bêbada pelo clímax recém
atingido, tentando adivinhar o que eu estaria fazendo. 2

Seus olhos verdes se arregalaram quando entendeu minhas


intenções, e no mesmo momento eu já estava chupando-a
novamente com força e com vontade. Seu pau estava mole,
mas não demorou a ficar duro feito pedra outra vez.
Segurando meus cabelos com gentileza, ela deixava que eu
seguisse meu ritmo. Mordi de leve a cabeça do seu pau,
arrancando-lhe gemidos fracos, lambendo toda a extensão e
chupando com força quando chegava a ponta. Pela terceira
vez, ela gozou. Esperei o líquido invadir minha boca, até a
última gota, então engoli tudo e me levantei.2
Peguei meu robe de seda vermelho amassado na ponta da
cama e me cobri.

- Meus 30 minutos acabaram?4

- Sim - Respondi, indo em direção ao banheiro para um bom


banho que tirasse aquele cheiro de sexo que me enjoava. Não
queria pensar no fato de que Lauren havia sido a primeira
mulher a me dar prazer em todos aqueles anos. Aquela
maldita, que teve a sorte de encontrar o ponto certo do meu
corpo!1

- Onde vai? - Ela perguntou.

- Eu pago por mais 30 minutos.3

Encarei-a com curiosidade.

- Por quê? Já não teve seus três orgasmos? Não está


satisfeita? 2

- Estou. Mas quero mais ainda. Fiquei muito tempo sem isso,
agora você vai ter que me ajudar a recuperar o tempo
perdido. E você é novata, estou te descobrindo. O corpo das
outras eu já conheço de olhos fechados. É legal te descobrir.2

Então ela sorriu. Um sorriso torto, quase triste, mas ainda


assim divertido. Um sorriso lindo. Encarei-a. De fato isso era
melhor do que dormir com mais um desconhecido. Eu não
teria que aguentar mais um estranho me tocando e metendo
em mim. Além do mais, ela tinha se mostrado mais delicada e
preocupada do que qualquer outra pessoa com quem eu
havia transado.4

- Certo - Concluí - Pague então.1


Ela levantou da cama, pegando mais um preservativo e sua
carteira dentro do bolso da calça que permanecia no chão.
Tirando o dinheiro e depositando em cima do bolo que já
estava na escrivaninha, jogou a carteira em cima da calça e
voltou a deitar-se, com a camisinha na mão.

Pov Lauren

Uma hora depois  eu estava no grande salão do andar de


baixo. Eram 23:50 e ainda havia muitos homens com
mulheres dançando e se acariciando. Chloe parecia um pouco
preocupada quando veio ao meu encontro, perto do bar. 1

- Lauren, querida! Estive te procurando! Então, como foi? 

- Não se preocupe, Chloe. Sua novata é muito boa.2

Vi uma expressão de alívio inconfundível em seu rosto.

- Ah, é o que dizem. Fico feliz que tenha ficado satisfeita.

- Bom, acho melhor ir pra casa. Amanhã eu acordo cedo.2

- Não quer experimentar outras? Ainda está tão cedo!3

- Não essa noite, Chloe. Amanhã eu volto.2

Despedi-me dela e fui embora. Entrei no meu Porsche


Cayenne rumo a minha casa, enquanto dirigia um pouco
distraída. Afinal, eu havia tido o que queria. Tirei um atraso
considerável com a mais nova garota do The Hills, e ela era
muito boa. Muito boa com a boca, principalmente. O que eu
nunca esperava era conseguir gozar cinco vezes em 1 hora. É
claro que eu deveria atribuir esse fato ao meu atraso, mas eu
já tinha passado por isso antes. E nunca, NUNCA tive tantos
orgasmos em uma única hora. A garota era mesmo boa.
Lembrei então dos hematomas espalhados por seu corpo.
Aquilo explicava a sua maneira de se vestir, que não deixava
a mostra quase parte alguma dela.1

De fato, ela era bronzeada mas era um bronzeado não muito


escuro, devia ser fácil criar manchas em sua pele, ainda mais
porque Camila parecia ser incrivelmente macia e sensível. E
ela era macia. Muito macia. E perfumada. Um perfume
diferente, mais suave que os das demais garotas. Lembrava
amêndoas, o que, num misto de loucura e confusão de
sentidos, combinava perfeitamente com seus olhos de
chocolate líquido. Tudo combinava estranhamente com
aquela garota, e a combinação dava água na boca. Chegando
em casa, tomei um banho prolongado e fui me deitar. Lembrei
dos acontecimentos da noite. De como foi bom ter um novo
corpo para poder explorar, e de como aquele corpo havia me
dado prazer. Lembrei de como, Camila tinha um ar de
inocência e graciosidade. Linda. Uma puta linda. Embora eu
não tivesse notado isso ao primeiro olhar, depois constatei
que a beleza dela aumentava com o nível de intimidade que
nós compartilhávamos. Sorri ao lembrar da sua arrogância
dizendo que ela me deixaria satisfeita, e que não aceitaria
sexo anal. Sorri porque ela era teimosa, como nenhuma das
outras eram. Todas eram submissas e estavam sempre
sorrindo quando eu pedia algo. Assentiam e faziam sem
contestar. Ela no entanto, ditava suas próprias regras. 2

- Uma gatinha brava - falei baixo comigo mesma. E já estava


pensando em como seria a próxima noite. E pensando na
próxima noite, adormeci.4
***

O dia passou como os outros: Sem objetivos, sem ânimo, sem


distrações. Cuidei dos negócios como me cabia cuidar, dando
ordens e assinando papéis. Foram doze horas de puro ócio e
vazio, até o relógio marcar 20h e eu sair da empresa
deixando alguns papéis ainda por assinar.3

Dei partida no Porsche Cayenne e fui direto para o The Hills,


onde mais uma noite me esperava.6

- Tive medo que você fosse desaparecer por mais seis


semanas. - Chloe veio me recepcionar assim que entrei no
lugar. Como na noite anterior, a iluminação fraca e a
decoração em madeira davam ao ambiente o mistério e o
calor que eu buscava.1

- Tenho que quitar o prejuízo que lhe dei durante esse tempo,
não é?... - Sorri, pegando minha dose de Whisky que acabara
de pedir no bar.

- Eu não ia exigir nada, mas se sua consciência diz pra fazer


isso... - Ela retribuiu o sorriso - Então, quem quer hoje? 2

- Estava pensando na garota de ontem, Camila. Ela está livre?


- Olhei em volta a sua procura.

- Vou procura-la pra você, querida. - E saiu.

Fiquei no bar, observando novamente os homens e as


mulheres e as putas em seus colos. Sentia um pouco de
vergonha por fazer parte daquilo, por agir também daquela
forma. Mas eu já havia tentado ser direita, ser correta. E uma
vadia resolveu partir meu coração...6

- Lauren?
Me virei e vi Camila, vestindo uma blusa comprida de gola
alta vermelha, um short curto, meia-calça preta e sapato
baixo. Ela definitivamente não parecia uma puta.2

- Boa noite, Camila. Está muito bonita hoje. - Seus cabelos


castanhos estavam presos de uma forma despreocupada na
nuca, não em um rabo de cavalo, mas sim em um coque que
deixava soltos vários fios rebeldes, que se moldavam aos
seus ombros. Era quase que um bagunçado proposital.

- Boa noite. Chloe disse que queria falar comigo.2

- Ah, sim. "Falar" não é o termo apropriado. - Sorri,


encarando-a. Como ela permaneceu em silêncio, continuei: -
Mas de qualquer forma, devo pergunta-la se você está livre
agora.

- Nesse momento? Uhum... Sim, estou livre. - Ela hesitou,


olhando para os lados. - Mas Chloe não contou? Há uma nova
menina aqui, chegou hoje.8

- Mesmo? - Olhei em volta, com pouco interesse.

- Achei que deveria avisar, já que gosta de... - Hesitou


novamente, limpando a garganta como se fosse falar algo
inapropriado - ... De descobrir as mulheres.

- Obrigada por me avisar. Vou tomar nota da nova garota


assim que estiver de saída. Tenho certeza que Chloe terá o
prazer em me apresentar ela. Mas hoje quero você. Ainda não
me sinto uma boa conhecedora do seu corpo.3

- Ah... - Ela se limitou a dizer, abaixando a cabeça. 2

- Então, vai me dar o prazer da sua companhia pelos próximos


30 minutos?2
- Tudo bem. Eu vou para o meu quarto... Vou estar esperando
lá. Suba em dez minutos.

- Dez minutos. - Assenti.

Dez longos minutos depois eu entrei em seu quarto e


encontrei-a exatamente como na noite anterior, com a
diferença de que dessa vez, ela vestia um robe preto. Passei
pela porta e tranquei.1

- Você fica bem de preto. É uma cor bastante atraente.2

- Obrigada.

Tirei o dinheiro da carteira para deposita-lo sobre a


escrivaninha.

- Não vai discutir sobre a satisfação e a devolução do


dinheiro?3

Ela estava mesmo me provocando? Camila? Me provocando?


Ela definitivamente não parecia ser desse tipo. Sorri com
gosto, resolvendo entrar no jogo.2

- Ah não, eu sei do que você é capaz. Mas devo avisa-la que


vou ser mais exigente dessa vez. Ontem fui gentil, já que
estava te descobrindo.1

- Eu consigo lidar com as exigências.1

Soltei uma risada sonora, e tive a impressão, embora não


estivesse certa, de que o canto dos lábios dela se crispou na
tentativa de conter um sorriso tímido.

- Ei, meu tempo já está correndo e você continua aí deitada.


Vou querer acréscimos depois.2
Ela veio para mim com aqueles olhos de chocolate profundos.
Eram olhos muito diferentes dos que eu via nas outras
meninas do The Hills, porque todas elas tinham olhos rasos,
como se não tivessem, história alguma por trás deles. Camila
tinha os olhos tão profundos que faziam com que você
quisesse mergulhar neles e descobrir o que quer que fosse
que eles tinham em esconder.

Ela alcançou meu zíper como na noite anterior, mas eu detive


suas mãos.

- Não. Quero você nua primeiro dessa vez.1

Fui me sentar na beirada da cama, não tirando os olhos dela.


Tirei a camisa e meu sutiã e apoiei meu corpo corpo em
minhas mãos, que repousavam no colchão atrás de mim.

Ela então virou-se de costas para mim e desfez o nó do robe


muito lentamente, até que ele deslizou suavemente por seus
ombros e caiu em cascata no chão, aos seus pés. Sua lingerie
era trabalhada em rendas, de muito bom gosto, onde se
misturavam tons de branco com rosa claro. 1

Meus sentidos começaram a se confundir, e eu tive a visão do


corpo de Camila, de uma tonalidade bronzeada. Seu perfume
pareceu intensificar-se quando seu robe caiu no chão,
levantando uma leve brisa. 1

Seu corpo era lindo, pequeno, com curvas perfeitas e porra...


A bunda dela era uma coisa de outro mundo. 3

Aquilo me estava excitando mais, muito mais do que o


normal. Ela era só uma puta tirando a roupa para mim, e eu
não deveria ficar tão entusiasmada, pegando fogo tremendo
de antecipação.3
Mas era isso que acontecia. Eu sentia meu corpo,
literalmente, tremer de vontade. E seus movimentos lentos é
desconcertantes me faziam querer que aquilo se prolongasse
o máximo possível, e ao mesmo tempo toma-la de uma vez,
no desespero de sentir seu gosto de amêndoas.

Seus hematomas continuavam a contrastar fortemente com o


tom da sua pele, mas eu já não os via.

Em um movimento suave e preciso, ela desprendeu os aros


que prendiam seu sutiã as costas. Removendo-o, pude ter a
visão de Camila, apenas de calcinha, de costas para mim,
com os cabelos presos no lindo coque que mantinha seus fios
perfeitamente desalinhados. Suas costas estavam expostas, e
ela agora brincava com a alça de sua calcinha.

Meu deus, as costas dela me excitavam! 2

-Tire. Ofeguei, sem me conter.

Esperava que ela tirasse por baixo, até seus pés, mas só
então notei que a calcinha que ela usava tinha fechos muitos
discretos nas alças laterais. Bastou um simples movimento
com os dedos para que a peça caísse no chão entre suas
pernas. 

E então, ela estava completamente nua. 

Linda.

- Vire-se... - Pedi.

Ela virou-se para mim, seu rosto com um misto de vergonha e


tensão.

Analisei-a dos pés a cabeça. Seus olhos cor de chocolate me


davam um certo tipo de fome. Seus lábios carnudos,
contrastavam com sua a cor de sua pele. Seu pescoço, cheio
de hematomas, era pouco coberto pelos fios de cabelo que
teimavam em sair do coque e caíam leves por seus ombros. 
Seus seios eram pequenos e pareciam ter uma consistência
mais cremosa que o resto do sei corpo, fazendo com que os
bicos parecessem de um tom castanho claro. A barriga era
perfeita. Ela estava completamente lisa: diferente na noite
anterior, onde uma fina penugem cobria-lhe um pouco a área
da virilha, hoje ela estava tão lisa que sua pele parecia
brilhar. Suas coxas eram da medida certa, mas ali os
hematomas eram mais visíveis.

Peguei-me ofegando apenas por olhar para aquela criatura. 1

- Camila...

- Sim? - Ela respondeu, ainda com a cabeça um pouco baixa.

- Venha aqui. Agora.3

Ela se moveu lentamente na minha direção e parou a minha


frente, ajoelhando-se no chão. Levou suas mãos ao meu zíper,
abrindo-o devagar e puxando minha calça para baixo,
juntamente com a boxer azul-marinho.

Eu queria disfarçar, mas meu tremor era violento. Me senti


envergonhada por aquilo, mas ela não pareceu notar. Sem
nenhum aviso, Camila pegou meu pau e o colocou na boca,
chupando-o com muita vontade.

Meus pulsos e cotovelos, antes aguentando meu peso sobre a


cama, tremiam demais agora. Como não seria capaz de ficar
naquela posição por muito mais tempo, me inclinei para
frente, sentando em um ângulo reto, com as mãos em sua
cabeça.
Ela não era como as outras, que tinham uma mania estranha
de me olharem enquanto chupavam meu pau. A cara de
prazer que elas faziam revirando os olhos era tão claramente
fake aquilo não me excitava nada.

Mas Camila não olhava para mim. Eu a via concentrada no


que estava fazendo. Ela não forçava a barra, simplesmente
queria me dar prazer.2

- ahhh....

- Está gostando? - Ela perguntou em um tom de quem


realmente tinha alguma dúvida. 4

- Você vai me matar de tesão...2

Ela continuou chupando meu pau com força, lambendo e


mordiscando com muita suavidade. 

- Camisinha, bolso esquerdo!

Camila parou e procurou o preservativo na calça amassada no


chão. Rasgou-o e foi rolando pela extensão do meu pênis.

- Senta em mim, Camila.2

Ela ficou de pé e colocou os joelhos na cama, um em cada


lado do meu corpo. Segurou meu pau em suas mãos e o
posicionou em sua entrada apertada, até que foi abaixando
lentamente, me envolvendo com sua boceta quente e
molhada. 

- Oh, meu Deus.

O cheiro de amêndoas se misturava com o perfume do


shampoo que ela usava. Sem conseguir raciocinar direito,
levei minha boca a um de seus seios e chupei com força. Com
as mãos em seus quadris, guiei seu corpo para baixo e para
cima, fazendo com que meu pau saísse brevemente dela. Ela
jogou seus braços em torno do meu pescoço, e eu posicionei
meu rosto em seus cabelos e orelha, enquanto a penetrava
com delicadeza. 1

Percebi que não conseguiria entrar totalmente nela se não


forçasse, assim como na noite anterior. 

- Camila, preciso te alargar... - Eu respirava com dificuldade. -


Fica de quatro pra mim, fica..

Ela obedeceu, levantando-se do meu colo e indo ficar na


posição que eu havia lhe pedido. Sem muitas cerimônias,
posicionei-me em sua entrada e penetrei-a novamente,
sentindo seu corpo mais uma vez, envolver o meu
lentamente. Fechei os olhos e me deixei saborear o momento.

- Isso... Isso.

Eu já havia conseguido entrar nela completamente, e


poderíamos voltar a posição anterior. Mas ela daquele jeito
era tão boa, porra...3

Me inclinei um pouco para a frente e alcancei minha mão


direita em seu clitóris, enquanto a esquerda permanecia em
seu quadril. Brinquei ali com os dedos, estimulando-a. Ela
gemia bem baixo. 1

- Quero ouvir você gemendo, minha linda...

- Hmm...

- Isso! Você não sabe como seus gemidos são agradáveis.3

E eram. Sua voz, tornava-se rouca quando ela gemia.


Esquecendo o fato que iria machuca-la penetrei-a com força
enquanto brincava com seu clitóris.

- Aiii!

- Desculpa!4

Merda! Eu devia ter lembrado! Ela era pequena!3

Fiz menção de me retirar de dentro dela, mas ela moveu seu


quadril para trás.

- Não! - Ouvi-a ofegar um pouco.2

Permaneci imóvel, um pouco confusa.

- Não o que? Silencio. - O que você quer, Camila? Não quero


te machucar mais! 

Ela parecia lutar com sua consciência, embora eu não


entendesse o porquê.3

- C-continue... Não... Só continue - Ela disse, abaixando o tom


de voz a cada palavra, sem levantar a cabeça.

Será mesmo que eu poderia continuar sem machuca-la? 

- Se doer, você me fala! 

Ela continuou calada. Comecei a penetra-la novamente, com


força. Na terceira estocada, a mais profunda, ela gritou outra
vez.

- Hmmmm!

- Não vou parar até você me dizer que eu estou te


machucando! - Falei, embora eu já estivesse diminuindo o
ritmo, com medo de estar machucando-a.

- Ahhhhhhhh! 
Eu não sabia se ela estava gostando ou sentindo dor.14

Ela levantou um pouco o quadril e se movimentou para trás,


em direção ao meu pau.2

- Ahhhh, isso! - Ouvi-a gemer baixinho.

Me convenci então de que os gritos eram de prazer.4

- Isso, Camila... Isso. Quer que eu meta mais forte? - E


dizendo isso, sem esperar uma resposta, meti nela com toda
força que pude.

- ISSO! - Ela respondeu, talvez inconscientemente. 1

- Isso... Assim... É gostoso né? - Dei outra estocada em sua


boceta.1

- Só continua!

- Cansei de conversar, Camila. Quero meter em você até


acabar contigo!7

E a partir daí, comecei a penetra-la com muita força e num


ritmo acelerado. Ela rebolava, gemia, agarrava-se aos lençóis.
Seu coque agora estava totalmente desfeito, e seus cabelos
caíam soltos sobre os lençóis embaixo dela.

- ahhhhhh!

Senti seu corpo tremer em espasmos, mas não parei. Meu


clímax estava quase chegando, eu precisava gozar agora!

Estoquei nela mais cinco vezes, e finalmente tive o orgasmo


que estava evitando durante toda aquela noite com Camila.

Apenas seu quadril estava levantado, seguro pelas minhas


mãos. Sua cabeça já estava jogada na cama, seu rosto
enfiado nos lençóis, ofegante. Os braços estavam também
jogados ao lado do corpo.

Abaixei seu quadril, encostando-o na cama, e repousei em


cima dela. Estava muito suada, e ela também. Respirei por
quatro minutos em seus cabelos, enquanto recuperava o
fôlego.3

- Você tinha razão. - Falei em seu ouvido. - Você sabe lidar


muito bem com exigências. 1

Ela murmurou algo que eu não entendi. - Posso usar o seu


banheiro? preciso de um banho.

- Pode... Ela respondeu baixinho.

Levantei-me, passando suavemente as mãos pelo seu corpo.

- Camila?

- Sim? 

- Que perfume você usa?

- Não uso perfume...7

Como assim não usa perfume? 

- Está me dizendo que você cheira naturalmente a amêndoas?


1

- Creme pra hematomas... De amêndoas... - Ela respondeu


contra o travesseiro, ainda muito baixo, como se estivesse
com vergonha de me encarar.1

Fitei-a por alguns segundos, sentindo pena daquela garota. Eu


não queria vê-la machucada. Não queria vê-la mal. Era
estranho, pois só havia estado com ela por duas noites, mas
eu sentia que começava a nutrir por Camila um sentimento de
proteção.6

- Bem... Seu cheiro é muito bom.3

E sem dizer mais nada, entrei no banheiro para uma ducha. 

Pov Camila

Eu ainda estava na cama, exatamente do jeito que Lauren


havia me deixado para ir tomar seu banho. O rosto ainda
estava enfiado nos lençóis, as mãos ainda agarrada ao
colchão. Eu ainda estava de bruços, imóvel.2

Por quê? Por que eu havia permitido aquilo? Por que havia
deixado com que ela tomasse posse do meu corpo tão
completamente? Meu corpo!

Pela primeira vez na vida eu sabia o que era um orgasmo.


Não sabia se tinha sido forte ou fraco, mas sabia que tinha
sido um. Mesmo sem nunca ter sentido antes.3

Porque, naquele momento, minha cabeça ficou extremamente


vazia, e eu experimentei um prazer fora dos limites da
consciência. Sim, definitivamente tinha sido um orgasmo.

O que eu ainda demorava a entender era como tinha


conseguido sentir prazer. E por que, meu Deus, por que
diabos eu havia  deixado que ela terminasse, que ela me
mostrasse de quais sensações meu corpo ainda carecia.1

- Porra! Porra, porra, porra!

Eu me xingava mentalmente, na mesma posição na cama. Me


xingava porque agora sabia que nem eu mesma me conhecia
completamente. Me xingava por permitir que uma cliente,
uma estranha, tivesse me mostrado aquilo. 
E me xingava principalmente porque eu sabia, seria
impossível colocar Lauren no nível de importância dos outros
clientes agora.4

A porta do banheiro se abriu lentamente e eu me endireitei o


mais rápido que pude. Fui deitar nos travesseiros, de costas
na cama, coberta pelo lençol. Ela saiu enxugando os cabelos
com a minha toalha.

- Desculpa, tive que usá-la. Você deveria colocar mais toalhas


no banheiro para os seus clientes...

-Ok, avise a Chloe para me comprar quinze toalhas por dia.10

Ela parou, me olhando, processando a informação.

- É verdade... - Concluiu. 

Esperei em silêncio.

- Você atende quinze clientes por noite?

- Não... Uns dez. - Respondi, meio a contragosto. 2

Por que estávamos conversando sobre aquilo? 

- Entendo... - Ela falou, pensando um pouco e fazendo uma


careta pra si mesma. - Bom, tenho que ir. Amanhã nos
falamos.4

E assim, sem dizer mais nada, saiu.1

***

Acordei na manhã seguinte com o sonho fresco na memória:


Lauren. Lençóis. Sexo e orgasmo. Dinheiro.4

- Ótimo. Minhas própria consciência contra mim.


- Levantei de mau humor. Tomei um banho, passei meu
creme para machucados e fui tomar café. Conversei por
algum tempo com algumas meninas, mas já estava
novamente no meu quarto, trancada, lendo.

Sentia-me protegida ali. Era meu castelo particular, meu


esconderijo. Embora gostasse da companhia e da conversa
das meninas e de Chloe, eu sempre passava maior parte do
meu tempo sozinha no quarto. Algumas garotas me achavam
anti-social.2

Eu não ligava.

Naquele dia, mais do que nunca, eu precisava ler. Sempre


gostei de livros porque eles sempre me levavam para uma
realidade alternativa. Uma ficção onde eu poderia vagar com
meus pensamentos até o limite da imaginação. Muitas vezes
me pegava imaginando meu próprio rosto nos personagens. E
sim, eu sempre me achava patética por isso.3

Mas naquele dia, eu não conseguia me concentrar nas


histórias.

Será que ela viria essa noite? "Amanhã nos falamos" ela
disse. Será que foi só por falar? Será que me escolheria outra
vez? Talvez escolhesse a garota nova. Talvez nem viesse.

Merda. Ela me fez gozar. Como ela fez isso? Merda!2

E dessa forma, o dia passou.

Metade do tempo eu me concentrava na história em minhas


mãos, mas a outra metade era sempre ocupada pelas
lembranças de Lauren, da noite anterior e a dúvida sobre o
que seria de hoje a noite.
As 21h eu desci para o salão, para o que seria mais uma noite
de trabalho desagradável. Mas aquela noite não seria como as
outras.1

Seria pior. Muito pior.7

Virei-me e vi um rapaz bonito, próximo aos 24 anos, falando


em uma voz gentil comigo. 4

- Olá.

- Como é seu nome? - Ele perguntou.

- Camila. Muito prazer. - Era mentira. Eu não sentia prazer


algum em conhecê-lo, porque sabia o que ele queria comigo.

- Lindo nome. Chame-me de Hardin.29

- Olá, Hardin.

- Tenho que te dizer que você é linda. Fico até espantado que
ninguém nessa espelunca ainda tenha te escolhido.

Sorri, um sorriso desanimado e falso.

- Então, já que está livre, poderíamos nos divertir um


pouquinho. O que acha? - Ele falou, colocando uma mecha de
cabelo atrás da minha orelha.5

Sorri o mesmo da outra vez.

- Claro, Hardin. Eu vou subir para o meu quarto, é o terceiro


do corredor. Me dê cinco minutos e suba, vou estar
esperando.2

- Mal posso esperar, Camila. - E sorriu, seus olhos malícia.

Cinco minutos depois, vi a porta se abrindo. Hardin entrou no


quarto e trancou a porta.
- Estou com muita, muita fome, Camila. Você vai ter algum
trabalho essa noite. Já falei com Chloe, pagarei o necessário. -
E dizendo isso, ele tirou um cheque da carteira, preenchendo-
o. - Você e minha essa noite.3

Aquilo significava que eu teria que transar somente com ele?


De certa forma, fiquei aliviada. Como sempre, era melhor do
que me deitar com várias pessoas.2

Por alguma razão, no entanto, eu me sentia ligeiramente


desanimada em saber que não poderia voltar para o salão
para um novo cliente.4

Ele depositou o cheque na escrivaninha e veio em minha


direção, tirando a blusa, e do bolso várias cartelas unidas de
preservativos.

A noite estava só começando.

Eram um pouco mais de 23h, já estávamos no nosso 5º round.


Hardin parecia nunca se cansar. Eu por outro lado, já não
aguentava mais aquele homem.2

Ele não era delicado. Dava ordens como quem fala com
criados, esperando ser atendido imediatamente. Quando eu
hesitava, ele prontamente me segurava com força e sem
pedir permissão, fazia o que tinha em mente. Mas ele não era
o único cliente assim: A maioria agia desse jeito. O problema
é que eu tinha outra pessoa em mente. Uma pessoa mais
delicada, mais preocupada. Alguém que tinha me
proporcionado, de alguma forma, prazer...
4

[ AVISO GATILHO FORTE ]


- Eu quero você por trás.14

Isso me fez acordar do meu piloto automático.

- Eu não faço anal. - Falei categoricamente.

- Como é? Claro que faz anal! Você é uma puta! 1

- Uma puta que não faz anal. Essa é a minha condição.

- Condição? Eu estou pagando, e eu quero te comer por trás!

Com violência, ele me virou na cama, afastando minhas


pernas com os joelhos e segurando minhas mãos as minhas
costas.

- Para com isso! Eu não quero! - Falei alto, tentando soar


ameaçadora. 

- Foda-se o que você quer! Eu quero! E eu vou te comer do


jeito que eu quiser! 3

- SOCORRO!

- Cala a boca, vadia! - Ele agarrou meus cabelos com força,


me causando uma dor aguda. 

- Me larga! SOCORRO!

Hardin então pegou sua camisa amassada de cima da cama


com uma das mãos, enquanto a outra ainda prendia meus
pulsos as minhas costas. Me largou por um momento, mas
logo me imobilizou, sentando-se em cima de mim. 

Ele puxou meus cabelos para trás, levantando minha cabeça,


e a próxima coisa que eu sabia era que estava amordaçada
com um pedaço de pano, que ia da minha boca até um nó
atrás da cabeça.11
Eu tentava gritar, mas meus gritos saiam abafados pelo
tecido.

Hardin agarrou meus pulsos outra vez e separou minhas


pernas. Eu me debatia em desespero. Não era possível, ele
não iria me obrigar a fazer aquilo! 

-Hhhmpppfff!!

Ele então me virou de barriga para cima. 

- Se você não colaborar, sua puta, eu juro por Deus que vai se
arrepender.

Tentei falar, mas o pano me impedia. 

- Vire-se de costas e fique de quatro. Agora. 

Não. Eu não ia ficar de quatro. Eu não ia deixar que ele fizesse


aquilo comigo. Tentei me desvencilhar dele, socando-lhe e
chutando o máximo que conseguia. Estava preparada para
sair correndo por aquela porta, completamente nua e
amordaçada, se preciso fosse. 

E então ele finalmente perdeu a paciência, me batendo com


força no rosto. 

Eu senti dor, mas mesmo assim continuei lutando com ele.

Hardin segurou minhas mãos em cima da cabeça, no


travesseiro, e me bateu novamente.

- Vou te ensinar a ser uma puta obediente!

E então ele me bateu de novo. E de novo. E de novo. Meu


rosto já estava em chamas, eu não tinhas forças para
competir com Hardin. Ele era extremamente forte. E me
bateu de novo. E outra vez. 2
O próximo golpe foi o mais forte do que o anterior. Por fim,
desisti de lutar. Ele continuava me batendo. Cada tapa virava
minha cabeça e eu não tinha forças para voltar a olha-lo.
Minhas lágrimas escorriam pelo rosto.1

Eu queria gritar, queria chorar e soca-lo até que o matasse.


Mas eu não podia.2

Eu estava presa. Indefesa.

Quando ele cansou de me bater no rosto, me virou de costas,


me forçando a ficar de quatro. Segurando meu quadril, guiou-
se para minha entrada de trás e meteu com força.

Eu senti uma dor intensa, e mais lágrimas brotaram dos meus


olhos. Aquele lugar não estava nem um pouco lubrificado,
mas Hardin não parecia se importar.

E então, meteu de novo, com mais força. E outra vez.


Repetidas vezes. E a cada vez, eu sentia a mesma coisa: Dor.
Dor. Muita dor. Mais dor.

As lágrimas surgiam silenciosamente em meus olhos a cada


estocada. Eu não acreditava que aquilo estava acontecendo.
Por favor, alguém arrombe essa porta! Por favor, por favor!
Pare de me machucar, por favor!5

Mas ele não parava, e continuava me batendo em todos os


lugares do meu corpo. Puxava meus cabelos, me batia e
metia em mim. Entre surra e outra, aproximava-se do meu
ouvido e gemia com vontade, lambendo-me e mordendo com
força meu pescoço.

E eu só podia chorar, compulsivamente e silenciosamente. 

Não há mais nada a ser narrado daquela noite.


Ao final de uma hora e meia, ele tirou sua camisa da minha
boca, se vestiu, deu um beijo e uma lambida nas minhas
costas e falou no meu ouvido: 

- Que puta gostosa você é, amor. Seu cuzinho é uma delícia.


Espero não ter te machucado muito. 14

E dizendo isso, saiu do quarto, me deixando sozinha.

[ FINAL DO GATILHO ]

Eu permaneci na mesma posição por diversos minutos, de


bruços, largada na cama. Meu corpo todo ardia pelos tapas e
socos. Meu rosto ardia, e eu o se tia inchado pelo choro e pela
violência. Eu ardia por dentro e por fora. Tudo doía. Eu estava
destroçada.2

Finalmente consegui juntar forças para me levantar da cama


e ir tomar um banho, que melhorou minhas dores. As físicas
pelo menos.

Cheguei à conclusão de que aquilo havia demorado muito


para acontecer. Como uma certa cliente havia me dito uma
vez, '' Qualquer puta faz anal.'' Eu não fazia, e o fato de que,
até aquele dia, ninguém tinha decidido me pegar a força, era
realmente inacreditável. Até aquele dia.

Voltei ao quarto, passei meu creme para hematomas, apaguei


a luz e fui me deitar na cama, para finalmente poder dormir. 1

E chorei o resto da noite.1

Pov Lauren
Sai da empresa uma hora antes: Assim haveria tempo de
passar em casa e tomar um bom banho.

Minha atitude me fez ter certeza de que estava, finalmente,


enlouquecendo. Querer ficar cheirosa para uma puta? Qual
era o meu problema, afinal?5

- Que se foda. Vou me sentir melhor depois de um banho. -


Falei comigo mesma.

Tomei uma ducha demorada, e meu stress de todo um dia de


trabalho diminuiu. Poucas coisas eram tão prazerosas quanto
um banho fresco.2

Mais tarde eu já estava no The Hills.

Bebia minha dose diária de Whisky enquanto encarava as


meninas que divertiam seus clientes. Mas onde ela estava,
afinal? 

- Sozinha essa noite, Lauren?

Samantha falava com uma voz de manha, enquanto fazia


uma massagem em meus ombros.

- Olá, querida. Estava procurando a Camila. Estou aqui há


vinte minutos, mas não a encontro.

- Deve ser porque ela já está com algum cliente.1

Ah, sim. Claro. Um cliente, porque eu não havia pensando


naquilo? 

- Bom, daqui a pouco ela deve estar descendo então...

- Não hoje, amor. Parece que o cavalheiro que está com ela -
e devo admitir, um pedaço de mau caminho - pagou caro pela
noite inteira da menina. O que quer dizer que você só vai
conseguir vê-la amanhã.

Um homem havia pagado para ficar com Camila a noite


inteira? Aquilo era permitido?2

- Não sabia que podíamos monopolizar as meninas aqui. -


Disfarcei minha amargura com um sorriso falso.

- Minha cara, se tiver dinheiro, você pode fazer o que quiser. 3

- Entendi. Bom, já que Camila não está aqui, talvez outra


menina possa me alegrar hoje. Ouvi dizer que vocês tem uma
novata por aqui.

- Lauren, assim você me ofende! Estou sendo agradável com


você, e você sequer me considera como uma opção? -
Samantha fingiu estar magoada, fazendo beicinho.1

- Samantha querida, só estou procurando novidades. Quem


sabe outro dia? - Falei de um jeito falso, beijando seu
pescoço.

Ela se arrepiou.

- Odeio quando você fala assim, Lauren. Seu poder de


sedução é uma maldição para as mulheres.5

Ao dizer isso, ela se virou e saiu para buscar a novata que


havia mencionado.

Então podíamos mesmo monopolizar as putas daquele lugar?


Por que ninguém havia me dito isso antes? Eu havia pagado
por uma hora inteira, certa vez. Mas uma noite? Toda? 4

Imaginei Camila com o homem, naquele momento.1


Ele deveria estar se divertindo, afinal. Ela era muito boa, ao
contrário da maioria das garotas do The Hills, não exalava
vulgaridade. De uma forma estranha, Camila parecia uma
puta comportada, como se a promiscuidade de sua profissão
fosse balanceada pelo ar inocente que emanava dela.

Ele deve estar se divertindo, isso é claro. Só espero que esteja


sendo gentil.  - Murmurei pra mim mesma.3

Eu não gostava de todos aqueles hematomas no corpo dela, e


não queria ver novas marcas. O corpo de uma mulher deveria
ser bem tratado, delicado e macio, e me irritava ver as
marcas de violência no corpo de Camila... Ou no de qualquer
mulher, claro.1

- Olá. Você é a Lauren?- A menina disse, com um olhar tarado.

- Sim, sou eu. E você é...? 

- Meu nome é Hanna. Samantha me disse que a mulher mais


linda do salão queria ficar comigo essa noite, então não foi
difícil de te achar.3

- Eu sou a mulher mais linda desse salão? Ora, que piada. 2

- Sim. De longe. Talvez você não devesse pagar para ter


quem quisesse por aqui. Certas pessoas não devem ser
consideradas '' trabalho ''. - Ela disse isso percorrendo meu
corpo de cima a baixo. 

A tal Hanna era mesmo atiradinha. Era morena, tinha cabelos


muitos pretos, assim como seus olhos. Era bonita, mas algo
nela não me agradava. 1

Aproximando-se de mim, ela falou ao pé do meu ouvido:


- Estou louca pra sentir como é seu pau. Escutei por ai, que
você tem '' algo '' especial entre as pernas. Aposto que vai me
fazer gozar tantas vezes que eu vou perder a consciência. 4

Vulgar. Ela era extremamente vulgar. Era isso que não me


agradava. Mas nunca havia me importado com vulgaridade,
afinal, eu estava em um puteiro.1

Merda! Por que Camila tinha que estar ocupada?3

Sorrindo para mim, Hanna me pegou pela mão e me conduziu


para o seu quarto.

E os 30 minutos seguintes simplesmente passaram. Não me


senti excitada como achava que ficaria ao experimentar um
novo corpo. Aquele corpo não agradava, nem aquela
personalidade.

Os 30 minutos passaram, eu paguei o que devia e fui embora


para a casa dormir. No dia seguinte, mais stress.
Aparentemente, alguém disse algo que não devia e resultou
em uma briga interna na empresa, onde cabeças rolariam. Eu,
como sempre, no meio dessa bagunça, não sabia nem com
quem falar. 

- Ally faça qualquer coisa para que parem de me ligar. - Meu


telefone tocava pela milésima vez naquele dia, e minha dor
de cabeça só aumentava.

- Eu sou só uma secretária...

- E mesmo assim sabe mais da empresa do que eu. Eu te


imploro, faça qualquer coisa.

- Ela suspirou.
- Vou tentar falar com Juan. Ainda temos três reuniões hoje
e...

- Cancele. Preciso ir embora daqui.1

- Mas o que eu digo?...

- Diga que eu estava indisposta.2

Não era exatamente uma mentira. Eu precisava sair daquele


lugar antes que mandasse todos irem pra puta que pariu, com
exceção de Ally, quer era uma pessoa legal.1

Cheguei em casa, tomei um banho morno, procurei um


analgésico e deitei-me na cama, esperando que a dor de
cabeça melhorasse. Adormeci um sono sem sonhos, e acordei
quando o relógio marcava 23h.

Eu não queria aceitar, mas eu sabia. Iria ao The Hills aquela


noite. Iria talvez todas as noites. Não adiantava tentar levar
uma vida menos promíscua, não adiantava me trancar em
casa com a TV. Eu acabaria indo lá, mais cedo ou mais tarde.
Era sempre lá que minhas frustrações no trabalho e no resto
da minha vida se dissipavam. Sempre havia sido assim.

Aquela altura não era diferente, embora talvez algo a mais


me atraísse para lá, e eu não soubesse exatamente o quê.1

***

Fui recepcionada por Hanna no The Hills.

Mal entrei no salão, e ela já se aproximava de mim, mais do


que eu desejava. 

- Ora, você por aqui de novo. Parece meio tensa.2

- Impressão sua. - Falei educadamente.


- Impressão ou não, eu adoraria ajudá-la hoje.

- Hoje não, Hanna. Vou deixá-la descansando de ontem à


noite.

- Não se preocupe, já estou mais do que descansada. -


Sorriu.1

Não prestei atenção no que ela falava.

- Você viu a Camila?

- Você é mesmo obcecada pela Mila, hein? Queria ontem, quer


hoje...1

- Mila?

- Desculpe, é como a chamamos fora do trabalho. Camila está


indisposta hoje. Não vai descer para o salão.1

- E por que não? O que há com ela?

- Ela só não está bem. Deve ser dor de cabeça.

Merda. Aquela era a segunda vez que eu ia aquele lugar com


um interesse, e a segunda vez que não conseguia alcança-lo.
Fiquei frustrada, pensava que aquela noite seria relaxante e
prazerosa. Eu precisava relaxar, o dia havia sido duro. 1

É claro que eu poderia escolher qualquer uma das meninas


livres naquele salão. Mas eu simplesmente não queria. Queria
Camila, mas sempre havia algo que impossibilitando o nosso
encontro.

- Ok, Hanna. - Comecei, esfregando a testa com os dedos. -


Obrigada pela informação.

- Não quer ficar com outra pessoa?1


- Não. Eu já estava saindo.

- Não quer beber nada? - Ela gritou, já distante.

- Hoje, não. - Disse, entrando no Porsche Cayenne e dando a


partida.

Deixei-a onde estava, olhando uma última vez pelo retrovisor


para ver Hanna parada na porta do The Hills enquanto um
pedestre despreocupado entrava na rua.

Virei à esquina, desejando minha cama mais do que tudo no


mundo.1

***

Erros corrijo depois, a fic é antiga então peço a


compreensão de todos!3
     

Capítulo 2

Pov Lauren5

- Ally?4

- Ah, graças a Deus! Estava preocupada! Onde está?

- Em casa. Ally, minhas reuniões..


- Isso! Tem cinco cavalheiros já esperando na sua sala há uma
hora!3

- Você que vai fazer essas reuniões.

- O quê?

- Você me ouviu. Vai fazer no meu lugar. Não estou com


disposição pra ir até aí.3

Ela ficou em silêncio por algum tempo.

- Senhora Jauregui, eu sou apenas...

- Uma secretária, eu sei. Mas no momento, eu estou te dando


o poder de decidir tudo por mim. Nós duas sabemos que você
toma conta dessa empresa muito melhor do que eu.
Consequentemente, sabe melhor do que eu o que é bom ou
ruim pra ela.

- Mas...1

- Estou contando com você, Ally. Eu sei que vai se sair muito
bem.1

Ela hesitou.

- Tudo bem. Eu vou fazer o meu melhor.

- Obrigada.

E desligou.

Eram 10h da manhã, e eu ainda estava na cama.3

Merda. Estava entrando em depressão de novo. Minha falta


de ânimo tinha melhorado nos últimos dias, mas parecia
voltar com força total.
Eu ficaria naquela cama o dia inteiro. Talvez ligasse a TV,
quando cansasse de olhar para o teto. Talvez dormisse de
novo. Não importava. Só sabia que não queria me levantar. 2

Mas a fome chegou com mais rapidez do que eu pensava.


Cozinhei um macarrão à bolonhesa e fui comer na cama,
assistindo ao noticiário. O dia havia sido incrivelmente
monótono. Vazio. Duas, três, cinco horas se passavam sem
que eu fizesse absolutamente nada.3

Resolvi checar meus e-mails para ler alguns contratos e


adiantar um pouco do trabalho que me esperava no dia
seguinte. Um dos e-mails era de Ally, dizendo que as reuniões
haviam corrido bem, e que grande parte dos problemas
estavam se resolvendo.

- Santa Ally. - Murmurei.

Li nove ou dez contratos sem muito interesse, com a


esperança que a noite chegasse. Mesmo sem interesse, perdi
a noção do tempo e a noite chegou. Quando dei por mim, já
eram 23:30h.3

E como uma criança prestes a viajar para o Pólo Norte no


Natal, eu me vesti para ir ao The Hills.6

***

Cheguei ao recinto, o ambiente um pouco mais lotado que o


normal.1

Claro, essa era hora que mais clientes iam se divertir.1

Caminhei pelo salão, procurando por Camila. Ao invés disso,


encontrei Chloe, próxima ao bar.

- Olá. - Acenei.
- Lauren, querida! Onde esteve ontem? Por que não veio?

Eu tinha vindo, mas a única pessoa a me ver foi Hanna. Como


não queria dar muitas explicações, menti.1

- Estava muito ocupada ontem.2

- Fico feliz que não esteja hoje. Já escolheu sua


acompanhante?

- Camila. Onde ela está?1

- Ah, Camila já está com um cliente...

- MAS QUE MERDA!9

Chloe me olhou com curiosidade. Tentei me recompor,


passando a mão nos cabelos.

- Também vai ficar a noite inteira com esse?3

- Não, ela já deve estar descendo. Mais uns cinco ou dez


minutos.

- Vou espera-la então. E Chloe, se ela tiver algum esquema de


agendamento, me coloque como a próxima da fila pra ela. -
Pelo amor de Deus, que dificuldade era ficar com aquela
garota!2

- Ela é tão boa assim? - Chloe perguntou, supresa.3

Não respondi. Pedi uma dose de Whisky e bebi, sem prestar


atenção em mais ninguém.

- Ah, ali está. O cliente dela já saiu do quarto.

Vi um homem de meia idade, grande. Metade forte, metade


gordo, um pouco suado. Tive realmente pena de Camila. O
homem veio em nossa direção. Alcançando-nos, dirigiu-se à
Chloe e falou com uma voz animada:

- Minha cara, que maravilha você tem ali. A boquinha dela é


um paraíso. - E olhando para mim, sorriu, já indo embora.

Senti uma raiva quente borbulhando dentro de mim como


leite fervendo. Raiva daquele homem, raiva do seu sorrisinho
amarelo, raiva por saber que Camila teve que aturá-lo.

- Mais um Whisky. - Ordenei a menina do bar.

- Lauren, daqui a pouco Camila vai descer. Vou tomar conta


dos outros clientes. Não vai sentir a minha falta, não é? 2

- Não, Chloe. Fique à vontade. - Falei, dando um gole na dose


da bebida que acabava de ser posta à minha frente enquanto
via Chloe se afastar, me deixando sozinha no meio do salão.

Analisei silenciosamente as pessoas daquele ambiente.


Camila havia me dito que atendia dez cliente por noite.

Dez clientes do tipo do homem que tinha acabado de sair? Ou


dez clientes do meu tipo?

E por que eu achava que ele e eu éramos diferentes em algo?


Nós dois pagávamos por sexo. Nós dois éramos patéticos e
infelizes. Comíamos garotas de programa porque era fácil,
porque o dinheiro ajudava. Porque fugíamos da vida medíocre
que levávamos, sem amor, sem ninguém.3

Senti uma mão fraca me tocar no ombro direito e, virando-


me, encontrei Camila.1

A primeira coisa que notei foi duas marcas em cada canto da


sua boca.1
Dois hematomas vermelhos, que chegavam até suas
bochechas. Depois reparei nas olheiras. Reparei também que
ela tinha um corte em uma das maçãs do rosto. Embora o
corte não fosse profundo, contrastava visivelmente com o
tom da sua pele.2

Seus cabelos, agora molhados do provável banho que havia


tomado, estavam soltos, mas mesmo assim consegui ver
muitas marcas em seu pescoço, em maior número e mais
escuras do que da última vez que eu a havia visto.

Ela vestia uma blusa amarela de manga até os pulsos, uma


calça jeans e um sapato qualquer. Ainda assim, algumas
marcas eram visíveis também nas costas de suas mãos, o que
me fazia acreditar que havia muito mais por debaixo daquelas
roupas.

Mas que merda é essa?9

Pela primeira vez, Camila falou antes de mim:

- Eu estou livre... - Ela deu um passo à frente, olhando em


meus olhos.

Senti o conhecido cheiro de amêndoas misturado com


shampoo e pasta de dente.

Continuava fitando seu pescoço, meus olhos iam dali para os


cantos de sua boca.

O que diabos havia acontecido com ela?

E então me dei conta do que ela tinha acabado de dizer:

Como assim "estou livre"?1


Ela estava se oferecendo para mim? Olhei em seus olhos de
chocolate, ela me encarava de volta com intensidade. Como
se pedisse que eu a escolhesse.

- Eu não tenho nenhum cliente agora. Estou livre, se você


quiser ficar comigo. - Repetiu.5

Sim: Ela estava se oferecendo para mim. E cada palavra que


ela pronunciava soava como um pedido. Seus olhos estavam
tristes, mas esperançosos.

Até o modo como se oferecia era diferente do de uma puta.1

Lembrei de Hanna e pude constatar a diferença gritante entre


as duas.

- Oi, Camila. Está com receio que alguém desse salão te


escolha?2

Ela olhou em volta, um pouco acuada.

- Não... É que eu pensei que você quisesse... - Ela hesitou,


parecendo sem graça. - Você já está de saída?

- Não, cheguei há quinze minutos. Estava esperando por você,


já que estava ocupada.

- Ah, sim. - Ela sorriu um pouco, parecendo quase aliviada. -


Eu...não estou, agora.

Fitei-a por alguns segundos sem dizer nada.

- Ótimo. - Concluí depois de um bom tempo. - Dez minutos?

- Dez minutos. - E dizendo isso, se afastou de mim, rumo às


escadas que davam para o corredor com quartos do The Hills.
1

Pov Camila

Acordei com dores de um sono sem sonhos. Dores nos


quadris, nos ombros, nas costas, nas pernas. Dores por dentro
e por fora. O sono havia me permitido a falta de consciência
por alguns segundos após ter acordado. Infelizmente, quando
a consciência veio, trouxe junto com ela lembranças da noite
anterior.3

Um rapaz bonito, inicialmente gentil. Um rapaz que pagou


para ficar uma noite inteira comigo e que, ao final dela, me
deixou em um estado deplorável.

Um rapaz que me violentou.

Toc. Toc. Toc5

- Camila! Está acordada?

Toc. Toc. Toc1

Eu não queria responder, e queria que Samantha parasse de


bater na porta. Sentia-me um lixo. Um nojo, um trapo
humano.

- Camila! Já são 13h!

Toc. Toc. Toc

Levantei-me devagar, testando a força nas minhas pernas,


tentando não sentir muita dor. Ajeitei o cabelo com os dedos
e fui abrir a porta. Samantha estava em pé, com uma bandeja
nas mãos, trazendo um prato de cereal e suco de laranja.2

- Perdi a hora. - Falei, sem vida.


O susto que ela levou quase fez com que a bandeja se
esparramasse no chão. O copo deslizou um pouco, mas ela se
apressou a mantê-lo onde estava.

- Camila... O que...?1

Ah, sim. Eu. Eu era o motivo da sua reação de espanto, de


incredulidade. Eu deveria estar por fora o mesmo trapo que
estava por dentro. Cheia de marcas, cheia de resquícios de
uma noite violenta e cruel.

Sem a menor curiosidade em me ver no espelho, apenas


abaixei a cabeça.

- Um cliente. Um pouco entusiasmado.2

- Camila... Eu sei o que é um cliente entusiasmado! Isso é


diferente.8

Caminhei de volta para a cama e me deitei, puxando o


cobertor. Samantha me seguiu, depositando a bandeja no
criado mudo ao lado da cama e sentando-se nela, ficando
perto de mim.

- O que aconteceu?

Sua voz, assim como ela, era gentil. Samantha era a menina
que eu mais gostava na casa. Ela se preocupava
genuinamente com todas nós. Era uma amiga muito
agradável e doce, embora eu a conhecesse havia pouco
tempo.

Mas a doçura na sua voz, que normalmente me acalmava e


fazia com que eu me sentisse melhor quando algo ruim
acontecia, dessa vez provocou outra reação em mim. A
doçura de sua voz despertou o rancor e o desespero do que
havia acontecido.

E então, sem mais nem menos, me pegando completamente


desprevenida, a vontade de chorar veio como um tapa, e eu
não pude me conter.

- Ele me pegou a força! - Falei alto, enquanto começava a


soluçar com o rosto enfiado no travesseiro, como se eu
pudesse esconder dela que chorava, um choro cheio de dor.
Só dor.1

- Camila... - Ela murmurou em um lamento genuíno - O que


ele fez?

- Me obrigou a fazer... Me forçou a fazer o que eu não faço! O


que nunca fiz! - Eu tentava controlar os soluços entre as
palavras, mas a dor e a tristeza já tomavam conta de mim. 1

- Ah, não... - Ouvi Samantha dizer em uma voz fraca e triste. -


Mila, eu... Ah, merda...1

- AAAAAAAHHHHHHHHH! - Gritei um grito abafado pelo


travesseiro, tentando conter a dor no peito.

- Calma, calma... - Ela deitou de lado na cama, me abraçou e


beijou meus cabelos, tentando me acalmar. Se houvesse
alguém que poderia me acalmar numa situação daquelas,
esse alguém era Samantha.

Não sei quanto tempo fiquei chorando ali. Ela continuava me


abraçando, tentando conter meus soluços. Não era um choro
normal, daqueles silenciosos. Era um choro que fazia perder o
fôlego. Um choro forte, cheio de lamentações. Lamentações
não só pela noite anterior, mas por toda aquela vida. Toda
aquela maldita vida que eu levava há tantos anos. Por ser o
que era, por fazer o que fazia. Por noite após noite, ser olhada
de cima a baixo, não como um ser humano, mas como um
objeto qualquer. Como qualquer merda na vitrine, exposta
aos clientes que quisessem comprá-la depois de avaliar seus
defeitos.

Finalmente me acalmei.

- Vem... - Ela começou - Eu vou te ajudar. Tome um banho, vai


se sentir melhor. Se quiser ajuda, eu fico aqui.

- Obrigada, Sá. - Foi tudo que consegui dizer.

Fui tomar um banho quente, e quando saí, Samantha já havia


trocado a roupa de cama. Os lençóis agora cheiravam a
lavanda, e eu me sentia mais limpa, embora estivesse
igualmente triste.

- Tome. - Ela disse, entrando no quarto novamente e me


estendendo um comprimido e um pouco d' água.

- É um analgésico, vai melhorar suas dores.

Assenti com gratidão.

- Contei à Chloe o que aconteceu. Não se preocupe, ela não


vai comentar com mais ninguém sobre isso. Ela deixou que
você tirasse essa noite de folga.1

Aquilo fez com que eu me sentisse um pouco melhor. Saber


que não teria que ficar com ninguém aquela noite era um
presente, e eu ia me agarrar nele com todas as forças que me
restavam.
- Ah... Antes que eu me esqueça, dei o cheque que estava em
cima da escrivaninha pra ela, caso você pergunte onde ele
está. - Ela falou.

O cheque. O maldito dinheiro. Que se foda o maldito dinheiro.

Entreguei a ela o copo vazio e fui me deitar embaixo dos


lençóis limpos.

- Seus lençóis estavam... Sujos de sangue. - Ela falou em um


tom de voz meio constrangido, como se estivesse morrendo
de pena de mim.

- Não reparei. - Respondi em uma voz fraca. Normalmente eu


não era de falar muito, mas naquele dia queria ficar muda.

- Precisamos dar um jeito nos seus machucados.

Durante boa parte da tarde Samantha ficou cuidando de mim.


Levou meu almoço no quarto, já que eu me recusava a sair de
lá pra encontrar quem quer que fosse. Passou vários tipos de
pomadas íntimas e pomadas para a pele em mim, tentando
fazer com que minhas dores diminuíssem. Colocou rodelas de
batatas nos meus olhos para melhorar o inchaço e deixou
alguns tipos de base para pele no meu quarto, que
disfarçariam a intensidade das marcas em toda a extensão do
meu corpo.

- Sá, você já fez muito por mim. Obrigada. Pode ir agora, já


está quase anoitecendo.

- Me promete que vai ficar melhor, Mila. Você é muito mais


bonita sorrindo.2
Eu não tinha a menor vontade de sorrir, mas Samantha
estava tentando ser gentil, e eu tinha que ao menos fingir que
já estava melhor. Eu devia isso a ela.

- Obrigada, Sá. Você me ajudou muito. Vou melhorar, não se


preocupe. Fico te devendo uma enorme.

Ela sorriu para mim e foi embora.

Eu estava sozinha naquele quarto, o que dava ao meu cérebro


a total liberdade de pensar.

E eu não queria pensar.

Me enrolei nos cobertores e rezei para dormir. Felizmente


consegui, graças à noite mal dormida.

Quando acordei já havia certo um barulho no ambiente. Olhei


para o relógio que marcava 21h.

Naquele momento, dezena de pessoas se divertiam no salão e


nos quartos a minha volta. Eu estava alheia a tudo enquanto
dormia, mas agora sabia que estava cercada daquela sujeira
diária.

Ainda sonolenta, levantei da cama, vesti um jeans qualquer,


uma camisa branca, uma jaqueta e um tênis preto. Olhei-me
rapidamente no espelho e vi uma Camila acabada,
machucada por dentro e por fora. Tentando não sentir pena
de mim mesma - Talvez porque não merecesse. - Peguei um
pouco da base que Samantha havia me emprestado e
espalhei cuidadosamente no rosto. O resultado não foi ruim.

Peguei o livro que estava lendo e o enfiei na bolsa antes de


sair do quarto para o corredor. Espiei para os lados e vi que
ele estava deserto, o que era ótimo: Eu não queria ver
ninguém mesmo.1

Fui para a direita, rumo à saída dos fundos, onde não


chamaria a atenção de ninguém.1

Pouco tempo depois já andava despreocupadamente pela rua,


direcionando-me para o parque que ficava a dez minutos dali.
Chegando lá, me sentei em um banco vazio embaixo de um
poste de luz baixo. No meio do parque, um lago com chafariz
dava a graça ao lugar. Olhei um pouco em volta e notei que
ainda havia pessoas no parque, conversando ou apenas
fazendo com que o tempo passasse, assim como eu. Duas
senhoras tagarelavam a dez metros de mim em outro banco.
Um casal namorava timidamente no outro lado. À minha
frente de costas, uma mulher com cabelos rebeldes da cor
preta observava o chafariz apoiando na grade que cercava o
lago.

Fiquei meditando por algum tempo.

Não havia como fugir do que havia acontecido. Eu teria que


aceitar, e talvez nem fosse algo tão difícil.

Afinal, eu era uma prostituta, quem sabe conseguiria lidar


melhor com isso do que as mulheres corretas.

O pensamento de que mulheres corretas e eu estávamos em


categorias diferentes não era bom, mas era necessário. Eu
precisava saber que não era uma mulher comum, daquelas
que se casariam e formariam uma família, que teriam filhos e
netos. Eu não conseguiria isso. Simplesmente tinha que
aceitar que a vida que escolhi não me traria esses benefícios. 2
Era melhor aceitar, porque sonhar com coisas desse tipo doía.
Podia ser um sonho bom, um sonho prazeroso, mas ao final
do sonho a realidade vinha com uma força destruidora. Eu
jamais seria uma mulher correta. Mesmo que parasse de me
prostituir, eu jamais seria uma mulher amada.4

Não seria uma mulher amada porque mulheres que estavam


na minha categoria não podiam ser amadas.

Você não pode sonhar com isso. Eu pensava, num monólogo


interno. Não pode sonhar em ter alguém, em pertencer a só
um.

Fitei as costas da mulher à minha frente, ainda absorta na


água do lago.

Não terá um marido ou esposa. Ele e nem ela serão


carinhosos ou preocupados com você. Não será um homem e
nem uma mulher elegante, com cabelos da cor preta
perfeitamente desalinhados.1

A mulher desconhecida que eu fitava em meus devaneios


virou-se, aprontando-se para partir. Seus traços lembravam
alguém... Mas só lembravam. Seu olhar passou através de
mim, como se eu fosse invisível. Então foi embora, no silêncio
que pairava sobre o parque.

Você é invisível. Aceite isso.1

Esse fato sempre doeu. Mas, por algum motivo, ultimamente


doía mais.

Olhei para o livro que havia trazido comigo. '' Orgulho e


Preconceito." Pisquei com força os olhos, tentando espalhar a
umidade que me impedia de ver claramente.1
- Malditos romances que me deixam sensível...

E como se não tivesse acabado de critica-lo, abri o livro e


comecei a ler.

Olhei para o relógio. 23:50h.1

Hora de voltar.1

Levantei a cabeça e encarei o parque, agora completamente


vazio.

- Talvez você esteja brincando com a sorte, Camila. Muito


tarde para uma dama. - Falei baixinho comigo mesma, me
permitindo rir com deboche da última palavra.

O ar do parque me fez bem. Ver novos rostos, vê-los alegres e


casuais, me fez bem. Eu precisava de situações normais na
minha vida. Eu sentia falta disso.

Sentia falta da minha vida de antes de ser o que era. Antes eu


tinha orgulho de mim. Um orgulho adolescente idiota, é
verdade, mas que não deixava de ser alguma coisa.

E mais, muito mais do que ter orgulho, eu não sentia


vergonha da pessoa que era. Não precisava olhar para os
outros como se estivesse fazendo algo extremamente errado
e imundo.

Fui caminhando de volta para o The Hills. A essa hora o


ambiente era bem movimentado. Muitas pessoas. Muita
diversão. Muito sexo.

Lauren. Lembrei-me dela assim, sem nenhum motivo.2

Ela era gentil comigo. Era diferente dos outros clientes.


Diferente de Hardin.2
Ela estaria lá? Estaria se divertindo com outra menina? Era
provável.1

Então senti uma pequena vontade em vê-la. Talvez ela


mostrasse compaixão comigo, vendo meu estado. Ela seria
carinhosa. Seria gentil, e sorriria para mim com aquele
sorriso.

- Pare de pensar asneiras, sua imbecil. - Me xinguei em voz


alta.

Nem ela e nem ninguém me veria aquela noite, naquele


estado.

Cheguei na rua próxima ao The Hills a tempo de ver um


Porsche Cayenne prata se afastar, virando a esquina oposta.
Entrei pelos fundos, subi para o corredor e me tranquei no
meu quarto.2

***

Acordei no dia seguinte sabendo que seria diferente. Minha


folga tinha acabado, e eu teria que voltar ao trabalho.

Esse pensamento me desanimou logo de manhã. Reuni forças


para sair do quarto, rumo ao café da manhã no andar de
baixo.

- Camila! - Samantha me alcançou nas escadas. - Como você


está?

- Estou melhor, Sá. Pronta pra outra. - Pisquei sorrindo


falsamente.1

Tomamos café juntamente com as outras meninas. Não


conversei muito durante a refeição, mas isso não pareceu
chamar a atenção de nenhuma delas, que continuavam
tagarelando alegremente.

Passei o resto do tempo lendo, parando apenas parar ir


algumas vezes ao banheiro e almoçar.

Depois voltava para a cama e continuava a leitura, abalada


algumas vezes pela minha mania em não me conseguir
concentrar e começar a pensar em terceiros.

A noite chegou e eu consegui ficar mais desanimada do que


de costume. Algumas meninas já haviam descido, então
comecei a me arrumar. Tomei um banho, escolhi as roupas
mais discretas que pude, passei alguma base nos
machucados, disfarçando-os, e com o ânimo de quem vai
encontrar à morte, desci.1

Não demorou muito até que meu primeiro cliente me


escolhesse. Um homem com seus quarenta anos de idade,
apático. Demonstrava ansiedade enquanto conversava
comigo, tentando inutilmente estabelecer uma conexão entre
nós dois. Quando chegamos ao quarto, sua excitação pareceu
esfriar ao ver meus machucados em evidência. É claro que
aquilo era broxante.2

Infelizmente não foi o suficiente para fazê-lo desistir de mim. 1

O mesmo aconteceu com o segundo, terceiro e quarto cliente.


Todos eles me olhavam com fome no salão, mas quando viam
meu estado, ficavam desanimados. Assim que notei o quarto
cliente já estava esgotado na cama, me levantei e sem
espera-lo sair do quarto, fui tomar mais um banho, me limpar.

Escovei os dentes e passei meu creme para hematomas, já


que meu corpo estava completamente marcado não só pela
noite anterior, como também pelos quatro clientes que havia
tido aquela noite. Já estava exausta, queria dormir, mas ainda
era meia-noite, o que significava que aquele dia de trabalho
estava apenas começando.

Sai do banheiro e o homem não estava mais lá.

Ótimo.

Vesti uma blusa amarela com mangas longas, uma calça


jeans e uma sandália fechada. Chloe provavelmente me
reprovaria pelo modo como me vesti, mas eu não me
importava muito. Não queria que ninguém me visse, que
ninguém mais notasse minha presença.

Sentei na cama por alguns minutos, olhando sem interesse


para a porta fechada do meu quarto.

Eu não quero descer. - Pensei.

- Mas você precisa descer. - Falei em voz alta.

Mas eu... não quero.

- E desde quando o que você quer importa?2

É verdade...

Fiquei encarando a porta mais alguns segundos. Estava triste


e deprimida. Estava cansada e meu corpo ainda doía em
quase todos os lugares.

- Vamos lá, Mila. - Falei, com falsa animação. - Quem sabe seu
príncipe ou princesa não esteja esperando por você lá
embaixo?4
O tom de deboche nas minhas palavras até me fez rir, um riso
amargurado. Suspirei, levantei-me da cama e desci mais uma
vez para o salão.1

Desci as escadas enquanto observava o lugar. Quanto mais


tarde, mais cheio o ambiente ficava. Aquela noite não era
diferente.

E então eu a vi.

No meio da multidão, destacava-se uma mulher charmosa,


com o cabelo preto lindamente bagunçados. Estava apoiada
no bar, bebendo uma dose de alguma coisa, olhando para o
lado oposto ao que eu estava. Parecia pensar em muitas
coisas ao mesmo tempo, nenhuma delas agradável.

Não sabia explicar por quê, mas me peguei admirando aquela


mulher, parada alguns degraus acima na escada. Não a
admirei apenas pela sua óbvia beleza, mas por todo seu
conjunto: Sua postura, seu charme, a força que sua presença
parecia exercer naquele lugar. Eu tinha certeza que todas as
mulheres estavam cientes da presença daquela mulher.2

Pensei no fato de que não a via há muito tempo. E vê-la


naquele momento, a alguns metros de mim, me proporcionou
uma repentina alegria. Eu poderia até sorrir talvez.

Não queria aceitar, mas o fato era que eu estava eufórica por
vê-la. Porque aquela mulher era de alguma maneira, por
algum motivo, mais importante do que todos os outros
daquele lugar, mesmo que ela só me visse como mais uma
das meninas do The Hills.

Olhei em volta e vi vários homens sozinhos. Alguns já me


olhavam com interesse. Não pensei duas vezes.3
Desci os últimos degraus, seguindo em linha reta até Lauren o
mais rápido que pude, sem chamar muita atenção. Cheguei
ao bar, mas ela continuava absorta em seus pensamentos.
Toquei seu ombro timidamente.

Ela se virou para mim e então me analisou. Analisou cada


pequeno detalhe em mim, fazendo com que o silêncio entre
nós prolongasse.

Aquela mulher, a única pessoa que parecia se importar um


pouco comigo, estava à minha frente, me observando em
silêncio, com uma expressão de desagrado e confusão no
rosto. A única pessoa que me tratou minimamente bem
durante todos esses anos.2

Por favor, me escolha. - Eu pensava, como se meus


pensamentos pudessem persuadi-la. - Eu preciso de alguém
gentil... Por favor...1

O silêncio começou a incomodar, então eu falei:

- Eu estou livre...

Dei um passo a frente, e pude sentir seu perfume. Um


perfume que eu não sentia havia dois dias. Um perfume que
agora, eu podia notar, me fazia falta.1

Ela continuou me fitando, olhava muito para o meu pescoço.


Devia estar distraída com algum problema pessoal, mas eu
queria que ela me notasse. Queria que ela falasse comigo.

Queria que ela me escolhesse.1

- Eu não tenho nenhum cliente agora. Estou livre, se você


quiser ficar comigo. - Repeti, para o caso dela não ter ouvido.

Por favor... Me escolha, por favor...


Finalmente ela se pronunciou:

- Camila. Está com receio de que alguém desse salão te


escolha?

Estava. Eu estava com esse receio, precisava que ela me


escolhesse antes que alguém o fizesse. Mas não era só isso
que me fazia ir até Lauren e me oferecer como estava
fazendo. Algo me atraía para ela. Um sentimento de
proteção...

Talvez ela não quisesse ficar comigo. Talvez já estivesse com


alguém, apenas esperando para subir e se divertir. Talvez já
estivesse até se divertido.

Olhei em volta novamente, e notei alguns homens me


olhando. Eu não queria ficar com aqueles homens. Não queria
ficar com qualquer um...1

- Não... É que eu pensei que você quisesse... Você já está de


saída?

- Não, cheguei há quinze minutos. Estava esperando por você,


já que estava ocupada.

Ela estava esperando por mim. Por mim.1

- Ah, sim. Eu... não estou agora. - Disse, finalmente querendo


apressar as coisas.

Ela ficou imóvel, olhando em meus olhos por alguns


segundos, sem dizer nada. Por fim, falou:

- Ótimo. Dez minutos?

- Dez minutos. - Assenti.


Subi nas escadas novamente, e embora eu não entendesse o
que sentis ou o porquê, uma coisa era certa: pela primeira
vez em muito tempo eu me sentia de certa forma, feliz.

Pov Lauren

Sem checar se havia se passado dez minutos, tomei o resto


do meu Whisky e subi as escadas, rumo ao quarto de Camila.
Entrei sem bater e encontrei um ambiente mais escuro do
que quando entrei pela primeira vez naquele quarto. Apenas
uma luza fraca vinda de um abajur de uma mesa ao longe,
encostada na parede, iluminava timidamente o local,
deixando a mulher deitada na cama, vestida em um robe azul
totalmente fechado, praticamente nas sombras.1

- Está escuro... - Comecei.4

- É bom que seus outros sentidos ficam aguçados. - Ela disse


num timbre de voz fraco.2

- Não é bom. Já disse que quero ver...1

Camila se levantou e veio na minha direção, e num ato


completamente imprevisível, me abraçou.

- Por favor... Vamos fazer assim só hoje. Só hoje...10

Então, senti aquele perfume. O perfume que sempre me fazia


perder um pouco do controle que tinha.
Amêndoas.

Amêndoas e shampoo.

Merda!

Aquele maldito perfume...

Senti suas mãos agora abrindo timidamente os botões minha


camisa enquanto ela beijava suavemente meus seios por
cima da roupa. Eu queria pergunta-la o que havia acontecido,
queria saber o que fizeram com ela. Mas estava óbvio que ela
não me diria.

Sem pensar muito, empurrei para os lados o tecido de seda


que cobria seus ombros e abaixei minha cabeça até o local,
aplicando beijos suaves. O perfume estava mais forte do que
o normal, combinando perfeitamente com o ambiente escuro
e incrivelmente sensual. Minhas mãos foram para o nó em
seu robe, abrindo-o lentamente. Ela se afastou um pouco,
para que eu pudesse remove-lo completamente.

Então fui pega de surpresa ao constatar que ela não usava


nada por baixo do robe, agora no chão.1

E quase que imediatamente, outra surpresa me fez estacar


diante de Camila. Embora o quarto estivesse escuro, consegui
ver seu corpo em quase sua totalidade cobertos de manchas
escuras e arranhões.

Dei um passo para trás, assustada.

- Que porra é essa?4

- Ossos do ofício. Vem cá...- Ela falou como se estivesse tendo


uma conversa tediosa, vindo na minha direção e segurando
com firmeza o botão da minha calça enquanto o abria.
- O quê... Espera aí! O que diabos aconteceu com você?

Ela bufou, parecendo impaciente.

- "Aconteceu " um cliente. E isso não é da sua conta.

- Não é da minha conta? Claro que é! Não quero comer uma


mulher que parece que acabou de ter sido espancada!15

Minhas palavras impensadas saíram de uma só vez, e


pareceram extremamente insensíveis e rudes no silêncio do
quarto.

Camila olhou para mim com um misto de raiva e tristeza,


parecendo pensar nas palavras antes de pronuncia-las.

- Foi por isso que deixei as luzes fracas...2

- Achou que eu não fosse ver? Não sou cega! Você parece
uma colcha de retalhos, pelo amor de Deus!11

Ela continuou me encarando por mais dois segundos, então


pegou o robe do chão e vestiu-se.

- Se não vai me comer, peço que saia do meu quarto para que
eu arranje outro cliente.

- Não vou sair! E você não vai ter mais porra de cliente
nenhum essa noite! Vou falar com Chloe sobre...6

- Quem você pensa que é para me dar ordens? - Sua voz


estava áspera e alta. - Isso não é da sua conta!

- Não estou te dando ordens, sua idiota! Estou tentando te


ajudar!6

Imaginei que ela viesse formulando uma frase para o


momento em que eu acabasse de dar minha réplica. Quando
abriu a boca para falar, se conteve a tempo e fechou-a
rapidamente, ainda me olhando com raiva. Mesmo que ainda
estivesse hostil, sua expressão foi ficando cada vez mais
suave. Olhou em volta do quarto, como se algo pudesse dar a
ela alguma ideia do que dizer. Cruzou os braços no peito, na
defensiva.

- Lauren...

Senti os pelos da minha nuca se eriçarem ao som do meu


nome na sua voz.1

Foi estranho - foi bom -, mas eu ignorei a sensação.

- O que fizeram com você? - Insisti.

- Foi mais uma noite de trabalho. Só mais uma noite.

Ela olhava para baixo, evitando me encarar.

- É mentira! Já estive com você duas noites, nunca te vi


assim!

- Eu já disse que minha pele fica marcada muito fácil...

- Eu não sou imbecil! Isso não está normal!1

- Lauren... - Ela repetiu com os olhos fechados, como se


estivesse determinada a dar um ponto final naquele assunto. -
Eu preciso trabalhar. Se não se importa...

- É pelo dinheiro? - Falei, já perdendo a paciência. Nem eu


mesma sabia o porquê de insistir tanto em protegê-la.4

Enfiei a mão no bolso traseiro, pegando minha carteira e


abrindo-a. Sem saber ao certo a quantidade de notas que
meus dedos alçaram, puxei-as de uma só vez e as joguei em
cima dela.2
Camila não fez menção em se mover para evitar que as notas
caíssem. Deixou-as alcançarem o chão, fitando-as no
percurso.

- Meus trinta minutos estão pagos! Agora não ouse me


expulsar dessa merda de quarto mais uma vez!

Ainda encarando as notas no chão, ela apertou com força o nó


do seu robe e caminhou despreocupadamente para a cama,
deitando-se nela de lado depois de passar por mim.

Fiquei olhando-a por algum tempo, observando o lento


escorregar do tecido fino da sua coxa esquerda, finalmente
expondo-a totalmente ao meu olhar. Fui sentar ao lado dela. 2

Mais perto do ponto de luz, pude observar melhor os


hematomas em sua pele.

Camila estava deitada de frente para mim, com os braços


cruzados a frente do seu corpo, mas não me encarava.

Toquei de leve sua coxa com a ponta do dedo, onde um


hematoma era mais evidente. Embora as manchas tirassem
muito da beleza e da suavidade, sua pele era incrivelmente
macia. Parecia excessivamente sensível ao meu toque, quase
quebrável.

Não pude deixar de me conter em fazer círculos pela


extensão de sua perna, primeiro com as pontas dos dedos,
depois com a mão aberta. Tinha receio de causa dor a ela, por
isso tentava toca-la da maneira mais suave possível.

Depois de muitos minutos passados eu falei:

- Não gosto da sua pele assim.


- Eu também não. - Ela me respondeu, séria, olhando para a
parede oposta.

- Não vai me contar o que aconteceu?

- Você não é minha psicóloga.2

- Sou sua amiga.13

Ela me olhou surpresa. Eu sabia o porquê.

Eu não era amiga dela. Sequer sabia seu nome completo. Não
sabia nada sobre ela, mas tentava desesperadamente
relacionar meu instinto protetor a algum sentimento nobre,
puro. Seria amizade? Embora soasse estranho, só podia ser
amizade.

Mas soava estranho. Soava errado, de alguma forma.

- Você não é minha amiga.

- Eu... eu me preocupo com você. Só quero que você fique


bem, que não te machuquem. - Eu pronunciava cada palavra
com um misto de alívio por estar falando sem limitações, e
confusão por minhas palavras e meus sentimentos não
fazerem sentido se quer para mim mesma. - Eu poderia te
ajudar, se você dissesse o que aconteceu...

- Não pode me ajudar. - Ela se mexeu um pouco ainda


olhando para mim, o que fez o robe deslizar um pouco pelo
seu ombro. Meus olhos voaram pelo local mecanicamente.

- Você poderia se abrir comigo... - Comecei, mas nem mesmo


prestava mais atenção nas minhas palavras.4

Me permiti prender meus pensamentos no sei ombro exposto,


deixando-a, ainda que marcada, mais graciosa. Eu não sabia
mais o que minha mão fazia em suas pernas, mas tinha noção
de que ainda estava tocando em Camila.

Fui outra vez atingida inesperadamente pelo seu perfume.


Amêndoas...

- Eu estou bem. É meu trabalho. Não há nada que você possa


fazer pra mudar isso.1

- Seu trabalho... - Balbuciei, ainda fitando seu ombro. 1

Mesmo com o olhar fixo em seu ombro, pude notar que ela
me encarava.

Após alguns segundos Camila se mexeu lentamente,


sentando-se na cama e chegando mais perto de mim. Com
suavidade, aproximou sua boca do meu ouvido e falou em um
sussurro:

- É meu trabalho dar prazer...2

Porra! Aquele perfume!

Senti-a morder minha orelha e meu pescoço. Por algum


motivo o perfume parecia ter se intensificado, e eu não
conseguia sentir mais nada além daquele cheiro dominando
meus sentidos e quebrando, centímetro por centímetro, meu
muro de resistência.3

A verdade era que eu não queria resistir.1

Estava fora de questão exigir de Camila algo com ela naquele


estado, fosse o que fosse que tivesse acontecido. Na verdade,
estaria fora de questão se ela mostrasse resistência.
Misteriosamente, ao contrário da primeira noite quando eu a
conheci, ela não se mostrava chateada em fazer sexo comigo,
e eu me perguntava o porquê.
Talvez ela quisesse mais dinheiro por um bom desempenho.
Talvez quisesse me prender por mais meia hora, garantindo o
pagamento de outros trinta minutos, já que alguns clientes
poderiam nega-la ao conhecer seu verdadeiro estado por
debaixo das roupas que teimavam em esconder seu corpo, e
ela terminasse sozinha pelo resto da noite.

Era compreensível que os clientes a negassem, já que as


marcas deixadas na pele daquela garota não eram nada
agradáveis. No entanto, não fazia exatamente esse efeito em
mim. Provavelmente os outros clientes estivessem alheios à
seu delicioso perfume.1

Eu não.

Aquele perfume fazia coisas estranhas comigo.

- Lauren?

- Sim... - Ofeguei enquanto ela dava leves mordidas entre


minha orelha e meu pescoço, em um ponto extremamente
sensível do meu corpo.

- Eu não vou ter mais a porra de cliente nenhum essa noite,


certo?

Ela estava me provocando. De novo.

- C-certo... - Respondi, fechando os olhos com força.

- Então por que sua mão está na minha virilha?11

- Não sei... - Eu podia sentir meu auto-controle escorrendo


pelo ralo, aos poucos. Imperceptível, mas fatalmente.

- Bom, eu sei. - E dizendo isso, sem nenhum aviso, ela


segurou com força meu pau por cima da calça e começou a
massageá-lo. A surpresa me fez pular de leve no colchão. -
Parece que ele quer comer alguma coisa.1

Eu não podia dizer nada, porque absolutamente nada me


vinha a minha cabeça. Eu queria entrar no jogo é respondê-la
com a mesma provocação, mas sequer conseguia formular
uma frase, algo que não soasse patético ou mostrasse minha
evidente falta de controle.1

- Camila... Para de me provocar...

- Você adora ser provocada. É o tipo de mulher que adora


isso, não é?1

Sim. Eu era exatamente esse tipo de mulher. E ela estava se


mostrando o tipo de mulher perfeita para mim: Provocadora e
sexy, sem necessariamente ser vulgar.

Sem me conter, meus lábios avançaram para seu ombro,


lambendo e beijando. Lentamente com a mão esquerda puxei
de seu outro ombro o robe que ainda o cobria, dando-me uma
visão privilegiada de toda aquela área. Eu precisava me
controlar, mas estava sendo muito difícil.

- Seu perfume...

- Não uso perfume.

- Está muito forte...

- Você não gosta?4

Suspirei. Não havia como não ser absolutamente sincera


àquela pergunta.

- Eu amo...1

- Lauren? - Ela falou outra vez baixinho no meu ouvido.


- Sim...?

- Seu tempo acabou.10

- O quê? - Falei um pouco surpresa e fora de rumo. Ela deu


uma última mordida em minha orelha e se afastou.

- Seus trinta minutos acabaram.

Levei algum tempo para conseguir me situar e voltar à


realidade.

- Meu tempo... - Comecei em voz alta, tentando organizar os


pensamentos.1

- Sim, seu tempo. Acabou. Seus trinta minutos.2

Ela se levantou da cama, cobrindo os ombros expostos


enquanto afastava minha outra mão que permanecia em sua
virilha. Andando um pouco cambaleante, alcançou o móvel
baixo na parede à direita, se apoiando nele enquanto
mantinha os olhos fechados com força, como se quisesse
afastar algum pensamento.

- Eu... - Comecei, mas não sabia o que dizer. Ela abriu os


olhos e me olhou. Um olhar diferente. Um forte, intenso.
Retribuí o olhar, fitando-a também por algum tempo, sem
dizer nada. O silêncio pairava sobre o quarto escuro, nos
prendendo no ar misterioso do momento. Tive a impressão de
que ela também não sabia o que dizer, mas como eu, não
queria se despedir.

Finalmente me levantei da cama, puxei do bolso de trás


minha carteira e a abrir, alcançando todas as notas que se
encontravam dentro dela. Dobrei o bolo de notas e estendi
para Camila. Ela hesitou, mas por fim, pegou a quantia que eu
a oferecia. Não sabia ao certo a soma do dinheiro que havia
entregado a ela, e para minha surpresa, ela também não
verificou, deixando o maço de notas dobradas esquecido em
cima do móvel atrás de si.

- Você é minha pelo resto dessa noite. - Falei calmamente.2

Eu sabia o que queria fazer durante todas as horas que me


esperavam dentro daquele quarto. Infelizmente minha
consciência me impedia de ser alguém sem princípios, mas
meu corpo precisava ter o que vinha buscando por algum
tempo, e que até aquele momento não havia conseguido:

Ela.

Mas não podia impor o que eu queria. Embora eu fosse uma


cliente, embora eu fosse seu trabalho e eu estivesse pagando
por ele, não podia exigir algo dela naquelas condições. Eu
sabia que outros já haviam feito isso aquela noite, mas eu não
queria ser igual aos outros.1

Lentamente, guardei a carteira no bolso traseiro da minha


calça e deitei de barriga para cima na cama de Camila,
olhando para o teto, minha camisa ainda aberta pela tentativa
do início da noite. Estaria nas mãos dela decidir o que fazer.
Se ela quisesse, ficaríamos em silêncio pelo resto da noite.
Mas eu torcia para que ela traçasse outros planos para nós,
porque o que eu queria, o que eu precisava só poderia se feito
se ela assim desejasse.1

Ainda estava presa nos meus pensamentos quando meus


olhos captaram a mudança do ambiente de maneira
inesperada. O quarto havia mergulhado em uma total
escuridão. Camila havia apagado o abajur que permanecia na
mesa atrás dela. A única fonte de luz se fora, e meus olhos
agora acostumavam-se lentamente com o escuro completo,
quebrado apenas pela luz da lua quase cheia da noite
estrelada, conseguindo marcar as silhuetas de alguns objetos
e do corpo dela.

Fechei os olhos tentando manter meus pensamentos em


ordem e minha respiração constante. Eu não queria ficar
tensa ou ansiosa, queria agir como sempre agi naquelas
situações: Calma e despreocupada.

Porque aquele tipo de situação era banal, mas por algum


motivo que eu não sabia explicar, não conseguia ver nada
banal no que estava acontecendo naquele momento.

Senti o colchão embaixo do meu corpo afundar levemente, e


então, pela segunda vez na noite, pulei de surpresa quando
senti Camila beijar minha barriga.

Com delicadeza, ela foi subindo sua boca lentamente pelo


meu troco, até depositar beijos suaves no meu pescoço. Arfei
ao sentir seu corpo completamente despido sobre o meu.

- Deus...5

Aquilo estava exigindo demais do meu auto-controle, e a pior


parte era que ela sequer havia me tocado ainda. Eu mal
conseguia me conter enquanto ela me provocava com leves
mordidinhas na minha mandíbula, migrando para meu meu
pescoço e minha orelha, voltando para os meus seios e
descendo obscenamente de volta para a minha barriga.1

Com casualidade, ela abriu o único botão que permanecia


preso na minha calça, movendo para baixo o zíper e
retirando-a de mim juntamente com a cueca.
Eu não ousava me mexer, com medo de que no momento em
que resolvesse toca-la, minha calma, já abalada, fosse por
água abaixo.

- Onde está? - Ela perguntou no meio da escuridão.1

- Bolso esquerdo... - Respondi, mantendo meus olhos


fechados com muita força, mesmo sabendo que se eu os
abrisse não conseguiria ver quase nada.1

Perguntei a mum mesma o motivo de tentar manter a calma e


o controle, já que, inevitavelmente, em algum momento
daquela noite tudo iria às favas e nós faríamos o que eu sabia
que faríamos.

O pensamento de que não precisava continuar freando a mim


mesma deixou-me subitamente alegre, mas meu lado racional
insistia em dizer que, durante toda aquela noite, a cautela era
extremamente necessária.1

Era necessária porque eu sabia da urgência que meu corpo


tinha. Era patético, mas naquele momento eu a desejava com
todo o meu ser, e sabia que ela estava frágil, para dizer o
mínimo. Sabia que se não fosse cuidadosa, acabaria
machucando-a mais.

E pior: Sabia que se não tomasse cuidado, acabaria me


entregando a tudo, absolutamente tudo naquela mulher. 2

Senti Camila largar a calça que mantinha nas mãos, na busca


frenética pelo preservativo. Já esperava pelo ruído baixo da
embalagem sendo rasgada, mas isso não aconteceu.

- P-p-putaquepariu!
Não consegui conter o palavrão ao sentir a ponta da sua
língua passar timidamente pela cabeça do meu pau, agora
tão absurdamente duro que chegava a doer. Como se ela
soubesse disso, começou a lambê-lo com muita suavidade
sem usar os dentes. Depois de algum tempo, quando meu
corpo já estava acostumado com seu toque, ela finamente me
tomou na boca de uma vez só, apenas deixando com que,
novamente, meu pau se acostumasse com o calor e a maciez
do que agora o envolvia.3

Eu tremia violentamente, na tentativa desesperada de não


explodir ali mesmo, mandar a cautela pro inferno e foder ela
com toda a força que me era possível. Finquei meus dedos no
colchão macio da cama, procurando ao mesmo tempo me
estabilizar e manter minhas mãos ocupadas.

Não funcionou.

Na terceira subida que sua boca fez em mim minhas mãos


migraram com rapidez para sua cabeça, meus dedos
entrelaçados em seus cabelos, reforçando o movimento de
vai-e-vem que ela fazia.1

Eu expirava com força, tentando disfarçar a angústia em


meus gemidos. Meus olhos rolavam para dentro, e eu não
conseguia ter um pensamento coerente sequer.4

Seus movimentos agora começavam a ficar mais firme. Ela


apertava os lábios em volta do meu pênis, e quando chegava
à ponta intensificava a força que fazia com a língua,
chupando com vontade a parte mais sensível ali, para só
então voltar a colocar meu pau quase inteiramente dentro da
boca outra vez.
- Ahhhhhhhhh... Eu...Eu vou gozar! Merda!

Não demorou nem cinco segundos.

Enquanto voltava do transe, começando a ouvir novamente o


som da minha própria respiração ofegante na escuridão, senti
a boca de Camila ainda me envolvendo, verificando se toda a
minha porra já havia sido engolida antes de poder tira-la dali.

- Vou te dar dois minutos. - Ela provocou.4

Respirei fundo e sorri, retirando as mãos de seus cabelos e


passando-as pelo meu rosto.

- Acha que não dou conta? - Perguntei, virando-a e a levando


mais pra perto da cabeceira, me posicionando em cima dela
entre suas pernas. Agora era minha vez de provoca-la. - Saiba
que posso foder você uma, duas, três vezes seguidas. Sem
nem tirar.4

- Isso é impossível. - Ela respondeu, e eu pude ver em seu


rosto, pelo brilho que a lua refletia, que ela sorria.

- Acredite, eu posso fazer isso.

- Eu vou tirar isso a limpo.

- Está me desafiando? - Perguntei, brincando com a língua no


pescoço dela. - Bom, eu gosto de desafios...

- Alcancei sua mão esquerda, pegando o preservativo que ela


ainda segurava, finalizando meu discurso: - ... mas não hoje.

Rasguei a embalagem e fiquei de joelhos na frente dela.

- Você pode me dar uma mãozinha? - Pedi.3


Ela entendeu o recado, segurando com força meu pênis e
movimentando-o para cima e para baixo como ela sabia
muito bem fazer. Foi o suficiente, após algum tempo, afastei
sua mão de mim e rolei o preservativo por toda a extensão do
meu pau.

Camila segurou outra vez, guiando-me para a entrada da sua


boceta.

Segurei nos seus quadris sem muita força e penetrei-a


lentamente, testando a posição.

Uma. Duas. Dez vezes.

- Não estou machucando?

- Não...

Reparei que ela me olhava profundamente, e seu olhar


transmitia uma gratidão que eu não entendi.

- Que bom, outra posição boa pra gente. - Penetrei-a


novamente, deitando meu corpo em cima do dela, deslizando
minhas mãos pela sua barriga e seus seios no percurso,
finalmente parando em seus cabelos. Posicionei minha boca
em sua orelha, intensificando um pouco o movimento que
meu pau fazia dentro ela. - Camila?2

- Sim...

- Posso chamar você de Camz?10

Ela demorou a responder, claramente pensando se seria uma


boa ideia me deixar fazer isso. Eu sabia que suas amigas a
chamavam de Mila, mas eu queria dar um diferente. Eu talvez
estaria ultrapassando os limites, já que apenas as pessoas
que ela se importava e que se importavam com ela,
chamavam ela por apelido. E eu, obviamente, era só uma
cliente.

- Pode.

Estoquei com força e ela gemeu supresa.

- Seu nome é bonito... - Outra estocada. Outro gemido alto.


- ... mas Camz é... doce.4

- Ahhh!

- Além do mais, é mais curto.5

- Para com essa porra! Aaahh!

- Parar com o quê?- Perguntei ao pé do seu ouvido com uma


voz inocente, metendo nela outra vez.

Ela suspirou, agarrando-se nos meus cabelos.1

- Camz, só estou querendo conversar.3

Meti outra vez com mais força do que antes.

- Que ótima... hora.. pra conversar!6

Comecei a investir mais rápido e com mais força, mas mesmo


assim mantinha meu tom de voz despreocupado. Sim, eu
queria provoca-la, e ao que tudo indicava, estava
conseguindo.

- Me explica uma coisa... Na primeira vez que a gente trepou


você não estava nem aí pra mim. - Como as estocadas
estavam mais fortes e mais rápidas, foi difícil manter o tom
calmo e casual na voz. Ainda assim, continuei teatralmente: -
Agora você parece um pouco mais envolvida.1

- Putaqueopariu...
- Quero dizer, você poderia até meditar enquanto eu te comia,
não parecia se abalar nem comigo toda dentro de você. E
hoje não quer conversar. É estranho, sabe?

- Lauren? - Vá se foder. - Falei.

- Prefiro foder você.4

- Sua...

- Acho que você me acha uma pessoa legal. - Levantei e me


posicionei de joelhos na cama entre suas pernas novamente,
ainda dentro dela, segurando agora sua cintura com força e
estocando violentamente. - Eu sou uma pessoa legal, não sou,
Camz?

- HMMMMMM!14

Senti sua boceta envolver e comprimir meu pau em ondas


cada vez mais rápidas, e pude constatar que ela ia ter um
orgasmo. Automaticamente, fitei seu rosto.

Eu sabia que um orgasmo era o momento no qual seu corpo


estava completamente entregue e sua alma em paz. Era
muito fácil ver a essência de uma mulher na hora do clímax,
porque naquele momento não havia fingimentos ou
precauções.1

Eu queria vê-la. E com a luz que inundava o quarto pela


janela, eu a vi.

Camz havia jogado seus braços acima da sua cabeça,


repousados no colchão em um arco quase perfeito. Sua boca
estava aberta, puxando todo o ar que podia para ajudá-la a
lidar com a explosão que seu corpo estava prestes a sofrer.
Seus olhos fechados dançavam por trás das pálpebras,
acompanhando o movimento que eu fazia dentro da sua
boceta. Duas ou três vezes seus olhos se abriram
timidamente, apenas para voltarem a se fechar lento e
prazerosamente com a próxima estocada que viria.

Ela estava absurdamente linda.

Linda como eu nunca havia percebido.7

Não sabia se era efeito da luz perolada que a lua me oferecia


ou se era aquele perfume que eu começava a temer, tinha
algum poder sobrenatural sobre mim, mas o fato era que
Camila, Camz, era uma visão de tirar o fôlego. Até mesmo
suas manchas e hematomas não apagavam sua graça
naquele momento. Eu já a havia sentido gozar antes, mas
nunca tinha visto aquilo. Agora eu podia ver a cena que havia
perdido, e meu Deus... Era linda!

Tentei acompanhá-la no clímax e consegui. Joguei minha


cabeça para trás, deixando meu corpo ser inundado pela
inconsciência alguns instantes depois de ouvir de sua boca
um gemido final de prazer entre respirações ofegantes.

Então tudo ficou em paz.

Eu estava de joelhos com a cabeça baixa, ainda dentro dela. E


poderia ficar daquela forma por um bom tempo, se minhas
pernas não estivesse começando a ficar dormentes.

Com cuidado, me retirei de dentro de Camila e fui me deitar


ao seu lado, de bruços. Esperei mais alguns minutos em
silêncio, olhando para a figura de uma garota linda agora
quase adormecida ao meu lado.
- Ei... - Falei baixo enquanto tocava com a ponta do dedo o
corte em sua maçã do rosto. - O resto da sua noite ainda é
minha. Não pode dormir.1

Ela sorriu ainda com os olhos fechados.

- Não vou dormir. Só preciso descansar, porque embora você


seja a deusa do sexo, eu não consigo ser fodida duas vezes
seguidas.

- Eu sou demais. - Sorri de maneira presunçosa.

- Quantos anos você tem? Quinze?

- Você só está com inveja porque EU sou uma deusa do sexo e


você é uma reles mortal.6

- Não quero te chatear, mas já estive com pessoas eram


realmente boas. Difíceis de serem passadas para trás.

Fitei-a com malícia.

- Pois então eu te prometo, Camz: Hoje eu te deixo como


nenhuma pessoa te deixou antes. E quando amanhecer, você
ainda vai estar sentindo o meu cheiro em você.

Como combinado, o restante daquela noite foi minha. Certa


hora tive que descer em busca de Chloe para informa-la que
Camila não estaria mais disponível. Ignorei a reação de
espanto que recebi, subindo novamente no quarto dela e
ficando por lá.

Fizemos sexo de todas as maneiras, em posições que eu


nunca havia tentado e em vários lugares dentro do quarto:
Cama, chuveiro, chão, penteadeira e escrivaninha. Meu
preservativo extra na carteira não foi suficiente, então tive
que usar ainda três dos muitos que Camila guardava em seu
criado mudo.6

O que me intrigava era o fato de que eu não conseguia cansar


dela. Não no sentido de exaustão - já que quando o relógio
marcava 4h da manhã nenhuma de nós conseguia sequer se
mexer -, mas sim no sentido de que eu não enjoava daquele
corpo. E eu sempre, sempre enjoava fácil das mesmas
mulheres.

Afinal, ela deve ter mesmo algo de especial.

Não sei em qual momento deixei de saber onde estava, mas


finalmente me permiti afundar na inconsciência e daquele
ponto em diante, não conseguia me lembrar de mais nada
sobre aquela noite.

Pov Camila

Acordei na manhã seguinte com o barulho de chuva. Uma


chuva pesada, que resolveu cair de uma só vez naquela
manhã de sábado.3

Aos poucos o vento e as gotas pesadas me fizeram voltar à


realidade. Abri os olhos tentando adapta-los à claridade que
as sete horas da manhã traziam, conforme informado pelo
despertador posicionado em cima do criado mudo
diretamente ao meu lado.
Permiti a mim mesma não me mexer, travando uma batalha
épica contra minhas pálpebras. Aos poucos recobrei a
consciência, o que me fez notar as dores no meu corpo
enquanto tentava virar de barriga para cima na cama.

- Merda...

Não consegui ouvir minha voz, que saiu em um sussurro.


Optei por permanecer de bruços por algum tempo, já que
ficar imóvel parecia ser a única ação que conseguia
desempenhar sem sentir dor.

Foquei-me no barulho agradável que a chuva fazia do lado de


fora sem querer raciocinar ainda, e me vi embalada por
aquele som.

Podia jurar que indícios de um sonho começavam a se formar


na minha imaginação quando fui assustada por um trovão,
não muito forte, mas que ainda sim foi o suficiente para fazer
com que eu abrisse meus olhos outra vez.

- Meeerda...

- Hhhmmpff...

O susto fez com que eu me virasse na cama mais rápido do


que eu desejava. Senti novamente as dores no corpo se
manifestando sem piedade, mas não foi o suficiente para que
eu desviasse minha atenção da mulher que também de
bruços, se mexia timidamente ao meu lado, ainda de olhos
fechados.

Os cabelos de Lauren estavam ainda que eu achasse


impossível, mais desalinhados do que o normal. Seu rosto
estava quase enfiado no travesseiro macio, e um lençol cobria
apenas a área de seu corpo que não devia ser vista - a mais
linda.2

Continuei fintando-a, sem saber o que fazer, e então flashes


da noite anterior vieram à minha memória:

Lauren pagou para ficar comigo durante o resto da noite. Nós


fizemos sexo até as 4h da manhã. E então, nós apagamos na
minha cama.

- Ah, merda...

Eu imaginava que ela fosse ficar irritada em acordar na cama


de uma prostituta, mas isso era inevitável.1

Ela despertaria a qualquer momento, então me veria ao seu


lado, lembraria do que aconteceu e sairia do The Hills o mais
rápido que pudesse.

Depois de alguns minutos pensando cheguei à conclusão de


que talvez fosse melhor acorda-la de uma vez e fazê-la ir o
quanto antes. Na verdade eu teria feito isso imediatamente se
não estivesse admirando-a praticamente de boca aberta,
como uma completa imbecil.

Não havia como negar: Lauren era absurdamente linda.4

Era uma beleza quase imoral, quase sobrenatural. Mas tudo


nela conseguia ser tão perfeito, tão deslumbrante, que eu
começava a me perguntar se aquela beleza era ao menos
possível.1

Como se pudesse ler meus pensamentos, ela sorriu. Um


sorriso tão simples e tão devastador que me fez perder um
pouco do fôlego, já instável pela situação. Devia ser um sonho
bom ou no mínimo agradável para fazê-la sorrir daquela
forma tão doce, tão apaixonante...

Sem tirar os olhos dela, me pegue sorrindo de volta pelo


simples fato de vê-la sorrir, e desejei íntima e profundamente,
sem nem saber por quê, que eu estivesse naquele sonho.

A chuva começou a cair com ainda mais força, por hora me


libertando de meus devaneios.

Me levantei da cama com dificuldade e rumei para o banheiro,


fechando a porta com cuidado ao passar por ela. Lavei o rosto
e penteei meus cabelos com os dedos, sem sequer olhar para
o espelho, deixando um bom banho para depois- depois que
eu tivesse com Lauren fora do meu quarto.

Passei meu creme lembrando das dores que sentia e vesti


meu robe ao entrar novamente no quarto.

Ela não havia se mexido, o que poderia significar que estava


dormindo profundamente.

Relutei em acorda-la sem saber se era porque não queria tira-


la daquela paz que a cercava em seus sonhos, ou porque a
presença dela ali fazia com que eu me sentisse leve.

- Lauren... - Sussurrei, dando um tapinha leve em seu ombro.

Ela não respondeu.

Repeti o tapa algumas vezes, mas ela parecia profundamente


adormecida.

Em um ato extremamente ousado, permiti aos meus dedos


entrarem naquele cabelo desalinhado e fofo, fazendo ondas e
movimentos suaves. Mais uma vez meu fôlego ficou instável.
Depois de alguns minutos fazendo isso, ela se moveu, o que
me pegou de surpresa e me fez retirar rapidamente as mãos
do local, investindo novamente nos tapinhas no ombro.

- Lauren..

- Hmmmmmmm....

- Você tem que ir.

- Hm.

- Me ouviu?

- Uhum.4

Acreditando ter terminado aquela conversa, ela puxou o


lençol para se cobrir completamente e se aconchegou mais ao
travesseiro embaixo de sua cabeça.1

Aquilo era uma coisa nova que entraria para a minha lista de
coisas nas quais eu era péssima em fazer: Acordar alguém de
maneira graciosa.2

Vamos tentar de novo.

- Lauren...

- Hmmmm?

- É sábado. E você está no meu quarto.

- Uhm-hm...

- Você está me ouv...

- Meu Deus, mulher, me deixa dormir!13

Fui pega de surpresa pela rouquidão na sua voz. Ela ainda


mantinha os olhos fechados.
- Você não está em casa. - Falei, tentando manter minha voz
baixa como se estivesse falando com um doente.

- Eu sei onde estou. Estou no seu quarto, na sua cama,


tentando dormir. Mas você não deixa. É sábado, são 7:15 da
manhã... Pelo amor de Deus...

- Mas... Você está na minha cama...1

- Então me deixa dormir. - Ela pontuou como se fosse um


argumento óbvio, se aconchegando mais nos lençóis e dando
um ponto final na discussão.1

Eu nunca imaginei que alguém quisesse ficar na minha cama


como se fosse algo comum. Grande parte dos clientes tinha
um certo nojo e permanecia nela pelo menor tempo possível.
Lauren ironicamente parecia ser diferente de todos os outros
clientes em praticamente todos os aspectos.

- Bom... - comecei, mais em um sussurro do que propriamente


palavras - ... eu vou me deitar também então.2

Se ela tivesse alguma objeção a isso, teria falado. Mas Lauren


permaneceu muda.1

Imóvel.

Ótimo.

Levantei da cama buscando na gaveta uma camiseta branca


e uma calcinha. Vesti as peças de roupa e e voltei para o lado
dela, ainda um pouco receosa com sua reação quando se
desse conta de que estávamos na mesma cama.

Não adianta xingar depois... Eu tentei te avisar.


Tentando afastar minhas inseguranças, deitei no colchão com
cuidado e virei de lado com as costas para ela. Eu não queria
olha-la. Estranhamente, olha-la fazia com que eu ficasse feliz.
E isso era muito estranho. Vê-la ali, ao meu lado, como se
nada mais importasse, era simples. Era bom. E a cada minuto
que passava ficava melhor, porque parecia não haver
complicações ou limitações. Ela estava ali e isso era tudo.1

A respiração tranquila dela, minha própria respiração


hesitante e a chuva do lado de fora eram os únicos sons, os
sons que davam a melodia naquele momento de paz. E era
tão bom...

Exatamente por ser tão bom, eu não queria encara-la.

Porque sabia que quanto mais eu me amarrasse à presença


dela ao meu lado, em um sono tranquilo, mais seria difícil de
aceitar a dor em não tê-la ali mais tarde.

Eu sabia que doeria.

E saber disso me deixou com medo.

Subitamente senti seus braços me envolverem, o corpo dela


formando uma concha com o meu.

Fiquei imóvel, em pânico, em êxtase.

- Hmmmm...Você... passou o creme, né?

Puta merda, puta merda, puta merda.7

- Sim...

- Esse cheiro é muito bom. - Ela disse, enfiando o rosto entre


meus cabelos e meu pescoço e inspirando profundamente ali.
Não respondi, mantendo meus olhos arregalados e tentando
fazer com que meu coração não saísse pela boca. Eu não
movia um único músculo, com medo de que ela se afastasse.

Depois de alguns minutos fechei os olhos e saboreei o


momento:

Os braços dela em volta de mim.5

Os dedos dela em minha barriga.4

A respiração dela no meu pescoço.

A perna esquerda dela entre as minhas.6

Eu não queria dormir. Queria aproveitar cada segundo


daquele abraço. Aquilo era o máximo de carinho que eu havia
recebido em todo minha vida como prostituta. De tão bom,
sequer parecia real.

Mas tudo ali me embalava. O clima, os sons, o ar. Os lençóis,


a pele dela, o calor da pele dela...

E então, mesmo relutante, não consegui vencer o sono que


mais uma vez, fez com que eu relaxasse e esquecesse de
tudo.

***

Levantei-me assustada quando Lauren resolveu desfazer o


abraço de urso que mantinha ao meu redor e fui a procura do
objeto escandaloso, tateando entre roupas e móveis,
procurando dentro de bolsas, gavetas e mochilas.

Minha visão, ainda turva pelo sono, tornava a tarefa


extremamente desafiadora, finalmente o celular parou de
tocar.
Fiquei um pouco mais calma, começando a procurar direito
dessa vez. Achei-o em cima de uma pilha de livros coberta
por roupas dobradas, esquecidas no canto mais escuro do
quarto. Abri e visualizei uma chamada não atendida de
Samantha.

- Mas que diabos?

Por que ela simplesmente não havia batido na porta e me


pedido para abri-la, como sempre fazia quando queria falar
comigo?1

Virei-me ainda com os olhos no telefone só então me lembrei


de Lauren, ainda deitada na minha cama, me fitando com
uma cara estranha. Se era curiosidade, revolta ou só sono, eu
não saberia dizer.

Encarei-a de volta por algum tempo sustentando seu olhar,


até que ela se cansou daquele jogo e se levantou, rumo ao
banheiro.

No meio do caminho pegou sua cueca box e bateu a porta


atrás de si.

Ela caminhava de um jeito imponente. Eu sempre notei isso,


mas sentia que a cada dia que passava aquela mulher
exalava mais poder do que antes.2

Suspirei e dois segundos depois o celular, ainda na minha


mão, me alertou uma nova mensagem recebida.

Olhei para o visor e apertei '' Visualizar '', logo me deparando


com uma mensagem de Samantha:

Me diga que Lauren não está no seu quarto.4


Sorri lendo aquela pequena frase, imaginando Samantha
mordendo-se de ansiedade pela minha resposta enquanto
todas as outras meninas roíam as unhas de expectativa
também.

Era mesmo impressionante como quase nada passava


despercebido naquele lugar.

Apertei o botão de '' Responder'', já com minha frase


formulada, mas parei logo em seguida. Será que eu devia
falar que ela estava aqui?

Talvez ela não quisesse ser notada, e tentasse sair pelos


fundos, evitando fofocas. Mas então me lembrei que se
tratava de Lauren, mesmo que ela se teletransportasse as
pessoas saberiam que ela havia estado ali. Fosse pelo
perfume natural da sua pele ou pela aura de poder que ela
emanava sobre todas as pessoas daquele lugar, e
provavelmente do universo.

Sim, está. Por favor, sejam discretas.2

Terminei de digitar e enviei a mensagem, desligando meu


celular logo em seguida. Foi o tempo de escutar, claramente,
risinhos excitados no andar de baixo.

Reparei pela primeira vez nas notas de dinheiro jogadas ao


chão, e imediatamente me lembrei da noite anterior.

Eu estava extremamente grata aos deuses e ao destino- o


que fosse- pelo fato de Lauren ter ficado comigo o resto da
noite anterior. Ela havia sido uma cavalheira me deixando
escolher o que fazer ontem. Ela era a única dentre centenas
de clientes que realmente se importava um pouco comigo.
Recolhi do chão o bolo de notas, alinhando-as na palma da
mão, dobrando-as e colocando-as de qualquer jeito sobre o
móvel onde se encontram o resto das notas que um dia
pertenceram a carteira dela.

A porta do banheiro foi aberta. Lauren saiu, notando minha


presença imediatamente ao seu lado, mas mesmo assim não
me encarou.

- Como eu não tinha escova de dentes, usei seu séptico bucal


- Ela falou de repente - Espero que não tenha problema.1

- Tudo bem.

Pegou distraída suas calças de cima de uma cadeira tirando a


carteira de um dos bolsos. Ela veio na minha direção como se
tivesse lembrado de algo com um estalo, desviando de última
hora para pegar as notas em cima do móvel atrás de mim e
conta-las.

Esperei de braços cruzados que ela acabasse com sua


matemática. Quando pareceu terminar, não disse nada. Ao
invés disso foi de encontro à sua carteira novamente, abrindo-
a e tirando de lá um cheque.

- Você tem uma caneta? - Ela perguntou, olhando em volta.

- Por quê?

- O dinheiro não paga suas horas. Respondeu, correndo para o


livro em cima da escrivaninha e tirando uma caneta de dentro
dele.

- Você acabou de desmarcar o ponto eu tinha parado a minha


leitura. - Falei só por falar.5

Eu não tinha realmente me importado com aquilo.


- Já ouviu em falar em marca-páginas? Vou te arranjar alguns.
- Ela respondeu debochada. Lauren manteve sua cabeça
baixa preenchendo o cheque e eu me senti estranhamente
contrariada com aquela situação. Quando acabou, ela veio até
mim e deixou o cheque junto às notas. Em nenhum momento
seus olhos cruzaram com os meus.2

- Qual é o problema? Perguntei já meio incomodada.

- Problema nenhum. - Ela respondeu calmamente, terminando


de se vestir.

- Por que você não olha pra mim?5

Ela parou de abotoar sua camisa e me fitou ao falar outra vez:

- Odeio te ver assim.

- Assim como? Acabando de acordar?

- Não é isso. Você está toda... marcada.

Ah. Isso. Merda.

- Seus hematomas ficam menos evidentes de noite.

- Bem, tudo fica mais claro de dia, né? - Falei debochada.

- Estou vendo. - Ela pontuou meia triste.

Fui até um dos criados mudos, peguei uma bolsa de


maquiagem que Samantha havia me emprestado e adotei um
tom educado na voz:

- Com licença. Estarei normal em quinze minutos.

E dizendo isso, fechei a porta do banheiro atrás de mim.

Quando sai fiquei surpresa ao constatar que ela ainda estava


no quarto, sentada na ponta da cama enquanto lia algum
capítulo de Orgulho e Preconceito. Ela me lançou uma olhada
pouco discreta de cima a baixo e sorriu.

- Você parece melhor. - Ela falou.

- Eu me sinto melhor. É, maquiagem realmente é a melhor


amiga das mulheres.3

- Jane Austen é muito romântica.3

- Sim. - Falei sem emoção, enquanto procurava alguma calça


para cobrir minha calcinha. Como só encontrei um short
jeans, o vesti rapidamente.

- Você é romântica?

Olhei-a imediatamente e vi que ela já me encarava.

- Não. - Respondi. - Não posso me dar a esse luxo.

- Todo mundo pode ser romântico.

- Eu não ganho nada sonhando com um príncipe encantado.


Pelo contrário, só tenho a perder.1

- Ninguém tem nada a perder com um sonho.

Suspirei.

- Quando você percebe que um sonho é inalcançável então


você tem muito a perder.

- Não subestime o poder dos contos de fadas.3

- Prometo não subestimar assim que minha vida se


transformar em um. Mas até lá me permito ser amargurada
com a vida e não acreditar no amor.

- Você não acredita? Ela arregalou seus olhos verdes - Nunca


se apaixonou?
Eu queria responder imediatamente, mas alguma coisa na
minha cabeça martelava uma dúvida ridícula, algo que eu não
queria sequer tentar entender. Respondi depois de algum
tempo:

- Não. Nunca.2

- Uau. - Ela voltou seu olhar pelo livro agora fechado,


apreciando a capa.

- Você já? - Soltei.

- Já.

- Bom, dada a situação, acredito que não tenha sido um conto


de fadas também.

De repente senti receio de ter sido rude, mas ela soltou um


riso amargurado e debochado, ainda não olhando para mim
ao responder:

- Não, não foi.

Então seu rosto ficou triste como eu jamais havia visto, e isso
me fez sentir uma súbita tristeza por ela.

- Um dia você me conta essa história. - Falei. - Se quiser, é


claro. - Corrigi, tropeçando nas palavras e sentindo corar da
cabeça aos pés.

Ela sorri um sorriso gentil enquanto falava outra vez:

- Vai ser bom conversar.1

Sorri de volta, agradecendo em silêncio por Lauren querer


compartilhar algo comigo além de sexo sem compromisso.

- Então... Vamos nos descer?


- Claro... Claro.

Calcei o primeiro par de sandálias que eu encontrei e fui em


direção à porta. Olhei em volta constatando que o corredor
estava deserto, e então saí do quarto com Lauren atrás de
mim. Desci as escadas em silêncio, chegando no andar
debaixo rapidamente. Olhei em volta mais uma vez buscando
por alguém, mas não havia nenhuma garota à vista.

- Bom... Por qual porta você quer sair?

Ela me olhou surpresa.

- Eu... Bem, pensei que pudesse comer alguma coisa antes de


ir embora...5

- Você quer tomar café da manhã? Aqui?

- Aham... Eu posso comer qualquer coisa na rua...

- Não! - Falei um pouco apressada. - É que eu pensei que você


quisesse ir.... Desculpe.

- É que eu estou mesmo morrendo de fome, mas se for


atrapalhar eu poss...

- Não vai. - Interrompi-a. - Vem por aqui.

Sem nem pensar, peguei sua mão e puxei-a para a cozinha, e


esse simples ato me fez corar outra vez. Estava tão dispersa
que não notei as conversas que vinham de lá, e sem nem
pensar nisso abri a porta, me deparando com várias garotas
sentadas na grande mesa central enquanto tagarelavam
sobre qualquer coisa sem importância.

Estaquei, ainda segurando a mão de Lauren enquanto o grupo


nos olhava com interesse. Samantha tinha a boca um pouco
aberta e eu não consegui pensar em nada para dizer. Depois
de alguns segundos cheguei à conclusão de que talvez fosse
melhor não estar tocando nela naquele momento. Soltei sua
mão como se ela queimasse e cruzei os braços no peito.
Lauren falou primeiro.

- Bom dia, meninas.

Elas responderam em um uníssono. As que conseguiam


formular uma resposta, pelo menos:

- Bom dia, Lauren.

- Desculpem invadir assim o espaço de vocês, mas eu estou


morrendo de fome, sabem? - Ela pontuou fazendo um
beicinho irritantemente adorável.1

Revirei os olhos.

- Ahhh, eu preparo algo pra você! Vem cá! - Hanna disse, um


pouco mais animada do que deveria.3

Enquanto eu sentava à mesa me servindo de suco de laranja,


Samantha me lançava olhares cheios de significados. Dei de
ombros, notando que ela era a única mulher no recinto que
prestava atenção em mim ao invés de Lauren.

Ela se sentou na cadeira imediatamente à minha frente, rindo


feito boba do poder que exercia sobre aquelas mulheres.

- Rídicula. - Sussurrei para ela, o que fez a alargar ainda mais


o sorriso.

- Dormiu bem Lauren? - Britt perguntou de repente e eu


engasguei com o suco, tossindo feito louca. Não era do feitio
dela ser irônica, o que me assustou. Scarlet, sentada ao meu
lado, deu tapinhas leves nas minhas costas, ficando ciente da
minha presença pela primeira vez.1

- Ah, sim. - Ela respondeu. - A cama da Camz é muito


confortável.

Fez-se um silêncio momentâneo.

- Camz? - Algumas meninas falaram juntas, enquanto as


outras se entreolharam.

Hanna quase deixou cair os ovos que trazia nas mãos, e


Scarlet parou de tentar me fazer voltar a respirar.

- Vocês a chamam de Mila e eu a chamo de Camz. - Eu pedi


permissão a ela pra isso, então também posso chama-la
assim. - Ela falou, piscando pra elas.3

Eu queria enfiar a cabeça na cesta de pães a minha frente,


mas imaginei que fosse chamar muita atenção, então fiquei
ali, olhando com ódio para Lauren e sua indiscrição, sentindo
meu rosto queimando de vergonha.

- Ah, então se ela está bem com isso, tudo bem. - Disse
Samantha, tentando dar um fim naquele assunto.

- Eu - vou- matar - você.

Movi meus lábios formando palavras sem som pra ela,


enquanto ela ria da minha cara.

As meninas já conversavam e riam novamente, olhando para


Lauren e voltando a lançar olhares entre elas. Graças a Deus
ninguém olhava para mim, a não ser ela.

- Seu omelete. - Hanna disse, colocando um prato na frente


dela e sentando-se na cadeira vazia ao seu lado, apoiando
seu queixo sobre uma mão como uma adolescente vendo um
filme do Brad Pitt.

- Parece muito bom. Obrigada. - Ela agradeceu, piscando pra


ela. Que mania irritante ela tinha de piscar para as pessoas!

Ela riu satisfeita em resposta, e eu comecei a ficar puta.

- Com licença. - Arrastei a cadeira para trás me levantei.

- Vai aonde? - Ela perguntou.

- Ler. Você já conhece o caminho até a porta. E mesmo que


não conhecesse, tenho certeza que Hanna ficaria mais do que
contente em lhe acompanhar.10

Ela sequer olhou para mim quando mencionei seu nome,


tamanho era o seu interesse nela.

- Ah, ok. Bom, até mais então.

- Até.

E dizendo isso, saí da cozinha, tentando mais do que nunca


não pensar que a cena que tinha acabado de fazer na frente
de todas aquelas mulheres e de Lauren não tinha nada,
absolutamente nada a ver com ciúmes.6

***

Capítulo 3

Pov Camila

O resto daquela manhã e o início da tarde foram tomados por


Samantha e Scarlet fazendo perguntas sobre os detalhes mais
sórdidos do que havia acontecido entre mim e Lauren na
noite anterior.1

- Pelo amor de Deus, até parece que vocês não sabem de


tudo. Vocês fazem a mesma coisa todos os dias. - Falei
desanimada. 2

- Mas nenhum cliente ficou na minha cama até o dia seguinte.


- Samantha falou.1

- Principalmente uma cliente como Lauren. - Scarlet


completou.

- Ela devia estar cansada. - Falei.3

- Qual é, Mila. Um cliente não dorme na cama de uma puta a


não ser que esteja bastante confortável.3

- Scarlet, se ela estava confortável ou não, eu não sei. Mas


não deve ter sido a primeira vez que ela faz isso.

- Bom, começou Samantha - pelo menos aqui ela nunca fez


isso. Com nenhuma de nós.

Senti-me subitamente de bom humor, o que tentei não


relacionar ao fato de saber agora que estava, de certo modo,
em um patamar diferente das outras garotas daquele lugar. 1

Mesmo animada, tentei mudar de assunto. Precisava ficar


sozinha.

- Bem, eu vou dar uma volta. É sábado, nada de clientes pra


me azucrinarem. Vou aproveitar a paisagem.2

- Mas ainda está chovendo.1

- Ótimo. Menos pessoas na rua pra ficarem olhando para


mim.1
***

Às cinco da tarde eu saia do The Hills com minha bolsa-


mochila no ombro, vestindo um casaco vermelho desbotado,
calça jeans skinny e um par de All-Star velhos.

Eu não tinha guarda-chuva, mas não precisava. Estava


chuviscando e as pequenas e finas gotas não me
incomodavam. Ao contrário, eram bastante agradáveis.
Constatei que as nuvens estavam pesadas e os trovões
estavam cada vez mais frequentes, então corri para não
pegar um dilúvio que eu sabia que viria.3

Puxei o capuz do casaco para cobrir a cabeça e caminhei até


o ponto de ônibus. Queria ir ao parque do outro lado do
bairro, respirar novos ares. Assim que cheguei, corri para uma
das muitas mesas redondas de madeira coberta por telhas
vermelhas. Como não ventava, consegui me proteger da
chuva ali.1

Era um lugar calmo e obviamente, estava vazio. Pelo pouco


das ruas e casas que consegui analisar, pude constatar que
era um bairro de pessoas no mínimo bastante ricas.

Tirei meu livro, um dicionário e uma caneta da bolsa,


colocando tudo em cima da mesa e sentando em um dos
quatros tocos de madeira que serviam como bancos. Graças a
Lauren, tive que procurar por algum tempo a página na qual
eu havia parado a leitura. Sentindo o cheiro e ouvindo o
barulho da chuva, consegui relaxar.

Não sei por quanto tempo eu fiquei ali. Tudo parecia tão
calmo e fácil. O lugar era lindo, a grama era bem aparada, de
um verde vivo. As gotas agora, mais grossas e em maior
quantidade, caíam pesadamente na superfície do enorme
lago que ficava no centro do parque. Aquela atmosfera me
contagiava, e naquele momento, aquele lugar era o melhor
lugar do mundo para se estar.

Vi alguém correndo através da espessa cortina de chuva, se


abrigando em uma das mesas cobertas que ficava do outro
lado do parque. Sorri sem nenhum motivo. A mulher, como
pude constatar depois de alguma análise, retirava seu casaco
de couro e balançava seus cabelos molhados como um
cachorro que acabara de sair do banho.

Voltei meu olhar para o livro e retomei a leitura. Poucos


minutos depois meu celular emitiu um som fraco e
moribundo, me avisando que a bateria tinha se esgotado.

- Ótimo. Nada como paz. - Falei, em voz alta.

- Eu concordo.1

Pulei de susto ao ouvir a voz falando imediatamente atrás de


mim, num to suficientemente grave para não ser encoberto
pelo barulho forte da chuva.

Era uma voz feminina. Uma voz bonita, incisiva, um pouco


rouca e poderosa.4

Aquele tipo de voz que você imagina que uma mulher linda
tenha, e pelo fato de ter estado pensando naquela voz de
cinco em cinco minutos, quando me dispersava da história de
Jane Austen à minha frente, não precisava nem me virar para
saber quem era a mulher que se encontrava a pouco menos
de um metro de distância de mim.
Mesmo assim me virei, encarando aqueles olhos verdes
maravilhosos. Ela estava ensopada da cabeça aos pés e trazia
uma revista enrolada completamente molhada e mole em
uma mão, e na outra, seu casaco.1

Normalmente, quando era pega de surpresa, eu demorava um


pouco para formular uma frase. Nesse caso eu tinha acabado
de ser pega de surpresa por Lauren, o que fazia com que
minhas tentativas de falar alguma coisa coerente fossem
ainda mais fracassadas. Porque Lauren me deslumbrava
naturalmente, me pegando de surpresa ou não.

- Você... O que... - Tossi, limpando a garganta. - O que está


fazendo aqui?

- Eu é que pergunto. Aqui é um pouco longe de onde você


mora.2

- Eu queria sair... Ler um pouco... Fugir um pouco...

- Entendi.

Eu ainda não sabia o que ela estava fazendo ali. Não


acreditava em coincidências, muito menos em destino.4

- O que está fazendo aqui? - Repeti.

- Bom, eu fui até a banca comprar uma revista, e aí o céu


desabou em cima da minha cabeça. Então atravessei a rua e
vim correndo pra cá. Fiquei em baixo daquela proteção do
outro lado do parque e te vi. Bom, pensei que fosse alguém
parecido com você, mas não pude dizer com certeza. Então
vim verificar, e aqui estou.

Lauren pontuou seu discurso com um sorriso torto


contagiante. Eu suspirei. 
- Você mora por aqui? - Perguntei.

- Moro a dois quarteirões daqui. Consigo ver esse parque


inteiro da varanda da minha sala. - E dizendo isso, apontou
para um prédio branco espelhado imponente, o mais alto à
nossa esquerda, um pouco longe.

- Deixa eu adivinhar: Você mora na cobertura? 

- É.4

Sorri com deboche abaixando a cabeça. Então ela era mesmo


uma mulher podre de rica.

- Ei, posso sentar?

- Claro. - Tirei minha bolsa de cima do banco ao meu lado,


cedendo-lhe o lugar.

Ela aceitou, sentando-se e puxando um assunto aleatório:

- Então... Um sábado chuvoso. Que droga, né?5

Manter um papo normal com Lauren soava forçado, porque


nós não batíamos papo. Nós não nos conhecíamos para isso, e
nosso objetivo juntas era bastante diferente de jogar conversa
fora. Mesmo assim eu queria dar uma chance para que esse
relacionamento, errado em quase todos os aspectos, pudesse
se tornar algo melhor, algo que valesse à pena.1

- Eu gosto de chuva. - Respondi. - Me traz paz. E o cheiro é


muito bom.2

Ela sorriu.

- Acho que você é a única pessoa no mundo que prefere um


sábado chuvoso a um sábado ensolarado e quente.6
- Não creio que seja a única. - Concluí meio distraída - Você
que não deve conhecer muitas pessoas tão sensíveis como
eu.

Ela me olhou profundamente, mas eu continuei:

- Quero dizer, é muito fácil gostar de um sábado ensolarado,


mas quase ninguém vê a beleza de uma tarde chuvosa. Se as
pessoas tentassem ver a  real beleza disso aqui... - Olhei em
volta, deixando a frase no ar. - Não estou dizendo que não
gosto do sol, mas as pessoas parecem se esquecer de que,
sem a chuva, o tempo bom seria cansativo. A gente tem que
mudar de vez em quando, senão tudo fica muito chato.

Olhei-a novamente e constatei que ela não simplesmente me


olhava: Ela estava me analisando.

Senti meu rosto corar, conseguindo finalizar meu argumento


em um tom de voz mais baixo que antes:

- Mas ainda prefiro a chuva...

- Sabe... - Ela começou depois de alguns segundos em silêncio


- Acho que agora prefiro a chuva também.1

Seu olhar era penetrante, e eu comecei a me sentir


completamente exposta àquele olhar. Desviei os olhos,
voltando a tentar ler o livro à minha frente.

- Ainda aquele livro?

- É. Avancei bastante hoje, já passei da metade. - Respondi.

- Você lê com dicionário?

- Sim. - Pela milionésima vez, corei. Minha mania de corar na


frente dela já estava ficando irritante. - Tem algumas
palavras... Sabe, difíceis. Eu não entendo, aí eu procuro no
dicionário, e então posso continuar lendo.

- Isso mostra uma grande força de vontade sua, sabia? A


maioria das pessoas, quando leem algo que não entendem,
simplesmente deixam pra lá. Preferem não entender o trecho
de um livro a se mexerem e irem procurar o significado da
palavra.5

- Bom, eu entendo menos palavras do que a maioria das


pessoas.

- Hm...Você... Não estudou?

- Ah, estudei sim. Eu era uma aluna mediana no colégio que


estudava. Mas aí eu tive que sair. - Olhei para as mãos. 1

- Por quê?

Encarei-a novamente. Sua expressão me encorajava a


continuar, e pela primeira vez eu pude ver alguém, além de
Samantha, genuinamente interessada no que eu tinha a dizer.

- Bom, eu... Eu tinha dez anos quando meu pai morreu. Levou
dois tiros em um assalto. Minha mãe era dona de casa, nunca
trabalhou, e nos sustentávamos com dinheiro do meu pai. Ele
era policial. Quando ele morreu minha mãe teve que procurar
emprego. Como ela não sabia fazer muita coisa, arranjou um
emprego de garçonete. Pagava pouco e exigia muitas horas
do dia dela. Então eu tive que sair da escola pra tomar conta
da casa. Essas coisas.

- Eu lamento.

Pude ver que ela realmente lamentava.

- E sua mãe... - Ela continuou.


- Morreu há pouco mais de 3 anos. Drogas, álcool, depressão.
Essas coisas. Tudo por causa de um infeliz que ela conheceu...

Suspirei. Falar dela e do meu pai doía. Eu podia sentir a dor


com clareza naquele momento, porque era a primeira vez que
realmente conversava sobre aquele assunto com alguém.3

- Ela era linda, sabe? Minha mãe. Tinha olhos castanhos e


muito vivos, antes de conhecer aquele filho da puta. E mesmo
quando estava triste você podia ver algo nela iluminava a sua
vida. Era como se dentro dela existisse algum tipo de sol. E
ela era diferente das outras pessoas. Ela era bonita, bonita
por dentro e por fora.

- Deve haver uma ou duas coisas dela em você.

Encarei-a, e sem nem saber porquê, sorri. Ela retribuiu o


sorriso.

- O sorriso dela era tão bonito quanto o seu?

- Era muito mais bonito. - Falei envergonhada. - Ela não devia


ter morrido assim tão jovem. Ainda havia muitas pessoas pra
ela iluminar.

Enxuguei uma lágrima que escorreu pelo meu rosto, me


pegando de surpresa.

- Talvez esse seja o seu papel agora. - Lauren concluiu. 

Dei um riso triste e abafado.

- Não acho que possa desempenhar esse papel. Não sou a


metade da mulher que ela foi...2

- Você me ilumina.10
Ela disse isso calmamente, e continuou me olhando como se
tivesse acabado de me dar bom dia.

- Há algo em você. Eu notei isso no primeiro dia que te vi.


Você é muito diferente de grande parte das pessoas, Camz.1

- Não sou. É impressão sua. Ninguém é diferente de


ninguém.4

- É sim. Todo mundo é diferente. Existem pessoas ordinárias e


existem pessoas especiais. É uma pena que você não veja
isso.

- No meu mundo existem apenas pessoas. Elas só se


aproximam de você porque têm algum interesse. Ninguém
está lá pura e simplesmente pra te ajudar. Você precisa dar
algo em troca.1

- Talvez o que elas peçam em troca não seja muito. Talvez


seja só uma amizade.1

- Lauren... - Falei, minha voz embargada com uma tristeza


que não estava nos meus planos para aquela tarde. -
Ninguém nunca me pediu só amizade.3

Ela ficou calada. Vi em sua expressão que ela não tinha nada
que pudesse ser dito para me fazer sentir melhor. Mas isso
não era novidade.

- Você odeia essa vida, não é? - Finalmente perguntou. 

- Você não faz ideia.

Pela primeira vez ela desviou o olhar, fitando agora suas


mãos molhadas.
- As outras garotas... Elas não ligam. Mas pra você é um
castigo.1

Permaneci em silêncio, fitando minhas próprias mãos.

- Você ganhou minha simpatia de graça, sabe? - Ela continuou


- Eu acho você uma pessoa bacana, e conforme o tempo
passa, me sinto gostando mais de você.

Olhei para ela um pouco eufórica.

- Eu não quero fazer parte disso, Camila. Não sabia que era
assim.

- Eu... - Comecei, mas não sabia o que dizer.

- Não sei de todos os pecados que você cometeu na vida, mas


posso ver que você é uma pessoa boa. E pessoas boas não
merecem sofrer. Pelo menos eu gosto de pensar que não
estou ajudando a tornar vida delas mais miserável. - Ela me
olhou novamente - Não vou fazer mais isso com você. Não
vou mais te usar pra tapar os buracos da minha própria vida.
Não é justo, e sinto muito ter feito isso até agora.3

Sim, ela devia se desculpar. Sim, ela fazia parte da


mediocridade da minha vida, e ajudava a torna-la mais
miserável. Ela era uma cliente, uma pessoa que me fazia
lembrar a cada dia por que eu odiava a minha vida. Mas, ao
mesmo tempo, ela era a pessoa que me fazia sentir, a cada
dia que passava, um pouco menos infeliz. Uma pessoa que se
destacava, que se diferenciava das outras pessoas, não só
pelo fato dela ser intersexual, mas simplesmente por ser do
jeito que era, mas também porque se importava comigo. Se
importava de verdade.
Senti meu coração derretendo aos poucos enquanto a fitava
ali, molhada, parada à minha frente. Meus sentimentos
pareciam lutar dentro de mim, travando uma briga que nem
ru mesma poderia apartar. Uma mistura de raiva, desejo e
loucura me confundiam, e eu não sabia ao certo o que dizer,
mas sabia que precisava falar alguma coisa.

Ainda assim, podia sentir meu peito quase explodindo. Ele era
pequeno para manter tantas coisas que lutavam entre si pela
liderança lá dentro. Senti uma onda repentina de sinceridade
se apoderando de mim, e antes que pudesse sair correndo
deixando-a com meu silêncio, fechei os olhos e simplesmente
falei:

- Você é a melhor coisa que aconteceu comigo durante todo


esse tempo. Você é a única pessoa que se preocupa com o
fato de eu estar toda machucada ou não. Você foi a única
pessoa que me perguntou sobre a minha vida. E eu sinto
muito te dizer isso, sinto muito não conseguir calar a boca
agora, mas eu não quero que você vá embora. - Outra lágrima
escorreu pelo meu rosto, mas eu não me importei.

- Não se assuste comigo, eu só... Eu gosto de ter você por


perto. Eu me sinto segura. Eu sei que você não quer esse tipo
de responsabilidade, e você não precisa ter. Mas só sua
presença já me passa isso. Você não precisa fazer muito mais
do que estar por perto.3

Ela me fitava um pouco assustada, mas agora não havia mais


como voltar atrás. Lauren engoliu depois de algum tempo em
silêncio. Passou as mãos nos cabelos sem saber muito o que
fazer, e finalmente falou:

- É por perto que você me quer?1


- Sim. - Respondi sem pestanejar.

Ela sorriu. Aquele sorriso torto.

- Então é por perto que eu vou estar.9

Sorri de volta, secando meu rosto.

- Você fica muito mais bonita sorrindo.

- Vou tentar sorrir mais vezes então. - Falei em tom de


brincadeira.

- Vou cobrar isso de você.

A chuva agora era uma fina cortina de gotas muito pequenas,


tão leves que demoravam a cair. No céu, um sol tímido
iluminava fragilmente as nuvens, e a combinação disso pintou
um arco-íris tão grande que ocupava toda a parte visível do
céu cinzento.

Lauren olhou para mim, apontando para o colorido acima de


nós.

- Viu? - Falou calmamente - Quando o tempo bom e o tempo


ruim se misturam em um só, o resultado é mais bonito do que
se espera.

***

Alguns minutos depois o sol já havia se posto, deixando o


ambiente gradativamente mais escuro. A chuva havia
cessado e algumas pessoas já se arriscavam a passear no
parque antes deserto. A conversa entre mim e Lauren tomou
um rumo mais agradável, e então falamos de coisas mais
banais. Infelizmente ela me perguntava coisas demais, e eu
não tinha a oportunidade de saber um pouco da vida dela
também.

- É melhor ir embora antes que pegue uma pneumonia. - Falei


- Suas roupas estão molhadas a tarde inteira.

- É verdade. - Ela respondeu, e eu olhei para a camisa ainda


colada ao seu corpo por causa da água.

- Você vai ficar? - Perguntou.

De repente notei que se ela estava indo embora, então eu


não tinha mais nada para fazer ali. Minha leitura já tinha sido
esquecida havia muito tempo, os livros já estavam fechados e
guardados dentro da bolsa.

- Não, vou também. Já está escurecendo de qualquer forma.

- Então vamos. Eu te acompanho até o ponto de ônibus. 1

O caminho até lá foi silencioso. Felizmente não foi um silêncio


desagradável, mas sim aquele tipo de silêncio que acontece
quando duas pessoas sabem que não precisam preencher
aquele espaço com palavras idiotas e conversas descartáveis.
Era um silêncio natural, onde a presença da outra pessoa era
a única coisa a ser compartilhada e apreciada.

O ônibus chegou e eu me vi triste pela despedida. Mas era


preciso, então entrei no ônibus de uma vez, olhando para trás
e acenando timidamente para ela que retribuiu, ainda me
olhando enquanto o veículo acelerava.1

A viagem pareceu rápida demais para meus devaneios, e


quando cheguei ao The Hills queria apenas ficar sozinha.
Neguei o jantar quando me chamaram para descer à cozinha
porque, de fato, não sentia fome. Entreguei o dinheiro ainda
em cima do móvel para Chloe e me tranquei no meu quarto.

Tomei um bom banho e me deitei na cama. A partir daí nada


fiz senão pensar.

Não sei a que horas o sono veio, e também não sei quanto
tempo fiquei divagando sozinha no escuro do quarto. A chuva
voltou a bater com força no telhado e meus pensamentos
teimavam em voar para aquela tarde de sábado, o que
deveria ter sido só mais uma tarde de sábado qualquer.

E embora eu não estivesse ciente de muita coisa, embora eu


não soubesse o que exatamente me deixava tão perdida
ultimamente, eu tinha um palpite. Um palpite que me deixava
eufórica e ao mesmo tempo, em pânico.1

Lembro do último pensamento que tive antes de mergulhar


na inconsciência outra vez.

Se era um pedido ou uma oração, eu não saberia dizer. Mas


de qualquer forma meus sentimentos aos poucos começavam
a tomar uma forma definida, e eu tentava desesperadamente
não ver as coisas como elas pareciam ser. Como elas seriam,
a partir daquele momento:

Por favor, POR FAVOR, que eu não esteja me apaixonando por


Lauren.9

***

Pov Lauren
É engraçado como domingos costumam ser dias monótonos é
deprimentes. 

Na verdade, depois de algum tempo constatei que o domingo


era o dia da semana necessário para os trabalhadores que
precisavam repor suas energias de uma longa semana
exaustiva. No meu caso não era assim. Eu simplesmente não
fazia muita coisa. Não tinha um tipo de trabalho braçal, e tudo
na minha vida profissional resumia-se a assinar toneladas de
papeis.

Por isso, domingos eram chatos. Ao final de uma semana eu


me encontrava bastante disposto e sem um pingo de vontade
de descansar. Então meus domingos sempre começavam às
6:00 da manhã, quando o sol ainda estava se decidindo se
sairia para brincar ou não.9

Depois de um café da manhã preguiçoso, o que normalmente


se resumia a algum cereal ou um copo de suco de morango,
eu saía para correr. Corria pelas ruas ainda desertas, não
fosse por alguns idosos que jogavam cartas em praças,
jornaleiros e padeiros (  que normalmente acordavam cedo
para atenderem aos mesmos idosos. )

Quanto retornava para a casa, já perto das 9h, não havia


muito mais a fazer senão assistir à TV e ficar nisso até o resto
do maldito domingo. Eu não tinha amigos. Me esquivei de
quase todas as relações que pude depois de sofrer uma
grande decepção.

Obviamente muitas pessoas me achavam anti-social e


desconfiada, o que não deixava de ser verdade. Ainda assim
não eram incomuns casos de festas luxuosas onde eu era
algum tipo de convidada de honra, o que me colocava
obrigatoriamente em uma posição na qual eu precisava
comparecer. Digo '' obrigatoriamente '' porque quase sempre
minha vontade de curtir festas de ricos esnobes era quase tão
grande quanto de me matar, mas em muitas delas alguns
assuntos importantes relacionados a negócios eram tratados,
e eu precisava ir.1

Claro que eu nunca, jamais ia sem a companhia de Ally.1

Normalmente era ela que tomava toda e qualquer decisão


sobre a empresa, dentro ou fora dela.

Obviamente ninguém sabia disso, mas esse era nosso


segredinho. E eu sabia que se fosse aderir a alguma religião,
formaria minha própria onde Ally seria endeusada, se
tornando o objeto dos meus agradecimentos e da minha
adoração. Era o mínimo que eu podia fazer pela mulher que
havia salvado o meu pescoço tantas e tantas vezes, me
conhecia talvez melhor do que minha própria mãe.2

- Alôôôô...

- Bom dia, Ally. Te acordei?

- Sra... Jauregui? Não, bom dia senhora.

- Prometo que vou recompensar você por ficar alugando seu


tempo quase todos os domingos. Sinta-se livre para desligar
na minha cara, eu sei que sou chata.

- A senhora pode me dizer primeiro por que ligou.

- Bom, primeiramente, estou entediada, o que explica o fato


de ter ligado pra sua casa a essa hora com o objetivo de
pergunta-la se é realmente necessário que eu vá trabalhar
amanhã.3
Silêncio do outro lado da linha.

Aquele tipo de silêncio que se faz quando uma criança


pergunta a mãe se pode viajar sozinha para a Disney e ficar
morando lá um mês e comendo só chocolate.1

- Obviamente, senhora.

Ela respondeu, com toda paciência que minha imaturidade


exigia dela.

- Hm. Certo. Também tenho que ir à festa de amanhã?

- Sim, creio que sim.

- Mas é só uma festa! Com as mesmas pessoas, as mesmas


bebidas... - Comecei.

- Sim, e a senhora sabe que o evento será importante para


que consigamos fechar o negócio com os Hilton.

- Você poderia...

- Creio que eu não tenha esse poder.

- Mas eu...

- Eles só fechariam o contrato com a senhora. E temo não ser


nada parecida com a sua pessoa para poder engana-los.

- Merda.

- Era só isso, senhora?

- Pare de me chamar de senhora em pleno domingo.

- Perfeitamente. Posso voltar a dormir ou você tem mais


alguma inutilidade a debater?5
Ri de sua sinceridade. Eu gostava de Ally quando ela não
estava desempenhando o papel de secretária e me tratava
como a verdadeira idiota que eu era.

- Tudo bem. Mas quero lembra-la que se eu beber além da


conta você será responsável por mim. Mesmo se eu vomitar
na piscina e socar algum garçom.1

- Ok...

- E você terá que me trazer até em casa e me colocar na


cama. Não precisa me dar banho, eu poupo você disso. -
Brinquei.

- Ok. Mas isso que você tem entre as pernas não me


interessa, somente o do meu marido me interessa. E ele
ficará feliz em saber que eu não preciso vê-la nua.

Ri novamente.

- Ally, socorro. Minha vida é um tédio.

- Mate-se. Um bom dia, Lauren.10

E, enfim, desligou.

Vida de merda.

Deslizei as portas de vidro e caminhei para a varanda da sala


que tomava toda a largura do cômodo. Debrucei-me sobre o
parapeito e pude ver alguns carros passando pelas ruas muito
abaixo de mim, agora bem mais movimentadas.

Mirei o horizonte e vi grande parte do parque, distante dois


quarteirões de mim.

Lembrei dela imediatamente, fitando as copas das árvores


que cobriam quase completamente o parque lá embaixo.
Lembrei da chuva de ontem e de como meu sábado havia
começado:

Flashback on

Eu tinha acordado em uma casa de prostituição. Me permiti rir


disso por algum tempo. Não só isso, como também tomei café
da manhã na companhia de várias garotas de programa.
Presenciei um ataque de nervos particularmente interessante
de Camz enquanto uma de suas amigas parceria querer pular
no meu colo no meio da cozinha. Achei graça no fato de que
talvez aquilo fosse fruto de algum tipo de sentimento de
posse dela por mim.3

Ela realmente ficava uma graça nervosa.

Voltei para casa embora Hanna insistisse para que eu ficasse


mais um pouco em sua companhia. Sem nada para fazer,
fiquei zapeando a tv por algum tempo. Descobri que
programas de culinária eram até interessantes, que alguns
desenhos não deveriam desafiar tão descaradamente as leis
da física. Crianças poderiam aprender coisas erradas daquela
forma. Usei meus recém adquiridos conhecimentos culinários
para fazer um belo risoto, mas descobri que a quantidade
dada pela mocinha da tv era para um batalhão, o que fez com
que um caldeirão de arroz e várias outras coisas misturadas
repousassem no meu fogão.1

Lembrei que após o almoço não havia nada a ser feito senão
dormir.1

Depois de um cochilo, caminhei despreocupadamente pela


rua rumo ao jornaleiro. Comprei a última edição da Playboy. -
Ok, eram mulheres nuas, mas eu também gostava das piadas
- e um dilúvio me pegou de surpresa.  4

Talvez porque tivesse caído de repente, ou talvez porque


estivesse distraída mesmo.

Corri para o único abrigo que vi à frente dentro do parque do


outro lado da rua. Assim que cheguei, já completamente
ensopada, vi alguém lendo embaixo de outro abrigo igual
àquele do outro lado.

Parecia ser a Camila, mas eu não podia dizer com certeza,


então fui verificar.1

Lá estava ela, seca e agasalhada, com dois livros abertos à


sua frente, a caneta em uma mão e o celular em outra,
parecendo imperturbável, alheia a qualquer coisa que
estivesse à sua volta.

Vermelho ficava realmente adorável nela.

Lembro que ela ficou um pouco surpresa em me ver ali, mas


logo começamos a falar de uma coisa ou outra enquanto eu
tentava esconder a revista em minhas mãos antes que ela me
achasse uma maníaca sexual, já que todas as ocasiões em
que eu me encontrava com ela envolviam sexo de alguma
forma.2

Lembro dela me contando sobre sua vida, e lembro de me


sentir parcialmente culpada por toda a sua infelicidade, o que
era irônico porque eu estava realmente começando a gostar
mais ainda daquela garota.

Lembro de tomar uma decisão de não me aproveitar mais


dela, mesmo que fosse contra a minha vontade.
Mas o que eu mais gostei de lembrar foi a forma como ela me
pediu para não fazer isso. Ela parecia sincera ao falar que eu
a fazia menos infeliz, e me senti tanto espantada como
animada por isso.

O motivo eu ainda não sabia dizer.

Flashback Off

Do céu, gotas grossas começaram a cair, me trazendo de


volta dos meus devaneios para o presente, ainda debruçada
sobre o parapeito da varanda. Olhei novamente para baixo e
vi crianças agora correndo da chuva recém chegada. Pude
imaginar a decepção em cada uma delas com a mudança do
tempo.

Eu, por outro lado, sorri.

***

A manhã e a tarde de segunda-feira foram tranquilas.

Reuniões de rotina aconteceram, algumas exigindo minha


presença, outras não. Quando eu era obrigada a participar,
arrastava Ally pelo pulso, que se sentava ao meu lado e
explicava, resumidamente, o que aquelas pessoas queriam de
mim. Normalmente uma assinatura resolvia, e então eu
poderia voltar à minha sala e brincar com o pêndulo de
Newton que repousava sobre a minha mesa.1

- Por que quase nada de diferente acontece nessa empresa?

Ally me olhou como quem olha uma lesma derretendo.

- Tudo está às mil maravilhas, a senhora não deveria


reclamar! Quer que os negócios vão à falência?1
- Bom, pelo menos alguma coisa aconteceria.1

Ela olhou para a agenda em suas mãos.

- A senhora tem menos de dois meses para decidir o que fazer


com a campanha das lingeries.

- Nós temos uma campanha de lingeries? 1

- Sim, nós temos.

- E eu devo saber o que fazer com ela? Eu não entendo merda


nenhuma de lingeries! Só sei admirar e tirar elas do corpo das
mulheres. - Falei.

- Senhora Jauregui, se me permite a audácia, a senhora não


entende merda nenhuma de nada aqui dentro, mas mesmo
assim toma as decisões.4

Suspirei.

- Ok, Ally. Só me diga o que tenho que fazer. - Concluí, me


levantando e olhando para o relógio enquanto completava em
um tom de voz falsamente excitado: - Vou embora. Me
arrumar para a grande festa! Mal posso esperar, uhul!

- Mais um pouco e a senhora me convence. Está melhorando.


Temos agora que trabalhar na sua cara de defunta enquanto
fala coisas animadas assim.1

- Bem, é mais ou menos como me sinto. Vou esperar por você


na entrada às 19:00. Pelo amor de Deus, não se atrase. Eles
podem me comer viva.

- Duvido muito que façam isso. Só querem fechar um contrato


e embebeda-la se isso for necessário para ganharem um ''
sim. ''
- No final das contas é você que vai decidir isso. Bom, até
mais.

E fui embora. Menos de 2 horas depois já estávamos na festa


com que eu achava que fossem milhares de empresários
parecendo urubus rondando a carniça.

Ally permanecia ao meu lado e eu tive que me controlar para


não sumir com a desculpa de ir pegar um drink e fugir pela
janela do banheiro.2

Aquilo tudo era incrível e absurdamente chato. Todas aquelas


pessoas, cujo objetivo de vida parecia ser puxar o saco uma
das outras e se cumprimentarem com sorrisinhos falsos,
estavam me dando nos nervos. Isso já acontecia havia algum
tempo, mas conforme o tempo passava eu tinha certeza de
que um dia explodiria e mandaria todos irem pra puta que
pariu em alto e bom som.2

Pedi licença para ir ao bar pedir algo alcoólico. 

- Senhora.... Lauren.... - Ally me chamou, e me senti um pouco


melhor. Eu sempre preferia ouvi-la me chamando pelo nome.

- Não se preocupe. Não vou exagerar.

Ally era praticamente minha mãe em eventos desse tipo. Ela


tomava conta da quantidade de álcool que eu ingeria por
saber que eu poderia passar dos limites facilmente.

Quando entrei em depressão havia pouco tempo atrás,


busquei algum conforto no álcool, o que fez com que me
viciasse rapidamente. Não era um caso extremo, mas não foi
exatamente fácil fazer com que eu voltasse a conseguir dizer
chega para mim mesma. Ally esteve muito presente nessa
época. Ousava dizer que, além de minha mãe, ela tinha sido a
mulher mais presente na minha vida.

Caminhei para o bar desviando de garçons e convidados,


todos muito bem vestidos. O porquê eu não sabia. Todos
comiam e bebiam o que aguentavam enquanto riam de
piadas sem graça e falavam mal da vida alheia. Mulheres
semi-nuas em biquinis desnecessariamente pequenos
dançavam perto da piscina. Algumas nadavam, embora a
noite não estivesse muito quente. Imaginei que elas não
fossem convidadas, mas sim contratadas. 2

Sentei no bar e pedi um Whisky. Quase imediatamente fui


abraçada pelas costas por braços, mais fortes.

- Olá, senhora Lauren Jauregui. - A garota disse, se


insinuando. 

É lógico que ela sabia da minha condição todos sabiam.


Inclusive escuto por ai, que sou a intersexual mais cobiçada
de Los Angeles. Tenho dinheiro, sou bonita, e ainda tenho um
pau.1

- Olá, mulher misteriosa.

- Gloria Fusaro, muito prazer.

Se não fosse a ênfase "muito" e a cara de "quero você-entre-


minhas-pernas,"eu diria que ela estava apenas tentando
puxar assunto. Mas a menina era direta.2

- Sabe que é um desperdício uma mulher especial como você


sozinha?

- Como sabe que estou sozinha? - Retruquei, bebendo minha


dose de Whisky.
- Se não estivesse, sua acompanhante estaria agarrada ao
seu pescoço pra se certificar de que ninguém viria até aqui
dar em cima de você.

- Da forma como você está fazendo?

Ela sorriu.

A menina, Gloria ou Greta - não me lembrava muito bem -


tinha um sorriso largo e bonito. Tinha cabelos lisos castanhos,
seus olhos negros como jabuticabas e pele clara em um corpo
fenomenal.1

Vestia um vestido muito justo azul que delineava todas as


gloriosas curvas que Deus havia lhe dado.

Conversamos por algum tempo, e conforme o tempo passava,


eu ia me esquecendo o motivo de estar naquela palhaçada.
As várias doses de Whisky ajudaram, e Greta também me
acompanhava, bebendo margueritas.1

A conversa dela não era muito interessante, mas nada


naquele lugar era. Felizmente o álcool tirou esse pensamento
da minha cabeça, e depois de algum tempo a tal menina já se
jogava sem pudores para cima de mim.

- Aqui é muito chato... Que tal um lugar mais reservado? - Ela


disse, já envolvendo os braços em meu pescoço.

Eu estava leve, e depois de tantas investidas daquela menina


com o corpo escultural, estava ficando levemente excitada.

- Lugar reservado? - Perguntei - Aqui? Não acho que exista


essa possibilidade.2
- Então acho que podemos procurar um outro lugar. Sabe,
longe daqui. - E piscou para mim, lambendo de uma forma
bastante promíscua o canudo da bebida em suas mãos.

- Me dê um segundinho, querida. - Eu respondi, levantando e


indo a busca de Ally.

Ela estava bebendo água mineral enquanto conversava com


um rapaz bem mais novo que ela. Chamei-a rapidamente e
ela veio ao meu encontro.

- Por onde andou? - Perguntou.

- Pelo bar. Escuta, preciso ir.

Ela entortou o nariz.

- Quantas doses você bebeu?

- Não muitas. Então, posso ir?

- Claro que não! Você tem que dar uma resposta àqueles
cavalheiros. - Ela apontou para um canto onde seis ou sete
homens, todos de terno e gravata, conversavam e davam
olhadelas em nossa direção.

- Ok. - Falei com convicção - O que você achou? Vale a pena


ou não?1

- Eu... Bem, eu acho que seria bom pra empresa...

Não esperei que ela terminasse, já indo ao encontro do grupo


de executivos. Senti Ally correndo logo atrás de mim em seus
saltos altos.

- Senhores, foi um prazer conversar com os senhores essa


noite. Sinto-me muito feliz em dizer-lhes que nosso acordo
está fechado. Foi também um prazer fazer negócio com os
senhores.

Eles começaram a falar alguma coisa, mas eu estava com


pressa.

- Infelizmente preciso ir embora. - Interrompi-os- Uma


emergência, mas nada do que se preocupar. Minha secretária
aqui - e dizendo isso, puxei Ally para a minha frente - tratará
dos detalhes com os senhores. Uma boa noite, cavalheiros.

Sorri e saí andando.

Ally puxou meu braço, falando agora ao meu ouvido:

- Ok, espertinha. Eu vou ser muito legal e fazer seu trabalho.


Mas me diga aonde vai!

- Vou pra casa. Tem uma garota fenomenal ali louquinha pra
me dar, e eu não vou ficar conversando com esses pinguins
velhos e feios a noite toda. Não se preocupe, eu pego um táxi.

Ally me encarou sem dizer nada, e pude ver em seu olhar um


traço inconfundível de pena. Era uma pena genuína, vinda de
uma mulher feliz e realizada, com família e filhos, e mesmo
em meu estado alcoolizado eu pude ver toda a pena que
aquela mulher, com uma vida muito melhor que a minha,
sentia de mim. Era um olhar que alguém feliz dava a alguém
essencialmente miserável, e não me restou nada a não ser
sentir pena de mim mesma também.1

Virei de costas e caminhei.

Eu queria sair daquele lugar, queria ir para longe daquele


olhar que me fazia sentir vergonha de mim. Eu era infeliz e
isso estava bastante claro, mas naquele momento, não queria
pensar. Porque pensar exigia muito da minha força de
vontade.

O caminho mais fácil era para a saída da festa, onde a tal


garota e um táxi já estavam à minha espera.

Entrei no carro um pouco cambaleante e a única coisa que


falei durante toda viagem foi meu endereço para o homem
que nos guiava pelas ruas escuras.1

Assim que entrei no meu apartamento logo atrás de Greta e


fechei a porta, meu pescoço sofreu um ataque quase mortal
da boca dela, que sugava cada pedaço de pele que eu tinha
ali. Sem muitos rodeios ela alcançou meu zíper e o abriu
enquanto me jogava contra a parede3

Lutei para manter o equilíbrio já bastante prejudicado pelo


álcool.

- Oooow, calma aí querida...

Não sei se eu estava lenta demais ou se a garota era


extremamente rápida, mas depois do que pareciam ser uns
cinco segundos ela abaixou as minhas calças junto com a
boxer e deixou-as à altura dos meus tornozelos. Como se
fosse a coisa mais banal do mundo, ela segurou meu pau com
a mão direita e olhando para mim com cara de depravada,
começou a chupa-lo.

E então eu não queria mais pensar. Ia deixar a coisa toda nas


mãos daquela mulherzinha promíscua enquanto aproveitava.
Não queria retribuir o prazer que recebia e esperava que ela
não exigisse isso de mim. Naquele momento eu me permitiria
ser completamente egoísta.2
Estava com os olhos fechados e com a cabeça apoiada na
parede atrás de mim. Senti a garota levantar e sussurrar ao
meu ouvido:

- Quando é que você vai me mostrar o seu quarto?

Como eu não queria cair e dar de cara no chão, pensei que


talvez fosse melhor tirar a armadilha que minhas calças
armavam enroladas nos meus tornozelos. Fiz menção em
puxa-las novamente para cima abaixando-me para alcançá-
las, mas isso fez com que meu apartamento todo rodasse.
Desisti da ideia e tirei todo aquele emaranhado de panos por
baixo mesmo, junto com os meus sapatos.

Não queria sequer pensar no quão ridícula eu estaria só de


camisa e meias. Mas não importava muito, porque no
momento eu só tinha em mente basicamente três coisas,
exatamente nessa ordem:2

Primeiro, chegar ao meu quarto sem cair

Segundo, comer a tal da Graciane - era Graciane, não era? 6

Terceiro, me enrolar no edredom fofo que cobria minha cama


e dormir, esperando que a ressaca me atingisse como um
soco na cara na manhã seguinte.

Puxei-a pela mão e levei-a através do corredor escuro que


dava para o meu quarto. Graças a Deus eu conhecia a
disposição das paredes da minha própria casa, o que facilitou
muito as coisas. Cheguei no quarto e instantaneamente caí de
costas na cama, quicando umas três ou quatro vezes sobre o
colchão macio.
- Querida, vou deixar com você, porque se eu fizer algum
esforço acho que posso vomitar.3

Ela sorriu para mim e puxou para cima o vestido azul,


jogando-o no chão ao seu lado.

Não era possível, a garota já estava completamente nua! Isso


não devia ser normal, garotas que saíam por aí com um
vestido absurdamente justo e curto sem usar absolutamente
nada por baixo!2

De qualquer forma, aquilo não me importava. Graciane subiu


em cima de mim, uma perna em cada lado, já puxando minha
camisa pra cima.

- Você podia ter usado uma camisa de botão hoje amor.


Facilitaria todo meu trabalho aqui.

Não respondi, apenas continuei olhando pra ela com os olhos


bêbados. Analisei rapidamente seu corpo enquanto ela lutava
contra meu peso para puxar a roupa pra cima, imediatamente
pude constar três coisas:

Primeiro, eu preferia pele morena.

Segundo, eu preferia olhos castanhos.2

Terceiro, eu preferia seios menores.

Talvez conseguisse notar mais coisas se a garota não tivesse


repentinamente decidido devorar meus lábios. Então eu perdi
o fio de pensamento e me peguei retribuindo aquele beijo
com mais entusiasmo que o normal.2

Virei nossos corpos e me posicionei em cima dela,


aprofundando o beijo e demorando mais do que o normal
nele. Ela forçou meu rosto para trás com uma das mãos, e a
tristeza da rejeição poderia até ter me abalado -
principalmente pelo fato de que estava completamente
bêbada, quando TUDO me abalava emocionalmente - se não
tivesse notado que ela só fazia aquilo para poder puxar o
oxigênio de que eu a estava privando. 

Ok, eu confesso, exagerei na língua.3

- Lauren, qual é? Há quanto tempo você não beija alguém? 3

Eu não sabia responder. Porra, havia quanto tempo que eu


não beijava uma mulher? 1

E que merda, aquilo estava me fazendo bastante falta. Mesmo


com os pensamentos atordoados eu podia lembrar que todas
as últimas vezes que estive de fato com uma mulher, em
nenhuma delas havia acontecido nada além de sexo. Sexo
puro, sem o mínimo carinho ou qualquer sentimento.

Fiquei feito uma imbecil olhando para a linha do horizonte, o


que não ia muito além da mesa cor de marfim ao lado da
cabeceira. Soltei um suspiro triste e puxei a gaveta, tateando
cegamente por algum preservativo ali.

- Ora amor, não se preocupe. Eu tomo pílulas.

Eu estava bêbada mas não era burra. Essa mistura


normalmente fazia com que eu adotasse uma postura
bastante emotiva, mas o mesmo tempo irremediavelmente
sincera:

- Ah, até parece que eu vou te comer sem camisinha. Pra


depois você vir com uma criança me exigindo pensão.3

- Lauren! Assim você me ofende! - Ela disse com uma cara


nada ofendida.1
- Ofendo coisa nenhuma. - Retruquei, ainda procurando às
cegas por um preservativo.

***

Acordei na manhã seguinte com um raio de sol que havia


resolvido passar pela persiana e se concentrar no meu rosto.
Depois de alguns segundos lutando contra o sono e tentando
abrir os olhos, consegui voltar a mim e entender um pouco o
que me rodeava.

Eu estava de bruços em cima de um emaranhado amassado


que consistia nos lençóis e no edredom branco que
costumavam forrar minha cama. Diretamente ao meu lado,
uma mulher com pele a clara e cabelos castanhos dormia
silenciosamente, também de bruços, com o rosto virado para
mim. Ambas estávamos nuas, e eu sentia que minha cabeça
poderia explodir a qualquer momento, fazendo com que
alguns dos meus miolos decorassem o estilo clean do quarto.

Fiz o que me pareceu ser força sobre-humana para levantar


minimamente o corpo e me virar para o lado do criado-mudo,
com o objetivo de verificar as horas.

Eu imaginava que estava atrasada, mas ao olhar para os


números vermelhos luminosos tive uma certeza:

Ally me mataria.3

Era provável que ela tivesse insistido em ligar para meu


celular durante as últimas três horas ao constatar que eu não
estava no trabalho. Eu confirmaria aquela suspeita assim que
encontrasse o maldito telefone.
Reuni toda a força de viver que me restava e sentei no
colchão. Senti meu cérebro se revirando dentro da caixa
craniana como se quisesse sair do lugar. Isso fez com que
meus olhos momentaneamente perdessem o foco, o que me
forçou a fecha-los e tentar não gritar com a enxaqueca
absurda que parecia querer me matar lenta e dolorosamente. 

Caminhei até o banheiro, liguei o chuveiro e me enfiei


completamente lá dentro. Tentei não pensar em nada porque
pensar doía. Saí do banho me enrolando em uma toalha,
escovei os dentes e caminhei para o closet, escolhendo um
terninho feminino preto, uma camisa que me parecia ser de
alguma tonalidade verde água.

Vesti-me lá mesmo, sem nem me preocupar em conferir no


espelho se a camisa ainda tinha a etiqueta de nova, arrumei
meus cabelos no espelho e passei uma leve maquiagem,
destaquei meus olhos verdes passando lápis creon preto. Não
é porque tenho um pênis que significa que devo parecer igual
a um homem. Voltei para o quarto e vi que a mulher ainda
dormia2

Caminhei até ela.

Qual era mesmo o nome dela? Acho que começava com G ou


C...1

- Ei... - Soltei, segurando em seu ombro e balançando-o um


pouco. Infelizmente, falar também doía.

- Ei... - Outra sacudida, agora com mais vontade. 

Ela pareceu sentir, e começou a despertar.

Porra, como diabos você se chama? Greta? Graciane? 


- Hmmmmmmpf?

- Você tem que ir. Eu tenho que ir! Já são quase 12h e a
minha secretária vai me matar!1

Procurei por seu vestido no chão enquanto tentava falar. Ao


acha-lo do avesso, dobrei-o do lado certo e o entreguei a ela.
Graças a Deus a garota obedeceu, cambaleando para o
banheiro com o vestido nas mãos enquanto não me dava a
mínima atenção.

Segui para a cozinha a procura de algum analgésico ou


qualquer coisa anti-ressaca. Ouvi meu celular tocando baixo,
mesmo minha audição estando comprometida com um
zumbido irritante e ensurdecedor. Fui até a sala e identifiquei
que o som vinha da massa de roupas no chão.

Ah, no bolso das minhas calças. Da noite anterior.

Soltei um gemido ao abaixar para pegar o aparelho.

- Alô

- Senhora Jauregui. Fico feliz em saber que a senhora está


viva.1

- Desculpa, Ally...

- A senhora está atrasada. Espero que esteja já a caminho.

- Eu... Me dê mais uns vinte minutos, ok?

- Estarei cronometrando, senhora.

E desligou.

Ela estava muito puta.1


Voltei para a cozinha e sentei no balcão, repousando a cabeça
nas mãos. algum tempo depois, o que poderiam ter sido
minutos ou horas, a mocinha misteriosa juntou-se a mim.

- Bom dia. - Ela mantinha o sorriso bonito no rosto enquanto


me olhava.

- Oi... Você quer uma carona? Pra algum lugar?

- Eu gostaria, mas não acho que você esteja em condições de


dirigir.

- É, acho que não estou. - Concordei com tristeza - Vou pegar


um táxi, você pode aproveitar a corrida.

- Nossa, você está mesmo me expulsando assim? 

- Preciso trabalhar. Se eu demorar mais que vinte minutos até


o trabalho tenho sérias dúvidas se minha secretária vai
conseguir segurar o impulso de me atacar com uma tesoura
quando eu chegar.2

Ela bufou.

- Olha.... Greta.... - Comecei.

- Gloria.

Isso, porra! Gloria!

- Gloria.... A noite de ontem foi muito legal...1

Ela continuou me olhando, me forçando a terminar aquela


sentença.

- Mas, você sabe... Foi casual. Nós não temos nada mais sério.

- Eu sei disso, não sou imbecil. Mas isso não significa que eu
não possa tomar café da manhã. Não estou pedindo suas
chaves do apartamento, só queria que você me desse dez
minutos.2

Ok, eu não ia discutir com ela. Fiz um sinal com a cabeça e


deixei-a explorar minha cozinha enquanto voltava a repousar
minha cabeça nas mãos. Eu sabia que esse atraso adicional
traria consequências trágicas ao meu dia: Ally se vingaria de
mim, me escalpelando ou pior, me deixando ir as reuniões
sozinha.

O dia era promissor.

***

Ally me ignorou o dia inteiro como se eu fosse um grão de


poeira passeando pela sala. Quando eu tentava puxar algum
assunto ela era o mais monossilábica possível, afirmando que
estava muito ocupada para papo furado.3

- Posso saber por que você está me tratando mal?

- Não estou lhe tratando mal, senhora. Estou muito ocupada.

- Não está ocupada! Eu sei que você está fingindo! Você nem
olha pra mim.

Ela me olhou.

- Tem algo importante que a senhora queira discutir? - Ela


frisou a palavra '' importante, '' como se eu só quisesse falar
inutilidades.

- Sim: Por que você está tão irritada?

- Sou sua secretária nessa empresa. Estou preparada pra


discutir assuntos relacionados à empresa, então se a senhora
não tem nada pra dizer sobre...
- Pare com isso! Qual é o problema, o que foi que eu fiz pra
você me tratar assim?2

Ela me encarou por alguns segundos, e então falou em um


tom de voz nada apropriado para uma secretária:

- Me espanta você ser tão burra que não percebe o que está
fazendo com a sua própria vida.

- O que eu estou fazendo? Só porque bebi ontem e fui pra


cama com uma...

- Não me interessa o que você fez ontem. Mas parece que


você não consegue se estabilizar em nenhum aspecto da sua
vida! Pelo amor de Deus, Lauren, olhe para o que você está se
tornando! Daqui a alguns anos vai ser mais uma empresária
solteira e lamentável que se aventura com mulheres fáceis
porque não tem um pingo de amor próprio ou vontade de
procurar alguém certo...4

- Eu já tentei fazer isso, se você não se lembra! - Interrompi


seu discurso levantando consideravelmente a voz.

- E daí? Você acha que é a única pessoa que sofreu uma


decepção amorosa na vida? Pare de olhar pro seu próprio
umbigo! Tem pessoas com problemas muito mais sérios por
aí!4

Tudo bem, ela obviamente estava certa, mas eu também


tinha problemas.

- Eu sei que não sou o exemplo de infelicidade, mas não


venha me dizer que minha vida é fácil. - Falei baixo.

- Eu não disse isso! Mas você nem se esforça pra melhorar!

Fiquei calada olhando para as mãos.


- Quantas pessoas você deixou se aproximarem de você? A
quantas mulheres você se deu a chance, de verdade, de
conhecer e de talvez gostar? Você criou esse muro em volta
de si mesma pra tentar não sofrer, e acaba vivendo a sua vida
da forma mais lamentável possível porque acha que seus
erros podem ser justificados por uma desilusão do passado.
Você não pode colocar a culpa de tudo no que já passou, e se
quiser arrumar a bagunça em que sua vida se encontra agora,
tem que começar dando chance às pessoas.

- Eu não quero dar chances a ninguém. Todo mundo é


interesseiro. - Falei.2

- Não, não é. Tem pessoas ordinárias e pessoas especiais. -


Ela disse.1

Tive que sorrir com a ironia do momento. Ela ficou em


silêncio. De repente senti sua mão no meu ombro, e eu sabia
que quem falaria agora era Ally, minha melhor amiga:

- Você só vai conseguir superar seus problemas quando


permitir fazê-lo. Desculpe te informar, mas isso só depende
de você. E quando você der uma chance a isso, vai ver que
muitas coisas vão clarear na sua mente.

- Isso exige uma coragem que eu não tenho. - Respondi


olhando para ela.

- Você não é mais criança. Sabe que às vezes temos que nos
jogar de cabeça.1

- É disso que eu tenho medo. Posso bater com a cabeça e


morrer.1

Ela riu.
- Lauren, eu gosto de você. De verdade. Quero te ver feliz,
mas você tem que se ajudar.

Ficamos em silêncio por algum tempo. Minha cabeça ainda


doía, agora com mais intensidade pela recente discussão com
Ally.

- Bem... - Senti sua mão se afastar do meu ombro. Ela se


recompôs voltando ao seu papel de secretária e adotando
uma postura muito séria. - Eu vou voltar pra minha sala. Se
quiser algo, estarei disponível.

E dizendo isso, caminhou despreocupadamente para a porta.

- Sabe... - Comecei, sem pensar, e só Deus sabe o porquê das


minhas palavras naquele momento - Eu posso dar uma
chance a mulher errada.2

Ela se virou graciosamente, e pela primeira vez notei que Ally


tinha algo de angelical.

- Errado aos olhos dos outros pode não significar nada. Talvez
ela seja a mulher ideal.9

E saiu.

Eu sabia que Ally estava certa. Eu tinha mesmo que dar um


jeito na minha vida porque era óbvio que eu não era feliz. Na
verdade eu não tentava mudar isso porque não tinha a menor
vontade de fazer algo a respeito. É claro que era muito mais
cômodo ficar me lamentando pela minha mediocridade do
que tentar conserta-la.

E eu sabia que ia me arrepender em não seguir o conselho


dela imediatamente. Mas, por hora, ia adiar essa decisão. 2

***
Assim, às 22h eu rumava para o The Hills em um táxi, fazendo
exatamente aquilo que Ally havia me aconselhado a não
fazer: Viver a vida da maneira mais lamentável possível. 1

Cheguei no lugar trinta minutos depois. O lugar como sempre,


estava com clientes de classe alta que se divertiam com os
mais variados tipos de garota.

Passei pelo bar e pedi uma dose de Whisky, que não demorou
a sair.

Agradeci o serviço e caminhei para a mesa mais afastada,


que ficava no canto entre duas paredes perpendiculares. Ali
estaria ótimo, porque ninguém me veria. Tudo bem, mais
cedo ou mais tarde eu procuraria alguém, mas por hora me
permiti saborear a bebida gelada no copo a minha frente
enquanto olhava sem interesse para as pessoas que andavam
de um lado para o outro.

Não sei qual era o grau de desatenção em que eu estava, mas


só depois de dois minutos sentada naquela mesa sozinha
pude identificar a garota que estava na mesa ao lado da
minha.

Claro. Tinha que ser ela.

Olhei diretamente para o homem que estava sentado muito


próximo a ela, falando alguma coisa ao seu ouvido e rindo de
uma piada que Camila claramente não estava achando
engraçada. Ao contrário, ela me olhava com os olhos
levemente espantados enquanto tentava manter um pouco a
distância do homem que agora passava uma das mãos por
suas pernas.2
Desviei o olhar sentindo meu humor já péssimo piorar
consideravelmente.

Eu sabia o que queria fazer. Queria me levantar daquela


mesa, quebrar o copo vazio em minhas mãos e, usando um
dos cacos, cortar as mãos daquele desgraçado. Mas eu sabia
que não podia fazer nada: Ela era dele naquele momento, e
eu só podia fingir que não estava vendo nada acontecer.2

Olhei de novo para o lado e vi o homem, que agora beijava o


pescoço dela, tentando colocar a mão dentro do short curto
que ela vestia. Antes que tentasse mata-lo vi Camila afastar
sem cerimônias sua mão.

- Eu não vou fazer nada aqui. - Ouvi-a dizer.

Certo. Ela era mesmo um pouco ditadora como eu bem me


lembrava. Ironicamente torci para que suas exigências
fossem o suficiente para aquele homem desistisse dela, mas
não seria tão fácil.

- Então vamos para o quarto, amor.

Por algum motivo o homem misterioso se tornou, em menos


de cinco minutos, meu inimigo mortal. Eu queria estraçalha-lo
com um caminhão e depois dar de comer a vira-latas na rua.
Queria colocar minhas aulas de Muay Thai em pratica e
quebrar todos os ossos do seu corpo e socar tanto aquele
sorrisinho que ele insistia em dar que a única coisa que
restaria seria uma boca sem dentes cheia de sangue. O fato
do desgraçado ser o que as mulheres considerariam bonito
fez com que eu o odiasse ainda mais.2
Olhei para o outro lado porque não queria ver Camila subindo
as escadas com um sujeito qualquer, para um lugar onde eles
fariam o que eu sabia que iam fazer.

- Que morra. - Falei baixo.

Uma mocinha passou com uma bandeja e eu pedi outro


Whisky.

Pensei na discussão que a Ally e eu tivemos naquele dia.


Pensei em Camila e no homem que devia estar se divertindo
mais do que eu gostaria. Pensei que talvez eu pudesse
provocar um incêndio naquele lugar, fazendo com que todos
nós morrêssemos carbonizados e infelizes, e então todos nós
encontraríamos no inferno.6

Olhei para o relógio, e nove minutos haviam se passado.

Nove míseros minutos.1

- Ei! Outro Whisky!

Bebi a terceira dose. E a quarta. E a quinta.

Algumas mulheres tentaram me convencer a pagar um


programa, mas eu negava todas. Estava extremamente puta
e sabia o motivo. Era simples, embora eu não quisesse
aceitar:1

Ela estava dando para outra pessoa.5

Ela é uma puta! O que você queria? - A voz da razão me


provocou.

O que eu queria? Na verdade, o que eu realmente queria era


que ela não estivesse dando para outra pessoa! E que ela
estivesse no meu colo! E que ela não fosse uma puta!
Mas é claro a culpa de todos esses pensamentos era das
cinco doses de Whisky.1

Depois de dispensar a quinta menina que me abordava


aquela noite e com a recém-chegada nova dose de Whisky na
minha frente, senti a presença de alguém na mesa ao meu
lado.

Virei a cabeça e vi Camila, agora com outra roupa, os cabelos


molhados e para foder de vez com a minha insanidade, ela
usava aquele perfume característico dela.

Ela se sentou parecendo contrariada, tentando abrir uma


garrafa de água sem sucesso.

- Se divertiu? - Provoquei.4

Ela me encarou com o que me parecia choque e raiva nos


olhos.

- Você sabe que não!

Desviei o olhar. É, eu sabia que ela não havia se divertido,


mas estava extremamente irritada e queria descontar minha
raiva em alguém.3

- Ele parecia bastante interessado em você. - Falei amarga. 2

- Bem, ele não estava interessado nos meus belos olhos ou


coisa assim. - Ela retrucou com mais raiva. Olhei para frente e
vi que um homem caminhava na direção da mesa dela. Ele ia
pagar o programa, eu sabia disso.

Como não tinha muito para pensar, puxei com força Camila
pela cintura, deslizando seu corpo pelo banco contínuo em
que nós estávamos sentadas até trazê-la quase para cima do
meu colo. Segurei com mais força do que o necessário,
mantendo-a colada a mim enquanto olhava com ódio para
aquele maldito que agora voltava para o bar com cara de
derrota.

- Ai.

Não dei atenção a ela, ainda olhando a nuca do sujeito.

- Você está me machucando!7

- Desculpa. - Afrouxei o braço em sua cintura, mas o mantive


lá.

Ficamos em silêncio por algum tempo.

- Obrigada.

- Pelo quê?

- Você sabe... - Ela deixou a frase no ar, olhando para o


homem já sentado no bar.

- De nada. - Falei sem emoção.

- Está tudo bem?

- Tudo ótimo.1

- Você parece irritada. - Ela disse enquanto me analisava. 1

- Impressão sua.

- Você bebeu?2

Eu sabia por que ela estava perguntando aquilo. Não era nem
pelo meu hálito, mas sim porque, quando eu bebia, falava de
uma forma arrastada.

- Bebi.

- Quantas doses?
- Duas. - Menti. Ela não pareceu acreditar.1

- Você costuma beber?1

- Isso é um interrogatório?

Ela murchou ao meu lado. Eu queria pedir desculpas pela


grosseria, mas não fiz porque estava mesmo irritada. Com
tudo. Até mesmo com ela, por te ido com aquele desgraçado.

- Não é um interrogatório... Mas você não devia beber muito,


faz mal.1

- Você está parecendo a minha mãe.

- Só estou dizendo...

Tirei o braço que mantinha em volta dela e a empurrei para o


lado. Ela desequilibrou em cima do banco.5

- Ok, vai pro Don Juan do bar. Ele deve estar bebendo suco de
maracujá.1

Camila ficou me encarando como se eu fosse algum tipo de


animal exótico. Então endireitou a postura se sentando reta,
deslizando novamente para a mesa ao lado.

Quando finalmente conseguiu abrir a garrafa de água, tomou


um gole e deixou-a em cima da mesa, cruzando os braços
como alguém à espera do ônibus. No caso dela a espera era
por um cliente, que eu sabia que cedo ou tarde apareceria.

- Camz... Desculpa.

- Você não devia beber. - Ela falou imediatamente. - Você se


transforma em uma idiota quando bebe.4

- Você estava me policiando!


- Só estava conversando com você. - Ela disse sem olhar para
mim.

- As pessoas parecem querer me dar lição de moral hoje.

- Eu só estava te dando um conselho.

- Ou isso.

Ficamos em silêncio outra vez. Ela ainda não olhava para


mim, com os braços cruzados no peito.

- Vai me desculpar?

Me desequilibrei um pouco por causa do álcool e só então


pude notar que estava quase totalmente inclinada na direção
dela. Ela não respondeu.

- Você disse que me queria por perto! - Falei um pouco


desesperada.5

Ela me olhou.

- Quero você por perto quando você é você, não depois de


não sei quantas doses de Whisky.

De repente me senti extremamente rejeitada. Merda, eu


estava mesmo bêbada.

- Você não me quer por perto agora?1

Ela continuou me olhando, e então finalmente falou:

- Você não vai mais beber.5

- Tudo bem. - Concordei.3

Qualquer que fosse a exigência dela, eu atenderia.6


Depois de alguns segundos ainda me olhando ela pegou a
garrafa de cima da mesa e deslizou novamente para o meu
lado. Meu braço foi automaticamente parar em volta dela
outra vez.

- O que aconteceu com você? - Ela perguntou.

Eu deveria dizer o que estava acontecendo comigo? Deveria


dizer que estava completamente perdida e deprimida?
Deveria mencionar o fato de que tinha pensado nela
enquanto transava com outra mulher?

Não. Eu estava bêbada, mas ainda não tinha perdido


completamente a noção.1

- O dia foi cansativo. - Disse calmamente enquanto deslizava


para frente e para baixo no banco, colocando a cabeça para
trás e fechando os olhos.1

Senti Camila se virar um pouco em meu abraço, ela abriu


alguns botões da parte de cima da minha camisa, e então
pude sentir seus dedos em meus cabelos.

Abri os olhos devagar e vi seu rosto muito próximo ao meu,


na mesma altura, enquanto ela brincava com as minhas
mechas, provavelmente deixando-as mais rebeldes, e olhava
diretamente em meus olhos.

- Vocês empresários são muito estressados. - Disse num tom


baixo, e pude sentir o cheiro de menta que o hálito dela
tinha.1

- Você tem mesmo um cheiro muito bom. - Falei sem pensar e


a vi corar imediatamente. Não pude evitar o sorriso que
brotou no meu rosto. - Você fica linda quando está
envergonhada, sabia?1

Ela sorriu sem graça e desviou o olhar.

Continuei encarando-a, observando cada ponto do seu rosto. 

- Por que não veio ontem? - Ela perguntou, ainda mexendo


em meus cabelos.4

- Tive que ir a uma festa. - Respondi.

- Pelo visto foi uma festa boa.

- Por que diz isso?

- Se essas coisas não são chupões, então alguém espancou o


seu pescoço.3

Me senti envergonhada como se tivesse feito alguma coisa


errada. Limpei um pouco os pensamentos e tentei ser casual:

- Ah. Ficaram marcas? Eu nem reparei.

Ela não respondeu, dando um suspiro.1

- Foi boa? - Perguntou.

- O quê? - Me fiz de desentendida. 

Ela continuou me encarando com um olhar que dizia '' você


sabe do que eu estou falando. ''

- Não, não foi boa. Nem a festa nem a transa.

Camila sorriu de maneira simples, mas mesmo assim pareceu


um pouco triste.
- Bom, da próxima vez use gola alta. - Ela falou - Você não vai
querer que as pessoas fiquem te encarando como se você
fosse uma promíscua.

Encostei a cabeça em seu ombro, deixando o rosto entre seus


cabelos e seu pescoço, e me deixei levar por toda aquela
mistura de perfumes que emanava dela.

- Você é melhor. - Falei muito baixo enquanto aproveitava a


sensação boa que seus dedos faziam nos meus cabelos. Me
perguntei se ela tinha ouvido, porque não disse nada depois
disso.

Depois de algum tempo, não sabia ao certo quanto tempo


exatamente, ela voltou a falar:

- Olha, eu queria ficar aqui, mas a Chloe já passou pela nossa


mesa umas três vezes e está me olhando feio. Eu tenho que
trabalhar... - Você está comigo. - Respondi sem mover um
único músculo - Eu sou sua cliente.1

- É que... As pessoas estão achando esquisito. Se você fosse


minha cliente nós deveríamos estar fazendo alguma coisa
porque...

- Então vamos pro seu quarto. - Saí de seu abraço e fiquei de


pé um pouco cambaleante, pegando meu paletó do terninho
da cadeira ao lado. Ela permaneceu sentada me encarando.

- Relaxa, eu não vou tocar em você.5

Ela sacudiu um pouco a cabeça e então se levantou.

Me pegou pela mão e me guiou para as escadas enquanto


Chloe nos olhava do outro lado do salão.

Eu não tocaria nela. Eu NÃO tocaria nela. 4


Por favor, não se insinue pra mim.

Pov Camila

Eu subia as escadas completamente ciente de que Lauren


estava a alguns centímetros atrás de mim, seguindo comigo
para o meu quarto. Também estava ciente de que ela estava
ligeiramente bêbada, e que disse, com todas as letras, que
não iria tocar em mim.

O que me pegou de surpresa foi o fato de eu quase torcer


para que fosse mentira.4

Abri a porta, dando passagem pra ela logo atrás de mim.


Quando ela entrou, virei a chave e fui ao seu encontro.

Lauren já havia se jogado de bruços na minha cama, e se eu


não soubesse do seu estado alcoolizado, diria que ela poderia
estar até morta.1

Constatei que ela era de tirar o fôlego até naquele estado,


mas como ultimamente eu vinha notando que ela era de tirar
o fôlego em qualquer ocasião, deixei pra lá.1

Fui até ela e tirei seus sapatos, depois as meias. Com


dificuldade, puxei seu corpo mais para cima, de forma que
seus pés não ficassem para fora da cama. Agradeci em
silêncio quando ela notou minha luta e se levantou,
engatinhando até encostar a cabeça em um dos travesseiros.
Sentei ao seu lado, na altura de sua cabeça, ficando
encostada na cabeceira da cama, depois de remover o outro
travesseiro. Fiquei admirando-a em silêncio, uma coisa que eu
estava me acostumando a fazer agora.

Depois de algum tempo, ela abriu os olhos e me fitou. Ao


notar que eu estava a encarando, fechou-os rapidamente,
voltando a ficar como antes.2

Quando repetiu o ato pela terceira vez, não consegui prender


o riso.

Peguei o livro que repousava no criado mudo ao meu lado,


abrindo em uma página aleatória e fingindo ler com interesse.
Lauren suspirou mais uma vez. Então se mexeu, suspirando
com mais força. Depois bufou, se virando completamente na
cama, enquanto eu continuava aparentemente compenetrada
na leitura, fazendo muita força para não rir.4

Ela parecia uma criança chamando a atenção, e isso era ao


mesmo tempo tão engraçado e fofo que eu tive que me
segurar para não jogar o livro em qualquer lugar e abraça-la
como fazia no andar de baixo há alguns minutos atrás.

Imaginei uma Lauren com três anos, fazendo a mesma birra,


e tive a certeza que ela foi uma criança absurdamente
mimada, porque era humanamente impossível alguém negar
alguma coisa àquele bico de '' me-dê-atenção. ''2

Vendo que não estava obtendo sucesso com sua estratégia de


fazer manha, Lauren perdeu a paciência e sem nenhum
cuidado, afastou minhas pernas indo se deitar de bruços entre
elas, repousando a cabeça em meu colo e pondo as duas
mãos dos dois lados das minhas coxas.
Mesmo depois do surto, ela continuava fingindo que estava
dormindo.

Não consegui não gargalhar.

- Rindo do quê?

- De você! - Falei, finalmente fechando o livro e deixando


minhas mãos livres para passearem em seus cabelos outra
vez.

Ela bufou outra vez.

- Você não me dá atenção. - Disse contrariada.4

- Não seja boba. - Falei, ainda sorrindo.

Ela se virou de barriga pra cima, terminando de desabotoar a


camisa que usava e jogando-a para o lado. Depois, voltou à
posição original entre minhas pernas.

Eu não era daquelas mulheres que ficavam secando as


pessoas o tempo todo, e também achava muito inapropriado
certos comentários que ouvia das meninas com relação a
alguns clientes que frequentavam o The Hills, mas eu tinha
que admitir, com todas as sílabas: A mulher que agora trajava
apenas uma calça social e um sutiã preto, deitada em meu
colo, era absurdamente gostosa.1

- Você malha? - Perguntei.

- Eu faço Muay Thai, e malho as vezes quando tenho


disposição. E você?

- Não, eu não malho. - Falei. - Prefiro dormir.6

- Então seus hobbies são dormir e ler? - Ela perguntou.1


- É. Acho que sim. Você prefere festinhas, né?

- Não. Odeio festas. - Ela falou, secamente.

- Ninguém odeia festas. - Imaginei os tipos de comemorações


as quais pessoas como Lauren compareciam. - Vocês devem
ter toda aquela coisa de cascata de chocolate e...1

- Eu odeio festas. E se você diz que gosta, é porque nunca foi


a alguma a qual eu já tenha ido. São monótonas, com pessoas
superficiais e música ruim.

- Que tipo de música ruim? - Perguntei.

- Blues, Jazz. Essas coisas chatas.1

- Blues não é chato!

- Pode não ser quando você estiver tomando um vinho em


uma tarde chuvosa. Mas para uma festa, é um saco.

- Você preferia que tocasse Pop ou alguma coisa assim? -


Perguntei, irônica.

- Bom, seria mais divertido, né? - Ela disse, ainda respirando


na dobra que meu tronco fazia com minha perna direita. 

- Você dança? - Perguntei.

- Só quando estou bêbada. O álcool faz com que eu não tenha


medo de ser ridícula.2

Olhei-a por algum tempo, imaginando uma situação em que


ela pudesse ser ridícula. Era difícil. Lauren sempre seria linda,
antes de qualquer outra coisa. 

- Você me pareceu ser o tipo de bêbada violenta.


Ela se levantou de meu colo, agora me encarando de joelhos
entre minhas pernas, com a aparência sonolenta.

- Eu não sou violenta. - Ela começou, com um olhar triste. -


Me desculpa por empurrar você, eu só estava um pouco
irritada. - E dizendo isso, pegou uma mecha de meus cabelos
com dois dedos, colocando-a atrás da minha orelha. - Eu sei
que não justifica, mas... Olha, eu prometo nunca mais ser
violenta com você.1

Estremeci um pouco com seu toque, mas mantive a voz firme.

- Por que estava irritada?

- Porque aquele babaca estava passando a mão em você! -


Respondeu, como se a resposta fosse óbvia.

- Se você ficar irritada toda vez que ver alguém passando a


mão em mim...7

Ela bufou, estalando a língua em tom de reprovação. Então


me puxou um pouco para baixo, deixando minhas costas
agora mais inclinadas com relação à cabeceira da cama.
Lauren subiu um pouco em meu corpo e voltou a deitar em
cima de mim, agora repousando sua cabeça em meu peito e
abraçando minha cintura.

Eu notei que ela estava contrariada, então tentei mudar de


assunto.

- Já que estamos aproveitando pra conhecer um pouco mais


uma da outra, qual é sua cor favorita?1

- Depende. Em você, vermelho.

Corei, feliz por saber que ela não podia ver minha vergonha.
- Sua cor favorita em geral.

- Preto. E a sua?

- Azul. Me dá paz. - Respondi.

- Azul me dá sono.

- E preto é muito sombrio.

Ela riu, deixando-nos em silêncio por mais algum tempo.

- Qual é sua flor favorita? - Ela perguntou.

- Nossa, essa é difícil. Não sei, gosto de qualquer flor.

- Tem que ter uma favorita.

- Na verdade, não tenho. Acho qualquer flor linda.2

- Hum. - Ela disse, finalmente cansada de conversar.

Eu sabia que ela estava exausta, mas aquela conversa era


agradável, e eu não queria que ela dormisse. Queria saber
mais sobre ela, mais de sua personalidade.

- Que dia é seu aniversário? - Tentei retomar nosso jogo de


perguntas e respostas.

- 20 de Junho. E o seu?10

- 13 de Setembro.1

- 13 de Setembro? Tipo semana que vem? - Ela levantou a


cabeça, me encarando.

- Já é semana que vem? Eu não sabia.  Respondi,


verdadeiramente surpresa.

- Hoje é dia 7 de Setembro.3


Me perguntei quando foi que comecei a esquecer a
aproximação de meus próprios aniversários.

Ela votou a repousar sua cabeça em meu peito.

- Vai ter festa? Vou ser convidada?

- Não vai ter festa, e se tivesse você não seria convidada. -


Respondi.1

- Por quê? - Ela perguntou, olhando-me como um cachorrinha


rejeitada.

- Porque agora eu sei o quanto você odeia festas. - Sorri.1

- Não gosto dos tipos de festas para as quais sou convidada.


Mas se você me chamar, eu venho. - Ela sorriu pra mim, e por
algum motivo eu tive a certeza de que, se eu fizesse isso, ela
realmente viria.

- Não vai ter festa. Vou sair.

- Pra onde?

- Por aí. - Respondi - Vou aproveitar a folga e sumir. Além do


mais, eu não ia gostar de ser a aniversariante e todas as
meninas olhassem só pra você.

Ela riu com gosto.

- Não posso fazer nada se desperto os desejos mais íntimos e


pecaminosos nas pessoas.3

Era verdade. Ela não podia fazer nada mesmo.

- Você é muito convencida. - Falei, enquanto passava o dedo


indicador pela extensão de seu nariz, empregando uma voz
falsamente crítica.
- Pare de me criticar. Você me adora. - Ela respondeu
brincando.1

- Adoro... - Suspirei baixo, ainda brincando com seu nariz.

Eu me sentia confortável, mesmo naquela posição. Seria


normal começar a sentir minhas pernas formigando, porque
eu não me movia fazia algum tempo, mas eu não sentia nada
além de um prazer genuíno e inocente por estar na
companhia dela.

Meu dedo deixou seu nariz, deslizando em vários pontos de


seu rosto perfeito, até parar em seus lábios finos. Eu não
sabia porque estava fazendo aquilo, mas de qualquer forma,
me deixei levar.

Ainda de olhos fechados, ela moveu seus lábios fechados,


quase imperceptivelmente. Repetiu o movimento algumas
vezes, cada vez com mais intensidade, então reparei que ela
estava beijando, com muita delicadeza, a ponta do meu
dedo.1

Sem pensar muito, forcei um pouco o indicador por entre seus


lábios. Ela abriu-os um pouco, permitindo que meu dedo
pequeno, entrasse completamente em sua boca.

Lauren fechou os lábios em volta de minha pele, então fez


algum tipo de força com língua, deslizando-o de volta para a
fora, completamente molhado.

Não sei por que aquilo me excitou.2

Era um ato bobo, e ela só estava deixando um rastro com sua


língua no meu dedo!1
Não era como se ela estivesse lambendo minha barriga ou
algum ponto mais sensível do meu corpo. Mesmo assim, eu
estava definitivamente, hipnotizada com o movimento que ela
repetia. Uma, duas, três vezes, sem nem se dar conta do que
estava fazendo comigo.

Como se já não fosse o suficiente, ela soltou seu braço


esquerdo da minha cintura, 

segurando minha mão na sua, e dessa vez, chupando meu


dedo com vontade. Um depois do outro, ela repetiu o
movimento com os cinco dedos em minha mão, e eu tentava
manter minha respiração estável enquanto ela brincava
compenetrada com a minha mão.

- Você vai me deixar viciada amêndoas, sabia?

- Lauren...

- Hum?

- Você disse... que não ia me tocar...1

Ela parou abruptamente o que fazia com meus dedos,


colocando minha mão repousada no colchão, enquanto fazia
menção de se levantar.

- Desculpa, eu só estava... - Ela começou.1

- Tudo bem, eu não me importo... De fazer.

Ela ficou de joelhos entre minhas pernas, me olhando com


curiosidade.

- Como não se imp...

- Não me importo se for com você.3


Minha voz saiu fraca. Eu devia estar ficando louca em revelar
aquilo a ela, mas as palavras simplesmente jorravam de
minha boca, como se tivessem vida própria. Tentei diminuir a
frequência de minha respiração, sem muito sucesso,
enquanto esperava alguma resposta dela.

- Não diz isso. - Ela enfim falou.

- É a verdade!

- Camz... Por favor... - Ela repetiu, de olhos fechados - Não diz


isso.1

- Por quê? - Falei, em uma voz meio esganiçada. - É a


verdade!

- Eu disse que não ia mais fazer isso com você...

- E eu te digo que não me importo!

- Você se importa!

- Você não responde por mim! - Toquei suavemente no rosto


dela.

- Porra, Camila, não faz isso! - Ela abriu os olhos e então eu


entendi o motivo por sua relutância em aceitar minhas
palavras.

Assim que a íris verde de seus olhos apareceram eu vi um


desejo latente neles.

A exclusividade de poder me tocar, diferentemente dos outros


clientes, a excitava. Ela era diferente dos outros, e sabia
muito bem disso. Eu a tratava de forma diferente, eu acabara
de revelar a ela que só ela podia fazer o que todos faziam
sem que eu odiasse cada segundo. E ela estava perdendo o
controle por isso.

- Eu vou embora. - Ela disse, tirando minha mão de seu rosto


e pegando a camisa verde água amassada de cima da cama. -
Vou te dar tempo pra pensar no que você está dizendo.3

- Eu não preciso pensar. - Falei, em um tom ainda mais baixo


agora.

- Precisa sim. - Ela colocava com violência a camisa,


procurando por seus sapatos.

- Não vai. Por favor.1

Ela parou, de costas para mim, na frente da cama, com a


respiração pesada pelo momentâneo descontrole, parecendo
imobilizada pelo meu pedido.

Fiquei encarando suas costas por um momento, ainda


sentada na mesma posição, enquanto ela não se movia.

Finalmente, engatinhei até ela, abraçando-a timidamente por


trás e encostando nossos corpos.2

Ignorei a corrente elétrica que passou por todo o meu corpo,


e continuei abraçada a ela. Aproveitei que sua camisa estava
aberta para tocar em sua barriga e em seus seios com as
mãos espalmadas, tirei seu sutiã e fiquei fazendo círculos
delicados em seus mamilos. Quando me certifiquei que ela
não apresentava mais resistência, abri o botão de sua calça
enquanto depositava beijos molhados em suas costas. Lauren
segurou minhas mãos que trabalhavam em seu zíper, agora
apertando-as contra sua ereção enquanto jogava a cabeça
para trás.
Segurei seu pênis entre as duas mãos, por cima do tecido,
tentando fazer os movimentos certos, e ouvi-a gemer baixo,
como se quisesse se controlar.2

Parei os movimentos e abaixei sua calça juntamente com a


boxer cinza que ela usava, finalmente conseguindo envolve-la
da forma certa com minhas mãos, enquanto continuava a
beija-la na pele das costas. Senti sua respiração pesada,
enquanto ela fazia muita força para falar.

- Eu não quero fazer isso!2

- Seu pau não parece dizer isso. - Falei, entre um beijo e


outro.

- Por favor...

Virei-a de frente para mim, prendendo seu rosto em minhas


mãos e encarando-a nos olhos. Nossos rostos estavam tão
próximos que meu nariz tocava o dela.

- Eu quero. - Falei, sabendo que depois me arrependeria de


confessar isso a ela.

Seus olhos pareciam presos aos meus, e a vontade quase


incontrolável de beija-la me tomou subitamente. Reparei que
a boca dela estava um pouco aberta, puxando e soltando o ar
por ali, seus lábios mais vermelhos que o normal.

Antes que eu pudesse reagir, ela me puxou pela cintura e


deslizou sua boca para o meu pescoço, mordendo e beijando
intensamente a pele próxima à minha orelha.

A sensação que sua pele macia dava era quase delirante, e a


única coisa que consegui fazer foi me agarrar aos seus
cabelos, enquanto aceitava sua língua brincando em minha
pele.

Senti suas mãos deslizarem mais para baixo em minhas


costas, apertando-me com força. Não demorou muito até que
seus dedos já estivessem brincando com o elástico que
prendia meu short, e depois de alguns segundos pensando se
devia ou não continuar, Lauren puxou o tecido para baixo,
junto com a calcinha, enquanto eu ainda a ouvia respirar com
força contra meu pescoço.1

Suas mãos fizeram o caminho inverso do short, agora presos


aos meus joelhos, acariciando a pele de minhas pernas até
chegar em cima, onde ela agora tocava minha virilha com
mais calma e suavidade que seu próprio corpo parecia querer.

Lentamente, suas mãos fizeram a volta em meu corpo,


segurando-me por trás e trazendo-me para ela. Quando
nossos corpos já estavam quase moldados um no outro, ela
subiu suas mãos, passando gentilmente os dedos pelas
minhas costas, por baixo da camisa larga que eu vestia,
subindo-a até a altura de meus ombros.

Eu não sei o motivos daquilo, mas os toques de Lauren


estavam muito mais sensuais do que qualquer noite em que
estivemos juntas. Parecia que ela queria sentir cada
centímetro de minha pele com as pontas dos dedos, e o ritmo
dos carinhos que ela fazia em que todo o meu corpo estava
lento, quase insuportavelmente lento. Mas a lentidão de seus
movimentos, ao invés de me deixar impaciente, parecia fazer
meu próprio corpo pegar fogo de desejo.

Talvez ela estivesse dessa forma por causa das doses de


Whisky que ela havia bebido, ou talvez estivesse me dando o
tempo necessário para que eu desistisse da transa, mas o
fato era que ela estava sendo mais carinhosa comigo do que
nunca.1

Meu pescoço já estava completamente molhado pela sua


língua, e o contato que sua pele fazia em meu rosto e ombros
estava me deixando realmente louca.

Eu nunca havia sentido isso na vida.

Tive que segurar a vontade de gemer quando ela se afastou


de meu pescoço e puxou minha blusa para cima, pela cabeça,
me deixando completamente exposta. Puxei-a novamente
para perto de mim pelos cabelos, enquanto ela me abraçava
e percorria minhas costas com as mãos espalmadas,
transmitindo todo o calor de seu corpo para o meu.

Aquilo não era normal. Não devia ser assim tão bom.2

Fiquei de pé em cima da cama, de forma que pudesse tirar


completamente meu short, ainda em meus joelhos, e então
ela deslizou, muito devagar, sua boca até meu seio esquerdo,
beijando lentamente e timidamente toda sua extensão,
brincando um pouco com sua língua ali e finalmente sugando-
o com um pouco de força, enquanto sua outra mão me
puxava mais pra perto dela.

Agarrei-me novamente em seus cabelos, querendo mantê-la


ali por um pouco mais de tempo. Ela afastou-se um pouco e
moveu sua boca para meu outro seio, repetindo as ações de
forma igualmente lenta.

Puxei suavemente seus cabelos para trás.


- Me deixa fazer isso... - Lutei contra minha voz instável e
minha respiração ofegante, sentando em meus calcanhares e,
com um movimento rápido, peguei seu pau e o trouxe até
minha boca, chupando-o com mais vontade do que jamais fiz
com qualquer outro homem.1

Senti seus dedos enrolando-se em meus cabelos, enquanto


escutava gemidos e sussurros não identificáveis vindos delas.
Relaxei minha garganta para poder acomoda-la
completamente dentro de minha boca, sentindo-a agora
estocar com um pouco mais de força do que antes.1

Suas pernas começaram a tremer, então puxei-a para cima da


cama, fazendo-a sentar em seus próprios calcanhares,
enquanto eu a chupava com vontade e sentia verdadeiro
prazer em fazê-lo.

- Chega! - Ela disse, sua voz um pouco mais alta do que o


normal, embargada pelo desejo, ao mesmo tempo que
puxava com um pouco de força meus cabelos para trás, me
afastando dela.1

Deixei-a me empurrar contragosto.

Lauren levantou da cama, um pouco cambaleante, indo na


direção do meu criado mudo, com a respiração tão pesada
que eu podia ouvir de longe. Abriu a gaveta e tirou de lá uma
camisinha. Sem olhar para mim, abriu a embalagem e,
parecendo com pressa, rolou a camisinha em toda sua
gloriosa extensão.

Quando estava devidamente pronta, me puxou pelo calcanhar


sem nenhum cuidado, me virando na cama e me
posicionando, de quatro, a sua frente, enquanto permanecia
de pé.3

- Eu queria ir devagar, mas não vai dar. Eu preciso de você


agora.2

Sem nem me esperar por alguma resposta minha, com um


movimento brusco, ela me penetrou com tanta força que tirou
meus joelhos apoiados do colchão, me deslocando alguns
centímetros para frente, enquanto ela soltava um gemido tão
forte e satisfeito que eu mesma não pude me conter e a
segui, num gemido genuíno de prazer.1

Suas mãos seguraram meus quadris imediatamente,


trazendo-me de volta para trás, ao mesmo tempo que ela
metia pela segunda vez, se retirando de dentro de mim
somente para repetir o movimento.

Eu já estava completamente lubrificada pra ela, e se não


fosse por isso e pelo fato de que estava bastante inclinada a
fazer tudo com ela durante o resto daquela noite, seus
movimentos violentos dentro de mim teriam doído. Talvez até
estivessem doendo mas eu estava muito concentrada no
prazer de senti-la deslizando dentro de mim para pensar em
qualquer coisa que não fosse isso.

Finquei meus dedos no colchão, ajudando-a manter meu


corpo perto do dela, enquanto suas estocadas tornavam-se
mais violentas e mais rápidas. Eu já não tentava mais
esconder meus gemidos, e pelo que pude ouvir, ela também
não.1
Senti-a se curvar em cima do meu corpo, sua boca e sua
língua encostando em meu pescoço, enquanto seus braços
mantinham um abraço apertado em minha barriga.

Puxei a perna direita dela para cima da cama, de forma que


ela ficasse ao lado da minha, e cravei minhas unhas em sua
coxa, tentando lidar com a onda de prazer que me atingia
rapidamente, enquanto escondia meu rosto nos lençóis que
abafavam meus gritos.

- Goza pra mim, Camila.... Goza, gostoso pra mim.1

Ela não precisou pedir duas vezes. Três segundos depois, meu
corpo se contorcia em deliciosos espasmos longos, enquanto
eu afrouxava as unhas na perna dela.

Sem muito cuidado, ela me virou de uma vez, pondo minhas


costas na cama e trazendo meu corpo mais para o meio do
colchão, de forma que ela pudesse se ajoelhar à minha frente,
entre minhas pernas abertas. Eu mal tive tempo de me
estabilizar depois do orgasmo, quando ela estocou em mim
outra vez, com mais força, enquanto fazia movimentos
circulares em meu clitóris com o indicador.2

- Eu já tive meu orgasmo. - Falei, um pouco ofegante


empurrando-a contra o colchão e virando nossos corpo,
mudando novamente de posição, de forma que meu corpo
ficasse por cima do dela.

Segurei com força seu pau e o guiei para a entrada de minha


boceta. Um segundo depois, já estava montada nela,
deslizando meus quadris em um ritmo lento e prazeroso,
fazendo com que ela entrasse e saísse devagar de mim.3
Concentrei-me nos mínimos movimentos daquele ato. Em
suas mãos acariciando de leve meus braços, apoiados um em
cada lado de sua cabeça, depois os lados de meu tronco,
meus seios, minha barriga, minhas coxas, pernas e pés,
enquanto seus olhos verdes muito abertos percorriam meu
corpo e paravam em meu rosto. As ondas que sua língua fazia
dentro da boca cada vez que eu movimentava nossos corpos,
já tão suados que chegavam a brilhar, e o modo como ela
mesma levantava seus quadris contra o meu, reforçando
nosso ritmo.1

Era como uma dança, e talvez eu estivesse apenas sendo


muito romântica, mas nossa sincronia era tão linda, e a troca
entre nossos olhares tão intensa, que parecíamos amantes,
em um ato extremante apaixonado.1

Lauren apressou o ritmo, então deixei que ela ditasse os


movimentos, caindo sobre seu corpo do enquanto meu rosto
ia para sua orelha e seu pescoço. Ela segurou com força
minha cintura, mantendo-me imóvel, e plantou seus pés no
colchão, investindo dentro de mim para cima com tanta força.

Por muito tempo, os únicos sons que eu podia ouvir eram


nossas respirações pesadas e um som de dois corpos se
batendo com força, como tapas.

- Vem, Lauren... Goza com força.

Senti-a perder completamente o controle, e com uma última


investida- tão forte que ela teve que me abraçar para que eu
não pulasse. - foi a vez dela gozar dentro de mim, enquanto
sentia sua respiração muito forte, ao mesmo tempo em que
ela repetia coisas como '' minha '' '' pra mim '' e '' linda. '' 1
Ficamos imóveis naquela posição por alguns minutos, sem
falar nada. Quando pareceu finalmente voltar a si, ela saiu
com cuidado de dentro de mim, fazendo com que palavras
incompreensíveis de revolta saíssem de minha boca.

Virei-me na cama, deitando de costas e relaxando o corpo


ainda tenso, vendo Lauren ir até a lixeira e jogar a camisinha
usada lá. Depois, um pouco cambaleante engatinhou pela
cama até me alcançar, abrindo minhas pernas como antes e
acomodando-se entre elas, com o rosto repousado em meu
peito.

Meus dedos migraram novamente para seus cabelos,


mexendo despreocupadamente em suas mechas rebeldes.

- Você me fez quebrar a minha promessa. - Ela disse.

- Você não fez promessa nenhuma.

- Eu disse que não ia mais fazer isso com você.

- Então o que você sugere? Que você pague meus programas


e que a gente mate as horas jogando xadrez? 2

Ela permaneceu calada.

- Se você for pagar pela minha hora, vai ter que me deixar
fazer meu trabalho.1

- Se eu pagar pela sua companhia, eu decido o que fazer com


ela.1

Me valei imediatamente.

- Tudo bem. - Falei, sem mais argumentos.


A verdade se resumia a fatos simples: Se ela queria pagar
pelos meus programas e ainda assim não fazer nada comigo,
não era obrigada a fazer.

Ela sendo Intersexual, teria suas necessidades igual ao um


homem. Mas elas poderiam ser facilmente resolvidas com
outras meninas do The Hills. Levando em passa a cliente em
questão era a Lauren, ela poderia recorrer a qualquer mulher
do mundo, sem nem ter que pagar por isso.1

Ficamos em silêncio por um tempo, e ao me dar conta de sua


respiração calma e profunda, pude constatar que ela havia
dormido.

- Lauren... - Falei baixo, tentando acorda-la, e me lembrei que


era péssima em fazer isso.1

Ela estava completamente agarrada ao meu corpo, então me


permiti acorda-la como desejaria em meus devaneios
românticos. Beijei seus cabelos macios, correndo a boca para
sua testa e descendo até o canto do seu olho. Retirei minhas
mãos de sua cabeça e apertei-a em um abraço de urso com
os braços e com as pernas, sentindo toda a sua presença ali.

- Hmmmm... - Ela tentou falar, me abraçando de volta.

- Já está tarde. Acho que você tem que ir...

Ela levantou a cabeça, olhando para o relógio.

- Merda. Tenho que ir. - Falou em uma voz embolada,


enquanto se levantava.1

Ela caminhou pelo quarto, pegando suas coisas.

- Eu vou tomar um banho rápido. Chama um táxi para mim?


- Claro.

Ela saiu do banheiro, completamente vestida e um pouco


molhada, seus cabelos pingando e deixando sua camisa social
quase transparente.

- Por que não se seca direito, bonitona?1

- Vou perder o Táxi. - Ela falou, andando apressadamente pelo


quarto colocando os sapatos.

Depois alcançou o paletó do seu terninho feminino, tirando de


lá um talão de cheques.

Era a hora pagamento de eu me senti extremamente


contrariada.1

Eu queria rasgar o maldito papel em suas mãos e gritar com


ela, dizendo que eu não queria nenhum centavo que fosse de
seu bolso, mas imaginei que essa atitude a assustaria.

- Lauren, você não precisa.

- Shh. Estou tentando fazer um conta - Ela disse sem olhar pra
mim.

Fechei a cara e esperei que ela acabasse o que estava


fazendo, enquanto ela sussurrava muitos números aleatórios,
o que não condiziam com a hora completa que passamos
juntas, que tornava a conta até bastante fácil.

- Eu, quantas horas por dia você trabalha?1

- Oito.2

Ela recomeçou a sussurrar números grandes, fazendo contas


aparentemente complicadas de cabeça. Quando pareceu
terminar, preencheu o cheque em suas mãos, assinando-o e
deixando em cima da cama, longe de mim, e quanto voltava
ao banheiro para se certificar que não tinha esquecido nada.

Tomada por uma curiosidade mórbida, engatinhei


rapidamente até o cheque, então fiquei confusa.

- Ei! - Ela disse, tirando rapidamente o cheque dali e


colocando-o no bolso. - Isso não é pra você, é pra Chloe.

Olhei para ela, ainda mais confusa.

- Mas você sempre pagou para mim...1

- Não dessa vez. O táxi já deve estar me esperando, tenho


que ir.

E dizendo isso, chegou perto de mim, me envolvendo com um


dos braços em um abraço apertado, e me deu um beijo no
pescoço. Não um beijo inocente, mas um beijo bastante
molhado. Por fim, inspirou profundamente em meus cabelos,
e então me soltou.2

- Tchau. - Ela falou, enquanto se afastava de mim, sorrindo.

Esperei-a sair do quarto, então meus pensamentos se


voltaram novamente para o cheque, com um valor estranho.

Comecei a calcular mentalmente, tentando entender o motivo


daquele número. E depois de aproximadamente 5 minutos de
contas e suposições, congelei. +

Lauren havia pago pelo resto da minha semana.6

***
Capítulo 4

Pov Lauren

No dia seguinte, cheguei ao The Hills por volta das 21h,


quando uma música agradável e sensual tocava não muito
alta, proporcionando o ambiente caloroso que eu procurava
sempre que ia lá. Passei por alguns casais que já
aproveitavam a noite, sem o menor pudor, enquanto se
atracavam nos cantos, finalmente chegando no bar e pedindo
minha já habitual dose de Whisky.1

Olhei em volta procurando um rosto conhecido, e depois de


algum tempo, quando não pude acha-lo, relaxei um pouco.
Camila não deveria estar naquele ambiente, porque se
estivesse, os clientes presentes achariam que ela estava livre.
E ela não estava, porque eu providenciei isso. Muito bem
providenciado.2

- Olá, querida.

Virei-me e encarei Chloe, com um sorriso um pouco forçado.1

- Olá.

- Camila está no quarto dela, se você está procurando.2

- Imaginei que ela estivesse lá. - Respondi, dando um último


gole em minha bebida e agradecendo a menina do bar que
veio retirar o copo.

- Lauren - Chloe segurou levemente meu braço, me olhando


com mais significado do que o normal. O sorriso forçado não
estava mais em seu rosto.
- Posso te dar um conselho?6

- Sim? - Falei, um pouco surpresa com a intensidade de sua


atitude.

- Tome, cuidado.

Fitei-a por algum tempo, sem entender muito bem o que


aquilo significava. Como se ela pudesse ler meus
pensamentos, completou:1

- Não a torne muito especial.4

Ainda não entendia muito bem o motivo daquilo, mas mesmo


assim senti a necessidade de me defender.

- Não estou tornando-a especial.1

- Não seja boba. É óbvio que está.

- Ela é uma boa amiga.1

Chloe me observou, sem falar nada. Depois de alguns


segundos, voltando do que parecia uma análise interna sobre
mim, ela tornou a falar, se afastando logo em seguida.

- É um conselho, minha cara.1

Fiquei imóvel, vendo-a caminhar para longe de mim,


enquanto voltava a sorrir para alguns clientes que brincavam
com ela.

Fiquei pensando em que ocasião manter uma amizade com


uma das garotas do The Hills prejudicaria alguém. Não seria o
caso para mim, já que eu realmente gostava da companhia
dela. Não seria o caso de Camila, porque, até onde eu sabia,
ela também gostava da minha companhia, se eu fosse tomar
suas próprias palavras como indicação disso. Também não
seria o caso de Chloe, porque nada do que se passava entre
nós atrapalharia seus negócios. 1

Caminhei para as escadas que davam para o corredor dos


quartos das meninas, enquanto tentava entender o conselho
que Chloe acabara de me dar. Não sei o quanto aquilo tudo
afetava a ela, mas eu esperava que não afetasse o suficiente
para que ela se sentisse no direito de interferir no
relacionamento que Camila e eu tínhamos agora. Se ela
tentasse fazer isso, nós teríamos problemas.2

Cheguei à porta de seu quarto e bati, esperando por uma


resposta. Uma voz abafada saiu de lá de dentro, me pedindo
para que entrasse, então o fiz.

Camila estava sentada na cama, com as costas apoiadas na


cabeceira, segurando um livro agora fechado que identifiquei
como sendo o mesmo livro que ela estava lendo há algum
tempo. Vestia um short vermelho confortável e um moletom
preto, tão grande nela que parecia pertencer a alguém três
vezes maior.

Ela me encarou com um sorriso largo e verdadeiro, tão lindo


que eu tive que retribuí-lo.1

- Olá - Comecei, fechando a porta atrás de mim e caminhando


até ela. - Desculpa interromper sua leitura.2

- Ah, tudo bem. Eu estou lendo o dia inteiro, é bom parar de


vez em quando.1

Ela colocou o livro em cima do criado mudo ao seu lado,


voltando para a mim ainda com aquele sorriso.
Não consegui parar de olhar pra ela, ficando em silêncio por
algum tempo enquanto admirava a luz que sua aparente
alegria conseguia emanar.

- Está contente? - Consegui dizer, saindo um pouco do transe


e indo me sentar ao seu lado na cama de casal, depois de
tirar os sapatos.

- Ah, você não sabe como é bom não ter que descer.2

Sorri por saber que ela estava mesmo feliz, e me senti bem
em saber que fora meu ato que havia feito com que ela
pudesse dar aquele sorriso.

- Caramba, você fica mesmo mais bonita sorrindo - Eu disse,


enquanto abria os primeiros botões de minha camisa.

- Bom, eu tenho motivos para ficar contente. Quer que eu te


ajude?

Sem esperar pela minha resposta, ela já me ajudada a abrir


mais os botões da camisa, e meu instinto achou melhor agir
imediatamente.

- Não senhora. Eu sei bem o que suas mãos e essa sua


carinha de inocente são capazes de fazer - Falei em tom de
brincadeira, enquanto afastava suas mãos de mim.4

- Ei, só estou sendo gentil! - Ela falou, fingindo estar


magoada.1

- Seja gentil sem encostar em mim, sua provocadorazinha. 

Camila fez uma careta colocando a língua entre os dentes e


cruzou os braços no peito, ainda sorrindo.2

- Então, o que pretende fazer comigo essa noite, bonitona?1


- Podemos fazer várias coisas. Por exemplo, estudar a
Revolução Russa.3

Ela riu, uma pequena gargalhada, e o som levemente rouco e


fofo fez com que sorrisse de novo. Eu tinha que me lembrar
de deixá-la alegre mais vezes, porque sua alegria era
adorável.

- Você é algum tipo de historiadora?2

- Não. Sou diretora de uma empresa de publicidade.2

- Bacana. - Ela disse, sem muito entusiasmo.1

- É bem chato, pra dizer a verdade. Tudo que eu faço é seguir


ordens da minha secretária.

Ela pareceu confusa.

- Você é a chefe e segue as ordens da secretária?2

- Ela entende de coisa muito melhor do que eu. Eu só estou lá


para assinar papéis. Meu nome tem peso, já que sou a filha do
dono das Empresas de Publicidade Jauregui.

Camila me encarava com os olhos atentos e a boca


levemente aberta em um '' O'' quase perfeito, parecendo um
peixinho fora d'água. Me segurei para não rir de sua
expressão engraçada.

- É por isso que você tem dinheiro.

- É.

- Deve ser bom ser rica. - Ela falou com um suspiro, tirando os
olhos de mim e voltando-se para frente. - Ser importante,
morar bem, ter tudo o que quiser...2
- Eu pareço ter tudo o que quero pra você? - Perguntei um
pouco mais seca do que gostaria, e o tom de minha voz fez
com que ela olhasse para mim outra vez, um pouco
espantada.

- Ahm... Não.

- Pois é. É porque eu não tenho.1

- Bem... O que te falta?1

Ela perguntou, e eu pude ver em seus olhos que ela


realmente estava interessada na resposta.

- Não sei. Um sopro de vida, talvez. - Falei, rindo baixo sem


motivo nenhum.3

Camila continuou me encarando, como se não entendesse.

- Minha vida social é uma desgraça. Eu não tenho amigos, não


tenho pessoas próximas a mim. Isso às vezes faz falta. Eu
queria alguém para conversar, alguém que não fosse Ally.
Mesmo porque ela já está de saco cheio das minhas
lamentações.1

- Ah... E quem é Ally?2

- Minha secretária. E psicóloga nas horas vagas. Eu devo


muito a ela. Muito do pouco da minha sanidade restante. Na
verdade, acho que ela é a única pessoa do meio em que eu
convivo de quem eu não tenho medo.

- Ela parece ser legal.

- Ela é um anjo. - Respondi, me dando conta de que talvez


fosse isso mesmo que Ally era. Um anjo. Não era hipótese
absurda, visto que ela estava sempre me ajudando, sempre
me dando os conselhos mais sábios e sempre se preocupando
comigo quando os outros não davam a mínima importância
para mim. Talvez ela fosse meu anjo da guarda, no final das
contas.

Pela minha visão periférica, pude notar que Camila me


encarava com curiosidade, ainda de braços cruzados.

- Foi ela que fez aquilo com você?2

- Aquilo o quê?

- Aquelas marcas no seu pescoço.

- Ally? - Não consegui me conter e soltei uma gargalhada alta


e divertida, o que pareceu incomoda-la.

- Qual é a graça? Não vai responder?1

- Não, não foi ela, Ally é apenas minha amiga mesmo. Ela é
mais velha.

- Mais velha, tipo quanto?

- Mais velha uns bons anos. Tipo uns 7.1

- Seus olhos brilharam quando você falou dela. - Ela retrucou,


ainda um pouco chateada.

- Quando eu digo que devo muito a ela, você não sabe o


quanto.

- Quando eu tinha 21 anos, estava me preparando para se


diretora de uma das filiais das empresas do meu pai. Eu tinha
dinheiro, amigos, namorada. Tudo parecia ir bem na minha
vida. E eu devia mesmo ter desconfiado que tudo estava indo
até bem demais. Eu era apaixonada por Beatrice, muito
apaixonada. E eu não me importava com as coisas que ela me
pedia, ou com às vezes parecia não estar feliz comigo. Na
verdade, acho que estava cega de amores por ela, então tudo
o que eu mais queria era ficar do lado dela pelo resto da vida.
Mimei-a e a exaltei de todas as formas possíveis. Comprei
carro, jóias, o diabo para aquela mulher. Eu simplesmente
confiava nela, e nunca me passou pela minha cabeça que um
dia ela pudesse fazer alguma coisa que me magoasse.
Resumindo, eu era uma imbecil.1

Então foi bem feito que eu tenha me decepcionado. No dia em


que eu ia pedi-la em casamento, descobri que ela havia ido
embora com meu melhor amigo. Mais do que isso, descobri
por outras pessoas que os dois tinham um caso antigo, o que
provavelmente durou todo o tempo em que nós estivemos
juntas. Não preciso dizer que me senti uma palhaça. Qualquer
um que fosse um pouco mais confiante e menos idiota do que
eu iria atrás dos dois e talvez cometesse uma loucura por
orgulho.2

Mas eu resolvi me trancar dentro de casa e ignorar o mundo.


Me afastei de todos que conhecia, porque se ninguém tinha
sido capaz de me dizer toda a sujeira que acontecia debaixo
do meu nariz, então me senti no direito de pensar que fui
traída por eles também. 

Perdi meu melhor amigo, minha futura esposa, e a vontade de


tentar outra vez ter uma chance em algum relacionamento.
Na verdade, nem foi difícil me tornar uma pessoa sozinha.
Depois desse pesadelo, comecei a beber demais e a tratar os
outros como lixo. Obviamente ninguém estava disposto a me
aguentar no auge das minhas crises existenciais, com uma
exceção.
Essa exceção era Ally. Então ela ficou do meu lado durante
muito tempo, cuidando de mim me tratou bem, e eu sequer
merecia isso. Ela me aconselhou a tomar juízo, procurou
programas de reabilitação e me obrigou a voltar para o
trabalho, porque segundo ela, eu deveria ocupar minha
cabeça para esquecer os meus problemas. Por isso, até hoje,
eu devo demais a ela.

Camila e eu ficamos em silêncio por alguns segundos,


enquanto ela me encarava novamente com a cara de
peixinho dourado. Eu também olhava para ela, surpresa em
notar a forma seca e sem emoção que escolhi para contar
aquela história. Era bom saber que aquilo não despertava em
mim a tristeza e o desespero que já foi capaz de despertar um
dia, e poder contar aquilo para alguém além de Ally fazia com
que eu me sentisse muito mais leve.1

- Desculpe... - Ela começou, fechando os olhos e sacudindo a


cabeça devagar. - Deixe me ver se eu entendi: Essa mulher
tinha você aos pés dela, tinha uma vida inteira pela frente ao
seu lado, e ela resolveu simplesmente ir embora com um
amigo seu?

- Meu melhor amigo. Sim.

- Ok. Acho que essa mulher é a mais babaca de quem eu já


ouvi falar. - Ela disse, com os olhos um pouco arregalados,
parecendo realmente surpresa ou incrédula.1

- Ela não era uma babaca, era uma vadia.4

Parei imediatamente, notando a gafe que acabara de


cometer. Eu estava ao lado de uma garota de programa, e
talvez insultar uma mulher daquela forma não fosse
exatamente apropriado.2

- Me desculpa...

- Tudo bem. Não me ofendeu.

Eu não falei outra vez, o que no fez mergulhar em um silêncio


constrangedor. Camila olhava atentamente para as mãos,
enquanto pensava em alguma coisa com uma expressão séria
e um pouco triste, e imediatamente tive vontade de fazer algo
muito ridículo para que pudesse voltar a ver aquele sorriso
em seu rosto outra vez.

- Espero que você tenha superado isso. - Ela falou, em uma


voz fraca. - Aposto que um dia ela vai se arrepender,
enquanto você vai estar aproveitando sua felicidade. Ela não
te merecia, então foi melhor ter te deixado.1

- Bom, eu não senti isso na época. - Retruquei, brincando. -


Doeu bastante.

Ela ficou em silêncio durante algum tempo, mas depois o


rompeu.

- Todos temos nossos dias ruins.

- É. Todos temos os piores dias das nossas vidas. - Concordei.

- É. Acho que sim. - Ela sorriu, mas um sorriso triste.

- Qual foi o pior dia da sua vida?2

- Você sabe qual foi. Eu já te contei.

- Qual foi o segundo pior?


Eu nem sabia por que estava insistindo naquele assunto.
Talvez eu fosse mais idiota do que achasse ser.

- Bom, meus dias não são muito agradáveis. Nenhum deles.


Mas recentemente, teve um dia excepcionalmente ruim.

- Qual? - Encorajei-a a prosseguir.

Ela pareceu ponderar por muito tempo se devia falar ou não.


Por fim, resolveu contar.

- Alguns dias antes de você me ver naquele estado.1

Congelei, porque mesmo com essa pouca informação, eu


sabia qual era o dia em questão. Lembrei de seu estado frágil,
dos machucados por toda a extensão do seu corpo, e um ódio
esquecido dentro de mim surgiu como fogo, com a
expectativa de finalmente saber o que, ou como eu
imaginava, quem havia feito isso a ela.

- O que aconteceu naquele dia? - Senti os músculos do meu


pescoço contraídos de raiva, e lembrei de que tinha que me
controlar se eu quisesse ouvir a história completa.1

- Só me acontece uma coisa, Lauren. Clientes. - Falou sem me


encarar, e a raiva que quase explodia pela minha boca me fez
ignorar o prazer de ouvir o som do meu nome na voz dela.

Dei tempo para que Camila falasse o que quisesse e quando


quisesse. Era extremamente difícil, mas eu não tinha o direito
de interrompê-la, apesar da vontade que eu tinha de sacudi-la
pelos ombros e exigir o nome do filho da puta que tinha feito
aquilo. Como não queria assusta-la, respirei fundo e esperei.1

- Ele foi um cavalheiro no início, até onde isso era possível.


Mas acho que era um daqueles homens que não aceitam ''
Não '' como resposta. Então, como ele queria uma coisa e eu
me neguei a fazer... Bom, ele perdeu a paciência.

Ela soltou um risinho forçado, ainda sem olhar para mim.

Reuni toda a força que existia dentro de mim para falar em


um tom minimamente controlado. Era óbvio que eu já sabia a
resposta, mas como não estava raciocinando muito bem,
perguntei assim mesmo.

- Ele bateu em você?

Diga que ele não bateu em você. Diga que não...

- Um pouco.4

Senti meu estômago afundar em um baque surdo e doloroso,


e tudo o que eu mais queria era não acreditar no que ela
dizia. Fiquei calada ao som da confirmação dos meus medos,
enquanto digeria o fato de que alguém havia batido nela.

Alguém havia batido nela. Algum covarde maldito, filho da


puta, havia batido nela. E não havia sido '' um pouco, ''
porque eu vi o estado em que ela se encontrava dois dias
depois do que aconteceu, o que me levava a acreditar que ela
esteve muito pior antes.

Ainda remoendo a dor que eu sentia, notei que havia algo pior
naquela história. Eu podia sentir minha cabeça esquentando
ao ponto de ferver, enquanto lutava para não pensar no que
podia ter acontecido depois de baterem nela. Naquele
momento, eu daria tudo para que Camila afastasse aquele
pensamento de mim, mas o único jeito de fazer isso poder
acontecer seria perguntar ela. E eu tinha medo da resposta.
- Camz... Você expulsou ele do seu quarto depois disso, não
é?2

Ela ficou em silêncio, olhando para a parede à frente,


enquanto entrelaçava e desfazia os nós nos dedos, tentando
achar uma resposta à minha pergunta.

- NÃO É? - Eu queria falar de uma forma educada e


controlada, mas o silêncio dela fez com que um desespero se
apoderasse de mim, então eu gritei.

Ela olhou para mim de uma forma calma e triste, com olhos
que poderiam pertencer a uma criança inocente e indefesa.

Uma criança.2

Uma porra de uma criança violentada.

- Eu tentei. Mas ele era mais forte.

Ela foi estuprada.

ELA FOI ESTUPRADA.

Aquela frase ficava se repetindo na minha cabeça como um


letreiro luminosos vermelho, piscando incessantemente, me
cegando um pouco mais a cada piscada.

Ela foi estuprada.

- Por que... - Fiquei surpresa em ouvir minha própria voz, um


pouco trêmula, enquanto tentava raciocinar. - Por que você...
não gritou?1

- Ele me amordaçou.1

Eu não podia acreditar naquilo, e tudo ficava pior a cada


detalhe, e então eu não queria ouvir mais nada.
Olhei em volta e notei que já estava de pé, andando pelo
quarto, me perguntei há quanto tempo eu estivera fazendo
aquilo.

- Qual o nome dele? - Perguntei secamente.

- Hardin. Acho. - Ela me olhou um pouco receosa.

- Como ele era?4

- Por quê?

Ela estava desconfiada, e eu não podia culpa-la. Talvez fosse


culpa da minha incapacidade de esconder o que devia ser
agora uma expressão de maníaca assassina. Tentei não
deixar claro que alguns pensamentos psicopatas passavam
pela minha mente, como andar com uma faca e arrancar os
globos oculares daquele infeliz, ou amarra-lo, banha-lo com
gasolina e atear fogo, enquanto apreciava seu maldito corpo
queimando e o assistia morrer lentamente e dolorosamente.4

- Eu só quero saber.

- Eu não lembro muito bem. - Ela mentiu.

- Por que está preocupada com ele? Ele te... forçou!

Forçou a... Pelo amor de Deus!

- Não estou preocupada com ninguém! Só acho que é mais


fácil deixar pra lá! Já passou.1

Olhei-a incrédula.

- Como você pode dizer isso?

- Eu estou feliz que isso tenha acontecido uma só vez!


Qualquer puta faz isso, lembra? 1
Eu lembrava. Aquelas eram minhas próprias palavras. 2

- Não interessa o que qualquer... qualquer uma faz. Você tem


suas condições, e se um cliente quiser ficar com você, tem
que respeita-las!

- Clientes não me respeitam, Lauren. Você deveria saber


disso.

- Eu te respeito. E se todos os clientes te conhecessem como


eu te conheço, veriam que você merece respeito. Você é
muito mais digna do que muitas mulheres que eu já conheci,
por isso não insinue que você não merece. Eu não sei quanto
às outras garotas daqui, e também não quero saber, mas sei
que respeito você e todo filho da puta que toca em você devia
fazer o mesmo!3

Ok. Minha mania de ser extremamente sincera na companhia


dela estava ficando irritante e constrangedora. Eu deveria
manter a boca fechada, mas eu não conseguia. Simplesmente
tinha que falar tudo a ela, tinha que dizer a ela tudo de bom
que ela tinha e que não conseguia ver em si mesma.

Eu tinha que mostra-la que ela não era qualquer uma.

Ela não era qualquer uma.

- Obrigada...

Fui pega de surpresa pelas lágrimas dela, que resolveram


descer em uma repentina enxurrada, fazendo com que eu não
soubesse o que fazer. Eu sempre fui péssima em confortar
pessoas, simplesmente porque eu sempre fui muito insensível
para conseguir falar alguma coisa que servisse de consolo.1
Mas Camila precisava de mim, talvez mais do que alguém um
dia já precisou. Eu sabia que confiar a mim aquele segredo
não havia sido uma tarefa fácil para ela, então era minha
obrigação fazê-la se sentir um pouco melhor, mesmo que eu
não soubesse como.

Ignorando a raiva pulsante que gritava dentro de mim, fui me


sentar novamente ao seu lado na cama, tentando parecer
suficientemente calma e controlada, o que eu não estava.
Mas ela realmente precisava de mim, então eu não poderia
me dar ao luxo de alimentar aquele sentimento de ódio e sair
pela cidade caçando o filho da puta como o animal que ele
era.

Isso ficaria para depois.

- Vem cá. - Tentei falar com uma voz suave, e falhei


miseravelmente.

Por sorte, ela não pareceu identificar a hostilidade que


emanava de mim, então menos de um segundo depois Camila
já estava no meu colo, embrulhada como uma bola em meu
peito e agarrada a mim como um bebê coala. Sua cabeça
repousou no meu ombro e eu pude sentir sua respiração
quente na pele do meu pescoço.2

Desejei que ela parasse de chorar, porque sentir suas


lágrimas molhando minha camisa só aumentava a raiva
dentro de mim e aflorava meu instinto assassino. Abracei-a
com força, tentando fazer com que os soluços dela
diminuíssem, mas não adiantou.1

- Tudo bem... - Comecei, tentando convencer mais a mim do


que a ela. - Está tudo bem. Não chora, por favor.
Ver uma mulher chorar sempre foi meu ponto fraco. Eu
simplesmente não aguentava ver mulher nenhuma chorar, e
ver Camila chorando conseguia ser uma vinte vezes pior.

Naquele momento, ela parecia mais indefesa e mais frágil do


que realmente era, e pensar no fato de que alguém pudesse
fazer qualquer coisa de ruim àquela garota, de que alguém
pudesse ser tão covarde a ponto de pegá-la a força, era
revoltante.

Eu mato esse filho da puta.4

- Obrigada por ser tão legal comigo... - Ela começou, tentando


controlar os soluços.

- Não me agradeça por isso. - Falei secamente, enquanto


planejava mentalmente o assassinato.2

- Não faça nenhuma besteira, por favor.1

- Tudo bem. - Menti, ignorando a imagem que surgia na minha


mente em que eu esmigalhava um tijolo na cara do maldito. 1

- Promete?

- Não. - Se ainda havia justiça nessa merda de mundo, aquele


desgraçado tinha que pagar pelo que fez.2

- Lauren... - Ela falou com uma voz muito baixa, como se fosse
recomeçar a chorar em questão de segundos.

Merda.

- Não vou procura-lo. Prometo. Mas se eu esbarrar com ele,


não me peça pra ser racional.

Ela fungou, ainda agarrada a mim.


Embora eu ainda fosse um total desastre em consolar
pessoas, eu poderia dizer que consolar Camila, em particular,
parecia uma tarefa um pouco mais fácil. Não que eu estivesse
dado conselhos sábios ou falado coisas importantes - porque
eu não tinha feito porra nenhuma - mas a situação era muito
menos constrangedora e desagradável.

Talvez porque eu a conhecesse. Talvez porque, depois de


muito tempo, ela tenha sido a única pessoa que eu permiti se
aproximar de mim, e por isso, fez com que eu estivesse
nutrindo um sentimento por ela.

Um sentimento que eu via crescer a cada dia, a cada minuto.

Ficamos em silêncio por muito tempo, e depois de alguns


minutos pude sentir sua respiração ficando gradativamente
mais profunda, então constatei que ela havia dormido. A noite
parecia esfriar rapidamente, então tentei trazer, sem fazer
movimentos muito bruscos, a manta que ficava dobrada aos
pés da cama.1

Desdobrei-a, ainda com cuidado para não acorda-la, e enrolei


nós duas em um tipo de casulo, o que fez com que ela se
apertasse ainda mais contra o meu corpo e suspirasse
tranquilamente.1

Me permiti desfrutar de um estranho prazer em estar com ela


de uma forma tão íntima e carinhosa, e não pensar sobre o
motivo daquilo, ou o que poderia significar. Ao invés disso,
deixei-me levar pela paz que transbordava de nosso casulo,
esquecendo os pensamentos de ódio e vingança que eu nutria
durante toda aquela noite, e então adormeci.

***
Quando acordei, demorei um pouco para entender onde
estava, até que senti o corpo de Camila colado ao meu. Olhei
um pouco em volta e me dei conta de que agora nós
estávamos em posições completamente diferentes.

Ela dormia profundamente de bruços na cama, e eu estava


em cima dela, também de bruços, com o rosto enfiado em
seus cabelos, enquanto mantinha um braço possessivo em
volta de sua cintura.

Me perguntei se ela poderia estar morta por asfixia pelo peso


do meu corpo, mas como notei que ela ainda respirava
profundamente, não tive tempo de me desesperar.1

Levantei a cabeça e vi que o relógio no criado mudo ao seu


lado marcava perto de 02:30h, o que queria dizer que minha
hora de ter ido embora já havia passado há muito tempo. 1

Com cuidado, saí de cima dela lentamente, verificando se ela


podia se acostumar com a falta do meu peso ali, e então
finalmente fiquei de pé, um pouco cambaleante. Calcei meus
sapatos e vesti o paletó do meu terninho feminino, penteando
às cegas meus cabelos com os dedos, que deviam estar
amassados pelo cochilo. Fui até ela, ajeitei o cobertor em
volta de seu corpo, abaixando ao seu lado e ficando bem
próxima ao seu rosto, e  encostei as costas da mão muito
levemente na ponta de seu nariz para verificar se ela sentia
frio.

De repente, eu não queria mais ir embora.2

Era difícil vê-la dormir daquele jeito, tão tranquilamente, e


não sentir uma força quase tão forte quanto a gravidade me
puxando para ela. Para mais perto dela. Cada vez mais
perto...

Suspirei, me enchendo daquele sentimento de superproteção


que ultimamente vinha me tomando quando ficava algum
tempo ao lado dela.

Infelizmente, eu tinha que ir, porque dali a algumas horas eu


já teria que estar de pé, fingindo dirigir uma empresa.1

Contrariada, dei um beijo simples mas demorado em sua


testa, então me levantei e saí de seu quarto. Segui pelo
corredor que estava vazio, o que agradeci em silêncio, e saí
pela porta dos fundos, indo de encontro ao meu carro que me
esperava estacionado a alguns metros dali.

Enquanto dirigia, tentei não pensar no que eu havia ouvido


hoje. Tentei não trazer à tona, outra vez, aquele ódio
profundo que senti quando soube que alguém ousou bater
nela e violenta-la. E tentei não pensar por que eu havia
decidido protegê-la e tentar mantê-la sempre feliz com todas
as forças do meu ser.

Eu ainda não entendia o que Chloe havia me dito no início


daquela noite, ou talvez eu fingisse não entender. Talvez não
quisesse pensar no assunto, mas o que quer que fosse, uma
coisa estava bem clara:

Ela estava certa.

Eu tinha tornado Camila muito especial.3

***

Eu estava no meio do salão do The Hills, que parecia estar


mais cheio que o normal.
Não me lembrava como havia parado ali, mas não me
importava com isso. O ambiente estava estranhamente
escuro e frio, sem música, onde só podiam ser ouvidos os
sons de gemidos altos e desagradáveis vindos do andar de
cima e de conversas baixas - quase sussurros - ao meu redor,
como se estivessem contando segredos uns aos outros.

Comecei a perceber que enquanto falavam, todos olhavam de


esguelha para mim. Me perguntei o motivo de ser o assunto
que ocorria por ali, então comecei a me sentir mal.1

O bar estava vazio, sem meninas e sem bebida. Senti falta de


uma dose de Whisky, e minha boca ficou seca abruptamente.

Sem opções, me convenci do que o melhor seria subir e


encontrar Camila.

Tão rápido quanto esse pensamento, Chloe surgiu ao meu


lado, segurando com força meu antebraço.

- Ela não está disponível.

- Como assim não está disponível? - Olhei em volta e pude


notar que agora a conversa havia cessado e todos do lugar,
nos encaravam.

- Você chegou tarde. Ela já tem um cliente.1

- Não cheguei tarde porra nenhuma! Eu paguei pela semana


dela.

- Ele ofereceu mais dinheiro, portanto ela é dele por agora.

Olhei incrédula para ela, enquanto tramava um jeito de me


esquivar de seu aperto - mesmo que isso resultasse em
quebrar o pulso dela - e subir as escadas.
Como se pudessem ler meus pensamentos, alguns homens se
moveram pra ficarem entre mim e a escada, formando um
escudo humano.

- Que merda é essa? - Falei, já exaltada - Eu paguei primeiro!

- Ela é um objeto desejado, querida. Entenda...

- Ela é MINHA!2

- Ela não está a venda! Se quiser, alugue-a, mas não a


considere sua. Ela não é, e nunca vai ser!

- Sua filha da...

- Por que você demorou? - Uma voz interrompeu meu


xingamento.

A voz que eu conhecia. Que eu procurava, e que nunca na


vida desejei com tanta vontade de ouvir.

Ergui os olhos e a vi. Ela estava com roupas que eu jamais a


havia visto usar. Roupas vulgares, maquiagem pesada e um
rosto triste. Embora as cores fortes em seu rosto fossem
gritantes, não conseguiam tirar a atenção dos vários
machucados que ela tinha na boca, em volta dos olhos e
descendo, por todas as partes do corpo, expostas pela saia
indecentemente curta e pelo top quase transparente.

Uma puta.

Um objeto, com a marca de todos os aluguéis ao longo do


tempo.

- Eu esperei por você, mas você não veio. Pensei que você
fosse me proteger.
O cenário agora havia mudado, e agora existíamos só nós
duas, ainda em nossas posições, enquanto todos os outros
coadjuvantes haviam desaparecido. Fui tomada por uma
esperança ao ver que podia caminhar até ela, mas minha
alegria durou o tempo necessário para que eu me desse conta
de que não conseguia me mover. Tentei falar alguma coisa,
mas minha voz também não era audível.1

Eu estava impotente, e só podia rezar para que ela pudesse


ler meus pensamentos. Mas ela não podia.

- Você disse que estaria por perto.

Eu disse... Eu vou estar!

Não menti, eu quero estar!

- É sua culpa. Eu estou assim por sua culpa.

Eu vou cuidar de você... Eu vou...

- Não volte mais aqui. Não quero mais ver você, não quero
mais falar com você. Finja que não me conhece, que eu nunca
existi.1

Me desesperei, ainda presa no mesmo lugar, tentando por


tudo quanto era mais sagrado gritar alguma coisa, qualquer
coisa, mas minha voz não me obedecia.1

Ela não podia me jogar para fora da vida dela daquela


maneira! Eu não podia ir! Camz! Por favor...

Ela se virou e caminhou lentamente para o corredor que dava


para os quartos, e eu não pude fazer nada senão olha-la ir
embora.

Por favor! Por favor...


- Lauren?1

Uma voz aveludada conhecida chamou meu nome, tirando-


me lentamente daquele sonho.

Abri os olhos e vi o rosto de Ally em frente ao meu, me


encarando com curiosidade. Aos poucos, me dei conta da dor
que sentia no pescoço, proveniente da péssima posição em
que me encontrava, com a cabeça apoiada nos braços em
cima da mesa de meu escritório.

- Você cochilou.

Levantei a cabeça lentamente, ciente que meus músculos


gritavam em protesto.

- Desculpe. Tive uma noite péssima.

Lembrei-me da noite em questão. Depois de chegar em casa,


tomei um banho e me deitei na cama, fazendo toda a força
que podia para não pensar no que tinha ouvido de Camila.

Portanto, obviamente foi a única coisa na qual eu pensei


durante a noite toda, o que me impediu de ter um sono
normal. Eventualmente o início de um sonho começava a
nebular minha mente, mas imediatamente era espantado
pela lembrança da conversa que tivemos algumas horas
antes, ou pela minha imaginação fértil que teimava em pintar,
com os mínimos detalhes, o que me fora contado.

Como resultado, passei a noite inteira acordada.1

- Você estava resmungando coisas - Ally começou, tentando


soar sensível.

Fitei-a um pouco preocupada. Eu não sabia que murmurava


enquanto dormia.
- O que eu disse?

- Um nome.

Ótimo. Eu não precisava perguntar, sabia exatamente qual


era.

- Quem é Camz? - Ela perguntou, ainda me encarando.1

- Ninguém.2

- Mentira. Você parecia preocupada demais pra ela não ser


ninguém. - Ela disse com convicção, o que me fez lembrar o
motivo pelo qual ela sempre ganhava todas as discussões que
aconteciam entre nós.

- Ok. Ela é uma amiga. Está com problemas.

Ally me olhou com várias perguntas não ditas, mas que eu


consegui captar. Era óbvio que coisa como '' Quem diabos é
essa mulher '' e '' Onde diabos você a conheceu '' estavam
passando pela cabeça dela, mas me permiti aproveitar sua
santa discrição e ficar em silêncio, já que nada fora me
perguntado.

- Certo. - Ela enfim falou, depois de me analisar um pouco. -


Vou conhecê-la algum dia?2

Essa era pergunta intrigante, porque eu não sabia a resposta.


Se Ally conhecesse Camila e descobrisse o tipo de relação que
eu mantinha com ela, tudo indicava que eu acabaria sendo
esfolada viva.

Se elas se conhecessem e esse pequeno detalhe se


mantivesse em segredo, eu tinha uma vaga impressão de que
elas provavelmente se tornariam grandes amigas.
A parte boa era que imagina-las se dando bem me fazia sentir
uma estranha e genuína alegria. A parte ruim era que eu
nunca conseguia esconder algo de Ally por muito tempo.

- Não sei. - Respondi me levantando, enquanto massageava o


pescoço na tentativa de diminuir a dor.

- Eu não estou bem.

- Eu notei isso. Vá pra casa, sua aparência está horrível.1

- Não tenho reuniões hoje? - Perguntei, um pouco espantada.1

- Tem, mas vou cancelar. Você não está em condições...

- Não, eu vou.

Ally me encarou como se eu tivesse acabado de confessar


que gostava de ideias nazistas.1

- Eu preciso ocupar minha cabeça com alguma coisa. - Tentei


explicar antes que ela pensasse em me internar. - Vai ser
bom pra mim. Só preciso de um analgésico pro meu pescoço.

Ela continuou a me encarar com desconfiança, e eu sabia o


motivo. Eu nunca havia preferido ir a reuniões e discutir
assuntos da empresa a ir para a casa e não fazer nada. Na
verdade, sempre foi um castigo exercer meu papel ali, por
isso ela estava certa de que, qualquer que fosse o que me
afligia, era bastante sério.1

- Você tem certeza? - Ela perguntou, um pouco preocupada.

- Tenho. Só preciso que você vá comigo. Quanto tempo temos


antes da primeira reunião?

- Será daqui a pouco menos de duas horas


- Ótimo. Então podemos usar esse tempo para você me
explicar do que se trata essa reunião. E, por favor, me
explique coisas que eu nunca quis saber.1

A essa altura, eu já havia me acostumado com a expressão de


surpresa de Ally. Saindo rapidamente de seu pequeno estado
de choque, ela se retirou e voltou segundos depois com um
copo de água e um analgésico. Agradeci, tomando o remédio
oferecido, e fui sentar ao seu lado na poltrona que ficava no
lado oposto à minha mesa.

Eu não queria pensar em nada que me trouxesse dúvidas.


Não queria pensar no sonho que tivera, ou de seu significado.
Não queria pensar na intensidade do desespero que senti
quando achei que eu tivesse que sair da vida dela, ou da
tristeza que me dominou ao ouvi-la dizer que não queria mais
por perto. Não queria pensar nela, e em nada que fizesse me
lembrar dela.

Não era pensar em Camila que me fazia mal, mas sim não
entender o motivo da confusão de sensações em que eu me
encontrava todas as vezes que ela aparecia na minha
cabeça.1

De fato, pensar nela era bom. Era bom até demais para que
fosse considerado saudável. No entanto, ela tinha um
estranho poder de fazer com que eu tivesse dúvidas de tudo o
que eu sentia depois que a conheci.

Como essa era uma questão que vinha me incomodando mais


a cada dia, e como, ao tentar chegar à uma conclusão, eu
falhava miseravelmente, decidi tentar não pensar nela, ou
pensar o mínimo possível. Infelizmente meu objetivo não era
alcançado quando não havia outra coisa com que ocupar
minha cabeça, então eu precisaria de Ally nisso.

Eu precisava de problemas que não exigissem absolutamente


nada do meu lado emocional.

***

O dia correu como esperado. Compareci a quatro reuniões


importantes com Ally, e pela primeira vez pude tomar
decisões nas quais eu não precisasse que ela intervisse só
porque eu podia ter falado uma besteira ou duas.2

Antes de cada uma das reuniões, ela me explicou o motivo


das discussões, qual eram os objetivos dos clientes e os
nossos. Foi até interessante notar que, de certa forma, o
trabalho que eu teoricamente fazia por alguns anos não era
monótono e desagradável como eu pensava ser, e tive que
dar razão às especulações de Ally quando ela dizia que eu só
não gostava do que fazia porque nunca havia tentado fazer
direito.2

Me senti uma idiota perguntando-a sobre certas coisas que eu


obviamente já deveria saber, mas pude contar com o
profissionalismo e a amizade dela para esclarecer pontos
importantes, até então, negligenciados.1

Entretanto, nem meu empenho em não pensar em nada além


dos assuntos relativos à empresa conseguiu fazer com que eu
não lembrasse, duas ou três vezes, dela. 

- Estou orgulhosa de você.

Encarei Ally um pouco atordoada, voltando de meus


devaneios. Estávamos em minha sala, ela sentava em uma
das cadeiras à frente da minha mesa, e eu ocupava meu lugar
na poltrona preta de couro.

- Ah... Obrigada.

- Suas decisões foram boas. E eu nem precisei me meter. - Ela


me encarava, sorrindo.

- Bom... Acho que prestei mais atenção dessa vez.

Ela continuou me fitando por algum tempo, então falou.

- Por que está me perguntando isso?

- Porque você muda da água para o vinho de um dia pro o


outro. Eu chego aqui e te vejo deprimida e cansada do
trabalho. No dia seguinte, seu olhar parece ter um brilho de
alguém que acabou de descobrir que se apaixonou pela
primeira vez. Então, mais um dia e você está a confusão em
pessoa. Não sei o que você tem, e não sei quem está fazendo
isso, mas você parece perdida.1

Encarei-a sem dizer nada. Eu não tinha o que dizer. Não tinha
como justificar meu comportamento estranho durante aqueles
dias. E ela estava certa, eu estava perdida.

- No entanto, - ela interrompeu meus pensamentos - tem


vezes que eu olho pra você e me parece que, pela primeira
vez depois da sua grande fossa, você está começando a se
encontrar outra vez. Que ironia, não é?

- Minha vida é cheia de ironias, Ally.

Ela sorriu.

- Tudo bem, Lauren. Não vou forçar a barra. Quando quiser,


venha conversar comigo. Eu sou ótima ouvinte, você sabe
disso. Talvez eu possa te ajudar, se você me deixar tentar
fazer isso.

Ally se levantou e caminhou elegantemente até a porta.

- Ah, - disse, se virando novamente para me encarar - amanhã


você tem outra festa. Eu te disse isso hoje, mas é sempre
bom lembrar. Seria bom se você fosse, mas se realmente não
quiser ir...

- Eu vou. - Apressei-me em falar, antes que pudesse pensar


no fato de que eu realmente não queria ir, e de que preferia
estar em outro lugar amanhã a noite.1

- Tudo bem. Vá pra casa dormir, seus olhos estão péssimos.1

Deviam estar. Eu estava péssima, e temia que o caos que se


formava dentro de mim tomasse proporções maiores. Por
isso, tão rápido quanto admiti que não era a minha vontade,
eu tomei a decisão de deixar minhas necessidades de lado e
realmente ir para casa.

***

Acordei na manhã seguinte com um forte mau humor, parte


porque eu sabia que meu dia não seria bom, e parte pela
noite novamente mal dormida. Despertei algumas vezes de
madrugada por culpa dos sonhos ruins, e todos eles contavam
com a ilustre presença dela. Sonhei com um Hardin sem
rosto, que batia tanto nela que a deixava desacordada.

Outro sonho consistia em uma realidade paralela onde ela


parecia não me conhecer, e um terceiro consistia em nós
duas fazendo sexo selvagem, na minha cama.1

Os três sonhos, de uma forma ou de outra, me apavoraram.


Para minha infelicidade, não tive que comparecer a muitas
reuniões ao longo do dia. O que antes era um castigo, agora
se mostrava uma forma eficiente de manter meus ''
fantasmas '' um pouco afastados de mim. Ao invés disso,
fiquei o dia praticamente todo sentada à minha mesa, lendo e
relendo contratos.

Infelizmente, pude constar que era muito fácil perder o fio de


pensamento com simples leituras.

Por isso, obriguei a Ally a ficar do meu lado o dia inteiro, lendo
comigo papéis. Dessa forma, quando sua perspicácia a
avisava de que minha cabeça estava muito além das linhas
dos contratos a nossa frente,  ela me chamava novamente à
realidade.

Entretanto, nada disso me distraía do fato de que estava cada


vez mais difícil não pensar nela. Conforme o tempo que eu me
recusava a lembrar de sua presença aumentava, maior era a
dificuldade em não deixá-la invadir minha mente
repentinamente.

Eu não poderia fugir dela por muito tempo, e isso estava cada
vez mais claro.1

Às 18h fui para casa tomar um banho e me arrumar para a


festa a qual iria comparecer. Não tinha como objetivo fechar
contratos, mas aparentemente, minha presença era algo
importante, segundo Ally me dissera. Dessa forma, em pouco
mais de meia hora eu já estava pronta, ainda me perguntando
qual seria a melhor opção: Sair assim que minha cota de
presença fosse suficiente, me livrando daquele castigo o
quanto antes, ou permanecer na festa o maior tempo
possível, evitando que eu fosse parar em um lugar que eu
queria ir, mas que estava tentando não querer.1

Rumei para meu Porsche Cayenne trajando roupas menos


formais do que as que estava acostumada a usar: estava
usando um vestido branco e coloquei um par de brincos de
ouro com um colar e também uma pulseira, que combinavam
com os brincos. Passei uma leve maquiagem e destaquei bem
os meus olhos, pouco tempo depois fui recepcionada por
pessoas que eu tinha certeza que nunca havia visto na vida,
mas que mesmo assim me chamavam pelo primeiro nome.

A casa era luxuosa, como todos os lugares em que festas


daquele tipo aconteciam. Grande parte das paredes eram de
vidro, dando um estilo clean ao ambiente. No fundo, um Jazz
sem graça tocava, me dando sono e me fazendo lembrar de
como odiava o som de saxofones.

Mulheres em vestidos curtos, decotados e caros passeavam


entre os convidados sem nenhum objetivo aparente, bebendo
taças de champanhe e rindo de piadas idiotas proferidas por
velhos ricos e abusados.

Graças a Deus, não demorei a encontrar Ally.1

Corri para seu lado, decidindo que faria o possível para me


sentir à vontade e me divertir naquele lugar.

- Uau, você está uma gata!

- Não me faça corar na frente dessas pessoas, Ally. - Falei,


recebendo um sorriso dela em resposta.

- Algumas pessoas daqui querem te conhecer. Que tal fazer


novas amizades? - Ela falou, com um sorriso debochado.
- Não seja falsa.

- Vamos lá, eles não são tão ruins.1

Pouco tempo depois, fomos convidadas a sentar em uma


grande mesa redonda onde homens e mulheres discutiam
sobre negócios, e imediatamente me perguntei, se caso eu
puxasse algum assunto aleatório, como futebol ou música,
conseguiríamos manter uma discussão normal.
Aparentemente, tudo o que aquelas pessoas pensavam era
relacionado a dinheiro, e me senti um pouco mesquinha por
tentar entrar no assunto.

Aceitei uma dose de Whisky oferecida pelo garçom. Ally me


olhou feio, mas não me parou.

- Então, Lauren... - Uma mulher de meia idade começou, já


bêbada, olhando para mim e me tirando de meus devaneios -
Onde está a senhora Jauregui?3

Ally pareceu se mexer um pouco em sua cadeira ao meu lado,


um pouco desconfortável com aquele assunto. Provavelmente
tinha medo que a simples menção àquele assunto me traria
toda a depressão pela qual eu consegui passar. Olhei para ela
com uma expressão serena, tentando informa-la que eu não
me importava em falar sobre aquilo.

- Não sou casada.4

Ela pareceu espantada.

- E por que não? Não quer formar uma família?4

- Quero! - Falei imediatamente, e me surpreendi com a


verdade em minhas palavras.
Eu nunca havia sido de pensar muito nisso, mas agora que a
questão havia sido colocada à minha frente, pude constatar
que a verdade em minha afirmação era incontestável. - Só
não achei uma moça ainda.

Uma amiga da mulher que conversava comigo, também


bêbada, se juntou à conversa.

- Querida, acredite, você pode ter a pessoa que quiser, seja


homem ou mulher.

- Não acho que possa. - Disse, sorrindo - Quem sabe um dia...

- Ah, pode sim. - A primeira mulher interrompeu - Olhe só pro


seu "pacote".3

- É mesmo. O pacote completo!

- Quero dizer, - ela continuou - você é a dona das Empresas


Jauregui, não é?

- Não... Meu pai é, eu só dirijo uma das filiais...

- Já é dinheiro o suficiente. Filha do dono, vai morrer rica.

- Sem contar que você é um pedaço de mau caminho e ainda


tem um belo '' brinde '' entre as pernas. - A outra
interrompeu, piscando para mim.3

- Sabem, - comecei, um pouco mais sentida do que deveria -


eu sou legal também. Sou uma pessoa bacana.

Tentei buscar o apoio de Ally, mas a essa altura ela já estava


absorta em uma conversa com o casal ao seu lado.

- Claro, claro. - Uma delas disse, não dando a menor


importância para minhas palavras - Mas o fato é que qualquer
mulher se atiraria aos seus pés. Você só precisa dar a ela um
cartão de crédito.4

- O quê? - Perguntei, incrédula.

- Olha ali. Está vendo aquele homem de camisa verde, com


aquela vadiazinha?

Olhei para a direção que seu dedo apontava, e vi um homem


de meia idade conversando com uma garota que poderia ser
sua filha, com um vestido extremamente justo e sorrindo de
orelha a orelha para o homem, enquanto dava soquinhos do
tipo '' fazendo-charme '' em seu ombro. O homem retribuía o
sorriso, olhando-a com mais fome do que o adequado em um
local público.

- Estou.

- Pois é. Ele é meu marido.

Olhei espantada para a mulher.

- Você não vai fazer nada?1

As duas mulheres se olharam, e um segundo depois,


começaram a gargalhar.

- E por que eu faria?

Pensei em explica-la que aquela garota estava dando em


cima de seu marido, e pelo que tudo indicava, o homem não
estava exatamente lutando contra a sedução. Mas então
entendi que, embora bêbada, a mulher tinha total noção
disso.1

- Eu tenho tudo o que quero dele. - Ela disse, chegando um


pouco mais perto de mim. - Compareço a evento sociais ao
seu lado para que pareçamos um casal. Ele pega meus
vestidos, meus sapatos e meu cabeleireiro. Aproveito viagens
maravilhosas em cruzeiros pelo menos quatro vezes por ano.
Tudo o que tenho que fazer é fingir que não vejo aquilo. 2

- É uma troca justa. - A outra finalizou, dando um sorrisinho e


estalando os dedos para o garçom que passava perto da
nossa mesa, trazendo bebidas.

- Estou lhe dizendo, você pode ter a pessoa que quiser. Na


sua condição diria que você prefere as mulheres não é
mesmo? Não é difícil achar alguém que banque ser sua
esposa. Assim você ganha credibilidade e respeito, e mesmo
assim pode viver sua vida, digamos, '' alternativa '', sem
pagar nada por isso.

- Só que sua esposa não pode ser ciumenta, - Começou a


outra - com uma mulher rica e bonita pra cuidar, temos que
admitir que a concorrência aumenta bastante. Até porque
uma aliança no dedo torna uma pessoa muito mais
interessante de se conquistar.1

As duas piscaram para mim em sincronia, então fiquei


encarando elas com uma cara espantada.

Não sabia se estava muito chocada para dizer alguma coisa


ou irritada a ponto de quase manda-las irem ao inferno, mas
qual fosse o caso, eu não conseguia mais ficar ali.

- Com licença. - Falei, ficando de pé e dando as costas para a


mesa, alcançando outra dose de Whisky da bandeja de um
dos garçons que passava por ali.
Caminhei em direção ao bar, eu e minha indignação, então
sentei em um dos bancos altos e bebi de uma vez, minha
dose de Whisky.

Eu me recusava a aceitar que minha vida fosse se


transformar nisso. Era difícil aceitar que nada fosse ser
minimamente verdadeiro, e estar cercada por toda aquela
falsidade e interesse só fazia com que eu me sentisse cada
vez mais diminuída e menos valorizada.1

Na verdade, tudo o que acabara de ser dito não chegava a ser


uma total surpresa. Eu tinha conhecimento de casos assim,
onde um casamento se sustentava só por sua aparência, mas
ter a confirmação desse tipo de coisa, com tanta veemência e
de uma forma como se parecesse algo tão banal, não estava
nos meus planos.

Bebi minha terceira dose de Whisky, seguida de mais quatro


doses.1

Uma garota tentou puxar assunto comigo, perguntando se eu


era Lauren Jauregui, mas não lhe dei muita atenção. Tentei
me manter escondida, não querendo que ninguém me
reconhecesse e viesse falar coisas estúpidas. 

Eu não estava no meu melhor humor, e tinha a impressão que


acabaria mandando alguém ir tomar no cu aquela noite. 1

Eu era um objeto. No final das contas, todos éramos muito


objetos.

Eu era um objeto, assim com ela.2

Pronto. Toda minha cautela durante aqueles dois dias tinha


ido por água abaixo. Agora eu me permitia lembrar de Camila
claramente, nos pequenos detalhes, e não tentava segurar a
vontade que tinha de pensar nela cada vez mais. Eu tinha
minhas certezas de que o álcool me ajudava nessa tarefa, me
deixando perigosamente vulnerável àquela lembrança.

Tracei uma linha de semelhança entre mim e ela, sentindo um


pouco de sua amargura me tomar. Nós duas éramos objetos,
nós duas éramos usadas. Assim como os clientes dela, as
mulheres que se aproximavam de mim tinham um interesse,
algo que não levava em consideração o que eu era, ou como
eu me esforçava para ser alguém melhor.1

À minha volta, o Jazz insuportavelmente lento e monótono


continuava tocando, enquanto mulheres fúteis ainda riam das
mesmas piadas sem graça, contadas pelos mesmos homens
de meia idade infelizes e promíscuos.

Os garçons pareciam ser as únicas pessoas com quem eu


ainda mantinha um pouco de simpatia àquela altura, mas
nem eles poderiam me fazer ficar agora.

- Lauren!

Ally me encontrara. Ela veria meu estado e me daria uma


bronca, começando um discurso sobre minhas
responsabilidades e o papel Jauregui que eu deveria
desempenhar.

Mas que se foda.

- O que está fazendo aqui? Procurei você por todos os


lugares!1

- Vim beber.

- Eu não acredito que você...


- Ally, - comecei, levantando uma mão para interrompê-la -
por favor. Me deixe em paz. Por favor.

Algo no tom da minha voz pareceu alerta-la que talvez eu


estivesse falando sério.

- O que aconteceu? - Ela perguntou, sentando-se no banco


alto ao meu lado e tocando meu ombro esquerdo.

- Não aguento isso. Essas pessoas... É tudo tão artificial, tão


superficial.

Ela continuava me encarando, obviamente não entendendo


do que se tratava minha repentina depressão.

- Eu vou embora daqui, antes que enlouqueça. - Tirei as


chaves do carro de dentro do bolso e entreguei a ela. - Pode
cuidar dele pra mim? Não estou em condições.1

- Tudo bem. Por favor, se cuide. Tente dormir, esquecer o que


quer que esteja pensando.

- Ally, eu não vou pra casa.

Tive que dizer a verdade para ela. Parte porque o álcool me


forçou, mas também porque eu não via motivos para mentir
naquele momento. 

Ally me encarou por mais algum tempo, mas sua descrição


sempre fora maior que sua curiosidade. Ela não sabia para
onde eu iria, ou quem eu iria me encontrar, mas era o
suficiente saber que não cabia a ela me fazer perguntas
potencialmente indiscretas.

- Certo. Você sabe o que está fazendo? - Ela perguntou,


preocupada.
- Não. - Admiti - Mas, no momento, esse é o melhor lugar em
que possa estar.3

Me levantei, terminando o oitavo copo de Whisky, e caminhei


para a saída. Ouvi ao longe algumas pessoas mencionando
meu nome, mas não estava com disposição para conferir do
que se tratava. E, afinal, não devia ser importante mesmo.

Usei meu celular para informar a companhia de táxi o lugar


onde o motorista deveria vir me buscar. Depois de cinco
longos minutos, um amarelo vivo parava à minha frente.

Entrei batendo a porta com um pouco de força, e então recitei


o endereço do destino.

Não esperei ser recepcionada por quem quer que fosse. Ao


entrar no recinto, tracei um caminho certo desde o início,
simplesmente ignorando a presença de desconhecidos à
minha volta ou a menção do meu nome por diferentes vozes
femininas.

Subi as escadas, tomando cuidado com os degraus que vez


ou outra saíam de foco.

Me lembrei que Camila não gostava de mim nesse estado, e


imediatamente me arrependi de ter bebido todas aquelas
doses de Whisky. Senti o medo da rejeição me atingir como
um soco, e me concentrei para me manter equilibrada
enquanto alcançava o último degrau, caminhando um pouco
cambaleante para o corredor.

Eu sempre tive boas maneiras. Felizmente, se tinha algo do


qual eu podia me gabar era de minha educação e meu
cavalheirismo. Assim, só pude colocar a culpa na bebida
quando uma total falta de classe me atingiu, fazendo com que
eu simplesmente girasse a maçaneta do quarto de Camila e
entrasse, sem a menor cerimônia.

Encontrei o quarto vazio, a cama feita. Fui possuída por um


ódio irracional antes mesmo de verificar o motivo pelo qual
ela não estava no quarto.1

Talvez ela tenha saído, meu lado otimista argumentou, mas


quase que imediatamente foi atropelado pelo lado pessimista,
dizendo: '' Ou então ela pode estar no salão se oferecendo pra
qualquer um. ''

Talvez uma das vozes que eu decidi ignorar fosse dela.

Não. Eu reconheceria sua voz falando qualquer coisa,


principalmente o meu nome.

Talvez ela pensasse que eu não viria hoje, já que ontem


estive ausente.

Devo ter divagado por um bom tempo, de pé olhando para a


cama, e então um barulho de tranca de porta me despertou.

Olhei para a direita pela primeira vez, como se antes a porta


do banheiro não estivesse ali, e fiquei olhando-a ser aberta e
revelar, lentamente, uma Camila molhada da cabeça aos pés,
tentando se enrolar em uma toalha fofa branca deixando à
mostra partes de seu corpo entre as fendas que o pano fazia

As partes do corpo dela mais lindas.

Ela demorou para notar minha presença ali. Estava cantando


uma música qualquer, olhando para o chão enquanto
balançava as pontas da toalha em seus cabelos, tentando
deixá-los menos molhados. Não sei se fiquei em silêncio
porque estava hipnotizada ou porque tinha alguma esperança
de que talvez ela não fosse reparar em mim bem ali, no meio
do quarto, olhando para ela com cara de psicopata.

Era incrível como ela estava mais bonita do que eu lembrava.


Talvez isso devesse ao fato de que eu vinha tentando não
lembrar dela, tentando afastar a imagem dela dos meus
pensamentos.1

Talvez uma parcela dessa culpa também fosse das doses de


Whisky, mas o fato era que, naquele momento, Camila era,
sem dúvida alguma, uma das coisas mais lindas que eu já
havia visto na vida.

- AAAHHH!1

Ah, sim. Eu ainda estava ali, no meio do quarto dela.

- Oi. Desculpa.

- Porra, Lauren! - Ela falou, puxando a toalha de todos os


cantos e tentando cobrir as partes que eu olhava como uma
tarada.1

- Desculpa, eu não sabia que você ia sair nua de lá de dentro.


- Falei meio sem pensar - E não é como se eu já não tivesse
visto, né? - Sorri maliciosamente.

- Não é porque você já viu que pode entrar no meu quarto e


ficar me assistindo aqui!1

- Tá bem, tá bem. - Eu disse, como se desse razão a ela e


estivesse prestes a sair do quarto. Mas devido ao meu estado
alcoolizado, continuei olhando para seu corpo gostoso, como
se não tivesse dito absolutamente nada.

- OI? - Ela gritou.


- Mas que saco! - Virei, a contragosto, fitando uma parede
branca e incrivelmente sem graça por longos cinco segundos.
- Já posso olhar? - Perguntei, impaciente.2

Sem esperar uma resposta, virei novamente para encara-la.

Ela terminava de vestir um robe azul. Não sei como isso era
possível, mas só de olhar para ela eu conseguia sentir - ou
achar que sentia - o frescor do banho recém tomado e a
maciez daquele pele bronzeada, ainda um pouco úmida e
extremamente convidativa.

Deus, eu estava com saudades dela.1

Fiquei admirando-a como um cachorro admira um frango


sendo assado na padaria, mas estava muito bêbada para me
sentir envergonhada por isso. 

Ela continuava tentando secar melhor o cabelo com a mesma


toalha, enquanto também me encarava com um olhar curioso
e ainda um pouco irritado.

- Por que não veio ontem? - Ela quebrou o silêncio, indo se


sentar na cama.1

- Porque não quis. - Achei melhor resumir toda a situação do ''


quero-parar-de-pensar-em-você '' com essa pequena frase.
Não que eu me importasse em falar a verdade, dado o alto
nível de álcool no meu corpo, mas simplesmente não queria
falar muito.2

- Ah. - Ela desviou o olhar, e imediatamente notei que minha


resposta pareceu grosseira. - Pensei que você viesse todos os
dias, já que pagou por eles...
Eu também havia pensado nisso, mas graças ao pânico e
confusão recentes em que eu me encontrava ao me pegar
pensando nela ou a desejando, tive que mudar meus planos.
Sim, no final das contas, eu era uma covarde.

- Você deve ter notado que eu bebi. - Tentei mudar de


assunto, indo me sentar do lado dela, um pouco mais próximo
do que o ideal. - Mas não vou machucar você.

- Eu sei que não. Que besteira. - Ela falou, soltando um sorriso


sarcástico.

Sem pensar muito, levei minha boca ao pescoço dela,


beijando-a de leve embaixo da orelha. Senti a temperatura
fresca de sua pele com os lábios, e imediatamente notei que
ela estava arrepiada.1

Apoiei-me com o braço esquerdo na cama, enquanto levava


minha mão direita até sua nuca, trazendo-a mais para perto.
Intensifiquei o beijo em seu pescoço, deixando lufadas de ar
em sua pele e sentindo, com o rosto, a maciez do rosto dela.

- Por que não está usando seu perfume?

- Não precisei do creme essa semana. - Ela falou, ofegante.2

Era verdade, o tal creme servia para melhorar os hematomas


que ela conseguia com os clientes. Como eu paguei pela
semana inteira, ela obviamente não tinha adquirido novos
machucados para a coleção. Fiquei satisfeita com esse fato,
mas eu realmente, realmente gostava daquele perfume.

- Quer que eu passe pra você?1


Para mim. Ela não passaria porque estava machucada, porque
precisava. Ela passaria para mim. Porque ela sabia que aquela
porra daquele perfume me deixava louca.

Inconsistentemente, tirei a mão esquerda que apoiava meu


corpo do colchão e a deslizei para dentro do seu robe azul,
fazendo movimentos circulares em uma de suas coxas.

- Quero... - Falei, tentando conter um mínimo de firmeza em


minha voz, ainda respirando em seu pescoço.

Protestei quando ela se afastou, levantando-se e caminhando


até o banheiro. Fiquei encarando a porta feito uma criança
abandonada, mas para minha felicidade, segundos depois ela
estava de volta, trazendo um frasco de um líquido cremoso, e
meu pau latejou dolorosamente com a aproximação de um
desejo intenso.

Camila me girou um pouco, de forma que meus pés tocassem


o chão fora da cama, como se estivesse perfeitamente
sentada em uma cadeira. Posicionando uma perna de cada
lado do meu corpo, ela sentou no meu colo, me encarando
com um olhar que conseguia ser doce e safado ao mesmo
tempo.

Então, certamente com o objetivo de me matar, ela desfez o


nó em seu robe e o puxou para baixo, deixando-o deslizar
pelas minhas pernas e cair no chão.

Ainda me encarando, Camila segurou uma das minhas mãos e


espremeu uma gota do conteúdo do frasco em minha palma,
enquanto eu tentava controlar minha respiração.

- Passe em mim.3
Ela realmente achava que eu ia conseguir passar aquela
merda nela? Ela não podia achar isso.

Eu mal conseguia raciocinar, e parecia estar debilmente


congelada, enquanto meus olhos varriam seu corpo de cima a
baixo e eu tentava arquitetar um de como tirar meu vestido
em menos de um segundo e me enterrar dentro da boceta
dela tão fundo que meu orgasmo viesse na primeira investida.

Finalmente ela pareceu entender que aquilo era um pouco


demais para a minha mente alcoolizada, então segurou
firmemente minha mão e a trouxe até seu peito, espalhando
ali o líquido perfumado.

Como uma adolescente na puberdade, quase explodi de tesão


ao admirar como minhas mãos meladas deslizavam nos seios
dela de uma forma hipnótica, e no momento o único medo
que eu tinha era de estar, literalmente babando.

Então meu cérebro captou aquele perfume, agora sendo


espalhado por todo a extensão de seu corpo.

Era incrível como aquele perfume me trazia uma lembrança


tão deliciosa. A lembrança dela. Não poderia haver perfume
melhor em qualquer lugar do mundo. Aquele perfume era um
afrodisíaco pessoal, e eu temia que, misturado com todas
aquelas doses de Whisky, eu acabasse em algum tipo de
limbo.1

Meu Deus, que saudade dela.

- Camzzi...1

- Sim? - Ela disse, ainda me encarando com aquele olhar


deliciosamente inocente.
- Eu posso... Por favor... - Eu tentava manter um raciocínio
lógico, mas era praticamente impossível. Impossível porque
aquele perfume estava muito forte para me permitir pensar.
Impossível porque ela estava muito perto. Impossível, porque
eu a queria demais.

- Você me quer? - Ela falou em um tom provocativo ao pé do


meu ouvido.1

- Muito... - Tentei dizer, mas tudo o que consegui fazer foi


suspirar a palavra, encostando a cabeça em seu ombro.

- Você pode fazer o que quiser comigo. Eu sou sua essa


semana, lembra? - Ela falou, levantando meu vestido branco e
tirando meu colar e minha pulseira. Tentei ignorar a dor
aguda que senti com a adição do '' essa semana '' à frase.2

Ela era minha por essa semana, e se eu não pagasse pela


próxima, ela não pertenceria mais a mim.1

Com suavidade, ela me empurrou para trás, me fazendo cair


de costas na cama, enquanto ela se mantinha em meu colo.
Com mestria, se desfez dos meus saltos e brincos.

Novamente senti uma dor aguda ao pensar que sua mestria


naquilo se dava ao fato de Camila ter tido tantas outras
experiências que lhe deram praticamente perfeição no que
ela devia fazer. Doía saber que eu era só mais uma naquele
momentos aperfeiçoando suas habilidades.1

De fato, eu era só mais uma. Eu havia tido essa certeza hoje,


e pra ser sincera, vinha tendo essa certeza há algum tempo.
Lembrar disso só fez com que eu me sentisse ainda menor e
mais insignificante.
- Espera. - Falei, enquanto segurava suas mãos. 

Ela me olhou confusa.

- Só... Finja que sente alguma coisa. Qualquer coisa. - Falei,


tentando conter a emoção que me dominou, me lembrando
novamente o quão bêbada eu deveria estar. - Finja que eu
sou importante.6

Fiz esse pedido a ela de uma forma verdadeira, talvez muito


mais verdadeira do que eu gostaria de admitir. Não porque
ela era a única garota que poderia fingir que se importava,
mas sim porque ela era a única em cujo fingimento eu queria
acreditar.

Ela me encarou com uma expressão indecifrável no rosto por


algum tempo, então deu um sorriso um pouco infeliz.

- Se você soubesse... - Começou, acariciando meu rosto com


os dedos finos, ainda me encarando.1

Segurei sua mão ali por mais algum tempo, querendo apenas
sentir o calor que a pele dela emanava, mas finalmente a
soltei, deixando-a fazer seu trabalho.

Fechei os olhos e me deixei sentir querida naquele momento.


Eu sabia que se iludir assim com uma prostituta era patético,
mas me deixar enganar pelos '' sentimentos '' de uma garota
de programa era mais aceitável do que ser enganada por uma
garota qualquer.

No final das contas, eu estaria ciente de que fora iludida, o


que era diferente de se iludir por ser muito inocente para
notar a mentira.1
Como imaginei, Camila fez o que pedi com perfeição. Com a
ajuda do álcool, eu podia acreditar que aquela não era uma
garota de programa, agora cavalgando em mim com tanta
intimidade, mas sim uma pessoa de fato que sentia algo por
mim.

Não necessariamente amor, mas pelo menos algum


sentimento bom, algo que não fosse só tesão ou interesse.

Mas, novamente, eu devia lembrar que estava bêbada,


portanto, sensível. Além disso, estava permitindo que ela
voltasse com força total à minha vida, exercendo aquele
poder estranho que ela ultimamente vinha exercendo.

Eu estava inclinada e misturar todas essas coisas, o que me


deu uma maldita esperança de que aquilo tudo poderia não
ser só fingimento.

E essa esperança ia me deixar na merda.

Por que ela tinha que ser tão boa? Por que tinha que ser tão
linda? Tão ela?1

Por que tinha que ter aquele perfume, ou aqueles olhos? E por
que tinha que me olhar daquele jeito, como se gostasse de
mim?

Tentei manter minha cabeça ocupada com essas divagações


porque a única pergunta para qual eu realmente queria
respostas provava que, ao invés de me afastar, eu queria
desesperadamente me aproximar cada vez mais dela.

- Lauren... - Ouvi-a sussurrar em meu ouvido, agora deitada


sobre mim, tentando controlar os temores na voz por causa
dos movimentos.
Ela ia dizer alguma coisa. Talvez algo importante. Mas ouvir a
porra do meu nome sendo pronunciado por aquela garota na
porra do meu ouvido, enquanto eu metia nela, exigia muito
do meu controle.2

Instintivamente, abracei-a com força, tornando os


movimentos dentro dela mais bruscos e desesperados,
enquanto esperava em silêncio pela continuação daquela
sentença.

- Finja que eu sou importante também.

Sim. Eu queria poder só fingir que ela era importante. Aliás,


eu só queria estar fingindo para mim mesma que ela era
especial.

Mas ela era especial.

Especial demais para o pouco de tempo que nos


conhecíamos. Importante demais para uma puta. 

Mexendo com a porra da minha cabeça mais do que podia.

Nos virei na cama, de forma que eu ficasse por cima dela, e


ao encarar seu rosto outra vez, a vontade de beija-la veio com
uma força perigosa demais.8

Por que todos os sentimentos que ela despertava em mim


tinham que se manifestar com tanta intensidade?

Mas eu não podia beija-la. Ela era uma garota de programa, e


eu tinha experiência com mulheres assim para saber que
quase todas elas se negavam a beijar, por esse ato ser algo
íntimo demais para uma relação meramente profissional.2

Fiquei um pouco chocada em constatar a principal razão pela


qual eu não a ataquei como uma adolescente cheia de
hormônios. Eu pensei que ela não aceitaria, sequer considerei
a hipótese de não fazer isso porque beijar uma puta estava
fora de questão.1

É. Eu eu já estava na merda.

Antes que pudesse trair a mim mesma, enfiei meu rosto em


seus cabelos, enquanto 

investia nela com força. Senti suas mãos se enrolarem em


meus cabelos enquanto ela distribuía beijos molhados pelo
meu pescoço, o que não me fazia querer provar a língua dela
menos.

Com uma disciplina bastante elevada para uma bêbada,


controlei nossos orgasmos por algum tempo, sempre
diminuindo o ritmo e mudando de posição quando sentia que
ela ou eu começávamos a perder o controle.1

Quando a situação chegou a um ponto incontrolável, permiti


que ela gozasse primeiro, seguindo-a quase que
imediatamente.

O pouco de razão que ainda restava em mim gritava para que


eu me vestisse e fosse embora dali, mas como, naquele
momento, meu lado emocional parecia predominante, me
deixei relaxar em cima dela, tomando cuidado com o peso do
corpo.

Ela não falou nada por um longo tempo. Eu também não falei.

Diferentemente de outras transas que eu tive, onde o silêncio


pós-orgasmo se mostrava constrangedor, eu entrava em um
estado de desespero com o fato de não ter nada o que dizer.
Mesmo assim, costumava falar qualquer merda, só para que o
silêncio não continuasse.

Com ela, não parecia ser assim. Eu estava confortável com


aquele momento de paz, e não era necessário preenchê-lo
com palavras.

Na verdade, parecia até errado falar algo que quebrasse o


estranho clima de magia e tranquilidade. Eu não acharia
palavras que valessem ser ditas, então me deixei saborear o
momento.2

Me permiti sentir as mãos dela passeando pelas minhas


costas despreocupadamente, como se estivessem brincando
ali. Me permiti sentir o perfume da pele dela sem restrições,
sem tentar me afastar, posicionando estrategicamente meu
rosto na curva de seu pescoço. Me permiti afundar os dedos
em seus cabelos, ainda molhados, enquanto fazia
movimentos sem um propósito certo, mas que simplesmente
pareciam caber ali.

Ficamos assim por algum tempo. Vez ou outra eu suspirava,


pensando nas coisas que fiz e nas quais não deveria ter feito,
sentindo um prazer divertido em notar a pele de seu pescoço
se arrepiando a cada lufada de ar que eu dava.

- Dorme aqui...2

Fui pega de surpresa pelo som inesperado quebrando o


silêncio confortável e junto com ele, como eu havia imaginado
que aconteceria a magia daquele momento. Suas palavras
atingiram a parte racional de mim, aquela que ainda lutava
bravamente. Então, como senti uma vontade quase imoral de
aceitar seu pedido e permanecer ali aquela noite, naquela
cama, com ela daquela forma, senti a necessidade de fugir,
como a covarde que era.

Porque, se eu não saísse rápido, acabaria cedendo a ela.

Em tudo.

- Não, tenho que ir - Falei, já me levantando e coletando meu


vestido e meus acessórios espalhados pelo quarto, enquanto
descartava o preservativo usado.2

- Mas amanhã é sábado.

Sua voz parecia um pouco desapontada, então tive que fazer


força para não cair nessa armadilha de satanás. O tom de
tristeza em sua voz conseguia me deixar perigosamente
vulnerável.

- Amanhã tenho que acordar cedo. Vou estar ocupada. - Falei


um pouco ríspida, colocando meus brincos sem olhar para
ela.1

Era mentira. Eu não faria absolutamente nada amanhã.

Bom, talvez passasse o dia todo me martirizando pela


fraqueza de hoje. Mas nada além disso.

- Ah, entendi. Tudo bem então.

Só eu tinha conhecimento da batalha épica que estava sendo


travada dentro de mim. De um lado, minhas emoções diziam
para pular novamente naquela cama, pegar Camila no colo e
a enrolar como uma bola em meu peito. Do outro, minha
razão - ou talvez covardia - ordenava que eu saísse dali.

Imediatamente.
Vesti o vestido de qualquer jeito, calcei o salto e olhei para ela
pela primeira vez, desde que eu havia decidido ir embora.  

Seu olhar era intenso. Não só isso, mas a ligação que se


formou entre nossos olhares. Intenso como alguém se sente
quando tem 14 anos e seu amor platônico o olha pela
primeira vez. Intenso de fazer sumir o que existe ao redor.

Intenso pra caralho.

Por um momento, me esqueci que havia decidido ir embora.2

- Tudo bem?

- Tudo. - Falei, piscando algumas vezes e desviando meu


olhar do dela - Eu vou então. Até outro dia.1

- Até.

Saí com passos apressados do quarto, tentando não sair


correndo.  A presença dela me prendia ali. O clima daquele
quarto me deixava fraca, quase indefesa, e eu comecei a
temer pela minha sanidade mental. Precisava tomar medidas
sérias para controlar toda a minha falta de experiência quanto
aos meus próprios sentimentos, quando o assunto era ela.

Desci as escadas com pressa, ignorando  novamente algumas


vozes melosas que me chamavam. Segui pela saída dos
fundos, encontrando uma rua deserta e escura. Não me
importei e caminhei um pouco, não querendo pensar em
nada. Em absolutamente nada.

Depois de alguns minutos, me dei conta de que tinha que


chamar um táxi, se não quisesse ir para casa a pé.

Disquei o número salvo no meu celular, útil para emergências


como essa, e esperei. Meia hora depois, já estava em casa.
Cambaleei para cama, sem me preocupar em tomar banho ou
trocar de roupa. Rezei silenciosamente para que o sono me
dominasse o mais rápido possível. Eu não queria pensar,
porque se pensasse, chegaria a conclusões um tanto
apavorantes.1

Eu não saberia lidar com elas, porque era fraca ou imbecil,


mas de qualquer forma, tinha certeza que poderia acabar
louca e depressiva.

E só por ter essa noção, eu já fazia ideia do que estava


acontecendo comigo, mas sempre que essa ideia surgia em
minha mente, eu a deixava de lado, apavorada demais para
tentar lidar com ela.

Eu já fazia ideia.

Eu já sabia.

Mas não queria admitir.2

Não podia admitir.

Eu não iria admitir.2

***

Capítulo 5
Pov Camila

Acordei cedo no sábado. O relógio marcava perto das 7h,


enquanto eu me acostumava com à claridade suave que
preenchia o meu quarto através das frestas da persiana. 4
Não consegui dormir direito aquela noite graças aos sonhos
que teimavam em vagar pela minha cabeça. Sonhei com
meus pais, ainda vivos, deitados ao meu lado na mesma
cama em que eu agora me encontrava. Meu pai mexia em
meus cabelos, e minha mãe fazia carinho na minha barriga,
como costumava fazer quando eu era pequena e tinha
problemas para dormir.

Ambos pareciam me confortar por algum motivo que eu


desconhecia. Também sonhei com Lauren. Não lembro direito
o que foi, mas sei que era ela porque, primeiro, ela vestia as
mesmas roupas de ontem, e segundo, minha cabeça
atualmente apresentava a mania irritante de coloca-la em
meus sonhos todos os dias.

Me permiti ficar aconchegada em meu cobertor e pensar nela.


Não que eu quase não fizesse isso, mas pensar nela era bom,
e eu nunca parecia cansar de lembrar do rosto que
atormentava ou dava luz aos meus sonhos. De fato, talvez
fosse por isso que eu não conseguia não sonhar com ela.

Lembrei do que aconteceu ontem. Foi tudo tão rápido que,


quando dei por mim, já estávamos fazendo o que estávamos
fazendo. Ela não havia me impedido dessa vez.2

Pelo contrário, até fez com que eu acreditasse que queria, e a


julgar por seus olhos que esbanjavam desejo, mesmo estando
claramente bêbada, e por sua nada discreta ereção, ela
realmente queria.1

Essa era a parte que me deixava confusa, porque, no final da


noite, eu tive a clara impressão de que ela estava tentando
me evitar.4
A forma como Lauren foi embora pareceu uma fuga. Eu não
sabia do que certo ela fugia, mas me senti incrivelmente
frustrada, principalmente depois de tudo o que aconteceu
naquela noite.1

Havia sido ela quem havia começado a sedução, coisa que


vinha se negando veementemente a fazer.1

Lembro que tive que usar bastante do meu auto-controle para


não mostrar, de verdade, tudo o que eu sentia por ela.2

Não sabia quem tinha sido a pessoa que havia lhe dado a
impressão de que ela não era importante, mas gostaria
imensamente que ela não acreditasse no que quer que a
tenham dito.3

Bem, talvez eu não tenha sabido mostrar a ela que ela era
importante. Mas se assim fosse, acredito que ela não
permaneceria no meu quarto comigo depois. Foi só quando eu
pedi para que ela ficasse que algo pareceu mudar dentro de
sua cabeça, então ela tinha que ir embora.

Eu não sabia porque ela havia feito aquilo. Mas o que quer
que fosse, me deixou um pouco mais triste do que deveria.

Assim, eu tinha certeza que não a veria aquele fim de


semana.

Aquele sábado foi tedioso e desagradável.1

Queria não ter me levantado tão cedo da cama, assim teria


menos tempo para ouvir as perguntas de Samantha e Scarlet
sobre Lauren.

- Você acha que ela vai vir aqui hoje?

- Não.
- Por que não?

- Porque não acho, Scarlet. Só por isso.2

Essa era a razão, pura e simples, e eu queria que ela parasse


de tocar nesse assunto, porque me incomodava imensamente
saber que Lauren não viria, e mais ainda, não entender o
motivo pelo qual ela queria distância de mim.

- Ela pagou pela sua semana! Com certeza ela deve gostar de
você.

- Não, Samantha. Ela só tem uma proteção esquisita comigo.3

- A semana toda, Mila! Isso não é proteção.

- Se ela gostasse de mim, ia querer ficar por perto. - Como ela


disse que faria, pensei. - Ela não vem.2

Não sei há quanto tempo elas tinham na cabeça aquela ideia


ridícula de que Lauren poderia gostar de mim, mas eu queria
arrancar esse pensamento delas a força, se fosse preciso. Eu
não precisava de bobagens na minha própria cabeça me
dando esperanças para depois, quebrar a cara, e estava feliz
comigo mesma por sequer considerar a possibilidade de isso
ser uma verdade.

- Ainda acho que ela vem. - Começou Scarlet.2

- Eu também, - Completou Samantha - e talvez te leve pra ir a


algum lugar.1

As duas se olhavam e davam risinhos agudos como meninas


pré-adolescentes falando dos crush's, enquanto eu tentava
ignora-las, arrumando um pouco meu quarto.
- Eu queria uma Lauren pra mim. - Falou Scarlet, agarrando-se
a um dos travesseiros como se ele fosse alguém.2

- E quem não queria? - Samantha provocou, deixando-se cair


pesadamente na cama.

- Ei, acha que ela vai comprar um presente pra Mila?

Samantha pareceu ver o Papai Noel em pessoa.

- Oh, meu Deus! Será que ela vem trazer o presente


adiantado hoje?1

As vozes e os risos das duas atingiram uma oitava audível


apenas por cães, e a excitação de ambas estava me dando
nos nervos. Porque eu sabia que elas estavam muito
animadas à toa, e eu não queria que elas me animassem
assim.

- ELA NÃO VAI VIR! - Gritei, sobrepondo minha voz às vozes


delas.8

Samantha e Scarlet olharam-me espantadas, sem sorrir


agora, enquanto um silêncio constrangedor instalava-se no
ambiente.

Suspirei, tentando ficar calma.

- Desculpem.

- Tudo bem - Samantha disse, levantando-se e puxando dos


braços de Scarlet o travesseiro que ela ainda mantinha
apertado - Você parecer querer ficar sozinha. Vamos te dar
um pouco de privacidade.1

- Não fiquem chateadas comigo, por favor. Eu só não quero


que vocês acreditem nisso. Ela não vem.
- Não estamos chateadas - Samantha falou, e felizmente eu
consegui acreditar no seu tom de voz - Mas você deveria se
deixar acreditar em milagres. Às vezes, um pouco de
esperança é a única coisa que nos resta.1

Dizendo isso, saiu do quarto com Scarlet em seus


calcanhares, deixando a porta aberta.

Talvez ela estivesse certa. Talvez a esperança fosse a única


coisa a qual eu pudesse contar, mas eu temia o tamanho da
queda se eu acreditasse que podia voar.

De qualquer forma, no final das contas pude constatar que eu


não estava totalmente errada.

Ela não apareceu.4

***

- Vamos ao shopping!2

A voz entrou em meu quarto rápido demais para meu


raciocínio lento, enquanto eu deixava o livro de lado na cama
e tentava identificar quem havia acabado de praticamente
arrombar minha porta.

- Ah, estou bem aqui, Samantha. Te acompanho outro dia.

- Mila, não foi uma pergunta. E não há outro dia, preciso


comprar seu presente.

- Não precisa não!

- Qual é, Mila - Interrompeu Scarlet, entrando no quarto tão


rápido quanto Samantha. - Deixa de ser desanimada, vamos
passear!

- Vocês não vão comprar nada pra mim!


- Ei, você não manda na gente. Agora, levante-se e se vista.
Nós duas já estamos prontas, e você está atrasando a
programação do nosso domingo feliz.

- Eu realmente prefiro...

- Você não tem nada pra fazer aqui, Mila!2

Vi a cutucada discreta de Samantha no braço de Scarlet.


Lembrei de como as duas estiveram felizes por ontem,
pensando que eu receberia a visita se uma certa pessoa.
Talvez estivesse se sentindo culpadas porque achavam que
me fizeram acreditar boa devaneios delas, e de certo modo
me agradou saber que aquele assunto não surgiria em nossas
conversas hoje.

- Podemos pegar um cinema.

- É, tem alguns filmes em cartaz que parecem ser legais. Acho


que todas nós optamos por uma comédia, certo? - Scarlet
perguntou.

- Sim! - Samantha respondeu pelas três. - Mila, ainda estamos


te esperando aqui.

Certo. Elas não me deixariam mesmo em paz.

- Ok. Vocês compram os presentes que eu escolher, certo?

- Não vale escolher algodão-doce e ímãs de geladeira. Vamos


te dar presentes de verdade!

Droga. Elas me conheciam.

- Vamos te dar dez minutos para se trocar, e se nós voltarmos


e você ainda estiver de pijamas, se prepare para a fúria de
Scarlet Marie.
Prendi o riso com a imagem que me veio à cabeça de uma
Scarlet minúscula fazendo ameaças e me dando soquinhos de
criança. Assim, como ordenado por Samantha e Scarlet, fui às
compras no início da tarde de domingo.

Tentei escolher presentes baratos e sem importância,


alegando que uma lembrancinha já estava bom, mas elas se
negaram veementemente a aceitar minha atitude, e no final
do dia estávamos, as três, na fila do cinema enquanto eu
carregava um par de botas longas e pretas e uma bolsa de
couro marfim.

Vimos uma comédia com atores famosos, e não sei se era


meu estado de espírito, mas o filme era um tanto quanto sem
graça.

Mesmo assim, foi uma distração útil para eu tirar da minha


cabeça a única coisa na qual eu vinha pensando desde o
início daquele domingo.

Ela.

Não que eu tivesse de fato começado a acreditar nas ilusões


de Samantha e Scarlet sobre Lauren, mas eu ainda estava
incomodada com a atitude dela de fugir de mim.

E o que mais me incomodava era que eu não conseguia


entender, por mais que me esforçasse, o que diabos eu havia
feito para que ela agisse daquela forma.1

Seria meu aniversário no dia seguinte, e doeu ter quase


certeza que eu não a veria. De que ela não iria me ver.2

Era até mais aceitável que ela já tivesse esquecido desse


detalhe, mas o pior era que, mesmo que ainda lembrasse, o
que eu achava improvável, ela me evitaria, assim como fez na
noite de sexta-feira.

- Gostou do filme?

- É engraçadinho. - Falei, voltando de meus devaneios.

- Nossa, você tem andado muito rabugenta esses últimos


dias. Nada te agrada! O que aconteceu?3

Eu deveria contar realmente o que aconteceu?

Deveria dizer a elas que eu estou apaixonada por uma cliente


e que ela parecia me evitar?2

- Nada. - Menti.

- Mentirosa! - Scarlet esbravejou - Somos suas amigas, pode


nos contar.

Eu sabia, elas eram minhas amigas e eu podia contar com


elas para conselhos ou simplesmente para desabafar, mas eu
não queria dizer a verdade. Não agora.

- Devo estar no meu inferno astral, só isso.5

Elas obviamente não acreditaram, e me encheram de


perguntas durante todo o caminho de volta para o The Hills.
Felizmente, elas não tocaram no de Lauren, porque eu tinha
certeza que se ouvisse o nome dela, entregaria tudo.

Pouco tempo depois, chegamos. Já estava perto das 21h, e eu


não tinha fome.

Por isso, rumei diretamente para o meu quarto, desejando


boa noite apenas às minhas duas companheiras de shopping,
e me trancando lá.
Amanhã eu teria o dia de folga. Isso era bom, eu não
precisaria já voltar a rotina. No entanto, sabia que no dia
seguinte, teria que retomar meu papel.1

Lauren não pagaria por mais uma semana minha, eu tinha


certeza, então era bom eu já me conformar com a ideia.

Tomei um banho demorado e me deitei na cama, esperando o


sono chegar. Não demorou muito, e alguns minutos depois eu
já mergulhava em uma total escuridão.

Uma noite sem sonhos. Meu primeiro presente de aniversário.

***

Segunda-feira.

Acordei perto das 9h. Demorei um pouco para lembrar que


era meu aniversário, e então, depois de notar esse detalhe,
resolvi ficar na cama por mais um tempo. Originalmente,
minha ideia era sair por aí e não fazer nada específico.

Eu não poderia comemorar com as minhas amigas, porque


elas tinham que trabalhar. Embora eu pudesse tirar o dia de
folga, não seria a mesma coisa para elas. Mas então, decidi
que talvez ficar embaixo do cobertor ouvindo música parecia
ser uma boa coisa para fazer enquanto esperava aquele dia
passar.2

O dia não seria muito diferente dos outros. Certo, eu não teria
que trabalhar o que era bastante bom, mas fora isso, eu não
via a menor diferença.

Eu notava que algumas pessoas se sentiam um pouco mais


importantes nos dias dos seus aniversários, mas nunca foi
assim para mim, e eu sempre me perguntei o motivo.
Talvez fosse bom se sentir mais importante em um único dia
entre os demais do ano.3

Fingi continuar dormindo mesmo depois das cinco vezes que


ouvi batidas em minha porta e alguém a abrindo
minimamente para checar se eu já havia acordado. Eu não
estava desanimada, mas não queria toda a atenção que eu
sabia que iria receber no momento em que pusesse os pés no
andar debaixo. 

Não que eu não gostasse das meninas, mas eu simplesmente


preferia ficar na minha. E afinal de contas, era só o meu
aniversário.

Não era como se eu tivesse ganhado na loteria ou fosse me


casar.3

Mas eu não poderia continuar fingindo pelo resto do dia, por


isso, às 11:30 aproximadamente, me levantei, tomei um
banho e vesti uma roupa casual para sair.

Quando apareci na cozinha, algumas meninas que ali estavam


vieram me cumprimentar, me desejando felicidades. Agradeci
todas verdadeiramente contente, enquanto me servia de
meio copo de suco de uva. Alguns minutos depois, só
restávamos eu, Scarlet e Samantha na cozinha, fofocando
sobre assuntos aleatórios.2

- Caramba, você acordou muito tarde! Já estamos quase


almoçando! - Começou Scarlet.

- Já que hoje é meu aniversário, deveríamos ter alguma


comemoração, não é? Por que não almoçamos juntas?
- Ei, gostei da ideia! Tem algum lugar em mente? - Perguntou
Samantha.

- Não. Vocês podem me ajudar a decidir. - Olhei para o


relógio, que marcava 12:15 - Vão se arrumar que saímos
daqui a vinte minutos.

- Êêê, festa! - Scarlet exclamou, já pulando de sua cadeira e


saindo da cozinha, junto com Samantha, e me deixando ali
sozinha.

Fiquei ali pensando no que poderíamos fazer enquanto a noite


não chegasse e elas fossem obrigadas a voltar para o
trabalho.

Scarlet certamente sugeriria shopping, mas como o


aniversário era meu e eu podia dar essa desculpa,
acabaríamos sentadas, as três, em um banco de parque
conversando sobre nossas vidas e tomando sorvete.2

- Mila...

Samantha entrou novamente na cozinha, ainda vestindo as


mesmas roupas.

- Ei, vá se arrumar! Está atrasando a minha festa! - Falei, num


tom brincalhão.

- Acho melhor você ir sozinha. Não estou me sentindo muito


bem, e Scarlet precisa fazer... uma coisa.3

- É. - Scarlet assentiu, do seu lado, com uma cara mais


animada do que de costume.

- Que coisa? - Perguntei, suspeitando da atitude das duas.


- Não seja indiscreta. Agora vai logo! - Samantha me puxou da
cadeira enquanto eu tentava apoiar no ombro minha bolsa. 1

- Mas... Vocês vão me deixar ir sozinha? É meu aniversário!2

- Sim, vamos. Você vai arranjar algo interessante pra fazer. -


Finalizou Scarlet, enquanto ajudava Samantha a me empurrar
pela porta que dava para os fundos do The Hills.

Fiquei um pouco chateada pela atitude das duas, mas depois


elas teriam que me explicar o motivo daquilo. No momento,
se eu continuasse tentando ficar dentro do The Hills, elas
acabariam me chutando para a rua.

Me senti rejeitada e com raiva.1

Eu sei, havia alguma coisa que elas estavam escondendo de


mim, mas mesmo assim, me deixaram sozinha no meu
aniversário!2

Sendo que eu as tinha convidado! Porra!

Passei pela porta que dava para a rua de trás, deserta até
mesmo àquela hora, enquanto tentava afastar o sentimento
de rejeição das minhas ex melhores amigas, então dei alguns
passos pela calçada, olhando o chão, até me dar conta de que
eu não estava sozinha.

Subi os olhos e me deparei com uma mulher de cabelos


rebeldes com as mãos no bolso, em roupas casuais - coturno,
calça preta e uma camisa preta da banda Metallica -
encostada em um Porsche Cayenne prata, me encarando com
um sorriso leve nos lábios. Típica bad girl. Eu adorava o estilo
de Lauren, ela sabia o que vestir para cada ocasião. 3
Se eu  não a conhecesse, diria que um demônio havia
acabado de cair na minha frente.1

Mas eu a conhecia. Não só a conhecia, mas não conseguia


parar de pensar nela durante esses últimos dias, não
conseguia parar de pensar no fato de que eu não a veria no
meu aniversário. 1

Por isso, senti uma alegria explosiva quando meu cérebro


processou a informação de que era Lauren parada à minha
frente, sorrindo para mim.

- Oi. - Eu falei primeiro, não sabendo de onde tinha tirado


oxigênio para pronunciar alguma palavra - O que está fazendo
aqui?

- Você me pergunta muito isso.

- Bom, é porque você aparece em lugares onde eu não espero


te encontrar.

Ela sorriu, mais quieta do que costumava agir.

- É que eu não podia deixar de te ver hoje.

Ela lembrou. Ela lembrou! Eu jamais pensei que ela lembraria!


3

- Te trouxe duas coisas. Um presente e uma lembrança de


aniversário.

- Você não...

- Não ouse confundir os dois. - Ela me interrompeu, em um


tom de brincadeira, abrindo a porta do Porsche e entrando um
pouco para pegar um envelope, me entregando em seguida.

- Esse é o presente.
- Eu não posso aceitar. - Falei categoricamente.1

- Você nem viu o que é!

- Não importa, você não devia...

Ela levou sua mão até minha boca, tapando-a com suavidade
e me fazendo parar de falar.

- Abre.2

Fiquei muito tempo imóvel, encarando-a.

Se eu fosse ficar agindo como uma idiota por qualquer


movimento que ela fizesse naquele dia, talvez fosse melhor
voltar para dentro do The Hills e não vê-la mais. Finalmente,
saí do meu estado de inércia e abri o envelope.

Sobre minha mão, caíram vários marca-páginas, de tamanhos


e cores diferentes, alguns com desenhos e outros com
citações. Não pude deixar de abrir um sorriso largo e sincero,
porque foi a coisa mais fofa e atenciosa que alguém já fez
para mim.4

A alegria que me tomou foi maior do que deveria ser. Aquele


presente era maravilhoso, não pelo que realmente era, mas
pelo que significava.

Lauren mostrou um cuidado e uma sensibilidade que eu não


podia imaginar. Ela lembrava disso também, e eu fiquei
extremamente feliz em saber que ela lembrava desse simples
detalhe, porque estava relacionado a mim.

- Obrigada! Foi o melhor presente!

- Não seja mentirosa. - Ela sorriu, debochando do próprio


presente.1
- Não estou sendo! Eu adorei! Você não faz ideia! 

- Ok, ok, vou fingir que acredito. - Ela piscou para mim e eu
senti meu rosto ferver. Devia estar vermelha como uma
pimenta, mas ela pareceu se divertir com isso, sorrindo ainda
quieta com minha vergonha. - Agora, a lembrança.

Novamente, Lauren se inclinou para dentro do Porsche e


quando voltou, carregava o maior buquê de flores que eu já
havia visto na vida.

Era inclusive maior do que qualquer buquê de filmes de


romance ou coisa assim. Mas o que me chamava mais
atenção nele não era seu tamanho - ainda que fosse
assustador - mas a variedade de flores que estavam ali. Não
era um simples buquê de rosas, ou de margaridas, ou de
qualquer flor específica, mas sim de vários tipos dela, uma
mais colorida e mais exótica que a outra.

- Você disse que não tinha uma favorita, então agora pode
escolher. Foi tudo que eu achei na floricultura. - Ela disse, me
entregando o buquê gigantesco.2

Me movimente para pega-lo puramente por instinto, porque


meu choque não me permitia pensar.

- O vendedor me deu alguns nomes, você pode associa-los


depois.

Dizendo isso, tirou do bolso traseiro um papel dobrado e


desdobrando-o, começou a lê-lo - Aí tem: Hortênsia, Azálea,
Orquídea, Dália, Tulipa, Gerânio, Magnólia, Rosa, Begônia,
Camélia, Jasmin, Crisântemo, Lírio, Cravo, Petúnia, Copo-de-
Leite, Violeta, Girassol... Bom, e outras. Você pode ler depois.
Algumas são um pouco sensíveis à essa época do ano, o
vendedor as mantinha em certos compartimentos especiais,
então acho que elas não vão durar muito. Faltam muitas, mas
acredito que essas são as mais fáceis de achar por aí.

Lauren dobrou novamente o papel e colocou-o com cuidado


dentro do buquê que eu segurava. 

Como se esperasse por uma resposta minha, me encarou com


as sobrancelhas um pouco arqueadas, enquanto eu
permanecia imóvel olhando para ela.

Eu só não tinha reação. Nenhuma. Porque depois de receber


um presente daqueles, não há como ter reação imediata. Por
isso, fiquei em estado catatônico por mais algum tempo, e
isso deve ter incomodado um pouco ela.1

- Então, gostou?

Eu não conseguia falar, mas por algum milagre consegui


mover a cabeça um pouco, mostrando-lhe que sim, eu havia
gostado. Eu havia amado. Era a coisa mais linda e mais
incrivelmente adorável que eu já havia recebido.

- Que bom. - Ela falou, abrindo um sorriso tímido, e eu quis


me jogar em cima dela e beija-la em todas as partes visíveis.
Eu não visíveis também. Felizmente, eu ainda estava
congelada no mesmo lugar, incapaz de fazer qualquer coisa
que não fosse encara-la como uma menina completamente
apaixonada.

Tudo era importante, o presente e a lembrança.

Tudo era incrivelmente lindo, e para falar a verdade eu tinha


minhas convicções de que se Lauren tivesse me dado um
chiclete de presente de aniversário, eu adoraria de qualquer
forma.

Tudo o que ela havia me dado era importante e maravilhoso


pela sensibilidade, pelo significado é obviamente, por ter sido
ela quem me presenteou. 

- Aham... - Comecei, me esforçando a falar alguma coisa


antes que ela ficasse irritada e fosse embora pela minha falta
de gratidão - O presente... deve ter sido meio... caro.3

Devia ter sido extremamente caro. Um buquê de flores


convencional já não era nada barato, o que me fazia ter a
certeza de que um buquê personalizado, principalmente um
que carregava flores sensíveis e menos comuns, devia ter
custado muito dinheiro.

- Ah não. Os marca-páginas foram de graça. - Ela falou,


sorrindo de novo e fazendo uma cara que mais uma vez me
lembrava de não confundir as coisas, mesmo ela sabendo
exatamente o que eu quis dizer - Já almoçou?2

- Eu? - Testei minha voz, agora tornando-a mais firme - Não,


eu ia almoçar com as minhas amigas, mas elas... Elas te
viram aqui?

- Eu entrei pela porta da frente e dei de cara com Samantha e


Scarlet. Aí perguntei por você e disse que estaria esperando
aqui.

Bom, isso explicava muita coisa. Mas ela não precisava saber
disso.

- Eu estava saindo pra almoçar agora. - Falei.

- E onde estão elas?


- Acho que desistiram. - Eu não tinha uma desculpa boa o
suficiente para inventar.1

- Bom, então eu posso convida-la para almoçar? Isso se você


preferia uma companhia, porque tem gente que prefere fazer
essas coisas sozinho.

- Eu prefiro a sua companhia. - Falei com um pouco mais de


intensidade do que devia, o que fez com que ela desviasse
seu olhar do meu e olhasse para baixo, suspirando. - Eu... Eu
já volto. Vou guardar meus presentes.

- Vou estar esperando.

Deixando essa frase ecoar pela minha cabeça como música,


rumei novamente para porta dos fundos do The Hills. Antes de
entrar, me virei e notei que ela ainda me olhava.

- Obrigada. Mesmo.

Sem esperar uma resposta dela, entrei rapidamente na


cozinha e caminhei apressadamente para a sala, querendo
chegar o mais rápido possível no meu quarto para deixar os
presentes lá.

Desejei intimamente que ninguém estivesse na sala para me


ver carregando todas aquelas flores. Obviamente, meu desejo
não foi atendido, então me deparei com Samantha, Scarlet e
as outras meninas conversando animadamente.

Quando notaram a minha presença, olharam surpresas para


mim, então reparei que Samantha começava a fazer
novamente a cara de "vi-Papai-Noel" e corri antes que ela
pudesse fazer ou falar - ou gritar - qualquer coisa.1
Peguei um jarro que servia como enfeite em cima do móvel
do meu quarto, enchi-o de água e coloquei as flores
cuidadosamente dentro, para que elas não morressem ou
murchassem até que eu estivesse de volta.

Deixei também o envelope com os marca-páginas ao lado do


buquê e desci correndo. As três meninas continuavam no
mesmo lugar, em cochichos animados entre si, e quando
voltei à sala apenas para ir em direção a cozinha e sair pelos
fundos outra vez, nem olhei para elas.

Lauren, notando minha presença, desencostou do carro e


abriu a porta do carona para mim.

Entrei sem falar nada, ainda agindo mecanicamente, então


ela fechou a porta e caminhou para o seu lado, entrando no
carro logo em seguida e dando partida.

- Já descobriu qual delas você gosta mais?  Começou,


colocando o cinto e pondo o veículo em movimento.1

- Não. Você fez com que eu amasse todas. Vai ser impossível
escolher uma agora.

-  Não era essa a intenção. Você tem que escolher uma.1

- Eu não consigo.

- Eu particularmente acho que Camélias combinam com você.

- Por quê?

- As pétalas são de uma perfeição hipnótica.

Ela respondeu isso olhando para a rua, enquanto dirigia, como


se tivesse falado algo sem importância.
Bom, talvez para ela não fosse importante de qualquer forma,
mas eu me senti tão maravilhada com sua pequena
explicação que novamente tive que me conter para não pular
em cima dela, certamente provocando um acidente.1

- Tem um restaurante que eu conheço muito bom. Gosta de


comida francesa?3

Se eu gostava de comida francesa? Como eu ia saber? 

- Aham...

- Esse restaurante fica perto da minha casa, é especializado


em comida francesa. E você não vai acreditar nos vinhos de
lá.1

Eu sequer sabia diferenciar vinhos, e nunca havia provado


nada da culinária francesa, mas sabia o suficiente para ter
certeza que tudo era bastante caro, principalmente em
restaurantes especializados. Principalmente em restaurantes
que estavam localizados no bairro em que Lauren morava.

É claro que eu tinha minhas economias.

Eu conseguia quantidade de dinheiro razoável pelos


programas, e não era de gastar tudo em shopping- embora,
vez ou outra, sair com Samantha tenha despertado meu
consumismo, me fazendo gastar mais dinheiro do que devia
em coisas como lingeries e vestidos - mas eu sabia que se
quisesse comer minimamente bem em um restaurante
francês, boa parte da minha poupança iria embora.

Principalmente porque eu estava faminta.

Além do mais, se tinha algo que eu não precisava agora era


de alguma situação que me fizesse sentir incrivelmente
inferior e deslocada em relação a Lauren, então eu preferia
uma refeição que exigisse, no máximo, três talheres, um
prato e um copo, e não toda aquela confusão de louças, taças
específicas e garfos de três tamanhos diferentes.

- É que... Eu não estava pensando em comida francesa hoje.

- E o que tinha em mente? - Ela me perguntou, me espiando


rapidamente enquanto voltava a prestar atenção na rua.

- Uhum... Mc Donalds?5

- Quê? É seu aniversário, você pretende comemorar em um


Fast Food?

- Qual o problema?

- O problema é que hoje é um dia especial, que exige ocasiões


especiais. Além do mais, é a comemoração de mais um dia de
vida, então eu não vou deixar que você chegue mais perto da
morte ajudando a entupir suas artérias com toda aquela
gordura.3

- Hoje é um dia como outro qualquer. Todos os dias alguém


faz aniversário, isso não faz com que todos os dias sejam
especiais.

- Você faz aniversário só um dia, então hoje é especial. Por


isso, nós vamos comemorar com comida francesa.

- Não vamos!

- E por que não, sua teimosa?

- Porque eu não posso ficar gastando dinheiro com um


almoço.2
Eu não devia me envergonhar por assumir isso a ela, afinal,
era algo natural ter menos dinheiro que Lauren. Mas eu me
envergonhava.

- E que disse que você vai pagar?

- Eu estou dizendo!

- Se bem me lembro, eu te convidei. Então eu pago.

- Uma ova. Você já gastou sabe-se lá quanto com as flores.2

- Ei, quer me deixar fazer isso direito?

- Não vamos pra esse tal restaurante.

- Ok, vamos fazer um acordo. Nós vamos comer em um outro


restaurante, um menos extravagante - não o Mc Donalds -
mas é por minha conta.

Pensei um pouco, analisando a situação.

- Eu escolho o lugar? - Perguntei, esperançosa.

- Claro que não. Você não conhece os restaurante bons do


meu bairro, eu conheço.

- Mas todos os lugares que você considera bons são caros!

- Prometo que vamos em um lugar razoável. Você vai gostar.

***

Quinze minutos depois, chegamos a um restaurante pequeno


e simpático por fora, mas bem mais luxuoso por dentro.

Olhei para Lauren com um olhar fuzilante enquanto um rapaz


nos guiava para uma mesa de dois lugares
- Você mentiu pra mim. - Falei, enquanto sentava à sua
frente.

- Acredite, aqui é bem mais barato.

- Lauren... Eu não estou vestida para uma ocasião assim. -


Falei.

- Olha para mim, estou de coturno, calça e blusa de uma


banda de Rock. Acha que eu ligo pra isso? - Falou rindo. 

Quando tive acesso ao menu e aos preços, constatei que tudo


era muito caro, então nem queria pensar nos preços de
qualquer coisa que fosse servida no restaurante que eu havia
vetado.

- Se me permite... - Ela começou, notando minha indecisão e


retirando com gentileza o menu de minhas mãos - Sugiro
Magret de pato com risoto de laranja, e Poires à Belle Hélêne
para a sobremesa.6

Fiquei um pouco hipnotizada com o bico que ela fazia ai


pronunciar as palavras com sotaque.

- Você tem tara por comida francesa?1

- Não é tara, eu só gosto muito. - Ela sorriu.

- Certo. Posso ver uma coisa? - Perguntei, tentando tirar o


menu de suas mãos.

- Quer parar de querer controlar o preço? Você vai me fazer


parecer esnobe, mas acredite quando eu digo que posso
pagar. Aliás, poderia comprar esse restaurante inteiro.
Portanto, pare de criar caso.

Suspirei, assentindo com má vontade.3


Lauren chamou o garçom e passou nossos pedidos. Pedi um
refrigerante e recebi protestos dela, que queria escolher um
vinho de algum ano especial, mas logo aceitou minha decisão
quando eu disse que só beberia se ela me acompanhasse, e
como ela estava dirigindo, isso não seria possível.

Quando o pedido chegou à nossa mesa, provei o preto


exótico, e como eu imaginava, a sugestão de Lauren havia
sido perfeita.

Eu estava morrendo de fome, mas mesmo assim me contive


para não parecer uma troglodita faminta na frente dela,
mastiguei mais devagar do que costumava para conseguir
terminar minha refeição depois dela. A sobremesa estava
igualmente boa, e quando finalmente meu prato havia
esvaziado, me senti satisfeita.

- Então? O que acha do meu gosto?3

Tentei responder de imediato, sem pensar no duplo sentido


que aquela pergunta tinha.

- Muito bom. De agora em diante posso aceitar suas


sugestões sem pestanejar. Devo levar em consideração o fato
de você ser uma amante da culinária.

- Talvez. - Ela disse, sorrindo. - Você cozinha?

- Não agora. Cozinhava antigamente, mas isso tem muito


tempo. E não eram coisas assim, exóticas ou interessantes.
Eu fazia muito do básico.

- Alguma especialidade?

- Bom... Não é nada demais, mas minha mãe me ensinou um


truque para fazer o '' arroz con leche '' ficar ainda mais
gostoso. Ela sempre elogiava quando eu fazia, mas isso não
quer dizer muita coisa.

- É meu doce favorito. - Lauren falou de uma forma simples,


sorrindo. - Vou provar da sua receita algum dia?

Encarei-a por algum tempo, apenas admirando-a, e eu não


sabia se havia pronunciado a resposta em voz alta ou se
estava só divagando.

Se depender de mim, você pode provar da minha receita


todos os dias.4

Lauren me encarava de volta com um sorriso tímido nos


lábios, mas algo dentro dela pareceu ter sido acionado,
fazendo com que ela ficasse repentinamente séria e
desviasse seu olhar do meu.

Não era a primeira vez que ela fazia isso, e eu me perguntava


o motivo.2

Olhando para os lados, ela chamou o garçom e pagou o


almoço, não me permitindo saber quanto tinha sido.

Saímos do lugar rumo ao Porsche prateado do outro lado da


calçada.

- Bom, eu tenho que ir. Vou leva-la de volta ao The Hills. -


Disse, abrindo a porta do carro para mim.

- Não... Só vou voltar pra lá de noite, mas se você me deixar


por perto eu agradeço. - Sentei, mas ela continuou segurando
a porta aberta.

- E vai ficar fazendo o que até lá? São 13:30.1

- Vou ficar por aí. - Respondi com sinceridade.


Eu não sabia para onde ia ou que faria durante todo aquele
tempo, mas eu quase nunca sabia desses detalhes quando
saía do The Hills para ficar sozinha e pensar, então já estava
acostumada a improvisar.

Lauren outra vez desviou o olhar, pensando por algum tempo


enquanto olhava em volta desinteressada nas pessoas que
caminhavam. Finalmente, fechou minha porta e entrou no
carro, dando novamente partida.

- Você vai trabalhar? - Comecei.

- Não. Tirei o dia de folga. - Ela respondeu, séria, enquanto


encarava a rua. 

- Por quê? Não estava se sentindo bem?

- Por que é seu aniversário. - Ela falou depois de algum tempo


em silêncio, provavelmente ponderando as palavras e se
perguntando se deveria ou não falar aquilo.4

- Olha, não precisa se preocupar, eu não confundo as coisas. 2

Lauren me olhou, interrogativa, então eu continuei.

- Parece que você está com medo que eu pense que suas
atitudes sejam mais do que realmente são. Não vou confundir
as coisas, então não precisa medir suas palavras. Não se
preocupe, eu sei... Bom, eu sei o que não é.

- Você sabe? - Ela me olhou, agora por um bom tempo.

- Sei.4

Eu queria tranquiliza-la, porque algumas de suas atitudes


mostravam claramente o quão desconfortável ela estava.
A ideia me veio de repente, mas foi certeira, e eu não sei por
que não havia pensando nisso antes. Foi por isso que ela
fugiu de mim na última noite que dormimos juntas, e era por
isso que ela se afastava e desviava nossos olhares toda vez
que uma ligação era feita entre eles. Ela temia que eu
estivesse entendendo errado do que se tratava seu instinto
protetor, que eu achasse que ela estava interessada em
mim.1

Eu poderia deixar claro que aquela ideia era muito absurda


para que qualquer um acreditasse, mas ela pareceu entender.

- Que bom que você sabe.7

Não entendi a ênfase que ela empregou no "você," mas não


quis aborrecê-la.

Ela parecia um pouco preocupada, talvez com algo do


trabalho. Virei para a janela e observei a paisagem pela
primeira vez.

- Nunca estive aqui. É algum atalho?

- Não, é um caminho. Vou te levar em um lugar. - Ela


respondeu, ainda séria, olhando pra frente.

- Mas você não disse que tinha que ir?1

- Disse.

Ela não me deu mais explicações, e eu não perguntei. Estava


bastante claro que ela não queria conversar, por isso ficamos
em silêncio por aproximadamente meia hora durante todo o
caminho que levava ao lugar misterioso.

Quando finalmente chegamos, Lauren estacionou o carro em


algum tipo de estacionamento onde alguns outros carros
também estavam. Saí e notei, que em volta, não havia muito
mais para ser visto:2

Um estacionamento razoavelmente grande e à nossa frente,


um espaço amplo de grama cortada que sumia em um tipo de
precipício. Devia ter mais coisas depois daquela descida, mas
eu não podia ver.

- Vamos? - Ela perguntou, se dirigindo exatamente para o


declive.

Parei de analisar o lugar e a segui, então algum tempo depois


pegamos um tipo de atalho em que podíamos caminhar até
aquela descida.

Quando finalmente chegamos um pouco abaixo, notei onde


Lauren havia me trazido.

O lugar era praticamente um mirante de toda a cidade que


expandia lá embaixo. Eu agora estava em um campo muito
aberto coberto por grama, onde vários grupos de pessoas
admiravam a paisagem e conversavam entre si.

O lugar não estava cheio, mesmo porque para enche-lo,


muitas pessoas seriam necessárias.

Ao invés disso, os grupos sentavam-se em toalhas ou no chão


mesmo, afastado por vários metros de distância uns dos
outros. Famílias, casais e amigos, ali era um lugar
extremamente relaxante, que dava uma visão privilegiada do
muito que havia para ver naquele lugar.1

Demorei um pouco para perceber que Lauren havia sentado


na grama, exatamente ao meu lado, apoiando o corpo nos
braços e deixando-se queimar pelo mormaço muito suave, de
olhos fechados.1

Aproveitei seu momento de meditação para admirá-la um


pouco, ainda em pé, então sentei ao seu lado, de pernas
cruzadas, olhando a paisagem.

- O que achou?

- Lindo.

- Sempre venho aqui quando estou preocupada com alguma


coisa ou então quando quero pensar. É um ótimo lugar pra
fazer isso.

- Então você vem sempre sozinha?

- Sim. Você é a primeira pessoa que trago aqui.2

Fitei-a por algum tempo, então virei novamente para a


imensidão abaixo de nós, repleta de casas, ruas e prédios
altos.

- É mesmo lindo.

- Você precisa ver como fica de noite. É mágico.1

- Eu imagino.

As nuvens que antes pareciam se decidir em cobrir ou não o


sol agora bloqueavam completamente os raios solares,
deixando-nos com um clima nublado e agradável.

Agradeci intimamente por isso, já que eu não havia trazido


protetor solar.
Me permiti relaxar e deitei de costas na grama, fechando os
olhos e deixando o vento fresco tocar minha pele de uma
forma suave, bagunçando um pouco meus cabelos.

Era incrível. Aquele lugar trazia uma sensação de paz forte


demais para não se deixar levar. Tudo era convidativo, e eu
tinha certeza que a momentânea felicidade que saltitava
como pipoca dentro de mim tinha também a ver com a
presença da mulher que permanecia ao meu lado.

Abri os olhos e me assustei com ela me encarando


intensamente.

- Que foi?1

Ela balançou a cabeça, como se dissesse que não era nada.

Lauren ainda estava séria, mas eu queria que ela também


relaxasse, assim como eu.

- Pode falar... Eu já disse que você não precisa medir as


palavras comigo.

Ela continuava me encarando, como se dentro dela milhões


de pensamentos borbulhassem e ela tentasse organizá-los.

- Não vai me dizer?

- Você é muito linda.5

Meu coração deu um solavanco sem querer, e


automaticamente perdi a respiração.

- Obrigada... - Falei, depois de algum tempo tentando puxar


oxigênio para dentro e finalmente conseguindo.

Ela suspirou, então se deitou ao meu lado na mesma posição


que a minha, encarando o céu nublado.
***

Ficamos ali por muito tempo. Conversamos sobre bobeiras e


retomamos nosso jogo de perguntas e respostas, tentando
conhecer mais uma da outra. Descobri que ela odiava ostras,
que não sabia assoviar e que queria ter duas filhas e um
filho.7

Contei a ela que gostava muito de cachorros, que meu


sorvete preferido era de flocos e que não gostava de filmes de
terror, porque morria de medo de escuro. Entramos em
discussões sobre assuntos nada importantes, onde ela
tentava me apresentar provas concretas de que a galinha
veio antes do ovo e onde nossas ideias divergiam sobre a
realidade paralela formada pela viagem de Marty McFly e do
Dr. Brown em De Volta Para o Futuro 2.

Durante todo esse tempo, senti a tensão de Lauren


diminuindo gradativamente, mas nunca desaparecendo por
completo.

Quando dei por mim, já havia começado a escurecer.

Olhei para o relógio que marcava um pouco depois das 18h,


então me mantive sentada e prestei atenção no lento ligar de
luzes das casas, prédios e avenidas lá embaixo.2

Em pouco tempo, a cidade parecia um emaranhado de


pequenas lâmpadas coloridas.

Lauren estava certa. Era mágico.

Contive a vontade adolescente que me tomou de pegar sua


mão, repousada no chão ao meu lado, e ficar em silêncio
enquanto o céu escurecia completamente. Contive essa
vontade porque eu sabia que isso seria passar dos limites, e
ela certamente se afastaria e voltaria a adotar a postura
tensa do início daquela tarde.2

Eu sabia que ela não tinha nenhum interesse real em mim, e


se eu quisesse que aquela relação funcionasse, não podia
deixá-la saber que eu estava completamente apaixonada por
ela.

Porque essa era a verdade.

Eu estava apaixonada. Completamente apaixonada.2

E tudo seria lindo se isso fosse correspondido. E tudo seria


perfeito se eu não fosse o que eu era.

- Esqueci de avisar, nessa época do ano a noite fica um pouco


insuportável aqui.

Foi só quando ela falou que me dei conta de que estávamos


cercadas por mosquitos que insistiam em zumbir nos nossos
ouvidos. Levantei-me ao mesmo tempo que ela, o que
indicava que nosso dia havia chegado ao fim.1

O dia mais lindo de todos.

Entramos no carro e Lauren dirigiu calmamente de volta pela


estrada cheia de curvas.1

A volta foi rápida demais, então em pouco tempo já


estávamos chegando à rua estreita e deserta que dava para
os fundos do The Hills.

Quando chegamos, saí do carro logo depois dela e esperei.


Esperei por várias coisas, embora eu sabia que era melhor
não criar expectativas. Mas já era tarde, elas já estavam
criadas.
- Ei... - Comecei, tentando colocar um tom casual em minha
voz - Você não me deu os parabéns.

- É verdade. - E dizendo isso, me olhou profundamente.

Um olhar tão intenso que eu podia sentir as ondas de calor e


eletricidade que se chocavam entre nós. Fiquei presa naquele
olhar por um tempo que eu não poderia medir, e então senti
um toque em minha mão direita, caída ao lado do meu corpo.

Sem tirar seus olhos dos meus, Lauren trouxe minha mão
para cima e deixou um beijo suave de demorado ali.

Fiz uma força sobre-humana para que meu corpo não


tremesse como gelatina, então ela retirou os lábios de minha
pele e continuou segurando minha mão na dela.

- Feliz aniversário, Camz. Que muitos ainda estejam por vir. 1

- O-Obrigada.

- Espero que tenha se divertido hoje.

Sem esperar uma resposta minha, ela soltou gentilmente


minha mão e se virou, caminhando de volta para o carro, e
dando a partida, foi embora.2

Finalmente saindo de meus devaneios, entrei pelos fundos e


fiquei aliviada em ver que a cozinha estava vazia.

Passei pela sala onde já havia algumas meninas, mas não dei
importância a nenhuma delas. Fui direto para o quarto e me
tranquei lá.

Aquele tinha sido o melhor dia da minha vida. O fato de ser


meu aniversário era apenas um detalhe.
Ela passou o dia todo comigo. Ela escolheu pela minha
companhia, embora não estivesse totalmente confortável com
isso. Ela havia me dado um presente lindo, que agora
chamava a atenção do meu quarto.1

Sem pensar, fui até o vaso, e tirei do meio das flores, o papel
com a lista das diversas espécies que ali estavam. Deitei de
bruços na cama e li uma por uma, tentando identifica-las.

Depois de muito tempo nesse jogo, finalmente dobrei o papel,


pronta para guarda-lo em um das gavetas e estuda-lo depois,
mas ao encarar uma das quatro partes do papel, fui pega de
surpresa por algo escrito a lápis.

A letra embora parecesse estar ali por rascunho, era bonita e


imponente, diferente da lista que trazia os nomes das flores,
então imediatamente entendi que aquela caligrafia só poderia
ser de Lauren.

Desdobrei novamente o papel, para poder ler a frase inteira.

Era uma citação. Uma citação que não fazia sentido estar ali.

Não fazia sentido...2

"Um covarde é incapaz de demonstrar amor. Isso é


privilégio dos corajosos." 3

- Mahatma Gandhi.

***

Capítulo 6
Pov Lauren

- Senhora?2

- Sim?

- Está tudo bem?

- Está tudo ótimo, Allyson. Não poderia estar melhor. 1

Notei pela minha visão periférica que ela me encarava com


dúvida, mas não fiz menção em me virar e encará-la para
tentar mostrar que eu estava falando a verdade.

Primeiro, porque minha cabeça doía demais para que eu


tentasse fazer alguma coisa além de falar e respirar.

Segundo, porque eu simplesmente não me importava mais


com o fato de Ally acreditar ou não em mim.

Terceiro, porque eu não estava falando a verdade.1

- A senhora parece cansada.

Eu também teria pedido que ela me chamasse pelo nome.


Quanto mais o tempo passava, mas me irritava a insistência
de Ally em ser formal comigo.1

Mas até isso exigia de mim uma força de vontade que eu não
tinha.1

- Eu estou cansada. Cansada e com com dor de cabeça. Mais


alguém quer falar comigo hoje?

- Não senhora.

- Ótimo. Então pode trancar a porta e sair.


Ally permaneceu em silêncio por algum tempo. Não abri os
olhos para verificar o porquê. 

- Tudo bem. Aqui estão as anotações das reuniões de hoje. A


senhora está indo bem nas suas decisões.2

- Obrigada.1

- E aqui estão os três contratos.

Senti os papéis sendo jogados à minha frente, em cima da


minha mesa. Ainda assim, continuei imóvel, fazendo
movimentos lentos e circulares com os dedos nas têmporas
para tentar aliviar a pressão que eu sentia na cabeça.

- Lauren.

Abri os olhos, encarando-a.

- Fale comigo! Eu estou bem aqui!

Continuei fitando-a, enquanto analisava silenciosamente


minhas opções.

Eu queria conversar com ela.

No final das contas, ela era minha melhor amiga.

Minha única amiga.2

Eu queria contar a ela tudo que estava se passando comigo,


todas as minhas dúvidas e meu pânico.

Queria pedir conselhos, porque ela sempre tinha algo


inteligente para dizer, e se preciso fosse, escutar calada uma
bronca daquelas que só Ally sabia dar.

Eu queria me abrir com ela. Queria dividir o peso que eu


carregava nas costas com outra pessoa.
Queria uma luz no fim do túnel.

Qualquer coisa.

- Vou lembrar disso, Ally.4

Ela continuou me encarando com preocupação, e eu tentei


sustentar seu olhar, embora minha dor de cabeça estivesse
praticamente me cegando.

Quando finalmente tirou suas mãos que serviam de apoio da


mesa, suspirou, e dando meia volta, saiu da sala.

Fechei os olhos outra vez e abaixei a cabeça nos braços,


agora cruzados na mesa em cima dos tais papéis das reuniões
as quais eu havia comparecido hoje. Eu poderia dizer que
comparecer a reuniões seria uma tarefa impossível, dadas as
minhas atuais condições, mas era realmente incrível como eu
conseguia.

Nos últimos dias, treinei meu cérebro a aceitar problemas e


assuntos relacionados aos negócios, então eu conseguia me
concentrar nisso quando me empenhava em fazê-lo, quase o
tempo todo.1

Quase.

Porque havia momentos, até quando eu me esforçava a


prestar atenção, que a dispersão vinha e eu me pegava
pensando em coisas aleatórias.1

Na verdade, eu até desejava que fossem pensamentos


aleatórios em geral, e não pensamentos aleatórios
relacionados a uma pessoa.

A ela. Sempre ela.2


Ela estava transformando minha vida em um verdadeiro
inferno. Estava colocando dúvidas absurdas e pensamentos
impertinentes na minha cabeça. Estava conquistando um
território de importância ao redor da minha vida que não
tinha o menor direito de conquistar.5

Por causa dela, minhas noites andavam mal dormidas. 2

E quando conseguia dormir, meus sonhos teimavam em


trazê-la de volta para me atormentar.

Por causa dela, Ally me rondava e me perguntava sempre o


que havia de errado comigo.2

Algo de muito errado.1

Eu a conhecia havia menos de um mês, e já não conseguia


parar de pensar nela. Qualquer detalhe, qualquer inutilidade
que resolvesse atravessar o meu caminho ao longo do dia, me
fazia lembrar dela.

Eu me pegava analisando praticamente todas as mulheres


que via e traçando automaticamente uma comparação entre
elas e ela.3

Ela.

Porque ela estava mexendo demais com a minha cabeça, e


isso não era normal.

Ela não devia ter esse grau de importância na minha vida.


Não devia estar em uma posição tão privilegiada na minha
lista pessoal de prioridades.

Eu não devia pensar tanto nela, e quanto mais eu me dava


conta disso, menos eu conseguia tirá-la de meus
pensamentos.
Quanto mais eu sabia que devia esquecê-la, mais difícil era
não lembrar dela.

Mais difícil era não querê-la por perto.

Eu a queria por perto.3

Todos os dias. Toda hora. A qualquer momento que fosse.

E isso também estava me matando.

Primeiro, porque eu não devia querê-la.2

Segundo, porque eu não podia tê-la por perto quando


quisesse.1

Ela não era minha. Ela não era de ninguém.3

Ela era uma garota de programa, e isso era tudo o que


realmente importava.3

E era o que doía.1

Doía, porque ela era especial.1

Ela era importante. Eu a tornei importante sem nem me dar


conta, e agora pagava pelo preço.1

O preço de ser ingênua, de ser dependente. 

O preço de ser covarde demais para assumir tudo isso.

Assumir o que eu me negava a acreditar, mas já sabia.1

O que eu negaria até estar perto da morte.

Até não aguentar mais.

- Desculpe!
Levantei a cabeça lentamente, tentando lidar com a dor
presente que fazia minha testa pesar algumas toneladas.

- Desculpe, senhora! Eu pensei que não havia mais ninguém


no prédio.

Uma mulher de meia idade carregando um aspirador de pó


um pouco maior do que ela tentava desenrolar seus pés dos
fios do aparelho e sair da sala, me deixando sozinha outra
vez.

- Que horas são?

- Passam das 23h, senhora. Me desculpe, eu não sabia...1

- Tudo bem. - Comecei, um pouco tonta. - Eu já tinha que ter


ido há muito tempo.

A mulher não pareceu se tranquilizar, ainda me encarando


com culpa.

- Vou deixá-la trabalhar. Só pelo amor de Deus não ligue essa


coisa enquanto eu estiver aqui.

Dizendo isso, juntei sem cuidado os papéis jogados em cima


de minha mesa e os guardei em uma das gavetas, trancando-
a em seguida.

Levantei-me, testando meu equilíbrio devagar, então me


apressei a deixar a sala livre para a mulher e seu aspirador
barulhento.

Fui irresponsável o suficiente para dirigir até em casa nas


condições em que me encontrava, e agradeci ao meu anjo da
guarda por me proteger durante o percurso.
Ao chegar, tomei um banho quente e demorado, traçando o
plano que eu vinha arquitetando havia algum tempo.

O plano era simples, mas exigiria de mim uma força que eu


não tinha.1

Ainda assim, levaria minhas decisões até o limite. O limite de


mim mesma.

Eu manteria distância dela. Não a veria por algum tempo, até


que minha cabeça voltasse um pouco ao normal.5

Até que eu voltasse a me sentir segura para estar com ela


outra vez, até que eu parecesse de novo comigo mesma.

Até que eu voltasse a me conhecer e me entender, eu


manteria distância dela.

Porque sempre que ela estava perto demais, eu tendia a


esquecer coisas importantes sobre minha própria
personalidade, e sobre o certo e o errado.

Então eu não a veria hoje. Não a veria essa semana.1

Eu sabia que isso talvez me fizesse um mal maior do que toda


a confusão da qual eu fugia, mas eu tinha que tentar voltar a
ser o que eu era. Porque perto dela eu era outra pessoa.

Eu me afastaria.2

Uma distância que poderia ser considerada como segura.1

Eu estaria segura. Eu estaria bem.1

Mas, primeiro, eu precisava me convencer disso.2

***
Minhas últimas noites não poderiam ser classificadas como
boas. Eu consegui dormir algo como duas, no máximo três
horas por noite. Mesmo que o cansaço estivesse sempre
presente, minha cabeça simplesmente não conseguia relaxar,
e então eu passava o resto das horas pensando.

Pensando em tudo o que não deveria pensar.

Por isso, não era de se espantar que hoje, segunda-feira,


quase todos os funcionários me olhassem como se eu fosse
um zumbi ambulante enquanto passava pelas baias, até
chegar à minha sala.1

Entrei e encontrei Ally com uma cara que devia ser usada
quando um de seus filhos fazia algo de ruim.

Ignorando seu olhar fuzilante, fui me sentar à mesa, já


arrumando alguns papéis.

- Quantas reuniões tenho hoje?

- Nenhuma.

Olhei-a interrogativa. 

- Como nenhuma?

- Você não vai trabalhar nesse estado.

Eu estava muito cansada para discutir, principalmente àquela


hora da manhã. Por isso, tentei manter vinha voz tranquila e
cordial.

- Você não manda em mim.4

- Pois é. Não mando. Talvez seja disso que você precise,


alguém que mande em você.1
- Certo. Já acabou? Pode me dar os horários das reuniões
agora?

- Não vou te dar horário nenhum. Eu já cancelei todas as


reuniões. Imaginei que você estaria desse jeito hoje quando a
vi na sexta.

- E com ordem de quem você cancelou as reuniões?

- Com ordem de ninguém, senhora. E se fiz mal, me demita.3

Encarei-a com raiva, algo que eu pensei não poder sentir nas
condições em que me encontrava.

Ela estava sendo extremamente arrogante para uma


secretária, mas o problema era que Ally sabia que podia fazer
aquilo, porque afinal das contas eu não a demitiria. 1

Além disso, minha raiva crescente me dominava porque ela


havia tirado de mim a única coisa que conseguia me manter
ocupada e portanto, livre de pensamentos indesejáveis.

- E você pode me dizer o que espera que eu faça a porra do


dia todo sem ter algo para me ocupar? 1

- Vá pra casa e durma. Você está horrível.

Ótimo. Era mesmo tudo o que eu precisava.

Podia explicar a ela que minha aparência horrível se dava


justamente pelo fato de eu não conseguir dormir, e que se eu
conseguisse, ela não precisava ter desmarcado as benditas
reuniões. 

- Por que as pessoas adoram se meter nas nossas vidas?1

- Não seja estúpida. Só nos metemos nas vidas de quem


gostamos.1
- Eu não pedi conselho nenhum! Por que não me deixa em
paz?

- Porque se eu te deixar em paz, Lauren, você se perde de


vez.1

Eu odiava quando ela estava certa, e isso acontecia com


bastante frequência.2

- Por favor... Por favor, vá pra casa.

- E o que eu vou fazer em casa?2

Repeti, tentando manter minha voz baixa.

- Se não consegue dormir, tente achar um pouco de paz de


espírito em alguma coisa.1

Paz de espírito. Era exatamente disso que eu precisava, mas


não conseguia como conseguir.

E o pior de tudo era que eu tinha uma ideia do que poderia


me trazer um pouco dessa paz, mas por alguma ironia do
destino, era exatamente a coisa da qual eu fugia.1

- Tudo bem, eu vou. Mas você está proibida de fazer isso


outra vez, entendeu? Quero minhas reuniões de volta
amanhã, e não estou brincando.

Empreguei um tom de voz mais sério na voz para que ela


entendesse que eu realmente precisava voltar ao normal no
dia seguinte.

Ally assentiu com um suspiro.

Levantei-me contrariada e me preparei para ir embora.

- Me promete que vai cuidar de você?


Encarei-a por algum tempo, decidindo se realmente poderia
prometer isso a ela.

- Eu vou tentar.

Não dei tempo para que ela falasse outra vez, e


imediatamente saí da sala.

Eram quase 20ha agora, e estava perplexa como aquele dia


havia sido tão improdutivo e degradante.

Ally me pagaria por aquilo.

Tentei ocupar meu tempo com tantas coisas quanto me fora


possível lembrar, mas nada adiantou. Busquei em meus
arquivos culinários a receita mais difícil que consegui
encontrar e me preparei para o desafio.1

Lembrei que antigamente essa era uma forma de distração


ótima, mas devia imaginar que "antigamente" não se
encaixava em nada no meu
"ultimamente."

Escolhi com cuidado um livro da minha biblioteca não muito


grande, prestando atenção para não pegar qualquer coisa
relacionada a drama, ou romance, ou qualquer coisa que me
fizesse lembrar de coisas que eu queria deixar de lado, mas
esqueci que nenhuma leitura conseguia me prender quando
não estava em paz comigo mesma.

Arrisquei desenhos engraçados na televisão, tentei arquitetar


mudanças na disposição dos móveis no meu quarto, comecei
a arrumar alguns armários, mas nada foi o suficiente.1

Eu ainda pensava nela.3


Eu ainda sentia sua falta, e por algum motivo idiota, quanto
mais eu tentava esquecê-la, mas eu lembrava dela.

Dito isso, como eu estava há praticamente uma semana


tentando arrancá-la a força da minha cabeça, era óbvio que
agora eu estava em um estado tão deplorável de auto-
flagelação que sequer conseguia pensar direito.

Usando essa desculpa para mim mesma - o que não diminuiu


minha culpa - me vesti de qualquer jeito e tomei a atitude
mais desesperada e imbecil que podia tomar.1

Eu iria até Camila outra vez.2

Eu insistia para mim mesma que o que iria fazer não era nada
demais.

Eu não pagaria pelo programa dela.3

Tudo o que eu queria era vê-la, dizer um oi.

Era ridículo, mas eu tinha certeza que no momento em que a


visse e simplesmente trocasse meia dúzia de palavras com
ela, eu me sentiria muito melhor.

Era só o que eu queria.

Era muito pouco para me crucificar.

Mas mesmo assim, eu me crucificava. Eu era uma fraca, e


nunca duvidei disso, mas era revoltante saber que minha
fraqueza não me permitia seguir com um plano tão nem
pensado.

De qualquer forma, essa era a hora de escolher entre meu


orgulho e a dor que atravessava e rasgava meu peito de um
lado a outro, a dor que diminuiria se eu a visse. 1
Eu não conseguia mais lidar com aquela dor.

Quando atravessei a porta da frente do The Hills, senti meus


nervos à flor da pele.

Não era normal aquele nervosismo todo, mas eu não quis


pensar sobre isso, então apenas continuei andando um pouco
apressada para o lugar mais escuro do ambiente.

Sentei-me na mesa vazia mais ao canto, enquanto olhava em


volta pra ver se alguém havia reparado em mim.

- Nossa, estávamos preocupadas com você!3

Virei-me surpresa e vi Hanna sentada ao meu lado. Quando


foi que ela chegou ali?

- Ah, oi.

- Olá. Então, por onde esteve?

- Ocupada.

Minha atenção agora estava voltada para o ambiente, mais


precisamente para a busca de uma certa garota que
trabalhava naquele lugar.

- Nós estranhamos você ter ficado tanto tempo sem vir ver a
Mila.2

Olhei para ela sem entender o que ela quis dizer com aquilo.

- Quê?

- Bom, ela parece ser sua favorita, né? Todas nós ficamos
surpresas por você ter ficado tanto tempo longe dela. Quer
dizer, só quem pareceu não dar muita importância pra isso foi
ela.5
Encarei-a sem saber o que falar.

A verdade era que até eu mesma estava surpresa de


conseguir ficar tanto tempo longe dela, então não poderia
julgá-las por sentir a mesma coisa. Mas agora, estava
passando por um pequeno dilema.

Por um lado, fiquei aliviada porque, se Camila não havia dado


importância ao meu desaparecimento repentino, isso talvez
significasse que ela não tenha ficado chateada comigo.2

Por outro lado, por que ela não havia dado importância? Ela
não tinha dito que me queria por perto? Será que ela não
fazia questão da minha presença?

Será que ela não sentia tanto a minha falta quanto eu sentia a
dela?

- Bom, você parece ainda estar se decidindo quem vai


escolher hoje, então vou te deixar em paz. Ah, eu estou livre.

Dizendo isso, piscou para mim e saiu rebolando da forma


vulgar que eu bem me lembrava ser dela.

Voltei minha atenção para o ambiente outra vez.

Me sentia segura estando em um lugar particularmente


escuro e escondido, mas era uma questão de tempo até
Hanna contar às outras meninas que eu finalmente havia
aparecido, e meu esconderijo seria descoberto.

Por isso, me permiti aproveitar ao máximo o tempo que tinha


comigo mesma.

Eu deveria procurá-la? Será que ela estava ali?4


Talvez já estivesse acompanhada no andar de cima, e o
pensamento fez com que uma dor me atingisse como um
soco.

Eu queria vê-la. Queria que ela estivesse sozinha e bem.


Queria que nenhum filho da puta a tivesse machucado, e
outra vez senti uma dor angustiante ao constatar que se ela
estivesse ferida, eu seria a culpada.1

Comecei a procurar em volta com mais urgência, enquanto


tentava enxergar entre o numeroso grupo de pessoas no
recinto.

Alguém me ofereceu um Whisky, mas como notei que a voz


não era da pessoa que eu procurava, neguei a oferta sem dar
muita atenção.

Duas meninas tentaram me seduzir para que eu pagasse pelo


programa, mas eu nunca estive tão pouco afim de uma transa
como naquele momento - o que era estranho, visto que eu
estava há um tempo razoável sem sexo - então neguei.1

O problema era que toda a minha atenção - toda ela - estava


voltada para a missão de encontrar Camila e falar com ela.

O que eu exatamente falaria, ainda não sabia, mas na hora


algo me viria a cabeça, nem que fosse um pedido de
desculpas.1

Nem que fosse uma confissão da saudade angustiante que eu


sentia dela.

Então, eu a vi.

Em um canto distante da sala, ela parecia não pertencer


àquele lugar, assim como no dia em que nos conhecemos.
Talvez fosse impressão minha, mas algo em sua aparência
me dizia que ela estava cansada ou triste.2

De qualquer forma, não pude deixar de admirar sua beleza


óbvia, e me perguntei outra vez como não havia percebido
isso no momento em que fomos apresentadas. 

Talvez só estivesse mesmo muito animada por vê-la, mas


mesmo com roupas casuais, completamente diferente de
todas as outras mulheres, ela estava mais bonita do que eu
me lembrava.

Ignorei a ponta de raiva que percorreu meu corpo ao imaginar


o motivo das roupas compridas, que mostravam poucas
partes de seu corpo, e continuei encarando-a como se tivesse
acabado de achar um diamante.

Agora ela estava ali, tão perto, mesmo sem saber da minha
presença, um alívio repentino me tomou completamente, e
me dei conta de que aquele momento tinha sido, até agora, o
melhor momento da minha semana.

Mas seria o suficiente só admirá-la de longe?1

Meu corpo começava a responder essa pergunta, se


levantando sem que eu percebesse, mas parou
imediatamente quando viu um homem aproximando-se dela e
falando, com um sorriso no rosto, algo em seu ouvido.

É verdade.

Ela era uma garota de programa.

A presença dela realmente me fazia esquecer de certos


detalhes.
Sentei novamente, com mais ódio do que achava ser possível
sentir por um estranho, mas toda essa raiva irracional foi
bloqueada por um interesse mórbido na reação de Camila.

Ela não havia reagido como eu pensava.

Eu a conhecia suficientemente bem para esperar ver nela um


sorriso falso e uma aceitação contrariada, mas ao invés disso,
vi uma garota agora com tanto medo que mal conseguia se
mexer.4

Por que ela estava daquele jeito?1

Por que olhava para os lados com tanto desespero, como se


quisesse se proteger em alguém?

E por que aquele homem a segurava pelo braço, impedindo-a


de ir embora.

Que merda era aquela?2

Levantei-me outra vez, agora mais rápido, mas me mantive


no lugar. Alguma coisa dentro de mim, loucura ou instinto,
gritava e me fazia recuperar uma lembrança esquecida.

Uma lembrança que eu fiz questão de esquecer.

Uma lembrança que me apavorava, mas que, ao mesmo


tempo, despertava em mim um instinto assassino.

Um desejo de vingança esquecido.

- Resolveu aparecer por quê?1

Era Samantha. E pelo pouco que pude dar atenção a ela, vi


que estava com raiva.

E pelo que parecia, era de mim.


Talvez eu pudesse entender o motivo, mas antes tinha que
me certificar de uma coisa.

- Samantha, quem é aquele homem?

Pude ver pela minha visão periférica que ela ainda mantinha
uma postura ofensiva para mim, mas tomada pela
curiosidade, se virou para a direção que eu apontava.

Me virei para encará-la e vi nela a reação que eu temia.

Eu nunca havia visto Samantha em pânico, mas podia dizer


que aquela era exatamente a expressão que encontraria nela.

E eu sabia o motivo daquilo.

Ela conhecia aquele homem.

Aquele filho da puta.1

E eu sabia quem ele era.

Mesmo sem nunca tê-lo visto, eu sabia só de ver o desespero


de Camila.1

Ela não reagiria assim a um cliente qualquer.

- Hardin...

Consegui ouvir a voz fraca de Samantha enquanto ela se


movia para a frente, na direção em que nós duas olhávamos,
mas ela não seria mais rápida do que eu.

Muitos vultos passavam por mim rapidamente, mas eu não


prestava atenção em nenhum deles enquanto andava até o
casal que eu observava.
Eu não prestava atenção em ninguém, e se não fosse pelos
esbarrões que eu dava em um corpo ou outro, poderia dizer
que no momento só se encontravam três pessoas ali: 

Camila, eu e ele.

Duas delas sairiam vivas.

O tempo necessário para atravessar a sala foi rápido, e por


uma fração de segundos, a dois metros de distância entre
nós, pude ver os olhos dela se encontrarem com os meus.

Mas eu já não estava raciocinando.

Com todo o ódio e graças as minhas aulas de Muay Thai,


empurrei-o para longe do pescoço dela, onde ele parecia
estar se divertindo, e um segundo depois estávamos os dois
no chão, eu por cima dele, socando-lhe cada centímetro do
rosto.6

- SEU FILHO DA PUTA!2

Tudo pareceu passar em câmera lenta, então pude aproveitar


cada murro que aquele desgraçado levava.

Ele tentava reagir, e talvez fosse mais forte do que eu, mas
naquele momento, nem os músculos de Mike Tyson poderiam
parar meu ódio borbulhante e explosivo.

Eu o odiava. Eu queria matá-lo lentamente, e não era força de


expressão.5

Nunca na vida desejei tanto ver alguém morto, espancado,


estraçalhado, por isso não parei um segundo sequer de socá-
lo com toda a minha vontade.1
Os golpes eram dados com tanta força que em certo ponto,
minhas mãos começaram a doer, mas a dor foi ignorada.

Notei que agora, o rosto embaixo de mim estava banhando a


sangue, mas ignorei isso também.

Tudo o que importava era a morte daquele pilantra.

A morte pelas minhas mãos.

Pela primeira vez desde que ouvi Samantha pronunciar o


nome do sujeito, notei que haviam mais pessoas no local.
Muitas mais, porque senti muitos braços me puxando para
trás, tentando me afastar do homem agora desacordado no
chão, enquanto eu tentava me soltar da gaiola humana em
minha volta e continuar minha deliciosa vingança.

- Para! Para, moça!

- ME LARGA!

- Você vai matá-lo!2

- É O QUE EU PRETENDO! ME LARGA!1

Eu agora me debatia em mais braços que surgiam me


impedindo de continuar a feri-lo com as mãos.

Então resolvi chutá-lo, também com muita força, mas os


homens em volta foram rápidos e me puxaram
completamente para longe dele.

- ME SOLTEM, PORRA!

- Não!

Eu estava exausta, puta e inconformada. 


O ódio que existia dentro de mim, ao invés de esmaecer
apenas tornava-se maior e mais explosivo.

- Lauren, calma! Por favor!

Olhei, ainda aturdida em volta, e a vi ali, parada, um pouco


ofegante e corada, sem saber muito para onde ir.

A presença de Camila tinha aquele poder sobrenatural sobre


mim até quando ela mesma não sabia o que fazer.

Aquele poder que simplesmente surgiu do nada e sem que eu


deixasse, me tornou extremamente vulnerável.

Eu estava definitivamente exausta.1

Exausta de tudo aquilo, de toda aquela confusão de coisas


que explodiam dentro de mim, enquanto tentava por ordem
na minha própria vida.

Estava cansada de fingir que não estava perdida, que não


estava desesperada, e que não estava completamente
apaixonada por uma garota de programa.4

Eu estava cansada, com raiva, com medo de tudo o que veria


a seguir, e explodi sem nem ter noção do que estava falando.

O ódio dentro de mim fez com que eu simplesmente cuspisse


todo o rancor e covardia, todo o orgulho e toda a porra de
culpa que me perseguia durante todo aquele tempo em que
eu a conhecia.

Em que conhecia a pessoa que virou minha vida do avesso.

- ME DEIXA EM PAZ! VOCÊ É SÓ UMA PUTA, E EU NÃO


PERMITO QUE SEJA MAIS DO QUE ISSO! EU NÃO TE
PERMITO TER QUALQUER MERDA DE PODER SOBRE
MIM!15

Meus gritos foram seguidos de silêncio. Um silêncio mórbido.

Tudo o que eu podia ouvir era a música do ambiente que


ainda tocava baixo ao fundo e minha respiração ofegante
pelos gritos e pela luta.

Tudo o que eu podia ver era ela, a minha frente, olhando


dentro dos meus olhos, enquanto tudo o que eu disse ainda
ecoava nas paredes e entrava, palavra por palavra, na cabeça
dela. Aquilo a feriria, e eu sabia disso. Sabia também que se
desse tempo a mim mesma, me arrependeria mortalmente de
cada palavra dita, e simplesmente imploraria por suas
desculpas. Mas já estava feito, tudo já havia sido dito. 1

Então, sem pensar em mais nada, quebrei a ligação entre


nossos olhares pela última vez, me dirigindo para a saída e
não olhando outra vez para ela.2

Eu fui embora. Havia terminado tudo o que tinha que ser


terminado. Eu não voltaria a vê-la. Desapareceria, me
internaria em um hospício se preciso fosse. Mas eu manteria
distância dela. Eu precisava manter distância dela.1

Para o meu próprio bem.7

***
Capítulo 7

Pov Camila

Eu era só uma puta.5

Eu era só uma puta e sabia disso.

Eu sabia disso porque os clientes, muitos clientes não me


deixavam esquecer desse detalhe. E conforme o tempo
passava, mas eu sabia que não poderia simplesmente deixar
de ser só uma puta.

Eu não poderia viver uma vida normal porque meu passado


sempre me condenaria.

Sempre seria o meu fantasma particular, e seria sempre


motivo de vergonha.

Eu sabia disso. Eu sabia que era só uma puta, e nunca pensei


que pudesse ser um pouco mais do que isso.2

Eu sabia o meu lugar, sabia o que eu fazia, e sabia que era


apenas isso.

Nunca tentei ser mais do que eu era para cliente nenhum.1

Infelizmente, era só o que eu era.

Uma puta, como tantas outras.

Então por que ela achou que eu quisesse ser mais do que
isso? Por que achou que eu estava tentando seduzi-la ou ter
algum tipo de controle sobre ela? Por que achou que eu iria
pensar que tinha esse direito?1

Por que ela disse aquilo?


Eu não queria, nunca quis ter controle de nada.1

De sentimento algum.

Se me fosse possível considerar qualquer utopia, seria


simplesmente uma Lauren retribuindo os sentimentos que eu
nutria por ela, mas eu já tinha descartado esse possibilidade,
então estava satisfeita com a nossa amizade.2

Com a nossa proximidade, com o pouco da companhia dela,


com o pouco dela que eu tinha. 

Quando tinha.

Por que ela havia dito aquelas palavras?3

Eu sabia que era só uma puta, mas ouvir essa afirmação da


boca dela, com tanta raiva, tanta mágoa, doeu mais do que
eu podia imaginar.

Doeu demais.2

O fato de vê-la como uma cliente diferente das outras


pessoas pesava.1

O fato de admirá-la e pensar nela como uma proteção, uma ''


mesmo que estranha '' amizade, também pesava.1

Mas era o fato de estar completamente apaixonada por ela


que fez com que suas palavras me dilacerassem. 1

Me reduzissem a quase pó, quase nada.

Fez com que eu me sentisse tão imunda e insignificante, tão


descartável.

Não devia doer tanto. Não devia porque eu sabia que aquela
era exatamente a verdade, mas doía porque, de alguma
forma - milagre talvez- eu esperava que ela visse em mim
algo além de uma prostituta.1

Alguém que valesse a pena, que pudesse ser legal e fazê-la rir
de piadas bobas. Alguém que ela pudesse ver não como um
objeto, mas como uma pessoa.

Uma pessoa que pudesse fazer parte da vida dela, de


qualquer forma, e que deixasse a sua marca.

Mas eu não havia conseguido.

Não havia deixado marca alguma nela.2

Ela me via só como uma puta, e doía saber disso.

Doía porque eu gostava dela pra caralho.

Agora, a última lembrança que eu tinha dela eram aquelas


palavras gritadas, como se eu tivesse desafiado ela. Aquelas
palavras, que ainda repetiam na minha cabeça como um
pisca-pisca. Aquelas palavras que talvez ninguém mais
naquele salão tivesse levado tão a sério, principalmente por
serem verdades, mas que me queimaram como fogo.1

Aquela era a última lembrança que eu tinha dela.

De uma Lauren tanto protetora como vingativa.

E eu queria poder responder a todas as suas palavras, queria


poder xingá-la de nomes esdrúxulos, queria poder tentar
provar a ela que ela estava errada e que eu valia alguma
coisa.

Mas ela havia se tornado mais uma cliente que surgia, e


depois de alcançado o objetivo, ia embora sem sequer olhar
para trás.1
- Mila?

Scarlet empurrou a porta com cuidado, me dando tempo para


fingir que estava fazendo algo normal ou me recompor caso
estivesse chorando.

Não respondi nem movi um músculo sequer, ainda deitada


em minha cama, olhando para frente como quem assiste com
atenção a um filme. A diferença era que não havia nada ali
além de uma parede branca.

- Ah... Ainda não está arrumada.

Que horas deviam ser?

- Você abe como a Chloe é. Ela me mandou vir aqui ver se


você já estava pronta para essa noite. Ela já te deu folga
ontem, depois... do que aconteceu.

Era verdade.

Chloe havia me permitido voltar para o quarto e não receber


mais clientes por aquela noite. Mas aquilo foi o suficiente,
então eu imaginava que hoje ela não seria tão generosa
assim.

- E já são 19:30. Você sabe que daqui a pouco o lugar começa


a encher...

Scarlet falava como quem pede a um asmático para fazer


polichinelos.

Eu podia ver pelo timbre de sua voz que ela sentia muito por
estar me lembrando daquelas coisas. Não era ela quem
estava me cobrando, era Chloe, mas era ela quem vinha
trazer a má notícia.2
A notícia de que eu deveria voltar a realidade e desempenhar
minha função, esquecendo do que quer que tenha acontecido.

Continuei encarando a parede por mais algum tempo,


considerando minhas opções. Percebi que não tinha
nenhuma.1

- Mila... Eu sinto muito...

- Eu sei. - Sorri tristemente para ela, enquanto tentava aceitar


os fatos.

Eu teria que voltar à realidade hoje. Eu teria que parar de


pensar no que havia acontecido. Eu teria que fingir que não
estava morrendo por dentro.

Scarlet me olhou como quem queria falar muitas coisas, mas


não sabia por onde começar, nem se deveria começar. Falar
no que aconteceu ontem resultaria em ter que mencioná-la,
tocar no nome dela, e isso era uma coisa que eu sabia que
todas as meninas tinham jurado não fazer mais.

Pelo menos não enquanto eu estivesse por perto.1

- Vou me arrumar. Te encontro lá embaixo.

Dizendo isso, consegui me levantar da cama e sem vida,


rumei para o banheiro.

Quinze minutos depois, desci para o andar onde agora alguns


clientes já procuravam suas companhias. Alguns já estavam
acompanhados, e outros bebiam enquanto aproveitavam o
início da noite.

Eu não sabia o que fazer ali.1


Aquilo parecia patético, porque eu deveria estar fazendo a
mesma coisa que sempre fiz: ficar na vitrine esperando
enquanto alguém se decidia em me alugar por trinta minutos.

Ainda assim, por algum motivo eu me sentia agora


completamente fora de lugar, tão deslocada quanto um peixe
fora d' água.

Se tinha algo no mundo que eu não queria fazer, era aquilo:


Esperar pelo meu próximo cliente.

Olhei em volta e vi rostos diferentes de homens e mulheres


diferentes. Eu já estava acostumada com a grande
rotatividade do lugar, mas foi observando esse detalhe que
comecei a pensar.

Na semana que havia passado, a semana do meu aniversário,


cada vez que eu voltava de um programa do meu quarto para
o salão principal, me sentia cheia de uma esperança em vê-
la.1

Durante toda a semana, todas as noites eu esperava


encontrá-la encostada no bar, enquanto bebia sua dose de
Whisky e emanava sua aura de poder.2

Todos os dias eu esperei vê-la, e todos os dias eu me


decepcionei.

Minha mãe costumava a dizer que a esperança poderia matar


uma pessoa lentamente, porque esse era o sentimento que
nos tornava vulnerável a falhas.4

Quando tínhamos esperança, corríamos o risco de nos


desapontar, e haviam situações em que a decepção era quase
tão dolorosa quanto a morte.
Ela tinha razão.

Eu havia sentido a força de uma decepção recentemente, e


poderia dizer que poucas coisas na vida conseguiriam ser tão
dolorosas quanto aquilo.

Mas a esperança era também o sentimento que nos fazia


acreditar, que fazia com que tivéssemos fé, e agora eu sentia
a gravidade de não ter mais esperança.

Ela não voltaria.

Eu sabia, ela não voltaria nunca mais. Era uma certeza tão
grande e tão esmagadora que não havia como contestá-la.

Eu não poderia sequer me decepcionar, porque não havia a


menor esperança em vê-la outra vez.1

Eu não a veria outra vez. Noite após noite, ela não estaria ali.
Das dezenas de pessoas que entrariam naquele lugar, não
havia a menor possibilidade de uma dessas pessoas ser ela.

Não havia esperanças.1

Fui tomada por um desespero crescente e sufocante. Tentei


não perder o controle, indo direto ao bar e pedindo qualquer
coisa alcoólica, enquanto fazia força para parar de pensar
naquilo.

Ela não voltaria.

Ela não voltaria. Por que ela foi embora? Ela disse que estaria
por perto.1

Por que ela disse aquilo? Por que fez aquilo?1

- Camila!
Me virei mais rápido do que deveria, o que quase resultou em
um tombo.

Me apoiei no bar e procurei a voz que me chamava.

Era Chloe, trazendo consigo uma mulher com a postura dura


e indiferente.

- Alessia quer conhecê-la. Tenho certeza de que vocês se


darão bem.

- Boa noite, Camila. Gostei do seu nome.1

Eu ainda estava com um pouco de falta de ar e um aperto na


garganta doloroso, mas me obriguei a falar de volta.

- Obrigada.

- Você está bem? Sua cara não está muito boa.2

Eu não estava bem. Estava longe de estar bem.1

Estava começando a suar frio, tremia levemente e fazia uma


força incrível para não deixar o pânico que surgia nas minha
veias não se apoderar de mim.

Era uma péssima hora para ter uma crise, ainda mais porque
Chloe me encarava como se eu estivesse estragando sua ceia
de Natal.

Mas eu não podia fazer aquilo. Simplesmente não podia.

Engasguei com a vontade súbita de chorar. Tentei controlar o


aperto que precedia o choro, mas não consegui.

- Eu... não posso...

A torrente de lágrimas veio de uma vez, e eu agora estava


aos prantos na frente de uma cliente.2
Não podia ser pior.

- Querida... - Começou Chloe, enquanto tentava soar calma -


Camila não parece estar se sentindo bem. Acho melhor
apresentá-la a outra pessoa. Você não vai se arrepender.

Dizendo isso, saiu de braços dados com ela.

Vi as duas se afastarem de mim aos poucos, enquanto


tentava limpar à nuvem de lágrimas que atrapalhava minha
visão, mas notei que Chloe olhou algumas vezes em minha
direção, com uma cara péssima.

Eu sabia que ouviria um sermão por aquilo, mas aquela não


era a hora de me preocupar com isso.1

A tristeza que agora tomava conta de mim era tão intensa,


tão dominante, que eu não consegui me acalmar sequer com
o fato de ter acabado de perder uma cliente.

Tão rápido quanto a ideia surgiu, corri para as escadas outra


vez, e chegando ao meu quarto, me deixei cair pesadamente
na cama, enquanto tentava respirar direito.

Eu não conseguia. Não conseguia fazer aquilo.

Não seja idiota. Você sempre fez isso, por que não conseguiria
agora? Não mudou nada.

Eu tinha que conseguir, porque era simplesmente a única


coisa que eu fazia.

E se eu não pudesse mais fazer a única coisa para que servia,


então eu me tornava imediatamente ainda mais descartável
do que já era.1
Por que você fez isso comigo, sua idiota? Por que me
abandonou?

Ela mentiu para mim.

Disse que estaria por perto, disse que gostava de mim.

Ela mentiu para mim. Me humilhou, me abandonou, me


esqueceu.

- Nós vamos conversar sobre isso depois.

Virei surpresa para porta e vi Chloe parada, me encarando


com uma expressão furiosa, de braços cruzados.

- M-me desculpe...

- Eu sabia que isso iria acontecer... Devia ter sido mais firme
quanto a vocês duas.

Ela sabia. Sabia o motivo do meu desespero. Ela sabia que eu


estava apaixonada por Lauren.

Estava assim tão óbvio?5

- Nós vamos ter uma conversa definitiva sobre isso, Camila.


Você trabalha aqui, e o seus problemas pessoais não me
interessam. Você vai ter que fazer o seu trabalho se quiser
continuar aqui.

Dizendo isso, virou-se e saiu, fechando a porta com força


atrás de si.

Eu sabia que ela tinha razão, mas eu não conseguia.

Deus... Eu não conseguia.

***
Acordei no dia seguinte com batidas na porta do quarto. Pelas
forças das batidas, eu sabia quem era.

- Já vou... - Falei, tentando me recompor rapidamente,


enquanto corria para o banheiro e jogava um pouco de água
no rosto.

Arrumei um pouco a cama, dobrando os lençóis amassados da


noite que passou, e finalmente abri a porta para que Chloe
pudesse entrar.

- Bom dia. - Ela disse, muito séria.

- Bom dia. - Respondi, fazendo sinal para que ela entrasse e


se sentasse.

Chloe imediatamente arrastou uma das cadeiras da


escrivaninha e se sentou em frente a cama.

- Vou direto ao assunto, até porque você sabe o motivo pelo


qual estou aqui.

- Sim... - Comecei, de cabeça baixa.

- Ótimo. Você é uma garota esperta, e sabe o que a mantém


aqui, certo?1

Afirmei com a cabeça, sem dizer nada. Era claro que eu sabia.

- Então você sabe que se começar a recusar clientes, você


não vai poder continuar aqui, já que o que a faz ficar nesse
lugar é o dinheiro dos seus programas.

- Eu sei...

- Além do mais, isso traria uma má fama para o


estabelecimento, concorda? Eu não gostaria que o The Hills
ficasse com fama por ter garotas que recusam clientes, se é
que me entende.

Assenti com a cabeça outra vez.

- Então, Mila, acho que você sabe o que eu quero dizer. Sei
que você não está passando por um dos melhores momentos
da sua vida, depois do que a Lauren fez.

Dor. Senti uma dor forte no peito ao ouvir seu nome outra
vez. Ninguém mais falou sobre ela, e eu mesma estava me
policiando para não pensar no seu nome.

Ouvi-lo assim, com tanta naturalidade, trouxe de volta a dor


que eu tentava esconder de mim mesma.

- Mesmo assim - continuou Chloe - todos nós temos nossas


responsabilidades. Eu tenho problemas também, mas não é
por isso que vou faltar com as minhas obrigações. Você é uma
garota responsável, então acho justo esperar que você
também não falte com as suas.2

Ela estava certa, é claro. Mas como explicar a ela que eu não
conseguia mais fazer aquilo? Que motivo eu daria a ela, já
que nem eu mesmo sabia?

Eu poderia dizer como eu me sentia.

Poderia dizer que depois do que aconteceu, eu me sentia


muito mais deslocada e baixa do que antes. Poderia explicar a
ela o pânico, a náusea que sentia ao pensar que deveria ficar
com um cliente agora. Poderia dizer a ela que tudo isso
piorava porque a Lauren simplesmente não saía da minha
cabeça, que a imagem dela me perseguia, que a saudade que
eu sentia dela pesava em meu peito como chumbo, que a dor
de vê-la partir tinha me deixado em um estado deplorável.

Mas ela não aceitaria, porque ela estava certa.

- Chloe... Eu só te peço um pouco de tempo...

- Você sabe que isso eu não posso te dar. Eu não posso


mantê-la empregada se você não consegue trabalhar.

- Eu pago minhas horas.2

Chloe me olhou com um pouco de dúvida.

- O que quer dizer?

- Eu pago meus programas. Pago as oito horas, dezesseis


programas por dia. Eu só preciso de um pouco de tempo...

Tempo para esquecê-la.

- E o que eu ganharia com isso?1

- Você sabe que eu nunca consigo dezesseis programas em


uma noite. Eu pago por todos eles, contanto que você me
deixe ficar aqui. Se você me der um tempo... Eu vou voltar a
fazer o que eu tenho que fazer.

Ela ponderou por algum tempo. Por tempo demais.

Fiquei receosa com a possibilidade de Chloe simplesmente


negar e me colocar contra a parede.

Se ela fizesse isso, eu sabia que iria acabar indo parar na rua.

- Eu sei que foge dos padrões... Mas por favor... Eu preciso da


sua ajuda.

Eu estava sendo absolutamente sincera, e pude ver que ela


entendeu isso.
Chloe me olhou por algum tempo, como se estivesse
analisando a situação, e por um segundo pude notar em seus
olhos um pouco de compaixão comigo.

- Eu sabia que isso não ia dar certo...

Por favor, não toque no nome dela outra vez. Por favor.

- Você não podia ter se deixado levar.1

- Eu sei... Me desculpe... - Senti meus olhos subitamente


serem invadidos por lágrimas antes que pudesse evitar.

Outra vez, ela estava certa.

Eu não poderia ter feito isso, não poderia ter simplesmente


aceitado o fato de me apaixonar.

Em que diabos eu estava pensando, afinal? Será que eu


realmente imaginava que essa história poderia ter um final
feliz? Que terminasse minimamente bem?

Eu era uma prostituta, e ela era interessante, inteligente,


engraçada, rica e linda. Ela simplesmente poderia ter a
mulher que quisesse, a hora que quisesse, então por que
infernos eu realmente achava que não ia sofrer no final das
contas?

Chloe suspirou.

- Eu espero que você fique bem, Mila. Espero que você


consiga esquecê-la. Ela sempre foi só uma cliente.1

Não era o que eu costumava pensar. Ela era diferente dos


outros em todos os aspectos possíveis.

Tinha sido exatamente por isso que eu havia me apaixonado


tão fodidamente rápido por ela, quando pensei que jamais
poderia me apaixonar por alguém que me visse daquele
forma.

Mas no fundo, era verdade. Ela sempre foi uma cliente.

Uma cliente que pagava pelos meus serviços, e que me via


como devia ver, como eu era. Não era culpa dela ser tão
encantadora, não era culpa dela eu ter me permitido ceder
aos encantos dela.1

A culpa de tudo aquilo era minha..

Chloe se levantou, indo em direção à porta.

- Eu vou te dar um tempo. Você paga suas horas, e eu te


deixo livre. Mas comece a pensar no que você vai fazer daqui
pra frente.

Sem dizer mais nada, saiu do quarto fechando a porta atrás


de si, me deixando completamente sozinha e desolada outra
vez.

Fiquei no mesmo lugar por algum tempo, pensando no que eu


faria. Onde aquela decisão iria me levar. Finalmente quebrei o
silêncio do quarto, falando comigo mesma.

- Tudo bem. Você ganhou um tempo para esquecê-la. Agora,


trate de esquecê-la. Trate de esquecê-la. Para o seu próprio
bem.3

***

Eu devia imaginar que se uma cliente era tão importante a


ponto de fazer com que eu me apaixonasse, ela deveria ser
igualmente difícil de esquecer.

Eu não conseguia esquecê-la.


Não importava o que eu fizesse, o quanto me odiasse ou
tentasse odiá-la, o quanto tentasse não pensar nela.

Conforme os dias passavam, eu me forçava sempre mais a


aceitar que precisava parar de pensar nela, mas a cada dia a
saudade também aumentava, fazendo com que a tarefa de
esquecê-la se tornasse impossível.

Era impossível esquecê-la.

Impossível porque eu nunca havia sentido aquilo por


ninguém.

Nunca havia pensado em uma mulher daquela forma, mesmo


ela sendo diferente, ela foi a primeira. A primeira a me
mostrar que aquilo poderia ser tão bom, mas também
doloroso.1

Era simples. Eu não conseguia parar de pensar nela.1

Nem com a ameaça de ter que, a qualquer momento, voltar a


exercer minha profissão, ou seria expulsa daqui. Nem com a
raiva que eu sentia dela, por ter me humilhado e gritado
comigo na frente de tantas pessoas. Nem com as minhas
amigas me dando apoio ou com Chloe me ajudando.

A lembrança dela trazia mais desespero e dor do que eu podia


aguentar, e sua presença fantasmagórica na minha rotina
estava me deixando tão exausta que eu não tinha mais forças
para tentar esquecê-la. Porque quanto mais eu lutava contra
isso, menos eu conseguia.

Eu simplesmente não conseguia deixar de pensar nela, e


sempre me pegava lembrando de qualquer momento que
tenhamos passados juntas.1
Quando isso acontecia, minha mente se deixava levar e eu
mergulhava profundamente em lembranças que me traziam
de volta o cheiro dela, o toque dela, o olhar dela.

Todo dia.

Todo maldito dia.

Eu não conseguia parar de pensar nela, e isso poderia ser até


aceitável se eu estivesse nesse dilema por alguns dias. Mas,
agora, dois meses haviam se passado, e eu estava exausta de
lutar contra mim mesma.5

Eu estava exausta de sonhar com ela e sentir uma decepção


tão grande quando acordava.

Exausta de me perguntar onde ela deveria estar a todo


momento.

Exausta de querê-la tanto, com tanto força, com tanto


desespero.

Eu estava exausta, dilacerada e completamente sozinha.

Tinha que agradecer a Chloe por suas atitudes. Ela me


permitiu pagar apenas dez programas por dia, já que era raro
qualquer garota daqui conseguir mais do que isso por noite.
Além disso, se manteve retirando somente a percentagem
dos lucros que cabia a ela, o que me fez não ir à falência
imediatamente.1

Eu devia tudo isso a ela, mas nada poderia me tirar do estado


em que eu me encontrava agora.

Um estado deplorável de depressão profunda, onde poucas


coisas além de sede, fome e uma bexiga cheia me faziam
levantar da cama.1
Eu certamente estaria muitos mais quilos mais magras se
Selena, Samantha, Scarlet e até Hanna não insistissem tanto
para que eu comesse mais do que meu estômago podia
aceitar.

Era óbvio que quase todas as garotas estavam começando a


ficar realmente preocupadas comigo.

Todas me diziam que eu deveria tentar melhorar, mas elas


deviam saber que quando se está em depressão, a última
coisa que se consegue é ter força de vontade para sair dela.1

Estava sendo muito mais difícil do que eu imaginava fosse


ser.

Agora, depois de tanto tempo longe do meu trabalho, eu


simplesmente não via possibilidade em voltar a fazê-lo. As
coisas haviam ficado muito piores, e eu não sabia como
consertá-las.

Eu estava perdida, e a única coisa com qual eu poderia contar


era a paciência de Chloe.

Mas eu devia imaginar que, como tudo de bom na minha vida,


isso também não duraria para sempre.

- Camila?

- Sim.

Era sábado, início de tarde. Eu estava deitada na cama,


tentando dormir por causa das últimas noites em claro que
tinha passado. Chloe agora entrava em meu quarto, com uma
expressão séria e ligeiramente triste.

- Como você está?


Essa era uma pergunta que me faziam constantemente, e
coma mesma frequência, eu não sabia como responder.

- Melhorando. - Menti.1

- Mila... Já faz mais de dois meses...2

- Eu sei...

- Você acha que consegue voltar?

Eu não conseguia. Só a imagem de mim mesma com outras


pessoas, qualquer cliente que não fosse ela, já causava toda
aquela mistura de sensações horríveis dentro de mim: Nojo,
tristeza, desespero, pavor.

Eu não conseguia. Eu não queria.

Não podia fazer aquilo.

- Não.

Minha voz saiu firme, de uma forma que eu não esperava que
saísse, me pegando completamente de surpresa e ao que
tudo indicava, surpreendendo Chloe também.

- Não?

- Não. Eu não posso, Chloe.... Me desculpe...

Ela me olhava sem expressão, enquanto via agora lágrimas


descerem pelo meu rosto.

As mesmas lágrimas que desceram todos aqueles dias,


sempre pelo mesmo motivo. As lágrimas com as quais eu já
havia me acostumado, e que agora eram a marca do meu
estado de espírito.
Aquelas lágrimas simbolizavam o pouco de tudo o que eu
vinha sentindo por todo aquele tempo, mas agora,
carregavam também a dor pelo que eu sabia que viria a
seguir.

Era uma questão de tempo.

- Eu também peço desculpas, Mila. Mas não posso mais


aceitar você aqui. 4

***

Aquela era a última mala de roupas que eu colocava no banco


traseiro do táxi.

Não sabia sequer de onde tinha tirado a força de vontade


para conseguir colocar tudo que me pertencia dentro das
sacolas e mochilas de viagem, antecipando a hora da partida.

Eu não tinha muitas coisas. As roupas de cama, móveis e


obter decoração que ficavam no meu quarto não me
pertenciam, então só restavam algumas roupas, sapatos,
livros e outros pertences menores para levar comigo.

No total, eu tinha quatro sacolas grandes onde tudo se


misturava.

Muito daquilo eu nem lembrava que tinha.

Na verdade, eu não precisava de muitas daquelas coisas. A


grande maioria das peças de roupa eram próprias para o que
eu fazia, e em raras ocasiões as havia usado.

Lingeries, vestidos apertados e saias justas, todas peças


esquecidas no fundo de algumas gavetas, quando, em um ato
de rebeldia, resolvi me vestir de uma maneira casual e
confortável para receber clientes no The Hills.
Aquele lugar, que agora não era mais meu lar.

Minha estadia ali havia sido rápida, mas foi o suficiente para
que eu pudesse fazer amizades.1

Eu sentiria saudades de Samantha e Scarlet, principalmente.


Elas estiveram do meu lado em momentos importantes, e
agora eu não sabia como seria sem elas.

Mas não me restava muito mais coisas a fazer, por isso optei
por uma despedida rápida e objetiva.

No estado em que me encontrava, mais sensível que o


normal, não consegui conter as lágrimas ao falar com cada
uma das meninas que me fizeram companhia por esse curto
período de tempo, mas consegui fazer com o que o drama
durasse pouco.

- Vou sentir saudades suas. - Disse Scarlet aos prantos,


enquanto me abraçava na cozinha.

Optei por não responder, temendo que a tentativa de emitir


som acabasse com o pouco do controle que eu tinha e me
fizesse, também, me debulhar em lágrimas.

- Sabe o que eu acho? - Começou Samantha, sorrindo


esperançosa enquanto fazia mais força para não chorar do
que queria admitir - Acho que você vai ficar bem. Você é
forte, sabe se cuidar.1

Eu poderia responder que não, eu não sabia.

Estava perdida demais, triste demais e sozinha demais para


saber o que fazer da minha vida, como iria me virar dali para
frente, quais seriam os planos e qual era o momento para
começar a traçá-los.
Eu estava perdida, mas não quis falar.

Isso traria preocupação desnecessária da parte delas, e


embora eu precisasse de alguém, não poderia dar esse peso a
pessoas que não eram responsáveis por mim.

- Quando souber onde vai ficar, nos avisa?

Apenas assenti com a cabeça, ainda evitando falar para que o


choro, agora dolorido na garganta, continuasse preso.

Eu havia mentido quando disse que não sabia para onde ir.

Iria para o lugar onde Chloe havia me achado.2

Era possível que eu arranjasse algum lugar para ficar por ali,
enquanto tentava dar um jeito na minha vida. A vizinhança
não era agradável, mas os aluguéis não eram caros, o que era
bom porque eu não procurava nada luxuoso e estava em
contenção de gastos, já que havia perdido uma boa
quantidade de dinheiro ao pagar meus próprios programas
para Chloe.

Mas ninguém precisava saber disso.

Querendo apressar as coisas, dei um último abraço em


Samantha e saí pelas portas do fundo, onde o táxi já me
esperava.

Era mais uma despedida. Mais uma triste despedida, como


tantas outras na minha vida. Mas que despedida não é triste? 1

Sem olhar para trás, entrei no carro e parti.

Paguei o valor que o taxímetro indicava e saltei, arrumando


as bolsas e mochilas nos ombros.
Caminhei para dentro com um pouco de dificuldade, notando
que aquele lugar não havia mudado em praticamente nada.

As paredes ainda eram encardidas, a pintura de um amarelo


escuro desagradável.1

A mulher que me olhava do último degrau, na porta do prédio,


mantinha uma expressão desagradável no rosto, quase
indiferente a mim.

Chegando no último degrau, repousei as bolsas pesadas no


chão e encarei-a.

- Sabe onde posso encontrar o responsável...

- Sou eu. Só tenho dois apartamentos vagos.2

- Tudo bem. Qual é o mais barato?

Dois minutos depois, já estava arrumando minhas malas


enfileiradas de uma forma que desse um pouco mais de
espaço ao apartamento, que consistia em um cômodo grande
sala-quarto-cozinha com bancada e um banheiro menor.

Tudo que decorava o ambiente era um sofá-cama marrom,


um móvel pequeno e gasto comportando uma TV que eu
duvidava funcionar e uma geladeira velha.

Eu lembrava que não havia burocracia naquele lugar, então


todo o acordo entre as partes consistia no hóspede pagando o
aluguel em dia para o proprietário, do contrário seria
automaticamente expulso.

Naquele momento, era o que eu podia ter.


Me lembrei que eu tinha que começar a procurar alguma
coisa para fazer, antes que minha vida terminasse de
desmoronar.

Deitei no sofá e encarei o teto por algum tempo.

Eu tinha que começar a tomar atitudes e sabia disso, mas


minha força de vontade era quase tão grande quanto a de um
toco de madeira. Eu não queria fazer nada, não sentia
vontade de nada, e desejei profundamente que pudesse viver
como uma planta, me alimentando apenas de luz.1

Mas a vida não era perfeita, então eu precisava fazer alguma


coisa, e rápido. Tinha que começar a procurar um emprego o
mais rápido possível, e rezar para que conseguisse alguma
coisa, qualquer coisa que pudesse me manter naquele lugar.

Eu não tinha planos para longo prazo.

Não tinha planos de nada, e isso me fez notar como vinha


vida estava na merda profunda.

Simplesmente não havia o que esperar, não havia um


objetivo. Meu único objetivo, dia após dia a partir de agora,
seria continuar viva.1

Eu sempre acreditei que todas as pessoas vêm ao mundo com


um propósito. Eu encontraria o meu, cedo ou tarde. Até lá, a
única coisa que eu tinha que fazer era continuar vivendo.

Continuar sobrevivendo.

De repente, senti saudade da época que isso parecia ser


fácil...1

Eu lembrava da última vez que havia saído para procurar um


emprego.
Com a educação profissional interrompida pelas tragédias da
minha vida, não havia muitas opções.

As chances de uma mulher sem ensino médio concluído eram


menores que as dos homens, porque homens quase sempre
tinham o curinga de um emprego braçal.

Mas eu era uma mulher. Uma mulher que nunca na vida havia
trabalhado em algo que não exigisse meu corpo como parte
do acordo, então as coisas eram mais difíceis.

Ou isso, ou meu estado de espírito insistia em me dizer que


absolutamente tudo o que eu tentava era impossível de
conseguir.1

***

Durante algum tempo, procurei em lanchonetes e bares


vagas para garçonete.1

Procurei vagas de atendente em lojas, balconistas ou


vendedores. 

Os empregadores normalmente exigiam currículo ou carta de


recomendação para profissões como secretárias até de
consultórios de pequeno porte ou ajudante de veterinário.

Enquanto isso, eu tentava conciliar o dinheiro que mantinha


na conta bancária, em constante decadência, com meu dia a
dia.

Optei por não pagar conduções em excesso e gastar somente


com o necessário.

Como minhas condições exigiam, não era viável procurar


emprego em lugares muitos distantes, já que isso me traria
gastos além dos que eu poderia ter, então minha área de
procura estava restrita àquela parte da cidade, onde
ironicamente não havia quase nada.1

Continuei procurando por pequenas tarefas que poderiam me


dar algum retorno financeiro, mesmo que fossem instáveis ou
temporárias, mas isso também parecia der difícil de
encontrar.1

Somado isso, veio a cobrança do primeiro aluguel, coisa que


eu teria facilmente esquecido caso não tivesse sido
rudemente lembrada. 

Como resumo dos meus dias, eu tinha manhãs e tardes


ocupadas por tentativas fracassadas de emprego, enquanto a
noite me servia um prato cheio de nada a ser feito, o que me
dava tempo demais para pensar em coisas demais.

Pensar em coisas ruins, me lamentar por coisas passadas, não


acreditar em melhorias futuras.

De fato, minha depressão estava tomando proporções


maiores a cada dia, e era visível minha completa apatia pela
vida. Eu não tinha motivos para me empenhar em fazer
absolutamente nada, não tinha pessoas as quais pudesse
contar, não tinha sequer inimigos para odiar.1

Nada era realmente importante, e eu temia estar entrando


em um estado vegetativo irreversível.

Isso era notório especialmente pelos empregadores que me


recusavam qualquer proposta.

Muitos foram sinceros ao falar que simplesmente não viam


em mim vontade alguma de fazer coisa alguma, e que '' esse
não era o perfil procurado. "
Mas embora fosse compreensível, eu simplesmente não tinha
forças para mudar. No fundo, eu não tinha motivos para
mudar, e mesmo que o motivo fosse '' arranjar emprego, '' no
final das contas isso também não tinha um porquê.

Frequentemente eu entrava em espirais de pensamentos


negativos, e me perguntava quando foi o momento exato em
que minha vida deixou de fazer sentido. Mas o pior de tudo
era não ter ninguém para me convencer do contrário.1

O maior dos meu problemas era ter tempo demais para


pensar demais. Isso provavelmente não faria muitos danos a
alguém com uma vida normal, mas infelizmente esse não era
o meu caso. Então, em momentos vazios do meu dia, eu me
pegava pensando em coisas que eu não devia pensar.

Fossem elas lembranças, sonhos impossíveis ou pensamentos


aleatórios, todas acabavam fazendo com que eu saísse no
prejuízo, e talvez a parte mais patética disso tudo era o fato
de não ter o menor controle sobre minha própria cabeça. Por
isso, não eram raros momentos em que eu sabia que não
deveria estar lembrando de certas coisas, mas mesmo assim
continuar pensando nelas. E o pior de tudo, sentir saudades.

Não havia mais como negar: Eu já não fazia o menor esforço


para parar de pensar nela, e eu sabia o quão ridículo isso era
porque havia problemas demais na minha vida, coisas mais
urgentes com as quais eu deveria me preocupar. Mas a
lembrança dela simplesmente insistia em tomar conta de mim
como uma força superior, e eu não tinha condições de negá-
la, mesmo que em pensamento.1

Assim, meus momentos de reflexão consistiam basicamente


em pensar nela, lembrar dela e mesmo depois de tudo, ainda
querê-la. Mesmo sabendo que era impossível. Mesmo
sabendo que desejá-la só me tornava mais fraca e infeliz a
cada dia.1

Vez ou outra a razão surgia em mim, então eu usava o pouco


da fé que tinha para pedir que eu pudesse esquecê-la.

Mas não era assim tão fácil.

Então, além de uma vida completamente sem sentido, eu


também tinha que lidar com o fantasma dela me
assombrando todos os dias e todas as noites, me deixando
perigosamente vulnerável a uma mera lembrança.

Minhas noites mais recentes haviam sido passadas em claro,


fruto de minhas preocupações ou da minha depressão quase
crônica.

Quando meu corpo se rendia ao cansaço, na maioria das


vezes minha cabeça não tinha forças para sonhar, mas
eventualmente lampejos dela vagavam pela minha mente,
tornando meus sonhos um pouco mais prazerosos.
Ironicamente, isso só fazia com que, por contraste, minha
realidade fosse muito pior.

Eu queria esquecê-la, mas uma pequena parte um tanto


masoquista queria manter um pouco dela guardada comigo,
porque era ali que se encontravam alguns dos momentos
mais simples da minha vida, e de uma forma ou de outra,
felizes.

Era uma pena que tudo havia acabado de uma forma tão
triste e amarga, mas ainda sim, não deixava de ter sido doce
um dia.
Era tudo que havia restado. Um amargo forte que temperava
cada dia, cada tentativa e cada fracasso.

E era com esse gosto que eu acordava todas as manhãs,


quando conseguia dormir.

- Um novo dia, Camila.

Eu havia desenvolvido a mania de falar comigo mesma, já não


tinha um animal de estimação ou uma bola de vôlei para me
fazer de companhia. Era importante me manter lúcida, e além
disso, eu poderia checar se minhas cordas vocais não
estavam atrofiando gradativamente com a falta de uso.2

- Adivinha o que você vai fazer hoje?

A mesma coisa que eu fazia todos os dias ultimamente.

- Exatamente. E hoje você vai se sair bem, porque é seu dia


de sorte.4

Hoje seria o meu dia de sorte, e com esse pensamento na


cabeça, era uma boa maneira de começar o dia.

É isso aí. Nada como o poder da indução.

Ultimamente, boa parte das minhas horas matinais eram


desperdiçadas por causa da minha enorme falta de vontade
em levantar. Assim, meus dias vinham começando mais tarde
do que deveriam para uma pessoa desempregada.

Por isso, eu pensei que fosse ser um bom sinal aquela manhã
ter sido diferente. Acordei mais bem disposta e mais confiante
do que o normal, o que poderia ser sinal de mudanças boas
na minha vida.
Mas eu deveria ter mantido meu ceticismo em assuntos
relacionados a sortes e coisas do tipo. Não pelo fato de agora
serem aproximadamente 18h e eu não ter conseguido nada.

Era o que acontecia todos os dias, portanto isso não era sinal
de azar, mas sim uma constante irritante.

O problema era no que estava por vir.1

- Veja bem, eu não sou o dono daqui, sou apenas o gerente.

- Mas o senhor não pode me ajudar?

Havia poucas pessoas no lugar. A lanchonete era clara e


alegre, o que contrastava fortemente com o ar triste e feio
daquela rua escura. O bairro era vizinho ao meu, e ainda que
fosse pobre, já apresentava uma aparência
consideravelmente melhor. Se eu conseguisse algo ali, seria
um bom lugar porque, além de não ser longe, era bem mais
agradável.

- Você disse que não tem experiência.

Era verdade, eu não tinha experiência nenhuma, em nada.


Nada além daquilo que eu tentava fugir.

- Mas eu prometo que vou me empenhar.

- Nós não estamos precisando de outra garçonete, moça.

Eu estava a ponto de ajoelhar ali mesmo e implorá-lo para


que pudesse ter uma chance. Aquela tinha sido, até agora,
minha melhor oportunidade.

- Por favor, me deixe tentar por algum tempo.

O homem agora me olhava com um pouco de pena. Eu estava


desesperada e falava com toda a sinceridade da alma, então
esperava que ele acreditasse no meu empenho e pudesse me
ajudar de alguma forma.

- Olha, o dono deve estar chegando por agora. Ele vem


sempre no final da tarde ver como foi o balanço do dia, então
você pode falar com ele. Eu não tenho muita lábia, mas vou
tentar convencê-lo, ok?

Aquilo me animou. Era a primeira vez que eu tinha uma real


oportunidade, então concordei e agradeci exageradamente,
enquanto sentava na sala dos fundos a qual o homem havia
me levado.

Senti-me um pouco nervosa com aquilo, porque seria algo


como uma entrevista. Eu poderia colocar tudo a perder, por
isso tentei me concentrar e pensar em respostas boas para
perguntas aleatórias, quando meu possível empregador
chegasse e resolvesse fazê-las.

Devo ter ficado ali por algum tempo, tentando me concentrar


e me manter tanto calma quanto otimista, e não notei quando
já não estava mais sozinha na sala.

- Boa noite. - Disse o homem.3

- Boa noite. - Respondi, me levantando - Meu nome é Camila.

Notei que ele olhava de forma estranha para mim, então me


correu um leve arrepio por toda a extensão da espinha. Seus
olhos estavam focados em mim, enquanto um sorriso meio
debochado brincava em seus lábios.

- Olá, Camila.
Ele continuava com o sorriso estranho, me encarando como
predador. Eu poderia até dizer que o conhecia de algum lugar.
Talvez já o tivesse visto antes, mas onde?4

- Sente-se.

Obedeci, sentando-me novamente na cadeira ao meu lado, e


o vi arrastar outra cadeira para perto, imitando meu ato logo
em seguida. Notei que ele estava de frente para mim,
inclinado em minha direção, enquanto me analisava de cima
a baixo.

Ele estava perto demais. Desconfortavelmente perto.

- Então, o que você quer aqui? Meu empregado disse que


queria falar comigo sobre um emprego.

- É... - Comecei, desviando o olhar dele e encarando agora


minhas mãos - Eu não tenho experiência como garçonete,
mas posso prometê-lo que vou me esforçar para fazer tudo
certo.

Ele se inclinou mais em minha direção, e no mesmo momento


que sua boca foi parar em minha orelha, senti uma de suas
mãos em minha coxa esquerda.

- Eu sei bem em que você tem experiência, Camila.2

Estaquei em choque, enquanto lutava para assimilar suas


palavras.

Ele me conhecia. Ele sabia o que eu era.1

- Da última vez que te vi, você não estava assim tão magra,
mas ainda lembro de você. Foi uma das melhores noites que
eu passei naquele lugar, sabia?
Ele tinha sido meu cliente. Eu não lembrava exatamente dele,
não sabia seu nome, mas tinha a impressão que o tinha visto
em algum lugar.

E onde mais haveria de ser?

- Eu... - Comecei, mas não sabia ao certo o que falar. Eu


queria que ele saísse de perto de mim, queria que ele parasse
de falar coisas ao pé do meu ouvido enquanto ia subindo sem
cerimônias suas mãos pelas minhas pernas, mas não
conseguia me mexer. Eu estava em pânico, e por mais que eu
quisesse, tomara uma atitude era impossível.

- Eu não... Eu só queria....

- Sabe o que eu acho? Acho um desperdício. Você é tão boa


no que faz...

Por que ele tinha que lembrar de mim? Por que ele tinha que
me conhecer?

- Não pode jogar fora um talento tão bom assim, querida.


Onde já se viu, uma menina tão habilidosa deixar isso de
lado?3

- Eu não faço... mais... Vai me dar o emprego?

Senti o riso debochado dele no meu pescoço, e estremeci.

- Não posso permitir que uma puta trabalhe na minha


lanchonete, paixão. Tente entender. Mas se você quiser
oferecer outros serviços...4

Dizendo isso, ele segurou rudemente minha mão e com força,


a apertou contra sua ereção.1
Aquilo foi o gatilho para que meu sistema nervoso fizesse
alguma coisa e me permitisse ter alguma reação. Levantei
extremamente rápido, o que fez com que eu derrubasse a
cadeira na qual estava sentada. Ele continuou me olhando
com um sorriso debochado no rosto, enquanto me olhava
outra vez de cima a baixo.

Antes que eu pudesse me dar conta, saí correndo da sala,


esbarrando com o homem que havia me atendido antes. Ele
notou meu estado de desespero, mas obviamente não
entendeu o que estava acontecendo.

- Sinto muito, espero que você consiga o emprego em outr...

Eu já estava na porta que dava para a rua, e não parei um


segundo sequer para olhar para trás, enquanto desviava de
algumas pessoas despreocupadas. Subitamente senti meu
rosto mais frio, então percebi que ele estava molhado. Eu não
notei quando as lágrimas haviam começado a descer, mas
não importava.

- Merda! Merda de azar! Por que nada dá certo na porra da


minha vida? - Falei para mim mesma, ainda caminhando
rápido, sem um destino certo.

Algumas pessoas me olhavam como se eu fosse algum animal


de circo, e a vontade que eu tinha era de mandar todos irem
à merda.

Estigma. Desgraça.1

Meu passado seria sempre uma desgraça na minha vida, e eu


teria sempre que fugir dele, me esgueirando entre um canto e
outro para que ele não me seguisse onde quer que eu fosse.
A dúvida era se eu poderia fugir dele para sempre, se poderia
contar sempre com a sorte, ou se teria que aceitar que as
coisas como as que acabaram de acontecer poderiam
acontecer outra vez.

Eu não conseguia conter as lágrimas que teimavam em cair,


mas não era como se eu realmente estivesse tentando. Eu
simplesmente não me importava mais com nada, porque
nada tinha mesmo importância nenhuma.1

***

Depois de muito tempo e provavelmente uma longa


caminhada, olhei em volta e notei que não sabia onde
estava.1

Tudo bem, isso era só mais uma das coisas ruins que sempre
me aconteciam, e eu já estava me acostumando com aquela
maldita falta de sorte.

Sentei em um banco e tentei me acalmar, porque eu não


conseguiria encontrar o caminho de volta se não estivesse
raciocinando direito. Infelizmente, a tentativa de foco só fez
com que uma raiva intensa se apoderasse de mim, e junto a
ela, uma indignação maior que a que eu vinha sentindo
durante todo esse tempo.

Eu estava irada, inconformada e miseravelmente infeliz.

Estava acabada, estava cansada de tentar ser outra pessoa.


Cansada de falhar, de tentar e nunca conseguir nada.
Cansada de não ter uma chance, cansada de ser humilhada e
diminuída.

Mas no final das contas, era só o que eu era.


Uma puta.

E uma puta não poderia ser outra coisa além de puta.

Eu deveria saber disso.

Fiquei de pé. Sequei as lágrimas e decidi que não importava


mais. Eu seria o que tinha que ser, porque era só para isso
que eu servia, se era só isso que eu conseguia fazer, então
seria desse jeito.

Eu sabia que agora adotava uma expressão dura e vazia, e se


minha expressão espelhasse o vazio que sentia, eu deveria
estar assustadoramente neutra e sem vida.

Mas não importava. Nada importava.

Precisei de algum tempo para me localizar.

Peguei o ônibus errado, o que me deixou longe de casa, mas


não reclamei.1

A partir de agora, eu não aceitaria ou deixaria de aceitar o


que quer que acontecesse comigo. As coisas simplesmente
aconteceriam, e eu só estaria ciente delas.

Eu entraria no piloto automático. Aquele que não me permitia


ter emoções ou pensar nela.1

Seria irreversível.

Cheguei em casa perto das 20h. Me dirigi ao chuveiro


mecanicamente, enquanto tomava minha decisão, pensando
o mínimo possível sobre ela e sobre as consequências que ela
traria.

Não sabia quanto tempo o banho havia durado. Simplesmente


agi sem pensar em nada, e possivelmente poucos minutos
depois eu abria a minha mala, tirando de lá a primeira peça
de roupa vulgar e chamativa à vista.

Um vestido azul curto e justo. Uma peça que eu nunca havia


tido a coragem de usar.1

Perfeito.

Vesti-o rapidamente, procurei por um par de sapatos altos


que completariam o visual "piranha barata."

Sem me olhar no espelho, busquei meu kit de maquiagem,


outra coisa raramente usada por mim. Voltei ao banheiro e
escovei os cabelos, ainda no piloto automático, sem olhar
para o meu próprio rosto no espelho.

Acabada a etapa do penteado, escolhi as sombras mais


escuras e delineei meus olhos com elas. Quando a produção
em ambos os olhos pareciam iguais, escolhi o batom mais
escuro e um blush vivo.

Sem saber qual era o cheiro, espirrei o perfume do frasco


dourado pelo corpo, então finalmente prestei atenção ao meu
reflexo.

Eu não sabia quem era ela.

Era uma estranha, mas me encarava como se me conhecesse


há tanto tempo.

A mulher do espelho não era eu, mas talvez dentro dos olhos
castanhos, um resquício do que eu fui ainda existisse.

Talvez. Mas agora, não havia ninguém ali.

Ninguém além de uma puta.1

***
Caminhei devagar pela rua, enquanto tentava me lembrar do
caminho para onde estava indo. Antigamente eu teria rezado
para que ninguém me visse sair do prédio ou que as calçadas
estivessem desertas àquela hora, mas hoje eu não me
importava.

Eu simplesmente não pensava em nada, e enquanto


caminhava despreocupada pela calçada, minha cabeça
parecia estar estranhamente vazia. Vazia de uma forma que
eu nunca havia sentido, como se meu cérebro de repente
tivesse parado de querer pensar e agisse de forma
automática.

Por um lado, era bom. Não pensar fazia com que eu não me
lamentasse e não sofresse.

Algum tempo depois, só Deus poderia dizer quanto,


finalmente cheguei à rua que eu conhecia.

Aquele lugar era o lugar em que eu tinha passado muito


tempo trabalhando antes de Chloe me achar e me levar para
o The Hills.

Nada havia mudado. As calçadas ainda eram sujas, fruto do


final de um dia tumultuado e cheio. Aquela via comportava
multidões durante o dia, que corriam de um lado para o outro
e deixavam ali suas marcas. As paredes eram escuras, e
todas as lojas de pequeno porte agora se encontravam
fechadas com portas de ferro.1

Aberto, só alguns bordéis baratos e apertados, que piscavam


uma irritante luz vermelha.

Nas portas abertas, podia-se ver alguns casais sem nenhum


pudor ou classe. A rua não era muito movimentada, mas vez
ou outra surgiam clientes que chegavam em seus carros e
escolhiam suas acompanhantes, enquanto os que estavam
em pé aproveitavam a noite ali mesmo.

Espalhadas pelas calçadas, ao longo de todo o comprimento


da rua, podiam  ser vistas mulher e dos mais variados tipos.
Algumas conversavam entre si, enquanto bebiam e
gargalhavam de qualquer coisa.

Outras esperavam sozinhas, fumando um cigarro após o


outro. Todas usavam roupas vulgares e apertadas, e algumas
até ousavam nas transparências.

Aquele panorama abalou um pouco as estruturas do meu


muro de indiferença recém adquirido.

Lembrar daquele lugar era uma coisa, mas vê-lo novamente


nas mesmas condições e estar prestes a reviver tudo outra
vez era outra coisa.

Algo com o qual talvez eu não conseguisse lidar.

Encostei em uma das paredes com falta de ar, tentando mais


do que tudo não pensar em nada.

Tentei inspirar e expirar o ar lentamente e pausadamente,


para oxigenar bem o cérebro e me acalmar. Procurei na bolsa
pequena que carregava algum calmante, mas não havia nada
de útil ali. Tentei ignorar as duas mulheres que riam de mim a
pouco mais de três metros enquanto caminhava para uma
pilastra próxima.1

Ao chegar, encostei meu corpo ali e fechei os olhos, numa


tentativa desesperada de não entrar em pânico.
Eu podia sentir a vontade de chorar me tomar aos poucos, e
eu sabia que se me permitisse derramar a primeira lágrima,
as outras seriam impossíveis de segurar.

Assim, a única coisa na qual eu me controlava era na força


hercúlea que fazia para desmanchar o nó precedente ao
choro na garganta, falando comigo mesma coisas do tipo ''
não seja tão ridícula '' ou '' é melhor você deixar de frescura
antes que seja despejada. ''

De fato, minha concentração era tanta que quase não reparei


no carro que agora se aproximava muito lentamente.

O motorista estava obviamente escolhendo quem ele levaria


para '' um passeio romântico '' aquela noite, e de repente me
peguei desejando intimamente que ele não me escolhesse. 

Era ridículo, eu sabia disso, já que estava lá justamente para


isso. Mas se eu fosse lembrar de todos os momentos como
esse que existiram na minha vida, poderia constatar que em
todos eu havia agido da mesma forma: minha vontade
sempre ia contra meu objetivo.1

Mas eu havia esquecido que Deus parecia estar se vingando


de mim por algum motivo, então o veículo obviamente parou
exatamente onde eu estava, de forma que eu só pudesse ver
o banco do carona pela janela aberta.

Quais eram as minhas outras opções?

Eu não tinha outras opções. Eu simplesmente tinha que fazer


aquilo.

Finalmente, depois de um pouco mais de tempo do que uma


mulher na minha posição levaria, engoli em seco e respirei
fundo, dando um passo a frente e me apoiando na janela do
carro.

Para a minha surpresa, não era um homem e sim uma mulher


e ela não me encarava com luxúria e não trazia no rosto a
expressão de divertimento e abuso de poder que todos os
clientes que por ali passavam costumavam trazer.

Ela me olhava com uma expressão que trazia a mistura de


muitas coisas, as quais poucas puderam ser identificadas:
Raiva. Tristeza. Confusão.

Foram as poucas reações que eu consegui ver naqueles olhos


conhecidos verdes.7

Humilhante.1

Nada no mundo poderia ser mais humilhante que aquele


momento. O momento onde eu finalmente reencontrava a
mulher pela qual vinha sonhando há meses, pela qual estava
ridiculamente apaixonada.

A mulher que havia gritado comigo, dizendo coisas horríveis


na frente de outras pessoas.

A mulher que transformou minha vida em um inferno tão


rápido quanto um piscar de olhos.

A única mulher que se destacava dos outros sem nem


precisar fazer força para isso, e que agora me fazia sentir pior
do que nunca.

Era humilhante.

A vontade irracional que me tomou foi socar qualquer coisa


que estivesse a minha frente. Liberar um pouco de toda raiva
e mágoa que estavam estranguladas dentro de mim talvez
fosse me fazer bem, mas eu estava muito concentrada
naqueles olhos.

Aqueles olhos me prendiam, tinham um poder estranho sobre


mim. Talvez esse poder fosse afetado pela saudade que eu
sentia dela, mas o fato era que eu estava parada feito uma
imbecil, olhando-a sem saber o que dizer, enquanto ela me
encarava de volta.

Por que eu tinha que encotrá-la nessas condições? Por que


justo hoje? Por que justo agora, merda?

Por que não poderia ter sido há algumas horas atrás?

Há alguns meses atrás...2

Mas eu devia mesmo ter feito algo de muito ruim em outra


encarnação, e agora pagava pelos meus pecados. Então, é
claro que ela me encontraria no momento em que eu estaria
desempenhando meu humilhante papel de prostituta de
esquina, praticamente transfigurada com toda aquela
maquiagem, correndo o risco de uma iminente crise de pânico
e choro.

Eu estava agora dividida com vários pedaços de sensações.


Uma parte minha queria morrer, porque assim tudo acabaria
rápido e eu não teria mais que suportar todo aquele mal
estar. Outra parte queria puxar a mulher que ainda me
encarava e socá-la com toda a força, em todas as partes
alcançáveis, por ter me abandonado quando tinha dito que
ficaria ao meu lado. Uma terceira parte queria se jogar nos
braços dela e se enrolar como um gato em seu peito até que
toda a dor, sofrimento e mágoa fossem simplesmente
esquecidos. Uma quarta parte não queria nada, além de
continuar ali.

Seria bom se eu dissesse algo.

Seria bom se ela dissesse algo.4

Mas ambas permanecemos em nossas posições, feito


estátuas, e eu tinha certeza que ela acabaria com um
torcicolo e eu com uma dor na coluna provavelmente
insuportável.

Então lembrei que ela estava ali por um propósito.

Não era justo com ela, nem comigo, nos forçar àquela
situação.

Ela havia me escolhido por algum motivo desconhecido.


Talvez não tenha me reconhecido, já que ultimamente eu
vinha parecendo muito mais com um zumbi do que outra
coisa, além dos meus quilos perdidos e da maquiagem escura
que ela nunca me vira usar.

Ela estava lá por um motivo, e ela havia me escolhido.

O motivo não importava, seja ela porque me reconheceu ou


porque achava que eu era uma puta qualquer. Mas essa era a
verdade incontestável, ela estava lá pra escolher sua
companhia da noite.

Respirei fundo tentando controlar a voz, o choro e a vontade


de vomitar, antes de quebrar o silêncio. Ser era isso que ela
queria, era isso que ela teria.

- Cem dólares.9
A expressão dela, antes indecifrável, passou imediatamente
para um choque tão real que eu pude quase sorrir com o
efeito que havia causado nela.

Seria uma expressão tão engraçada se a situação não fosse


tão repugnante.

Vi que ela ia responder. Não sei se ia soltar um palavrão ou


falar algo que me agredisse ainda mais, mas quaisquer que
tenham sido seus pensamentos, jamais puderam ser ditos.

Vi uma mulher aparecer de repente na outra janela próxima a


ela, e eu pude identificá-la como uma das prostitutas que
riam de mim enquanto eu tentava respirar há poucos minutos
atrás. 1

- Oi, bonitona. Parece que a negociação está complicada, né?


Tempo é dinheiro, então vou te dar mais opções. Meu
programa custa metade do que ela cobrou.3

Claro. A situação não é estava ruim o suficiente. Não bastava


eu me vestir de garota de programa suburbana, ou usar um
perfume barato, ou usar um mini vestido apertado e curto que
mostrava mais do que meu corpo do que o aceitável. Não
bastava eu cobrar para fazer sexo com a mulher pela qual eu
era apaixonada e que só me via como uma prostituta mesmo.
Não bastava nada disso. Agora eu teria que disputar com
outra vadia qualquer pela noite dela.

Novamente, estava dividida em partes que queriam, cada


uma, coisas diferentes. Parte de mim queria entrar correndo
naquele Porsche e apertar o acelerador, de modo que nos
tirasse o mais rápido possível daquele lugar. Uma outra parte
queria esfregar a cara daquela vadia no asfalto. Uma terceira
parte queria virar as costas e ir embora, deixando-a com uma
única opção, que não era eu.

Ela se virou para sua própria janela, ainda relutante em


desviar os olhos de mim e ainda com aquela expressão de
choque e horror no rosto, encarando agora a mulher que
debruçava, como eu, na janela aberta.

- Você, cala a boca!

Ela se levantou rapidamente, parecendo extremamente


ofendida com o tom rude de sua voz, e eu bem sabia que ela
ia começar a xingá-la. Mas dessa vez, ela a interrompeu,
voltando-se para mim com a mesma expressão de raiva que
havia usado com aquela vadia.

- E você, entra no carro!1

Eu queria ter tido um pouco de tempo para pensar no


assunto. Será que eu deveria fazer aquilo? Será que eu
suportaria as consequências? Será que não acabaria mais
machucada do que já estava?

Mas todas essas perguntas foram feitas com o veículo já em


movimento, porque era óbvio que eu havia entrado no carro
imediatamente depois de ouvi-la dizer aquelas palavras, sem
nem pestanejar. Era óbvio, porque eu só tinha duas opções:
Ficar longe ou ficar perto dela.

E não havia a menor necessidade de pensar nem por um


momento naquilo. Embora meu orgulho devesse erguer um
mínimo de resistência contra ela, era simplesmente
impossível a ideia de negar ficar com ela quando eu tinha
essa chance.
Mas agora, dentro daquele carro, sentindo o silêncio
incômodo pesar algumas toneladas sobre a minha cabeça,
sentindo as ondas de eletricidade que emanavam do corpo da
mulher ao meu lado se chocarem com brutalidade contra o
meu próprio corpo, me deixando bastante ciente de sua
presença ali, eu me perguntava: O que diabos estava
fazendo?

Era uma pergunta que eu não poderia responder. Eu queria


saber o que aconteceria a partir de agora, e isso era uma
coisa que só ela poderia me dizer.

E perguntar algo a ela, simplesmente dirigir a palavra, estava


fora de questão. Ainda estava muito cedo para fingir que tudo
estava normal.

Ela dirigia rápido. Eu sabia disso porque o único lugar para o


qual eu conseguia olhar eram as ruas a nossa frente.1

Ela avançou alguns sinais vermelhos, ultrapassou muitos


carros sem poder, fazia curvas fechadas e vez o ou não
cantava pneus. O motivo pelo qual eu conseguia processar
todas essas informações era que minha cabeça estava tão
estranhamente vazia que eu tinha todo aquele tempo livre. 1

Os minutos foram passando, e o silêncio um dia confortável


ao lado dela tornou-se tão insuportável e incômodo agora que
eu estava quase me inclinando para frente e ligando o rádio
do carro.

Não saber o que falar tendo tanto para dizer era uma
sensação horrível.

Prestei mais atenção nas ruas à minha volta, e de repente me


dei conta de onde estava. Não sabia há quanto tempo ela
estava dirigindo - medido pelo silêncio infindável, talvez
algumas décadas - mas agora eu tinha noção de que a
quilometragem do Porsche estava consideravelmente mais
alta, porque eram bastantes ruas a percorrer partindo do
lugar em que eu morava para o lugar que ela morava.

Olhei-a do canto do olho, com receio de virar a cabeça em sua


direção. Notei que ela mantinha uma postura firme e digna,
imponte e controlada, como se tivesse acabado de ter nada
além de um pequeno aborrecimento.2

Ela também não desviou os olhos da rua um segundo sequer,


mantendo-se rígida mesmo nos poucos sinais em que fora
obrigada a parar para não causar acidentes em cruzamentos.

Invejei-a por sua força e sua segurança, e imediatamente me


senti mais patética e ridícula por traçar essa comparação
entre nós e notar que agora meu estado estava próximo ao
pânico.

Tudo bem. Ela está calma, você também deveria estar.

Não é como se você não soubesse fazer o que está prestes a


fazer.

O carro entrou em um lugar fechado, e eu reparei de repente


que estava na garagem do prédio onde ela morava. Paramos
bruscamente, então ouvi o barulho suave do motor, já muito
silencioso, ser desligado e a chave ser puxada com força da
ignição. Algumas frações de segundos depois, ela saía de seu
carro, escancarado a porta do motorista sem nenhum cuidado
e a batendo com força ao sair.1

Ela estava furiosa.


Com o que, eu não sabia.1

E também não deveria ser da minha conta.

Não sei o que me levou a fazê-lo mais imediatamente a segui


para fora do carro, batendo a porta com um pouco menos de
força e apressando o passo para alcançá-la enquanto ela
caminhava com firmeza pela garagem espaçosa, indo de
encontro ao elevador.

Talvez eu eu devesse me incomodar com o fato dela não


olhar para mim uma vez sequer, ou com o fato de parecer
que minha presença ali era tão importante quanto a de uma
barata morta, mas meu medo latente fazia com que eu
recebesse bem essa ausência de atenção.

Eu sabia que no momento em que ela olhasse para mim outra


vez, muitas coisas poderiam acontecer.

Ela exigiria de mim alguma coisa.

Eu perderia um pouco do controle que me restava.

Nós acabaríamos nos agredindo ou eu acabaria chorando nos


braços dela, como a perfeita mosca morta patética que eu
era.

Por hora, ser ignorada era bom. Era mais fácil do que ter que
encará-la e ter que lidar com exigências.

Além disso, teria que lidar também com a tristeza que eu


sabia que me tomaria quando nossos olhares se
encontrassem outra vez.

Eu sabia que não deveria estar tornando aquilo pessoal.


Aquele era só o primeiro programa da minha noite, o primeiro
de muitos que eu passaria ter agora. 2
Além disso, eu lembrava clara e nitidamente de quão enfática
ela tinha sido ao gritar na minha cara que eu era só uma puta.
Eu sabia disso, e permitir que aquele encontro me trouxesse
de volta tantas sensações era perigoso.

Eu não sabia onde estava me metendo, mas mesmo assim


continuei.1

Perto da viagem de carro, o tempo necessário para que o


elevador subisse todos aqueles andares e chegasse na
cobertura havia sido consideravelmente rápido, mas o silêncio
que insistia em pairar no ar entre nós continuava
extremamente desagradável.

Mesmo assim, me convenci que seria bom me acostumar com


ele, já que talvez aquele silêncio pudesse ser a melhor coisa
daquela noite.

Ela saiu do elevador sem hesitar, com as chaves já nas mãos.

Momentos depois a porta já estava aberta, mostrando um


apartamento grande e arejado, num estilo clean e
minimalista.1

Os poucos móveis se misturavam em contrastes, uns brancos


outros negros. Tudo era muito limpo e de muito bom gosto.

A parede oposta da sala era nada mais além de vidro,


estendido de cima a baixo, com portas de correr do mesmo
material que se abriam para a grande varanda.

Mesmo em crise, não pude deixar de notar que seu


apartamento era aquele tipo de lugar que só se vê em
revistas.

Aquela seria a página que eu marcaria como? 


Apartamento dos sonhos?2

Voltei à realidade quando a senti esbarrar em mim, quando


terminou de trancar outra vez a porta e rumou para o
corredor estreito.

Segui-a sem questionar, entrando na porta que ela havia


também entrado, e pude notar que agora estávamos no
quarto dela.

Assim como na sala, a parede lateral trazia por toda sua


extensão placas grossas de vidro. Notei que uma delas estava
pouco aberta, constatando que eram espelhadas. Tão
perfeitamente espelhadas que eu duvidava poder ser visto
algo dentro daquele quarto por qualquer um que estivesse do
lado de fora.

O chão trazia um carpete escuro, que combinava com o


edredom negro que forrava a cama. As paredes eram
extremamente brancas e o armário que envolvia a cabeceira
da cama, marfim. A forma como as cores contrastavam em,
pelo visto, todos os lugares da casa, era de uma elegância
invejável, e eu tinha certeza que estaria admirando mais
aquele ambiente caso tivesse em condições de fazê-lo.

Mas a verdade era que, naquele momento, eu mal tinha


condições de me manter em pé.

Encarei suas costas, enquanto ela olhava pela parede de vidro


a cidade lá fora. Eu podia ouvir sua respiração mais pesada do
que o normal, e constatei que ela também não devia estar
muito bem.

Ótimo. Era bom saber que eu não era a única pessoa


angustiada naquele lugar.1
Me perguntei o que deveria fazer.

Não que eu tivesse esquecido de como agir em situações


assim, mas aquele caso era uma exceção, porque ela não era
uma cliente normal. Ela era ela, e eu simplesmente não sabia
como proceder. Se estivesse em um programa com um
cliente qualquer, eu sabia que já teria que ter tomado uma
iniciativa de aproximação e sedução, porque grande parte dos
clientes pagava também para sentir a sensação de não ter
que correr atrás. Era óbvio que quem tinha que começar
qualquer coisa seria eu, mas como?1

Não estava tudo bem.

Além disso, eu não teria muita certeza do que ela queria.

Era difícil, mas eu tinha que fazer isso. Eu tinha que


desempenhar meu papel, porque, em primeiro lugar, foi por
isso ela que me escolheu. Não adiantava ficar lembrando do
passado. Não adiantava vê-la como mais do que uma cliente.
Não adiantava tornar aquilo pessoal, porque só aumentaria
meu sofrimento depois que tudo passasse.

Mas era impossível não sentir aquilo.

Eu poderia fingir para ela, mas não para mim. Para ela seria
um programa, para mim seria um pouco mais do que isso.

Foi só quando ela se virou, evitando propositalmente meu


olhar, que eu percebi que havia dado alguns passos em sua
direção. Seu movimento me fez parar imediatamente, então
como eu não sabia o que fazer esperei.

Sua expressão era dura e fria. Era a mesma expressão que eu


lembrava ter visto da última vez, há meses atrás. Uma
expressão carregada de raiva, rancor e quase
imperceptivelmente, um pouco de confusão. Mas eu tinha
experiência com aquela expressão, então sabia o que
esperar.

Sabia que nada de bom poderia vir dali.1

Ela respirou fundo, enquanto visivelmente tentava não


explodir, e enfim quebrou o silêncio.

- Tome um banho. Tire essa roupa vulgar e esse perfume de


puta barata. Lave o rosto para que eu não sinta nojo de falar
com você.11

Certo. Era mesmo um pouco daquilo que eu esperava, no final


das contas.

Mas é quando você ouve todas as palavras que a dor


verdadeira te atinge, então mesmo esperando por aquilo,
suas palavras me atingiram como um chicote outra vez.

Exatamente como da última vez.

Eu poderia mandá-la ir a merda e sair dali imediatamente.


Poderia me negar a receber ordens dela, ou então ignorá-la e
exigir dela uma explicação por todo esse tempo que esteve
ausente. Mas eu estava tão machucada, dominada por uma
exaustão mental tão grande, tão intensa que aceitei.2

Me movi em direção à porta a minha esquerda, usando o


resto da minha força de vontade para me manter em pé. Ao
entrar, tranquei a porta imediatamente tirei as roupas e os
sapatos que usava. Segundos depois, estava embaixo de uma
ducha de água morna, que me molhava enquanto minha
cabeça finamente optava por parar de pensar. Agora a euforia
em reencontrá-la havia ido embora, tudo que restou foi o
vazio ao constatar que a Lauren de agora era uma mulher que
fazia questão de esquecer que um dia me conheceu e que
parecia se importar comigo.

O choro veio rápido demais para que eu pudesse contê-lo,


então lágrimas se misturavam com a água que escorria pelo
meu rosto. Deixei que elas saíssem, como se fossem um
pouco da tristeza que eu sentia indo embora de dentro de
mim. Fechei o olhos e senti a força da água bater na minha
pele, como se pudesse me deixar mais forte e mais viva.
Alcancei o sabonete e esfreguei com força todas as partes do
meu corpo. Sentia uma dor quase física no peito, e lutei
contra o choro para que ele não atingisse níveis maiores que
me fizesse soluçar.1

Me sequei com a toalha branco ao lado do box e sem pensar


se poderia fazê-lo ou se seria adequado, alcancei o casaco
branco pendurado atrás da porta e o vesti.

A peça de roupa ficava enorme em mim, cobrindo todas as


partes necessárias. O moletom tinha o cheiro dela, e senti
uma raiva profunda de mim mesma por me permitir gostar
daquele perfume.

Me olhei no espelho e constatei meu atual estado.

Não era bom.

Havia manchas de maquiagem escura borrada remanescente


do banho que agora desciam pelas maçãs do meu rosto, me
dando uma aparência gótica-suicida.
Meu nariz e olhos estavam incrivelmente vermelhos e
marcados pela recente crise de choro, e meus cabelos
estavam embolados.

Limpei toda a maquiagem borrada e penteei o cabelo com os


dedos.1

Peguei as roupas que eu usava e pendurei onde há pouco


estava o casaco de moletom agora em mim. Não sabia se o
perfume ainda estava entranhado na minha pele como antes,
mas não me importei.3

***

Capítulo 8

Pov Camila

Saí do banheiro sem emoção alguma, e a vi agora apoiando


uma das mãos no vidro, novamente de costas para mim.

Sua postura parecia tensa, e pela carga tão grande de energia


que emanava dela, eu poderia até dizer que ela estava
odiando aquela situação tanto quanto eu. Mas ninguém
poderia estar pior do que eu naquele momento. Nem dentro
daquele quarto, nem fora dele.

Me mantive de pé, encarando sem vida suas costas, enquanto


esperava que ela me dissesse o que queria de mim. Se antes
o fato de ser ignorada não me incomodava, agora eu queria
atenção. Só queria fazer o que tinha que fazer logo e ir
embora dali o mais rápido possível.
- Senta.

Fui surpreendida por sua voz rouca, rasgando o silêncio do


quarto bruscamente, mas me recuperei do susto rapidamente
e fui sentar na beirada da cama alta.

Ela se virou para me encarar, e embora sua postura


continuasse controlada e rígida, houve um vacilo bastante
óbvio em sua expressão indiferente quando os olhos dela
encontraram os meus. Sentindo que seu muro de resistência
poderia estar começando a ruir, ela se apressou em falar.

- Por que saiu do The Hills?

- Porque eu não podia mais continuar lá. - Respondi


imediatamente, me surpreendendo com a calma e a falta de
vida em minha voz.

- Por que não?

- Por que está tão curiosa?

- Quero saber o que de tão grave assim aconteceu para te


fazer sair de lá e preferir fazer programa com qualquer um
em qualquer esquina.2

- Preferir? Você acha que eu prefiro? Acha que eu estaria


dessa forma se tivesse opção?

Eu deveria estar gritando com ela, pelas suas conjecturas


absurdas e estúpidas, e porque ela não sabia de nada. E
porque ela não tinha o direito de querer saber nada sobre a
minha vida. Não depois de me abandonar.

No entanto minha voz continuava calma e fraca, como se eu


estivesse tendo uma conversa agradável sobre aquele grupo
que eu gosto Blackpink.9
- Então por que saiu? Por que estava naquela esquina imunda,
daquele jeito? Por que se prestou a esse papel?

- Porque eu sou uma puta.7

Pela segunda vez naquela noite, vi minhas palavras atingirem


ela em cheio, e pela segunda vez o choque tomou conta de
sua expressão. Mas dessa vez, além de choque, havia
também um inconfundível traço de culpa em seus olhos, e eu
sabia o motivo. Meu objetivo não era atingi-la, mas foi
impossível não lembrar que aquelas mesmas palavras foram
as últimas coisas que ouvi dela antes que me abandonasse.

Era bom saber que eu também conseguia despertar alguma


reação nela. Assim não me sentia em desvantagem pelo fato
de que quase tudo que ela falava me atingia com uma força
insuportável, fazendo com que eu mal conseguisse me
manter de pé a cada pancada. Era bom saber que ela não
estava tão bem, tão indiferente e tão controlada como
parecia.

- Você não era assim...

A postura dela estava mudando aos poucos. Agora, ela não


parecia tão segura, mas sim alguém que quer convencer a si
mesma, que tudo está sob controle. Os olhos dela eram
menos frios e pelo modo de não saber onde colocar as mãos,
eu poderia dizer que ela estava nervosa.

- Eu mudei.

- Eu estou vendo.

- Não ouse me julgar. - Falei, ainda muito calma, e senti uma


lágrima descer pelo rosto antes que eu pudesse evitá-la.
Desviei o olhar dela mecanicamente, olhando agora para o
chão.

- Não estou te julgando... Só não quero te ver desse jeito...

- Não me venha com essa palhaçada. - Minha calma estava


começando a assustar a mim mesma - Você não dá a mínima
pra mim, ou para as coisas que eu faço.

- Você não sabe de nada!

- Não, você não sabe de nada. Nada do que eu tive que


passar por sua causa. Você não tem o direito de se preocupar
comigo, de forma alguma, depois do que fez.

- Não importa se eu tenho ou não o direito, eu me preocupo!2

- É mentira.

Ouvi sua respiração inconstante, como se ela estivesse


perdendo o controle que fingia ter durante todo esse tempo e
fosse explodir. E eu estava torcendo para que isso
acontecesse, porque só assim tudo o que não foi dito seria
colocado para fora por ambas as partes naquela discussão.

- Não é ment...

- É mentira. Sabe há quanto tempo você desapareceu? Sabe


há quanto tempo estou por aí, sem ninguém nem saber que
eu existo? Como você ousa dizer que se preocupa comigo?1

Eu não vi sua expressão, porque não estava olhando para ela.


Minhas lágrimas agora caíam livremente, escorrendo pelo
queixo e caindo no casaco dela, e eu não queria encará-la
para que ela visse nos meus olhos toda a fragilidade que eu
tentava esconder.
- Você não sabe das coisas! Não sabe pelo que eu também
passei!

Sua voz tinha atingido um tom de desespero inconfundível, e


me deliciei em fazê-la perder o controle enquanto minha
calma atingia um nível assustador. Mas não acreditava que
ela estava mesmo comparando nossas situações.

Sorri, mesmo sem a menor vontade, ainda encarando o chão


e sentindo toda a vida que ainda existia em mim se esvaindo
com o que eu estava prestes a fazer.

No final das contas, a única coisa digna que eu faria aquela


noite era contar a ela a verdade. Meu orgulho seria
praticamente assassinado, mas se ainda havia algo nobre em
mim, em tudo que eu sentia, então eu diria a ela. Mesmo
sabendo que nada mudaria, que nada melhoraria.1

Mesmo sabendo que provavelmente eu me sentiria ainda


menor. Mesmo sabendo que ela poderia reagir de uma forma
que me humilhasse ainda mais.

- Você quer saber o que aconteceu comigo? Aconteceu você.


Desde que você apareceu na porra da minha vida eu vinha
me sentindo melhor, um pouco mais feliz. Você me fez
acreditar que era uma pessoa legal, que se importava um
pouco comigo. Você me fez querer sua companhia cada dia
mais, e me sentir vazia quando não estava com você. Você foi
tão adorável e atenciosa, mesmo com suas mudanças bruscas
de personalidade, que eu não tive como não me apaixonar
completamente por você. E eu sabia que não tinha a menor
chance de fazer isso dar certo, porque eu sabia qual era o
meu lugar e qual era o seu. Mas então você resolveu frisar
isso daquela forma, me humilhando na frente de todo mundo,
deixando claro que eu não seria nada além do que eu era.
Além do que eu sou. Então você sumiu, simplesmente
desapareceu, e isso doeu muito, porque além de eu nunca ter
tido controle algum sobre você, eu acreditei quando você
disse que estaria por perto. Mas você mentiu. Então eu tive
que continuar com a minha vida, mas eu simplesmente não
conseguia parar de pensar em você. Por isso não consegui
fazer mais nada com ninguém desde que você foi embora. A
simples ideia de ter um programa com alguém que não fosse
você me fazia muito mal. Pedi para Chloe me permitir ficar no
The Hills mesmo sem trabalhar. Tive que pagar meus próprios
programas, mas era óbvio que eu não poderia ficar muito
mais tempo lá.

Aluguei um apartamento e tentei dar um jeito na minha vida.


Tentei arrumar qualquer emprego que fosse, mas parece que
eu não sirvo pra nada além do que você sabe que eu faço.
Não consegui arranjar nada que pagasse meu aluguel, então
antes que acabasse não tendo onde morar, resolvi fazer a
única coisa que me dava dinheiro. Eu sei que não é uma
profissão muito agradável, mas sinceramente, ultimamente
não tenho ligado muito pra isso. Hoje foi minha primeira
tentativa, mas é claro que você tinha que ser a primeira a
aparecer pra me ver nesse estado. E durante todo esse
tempo, tive que lidar com o fato de estar completamente
sozinha, e com a sua maldita lembrança que insistia em me
atormentar a cada merda de dia. E sabe o que é o mais triste?
Que mesmo agora eu não consigo deixar de gostar de você. E
mesmo que eu me arrependa depois, mesmo que minha vida
piore consideravelmente depois dessa noite, ainda sim está
sendo melhor estar aqui te contando tudo isso do que eu
simplesmente tivesse me negado a vir com você. Eu isso me
torna lamentável. A verdade é que você me fez ver o quão
patética e fraca eu era, eu posso até me odiar por gostar de
você, por ainda estar apaixonada por você do mesmo jeito,
senão mais, mas não há nada que eu possa fazer.

Porque se eu não consegui te esquecer em tantos meses na


sua ausência, não vai ser agora que vou ter algum sucesso.
Então, você passou por maus momentos durante esse tempo?
Não sei o que aconteceu, mas posso apostar que você não
esteve pior do que eu. Posso apostar que a minha vida está
muito mais difícil que a sua, porque você nunca vai saber
como é se sentir da forma que eu me sinto agora. Nunca vai
sentir tão ridícula, tão digna de pena. Mas se você quiser
fazer algo por mim, termine logo com isso. Você me trouxe
aqui por algum motivo, então vamos logo ao assunto, pra que
eu possa ir embora de uma vez. E por favor, por favor, me
deixe em paz depois disso. Eu tenho que arrancar você da
minha vida, nem que seja a força, antes que enlouqueça de
uma forma irreversível.3

Finalmente me calei, sentindo meu coração bater


dolorosamente no peito e as lágrimas escorrerem
descontroladamente pelo rosto. Não importava a resposta
dela, qualquer uma que fosse. Tudo que eu queria era acabar
com aquilo e poder conseguir respirar outra vez longe dela.

Esperei por sua reação, conseguindo controlar um pouco o


choro e limpando as lágrimas dos olhos. O silêncio do quarto
poderia ter me incomodado e a falta de resposta poderia ter
feito com que eu me sentisse ainda pior, mas isso não
aconteceu. No final das contas, eu sabia que ela
provavelmente não teria o que responder, mas tudo que
podia fazer era esperar. Esperar até que ela me desse algum
sinal de que consentiu com o meu pedido e que eu poderia ir
adiante com o que eu deveria fazer.

De repente, senti os cabelos em minha nuca serem puxados


com violência para baixo, fazendo com que meu rosto
levantasse, e então eu estava cara a cara com ela.

Seu rosto estava poucos centímetros de mim, tão perto que


nossas testas se encostavam. Ela me olhava com uma
intensidade que eu jamais havia visto antes, seus dedos
agora migraram para minha cintura apertando ela, mas não
reclamei.

Tive um momento para sentir o poder que sua proximidade


exercia sobre mim, ficando praticamente hipnotizada por seus
olhos que insistiam em fitar os meus. Sua respiração estava
pesada contra meu rosto, e cada vez mais que ela expirava
eu podia sentir o cheiro de menta do hálito dela, despertando
em mim o nervosismo que havia conseguido evitar durante
toda aquela noite.

Mas o momento foi breve.

Fui atingida pela sua aproximação, sentindo sua boca vindo


de encontro com a minha. 8

Eu estava em choque.2

Fique imóvel, ainda de olhos abertos, tentando assimilar as


informações. Ela parecia absorta em sua tentativa, me
beijando enquanto me puxava cada vez mais para si. Eu
queria estar em condições de me mover, mas nem a dança
impaciente que sua língua fazia foi o suficiente para me tirar
do estado catatônico em que me encontrava.

Fui empurrara para trás pelo peso de seu corpo e caí deitada
de costas no colchão macio com ela ainda agarrada em mim.
Notando que eu não retribuía aos seus beijos, ela se afastou
sua boca minimamente da minha e abriu os olhos, me
encarando agora como quem implorasse para que eu
retribuísse.

Foi então que, como um clique, senti meu corpo todo queimar
de uma vez, quase entrando em um tipo de combustão
instantânea, me tirando do transe e finalmente me puxando
de volta para a realidade.

Me joguei em cima dela e a beijei completamente sem jeito, a


beijava com o toda a vontade que tinha acumulado dentro de
mim. 

Senti-a responder à minha atitude, voltando a se agarrar em


mim, enquanto deixava que seu corpo pesasse
completamente sobre o meu.

Aquele beijo era perfeito.

Absolutamente perfeito.

Não importava quantas vezes eu havia sonhado com aquele


momento, nada do que eu imaginava era minimamente
comparável com isso. Conforme eu me acostumava aos
movimentos de seus lábios nos meus e ao encaixe que sua
língua fazia na minha, mais entregue e rendida eu me sentia,
como se minha vida dependesse daquela conexão.
Era como se tudo pelo que eu tivesse passado tivesse sido
esquecido, e então nada mais era suficientemente
importante, porque ela - ela - estava ali.

Por algum tempo, tudo no que eu conseguia me concentrar


era naquele beijo e nada do que estava fora dele era digno da
minha atenção. Por isso, fui pega de surpresa ao sentir
subitamente uma de suas mãos prender meus pulsos acima
da minha cabeça, enquanto a outra mão deslizava de forma
provocante pela minha barriga, sobre o tecido do casaco.

Fiz força para soltar meus pulsos do aperto dela, mas


obviamente fracassei. Estava a ponto de gritar que ela
voltasse a me beijar, mas não foi preciso, porque no mesmo
momento ela já satisfazia meu desejo, voltando a deslizar sus
língua na minha enquanto subia sua mão da minha barriga
para um dos meus seios.

O beijo ficou ainda mais intenso, e eu começava a sentir falta


de ar, mas não me importava. Oxigênio não devia ser tão
importante, e o prazer de respirar não devia compensar a
decepção de senti-la se afastar de mim outra vez.

Lauren finalmente soltou meus pulsos e então pude mexer


novamente minhas mãos livremente. Meus dedos migraram
imediatamente para o botão de sua calça, enquanto eu abria
o zíper. De alguma forma que eu não saberia dizer, em pouco
tempo ela havia conseguido se livrar do resto de suas roupas.
Foram necessários alguns segundos para que eu me desse
conta disso, e no momento seguinte já havia me atirado em
seu colo e me agarrando em seu pescoço como um afogado
se agarra à boia.
Eu estava simplesmente rendida e tinha total convicção disso.
Sabia muito bem que nenhum surto de razão que pudesse me
tomar seria capaz de me fazer parar agora, porque tudo que
eu mais queria na vida estava acontecendo.

Ela me tinha nas mãos, e eu sabia que isso só acontecia


porque eu era fraca e vulnerável, e porque estava
excepcionalmente sensível, mas naquele momento nada,
absolutamente nada além dela importava.

Eu deixaria para me arrepender quando aquilo acabasse.


Sabia que isso ia acontecer, mas nem essa certeza seria
suficiente para me impedir de levar aquilo adiante. Mesmo
que ela voltasse a me ignorar quando estivesse satisfeita.
Mesmo que tudo voltasse a ser um pesadelo no momento em
que eu a deixasse.

Mesmo que eu fosse sofrer mil vezes mais.

Eu não me importava. Não agora.

Não tendo-a daquele jeito, mesmo que aquilo fosse só o


resultado de seu instinto protetor um pouco doentio e
deturpado. Mesmo que aquele beijo não tivesse para ela o
mesmo significado que tinha para mim.

Eu estava entorpecida, mas ainda sim sabia que aquilo estava


longe de ser uma declaração de amor por parte dela, como se
meus sonhos tivessem subitamente se tornado todos
realidade.

Eu sabia que no momento em que tudo acabasse, ela voltaria


para sua vida e eu para a minha, e mesmo com essa certeza,
eu não podia fazer nada além de compactuar com aquilo.
Porque eu não tinha forças para negá-la. Eu estava sofrendo
demais, precisava demais dela para me deixar levar por
qualquer tipo de orgulho, e se isso era a definição de
fraqueza, então que fosse. No final das contas, eu sabia que
ia acabar mais machucada do que nunca, mas eu me
importaria com isso depois.

Depois.

Porque ela estava ali agora, e só isso importava.

Agarrei seus cabelos com desespero, me envolvendo nela


com tanta força que meus músculos começavam a doer.
Senti-a puxar para cima o casaco que eu vestia, e mesmo
desejando profundamente que nossas línguas não tivessem
que se separar outra vez, permiti que ela passasse o tecido
pela minha cabeça.

Senti sua mão migrar para a minha nuca outra vez, e esperei
de olhos fechados pela sua boca, enquanto sua respiração
ofegante se chocava contra a pele do meu rosto, ainda úmida
pelo choro recente.

Como estava demorando mais do que eu desejava, abri os


olhos e a encontrei a centímetros de mim outra vez. Como se
estivesse apenas esperando para que eu fizesse isso,
finalmente ela se inclinou para a frente e fitando
intensamente meus olhos, com a intenção de prender meu
olhar no seu, me beijou rápido, mas furiosamente.

Uma vez. Duas vezes. Repetidas vezes, me entorpecendo


lentamente e me fazendo sentir a intensidade em cada beijo,
em cada toque, em cada lampejo de seu olhar.

Eu amo você... Amo você...


Eu sabia que se pronunciasse aquelas palavras, a pegaria
desprevenida e talvez acabaria com aquela noite. Por isso,
aquela frase se repetia apenas na minha cabeça, enquanto
aproveitava a sensação de cada pequena parte de seu corpo
tocando o meu. 

De sua pele acariciando a minha, de sua língua dançando


livremente dentro da minha boca, e no processo, sentindo
seus movimentos se tornarem gradativamente mais urgentes
e estimulantes.

Quando nossas respirações tornaram-se ofegantes a ponto de


nenhuma das duas conseguir mais adiar, Lauren se inclinou
para o lado e rapidamente abriu a gaveta de seu criado mudo,
tirando de lá um preservativo. Arranquei a embalagem de
suas mãos e a abri, tentando manter a borracha lubrificada
firme entre meus dedos trêmulos.

Fui surpreendida novamente por outro beijo invasivo, tendo


que me concentrar para terminar o trabalho que tinha que ser
feito.

Agradeci silenciosamente quando finalmente consegui


desenrolar o preservativo por toda a extensão de seu pau,
entre um beijo e outro, e imediatamente senti suas mãos me
levantando com facilidade e me posicionando em seu colo.

Sem esperar mais, segurei seu pau com uma mão e o


posicionei diretamente em minha entrada.

Quase instantaneamente, ela se moveu de forma busca para


frente, deslizando de uma só vez para dentro de mim
enquanto ainda me beijava. 
Não pude conter o gemido alto que escapou dos meus lábios
com a sensação de ser invadida duplamente por ela.

A partir daí, concentrei-me nos movimentos ritmados e


sincronizados que seus quadris e sua língua agora faziam
dentro de mim, e de repente fui invadida por uma estranha
sensação de paz.

***

Dia seguinte.

Meu corpo doía.

Foi a primeira coisa que pude verificar enquanto, sonolenta,


tentava me adaptar com a recém retomada consciência.
Sentia meu corpo mais pesado que o normal, o que talvez
fosse o fruto de uma noite longa de sono, com a qual coisa eu
já havia desacostumado. Ainda que pesasse alguns quilos a
mais, eu conseguia sentir com facilidade o nível de
relaxamento em que agora me encontrava, e se fosse me
deixar levar apenas por esse fato, não teria movido um
músculo sequer para mover as pálpebras.

Mas então lembrei do motivo pelo qual eu estava me sentindo


daquela forma, e meus olhos abriram imediatamente. Pensei
que a luz do dia machucaria meus olhos sensíveis ao sono,
porque como bem me lembrava, as cortinas das janelas de
vidro estavam recolhidas na noite anterior. Mas, para a minha
surpresa, isso não aconteceu.

A persiana negra agora estava fechada, fazendo com que o


quarto ficasse iluminado apenas por uma luz fraca, vinda de
uma grande luminária estilizada do outro lado do cômodo.
Estranhei, porque por mais que a claridade exterior estivesse
bloqueada, o quarto certamente não estaria com aquela
aparência.

Me virei para o lado, ficando agora mais ciente das dores em


meu corpo, e constatei que estava sozinha no quarto.

O lençol estava todo enrolado em mim, o que podia significar


que a ocupante do lado esquerdo da grande cama de casal
havia saído de lá há algum tempo. Foi então que reparei no
relógio no criado mudo, que mostrava as horas atuais.

Meus olhos registraram o numero 18:46, mas foram as duas


letras posteriores que me fizeram arregalar os olhos.

18:46 7

- QUE?

Levantei rápido, ignorando as dores musculares, e olhei em


volta, procurando por outro relógio para me certificar de que
não eram quase 19h.

Como não achei nenhum, corri para o banheiro e achei sobre


a bancada em frente ao espelho um relógio de pulso que
agora marcava 18:47h.

- Ah, merda!

Mas onde ela estava, afinal de contas? Por que não me


acordou para pedir que eu fosso embora? Por que me deixou
dormir quase até as 19h?

- Merda! Merda!

Levei alguns segundos rodopiando feito barata tonta no


mesmo lugar, tentando lembrar onde havia deixado minhas
roupas da noite anterior.
Finalmente olhei para cima e vi minha calcinha e meu vestido
azul pendurados no gancho atrás da porta, a trinta
centímetros de mim. Peguei as peças de roupa e me vesti
rapidamente, pensando agora em muitas coisas ao mesmo
tempo.

Por que ela não havia me chamado assim que acordou e me


viu ao lado dela?

Eu podia lembrar das poucas vezes em que havia sido


permitida dormir na cama de um cliente, e em todas elas eu
era acordada às pressas por clientes que só queriam que eu
fosse embora o mais rápido possível.

Aparentemente, essa havia sido a primeira vez em que todo


esse tempo que isso não havia acontecido.

Onde ela estava? Estávamos em um sábado, e até onde eu


sabia, ela só trabalhava de segunda a sexta.

Talvez aquele fosse um dia a parte, onde ela estivesse


excepcionalmente ocupada e atarefada. Mas isso não seria
coincidência demais? Além do mais, eu tinha minhas
convicções que ela não sairia e deixaria uma prostituta
sozinha dentro da sua casa.

Ela não era imbecil.

Onde quer que ela estivesse, eu tinha uma certeza: Quando a


encontrasse, sabia que aquela postura fria e dura estaria lá.

Por isso era bom que eu não começasse a esperar


cumprimentos cordiais e palavras doces além de um '' Boa
tarde, sai da minha casa. ''
Esse pensamento só aumentou meu nervosismo em encontrá-
la.

Eu queria olhar para ela depois daquela noite, queria vê-la


antes de ter que me despedir outra vez. Poderia ficar
fantasiando com aquele beijo, mas eu bem sabia que aquilo
não tinha significado nada para ela. Talvez tudo aquilo tivesse
sido apenas o resultado de uma possível culpa depois das
minhas palavras, ou então algum tipo de alívio pelo seu
instinto protetor um tanto quanto estranho comigo, mas não
seria nada muito além disso. Nada que me fizesse ter
qualquer tipo de esperança.

Eu precisava de um banho. Podia dizer isso só de lembrar da


noite anterior, mas aquilo ficaria para outra hora.

Calcei meus sapatos e lavei o rosto apressadamente,


bochechando com um enxaguante bucal de menta que estava
em cima do balcão e penteando com os dedos meus cabelos,
tentando desfazer os nós nas mechas mais próximas à
cabeça.

Finalmente me olhei no espelho e me assustei um pouco com


meu reflexo.

Meus lábios estavam inchados e vermelhos da noite anterior.


Meus olhos também estavam inchados e ainda avermelhados,
provavelmente pelo choro, e meu pescoço apresentava vários
chupões. Reparei então que os hematomas se espalhavam
pelo resto do corpo, e embora aquilo fosse algo conhecido
para mim, não pude deixar de ficar surpresa, já que havia
algum tempo desde que a última marca havia aparecido.
Quando me dei conta de que não ia ficar muito melhor do que
aquilo, saí já a procura da minha bolsa, que deveria estar em
algum lugar do quarto. Encontrei-a pendurada na maçaneta
da porta, então virei novamente e vi uma cama
extremamente desarrumada, com lençóis de edredom
enrolados e vários travesseiros quadrados e pequenos
espalhados pelo chão.

Dobrei e arrumei tudo com pressa, colocando cada coisa em


seu devido lugar, e só então pude sair.1

Naquele momento, eu não sabia se tentava ser discreta e não


fazer barulho até chegar à porta, com um certo receio de ter
que encará-la de novo, ou se ia à sua procura pela casa,
podendo usar como exigência do pagamento pelo programa
da noite anterior.

Optei por caminhar cuidadosamente, tomando cuidado para


que os saltos de meus sapatos não fizessem um barulho
muito alto e a alertasse de que eu estava prestes a ir embora,
onde quer que ela estivesse.

Cheguei até a cozinha olhando apenas para o chão, tendo a


porta como meu único objetivo, e foi antes de dar o último
passo para girar a maçaneta que ouvi um pigarro atrás de
mim.1

Virei-me sem muita pressa, finalmente fitando-a nos olhos,


enquanto ela se debruçava no balcão com um notebook
aberto à sua frente.

Eu sabia que não estaria errada em minhas conjecturas, e


então vi ali exatamente o que esperava ver: Uma postura fria
e dura, embora não fosse completamente indiferente.
Não era a mesma expressão que ela tinha ontem. Por mais
severa que ela parecesse agora, seus olhos mostravam o
contrário. Não era pena, compaixão, raiva ou nojo.

Eu não saberia dizer o que era, mas ela não estava


completamente indiferente  a mim, e por menor que isso
fosse, senti um sopro de vida me tomar de repente.

- Por que não me acordou?

Fui pega de surpresa pelo som da minha própria voz, e me


perguntei quando havia desenvolvido a constrangedora
capacidade de pensar em voz alta.

- Você parecia exausta.

Sua voz também tinha o tom frio e seco de ontem, mas como
não esperava nada de diferente daquilo, não me importei. Ao
invés disso, me esforcei para pensar em uma boa resposta
para dar, mas não consegui nenhuma.

- Coma o que quiser. - Ela falou, apontando para o lado, e pela


primeira vez pude notar a enorme quantidade e variedade de
comida ao lado dela. Pães, biscoitos, frutas, sucos, chás e
doces estavam espalhados de forma organizada por cima do
balcão, enquanto uma cafeteira esquentava o café.

- Não estou com fome.4

Era mentira, eu estava faminta, mas não queria bancar a


desesperada na frente dela.

- Quer ter uma crise de pressão baixa ou de hipoglicemia no


meio da rua? Sabe há quanto tempo você está sem comer?
Me dei conta de que havia muito, muito tempo desde que
tinha comido pela última vez. Ela não tinha a menor noção
disso ao fazer a pergunta, mas ainda assim, estava certa.

Sem esperar pela minha resposta, ela se levantou e se virou


para pegar a cafeteira atrás de si, desviando seu olhar do
meu pela primeira vez. Despejou dentro de uma caneca uma
boa quantidade de café e a empurrou discretamente para
mim.

- Senta.

Sentei-me em um dos três bancos altos que estavam


dispostos pelo comprimento do balcão, ficando de frente para
ela enquanto era servida de açúcar.

- Obrigada. - Falei em uma voz muito baixa.

Ela não respondeu, e ao invés disso foi novamente para o


lado, sentando-se à frente do notebook e se esquecendo da
minha presença ali.

Agradeci por isso, ficando mais à vontade sem que ela


estivesse me observando. Era óbvio que isso indicava que,
para ela, minha presença ali continuava sendo importante
quanto a de um grão de poeira, mas ao menos ela não havia
me expulsado como imaginei que fosse fazer assim que me
visse de pé.

Bebi todo o café e comi três torradas sem recheio algum.

Não mais que isso. No exato momento em que havia


terminado, Lauren fechou seu notebook e se levantou, indo
de encontro às suas chaves em cima de uma bancada lateral,
o que me fez ter a impressão de que primeiro, estava ansiosa
para que eu fosse embora, e segundo, estava prestando
atenção em mim o tempo todo.

Me senti mal por ter sido o motivo de tê-la prendida em casa,


atrapalhando qualquer que fosse seu compromisso. Desejei
profundamente que ela tivesse me mandado embora, no final
das contas, ou que eu tivesse acordado mais cedo.1

Mas era tarde para ficar me lamentando.

Me virei e encontrei Lauren já segurando a porta aberta para


mim, então me apressei em sair da casa.

Mais por reflexo do que qualquer outra coisa, me apressei em


sentar no banco do carona, e pouco tempo depois saímos da
garagem outra vez.

Lembrei do dia anterior, quando eu estava naquele mesmo


banco e não sabia o que esperar da noite. Agora que tudo
havia passado, eu sabia que estava me aproximando da tal
despedida que sabia ser necessária. Mesmo que eu tivesse
me condicionado a aceitá-la, e só teria a noção exata do
estrago que faria em mim quando estivesse vivendo o
momento.

Por hora, eu poderia quase dizer que estava confortável ao


seu lado, enquanto as árvores e postes à nossa volta iam
ficando para trás. O silêncio, mesmo ainda sendo
desagradável, já não era tão sufocante, e não era como se eu
quisesse exigir dela uma posição por tudo o que eu havia lhe
confessado na noite anterior.

Eu não queria ouvir seus argumentos, porque sabia que eles


levariam a uma conclusão dolorosa. Eu poderia estar
apaixonada por ela, e ela poderia saber disso agora. Mas eu
não esperaria mais além daquele dois simples fatos, então
não precisava de uma resposta ou opinião sobre o assunto.
Ela havia aceitado a verdade aparentemente sem se
incomodar, o que já era muito. Mas o era hora de cada uma
seguir com as suas vidas, o que no final acabaria acontecendo
de qualquer forma.

Lauren se inclinou para frente e ligou o rádio, então pude


ouvir uma música calma e suave cuja melodia era
desenvolvida apenas por um piano e nada mais além disso. A
gravação não parecia ser profissional, podendo-se escutar um
leve ruído ao fundo, mas isso não era o suficiente para tirar a
beleza da música.

Encostei a cabeça no banco e me deixei levar pela


tranquilidade e paz que ela transmitia, enquanto tentava
esquecer da dor no peito, agora crescente com a aproximação
do momento em que eu teria que aceitar o afastamento dela
na minha vida.

- Gosta?

Abri os olhos imediatamente, olhando para ela.

Ela continuava compenetrada na estrada, e eu poderia até


dizer que ela não estava falando comigo se não fosse pelo
fato de não haver mais ninguém no carro, e também porque
ela não estava com um celular no ouvido.

- Sim. - Respondi depois de alguns segundos me certificando


de que a palavra tinha realmente sido dirigida a mim.

- Sou eu.
Continuei encarando-a, sem entender muito bem. Ela me
encarou rapidamente, e falou outra vez.

- Tocando. Eu toco piano.

Claro, era do feitio dela saber fazer essas coisas bonitas e que
exigiam algum talento especial. Talvez ela também
escrevesse poesias ou coisas assim.

- Ah. É lindo.

Foram as únicas palavras que consegui dizer, antes de parar


de encará-la como uma psicopata e desviar os olhos dela,
voltando à minha posição original.

- Obrigada. - Falou cordialmente.

Aquilo foi o máximo de interação que houve entre nós


durante todo o percurso. O caminho de volta parecia ser mais
longo se eu levasse em consideração que, agora, ela não
corria como uma louca, costurando o trânsito como fizera na
noite anterior. Mas como eu queria estar na sua presença pelo
máximo de tempo possível, não pareceu demorar muito até
que finalmente tivéssemos chegado ao meu bairro.

- Me guie.

Eu não queria que ela soubesse onde eu morava, mas


imaginei que meus esforços para convencê-la a me deixar em
qualquer lugar próximo seriam em vão. Por isso, dei algumas
instruções a ela, e antes que pudesse me arrepender, já
estávamos na minha rua.

- É aqui, obrigada.

- Você mora em um galpão? - Ela falou, apontando de forma


debochada para o portão à nossa frente, no início da rua.
- Não, é no final da rua. Mas eu vou andando.

Antes que eu pudesse abrir a porta e sair, ela já havia andado


com o carro outra vez. Teria sido mais fácil falar que sim, eu
morava em um galpão.

- Aqui? - Falou, enquanto parava no último prédio antes da


esquina.

- Sim.

Ouvi o carro sendo desligado, então senti um baque no


estômago, mas fiz força para não deixar transparecer. Aquilo
seria tanto estranho quanto triste, porque além de não saber
como me despedir dela, eu não queria. Mas de qualquer
forma, poucas coisas na minha vida haviam sido do jeito que
eu queria, então não deveria ser tão difícil a tarefa de deixá-
la.

Não deveria ser tão difícil, exceto pelo fato de que era. Não
apenas difícil, mas insuportavelmente doloroso.

Enquanto eu pensava em algo para dizer, mesmo algo inútil


que só servisse como última palavra, ela saiu do carro.

Aparentemente, tudo o que ela faria aquele dia me pegaria


desprevenida, então fiquei outra vez surpresa com a sua
atitude, saindo imediatamente do carro para entender o que
ela estava fazendo.

Me dei conta de que havia escurecido quase completamente


agora, enquanto a seguia para as escadas do prédio em que
eu morava. A essa altura, eu já havia parado de tentar prever
suas próximas atitudes, porque nenhuma delas condizia com
que eu imaginava.
Passei por ela enquanto segurava a porta para que eu
entrasse, então parei ao pé das escadas, virando-me
novamente para encará-la.

- Certo...

- Qual é o andar?

Afinal das contas, o que ela queria? Subir até meu


apartamento?

- Sexto.2

- Estou logo atrás de você.

Era exatamente isso que ela queria.

Mesmo que aquilo fosse diretamente contra a minha vontade,


eu estava me deixando levar por uma esperança de que
talvez ela resolvesse dizer mais alguma coisa caso eu a desse
mais tempo ali.

Era uma esperança patética, mas ainda assim, virei outra vez
para as escadas e comecei a subir, permitindo-a ficar um
pouco mais. Mesmo que no final das contas isso só tornasse
tudo pior.

Eu subia cada lance de escada pensando no que exatamente


ela faria ao chegar no meu apartamento.

Ela não parecia muito curiosa na noite passada com meu


modo de vida, então não havia como imaginar o que ela
queria de mim.

Chegamos no sexto andar e andamos um pouco pelo corredor


feio e escuro, até chegarmos na porta de madeira que dava
para o meu apartamento.
Precisei de algum tempo para conseguir abrir a porta, porque
estava muito distraída tentando evitar seu olhar enquanto
sabia que ela estava me encarando o tempo todo. Quando
finalmente achei as chaves dentro da bolsa, hesitei um pouco
ao abrir a porta para deixá-la entrar.

- Olha... Está uma bagunça.

- Ok.

Ok.

A frieza dela não ajudava muito no meu nervosismo, mas de


qualquer forma, eu jamais esperei uma Lauren fofa e
receptiva e toda '' ah, relaxa, nem vou reparar. ''

O apartamento estava mesmo uma bagunça na medida do


possível. O lugar não poderia estar completamente uma zona
porque não tinha tantas coisas assim, e também não havia
muito espaço pelo qual eu poderia espalhar as coisas. Minha
bagunça resumia-se a algumas roupas empilhadas no sofá-
cama, ainda desfeito, e outra pilha em cima da tv quebrada.

Minhas malas e bolsas estavam agrupadas em um canto,


algumas abertas, e os poucos sapatos que estavam do lado
de fora encontravam-se enfileirados pela extensão da parede.

Eu a teria convidado a se sentar se a situação pedisse boas


maneiras, mas ambas sabíamos que aquela não era uma
visita casual.

Uma vez que estávamos nós duas lá dentro, fechei a porta já


seguindo-a com os olhos, porque era óbvio que ela já havia
escolhido sua próxima ação aleatória.
Sem se preocupar em olhar para mim ou me perguntar se
poderia, ela se dirigiu até uma das minhas malas e,
debruçando-se sobre ela, tirou de lá uma calça jeans e uma
blusa branca comum.

Ao se levantar, me estendeu as roupas escolhidas enquanto


usava sua recente mania de me olhar nos olhos toda vez que
me dirigia a palavra.

- Tire esse vestido. Por favor.

Aceitei as roupas que ela me oferecia, encarando de volta


seus olhos, e imediatamente passei por ela, indo também de
encontro às minhas malas. De uma delas, tirei uma calcinha
limpa e com as três peças na mão, rumei para o banheiro.

Eu precisava de um banho, o que podia ser uma boa forma de


dar a nós duas a oportunidade de nos separamos de uma
forma simples. Se ela também não sabia como ir embora sem
que me machucasse - e se ela estava preocupada com isso -
então poderia simplesmente partir enquanto eu estava
trancada ali.

Entrei debaixo do chuveiro, sentindo a água gelada machucar


a minha pele, e me permitir demorar mais do que o normal
ali. Ao contrario do que imaginei, eu não estava ansiosa para
sair logo e me certificar de que ela ainda estava no meu
apartamento. Eu estava calma, talvez porque tivesse aceitado
a situação. Isso não significava que a dor no meu peito tivesse
diminuído em nada, mas era a hora de lidar com ela.

Lavei os cabelos e me ensaboei várias vezes, sentindo com


isso dores em alguns lugares do meu corpo. Então lembrei do
creme que eu usava em situações assim, que ainda estava
guardado dentro do armário com espelho em cima da pia, e
imaginei qual seria a reação dela se eu decidisse usá-lo.

Pelo o que eu me lembrava, aquele perfume fazia coisas


estranhas com ela, mas meu objetivo não era tornar as coisas
difíceis para ninguém.

Muito pelo contrário.

Me sequei e vesti as roupas limpas. Penteei os cabelos


molhados e peguei as roupas que usava antes, emboladas
agora em meus braços, então destranquei a porta e saí.

Minha razão tentava me convencer que ela não estaria mais


ali. Mas meu lado sentimental torcia para que ela estivesse
me esperando debruçada no pequeno balcão que separava a
sala da quase-cozinha.

O fato era que essas eram as duas únicas opções que eu


pensava ter, mas ao entrar novamente na pequena sala, fui,
mais uma vez, pega de surpresa pelas mudanças no
ambiente.

Ela estava lá, sentada no sofá. Minhas malas, roupas e


sapatos, não.

Alem dela, as únicas coisas que ainda permaneciam na sala


eram minha mochila, agora aberta e vazia ao lado dela, e
meu par de tênis All Star branco ao lado da porta.

Fiquei imóvel, dando tempo ao meu cérebro para encontrar


uma explicação para aquilo.

Antes que isso pudesse acontecer, Lauren se levantou e veio


em minha direção, tirando das minhas mãos a bola de roupas
sujas e enfiando na mochila.
Calmamente, passou por mim e entrou no banheiro, então
pude ouvir o barulho de muitas outras coisas sendo jogadas
dentro da mochila, o que eu tinha certeza serem os poucos
produtos que estavam guardados no armário.2

Quando ela voltou para a sala, tentava empacotar junto com


as outras coisas a toalha úmida que eu acabara de usar.
Quando meu cérebro finalmente conseguiu processar uma
possível explicação para tudo aquilo, meu corpo começou a
tremer de uma forma violenta e involuntária, enquanto ela
agora me olhava e tentava fechar o zíper da mochila em suas
mãos.

- Tem alguma coisa na geladeira?1

Não consegui responder, mas fiz que não com a cabeça.

Meu corpo estava completamente tomado por uma descarga


elétrica muito forte para que eu conseguisse me acalmar.
Aquilo que eu estava pensando era uma explicação, e embora
fosse aceitável e até plausível, eu lutava comigo mesma para
desacreditar nela, enquanto me mantinha na mesma posição
desde que havia entrado naquele cômodo. Não era aquilo,
simplesmente não podia ser aquilo.

Ela veio para minha frente e novamente me olhou nos olhos,


sem nunca deixar deixar de lado sua postura rígida.

- Vem.

Senti sua mão segurar com firmeza a minha, a firmeza que


meu corpo agora não tinha. Meus tremores ficaram ainda
mais óbvios depois sentir seu toque quase despreocupado em
mim, como se fosse algo tão banal, e eu quase poderia estar
envergonhada da minha patética falta de controle se
estivesse me importando minimamente com isso.

Não podia ser aquilo.

Sua mão me puxou para a porta, onde meu tênis me


esperava, então senti meu corpo no tão conhecido piloto
automático e segui ela para onde ela me guiava.

Calcei o tênis sem esforço e saí, completamente atordoada,


enquanto esperava que ela trancasse a porta com minhas
chaves. Vários lances de escadas depois, eu estava na porta
do prédio, me preparando para descer as escadas, enquanto
Lauren continuava me guiando com uma mão espalmada em
minhas costas.

- Fica aqui. - Ela começou, depois de fechar a porta do carona


comigo já sentada - Onde mora a dona do seu apartamento?

Fiz um pouco de esforço para raciocinar e lembrar o número


do apartamento dela. Depois de algum tempo, consegui dar a
informação a ela, ainda muito atordoada para fingir que
estava tudo bem.

- Eu já volto.

Ao dizer isso, ela acionou o segredo de trancas no carro, me


prendendo, literalmente, dentro dele. Como meus
pensamentos pareciam correr em câmera lenta, momentos
depois ela já estava de volta sem que eu conseguisse pensar
em um motivo para aquilo.1

Tudo estava estranho demais.

Por que nenhuma das ações dela faziam o menor sentido para
mim? O que ela queria com aquilo? Não, minhas suposições
NÃO estavam certas, e eu queria me convencer disso. Mas
então, o que diabos estava acontecendo?

O caminho de volta - outra vez - havia sido rápido, e tudo o


que eu pude processar do passeio era o rumo que tomávamos
a cada quilômetro percorrido, enquanto tentava tomar partido
na guerra declarada entre meu lado racional, que insistia em
querer me fazer desacreditar no rumo que as coisas
tomavam, e meu lado emocional, que me mostrava pouco a
pouco que sim, era exatamente aquilo.

Mas não podia ser, porque não fazia sentido.1

E enquanto eu ficava correndo atrás do próprio rabo com


essas divagações, Lauren parecia agora com uma postura
ainda mais forte e decidida, sem trocar uma só palavra
comigo durante todo o percurso.

Finalmente, depois de sabe-se lá quanto tempo, chegamos no


lugar fechado no qual eu já estivera há pouco menos de uma
hora atrás. Lauren parou o carro e saiu, pegando a mochila do
banco traseiro e dando instruções a um empregado do prédio,
oferecendo-lhe as chaves do veículo.

Permaneci imóvel, sentada e pensando o que eu deveria fazer


agora. Meu corpo não havia parado de tremer um segundo
sequer até então, e eu rezava para que ela não tivesse
notado meu estado de nervos, embora achasse difícil isso não
ter acontecido.

A porta ao meu lado abriu repentinamente, me pegando de


surpresa e fazendo com que eu pulasse discretamente no
assento.

- Vamos.
Automaticamente, segui suas palavras e me levantei, saindo
do carro e indo com ela rumo ao elevador, que nos esperava
porque o empregado segurava a porta para nós.

- Toque a campainha quando trouxer tudo, por favor.

- Sim senhora. - Respondeu o homem, enquanto fechava


cordialmente a porta do elevador, nos trancando lá dentro.

Silêncio.

Eu já estava me acostumando a ficar sempre em silêncio


perto dela, a ter sempre medo de ser a primeira a falar, ter
medo de a ser hostilizada caso o fizesse. Mas eu nunca havia
tido tantas dúvidas na vida, e nunca havia sido privada de
tantas explicações. Era como se ela me deixasse cheia de
dúvidas propositadamente, e gostasse de me ver
completamente confusa e perdida.

- O que está acontecendo?

Era o que eu queria perguntar, e era no que eu vinha


pensando durante todo aquele tempo, desde o momento em
que não vi minhas coisas no lugar onde elas deveriam estar.
Mas foi novamente minha incrível capacidade de falar em voz
alta o que eu pensava me fez elaborar a frase em alto e bom
som, quebrando de uma vez só o silêncio do elevador.

Ela me encarou, e no mesmo momento o cubículo em que


estávamos parou de subir, enquanto as portas se abriam,
indicando que havíamos chegado ao nosso destino.

- Você sabe o que está acontecendo. - Ela disse, ainda de


forma fria, enquanto pisava no corredor e segurava a porta
para que eu também o fizesse.7
Não respondi. Caminhei para seu lado e esperei que ela
abrisse a porta.

Segundos depois, entrávamos outra vez em seu apartamento.


Sem querer se preocupar em olhar para mim, Lauren seguiu
para o corredor estreito e escuro, entrando no quarto final, e
eu automaticamente fui atrás dela.

Estava odiando o fato de parecer uma cachorrinha atrás da


dona, mas eu simplesmente não fazia a menor ideia de como
agir.

Ela finalmente jogou a mochila em cima da cama e sem dizer


mais nada, saiu.

Eu ainda podia ouvi-la andando de um lado para o outro lado


enquanto permanecia no quarto, sentada na cama baixa,
esperando para que meu cérebro conseguisse pensar em
alguma coisa para fazer. Olhei em volta e reparei que esse
quarto era menor e mais simples que o dela, mas não deixava
de ser charmoso.

Um quarto de hóspedes.

Depois de algum tempo, ouvi a campainha ser tocada e


passos firmes indo para a porta da sala. Duas pessoas
trocaram duas ou três palavras, e momentos depois a porta
era fechada novamente.

Lauren entrou no quarto que eu estava outra vez, então vi


minhas malas e bolsas antes desaparecidas. Ela as depositou
no chão com um baque surdo, no canto mais distante,
novamente sem me encarar, saiu do quarto, me deixando
sozinha outra vez.1
Não me movi por um tempo, mas quando meu corpo cansou
da mesma posição, me deixei cair de costas no colchão,
encarando agora o teto e pensando.

Os fatos eram simples.

Lauren havia me levado para sua casa sem nem me


comunicar a respeito.5

Eu não sabia qual havia sido o momento exato que ela tivera
essa ideia brilhante mas agora, sozinha naquele quarto sem
sua presença para tirar minha concentração, eu tentava
imaginar o motivo daquilo.

Se ela estava de sentindo sozinha, um animal de estimação


seria uma boa saída, além de ser uma opção mais fácil e
menos trabalhosa. Por que ela havia decidido trazer para sua
própria casa uma garota de programa que acabara de
assumir seus sentimentos totalmente inapropriados por ela?

Talvez, depois de tudo que eu havia dito, o peso da culpa a


tivesse atingido de uma forma mais intensa do que eu
esperava.

Se fosse dessa forma, era apenas uma questão de tempo até


que esse sentimento fosse se esvaindo aos poucos, fazendo
com que, ao final de um mês, no máximo, ela se
arrependesse.1

E no final das contas, eu acabaria na merda outra vez.

Bem, talvez fosse melhor se eu resolvesse me impor e


simplesmente sair dali. Ela não iria ficar sozinha por muito
tempo, porque eu tinha certeza que não era a única opção de
companhia para uma mulher linda, rica e solteira.
Na verdade, eu era a pior de todas as opções.

Então por que diabos ela havia me escolhido?

Não fazia sentido.

De repente, me peguei desejando que ela não tivesse feito


aquilo. Era claro que sua companhia ainda surtia um efeito
impressionante em mim, mas eu não queria morar de favor
na casa dela.

Ela não era responsável por mim, e seria extremamente


desconfortável viver dia a dia com a pessoa que
aparentemente havia resolvido começar a me ignorar.

Ela poderia me ignorar longe de mim, então por que escolheu


me trancar perto dela? O que infernos ela queria com isso?
Me machucar ainda mais? Me fazer ter sua companhia e ao
mesmo tempo, me sentir sozinha e descartável? 

Não fazia sentido, porque ela nunca havia sido cruel.

Mas, fosse como fosse, eu não poderia aguentar aquilo. Se


tudo pelo que eu passei até aquele momento não havia sido o
suficiente para me derrubar de vez, aquilo certamente seria.

***

O relógio marcava 21:30, e me espantei por não ter visto as


horas passarem. Reunindo toda a força de vontade e coragem
que me restavam, levantei da cama e rumei para seu quarto.

Todas as luzes da casa pareciam estar apagadas.

Talvez ela já estivesse dormindo.

Caminhei devagar pelo corredor, testando meu controle a


cada passo. Fui silenciosa, porque não queria que ela
pensasse que eu estava perambulando pela cada que não era
minha.

Cheguei em seu quarto e empurrei lentamente a porta


encostada. Lauren estava de pé, em frente à grande parede
de vidro, encarando os carros que passavam abaixo de nós.
Ela trajava um pijama branco, e parecia pensativa. Ao
constatar que eu estava agora dentro do seu quarto, ela
virou-se para mim, me encarando com uma expressão
satisfeita, e não acusatória por estar invadindo seu espaço
como pensei que seria.

- Está com fome?

- Não. - Respondi depois de testar minha respiração algumas


vezes.

- Você precisa comer alguma coisa.

- Não preciso de nada.

Ela continuou me encarando, pronunciando cada palavra em


um tom de voz calmo que chegava a ser invejável.

- Eu posso preparar alguma coisa pra você.

- Por que está me tratando como a sua boneca?3

Ela me encarou surpresa.

- Eu não estou...

- Por que me trouxe pra cá?

- Não é óbvio?

- Não, não é.
Eu fazia força para que os tremores no meu corpo não
afastassem minha voz, já que eu queria passar um mínimo de
segurança.

- Eu quero que você fique aqui.

- Por quê? Pra tornar a brincadeira de me ignorar mais


divertida?2

- Não.

- Então por quê?

- Porque você tem que ficar aqui.1

- Por que você não me dá motivos?

Ela suspirou.

- Eu preciso falar com você.2

- Sobre o quê?

- Sobre mim.

Não, eu não fazia ideia do que ela tinha para dizer, mas o que
quer que fosse, devia ser algo importante. Só pelo fato de
Lauren se prestar a manter uma conversa comigo, coisa que
ela parecia evitar a qualquer custo nas últimas horas, e eu
poderia dizer que suas palavras deviam der dignas de
atenção.

- Troque de roupa. Jeans não são confortáveis para dormir.

- Eu não estou com sono. Você me deixou dormir demais.

Outra vez, ela suspirou.

- Por favor?
Continuei encarando-a por algum tempo, mas finalmente
tomei a iniciativa de atender ao seu pedido. Virei-me pronta
para ir até meu quarto e pegar alguma peça de roupa, mas
ela interrompeu meus movimentos quando se dirigiu
novamente a mim.

- Não, não quero que você use aquelas roupas.

Encarei-a outra vez.

- Então o que quer que eu use?

Como resposta, ela tirou a parte de cima do seu conjunto


ficando somente de top e me estendeu o casaco, tão grande
quanto o que eu havia vestido na noite anterior. O perfume
era o mesmo, o que fez com que meu coração desse um
discreto pulo fora de compasso.

Sem mais delongas, entrei no banheiro do quarto e fiz a troca


de roupas mais rápido que o normal.

Pendurei minha blusa e minha calça atrás da porta e saí,


encontrando-a novamente virada para a parede de vidro e a
semelhança da cena me trouxe a lembrança fresca da noite
passada na memória. Fui me sentar na cama e esperei que
ela se aproximasse. Quando finalmente se sentou ao meu
lado e de frente para mim, mais próxima do que meu auto-
controle poderia lidar, as palavras que eu vinha tentando
formular saíram de minha boca sem que eu pudesse tentar
segurá-las.

- Eu não vou ficar aqui. - Comecei - Não sei o que você


pretende com esse jogo, mas é melhor eu ir embora antes
que...
- Você não vai a lugar nenhum.

Sua postura ficou imediatamente tensa, e tanto seus olhos


quanto seu tom de voz acusavam que aquilo não era um
pedido, mas sim uma ordem. Olhei-a espantada, pensando na
resposta que daria a ela.

- Se eu for embora, o que você vai fazer? - Provoquei.

- Eu vou atrás de você outra vez, e juro que te acho.

Me calei. Ela iria atrás de mim outra vez? Outra vez? Quando
havia sido a primeira vez, para início de conversa?

Depois de um longo silêncio, ela começou.

- Eu devia ter deixado isso claro ontem a noite, mas eu não


vou mais pagar pra ter você. Sempre que eu quiser estar com
você outra vez, não vai haver dinheiro envolvido nisso.
Negue-me se quiser, você tem o direito, mas não ouse cobrar
um centavo. Eu não me importo se isso vai contra a sua
vontade. Se a vida que você pretendia seguir era essa, tenho
que informá-la de que isso não vai acontecer. A partir de
agora, você vai ficar nessa casa, vai dormir nesse quarto, mas
não tem o direito de ir embora. Se você tentar qualquer coisa
desse tipo, eu vou atrás de você e... te prendo aqui! Juro por
Deus que faço isso!8

Suas palavras saíam em um jorro, como se ela estivesse


confessando pecados íntimos e dolorosos demais. Como se
toda a dor que ela sentisse desse a ela o direito de se impor e
de dar ordens, de ter seus desejos obrigatoriamente
atendidos.
Eu poderia me sentir ofendida de estar recebendo ordens, se
não fosse pelo claro e quase gritante desespero que havia em
cada sílaba que saía de sua boca. Seu tom de voz tornava-se
mais histérico e descontrolado a cada segundo, e talvez ela
estivesse enlouquecendo ou simplesmente deixando-se ruir.
O que quer que estivesse acontecendo, eu podia dizer que
aquela não era Lauren em suas perfeitas condições. Ela
estava se deixando levar por algum tipo de medo ou
desespero para se impor daquela forma, e sua respiração
parecia tão difícil e pesada que eu podia jurar que era uma
questão de segundos até que ela caísse aos prantos nos meus
braços.

Sua postura fria estava desmoronando, até o ponto em que


tudo que parecia restar a minha frente era uma mulher tão
insegura e perdida que eu pude sentir algo que jamais pensei
poder sentir quando se tratava dela: Pena.

- Laur...

Ela me olhou diretamente nos olhos, e eu vi um medo tão


profundo que podia beirar à insanidade.

- Você vai ficar comigo, porque não há outra maneira. Eu já


fiquei tempo suficiente sem você pra saber o quanto dói. Eu já
passei por muitos infernos pra tentar me afastar de você, mas
você me marcou de um jeito tão fundo que eu não consigo...

Simplesmente não consigo viver sem você. Mesmo que eu


quisesse não sentir por você tudo aquilo, mesmo sendo
covarde a ponto de fugir pra não acabar iludida outra vez... Eu
tentei te esquecer e quase morri. De saudade, de desespero,
de preocupação, de um vazio tão intenso que eu nem sabia
que podia existir.
Eu tentei me afastar pra tentar esquecer o fato de estar nas
suas mãos, porque isso estava me matando. Saber que você
controlava tudo em mim me fez ter tanto medo que eu fugi,
mas estar longe de você só fez com que eu sangrasse mais
rápido. E foi tentando afastar a sua lembrança que ela se
tornava mais forte. Eu quase enlouqueci, e sei que merecia.
Por tudo o que fiz e falei, eu sei que mereço sofrer mil vezes
mais.

Tudo isso porque você era uma garota de programa, eu


admito. Admito que entrei em pânico quando me dei conta
que estava apaixonada por você, e fui tão estúpida que não
notei que não adiantava mais correr. Eu admito que fui uma
covarde, uma fraca, uma idiota, mas eu preciso que você
fique comigo... Eu... Eu exijo que você fique comigo! Não dá
pra te esquecer, e eu ainda não sei lidar com isso, mas não
pense que eu te ignoro. Eu não poderia te ignorar, nunca.
Você é importante demais pra isso.

Quando te vi naquela esquina imunda, daquele jeito fiquei


com tanta raiva que não consegui raciocinar. Eu sei que foi
por minha culpa, mas ainda assim, te ver se oferecendo por
míseros $100,00... Você vale tão mais do que isso, tão mais
do que qualquer quantia... E eu preciso te mostrar o quanto
você vale, o quanto é importante. Eu queria ter sabido
mostrar o quanto me importava com você, queria saber
mostrar o quanto lamento por tudo que fiz. Mas eu não
consigo, e tudo o que eu posso fazer é te dizer que você é
essencial, que você é única.

Não me importo se você me acha louca ou idiota, contanto


que fique comigo. Que prometa que não vai me deixar. Eu
preciso de você... Tanto que chega a doer. Porque nada na
merda da minha vida faz sentido se você não está nela. Você
me pediu pra te deixar em paz, mas eu simplesmente não
consigo. Porque eu posso tentar mil vezes, mas mil vezes eu
vou falhar.

Vi uma única e solitária lágrima cair de um dos seus olhos,


então ela pigarreou e respirou algumas vezes repetidas para
retomar o controle que havia deixado escapar, enquanto
olhava agora para suas mãos.

Continuei encarando-a sem dar o menor sinal de que estava


viva, porque a essa altura, minha respiração já estava
suspensa há muito tempo, meus olhos estavam ressecados já
que eu não piscava, e meu coração.... bom, meu coração não
devia estar nem mais funcionando, de qualquer forma.

Esse era o momento que eu poderia dizer qualquer coisa,


xingá-la pela dor que ela me fez sentir, pela sua fraqueza ou
pelo seu preconceito. Era o momento que eu poderia agredi-la
por manter a verdade tão longe de mim por tanto tempo, me
fazendo pensar que eu era praticamente nada para ela. Era o
momento que eu poderia as lágrimas presas na garganta
rolarem livremente, fazendo-me sentir mais livre.

Mas eu simplesmente não reagi.

Apaixonada por mim.... Eu era importante.... Ela precisava de


mim...

Aquilo era impossível. Simplesmente impossível. Era muito


bom, muito perfeito, um final muito feliz para ser verdade.
Finais felizes não aconteciam assim tão facilmente.
Mas por que ela mentiria? E se fosse mesmo verdade? E se eu
realmente não fosse só uma puta pra ela? E se ela... Se ela...

Pov Lauren

- Eu queria merecer você. Sei que te devo muitos pedidos de


perdão, e sei que não mereço ser perdoada em nenhum
deles. - Eu comecei, enquanto tentava ficar um pouco mais
calma ao insistir para mim mesma que ela não fugiria de mim
- Mas você tem que ser minha... Só minha...

Eu sabia que estava sendo uma babaca por não parar de dar
ordens, sendo que eu não tinha o direito nenhum disso, mas
não era como se eu estivesse tentando mandar nela. Camila
sempre teria escolha comigo, em qualquer que fosse a
questão.

Eu me impunha daquela forma não por abuso, mas sim por


desespero.

Era como se meu instinto de sobrevivência falasse mais alto,


e por isso mesmo eu tinha que parecer forte e decidida. Se
ela me deixasse, se eu tivesse que tentar viver sem ela outra
vez, seria como ter arrancado de mim uma parte vital, que
me mantinha de pé.

Eu não podia permitir que arrancassem meu próprio coração.

Não era como se eu estivesse lutando por algo que eu


desejava.

Embora eu a desejasse, era mais do que isso. Havia a


necessidade de tê-la comigo. Eu simplesmente não seria forte
o suficiente para vê-la se afastar de mim, porque esses meses
me mostraram o quanto eu precisava dela. Me mostraram
que minhas tentativas de simplesmente ficar longe dela eram
tão inúteis e dolorosas quanto as próprias tentativas de deixar
de sentir o que eu sentia.

Era verdade, eu não sabia lidar com aquilo. Meu orgulho, por
assim dizer, ainda estava ferido. Algo dentro de mim fazia
com que eu me irritasse com o fato de ter visto a mulher que
eu agora admitia precisar se oferecendo para qualquer um.
Era verdade que aquilo era minha culpa, mas meu lado
irracional simplesmente odiava vê-la disponível a outras
pessoas.

Ela tinha que ser minha. Só minha. Eu a faria feliz e satisfeita


sozinha. Eu poderia fazer isso, ela não teria que se prestar
fazer aquilo outra vez. Eu cuidaria dela, como nunca cuidei de
ninguém, e faria suas vontades. E acataria suas decisões,
porque no final das contas, eu sempre estive submissa a ela.
Ela sempre me teve nas mãos, e era incrível como nunca se
deu conta disso.

- Eu prometo que vou fazer tudo pra merecer as suas


desculpas. Só queria que você soubesse que eu me
arrependo, de todo coração, por cada segundo que fiquei
longe de você. Me arrependo porque eu acabei me matando
aos poucos, mas agora me arrependo o dobro por saber que
te fiz sofrer também. Eu sei que faltei com a minha palavra
quando disse que ficaria por perto, e eu sinto tanto.... Mas,
por favor... Você tem que me dar outra chance pra estar com
você. Sempre.

Eu imploraria, se fosse preciso. A essa altura, orgulho era um


luxo que eu não podia me dar, e se ela simplesmente se
negasse a ficar, decidisse sumir da minha vida, eu pediria de
joelhos. Não importava até onde eu me rebaixaria, se fosse
fazer com que ela me desse uma chance, a chance que eu
precisava para mostrar que eu não era uma infeliz insensível,
eu faria qualquer coisa.

Qualquer coisa. Por ela. Para ela.

Camila agora mantinha uma expressão tão neutra, tão vazia,


que eu cheguei a me perguntar se ela ainda estaria viva.
Minhas dúvidas foram respondidas quando ela começou a
balbuciar palavras desconexas, em voz baixa.

- Por que.... Por que está dizendo essas.... O que você quer
com...

Embora sua expressão ainda continuasse vazia e seus olhos


estivessem um pouco fora de foco, mesmo fitando
diretamente os meus, fui pega de surpresa ao constatar que
uma quantidade considerável de lágrimas começava a se
acumular lentamente neles. Como reação a isso, me movi
rapidamente para frente, tomando seu rosto em minhas mãos
e falando muito próxima a ela.

- Por favor, não chora...

- O que você quer?

Era tarde. O pequeno lago, antes em seus olhos, agora


escorriam livremente pelas suas bochechas, dando
imediatamente um tom avermelhado ao seu nariz e olhos.
Porra, como eu odiava vê-la chorando.

- Eu quero a sua companhia. Quero a sua pele, o seu olhar.


Quero as suas imperfeições e cada pedaço do que te faz ser
você. Quero o seu mau humor, a sua teimosia e a sua timidez
ao meu lado todo dia, toda hora. Quero o seu sorriso e a sua
confiança, mesmo que isso leve algum tempo. Eu espero.

Ela ainda me encarava com aquele rosto lindo, mesmo sem


transparecer emoções, e eu continuava encarando-a com
todo amor que transbordava de mim. Eu ainda mantinha seu
rosto preso entre minhas mãos, de uma forma suave, e era
impressionante como aquele simples toque já fazia que eu me
sentisse melhor.

Fui tomada outra vez por uma quase incontrolável vontade de


beijá-la, enquanto tentava secar com meus polegares as
lágrimas que ainda escorriam por seu rosto. Eu queria
simplesmente poder encostar meus lábios nos dela, mas
temia sua reação. 

Camila não parecia muito ciente do que estava acontecendo,


ainda olhando para mim de uma forma distraída, então eu
tinha que me certificar de que ela não reagiria de forma
inesperada com o beijo.

- Camz...

Eu pediria permissão para beijá-la, embora segurar a vontade


de simplesmente invadi-la com a minha língua fosse quase
impossível. Meus lábios já roçavam levemente nos dela,
enquanto seu nome saía de minha boca, mas não foi
necessário esperar muito mais, porque no segundo depois ela
moldava seus lábios nos meus, sem pressa, sem desespero.

Senti a força da urgência e do desejo me tomando


lentamente, mas lutava contra isso para manter aquele beijo
do jeito que ela quisesse.
Não era difícil beijá-la com ternura, sentindo o doce e lento
movimento que sua língua fazia na minha. O problema era
desejá-la tão desesperadamente que a tarefa de não atacá-la
como um animal no cio torva-se cada segundo mais difícil.

Para minha felicidade, o fogo que queimava em mim parecia


queimá-la também, e seus movimentos ficaram mais urgentes
e sensuais.

Como se tudo nela me convidasse. Como se nada além dela


existisse.

Mas nada além dela existia.

Apertei-a com força contra meu corpo, enquanto a abraçava


de uma forma possessiva e a trazia para cima do meu colo.
Ela não tentou me impedir, e eu agradeci aos céus por tê-la
retribuindo meu beijo e meu abraço com tanta vontade,
enquanto eu deixava cada faísca de desejo me consumir aos
poucos.

Lembrei que deveria estar sendo mais cuidadosa e gentil,


porque eu sentia seus lábios levemente inchados da noite
anterior e lembrava que havia deixado muitas marcas por
toda a extensão de seu corpo.

Mas como diabos eu poderia manter controle naquele


momento? Como poderia resistir minimamente a ela?

Ela puxou - meu casaco - de seu corpo, deixando- a


parcialmente exposta. E eu a carreguei para a minha cama.

Minha boca migrou automaticamente para um de seus seios,


enquanto puxava-a contra mim com cada vez mais força. Me
concentrei no calor que emanava do corpo dela e se chocava
contra o meu, e desejei tê-la ali, daquela forma, para sempre.

Ela voltou a me beijar, agarrando-se em meus cabelos agora


com mais desejo do que antes, então me permiti também
perder o controle e tocá-la da forma que eu queria. Deslizei
uma de minhas mãos para dentro da única peça de roupa que
restava nela, e minha respiração tornou-se inconstante
quando senti que ela já estava completamente pronta e
molhada para mim.

Eu gostava de preliminares, mas como já estava quase a


ponto de explodir, qualquer jogo de sedução ficaria para
depois.

Virei-a na cama, deitando-a de costas no colchão, e sem


cerimônias deslizei para baixo a calcinha que ela usava,
enquanto admirava deslumbrada cada centímetro do corpo
dela.

- Tira...

Fui pega de surpresa pelo som fraco de sua voz, e só depois


de alguns segundos me dei conta do que ela estava falando.
Sem muito jeito, tirei com pressa a calça do meu pijama junto
com a minha cueca e meu top, e voltei a me deitar sobre ela,
que se mostrava completamente receptiva a mim.

Tomei-a em outro beijo furioso, e depois de algum tempo


notei que nossos corpos já faziam, juntos, movimentos
ritmados e ondulados, o que me despertou outra vez para o
fato de que nenhuma de nós duas poderia aguentar aquela
situação por mais tempo.
Ela já havia mais rápida do que eu, e quando me dei conta,
Camila já tinha aberto minha gaveta e tirado de lá uma
camisinha. Fui pega de surpresa por sua força quando ela
conseguiu nos girar na cama, ficando em cima de mim
enquanto abria a embalagem do preservativo e o desenrolava
em meu pau já inchado e latejante que chegava a doer.

Não demorou quase nada, e com uma descida rápida e


decidida, seu corpo envolveu o meu de maneira quase
brusca.

Me contorci com aquele movimento. Ela ficou imóvel por


algum tempo, enquanto fazia com que nossos corpos se
acostumassem melhor com o recente encaixe.

Segundos depois, ela começou a se movimentar de forma


lenta e ritmada, tentando me moldar a ela, e durante todo
esse tempo a única coisa que eu conseguia fazer era observar
seus movimentos precisos.

Embora toda aquela perfeição me fizesse lembrar o motivo


pelo qual Camila era tão boa naquilo, não havia como negar a
beleza da cena.

Ela era perfeita em cada movimento.

Quando consegui voltar a mim, segurei cuidadosamente com


uma das mãos seus quadris, tentando não marcá-la mais
ainda, e com a outra me apoiei no colchão, trazendo meu
corpo mais perto do dela, enquanto me mantinha sentada.

Ela agarrou meus cabelos automaticamente, e por um


momento odiei ver que algumas lágrimas ainda insistiam em
cair pelo seu rosto, mesmo ela não parecendo se dar conta
disso.
- Eu odeio você. - Ela falou de repente, encostando seus lábios
nos meus. Antes que aquelas palavras me atingissem com a
força que eu sabia que atingiriam, ela continuou - Odeio você,
por tudo que me fez passar. Por ser covarde, por ser egoísta,
por me fazer querer morrer sem você. Odeio você por não
conseguir te negar, por não ser forte a ponto de ignorá-la.
Odeio precisar de você, odeio adorar a me render a você. Eu
odeio... Odeio você...

- Eu te amo.11

Foi tudo o que consegui responder. Era a mais pura verdade,


e eu esperava que ela acreditasse em mim, porque nunca na
minha vida me permiti ser tão sincera, nunca me permiti estar
tão submissa a alguém. Mas estar submissa a ela ela não era
um castigo. Não era errado. Era tudo o que eu queria.

Nossos movimentos ficaram fortes e bruscos, mas foi quando


senti a urgência da sua língua na minha outra vez que me
permiti parar de ser cuidadosa e me entregar a ela. Eu não
queria machucá-la, mas era humanamente impossível não
desejá-la de uma forma quase selvagem. Eu sabia que me
arrependeria no dia seguinte pela minha falta de cuidado. Ela
estaria mais machucada, e a culpa seria minha.

Mas ela parecia se importar, e toda vez que eu tentava tornar


mais fraco o aperto que minhas mãos faziam em seu corpo,
ela apertava a si mesma com mais força contra mim.

Não era aceitável, mas meu lado egoísta e possessivo me


permitiu sentir  prazer com o fato de que todas as marcas em
seu corpo agora pertenciam a mim, e a mais ninguém. Eu
ainda me odiava por feri-la, mas saber que ninguém além de
mim a tocaria outra vez me fazia sentir como uma horrível
mulher das cavernas feliz.

Ela estava ali. Comigo. Ela me daria outra chance, e eu não


precisava de nada além disso. Não seria fácil retomar sua
confiança, e eu não podia julgá-la por isso. Mas se iria me
dispor a morrer tentando por alguma coisa, seria para ganhá-
la de volta.

Seria como deveria ter sido desde o início.

Seria por ela.+

***

Capítulo 9

Pov Lauren

Ela não sabia de nada.

Não fazia a menor ideia do que havia acontecido comigo, mas


eu sequer poderia culpá-la. Também não poderiam culpá-la se
ela me odiasse agora, se tivesse tanto nojo e raiva de mim
que quisesse se manter afastada. No final das contas, eu pedi
por isso, porque agi como uma cafajeste.

Eu poderia aceitar quase qualquer coisa, mas teria que fazer


com que ela acreditasse que esse tempo em que nós
estivemos separadas foi muito mais difícil pra mim do que ela
imaginava. Não porque eu queria ter meu momento de mártir,
mas porque ela precisava saber o mal que a falta dela me
fazia.

Flashback on

Ao sair do The Hills no dia em que havia visto Camila pela


última vez, tentei convencer a mim mesma que manteria
distância dela '' para o meu próprio bem. '' Obviamente,
aquilo se mostrou uma ideia tão idiota, que sem exagero
algum, quase me matou.

A primeira coisa que fiz ao chegar em casa foi abrir duas das
minhas melhores garrafas de Whisky e simplesmente acabar
com elas. A culpa de ter feito o que tinha acabado de fazer e
a dor que eu sentia como consequência das minhas decisões
foi o que me convenceu de encher a cara quase a ponto de
entrar em coma alcoólico talvez fosse uma boa saída.

A tarefa de lidar com o desespero que minhas atitudes


trouxeram mostrou-se difícil, então, como a perfeita covarde
que eu sempre fui, me refugiei em várias doses.

Foi só no dia seguinte, vítima de uma ressaca da porra que


beirava à sensação da morte, que eu me dei conta de que a
brilhante ideia de usar álcool para esquecer meus problemas
não tinha sido tão boa assim.

Ally me ligou algumas vezes para o meu celular, talvez


querendo saber o motivo que fez a chefe de uma empresa
não ir para o trabalho em plena terça-feira ensolarada.

Não me importei com as chamadas e me permiti afundar na


tristeza de uma ex-bêbada com dores de cabeça durante todo
dia.
Para fugir das lamentações, esquecendo da estupidez em que
se resumia a minha decisão de usar duas garrafas de Whisky
como remédio para problemas sentimentais, repeti o erro
outra vez, fazendo com que o final daquele dia se tornasse
esquecido no teor alcoólico em excesso que circulava em meu
sangue, mais uma vez.

Não era totalmente uma estupidez. Na verdade, eu não me


importava com que estava fazendo. Por isso, e por saber que
aquilo me fazia esquecer dos problemas, mesmo que me
castigasse depois, me permiti usar esse remédio com uma
maior frequência. Dia após dia, até completar uma semana.

Ally me ligava diariamente, talvez querendo saber se eu


finalmente havia morrido. Atendi uma chamada sua na
quarta, apenas dizendo algo como "não vou trabalhar,
problemas pessoais" e desligando depois.

Esse deve ter sido o motivo pelo qual ela decidiu não ir atrás
de mim até a minha casa, e eu não sabia se aquilo era bom
ou ruim.

Seria bom porque eu não teria que aturar ninguém. Não que
eu tivesse que "aturar" Ally, é claro, ela era minha amiga e
quase sempre muito bem vinda, mas naquele momento eu
não estava com cabeça para quem quer que fosse.

Eu sabia que ela me perguntaria o que aconteceu, e sabia que


ela exigiria os mínimos detalhes de mim, como todas as
mulheres resolvem fazer quando se dispõem a escutar. Mas
falar sobre aquilo doeria muito, porque só de pensar já era
doloroso. Eu teria que lidar com aquilo sozinha, já que havia
tomado aquela decisão sem a ajuda de ninguém.
Eu precisava ser forte e não encher a cabeça dos outros com
os meus problemas.

Ainda assim, eu sentia a falta dela, porque embora eu não


quisesse falar sobre o que estava acontecendo comigo, ela
era possivelmente minha única válvula de escape, a única
pessoa com a qual eu poderia dividir um pouco do meu
sofrimento. Mesmo que significasse contar a ela aquela
história desde o início, e mesmo que eu tivesse quase certeza
de que ela me odiaria por não seguir seus conselhos, talvez
fosse bom desabafar com alguém.

Desabafar tudo aquilo que eu sentia.

Toda aquela mistura de coisas que já estavam me deixando


enjoada. A vontade de correr novamente para Camila e
abraçá-la sem o menor cuidado, pedindo desculpas por tudo o
que eu havia dito. Uma dor dilacerante por saber que eu
provavelmente havia a machucado. A saudade agora
crescente em não vê-la conforme os dias iam passando, sem
saber se ela estava bem.

Estávamos no sábado recebi outra ligação de Ally. Depois de


alguns segundos pensando se deveria ou não atender,
finalmente peguei o telefone e respondi.

- Alô

- Obrigada por atender, agora sei que você ainda tem braços.
Que merda está acontecendo com você?

- Eu já disse, problemas pessoais.

- Eu entendi essa parte. Quero saber o que especificamente.

- Nada que você possa me ajudar.


- Me conte e eu decido se posso ou não te ajudar.

- Eu não quero te contar.

- Por que não? Eu sou a porra da sua amiga!

- Não é nada importante.

- Lauren, eu não insistiria se não soubesse que era algo


importante, e você sabe disso. O que quer que seja, tem uma
importância relevante, já que consegue te colocar bêbada às
10:00 da manhã.

- Por que acha que estou...

- Sua voz já está arrastada. Por favor, me conte. Eu posso


tentar te ajudar.

- Me dá um tempo, Allyson. Eu só preciso ficar sozinha.

- Até quando? Você já está uma semana sem trabalhar.


Quantas mais precisa?

Minha vontade era responder que o número de semanas que


eu precisava para me recuperar era diretamente proporcional
ao número de semanas que eu precisaria para esquecer
Camila. Mas isso só traria discussões que eu estava tentando
evitar.

- Não sei até quando. Nunca fiz muita diferença nessa


empresa, você pode tomar meu lugar em um piscar de olhos.
Por que está tão preocupada com isso? Banque a chefe e seja
feliz.

- Não seja imbecil, estou preocupada com você, e não com o


seu trabalho!
- Não é o que parece. Você quer mandar em mim o tempo
todo, mesmo sendo só minha secretária! Se quer o cargo de
patroa, é só pegar. Ele está a disposição. Só não venha mais
tagarelar ordens, porque eu não aguento mais.1

Não esperei que ela respondesse, desligando logo em


seguida. Ela ficaria irritada comigo, eu sabia, mas aquela era
a minha decisão. Afastá-la de mim parecia prudente, evitando
com que ela se preocupasse comigo em excesso.

Infelizmente eu não estava raciocinando direito, e não entendi


que estava afastando de mim a única pessoa com a qual eu
poderia contar, me deixando completamente sozinha.

Como imaginei, ela não ligou mais. Mais uma semana havia
se passado sem que eu saísse do meu apartamento.

Felizmente, minha cozinha estava bem equipada, e não


precisei sair para compras emergenciais, mesmo porque eu
não sentia fome. O porteiro já havia ido me visitar,
provavelmente querendo se certificar de que meu cadáver
não estava apodrecendo no chão do banheiro. Eu não recebia
ligações, a não ser algumas avulsas de meus pais. Ouvir a voz
deles fez com que um nó em minha garganta quase se
desprendesse em um choro, porque eu estava emotiva
demais e bêbada demais.

Senti saudades do tempo em que eu poderia correr para


minha mãe e me agarrar às suas pernas, me protegendo de
qualquer coisa que me fizesse mal ou me desse medo. Era
uma pena que eu tinha que crescer, e com isso, tivesse que
assumir responsabilidades e tomar decisões.
Eu sempre tomava decisões, mas ironicamente elas pareciam
ser todas erradas.1

Agora, deitada no sofá da sala chorando feito uma criança


abandonada, eu começava a imaginar que aquela decisão
seria mais uma para a minha coleção de decisões idiotas.

Isso doía, mas o pior de tudo era que essa decisão, em


particular, parecia ser a mais errada de todas.

Se fosse certa, não faria sentido eu estar sofrendo tanto. Não


faria sentido me arrepender a cada minuto pelas palavras que
eu havia dito, pelas minhas atitudes. Não faria sentido eu
querer voltar no tempo e apagar essa parte, como se nunca
tivesse existido, fazendo com que agora eu pudesse estar
com ela outra vez.

Seria para o meu próprio bem me afastar dela, então por que
doía tanto?

Tinha alguma coisa muito errada, e minha mente alcoolizada


não podia entender o que era.

***

Mais três semanas haviam se passado sem que eu tivesse


contato com ninguém. Era engraçado como uma pessoa podia
se tornar um vegetal em tão pouco tempo. Bom, seria
engraçado se não fosse trágico.

Agora, a culpa de ter falado com Ally daquele jeito também


ajudava no meu estado depressivo. Eu sabia que ela estava
chateada comigo, eu fui uma babaca. Na verdade, era incrível
a capacidade que eu tinha de ser babaca com tanta
frequência. Era simplesmente maior que eu, e normalmente
quando notava o que havia feito, as pessoas já queriam me
ver morta. Eu sempre fui um pouco lenta quanto a isso, o que
era um pouco irritante.

- Talvez eu devesse ligar e pedir desculpas. - Balbuciei para


mim mesma, e ouvir o som da minha voz fez com que eu
notasse a ambiguidade naquela frase.

Eu deveria ligar e pedir desculpas.

Desculpas para Ally.

Perdão para Camila.

Duas das pessoas aparentemente mais importantes na minha


vida estavam magoadas comigo. E a culpa era minha. Eu era
uma filha da puta.

Fui arrancada de meus devaneios pelo toque suave do


interfone. Se eu bem me lembrava, minhas ordens de
informar a quem quer que fosse que eu não estava em casa
foram bastante claras ao porteiro e a todas as outras pessoas
que andavam pela portaria.

Tudo bem, eu não atenderia. E me entenderia com Austin


depois.

Para minha total surpresa, alguns minutos depois a


campainha soou com mais intensidade do que o normal, e fui
então que pude ouvir vozes discutindo do lado de fora do meu
apartamento. Ainda confusa, rumei para a entrada e abri a
porta, dando de cara com Ally e o porteiro atrás dela, falando
alguma coisa que eu não pude entender.

Os dois me encararam por algum momento, como se


estivessem vendo uma lesma gigante.
Finalmente, Austin falou.

- Senhora, eu tentei impedi-la de subir, mas ela me ameaçou


de morte!1

- Não seja dramático. - Ela falou, debochando.

- Você disse! Saia da minha frente, ou esfaqueio você


enquanto dorme! Isso é uma ameaça!4

Ally virou os olhos e pela primeira vez em muito, muito


tempo, esbocei um sorriso. Essa era uma das reações
involuntárias que ela despertava em mim, e então notei a
saudade que sentia dela.

- Tudo bem, Austin. Pode ir. E não se preocupe com Ally, ela
só é um pouco exagerada de vez em quando.

- Com licença, senhora. - Ele disse, dando um último olhar


desconfiado para ela e entrando no elevador.1

Quando notei, Ally já estava dentro do meu apartamento,


deixando sua bolsa e seu casaco em uma das cadeiras perto
da entrada. Ao se virar e me encarar, senti a vergonha me
tomar completamente. Eu ia me desculpar, ia ter a iniciativa
de começar uma conversa civilizada, mas ela foi mais rápida
do que eu.

- Há quanto tempo você não se olha no espelho?

- Hum? Por quê?

- Porque você está magra, com olheiras, sua cara está mais
pálida do que já é, e seu cabelo consegue estar mais rebelde
do que o normal.
Havia algum tempo que eu não me olhava no espelho. Talvez
uns três dias. E mesmo com aquela descrição tenebrosa da
minha aparência, ela continuou ali, me encarando, sem
parecer estar com medo do meu estado perturbado.

- Bom, não é como se alguém estivesse reparando nisso.

- É claro, você se enclausurou. Parece que não quer ter mais


contato com outros humanos.

Não era esse o caso. Eu não estava propositalmente me


afastando de qualquer companhia humana. O fato era que os
outros eram muito pouco importantes para que eu sequer me
importasse em manter distância.

Esse afastamento veio naturalmente, junto com a minha


vontade de espancar a mim mesma até morrer.

- Desculpa falar daquele jeito com você. - Comecei, puxando o


assunto que estava me incomodando na presença dela - Eu
sou uma idiota.

- Isso eu já sei há algum tempo, Lauren. Não me importo com


seu ADP (ataque de pelanca ), eu sei que aquilo tudo que
você disse foi da boca pra fora. Não vim aqui pra isso, mas
sim para falar do seu problema.

A capacidade de Ally ser tão objetiva me assustava às vezes.


Lá estava eu, parecendo uma hippie desabrigada com meu
pijama azul marinho, e ela debatia sobre o meu '' problema ''
como se fosse algo provavelmente idiota.1

- Você não sabe o que está acontecendo comigo...

- Claro que eu sei. Você está apaixonada.3


Fui pega de surpresa ao ouvir a resposta dela ser dita com
uma voz tão banal. Ela devia estar assim tão certa sobre
aquilo?

- Como diabos você sabe disso?

- Eu sei que a sua família está bem, então seu estado atual só
pode ser por causa de uma mulher. Na verdade, é algo
bastante intuitivo, pra não dizer óbvio.1

Continuei encarando-a como se ela tivesse acabado de fazer


uma verdadeira mágica na minha frente. Quando ela cansou
da minha cara de surpresa e da minha falta de resposta,
deixou-se sentar no sofá logo atrás de si.

- Tudo bem. Qual é o problema? Ela não se rendeu aos seus


encantos?

Aquela era a hora de decidir. Eu não poderia mais mentir


dizendo que suas suposições estavam erradas, já que havia
confirmado no mesmo momento. Só me restavam duas
opções: Ou eu assentiria, dizendo que no final das contas fui
abandonada com uma paixão não correspondida, ou então
falaria toda a verdade.

A primeira opção parecia incrivelmente mais fácil, mas bastou


que eu pensasse em considerar a segunda opção que minha
boca começou a despejar tudo.

- Não é isso. Pode ser também, mas creio que isso seja o de
menos, por mais irônico que possa parecer. Eu simplesmente
não posso ficar com ela, porque... Nós somos muito
diferentes, nossas vidas são quase opostas. Ela...

- O que você sente é retribuído?


- Não.

- Você já deixou claro pra ela que sente algo por ela?

- Não...

- Então como sabe que ela não gosta de você? Ela é


comprometida?

- Eu não posso ficar com ela.

- Por que está tão certa disso?

- Ela é uma garota de programa.

Silencio.

Um silêncio profundo e constrangedor.

- A garota que você está apaixonada?

- É.

- A garota que você está apaixonada é uma prostituta?4

- É.

Mais silêncio.

Eu poderia contar nos dedos as situações em que vi Ally sem


reação. Por isso, vê-la daquela forma agora só fazia com que
um desespero crescente se apoderasse de mim aos poucos.
Eu sabia que minha situação não era trivial, mas seu silêncio
era automaticamente captado pelo meu cérebro como uma
indicação de gravidade. Era mais grave do que eu imaginava,
porque se ela não tinha nada para me dizer, se não tinha
nenhum conselho ou palavra para confortar...

Bom, então eu estava mesmo na bosta.


Depois de um longo e insuportável silêncio, ela falou outra
vez.

- Isso é... inesperado.

Eu não sabia que tipo de resposta esperar dela, mas sabia


que tipo de resposta queria ouvir. Eu queria ouvir que talvez
eu devesse me entregar a esse sentimento.

Talvez devesse dar uma chance a mim, e também a Camila,


para que isso pudesse dar certo. Talvez a próxima coisa que
eu queria mesmo ouvir fosse Ally gargalhando como uma
adolescente com a animação da recém descoberta paixonite
aguda da qual sua melhor amiga estava sofrendo.

Mas além de ser adulta, séria e inteligente, ela era uma mãe
de família. Estava simplesmente fora de questão ouvi-la dizer
que talvez uma garota de programa fosse uma boa escolha,
porque elas estavam posições diametralmente opostas: Ally
era o tipo de mulher que construía uma família e baseava-se
na confiança, no amor e na integridade para mantê-la.

Camila era exatamente o tipo de mulher que ajudava a


destruir tudo isso.

- Pensei que você tivesse parado de ir nesses lugares... Pensei


que tivesse te convencido...

- Eu tinha parado... Mas uma noite eu fui...

Ally continuou me encarando, como se me desse a permissão


para prosseguir.

- Eu a vi pela primeira vez naquela noite. Ela parecia ser só


mais uma menina daquele lugar, e apenas o jeito um pouco
diferente me chamou a atenção. Na verdade, era o que eu
achava, mas desde aquele dia eu tinha notado algo a mais
nela. Mesmo que não tenha me dado conta, ela mexeu
comigo, e na época eu não sabia disso. Hoje eu consigo ver o
estrago que ela fez na minha vida. Ally, eu não queria gostar
dela. Juro por Deus que tentei com todas as forças não sentir
o que eu sinto, juro que tentei me afastar, mas quanto mais
eu ficava longe dela e negava o que estava acontecendo,
mais eu me via amarrada a ela.

Eu sei que deveria ter tomado a iniciativa de sumir assim que


notei ter algo diferente no que eu sentia por ela. Achava que
era só algum tipo de sentimento protetor, mas não imaginava
que fosse se tornar isso. Eu sei que errei em me deixar levar,
mas eu gostava da companhia dela. Eu devia ter notado que a
partir do momento em que aquilo passou a não ser só tesão,
havia algo de muito errado. Eu sei que fui estúpida outra vez,
mas... Ela é adorável. Ela é diferente, é linda, é doce... Não
parece ser o que é. E eu sei que estou me iludindo com isso
tudo, sei que ela só estava fazendo o papel dela, mas acho
que ela gosta da minha companhia também. Ela me disse que
gostava...

- Ela é uma prostituta, Lauren. O que te faz pensar que todo


esse tempo ela não estava atrás do seu dinheiro?

Eu sabia que ela estava pensando aquilo, assim como eu. Se


já havia acontecido com uma mulher no passado, uma mulher
que aparentemente se encaixava na mesma "posição" de
Ally, e não Camila, as chances dessa mesma estratégia ser
utilizada como forma de sedução e posterior golpe do baú por
uma garota de programa poderiam ser ainda maiores.
E enquanto meu lado racional insistia em manter essa dúvida
pertinente viva dentro de mim, meu lado romântico,
esquecido por tanto tempo, insistia em me fazer pensar que
talvez, talvez ela tivesse falado a verdade quando disse que
me queria por perto. Quando disse que eu havia sido a melhor
coisa que havia acontecido na vida dela.

Eu estava falhando outra vez.

Estava me rendendo a inocência, a estupidez, e outra vez


cometia o erro que me fez tanto mal há algum tempo atrás.
Eu não era forte o suficiente para cair de novo, por isso sabia
que precisava resistir a qualquer ideia tentadora. Mas não
havia como negar que era igualmente fraca para conseguir
manter aquela situação como estava: Eu não conseguia
esquecê-la, não conseguia deixar de querê-la, não conseguia
arrancá-la de mim.

Eu permiti que ela entrasse na minha vida com uma força


desconhecida, e só agora, tentando afastá-la, eu sabia a
intensidade dessa força.

- Allyson... - Comecei, me sentindo ser invadida por aquela


conhecida tristeza que me fazia companhia por todo esse
tempo - Eu não sei mais o que fazer. Simplesmente não sei.
Eu tentei não gostar dela, mas não tem como... Não tem
como não gostar...

Ela continuou olhando para mim, agora com um inconfundível


traço de pena em sua expressão, e eu sabia que ela não me
daria conselhos os quais eu quisesse ouvir. Eu sabia que ela
pensava igual a mim, sabia que ela achava que o melhor para
mim, no momento, era continuar longe de Camila. Mas não
era.
- Eu não sei o que falar, Lauren.... Simplesmente não posso te
ajudar.

Eu não esperava que ela pudesse. Na verdade, o único motivo


pelo qual eu queria Ally por perto era para poder finalmente
desabafar com alguém todas essas coisas que me
atormentavam.

Como imaginei, me senti mais leve por todas as confissões


feitas, embora estivesse um pouco mais machucada do que
antes, tanto por tocar nesse assunto como por ter certeza que
Ally não tinha nada para me dizer.

Não poder contar com seus conselhos me deixava um pouco


sem rumo, porque não havia nenhuma situação difícil sequer
em minha vida a qual ela não estivesse ligada, me dando
conselhos ou me passando sermões.

A diferença era que, agora, o assunto era um pouco mais


delicado. Ao mesmo tempo que eu sabia que ela também
achava que eu deveria me afastar de Camila, eu sabia que ela
não falaria isso com todas as letras, porque ela sabia que isso
me machucaria. Assim, não restava nada além de não tomar
partido, o que só fazia com que meu desespero tomasse
proporções maiores.

A olhei sem saber o que dizer, esperando, por um milagre,


que Ally resolvesse mudar de ideia e me mandaria ir atrás
dela. Mas ela não faria isso.

- Volte para o escritório. Eu sei que é a última coisa que você


quer, mas talvez isso ajude. Ocupe-se. Minha mãe costumava
dizer que uma cabeça vazia é a oficina do diabo.

- Eu não consigo...
- Consegue. Você vinha sendo uma diretora muito melhor nos
últimos tempos. Sei que consegue assumir esse papel outra
vez.

- Não consigo, Ally. Não consigo me concentrar em nada.


Nunca me senti tão perdida assim...

- Nem com Beatrice?

Eu sabia o que ela estava fazendo. Ela estava usando a tática


do choque, onde, me lembrando de todas as merdas do meu
passado e das tristezas que eu passei, faria com que eu
imediatamente notasse que aquilo pelo que estava passando
agora não era assim tão ruim.

Mas ela não entendia.

- Não. Nem com ela.

Ally mudou de postura imediatamente, me encarando com


uma expressão de surpresa, enquanto procurava alguma
coisa para dizer. Só agora ela parecia começar a entender
que aquilo tudo não era exagero meu, e eu eu podia mesmo
estar falando bastante sério.

- Eu não imaginava que fosse algo assim tão forte. Nunca


pensei que alguém poderia fazer mais mal a você do que
Beatrice...

- A Camz não me fez mal.

- A Camz do seu sonho?2

Lembrei do dia em que, ainda dormindo, havia deixado


escapar o apelido dela dos meus sonhos, despertando a
curiosidade de Ally.
- É.

- Há quanto tempo você está... interessada nela?.

- Eu não sei... - Comecei, escondendo o rosto nas mãos - Não


sei por quanto tempo escondi de mim mesma toda essa
merda... Não sei se foi no primeiro dia ou no último...

Eu estava a ponto de começar a chorar. De novo. E ter Ally ao


meu lado, servindo de colo, era quase irresistível. Ainda
assim, tentei manter o pouco de força que ainda tinha em
mim e mantive minha postura, não parecendo nada mais
além de uma mulher preocupada.

Por dentro, eu estava desesperada, quase enlouquecendo.


Mesmo longe, mesmo depois de três semanas, ela ainda
conseguia ter aquele tipo de poder sobre mim. Um poder que
eu não conseguia negar, e bastava lembrar dela que de
repente nada mais parecia ser tão importante.

Isso estava me matando, talvez no sentido literal da palavra.

Eu já não sabia quanto tempo não fazia uma refeição decente.


Minha aparência deveria estar lembrando algum tipo de
mulher das cavernas, e minhas noites andavam
extremamente mal dormidas. Quando conseguia dormir,
todos os sonhos que me atormentavam contavam com a
presença dela, e era frustrante saber que mesmo que aquilo
me fizesse mal, ainda assim eu deitaria noite após noite
esperando sonhar com ela outra vez.

Tê-la comigo, mesmo que somente dentro dos meus sonhos,


era consolador. As manhãs tornavam-se tristes quando eu
notava que tudo não passava de um sonho, mas ainda sim, os
poucos minutos em que podia desfrutar de sua companhia
irreal valiam a pena. O problema era que eu estava
começando a me acostumar com a sua lembrança, o que ia
diretamente contra meu objetivo principal: Sobreviver sem
ela.

E conforme o tempo passava, essa tarefa parecia ser tornar


mais difícil.

***

Ally havia me convencido a tentar voltar para o escritório. Não


porque eu fazia alguma falta, já que ela era muito mais
competente do que eu era para administrar os negócios, mas
para o meu próprio bem. Depois de uma conversa que
poderia ser considerada apenas como desabafo e
lamentações, finalmente concordei com ela no ponto de que
talvez eu tivesse mesmo que me ocupar com mais coisas - o
máximo possível - para que minha cabeça não achasse tempo
livre que pudesse preencher com lembranças dela e
preocupações sobre o fato de ela estar bem e feliz.

Agora, já fazia mais de um mês que eu estava longe de


Camila. Eu sentia a sensação de dor, de perda e de vazio
tentar me dominar lentamente, e eu estava quase cedendo.
Não havia mais forças para afastar toda aquela ausência de
vida, porque ela não estava comigo. Mesmo assim, lá estava
eu, comparecendo a reuniões com Ally ao meu lado, enquanto
fingia prestar atenção nos gráficos e nos números de alguma
coisa.

Normalmente, eu não sabia que roupa estava usando. Já


havia esquecido minha mania de mexer nos meus cabelos
para penteá-los. Saía de casa sem passar perfume, e só
passava maquiagem diante de ameaças de morte de Ally. Eu
não me importava com muitas coisas, porque praticamente
nada fazia sentido.

Praticamente nada era importante.

Eu não conseguia esquecê-la. Era desesperante, era


enlouquecedor, mas eu não conseguia esquecê-la. Nem um
dia. Um minuto sequer. Ela sempre, sempre estava comigo.
Fosse em reuniões, na hora do almoço, quando ia me deitar,
dirigindo ou tomando banho. Estivesse eu sozinha ou
acompanhada, bêbada ou não. Não era como uma lembrança
qualquer, a qual eu poderia escolher se pensava ou não. A
presença dela dentro da minha cabeça já havia se tornado
uma pequena parte de mim. Era como respirar. Uma pequena
parte de mim que me mantinha viva, que me mantinha de pé.

Dois meses sem vê-la.

Eu estava ruindo. Aquilo já estava insuportável, intolerável.


Era impossível viver daquele jeito, e de alguma forma, chegar
até ali parecia ter sido sorte.

Conseguir viver sem ela era um milagre.

Ally fingia que tudo estava saindo conforme o planejado, mas


eu a conhecia o suficiente para saber que ela estava
preocupada comigo. Talvez meu estado tivesse mostrando
uma depressão tão profunda que ela temia me ver
enlouquecendo ou cometendo suicídio no final das contas. Por
isso, não estranhei quando fui presenteada por ela com uma
semana de folga, para '' me distrair e esquecer dos
problemas. ''

Tendo mais tempo livre, era claro que as coisas piorariam


consideravelmente.
Por isso, aquela semana foi o início da pior fase daquele
rompimento. Aproveitando minha fraqueza, me permiti baixar
a guardar e simplesmente pensar nela sem culpa quando sua
lembrança vinha até mim. Os primeiros dias foram mais
fáceis, porque eu não tinha que ficar lutando contra mim
mesma para tentar arrancar a imagem dela da minha cabeça.
Mas ao final de semana, meus pensamentos já que estavam
tão tomados pela presença dela que eu me sentia exausta, e
agora que havia permitido que ela invadisse minha mente
com tanta frequência e com tanta facilidade, não havia mais
como tentar afastá-la outra vez.

Ao final de uma semana, eu não consegui voltar para o


trabalho.

Ally voltou a me ligar, e não insistiu quando confessei que não


poderia sair de casa e fazer qualquer coisa que fosse. Talvez
porque eu tenha implorado para que ela me deixasse em paz,
mas ainda assim, eu continuava recebendo ligações diárias
dela. Quando comecei a não atendê-las, ela se contentou em
falar comigo três ou quatro vezes por semana.

Os dias passavam devagar. Eu não tinha nada para fazer, e se


tivesse, não faria. Minha falta de vontade em qualquer coisa
agora estaria tomando proporções preocupantes, se eu
estivesse me importando. Meu estoque de miojo e sopas
prontas estava acabando, já que eram coisas práticas e
rápidas de preparar, quando eu me dispunha a comer algo.
Mais cinco garrafas de Whisky da minha coleção haviam sido
consumidas em pouco tempo. Minha TV não era ligada há
décadas, e o único motivo que fazia com que eu carregasse a
bateria do meu celular, ao ver que tinha acabado, era saber
que se Ally não tivesse mais como comunicar comigo, ela
provavelmente daria um jeito de arrombar a porta do meu
apartamento e me xingaria com nomes inadequados.

Três meses.

Fazia três meses desde que havia visto Camila pela última
vez. Três meses desde que havia sentido aquele perfume, que
havia falado aquelas coisas, que a havia humilhado na frente
de todos os clientes daquele lugar. Aquela era a última
imagem que ela pôde guardar de mim, uma idiota insensível
e estúpida, egoísta e covarde.

Eu era uma covarde.1

Eu estava me matando, e tudo porque não tinha coragem de


assumir que precisava tanto dela. Não tinha coragem de
assumir que ela simplesmente me tinha nas mãos, tinha
medo de que ela poderia fazer qualquer coisa comigo.

Qualquer coisa.

Meus pensamentos eram dela. Minha alegria pertencia a ela.


Minha vontade de fazer qualquer coisa tinha ido embora com
ela. Ela comandava a minha vida inteira, e sequer sabia disso.

Ela não fazia ideia.

- Lauren?

Olhei em volta um pouco surpresa e me dei conta que estava


na sala do meu apartamento, enquanto Ally me encarava de
pé a minha frente. Pela sua expressão, aquele chamado não
havia sido o primeiro. Nem o segundo.

- Sim?
- A porta estava aberta. Então eu entrei.

Há quantos dias minha porta devia estar destrancada?

- Ah.

Ela continuou me encarando, cheia de dúvidas.

- Vim te fazer uma visita, já que não consigo falar com você.

Eu já havia desconectado há muito tempo o telefone da


tomada, e não fazia ideia de onde estaria meu celular naquele
momento. Talvez jogado em algum canto, desligado,
enquanto arquivava provavelmente umas noventa ligações de
Ally.

- Ah... Oi.

- Oi. - Ela falou, analisando minha expressão como se


tentasse se convencer de que eu ainda estava viva. Eu não
respondi, encarando-a de volta sem me preocupar em parecer
saudável ou consciente.

Ally suspirou, me olhando com tanta pena que chegava a ser


humilhante.

- Onde sua cabeça está?

Minha cabeça está com ela.

- Eu só estava um pouco distraída.

Ela me olhou profundamente, enquanto me analisava.

- Você estava pensando nela, não é?

É claro que eu estava pensando nela. Eu sempre pensava


nela. Não havia um minuto sequer em que eu não estivesse
pensando nela.
- O que você quer aqui?

- Eu quero falar sobre isso.

Encarei-a sem vida, enquanto esperava que ela se explicasse.

- Lauren... Você está...

Morta.

Eu estava morta. Não havia uma gota de vida sequer em


mim.

- Eu sei como estou.

- Eu nunca te vi assim. Por que você não reage?

- Porque eu não consigo.

Ela continuou me olhando, mas agora vestia sua postura séria


e decidida, como se estivesse prestes a dar uma ordem.

- Ouça bem o que eu vou te dizer, e não ouse me interromper.

- Ally...

- Você queria ficar com ela, não queria?

Ainda havia alguma duvida?1

- Não queria? - Ela reforçou a voz, deixando claro que aquela


não era uma pergunta retórica.

- Sim.

- Tudo bem. Você sabe que, se ficasse com ela, teria que
esconder a verdade da sua família e dos seus amigos. Para
poupar tanto você mesma quanto ela. Não é?

- Sim.
- E sabe que teria que andar sempre receosa com o fato de
que ela poderia encontrar, a qualquer momento, um cliente
antigo no meio da rua. E você, estando ao lado dela, teria que
assumir o compromisso.

- Eu sei...

- Além disso, você teria que superar o fato dela ter pertencido
a tantas outras pessoas, e que se vendia para todas elas.

- Eu... sei disso... - Fechei os olhos, tentando esquecer a


vontade de chorar que estava quase me dominando.

Por que ela estava fazendo aquilo? Por que estava me


torturando daquele jeito?

- E no final das contas, ela poderia estar interessada só no seu


dinheiro. A partir do momento em que você confiasse nela e
desse a ela o que ela queria, haveria a possibilidade de você
nunca mais vê-la.

Assim como foi com Beatrice.

Abri os olhos novamente e a encarei, sem dizer nada. Ela


estava numerando toda a merda pela qual eu passaria se
ficasse com Camila.

Eu sabia de tudo aquilo, então por que ela estava reforçando


cada um desses pontos?

- Agora, me diga uma coisa: Dito tudo isso, todo o sofrimento


pelo qual você poderia passar... Em algum momento você
deixou de ter certeza de que era isso que você queria?

- Não. - Minha imediata resposta saiu com tanta convicção


que eu mesma me assustei - Se esse fosse o preço a ser pago
para tê-la, eu pagaria.
Então eu entendi. Eu entendi o que era aquilo, o motivo pelo
qual ela estava falando aquelas coisas. Não era tortura, não
era crueldade. Ally não estava tentando me fazer sofrer,
apenas queria que eu enxergasse o óbvio.

Não havia como ficar sem ela.

Não adiantava me torturar tentando esquecê-la, não


adiantava fingir para mim mesma que conseguiria viver sem
ela. Não adiantava ficar longe dela, porque cedo ou tarde eu
acabaria tendo que voltar para ela outra vez, assim como nas
outras vezes em que havia tentado me afastar. Era simples
assim.

Eu tinha que estar com ela. Eu não a esqueceria. Eu me


imaginei ao lado dela, passando por todas as dificuldades
possíveis, e em momento algum enquanto Ally me fazia
aquelas perguntas eu pensei que seria mesmo melhor ficar
sem ela.

Não seria melhor. Seria como estava sendo. Seria um inferno.

Esses pensamentos duraram menos de um segundo para


pipocar dentro da minha cabeça, mas a resposta de Ally foi
igualmente imediata.

- Então, Lauren, sugiro que você vá logo atrás dela.

Foi de repente, mas o sopro de vida que eu senti não poderia


ser descrito. Era como se meu estado semi-vegetativo nunca
tivesse existido. Era como se eu pudesse sair dali
imediatamente, indo de encontro a ela correndo mesmo. Era
uma esperança tão grande se apoderando de mim que a
primeira vontade que eu tive foi rir histérica e
descontroladamente. Meu corpo começou a tremer, não
conseguindo lidar direito com aquela descarga forte de
emoções que me tomavam, e talvez eu pudesse ter algum
problema sério do coração.

- É... Eu vou... eu vou...

- Primeiro, você vai se acalmar.

- Estou calma... Eu tenho que ir...

- Lauren!

Ela falou com a voz um pouco mais alta, mas não chegou a
me assustar. Encarei-a porque estava confusa, e não sabia o
que fazer primeiro.

- Você tem que se acalmar. - Ela repetiu, me olhando nos


olhos.

- Eu estou bem!

- Você não está bem! Está toda vermelha!

Merda. Minha pressão devia ter subido muito rápido.

- Eu não vou ficar aqui e bancar sua babá, minha filha está
com febre em casa, me esperando. Só vim aqui porque, se
você acabasse se matando, eu teria que viver com essa culpa
para sempre. Faça o que você tem que fazer para tentar ficar
melhor. Eu espero do fundo do meu coração que você não se
decepcione. Sei que você está ansiosa, mas por favor, tente
controlar seus nervos antes de sair por essa porta. Eu não
quero que você sofra algum acidente.

- Ok.
Ally se encaminhou para a porta, e eu pude sentir sua
relutância em me deixar sozinha, como se estivesse com
medo que eu fizesse alguma besteira.

- Espero que sua filha fique bem. - Falei, enquanto ela já abria
a porta.

- Deve ser só uma virose. Ela vai ficar boa.

- Ally... - Comecei, antes que ela fosse embora - Obrigada.

Ela me encarou com aquele olhar angelical, e então eu tive


certeza que sua visita tinha sido algum tipo de missão divina.
Ela havia aberto os meus olhos, mesmo estando
completamente contra a situação, e eu devia, mais uma vez,
minha vida a ela.3

Sem notar, eu havia percorrido a pequena distância entre nós,


e agora, estava a abraçando.

Ela retribuiu o abraço, como se fosse uma mãe confortando


uma filha.

- Não me agradeça ainda. Eu não sei se isso vai acabar bem.

Ally saiu de nosso abraço e me deu um beijo no rosto, saindo


logo em seguida e fechando a porta atrás de si, me deixando
completamente sozinha outra vez, da mesma forma que
estive durante todo esse tempo.

Mas agora era diferente.

Eu tinha um objetivo claro: Encontrar Camila e não permitir


que ela fosse embora da minha vida de novo.

***
Talvez fosse prudente se eu tivesse ficado um pouco mais de
tempo dentro do carro, testando minha respiração e
esperando que a vontade de vomitar melhorasse um pouco.

Infelizmente, o desespero em encontrar Camila de novo e


falar com ela me fez estacionar o Porsche na rua de trás, já
deserta àquela hora, e caminhar já com alguma pressa para a
entrada principal do The Hills.

Talvez eu devesse ter dado um pouco mais de tempo a mim


mesma para pensar em algo para falar. Estar cara a cara com
ela outra vez, depois de mais de três meses, não seria trivial.
Eu sabia que não teria reação alguma, então teria que
esperar que ela começasse a me agredir para me mexer e
finalmente dirigir a palavra a ela.

Eu estava orgulhosa de mim mesma, por ter conseguido ficar


em casa por mais de 30 minutos antes de correr para
procurá-la.

Tomei um banho e troquei de roupa, finalmente deixando de


agir em um tipo de piloto automático. Estava bastante
consciente de minha aparência quando me analisei no
espelho, mostrando uma Lauren bem mais magra e com
olheiras. Então peguei meu estojo de maquiagem e fiz o meu
melhor pra esconder minha palidez ao extremo e minhas
olheiras.

Agora, caminhando nervosamente pela calçada vazia, podia


sentir as batidas do meu coração mais rápidas a cada passo.
Eu não sabia o que esperar, mas só a sensação de estar me
aproximando dela me fazia mal e bem ao mesmo tempo.
Mal porque eu lembrava do que tinha feito a ela, e agora teria
que encará-la.

Bem porque, independente de ser apedrejada, estar com ela


curaria muitas das minhas feridas.

Ao entrar no lugar, meu enjoo conseguiu se intensificar ainda


mais, porque havia algum tempo que eu não entrava lá, e
estar ali agora me trazia muitas lembranças. Meu nervosismo,
embora estivesse chegando a me fazer mal, não foi suficiente
para me fazer desistir do que eu tinha em mente. Eu
simplesmente precisava encontrá-la o mais rápido possível.

O lugar já estava cheio àquela hora.

Pelo que eu consegui me lembrar, nada havia mudado ali. A


música ainda tocava suave no fundo, a iluminação ainda era
fraca e aconchegante. Algumas meninas ainda andavam
entre os homens servindo bebidas, e outras se divertiam nos
colos dos clientes.

Mas nenhuma delas era a pessoa que eu procurava.

Andei sem tentar me esconder pelos cantos, enquanto


procurava por ela no meio do salão. Não saberia dizer se
alguém havia percebido minha presença ali, mas também não
me importava. Ela não estava lá, e quando me dei conta
disso, me concentrei em procurar outra pessoa: Chloe.

Não foi difícil encontrá-la. Ela estava, como sempre, sendo


bajulada por clientes antigos, que sempre rodeavam ela
enquanto estavam sozinhos. Ela como de costume, tentava rir
de suas piadas e parecer simpática e receptiva, enquanto
discretamente escolhia a próxima companhia de cada um.
Por isso, notei que a peguei de surpresa quando cheguei até
ela, abrindo caminho e interrompendo, sem nenhuma
educação, o assunto.

- Onde ela está?

Chloe me encarou um pouco surpresa pela minha aparição


repentina, e vi o sorriso falso que ela mantinha no rosto se
esvair aos poucos.

- Onde ela está? - Repeti, não querendo perder mais tempo.

Finalmente, ela pediu licença aos homens que a rodeavam e


rumou para a cozinha, sem se dar ao trabalho de me chamar
para acompanhá-la, já que ela sabia que eu iria.

Ao chegarmos no lugar um pouco mais silencioso, ela me


encarou e falou.

- Ela foi embora.

Fiquei imóvel, sem reação alguma, enquanto aquela


informação entrava na minha cabeça.

Ela havia ido embora? Simplesmente partido? Para onde? E


por quê?

- Ela... - Comecei.

- Foi embora. - Chloe completou, objetivamente - Não trabalha


aqui há um mês, mais ou menos.

Fiquei em silêncio por um bom tempo, tentando lidar com


aquele fato.

Eu não esperava por aquilo. Esperava encontrá-la irada


comigo, talvez indiferente ou triste. Talvez trancada em seu
quarto com algum cliente, mas não aquilo. Realmente não
esperava por aquilo.

- Pra onde? - Finalmente falei, sentindo agora um crescente


desespero me dominar rapidamente.

- Não sei. Ela não avisou. Simplesmente arrumou as malas e


saiu.

Ela havia partido, e eu não sabia para onde. Ela estava em


qualquer lugar agora, qualquer lugar do mundo.

- Como você não sabe pra onde ela foi? Como deixou que ela
fosse embora sem saber pra onde ela iria? - O desespero fez
com que minha voz soasse um pouco mais alta e autoritária
do que o normal.

- Ela não é mais criança, Lauren. Não precisa de uma babá.

- Mas você devia saber... - Gritei, já completamente


desesperada.

Ela continuou me encarando com um semblante calmo, o que


me deixou ainda mais irritada.

Não era possível que ela não entendesse a gravidade da


situação! Não era possível que ela não sentisse aquele medo
que eu estava sentindo agora. Ela podia estar em qualquer
lugar do mundo! Onde eu a encontraria?

- O celular dela! - Falei, tendo um estalo de brilhantismo


repentinamente - O número, me dá o numero dela!

- Não adianta. Depois que ela foi embora, eu e as outras


meninas tentamos falar com ela pra saber onde ela estava,
mas nunca conseguimos completar uma ligação. Está sempre
desligado.
- Não me interessa! Me dá o celular dela!

Eu precisava encontrá-la. Tentar falar com ela, de alguma


forma.

Chloe parecia começar a entender meu estado de pânico


agora, então tirou rapidamente o celular do bolso e me
passou, com o numero dela no visor.

Como ela havia dito, o telefone estava desligado, o que fez


com que meu coração acelerasse de tristeza ao ouvir o
recado de caixa de mensagens dela.

Movida por um pânico crescente, repeti a ligação mais umas


quatro vezes, mesmo sabendo que não adiantaria. Eu não
sabia o que fazer, e continuava tentando pensar em algum
plano - qualquer um - que me ajudasse a encontrá-la.

Fui tirada de meus devaneios pela batida brusca da porta se


fechando atrás de mim. Virei-me e dei de cara com
Samantha, que olhava para mim com uma expressão de nojo.

- O que está fazendo aqui?

- Você! - Explodi, sentindo um pouco de esperança ao vê-la


diante de mim - Ela era sua amiga! Ela te disse pra onde ia!

- Ela não me disse nada. - Ela falou, muito calma, ainda


parecendo completamente inconformada com minha
presença ali - E se tivesse dito, eu não te contaria.

- É mentira! Onde ela está?

- Não é mentira, sua idiota. Ela sumiu. Só Deus sabe onde ela
está, e eu só espero que esteja bem. Porque se ela não
estiver, a culpa vai ser toda sua.
Eu sentia exatamente isso. Embora não conseguisse entender
o motivo pelo qual me culpasse por ela ter partido, algo me
dizia que a culpa de Camila não estar ali era toda minha. E se
ela estivesse sofrendo agora, se estivesse passando por
problemas, onde quer que ela estivesse, eu teria que viver
com esse fato.

Essa certeza aumentou consideravelmente meu desespero.

Só notei que Samantha estava perto de mim quando ouvi sua


voz muito perto do meu ouvido, falando de uma forma suave
e fraca, mas que, ao mesmo tempo, carregava um tom de
acusação que fez com que meu coração doesse.

- Você não sabe o que fez com ela. Não tem ideia de como a
machucou.

Aquelas palavras acabaram comigo. A dor de passar três


meses sem ela era quase fraca, se comparada com a dor que
eu sentia agora. Eu havia a machucado de uma forma que eu
desconhecia, meu comportamento rude foi a última coisa que
ela pôde ter de mim, e pensar que ela sofreu por minha causa
- tanto quanto Samantha deu a entender - era tão horrível
que eu desejei por um momento, deixar de existir.

Fiquei imóvel por muito tempo, sentindo toda a força


daquelas palavras, daquela confissão, me nocautear. Depois
de muito tempo, só Deus poderia saber quanto, me dei conta
de que Samantha não estava mais na cozinha.

Depositei o celular devagar em cima da mesa e me virei para


ir embora. Foi então que notei que não estava sozinha: Chloe
continuava ali, de pé, me encarando.
Retribuí o olhar, quase curvada pelo peso da culpa em minhas
costas e pela dor dilacerante que rasgava meu peito. Eu
queria chorar, mas não conseguia. A crescente desesperança
em encontrá-la novamente me esmagava aos poucos, e fazia
com que eu sentisse a cada segundo mais ódio da minha
atitude covarde e egoísta.

Chloe me olhava com uma pena que eu sabia não merecer.


Eu era uma filha da puta, o máximo que as pessoas deveriam
sentir por mim era raiva ou nojo. Mas ela não parecia pensar
assim. Quando finalmente caminhou em direção à mesa,
pegando ali um papel de um pequeno bloco com caneta e
rabiscando algo, não me importei. Foi só quando ela me
entregou o papel que dei alguma atenção à sua atitude.

- Você conhece? - Ela perguntou, apontando para o nome


escrito.

- Não. - Respondi, mais baixo que o normal.

- É o bairro onde a encontrei antes que viesse trabalhar aqui.


Ela estava em uma rua, mas eu não lembro o nome. Isso é
tudo que posso fazer por você.

Foi discreta, mas a sensação de esperança que surgiu em


mim outra vez fez com que eu me sentisse levemente mais
viva.

Saí às pressas do The Hills, desviando de algumas meninas


que queriam me manter lá dentro, enquanto agarrava com
desespero a única pista escrita no pedaço de papel que
poderia me levar a ela.

Dirigi rápido, com muito pouco cuidado, e foi apenas quando


lembrei das recomendações de Ally - o que foi um milagre,
dadas as circunstâncias - que tentei ser um pouco mais
responsável na direção.

Parei várias vezes em lugares distantes, pedindo por


informações a pedestres. Aos poucos, fui me direcionando
para o lugar que Chloe havia me dado, e uma hora depois eu
havia chegado.

As ruas eram muito escuras e os prédios antigos. Era visível


que o bairro abrigava pessoas de renda baixa, e só de pensar
nos perigos que habitavam cada esquina, estremeci ao
pensar em Camila sozinha, à noite, andando por elas.

Entrei em ruas menores, sem saber para onde ir, e foi então
que me deparei com um dilema pessoal. Eu queria encontrá-
la, desesperadamente. Mas era simples: Eu não poderia
encontrá-la se ela estivesse em algum apartamento, sã e
salva, enquanto assistia tv. Ela tinha que estar na rua, e se
isso acontecesse, eu sabia o que ela estava fazendo.

Ela estaria se oferendo para qualquer um, em qualquer


esquina, por qualquer quantia.

Aquilo despertou tantas sensações em mim que eu tive que


apertar os dedos no volante para me estabilizar. Eu estava
irritada. Irada. Puta. Com tanto ódio que fazia meu corpo
tremer. Ao mesmo tempo, estava desesperada para encontrá-
la de uma vez. E com medo de que algum filho da puta já
tivesse....

- Pelo amor de Deus, cadê você...

Passei por várias ruas mais de uma vez, porque eu não


conhecida nada ali, e todos os lugares em que eu entrava
eram escuros e desertos. Depois de um tempo cheguei a uma
rua um pouco mais larga do que as demais, com pilastras
largas e altas segurando os prédios antigos, muito comprida,
com pouca movimentação, escura.

Nas calçadas, muitas mulheres se espalhavam ao longo da


rua, usando saltos e roupas excessivamente curtas e
vulgares.

Aquilo era horrível. Em todo tempo em que paguei por


garotas de programas, fiz questão de frequentar apenas
casas noturnas de '' porte. '' Eu nunca havia pego prostitutas
de rua, então estar naquela situação estava me fazendo mal.

Primeiro porque eu não estava passando casualmente por ali.


Eu estava naquele lugar propositalmente, encarando e
analisando cada uma das mulheres pela janela do meu carro.
Segundo porque, agora, eu via exatamente o que era aquela
realidade, e o quão degradante e humilhante aquilo podia ser.
E terceiro, porque era naquela situação repugnante que eu
esperava encontrar a mulher que não saía da minha cabeça.

Eu não queria vê-la ali, daquela forma humilhante, se


prestando a isso. Mas ao mesmo tempo, eu precisava
encontrá-la.

Toquei o acelerador com suavidade, deixando que o veículo


andasse muito devagar, me dando tempo para buscar, em
cada uma daquelas mulheres, algum traço que me fizesse
pensar que poderia ser Camila.

Então eu a vi.

A última silhueta antes da esquina, encostada em uma das


pilastras, enquanto os cabelos cobriam seu rosto. Aquele
corpo parecia ser dela. Aquele jeito de parecer não pertencer
àquele lugar parecia ser dela. Mas ela não se vestia daquela
forma vulgar...

Finalmente parei o carro imediatamente à sua frente, e


esperei. A mulher misteriosa parecia se decidir se viria até
mim ou não, e eu tentava lutar com minha falta de ar e com
as marteladas violentas do meu coração contra o peito.

Como se tivesse sido dominada por algum tipo de sexto


sentido, meu corpo reagiu de forma estranha, tremendo com
tanta força que foi preciso quase toda a concentração que
havia em mim para me manter parada.

Eu conhecia bem aquela sensação, aquele nervosismo, aquela


fraqueza e total entrega. Eram sensações que apenas a
presença de um certa pessoa conseguia despertar em mim.

Por isso, antes que a silhueta abaixasse na janela do carona


para me encarar de frente, eu sabia que era ela.

Lá estavam eles.

Por debaixo de uma maquiagem pesada em um semblante


indiferente, aqueles conhecidos olhos cor de chocolate que eu
simplesmente não conseguia esquecer.

Aquela não parecia ser a garota pela qual eu procurava com


tanto desespero, a garota que ultimamente habitava todos os
meus sonhos e lembranças. Não parecia ser a garota pela
qual eu havia me apaixonado acidentalmente, porque não
havia traços de Camila que eu conheci ali. Não havia
resquícios dela, a não ser por uma exceção: aqueles olhos. Eu
os reconheceria em qualquer lugar, em qualquer situação.
Era ela. Com alguns quilos a menos, uma maquiagem escura
extremamente inapropriada para seu tom de pele, o que
tirava bastante de sua beleza natural. Além disso, trajava um
vestido incrivelmente curto e justo, seguindo o padrão de
todas as mulheres naquela rua, e saltos altos que a deixavam
com muitos centímetros a mais. Sua expressão parecia ser
vazia enquanto ela abaixava na janela do carona, mas ao
realmente me enxergar ali, sua máscara de indiferença
pareceu quebrar imediatamente.

Eu fiquei muda e imóvel, porque não sabia como agir. Vê-la


daquele jeito, naquela situação, despertou em mim uma fúria
inexplicável, então eu tive que me forçar a manter a calma.
Era de alguma forma irracional, mas não havia como evitar a
raiva que eu sentia agora. Raiva de tudo e de todos. Raiva
dela.

Ainda assim, foi difícil conciliar essa ira com a sensação de


alívio que me assolou. Eu realmente havia conseguido
encontrá-la, contra todas as chances. Fosse por milagre ou
por sorte, ela estava ali, a poucos centímetros de mim, e se
não fosse pela raiva que pulava dentro de mim, eu poderia
até sorrir.

- Cem dólares.

Minha surpresa em ouvir o som da sua voz, me certificando


de que não fazia parte de mais um dos meu inúmeros sonhos
com ela, foi substituída imediatamente pelo choque do
significado daquela frase. Ela estava cobrando cem dólares
pelo programa. Cem míseros dólares para se vender a mim,
ou o que era pior, a qualquer um que estivesse no meu lugar.
Esse era o preço que ela cobrava para deixar uma pessoa
qualquer tocá-la e tê-la da forma que quisesse: Cem dólares.

Não sei o tamanho do choque que deixei transparecer em


meu rosto, mas não me importei. Aquelas duas palavras
haviam me ferido com uma intensidade que eu não
imaginava, e me senti ainda pior quando achei ver um sorriso
quase imperceptível no canto de sua boca, como se ela
quisesse me ferir de verdade com aquilo.

Eu não sabia o que responder. Minha vontade era de gritar


com ela, de sacudi-la e perguntar o que diabos ela estava
fazendo, e quando abri a boca pra falar qualquer coisa, fui
interrompida por outra voz, que soava ao meu lado, na janela
do motorista. Eu não sabia quem era a mulher próxima a
mim, porque não me dei o trabalho de checar se a conhecia
ou não, mas parecia que ela agora falava algo diretamente
para mim. O que quer que tenha sido, eu não saberia dizer ao
certo, porque o choque das palavras de Camila ainda estavam
me machucando.

Quando finalmente notei que a pessoa não nos deixaria a sós


outra vez, me forcei a desviar os olhos dela, com medo de
que simplesmente evaporasse, e me dirigi à mulher ao meu
lado.

- Você, cala a boca!

Ela pareceu se indignar com as minhas palavras, mas eu não


dei a menor importância a isso, porque havia outra pessoa ali
- a única pessoa que importa - então imediatamente virei-me
outra vez para ela, e ainda com o mesmo tom na voz, falei
outra vez.
- E você, entra no carro!

Me arrependi imediatamente por falar com ela daquela forma,


mas naquele momento a única coisa que eu pensava era tirá-
la dali o quanto antes, e mantê-la perto de mim em qualquer
lugar longe dos outros. Por isso, nada pude fazer a não ser
pisar no acelerador assim que vi Camila bater a porta do
carona ao meu lado.

Flashback off.+

Capítulo 10
Pov Camila

Não sabia em que momento eu havia deixado de sonhar e


finalmente entrei na zona confusa e nebulosa que antecede a
consciência. Meus olhos mantiveram-se fechados. Estava me
permitindo sentir a realidade outra vez, talvez um pouco
mudada pelo sonho que ainda lampejava dentro da minha
cabeça.

- Eu te amo. - Ela disse, e então um milhão de borboletas


começaram a voar dentro do meu estômago. Fiquei muito
quieta, saboreando a sensação de bater asas, querendo mais
do que tudo acreditar na vericidade daquelas palavras. A
alegria começava a me preencher totalmente, mas então
tudo ficou estranho de repente, porque em seus olhos eu
pude ver um traço de confusão e dúvida.

Engoli o sorriso enquanto a encarava, minha cabeça pesando


agora algumas toneladas. Ela me encarava de volta,
parecendo querer manter-se estável e sustentar suas
palavras, mas seus olhos simplesmente não eram
convincentes.

- Você tem certeza?

Ouvi uma voz formular em algo e bom som a pergunta que


me machucava, e me surpreendi ao constatar que aquela era
a minha própria voz, emitida sem que eu sequer movesse os
lábios. Mesmo assim, esperei por sua resposta. Por um
momento. Por alguns segundos. Por muitos segundos. Ela não
respondeu, e ao invés disso, continuou me encarando com
olhos incertos.

Senti uma dor aguda ao constatar que agora, além da dúvida,


havia um inconfundível traço de pena naquele verde perfeito.
Nós duas ficamos em silêncio. Ela sem saber como dizer a
verdade - que havia se enganado, que não era amor que ela
sentia - e eu tentando lidar com a dor insuportável no peito
por ter a rápida e quase inexistente esperança arrancada de
mim em um piscar de olhos.

A dor era muito forte. Insuportável.

Então, eu acordei.

Agora, de olhos fechados, eu inspirava profundamente,


sentindo a angústia dilacerante deixando minha alma aos
poucos. Tinha sido apenas um pesadelo, e embora isso não
quisesse necessariamente dizer que aquilo era apenas minha
imaginação, e eu podia me sentir um pouco mais viva.

De repente, fui atingida em cheio pela dúvida sobre quando


exatamente meu sonho e minha realidade se separavam. Eu
estava acordada, mas desde quando estivera sonhando com
Lauren? Há poucos minutos? Desde que havia deixado meu 
apartamento? Desde a noite em que havia voltado para a
rua? Talvez ela tivesse surgido apenas em meus sonhos, e
então nosso reencontro não fora real. Talvez agora eu tivesse
que voltar para minha antiga vida, na qual dia após dia eu
reunia forças simplesmente para continuar vivendo um pouco
mais.

Com um pouco mais de medo do que eu queria admitir, abri


lentamente os olhos, aos poucos me acostumando com a
pouca claridade do lugar e com a disposição dos objetos e
móveis à minha volta. Era o mesmo quarto presente no sonho
que eu havia tido com Lauren, onde ela havia me achado, eu
havia resolvido confessar a ela meus sentimentos, nós
dormimos juntas, ela me levou para morar em sua casa e,
finalmente, havia se declarado também.

Então, talvez, tudo tenha mesmo acontecido.

Minha mão pesava livremente ao lado direito do meu corpo, o


que me fazia pensar que talvez eu estivesse no limite da
cama, a centímetros de cair dela. Olhei para baixo e constatei
que estava certa.

Virei-me devagar para o lado oposto e dei de cara com


Lauren, ainda inconsciente, tão próxima a mim que apenas
minha metade da cama era ocupada por nós duas, sua
cabeça em meu próprio travesseiro, o dela completamente
esquecido no enorme espaço desocupado do colchão. Nossos
narizes não se tocavam por uma distância mínima.

Ela dormia tranquilamente, seu exercício de expiração e


inspiração era perfeito, profundo e hipnótico. Sua expressão
era serena, um de seus braços relaxado em cima da minha
barriga. Encarei-a por algum tempo, não querendo pensar no
que já estava pensando.

Eu estava convicta de que meu sonho não havia sido


incoerente. Não que eu não quisesse criar esperanças, apenas
estava convencida de que sua declaração da noite anterior
não podia ser levada a sério.

Não que ela tivesse mentido. Eu pude ver de perto a intenção


de cada palavra que ela havia pronunciado.

Mas não havia como deixar de pensar que, ao invés de


mentindo, ela estivesse apenas confusa. 

Para a minha própria saúde mental, eu tinha que colocar


alguns pontos em ordens: Lauren NÃO me amava. Embora ela
parecesse ter sido sincera, cedo ou tarde sua razão voltaria e
ela enxergaria que se enganou. Ela NÃO sentia por mim o que
eu sentia por ela. No máximo, algum interesse carnal
misturado com um sentimento de culpa um pouco deturpado
e com certos exageros. NÃO fazia sentido ela se apaixonar
por mim.

Lauren poderia ter qualquer pessoa que quisesse, em


qualquer momento. Talvez todas elas ao mesmo tempo.

Quando finalmente ela se desse conta desses fatos, eu


acabaria na merda outra vez, tendo apenas um "sinto muito"
para me consolar.

Seu sono tranquilo foi interrompido por um suspiro profundo.


Seu braço abandonou minha barriga e ela se virou de lado,
agora ocupando todo o espaço vazio do seu lado da cama.
Continuei encarando-a, tentando imaginar como eu deveria
agir, o que exatamente eu deveria fazer. Não pude chegar a
conclusão alguma, porque enquanto meu lado racional - e
sensato - dizia para que eu saísse de lá o quanto antes e
retomasse minha vida antiga, a única coisa que me dava
alguma garantia sobre alguma coisa, meu lado
completamente apaixonado e ingênuo me mantinha ali,
dizendo que de alguma forma as coisas se resolveriam sem
que eu tivesse que deixá-la outra vez.

Mas como essa situação poderia se resolver? As coisas


acabariam mal, assim como a primeira vez em que nossas
vidas se encontraram. 

E assim como na primeira vez, eu me via atada, não me


restando mais nada a não ser esperar que tudo ruísse outra
vez.

***

Me levantei com cuidado, não querendo que Lauren sentisse


alguma mudança e acordasse. 

Eu não queria ter que lidar com a misteriosa relação que


surgiria entre nós a partir daquele dia. Não queria ter que ver
em seus olhos a dúvida que eu sabia que, cedo ou tarde,
surgiria. Não queria ter que encará-la outra vez e sentir medo
de perder o que, na verdade, nunca tive.

Recolhi do chão a calcinha e o casaco que estiveram no meu


corpo pelo menos por alguns minutos na noite anterior.
Dando uma última olhada para verificar se ela ainda estava
dormindo, saí e fechei a porta atrás de mim.

Rumei para o quarto onde estavam meus pertences, ainda


empacotados. Procurei por um short confortável e uma
calcinha limpa, descartando a que trazia na mão na mochila
com as roupas sujas. Peguei também minha escova de dentes
e caminhei para o banheiro daquele quarto, feliz por não ter
que usar o do quarto onde Lauren dormia e correndo o risco
de acordá-la.

Tomei um banho demorado, sentindo o aroma agradável do


sabonete e dos shampoo's caros que estavam ali. Escovei os
dentes e me penteei, tentando ignorar meus hematomas hoje
mais visíveis. Ainda assim, sabia que aquela vez tinha sido
mais sutil que a anterior, porque eu sentia menos dores e não
via nenhuma nova marca no corpo. Todas que estavam lá
tinham sido feitas por Lauren na noite do nosso reencontro.

Saí do banheiro muito atenta a qualquer barulho que pudesse


identificar que eu não era a única pessoa acordada naquela
casa. Não escutando nada, segui para cozinha.

Não queria parecer mal educada ou abusada de alguma


forma, mas o fato era que eu estava absurdamente faminta.
Durante muito tempo, minha alimentação foi prejudicada pelo
meu estado vegetativo, mas eram as últimas horas
praticamente em jejum que faziam com que meu estômago
estivesse quase se auto-digerindo.

Tentando não mexer em muita coisa, apenas me servi de um


copo de leite e fiz um sanduíche que consistia em pão,
manteiga e peito de peru. Ao terminar o café da manhã, notei
que nem metade da minha fome havia sido saciada, mas pelo
menos eu não desmaiaria por falta de sais minerais no corpo.

Lavei a louça usada e voltei ao quarto de hóspedes, por fim


planejando o que eu faria, pelo menos por hora. Depositei
todas as malas e bolsas em cima da cama e as abri,
revelando todo tipo de coisa que trouxera comigo.
Comecei com a mala maior, tirando de lá algumas roupas
dobradas e separando uma a uma em duas pilhas: As roupas
que eu continuaria usando, e as que não usaria mais. Não que
eu soubesse o que aconteceria comigo a partir daquele
momento, mas me deixei aproveitar a opção de talvez não
precisar mais usar algumas daquelas peças, as quais muitas
vezes tiver que vestir para o trabalho.

Lauren havia me dito que eu moraria ali, com ela. O problema


era que eu esperava pelo dia em que ela fosse se arrepender
e resolvesse se dar conta de que na verdade, aquela não
havia sido uma boa ideia por isso, aquelas roupas que agora
formavam uma pilha de vestes vulgares e inapropriadas,
incluindo lingeries, não seriam exatamente descartadas. 

Apenas ficariam guardadas no fundo de alguma bolsa.

Outra vez, me lembrei da noite anterior. Suas palavras tão


sinceras, suas declarações aparentavam ser tão verdadeiras,
que meu coração se encheu de uma discreta alegria
novamente. Mas eu estava cética quando áquilo, mesmo que
desacreditar em suas palavras me machucasse, então além
de esperar, eu começava a nutrir uma quase certeza de que
um dia ela voltaria a ver que eu nunca havia deixado de ser
apenas uma garota de programa.

Eu havia acabado minha tarefa. Não foi difícil separar tudo


que um dia eu odiei das minhas roupas casuais, e no fundo eu
sentia um discreto mas inegável alívio em deixar o que não
me servia mais no canto mais escuro e esquecido do quarto
de hóspedes. O pedido de Lauren para que eu não usasse
mais nada daquilo foi apenas o gatilho para que eu mesma
tivesse a atitude de tentar esquecer de tudo que fez parte da
parte mais nojenta da minha vida.

Não havia como não ver aquelas coisas como um tipo de


uniforme, então era óbvio que nós duas concordávamos com
a escolha de deixar no passado tudo que pertencia a ele.

***

Agora, sem saber o que fazer, eu fitava o teto do quarto sem


interesse, deitada de costas na cama, enquanto tentava pôr
meus pensamentos em ordem. Me perguntei até quando
ficaríamos em silêncio uma com a outra, evitando olhares e
toques, como se isso pudesse cancelar a carga de sensações
que viajava entre nós. Até quando ficaríamos em cômodos
diferentes para evitar a presença uma da outra, até quando
aquele relacionamento - fosse ele o que fosse, eu não saberia
dizer - se sustentaria sem nenhum conforto entre as partes.

Eu deveria ir embora... Essa situação não vai ficar melhor...


Tudo está muito estranho entre nós, talvez nunca mude...

- Licença...

Olhei de imediato para a porta ao meu lado, que agora estava


aberta revelando um pouco do corredor por trás do corpo de
Lauren.

Fitei-a, meu coração repentinamente saltando de nervosismo,


esperando pelo que ela tinha a dizer.

- Eu preparei o café da manhã pra gente.

Ah. Isso.

- Eu já comi... - Tive que confessar, sem saber se a fitava nos


olhos ou desviava o olhar - Acordei com muita fome, então
procurei algo pra comer. Desculpe por fazer isso sem seu
consentimento...

- Não peça desculpas. - Ela falou, de forma fria - Você é livre


pra fazer o que quiser nessa casa.2

- A casa é sua, eu não tinha o direito de mex...

- A casa é sua também! Você pode mexer no que quiser!

Ela parecia irritada com minhas desculpas, o que não fazia o


menor sentido para mim. Mesmo assim, achei melhor não
contrariá-la, porque Lauren parecia estar a ponto de gritar
para provar seu argumento.

Era como se minhas palavras a tivessem incomodado, e eu


sequer sabia o que estava fazendo de errado.

Fiquei em silêncio, esperando que ela falasse primeiro.

- O que você comeu?

- Um sanduíche.

Ela suspirou, passando as mãos pelos cabelos e


despenteando-os mais. Relaxei um pouco ao ver que ela
agora estava mais calma.

- Você não comeu praticamente nada nas últimas horas. Eu


queria que você provasse o que eu preparei.

Continuei encarando-a, ainda hipnotizada pela mudança do


tom da sua voz. Eu não sabia se ela era mesmo bipolar ou se
apenas perdia a paciência em certo momento para, no
momento seguinte, tentar parecer gentil. 

- Por favor? - Ela falou, e eu poderia estar ficando louca, mas


jurava que havia visto um biquinho.
Então, pela primeira vez, e eu não sabia por que exatamente
havia demorado tanto para notar isso, reparei que a boca dela
era simplesmente linda.

Linda. De morrer.

Eu ainda estou morrendo de fome. Lauren está fazendo


manha para mim, me pedindo por favor que eu prover o que
quer que ela tenha preparado.

Levantei-me devagar, no processo penteando com os dedos


os cabelos ainda úmidos. Ela suspirou audivelmente, então
sorriu, ainda me encarando, um sorriso tímido mas sincero.
Era como se cada pequena coisa que ela me convencesse a
fazer fosse uma vitória épica, digna de um troféu ou coisa
assim. Então eu quase, quase retribuí o sorriso, mas me
mantive séria ao lembrar que, embora ela parecesse querer
nos convencer do contrário, não estava tudo bem.

Minha seriedade não fui suficiente para abalar seu repentino


bom humor, então pude notar que ela continuou me
encarando e sorrindo enquanto abria caminho para que eu
fosse na frente.

Caminhamos até a cozinha, então me sentei na cadeira da


mesa quadrada sem esperar por um convite. Ela não pareceu
se importar, indo para atrás do balcão e preparando os
pratos.

Quando voltou, trazia em uma das mãos uma jarra com suco
de morango e na outra um prato com ovos mexidos, torradas,
salsicha, queijo e, ao que tudo indicava, molho de ervas. 4
O cheiro maravilhoso de toda aquela mistura fez com que eu
sentisse o peso da fome em meu estômago mais uma vez,
mas ainda assim tentei parecer indiferente.

Ela sentou à minha frente, e então me encarou. Isso fez com


que um arrepio varresse meu corpo de cima a baixo, então
imaginei o quão bom seria quando finalmente eu me
acostumasse ao seu olhar e deixasse de ter esse tipo de
reação.

- Onde está o seu prato? - Falei, querendo cortar o silêncio,


talvez para despistar meu nervosismo.

- Eu já comi. Enquanto estava preparando seu café. - Ela


falou, com muita naturalidade - Belisquei algumas coisas.

Continuei encarando-a, querendo dizer que ela devia comer


direito, porque estava muito mais magra do que costumava
ser. Mesmo assim, continuei calada, tentando sustentar seu
olhar. Imaginei que talvez ela estivesse esperando que eu me
servisse de alguma coisa no prato à minha frente, mas eu
definitivamente não queria que ela ficasse me assistindo
enquanto eu devorava feito uma troglodita faminta tudo o
que ela havia preparado para mim.1

- Eu preciso de uma opinião. Nunca cozinhei pra ninguém,


então talvez você possa me dizer se eu faço isso direito...

Lauren era o tipo de pessoa que parecia saber fazer qualquer


coisa direito, desde a comida a números de acrobacia. Se isso
não fosse o suficiente, contava também o fato de que o cheiro
do café da manhã que ela havia preparado estava
simplesmente divino. Além disso, como amante de uma boa
culinária, eu tinha minhas convicções de que se ela havia se
proposto a cozinhar, então era porque sabia. Por isso, sequer
precisava de uma garfada nos ovos ou na salsicha para dizer
que aquilo estava muito bom.

Mas, por algum motivo, aquilo parecia ser importante para


ela. Então, mesmo não gostando de ter que fazer aquilo
enquanto ela me assistia, levei a boca uma boa quantidade
do que havia em meu prato, enquanto ela me encarava como
quem espera o resultado de um exame de gravidez. Encarei-a
de volta, mastigando com uma lentidão exagerada, e de certa
forma me divertindo com sua preocupação e seu ar tenso. Eu
nunca havia visto esse lado dependente e ironicamente
inseguro de Lauren.1

- Uma delícia. - Enfim falei, decidindo que já era hora de parar


de torturá-la.

Ela sorriu, um sorriso largo e absurdamente lindo, um sorriso


de alívio e alegria.

Fiquei um pouco distraída olhando com a luz que aquele


sorriso trouxe ao ambiente de repente, e eu mesma senti
vontade de retribuí-lo. Mas outra vez, assim como antes, me
forcei a continuar séria.

Uma garfada após a outra, fui terminando meu enorme café


da manhã com Lauren à minha frente, analisando cada
movimento meu com um meio sorriso no rosto. Eu tentava
ignorar sua presença ali, mas ela não deixava, sempre me
servindo de mais suco quando meu copo esvaziava ou,
quando só podia olhar, suspirava sem motivo.

- Quer que eu faça mais? - Ela perguntou no momento em que


coloquei o último pedaço de salsicha na boca.
- Não. Estou muito satisfeita, obrigada.

Ela continuou me encarando, sorrindo de uma forma discreta,


e então me perguntei onde toda aquela postura fria dos dois
dias anteriores estava.

Lauren agora parecia quase inofensiva, alguém exatamente


doce e bondosa que só fazia sorrir de uma forma tão singela
para mim. E então, eu não estava entendendo mais nada.

- Nós vamos sair hoje. Tudo bem?

Encarei-a por um momento, me perguntando mentalmente


onde ela queria me levar.

- Por quê?

- Bom... Pensei em almoçar em algum lugar, e depois sairmos


pra fazer umas compras.

Não respondi, tentando entender que tipo de compras Lauren


gostaria de fazer comigo. Como se entendesse minha dúvida,
ela se apressou em explicar.

- Você precisa de um novo guarda-roupas.

Roupas. Era isso. Ela queria sair pra comprar roupas para
mim.

Talvez isso fosse normal na relação de um casal - e aqui eu


me forcei a pensar dessa forma, apenas para concluir o
pensamento - mas eu deixaria que ela fizesse isso, então?
Deixaria que ela comprasse tudo para mim a partir de agora?
Que ela me sustentasse? 

- Eu não quero que você compre essas coisas pra mim. - Falei
antes de me dar conta de que tinha formulado uma frase.
Vi seu sorriso discreto deixar seu rosto lentamente,
transformando-se em uma expressão contrariada.

- Por quê?

- Por que não quero que você fique me sustentando. Isso faz
com que eu me sinta mal. E inútil.

Encarei agora o prato vazio, evitando seu olhar. Ela ficou um


tempo em silêncio, até falar outra vez.

- Não estou te sustentando. 

- E do que chama isso, então? Me fazer morar de favor aqui,


comprar roupas pra mim, me levar pra almoçar e pagar todas
as despesas que eu dou?

Voltei a encará-la, então vi em seus olhos aquela intensidade


que só podia notar quando ela estava carregada de alguma
emoção. Sua postura voltava a ser firme, mas não fria. Ela
parecia, ao invés de irritada, apenas triste pelas minhas
palavras.

- Eu estou fazendo o que uma pessoa faz quando gosta da


outra. Estou fazendo o que seu pai fazia com sua mãe. Não
estou sustentando você. Estou cuidando de você.

Pensei em alguma resposta inteligente, mas não obtive


sucesso. Ela usou um exemplo impossível de refutar, porque
era a mais absoluta verdade.

Meu pai não sustentava minha mãe, jamais havia sido assim.
Ele cuidava dela, ele a protegia, e estava claro que aquilo não
era algo que ele tomava como obrigação, mas fazia
simplesmente porque a amava. E se o que Lauren estava
fazendo fosse, de alguma forma, remotamente comparável
áquilo, não havia como reprimi-la.

Talvez eu até devesse me sentir lisonjeada, feliz, protegida.


Mas, de alguma forma, eu ainda me sentia mal.
Provavelmente porque o que nós tínhamos não era um
relacionamento dentro dos padrões, como o de meus pais. O
que nós tínhamos era diferente, e o fato desse
relacionamento sempre ter sido baseado em Lauren pagando
pra ter minha companhia talvez contribuísse para que eu me
sentisse sendo comprada em cada pequeno detalhe.

- Mesmo assim, - Comecei, um pouco sem graça, voltando a


evitar seu olhar - eu preferiria pagar minhas coisas...

- Eu quero te dar de presente.

Fechei os olhos, tentando manter nossa conversa em um nível


tranquilo, sem gritos ou palavras rudes.

Minha concentração foi abalada pelo toque do celular dela.

Quando abri os olhos outra vez, ela já havia se levantado,


falando na sala com alguém. Não pude ouvir o que ela dizia,
apenas palavras avulsas, mas pela forma como falava,
parecia ser com uma mulher.

Quando finalmente desligou e voltou à cozinha encarei-a


novamente.

- Você vai conhecer uma amiga minha. Ela está vindo pra cá
daqui a pouco.

***

Então, eu conheceria Ally.


Pelo pouco que ouvira falar, ela parecia ser uma mulher boa.
Essencialmente boa. Ao que me lembrava, havia sido ela que,
na época da crise de Lauren, se dispôs a ajudá-la. Por causa
dela, ela havia saído de uma depressão profunda, e com a
ajuda dela Lauren havia se reerguido. De certa forma, eu já
gostava dela simplesmente por ajudá-la e por se preocupar
com ela. Ironicamente, era justamente por se preocupar com
Lauren que Ally provavelmente já não gostava de mim.

Ela havia contado tudo a Ally, e tudo se resumia no fato de


que eu era uma prostituta pela qual ela pagava algumas
noites. Era óbvio que Ally devia achá-la uma idiota por me
colocar morando ali, e era igualmente óbvio que me julgaria
assim que colocasse os olhos em mim. O pior disso tudo era
que eu sequer poderia culpá-la.

Eu também julgaria qualquer prostituta caso ela estivesse se


aproveitando de um momento de confusão da minha melhor
amiga. Também a odiaria por continuar ao seu lado, porque
afinal de contas minha melhor amiga merecia alguém melhor.
Torceria para que ela simplesmente sumisse da vida dela,
fazendo o grande favor de deixá-la viver sua vida com que ela
merecesse.

Mas eu não podia deixá-la. Não agora, não quando precisava


tanto dela.

Não ainda.

Por isso, teria que enfrentar aquela situação, teria que


enfrentar a forma como Ally lidaria comigo. Eu era uma
intrusa ali, então nada mais normal do que ser julgada sob
todos os aspectos. Isso não melhorava em nada meu
nervosismo, então, pela terceira vez, eu lavava meu rosto no
banheiro do quarto de hóspedes, encarando-me no espelho
como quem busca por alguma força, algum ânimo. Mas a
expectativa de lidar com uma melhor amiga furiosa não
estava nos meus planos para aquele dia, e ser pega de
surpresa também não era minha especialidade.

Enxuguei o rosto e optei por vestir um vestido vermelho


simples, com mangas longas que eu tinha, e coloquei um
conjunto de brincos e pulseiras de pérolas que eram
obviamente falsas. Coloquei também um salto preto, mas não
era alto.

Sem saber direito como proceder naquela situação, fechei a


porta atrás de mim e me dirigi para a sala. Lauren disse que
ela chegaria dentro de minutos, e que apenas queria que nós
nos conhecêssemos. Me perguntei em silêncio se, em uma
situação hipotética onde Ally partiria para cima de mim com
insultos e verdades inconveniente, Lauren me defenderia, se
colocando contra uma pessoa que ela conhecia há muito mais
tempo. Um pouco mais do que isso, algo de egoísta e
mesquinho dentro de mim fez com que eu me perguntasse a
quem ela escolheria, se tivesse que fazê-lo: Ally ou eu.

De qualquer forma, constatar a triste resposta para essa


pergunta fez com que eu pagasse o preço do meu egoísmo.

Cheguei à sala e imediatamente notei que não poderia me dar


ao luxo de qualquer tipo de preparação, porque já sentada,
com um copo de água nas mãos, estava uma mulher loira,
com cabelos lisos e enrolados nas pontas e olhos castanhos
escuros beirando a cor preta, uma brilhante aura angelical e
excepcionalmente bonita.
Ao seu lado, de pé, Lauren parecia não saber direito se
caminhava ou ficava parada no mesmo lugar.

Ally me olhava com uma expressão indecifrável. Não era uma


postura confortante ou amigável de nenhuma forma, mas
tampouco era acusatória ou hostil. Ela simplesmente estava
aceitando minha presença ali, por hora sem fazer pré-
julgamentos.

Seria bastante agradável se nosso encontro se resumisse a


isso, mas infelizmente ela pareceu, depois de alguns
segundos, se dar conta dos meus hematomas, então vi sua
expressão de choque quase disfarçada sob um semblante
bondoso. Isso não tirou de forma alguma, sua beleza.

- Muito prazer... - Minha recente mania em falar simplesmente


para tentar diminuir o tempo de um silencioso mal-estar
estava fugindo do meu controle, mas não me importei.

Agora, eu estendi a mão para ela e esperava que ela a


tomasse.

Ally se levantou com calma, estendendo a mão em resposta


segurando a minha, sacudindo com suavidade. O aperto não
era forte, mas sim firme. A atitude de uma dama, de uma
mulher definitivamente segura.

- Olá.

Eu não esperava que ela dissesse que sentia algum prazer em


me ver. Ally não parecia ser o tipo de mulher falsa ou que
mentia sem nenhum motivo aparente, então era exatamente
esse tipo de resposta que eu esperava dela.
O que eu não esperava era me sentir tão incrivelmente
intimidade por ela, e ela ainda era mais baixa do que eu.
Talvez fosse por sua postura firme ou por sua beleza, que
fazia com que minha auto-estima quisesse cometer suicídio.

- Você é linda.

O som de minha própria voz ecoava de novo, e pelo riso baixo


que Lauren deu, havia ecoado fora da minha cabeça. Então eu
havia dito aquilo em voz alta, sem nenhum motivo aparente,
sem nenhuma explicação. Sequer se encaixava no momento,
mas por alguma razão que só Deus saberia dizer, eu
pronunciei aquelas palavras, e me perguntei se ela me
acharia forçadamente simpática ou algum tipo de puxa-saco.

Tudo nela parecia ser forte, e eu tive a impressão


principalmente pelo olhar que ela sustentava enquanto me
encarava. Seus olhos eram firmes, mantinham uma ligação
direta com os meus, e seu eu fosse um pouco mais paranóica
poderia dizer que Ally estava tentando me ler, desvendar
minhas supostas mentiras e me analisar, certificando-se do
quão boa ou ruim eu era para estar por perto de Lauren.

- Obrigada. - Ela enfim falou, e como se tivessem terminado a


leitura, seus olhos pareceram se suavizar um pouco, quase
imperceptivelmente, mas se mantendo diretamente ligados
aos meus. - Eu me chamo Allyson. Você é Camila, não é?

- Mila. - Apressei-me em corrigi-la - Me chame de Mila.

- Ei!

Lauren finalmente deu algum sinal de vida, interagindo


conosco pela primeira vez. Ally e eu olhamos ao mesmo
tempo para ela, tentando entender o motivo da exclamação.
Ela parecia indignada comigo, me encarando com um olhar de
"como você pôde?"

- Pensei que só as pessoas mais próximas a você, podiam te


chamar assim!

Ally rolou os olhos quase que teatralmente. 

- Não seja mimada, Lauren. Ela se apresenta como quiser.

- Ela se apresentou pra mim como Camila. Eu tive que pedir


pra chamá-la de outra forma!

Encarei-a em silêncio, não sabendo como responder áquilo.


Se meus olhos conseguissem transmitir a ela o que eu queria,
Lauren se lembraria da ocasião em que nos conhecemos,
entendendo que eu não poderia ter me apresentado de outra
forma, e se calaria instantaneamente, evitando um
constrangimento maior entre nós duas. Não sei se obtive
sucesso, mas ela pareceu deixar o assunto
momentaneamente de lado, enquanto ainda me encarava
com uma expressão genuinamente ofendida no rosto.1

Será que ela realmente estava chateada comigo por causa


disso?

- Okay. Discuta seus termos de exclusividade depois, porque


dentro de uma hora eu tenho que estar de volta para a minha
família.

- Certo. - Ela falou, desviando seu olhar de mim para Ally - Eu


a chamo de Camz, então não tem problema você chamar ela
de Mila, fim. - Ela disse com um sorriso satisfeito.

- Tudo bem Lauren. - Ally falou revirando os olhos.


- Então, o que você sugere? - Lauren falou mudando de
assunto.

- Como eu sei que você vai acabar pagando, mesmo que eu te


ameace de morte, fica à sua escolha.

- Perfeito! - Finalizou Lauren, já pegando suas chaves e


colocando-as em sua bolsa, enquanto Ally colocava nos
ombros a bolsa que trouxera consigo. Quando ela veio até
mim, parando alguns centímetros à minha frente e falando
baixo e pausadamente, como quem fala com um doente em
estado terminal, por um momento voltei a lembrar da nossa
atual dificuldade de comunicação.

- Nós vamos almoçar. Preciso conversar com Ally sobre


algumas coisas da empresa. Sei que faz pouco tempo desde
seu café da manhã, mas vou pedir que você venha com a
gente.

Senti o toque suave de sua mão na minha, e


instantaneamente fui atingida pela corrente elétrica que se
estabeleceu entre nossas peles. Se não fosse a mulher parada
à porta, esperando por nós duas, eu já estaria entregue a
Lauren, assim, fácil desse jeito. Por isso, era mais um motivo
pelo qual eu era grata à Ally.

***

A viagem até o restaurante foi silenciosa. Por um momento,


cheguei a pensar que Lauren me perguntaria o que eu havia
achado de minha nova conhecida, que nos seguia em seu
carro logo atrás, mas ela não o fez. Assim, a curta viagem foi
como as tradicionais viagens que nós costumávamos fazer:
Sem qualquer tipo de comunicação, o que mais uma vez fez
com que eu lembrasse da nossa atual situação, como "casal."

Um casal de desconhecidas. De desconhecidas, talvez. Nada


mais do que isso.

Chegamos ao restaurante ao qual não dei muita atenção até


que tivesse entrado. No momento em que atravessei a porta,
me dei conta de que estava em um lugar provavelmente
muito, muito caro, tanto pelo ambiente em si como pelas
pessoas ali presentes. Me senti estúpida e completamente
deslocada, lembrando que minha roupa era apropriada para,
no máximo, um passeio no shopping, e sentindo minha
cabeça ferver aos poucos, enquanto me dirigia à mesa
tentando me esconder atrás de Lauren.

Senti raiva de sua atitude, primeiro por sequer cogitar a


possibilidade em me informar que iríamos a um lugar daquele
tipo. Depois, por não me alertar sobre a minha aparência.

O fato de me sentir completamente fora de lugar era culpa


unicamente dela, mas Lauren não parecia se importar.

Depois de muito tempo, escolhemos os pratos sugerido pelo


maitre e, a partir daí, ela e Ally passaram a conversar entre si,
ambas se esquecendo completamente da minha presença.

Ao invés de me incomodar, esse fato serviu para que eu


ficasse um pouco mais à vontade, completamente sozinha em
meu espaço enquanto, calada, observava o uso correto dos
muitos talheres por parte das minhas acompanhantes,
tentando imediatamente repetir as ações de forma certa e
memorizá-las para uma próxima ocasião.
Ally falou sobre novos contratos, empregados da empresa,
festas de praxe e algo relacionado a arranjos de viagem.

Lauren parecia entretida, respondendo com vivacidade a


qualquer comentário, enquanto eu me mantinha calada e
ignorante a qualquer assunto que elas discutiam. Algumas
vezes, pude ver pela minha visão periférica que Lauren
olhava para mim, mas depois voltava-se para Ally, apenas
como se quisesse checar se eu ainda estava viva.

Por aquele momento, me permiti simplesmente viver o pouco


do que estava acontecendo. Então éramos só nós três, eu,
Lauren e sua melhor amiga, sentadas em uma mesa de
enquanto elas conversavam sobre trabalho, e simplesmente
me deixei levar pela simplicidade da situação.

Como um expectador, eu assistia à minha própria vida, ao


menos naquele momento, sem complicações ou pendências,
e por mais que essa paz me enganasse sobre o que eu
realmente eu tinha que enfrentar, era bom estar daquela
forma.

E então, a presença de Lauren ao meu lado, sua postura firme


e protetora, seu calor e sua voz me faziam bem. Era como se
eu tivesse que estar ali, como se não houvesse outro lugar no
mundo em que eu devesse estar. Mesmo que tudo fosse mais
complicado do que isso.

Por isso, me permiti prestar atenção apenas nela, mesmo sem


realmente escutar suas palavras, mesmo sem tocá-la, mesmo
sem olhar pra ela.

Sua presença agia sobre mim, sem a menor necessidade de


interação.
- Vamos?

Com o susto, meu corpo pulou discretamente no assento,


agora encarando Lauren como se ela tivesse acabado de
aparecer ali.

- Você já pagou? - Perguntei, confusa.

- Acabei de pagar. Você não viu? - Ela me respondeu olhando


preocupada, como se eu estivesse verde.

- Estava distraída. - Murmurei, e dando uma rápida olhada em


Ally, me aproximei de Lauren para falar em seu ouvido. Como
o ambiente era excessivamente silencioso, talvez por causa
da maldita educação de toda aquela gente rica em quase não
falar, eu duvidava que minhas palavras tivessem saído em um
volume audível apenas para Lauren - Pode me dizer quanto
foi?

Ela se afastou de mim, outra vez com expressão de quem


acabara de ser agredida verbalmente. Seu rosto, antes suave,
agora se contorcia em uma careta de raiva. Por fim, falou em
um tom extremamente rude.

- É falta de educação perguntar isso.

Senti meu rosto ferver imediatamente pelas suas palavras,


então tive a certeza de que eu agora parecia uma pimenta.
Extremamente envergonhada, dei mais uma vez uma rápida
olhada em Ally, que nos encarava com um curiosidade
genuína.

- Desculpe. - Comecei, encarando-a outra vez - Não queria


soar grosseira, só queria saber quanto eu te devo.
- Nada. - Ela respondeu, ficando de pé, Ally imitando seu ato -
Não me deve nada.

Como se quisesse compensar sua atitude um pouco ofensiva,


Lauren estendeu a mão para que eu a pegasse, me ajudando
a levantar. Olhei para seu gesto por algum tempo, pensando
na sua simplicidade e, ao mesmo tempo, no tamanho de seu
significado. 

- Podemos conversar sobre isso depois? - Falei, agora


encarando seus olhos verdes.

Ela não se mexeu, sua mão ainda estendida para que eu a


tomasse. De alguma forma, entendi que aquilo não era um ''
não, '' então aceitei sua ajuda, segurando firme sua palma.
Mais uma vez, a pequena corrente elétrica percorreu minha
pele no lugar onde estava encostada a pele dela, e então me
permiti aproveitar e me acostumar com aquela sensação.

Quando Ally deixou a mesa, antes de nós duas, senti os dedos


dela se fecharem e apertarem minha mão com força, não me
machucando, mas sim passando algum tipo de mensagem
como '' não, não quero soltar. ''  E então esse pequeno gesto
fez com que meu coração começasse a bater freneticamente,
como se eu fosse uma pré adolescente descobrindo que eu
crush na verdade era correspondido.1

Só voltei a notar outra vez o mundo à nossa volta quando Ally


se manifestou. Já estávamos na rua, na outra calçada, e eu
não me lembrava de como fomos parar lá. Instintivamente,
quando ela se virou, me forcei a soltar a mão de Lauren, que
pareceu irritada com a minha atitude.

- Vai trabalhar amanhã? - Ally a encarou, interrogativa.


Ela pareceu ponderar por algum tempo, e eu me perguntei o
motivo da dúvida dela. '' Amanhã '' era segunda-feira, por que
Lauren não iria trabalhar?

- Vou. - Ela respondeu, e Ally pareceu se iluminar com sua


simples resposta.

- Vou estar esperando.

Então tive a impressão que Ally não se despediu


adequadamente de Lauren porque, se fizesse, teria que se
despedir de mim também. Por isso, um "até logo" pontuou
sua frase direcionada para nós duas, e a última coisa que
pude ver foi ela entrando em seu carro, dando partida e
sumindo pelo final da rua pouco movimentada.

- Por que soltou minha mão? - Ela quebrou o silêncio, me


encarando com um olhar acusatório.

- Porque Allyson não ia gostar de nos ver... - Comecei, mas fui


logo interrompida. 

- E por que você se importa com o que ela gosta ou deixa de


gostar?

- Não quero que ela goste menos de mim.

Ela recebeu minha explicação calada, e depois de me encarar


por algum tempo, o que constatei ser mais uma profunda e
minuciosa análise, finalmente acionou o segredo do carro e
abriu a porta do carona para que eu entrasse.

- Onde vamos? - Perguntei com o carro já em movimento,


grata a mim mesma por notar que estava desenvolvendo a
capacidade de quebrar o silêncio entre nós duas com mais
facilidade a cada dia.
- Comprar algumas roupas pra você. Como hoje é domingo, a
maioria das lojas que eu queria dar uma olhada estão
fechadas, então vamos ter que ir no shopping.

Me senti contrariada outra vez com a lembrança da ideia de


Lauren.

Tossi para que minha voz soasse mais convincente e mais


segura.

- Eu não quero...

Lauren parou em um sinal vermelho e me encarou outra vez,


com uma expressão de "me escute" que me fez parar de falar
para ouvir o que ela iria dizer.

- Você se dá conta de que sobraram poucas roupas...


"usáveis" na sua mala?

- Sim...

- E que, cedo ou tarde, vai precisar de mais roupas além


daquelas?

- Eu sei...

- Eu poderia até te emprestar algumas roupas minhas, mas


meu número é maior que o seu. Então isso significa que se
não comprarmos mais peças, algum dia você vai ter que
acabar tendo que andar pelada dentro de casa.

Outra vez, senti meu rosto ferver instantaneamente com os


milhares de significados ocultos que eu sabia que ela havia,
propositalmente, empregado naquela frase.2

- Eu só não quero que você gaste ainda mais comigo! - Me


apressei em falar, tentando sentir menos vergonha.
- Quer que eu banque a esnobe e fique te falando o tempo
todo que eu posso gastar a quantidade que eu quiser?

- Não, só quero pagar as minhas coisas.

- Por mim você podia queimar todo aquele seu dinheiro, não
te faria falta alguma. - Ela começou, empregando veneno à
sua voz, e pude notar que não havia sido de propósito, não
para me atingir: Lauren só lembrava onde vinha o pouco
dinheiro que eu tinha guardado, e simplesmente odiava isso. -
Além do mais, sou eu que quero te dar uns presentes.
Portanto, sou eu que devo pagar.

- Você não deve pagar nada pra mim. - Comecei, um pouco


mais exaltada que o normal.

- Qual o seu problema com isso? Por que não aceita?

- Porque eu odeio o fato de que, desde o primeiro momento


em que nos conhecemos, tudo o que você fez foi gastar
dinheiro comigo.

Pontuei a frase já sentindo o peso que ela deixaria em cima


das nossas cabeças. Essa era a mais pura verdade, mas
talvez fosse razoável considerar a possibilidade de não
mencioná-la daquela forma. Infelizmente, as palavras saíram
mais rápido do que meu bom senso, e então todo aquele
significado pairava no ar entre nós, tornando o silêncio
bastante desagradável.

Ela ficou quieta por muito tempo, apenas olhando para frente
e evitando  bater contra um poste. Eu sabia que ela devia
estar puta agora, e desejei que ela soubesse que minhas
palavras não foram propositais. Ainda assim, me mantive
calada, recolhida no meu canto, esperando por sua reação.
- Eu não estou querendo te comprar, Camila. Estou fazendo
isso porque me sinto responsável pelo seu bem estar. E se
você não entende isso, então nós temos um problema
bastante sério aqui.

Continuei calada, absorvendo sua fúria disfarçada pela


suavidade de sua voz, mas depois de algum tempo, o que
parecia suficiente para que ela já estivesse menos irritada,
voltei a falar, em voz baixa.

- Só queria que você me deixasse participar disso também.


Nem que fosse só um pouco. Nem que fosse pra me sentir um
pouco melhor.

Ela suspirou, e então tive novamente a sensação de que


aquilo não havia sido um "não." Me senti um pouco mais
animada com a ideia de que Lauren parecia ficar cada vez
mais maleável com a relação às suas decisões, e então deixei
que o resto da viagem fosse preenchido pela musica do meu
grupo favorito Blackpink - Kiss and make up que tocava no
rádio do carro.6

Nossa ida ao shopping poderia ter sido considerada um


pequeno pesadelo se ela não estivesse lá.

A primeira coisa com a qual tive que me preocupar eram as


pessoas.

Tomada por um pânico crescente à medida que caminhava


pelos corredores, eu mantinha a cabeça sempre abaixada e
os olhos no chão, com receio de que no momento em que
olhasse para algum rosto, o reconheceria como um antigo
cliente. Para piorar as coisas, nós estávamos em um shopping
daquela região, onde todos eram da classe alta, aumentando
minhas chances de ser identificada.

E uma coisa era ser reconhecida como puta estando sozinha.


Outra coisa era ser reconhecida com uma puta com Lauren
Jauregui ao meu lado, o que provavelmente faria com que eu
desejasse morrer de forma rápida e indolor. 

Felizmente, isso não aconteceu.

No início, Lauren fez menção de entrar em determinadas lojas


que eu sabia serem absurdamente caras, só de olhar para a
vitrine e para as caras das atendentes, que me olhavam de
cima a baixo como se eu fosse algum animal de esgoto. Para
cada uma das lojas, eu tentava dar uma desculpa e desviá-la
de seu caminho, mas foi quando eu disse, na sua terceira
tentativa, que não queria entrar porque parecia frio lá dentro,
ela entendeu minha tática.

Pedi pelo amor de todos os deuses para que fôssemos em


uma simples loja de departamentos, e obviamente ouvi
reclamações de Lauren. Ela parecia decidida a comprar coisas
com preços exorbitantes, então quando notei que meus
pedidos não estavam surtindo efeito, garanti a ela que algum
dia poderíamos voltar e escolher as lojas que ela quisesse,
contanto que aquele dia fosse meu.

Ela acabou aceitando, a contragosto, então fomos parar em


uma Macy's. Como queria ir embora logo, escolhi
aleatoriamente peças de roupas de diferentes estilos e cores.
Não experimentei nada, alegando que qualquer coisa do
tamanho P serviria em mim. Por vezes, tentei me separar dela
para poder pesquisar preços, mas quando ela me encontrava,
já nervosa com o receio de que eu pudesse ter fugido dela,
ficava mais furiosa ainda quando me via olhando as etiquetas.

Quando decidi que já havia coisas demais, informei-a de


minhas escolhas, mas ela não reagiu como o esperado.
Parecendo decidida, Lauren me avisou de que não sairíamos
dali sem, no mínimo, o triplo de peças que eu havia escolhido,
e então eu quase quis agredi-la. 2

***

Já era de noite quando chagamos ao apartamento dela. O


porteiro foi, mais uma vez, encarregado de levar todas as
dezenas de sacolas para cima, provavelmente pensando que
eu era algum tipo de aproveitadora barata, me beneficiando
da ingenuidade de Lauren.

Quando o elevador chegou ao último andar, imediatamente


voltei aos meus dilemas e preocupações.

Bastou passar pela porta para que eu me lembrasse de me


perguntar como seria aquela noite - mais uma ao lado dela.

Era o segundo dia completo que eu passava na sua


companhia, e ainda assim as coisas pareciam estranhas.
Felizmente, a quase casualidade daquela tarde de compras no
shopping fez com que um pouco do gelo que existia entre nós
fosse derretendo, mas o bloco gelado, maciço e invisível
ainda estava lá.

Nós não éramos um caso normal, de namoradas ou amantes.

Éramos duas pessoas vivendo no mesmo ambiente e sem ter


ideia de como fazer essa coexistência funcionar
confortavelmente. Éramos duas pessoas com muito medo de
causar dor uma a outra, de dizer coisas que pudessem ser
tomadas como insultos. Éramos pessoas em constante
tensão, quando juntas. Em constante agonia de não saber
como agir, como olhar, como tocar, como sorrir direito.

- Fome?

Me assustei com a sua voz rouca me tirando de meus


devaneios. Não sabia quanto tempo havia se passado desde
que chegamos ali. Notei que estava sentada na cama do
quarto de hóspedes, já podendo considerá-lo como meu por
me sentir tão mais à vontade ali, sozinha, do que no outro
quarto de Lauren, em sua companhia. O que não significava
necessariamente que eu me sentisse melhor.

- Não. Não costumo jantar.

Notei que sua expressão parecia levemente decepcionada,


mas antes que eu pudesse dizer a ela que eu não estava
negando tudo que ela me oferecia de propósito, Lauren falou
outra vez.

- Ah... Tudo bem então. Se mudar de ideia me avise. Eu


preparo alguma coisa. Tem frutas na geladeira também.

- Ok. - Falei de forma simples.

- Ok... - Ela começou, com aparência cansada - Eu vou tomar


banho e me deitar, então. Não estou acostumada a ficar
andando por tanto tempo em um shopping.

Ela voltou a falar outra vez, pude notar em seu nervosismo


evidente que tudo o que havia dito até agora era só uma
desculpa que levaria o tempo necessário para que ela me
sondasse.
- Você vem? Quero dizer, agora ou depois?

Ela tinha receio que eu quisesse dormir no "meu" quarto, por


isso se apressou em me dar apenas uma opção: Não se, mas
quando.

Sem o menor motivo, estava cada vez mais evidente agora


vê-la nervosa e insegura me divertia de certa forma, por mais
cruel que aquilo pudesse parecer. Era como se me consolasse
o fato de saber que ela também tinha suas fraquezas, e que,
principalmente, sua maior fraqueza era eu mesma. Era como
se, de repente, eu não me sentisse tão pequena, tão
diminuída perto dela. Era como se eu fosse mais um pouco
importante do que eu sempre imaginei. Ser valorizada por
uma pessoa era uma sensação desconhecida para mim, mas
ser valorizada pela mulher que eu amava, se era isso que
estava acontecendo, era melhor do que qualquer coisa.

- Não sei. - Me esforcei para dar a resposta mais ambígua


possível - Acho que também preciso de um banho. - E,
dizendo isso, olhei para o banheiro à minha frente.

- Claro... - Ela começou, um pouco distraída - Vou deixá-la à


vontade...

Lauren permaneceu no lugar, me encarando sem dizer nada,


mas seus olhos eram expressivos, e de repente quase pude
ouvi-los pedir para que eu não a negasse. Não sabia quando
havia adquirido a capacidade de lê-la com tanta clareza, mas
o fato era que eu sabia exatamente o que ela queria dizer.

Finalmente, ela se deu conta de que estava demorando mais


do que o normal ali, então se retirou do quarto, me deixando
sozinha outra vez.
Então, eu me perguntei: Até onde iria o meu contentamento?
Até onde eu chegaria para vê-la perder o controle?

Pov Lauren

Já era a terceira vez que eu passava pelo canal 107 da minha


tv. Cada canal demorava precisamente um segundo diante de
meus olhos, talvez por uma lógica inconsciente que me fazia
contar, através do clique no controle remoto, o tempo que
Camila estava demorando.

Aquela noite estava anormalmente quente, por isso eu estava


sentada na cama, olhando pateticamente para a enorme tv
de plasma à minha frente, apenas vestindo uma calça de
moletom cinza e um top branco, não prestando atenção em
absolutamente nenhum programa que passava rapidamente
pelos meus olhos.1

Por que ela estava demorando? Talvez fosse melhor verificar. 

Mas e se Camila tivesse decidido não dormir aqui?

Ela viria me avisar?

Canal 201. 202. 210. De volta ao canal 1. Canal 2. Canal 25.

Meu dedo parou em cima do botão '' próximo '' quando ouvi a
porta do quarto sendo aberta ao meu lado. Imediatamente,
olhei para o lugar e a vi fechando a porta atrás de si, me
encarando com simplicidade.

Ela tinha os cabelos molhados, caindo em ondas pelos ombros


magros, que contrastavam com seu tom de pele moreno. As
únicas peças de roupa que vestia eram um shortinho preto
quase igual uma cueca box feminina confortável e uma blusa
justa branca, que tinha uma palavra escrita: Stussy, que
delineava sua cintura e seus seios. Os hematomas por toda a
extensão do seu corpo eram evidentes, esverdeados e roxos,
e então me perguntei se ela havia feito aquilo de propósito,
para me lembrar da animal descuidada que eu era.

Meu coração começou a bater de forma descompassada por


uma série de motivos. 

Primeiro, ela estava ali. Ela não havia se negado a vir até a
mim, e isso tudo era o que eu queria.

Segundo, ela estava absurdamente linda e gostosa com


aquelas roupas simples e com aquela expressão calma, o que
fez com que meu corpo reagisse instantaneamente, e então
apertei um pouco as pernas para não deixar evidente o início
de uma ereção.

Mas foi pelo terceiro motivo que senti minha cabeça girar um
pouco e meu nervosismo atingir um nível alarmante, a ponto
de me fazer pensar que talvez pudesse ter um ataque
cardíaco ou algo parecido. No exato momento em que ela
fechou a porta, por algum motivo sobrenatural talvez, uma
lufada de vento me trouxe um perfume que há muito tempo
eu não sentia. E foi exatamente aquele perfume que fez com
que meu corpo subitamente parecesse uma gelatina
derretendo.

Fechei os olhos e inspirei uma vez.

Duas vezes. Três vezes, testando meu auto-controle e


principalmente minha sanidade. Quatro vezes, e o perfume
parecia cada vez mais forte. Cinco vezes. Seis vezes, e então
tudo que eu podia sentir era aquilo, como um tapa na cara,
como a lembrança desesperante de um vício adormecido, e
que voltava para me atormentar com uma força assustadora.

Abri os olhos e a vi ali, à minha frente, alguns centímetros de


mim, me observando calmamente, mas com um leve toque
de preocupação ou curiosidade. Sem dizer nada, ela tirou o
controle remoto das minhas mãos e apontou para a tv às suas
costas, sem nem ao menos olhar, desligando o aparelho e nos
deixando em um quase total silêncio, que era comprometido
unicamente pela minha respiração pesada e desesperada. 

- Eu sei que você não quer lembrar nada do passado. - Ela


começou, e eu não conseguia fazer mais nada além de ouvir -
Mas o creme melhora as minhas marcas. Você sabe disso.

Eu sabia disso, mas não conseguia confirmar.


Momentaneamente temi que todos os músculos do meu corpo
tivessem sofrido algum tipo de choque e que não
funcionassem mais. Mas minhas suspeitas foram descartadas
assim que comecei a sentir meu pau latejar de excitação, e
talvez ele estivesse até se mexendo, o que seria
dolorosamente vergonhoso, mas eu não conseguia me
importar.

Não parecendo notar esse detalhe, ela continuou:

- Prefere que eu tire?

- Não! - Minha voz saiu fraca, mas convincente. Então, afinal


de contas, eu conseguia ter alguma reação  - Pelo amor de
Deus, não...

Ela continuou me encarando, os olhos muitos vivos e talvez


querendo esconder um delicioso contentamento. De repente,
me perguntei se não era exatamente esse seu objetivo: Me
ter completamente perdida e descontrolado em suas mãos,
entregue e submissa a ela de uma forma constrangedora.

Se esse fosse o caso, eu não poderia me importar menos.

Se era assim que ela me queria, era assim que ela me teria.
Não porque eu concordaria com aquilo -  apesar de que sim,
eu concordaria - mas porque, no momento, não havia a
menor possibilidade de lutar contra o poder que ela tinha
sobre mim. Aquele poder era grande demais para que eu
conseguisse evitar.

Sempre foi, sempre seria.

Talvez com o objetivo de finalmente me matar, ela colocou


cada uma de suas pernas ai lado das minhas e sentou no meu
colo, sem quebrar a ligação entre nossos olhares, e então
começou a brincar com seus dedos em mim, trilhando
caminhos entre meus seios e minha barriga sem nenhum
motivo aparente, e fazendo com que os pelos da minha nuca
se eriçassem todos ao mesmo tempo.

Como era inútil tentar esconder a rigidez evidente entre


minhas pernas, até porque ela agora estava sentada ali, não
me mexi, apenas reunindo o mínimo da força necessária para
formular uma frase.

- Está fazendo de propósito?

- Estou.3

Claro que sim. Ela sabia do poder que tinha sobre mim.
Qualquer idiota poderia dizer isso olhando para meu estado
quando ela estava por perto.
Fui tomada pelo antigo pânico de saber que ela tinha total
convicção da minha dependência, e que, por consequência,
poderia fazer qualquer coisa comigo.

Mas dessa vez, eu não deixaria que esse medo me abalasse,


então eu sabia que Camila me tinha nas mãos, mas não me
restava nada a não ser aceitar essa verdade.

Além do mais, de certa forma, eu estava amando aquilo.

De forma provocadora, mais ainda ainda me encarando com


olhos inocentes - uma característica dela que me enlouquecia
- ela escorregou seus dedos outra vez para baixo, atingindo
meu umbigo, mas dessa vez não parou aí.

Com uma calma que me fazia ter vergonha do meu próprio


descontrole, ela puxou o elástico da minha calça, envolvendo,
sem cerimônia nenhuma, meu pau extremamente duro entre
suas mãos pequenas, e sem ter o tempo para pensar em mais
nada, senti seus lábios tocando os meus.

Não era um beijo grosseiro ou desesperado. Era um beijo


suave, lento, molhado, mas com um erotismo e uma
intensidade que fizeram com que meu corpo, já
completamente em chamas, começasse a tremer de prazer,
literalmente.

Nossos lábios se moviam devagar, sincronizados, deslizando


de uma forma incrivelmente gostosa, como jamais pensei que
um beijo pudesse ser. Sua língua invadia minha boca
lentamente, como se quisesse explorar cada centímetro dela,
como se quisesse encontrar diferente formas de encaixe, e
esse movimento estava em uma perfeita e hipnótica sincronia
com suas mãos em meu pau. Toda aquela mistura de
sensações fez com que eu tivesse a certeza que, em algum
momento daquela noite, de alguma forma, eu acabaria
perdendo o controle.

Eu precisava de mais oxigênio do que conseguia inspirar, por


isso minha respiração era alta. Sem o menor cuidado, envolvi
meus braços no corpo fino dela e puxei o mais perto possível.
Nosso beijo se intensificou, parecendo mais urgente, mais
sensual, e as únicas coisas que me impediam de entrar em
combustão eram sua pele fria do banho e seus cabelos, ainda
úmidos.

E somado a tudo isso, aquele perfume.

O que se seguiu depois disso foi muito rápido, pelo menos


para a velocidade do meu raciocínio naquele momento, então
as próximas coisas das quais eu tinha ciência eram meus
dedos puxando com violência seu short junto com a calcinha,
deitei ela com a bunda virada para mim, e meti sem dó
deslizando com uma incrível facilidade para dentro dela, me
enterrando completamente lá. 5

Fiquei me movendo devagar, concentrada naquela nova


sensação. Sua boceta conseguia ser mais quente e mais
macia do que eu costumava sentir, por isso precisaria de
muito menos para chegar a um orgasmo agora. Movi seu
corpo para trás lentamente, entrando e saindo, me
acostumando com o encaixe de nossos corpos e com a
incrível sensação de senti-la plenamente, sem nenhum
obstáculo.

Sem nenhum obstáculo. Sem nenhuma proteção.5


Só então me dei conta de que, no calor do momento, havia
perdido completamente a cabeça e a penetrando sem
preservativo. E o mais estranho era que, embora devesse
estar muito preocupada com isso, eu não conseguia voltar a
mim. Devia me preocupar porque, mesmo querendo esquecer
seu passado, não podia deixar de lembrar que como uma
garota de programa, ela podia ter alguma coisa... Eu não
sabia...

Então, ela se virou para mim e eu me encaixei nela de novo,


mas agora de frente. 

- Não se preocupe. - Ela falou, me olhando nos olhos e, pela


primeira vez, mostrando sinais de vulnerabilidade.

Continuei encarando-a, sem mover um músculo sequer, e me


perguntei se ela realmente tinha noção do dilema em que eu
me encontrava.

- Eu quero... Não sei se eu posso... - Comecei, mas logo


entendi que sim, ela sabia exatamente pelo que eu estava
passando.

Suavemente, Camila encostou seus lábios nos meus e falou,


uma voz muito baixa:

- Estou limpa... Eu prometo...

Eu acreditei nela, porque seus olhos eram um tipo de espelho


de sua alma. De alguma forma, eu sabia que ela estava
falando a verdade. Mas em todo caso, mesmo que Camila
estivesse alguma doença, já era tarde, porque não havia
nenhuma chance de me afastar dela agora, de parar o que já
havia começado.
Agarrei seus cabelos com força e a puxei para mim
novamente, sentando-a no meu colo novamente, tomando-a
em um beijo, ao contrário de antes, furioso e urgente. Ela
surgiu à minha atitude retribuindo o beijo e se agarrando aos
meus cabelos, enquanto se movia metodicamente, fazendo
com que meu pau saísse e entrasse em seu corpo cada vez
mais fundo. 

Cada descida que ela dava arrancava um gemido meu,


abafado por sua língua na minha, e tão rápido quando pensei
que seria, senti o primeiro orgasmo chegando com força.

Tentando evitar meu clímax, rapidamente mudei nossas


posições de novo, colocando-a deitada no colchão e me
posicionando em cima dela. Tratei de tirar sua blusa, terminei
de tirar meu top e minha calça que estava em meu tornozelo,
e chutei ela para longe.

Sem esperar, meti nela outra vez, enquanto deixava meu


rosto apoiado em seu pescoço e inspirava profusamente o
perfume de amêndoas.

Cada vez que sentia uma nova onda explosiva de desejo se


aproximando, eu fazia com que nós mudássemos de posição.
Com o tempo, essa sensação foi surgindo sempre com mais
frequência, e em determinado ponto eu já não conseguia mais
segurar o que tinha que sair. No último segundo, saí dela com
muita rapidez e deixei que o meu esperma esguichasse em
sua barriga, enquanto um pouco zonza, eu voltava de um
maravilhoso estado de inconsciência.

Mas eu não estava satisfeita, ela muito menos.


Depois de uma rápida busca, usei sua blusa branca para
enxugar os resquícios de porra e, poucos minutos depois, já
pronta outra vez, eu recomecei nossa noite.

Então, dessa vez, eu pude aproveitar cada sensação de como


era comê-la de muitas maneiras, em muitas posições, sem o
risco de um iminente orgasmo instantâneo.

Quando nossa noite chegou próxima do fim, eu estava


exausta.

Camila parecia prestes a dormir a qualquer momento, e


quando se deu conta disso, apressou-se em levantar e rumou
para o banheiro, em busca de um banho. Quando ouvi o
chuveiro sendo ligado, sem saber muito bem se minha
repentina ideia seria bem vinda ou não, fui me juntar a ela
debaixo da ducha morna.

Como ela se mostrou novamente receptiva a mim, fizemos


sexo mais uma vez, e eu me perguntei se seria capaz de
parar com aquilo caso ela nunca negasse.

Provavelmente não.

***

Quando voltamos para o quarto, vesti minha calça cinza e


meu top e notei que suas roupas - tanto a blusa quanto a
calcinha e short. - estavam em estado de calamidade pública.
Ela pareceu entender isso antes de mim, e foi resmungando,
já sonolenta, para seu lado da cama, deixando-se cair ali e
cobrindo-se com o lençol, sem se importar em vestir qualquer
coisa.
Sorri de sua personalidade rabugenta que nunca havia
conhecido, então deixei no cesto de roupas para lavar as três
peças de roupas encharcadas e fui me juntar a ela na cama.
Já quase inconsciente, me agarrei ao seu corpo
automaticamente, e ao sentir um resquício do perfume que,
eu suspeitava, um dia seria a casa da minha morte, comecei a
sentir um início de ereção outra vez.

Ri de minha própria reação inapropriada, embora involuntária,


me contentei com fato de que aquilo não era minha culpa,
mas sim dela.

Assim como tudo que eu sentia ultimamente. 

Meus medos, meus descontrole, meu nervosismo, minha


alegria. 

Era culpa dela. +

***

Capítulo 11

Pov Camila

Eu andava por uma grande quantidade de pessoas, todas


homens. Na tentativa de não esbarrar em ninguém, meu
corpo desviava dos vultos que passavam, todos indo na
direção oposta à minha. Minha cabeça mantinha-se abaixada,
meus olhos no chão, e foi quando os levantei pela primeira
vez que notei: Todos eles me encaravam.
Eu não sabia onde estava. Imediatamente, desviei novamente
os olhos para baixo, e por algum motivo me dei conta de que
Lauren caminhava ao meu lado.

Senti um alívio libertador com sua presença, mas foi quando


nossas mãos se tocaram acidentalmente que ela falou.

- Aqui não.

Encarei-a, cheia de dúvidas. Lauren continuava olhando para


frente, imponente, caminhando de forma segura. Então, como
um estalo, me dei conta do que estava acontecendo: ela
sentia vergonha de mim.

Vergonha de me assumir como alguém que deveria estar ao


seu lado. Vergonha do que todos eles, que caminhavam
contra nós, pensariam se nos vissem de mãos dadas.

Lauren sentia vergonha de ser vista com uma puta.

- Camz...

Abaixei a cabeça, não conseguindo encará-la. Não


conseguindo formular uma frase sequer, porque uma tristeza
imensa me calava.

E então, eu estava sozinha outra vez.

- Camz...

Eu estava sozinha. Ela não me amava. E eu sabia disso.

- Camz... acorda...

De repente, tudo que eu conseguia ver era seu rosto, um


pouco longe, mas seus olhos verdes muito próximos. Fui
voltando à realidade lentamente, sua presença tomando
forma diante de mim.
Era ela. Suas mãos passando suavemente por entre meus
cabelos. Seu perfume me trazendo de volta à consciência
mais depressa.

Depois de um momento breve, consegui me situar, e lá


estava eu, de volta ao quarto de Lauren, deitada em sua
cama, coberta por muitos dos lençóis embolados. Ela estava
ajoelhada, arrumada e perfumada com um tipo de blazer
cinza escuro, muito próxima ao meu rosto. Mais próxima do
que o necessário.

- Desculpa te acordar tão cedo. É que eu tenho que ir


trabalhar.

Pisquei os olhos algumas vezes, atordoada por causa do sono,


mas com um alívio imenso em estar fora do meu pesadelo.
Que horas deviam ser?

- E você vai ter que ficar aqui.. sozinha.

Ela não tirou os olhos de mim. Também não se moveu um


centímetro sequer, ou parou de me tocar. Mas eu podia ver
que alguma coisa a incomodava.

- Você...vai ficar? Promete que não vai embora?

Medo.

De novo, ela estava com medo de que eu a deixasse. De


novo, ela considerava essa possibilidade, e me perguntei o
motivo pelo qual eu mesma já estava começando a esquecer
dela.

- Eu vou ficar.

Ela continuou me encarando, como quem quisesse buscar nas


minhas palavras alguma pista de que aquilo era mentira.
Pisquei algumas vezes para tornar meu olhar mais firme, até
que ela finalmente pareceu acreditar em mim.

- Essa casa é sua, ok?

Não respondi, mas ela não pareceu se incomodar.

- Deixei o número do meu celular anotado, está em cima do


criado mudo do quarto de hóspedes. Qualquer coisa que você
quiser, ligue pra mim. E fique à vontade. Vou estar de volta à
noite.

- Ok. - Respondi, olhando diretamente nos olhos dela.

Permanecemos em silêncio por um bom tempo, e pela


primeira vez em muito tempo aquele silêncio não era
desconfortável. Não era um silêncio carregado de
desconfianças, segredos ou perguntas caladas. Era apenas
aquilo.

Como se fosse a atitude mais natural do mundo, Lauren


curvou-se um pouco para baixo e me beijou delicadamente
nos lábios. Eu poderia protestar por ter acabado de acordar,
mas me deixei levar pela sensação de ter seus lábios tocando
com tanta suavidade os meus, em um ato singelo, mas com
um significado tão grande que fez com que as batidas do meu
coração perdessem o ritmo.1

- Até logo.

- Aham... - Foi minha resposta.

Ela saiu, me deixando sozinha naquele quarto imenso, e eu


fiquei ali, completamente derretida e apaixonada por ela.

Merda.
Fiquei por um longo tempo me espreguiçando e ronronando
feito gato nos lençóis amassados, não sabendo se queria
sentir o cheiro do corpo dela ali ou o cheiro do perfume que
agora estava suspenso no ar. Mas qualquer um dos cheiros
me dava arrepios, então eu não me importava.

Como passar horas pensando nas noites que eu tinha com


Lauren parecia ser agora minha mais nova mania, foi o que
fiz. Lembrei dos seus beijos, seus toques, do seu evidente
descontrole quando entrei em seu quarto. Nunca entendi
exatamente o motivo de toda aquela fixação pelo perfume do
meu creme, mas não poderia ter ficado mais claro que aquilo
a fazia perder a cabeça.

Sorri com a lembrança de tê-la tão submissa a mim, tão


entregue e impotente. De alguma forma, vê-la dessa forma
fazia com que eu acreditasse, mesmo que por um momento,
que ela realmente gostava de    mim, e que aquilo tudo não
era fruto de um distúrbio de personalidade ou sentimento de
culpa por parte dela. Tê-la daquela forma fazia parecer que
ela realmente me amava, que era minha.

Como que para fortalecer minha esperança, fiquei remoendo


o fato de termos feito sexo sem camisinha. Aquilo devia
significar alguma coisa. Talvez não muita, mas alguma coisa,
qualquer coisa, devia significar. Era como se ela não tivesse
medo de ficar comigo, mesmo sabendo do meu passado. Era
como se pudesse aceitar. Como se, no fim das contas, valesse
à pena arriscar.1

Será que ela realmente gostava de mim mais do que eu


pensava?1
Não seja idiota. Se transar sem camisinha significasse amor,
não existiriam tantas mães solteiras pelo mundo.

Minha racionalidade. Sempre estragando meus momentos de


alegria e esperança.2

O relógio do criado mudo marcava 06:45h, o que achei ser


muito cedo para levantar. Por isso, resolvi me aconchegar
mais nos travesseiros macios e me deixar ser embalada pelo
sono outra vez.

***

Acordei uma hora depois, e agradeci aos céus por não ter tido
um novo pesadelo. Me mexi um pouco na cama, agarrada ao
travesseiro dela, e então fiquei estática e atenta ao ouvir a
porta da sala bater.4

Lauren havia dito que só voltaria de noite, mas de qualquer


jeito não faria sentido estar de volta uma hora depois de ter
saído.

Ouvi passos de um lado ao outro, e quando finalmente me


convenci de que não havia como identificar a pessoa que
acabara de entrar no apartamento, levantei de um salto da
cama e, notando que estava nua, corri para o armário,
procurando alguma peça de roupa que me serviria.

Tudo que encontrei foram camisas sociais, e me perguntei


onde infernos estariam os enormes e largos casacos dela ou
até mesmo as blusas normais. Corri para o closet, tentando
mexer o mínimo possível nas suas coisas, mas foi quando os
passos começaram a se aproximar que o pânico me tomou e
eu me vi obrigada a vestir a primeira camisa social ao meu
alcance. Uma peça azul bebê muito macia e perfumada com o
cheiro dela.

Saí do enorme closet e dei de cara com uma senhora que já


entrava no quarto sem cerimônias. Me perguntei se havia
acordado na casa certa, e se sim, por que Lauren não havia
mencionado a existência de uma senhora baixinha e gordinha
em sua vida, fosse ela quem fosse.

- Deus, me desculpe! Pensei que não houvesse ninguém aqui!


- Ela começou, se desculpando com um olhar esbugalhado - A
sra. Jauregui não trazia ninguém aqui há tanto tempo... Mil
desculpas...

Continuei à sua frente, encarando-a completamente confusa


mas feliz em sentir que a peça de roupa que usava cobria
todas as partes do meu corpo que ela não deveria ver.

- Mas você deve ir agora, minha querida. - Ela continuou, com


uma expressão doce e compreensiva - Você sabe... Talvez ela
te ligue pra que vocês saiam juntas outra vez...

Eu estava tão confusa que, depois disso, provavelmente teria


ido mesmo embora, não fosse pelo fato de que, na verdade,
eu não tinha para onde ir. Mas como explicar isso a ela?

- Ah... Eu acho... Eu moro aqui...

Os olhos dela se esbugalharam outra vez, dessa vez tão


abertos que pareciam poder saltar para fora das órbitas.

- Ah meu Deus, desculpe senhorita! Eu não sabia... Eu sou


uma idiota, não devia... Me desculpe, eu pensei que a
senhorita era mais uma... Mas é claro que é especial... A
senhorita é namorada dela.
Ela pensou que eu era "mais uma"?  Mais uma o quê ? E
quanto à parte de ser namorada dela?

Bom, eu não sabia como responder àquilo, então fui grata por
não ter sido uma pergunta, mas sim uma afirmação.

- Vou deixá-la à vontade. Me desculpe...

Ela começou a sair, ainda resmungando baixo para si mesma


coisas como "idiota" e outros xingamentos, mas a interrompi.

- Está tudo bem... Qual é o seu nome?

- Me chamo Guadalupe. - Ela falou, ainda parecendo muito


arrependida. - Venho arrumar o apartamento da sra. Jauregui.
Eu queria que ela tivesse me avisado... Não teria dado esse
vexame...

- Muito prazer, Guadalupe. Eu me chamo Camila, mas pode


me chamar de Mila.

- Muito prazer.

Sorri para a mulher de meia idade, e ela retribuiu o sorriso.

Senti uma enorme gratidão a ela por não olhar para mim
como quem estivesse me julgando ou me analisando, o que
fez com que minha simpatia por ela fosse imediata.

- Vou sair pra que possa se arrumar. Desculpe invadir assim o


quarto, é que eu realmente não fazia ideia...

- Está tudo bem. Obrigada.

Guadalupe finalmente se retirou, me deixando sozinha outra


vez. Convencida a tornar aquela situação o mais normal
possível, respirei fundo e rumei para o quarto de hóspedes.
Ao entrar no banheiro, não encontrei minha escova de dentes
ou a toalha que estava usando durante aqueles dias.
Intrigada, procurei nas malas e bolsas, mas também não
estavam guardadas.

Lauren havia mexido nas minhas coisas enquanto eu estava


dormindo?

Voltei para seu quarto, então vi, no banheiro, minha toalha


branca estendida no segurador, exatamente ao lado da preta
dela. Minha escova de dentes, inconfundível por sua cor rosa-
choque fluorescente, pendia ao lado da sua no porta-escova.
Encarei aquilo por algum tempo, me permitindo sentir uma
pequena sensação de alegria com todo aquele significado, e
foi ao me olhar no espelho, ainda distraída, que vi meu
próprio reflexo sorrindo de volta para mim.

Havia tanto tempo que aquilo não acontecia que me assustei


momentaneamente com a imagem.

Outra vez, me distraí pensando no fato de como Lauren podia


ser o motivo da minha mais profunda tristeza e, ao mesmo
tempo, a cura para ela. Eu sabia  a resposta desse quebra-
cabeças, afinal não era burra, mas não deixava de ser curioso
e, mais do que isso, um pouco assustador, chegar à óbvia
conclusão de que ela simplesmente era importante demais.

Escovei os dentes, tomei um bom banho, me sequei, penteei


meus cabelos, tudo isso sem nunca deixar de pensar nela ou
de lembrar os momentos da noite anterior. Talvez não
importasse quantas vezes nós ficássemos juntas, a manhã
seguinte seria sempre recheada com as recordações do que
aconteceu entre nós, e a sensação dela em mim não me
deixaria tão cedo.
Mas não era como se eu estivesse reclamando.

Saí do banheiro e senti um vento excepcionalmente frio. Corri


até meu quarto e tirei rapidamente da mala de roupas
''apropriadas'' uma calça jeans, calcinha, meias grossas, duas
blusas e um casaco de lã.

Passei meu creme em pontos estratégicos, vesti as peças de


roupa e levantei um pouco a gola para esconder alguns
hematomas ainda visíveis em meu pescoço. Deixei a camisa
de Lauren pendurada atrás da porta e finalmente caminhei
para a cozinha.

Guadalupe já tinha preparado algumas coisas para o nosso


café. Me senti feliz em sentar à mesa com ela e manter uma
conversa agradável. Escondi dela os detalhes que deveriam
se manter escondidos, mas na maior parte do tempo fui eu
que fiz as perguntas.

- Então, você trabalha aqui há muito tempo? - Comecei,


dando um último gole no café. 

- Há três anos. Venho às segundas, quinzenalmente, pra dar


um jeito na casa. 

- Eu achei estranho, porque Lauren não mencionou nada...

- Sim, a sra. Jauregui também não me informou sobre a sua


presença aqui. - Ela falou envergonhada, ficando vermelha ao
lembrar do que havia acontecido alguns minutos atrás - Mas
não a culpo. Ela andou meia perturbada ultimamente, sabe.
Fora dos eixos.

- Fora dos eixos?


- Sim... No início, quando ela ficava o dia todo deitada, pensei
que fosse preguiça. Mas ela não voltou mais pro trabalho, e
também não comia direito. Na verdade, ela não fazia muita
coisa além de olhar pro teto. Quando ouvi uma conversa do
sra. Jauregui com a secretária, entendi que tudo não passava
de uma paixão não correspondida.

Guadalupe pontuou a frase e me olhou interrogativamente,


mas não disse nada. Senti um pequeno frio na barriga, o
impulso de quebrar o silêncio me tomando aos poucos,
mesmo sem ter certeza do que estava prestes a falar.

- Aham... Não sei... Talvez eu possa ter algo a ver com isso,
mas...

Ela pareceu repentinamente elétrica em sua cadeira, me


encarando com mais brilho do que nunca.

- Quer saber ? Eu acho ótimo que alguém como a senhorita


tenha aparecido e a tenha feito sossegar. Não que a sra.
Jauregui não fosse uma boa pessoa, mas... A senhorita sabe...
Há um momento na vida de uma pessoa em que ela tem que
amadurecer quanto a certos assuntos...

- Ela não era madura em certos assuntos ?

- Bom... - Ela começou, se arrependendo de ter tocado no


assunto - A sra. Jauregui é uma mulher muito bonita e rica, e
ainda é "especial." É claro que a senhorita sabe o quão fácil
certas coisas são pra ela.

- Eu imagino.

- Ela nunca namorou ninguém. Desculpe dizer isso, mas acho


que não deve ser segredo... Ela trazia muitas moças aqui.
- Hum... - Murmurei, sentindo meu rosto começar a esquentar
de forma desagradável e uma raiva irracional me tomar
lentamente.

- Era horrível, eu tinha que me livrar das pobres coitadas pela


manhã. Algumas entendiam, acho que queriam a mesma
coisa que ela. Mas outras pareciam realmente tristes.

- Entendo...

- Mas então, pelo visto, a senhorita apareceu, e ela parou


com... bom, com essa péssima mania. A sra. Jauregui nunca
mais trouxe ninguém aqui enquanto estava daquele jeito. Na
verdade, ela parou com isso até um pouco antes, o que
estranhei. Só depois veio a depressão. Eu até me acostumei a
não encontrar ninguém no quarto. Por isso entrei daquela
forma hoje, e sinto muito por isso.

- Foi por isso que você disse que achava que eu era mais
uma? Mais uma das... - Mais uma das mulheres descartáveis
de Lauren.

Era isso que passava pela minha cabeça, mas que eu não tive
coragem de dizer.

- Sim. Mas não há como negar que a senhorita é diferente. Eu


só a vi ficar quase da mesma forma há algum tempo atrás,
quando uma aproveitadora barata a traiu. Mesmo assim, digo
"quase" porque dessa vez ela ficou pior. E se me permite dar
a minha opinião, levando em consideração tudo que vi a sra.
Jauregui passar dessa vez, acredito que a senhorita a tenha
nas mãos.2

Ponderei suas palavras, imaginando se havia alguma


possibilidade de serem verdadeiras.
Primeiro, como era possível Lauren ter ficado pior longe de
mim do que na época de seu rompimento com a tal
"aproveitadora barata" que eu sabia ser Beatrice ?

Até onde eu sabia, essa havia sido a única mulher


suficientemente importante para conseguir tocá-la de alguma
forma. Além disso, como eu poderia tê-la nas nas mãos já
que, como supunha, Lauren poderia escolher qualquer mulher
do planeta? Por que justamente eu seria sua escolha?

Por que aquilo parecia tão difícil de acreditar?

Talvez porque, diferente do que Guadalupe pensava, os


papéis naquela história estavam invertidos: Era Lauren quem
me tinha nas mãos.

- E acredito que isso seja ótimo - continuou ela, me fazendo


voltar à realidade - porque não é saudável alguém ficar com
tantas pessoas diferentes.

Fitei-a por um momento, imaginando se sua atitude comigo


mudaria caso resolvesse contar a ela a quantidade de
pessoas com as quais eu já havia ficado. Cheguei à óbvia
conclusão de que Guadalupe nunca mais olharia na minha
cara.

- Não... Não é saudável. - Falei antes que pudesse impedir as


palavras de saírem de minha boca, mas ela felizmente não
entendeu o real significado.

Notei que ela me fitava, então sorri de forma simples, apenas


para passar a impressão de que estava tudo bem. A mulher
sorriu de volta para mim, me analisando um pouco.
- Você parece uma boa moça. Minha intuição diz que vocês
vão ficar bem.

Trabalhando durante três anos ali, era de se imaginar que


Guadalupe conhecesse Lauren, mesmo que pouco. Por isso,
novamente tomada por uma onda de otimismo e nenhuma
racionalidade, me deixei embalar pelo pensamento de que ela
poderia estar certa quando disse que eu era especial, e que
também acertara quanto ao meu futuro com Lauren. Talvez
porque quisesse me prender desesperadamente a qualquer
situação, mesmo imaginária, na qual ela também me amava.
Talvez porque estava cansada de proibir a mim mesma de
acreditar em um possível romance entre nós.

Talvez, pelo menos momentaneamente, fosse melhor


acreditar que nós poderíamos ficar juntas. Porque me
entregar a esse pensamento diminuía um pouco a angústia
que martelava no meu peito durante todo aquele tempo.

- Espero que você esteja certa.

Queria dizer que tentaria com todas as minhas forças fazê-la


feliz, se ela quisesse, e queria que ela soubesse o quanto eu
amava Lauren. Mas eu sabia que não conseguiria deixar tudo
isso claro, então finalizei a conversa com mais um sorriso
sincero, esperando que Guadalupe pudesse ver, através dos
meus olhos, que fazer com que nós ficássemos bem era tudo
o que eu queria.

***

Meu dia foi melhor do que eu pensava. A companhia de


Guadalupe fez com que eu me sentisse animada como não
me sentia havia muito tempo. Enquanto ela arrumava e
limpava a casa - que, tive que confessar, não via necessidade,
já que tudo parecia no lugar - nós conversamos sobre todo o
tipo de banalidades. Como meu tempo não estava sendo
ocupado com absolutamente nada além de tagarelar com
minha mais nova amiga, decidi ajudá-la com a arrumação,
mesmo sob uma chuva de reclamações e "não precisa,
senhorita!"

O almoço foi preparado por ela. Não por vontade minha, mas
porque Guadalupe quase me ameaçou de morte quando fiz
menção de chegar perto do fogão. Ainda assim, fiquei
contente com o ar leve e despreocupado que nossa amizade
tomava em tão pouco tempo.

Me tranquilizei quando minha oferta para trocar as roupas de


cama foi aceita. Não que houvesse algo para ver ali, mas
alguma parte irracional em mim fazia com que eu me sentisse
desconfortável em deixá-la tão próxima das evidências
invisíveis de algumas noites sem pudor entre mim e Lauren.

É claro que ela sabia o que acontecia, mas ainda assim, não
precisava ser explícito.

Graças a ela, pude conhecer o resto da casa, ainda


inexplorado por mim até então.

Descobri um espaço aconchegante que ficava logo depois do


meu quarto, com sofás confortáveis de couro preto e uma tv
enorme, equipada com um sistema de som invejável. Mais
para os fundos, um pouco escondida, se encontrava uma
discreta biblioteca, de aparência mais clássica do que o resto
da casa, em tom de madeira com cortinas claras e uma
lareira central imponente. Ainda havia mais um quarto, quase
do mesmo tamanho que o meu, um banheiro social grande,
um pequeno escritório com dois computadores e uma sala
menor que consistia toda ela, em um tipo de adega,
comportando não só vários tipos de vinho, como também
garrafas de whisky de diferentes anos, protegidas da
temperatura baixa do ambiente por uma divisão específica.

Para minha total surpresa, conheci ainda uma área nos fundos
do apartamento que dava para uma linda piscina de porte
médio no chão claro, e dividia espaço com uma ducha na
parede, e também tinha uma pequena sauna. 

- A sra. Jauregui nunca vem aqui.

Me perguntei o motivo, já que o lugar parecia extremamente


relaxante. Como resposta, Guadalupe deixou clara sua
disposição em limpar aquela parte que tinha esperanças que
agora ela seria devidamente aproveitada.

Minha cabeça foi invadida outra vez por diferentes


combinações de pensamentos extremamente impróprios de
nós duas ali, e então me perguntei quando foi que eu havia
começado a desenvolver a constrangedora mania de pensar
em sexo a cada inocente menção de nós duas juntas e
sozinhas.

Guadalupe acabou seu trabalho perto das 19h, e fiquei um


pouco desanimada com a ideia de vê-la ir embora, me
deixando ali sozinha. Ter alguém com quem conversar sem
preocupações estava começando a me fazer falta, como
agora eu podia notar (Lauren não contava, porque nós não
conversávamos.) Tudo o que fazíamos era escolher bem
algumas meia dúzias de palavras para manter um mínimo
necessário de comunicação. Além disso a presença dela ali
fazia com que eu não tivesse como pensar nas coisas ruins
que ultimamente pensava. Ela ocupava minha cabeça com
assuntos simples e distrativos.

- Não vai esperar Lauren chegar pra pagar a você? -


Perguntei, esperançosa com a possibilidade de fazê-la ficar
mais um pouco.

- Ela deposita na minha conta.

- Ah.

Abri a porta pra ela, sentindo meu desânimo começar a dar


sinais de vida outra vez.

- Como não vou mais vê-la por algum tempo, espero que a
senhorita tenha um feliz Natal.

- Como? - Perguntei, um pouco confusa.

- Tenha um feliz Natal - Ela repetiu pensando que eu não


havia escutado.

Mas eu havia escutado muito bem. O problema foi não


conseguir processar a informação.

Por que ela estava falando em Natal? Em que data nós


estávamos, afinal?

- Que dia é hoje? - Finalmente perguntei, depois de algum


tempo em silêncio.

- 21 de dezembro.

Voltei ao meu silêncio mórbido, deixando aquele pedaço de


informação escorrer como calda quente de pânico da minha
cabeça aos meus pés.

- Está tudo bem, senhorita?


Tossi algumas vezes, tentando trazer de volta minha voz.

- Sim, claro. Um... feliz Natal pra você também, Guadalupe.

Ela continuava desconfiada de minha reação estranha, mas


finalmente se deu por vencida e pegou o elevador, fazendo
com que eu me tornasse a única pessoa naquele andar.

Fechei a porta, tentando abranger todas as possibilidades e o


tamanho dos problemas.

Primeiro, precisava comprar um presente. E se fosse levar em


conta que Lauren havia me dado, para dizer o mínimo, uma
casa de presente, esse nível seria difícil de atingir.

Segundo, eu precisava saber se nós passaríamos o Natal


juntas. Pelo que eu sabia, ela tinha família. Em algum lugar do
planeta. Era de se esperar que fazendo com que tudo se
tornasse um pouco mais complicado para mim: Se ela fosse e
me deixasse aqui, o que eu achava mais provável as coisas
ficariam ainda mais confusas dentro da minha cabeça já
perturbada. Se ela me levasse junto, eu entraria em algum
tipo de crise de pânico.

Terceiro, eu precisaria da ajuda de Ally para resolver essas


questões.

Respirei profundamente, tentando oxigenar o máximo


possível meu cérebro, e ainda com a mão na maçaneta,
fechei a porta. Fiquei algum tempo tentando entender como
era possível ficar alheia ao Natal, mas no final das contas, ao
lembrar de tudo pelo qual havia passado naqueles últimos
três meses, já não estava mais surpresa em estar tão
completamente perdida.
E de repente, o frio invernal da época natalina começou a
fazer sentido.

Decidi que falaria com Ally no dia seguinte, de alguma forma.


Infelizmente, isso implicaria em deixar Lauren ciente disso, já
que não havia como ter contato com ally sem o intermédio
dela, mas eu imaginava que, uma vez deixado claro que o
assunto entre nós duas era particular, ela não insistiria em
saber do que se tratava.

Como não tinha muito mais o que fazer, e como me preocupar


com essas coisas não adiantaria de nada - embora eu não
conseguisse deixar de lado a preocupação - resolvi me ocupar
com coisas pequenas e aleatórias até o momento em que já
não estivesse mais sozinha.

Fiz uma busca em minhas malas pelo carregador do meu


celular, há meses esquecido sem bateria. Quando finalmente
consegui ligá-lo, fui bombardeada por milhares de mensagens
na caixa postal e ligações perdidas.

Sem muito interesse, deixei-o em cima da cama sem procurar


saber de quem eram as chamadas.

Me permiti ligar o aquecedor da sala e do quarto de Lauren, já


que a noite havia trazido um frio ainda mais intenso.

Tomei um banho quente e, ignorando o arrepio que percorreu


minha espinha ao sair do banheiro, vesti a camisa dela que
ainda estava pendurada atrás da porta do quarto.

Rumei para minha nova parte preferida do apartamento,


achando o interruptor e acendendo as luzes dentro e em volta
da piscina.
Não era demais, nem de menos: A iluminação e a sensação
que ela passava ali eram simplesmente perfeitos.

Toquei a superfície gelada de leve com os dedos, mexendo


um pouco com a água, e sentei em uma das cadeiras de
madeira, fitando os azulejos iluminados e as ondulações na
superfície.

Encostei na cadeira e respirei fundo. Para minha alegria, as


coisas pareciam estar se tornando gradativamente mais
fáceis. O motivo eu não sabia, mas, diferente de antes, minha
cabeça não trabalhava freneticamente em busca de
respostas.

Era como se a exaustão mental pela qual eu estava passando


estivesse sendo substituída por algum tipo de aceitação, e
embora isso pudesse acabar me machucando a qualquer
momento, a sensação de calma fazia com que eu não
precisasse remoer pedaços do passado ou dúvidas do que
seria o futuro a partir de agora.

O tempo que fiquei ali era incerto. Embora o dia tenha sido
cansativo ajudando Guadalupe com a casa, eu não estava
cansada. Por isso, me mantive acordada, mesmo com o
ambiente relaxante. Não sabia que horas eram, e não queria
saber, porque isso implicaria em relacionar imediatamente os
ponteiros do relógio com a chegada de Lauren, transformando
minha paz momentânea em ansiedade.

Ouvi um barulho muito baixo, o que imaginei ser a porta da


sala. Meu coração, como de costume, começou a pular
freneticamente no peito, mas me mantive imóvel, tentando
com tanta vontade me forçar a ficar calma que deixaria
qualquer monge budista orgulhoso.
Os passos dela foram ficando cada vez mais rápidos conforme
o tempo passava, então me perguntei se isso poderia
significar um pânico crescente por não me encontrar em
nenhum dos outros cômodos. Meu impulso foi gritar para que
ela viesse logo e me visse ali, mas me contive, ainda imóvel,
enquanto exercitava minha respiração.

Ela entrou de repente, já se preparando para dar meia volta e


continuar me procurando pelo resto da casa. Quando me viu
ali, suspirou alto, e me perguntei se essa era sua nova mania
ao me encontrar em qualquer lugar.

- Quer, por favor, parar de fugir de mim?

- Ainda estou dentro da sua casa, não? - Respondi, e me


surpreendi com o tom calmo em minha voz, enquanto sentia
meu estômago dar voltas de 360 graus em todas as direções.

Ela não respondeu.

Ao invés disso, se aproximou devagar enquanto mexia no


cabelo. Lauren ainda vestia o blazer enorme de inverno cinza
escuro, o que a deixava, além de linda, extremamente
charmosa.

Foi quando ela me alcançou que pude notar a única flor que
ela trazia em uma das mãos, que agora me era oferecida.
Peguei a Camélia branca sem pensar, sentindo as pontas dos
dedos formigarem levemente, e como se pudesse estudá-la,
fiquei olhando para ela por algum tempo.

As pétalas eram de uma perfeição hipnótica.

Levantei o rosto, ainda nervosa e sem saber o que responder,


mas foi a reação no rosto de Lauren que me fez ficar calada.
Sua expressão era de surpresa, seus olhos estavam
iluminados com um brilho intenso, sua boca esticada em um
sorriso torto tão absurdamente lindo que fez com que meu
estômago desse mais algumas voltas involuntariamente.

A percepção do que estava acontecendo veio como um


estalo, e então me dei conta de que eu mesma estava
sorrindo de forma simples e verdadeira.

O presente inesperado fez com que eu esquecesse de armar


minha barreira contra Lauren da forma que vinha fazendo, e
sem querer deixei escapar o que realmente estava sentindo.
Isso pareceu iluminá-la de uma forma inexplicável, mas
quando entendi o que estava acontecendo, abaixei o rosto um
pouco mais constrangida do que deveria.

- Obrigada. - Falei de forma simples.

- Que bom que você gostou. - Ouvi sua voz dizer acima de
mim, e então senti o toque suave de seus dedos em meus
cabelos, trazendo para trás da orelha uma grande mecha que
servia como uma espécie de cortina entre nós duas.

Sem saber o motivo, minha voz pronunciou o primeiro


pensamento que me veio à cabeça.

- Você esqueceu de me falar de uma pessoa.

Ela parou por um momento, tentando processar a informação.


Olhei para ela e vi que, agora, Lauren parecia querer entender
de quem exatamente eu estava falando. E pelo o que tudo
indicava, ela suspeitava da pessoa certa.

- Hoje é segunda, não é? - Ela perguntou, em uma voz baixa.

- É.
- Ahm... Então, você e Guadalupe se conheceram ?

- Sim.

Ela sustentou meu olhar, fazendo uma pergunta interna para


si mesma e decidindo se deveria ou não verbalizá-la.

- Ela te tratou... direito?

Eu conhecia Guadalupe havia menos de 24 horas, e ainda


assim poderia dizer que ela trataria direito qualquer pessoa.

Lauren, conhecendo-a por alguns anos, sabia disso muito


melhor do que eu. Mas o fato era que eu sabia do que ela
realmente estava falando.

- Ela me tratou como as outras. Mas a culpa não foi dela.

Sua expressão se contorceu no que parecia ser um desespero


contido. Ainda conseguindo adotar uma voz
surpreendentemente calma, continuei:

- Eu expliquei a situação... Bem, mais ou menos. Ela


entendeu, então está tudo bem.

- Me desculpa. - Ela se apressou em dizer - Eu era diferente...

- Tudo bem. - Menti.

Embora eu não tivesse o direito de ter ciúmes de qualquer


mulher que Lauren teve ou deixou de ter, simplesmente não
conseguia conter a raiva em imaginá-la com tantas outras.

E levando em consideração o meu passado, isso fazia com


que aquela situação soasse ridiculamente irônica.
Ela continuou me encarando com uma expressão de
arrependimento, e quando nenhum de nós duas tinha mais o
que falar, me levantei.

- Está frio aqui. Acho que o aquecedor não chega até essa
parte da casa. - Falei em um tom casual.

- Essa blusa é minha?

Senti meu rosto queimar de vergonha. Eu havia esquecido


que, primeiro, estava vestindo só uma camisa, e que,
segundo, havia pego uma peça de roupa dela sem pedir
permissão.

- É... É que eu fui pega de surpresa essa manhã, foi a primeira


coisa que encontrei no seu closet... Desculpa, eu não tive
tempo...

- Fica muito melhor em você do que em mim. - Ela me


interrompeu, enquanto seus olhos famintos varriam meu
corpo de cima a baixo sem a menor discrição.

Fiz uma força sobre-humana para não deixar o arrepio que


percorreu minha espinha se transformar em um tremor
constrangedor, desviando o olhar e caminhando para a porta
com mais pressa do que o necessário.

Rumei para fora com Lauren atrás de mim.

À medida que sentia o calor do aquecedor se chocar contra


minha pele com maior intensidade, me senti cada vez melhor.
Quando parei, sem perceber, me vi de pé ao lado da cama
dela, e eu sabia que minha atitude, mesmo automática, a
havia deixado feliz outra vez. Me mantive de costas para não
ver o sorriso presunçoso de vitória que eu sabia estar em seu
rosto, e comecei a me xingar pela minha mais nova e irritante
mania de agradá-la sem querer.

- Eu vou tomar um banho rápido. - Ela começou,


interrompendo meus pensamentos enquanto tirava seu blazer
pesado - A tv é toda sua.

Não respondi, mas Lauren parecia estar se acostumando à


minha falta de modos. Então, sem dizer mais nada, entrou no
banheiro e me deixou ali sozinha.

Respirei fundo e decidi fazer algo que já deveria ter feito, caso
tivesse tido a oportunidade.

Achei um jarro comprido de decoração e o enchi de água,


depositando minha Camélia dentro e colocando-a em meu
quarto. Revirei por algum tempo nas malas, finalmente
encontrando o que procurava na última bolsa.

Retirei de lá uma pasta com alguns envelopes, escolhendo


dentro de um deles um papel específico.

Guardei tudo outra vez e, por fim pegando uma caixa de


comprimidos, voltei ao quarto dela, sentando-me na cama
enquanto esperava que Lauren saísse do banho.

Algum tempo depois, a porta foi aberta e eu tive que esperar


um pouco para que meus pensamentos, antes na ponta da
língua, voltassem a fazer sentido.

Tudo isso porque a desgraçada, obviamente de propósito,


vestia nada além de um top preto e uma boxer vermelha que
delineava um pouco os músculos das pernas e do abdômen
com uma perfeição angustiante. Seus cabelos estavam
completamente molhados e o cheiro do sabonete nela me
deixava um pouco tonta.

- Não está muito frio pra isso? - Perguntei, sentindo uma raiva
irracional do meu próprio descontrole.1

- Não. Aqui está um forno, o aquecedor está forte demais.

- Então diminua o aquecedor e ponha uma roupa.

- Por quê? 

Para que eu possa parar de babar como a integrante daquela


banda que eu gosto faz, quando olha pra colega de banda
dela.4

- Você vai pegar um resfriado.

- Não se preocupe com a minha saúde. O que é isso? 

Lauren apontou para os itens em minhas mãos, me fazendo


lembrar do que eu deveria fazer.

- Coisas que eu queria te mostrar. 

Ela se sentou ao meu lado na cama - excessivamente perto,


fazendo com que todos os perfumes do banho recém tomado
me aturdissem mais um pouco - e analisou com interesse o
papel que eu segurava.

- São exames. - Comecei, entregando a ela a folha dobrada -


Eu sempre fiz a cada três meses. Você sabe, exames de
rotina necessários pra... mim.

Aquele assunto era delicado, e se eu não tomasse muito


cuidado com as palavras, nossa noite se tornaria
extremamente desagradável de uma hora para a outra.
Naquela folha estavam exames que provavam o que eu havia
dito a ela na noite anterior: eu estava limpa de qualquer
doença que pudesse vir a ter por causa do meu passado.

- Esses exames foram feitos há um mês atrás. - Indiquei com


o dedo a data na extremidade superior do papel - E eu juro
que não estive com ninguém, desde o dia em que você foi
embora até o dia que você voltou.

- Eu acreditei ontem. - Ela disse, numa voz baixa e um pouco


seca, mas ainda analisando o que dizia o papel.

- Mesmo assim, pra você não ter dúvidas...

- Eu parecia ter alguma dúvida ontem, quando te comi três


vezes sem camisinha? 5

- Eu só queria provar, ok? - Me surpreendi com minha própria


voz, que saiu mais alta e mais séria do que eu jamais havia
ouvido antes.

Lauren pareceu notar isso também, então tudo o que fez por
um bom tempo foi me encarar com uma expressão séria, mas
leve.

Então, sem ter mais nenhuma forma de levar o assunto


adiante, ela finalmente se rendeu.

- Ok.

Tirei o papel de suas mãos com um pouco mais de força do


que desejava, mas não me desculpei.

- Esse é o anticoncepcional que eu tomo. - Mostrei a cartela


com os comprimidos, ainda no início - Você também não vai
ser mãe antes da hora.4
Ela encarou a embalagem em suas mãos, sem dizer nada.
Suspirou profundamente, me entregando de volta sem
nenhuma reação.

- É uma pena que você precise me mostrar essas coisas pra


se sentir melhor.

- Eu achei que você fosse ficar mais tranquila se visse.

- E eu achei estar claro que confio em você. Não precisa me


provar nada, basta dizer e eu acredito. Por acaso eu também
preciso te mostrar algum exame pra que você tenha certeza...

- Você sabe que é diferente!

- Não é. Minha palavra deveria valer pra você a mesma coisa


que vale pra mim. E se isso não significar nada, devo lembrá-
la que eu também já tive muitas mulheres?

- Não precisa. - Falei seca.

Outra vez, ficamos em silêncio.

Infelizmente, aquele se tratava do silêncio antigo, o velho


conhecido que se expandia entre nós de uma forma
desagradável. Sem pensar, tomei de volta os remédios da
mão dela e me levantei rapidamente, na iminência de correr
para o meu quarto e ficar por lá.

- Não me deixa sozinha aqui. Por favor... - Ela falou,


segurando meu braço sem força, mas com firmeza.1

- Vou dormir no outro quarto essa noite.

Me desvencilhei de seus dedos e saí sem olhar para trás.


Entrei no meu quarto, fechando a porta atrás de mim. Joguei
em cima do criado mudo as coisas que trazia nas mãos e fui
escovar os dentes. Não me preocupei em ligar o aquecedor,
apagando a luz e me enfiando de uma vez só por baixo das
camadas do edredom fofo e quente, mergulhando na quase
total escuridão do quarto, que só era comprometida pela
pouca luz que vinha do lado de fora e entrava pela janela.

Fiquei ali remoendo aquele sentimento ruim, sem sequer


saber o motivo de estar sentindo aquilo ou o que poderia ser.
Me cobri até a cabeça, tentando ficar mais tranquila, mas não
conseguia.

Por que eu estava irritada com Lauren, afinal? Só porque ela


queria confiar em mim e eu não deixava? Isso fazia algum
sentido? 

Qual era a porra do meu problema?

Fiquei imóvel, esperando o sono chegar, mas ele não veio.


Talvez porque eu não estivesse cansada, mesmo depois de
um dia de trabalho, ou talvez - e o que era mais provável -
porque eu estava angustiada com a ausência dela.

Embora não quisesse admitir, eu desejava desesperadamente


que ela entrasse por aquela porta a qualquer momento, nem
que fosse para perguntar qualquer coisa idiota.

Conforme o tempo passava, eu ia me convencendo de que ela


não apareceria.

Considerei a hipótese de me levantar e ir dormir ao seu lado,


mas logo desisti da ideia ao chegar à conclusão de que se
Lauren ainda não havia ido me ver, é porque não queria me
ver.

A escuridão do quarto se tornou sufocante.


Uma chuva fina começou a cair do lado de fora, fazendo um
barulho tão discreto contra as janelas de vidro que talvez eu
não notasse, se não estivesse prestando atenção.

De repente, senti um nó na garganta, o tipo de dor que eu


sabia que precedia o choro. Tentei me sentir menos sozinha,
convencendo a mim mesma de que, no fundo, eu não passava
de uma criança idiota e carente, e que, pelo amor de Deus,
ela estava no quarto ao lado!

Me dando conta pela primeira vez da dependência que havia


desenvolvido da sua companhia, cheguei à conclusão de que
não obteria sucesso.

Então, fui pega de surpresa com o barulho da maçaneta na


porta. Mantive meus olhos abertos, voltados para a janela, de
costas para ela, e por algum motivo que eu não saberia
explicar, fingi estar dormindo.

Ela ficou em silêncio por algum tempo, talvez observando


meu "sono."Mas o momento foi rápido, então ouvi a porta ser
fechada outra vez. Amaldiçoei minha covardia por deixá-la ir
embora daquela forma, sendo que tudo o que eu queria era
tê-la ali, comigo. Mas nenhuma das minhas atitudes
ultimamente faziam sentido, então não era como se de
repente eu fosse ter algum surto de sobriedade.

Meus xingamentos imaginários foram interrompidos com o


que senti logo em seguida. O colchão ao meu lado afundou
lentamente, o edredom sendo suavemente puxado, e no
segundo seguinte, um braço contornava minha barriga e um
nariz respirava em meu pescoço.

- Desculpa se eu fui grosseira. Não era minha intenção.


Não respondi, completamente imóvel, deixando que a
presença dela ali me cobrisse pouco a pouco com uma alegria
quente e maravilhosa.

- Só queria que você entendesse que eu confio em você. Não


importa o que aconteceu ou deixou de acontecer na sua vida,
eu só preciso ouvir o que você tem a dizer. Me desculpa se te
magoei de alguma forma.

- Tudo bem. - Eu falei, instintivamente agarrando com força a


mão que ela mantinha na minha barriga.

Eu queria dizer mais do que tudo bem, queria dizer que ela
não precisava pedir desculpas por algo que não fez, e queria
dizer que a grosseria naquela situação havia partido de mim.
Mas tudo o que consegui fazer foi me agarrar ao seu braço
com toda a força e aproveitar o alívio e a leveza de tê-la
comigo outra vez. Lauren aplicou beijos suaves e inocentes
em meu pescoço, fazendo um tipo de carinho com os dedos
na minha barriga.1

- Você disse que queria dormir nesse quarto, mas não falou
nada quanto a dormir sozinha.5

Ela pontuou a frase abrindo o botão de baixo da camisa que


eu vestia, e de repente notei que a única coisa inocente ali
era eu.6

- Posso ficar aqui com você? - Ela perguntou ao pé do meu


ouvido, suas mãos percorrendo a extensão da camisa e
fazendo com que mais três botões fossem desabotoados com
uma rapidez assustadora.

- Não acho que nós vamos conseguir dormir se você continuar


fazendo isso.
Reuni toda a força que existia em mim para pronunciar as
palavras sem deixar escapar um gemido. Talvez eu mesma
estivesse guiando sua mão para os botões restantes, eu não
saberia dizer.

- Eu não perguntei se podia dormir aqui.2

Soltei o ar com força, sentindo meu corpo ferver por debaixo


do edredom, enquanto a ponta dos dedos dela faziam círculos
deliciosamente provocantes que iam do meu umbigo até os
limites das áreas mais sensíveis do meu corpo.

- Você pode fazer o que quiser, contanto que fique aqui...

Era para ser um pensamento, mas é claro que saiu em alto e


bom som. Mesmo assim, não me importei em ficar
constrangida, porque isso implicaria em deixar de aproveitar
todas aquelas sensações que as benditas mãos dela me
davam enquanto exploravam meu corpo.

E não poderia haver nada no mundo que me tirasse da nossa


bolha particular.

Lauren me virou lentamente, enquanto abria o último botão


ainda fechado na blusa que eu vestia.

Outra vez, agi por impulso, agradecendo em silêncio por não


estar raciocinando, e beijei-a às cegas, com tanta vontade
que meus lábios doeram.

Ela me puxou para perto dela, retirando completamente a


camisa que eu vestia, e senti seus seios incrivelmente
quentes tocarem os meus.

Ela nos virou na cama, se deitando em cima de mim e


depositando beijos molhados e luxuriosos por toda a extensão
do meu peito exposto. Imaginei estar me sentindo bem com a
escuridão no quarto por fazer com que minha vergonha fosse
menor, mas a verdade era que tê-la daquela forma - nas
sombras e, ao mesmo tempo, tão entregue - estava me
excitando de uma forma perigosa.

Me dei conta de que, em algum momento, ela havia acendido


o abajur do criado mudo, e ao invés de me incomodar, senti
uma grande satisfação em poder enxergar o que ela fazia
agora.

Sua boca foi descendo pela minha barriga, deixando um


rastro molhado que se tornava automaticamente gelado pelo
ar invernal. Conforme ela descia, carregava consigo o
edredom, e quando sua língua decidiu parar no meu umbigo e
brincar um pouco por ali, senti o frio do quarto se chocar
contras a minha pele, mas o ignorei. 

Apertei os dedos nas mechas de seus cabelos quando Lauren


resolveu puxar para baixo minha calcinha, de forma
torturante e lenta.

Sua língua ainda explorava os vários pontos sensíveis em


meu umbigo, e eu tinha total noção de que me contorcia nos
lençóis feito peixe fora d'água.

- Posso te perguntar uma coisa?

- Pode fazer o que quiser... - Tentei falar sem parecer


ofegante demais, mas falhei miseravelmente.

- Já fizeram oral em você?4

Suas palavras me colocaram em choque imediato, e minha


reação involuntária foi fechar as pernas, mas ela foi mais
rápido. Com firmeza, mas sem me machucar, senti suas mãos
segurarem minhas coxas e afastá-las novamente, se
colocando agora perfeitamente entre elas.

- Camz... - Ela começou, chamando novamente minha


atenção - Já chuparam você?

- Não! - Respondi, minha voz mais estridente do que o normal,


enquanto, inconscientemente e com desespero, tentava soltar
suas mãos das minhas pernas. - Quando eu recebia clientes
mulheres elas não me davam prazer, elas pagavam para eu
dar prazer a elas. 

- Não quer saber como é?

- Não! - Gritei, ainda desesperada. 1

- Por que não?

Eu ia tentar responder, mas nesse momento Lauren resolveu


descer sua boca até minha boceta e começou jogar lufadas de
ar propositalmente em cima do meu clitóris rígido, sem
sequer encostar em mim, mas fazendo com que meus olhos
revirassem nas órbitas. 

- P-para!

- Por que não quer saber como é?

Cada palavra silabada que ela pronunciava resultava em


novas sensações, porque sua maldita boca estava tão
próxima a minha boceta que seus lábios, ao se
movimentarem, tocavam sem querer o meu clitóris (ou não),
de uma forma extremamente suave, mas que estava me
deixando completamente louca. 
- Eu não sei! - Falei, quase em um sussurro, sendo
absolutamente sincera quanto ao motivo pelo qual eu tentava
impedi-la de continuar. Eu não sabia como era, porque nunca
havia sido tocada daquela forma, mas não era ingênua a
ponto de não saber que devia ser muito, muito gostoso.

- Por que não me deixa fazer isso? Pode confiar em mim. Você
manda eu parar, e eu paro.

Meu controle estava se esvaindo rápido demais. A expectativa


e a sensação de ter seu rosto a centímetros do ponto onde eu
queria que ela me tocasse estavam me deixando tão
extremamente excitada que tive que reunir toda força
existente em mim para conseguir me manter consciente.

Nunca poderia imaginar o quão sensível eu era naquela área,


mas Lauren estava pondo à prova toda a minha resistência.

Não respondi, e como afronta, ela suspirou de forma


proposital. Meu corpo tremeu violentamente, então senti
meus músculos vaginais se contraírem com tanta intensidade
que chegaram a doer.

Fechei os olhos com força, provavelmente arrancando mechas


de cabelo da cabeça dela com meus dedos desesperados.

- Eu já sonhei com seu cheiro mais de uma vez. - Ela começou


- Mas você é mais gostosa do que eu pensava.

Ela inspirou profundamente, e sem saber exatamente como


ou quanto tempo levou, meu corpo se contorceu em uma
explosão de prazer tão grande e quente que, por um bom
tempo, fiquei completamente fora de mim.

E assim, sem mais nem menos, eu gozei.5


Esperei de olhos fechados minha respiração normalizar. Meus
dedos, ao contrário do resto do meu corpo, estavam gelados
e doídos pela força que eu fazia. Estava frio, eu sabia, mas
mesmo assim não conseguia sentir.

À medida que fui voltando a mim, fui sentindo novamente o


toque das mãos dela envoltas nas minhas pernas e sua
respiração fraca ainda no mesmo lugar.

O silêncio foi suficientemente longo a ponto de permitir que


eu voltasse do clímax e ainda conseguisse notá-lo.

Abri os olhos lentamente e olhei para baixo, encarando-a, sem


saber como agir.

- Você gozou?1

Ela parecia mais confusa e fora de si do que eu, mas tudo que
pude fazer foi confirmar com a cabeça.

Lauren continuou me encarando por algum tempo, e por um


momento tive uma visão do que seria sua reação explosiva.

Outra vez, tarde demais.

Senti sua aproximação violenta, enquanto suas mãos


apertavam minhas pernas com a força necessária para deixar
marcas.

Mas a dor era a última coisa que eu poderia sentir naquele


momento, simplesmente porque a língua dela estava dentro
da minha entrada apertada, e de uma forma nada
convencional. Os movimentos eram precisos, fazendo com
que meu corpo ondulasse pelo colchão. Era de se imaginar
que ela fosse boa naquilo, não só porque costumava ser boa
em tudo - principalmente no que dizia respeito a sexo - mas
porque ela teve bastantes oportunidades de ganhar
experiência.

Ainda sim, eu não imaginava que seria necessário tentar


impedir que meu corpo explodisse em um novo orgasmo tão
cedo.

Ainda sim, tive que me refrear para não chegar ao clímax


outra vez entre mordidas estratégicas, beijos intensos e
lambidas provocantes.

Se senti-la respirar contra minha boceta sensível havia sido


bom, não havia palavras que descrevessem a sensação de ser
chupada por ela.

A intensidade do prazer resultou em algum tipo de reação


estranha, então me dei conta de que minhas mãos e pés
ficaram completamente dormentes.

Não me importei.

Se a informasse disso, Lauren acabaria parando o que estava


fazendo para me dar alguma assistência médica, mas a
última coisa que eu queria era que ela parasse. Minhas  mãos
pendiam soltas nas mechas dos seus cabelos, sem fazer
força. Minha boca estava completamente seca, e talvez eu
estivesse prestes a ter alguma coisa muito séria, mas me
permiti ser irresponsável e não interromper a melhor noite de
sexo da minha vida.

Para o meu desespero, meu segundo orgasmo se aproximou


com uma força inesperada.

- Laur... Eu vou g...


Puxei seus cabelos para cima com força, tentando fazer com
que ela saísse dali, mas Lauren era muito mais forte do que
eu, e ao que tudo indicava, não iria a lugar algum. Por isso,
não foi difícil segurar meus pulsos com força e me deixar
completamente atada, me impedindo de fazer qualquer coisa
que fosse. Gritei de prazer enquanto sentia sua língua me
penetrar no ritmo dos espasmos, minha cabeça ficando
completamente vazia e meu rosto tanto quente quanto
dormente. Minha garganta doía, resultado tanto dos gritos
quanto da força que eu havia feito para não gritar ainda mais.

Meu corpo se assemelhava a fios desencapados, sentindo


uma pontada de choque em cada centímetro que o corpo dela
entrava em contato com o meu.

Ela se levantou completamente ofegante e me encarou. Meus


olhos, possivelmente desfocados, conseguiam ver apenas um
borrão da silhueta dela, logo acima de mim.

- Vai ser rápido, eu prometo. - Ela disse, e mais uma vez me


sentir ser invadida por ela.

Dessa vez, ela havia penetrado da forma convencional,


deixando seu corpo pesar sobre o meu enquanto fazia
movimentos bruscos e fortes dentro de mim.

Eu não conseguia respirar direito, mas isso não era


importante. Fui surpreendida por um beijo, me sufocando
ainda mais, e imediatamente identifiquei o gosto diferente na
língua dela.

- Você é uma delicia.

Tirando forças não sei de onde, envolvi minhas pernas em


seus quadris, reforçando o movimento que ela fazia dentro de
mim, e me deixando sentir as ondas do corpo dela ditarem
nossa dança sincronizada.

Como ela havia dito, foi rápido.

Alguns minutos depois, me senti ser preenchida pelo gozo


quente dela, que escorria dentro de mim como prova de uma
noite perfeita e incrivelmente prazerosa. Como se não 
bastasse, de alguma forma - e eu não sabia como aquilo
podia sequer se possível - consegui ter um terceiro orgasmo,
o que foi o suficiente para fazer com que meu corpo
parecesse gelatina derretendo. 

Me mantive muito quieta, incapaz de dizer qualquer coisa,


enquanto me concentrava no som que sua respiração,
gradativamente mais calma, fazia perto do meu ouvido.

Minhas mãos e pés começavam a formigar um pouco, me


fazendo lembrar que eu ainda tinha extremidades. Aos
poucos, voltei a sentir o frio do quarto se chocando contra
minha pele um pouco úmida, e dei graças a Deus que o corpo
dela estivesse me cobrindo.

***

Depois de um longo tempo em silêncio, me fazendo pensar


por um momento que ele havia adormecido, Lauren se
levantou devagar, me deixando completamente exposta e
com frio. Não fiz força para abrir os olhos, esperando que ela
entendesse o que estava acontecendo comigo. Não era
cansaço, era diferente.

Senti meu corpo ser suspenso com facilidade do colchão


quente, mas não me importei. Segundos depois, estava
embaixo de uma ducha morna e revigorante, me fazendo
voltar um pouco a realidade e me dar conta de que, afinal, eu
conseguia ficar de pé.

Notei também que os braços dela estavam em volta de mim,


tentando ao mesmo tempo me ensaboar e não me deixar cair.

- Tudo bem. Pode deixar. - Consegui falar, num tom de voz


muito baixo.

Mesmo assim, ela pareceu entender, então tratei de me lavar


enquanto Lauren apenas se mantinha atenta a mim e à minha
falta de coordenação motora.

A ducha foi desligada, e eu já me sentia mais alerta.

Fiz menção de pegar a toalha de suas mãos, mas ela ignorou


minha atitude e me secou como se eu fosse uma criança de
cinco anos. Não reclamei, mas achei engraçado.

Fui levada de volta à cama, me cobrindo com o edredom


ainda quente e fofo. Ouvi um ruído agradável do aquecedor,
agora ligado, e esperei que o calor fosse suficiente para fazer
com que eu parasse de tremer. Virei de lado e me cobri até o
rosto, esperando pela aproximação dela.

Quando já estava começando a me sentir deprimida pela


demora, senti o colchão afundar ao meu lado, e no segundo
seguinte seus braços já me abraçavam por trás outra vez,
formando uma concha protetora ao meu redor. Sem pensar,
coisa que eu estava adorando fazer, me aproximei mais dela,
sentindo sua pele fresca e perfumada colada à minha, e
finalmente suspirei.

- Agora... Posso dormir aqui?


- Você realmente pode fazer o que quiser. - Respondi, num
tom baixo.

- Não me provoque, Camz. - Ela sorriu contra meu pescoço,


me trazendo mais para perto dela e me abraçando com mais
força.

- Não estou te provocando. - Respondi, dizendo a verdade -


Pelo menos, não de propósito.

- Então pare de ser provocante sem querer.

Sorri sem motivos, ainda contente em senti-la tão próxima.

Ficamos caladas outra vez, e minha alma parecia mais


tranquila ao constatar que era o silêncio confortável que
estava lá.

Ao que tudo indicava, nosso convívio tornava-se menos


complicado aos poucos. Imaginei até onde iria se me
permitisse fazer tudo por impulso, já que o maior dos meus
problemas era pensar demais. 

Imaginei um dia em que seríamos um casal qualquer, sem


contas a resolver, sem motivos para ter medo de nos
expressarmos, e como seria bom estar ao lado dela sem o
receio de pescar do passado, acidentalmente, qualquer coisa
que a magoasse. 

Qualquer coisa que me magoasse.

Cheguei à conclusão de que, talvez, esse dia jamais


acontecesse, e uma pequena pontada de decepção brotou em
mim, abalando um pouco, mas não completamente a alegria
que eu estava sentindo.
Ainda assim, se antes eu me agarrava à ideia de que tê-la era
impossível, agora minha racionalidade já havia admitido
abertamente a derrota, me permitindo sonhar com meu conto
de fadas particular.

E não importava do que meu lado pessimista tentasse me


convencer: Se a princesa em questão fosse Lauren, com todos
os seus defeitos e suas complicações, então definitivamente
era um sonho pelo qual valia a pena ter esperanças.+

***

Capítulo 12
 
Pov Camila

A manhã seguinte começou chuvosa. Só fui capaz de


despertar às 9:50h da manhã pelo barulho que algumas gotas
faziam contra a janela do meu quarto.

Meu corpo ainda se assemelhava um pouco a gelatina mole,


fazendo com que minha vontade de levantar da cama fosse
nula.

Antes mesmo de checar, eu sabia que estava sozinha. O peso,


o cheiro e o calor do corpo dela não estavam ali, eu podia
sentir ainda de olhos fechados.

Talvez porque eu começava a me acostumar com essas


coisas, mas a ausência dela era imediatamente captada por
algumas terminações nervosas no meu corpo, e então,
inconscientemente, eu sabia que estava sozinha.
Me virei na cama, ainda com preguiça, e encontrei ao meu
lado um papel com algumas palavras e uma chave. A
curiosidade me despertou imediatamente, então peguei o
papel e li a caligrafia perfeita de Lauren:

Fui trabalhar. Não quis acordá-la.

Essa chave abre a porta da sala. Ela é sua.

Quer jantar comigo hoje à noite?

Te amo.11

Assinado, Lauren.

Meus olhos pararam na última frase, como se ali existisse


algum significado oculto, como se quisesse entender o que
exatamente ela quis dizer com aquilo.

Te amo.

Amo.

Reli aquelas duas palavras, imaginando as diferentes formas


e entonações que ela daria à frase ao dizê-la. 

Imaginando as palavras saindo da boca dela, enquanto seus


olhos me mostravam que aquilo era verdade.

Derreti como uma boba em cima do travesseiro, trazendo o


papel perto do rosto e tentando sentir ali o perfume dela,
parecendo uma pré-adolescente romântica e apaixonada pela
mais perfeita das princesas encantadas.

- Eu também te amo. - Falei em voz baixa - Amo muito.

Me perguntei se teria coragem de dizer aquilo em voz alta se


estivéssemos cara a cara, como uma resposta à declaração
dela ao vivo e a cores. Confessar para mim mesma a mais
óbvia das verdades era fácil, até porque não havia mais como
tentar me convencer do contrário, mas confessar minha alma
a ela era um pouco mais perigoso.1

Mas não confessar o quanto eu a amava estava pesando.

Não porque ela precisava saber, mas porque uma parte de


mim queria gritar isso em plenos pulmões, como se de
alguma forma eu pudesse me libertar da minha própria
prisão. Infelizmente, a outra parte em mim me mantinha
presa aos meus medos e incertezas, acreditando que a
revelação - não tão surpreendente assim - seria demais para
a boa vontade dela.

Eu ainda não era capaz de dizer a ela aquilo. E esse fato era
desesperante. E o fato de que eu precisava deixar isso claro
era ainda pior.

Me levantei ainda cambaleante, sentindo meu coração ferver


com as palavras escritas por Lauren e pelo seu voto de
confiança.

Eu sabia que ela estava receosa com minhas atitudes, e


imaginava o quão difícil devia ter sido para ela me dar, de
bandeja, a opção de deixá-la ou não. Me perguntei se, caso eu
fosse embora, ela iria atrás de mim.

Imaginei que sim.

As palavras do dia em que ela me disse toda a verdade ainda


estavam frescas na minha memória, e embora ela parecesse
um pouco descompensada naquela ocasião, me pareceu estar
sendo bastante verdadeira e decidida.
Então, se eu realmente fosse embora, não ficaria surpresa em
tê-la me perseguindo como algum tipo de predador.

Tomei um banho quente e revigorante. Como sempre, lembrei


da noite anterior, mas dessa vez, tive que me ater um pouco
mais aos detalhes.

Da mesma forma que Lauren havia sido a primeira pessoa


com a qual eu realmente havia sentido prazer, ela agora se
tornara a primeira a me tocar de uma forma tão íntima, e me
dar conta disso era maravilhoso.

Me perguntei então no que mais ela seria a primeira a partir


de agora.

Preparei um café da manhã modesto, sem querer tirar muitas


coisas do lugar.

Como já eram 11:30h, comi pouco para que meu almoço não
fosse prejudicado. Me perguntei então onde exatamente eu
almoçaria, mas sabia que o resto daquele dia dependia do
que eu estava prestes a fazer.

Mais nervosa do que eu gostaria de estar, peguei meu


telefone e, com uma anotação na outra mão, disquei o
número ali escrito.

- Alô?

No exato momento em que a voz de Lauren atendeu no outro


lado da linha, senti meu rosto ferver de repente, então eu
sabia que devia estar vermelha como um tomate maduro.
Tentei não pensar que minha vergonha tinha alguma coisa a
ver com as lembranças da nossa noite íntima, porque isso,
além de não fazer o menor sentido - já que eu não era
nenhuma inocente virgem - fazia com que eu parecesse uma
idiota.

- Oi.- Foi tudo que consegui responder.

- Camz?

- É, sou eu.1

- O que aconteceu? - Ela perguntou, em um tom de voz


preocupado.

- Nada. Está tudo bem... - Enquanto eu falava, sentia meu


rosto ferver cada vez mais, e então senti ódio de mim mesma
por ser tão incrivelmente imatura - Desculpa te atrapalhar...

- Não está atrapalhando.

- Eu só queria falar com Ally.

Lauren ficou em silêncio, ponderando minhas palavras.

- Ally?

- É...

- Quer falar com ela? Sobre o quê?

- Bom... É um assunto particular... - Respondi, já sentindo a


tensão contrair os músculos do meu pescoço.

- Ah... - Ela parecia pensativa, talvez se perguntando qual tipo


de assunto particular eu teria com sua secretária e melhor
amiga que, aliás, não gostava de mim - Só um minuto.

Não precisei esperar tanto. Quase imediatamente, do outro


lado da linha, uma voz feminina me respondeu.

- Alô?
- Oi Ally. É a Camila. Desculpe te incomodar, sinto muito, mas
eu preciso da sua ajuda. Pensei que talvez nós pudéssemos
almoçar juntas, se você não tiver alguma coisa melhor pra
fazer, é claro.

Então era assim? Quando eu ficava nervosa com Ally, agia


como uma perfeita tagarela.

Quando era Lauren quem me deixava nervosa, eu ficava


muda.

Minha total falta de sentido começava a me irritar


profundamente.

- Aham...

- É sobre Lauren. Preciso de uma opinião sua.

Ela pareceu ponderar.

- Bom, não sei se posso ir. Eu tenho só uma hora de almoço...

Ouvi a voz de Lauren ao fundo interrompê-la, dizendo algo


incompreensível.

- Tudo bem, posso ir. Minha chefe é muito bondosa você sabe.

Sorri discretamente com a brincadeira dela, principalmente


porque ela havia feito uma brincadeira comigo, algo que
jamais pensei que fosse acontecer.

- Que ótimo... Podemos nos encontrar em algum restaurante


perto da casa da Lauren? Eu não conheço nada aqui... - Falei,
tentando parecer descontraída e à vontade ao mesmo tempo,
mas com as mãos fechadas em punho com tanta força que os
nós em meus dedos já estavam dormentes.

- Anote o endereço.
Alcancei rapidamente o papel dobrado em cima do criado
mudo e uma caneta, anotando o número e a rua que Ally me
passava.

- Fica a quinze minutos daí. Às 13:30h está bom pra você?

- Está ótimo.

- Certo. Vou anotar seu número dessa ligação. Até lá então.

- Até.

Ouvi quase que imediatamente a voz de Lauren na linha,


dizendo um "alô"um pouco apressado.

- Ainda estou aqui. - Falei, sorrindo.

- Bom, agora que você e minha secretária andam de segredos


pelas minhas costas, tenho motivos pra me preocupar?

- Não. Você ficaria grisalha à toa.

- Tudo bem, vou tentar esquecer a curiosidade mórbida que


está me corroendo agora. - Ela falou, dando uma risada
discreta, mas suficientemente alta para que eu me sentisse
mais aquecida e feliz - Leu meu bilhete? 

Senti meu coração acelerar repentinamente.

- Li...

- Então... Janta comigo?

- Ah, sim... Claro.

- Que bom! - Ela falou, parecendo genuinamente feliz com


minha resposta - Passo em casa às 20:30h pra te pegar, vou
ficar esperando no carro. Tudo bem?

- Tudo bem. Devo vestir um vestido longo pra ocasião?


Outra vez, ela riu. Outra vez, sorri me sentindo aquecida, e de
repente senti um desejo idiota de beijar o telefone.

- Pode se vestir como achar melhor. Acho que um sobretudo


quente é o suficiente.

- Ok...

- Até mais então. Um beijo.

- Um...beijo. - A frase saiu mais como um suspiro, e outra vez


desejei não agir como idiota quando estivesse falando com
ela.

Felizmente, ela não pareceu perceber que minha sanidade


estava se desfazendo como algodão doce.

No segundo seguinte, o telefone ficou mudo, me informando


de que Lauren tinha coisas mais importantes a fazer além de
me esperar resolver desligar.

Desdobrei distraidamente o papel usado para anotar o


endereço do restaurante sugerido por Ally, e me dei conta de
que aquele era o bilhete daquela manhã. Passei o olho mais
uma vez pela última frase do papel, e como se não estivesse
sozinha, falei em uma voz muito baixa, apenas para sentir a
sensação boa das palavras se desprendendo da garganta.

- A propósito: Eu também te amo.

***

Eu pegaria um ônibus se soubesse qual linha me deixaria


mais próxima ao endereço anotado.

Como esse não era o caso, pedi para que o porteiro chamasse
um táxi para mim, e então eu já esperava Ally em uma mesa
para duas pessoas. Embora o lugar fosse ainda bastante
elegante - o que eu vinha aceitando com mais frequência, já
que nada naquelas redondezas poderia ser barato - parecia
ser menos caro do que os dois restaurantes em que já
estivera com Lauren antes.

Ela chegou pontualmente no horário marcado. Me sentindo


mais intimidada do que desejava, tentei parecer o mais alheia
possível à sua presença, mas pareci mais um pinto acuado do
que qualquer outra coisa.

- Oi... - Comecei, me levantando assim que ela me alcançou. -


Obrigada por fazer isso.

- Tudo bem.

- Acho que temos que almoçar logo, já que você tem que
voltar...

- Lauren me deixou demorar o tempo necessário.

Encarei-a espantada por nunca ter imaginado uma chefe tão


compreensiva nela.

Como se pudesse ler meus pensamentos, ela se apressou em


falar:

- Não pense que ela é sempre assim. É claro que sair com
você teve algo a ver com o surto de bondade. Ou isso, ou
então é o espírito do Natal.5

Ri outra vez, o que pareceu surpreendê-la um pouco, mas ela


não foi rude em momento algum. Era claro que não deixaria
de lado as formalidades entre nós, já que sequer nos
conhecíamos - além do fato de ela não ir com a minha cara -
mas eu podia jurar que Ally estava se esforçando para ser o
mais cordial possível comigo.

O restaurante em que nós estávamos era especializado em


massas, onde todos os pratos pareciam deliciosos. Como não
conhecia o tempero da casa, segui a sugestão dada por ela.

Enquanto esperávamos os pratos, me senti obrigada a iniciar


o assunto, já que podia notar sua preocupação disfarçada.
Então lembrei de que, embora tivesse falado que o assunto
era sobre Lauren, eu não havia dado mais detalhe algum.
Talvez ela estivesse achando que eu planejava matá-la ou
coisa assim.

- É algo simples, acho que eu nem precisava ter tirado você


do trabalho... - Comecei, me dando conta pela primeira vez de
que havia a atrapalhado à toa e imediatamente corando por
isso - Eu só preciso de uma opinião sua sobre o que dar de
Natal pra ela.

Ela sorriu despreocupadamente, enquanto olhava para cima.

- Você me tirou de lá pra me perguntar isso? Realmente, não


precisava.

Senti meu rosto ferver de vergonha.

- Não, não quis dizer dessa forma! - Ela se apressou em dizer,


vendo que eu provavelmente parecia agora um morango
gigante - O que eu quis dizer foi que você não precisava ter
pedido a minha opinião nisso. Compre qualquer coisa, ela vai
adorar.

- Ela gosta de tudo que dão a ela? - Perguntei, me sentindo


um pouco menos mal.
- Não. Ela odeia tudo que dão a ela. Nunca acertei um
presente sequer. Mas se você der um dvd sobre técnicas de
meditação hindu, ela vai adorar.

Me perguntei se era exagero o fato de Ally frisar meu nome


toda vez que se referia a Lauren, mas achei melhor não
verbalizar a dúvida.

- Aham... Eu queria dar algo que ela realmente gostasse.

- Como disse, não posso ajudá-la nisso. Eu mesma nunca


acertei.

- Ela não está precisando de nada?

Me senti idiota antes mesmo de terminar a frase. Era óbvio


que Lauren não precisava de nada, porque se precisasse,
providenciaria. Ela era o tipo de pessoa que podia se dar a
esse luxo.

- Não. - Ela respondeu minha pergunta quase retórica, e


agradeci em silêncio por Ally não rir da minha cara.

- Não sei... O que você vai dar pro seu marido?

Outra vez o arrependimento chegou em mim como um soco


mal dado, então imediatamente me odiei por pronunciar
aquelas palavras. Ally me fitou nos olhos, e desejei
profundamente que ela não pensasse que eu estava
comparando, de alguma maneira, a relação que eu tinha com
Lauren com a que ela tinha com seu marido.

- Eu não quis dizer... - Comecei, desesperada, mas Ally me


interrompeu.

- Posso te pedir uma coisa? - E sem esperar uma resposta


minha, ela continuou - Tente relaxar perto de mim seu
desconforto está me dando agonia. Eu não mordo, e não
estou aqui pra julgar cada palavra que sair da sua boca. Como
você vai entender algum dia, eu não sou uma pessoa dada a
pré-conceitos.

Não era como se eu pudesse escolher entre ficar ou não


nervosa perto dela. Eu simplesmente ficava.

Como não consegui fazer o que ela pediu e me acalmar, só


me restou continuar encarando-a, esperando que fôssemos
interrompidas por qualquer coisa, fosse pelo garçom ou por
uma chuva de meteoros em chamas.3

Felizmente, fui presenteada com a primeira opção, então


ficamos em silêncio por algum tempo, ambas compenetradas
em seus próprios pratos.

Vez ou outra, Ally sugeria alguma coisa, mas logo em seguida


refutava sua própria ideia dizendo que "não, talvez outra
coisa."

Me senti um pouco mais calma com a rapidez que ela parecia


ter esquecido do assunto em questão.

Não chegamos a conclusão alguma. Mesmo que estivesse


esperando alguma ajuda por parte dela, não fiquei irritada ou
decepcionada. Já que agora eu sabia que agradar Lauren era
uma tarefa difícil, não poderia culpá-la por isso.

Depois de algum tempo debatendo opções - mais um


monólogo de Ally do que um diálogo dela comigo - saímos do
restaurante e caminhamos um pouco por algumas ruas.
Embora não tivéssemos muitos assuntos a serem discutidos,
fiquei feliz por notar que ambas estavam se esforçando para
que aquilo não se tornasse algo desagradável. Como imaginei
que grande parte do tempo que passaria com Ally seria
preenchida com um silêncio desagradável, as poucas palavras
trocadas entre nós conseguiram me deixar mais animada do
que pensei que ficaria.

Chegamos a um edifício imponente, e quando olhei para Ally


notei que ela havia nos guiado para lá.

- Onde estamos?

- Em um shopping.

Não parecia um shopping do lado de fora, mas foi ao entrar


que notei a grande variedade de lojas. A diferença desse lugar
para o que eu estivera com Lauren havia poucos dias era que,
aqui, eu não me surpreenderia se visse algum tipo de faixa na
entrada com os dizeres "Só entre se tiver muito dinheiro."

- Lauren me disse que você prometeu a ela que algum dia


compraria as roupas que ela queria.

Aquela calculista!

- Ela te mandou me trazer aqui?

- Não. Mas me pediu pra que te ajudasse. Só, pelo amor de


Deus, não me diga que vou ter que escolher lingeries ou
coisas do tipo.

Ela fechou os olhos tentando afastar o pensamento, e eu tive


que rir com sua reação.

- Não... Ela só quer comprar roupas caras. Queria entender


essa tara por gastar...

- Não é tara, acredite. Ela não é consumista, e nem um pouco


materialista. Lauren só tem a mania de querer cuidar em
excesso das pessoas que ela gosta. Por isso parece um pouco
obcecada às vezes.

- Ela fazia isso com ela?

Ally me olhou surpresa.

- "Ela"?

- Beatrice.

- Você sabe dela?

- Sei. Lauren me contou, há algum tempo atrás.

Ela suspirou.

- Sim, ela fazia isso com ela.

Ela desviou o olhar, e eu fiz o mesmo. Estava claro que Ally


também não gostava de Beatrice, e estava claro que tinha
motivos para isso.

- Bom... - Comecei, querendo mudar o assunto - Não posso


comprar nada aqui, nem que eu quisesse. Acho que vou
acabar gastando quase tudo o que tenho no presente dela.

- Ah, sim... - Ela falou, se lembrando de alguma coisa e


mexendo em sua bolsa. Quando tirou sua carteira e a abriu,
me entregou um cartão e um papel pequeno. - Lauren pediu
para que eu entregasse isso a você. A senha está anotada
nesse papel.

- Eu ganhei um cartão de crédito?

- Ela pediu pra que tudo que você comprasse fosse pago
nesse cartão.

- Não vou usar isso. Eu só quero comprar um presente pra ela.


- Se você voltar sem nada eu corro o risco de ser demitida.

Olhei-a espantada.

- Isso é sério?

- Bom, não. Mas ela vai mesmo ficar irritada.

Suspirei.

Como não tinha nada em mente, aceitei olhar algumas lojas


de roupas femininas enquanto tentava ter alguma ideia do
que dar a Lauren. Era bastante difícil pensar em alguma coisa,
já que o presente em questão deveria ser dado a alguém que
realmente já tinha de tudo.

Ally parecia me manipular a comprar coisas, dizendo que ela


mesma precisava de roupas, mas só não saindo das lojas de
mãos vazias porque carregava algumas das minhas sacolas.

Comprei vestidos mais elegantes - me perguntando qual seria


a maldita ocasião em que iria usá-los - além de alguns pares
de sapatos, duas bolsas e mais casacos para o inverno.

Jurei para mim mesma que xingaria Lauren até a morte


quando a encontrasse.

- Isso é ridículo. - Concluí.

- Isso é exatamente como Lauren é. - Disse Ally, pagando ela


mesma as compras com o cartão que agora era meu -
Qualquer uma na sua posição aproveitaria a situação com um
sorriso de orelha a orelha. Pelo menos eu aproveitaria.

Eu sabia disso, mas não deixaria claro a ela que o motivo pelo
qual eu não aproveitava a situação se dava pelo meu
desconforto em, mais uma vez, parecer uma usurpadora ao
lado de Lauren.2

Além disso, tínhamos todo um passado que envolvia gastos


dela comigo, e talvez por algum trauma ou fosse o que fosse,
vê-la gastar rios de dinheiro por minha causa como se eu
fosse seu fardo era um pouco humilhante.

- Isso já é o suficiente. Se ela disser que eu deveria ter


comprado mais coisas, vou fazê-la engolir um desses sapatos.

Ally riu despreocupada, e sempre que ela fazia isso eu me


sentia automaticamente mais leve.

- Você age de uma forma diferente da que eu pensei que


agiria.

Achei melhor não tentar entender o que ela quis dizer com
aquilo. Como parecia não ser algo ruim, deixei para lá, me
focando agora na primeira loja que vi à minha frente.

Era uma relojoaria exclusiva para mulheres. Olhei


interrogativamente para Ally, como se pedisse um
consentimento.

- Já disse que pode comprar qualquer coisa. E não estou


exagerando quando digo isso.

Entramos no lugar, analisando cada um dos relógios nas


prateleiras de vidro. A variedade de modelos era tão grande
que dificultou o processo de seleção. Me foquei então em
apenas uma parte da prateleira lateral, decidida a sair dali
com alguma coisa.

Quando finalmente nós duas chegamos a um consenso sobre


qual daqueles modelos era o mais interessante (mesmo não
sendo o presente ideal), me dirigi à vendedora lhe informando
da escolha. 

Quando fui pagar, Ally me estendeu o maldito cartão para que


eu o pegasse.

- Não vou pagar com o cartão dela. - Falei, olhando


debilmente para suas mãos.

- O cartão é seu. E Lauren disse...

- Eu falo com ela depois. Vou deixar claro que a culpa disso foi
minha. Desculpe, mas não tem o menor cabimento pagar o
presente dela com esse cartão.

Ela parecia concordar, mesmo calada.

Finalmente, paguei o presente - com o meu dinheiro, não o


dela - e me vi perto da falência. Ally tentou me animar,
dizendo que havia sido uma ótima escolha e que Lauren
adoraria, mas ainda assim me sentia um pouco insegura
quanto àquilo.

- Vamos ver se agora ela chega na hora certa ao trabalho. -


Ela falou, bem humorada, então notei na gradual e discreta
mudança de atitude dela quanto a mim.

Se no dia em que nos conhecemos Ally parecia duvidosa a


meu respeito, hoje sua simplicidade em falar comigo e me
acompanhar me diziam que, talvez, ela não me odiasse como
eu pensava.

Sorri de volta, e queria que ela entendesse a gratidão que eu


sentia naquele momento.

- Acho que você precisa ir embora agora. - Ela disse, olhando


no relógio - Se bem me lembro, você tem um encontro hoje.
- Que horas são?

- 19:30h1

- Putz! - Falei, ajeitando as sacolas que caíam dos meus


ombros e já fazendo sinal para um táxi que passava e que
não parou.

- Eu estou de carro. Te dou uma carona.

- Ah... Obrigada. Não vou atrapalhar?

- Não. É caminho pra onde eu vou.

Seguimos andando para o lugar onde o carro dela estava


estacionado Ally caminhando e eu quase correndo.

Joguei tudo no banco traseiro, com exceção do relógio que se


mantinha bem embrulhado e protegido no meu colo, e sentei
no banco do carona.

O percurso de volta à casa de Lauren foi mais silencioso do


que qualquer momento que passei com Ally aquela tarde. Ela
parecia pensar muito, e eu não quis interromper, nem para
agradecer pela companhia. Assim que deixei de prestar
atenção, nós chegamos ao meu destino.

Ela saltou do carro, me ajudando com as compras e com as


várias combinações de posições das alças. Quando finalmente
consegui ficar de pé, sem o cabelo nos olhos e com as sacolas
temporariamente firmes, me voltei para ela.

- Muito obrigada por fazer isso comigo. E desculpe se


atrapalhei seu trabalho.

- Bom, na verdade você atrapalhou o trabalho de Lauren. Ela


teve que se virar sem mim. - Ela falou, com um sorriso
maléfico no canto da boca - Não se surpreenda se ela estiver
com dor de cabeça ou de mau humor.

- Tudo bem. - Falei, retribuindo o sorriso, mesmo sabendo que


não era para mim - Vou me desculpar com ela depois.
Obrigada mais uma vez.

Ela continuou me olhando, e notei que sua expressão


começou a tomar um ar extremamente sério aos poucos.
Inconscientemente, me senti ameaçada, então virei-me para
entrar no prédio rápido demais, mas a fuga não seria fácil.

- Camila?

Parei no quarto degrau e olhei de volta para Ally, ao lado do


carro estacionado.

O tom sério que vi em seus olhos misturado com uma


insegurança inédita foi o suficiente para me fazer ter certeza
de que suas próximas palavras, fossem elas quais fossem,
mostrariam que ela não estava brincando.

- Não a magoe. Ela não aguentaria.

Não era uma ameaça. Era um pedido, e por mais que sua voz
soasse firme, isso ficou bastante claro.

Ally não estava dando um aviso, mas sim mostrando, sem


máscara alguma, um medo que eu não vira antes. Medo de
ver sua melhor amiga sangrar outra vez.

- Não vou fazer isso.

Minha voz saiu séria, firme, como há algum tempo eu não


ouvia. Mas não me surpreendi, porque essa era uma certeza
tão absoluta que não havia como hesitar.
Ainda assim, me perguntei se Ally podia sentir isso.

Ela continuou me olhando com aqueles olhos sérios, mas ao


mesmo tempo inseguros, fazendo uma análise completa do
meu caráter. Eu não ficaria surpresa se soubesse que ela
tinha poderes psíquicos coisa parecida. Era impressionante a
intensidade que seus olhos transmitiam, e se eu tivesse
alguma dúvida do que sentia, poderia até ficar intimidada.

Mas eu não estava.

- Por algum motivo, eu acredito em você.

Nossos olhos ainda mantinham contato, mas Ally pareceu se


dar conta de que não havia qualquer traço de mentira em
mim.

Então pela primeira vez desde que a conheci, pude sentir nela
algum tipo de cumplicidade. E, para piorar, eu não sabia
explicar como ou por que sentia, mas sabia que era uma
sensação suficientemente forte para não conseguir ignorá-la.

Quando me dei conta, Ally já havia entrado no carro e dado a


partida, sumindo pela rua comprida e gelada à minha frente.

Demorei algum tempo para conseguir parar de pensar na


atitude de Ally, mas tive que fazê-lo porque já estava
atrasada.

O relógio agora marcava 20:10, e não só eu ainda não tinha


tomado banho, como também não sabia qual roupa usaria ou
como me prepararia para aquela noite.

***

Embora Lauren e eu estivéssemos nos entendendo aos


poucos, a convivência entre nós duas ainda não tinha se
tornado tão simples como acontecia com a maioria dos
casais. E pensar nela e em mim como um casal, embora me
deixasse radiante, ainda me fazia ficar nervosa.

Tomei um banho rápido, indo contra minha vontade de


demorar debaixo da água quente e me perfumar bastante
para ela. Mas, como meu tempo era curto e a última coisa
que eu queria era mostrá-la que eu não era pontual, me
apressei em fazer tudo.

Assim, em menos de vinte minutos eu já estava de banho


tomado, cabelos penteados, uma maquiagem tão discreta
que poderia passar desapercebida e vestida propriamente
para a temperatura invernal do lado de fora.

Queria ter me produzido mais, mas isso significaria fazê-la


esperar.

Por isso, desci às 20:34h, já esbaforida, usando um guarda-


roupas todo novo: calça legging preta simples, botas pretas
de cano longo por cima dela, um vestido de lã cinza escuro,
um sobretudo preto bastante quente e pra finalizar coloquei
uns acessórios ( anéis, brincos, pulseiras ) e um cachecol
preto. 

Antes de descer, contudo, me certifiquei de tirar todas as


etiquetas das roupas que eu nunca havia usado, além de dar
uma rápida olhada no espelho grande que ficava dentro do
closet do quarto dela.

Me surpreendi comigo mesma. Eu não estava um espetáculo,


mas estava bonita.

Não linda, mas bela, de uma forma simples.


Minha expressão parecia mais viva, meus olhos não estavam
tão tristes. Meus lábios, sem batom, estavam até mais cheios
de cor, e então me perguntei se aquilo tudo tinha a ver com
meu novo estado de espírito.

Era óbvio que tinha.

Segui para a garagem procurando por ela, mas sua vaga


estava vazia. Caminhei depressa para o enorme saguão de
entrada do prédio, tanto para chegar rápido quanto para me
aquecer. Alcancei as escadas que davam para a calçada e fui
quase nocauteada por um vento estupidamente gelado, mas
antes que pudesse pensar, avistei um Porsche Cayenne prata
apagado e parado um pouco a direita.

Quando me virei para olhar, os faróis piscaram para mim,


avisando que aquele era o carro certo.

Minha pulsação, para variar, começou a acelerar. Antes, eu


não estava acostumada a sentir isso toda vez que me via
prestes a me aproximar de alguém, mas ultimamente me
sentir mais adolescente estava se tornando um hábito.

Eu não podia evitar, era involuntário: Sempre que me dava


conta de que Lauren estava a menos de dez metros de mim,
meu coração insistia em querer sair pela boca. Era assim
mesmo.5

Cruzei os braços no peito para me proteger do frio e corri até


o carro. A porta do carona se abriu para mim, então no
segundo seguinte eu já estava sentada e trancada no interior
do carro junto com ela.

Fiquei encarando o painel luminoso do Porsche à minha frente


como uma imbecil. Eu sabia que ela me olhava sem nem
tentar disfarçar, o que estava fazendo com que meu rosto
ficasse mais e mais quente a cada segundo decorrido.

- Você está vermelha. - Sua voz saiu em um tom divertido.

- Estou? - Me fiz de burra, ainda sem tirar os olhos do painel.

- Está com vergonha?

Lauren estava prestes a gargalhar na minha cara, eu podia


sentir sem nem mesmo precisar olhá-la. Me convenci de que,
se ela o fizesse, teria toda a razão: Eu era patética, e ficar
sem jeito de encará-la só porque nossa noite juntas havia sido
um pouco '' diferente '' era tão lamentável que me
envergonhava até de sentir vergonha.

E o pior de tudo era que eu tinha quase certeza de que ela


sabia que esse era o motivo.

- Já disse que você fica linda envergonhada? - Ela falou ainda


se divertindo com minha falta de resposta, então deu a
partida no carro e nos colocou em movimento na estrada.

- Obrigada. - Foi tudo o que consegui dizer.

Tê-la frisando o fato de que eu estava sem graça só fazia com


que eu sentisse mais vergonha, mas eu bem sabia que ela
adorava fazer isso.

O trajeto foi curto e silencioso. Não perguntei a Lauren para


onde iríamos ou como havia sido seu dia, mas ela pareceu
não se importar, embora eu tivesse certeza de que se desse a
ela uma oportunidade de conversar comigo, ela falaria
durante todo o percurso.

***
Depois de algum tempo, chegamos em um restaurante bem
iluminado e pequeno, com uma decoração discreta e clara. 

O garçom nos guiou até uma pequena mesa para duas


pessoas, nos entregando o cardápio e se retirando assim que
pedimos bebidas, para que ficássemos à vontade. Retirei o
sobretudo e deixei-o no meu colo.

Lauren parecia acompanhar cada movimento que eu fazia, o


que me deixava cada vez mais nervosa e me fazia corar
violentamente sem nenhum motivo. Ela pareceu prestar ainda
mais atenção no meu vestido, acho que percebeu que é novo.

- Está com fome?

- Na verdade, não. Desculpa. Eu não costumo jantar, você


sabe...

- Eu sei. Também não estou com fome.

Ela me olhava com ternura e cansaço, e a cada segundo eu


me sentia mais derretida por aquele olhar.

- Então... - Ela começou - Vai me dizer o que você e minha


secretária estão tramando?

Sorri com a ideia de uma Lauren curiosa.

- Você vai saber em poucos dias. - Assegurei-a - Mas não


precisa se preocupar, não vou mais tirá-la de perto de você.

- Bom, contanto que ela não comece a tirar você de perto de


mim...

Eu poderia informá-la de que nada nem ninguém eram


importantes o suficiente para conseguir me tirar dela, mas
preferi ser objetiva.
- Ela não vai fazer isso.

- Promete? Nem se ela te chamar pra um fondue e eu estiver


doente e com febre na cama? - Ela falou, inventando qualquer
situação mirabolante e fazendo cara de cachorro abandonado.

Lauren, minha querida. Tudo o que eu mais quero é ficar


sozinha agarrada com você em uma cama.1

- Prometo.

Ela sorriu. Um sorriso lindo, lindo, mas cansado.

- Não devíamos ter vindo. Eu poderia preparar alguma coisa


na sua casa...

- Na nossa casa.1

- ... pro jantar. Você parece precisar descansar. - Tentei não


pensar no que ela disse.

- O dia foi longo. Ally que realmente me salva todos os dias.


Eu percebo isso quando tenho que lidar com as coisas sem ela
por um dia só.

- Devíamos ter deixado pra outro dia.

- Não, eu preciso falar com você hoje.

Então era disso que se tratava o jantar?

- Poderíamos ter conversado em casa.

- Não, não poderíamos. - Ela parou aí, então me perguntei se


não poderíamos porque ela dormiria assim que chegasse em
casa ou porque, até hoje, não conseguimos fazer nada além
de sexo em praticamente todo o tempo que estivemos
sozinhas.
Dada sua aparência de exaustão, eu acreditava na primeira
opção, mas o jeito como ela me encarava teimava em me
fazer pensar o contrário.

- Ok... O que foi?

Ela suspirou, se endireitando na cadeira e entrelaçando as


mãos em cima da mesa.

-Bom... Você sabe que dia é hoje?

- Sei.

- Então sabe que estamos perto do Natal.

Ah. O Natal.

Um arrepio percorreu minha espinha, mas não estremeci.

- Você sabe que o Natal é, tradicionalmente, uma festa em


família.

- Sei... - Não foi uma pergunta, mas ainda assim eu respondi.

- E você entende que... Bem, eu tenho que passar o Natal com


a minha. Já não os vejo durante o ano todo...

Lauren me fitava com olhos cautelosos, como se estivesse


abordando um assunto muito delicado.

Mas eu entendia.

- Eles devem sentir a sua falta. Sim, você tem que ir.

Ela continuou me olhando, agora um pouco em dúvida.

- Então... Tudo bem por você?


- Claro. - Eu disse, aparentando mais segurança do que
realmente havia em mim, e sentindo minhas palavras de
compreensão distanciando-a ainda mais.

Mesmo assim, não era uma opção pedir para que ela ficasse.
Eu não era a pessoa mais altruísta do mundo, mas também
não era tão egoísta a ponto de tentar fazê-la ficar só porque
eu precisava dela.

Lauren sorriu abertamente, ainda me encarando, e então,


como se fizesse isso todo dia, ela estendeu sua mão e tocou a
minha, também em cima da mesa.

O ato havia sido instintivo, eu podia imaginar, mas seu toque


ainda tinha aquele cuidado que mantínhamos entre nós. Seus
dedos tocavam com muita delicadeza as costas da minha
mão, e o caminho trilhado era seguido por um certo
formigamento um pouco quente.

Fiquei imóvel, apreciando o toque.

- Eu pensei que você não fosse aceitar. Obrigada.

Eu não tinha o que aceitar ou deixar de aceitar. Era a vida


dela, e eu não tinha o direito de me meter nisso.

- Não me agradeça por isso. - Falei, sem graça,


acompanhando com o olhar os caminhos que o dedo dela
ainda fazia na minha pele.

- Eu te agradeço por tudo. - Voltei meus olhos para os seus e


vi que ela estava séria - Eu sei que você ainda tem mágoas
comigo...

Eu não queria falar sobre aquilo. Era verdade, eu tinha


mágoas, muitas mágoas guardadas.
Mas aquele não era o momento de voltar ao passado e
lembrar do que me machucou ou deixou de me machucar.
Não quando eu tinha decidido deixar de lado minhas dúvidas.
Não quando ela estava me tocando.

- Você vai amanhã? - Perguntei, querendo desviar a conversa


para outro caminho. Um caminho menos difícil de lidar.

Ela continuou me olhando por algum tempo, sem dizer nada.


Me perguntei se ela tinha ouvido, ou se tinha entendido a
pergunta.

- Por que você insiste em se excluir de todas as sentenças


que me incluem?

- Como? - Perguntei, confusa.

- Nós vamos amanhã.

Permaneci encarando-a, sem realmente processar a


informação.

Nesse momento, o garçom voltou trazendo nossas bebidas e


o couvert.

Lauren agradeceu e o dispensou, voltando-se para mim outra


vez, ainda na mesma posição.

- Você entendeu que você viria junto quando disse que


visitaria minha família, não é?

Eu não havia exatamente considerado essa possibilidade.


Embora já tivesse pensado nela, aquilo foi mais um desejo do
que qualquer outra coisa. Estava fora de questão Lauren
querer me levar para conhecer sua família.
Para começar, porque só estávamos juntas havia alguns dias 
menos de uma semana para ser exata.

Tossi de forma suave para limpar a garganta, tentando


parecer normal.

- Eu não tinha entendido...

- Bom, você entendeu agora, certo? Eu vou, e você vai


comigo.

Eu queria que ela me convidasse a acompanhá-la. Na


verdade, queria muito, porque isso significava muitas coisas.

Primeiro, que eu não teria que me afastar dela, temendo pela


minha própria saúde.

Segundo, que eu conheceria mais sobre a vida de Lauren e as


pessoas que fazem parte dela.

Terceiro, porque vê-la querer minha companhia fazia com que


eu pensasse que era importante.

E esse pensamento crescia a cada dia.

E, junto com ele, crescia também meu ânimo, minha alegria,


e muitas outras coisas boas escondidas tão fundo dentro de
mim que pareciam não existir mais.

- Vou tentar comprar as passagens amanhã de manhã pro vôo


das 23h. Creio que seja um pouco mais de dez horas de
viagem, então às 9h da manhã, mais ou menos, chegamos a
Londres.

- Lon...dres?

- Londres. Meus pais moram lá.


Ok. Eu passaria o Natal com Lauren. Em Londres. Com a
família dela.

Tinha como ficar mais apavorada e feliz?

- Eu não...Eu...

Eu não sabia o que dizer. Mas sabia que tinha que dizer
alguma coisa, porque da forma que Lauren me olhava, eu
provavelmente parecia estar muito perto de uma crise de
pânico.

Seus dedos, antes trilhando suavemente as costas da minha


mão, agora se fecharam nela como se me pedissem
confiança. Olhei novamente para a mão dela, agora cobrindo
a minha de forma delicada mas firme, e por mais simples que
aquele ato fosse, eu queria memorizar cada pequeno detalhe
dele.

- Não precisa se preocupar. Eu vou ficar por perto o tempo


todo.

Fitei seus olhos rapidamente, minha reação sendo mais rápida


do que a capacidade de bloquear o pensamento que surgiu
em minha mente como um raio. Eu não queria pensar naquilo,
não queria ter lembrado, mas Deus estava sendo cruel
comigo outra vez.

Foi o que você disse da última vez.1

Eu sabia que não tinha falado em voz alta. Sabia que havia
conseguido guardar aquela demonstração de rancor para mim
mesma, e agradeci em silêncio por conseguir fazê-lo. Eu não
queria jogar aquilo na cara dela, como se lembrá-la do que ela
fez fosse me fazer sentir melhor.
Ainda assim, pela simples mudança em sua expressão e seus
olhos, eu pude notar que, mesmo sem a minha ajuda, Lauren
pensou exatamente na mesma coisa que eu.

- Eu prometo... - Sua voz saiu fraca.

Seus olhos vacilaram, como se ela estivesse profundamente


envergonhada pela lembrança, e no segundo seguinte senti
sua mão se afastar da minha.

Eu queria dizer que acreditava nela. Queria dizer que sabia


que ela cuidaria de mim, e que não deixaria que ninguém
soubesse do nosso segredo. Queria dizer que sabia que ela se
empenharia em me deixar à vontade com sua família, talvez
até me fazendo sentir parte dela, mas, acima de tudo, queria
que ela voltasse a me tocar.

Sem pensar, me inclinei um pouco para frente e alcancei sua


mão, com um pouco mais de força do que desejava. Envolvi
meus dedos nela, apertando com vontade sua pele e me
acalmando um pouco ao sentir, novamente, o contato entre
nós duas.

Era curioso como o toque dela me acalmava em certos


momentos, e em outros me acendia. Mas eu não queria
filosofar sobre aquilo.

Lauren pareceu se iluminar um pouco com meu ato, e eu


sabia o porquê.

Era a primeira vez que a atitude de procurá-la, de diminuir a


distância entre nós, havia partido de mim e não dela.
Era a primeira vez que eu não esperava passivamente pelas
suas decisões, e principalmente, era a primeira vez que eu
demonstrava o que sentia por ela.

- Me fale sobre a sua família.

Os papéis haviam se invertido. Agora, era eu quem tentava


passar confiança a ela. Era eu quem tentava conseguir dela
alguma reação, alguma interação, mas ela, diferentemente de
mim, me deu o que eu pedia.

Lauren falou das pessoas que eu conheceria.

Contou que cada um deles estavam espalhados pelo mundo,


representando e tomando conta, em diferentes países, das
empresas de seu pai. Pelo que ela deu a entender,
passaríamos o Natal em uma festa pequena que incluía seus
pais, uma irmã e seu marido, um irmão solteiro e nós duas, o
que me fez ficar animada com o fato de que não haveria uma
enorme quantidade de pessoas para me julgar como a mais
nova biscate caça-fortunas da família.

Enquanto ela falava, seus dedos voltaram a passear de forma


suave pela minha mão, correndo pelas costas dela em pontos
especificamente agradáveis, pela palma em círculos perfeitos,
chegando ao pulso e parte interna do meu antebraço. Eu
estava atenta a tudo que ela dizia, mas seu toque começou a
tirar minha concentração assim que aceitei tomar uma (e só
uma!) taça de algum vinho escolhido por ela.

Não entendia o motivo daquilo, porque seus movimentos não


eram fortes ou insinuantes. Era óbvio que grande parte
daquelas sensações me assolavam por causa do pouco de
vinho ingerido, suficiente para fazer com que eu me '' soltasse
'', mas era como se Lauren remetesse ao ato de fazer amor
através de simples toques, estimulando cada nó dos meus
dedos, cada fio desencapado por baixo da minha pele,
desenhando metodicamente em mim formas estranhas mas,
ao mesmo tempo, incrivelmente sensuais.

Cheguei à conclusão de que estava mais perdida do que


imaginava.

***

Era um pouco antes das 23h quando finalmente chegamos ao


apartamento dela. Durante todo o percurso do restaurante
até o prédio, não deixei de pensar um segundo sequer em
como diabos Lauren havia conseguido, com um carinho
inocente na mão, me deixar completamente excitada de uma
forma que ela mesmo parecia não saber.

Fitei-a pelo canto do olho cada vez que parávamos em um


cruzamento, encontrando-a descansando a cabeça no encosto
de seu assento com os olhos fechados, então me dei conta de
que ela devia estar realmente exausta e nem um pouco
interessada em sexo aquela noite.

Merda.

Entrei no apartamento escuro, tateando em busca do


interruptor. Lauren o encontrou primeiro, acendendo as luzes
e evitando que eu desse com o nariz na parede.

Caminhei para o quarto onde estavam minhas coisas e ela me


seguiu.

- Você não tem outras malas, né? - Ela perguntou, olhando


para as várias bolsas e sacolas deixadas no canto do quarto.
- Não.

- Te empresto algumas minhas.

Ela disse isso enquanto tirava o sobretudo


despreocupadamente, bocejando sem perceber e ficando, ao
mesmo tempo, fofa e gostosa, algo que eu jamais achei ser
possível. Continuei encarando-a como uma ninfomaníaca no
cio, desejando mais do que tudo que aqueles dedos
estivessem me tocando agora em lugares muito mais íntimos
do que antes.1

- Banho. - Ela disse enquanto apontava com o dedo para seu


quarto, aparentemente muito cansada para formular uma
frase completa.

Assisti o pedaço de mau caminho sair do meu quarto e


caminhar pelo corredor enquanto tentava manter os olhos
abertos. Como, Deus, ela conseguia ser tão... tão... ela?

E o que estava acontecendo comigo, afinal de contas? Desde


quando eu era dada a explodir em hormônios perto de uma
mulher? Está certo, não era '' uma mulher, A MULHER.

Eu estava com muito calor.

- Ei! - Falei, alcançando-a em seu quarto antes que ela


entrasse no banho - Posso usar aquela camisa?

- Ela é sua. Fica mesmo muito melhor em você.

Ela estava sem camisa e sem o top, apenas de calça social,


recolhendo uma calça e um casaco de moletom para vestir
depois.

Gostosa.
Ela entrou no banheiro, encostando a porta atrás de si. Voltei
ao meu quarto e tirei todos os agasalhos, vestindo a camisa
que era minha agora. Escovei os dentes me olhei no espelho
por algum tempo, na dúvida se tentaria seduzir ela ou se a
deixaria descansar.

Sem chegar à conclusão alguma, joguei um pouco de água no


rosto e voltei para o quarto dela. As paredes e objetos
rodavam um pouco à minha volta, o que constatei ser o efeito
do álcool no meu organismo desacostumado, mas não me
importei.2

A porta do banheiro ainda estava encostada. Fui tomada por


uma mistura de sensações - um pouco de curiosidade e muito
de promiscuidade - então sem nem me dar conta, já estava
dentro do enorme banheiro de azulejos brancos e pretos.

Lauren não notou minha presença. Eu lembrava que o box era


espelhado por dentro, fazendo com que quem estivesse
dentro dele não enxergasse nada além de seu próprio reflexo,
por isso só tive que tomar cuidado em não fazer nenhum tipo
de ruído.2

Sentei muito quieta na tampa fechada do vaso sanitário,


abraçando minhas pernas enquanto me encolhia em cima
dele e apoiava o queixo nos joelhos, pela primeira vez
admirando Lauren de verdade.

Ela era linda. Não linda do tipo "claro que dormiria ela," mas
sim do tipo "por favor, por favor, me coma."

Tudo nela - cada músculo, cada pinta, cada tatuagem  - era


milimetricamente perfeita, e o efeito da água e do vapor
naquela cena, juntamente com a percentagem de álcool que
passeava pela minha corrente sanguínea, fazia com que ela
parecesse um sonho.

Um sonho erótico.

Gostosa!

Observei cada movimento, como se quisesse decorá-los.

Seus dedos passeando em seus cabelos, suas mãos


ensaboando seus seios, costas, barriga... Descendo...
Descendo mais...

Deus!

O pescoço, a linha do maxilar, ombros, braços, mãos...


Barriga, costas, coxas... Que inferno, os joelhos dela
conseguiam ser bonitos!

E durante todo esse tempo, eu permaneci quieta, imóvel,


apenas admirando-a.

Senti uma dor no joelho esquerdo, então me dei conta de que


estava me mordendo. Ignorei.

O chuveiro foi desligado. Esse era o momento de me levantar


às pressas e dar uma de Camila, pisando no azulejo molhado
pelo vapor e dar com os dentes na bancada. Mas por algum
motivo obscuro, me mantive ali, ainda imóvel, ainda
mordendo meu joelho, que começaria a sangrar em algum
momento.

Lauren abriu o box para puxar a toalha do segurador, se


deparando com uma voyeur de joelho esfolado sentada no
seu vaso sanitário feito uma imbecil.

- Opa!
Ela pareceu surpresa, mas não desesperada em se cobrir.
Aliás, ela não se cobriu, simplesmente alcançando a toalha e
se secando como se estivesse perfeitamente sozinha. Isso
significava que eu ainda estava vendo - e encarando - tudo:
Cada lindo e glorioso centímetro.

Gostosa! GOSTOSA!

- Sabia que isso dá cadeia em alguns lugares do mundo? - Ela


começou.

- Estamos quites agora.

Ela demorou um pouco, mas finalmente pareceu lembrar da


ocasião a qual eu me referia.

- Eu não entrei no seu banheiro. - Falou, abrindo um sorriso


simples e dando dois passos em minha direção - Você que
saiu nua toda saltitante pro quarto sem prestar atenção.3

- Mesmo assim... - Respondi, vendo-a dar mais alguns passos


lentos.

- Não. O que você fez foi muito pior. Agora eu estou em


desvantagem.

Ela deixou a frase solta no ar, como se não tivesse intenção


em explicar o que queria dizer. Eu também não fazia questão
de entrar em explicações, porque ela estava parada à minha
frente, deliciosamente pelada - que Deus a abençoe - ainda
úmida e quente do banho escaldante recém tomado, e na
altura perfeita...

Ou ela estava muito cansada e lenta, ou eu fui rápida demais.

Por impulso, segurei com firmeza seu pau, já não muito


relaxado, e coloquei-o por inteiro dentro da boca, sentindo o
perfume do sabonete caro e a maciez da pele dele, ainda não
enrijecida completamente.4

Mas não levou muito tempo até que já não conseguisse


acomodá-lo completamente lá dentro. Ele havia crescido
bastante, então tive que relaxar a garganta para fazê-lo
entrar um pouco mais.

A toalha caiu no chão ao seu lado, então senti suas mãos


pousarem na minha cabeça delicadamente.

Puxei-a mais para perto de mim, agarrando-a por trás, e em


pouco tempo pude sentir suas pernas tremerem mais do que
eu estava acostumada a sentir. Lembrei que isso devia ser
consequência de seu cansaço, mas só pude torcer para que
ela se mantivesse de pé, porque eu não ia parar.

Eu não queria parar.

Mesmo lutando para se controlar, os movimentos de Lauren


foram ficando cada vez mais bruscos, agora investindo ela
mesma contra minha boca. Seus dedos ainda seguravam
meus cabelos de forma gentil, deixando claro que ela não
queria me machucar.

Levantei o rosto, olhando-a pela primeira vez. Ela me


encarava com mais intensidade do que nunca, e no momento
em que seus olhos encontraram os meus, senti uma vontade
insana de beijá-la.

- Você vai tirar essa blusa ou quer que eu rasgue?

Na verdade, eu queria que ela rasgasse. 

É claro que me arrependeria depois, porque estava


começando a amar aquela camisa, mas adorei o pensamento
de Lauren tirando minha roupa de forma selvagem e me
comendo com força.

Álcool realmente fazia com que eu virasse uma depravada.

Ignorei o fogo que me consumia agora com mais força, e


tentando acelerar as coisas antes que ela mudasse de ideia
me afastei um pouco e comecei a desabotoar minha camisa.
Queria fazer aquilo rápido, mas como estava um pouco tonta
e nervosa, meus dedos só conseguiram se livrar do primeiro
botão depois de algum tempo.

Fui socorrida por Lauren em questão de segundos.


Obviamente vendo meu estado deplorável, ela me levantou e
trabalhou nos botões com uma rapidez fantástica, me
desnorteando com um beijo intenso e molhado. Fechei os
olhos, deixando que ela terminasse o serviço e simplesmente
acabasse comigo.

- Devo levar em consideração seu estado alterado e parar por


aqui? - Ela perguntou ofegante em meu ouvido, e tudo o que
podia sentir eram suas mãos passeando pelo meu corpo de
forma faminta.

- Se você não me foder agora, juro que te capo com os dentes


enquanto você dorme!

Ela soltou uma gargalhada sonora e forçou minhas pernas a


se enlaçarem em seus quadris.

No segundo seguinte, já estávamos dentro do box.

Lauren me sentou no banco de mármore que havia ali,


seguindo todo o comprimento da parede lateral, e se ajoelhou
à minha frente enquanto deixava suas mãos deslizarem pelas
minhas coxas.

- Quer saber como foi meu dia hoje?

Eu não queria saber. Por mais que adorasse ouvi-la


conversando banalidades comigo, por mais que me
importasse com ela, naquele momento eu só queria que ela
calasse a boca e se enfiasse dentro de mim com tudo.

Mas eu não respondi, então ela continuou.

- Meu dia foi difícil. - Ela falou, e então me beijou novamente -


Tive que fazer muita força pra não ir com Ally ver você. -
Outro beijo - E acabei saindo mais cedo da empresa do que
queria, porque estava ansiosa pra te ver, então tive que ficar
esperando até que você resolvesse descer. - Lambidas no
meu pescoço - E tudo porque eu não consegui parar de
pensar nessa bocetinha gostosa que você tem entre as
pernas. - Ela parou nos meus seios - E no seu gosto
maravilhoso. - Mordidas na minha barriga.4

Eu já ofegava como se estivesse me afogando no meu próprio


desejo, agarrada aos cabelos molhados de Lauren e
escorregando pelo azulejo molhado como mel.

- Sabe o que eu acho? - Ela falou, finalmente sentando em


seus calcanhares e abrindo com força minhas pernas - Acho
que vou precisar fazer isso todo dia, pra que você não sinta
mais vergonha de mim.

Isso, Lauren Jauregui. Acaba comigo de uma vez.


Senti sua língua quente me invadir de repente, e soltei um
gemido de prazer que se tornou ainda mais alto pelo eco do
banheiro.

Ela me pegou pelos quadris com força e me puxou mais para


perto de si, posicionando estrategicamente meus pés em seus
ombros.

Estava tentando me controlar, porque sabia que no momento


em que baixasse a guarda, meu orgasmo chegaria. Por isso, a
ideia de olhar para Lauren não foi nada inteligente.

A cada chupava que ela dava, demorava um pouco parada


me olhando como uma leoa olha para um javali fresco
temperado com barbecue, um sorriso torto assassino nos
lábios e o contentamento de uma criança de dez anos ao se
dar conta de que podia voar.

Ela estava tão compenetrada que não notou quando mordeu


meu clitóris com mais força do que devia, me provocando
uma pequena e momentânea dor.

- Ai! - Eu pulei para longe dela, dando um puxão rápido e


violento em seus cabelos para afastar seu rosto de mim - Não
faz isso!

Só então notei que havia sido rude, e de novo culpei o álcool


pelo meu comportamento não habitual.

Lauren pareceu um pouco chocada com a forma como eu falei


e com a agressão física, mas seus olhos pareciam brilhar com
alguma coisa.

- Desculpa... - Ela deu um beijo simples e fofo no lugar onde


havia me machucado, ainda me fitando nos olhos 
- O que quer que eu faça?

- Que me chupe direito.

A resposta saiu objetiva, outra vez rude e ditadora. Os olhos


dela brilharam mais, seu semblante quase se transformando
em um sorriso.

No segundo seguinte, ela me tocou novamente com a ponta


de sua língua, testando com cuidado os pontos onde eu
reagia mais aos seus estímulos.

- Assim está bom?

Eu havia perdido algum detalhe ou Lauren realmente parecia


gostar que eu mandasse nela?3

- Mais forte.

Ela obedeceu imediatamente, pressionando com mais força


sua língua contra minha entrada e arrancando gemidos
engasgados da minha garganta.

Por algum tempo, me deixei aproveitar aquela sensação -


provavelmente a melhor sensação do mundo - mas assim que
senti meu orgasmo se aproximar, a interrompi.

- Para!

Ela parou, encostando o rosto em uma de minhas coxas e me


encarando como se esperasse pela próxima instrução.
Trabalhei um pouco minha respiração, tornando-a menos
inconstante, então falei outra vez.

- Sobe aqui.
Ela se levantou rapidamente em seus joelhos assim que tirou
minhas pernas de seus ombros e as colocou com delicadeza
no chão.

Seu rosto ficou quase da mesma altura que o meu agora, seu
corpo inclinado para mim e sua boca muito próxima a minha
enquanto seus olhos me olhavam com submissão e amor, seu
pau incrivelmente duro para quem não estava sendo
estimulado de forma alguma.

Ora, ora. Então a poderosa Lauren também gostava de ser


dominada.

Tudo bem, minha querida. Eu posso passar minha vida inteira


te dominando.

Suspirei, sentindo todo o poder do vinho na cabeça enquanto


olhava dentro de seus olhos verdes, agora escuros. Esperei,
não por falta de coragem em dizer o que ia dizer, mas porque
queria esperar o momento certo. Quando ela finalmente
chegou, ordenei em um tom de voz macio e baixo.

- Me fode de uma vez.

No segundo seguinte, eu estava no colo dela, de joelhos no


banco molhado, ela sentada onde eu estava antes.

Me agarrei em seu pescoço para não cair, porque o


movimento rápido fez com que eu ficasse mais tonta, mas
não tinha o que temer, porque seus braços me prenderam na
conhecida gaiola que ela fazia ao meu redor quando
estávamos naquela posição.

Fui atingida por um beijo invasivo, violento, e mesmo ficando


um pouco perdida, correspondi. 
Me senti ser minimamente erguida para, logo em seguida
encaixar no corpo dela, centímetro por centímetro, de forma
perfeita, e de repente minha noite se tornou um pequeno
paraíso.

Eu precisava inventar novas palavras para poder expressar a


forma como me sentia com ela, como a queria. Ou não, não
precisava explicar nada. 

O fato era que eu a queria tanto, tão mais do que jamais


pensei querer alguém, que minha sanidade mental cedo ou
tarde seria afetada de alguma forma.

Eu não podia perdê-la. Era mais sério do que parecia ser.

Consegue sentir o quanto eu te amo? Consegue sentir o


quanto eu preciso de você? Não suma da minha vida de novo,
por favor.

Por favor...

- Camz

Abri os olhos outra vez e encontrei seu nariz encostado no


meu. Ela me encarava como se quisesse me fazer sentir,
pedaço por pedaço, todo o carinho e paixão que tinha por
mim.

Levei minha mão direita ao seu rosto, seguindo a linha do


maxilar e tentando conter os saltos que as investidas dela
dentro de mim faziam. Ela fechou os olhos com meu toque e
me beijou outra vez, um beijo lento e apaixonado, sem ser
interrompido nem mesmo quando ela voltou a falar.

- Minha.
Eu era dela. De quem mais seria? Não tinha como contestar
aquilo, e também não havia necessidade. Embora tivesse
praticamente saído em um sussurro, o tom de voz acusava
que aquilo não havia sido uma pergunta ou um pedido de
confirmação. Era uma verdade, um fato já aceitado tanto por
ela quanto por mim.

Estávamos de acordo, e isso bastava.

Lauren começou um terremoto onde nossos corpos estavam


ligados, metendo em mim com tanta força que alguma coisa
lá dentro acabaria machucada. Então me senti ser apertada
por seus braços com tanta força que cheguei a temer pelas
minhas costelas. Mas não senti dor porque ela havia, mais
uma vez, tocado em um lugarzinho mágico próximo ao meu
útero.

Gemi alto, sem medo de ser feliz, provavelmente


reproduzindo com perfeição o áudio de um filme pornô
amador.2

Surpreendentemente, ela pareceu se excitar com o que, para


mim, pareciam ser engasgos agudos, e embora não
conseguisse entender, fiquei feliz em saber que todas as
minhas esquisitices a agradavam.

O orgasmo chegou logo, porque Lauren havia conseguido a


proeza de tocar com exatidão e de forma repetida o pequeno
ponto-paraíso que deixava meu corpo em ebulição. Meu
desejo era gritar palavras promíscuas, mas não o fiz porque
pareceria vulgar. Assim, quando a onda de calor percorreu
meu corpo em uma explosão de sensações, suspirei a única
coisa que me parecia caber no momento.
- Sua.

Eu não saberia dizer se ela havia escutado, porque podia


sentir seu estado de torpor, voltando de seu próprio orgasmo.

Alisei os cabelos dela com os dedos, massageando levemente


seu couro cabeludo que provavelmente doía pelos puxões que
eu dava.

Enfiei o rosto no pescoço dela e por ali fiquei, sentindo as


batidas do coração dela desacelerarem lentamente de
encontro ao meu peito e sua respiração se tornar mais calma.

O silêncio era bom, principalmente quando ela estava perto


de mim. Principalmente quando ela estava me abraçando,
acariciando com as mãos espalmadas minhas costas,
respirando na pele sensível do meu pescoço.

Estava tão tranquila que um sonho começava a se formar


dentro da minha cabeça, quando a senti levantar comigo
ainda em seu colo.

Lauren ligou o chuveiro, mas não me mexi. Agarrada a ela


como um bebê coala , deixei que a água morna escorresse
pelas minhas costas, me acordando um pouco. Quando
finalmente tomar banho se tornou uma tarefa muito
complicada na posição em que nos encontrávamos, fui
obrigada a me soltar dela. 

Nenhuma de nós duas falou. O silêncio ainda era agradável,


como se a primeira palavra que fosse dita quebrasse a
sensação de romance e magia que flutuava sobre as nossas
cabeças. Ela me secou outra vez, então me perguntei se
aparentava ser incapaz de fazer isso por mim mesma. Mas
não reclamei, porque tê-la me tratando cheia de mimos era
algo pelo qual eu sabia que muitas mulheres morreriam.

Nos vestimos rapidamente. Eu tentava não encará-la, então


não sabia se ela estava me observando ou não. Saí sem
avisá-la, rumo ao meu quarto para pegar uma calcinha e um
moletom para a noite fria.

Quando voltei, encontrei-a esparramada na cama de barriga


para cima, entre almofadas e várias camadas de lençol,
edredom e cobertor. Me senti imediatamente culpada,
odiando meu egoísmo e falta de cuidado em não pensar no
cansaço que ela sentia.

Escalei a montanha de panos e almofadas, tentando não fazer


com que o colchão se movesse muito, o que foi uma tarefa
difícil já que dormir na cama de Lauren era quase como
dormir em cima de uma gelatina gigante.

Sentei com cuidado ao seu lado e fiquei observando por


algum tempo sua expressão serena, de olhos fechados e
respiração calma.

Como se não fosse suficientemente cara de pau, ela abriu um


dos olhos, mantendo o outro fechado, espiando para verificar
se eu ainda estava viva, e fechando-o no momento em que
me viu.1

- Eu ainda estou dormindo. Pode me beijar. Eu sei que você ia


fazer isso.3

Sorri com sinceridade e, como uma debiloide tive vontade de


apertá-la até seus olhos saltarem das órbitas por ser tão
incrivelmente fofa.
Sem responder, me inclinei para mais perto dela e a beijei de
forma suave no canto da boca.

- Eu esperava línguas e arranhões, mas posso me contentar


com isso.

Boba.

Mas gostosa.

- Durma. Eu já tomei muito do seu descanso.

- Não foi nenhum sacrifício. Se quiser, pode abusar


sexualmente de mim enquanto eu durmo.

- Vou pensar nisso.

- Não vai me capar, não é?

Sorri outra vez.

- Não.

- Que bom.

Ao dizer isso, Lauren me virou na cama e me abraçou na


nossa conhecida - e preferida - posição de concha. Meu sono
agora já me tomava rapidamente, então me deixei levar mais
uma vez pela sensação de tê-la ali comigo, e me permiti
relaxar.

Antes de começar a sonhar, porém, pude ouvir uma voz


distante e conhecida, com o característico tom brincalhão,
mas que tinha lá seu fundo de verdade.

- Vou me lembrar de oferecer vinho mais vezes a você. +

***
Capítulo 13
Pov Camila

Eu praticamente não havia dormido aquela noite, ansiosa pela


iminente viagem surpresa a qual não só me faria viajar de
avião pela primeira vez - o que tinha que admitir, não era o
principal motivo do meu pânico - mas também conheceria a
família de Lauren, esse sim o fato que me preocupava.

Eles devem ser legais.2

Eu repetia isso como um mantra dentro de minha própria


cabeça, enquanto assistia Lauren dormir. Ela estava
mergulhada em um sono profundo, mas notei em alguns
momentos que ela sonhava. Na maioria das vezes, dizia
coisas incompreensíveis, mas quando seu rosto se contorcia
em uma expressão de tristeza ou desagrado, ela
instintivamente me trazia mais para perto de seu corpo, me
apertando com tanta força que eu chegava a duvidar se ela
estava mesmo inconsciente.

Me perguntei se ela estaria tendo algum tipo de pesadelo


comigo.

Lembrei de todos os que eu havia tido com ela. Felizmente, a


insônia trabalhou nisso, me deixando alerta quase a noite
toda e impedindo que meus medos viessem me atormentar
na forma de sonhos outra vez.

Eram 5h da manhã quando vi o relógio pela última vez e


consegui relaxar nos braços de Lauren.

***
Acordei às 10:15h sentindo um pouco de frio. Estava sozinha
e com dor de cabeça, por isso tentei dormir mais um pouco,
tarefa que se mostrou impossível, já que minha ansiedade
não me deixava relaxar.

Tomei um banho quente e demorado, enquanto traçava


planos para o resto do meu dia, pelo menos até Lauren voltar
do trabalho.

Me vesti com um conjunto de moletom e meias fofas, peguei


uma banana na cozinha e fui para meu quarto, com o intuito
de começar a separar algumas roupas para nossa viagem de
Natal. Encontrei três malas grandes e discretas enfileiradas
perto da parede, então me perguntei se Lauren realmente
achava que eu levaria tanta coisa assim. Ignorando as
restantes, separei uma única mala para a viagem.

Escolhi as roupas mais novas por uma série de motivos.


Primeiro, eram mais bonitas. Segundo, não havia riscos em
fazer com que ela ou eu lembrássemos de coisas
desagradáveis. Terceiro, eram muito mais elegantes do que
minhas antigas peças, e provavelmente seria mais apropriado
me vestir dessa forma perto da família de Lauren. Mesmo
assim, não deixei de colocar alguns casacos velhos e calças
de moletom confortáveis, já que não fazia ideia do quão frias
as noites de Londres eram.

Me perguntei se seria de bom tom arrumar as malas de


Lauren também, já que não sabia a que horas ela voltaria
para casa, mas logo desisti da ideia porque, além de poder
deixá-la desconfortável comigo tentando mexer em coisas
que eram de sua responsabilidade, eu não fazia ideia de que
tipos de roupas ela queria levar.
Peguei o presente ainda embrulhado e guardei na bolsa, com
medo de que, se deixasse para depois, esquecesse de levá-lo
comigo. Coloquei na mala alguns sapatos, meias, peças para
inverno como luvas, cachecol e touca, além de roupas
íntimas. Lembrei que tinha dois vidros de perfume, mas
ambos eram fortes demais. Um, inclusive, era o mesmo
perfume que havia usado na noite em que nós nos
reencontramos, então imaginei que Lauren simplesmente o
odiasse. Como única saída, empacotei junto com o restante
das coisas meu creme para hematomas - que eu sabia que
não a desagradaria - e fechei o zíper.

Demorei mais do que imaginava.

Olhei para o relógio, que marcava 12:30h, então pensei no


que fazer para o almoço. Como estava sozinha, qualquer
coisa congelada estaria de bom tamanho. Preparei no
microondas uma lasanha à bolonhesa e comi, tentando não
pensar em nada relacionado à viagem e em tudo que poderia
dar errado nela.5

Terminei de almoçar por volta das 13:15h.

Sem muito o que fazer, rumei para o quarto da Lauren e liguei


a tv. Passei por mais de duzentos canais três vezes,
demorando em alguns filmes apenas para os ver se me
chamavam a atenção, mas não havia algo que me
interessasse ou que conseguisse me fazer parar de pensar.

Eles vão me odiar. Vão pensar que eu sou uma interesseira.


Vão pensar que eu não presto.

- E por que eles pensariam isso? - Perguntei a mim mesma.

Porque eu não presto.


Não respondi. O pior de tudo não era ter que viver com
Lauren e fingir que a vida era simples. Era o fato de ter minha
própria consciência contra mim que estava me
enlouquecendo, e eu tinha certeza que se não revertesse essa
situação, por bem ou por mal, acabaria na merda.

Levantei com raiva, sem saber de quem ou do quê,


desligando a tv e voltando à cozinha. Pensei em qualquer
receita fácil, torcendo para que Lauren tivesse todos os
ingredientes necessários. Uma rápida busca na despensa e
nos armários da cozinha me confirmaram isso, então fiz força
para lembrar como se preparava a sobremesa que tinha em
mente, tentando esquecer o mundo à minha volta.

Preparei a calda de chocolate com leite condensado e nozes


moídas, esperando que esfriasse um pouco para ser levada à
geladeira depois. Bati o creme de leite e o chocolate em pó,
formando uma pasta homogênea. Joguei lá dentro suspiros
picados, bombons, coco ralado e nozes, algumas inteiras e
outras trituradas. Mexi bem e coloquei para gelar, levando
junto a calda que parecia já estar menos quente. Fui para o
quarto e pensei em qual roupa iria para o aeroporto. Como
tinha muitas opções, demorei um pouco para achar a melhor
combinação - a melhor, porque todas me agradavam - e
quando finalmente me decidi coloquei uma jaqueta de couro
preta, blusa cinza quentinha por baixo, um cachecol e touca
preta, coloquei também uma calça jeans e botas de cano
médio sem salto, me perguntei se estava fazendo aquilo pelo
meu gosto ou pelo de Lauren.

Cansada de ziguezaguear pelo quarto e com medo de fazer


um furo no chão, fui até a biblioteca, examinando alguns dos
exemplares que se mostravam nas estantes dos dois lados do
aposento. O quarto não era grande, então eu poderia ler a
maioria dos títulos, mas eram muitos.

Descobri que Lauren era fã de suspenses, tendo belas


coleções de Arthur Conan Doyle, Sidney Sheldon e Agatha
Christie. Varrendo os olhos continuamente pelas prateleiras,
notei que a estante daquele lado do aposento era mais curta
que a outra. Ao final dela, uma porta ocupava o restante da
parede, então notei que da última vez que estivera ali - com
Guadalupe - eu não havia reparado nela.

Girei a maçaneta sem pensar e notei que não estava


trancada. Me perguntei se seria falta de educação entrar sem
permissão, mas então lembrei das palavras de Lauren ao
dizer que eu poderia fazer o que quisesse naquela casa. Além
disso, se houvesse algo que ela não quisesse que eu soubesse
lá dentro, não deixaria a porta apenas encostada.

Entrei em um aposento pequeno, menor que a biblioteca, com


paredes em um tom de vinho e com uma aparência diferente,
o chão de madeira coberto por um grande tapete persa
escuro. Em cima dele, um piano de cauda em mogno se
mostrava imponente no centro da sala, enquanto mais ao
lado um banco grande também de madeira percorria quase
toda a extensão da parede à direita, embaixo de uma janela
com as cortinas fechadas. E era só isso.

Aquela parecia ser a sala de música particular de Lauren,


simples e discreta, mas aconchegante e misteriosa ao mesmo
tempo.
Imediatamente imaginei-a ali, tocando, compondo melodias
parecidas com aquela que um dia ouvi no rádio de seu carro.
Era uma imagem magnífica.

Fiquei ali, por algum tempo, pensando em nada em particular.


Aquele lugar me transmitia uma estranha sensação de paz, e
ficar ali, mesmo sem fazer nada, era bom.

Sentei no banco comprido embaixo da janela e fechei os


olhos. O cheiro ali era agradável. Me perguntei se algum dia a
veria tocando qualquer coisa que fosse. Talvez eu pedisse a
ela.

Não sei quanto tempo se passou. Lembrei da sobremesa, que


àquela hora já estaria pronta, então deixei o quarto, sentindo
a aura de tranquilidade ficando para trás.

Tirei o doce da geladeira juntamente com a calda,


entornando-a por cima da massa gelada. A aparência era
muito boa, mas eu não sabia se o modo de preparo havia sido
feito certo.

Fui até o armário em cima da pia e peguei de lá uma taça


para sorvete e duas colheres, tirando um pouco da massa
gelada da travessa e me servindo.

Eu havia acertado.

Sempre fui muito crítica com as coisas que fazia, mas não
havia como negar que aquilo estava mesmo bom. Senti
orgulho de mim mesma pelo feito, e desejei profundamente
que Lauren estivesse ali para que pudesse provar minha
receita e, quem sabe, me encher de elogios.
Como água se transformando em vinho, ela milagrosamente
surgiu pela porta que dava para a sala. Me assustei com sua
aparição quase sobrenatural, embora tivesse ficado feliz, e
me perguntei quando ela havia desenvolvido a capacidade de
ser silenciosa como uma lesma.

Lauren vestia um sobretudo, diferente do que usava no dia


anterior, e também trajava um vestido preto. Tirava suas
luvas devagar, sem pressa alguma, enquanto me encarava
silenciosamente. Retribuí o olhar.

Ela agora vinha em minha direção, uma expressão tranquila


no rosto, desviando seus olhos para a travessa de doce à
minha frente em cima do balcão entre nós.

- Você que fez?

- Sim.

- Posso provar?

Me apressei em buscar no fundo da taça um pedaço maior de


bombom molhado, mas estava sendo um desafio imenso
trazê-lo com a colher para cima. Talvez isso se devesse ao
fato de que aquela era uma tarefa que exigia um mínimo de
coordenação motora, e se eu já era péssima naquilo
normalmente, minha incompetência triplicava quando Lauren
estava me encarando tão de perto.

Um pouco desesperada, soltei a colher e peguei o bombom


com o indicador e o polegar, levando até sua boca. Ela me
encarou com uma expressão indecifrável, mas antes que a
gota de chocolate que se formava ali pudesse cair, Lauren
mordeu o doce.
Quando fiz menção de afastar minha mão, ela segurou meu
pulso com força, e ainda me encarando, chupou meus dois
dedos, um de cada vez, deixando-os limpos da calda que
escorria ali.

Fiquei encarando feito uma idiota seus lábios correndo pelos


meus dedos. Percebi que estava de boca aberta, então fechei-
a abruptamente, desejando com todas as forças que eu
parasse de agir de forma constrangedora toda vez que ela
fizesse alguma coisa provocante.

- Uau... - Ela começou, dando uma pausa para engolir - Isso


está perfeito.

- Obrigada. - Sorri, feliz com seu comentário, torcendo para


que ela estivesse falando a verdade.

- Posso comer isso com você algum dia?

Era uma pergunta boba de se fazer. Por que ela pediria


permissão para comer qualquer coisa comigo?

- Claro. Me deixa pegar uma taça pra você, comemos juntas...

Fiz menção de me levantar, mas ela segurou meu pulso outra


vez, me impedindo de sair do lugar.

- Acho que não fui clara. Vou reformular a frase: Posso comer
você com isso algum dia?5

Eu estava fazendo aquela cara de idiota outra vez, eu sabia.


Mesmo sem estar na frente de um espelho, sabia também
que meu rosto poderia ser facilmente confundido com um
tomate maduro, porque minha cabeça estava fervendo de
vergonha. Ela estava fazendo aquilo de propósito, eu tinha
certeza.
- Você... Eu acho... Ha... É, eu... - Foi a brilhante frase que
consegui pronunciar, enquanto encarava nervosa o doce na
travessa à minha frente. Ouvi seu riso abafado enquanto ela
ainda me encarava.

- Você tem sorte por ter um balcão entre nós duas. Toda vez
que você fica corada eu tenho uma vontade quase
incontrolável de te abraçar até te asfixiar.

Ela sorria despreocupada.

Ver Lauren tão à vontade dessa maneira era bom porque


fazia com que eu achasse que não havia nada com o que me
preocupar. E então, ela era apenas uma boba engraçadinha
que adorava me provocar. Sem situações desconfortáveis,
sem momentos de um silêncio desagradável.

Éramos só nós duas. Sem problemas.

- Ainda vou descobrir um jeito de te deixar sem graça


também, bobona.

- Bom, contanto que você não diga pra minha mãe que eu sou
boa de cama...

Soltei uma risada abafada, me concentrando para fazer meu


rosto parar de queimar. Tentei mudar de assunto, na
esperança que aquilo acontecesse logo.

- Você tem que arrumar suas malas.

- Ah, sim. Por falar nisso, esqueci de te perguntar uma coisa:


Você tem passaporte?

Eu não tinha passaporte.

Como diabos eu não havia lembrado disso?


Não precisei falar nada, minha expressão já dizia tudo por
mim. Então era isso: Por mais uma imbecilidade minha, agora
Lauren viajaria sozinha para Londres e eu passaria o Natal ali,
longe dela.

- Imaginei que não. - Ela respondeu à minha resposta não


dita, com uma calma que só fazia com que eu ficasse mais
nervosa - Bom, ainda bem que eu sou rica.

Olhei-a confusa, ainda arrasada.

- Nós vamos em um avião particular. O vôo é às 22h, ninguém


vai pedir seu passaporte.

Encarei-a com os olhos esbugalhados, sem saber o que dizer.

- Quantas pessoas você teve que subornar pra isso?

- Nenhuma. O avião é meu.6

A partir daquele momento, desisti de conversar com Lauren.

Ela sempre me surpreenderia de alguma forma e me deixaria


com cara de besta - se não fosse pela sua personalidade,
seria pelo seu poder - então apenas deixei que ela nos
guiasse o resto do dia.

***

Usei mais maquiagem do que estava acostumada, o que não


queria dizer muita coisa: Apenas um delineador discreto nos
olhos e um blush suave.

A jaqueta de couro em mim pareceu deslumbrá-la, fazendo-a


repetir mais de cinco vezes - e me fazendo corar em todas
elas - o quanto eu estava linda.
Ela repetiu minha sobremesa duas vezes, enquanto fazia sua
mala.

Lauren não parecia se importar com que roupas levaria,


colocando lá dentro as primeiras peças que alcançava em seu
closet.

Foi a primeira vez que ficamos juntas naquele apartamento


sem fazer nada relacionado a sexo.2

Eu estava nervosa, e ela pareceu notar isso, por isso


respeitou meu espaço e minha ansiedade, por vezes me
perguntando se estava tudo bem, e repetindo algumas vezes
que "daqui a pouco estamos indo."

Tentei não reparar em nada ao meu redor, porque isso faria


com que eu tivesse alguma noção de tempo. Pensei em tomar
algum calmante para relaxar, mas lembrei que não tinha
nenhum na bolsa, e estava fora de questão pedir um
comprimido a ela.

De fato, eu havia me desligado, utilizando o já conhecido


piloto automático. Entrei em algum estado de coma, e no que
parecia o minuto seguinte, já estávamos em um campo
aberto e pouco iluminado, um avião de pequeno porte parado
à nossa frente e nossas malas sendo levadas por dois homens
que eu nunca havia visto na vida.

- Boa noite, senhora Jauregui. Boa noite, senhorita.

Levantei a cabeça e sorri um sorriso nervoso para o homem.

- Boa noite, Rick. Estamos prontos?

- Quando a senhora quiser.


A noite estava fria. O vento era gelado, sendo mais intenso
naquela área de campo aberto e vasto. Cruzei os braços no
peito, apertando mais a jaqueta no meu corpo, e abaixei a
cabeça. Senti um braço passando pelas minhas costas e uma
mão firme em minha cintura. Como eu bem sabia a quem ela
pertencia, deixei que me guiasse.

Subi as escadas que ligava o asfalto à porta do avião,


sentindo meu nervosismo aumentar a cada degrau pisado.
Finalmente meus ouvidos deixaram de ouvir o ruído alto que o
vento forte fazia, me indicando que agora eu já me
encontrava dentro do nosso meio de transporte.

Levantei a cabeça e notei que estava em um ambiente


pequeno mas bastante luxuoso e iluminado, onde tudo, do
chão até os móveis, parecia derivar de tons de marfim, bege
e caramelo.

Virei-me para trás, tentando me certificar de que não estava


sozinha.

Encontrei Lauren perto da entrada conversando com o


homem que, ao que tudo indicava, seria o nosso piloto, e o
que parecia ser um tipo de co-piloto. Eles tagarelavam coisas
nas quais eu não prestei atenção.

Voltei os olhos para o ambiente claro, com oito poltronas


distribuídas em quatro pares (que pareciam ser mais
confortáveis do que todas as camas que eu já tive na vida),
um pequeno bar aos fundos rodeado de espelhos e uma porta
aberta que, até onde eu podia ver, dava para um corredor
que nos ligava com o resto do avião.
Fiquei encarando aquilo com uma expressão que eu sabia ser
de incredulidade. Nesse momento, senti duas mãos cheias de
dedos se fecharem em minha cintura e um corpo encostar no
meu por trás, enquanto uma voz rouca e linda falava ao pé do
meu ouvido.

- Você nunca andou de avião, né?

Fiz que não com a cabeça, ainda um pouco impressionada


com tudo aquilo.

- É possível que o vôo seja um pouquinho conturbado por


causa do vento forte. Mas turbulência é algo normal, não
precisa ficar com medo. Rick é um piloto extremamente
competente.

Eu me preocuparia em ter medo depois. No momento, ainda


estava deslumbrada com tudo aquilo.

- Vem, nós vamos levantar vôo.

Lauren me puxou para uma das cadeiras enormes e fofas cor


de marfim, então me sentei ao lado da minúscula janela,
enquanto ela sentava imediatamente ao meu lado. Observei-a
colocar o cinto e repeti seu ato mecanicamente, então
esperei.

- É muito bonito aqui.

- Assim que pudermos levantar, vou mostrar o resto do lugar


pra você. - Ela falou, sorrindo de forma simples para mim,
enquanto trazia sua mão esquerda até minha perna direita e
a deixava lá. Sem pensar, fechei os olhos e cobri sua pele
com a minha recostando na poltrona, apenas deixando-me
sentir o contato entre nós.
O avião começou a andar. Pouco tempo depois passou a
correr, e então, sem nenhum aviso, simplesmente levantou,
cessando o contato das rodas com o asfalto áspero. Senti uma
pequena pressão na cabeça me puxar para trás, mas não me
incomodei.

Olhei pela janela, observando as luzes da noite se


distanciarem cada vez mais. Lauren não deixou de me tocar
nem por um segundo, por vezes fazendo carinho como um
tipo de conforto na minha coxa.

- Pronto. - Ela começou depois de algum tempo, me fazendo


despertar do meu momento autista - Vem comigo.2

Soltei o cinto de segurança que ainda me prendia à poltrona e


segurei a mão que ela oferecia para mim, deixando que me
guiasse e me mostrasse o que quisesse.

Fui apresentada no próximo aposento a uma sala com


poltronas, cadeiras e sofás dispostos em volta de uma grande
televisão. Era uma pequena sala de estar elegante. Passamos
por um banheiro estreito que dividia a última sala com a
próxima, um tipo de cozinha com bancadas finas e armários
compridos, com compartimento para bebidas geladas e uma
prateleira de biscoitos e enlatados. Finalmente no último
cômodo, o corredor se dividia em quatro portas, duas de cada
lado.

- Os quartos. Infelizmente, todos são de solteiro.3

Havia uma cama fina encostada na parede. O quarto era


pequeno e apertado, mas extremamente confortável, limpo e
de bom gosto. Ao levar em consideração que estávamos
dentro de um avião, aquilo era o equivalente a uma suíte
presidencial de qualquer hotel cinco estrelas.

- Você vai dormir no quarto da frente?

- Vou.

Senti uma pontada de decepção, mas Lauren não notou,


dizendo que iria falar com o piloto e que já voltava.

Fiquei ali, me acostumando àquele lugar e aceitando o fato de


que nós dormiríamos separadas aquela noite. Era uma noite
em que eu realmente precisava dela comigo, porque minha
ansiedade crescia a cada minuto. Não que ela pudesse fazer
muita coisa, mas só sua presença já ajudava a acalmar meus
nervos.

Algumas horas depois Lauren me entregou um pijama fofo de


moletom, e me perguntei quando ela havia pegado aquilo das
minhas coisas sem eu me dar conta.

Finalmente me desejou boa noite, perguntando se eu ficaria


bem. Respondi que sim, sabendo que ela achava que meu
nervosismo estava relacionado com a turbulência, e não com
a expectativa de conhecer sua família. Deixei que ela
acreditasse nisso, desejando-lhe boa noite e finalmente indo
me deitar.

Uma hora se passou e eu não conseguia dormir. Duas horas


se passaram e meus olhos ainda estavam abertos, encarando
o teto enquanto minha cabeça não parava de trabalhar em
inúmeras situações hipotéticas onde alguma coisa sempre
dava errado quando eu me imaginava conhecendo a família
de Lauren. Três horas se passaram e ouvi a porta do meu
quarto ser aberta.
Ela entrou sem pedir licença, com os olhos inchados, a camisa
amarrotada e os cabelos completamente em bagunçados.

Linda, obviamente.

Sem dar qualquer explicação, ela deitou em cima de mim,


repousando o rosto na curvatura do meu pescoço, enquanto
puxava o edredom para criar um casulo em volta de nós duas.

- Não reclame. A culpa é sua. Não consigo dormir sem sentir


você perto de mim.6

Sorri com vontade de sua espontaneidade. Eu amava aquela


espontaneidade.

Abracei-a apaixonadamente, apertando-a um pouco mais


contra mim.

Cinco minutos se passaram, e eu já havia adormecido.

***

Londres era fria. Mais fria que Los Angeles.

Foi a primeira coisa que notei ao pisar fora do avião,


observando em volta e reparando que o lugar em que
estávamos se assemelhava bastante ao pátio de asfalto
aberto em que o avião esperava por nós para levantar vôo.
Lauren parecia satisfeita, olhando em volta com um ar de
nostalgia que beirava a um "nada como estar em casa." Mas
ela não era natural da Inglaterra, pelo menos até onde eu
sabia. Seu rosto parecia saudável, descansado da noite
turbulenta no avião, e só pude perguntar se ela realmente
tinha dormido bem havia poucos minutos, quando a encontrei
sentada nas poltronas de viagem, já que, ao acordar, ela não
estava ao meu lado.
A paisagem era branca, gelada e nublada, mas ainda assim
bonita. Havia um tipo de névoa natural que deixava tudo um
pouco mais parecido com um sonho. Fiquei feliz por estar
usando uma roupa que me protegesse do frio, porque havia
neve ali. Minhas mãos, desprotegidas de luvas, estavam
enfiadas nos bolsos da minha jaqueta quente, e Lauren estava
quase grudada em mim, ou porque queria me aquecer, ou
porque estava perdendo a noção de espaço.

Mas obviamente, não reclamei.

- Que horas são? - Ela perguntou ao piloto.

- Faltam alguns minutos para as 17h.

- 17h? - Lauren pareceu se espantar - Não foram menos de


onze horas de vôo?

- Deve ter a ver com o fuso horário. - Falei sem pensar, me


metendo na conversa dos dois.

- Ah... É óbvio. - Ela pareceu envergonhada por não considerar


a diferença de oito horas entre Los Angeles e Londres.

Eram coisas desse tipo que a deixavam sem graça? Lauren


definitivamente não fazia sentido.

Um táxi já estava à nossa espera. Depois de organizar as


malas no porta-malas, nós despedimos dos dois homens que
nos acompanharam na viagem e sentamos no banco traseiro
do carro. Lauren ditou o endereço e assim partimos para o
meu pesadelo.1

***

Eu esperava um castelo antigo de pedra, com mais de trinta


janelas e árvores altas por toda a extensão do território. Por
algum motivo besta, sempre relacionei a Inglaterra à Idade
Média, construções medievais e coisas que lembravam
cavaleiros e masmorras.

Assim, fiquei surpresa quando chegamos à casa dos pais de


Lauren, que não parecia em nada com a imagem que eu tinha
na cabeça.

Embora não fosse tão grande quanto as construções que


esperava encontrar, a casa era grande. Enorme. Certo, era
uma mansão, mas não algo escandaloso, de vinte quartos e
quatro andares, piscina, quadra de vôlei e pôneis passeando
por aí.1

A casa era larga. Tinha dois andares e um jardim lindo e


enorme, sem flores por causa da estação do ano. A
construção era no estilo clássico, em um tom pêssego
extremamente agradável e limpo e detalhes brancos. O céu já
começava a dar sinais da noite que chegava, por isso era
possível ver através das janelas grandes que algumas luzes já
se encontravam acesas lá dentro.

Lauren pressionou levemente uma das mãos em minhas


costas, com o objetivo de me fazer andar. As malas foram
deixadas pelo taxista na varanda, e a corrida já estava paga.

Estremeci.

Não pelo frio, mas pela ansiedade.

Subimos os degraus que davam até a grande porta branca de


madeira entalhada. Eu rezava silenciosamente para não ter
uma recepção cheia de olhos em mim, mas a aparência
imponente daquela porta me fazia pensar que a campainha
seria, no mínimo, algo semelhante a um sino de igreja. E
então teríamos uma recepção digna de uma princesa: A
princesa Lauren e sua acompanhantezinha intrometida.

A vi mexer no bolso do sobretudo e tirar de lá alguma coisa.

- Vamos ver se eles trocaram a fechadura.

Ela tem a chave! Graças a Deus!

Entramos no salão de recepção largo e quente, Lauren


confortável e eu nas pontas dos pés. Ela pareceu notar meu
desconforto, então bateu a porta com delicadeza, sem fazer
barulho, e finalmente caminhou para a direita.

A segui sem dizer nada, temendo que, junto com a primeira


palavra, meu coração fosse cuspido também.

Lauren caminhava na direção de uma porta mais ao fundo,


mas antes que pudesse alcançá-la, uma voz alegre e bela
soou de lá de dentro.

- Alguém chegou!

Antes mesmo que nós pudéssemos alcançá-la, ela saiu da


cozinha com uma expressão esperançosa. Ao olhar Lauren,
seu rosto se iluminou de uma forma que fez com que eu
mesma me sentisse feliz. Calmamente, ela abraçou Lauren
que retribuiu o abraço. 

Eu não acreditaria que aquela mulher fosse a mãe de Lauren,


simplesmente porque parecia ser jovem demais. Mas ao olhar
para suas feições incrivelmente belas, não havia como restar
dúvidas: Eram quase que exatamente as mesmas feições
perfeitas da mulher que eu amava. A pele clara os olhos
castanhos claros beirando ao verde. 

- Querida! Que saudade!


- Oi, Mãe. Como você está?

- Vou bem. - Ela sorriu, mas sua expressão de repente se


tornou um pouco mais séria, embora discreta. Suas mãos
ainda estavam em volta do corpo dela. - E você?

- Estou bem.

- Mesmo? - Ela perguntou, sua expressão agora mostrando


uma inconfundível preocupação materna.

- Mesmo. - Ela respondeu de forma simples, e então apontou


com a cabeça para onde eu estava.

A mulher pareceu se dar conta do resto da casa pela primeira


vez desde que havia visto Lauren ali. Seus olhos fitaram
diretamente os meus, e então senti os músculos do meu rosto
relaxarem, voltando para uma expressão séria e ansiosa. Só
aí percebi que estivera sorrindo o tempo todo.

Ela me olhou por algum tempo, provavelmente menos do que


pareceu na minha cabeça, sem fazer ou dizer nada. Quando
finalmente se deu conta de que havia uma estranha dentro de
sua casa, seu rosto se alargou vagarosamente em um sorriso
lindo.

Tão genuíno que tive vontade de retribuí-lo.

As reações dela me faziam bem.

- Mãe, essa é Camila. Camz, minha mãe, Clara.

Ela se soltou do abraço da filha, vindo ao meu encontro. Então


era dali que Lauren tinha tirado tanta beleza.

- Seja bem-vinda, Camila.


Clara me deu um beijo no rosto, um beijo carinhoso, e um
abraço apertado. Retribuí o ato mais por reflexo, porque ela
tinha me pegado de surpresa.

- Camila. Muito prazer.

- O prazer é meu. - Sorri, olhando rapidamente para Lauren, e


pela expressão de contentamento em seu rosto, eu sabia que
estava vermelha - outra vez.

- Lo, por que não avisou que viria acompanhada?

Olhei pra Lauren com um olhar assassino. Ela não havia


informado aos seus pais que me levaria junto? Ela tinha
merda na cabeça?

- Me desculpe, eu não sabia que ela não... - Comecei, um


pouco desesperada, mas Clara tentou me tranquilizar com
seu jeito naturalmente gentil.

- Não se preocupe, querida. Acredite, eu estou muito feliz que


você esteja aqui. Só disse isso porque poderia ter preparado
uma ceia melhor.

- É mentira. Não tem como melhorar. - Lauren interrompeu de


forma divertida, usando aquele sorriso torto que resultava
com frequência na minha morte, mas eu ainda queria socá-la.

- Eu concordo. - Disse uma voz ao nosso lado, e então vi um


homem branco um pouco alto e bastante rechonchudo ir ao
encontro dela, apertando-a em um tipo de abraço de urso.

- Como tem passado, filha?

- Firme e forte, Pai.

- É o que parece.
Clara pigarreou ao meu lado, e então lembrei que ela estava
ali. Não só isso, mas agora se mantinha em uma postura
muito reta, com o braço esquerdo entrelaçado ao meu
direito.2

Quando ela havia feito aquilo?

- Ora, temos visitas!

O senhor Jauregui olhou para mim pela primeira vez,


certamente se perguntando quem seria a menina magricela
ao lado de sua bela esposa. Seus olhos eram muito intensos,
mas foi quando ele sorriu, um sorriso esplêndido, que eu perdi
o fio do pensamento.

Era o mesmo sorriso torto de Lauren. O meu sorriso torto.

- E quem estou tendo o prazer de conhecer? - Ele falou de


forma muito gentil, segurando delicadamente minha mão
entre as suas.

- Camila. - Lauren falou às suas costas.

- Ou Mila. - Informei.

- Encantado, Mila. - Ouvi Lauren bufar. - Eu me chamo


Michael. Sou pai dessa rabugenta aqui atrás. Espero que você
goste do nosso Natal.

- Já estou gostando. - Falei abertamente.

- Acho que vocês querem um banho e algum descanso da


viagem. - Clara falou, desfazendo o nó em nossos braços
enquanto caminhava para a porta da entrada.

- Não estamos cansadas. Viemos no meu jatinho, dormimos


de noite.
- Por quê? Você não costuma fazer isso... - Michael começou,
mas Lauren foi rápida na mentira.

- Os aeroportos nos Estados Unidos estão fechando toda hora


por causa do mau tempo. Achei melhor não arriscar.

Olhei para trás, procurando Clara, que dava instruções a um


empregado para levar nossas malas até algum lugar no
segundo andar.

- Mas gostei da ideia do banho. Quais quartos ainda estão


vagos? - Ouvi-a conversar com o pai.

- Todos. Você foi a primeira a chegar.

- Vamos. - Clara chamou nossa atenção ao pé da escada.

Segui Lauren quando ela foi se juntar à mãe, e nós três


subimos os degraus juntas enquanto Michael ficava pela
cozinha.

- A cama já está feita. - Ela falou, enquanto empurrava a porta


de um dos quartos e a mantinha aberta para que nós
entrássemos.

O quarto era grande e escuro, todo ele em um tom de


madeira. As paredes eram cor vinho, as luminárias emitiam
uma luz amarelada, dando um ar mais quente ao local, os
armários na cor mogno. A cama era gigantesca, maior ainda
do que a que Lauren tinha em seu apartamento, e os
cobertores pareciam incrivelmente macios. A janela era
grande, mas estava coberta por persianas. O chão também
era escuro, e de repente me senti incrivelmente aquecida -
com calor até.
- Gostou? - Lauren me perguntou, me tirando dos meus
devaneios.

- Eu vou ficar aqui?

- Sim. Comigo. Essa é a ideia.

Olhei para ela, pedindo silenciosamente que me entendesse.


Ela não entendeu.

Me voltei para Clara, que ainda sorria atrás de nós.

- Sra. Jauregui...

- Por favor, me chame de Clara. Me sinto menos velha assim. -


Ela riu.

- Clara, eu posso ficar em outro quarto.

- Quê? - Ouvi Lauren exclamar atrás de mim.

- Não quero desrespeitá-la, já foi horrível vir até a sua casa


sem ser anunciada...

Eu não sabia até onde os costumes morais da família de


Lauren iam, mas eu sabia que não queria passar dos limites
em nada. Era claro que Clara não acreditava que sua filha
fosse virgem, mas uma coisa era saber que ela fazia o que
quisesse na casa dela. Outra coisa era forçar a barra debaixo
de seu próprio teto.

- Do que você está falando? - Lauren se intrometeu, indignada


- Você vai dormir comigo!

Fuzilei-a com os olhos.

- Querida, não se preocupe. Não há problema algum nisso.

- Eu realmente não quero parecer... - Comecei.


- Por que não quer dormir comigo?

- Lauren, não é isso! - Falei, um pouco irritada.

- Crianças, acalmem-se.

Olhei-a novamente, ignorando Lauren e sua incrível


incapacidade de me entender.

- Mila, dou-lhe minha palavra de que está tudo bem. É melhor


que você durma aqui, mesmo porque o outro quarto vago
teria que ter as roupas de cama trocadas. Além disso, acho
que Lauren teria uma síncope. 

Ambas olhamos para ela, que parecia um pouco magoada.

- Ok... - Falei, um pouco a contragosto.

- Bom, vou descer para ver como estão os pratos para a ceia.
Mila, sinta-se em casa.

Clara sorriu cordialmente, fechando a porta atrás de si e


deixando Lauren e eu sozinhas no quarto enorme.

Me sentei na cama, tirando a jaqueta e dando um profundo


suspiro.

- O que foi aquilo? - Ela começou.

- Você realmente não consegue entender?

- Você acha que minha mãe é uma freira?

- Eu só não queria parecer...

- Não queria parecer minha namorada?

Fiquei calada por alguns segundos. Era isso que eu era?


Nunca havia pensado em títulos quanto à nossa relação, mas
aquela não era a questão no momento.
- Não queria desrespeitar seus pais.

- E como exatamente você faria isso? Tirando minha virtude?

- Não seja irônica.

- Eu sou irônica quando estou com raiva.

- E por que exatamente você está com raiva?

- Porque você queria dormir longe de mim!

- Eu só queria que seus pais não me achassem uma vadia!

Lauren congelou ao ouvir minhas palavras. Eu imaginei que


ela fosse responder alguma coisa, mas tudo que fez por um
bom tempo foi ficar ali, me encarando com uma expressão
indecifrável.

Só depois de muito tempo ela voltou a falar outra vez.

- Sua ideia de moralidade é muito deturpada.

Talvez ela estivesse certa. Mas se fosse esse o caso, nós duas
sabíamos o motivo.

- Não importa o que eu acho. Importa o que a sua família...

- Minha mãe ficou grávida do Christopher com quinze anos.


Ela e meu pai tiveram que antecipar o casamento por causa
disso. Você acha que ela é uma vadia?7

- Meus Deus, é claro que não!

- E você ainda acha que alguém aqui te acharia uma vadia?

- Eu... Não.

- Ótimo.

Me calei, olhando tristemente para as próprias mãos. 


Pensei em pedir desculpas, mas me dei conta de que não
havia feito nada de errado além de ser boba.

Talvez eu estivesse mesmo exagerando.

- Estou chegando! Parem com a promiscuidade!

Antes que eu pudesse entender de onde vinha a voz


desconhecida, a porta do quarto se escancarou e mostrou um
homem que eu não conhecia. Ele era alto um pouco
musculoso. E tinha a pele clara.

E, é claro, bonito.

- Ora se não é a sapatão da minha irmã! - Ele gritou, com um


sorriso de orelha a orelha, abrindo os braços para Lauren e
esmagando-a em um abraço efusivo.1

- Ora se não é o gênio da família!

- Vá à merda. - Ele respondeu, dando um soco no braço de


Lauren e gargalhando.

Finalmente, ele olhou para mim, e então eu temi pela minha


vida.

- Não acreditei quando a mamãe disse que você estava


acompanhada. Quem nesse mundo te aguentaria?

- Camz, esse é Christopher. Meu irmão mais velho. Chris...

- Camz, sua azarada! - Ele concluiu.

- O nome dela é Camila.

Chris pareceu ignorá-la, andando até mim com um olhar


assassino, e então desejei por tudo no mundo que ele não me
abraçasse da mesma forma que havia abraçado Lauren.
Felizmente, ele parecia ter noção, então apenas me
cumprimentou com dois beijos no rosto.

- Então. Qual foi o crime que você cometeu pra ter que aturá-
la?

- Na verdade, nenhum. - Respondi, rindo de seu bom humor -


A escolhi por livre e espontânea vontade.

- Lauren, pare de drogá-la.

- Christopher, deixe sua irmã em paz!

Ouvi a voz de Clara ecoar no andar de baixo.

- Por que a mamãe acha que você me odeia? - Chris


perguntou, olhando para a irmã.

- Porque eu disse a ela.

Ambos riram da piada, e então senti uma enorme


cumplicidade entre eles.

- Vou tomar um banho e descer pra ajudar os Jauregui's.


Camila, prazer em conhecer você.

- Igualmente. - Respondi com sinceridade.

Novamente, estávamos sozinhas no quarto.

- Acho que devíamos descer e ajudar seus pais também. -


Falei, tentando empregar um tom casual na voz e fazer com
que nossa pequena discussão fosse esquecida. - Você vai
tomar banho agora?

- Pode ir na frente.1

Concordei, me levantando e indo até minha mala, escolher


uma roupa apropriada para passar a véspera de Natal.
- Eu tenho uma coisa pra te dar. Gostaria que você vestisse
hoje a noite.

Ela já estava abrindo sua própria mala e tirando de lá uma


sacola. Me senti discretamente animada ao ganhar um
presente de Natal dela, sem nem ao menos me importar com
o que exatamente ela havia me dado. Peguei o embrulho de
suas mãos e abri-o com cuidado.

Ao desdobrar o tecido, pendia de minhas mãos um vestido


preto com alças curtas. O vestido era justo, mas estava longe
de ser vulgar. Também não era chique em excesso, mas sim
elegante, e fique feliz por Lauren não me pedir para usar algo
que fizesse com que eu me sentisse desconfortável na frente
de sua família.

Mais tarde eu retribuiria o presente.

- É lindo. - Concluí, olhando para ela.

Ela sorriu, um pouco triste. Imaginei que ainda estivesse


chateada pela recente discussão, e desejei que isso passasse
logo. Eu não gostava de vê-la daquela forma.

Tentando agir naturalmente, me aproximei dela com a peça


nas mãos e, depositei delicadamente um selinho no canto de
seus lábios.

- Obrigada.

Ela fechou os olhos, parecendo querer saborear o momento


que já havia passado.

- De nada.

Vi sua boca se curvar em um sorriso discreto, então tive a


certeza de que estávamos bem outra vez.
***

Saí do banheiro já vestida, pronta para ver a reação de


Lauren, mas ela já não estava lá. As roupas em sua mala
pareciam um pouco remexidas, então imaginei que ela
tivesse ido tomar banho em um dos vários de banheiros
espalhados por aquela casa.

Penteei meus cabelos e mexi um pouco nos fios


aleatoriamente com os dedos, tentando deixá-los mais
rebeldes, cheios e ondulados. Peguei minha antiga caixa de
maquiagem e escolhi algumas cores apropriadas para a
ocasião.

Terminei a produção esguichando um pouco de spray fixador


no cabelo, um tipo de laquê. No rosto, optei por uma linha fina
preta com um delineador escuro, uma sombra levemente
prateada muito discreta, um blush que parecia combinar com
meu tom de pele e gloss incolor, não exagerando na cor dos
meus lábios.

Olhei para meu pescoço e notei algumas marcas claras que


permaneciam ali, embora antigas. Passei camadas finas do
creme para hematomas e, logo em seguida, coloquei um colar
dourado para cobri-los.

Calcei um par de sapatos altos dourados e coloquei brincos


também, me olhei no espelho. Constatei que estava bonita.
Realmente bonita, e até um pouco sedutora. Pela primeira
vez, não me senti deslocada em estar no meio da família de
Lauren e toda aquela beleza irritante. Pela primeira vez, me
senti a altura dela.
Joguei tudo de volta na mala e me virei, pronta para ir à
procura da desaparecida, mas levei um susto ao vê-la ali,
parada ao lado da porta aberta como um fantasma vestindo
um vestido branco justo, usava uma maquiagem que realçava
lindamente seus olhos, além disso usava também um salto
preto. Os cabelos estavam lisos um pouco rebeldes, mas
perfeitos, como sempre.

- Pelo amor de Deus, faça algum barulho quando chegar.

Ela continuou olhando para mim, sua expressão lembrando


um lêmure, e então, passado um susto, tive vontade de rir.

- O vestido ficou perfeito. Obrigada. - Falei, tentando tirá-la de


seu estado catatônico.

- Estou vendo.

Eu estava bela, e me sentia muito bem com isso. Mas ver


aquela expressão em Lauren era algo que não tinha preço.

- Como acertou nas medidas? 

- Eu conheço o seu corpo.

Ah, sim, ela conhecia muito bem. Eu lembrava das noites de


"estudo," e me arrepiava toda vez que elas surgiam na minha
cabeça. Mas eu não sabia que ela conhecia tão bem assim.

- Lauren, quer vir logo e ajud... Nossa, Camila!

Aquilo de aparecer como mágica era coisa de família. Assim


como Lauren, Chris também tinha essa mania.

- Christopher, você está secando a minha namorada?

- Claro que não. Só estou deixando claro que ela está muito
bonita.
- Obrigada, Chris. - Agradeci, lisonjeada.

- Sabe, você é grande, mas eu tenho um taco de baseball. -


Lauren falava de forma calma e psicopata, mas notei que ela
estava brincando.

- Ok, senhora Síndrome de Otelo. Deixa de ser uma filha inútil


e vem ajudar seus pais com a ceia.

Chris saiu do quarto, descendo as escadas e nos deixando nas


mesmas posições.

Lauren continuou olhando para mim, com uma expressão


perigosa no rosto, e então imaginei que uma de nós duas
teria que falar primeiro.

- Bom, vamos?

Caminhei em direção à saída, mas no momento em que eu


cruzaria a soleira para o corredor, ela empurrou a porta à
minha frente, nos prendendo dentro do quarto.

Olhei para ela sentindo um certo frio na barriga.

- Posso fazer uma coisa?

Depende do que você quer fazer.

- Pode.

Ela me agarrou de forma possessiva, quase desesperada,


encostando minhas costas na porta agora fechada e me
beijando furiosamente. Senti sua língua forçar a entrada de
meus lábios, então tudo o que pude fazer foi abri-los para dar
passagem a ela. 

Suas mãos me puxavam mais para perto, meus dedos já


despenteavam ainda mais os fios rebeldes de seus cabelos.
Ela me agarrou, sem pudor algum, me levantando do chão e
forçando minhas costas ainda mais contra a porta. Enlacei
minhas pernas em sua cintura, já sentindo a barra do vestido
ir parar na altura do meu umbigo. Senti uma saliência rígida
contra minha calcinha, e eu sabia que aquilo vinha de dentro
do vestido dela. 

Beijei-a com desespero, me agarrando ao seu pescoço e


deixando um calor alucinante tomar conta do meu corpo, que
tremia descontroladamente.

- LAUREN, SUA INÚTIL!

- Juro por Deus que vou matar o Chris... - Ela começou,


separando nossas línguas e ofegando contra meus lábios.

Sorri contra sua boca, já sentindo minha calcinha encharcada


e a vontade de ser comida ali mesmo naquele momento. Mas
o irmão dela estava certo: O mínimo que podíamos fazer era
ajudar com os preparativos para o Natal.3

Suspirei contra seu rosto, desfazendo o laço que prendia


minhas pernas aos seus quadris e pisando novamente no
chão.

- Vamos descer. Só lave o rosto antes. Tem gloss espalhado


pelo seu rosto todo.

Ela suspirou frustrada, então caminhou para o banheiro.

Alguns minutos depois, tempo suficiente para que ela


estivesse mais "calma,"entramos na cozinha gigantesca, com
um balcão em "U"enorme e vários armários pelas paredes.

Encontramos Clara e Michael curvados sobre algum prato no


forno. Chris mexia no celular, sentado à mesa.
- Por que ficou berrando pra que eu descesse e ajudasse se
você mesmo não está fazendo porra nenhuma? - Lauren
começou, dando um tapa na cabeça do irmão.

- Você sabe que eu sou uma merda nessas coisas. Você que é
a moça que cozinha.

- Vocês poderiam falar menos palavrões, por favor? - Clara


pediu, revirando os olhos.

- Mãe, a culpa é sua por ter parido essa idiota. - Chris


concluiu.

- Ela não é idiota! - Falei, entrando na brincadeira.

- Há! - Lauren exclamou, triunfante.

- Os dois são idiotas, e vou quebrar vocês na porrada se não


respeitarem as pessoas presentes aqui!

Viramos todos juntos para a porta da cozinha, e então tive a


visão de uma menina linda, os cabelos castanhos claros, e um
sorriso de orelha a orelha.

- Filha! - Clara exclamou em um gritinho agudo. A garota


saltitou até ela e Michael, toda feliz, e os abraçou com
vontade.

- Desculpem a demora! Perdemos o vôo. Weeeeeeee! -


Voltou-se para Lauren, abraçando-a e espremendo-a com
bastante força. Ela retribuiu o abraço, dando um beijo
demorado e carinhoso no topo de sua cabeça.

- Taytay - Chris abriu os braços e ela foi dançando de forma


serelepe ao seu encontro. Eles se abraçaram e então ela
olhou para mim, me dirigindo a palavra.
- Você é nova! Meu nome é Taylor, sou irmã dessas pestes
aqui!

- Taylor, essa é Camila. - Lauren falou.

- Encantada, Camilinha. - Ela me apertou em um abraço. -


Posso te chamar assim, né?

- OLIVER CADÊ VOCÊ?

Taylor gritou de repente, me dando um susto, e eu ri.

- Tentando trazer pra dentro as suas quatro malas, amor. -


Um moreno com olhos acinzentados e ar de mistério se juntou
a nós na cozinha, olhando para Taylor como se quisesse
fuzilá-la.

- Como eu estava dizendo, Lauren - Chris aumentou sua voz


para que ela ficasse clara - Eu acho que todo francês é meio
boiola.1

- Chris, qual é a dessa sua tara por homossexuais? - Taylor


alfinetou.

- Caro cunhado, não responderei à altura porque sua massa


muscular é muito maior que a minha.

Depois de falar com todos os Jauregui's, Oliver veio até mim.

- Amor, essa é a Camilinha. Ela é namorada da Lo. - Taylor se


apressou em dizer.

- Muito prazer. Meu nome é Oliver, e apesar das calúnias que


você ouviu sobre minha sexualidade, sou marido da Taylor. 1

Apertei sua mão de forma cordial, tentando buscar algum


sotaque em sua fala, mas não encontrando nada.
- Mãe, vamos tomar um banho e nos arrumar. Descemos logo
pra ajudar vocês.

O casal saiu das nossas vistas - Oliver duro feito uma pedra
sendo carregado pela mão por Taylor que saltitava feito uma
gazela - e me apressei em me aproximar de Clara e Michael.

- Posso ajudar em alguma coisa?

- Não precisa, meu bem. Está tudo praticamente pronto.

- Tem certeza? Nenhum detalhe...

- Mãe, Camz sabe fazer uma sobremesa espetacular. - Lauren


me interrompeu, e eu corei.

- Realmente, não precisa ter trabalho à toa, querida.

- Não é trabalho! - Falei de uma vez - Eu gosto de cozinhar.

- Porra, vocês se merecem. - Chris disse, levantando da


cadeira e indo para a sala.2

Clara pegou os ingredientes que eu precisava e então repeti a


receita preparada no dia anterior, no apartamento de Lauren.

Michael pediu licença para se retirar, indo se juntar a Chris na


grande sala de estar. Clara parecia muito interessada no
modo de preparo da minha sobremesa, então expliquei tudo
nos mínimos detalhes para que ela decorasse. Quando o forno
apitou com um dos pratos da ceia dentro, ela se afastou de
mim.

Eu estava esfarelando os suspiros quando senti a respiração


leve no meu pescoço.

- Vou conversar com meu pai sobre alguns assuntos


relacionados à empresa. Vai ficar bem aqui?
- Vou. - Suspirei, já sentindo a pele de meu pescoço arrepiada
pela aproximação.

Ela também sentiu, e no momento seguinte beijou


suavemente o lugar arrepiado, se afastando em seguida e me
deixando sozinha na cozinha com Clara.

Não demorou muito até que Taylor chegasse outra vez, agora
vestindo um vestido azul curto e com babados combinando
com sandálias muito delicadas. Ela toda lembrava uma
borboleta.

- Taylor, você tem algo pra dizer? - Clara perguntou de forma


simples, enquanto regava o pernil com molho de abacaxi.

- Mãe, essa sua percepção exagerada estraga com todas as


minhas surpresas.

- Bom, não precisa falar agora. Só queria saber se realmente


tinha alguma coisa.

- Você sabe que tem.

Observei as duas conversarem, e me perguntei se Clara e


Taylor tinham algum tipo de comunicação por telepatia.

Minha sobremesa foi levada à geladeira, e então fui ajudar


Taylor com os talheres, copos e pratos. Ela foi organizando a
grande mesa da sala de jantar de um lado enquanto eu a
imitava do outro. Depois que todos os magníficos pratos
enfeitavam toda a extensão da mesa, Clara foi informar ao
resto dos Jauregui's que a ceia de Natal estava pronta, e
segundos depois todos já estavam se sentando em seus
lugares.
Me sentei na frente de Lauren, nos assentos posicionados no
meio da mesa. O jantar foi tranquilo e divertido, sendo
recheado por vários contos de Chris sobre assuntos
aleatórios. A cada palavrão, Clara o repreendia. Taylor o
chamava de troglodita e Lauren só ria. Todos pareceram
gostar da minha sobremesa, e no final tive que recitar a
receita também para Taylor. A família conversava entre si,
então fiquei sabendo um pouco sobre cada um dos membros
da família Jauregui.

Michael era o poderoso chefão. As empresas espalhadas pelo


mundo eram dele, e talvez fosse isso que ajudava a dar
aquele ar de poder a ele. Construiu sua família com Clara nos
Estados Unidos, e quando todos já estavam criados e bem de
vida, decidiu se mudar para a Inglaterra. Chris se mudou para
a Alemanha, ficando responsável pela principal filial da
empresa de seu pai por lá. Taylor havia conhecido Oliver
ainda nos Estados Unidos quando tinha dezoito anos, e dois
anos depois, ao se casar com ele, se mudou para o país de
origem do marido desempenhando na França o mesmo papel
que Chris. Lauren, como eu já sabia, havia ficado por Los
Angeles. Clara era a dona de casa que tinha que lidar com a
pressão de ser a sra. Jauregui, mesmo sem entender
absolutamente nada de publicidade.

Eles eram uma família normal, feliz e bela.

De repente, mesmo me sentindo um pouco deslocada por


estar ali, desbalanceando o equilíbrio perfeito que todos
tinham entre si, parecia que fazer parte daquela família era
fácil.

Eu gostava de todos eles. Sem exceção


Quando todos estavam satisfeitos, a sala de jantar ficou vazia,
enquanto a sala de estar enchia dos Jauregui's. Me candidatei
para tirar a mesa e lavar a louça, mas Lauren praticamente
me carregou nos ombros e me fez sentar no sofá ao seu lado
no outro aposento.

Michael enchia pequenos copos com um licor de menta, mas


Taylor e eu fomos veementes em negar a oferta.

- Temos vinho. Quer? - Lauren perguntou propositalmente,


rindo da minha cara e me fazendo corar com a lembrança da
última vez que aceitei a bebida.

- Não. - Olhei-a, querendo beliscá-la - Estou bem, obrigada.

- Então... - Falou alto Chris, querendo chamar a atenção de


todos - Descobri coisas muito fodas relacionadas aos campos
fora do espectro eletromagnético...

- Não é possível. - Interrompeu Taylor - Fala a verdade, você


fica fazendo pesquisas nas páginas aleatórias da Wikipedia,
né?

Chris olhou-a como se ela fosse um filhote de gambá


subnutrido.

- Menina ignorante, eu estou estudando isso.

- Você estuda eletromagnetismo em alemão? - Não me


contive, e quando me dei conta já os tinha interrompido.

- Legal, né? - Chris concluiu, com um sorriso gigante nos


lábios.

- Não é legal. - Taylor falou, se divertindo em contrariá-lo -


Ninguém entende o que você diz.
Chris a xingou, e Clara reprimiu-o outra vez. Lauren chegou
perto do meu ouvido enquanto seus dois irmãos se agrediam
verbalmente.

- Christopher tem o QI consideravelmente acima da média. Se


quiser vê-lo puto, chame-o de gênio. É engraçado, nós
fazemos isso quando queremos tirá-lo do sério.

- Querida irmã, eu te desafio a falar algo mais interessante.

- Ah, desafia, é?

Taylor de repente ganhou uma inconfundível expressão de


vitória, levantando-se da poltrona e arrumando o vestido,
como se estivesse prestes a fazer um pronunciamento.

E estava mesmo.

- Tenho um comunicado a fazer. - Ela pausou, um sorriso


sincero tomando seu rosto aos poucos - Eu estou grávida.

Depois de alguns minutos de muita bagunça, os ânimos se


acalmaram na sala de estar. Michael estava radiante, seu
sorriso maravilhoso iluminando a casa toda. Clara estava com
o rosto inchado pelas lágrimas de emoção, e Chris estava feliz
feito uma criança. Lauren ainda parecia um pouco chocada,
mas não conseguia para de rir.

- Até que enfim um pirralho nessa família! - Chris disse, rindo


do próprio senso de humor.

- Não chame meu filho de pirralho, seu idiota! - Taylor falou, o


socando com força no braço, mas sem conseguir machucá-lo.

- Viu só, Lauren! Nossa irmãzinha mandando ver! É muito


mais rápida que você! - E olhando para mim, concluiu - Mila,
tem certeza que ela não é broxa?
- Você é o mais velho, seu cretino. - Lauren se defendeu.

- Eu não tenho uma namorada, sua lerda.

- Calem a boca! - Gritou Taylor - Não estraguem meu


momento!

- Parabéns, Taytay! Você vai ser uma mãe excelente. - Clara


falou, ainda emocionada. - E você um ótimo pai, Oliver!

- Acho que isso merece uma comemoração. - Michael falou,


sobrepondo sua voz às dos outros. - Whisky!

Em menos de um minuto, estava sobre a pequena mesa uma


garrafa bonita com um líquido um pouco escuro dentro, além
de alguns copos largos e baixos.

Notei que Clara havia deixado a sala para, logo em seguida,


voltar com uma caixa de suco de laranja em uma das mão e,
na outra, uma garrafa de vinho tinto. 

No final, brindamos com quatro copos cheios de Whisky, um


de vinho para Clara e dois de suco, um para Taylor que não
podia beber e outro para mim, que não podia me deixar
embebedar.

- Ei... - Ela chegou perto de mim, tentando falar baixo para


que só eu ouvisse - Se importa se eu beber essa noite?

Chris ouviu a pergunta do irmã e imitou o barulho de um


chicote com a boca. Ignorei-o.

- Claro que não! Você tem que comemorar! - Falei, um pouco


mais animada do que pensei que ficaria com aquela notícia.
E ela bebeu. Não só ela, como Michael, Chris e Oliver. Clara
lembrou a todos da troca de presentes, já que, afinal de
contas, era Natal.

Ainda assim, ninguém estava interessado nessa parte da


noite. Toda a atenção estava voltada para Taylor, Oliver e a
novidade deles. Por isso, me senti mais confortável quando a
família se presenteou rapidamente e logo o assunto voltou a
ser o novo herdeiro Jauregui.

- Está com quantos meses, TayTay? - Lauren perguntou, e eu


já começava a perceber as palavras mais arrastadas saindo
de sua boca.

- Dois. Daqui a pouco posso até saber o sexo do bebê.

- Tem que ser homem! - Chris falou, animado - De mulher


nessa família já basta a mamãe, você e a Lauren.

- Já tem ideia de nomes? - Perguntei.

- Ashley se for mulher, Jackson se for homem. - Oliver


anunciou.5

- Foi planejado? Como você ficou sabendo? Como contou a


Oliver?

Clara estava tagarela, talvez por causa do vinho. Todos se


divertiam fazendo perguntas aleatórias a Taylor, às vezes
repetidas. Toda vez que olhava para Lauren, ela estava com
uma nova dose de Whisky na mão, e aquilo começou a me
preocupar. Ainda assim, não falei nada, porque não queria
estragar a comemoração de ninguém. E ela seria tia. Isso era
grande.1
A conversa passava de um assunto a outro, mas sempre
acabava voltando à gravidez. Michael ficava brincando com a
ideia de ser avô, Chris ironicamente estava mais sério a
medida que ia ficando mais bêbado, e Lauren não parava de
me tocar.

Graças a Deus, seus toques não eram inapropriados.

- Então, Camilinha... - Começou Taylor, um pouco de saco


cheio com as infindáveis perguntas que faziam a ela - O que
você faz?

Senti um solavanco dentro de mim, imaginando que talvez


meu coração tivesse despencado. Prendi a respiração,
tentando raciocinar e dar uma resposta a tempo de fazer com
que ninguém ali notasse meu pânico.

- Ela é bibliotecária.6

Lauren estava bêbada, isso estava claro. Ainda assim, ela


conseguia ser mais rápida e inteligente do que eu, até mesmo
nas mentiras que contava.

- Gosta de ler? - Oliver perguntou, enquanto se servia de mais


uma dose de Whisky.

- S-sim.

Eu ainda estava abalada por ter sido pega desprevenida. Me


perguntei por que Lauren e eu não treinamos alguns desses
diálogos antes da viagem. Era óbvio que sua família iria
querer saber mais de mim, até mesmo para se certificarem de
que eu não ia arruinar com a vida de um dos membros.
- E como se conheceram? - Foi a vez de Clara perguntar, e
então eu estava oficialmente começando a ter uma crise de
pânico.

- Hahahahaha, querem mesmo saber como nos conhecemos?


- Lauren perguntou em uma voz muito alta, e isso fez com
que eu estremecesse ainda mais. 

Ela estava bêbada, e eu não sabia até onde sua noção iria. -
Bom, eu vou contar.

Ela se ajeitou no sofá, e Clara pareceu se interessar pela


história que viria. Agarrei seu braço em pânico. Eu sabia que
estava vermelha, não de vergonha, mas de desespero.

- Lo... - Falei baixo, minha boca muito próxima a ela - Você


está um pouco alterada...

- Não quer que eu conte a história? - Ela falou alto, e todos


ouviram - Ora, não precisa ficar com vergonha, minha linda! É
tão bonita...

Ela tocou no meu rosto, e eu entendi que não adiantava: Ela


ia contar sua história. O que exatamente ela diria, eu não
sabia.

Respirei fundo uma vez. Duas vezes. Olhei para Taylor,


tentando segurar o pânico que me consumia lentamente. Me
surpreendi ao vê-la me encarando com uma expressão
estranha. Ela havia notado que havia algo muito errado ali.

- Eu conheci a Camz que vocês conhecem há alguns meses.


Ela estava sentada numa praça perto da minha casa, lendo.
Estava chovendo muito, e eu corri pra lá pra me proteger. A vi
compenetrada na leitura, e como a simples imagem dela
chamou minha atenção, fui ao seu encontro. Sentei ao lado
dela e ficamos conversando. Fiquei feliz por ela não ter me
dispensado tão fácil. E então, eu me apaixonei por ela
naquele dia.

Eu não estava respirando, prestando atenção em cada


palavra que ela dizia. Quando ela se calou, notei que
absolutamente nada do que havia falado era mentira. 

Aquele foi o dia em que ela realmente me conheceu, que


realmente conversou sobre a minha vida e passou a saber
que já fazia parte dela.

A Camila que ela havia conhecido antes desse dia não era a
mesma Camila de agora.

só a Camila de agora importava.

Mas então, havia sido naquele dia que ela...

- E então você pediu ela em namoro? - Clara perguntou, ainda


sorrindo pela história e me tirando de meus devaneios.

- Não. Depois ficamos amigas, mas eu já não conseguia deixar


de pensar nela. Então minha vida virou um inferno porque eu
tentei me afastar... - E aqui, Lauren parou, olhando
envergonhada para o copo em suas mãos e suspirando - E
descobri que não tinha como ficar sem ela.

Todo mundo ficou em silêncio. Taylor continuava olhando de


mim para Lauren de forma um pouco esquisita. Eu, pelo
menos, já conseguia respirar. Oliver não olhava para ninguém
em particular, e Clara encarava Lauren com uma expressão
de pena.
- Bom. - A voz de Chris cortou o silêncio - No final das contas,
vocês se pegaram. O saldo foi positivo então.

Michael riu, fazendo com que Clara relaxasse um pouco


também. Taylor desviou o olhar de mim, e eu começava a ter
medo dela.

- Então você é a nova interesseira da família, Mila.

Olhei espantada para Oliver. Por que ele havia dito aquilo?

- Eu não... Não estou com ela por causa disso...

- Oliver - Taylor olhou-o um pouco irritada - Faça suas piadas


com quem já conhece você.

- Querida, Oliver tem um senso de humor um pouco gélido.


Ele só estava brincando. Às vezes é difícil notar. - Clara
apressou-se em dizer, enquanto eu sentia meu rosto ferver.

Só então ele pareceu entender que sua piada não havia saído
como o planejado.

- É, é brincadeira! Eu só disse isso porque, até então, o


interesseiro era eu. Mas eu estava brincando, sei que você
não é.

- Uau, ela está um tomate gigante. - Ouvi Chris dizer.

- Desculpa, era só brincadeira! - Oliver repetiu, já parecendo


um pouco desesperado.

- Tudo bem... - Falei numa voz baixa, e rezei para que eles
parassem de olhar para mim.

Lauren levantou-se, cambaleando um pouco quando o fez.


- Vamos dormir. - Ela falou, me estendendo a mão, que
agarrei sem pensar. Eu queria sair dali, queria sair da vista de
todo mundo. - Mãe, por acaso sobrou alguma coisa daquele
doce que a Camz fez?

Lembrei de ideia que ela tivera com relação àquela


sobremesa quando estávamos em seu apartamento em Los
Angeles, e me perguntei se seria possível ficar mais vermelha
do que estava agora. 

- Não filha. Comi o último pedaço, se eu soubesse que você


queria...

- Não se preocupe, mãe. - Taylor falou, com um sorriso


sarcástico no rosto, se levantando também e olhando para
Lauren, como se mantivessem uma conversa por telepatia -
Ela só queria lambuzar a Mila com aquela calda. Essa safada. 3

- Taylor, não seja esquisita. - Oliver falou.

Mas Taylor não estava sendo esquisita.

Como diabos ela sabia daquilo?

Lauren gargalhou e pronunciou um boa noite em voz alta, me


puxando atrás de si. Me despedi olhando cada uma das
pessoas que permaneceram na sala, e então já estávamos ao
pé da escada.

Pensei que ela teria problemas com aquele obstáculo, mas


me enganei.

Embora Lauren estivesse claramente alcoolizada, não


chegava a estar assim tão mal. Ela abriu a porta do quarto e
me deixou entrar primeiro, trancando-a em seguida.

Eram 01:45h da madrugada.


Sentei na cama, tentando me recompor de tudo que havia
acontecido nos últimos minutos. Suspirei profundamente,
sentindo a vida voltar às minhas veias agora que estava
sozinha ali com Lauren.

Olhei-a e ela parecia concentrada em alguma batalha interna.


Seus olhos estavam fechados, seu rosto sério e austero.
Poderia até dizer que ela estava prestes a fazer um
comunicado de vital importância para a Inglaterra inteira.
Assim, quando ela abriu a boca, tive que rir.

- Preciso mijar.1

Ela rumou para o banheiro, um pouco trôpega, enquanto


tirava seus saltos no caminho e levantava o vestido até à
altura do umbigo.  

Continuei olhando para o lugar onde ela estava. Sorri outra


vez.

Lembrei do que estava guardado e escondido dentro de


minha bolsa, então me levantei indo de encontro a ela e
tirando de lá o presente dela.

Ela voltou ao quarto sem o vestido, usando somente um top e


uma boxer, os olhos fora de foco e os cabelos, como sempre,
desgrenhados.

Suspirei.

- Eu tenho uma coisa pra você. - Comecei, sem saber direito


como fazer aquilo.

Ela me encarou, curiosa.

- Pra mim?
- É. Um presente de Natal. - E dizendo isso, estendi o
embrulho para ela.

A expressão de Lauren foi se transformando lentamente em


um sorriso de compreensão.

Ao final de sua metamorfose, ela estava tão linda e parecia


tão feliz que por muito pouco não me atirei no colo dela e a
enchi de beijos. Era como se ela fosse uma criança e eu
tivesse acabado de lhe dar uma loja de doces.

- Você comprou um presente pra mim? Uau!

Ela parecia realmente surpresa, abrindo de qualquer jeito a


embalagem e tirando de lá a caixa com o relógio dentro. Ao
ver do que se tratava, seu sorriso conseguiu ficar ainda mais
largo.

- Uau! - Ela repetia muito isso - É demais!

- Gostou? - Analisei sua expressão na esperança de encontrar


traços de mentira ali. Mas todas as reações dela pareciam ser
genuínas.

- Muito! - Ela falou, e de repente olhei para seu braço e notei


pela primeira vez aquela noite um relógio maravilhoso, muito
mais interessante e, aparentemente, muito mais caro do que
aquele que eu havia comprado para ela. Inclusive, lembrei de
uma vez ter visto as horas naquele mesmo relógio: no dia em
que eu havia acordado no quarto dela pela primeira vez.

Murchei na hora. Como infernos eu nunca havia reparado que


ela já usava uma porra de um relógio de pulso? Como eu não
havia lembrado? Como eu não vi isso aquela mesma noite?2
Eu era uma ameba, e me sentia como uma criança de sete
anos dando de presente um desenho idiota feito com tinta
guache e caneta hidro cor.

- Uau. - Aquela expressão, antes me fazendo sentir bem,


agora já estava me irritando. Ela não tinha motivos para ficar
daquela forma. Foi uma ideia idiota. - Como ficou?

Ela deixou o pulso amostra, agora com o relógio que eu havia


dado.

- O outro ficava melhor. - Falei, amargurada.

- Claro que não! Esse é muito mais interessante!

- Não é. Não minta.

- Não estou mentindo! Eu gostei muito!

- Que seja... - Falei baixo, pegando a embalagem rasgada,


amassando tudo com raiva e formando uma bola de papéis
nas mãos.

Me virei para jogar tudo aquilo no lixo, mas fui surpreendida


por um abraço, e então a próxima coisa da qual eu estava
ciente era o rosto de Lauren enfiado em meu pescoço
enquanto seus braços me prendiam perto de seu corpo,
cruzados em minhas costas e não me permitindo sair dali.

- Obrigada. Você não faz ideia do quanto eu gostei.

Retribuí o abraço, sentindo sua respiração pesada no meu


pescoço. Lembrei de Ally me dizendo que independente do
que eu desse a Lauren, ela gostaria. Quase que
imediatamente, lembrei do meu aniversário, quando meros
marca-páginas tinham me proporcionado uma alegria
inexplicável, e então entendi que, se Lauren estivesse
sentindo a mesma coisa que eu naquele dia, aquele momento
provavelmente estaria sendo de fato precioso.

- De nada. - Respondi baixo, retribuindo o abraço e sentindo


as já conhecidas ondas de eletricidade entre meu corpo e o
dela.

Ficamos daquela forma por algum tempo, então me dei conta


de que, se demorasse um pouco mais, ela acabaria dormindo
no meu ombro, dado seu estado alcoolizado. Me afastei dela e
puxei o edredom que cobria a cama.

- Você vai acordar com um pouco de dor de cabeça amanhã,


então aproveite enquanto consegue dormir. - Falei, afofando o
travesseiro e apontando para os lençóis. - Vem.

Ela caminhou até sua mala sem me dar atenção e tirou de lá


de dentro alguma coisa pequena, que cabia na palma fechada
de sua mão. Sem dizer nada, me guiou pela cintura até a
beirada da cama, me fazendo sentar lá.

- É a vez do meu presente.

- Você já me deu o seu presente. - Lembrei-a, imaginando


sobre mais o que ela esquecia quando bebia.

- Não dei.

- Eu estou vestindo ele. - Levantei o pulso, mostrando


pacientemente o tecido do vestido preto. 

- Esse não é o meu presente.

Ela suspirou.

Seus dedos passearam um pouco trêmulos pelos cabelos, me


encarando de forma misteriosa. Lauren parecia nervosa, e eu
podia ver isso até mesmo com as várias doses de Whisky que
a faziam parecer com sono.

- Tudo bem? - Perguntei, ficando um pouco mais incomodada


a cada segundo que ela permanecia em silêncio.

- Tudo bem. - Ela respondeu, se ajoelhando à minha frente em


cima do tapete felpudo ao lado da cama, e me olhando com
algum tipo de veneração. Eu não sabia o motivo, mas a forma
como ela agia estava me deixando ansiosa.

- Eu queria saber fazer isso sóbria... - Ela começou - Mas acho


que exigiria uma coragem que eu não tenho. Me desculpa se
isso não sair do jeito que eu queria, ou do jeito que você
queria, mas eu preciso dizer que te amo.

O som daquelas palavras fizeram com que qualquer ruído


desaparecesse. 

Era como se a única pessoa que existisse fosse ela, como se


os únicos sons que importassem fossem sua respiração e sua
voz, como se as únicas sensações do mundo fosse sua pele
na minha e as ondas que se chocavam no curto espaço entre
nós dois. Seus olhos não estavam desfocados, o que provava
que ela sabia o que estava dizendo. E eu só podia ouvir.

- Eu sei que estamos juntas há poucos dias, mas foi o tempo


suficiente pra que você notasse que eu sou uma idiota e que
eu notasse que você é perfeita.

Lauren abriu a mão que escondia uma caixa azul-marinho


pequena. Fiquei encarando aquilo, tentando não pensar no
que poderia ser antes que ela a abrisse.
- Eu não sei quais são os termos que definem a nossa relação,
mas sei que preciso de você. Acho que não tenho o direito de
dar títulos ao que existe entre nós, mas...

A caixa se abriu, mostrando um anel dourado e fino encaixado


na diagonal.

- Uma coisa pra você... Lembrar de mim. Fica à sua escolha


chamar isso de pedido de namoro, noivado, casamento, não
importa. Contanto que você aceite.

Ela segurou a aliança pequena entre seus dedos e envolveu


minha mão direita suavemente, trazendo-a de encontro ao
aro.

- Mas o que eu realmente estou pedindo aqui é... Fica comigo


pra sempre?

A aliança deslizou pelo anelar e se encaixou perfeitamente na


espessura daquele dedo. Ela afastou suas mãos da minha, e
nós duas ficamos olhando para meu mais novo adereço.

- Eu prometo... - Ela olhou nos meus olhos outra vez, e eu a


encarei de volta - Prometo tentar todos os dias te fazer tão
bem quanto você me faz. E prometo tentar fazer com que
você não se arrependa de ser minha.

Alguma coisa quente escorreu pelas minhas duas bochechas,


mas não me importei.5

- Embora você mereça alguém melhor... - Ela adicionou,


secando meu rosto - Mas ninguém vai te admirar tanto quanto
eu. Ninguém vai te querer tanto quanto eu quero, e tenho
quase certeza que você não vai fazer tão bem a outra pessoa
quanto faz a mim.
Era provável que ela tivesse mais algo para dizer.
Infelizmente, meu corpo agiu por vontade própria, e então eu
havia me atirado nela sem o menor cuidado, indo parar no
chão em cima do tapete felpudo e beijando-a
inconscientemente.

Meu anelar estava quente. Talvez fosse psicológico. Não


importava. Eu era dela, com ou sem aliança, mas tê-la ali era
uma prova.

Provava que eu era importante. Provava que ela queria que


eu fosse dela, e da mesma forma, provava que ela também
era minha.

Agora eu sabia que chorava compulsivamente. Tanto que


chegava a soluçar.

Lauren, embora bêbada, pareceu entender que aquilo era um


"sim, sou sua e sempre fui," e então me senti completamente
entregue às suas mãos que já trabalhavam em meu vestido,
não de forma desesperada, mas cuidadosa.

Não lembrei da cama. O tapete parecia suficiente para


amenizar o atrito de nossos corpos com o chão. Não estava
frio nem quente.

Estava perfeito.

Ela me beijava de forma apaixonada enquanto me possuía,


deixando de lado a cautela e me apertando contra seu corpo
de forma possessiva. Eu era dela, e ela sabia disso.

Não sabia dizer se meus gemidos foram altos.

Deixaria para me preocupar no dia seguinte, assim como as


mordidas e chupões que Lauren aplicava aleatoriamente pela
extensão do meu corpo. Imaginei que precisaria de mais
maquiagem do que nunca, mas já que isso não mudaria de
qualquer forma, me permiti aproveitar todas as sensações
daquele momento. 

O cansaço veio, mas não fez com que o desejo que me


consumia fosse embora de imediato. Ela parecia arder da
mesma forma, então parte da noite passamos enroladas e
encaixadas, tentando ao mesmo tempo sentir e proporcionar
prazer uma a outra. Quando ambas parecíamos satisfeitas,
deixei que o sono me embalasse, sentindo o calor da pele
dela me aquecer.

Em algum momento daquela noite acordei de repente e


constatei que estava deitada confortavelmente na grande
cama ao lado de um anjo.

Ela não dormia, mas me observava com mais paixão do que


jamais havia visto em alguém. Levantei a mão direita para
checar se meu presente ainda estava ali. Como se precisasse
me certificar de que aquilo não havia sido um sonho.

Relaxei. O aro dourado estava lá.

E se dependesse de mim, ficaria ali para sempre.

***

Luz.

Estava bem mais claro do que eu podia esperar do meio da


noite. Era possível notar isso ainda de olhos fechados. Abri-os
preguiçosamente, apenas para constatar, para minha total
surpresa, que já havia amanhecido, embora minha percepção
julgasse não haver passado nem uma hora desde o momento
em que adormeci.2

Pisquei algumas vezes. Um mormaço tímido penetrava o


quarto pela fresta da cortina aberta, diretamente no meu olho
esquerdo. Virei de lado de forma brusca, sem pensar onde
estava ou que horas deviam ser.

Ao meu lado dormia uma mulher de bruços, com o rosto


virado para o outro lado, aparentemente nua até onde o
lençol o cobria.

Era um corpo bonito, em forma, mas algo me incomodou ali.


Algo que eu não havia notado no início.

Eu não conhecia aquelas costas. Eram diferentes das costas


que eu esperava encontrar aquela manhã. O cabelo também
não era o mesmo. Era ondulado, mas castanho.

A razão veio me tomando aos poucos, e foi junto com ela que
a mulher começou a se mexer. Foi quando finalmente ela se
virou para mim que levantei de imediato, quase caindo da
cama. Reparei que eu também estava nua.

- Que porra...

Meu coração batia descompassadamente. Eu não estava


entendendo nada, e olhei em volta tentando me localizar.

Aquele quarto também não era o quarto que eu esperava


encontrar naquela manhã, simplesmente porque não era o
mesmo quarto em que eu havia dormido. Não era a suite da
casa dos Jauregui's.

Mas eu conhecia aquele lugar.1


Era um lugar com paredes encardidas, sujas. Precisavam de
uma pintura. Ao meu lado, uma tv quebrada, algumas roupas
em cima dela. O "quarto" em questão dividia o espaço com
uma cozinha através de uma bancada. Havia apenas uma
lâmpada que pendia do teto, sem lustre. Minhas malas
estavam espalhadas pelo chão, na parede à direita, e como
um estalo dentro de mim, consegui me localizar.

O apartamento.

O apartamento que eu morava. Não era a casa de Lauren,


nem de seus pais. Também não era o The Hills. Era o lugar
para o qual eu havia ido entre esses dois momentos.

Desespero.

Cocei os olhos, tentando enxergar melhor. Tudo parecia muito


embaçado. A mulher desconhecida ainda estava de bruços no
sofá-cama, olhando para mim como quem olha para qualquer
animal de circo.

- Não.

Falei em voz alta. Uma vez, duas vezes, repetidas vezes.

- Não, não... Isso não...

Senti falta de ar. Uma dor angustiante comprimiu meu peito


como se quisesse esmagá-lo.

- NÃO! NÃO FOI UM SONHO, PORRA!8

Mais falta de ar. Meu corpo começou a tremer


descontroladamente, de forma ridícula, tentando se manter
de pé.
Alcancei o celular e busquei ali o número dela, tentando lutar
contra o tremor e apertar as teclas certas.

Não estava lá.

- Por favor, não...

Chorei de desespero. Olhei para os lados, sem saber o que


fazer.

Aquilo não podia estar acontecendo.

- Uma vadia escandalosa. Escolheu a dedo, Vero.

A mulher falou consigo mesma, e senti um baque no


estômago. Encostei na parede tentando respirar. Minha
garganta parecia fechada. Ao lado do sofá, duas garrafas de
alguma coisa alcoólica e notas de dinheiro.

- Pelo amor de Deus... - Eu falava sozinha.

Não sabia se gritava ou implorava. A luta contra o pânico que


já me dominava estava chegando ao fim.

Olhei para minha mão direita.

Não havia anel algum ali.

Como um surto de loucura, me belisquei. Bati, arranhei e


soquei cada pedaço de pele que podia lembrar, desesperada
para provar a mim mesma que aquilo era um pesadelo.

Meu Deus, só podia ser um pesadelo!

- Vai ficar quieta ou quer que eu te amordace?

A mulher me encarava de forma divertida, me mostrando e


enrolando com as mãos um pedaço de pano.
Solucei, me deixando escorregar pela parede e cair no chão.
Sem forças, sem vida.4

Sem nada.

***

Capítulo 14
 

Eu tinha que aceitar a minha realidade. Tudo o que vivi com


Lauren até agora foi apenas um sonho, um maldito sonho.

Eu não conheci sua família, ela não se declarou para mim, eu


não tenho aliança nenhuma no dedo. Eu não fui para seu
apartamento.... Eu sempre fiquei aqui nesse apartamento
desde que sai do The Hills.

Eu entrei em uma depressão tão profunda quando Lauren me


abandonou, que acabei entrando em uma realidade paralela
vivendo um lindo sonho de amor com ela, que na verdade
nem existia.

Naquela noite em que sai para tentar arranjar dinheiro.... Não


era Lauren naquele carro, foi tudo uma mera ilusão. Na
verdade a pessoa era a tal da Vero. Lembro dela ter me
possuído várias vezes, parecia não se cansar nunca. Eu não
conseguia sentir prazer nenhum, ela estava sendo bruta. Mas
o que eu podia fazer? Eu era paga pra isso mesmo.

Mas agora, eu acordei para a realidade e tenho que me


contentar a ser aquilo que eu sempre fui: Uma prostituta.
1
***

AHHHHHHHHHHHHH enganei vocês


Hskndsjjsjsjdjsnajjajwjwjs aposto que todo mundo ficou
com o CU na mão aí né?
20

Quantos tombos tivemos aqui?

***

Pov Camila

Engasguei. Algo me trouxe de volta, me tirando daquele lugar


e daquele desespero torturante. Tossi com força, tentando
respirar outra vez. Confusão. Não conseguia assimilar
nenhuma informação ao certo.

Estava claro. O quarto ainda era invadido timidamente pelo


mormaço do lado de fora, mas dessa vez a realidade que
chegava aos poucos começava a fazer mais sentido.

- Calma...

Tentei me desvencilhar de braços.

Eram braços fortes, e embora a sensação de tê-los ali


parecesse conhecida e até reconfortante, lutei contra eles,
muito perdida para entender.

Mas eles eram fortes demais até mesmo para o meu pânico.

Tossi mais vezes, e uma náusea súbita me tomou com uma


força muito grande para tentar controlá-la.
Estiquei o pescoço para o lado, sem conseguir ver direito, e
tudo que estava dentro de mim saiu em um jorro de muitas
coisas misturadas e nojentas. Minha garganta ardeu como se
pegasse fogo, e pude sentir os braços ao meu redor
afrouxarem o aperto e dedos segurarem meus cabelos em um
tipo de rabo-de-cavalo improvisado, tentando separar os fios
do suor que cobria meu rosto e pescoço.

A náusea vinha em ondas, e cada onda resultava em um novo


jorro de algo ruim. Minha cabeça começou a doer
instantaneamente, mas aos poucos fui retomando o controle
da situação, vomitando cada vez menos, enxergando cada
vez mais.

Um chão de madeira escura. Graças a Deus não era carpete.

- Calma, meu amor... - A voz atrás de mim saiu hesitante,


trêmula.

Meu corpo todo tremia. Vomitei mais. Sem pensar em nada,


descolei a mão direita do peito e a estiquei, olhando
fixamente para a aliança fina no anelar, pedindo
silenciosamente para que ela simplesmente não sumisse
diante dos meus olhos. Toquei-a com o polegar, tentando
conter o tremor quase epiléptico, querendo senti-la e me
certificar de que aquilo - aquilo sim - era real.

Alívio.

Cuspi uma última vez no chão e me deixei cair sem forças no


colchão macio. Estava suada de uma forma que não
combinava com o clima invernal de Londres.
Já não sabia se tremia de frio ou de nervoso. Minha cabeça
doía e latejava, e consegui notar que estava chorando assim
que abri os olhos.

Eu estava em estado de choque, descabelada e me sentindo


imunda. E Lauren, como uma deusa perfeita e ridiculamente
linda até ao acordar, estava olhando para mim daquela forma,
ao meu lado.

Eu sabia que devia pedir para que ela parasse e se afastasse,


mas estava me sentindo excepcionalmente exausta e fraca
naquele momento.

Num ímpeto, me atirei em seu peito, tomando cuidado para


não encostar minha boca em sua pele, e me agarrei nela com
desespero, querendo senti-la, querendo ter certeza de que ela
também era real.

- Foi só um pesadelo. - Ela falou em uma voz aveludada,


enquanto penteava os fios rebeldes que teimavam em grudar
no suor da minha testa. - Mas você me assustou.

Ela tocou minhas costas com um dos dedos e eu estremeci.


Senti o cobertor ser puxado e nos cobrir, então tudo o que
queria era me deixar relaxar grudada nela. Tudo estava bem
agora, e o alívio que enchia meu peito como um balão era tão
reconfortante que eu poderia até meditar.

- Quer conversar sobre o seu sonho?

- Não. - Minha voz saiu fraca, mas decidida, mesmo se


escondendo em seu peito. Imediatamente notei que havia
deixado óbvio para Lauren que o sonho era, de certa forma
sobre ela.
Fechei os olhos e a ouvi suspirar.

- Foi só um pesadelo... - Ela repetiu. - Um pesadelo idiota.

Fiquei em silêncio, lembrando do desespero daquele sonho,


lembrando que aquele não havia sido um pesadelo idiota,
mas sim o pesadelo mais real que eu já havia tido.

Dentre tantos outros que me atormentavam.

E sempre eram relacionados a ela, de uma forma ou de outra.

- Você deve ter comido alguma coisa ontem que não fez bem.
Vai se sentir melhor depois de um banho quente.

Meu estado deplorável não tinha nada a ver com má digestão,


eu sabia disso.

- Preciso limpar isso.

- Você não vai limpar nada. Não está bem pra isso.

- Lauren, tem um líquido nojento espalhado no chão do quarto


dos seus pais.

- Alguém limpa depois.

- Eu vomitei, eu limpo.

- Por que está insistindo? Você sabe que eu não vou te deixar
fazer isso.

Não discuti. Era mesmo inútil insistir em algo que eu sabia


que não ia acontecer, mas de qualquer forma, estava feliz por
estar tendo uma discussão boba daquelas. Ela estava ali,
aquilo era real, e isso era tudo o que importava.

Lauren se levantou pelo outro lado da cama e me puxou para


poder me pegar nos braços.
- Como está a sua cabeça? - Perguntei, enquanto era
carregada nos braços até o banheiro.

- Doendo um pouco. Mas eu estou acostumada com ressaca.

Era uma pena que eu não poderia dizer o mesmo da minha,


que agora latejava incomodamente, como se quisesse me
lembrar de que aquele dia não havia começado muito bem.

- Espera. Preciso escovar os dentes antes de mais nada. -


Falei, enquanto ela me guiava para o box.

Lauren aceitou meu pedido, me colocando de pé na frente da


pia e me olhando como se eu estivesse prestes a ter um
ataque fulminante do coração. Tentei ignorar o fato de que
estava completamente nua.

Quando terminei de escovar os dentes, vi que o chuveiro já


estava ligado à minha espera.

Ele lançava um jato incrivelmente forte de água morna. Deixei


a força da ducha massagear meu couro cabeludo, fechando
os olhos e aproveitando a sensação boa ali por algum tempo.
Instintivamente agarrei meu anel com a outra mão e, como se
isso fosse suficiente, permaneci imóvel.

- Você não parece bem. - Ela falou, se juntando a mim dentro


do box e me trazendo de volta à realidade.

- Eu estou ótima. - Concluí. Depois de acordar daquele


pesadelo, tudo estava ótimo. Mais do que ótimo.

Notei que ela me olhava um pouco contrariada.

- Que foi?

- Eu deixei algumas marcas ontem.


Olhei para mim mesma pela primeira vez e vi algumas
manchas escuras e arroxeadas na minha cintura, na parte
interna das minhas coxas (exatamente onde os quadris dela
batiam), nos meus pulsos.

- Ah... - Comecei, ainda olhando para os braços - Tudo bem,


as roupas cobrem.

- Você tem alguma coisa de gola alta? - Ela perguntou,


tocando em alguns pontos do meu pescoço como se quisesse
me mostrar que ali a coisa estava feia.

- Tenho cachecol.

Ela suspirou um pouco triste, me encarando por algum tempo,


apenas para depois se aproximar de forma perigosa.

- Eu tenho que lembrar de ir com calma com você. Às vezes


eu esqueço a força que eu tenho, e acabo me empolgando
demais. - Ela disse, percorrendo a distância segura entre nós
duas e me abraçando.

Me dei conta de que o calor do corpo dela era muito melhor


do que o calor da água aquecida da ducha que agora batia
em suas costas. Sua boca, antes apenas próxima ao meu
pescoço, agora dava beijos calmos mas molhados pelos
prováveis hematomas que se encontravam ali.

Tremi, retribuindo o abraço.

Tentei não me agarrar nos cabelos dela outra vez, mas era
involuntário. Eles pareciam estar ali única e exclusivamente
para isso. Senti sua boca passear de um lado ao outro do meu
pescoço, de forma tranquila e torturante, traçando um
caminho de fogo por onde passava. Sua língua descia e subia,
perto da minha orelha e nos limites do meu ombro. Eu ia
explodir em algum momento, e a culpa seria toda dela.

Lembrei do sonho outra vez, ainda fresco na minha


imaginação, o que fez com que aquele momento fosse ainda
melhor. O pensamento em perdê-la, em ter que me afastar
dela outra vez, ou o que era pior: ser abandonada por ela,
estava me apavorando cada vez mais, justamente porque
cada vez mais eu me acostumava em estar perto dela e
depender de sua presença.

Era possível que eu estivesse desenvolvendo algum tipo de


fobia ou síndrome, e talvez eu temesse que ela descobrisse e
me achasse estranha demais.

Mas isso não me impedia de alimentar um crescente


sentimento possessivo que se tornava preocupante.

- Não precisa ir com calma. Não precisa mudar nada.

Não precisa porque eu amo tudo em você. Amo até as marcas


que você deixa no meu corpo, porque são suas. Porque não
há nada melhor do que sentir que você é minha, e não há
nada melhor do que pertencer só a você.

Não precisa mudar nada. Contanto que você fique comigo.

Senti seu braço se estender e no segundo seguinte a água


quente parou de cair. O frio foi completamente esquecido,
porque ela ainda brincava com meu pescoço de uma forma
tão natural que me dava arrepios, que não tinham nada a ver
com o inverno.
Senti algo gelado nas minhas costas e pulei de surpresa.
Notei que Lauren havia me prensado contra uma das paredes
molhadas do box, me prendendo entre os azulejos e seu
corpo. Se afastando de meu pescoço, ela agora me olhava
com um certo contentamento, como se estivesse começando
a se divertir.

- Se você me disser que não preciso ir com calma, vou pegar


pesado de verdade. - Ela disse, olhando diretamente dentro
dos meus olhos propositalmente.

Ela se divertia com esse tipo de coisa, como se me desafiasse


a desviar o olhar.

Lauren apertou seu corpo contra o meu com força, me


fazendo sentir a pressão de algo duro contra minha barriga.
Sorri com a sensação.

Deslizei minhas mãos pelo seu corpo, saindo dos cabelos e


passeando pelos ombros, apertando seus seios e descendo
mais, sentindo cada pequeno detalhe e dobra em sua pele.
Tateando e acompanhando com os olhos cada caminho, cada
centímetro.

Ela era real.

Passeei meus dedos pelas costas firmes, parando na parte


inferior e fazendo um pouco mais de pressão ali, tanto para
apalpar aquela parte quanto para trazê-la mais contra meu
corpo. Não lembrava se já tinha alguma vez tocado na bunda
dela, mas tinha que lembrar de fazer aquilo mais vezes.

Beijei seus mamilos molhados delicadamente. Depois dei uma


chupada com força, ela estremeceu. Senti as pontas dos
meus dedos doendo, e me dei conta de que estava
apertando-a com força demais. Inconscientemente. Como se
não quisesse largá-la, como se pretendesse fundi-la a mim, na
esperança de que, nós duas sendo uma só, não poderíamos
nos separar mais.

Os cabelos da minha nuca foram puxados delicadamente, me


fazendo levantar a cabeça por reação, e no segundo seguinte
senti sua língua deslizar na minha de forma calma, sensual,
intensa.

Havia um gosto forte de menta, e me perguntei em que


momento ela tinha escovado os dentes. Não me aprofundei
na tentativa de descobrir a resposta, porque ela já
intensificava um pouco mais o beijo, deslizando suas mãos
pelas minhas costas como se quisesse memorizá-las. Ela
parou na curva da minha lombar fazendo círculos, como se
estivesse provocando, como se dissesse "eu vou descer, mas
só quando eu quiser." E eu queria tanto que aquelas mãos
descessem...

Me equilibrei nas pontas dos pés, tentando forçá-la a me


tocar. Ela entendeu e apenas riu. Trouxe uma de suas mãos à
minha nuca outra vez e, com força, fez que meus lábios
deslizassem contra os dela de forma violenta, dando à sua
língua passagem para invadir minha boca cada vez mais,
sempre tocando em pontos novos e deslizando por ali de
formas diferentes. Lauren conseguia aplicar tanta pressão ali
que meus lábios já doíam um pouco, mas a dor era boa.

Voltei meus dedos para seus cabelos, porque no final das


contas, agarrá-la daquela forma era a maneira de permitir às
suas mãos um melhor acesso ao meu próprio corpo. Nossos
movimentos não eram mais calmos como no início, mas sim
violentos e um pouco rudes. Suas mãos finalmente deslizaram
e apertaram a minha bunda. Vibrei em silêncio

- Não sei como você consegue fazer isso... - Ela disse,


interrompendo levemente o beijo e tomando fôlego, mas não
me permitindo responder ou perguntar "Fazer o quê?", porque
no segundo seguinte sua língua estava deslizando na minha
outra vez. Suas mãos criaram um gancho e me levantaram
sem dificuldade alguma.

Entrelacei instintivamente minhas pernas em seus quadris,


ainda prensada entre a parede e o corpo quente dela,
agarrada com desespero ao seu pescoço e deixando que ela
fizesse o que quisesse comigo.

A coisa dura que encostava na pele da minha barriga deixou


de encostar e deslizou para dentro de mim sem qualquer
problema, arrancando um suspiro involuntário da minha boca.
Senti um arrepio forte com a penetração, enrolando os dedos
dos pés e das mãos com força, fechando os olhos
violentamente.

Ela era minha.

Apertei o laço que minhas pernas faziam em torno dela,


enquanto a sentia se mover dentro de mim. Repeti o ato com
os braços, quase sufocando-a. Lembrei do sonho, lembrei da
sensação de perdê-la, de estar sem ela. Me arrepiei outra vez.

Os nós em meus dedos provavelmente doíam, mas eu não


sentia. Entre eles, estavam as mechas do cabelo dela, então
era óbvio que eu a estava machucando também. Mas não
conseguia estar ciente disso. Sem a menor explicação, estava
sendo tomada outra vez por um pânico irracional de perdê-la.
Era um péssimo momento, mas não estava nas minhas mãos
detê-lo ou não.

Aquilo era real. Mas não havia certezas se aquela realidade


duraria para sempre.

Os arrepios foram ficando mais fortes. Desde quando eu havia


me tornado completamente dependente dela? Bom, talvez a
resposta fosse desde sempre, e pensar no fato de que Lauren
era tão importante para mim a ponto de ser indispensável era
apavorante.

Meu rosto estava enfiado em seu pescoço. Eu estava imóvel,


tentando lidar com os sentimentos diametralmente opostos
de pânico e prazer. Por isso, fui pega de surpresa ao sentir,
mais uma vez, meus cabelos sendo puxados. Mas dessa vez,
o puxão veio com força, de forma violenta, sem cuidado
algum. Senti dor, mas fui calada pela proximidade dos nossos
rostos. Sua testa estava encostada na minha, e seu olhar
carregava aquela intensidade que existia sempre que ela
queria dizer algo muito, muito importante.

- Eu não vou te deixar. - Ela me olhava como se estivesse


pontuando a frase com um "Entendeu bem, sua estúpida? " -
Que se fodam esses seus pesadelos, são só sonhos idiotas!

Encarei-a espantada, sem mover um músculo. Ela puxou


minha mão direita de seus cabelos, trazendo-a para o
pequeno espaço entre nós, e sem dizer mais nada, chupou
meu anelar, querendo fazer com que eu lembrasse da
presença de alguma coisa ali.

Ela estava parada à minha frente, com aqueles olhos verdes


tristes tão lindos, confessando suas intenções e quase
implorando para que eu acreditasse nelas. E se isso não era o
suficiente, nada mais seria.

Lauren me prensou com mais força contra a parede, mas


ignorei os azulejos frios e duros. Relaxei o corpo e a mente
para recebê-la outra vez. Seus braços em volta de mim me
davam uma sensação de proteção assustadora. Ainda assim,
não consegui deixar de lembrar que essa mesma sensação de
proteção era antiga, e existia mesmo antes do momento em
que ela havia resolvido me abandonar.

E a lembrança do abandono, a dependência dela e o pavor


em perdê-la insistiam em estar ali.

Mais um beijo. Tão furioso que conseguiu calar até meus


pensamentos. Algo me dizia que ela estava puta, talvez pela
minha própria insegurança. Cheguei a me divertir com essa
ideia absurda.

- Acredita em mim? - Ela perguntou, um pouco ofegante,


ainda com os olhos tristes.

Às vezes se tornava óbvio o sentimento de culpa que ela


carregava. Era como se estivesse ciente de uma dívida que
tinha comigo, e parecia fazer questão de se lembrar mais do
que eu mesma.

Eu acreditava. Acreditava nas suas intenções, acreditava que


eu podia fazer bem a ela. Acreditava porque não era possível
ver qualquer traço de mentira naqueles olhos. Eu confiava
nela estava pronta para correr o risco outra vez. Mesmo
porque era a única coisa que eu podia fazer.

- Acredito.
Encerramos aquela discussão, pelo menos
momentaneamente. Parecia errado optar pela preocupação
quando tínhamos tantas coisas para desfrutar juntas. Mais do
que isso, parecia estúpido.

Eu jamais teria a certeza de que ela pertenceria sempre a


mim, mas nenhuma mulher no mundo poderia estar certa
disso também. Nesse aspecto, minha situação não era
diferente da de ninguém.

E que falha seria se eu ficasse me lamentando quando, à


minha frente, minha princesa deixava claro que estava
sempre inclinada a me fazer feliz.

Seu pau me tocou um pouco mais à esquerda, dentro de


minha boceta. Em um lugar conhecido, um lugar que
pertencia mesmo ao seu toque. Meus olhos rolaram para trás
nas órbitas, meu corpo tremendo com a eletricidade que
percorria cada célula. Ela sabia onde me tocar; Ela me
conhecia como ninguém. Lauren penetrou repetidamente
daquela forma. Não eram necessárias muitas investidas
quando ela alcançava meu ponto G, e segundos depois eu já
estaria explodindo em um orgasmo induzido. Beijei-a com
desespero, tornando o ato de respirar um pouco desafiador.
Mas não importava.

A onda de prazer veio, como eu previra.

Tentei não gritar, abafando os gemidos altos contra sua boca.


Os nós dos meus dedos já latejavam, e meus olhos estavam
fechados com tanta força que também doíam.

Ignorei tudo isso para senti-la plenamente mais uma vez.


Fiquei muito quieta, analisando a sensação de formigamento
nas pontas dos meus dedos. Era interessante. Lauren, como
eu, parecia um pouco ausente, provavelmente voltando de
seu próprio clímax. Esperei em posição de mochila, ainda
agarrada ao seu pescoço, não querendo quebrar a troca de
calor entre nossos corpos.

Deixei de sentir o frio dos azulejos. O chuveiro foi ligado outra


vez e as gotas passaram a cair nas minhas costas. Fazendo
algum contorcionismo muito elaborado para que eu
entendesse, Lauren alcançou o sabonete e o passou por toda
a extensão das minhas costas. Estremeci um pouco com a
sensação boa, desgrudando de seu pescoço para dar a ela
uma melhor mobilidade. Deixei que ela ensaboasse meu
corpo todo, apenas para ter a desculpa de fazer a mesma
coisa com o dela. Não por luxúria, mas simplesmente porque
eu queria senti-la um pouco mais.

Depois de algum tempo saímos do box. Ela se secou, me


secou - fazendo novamente com que eu me sentisse uma
inválida e, ao mesmo tempo, não dando a menor importância
para isso - e embrulhou nós duas dentro de uma toalha fofa
do tamanho de um lençol.

Ela me apertava em um abraço e beijava meu pescoço de


cinco em cinco segundos. Não falamos uma palavra sequer
durante todo esse tempo.

Quando fiz menção de andar, Lauren me agarrou pela barriga


e me levantou, de forma que meus pés não conseguissem
mais tocar o chão, e então caminhou para fora do banheiro,
nós duas ainda embrulhadas na toalha como sardinhas.

Não consegui deixar de rir. Foi difícil fazer com que ela me
largasse, por isso demorei um pouco para escolher uma roupa
apropriada na minha mala. Finalmente constatei que havia
trazido um suéter preto de gola alta, o que seria perfeito para
cobrir minhas marcas.

Vesti uma das calças skinny e coloquei a mesma bota que


usava quando cheguei em Londres. Antes de vestir o suéter,
voltei ao banheiro para passar meu creme para hematomas, e
quando entrei no quarto outra vez, o perfume não passou
desapercebido por ela. Cinco minutos depois eu ainda estava
lutando para tirá-la de cima de mim na cama, lembrando-a
que tinha que buscar produtos de limpeza para limpar a coisa
nojenta que ainda estava do outro lado.

Já no andar de baixo, encontramos com Clara.

- Bom dia, queridas! - Ela falou com um sorriso iluminado,


parecendo verdadeiramente feliz em nos ver, enquanto dava
em cada uma de nós um abraço apertado - Por que
acordaram tão cedo?

Eu não sabia que horas eram, e pelo que parecia, Lauren


também não.

- 07:15h ainda... Parece que madrugamos. - Ela falou, olhando


no relógio novo em seu pulso e sorrindo de forma hipnótica
para mim.

- Na verdade, Clara... - Comecei, piscando algumas vezes para


parar de olhar feito tonta para ele - Aconteceu um acidente lá
em cima...
- Mãe, alguma empregada veio hoje? Alguém pode limpar o
quarto?

- Três.

- Não precisa mandar ning...

- Ótimo. A Camz não acordou muito bem disposta hoje. Acho


que metade da ceia de Natal está no chão do nosso quarto.

Corei.

- Não está se sentindo bem? - Clara perguntou com uma


expressão preocupada.

- Estou bem agora... Só acordei um pouco estranha. Mas eu


realmente posso...

- Não se preocupe, querida. - Ela me interrompeu, já subindo


as escadas - Emma está arrumando o meu quarto. Vou pedir
pra que ela limpe o de vocês.

- Obrigada, mãe.

Clara acenou, sem olhar. Quando chegou no andar de cima,


gritei para que ela ouvisse.

- Peça desculpas à Emma por mim!

Não sei se ela ouviu, mas não respondeu

Lauren me olhava com uma expressão neutra, e eu me sentia


a cada segundo mais contrariada.

- Odeio dar trabalho às pessoas.

- Elas são pagas pra isso.


- Só porque elas têm que servir vocês, não quer dizer que
tenham que ficar com trabalhos desagradáveis.

Lauren falou mais meia dúzia de palavras, enquanto me


guiava para a cozinha.

Ignorei todos os seus argumentos, deixando claro minha birra.


É claro que aquilo só a divertiu ainda mais.

Passamos pela sala de estar e encontramos Michael sentado


em um dos sofás lendo o jornal. Acenei para ele da porta, mas
Lauren entrou para cumprimentá-lo. Aparentemente, éramos
os únicos acordados. A casa de manhã tinha um cheiro ainda
mais agradável, e eu nem sabia dizer do que exatamente era.
Estava um pouco frio, mas não deixava de ser aconchegante.

***

Tomei um chá preto com biscoitos, não porque queria seguir


os costumes ingleses, mas por causa do meu enjoo matinal.
Como não queria dar mais trabalho a ninguém, achei melhor
tomar conta de mim.

- Quer dar um passeio?

Fui arrancada de meus devaneios quando Lauren falou ao pé


do meu ouvido, com certeza notando minha distração mais
uma vez e se divertindo ao me despertar.

- Passeio? Onde?

- Por aí.

Dois minutos depois, estávamos andando " por aí " conforme


ela havia sugerido. A manhã estava fria, ainda com aquela
névoa aparentemente típica de Londres, por isso fiquei grata
a Lauren por ter me oferecido um sobretudo fofo e quente
antes de sairmos.

A grama estava muito molhada, não de chuva, mas de


orvalho. Todos os cheiros ali eram maravilhosos, e me
perguntei se minha adoração a praticamente tudo naquele
lugar era psicológico, simplesmente pelo meu bem-estar.

Alcançamos a parte de trás da casa. Se a parte da frente fazia


com que o jardim parecesse modesto, essa impressão se
dissipava quando se chegava ali. Era uma área enorme, até
onde eu conseguia ver. Ao longe, a água de um enorme
chafariz desligado parecia estar tão fria que dava a impressão
de estar congelada. Lauren parecia minha guia turística
particular, reportando cada pequeno detalhe de cada planta e
pedra naquele lugar. Eu ouvia interessada, mas tinha que
admitir que estava mais distraída com a presença dela e seu
modo de agir despreocupada do que com o que ela falava.

- No último aniversário do meu pai, fizemos uma festa aqui.


Estávamos em Abril. - Ela continuou, apontando para os
bancos de pedra que percorriam os arbustos altos e as mesas
e cadeiras de jardim brancas no estilo vitoriano, várias delas
enfileiradas em um campo enorme cercado por árvores de
vários tamanhos, um pouco sem vida por causa do frio.

Havia postes de luz por todo o lugar, acompanhados de


balizadores e luzes baixas no chão que marcavam os
caminhos, próximas aos troncos das árvores. Imaginei como
seria uma festa ali, o efeito daquela iluminação em uma noite
de primavera. Suspirei.

Alcançamos o chafariz. Olhei hipnotizada para o fundo dele


sem motivo algum. A água estava um pouco trêmula por
causa do vento. Nem o tempo cinza poderia fazer com que
aquele lugar parecesse menos perfeito.

Lauren tirou de dentro do próprio casaco alguns panos, os


quais eu não fazia a menor ideia de onde vieram, e colocou-os
lado a lado no muro alto do chafariz, cobrindo a pedra
mármore molhada de orvalho e fazendo menção para que eu
sentasse em cima de um dos panos.

Foi o que fiz, e ela repetiu meu ato.

Por algum motivo, fiquei um pouco tensa.

- Está gostando daqui?

- Muito. - Falei de forma sincera, sorrindo. - É mais ou menos


como um sonho se parece.

Ela sorriu de volta, mas seu sorriso foi sumindo aos poucos.

- Por falar em sonho... Queria saber do que se tratava o seu


hoje de manhã.

Parei de sorrir também.

- Foi só um pesadelo, lembra?

- Lembro. Mas eu quero saber.

- Por que quer saber?

- Porque eu sei que tenho a ver com ele.

Eu sabia que ela sabia. Ela sabia inclusive qual era a essência
do sonho, se eu tomasse como referência suas palavras no
banheiro.

- Bem, você não estava nele.

- Ainda assim...
- Eu acordei ao lado de uma mulher que não conhecia. Era
uma cliente. Era como se você não tivesse voltado aquele dia.

Um silêncio pesado pairou sobre nós, como eu sabia que


aconteceria. Lauren continuou me olhando com uma
expressão neutra, como se estivesse processando cada
palavra minha.

- Você sabe que esses sonhos só acontecem porque você tem


esse medo, não é?

Ela parecia calma, como se estivéssemos conversando sobre


o Natal. Isso fez com que eu também me acalmasse.

- Sei.

- Então, você pode pelo menos tentar...

- Tentar não ter medo? Isso não está nas minhas mãos.

Ficamos em silêncio outra vez, e notei que pela primeira vez


estávamos conversando sobre aquele assunto delicado. Era o
assunto que evitávamos de todas as maneiras, mas agora lá
estava ela, tomando aquele momento como se a conversa
fosse banal. E embora não fosse nada banal, embora
estivesse sendo difícil conversar sobre aquilo, também não
estava sendo completamente ruim. Algo me dizia que eu
sairia dali com alguns quilos a menos nas costas.

- Eu não vou te deixar de novo.

- Você já disse...

- Vou repetir até que você acredite em mim. - Ela parecia


levemente exaltada.

- Eu acredito.
- Não acredita. Se acreditasse...

- Eu acredito, mas não consigo mandar na minha insegurança.


Desculpa se isso te deixa irritada...

A voz dela subiu uma oitava.

- Me deixa irritada saber que você não confia em mim!

- Se não confiasse eu não estaria aqui. Não depois do que


você me fez. - Respondi na mesma oitava.

Ela pareceu perder o fio do pensamento.

- Você... você não...

- Você confia em mim?

- Claro que confio! - Ela disse, parecendo ofendida com a


pergunta.

- Então que merda foi aquela de me prender na sua casa se


eu decidisse ir embora?

- Aquilo foi no início! Eu já te dei a chave do apartamento,


você pode sair quando quiser! - E como se estivesse se
apressando a adicionar um detalhe importante à conversa,
interrompeu minha resposta - Mas se você fizer isso, eu vou
mesmo atrás de você.

- Se confiasse em mim não haveria esse "se" na sua frase.

Ela me olhou com desespero, aquele desespero de derrota


aceita. Ela sabia que meu argumento era válido.

Sem muito mais o que falar, ela olhou para as mãos em seu
colo e suspirou sem vida.
Fiquei um pouco triste em vê-la daquela forma, então fui eu a
quebrar o silêncio.

- Você acha que eu consideraria a possibilidade de te deixar?


O que eu ganharia com isso?

Ela sabia que eu não ganharia nada. Sabia que eu só tinha a


perder. Mas ainda assim, hesitava.

- Você disse que iria embora aquele dia...

- Eu não sabia o que você queria comigo aquele dia. Parecia


querer brincar com a porra da minha dor.

- Eu não queria! Eu só não sabia como lidar com aquilo! Eu


não sabia...

- Eu sei disso. Agora.

Ela abaixou a cabeça outra vez, e eu poderia até dizer que


estava se fazendo de coitada de propósito se não a
conhecesse bem. Mas Lauren, no fundo, era mesmo uma
criança que precisava de confirmações e certezas.

- Lo. - Segurei seu queixo de maneira firme e fiz com que ela
olhasse para mim - Eu não vou a lugar nenhum.

Ela poderia se desvencilhar do meu aperto com facilidade,


mas não fez. Ao invés disso, ficou me encarando com aqueles
olhos verdes tristes, brilhantes, lindos.

Meu Deus, eu queria ter um filho com aqueles mesmos olhos


um dia.

Ela piscou algumas vezes, seu rosto muito próximo ao meu.


Sem pensar, deixei que meu corpo agisse por vontade própria
e me aproximei de sua boca, beijando-a apaixonadamente,
com calma.

Ela retribuiu, me puxando gentilmente para mais perto dela, e


quando me dei conta, já estava sentada em seu colo, sem
nenhum esforço.

Não era um beijo furioso ou desesperado. Era uma


demonstração de carinho simples, confortável, algo que
raramente acontecia conosco.

Era um momento no qual ambas nos permitíamos desfrutar


da companhia uma da outra sem compromisso, sem
exigências.

Era simplesmente um dos momentos mais perfeitos da minha


vida.

- Acredita em mim? - Perguntei, ainda contra sua boca.

- Acredito.

Ela beijou meu queixo, minha orelha e toda a extensão do


meu rosto. Tentou beijar meu pescoço, mas se enrolou com a
gola alta do meu suéter e, derrotada, bufou. Eu ri sem motivo.

- Eu amo o seu perfume. Sempre amei.

- Sempre? - Falei, olhando-a de forma a desafiá-la a lembrar


que eu usava aquele "perfume" havia muito tempo.

- Sempre. Desde o primeiro dia que senti.

Ela falava enquanto inspirava e expirava na pele do meu


rosto, em todos os lugares que conseguia alcançar.

Os arrepios que se formavam ali não tinham nada a ver com o


vento frio do jardim.
- Posso te perguntar uma coisa? - Falei, um pouco tímida. Eu
estava curiosa. Ela havia me deixado curiosa.

- Claro.

- Desde quando você gosta de mim?

A pergunta saiu baixa até mesmo para nossa mínima


distância. Ela não pareceu se abalar de forma alguma, e
continuou trilhando beijos suaves pela linha do meu queixo.

- Não sei...

- Você disse ontem pra sua família que foi no dia em que nos
encontramos na praça perto da sua casa...

- Não, aquilo foi invenção. - Ela falou calmamente, voltando à


minha boca e pontuando cada frase com um selinho - Eu
gostava de você antes daquilo. Só não estava ciente.

- E quando ficou ciente?

- Um pouco antes do seu aniversário.

- E quando admitiu?

- Quando fui embora.

Embora eu tivesse medo de lembrar desses detalhes com ela,


não estava triste. Talvez a crescente liberdade entre nós
estivesse deixando tudo mais confortável, pelo menos para
mim. E eu queria que ela estivesse confortável tanto quanto
eu.

Abracei-a pelo pescoço como costumava fazer e a beijei no


rosto. Ela sorriu um pouco triste.
- Mais alguma dúvida? - Ela perguntou, brincando com uma
mecha do meu cabelo.

- Na verdade, sim. - Respondi, me lembrando de repente de


uma coisa - Aquela citação no papel do buquê.

- Que citação?

- De Gandhi. Em lápis, no verso do papel com as flores.

- Hmmm... - Ela pareceu pensativa, tentando se lembrar -


Acho que aquilo fui eu bêbada. Eu costumo ser sincera
quando bebo. Acho que você já notou isso.

- Já.

- Pensei que tivesse apagado antes de entregar a você, mas


eu estava mesmo bêbada. Aquele era o meu dilema. Eu não
queria assumir, mas ao mesmo tempo queria que você
soubesse de alguma forma.

- Eu não tinha entendido. Mas resolvi guardar o papel pro caso


de você querer explicar algum dia.
- E já descobriu sua flor favorita?

- Você me fez gostar de Camélias. - Sorri.

- Se estivéssemos na primavera, você estaria rodeada delas


agora.

- Bom... - Comecei, um pouco sem graça - Talvez...

- Sim. - Ela me interrompeu - Você vai estar aqui na próxima


primavera.

- E qual vai ser a ocasião? - Perguntei sem muita curiosidade.

- Você vai ver. - Ela falou com um ar misterioso


propositalmente exagerado.
Então me perguntei como ela me traria assim, sem mais nem
menos, sem ter que largar suas obrigações. Diferente de mim,
Lauren tinha coisas para fazer.

- Você vem comigo, né? - Perguntei antes que pudesse


raciocinar e chegar à conclusão que aquela pergunta era
idiota.

Ela riu.

- Claro.

- Não vai atrapalhar as suas coisas na empresa?

- Não. Sem problemas. - Ela respondeu de forma simples,


sorrindo e me dando um outro selinho.
Aquele assunto me fez lembrar de algo que martelava na
minha cabeça havia algum tempo. Era um pedido de ajuda, e
por mais que não houvesse problema algum, eu me sentia um
pouco envergonhada em falar isso com ela.

- Hm... Eu queria te pedir uma coisa...

- Qualquer coisa.

- Qualquer coisa? Promete?

Ela hesitou por um momento, talvez considerando a


possibilidade de que eu pedisse algo completamente
esdrúxulo. Mas, por fim, consentiu.

- Diga.
- Eu queria a sua ajuda... Você é uma pessoa que
normalmente consegue as coisas que quer, certo?

- Normalmente... - Ela estava desconfiada.

- Eu só queria que você, sabe... Conseguisse uma coisa pra


mim.

Ela continuou em silêncio, esperando que eu explicasse.

- Não que eu esteja te usando, mas é que eu já tentei...

- Estou ouvindo.

Ela estava ficando um pouco tensa, e eu podia notar isso.


- É que eu queria que você me ajudasse... A conseguir um
emprego. - Me calei, mas como o silêncio parecia incômodo,
me apressei em falar outra vez - Eu sei que não sou
qualificada pra nada, mas não estou pedindo uma coisa muito
elaborada. Só queria trabalhar em alguma coisa, qualquer
coisa, pra ocupar o meu tempo e pra pagar pelo menos um
pouco das despesas que eu já dei...

Ela continuou me olhando calmamente, aparentemente mais


aliviada pelo simples fato de não estar mais sendo enrolada.
Mas ainda estava séria.

- Você sabe que não precisa trabalhar.

- Eu quero.

- Por quê?
- Já te disse... - Comecei, tentando parecer menos
envergonhada - Essa situação me deixa mal.

- Que situação?

- Você sabe qual situação. Eu não quero ganhar tanto como


você, nem sonho com isso. Meu salário pode ser o que você
costuma dar de gorjeta. Só quero ganhar alguma coisa. Não
quero ser um peso morto...

- Ainda se acha um peso morto? Depois de todo esse tempo?


Você escutou alguma palavra que eu te disse até hoje?

Apesar de contrariada, ela estava calma. Isso era bom.

- Eu sei... - Me aproximei de seu rosto, sem nenhum motivo


em particular - Eu só quero colaborar com alguma coisa
também. E sei que não precisa, mas eu me sentiria melhor.
Muito melhor. E não estaria te pedindo se conseguisse
sozinha.
Ela continuou me olhando, outra vez querendo que eu
continuasse sem que ela precisasse pedir.

- Você tentou?

Resolvi ser sincera e falar exatamente o que me veio à


cabeça, mesmo que aquilo parecesse inapropriado.

- Sim. Passei algum tempo tentando, mas não consegui. Aí dei


o azar de um cara se lembrar de mim... E eu surtei. Foi
quando você me achou.

Eu sabia que ela tinha entendido. Não que Lauren tivesse


demonstrado de alguma forma, mas eu simplesmente sabia.

Ela suspirou.
- Tudo bem. Não vai ser difícil.

Me senti debilmente vitoriosa.

- Eu já sei a resposta... - Ela começou, interrompendo minha


comemoração silenciosa - Mas não custa nada perguntar:
Você quer trabalhar na minha empresa?

- Não!

Eram vários os motivos para aquela resposta. Primeiro, eu


não queria ficar lá só por causa do meu relacionamento com
ela. Além disso, estava ciente de que não saberia fazer nada,
nem mesmo desempenhar um papel decente de secretária.
Dessa forma, não só eu estaria ali por ser a namorada inútil
da chefe, mas também ganharia um salário bom (eu tinha
certeza que ela se encarregaria disso) sem fazer
absolutamente nada de útil.

Além de tudo isso, quanto menos eu tivesse contato com


empresários, melhor. Não estava em uma posição tão
confortável para me dar ao luxo de correr riscos e arruinar
com a minha vida, que finalmente parecia começar a
melhorar.

E Lauren entendia todas essas razões.

- Imaginei.

- Qualquer coisa simples está bom. De verdade...

- Não se preocupe. Se você vai ficar feliz com isso, vai ser
feito do seu modo.

Suspirei outra vez, encostando nossas testas e nossos


narizes.

- Obrigada.
Ela sorriu, e então senti vontade de agarrá-la. Felizmente,
antes que acabássemos as duas dentro do chafariz gelado,
ouvimos uma voz ecoando ao longe pelo campo aberto. Era
Clara fazendo algum tipo de sinal para que voltássemos.

- Essa família me ama. - Ela concluiu, me tirando de seu colo e


nos colocando de pé, enquanto pegava os panos de cima da
mureta do chafariz.

E quem não ama? pensei, enquanto ajeitava


despreocupadamente meu sobretudo, apertando mais o nó na
altura da cintura para me manter aquecida.

Eu estava leve e feliz. Estava com ela, e começava a me dar


conta de que esse simples fato acabava sempre tornando
tudo muito melhor.

Levantei a cabeça outra vez e vi que Lauren me encarava


com uma expressão um pouco surpresa, um leve sorriso nos
lábios e uma alegria contida no olhar. Imediatamente entendi
o que tinha acontecido.
Eu havia pensado em voz alta.

Senti meu rosto corar violentamente, fervendo de vergonha.

- Ahm... Vamos? - Falei, tentando escapar daquele momento


constrangedor.

Mas era óbvio que ela não me deixaria escapar ilesa. Por isso,
segundos depois aceitei o fato de ser agarrada e tomada em
um beijo brutal, me deixando sem defesa, exatamente como
os beijos de cinema. Lauren finalmente me largou naquele
estado gelatinoso que eu costumava ficar quando ela parava
de me tocar.

- Linda.

- Certo. - Tossi, limpando a garganta e sorrindo de forma


idiota - Vamos...
Saí andando na frente. Ela riu com minha atitude
envergonhada, e logo me alcançou com suas passadas largas.
Sem dizer uma só palavra, entrelaçou seus dedos nos meus,
girando um pouco o anel com seu polegar. Meu rosto foi
esfriando e voltando ao normal a medida que nos
aproximávamos da casa.

O relógio agora marcava 08:30h da manhã.

- Nossa, amor. É o seu quinto pedaço de bolo.

- Se você quiser ter um filho gordo e saudável, me deixe


comer em paz.

Mais uma vez o assunto estava na gravidez de Taylor.


Chegamos à cozinha e a encontramos com Oliver ao seu lado
no café da manhã. Clara estava sentada na cabeceira da
mesa, observando a filha comer perto dela.

- Ora se não é a minha irmã desnaturada que finalmente vem


me ver antes que eu vá embora. - Taylor pontuou, ainda
comendo o pedaço do bolo em suas mãos, provocando
Lauren.

- Você vai embora hoje? - Ela perguntou um pouco espantada,


enquanto sentávamos nas cadeiras à frente dela e de Oliver.

- Vamos passar o dia de Natal com a família do Oliver como


sempre, cabeção.

- Mas pela quantidade de malas, pensei que ia ficar pelo


menos por uma semana dessa vez.

- Só aumentei a quantidade de malas pra aumentar as


opções.

Oliver olhou para nós com uma cara extremamente puta de


"sempre sobra pra mim."
- Vá se acostumando. - Disse Taylor em um tom de bronca ao
ver a expressão do marido - Meu guarda-roupa vai ficar ainda
maior com as roupas de grávida.

- Você já tem algum sintoma? - Perguntei, um pouco curiosa.

- Não muitos. Há uma semana atrás tive vontade de comer


quiabo com chantily, mas acho que foi só isso.

- Bacana! - Lauren exclamou, achando graça.

- Não foi bacana. - Oliver concluiu - Ela vomitou uma gosma


verde bebê na manhã seguinte.

- Uau! Grávidas não são o máximo? - Lauren falou de novo,


dessa vez gargalhando abertamente.
- Grávidas são uma bomba armada, irmã. - Chris entrou na
conversa, rompendo pela cozinha de robe preto, com Michael
atrás dele - De repente, boom! Sai uma coisa de dentro delas
chorando e esperneando.

- Essa "coisa" a qual você se refere é seu sobrinho, seu


troglodita insensível. - Taylor falou, não dando realmente
muita importância para Chris.

- Querido, vista uma roupa. Temos alguém novo na família. -


Clara falou, de forma gentil mas repreendedora.

- Ah, mãe, a Mila não vai ficar me olhando. Ela prefere uma
certa coisa albina.

Um pão de forma voou na cara de Chris.

- Lauren, não brinque com a comida.


- É, Lo. - Falou Taylor, calmamente - Taca o copo.

- Por que vocês gostam de tacar coisas? - Michael perguntou


de forma retórica.

- Bem vinda à loucura da minha família. - Clara falou ao meu


ouvido.

Sorri.

Não havia como negar que eu amava aquela loucura. Ria de


todos eles e da dinâmica maravilhosa que acontecia ali. Senti
uma pitada de inveja de Lauren por ter uma família tão linda,
e de repente a saudade dos meus pais me atingiu em cheio.

Perdi a concentração no que os Jauregui's diziam por um


momento. Não em lamentações, mas apenas no desejo de ter
Sinuhe e Alejandro ainda comigo, para que eu pudesse
apresentar Lauren a eles. Tinha certeza que se dariam bem.
Então me peguei imaginando se eu teria a conhecido caso
meus pais não tivessem falecido. No final das contas, foi por
isso que tomei aquele rumo, e foi dessa forma que ela entrou
na minha vida.

Eu não sabia a resposta para aquela pergunta.

Foi só quando o ambiente ficou estranhamente silencioso de


repente que despertei, vendo-os outra vez à minha frente.

Michael olhava com uma expressão satisfeita para Lo, e Chris


parecia orgulhoso com alguma coisa ou alguém. Clara estava
agindo discretamente, embora eu não entendesse do que
exatamente se tratava sua discrição, dobrando guardanapos
à sua frente e sorrindo um pouco abobalhada.

Oliver também lançava olhares estranhos para Lauren, e


Taylor, como sempre diferente dos outros, olhava
diretamente para mim, com um sorriso e um olhar
provocativos.
Eu havia perdido alguma coisa, mas não sabia o quê.

- Anel bonito, Mila.

As palavras da irmã caçula de Lauren tiveram o efeito que ela


certamente queria. Se fosse possível alguém morrer de
vergonha, meu cadáver já estaria frio. Deixei que minha mão
fosse parar embaixo da mesa, escondendo o foco da atenção
de todos ali.

Minha falta de atenção era quase um  "Lauren me deu uma


aliança! Olhem como brilha!." Eu estava prestes a responder
alguma coisa. Provavelmente algo como "Hmpf... É...Anh..."
mas graças a Deus fui interrompida por uma voz alta e grave.
Eu sequer sabia de onde ela tinha vindo, mas a obedeci
imediatamente.

- Saiam da minha cozinha! AGORA! Preciso cozinhar!

Não só eu, mas todos que estavam sentados pularam de suas


cadeiras com o susto. Só quando estava quase na porta que
notei que a ordem havia vindo de uma mulher gordinha e
idosa, provavelmente a cozinheira, alguém que constatei não
ter um dos melhores humores. Mas Clara ainda sorria ao seu
lado, então talvez ela fosse sempre daquela forma efusiva.

Deixamos que ela trabalhasse.

Fiz menção de ir para o quarto e passar o resto do dia


escondida ali - meu rosto ainda fervia de vergonha. Mas Lo
me arrastou para a sala de estar, agora vazia, e nos jogamos
no sofá de frente para a lareira acesa - ela sentada e eu
deitada em seu colo.

Ficamos em silêncio. A casa estava mais fria que a noite


anterior. Chris se juntou a nós um pouco depois, agora
vestindo roupas próprias para o inverno.

- Então, vocês ficam aqui até amanhã? - Ele perguntou, e pela


primeira vez o que ouvi saindo de sua boca não era uma
piada.
- Sim. Vamos embora às 13h amanhã. - Lauren respondeu,
mexendo de forma despreocupada nos meus cabelos, e eu
comecei a sentir sono outra vez.

Eles se calaram outra vez. Senti os dedos dela se moverem de


novo nos meus cabelos. Minhas pálpebras, a essa altura, já
pesavam algumas toneladas, e cada piscada parecia uma
eternidade. O fogo dançava calmamente diante dos meus
olhos, o calor da sala era reconfortante. Tudo ali estava me
embalando.

- Eu disse que tudo ia dar certo... - Ouvi a voz de Chris ao


longe. Ele parecia se divertir com alguma coisa.

- É. Eu deveria ter acreditado.

- Claro que deveria. Eu estou sempre certo.

A partir daí, optei por ignorar toda e qualquer conversa que


eles mantivessem, me permitindo retomar meu sono
interrompido daquela manhã.

***

Lauren me acordou quando o almoço foi servido. Briguei com


ela por não ter me acordado antes, para que eu pudesse ter
ajudado com a mesa. Ela me ignorou.

Clara mandou prepararem um prato leve especialmente para


mim por causa do mal estar matinal. Disse a ela que não
precisava ter se preocupado, mas ela também pareceu me
ignorar.

Comemos rápido, já que dali a uma hora Taylor e Oliver


estariam de partida.

Michael ainda fez mais algumas perguntas quanto à gravidez,


como a data prevista para o parto e quando e onde seria o
chá de bebê. Quando terminamos, ajudei a tirar a mesa,
embora parecesse ter uma empregada exclusivamente para
aquele trabalho. Lauren mais uma vez tentou me arrastar
dali, então a ameacei de morte caso não me deixasse fazer
aquilo. Ela concordou.

E então, mais rápido do que eu mesma queria, a hora de ver


Taylor e seu marido partirem chegou. Eu gostava deles,
embora não entendesse o timing das piadas de Oliver e as
esquisitices de Taylor. Mas simplesmente não havia como
desgostar deles.

- Ei, Mila... Estamos bem, não é?

Oliver se despediu de todos, aparentemente me deixando por


último de propósito.
- Claro. - Respondi, empregando um tom casual na voz.

- Espero que você não tenha mesmo me achado um babaca.


Aquela brincadeira, realmente não foi por mal...

- Tudo bem, eu entendo...

- Entende porque é legal. - Taylor interrompeu, olhando outra


vez de forma fuzilante para o marido - Se fosse comigo, eu
dava um chute no meio das pernas dele.

Oliver fez cara de dor e eu ri.

- Mila, adorei conhecer você. Se quiser passear pela França


algum dia desses, peça a Lauren o nosso endereço. Vou amar
te mostrar Paris.
- Vou ter isso em mente pra um possível surto de loucura. -
Falei, rindo da sua ideia absurda de um passeio em outro
país.

Taylor me deu um abraço apertado, mais apertado do que os


que eu estava acostumada a receber. Mas antes de se
afastar, ouvi sua voz suave como sinos no meu ouvido, e tive
certeza que só eu pude ouvir o que ela disse naquele
momento.

- Cuide dela.

Ela se afastou ainda me encarando, e então percebi que só


uma pessoa poderia me olhar de forma mais intensa e
misteriosa do que Lauren: Sua irmã.

E mesmo que ela fosse esquisita daquela forma, mesmo que


eu não entendesse metade das coisas que ela queria dizer
quando me olhava, minha intuição insistia em trabalhar na
ideia de que eu poderia confiar nela.
Me arrepiei.

A ligação entre nossos olhares foi cortada assim, de repente,


quando ela resolveu se desviar de mim e dar um último
abraço em Clara, Michael e Chris, um pouco à minha frente
nos degraus da escada.

- Au revoir! - Finalizou, se curvando de forma graciosa e


dando uma pirueta no lugar para sair saltitando feito uma
bailarina, sempre linda, para o taxi onde Lauren e Oliver
tentavam ajeitar as malas.

Pov Lauren

- Parabéns mais uma vez, cara. - Falei a Oliver, abraçando-o e


desejando-lhe uma boa viagem depois de deixar a mala no
taxi.
- Obrigado. Estou torcendo por uma menina, mas vamos ver. -
Ele disse, animado, mas então voltou a ficar com a expressão
um pouco séria quando repetiu as desculpas sobre a piada
que tinha feito e a forma como deixou Camz sem graça.
Tentei convencê-lo de que estava tudo bem, e então Taytay
chegou até nós.

- Amor, fala pro motorista deixar o taxímetro rodando. Vou


estar dentro do carro dentro de três minutos.

Quando Taylor falava daquela forma, nós entendíamos. Era


simples assim.

Então Oliver consentiu e entrou no taxi, fechando a porta e


nos deixando a sós para conversar.

Eu já esperava por aquilo.

- Estou feliz por você. - Ela começou, de forma gentil.


Eu agradeci.

Ficamos nos encarando por algum tempo.

- Você sabe que eu sei que tem alguma coisa. E sei que não
tem a ver com você propriamente, mas sim com ela.

Eu sabia. Taylor era estranha, sempre havia sido. Ela era


muito sensitiva.

Tinha puxado isso da nossa mãe, mas nela parecia acontecer


com mais força. Alguns amigos chamavam de telepatia,
outros mais espirituais diziam que era coisa de energia ou
algo assim. Fosse o que fosse, éramos sempre surpreendidos
com sua capacidade de simplesmente saber das coisas, e por
isso nunca conseguimos esconder nada, nem dela, nem da
nossa mãe.

Mas Taylor chegava a dar medo.


- E sei que é algo sério.

- Eu estranharia se você não soubesse.

Ela continuou me encarando. Se eu não soubesse que Taylor


de fato não podia ler meus pensamentos, letra por letra,
estaria agora desconfortável com o jeito que me olhava, em
pânico por pensar que meus segredos estariam sendo
revelados ali, diante de meus olhos, sem que eu pudesse
fazer nada.

Suspirei.

- Se vocês optaram por manter um segredo, não é da minha


conta. - Ela recomeçou, segurando minha mão - Mas só não é
da minha conta se você me prometer que, independente do
que for, sua felicidade não vai estar em risco.

Apertei suas mãos, querendo passar toda a firmeza e certeza


que eu sentia ao falar aquelas palavras. Mas não precisava:
Ela sabia que era verdade.
- Prometo a você que nunca estive tão feliz.

Ela sorriu. Era um sorriso de alívio, de conforto, de


cumplicidade. Era o sorriso que Taylor costumava dar quando
chegava à conclusão que, no final das contas, não havia nada
de errado.

- Você está bem. - Ela falou, com toda aquela sabedoria que
não era comum em irmãs caçulas - E se você está bem, então
não faz diferença.

Ela me abraçou e levantou a cabeça como uma criança que


pede por um beijo. Então dei um beijinho carinhoso nela,
abraçando-a com todo o amor que meu lado irmã guardava.

- Cuide-se. Quero um sobrinho rechonchudo e rosado pra


mimar. - Falei, já sentindo uma pontada de tristeza em deixá-
la ir.
- Quando ele começar a se sentir sozinho, vou exigir um
priminho. - Ela falou, saltitando até o carro enquanto sorria. -
Avise isso à Camilinha.

Taylor abriu a porta e sentou no banco de trás, mas antes de


fechá-la, pareceu lembrar de uma última coisa e colocou a
cabeça para fora de novo, apenas para dizer o que faltava.

- Ah: Realmente gostei dela.

Ela sorriu e bateu a porta do carro, que rumou para fora do


jardim logo em seguida. Ficamos todos seguindo o táxi com
os olhos, até que ele virasse na entrada e sumisse para a rua.
O portão automático fechou e eu caminhei de volta para as
escadas da casa. Meu pai abraçava carinhosamente minha
mãe, e Chris apenas olhava para o horizonte com as mãos
nos bolsos. Camila optou por ficar atrás deles, próxima à
porta, e parecia estar deslocada.

- EU VOU SER AVÓ! - Minha mãe gritou de repente, com as


mãos para o alto, assustando a todos que estavam ali. Só tive
tempo de ver Camila tremer da cabeça aos pés e começar a
rir depois. Não me contive, rindo também, e meu pai nos
seguiu.

- Componha-se, mulher! - Chris gritou, com a mão no peito,


mas também estava rindo.

O grito dela foi seguido por uma dancinha da vitória ridícula, e


então me dei conta de quem eu tinha puxado o jeito horrível
de dançar.

- Estou tão feliz! - Ela continuou, como uma menina de quinze


anos, e vi um pouco do jeito serelepe de Taytay nela
aflorando.

- Querida, seremos os avós mais jovens e atraentes da


Inglaterra. - Meu pai brincou, apertando sua bochecha.

- Isso é verdade. - Camila disse sem nem se dar conta, e notei


que ela tinha pensado em voz alta outra vez.

- Espero que seja um garotão. E espero que Oliver não o torne


um francês afrescalhado. - Chris falou de forma distraída.
- Querido, pare de criticar a sexualidade dos outros e arranje
uma namorada.

- Porra, mamãe! Eu tenho sentimentos!

Gargalhei da cara dele, que parecia realmente magoado. Ele


me deu um soco, mas eu não esperava menos. Nossa mãe já
não o escutava, saltitando para dentro de casa enquanto
gritava outra vez, deixando todos os empregados ali cientes
também, caso algum deles ainda não soubesse.

- VOU SER AVÓ! CHAMPAGNE!

Aquela tarde passou voando.

Passamos, meu pai, Chris e eu, uma boa parte dela discutindo
mais assuntos sobre as empresas. Me senti um pouco culpada
por deixar Camila sozinha, e rezava o tempo todo para que
minha mãe não estivesse em algum canto da casa de
conversa com ela sobre mais detalhes do seu passado. Assim
que um tópico do nosso assunto esfriava, eu pedia licença e
ia à sua procura.

Encontrei-a pela primeira vez e todas as cinco vezes


seguintes no mesmo lugar: Na sala de tv assistindo canais de
desenho. Minha mãe havia bebido em mais uma
comemoração pelo neto, e como não a achei em canto algum,
presumi que tivesse passado a tarde inteira dormindo.

Eu não gostava de ficar conversando horas sobre a empresa -


embora ultimamente pudesse dizer que desgostava menos -
mas a coisa se tornava realmente insuportável de aturar
quando competia com Camila em um sofá fofo e um edredom
quente embrulhado até os olhos, vendo Bob Esponja.

- Pai, já conversamos o suficiente. Vamos parar por aqui -


Chris falou de repente, enquanto nosso pai começava mais
um "Bom..." - Se Lauren sair dessa sala e voltar com cara de
criança com doce roubado mais uma vez eu acho que me
mato.
Não pensei que aquele argumento fosse funcionar, mas
funcionou. Saí da sala de estar e fui me juntar a ela ao
anoitecer, abrindo uma fenda no edredom e me embrulhando
com ela ali. Constatei que minha chegada a havia acordado
de outro cochilo.

- Fique acordada! - Falei sem motivo nenhum, apenas para


puxar assunto.

- É... Acho que não vou querer dormir essa noite.

Olhei-a com esperança de que aquilo tivesse sido uma


provocação ou alguma brincadeira que indicasse, de alguma
forma, que eu teria que passar a noite acordada com ela
também. Ou seja, sexo.

- Que foi? - Ela falou de forma doce, me encarando de volta e


se perguntando o porquê do meu sorriso depravado no rosto,
então notei que seu comentário havia sido mesmo inocente.
Merda.

Me aconcheguei mais a ela, encostando a cabeça em seu


ombro e enfiando meu rosto no pescoço dela como havia feito
tantas vezes. O perfume de amêndoas estava fraco, o que foi
bom para ajudar a me manter calma. Minha mão esquerda
correu embaixo da coberta, tateando e procurando a direita
dela. Girei com o dedo a aliança ali, voluntariamente, e não
sabia se aquela minha nova mania era porque eu queria ter
certeza de que o anel permanecia ali ou porque queria
lembrar a mim mesmo da sua simples existência.

Era uma lembrança do "sim" dela.

Ficamos ali por um bom tempo sem fazer nada além de olhar
para a tv. Ela parecia se divertir com piadas nas quais eu não
prestava atenção, porque sua risada baixa, rouca e
incrivelmente fofa era muito mais interessante do que
qualquer coisa naquele aposento. Me dei conta de que havia
me apaixonado completamente pelo som da gargalhada dela.

Fiquei prestando atenção cada vez que ela ria. Passei horas
me concentrando apenas nisso, até que em algum momento
Chris apareceu como uma assombração.

- Crianças, vou dormir.

- Chris, são 21h. - Falei, olhando para o relógio.

- Eu sei, mas estou um caco. Não consegui dormir direito essa


noite. E a culpa foi da sua namorada.

- O que eu fiz? - Ela perguntou, um pouco constrangida.

- Bom, não vou entrar em detalhes, mas as paredes dos


quartos não têm isolamento acústico. Ei, Lauren, tragam
umas placas de isopor ou caixas de ovos da próxima vez que
resolverem se divertir a duas portas de mim durante metade
da noite.

Camila se transformou em um tomate gigante ao meu lado.

- Christopher, não seja idiota. - Falei calmamente. Eu sabia


que ele não estava falando sério.
Ele gargalhou alto.

- Eu só estava tirando um sarro, mas agora tive a certeza de


que vocês transaram mesmo. Mila, você é um perigo!

- Alguém aqui tinha que transar, Einstein. - Provoquei.

- Você e a mamãe brincam com a minha solidão. - Ele fingiu


secar uma lágrima no canto do olho - Mas você eu posso
mandar ir tomar no cu.

Desviei da almofada que ele lançou em cima de mim. Quando


finalmente resolveu nos deixar a sós de novo, me voltei para
Camila.

- Desculpa. Só tem babaca na minha família.

- Não fale besteira. Sua família é maravilhosa.

Era verdade, e eu sabia disso. Mas se a brincadeira idiota de


Chris resultasse em falta de sexo aquela noite, ele acordaria
na manhã seguinte sem as mãos.

- Quer ver tv no quarto? - Perguntei de forma cínica, beijando


delicadamente sua orelha. - Lá ninguém vai encher o nosso
saco.

Pensei que me ignoraria, mas quando ela respondeu "tudo


bem," me coloquei de pé prontamente para ir embora dali.
Desliguei a tv sem prestar muita atenção e deixei que ela
fosse na frente, com os braços cruzados no peito para se
aquecer.

- Vão querer jantar? - Minha mãe perguntou quando nos


encontrou no hall.

- Não jantamos, mãe, obrigada. Vamos ver tv lá em cima.


- Bom, se tiverem fome de noite, tem muita coisa na
geladeira.

Chegamos no quarto que apresentava agora um inconfundível


perfume de limpeza. Tranquei a porta atrás de mim,
arquitetando planos para aquela noite. Na verdade, não eram
planos mirabolantes: No final, tudo se resumia a conseguir tê-
la mais uma vez.

- Vou tomar um banho. - Falei, esperando um pouco por sua


resposta. Mas ela só consentiu com a cabeça, sem dizer uma
palavra. Por isso, insisti com um sorriso culpado no rosto -
Quer me acompanhar?

- Não... - Ela riu, achando graça - Vai na frente. Eu vou depois.

Chris realmente me pagaria.

Peguei um conjunto de moletom na mala e caminhei um


pouco contrariada para o banheiro. Tomei um banho
caprichado. Usei o melhor shampoo que estava ali - pelo
menos o que eu achava melhor. Ensaboei três vezes, escovei
os dentes e passei um creme suave agradável. Pensei em
tirar a parte de cima do conjunto e ficar de top, mas a noite
estava realmente fria.

Entrei no quarto e a encontrei debaixo das cobertas, olhando


para o teto. Quando notou minha presença ali, se desfez
rapidamente do edredom enrolado em seu corpo e caminhou
para o banheiro depois de pegar alguma peça de roupa em
sua mala.

Liguei a tv e esperei pacientemente, passando pelos canais


de forma distraída. Aumentei o aquecedor do quarto,
pensando no desconforto que Camila sentiria ao sair de um
banho quente e se chocar com um ambiente frio demais.
Peguei um cobertor extra no armário e deixei ao pé da cama.

Voltei a sentar no meio dos travesseiros fofos, aumentando


cada vez mais a sequência de canais. Cheguei ao ponto dos
canais pornográficos, e me perguntei por que diabos minha
mãe ainda não os tinha bloqueado. Eu queria acreditar que
Chris não teria coragem de pedir para que ela os mantivesse
ali.

No próximo canal, um filme mostrava um convento. Algumas


freiras passeavam para lá e para cá, e a cena cortou para
algum diálogo entre uma delas e um padre. Eles falavam
muito sobre castigos divinos e tentação, mas a conversa não
fazia muito sentido.

Foi no exato momento em que Camila saiu do banheiro que a


freira na tv resolveu, de repente, mostrar os peitos.

Arregalei os olhos, me dando conta só então que aquilo


também era um filme pornô. Aparentemente, eu tinha pegado
o início da história.

Olhei para ela de forma inocente, com um sorriso amarelo e


idiota no rosto, falando qualquer merda para quebrar o
silêncio.

- Esses caras vão pro inferno, né?

Ela me encarou em tom de reprovação.

- Eu não sabia, juro por Deus. - Falei, com vontade de rir da


situação esdrúxula.

- Não fale de Deus enquanto vê um filme pornô com freiras.


Olhei outra vez pra tv e agora tinham três delas, nuas, se
esfregando no padre.

- Porra, como são rápidas...

Ela ficou em silêncio por pouco tempo, mas logo falou outra
vez.

- O padre é um gato...

- Ei! - Exclamei, indignada.

- Que foi?

- Eu estou bem aqui!

- E daí? - Ela falava com um sorriso cínico, fingindo


ingenuidade.

- E daí que não quero te ver olhando outras pessoas...

- Você estava aí olhando três mulheres.

- Não estava! Nem sabia que isso era pornô!

Ela revirou os olhos, tomando o controle da minha mão e


desligando a tv.

- Certo.

Ela não acreditava em mim, e em condições normais eu


lutaria pelo meu argumento, tentando convencê-la até a
morte da minha inocência. Mas eu não estava em condições
normais, primeiro porque tinha acabado de notar o que ela
vestia: minha camisa social, agora dela.

Segundo porque, em um segundo momento, reconheci um


frasco cor creme em uma de suas mãos.
- Você pode voltar a se divertir com seu filme pôrno depois -
Ela subiu na cama e sentou em seus calcanhares de costas
para mim - Mas antes, queria que passasse isso nas minhas
costas.

Camila estendeu o frasco para mim, dando um nó em forma


de coque em seus cabelos. Devagar - tão devagar que
chegava a ser a ser torturante - ela foi abrindo, um por um, os
botões da camisa, e tudo que consegui fazer foi ficar feito
uma estátua assistindo-a por trás.

Quando finalmente desceu a camisa até a altura de sua


cintura, mantendo as mangas vestidas, eu já ofegava como
uma asmática.

Ela esperou. Eu fiquei parada, sentindo meu pau latejar de


desejo, olhando para suas costas e seu pescoço ainda
marcado. Eu gostava quando ela usava coque.
Me dava uma visão privilegiada daquela área.

- Lo?

Corri de joelhos pelo colchão e parei atrás dela. Sem saber ao


certo o que estava fazendo, espremi um pouco do líquido
cremoso em uma das palmas e o espalhei em círculos com as
duas mãos por uma espalhei em círculos com as duas mãos
por uma mancha clara e grande.

- Fui eu que fiz isso? - Foi minha primeira tentativa de


interação desde que havia perdido a concentração.

Até que me sai bem.

- Deve ter sido o atrito com o chão. Ou com o azulejo do


banheiro. - Ouvi-a responder em uma voz baixa.
- Desculpa.

Ela não respondeu. Continuei espalhando o creme - não


porque ainda precisasse ser espalhado, mas sim porque eu
queria continuar tocando nela - tentando me acostumar com
o perfume que agora já tomava o quarto inteiro. Passei
minhas mãos de cima a baixo na parte de trás do seu tronco,
sentindo cada vértebra e cada músculo ali. Cheguei na altura
dos ombros e, com a ajuda do creme, fiz massagem naquela
área. Ela gemeu baixo, e meu pau se mexeu por conta
própria.

- Você faz massagem muito bem...

- Faço? - Perguntei retoricamente em seu ouvido.

A pele dela cheirava a sabonete de lavanda, seus cabelos a


shampoo de frutas. A mistura de perfumes nela sempre me
fazia ficar meia tonta, e talvez isso nunca mudasse, não
importava quantas vezes eu a teria daquela forma.

Voltei a deslizar minhas mãos para baixo em suas costas, mas


dessa vez as trouxe para a frente no corpo dela, acariciando
sua barriga com delicadeza.

Inconscientemente, beijei sua orelha e seu pescoço,


respirando por mais algum tempo ali. Puxei-a mais contra o
meu corpo, sem me preocupar com o fato de que ela sentiria
minha ereção. Camila tinha conhecimento do que fazia
comigo de qualquer forma.

Fiz uma trilha com a língua de um lado ao outro do pescoço


dela, e outra vez fiquei contente porque ela estava usando
um coque. Uma de minhas mãos subiu, apalpando com
delicadeza seu seio, sentindo-o duro de excitação. A outra
desceu, tocando-a onde eu mais queria. Sem pensar, deslizei
um dedo para dentro da boceta dela e me surpreendi com a
facilidade com que consegui fazer aquilo. Ela começou a
ofegar como eu, e lembrei que poucos sons eram tão
agradáveis quanto aquele.

Retirei meu dedo de dentro dela, trazendo-o até mim e


chupando-o, juntamente com um segundo. Ela soltou um
gemido abafado, claramente tentando não fazer barulho.

Deslizei os dois dedos molhados para dentro outra vez, ainda


sem dificuldades. Movimentei-os por algum tempo, mas
depois trouxe-os de novo até minha boca, chupando agora
três dedos e tentando logo em seguida deslizá-los para dentro
dela.

- Por que você vai aumentando às prestações? Por que não


mete uma coisa realmente grossa de uma só vez aqui?

Ela sussurrou no meu ouvido, e então resolvi não esperar nem


mais um segundo. Com uma das mãos, puxei sem cuidado
minhas calças apenas para tornar livre minha enorme ereção.
Com a outra, agarrei-a pela cintura e trouxe-a para cima do
meu colo.

- Grosso assim? - Perguntei de forma provocante, enquanto


empurrava e puxava seu corpo de encontro ao meu,
deslizando para dentro e para fora dela com uma facilidade
maravilhosa.

- É... - Ela ofegou - Grosso assim...

Agarrei-a com os dois braços e fiz com que ela pulasse contra
meu corpo de forma violenta. Senti a cabeça do meu pau
tocá-la até o final, mas como não ouvi reclamações, não
parei.

- Ahhh, isso... - Gemi sem notar.

Senti uma grande decepção quando ela se levantou de


repente, virando de frente para mim e falando próximo ao
meu rosto em um tom de voz bem baixo.

- Não quero dar chance pro seu irmão ouvir alguma coisa e vir
tirar sarro com a minha cara outra vez amanhã. Vamos fazer
isso baixo, tá?

- Ele não vai ouvir...

Ela segurou meu pau com uma das mãos e o guiou para sua
entrada, abaixando devagar até estar completamente
sentada e confortável ali outra vez.

Rolei os olhos para trás, contendo um gemido que queria


rasgar minha garganta.

- Viu só? Não é difícil. - Ela pontuou com a voz rouca,


embargada de desejo, lambendo de forma sensual meus
lábios e rebolando no meu pau de um jeito enlouquecedor.

- É difícil pra caralho...

Ela não respondeu, puxando de qualquer jeito o casaco que


eu vestia pela minha cabeça. Aproveitei pra chutar da melhor
maneira que podia as calças que permaneciam presas nas
minhas pernas, tomando cuidado para não sair de dentro
dela.

Abracei-a outra vez.


Camila era bem mais fina que eu, e eu tinha a impressão que
poderia quebrá-la a qualquer aperto mais forte. Mas ela se
movia com a agilidade nada própria para alguém que parecia
ser tão frágil.

Seus dedos agarraram os cabelos da minha nuca, como


sempre faziam. Procurei seus lábios de olhos fechados,
encontrando-os logo à minha frente. Beijei-a efusivamente,
sentindo-a por dentro quente e úmida tanto com a língua
quanto com meu pau. Me agarrei à barra da blusa aberta que
ela ainda vestia, fazendo um esforço sobre-humano para não
gemer alto.

- Porra, Camila...

- Shhhhh... - Ela interrompeu minha objeção, se afastando da


minha língua e indo para minha orelha, aos sussurros - É bom
que aprendemos a ter disciplina.

- Foda-se a disciplina! Só quero te comer direito...

- Você está me comendo direito, pode ter certeza.

Ela riu, de repente se jogando para trás e deitando na cama


com os braços acima da cabeça, seu corpo fazendo um arco
perfeito em um ângulo impressionante com o colchão. Nossos
corpos estavam em contato apenas pela penetração, e a
visão dela completamente aberta e entregue a mim era
simplesmente delirante.

- Puta que pariu...

Envolvi meus braços em sua cintura e me prendi a ela,


estocando com tanta força que achava impossível não estar
machucando-a. Sua respiração cansada saía entrecortada
pelo movimento dos nossos corpos. Eu a desejava de forma
doentia, psicopata, de um jeito que não era normal.

Me posicionei melhor, fazendo com que a cabeça do meu


membro alcançasse um ponto mais à esquerda nela, um
ponto que eu sabia ser especial.

Ela abriu a boca e revirou os olhos instantaneamente,


ofegando entre uma palavra sussurrada e outra.

- Sua. Filha. da. Puta.

Era óbvio que ela sabia que eu tinha feito aquilo por querer.
Conseguindo agarrar um dos travesseiros, Camila trouxe-o
até a altura de sua cabeça e o mordeu, deixando ali gemidos
abafados e roucos. Continuei tocando-a naquele ponto
propositalmente, agora mais rápido e com mais força. Minhas
coxas ficaram dormentes com o movimento repetitivo, mas
não diminuí o ritmo.

Queria desafiá-la a gozar sem gemer alto, jogando o feitiço


contra o próprio feiticeiro. Por isso, me senti debilmente feliz
quando seu orgasmo veio com uma força explosiva,
arrancando dela um genuíno grito de prazer. Sua boceta se
fechava e se abria em volta do meu membro em maravilhosos
espasmos, provocando uma sensação alucinante. Não era
difícil entender porque meus orgasmos sempre explodiam
naquele momento, já que meu estímulo vinha de seus
próprios movimentos involuntários.

- Ahhhh... - Gemi baixo, embora tivesse o direito de gritar


também, mas sabia que ela já estaria suficientemente puta
comigo sem aquilo. Dessa forma, meti nela uma última vez,
deixando minha porra escorrer por dentro dela como se
pertencesse ao seu corpo.

Respirei fundo algumas vezes, tentando recobrar o fôlego há


muito tempo perdido. Me curvei para frente, encostando
minha testa em sua barriga e depositando ali beijos suaves,
calmos. Fui subindo, percorrendo seu tronco lentamente,
chegando ao seu seio machucado e beijando-o gentilmente.
Senti sua mão migrar para meus cabelos outra vez e sorri.

Saí dela, esticando minhas pernas e deixando meu corpo


repousar por cima do seu. Recostei meu rosto em seu
pescoço e respirei, como se só ali pudesse encontrar meu
oxigênio particular.

- Você vai me pagar por isso. - Ela enfim falou.

Continuei calada como uma criança ciente da própria culpa.


Camila também não voltou a falar, mas seus dedos deslizando
pelos fios do meu cabelo me diziam que ela não estava
realmente falando sério.

Suspirei aliviada: Dependendo da vingança que ela tinha em


mente, eu poderia acabar realmente na merda. Simplesmente
porque eu sempre estive e sempre estaria em suas mãos.
Fechei os olhos.

O frio da noite se chocava contra as minhas costas, mas o


calor do corpo dela compensava. Alcancei sua mão direita
outra vez, unicamente para sentir meu anel ali. Girei-o
despreocupadamente, deixando que meu cérebro associasse
aquele toque ao perfume que invadia meus sentidos.
Depositei vários beijos na pele do seu pescoço, deixando que
o cansaço fosse me tomando aos poucos.
Adormeci.

Acordei apenas quando senti seu corpo tentando se


desvencilhar do meu. Agarrei-a instintivamente, ainda meio
desorientada.

- Banho. - Ela sussurrou no meu ouvido, então achei razoável


deixá-la ir. Esperei pacientemente que ela voltasse. Era inútil
tentar dormir sem ela ao meu lado: Simplesmente não
funcionava.

Quando ela voltou, senti outra vez o perfume de lavanda se


aproximar. Notei que estava deitada ao contrário na cama,
então me arrastei até ela, perto da cabeceira. Tentei
timidamente me aproximar dela com um dos braços
repousados em sua barriga. Ela cheirava a banho, eu a sexo.
Torci para que não me rejeitasse, com muito sono para me
dirigir ao banheiro outra vez. Ela virou de lado e se
aconchegou no meu peito, de costas para mim, enquanto
puxava meu braço para contornar sua cintura. Vibrei em
silêncio. Me agarrei a ela como um ímã e segundos depois
mergulhei na inconsciência outra vez.+

***

Capítulo 15

Pov Camila

Nossa viagem de Natal estava chegando ao fim. Lauren não


parava de se desculpar comigo, lamentando sobre a ausência
de diversão e farra. Eu tentei convencê-la de que aquela
havia sido a melhor viagem da minha vida, e embora ela
parecesse contente com minhas palavras, ainda teimava em
dizer que poderia ter sido muito mais interessante.

Eu duvidava.

- Odeio a parte em que todos vocês vão embora!

Clara estava obviamente triste, mas fazia questão de não


parecer uma mãe completamente dependente da presença
dos filhos. Ela era uma mulher forte, mas muito sentimental.
Michael permanecia imponente ao seu lado.

- Sempre acabamos voltando, mamãe. - Lauren tentou


confortá-la, dando um beijo carinhoso em sua bochecha.

- Mas demora tanto...

- Não se preocupe. Vou estar de volta na primavera.

- Jura? - Os olhos dela pareceram se iluminar com aquelas


palavras.

- Juro.

Clara continuou olhando para a filha, mas agora seu olhar


parecia um pouco enigmático. Vi, outra vez, um pouco de
Taylor ali, como se quisesse lê-la e saber de alguma coisa não
dita.

Ela olhou para mim, a quatro metros de distância das duas, e


imediatamente fingi estar distraída com o nó do meu
cachecol.

- Ahm... Vou deixar vocês mais à vontade. - Falei, já


caminhando para longe. Não pude ver a reação deles porque
não queria encará-los outra vez.
Depois de alcançar uma distância que julguei ser razoável,
olhei de volta para os três e vi que Clara a abraçava com
ternura e adoração, sem dizer uma única palavra.

Senti um amor crescente por Clara, simplesmente por saber


que ela também amava Lauren.

- Nós pensávamos que ela viria sozinha.

Me assustei, mas não tanto, com a voz grave de Chris ao meu


lado. Eu já estava me acostumando a ser pega de surpresa
por ele.

- É, eu sei. Gostaria que ela tivesse avisado.

- Acho que ela queria fazer uma surpresa, principalmente pra


mamãe. Queria mostrar que agora estava tudo bem.

Encarei-o por algum momento, mas ele pareceu não


perceber. Assim como eu há alguns segundos, parecia
distraído com as duas figuras que se abraçavam a alguma
distância de nós.

- Vocês a conheceram? - Perguntei, pensando em Beatrice.

- Infelizmente. Era uma piranha interesseira. Taylor nunca foi


com a cara dela, era uma pista pra cabeçuda da Lauren saber
que ela não prestava.

- Bom... - Comecei, voltando a encará-los - Ela era apaixonada


por ela, isso não seria motivo suficiente...

- É. Ela teve que colocar um par de chifres na cabeça dela pra


ela se ligar. E a verdade é que nós estaríamos pouco nos
fodendo se a Lauren estivesse pouco se fodendo. O problema
é que a vadia acabou com a vida dela.
Senti pena de Lauren outra vez. Não sabia em qual estado
aquela mulher a tinha deixado, mas se fosse levar em
consideração os testemunhos de pessoas à sua volta, ela
parecia mesmo ter estado perto de um suicídio.

- Vocês foram pros Estados Unidos quando ela ficou


deprimida?

- A estúpida nos proibiu. Disse que se aparecêssemos lá, ela


sumiria. Não quisemos arriscar, mas pedimos pra Ally ficar de
olho nela.

- Vocês a conhecem? - Perguntei, um pouco surpresa.

- Conheço Ally e toda a família dela desde que me entendo


por gente. Crescemos todos juntos nos Estados Unidos.
Sinceramente, sempre achei que no final Lauren acabaria
ficando com ela, mas pelo visto não era pra ser dessa forma.
Além do mais, ela é um pouco mais velha que Lauren..

Olhei para as mãos me sentindo um pouco intimidada em


imaginar Ally com Lauren.

- Elas já... estiveram juntas? Você sabe, na adolescência, ou


há muito tempo atrás?

Ele me olhou e suspirou, fazendo uma cara de quem possui a


informação mais valiosa do universo.

- Ok, vou te dizer. Mas você tem que me prometer que nunca,
nunca vai dizer pra ninguém que eu te contei. Certo?

Me senti subitamente nervosa, ignorando o frio e começando


a criar algumas gotas de suor nas têmporas.

- Pr... Prometo!
- Tudo bem... A verdade é a seguinte... - Ele demorava muito
entre um raciocínio e outro. Eu já olhava com desespero para
ele, implorando para que cuspisse logo toda a verdade - Ally e
Lauren compartilharam um amor tórrido e intenso...

Um amor tórrido? E intenso? Lauren com Ally?

- Mas... Mas ela me disse que...elas eram só amigas.

- Ah, sim, elas são só amigas. Agora. Mas quando se tem sete
anos, a vida é uma aventura.

Sete anos?

- Quê? - Perguntei, um pouco confusa.2

- HAHAHAHAHAHAHA!

Fiquei encarando-o como uma imbecil, tentando fazer com


que as palavras dele fizessem algum sentido dentro da minha
cabeça.

- Sua cara estava muito engraçada! - Ele falou, esmurrando o


ar enquanto se contorcia em uma gargalhada.

- Quer me explicar...

- A única coisa que Lauren teve com Ally foi um primeiro beijo
de fedelhas. Azar da Ally que tirou '"salada mista."É claro que
língua era uma coisa muito difícil para as duas, então elas
ficaram só no selinho mesmo. Hahahaha!

Salada mista? Fedelhas? Selinho?

- Nossa, Chris! - Gritei, dando um soco no braço do irmão dela


enquanto juntava os pedaços de informação - Eu estava
levando a sério!
- Ai! Seu soco é mais forte dos que os da Lauren. - Ele
pontuou sem parar de rir, esfregando o local socado com a
mão do outro braço. Eu ainda estava me recobrando do susto,
mas só então notei que havia batido em uma pessoa com a
qual eu não tinha muita intimidade. Além disso, corria o risco
do instinto maternal e protetor de Clara aflorar, fazendo com
que eu acabasse arrastada pelos cabelos por agredir
fisicamente seu filho.

- Desculpa.

- Tudo bem, eu mereci. - Ele falou, com seu constante bom


humor - Mas que a sua cara estava engraçada, isso estava.

Respirei aliviada por saber daquilo. Não que eu tivesse ciúmes


de Ally, mas... Bom, o pensamento das duas juntas era um
pouco angustiante.

- Mas agora, falando sério... - Ele começou, me tirando das


minhas divagações - Você está fazendo bem a ela. Dá pra ver
que está.

Aquilo não foi uma pergunta, então fiquei na dúvida se


deveria ou não responder alguma coisa. Optei por ficar
calada, então ele continuou em seu mais novo tom sério. Era
estranho ver Chris falando qualquer coisa que não remetesse
a alguma piada.

- Bom... Não sou bom nessas coisas, mas você sabe o que eu
quero dizer. Lauren é uma mulher muito legal. É legal até
demais. Não é porque sou irmão dela, mas você não vai
encontrar alguém bacana assim tão fácil.
Eu sabia. Chris não precisava sequer se esforçar para fazer
com que eu entendesse aquilo, simplesmente porque eu já
sabia o que ele queria dizer: Eu tinha sorte de ser dela.

- Ela é meio cabeça dura e babaca às vezes, mas isso é coisa


da sua própria natureza... No fim das contas, tudo que ela
quer é alguém pra cuidar, alguém com quem ela possa dividir
um pouco das merdas e das vitórias da vida dela. Lauren
sempre foi assim, e se alguma vez pareceu diferente disso é
porque estava perdida ou com medo.

Sorri. Por mais absurdas e sem sentido que as palavras dele


pudessem parecer, elas faziam um sentido assustador.
Entendi, naquele momento, que Chris talvez fosse a pessoa
daquela família que mais conhecia Lauren.

- Não estou aqui para machucá-la. Pelo contrário, quero curar


cada ferida que a Beatrice deixou nela. Acredite, você não faz
ideia de como sua irmã é importante pra mim.

Ele ficou em silêncio ponderando minhas palavras por algum


tempo, e talvez fosse falar alguma coisa, mas no momento
seguinte, fomos interrompidos.

- Chris, que tal arranjar uma namorada e devolver a minha? -


Lauren falou, já envolvendo um braço possessivo na minha
cintura e o deixando ali.

- Ah, merda, justo agora que ia jogar minha melhor cantada. -


Ele respondeu, fechando os olhos teatralmente como se
estivesse contrariado - Mila, fica pra próxima.

Fui abruptamente esmagada em um abraço de Clara, que


surgiu do nada dizendo coisas como "Volte logo," "Você será
sempre bem-vinda "e" "Obrigada por tudo." Deixei claro que
quem deveria agradecer pela recepção maravilhosa era eu, e
me desculpei mais uma vez por ter aparecido sem ser
convidada ou sequer anunciada. Michael pareceu até um
pouco irritado com minhas "desculpas esdrúxulas," mas no
final acabou me esmagando em um abraço de urso também,
o que aparentava ser típico de todos os Jauregui's.

Me senti subitamente triste por deixá-los. Não era como se


agora eu fizesse parte de uma família, mas me sentir aceita e
bem vinda naquela família em especial fazia com que o fato
de que eu tivesse que me despedir partisse meu coração.

- Nos vemos na próxima festa de família, cabeção. - Virei e vi


Chris e Lauren se abraçando. - Cuide-se, e veja se não vai
fazer nenhuma merda até lá.

- Pode deixar. Divirta-se com seu Dostoiévski e documentários


sobre física quântica.

- Mila... - Ele se virou para mim, segurando minhas mãos -


Persevere. Todos temos nossos karmas na vida. Lauren é
muito menos imbecil do que parece.

- Vou ter isso em mente. - Falei sorrindo enquanto o abraçava,


agradecendo em silêncio por Chris ter o bom senso de não
empregar tanta força no abraço que me dava e correr o risco
de quebrar minhas costelas. Fiquei nas pontas dos pés para
falar perto do seu ouvido - E não se preocupe. Vou cuidar
dela.

- Não estou preocupado. - Ele disse, sorrindo de volta e


afrouxando o abraço.
Eram 14:30h agora. O vôo, antes marcado para as 13h, teve
que ser adiado pelo telefone por causa do mau tempo, nos
dando mais alguns momentos em Londres.

Clara parecia radiante por ter mais um pouco da filha ali. O


taxi já nos esperava na entrada da casa, com a bagagem
devidamente arrumada no porta-malas.

- Temos que ir. - Lauren enfim falou, arrancando algumas


lágrimas emocionadas de sua mãe - Nos vemos ano que vem.

- Estaremos esperando. - Disse Michael, abraçando com


ternura sua mulher na tentativa de consolá-la. Eu não gostava
de vê-la chorando.

- Você vem?

Me assustei um pouco ao ouvir a voz de Lauren no meu


ouvido. Só então notei que estava plantada no chão, sem o
menor indício de que iria me mover. Eu não queria ir embora.
Além de ali ser o melhor lugar do mundo com as melhores
companhias do mundo, eu não queria tirar Lauren de Clara
outra vez. Era óbvio o mal que a saudade dos filhos fazia a
ela.

- Ah... Sim, claro. - Falei, um pouco contrariada. Segurei sua


mão em um ato impensado e caminhamos para o táxi no
portão de entrada.

Clara acenava efusivamente. Senti outra vez um aperto no


peito por estar partindo e levando Lauren junto comigo. A
sensação de que ali era o verdadeiro lugar onde ela deveria
ficar estava me esmagando aos poucos.
O motor foi ligado e Lauren acenou de volta pela janela
aberta do banco de trás.

- Promete que vamos voltar na primavera? - Perguntei, um


pouco angustiada com a despedida. Ela sorriu de forma
tranquila e feliz.

- Pode apostar.

O carro passou pelas grades e virou para a rua branca e


gelada. E de repente me peguei desejando que o "pesadelo''
de conhecer a família Jauregui não tivesse passado tão
rápido.

***

Chegamos em Los Angeles por volta das 18h, o que


correspondia às 2h da manhã em Londres. A viagem havia
sido silenciosa, principalmente porque eu dormi na maior
parte dela. Às vezes Lo me perguntava o que eu havia
realmente achado de lá, e não precisei falar muito para que
ela entendesse que aquele havia se tornado o meu lugar
favorito no mundo. Por causa de algum engarrafamento que
não me preocupei em saber o motivo, chegamos ao prédio
dela uma hora depois, às 19h. Embora não fosse tarde, o céu
já estava escuro.

- Obrigada, Austin. - Ouvi-a agradecer ao porteiro que trouxe


minha mala para cima.

Fiquei parada atrás dela, sorrindo debilmente para o homem.


Estava muito sonolenta para agradecer também.

- Tenham uma boa noite. - Ele falou sorrindo e se virou para


pegar o elevador. Lauren pegou as duas malas e caminhou
paro o corredor. A segui mecanicamente. Quando dei por
mim, estávamos no quarto dela.

- Minha mala fica no outro quarto. - Falei sem pensar - Pode


deixar que eu levo...

- Não - Ela me interrompeu, afastando minha mão - Você


dorme aqui, não faz sentido sua mala ficar lá.

- Mas sempre ficou...

- Mas sempre ficou errado. Vou separar o lado direito do


closet pra você. Podemos fazer isso juntas amanhã.

Eu não ia discutir. Se ela queria perder espaço no próprio


quarto, tudo bem.

- Vou tomar um banho rápido.

Assenti com a cabeça, ainda sonolenta, sentada na cama


macia. Ela entrou no banheiro e antes que eu dormisse ali,
sentada à sua espera, caminhei para o banheiro do outro
quarto - o que não podia ser mais chamado de meu - e tomei
um banho quente e rápido. 

Vesti meu conjunto de moletom dos Minions e voltei ao quarto


dela, que ainda não tinha saído. Ainda estava muito cedo,
mas mesmo assim eu queria dormir. A diferença de fuso
horário estava mexendo com meu relógio biológico, então me
sentia constantemente sonolenta. E o edredom macio era tão
convidativo...

Sem esperar por ela, me enfiei debaixo das cobertas fofas.


Suspirei ao me aquecer ali. O perfume dela estava
impregnado em cada tecido que havia naquela cama. Me
cobri até o pescoço e enfiei o rosto no travesseiro dela,
inspirando repetidamente como uma viciada. A porta foi
aberta e senti uma súbita alegria simplesmente por estar no
mesmo ambiente que ela.

Quando Lauren saiu, parecia ter esquecido alguma coisa.

As roupas.

Suspirei outra vez, olhando os mínimos detalhes de cada


centímetro de sua pele exposta. Ela secava com a toalha seus
cabelos úmidos, e parecia extremamente confortável em
aparecer daquela forma na minha frente. Era claro que àquela
altura eu já deveria ter me acostumado em vê-la nua, mas...
Bem, eu não estava.

- Devo fazer algum comentário quanto à ausência de roupas


em você? - Perguntei, trazendo o edredom até o rosto e
deixando apenas os olhos à mostra, ainda varrendo-a de cima
a baixo.

- Depende. Se for algo que vá me ridicularizar, não. Se for pra


me chamar de gostosa, então tudo bem. - Ela respondeu com
um sorriso cansado mas sincero, enquanto deixava a toalha
molhada embolada em uma cadeira próxima e se aproximava
de mim como um Jaguar se aproxima da presa.

- Hmmmmmpf... - Consegui dizer quando ela puxou o


edredom e se deitou em cima de mim.

- Eu costumo dormir assim. Achei que seria melhor deixar


esse hábito de lado até você se acostumar. Mas agora já deu
tempo, né?

- É... - Respondi desatenta, fazendo que não com a cabeça.


Ela riu da minha incoerência - Não está com frio?
- Estou. Quer me esquentar?

Não tive tempo de responder. Lauren me beijou calmamente,


mas com um fogo que era difícil conter. Suas mãos voaram
para minha barriga, por baixo do casaco de moletom. Senti
cada centímetro da minha pele arrepiar com o toque, e
instintivamente abri as pernas para que ela se acomodasse
entre elas. Seus dedos enrolaram o casaco até meu pescoço,
e foi só quando senti a falta da língua dela na minha que
entendi que estava agora nua da cintura para cima. Não
demorou muito até que minha calça fosse removida também,
e então tudo se resumia ao seu corpo cobrindo o meu, um
edredom macio nos envolvendo e os beijos dela. Fui virada de
repente na cama, ficando agora por cima dela, em seu colo.
Era possível já sentir a sua ereção contra a pele da minha
barriga, e eu me perguntava se ela poderia bater algum tipo
de recorde com a rapidez com que ficava excitada. Suas mãos
passeavam pelas minhas costas com gentileza, sem nenhuma
pressa, enquanto sua língua fazia um tipo de carinho na
minha. Respirei fundo o perfume do sabonete no rosto dela e
tive vontade de atacá-la, mas me contive. Senti seu braço
esquerdo se esticar por um momento, mas não abri os olhos.
Não ia interromper aquele momento só porque Lauren havia
resolvido fazer ginástica - toda vez que ela me beijava eu me
negava a prestar atenção em qualquer outra coisa. Quando
seu braço voltou para perto de seu corpo, senti a cabeça de
seu pau na minha entrada e, como se me pedisse permissão,
parou ali. Movi meu corpo devagar contra ela, fazendo-a
entrar em mim e me permitindo sentir cada centímetro que
me invadia.
- Você confia em mim, né? - Ela perguntou de repente ao pé
do meu ouvido, e então fiquei um pouco surpresa. Do que ela
estava falando?

- Confio. - Respondi, um pouco vacilante. Não porque não


confiava, mas porque não estava entendendo onde ela queria
chegar.

- Eu queria te mostrar uma coisa...1

Olhei nos olhos dela, tentando entender do que se tratava


aquilo.

- Tudo... bem...

Ela me encarou de volta, e então senti o toque suave do seu


indicador em uma parte do meu corpo que não estava
acostumada a ser tocada. Uma parte que havia sido tocada
uma única vez. À força.3

- Queria te mostrar que pode ser bom...5

Pulei de seu colo e me afastei imediatamente, quase caindo


ao ficar de pé fora da cama e encostar na parede oposta com
um lençol, cobrindo meu corpo exposto.

- Não! - Eu queria falar, mas acabei gritando. Fiquei parada,


encarando-a ainda na cama, sentada com o corpo apoiado em
seu antebraço. Ela me olhava com uma expressão
indecifrável. Tentei conter o susto, me acalmando para que
meu coração parasse de bater rápido. Ela havia me pegado
desprevenida. Ao seu lado, um tubo com algum tipo de
lubrificante e a gaveta do criado mudo aberta. Eu não estava
pronta para aquilo.
- Por que agiu assim? - Ela falou, em um tom muito sério.
Seus olhos estavam frios, ela me encarava como se estivesse
ofendida.7

- Eu não...

- Por que saiu correndo de mim? E por que está se cobrindo


como se eu fosse uma qualquer que não pudesse te ver
assim?

Ela estava puta. Inconfundivelmente puta. E eu não sabia o


que responder a ela. Não sabia o porquê de ter agido daquela
forma, fugindo dela como o diabo foge da cruz. Não sabia o
porquê de estar evitando que ela olhasse para mim nua,
como já havia feito tantas vezes. Não sabia o motivo de estar
tão nervosa e até um pouco receosa.

- Você não confia em mim. - Ela falou calmamente, mas em


um tom claramente irritado.1

- Eu só... Eu não estou pronta...

- Bastava dizer não e eu me afastaria. Bastava você negar e


eu não tocaria em um fio de cabelo seu.1

Eu sabia disso. Eu tinha certeza. Confiava nela, isso era


indiscutível. Então por que havia agido daquela forma? Como
se ela estivesse tentando me estuprar?

- Me desculpe... Eu... - Eu não sabia o que dizer, mas sabia


que tinha que me explicar de alguma forma - Eu só fiquei
nervosa... Mas eu confio em você! Só preciso de algum
tempo...

- Você tem o tempo que quiser. Mas não diga que confia em
mim.1
- Mas... Eu confio... - Falei, muito baixo. Ela não ouviu, se
levantando abruptamente e pegando uma boxer e uma calça
no armário perto da cama. Jogou o lubrificante dentro do
criado mudo outra vez e bateu a gaveta com força. Tremi com
o barulho.

- Me desc...

- Não peça desculpas. - Ela disse secamente, me


interrompendo - E pode voltar a respirar, não vou tocar em
você.5

Ela passou por mim, saindo do quarto e me deixando sozinha


ali, debilmente agarrada a um lençol. Meu corpo tremia, e eu
não sabia se era de nervoso ou de frio. Talvez um pouco dos
dois. Meu coração ainda estava acelerado.

Por que infernos eu agi daquela forma? Por que fugi dela? Eu
não precisava fugir dela, e sabia disso. Lauren era a pessoa
que eu mais amava e na qual eu mais confiava por isso,
minha atitude não tinha a menor explicação.  Fui até a cama
e vesti minhas roupas outra vez. Sentei, ainda me sentindo
culpada, e esperei até que ela voltasse. Mas isso não
aconteceu. Caminhei até a sala e a achei deitada no sofá
vendo tv. Algum filme qualquer. Me perguntei se ela havia me
visto ali, parada a alguma distância dela. Se viu, não fez nada
para me deixar ciente disso. Entendi então que ela não queria
ficar perto de mim, e me senti pior. Queria pedir desculpas
pela minha atitude, embora eu não tivesse feito por mal.
Queria dizê-la que confiava nela, e que em momento algum
tive medo de que ela passasse dos limites comigo. Mas ela
não parecia disposta a ouvir, e eu respeitaria isso.
Com o objetivo de devolver seu espaço, me retirei
silenciosamente, caminhando para o meu quarto e ficando
por lá pelo resto da noite.

***

Em situações normais, eu não conseguiria dormir sem Lauren


ao meu lado. Mas aquela não era uma situação normal,
simplesmente porque eu me sentia exausta.  Por isso, a
impressão que tinha era de que haviam passado apenas
alguns segundos desde o momento que fechei os olhos, e
então já havia amanhecido.

Olhei ao meu lado e constatei que ela não estava lá. Senti um
aperto no peito. Tomei coragem para me levantar e me
levantei. Depois da higiene matinal feita, me arrumei pelo
menos de forma a ficar apresentável, e então saí do quarto à
sua procura. Era domingo. Ela deveria estar em algum lugar,
mas eu não a encontrei. Fui até seu quarto, cozinha e sala.
Nada. Lauren parecia ter simplesmente desaparecido.
Procurei-a no resto da casa, na área da piscina, adega,
biblioteca e demais salas. Tudo isso para constatar o que já
sabia: Ela não estava ali.

Me senti mal. Não por estar sozinha, mas porque saber que
estávamos daquela forma me angustiava.

Eu odiava estar separada dela, fosse pela distância física ou


por qualquer barreira entre nós. Naquele momento, eu sabia
que Lauren estava me evitando porque ainda estava
magoada, e isso me fazia muito mal. Sentei na sala e esperei.
Uma hora ela teria que voltar de onde quer que estivesse.
Liguei a tv e busquei qualquer canal de desenho, pensando
nos vários possíveis lugares em que ela poderia estar. Será
que ia demorar? Será que não falaria direito comigo quando
chegasse? Será que ela estava sozinha? O tempo passou e eu
não notei.1

Quando o sono pelo tédio começou a me tomar, fui


despertada pelo barulho de chave na fechadura da porta da
sala. Me endireitei no sofá, um pouco tensa, pensando em
como agir. Queria pedir desculpas por tê-la feito pensar que
eu não confiava nela, mas não queria que minhas desculpas
parecessem forçadas ou falsas, como ela havia pensado na
noite anterior. Decidi ficar calada e falar apenas quando ela
me dirigisse a palavra. Lauren entrou com um conjunto azul
marinho e tênis, tudo próprio para corrida. Encarei-a um
pouco receosa, não desviando o olhar um minuto sequer.

- Bom dia. - Ela disse, em uma voz que eu ainda não


conseguia identificar como hostil ou apenas sem emoção.

- Bom dia. - Respondi baixo.

- Já tomou café da manhã?

Ela não parecia puta, mas também não estava feliz. Lauren
estava empregando uma certa formalidade na voz que me
incomodava.

- Quer que eu prepare alguma coisa?

- Não.

Ela assentiu.

- Bom, vou tomar banho então.

E assim, de forma simples e um pouco fria, se retirou para o


quarto e me deixou ali, eu no sofá e o Scooby Doo na tv.1
Pensei que não conseguiríamos manter aquela situação dessa
forma pelo resto do dia todo, mas me enganei. O máximo de
interação que tivemos foi quando pedi que ela me ajudasse
com a arrumação das minhas roupas no closet, lembrando de
suas palavras na noite anterior. Fiz isso propositalmente,
tentando retomar o ritmo entre nós duas. Ela me ajudou, mas
assim que pôde arranjou a desculpa de que tinha muitas
coisas do trabalho para fazer para o dia seguinte,
principalmente por ser fim de ano e tudo ter que ser resolvido
com urgência.

Ela não me tratou mal, mas também não fez questão alguma
de mostrar que sabia que eu estava ali. A forma como me
ignorava e fazia parecer que não estava acontecendo nada
entre nós me abalou. Pensei em tocar no assunto da noite
anterior, mas sabia que ela me interromperia e não
conversaria comigo. Talvez eu estivesse mal acostumada em
tê-la me mimando demais, e sentir um pouco da sua
indiferença era algo para o qual eu não estava preparada.

- Posso entrar? - Perguntei baixo, abrindo a porta do seu


quarto e esperando uma resposta dela.

- Pode.

Lauren estava sentada com as costas nos travesseiros da


cabeceira da cama e o laptop em seu colo. Já passavam das
22h.

Caminhei devagar até a cama, esperando que ela desviasse


os olhos da tela e olhasse para mim.

- Se incomoda se eu dormir aqui? - Perguntei. Não sabia


exatamente o que ela queria, mesmo porque não falava. Mas
embora ela continuasse fria comigo, não queria passar outra
noite longe dela.

- Claro que não. Essa é a sua cama.

Eu vestia um outro conjunto de moletom, esse escuro. A noite


estava fria, por isso corri para debaixo das cobertas e me
enrolei como um casulo no edredom preto. Lauren
permaneceu digitando no laptop, apenas se acostumando
com minha presença lá.

Virei de costas para ela e esperei. Pelo quê, eu não sabia. De


qualquer forma, nada aconteceu. Por isso, depois de algum
tempo, o sono finalmente chegou e eu adormeci, apenas para
acordar algumas horas depois, no meio da madrugada, e
senti-la dormindo agarrada a mim com força, como se eu
fosse seu ursinho de pelúcia a Nala em tamanho real.

Acordei também quando, às 6h da manhã, ela levantou para


ir trabalhar. Fingi continuar dormindo, mas a observava
passear pelo quarto de um lado ao outro, enquanto se
arrumava para a manhã gelada lá fora. Quando se aproximou
para se despedir, fechei os olhos e esperei. Senti-a beijar meu
pescoço com carinho e respirar por algum tempo em meus
cabelos. Senti vontade de abraçá-la, mas tinha a sensação de
que se o fizesse ela se afastaria. Então me mantive imóvel,
simplesmente por querê-la ali por mais alguns segundos.

Lauren finalmente me beijou outra vez e se levantou,


caminhando para fora do quarto e me deixando sozinha pelo
resto da segunda-feira.

***
Os três dias que se passaram - segunda, terça e quarta-feira -
se mostraram incrivelmente vazios. Minhas manhãs e tardes
eram solitárias, e quando Lauren chegava em casa - muito
mais tarde do que o normal - os diálogos eram tão discretos
que pareciam estar ali por pura educação. Ela não estava
sendo de forma alguma rude, mas estava tão distante que me
fazia mal. Tentando não ser egoísta, quis acreditar que seu
afastamento se dava porque, como ela mesmo havia dito e
mostrado, muitas pendências da empresa teriam que ser
fechadas até o final do ano. Isso provavelmente justificava o
fato de chegar em casa depois das 22h e, enquanto não
dormia, falar ao telefone com algumas pessoas diferentes
sobre contratos e outras coisas que eu não entendia.

Ainda assim, era impossível deixar de sentir sua falta. Não era
a falta de sexo que me incomodava, mas sim a falta de
qualquer tipo de interação entre nós. E eu tinha medo de
tomar alguma atitude quanto a isso simplesmente porque
tinha medo de ser rejeitada, mesmo que o motivo fosse o
trabalho.

Mas quarta-feira a noite, dia 30 de dezembro, o laptop havia


finalmente sido deixado de lado.

- Vou ficar sem camisas desse jeito.

Eu havia roubado mais uma de suas camisas sociais. Me


sentia à vontade com elas. A que eu vestia agora era
vermelho escuro, quase sangue. Eu assumia a culpa de estar
me apossando das coisas dela, mas ainda assim não deixei de
corar ao ouvir suas palavras. Talvez estivesse mesmo sendo
um pouco abusada, mas pelo menos teríamos algo pelo qual
discutir.
- Ah... - Ela se pronunciou, me vendo vermelha - Não estou
reclamando, de forma nenhuma. Foi só um comentário.

- Tudo bem. Eu deveria ter pedido antes de pegar...

- Não, eu não me importo. E essa ficou melhor em você do


que a outra.

Notei que ela me olhava de cima a baixo, avaliando cada


detalhe. Me senti feliz não por seus olhares indiscretos, mas
porque parecia que, pela primeira vez desde que voltamos de
Londres, ela estava realmente me vendo.

- Só porque você gosta de vermelho... - Falei calmamente,


indo sentar ao lado dela na cama e me cobrindo rapidamente
até os olhos para que o frio passasse.

- Não gosto de vermelho em geral. Gosto de vermelho em


você. Fica interessante contrastando com o tom da sua pele. -
Ela disse calmamente, agora me encarando nos olhos, já que
eram as únicas coisas que o edredom não cobria em mim.

Continuei encarando-a, desejando que ela estivesse mais


perto.

- Onde você costuma passar as viradas de ano? - Perguntei de


repente.

- Com Ally. Ela sempre dá uma festa na casa dela.

Assenti com a cabeça sem motivo, apenas para ter algo para
fazer.

- Quer ir pra outro lugar? - Ela me perguntou, tentando


entender meu silêncio.

- Não... Vão muitas pessoas?


- Só pessoas da família dela e amigos próximos. Ela evita
convidar gente babaca pra esse tipo de ocasião.

Sorri contra a coberta que envolvia meu rosto. Continuamos


nos encarando por algum tempo, sem dizer uma única
palavra. Queria saber no que ela estava pensando, queria
poder prever o que ela faria em seguida. Mas me mantive ali,
apenas desejando que ela fizesse alguma coisa.

- Quer ver tv? - Ela desviou seus olhos dos meus e se virou
para pegar o controle no criado mudo, ligando a televisão
logo em seguida.

Arranquei o controle de suas mão com raiva e desliguei outra


vez o aparelho.

- Por que está fazendo isso? Por que está me tratando assim
desde aquela noite? Você nem me toca!

Ela respirou fundo.

- Não quero forçar a barra.

Barra? Que barra? Que estupidez era aquela?

- Do que infernos você está falando?

- Quero tocar em você quando você estiver realmente à


vontade comigo. Quando realmente quiser que eu a toque.

Fiquei encarando-a com cara de que porra você tá dizendo?

- Você acha que eu não quero? - O tom de incredulidade


estava claro e límpido na minha voz, e provavelmente na
minha expressão também.

- Desculpa se passei dos limites sábado. - Ela falou, ignorando


minha pergunta - Não queria que você ficasse com medo...
- Eu não estava com medo! Só... Eu só não estou preparada...

- Eu sei. Você desenvolveu um trauma, e eu entendo. E


também sei que você me conheceu nas mesmas
circunstâncias que aquele filho da puta, mas... Eu nunca,
nunca faria nada...

Me desvencilhei do edredom que ainda me mantinha


embrulhada e, sem pensar, pulei no colo dela.

- Por favor... - Comecei, agarrando seu pescoço e encostando


minha testa na dela, prendendo seu olhar no meu
propositalmente - Acredite em mim: Eu NUNCA compararia
você a ele. É absurdo! Até colocar vocês dois na mesma frase
é absurdo. Você é a pessoa que eu mais confio no mundo. Sei
que nunca me faria mal por querer, e sei que sempre vai ser
assim. Vou querer que você me toque sempre, e nunca soube
o que era me sentir à vontade antes de estar com você. Não
existe um único lugar no mundo melhor do que os seus
braços, porque eu sei que estou segura quando você está
tomando conta de mim. Desculpa ter agido daquela forma, foi
involuntário. Mas, por favor, tire da cabeça que eu não confio
em você. Por favor.

Me calei e então notei que estava tremendo, tanto pelo frio


quanto pela carga de emoção. Lauren envolveu seus braços
quentes nas minhas costas e me puxou pra si, me aquecendo
imediatamente com um simples toque. Estremeci ao me dar
conta da falta que seu abraço fazia, e de como senti-la tão
próximo mexia com meu coração.

Beijei-a lentamente. Como de costume, meus dedos


agarraram involuntariamente os cabelos de sua nuca em um
desespero acumulado. Inconscientemente, puxei a barra do
casaco que ela vestia, na esperança de que houvesse outro
método de tirá-lo sem que tivéssemos que nos afastar.
Constatado o óbvio, cessei o beijo e puxei de qualquer jeito
seu casaco pelo pescoço, voltando a agarrá-la logo em
seguida e trabalhando agora na calça.

Fui virada abruptamente entre os lençóis e o edredom. Lauren


se posicionou de joelhos entre as minhas pernas, puxando de
qualquer jeito minha calcinha até tirá-la completamente de
mim e jogá-la em algum canto do quarto. Ela me olhou como
quem pede permissão para alguma coisa, e qualquer que
fosse a "coisa" em questão, eu permitiria.

Senti-a abrir botão por botão da camisa que eu usava.


Quando suas mãos acabaram, senti um frio congelante contra
meu peito exposto, mas meu desconforto foi resolvido logo
que ela se deitou sobre mim, aplicando beijos molhados e
apaixonados por toda a extensão do meu tronco, fazendo com
que cada centímetro da minha pele pegasse fogo.

Não consegui controlar os gemidos ao sentir sua língua


passeando por todos os lugares acessíveis, e suas mãos me
tocando em pontos estratégicos.

Quando seus beijos foram descendo, eu sabia onde iriam


parar, mas não fiz menção de impedi-la. Ao invés disso, abri
mais as pernas para que ela tivesse um melhor acesso ao
lugar que queria provar. 

Agarrei seus cabelos com força outra vez ao sentir a ponta de


sua língua brincar de forma torturante hora em minha
entrada, hora no meu clitóris. Fechei as pernas sem querer ao
senti-la me penetrar com a língua, mas Lauren abriu-as de
volta.
- Não me faça ter que te amarrar.

Um calor de ansiedade percorreu meu corpo com a ideia


então me assustei ao notar que eu adoraria ser amarrada por
ela e deixar meu corpo simplesmente entregue ao que quer
que ela tivesse em mente.

Revirei os olhos quando, outra vez, senti sua língua entrar em


mim, só para segundos depois sair e repetir o movimento. Um
gemido alto saiu da minha garganta sem que eu pudesse
controlar o volume. Ela me chupava com força, mas o que eu
sentia estava longe de ser dolorido ou desagradável.

Reunindo toda a força em meu ser, puxei-a pelos cabelos para


cima com uma mão, enquanto com a outra tentava
desesperadamente arrancar sua calça. 

Eu era simplesmente uma negação para despir pessoas,


principalmente quando estava louca de tesão.

Beijei-a furiosamente, como nunca tinha feito antes. Nossas


línguas não dançavam juntas - elas se agrediam, lutando pelo
território alheio. Senti minhas unhas, um pouco crescidas,
arranharem sua pele onde a barra da calça estava, e senti um
mórbido prazer em machucá-la daquela forma, marcando-a
como minha. Suas calças finalmente foram, por algum
milagre, jogadas para algum canto, e então notei que meus
dedos já não pareciam ter cuidado algum com Lauren,
puxando seus cabelos de um jeito agressivo, apertando e
beliscando sua pele nos lugares mais ela não sentisse dor.
Como resposta, ela pareceu também deixar de lado a cautela
que costumava ter comigo, me apertando com tanta força
que machucava. Quando dei por mim, estava sentada no colo
dela. Não pensei duas vezes, e no segundo seguinte sentei
em seu membro com tanta força que senti o colo do meu
útero ser tocado pela cabeça do pau dela. Ela gemeu um som
gutural, apertando minhas coxas com uma força absurda.
Lauren estava agora me machucando de verdade, mas eu não
conseguia sentir desconforto - a dor parecia ser afrodisíaca.
Nossos corpos se moveram juntos de forma agressiva mas
ritmada. Suas investidas eram incrivelmente violentas,
principalmente porque, ao mesmo tempo que ela se enfiava
dentro de mim, eu me forçava contra ela, chocando nossos
corpos sem o mínimo medo. Meus lábios já ardiam pelas
mordidas, meu couro cabeludo dolorido pelos vários fios de
cabelo agressivamente puxados.

Aquilo era sexo selvagem. Violento, agressivo e delicioso. Me


surpreendi com o tempo que aguentamos evitando o clímax.
Com a intensidade do ato e a pequena abstinência de alguns
dias, era de se imaginar que qualquer coisa fosse o suficiente
para nos tirar o controle, mas felizmente isso não aconteceu.
Gozei dois segundos depois dela, e talvez a simples imagem
que se formou na minha cabeça do gozo quente escorrendo
por dentro de mim como leite tivesse sido o suficiente para
puxar o gatilho e fazer com que eu perdesse a consciência no
que achava ser, até então, o melhor orgasmo da minha vida.
Ela não ousou se mexer. Eu nem podia, porque sustentava o
peso do corpo dela sobre o meu. Embora ela fosse um pouco
pesada, isso não incomodava. Meu corpo parecia
estranhamente anestesiado, mas ao mesmo tempo começava
a ter consciência das dores e machucados daquela noite.
Deixei que cada sensação de formigamento e dor chegassem
lentamente a cada músculo e as aceitei, me castigando pela
falta de controle e rebeldia. Tudo bem, não era um castigo
assim tão ruim se fosse levado em conta tudo o que aquela
noite foi.

Ela adormeceu exausta algum tempo depois, agarrada ao


meu corpo, sem sequer se retirar de dentro de mim. Não me
incomodei, e a abracei tão forte quanto as dores musculares
me permitiam. Dei graças a Deus pelo edredom de malha
grossa ser suficiente para que o frio do inverno não nos
atingisse, e me deixando relaxar também, caí no sono.

***

- Argh...

- Está tudo bem.

- Arghhh!

- Lo, respire.

Minha cintura estava decorada em sua totalidade por


manchas roxas e algumas esverdeadas. A parte superior das
minhas coxas, perto da virilha, estava muito dolorida e com
manchas verdes nas laterais. Meus antebraços tinham alguns
arranhões e pude ver claramente uma trilha de chupões que
ia do meu umbigo até meu seio esquerdo.

- Pelo menos não tem nada no meu pesc...

- Aaaarrgh...

- Quer parar de gemer? Eu estou bem!

- Não está nada bem! Você parece ter sido espancada! Não
vou mais tocar em você...

Levantei uma sobrancelha encarando-a pelo reflexo do


espelho enorme do closet, desafiando-a a prometer aquilo.
- Pelo menos até essas manchas sumirem... - Ela se corrigiu
rapidamente.

- Sabe quanto tempo mais ou menos elas demoram a


desaparecer? Duas semanas.

- Merda!

Lo estava brava porque sabia que meus hematomas eram


culpa dela. Mas eu achava que talvez já estivesse na hora de
superarmos isso, porque era um problema que sempre
existiria: Toda vez que ela me tocasse intimamente eu
acabaria toda marcada.

- Você está preocupada comigo porque ainda não viu suas


costas.

Ela se virou de costas para o espelho, olhando para trás para


ver o reflexo da parte de trás do seu tronco.

- Uau... Parece que uma gatinha amolou as unhas em mim...

E parecia mesmo. Alguns arranhões eram apenas pele


empolada, mas outros eram cortes visíveis e vermelhos que
rasgavam suas costas da altura dos ombros até a lombar. Ela
abaixou um pouco a barra da calça que vestia apenas para se
certificar de que os arranhões não paravam por ali, mas
continuavam em um caminho muito mais abaixo.

- Viu só? Não sou tão indefesa. - Falei sorrindo, mas um pouco
culpada também - Não ardeu no banho?

- Um pouco, mas não dei atenção.

- Temos que passar algum remédio aí...

-Não precisa, as roupas cobrem.


Bem, isso dava a ela uma pequena vantagem sobre mim.
Seria difícil achar alguma coisa própria para uma festa de
Reveillon e que cobrisse todos os hematomas que
contrastavam fortemente com a minha pele. Aliás, eu não
lembrava sequer se tinha alguma roupa clara para vestir.

- Acho que dei sorte... - Ela disse, saindo do closet e indo para
o quarto, me deixando na frente do espelho sozinha por
algum tempo. Voltou alguns segundos depois, me entregando
um embrulho. Encarei-a irritada, esperando uma explicação.

- Que foi? Você precisava de um vestido pro Reveillon...

- Eu duvido que não tenha nada que possa ser vestido no


meio daquela tonelada de roupas que você comprou pra mim.

- Mas essa é uma ocasião especial, então eu tive que comprar


à parte. Abra.

Continuei encarando-a apenas para deixar claro meu


descontentamento. Não queria ser mal educada, mas também
queria que ela parasse de fazer aquilo. Desdobrei o embrulho
e surgiu entre meus dedos um vestido branco de mangas até
os pulsos, embora o vestido tivesse uma fenda na perna e
fosse um pouco justo, dava para cobrir os hematomas
especialmente roxos nas minhas pernas. O vestido era
lindíssimo.

- É lindo. Obrigada.

- De nada. Acho que cobre toda a merda que eu fiz ontem em


você.

Ignorei seu comentário idiota, colocando o vestido na frente


do meu corpo e me olhando no espelho, imaginando como ele
ficaria em mim. Como acordamos ambas às 11h da manhã,
tivemos que almoçar mais tarde do que de costume. Lauren
preparou alguma coisa recheada com queijo e ervas finas
para o almoço, e embora eu não soubesse exatamente o que
era, não podia deixar de que estava maravilhoso. Às 17h,
assim que acabamos de almoçar, a campainha tocou, nos
dando um leve susto enquanto eu lavava a louça e Lauren
tentava me tirar à força da pia.

- Acho que é pra você... - Ela falou olhando no relógio e indo


atender a porta. Fiquei um pouco confusa, não vendo como
qualquer visita que ela recebesse poderia ser para mim. A
pessoa misteriosa falou alguma coisa e ela respondeu. Não
entendi o que foi dito, mas consegui identificar uma voz de
mulher. Segundos depois ambas entraram na cozinha
enquanto eu secava as mãos em um pano de prato próximo.
Lauren vinha na frente, seguida de uma moça negra muito
bonita, alta e com um corpo de tirar o fôlego, tinha os cabelos
longos enrolados nas pontas, usava um moletom preto e
carregava uma bolsa grande nas mãos.1

- Olá, meu bem. Eu me chamo Normani. - Ela disse,


avançando para mim e me dando dois beijos em cada lado do
rosto, enquanto mostrava um sorriso largo e sincero - Que
bom, acho que não vou ter quase trabalho nenhum com você.

- Oi... Mila, prazer. - Respondi mecanicamente, olhando para


Lauren com uma interrogação na testa.

- Pensei que você fosse querer se arrumar pra festa de virada


de ano, então chamei ela.

- Vou te deixar ainda mais linda, Mila. - Ela disse, piscando


para mim. - Acho que seu cabelo deve ir solto mesmo, vou
fazer ele cacheado, nada mais a acrescentar. Uma
maquiagem e esmalte claros e você vai estar pronta pra
conquistar o mundo hoje à noite.

- Ah, sim... - Comecei, sem saber o que dizer. Os gastos de


Lauren comigo continuavam crescendo, e isso continuava me
incomodando - É, tudo claro, por favor. Nada de coisas muito
escuras...

- Claro, linda. Vou só dar uma iluminada no seu olhar, e a gata


ali vai ter trabalho com os gaviões de plantão. - Ela finalizou,
apontando para Lauren e piscando para mim outra vez.

- Ei! - Ela respondeu, fazendo uma careta para o comentário


de Normani - Não é esse o objetivo!

Ela me puxou pela mão, nos levando para fora da cozinha,


enquanto ria da reação dela.

- Ela é minha o resto da tarde, Lauren.

***

Normani falava muito. Devia fazer parte do seu trabalho falar


sobre besteiras com clientes, mas como eu gostava de ouvir,
não me incomodei. Em duas horas, ela havia contado tanto da
sua vida que talvez eu pudesse dizer que a conhecia melhor
do que qualquer pessoa no mundo. Minhas unhas já estavam
feitas em um esmalte claro e discreto, combinando com o
pouco comprimento delas. Meu cabelo já havia sido
minimamente produzido depois do banho, apenas penteado
para dar um melhor volume. A maquiagem recém terminada
foi, como prometido, apenas o suficiente para iluminar meus
olhos e torná-los um pouco mais fortes. Uma mistura bem
dosada de sombras prateada e bege dava o toque final que
combinava com o que eu vestiria aquela noite: Vestido branco
e um par de saltos prata. O delineador e rímel tornavam meu
olhar mais sedutor mas ainda discreto. O blush dava uma
coloração muito suave ao meu rosto, e o batom, também
muito suave, dava apenas um pouco mais de cor aos meus
lábios. Estávamos trancadas no quarto de hóspedes, já que
Normani se irritava com "interrupções no seu trabalho."

- Pode me ajudar com o vestido? Não quero estragar as


unhas.

- Claro, querida.

Sem pensar, desabotoei a blusa e chutei a calça para longe,


ficando apenas de calcinha e sutiã. Imediatamente, lembrei
de um detalhe importante, mas então já era tarde. Me virei
para encará-la e, como imaginava, a encontrei me olhando
como se eu estivesse sangrando por cada buraco do meu
corpo.

- Você... Está bem? - Ela perguntou, assustada e séria,


percorrendo com os olhos meus vários hematomas.

- Estou, isso não é nada. - Falei, tentando tranquilizá-la.

- Ela... Foi ela quem fez isso em você? - Ela perguntou,


apontando para a porta se referindo a Lauren.

Ah, merda! Como eu ia explicar aquela situação?

- Foi, mas... Não é o que você está pensando. Nós... tivemos


uma reconciliação ontem à noite...

Ela parou de encarar meus machucados e me olhou nos


olhos. De repente, sorriu de forma maliciosa, entendendo aos
poucos o que eu estava querendo explicar.
- Isso foi sexo?

Senti meu rosto ferver mais uma vez.

- Foi...

Normani gargalhou.

- A noite deve ter sido uma delícia, hein?1

Não respondi, mas minha tonalidade vermelho-tomate


respondeu por mim.

- Vocês ainda estão vivas aí dentro?

Me assustei com o berro de Lauren do outro lado da porta.

- Paciência é uma virtude! - Normani gritou de volta.

- Devolva minha namorada!

Ela me ajudou a passar o creme para os machucados e depois


me ajudou com a roupa, passando com cuidado as partes
mais justas do vestido pelo meu corpo. Calcei meus sapatos
altos prateados e dei uma última olhada no espelho. Eu
estava realmente linda.

- Não é por nada não, mas eu mando muito bem. - Ela falou
atrás de mim, olhando para o meu reflexo e piscando. Sorri de
seu comentário, agradecendo o quase-elogio. Quando
abrimos a porta, levamos outra vez um susto ao dar de cara
com Lauren apoiada na parede com cara de cachorro
abandonado. Ela vestia uma calça branca soltinha e uma
blusa aberta em formato de X que mostrava sua barriga, mas
atrás a blusa era fechada então cobria suas costas
arranhadas. Aparentemente, a ansiedade em me ver não a
deixou terminar de se arrumar. Ela me encarou com os olhos
muito abertos, sem dizer uma única palavra, e ficou assim
durante algum tempo. Me perguntei se ela poderia estar
dormindo e ter esquecido de fechar os olhos.

- E então? - Normani quebrou o silêncio - Valeu a pena a


espera, sra. Impaciência?

Ela continuou me encarando, como se ninguém tivesse dito


nada. Então comecei a considerar a possibilidade de que
talvez ela não estivesse muito contente com a minha
aparência.

- Você está perfeita. - Ela me interrompeu, ainda me olhando


de cima a baixo. Não senti vergonha por um único motivo: os
olhares dela não eram indiscretos ou inapropriados. Ela
estava apenas me admirando, de forma verdadeira e até
inocente.

- Obrigada. - Sorri.

- Casal... - Normani interrompeu nosso flerte - Tenho que ir,


me preparar pro meu Reveillon.

E então me dei conta de que eram 19h da noite do último dia


do ano, e que provavelmente não havia
cabeleireiras/maquiadores/manicures disponíveis a essa
altura do campeonato. Isso deveria significar que ela tinha
que ser muito bem paga para estar ali até aquela hora.

- Normani... - Comecei - Você pode me dizer quant...

- Não, ela não pode. - Lauren me interrompeu outra vez,


virando-se para ela e entregando-lhe o cheque que trazia nas
mãos - Obrigada, acho que isso cobre o  seu trabalho. Ela leu
o valor e tentou ser discreta, mas consegui notar que seus
olhos se esbugalharam um pouco.

- Cobre três trabalhos meus.

Olhei para Lauren de forma assassina.

- Então, boa virada de ano pra você e sua família. - Ela


concluiu, apertando sua mão de maneira educada e
ignorando meu olhar fuzilante.

- Ah, pra vocês também. - Ela respondeu, com um sorriso


radiante no rosto - Mas pega leve na comemoração depois,
meu bem. A sua namorada tem a pele muito sensível.1

Abaixei a cabeça, me amaldiçoando por não conseguir parar


de sentir tanta vergonha.

- É, eu sei. - Foi a única coisa que Lauren respondeu. Depois


de levá-la até a saída, ela voltou ao quarto de hóspedes, onde
eu procurava algum perfume para usar aquela noite. Pensei
que quisesse dizer alguma coisa, mas tudo o que fez foi ficar
me encarando da porta, ainda sem se maquiar e sem os
sapatos.

- Eu já te pedi algumas vezes... - Comecei.

- Eu sei.

Encarei-a tentando buscar as palavras certas para impedir


que aquela discussão se tornasse mais uma vez cíclica,
fazendo com que não chegássemos a lugar algum.

- Eu vou te ajudar a conseguir um emprego. Você vai poder


gastar tudo que ganhar comigo, se quiser se vingar. Mas, por
favor, me deixe cuidar de você do meu jeito. É só isso que
estou pedindo.
Eu não sabia quantas vezes mais discutiria sobre gastos com
ela. Mas independente do número, tinha certeza que nunca
concordaríamos. Não por achar que o que ela fazia era
absurdo - não era, e não havia problemas naquilo. Meus pais
viveram daquele jeito, os pais dela viviam daquele jeito, e
muitos casais do mundo sabiam lidar com aquilo - mas o fato
era que ao mesmo tempo que eu não me sentia bem, ela
adorava fazer aquilo.

Não era dos presentes que eu não gostava - porque eu


gostava de todos - mas sim da situação de receber tudo e não
poder dar o equivalente em troca.

Suspirei.

- Só por favor me diga que você acabou de gastar um valor de


menos de quatro dígitos.

- Ah, sim. Foram menos de quatro dígitos. Um pouco menos,


mas...

Gemi alto.

- Vá terminar de se arrumar. - Falei, colocando um ponto final


no assunto, pelo menos momentaneamente, e querendo
esquecer daquilo.

Quando Lauren finalmente estava pronta, pude analisar seu


conjunto completo. Ela calçava um salto branco, e os cabelos
como sempre rebeldes terminavam de dar um ar
incrivelmente despojado. A maquiagem como sempre,
simples, realçando seus lindos olhos verdes.

- Estou bonita? - Ela perguntou de bom humor, dando uma


volta completa para que eu pudesse vê-la de cada ângulo.
Suspirei. Eu suspirava muito quando ela estava por perto.

- Sempre. - Respondi, observando-a melhor de frente.

Aquela noite, ela conseguia estar mais bonita do que qualquer


dia em que eu já tinha a visto. Por isso, preparando as últimas
coisas para irmos embora, eu me pegava admirando-a sem
motivo, apenas para olhá-la e lembrar a mim mesma de que
ela era minha. Mas se minha indiscrição era visível, não era
comparável à indiscrição de Lauren, que parecia entrar em
algum estado de autismo toda vez que olhava para mim.

Em um desses momentos, o celular dela tocou dentro de sua


bolsa.

- Alô?

- Onde vocês estão, cacete?1

Ally falava tão alto, tentando sobrepor sua voz à bagunça do


ambiente onde estava, que eu podia escutar até a alguns
metros de distância de Lauren.

- Estamos indo! - Ela respondeu, desligando logo em seguida.


Lauren correu até a adega, escolhendo algum vinho e
trazendo a garrafa consigo, provavelmente para levar à festa.
Eu fui atrás da minha bolsa e do meu sobretudo cinza escuro,
e quando cheguei na sala outra vez ela já segurava a porta
para mim, vestindo seu próprio sobretudo preto e me
encarando daquele jeito apaixonado. Sem dizer nada, a segui
até a garagem e relaxei na viagem para a virada de ano,
aliviada por ter sido incluída na pergunta de Ally - o que
queria dizer que, dessa vez, eu não apareceria de surpresa
como uma penetra de festa.
***1

- Até que enfim!

Ally nos atendeu com uma taça de vinho na mão, o que achei
ser o motivo de vê-la mais sorridente nessa ocasião do que na
última em que estivemos juntas.

Lauren entrou primeiro, dando um beijo e um abraço nela,


enquanto entregava o vinho trazido e pedia desculpas pelo
atraso. Ela pareceu não se importar. Quando me viu, não
mudou em nada sua expressão simpática, indo me dar dois
beijos de boas-vindas.

- A Lo conhece a casa, ela mostra o resto pra você. Mas essa


é a minha sala.

Tive tempo de dar uma olhada rápida em volta. O


apartamento era muito grande - muito maior do que o que
uma secretária poderia manter. O lugar estava cheio de gente
que conversava de forma descontraída e ria de piadas soltas.

Um grupo de caras gritou alguma coisa ao ver Lauren, o que


pensei ser também um urro de "olá." Ela não se mexeu, mas
sorriu de forma sincera de volta, e então me perguntei se o
motivo de ter ficado imóvel era porque eu estava agarrando
sua blusa por trás.

- Como vai, Lauren? - Um deles disse, se aproximando e


cumprimentando-a com alegria.

- Tudo bem, Marcel. E com você?

- Bem, como sempre.

O homem era negro. Ele tinha as feições incrivelmente fortes,


mas muitíssimo belas. Seus lábios eram cheios e
perfeitamente desenhados, as sobrancelhas muito escuras,
cabelo muito rente à cabeça e olhos castanhos. Ele alto, e era
possível ver que também era forte através do casaco branco
justo que vestia. Seu sorriso era belíssimo.

- Essa é Camila. Camz, esse é Marcel, marido de Ally.1

- Ah! Oi! - Falei surpresa, estendendo a mão para ele. Marcel


sorriu abertamente para mim.1

- Encantado, Camila. Estou acostumado com uma leve


surpresa nas feições das pessoas para as quais sou
apresentado como marido da minha mulher. Acho que
ninguém me imagina assim.

Ele estava certo, eu definitivamente não o imaginava assim. E


o pior era que eu sequer sabia se isso poderia ser classificado
como preconceito.

- Me chame de Mila se preferir.

De repente, senti alguém passar entre mim e Lauren e


agarrá-la com força. Olhei na altura de sua barriga e vi que
ela retribuía o abraço em uma menina com um vestido
branco, cabelos compridos muito lisos e loiros: Exatamente
como Ally, exceto pelos olhos, que tinham a mesmíssima
tonalidade castanho dos de Marcel. Ela devia ter no máximo
uns oito anos, e parecia muito com uma linda boneca de
porcelana.

- Você demora a vir me ver. - A boneca falou.

- Eu sou uma mulher ocupada, Julia. Pode perguntar pra sua


mãe, ela sabe melhor do que ninguém.
Como mágica, Ally apareceu ao meu lado, segurando no colo
uma outra menina muito pequena. Mas essa era
completamente diferente da irmã, e se não tivesse acabado
de conhecer o pai, poderia dizer que a criança havia
provavelmente sido adotada. Ela era morena, com uma
tonalidade de pele mais clara que a de Marcel, mas bem mais
escura que a da mãe. Seu cabelo era idêntico ao da irmã, a
não ser por ser um pouco mais curto e preto. Quando ela se
virou, me deparei com os olhos mais azuis que já tinha visto
até então - A menina era incrivelmente linda.

Ela se jogou para o colo de Lauren assim que a viu. Ally


deixou que ela a pegasse, nos informando que a manha
excessiva vinha do sono. Me permiti apenas observar a cena.

Lauren já era linda de tirar o fôlego, mas por algum motivo,


vê-la com uma criança no colo fez com que sua beleza
triplicasse. Meus olhos agora provavelmente brilhavam: Ela
seria uma mãe incrivelmente sexy, e de repente desejei estar
grávida.4

- Ei Emily, precisa ficar acordada até a meia-noite. - Ela disse.


Ela simplesmente negou com a cabeça, enfiando o rosto no
pescoço de Lauren e se aconchegando ali.

- Ela é muito criança pra isso. - Julia falou, debochando da


irmã. Emily olhou para ela com um olhar de ódio e, de pirraça,
arregalou os olhos, se forçando a acordar.

- Não sou!

- É sim.

- Não briguem. - Marcel falou, e as duas pararam.


- Mila, essas são minhas filhas. Julia tem sete anos e Emily
tem três.

Me dei conta de que aquela era, provavelmente, a família


mais linda que eu já havia visto na vida. Não consegui deixar
de sorrir para as meninas. Julia me olhou um pouco
desconfiada, e depois de algum tempo se virou para Lauren.

- Ela é sua namorada?

- É sim. - Ela respondeu.

- Sabia que estava mentindo quando disse que eu era a sua


namorada.3

Ela riu, tentando se equilibrar com Emily em seu colo, que


permanecia lutando contra o sono só para contra-argumentar
a irmã.

- Mas você é. Só que é diferente.

- Aham - Ela falou, cética e debochada, e então reparei que


Julia era uma miniatura perfeita de Ally. Fiquei com medo de
começar a ser odiada por uma criança, e só então me dei
conta do quão imatura eu realmente era.

Ally tinha vários primos e primas, todos lá. A família de Marcel


também estava presente, tornando o local uma mistura de
etnias incrivelmente forte e contrastante. Conheci amigos de
infância e de trabalho, que conversavam animadamente
sobre assuntos aleatórios. Queria ter sido apresentada
somente às pessoas com as quais Lauren falava e conhecia,
mas alguns ali eram novos até para ela, apesar de saberem
perfeitamente quem ela era. Por isso, me senti um pouco
incomodada com alguns olhares de "Ganhou na loteria" que
recebi. Ainda assim, a maioria daquelas pessoas pareciam ter
o poder de fazer com que eu me sentisse à vontade.

- Quer jogar videogame?

Senti a barra do meu vestido ser puxada por trás e me virei.


Era Julia.

- Ah, eu nunca joguei videogame... - Respondi de forma


sincera.

- Tudo bem, eu te ensino. - Ela falou, me puxando pela mão.

- Ei... - Lauren falou, se virando assim que sentiu minhas


mãos saírem de sua blusa. Com um sorriso no rosto, olhou
para a menina e brincou - Vai devolvê-la depois?

- Só se ela quiser voltar. - Julia provocou sorrindo, e me


perguntei se aquela capacidade de responder à altura de
forma inteligente era normal para uma criança de sete anos.

Ela inconfundivelmente e incontestavelmente tinha saído da


barriga de Ally.

Lauren chegou perto de mim, falando ao meu ouvido.

- Quer ir?

- Sim. Volto mais tard... - Não consegui terminar, já sendo


puxada pela mão por entre as pessoas do local.

Chegamos a uma pequena sala aconchegante, com alguns


sofás e puffs, uma tv grande e algo que deveria ser algum
videogame. Julia saltitou até os aparelhos e os ligou,
manuseando rapidamente os controles.

- Aqui, esse é o seu. Esse botão pula, esse anda e aquele


bate.
Sentei e tentei lembrar de tudo que ela havia me informado.
Era um pouco complicado, mas se uma criança de sete anos
conseguia fazer, talvez eu conseguisse também.

Ela acionou um jogo com princesas e magias, em que, juntas,


tínhamos que bater e derrotar monstros e outras coisas
esquisitas.1

Julia quicava no sofá ao meu lado toda vez que matava algum
monstro, e eu ria. Ela era mesmo uma graça. Tentei imitar o
movimento de seus dedos no controle, e até consegui
algumas proezas. 

Algum tempo depois, quando eu já havia melhorado de forma


considerável, vi Emily entrar na sala sonolenta e caminhar a
passinhos minúsculos, esfregando os olhos e bocejando.
Quando nos viu, veio em nossa direção, fazendo uma força
imensa para subir no sofá e sentar ao meu outro lado.

Ela ficou ali, apenas observando tudo o que acontecia na tv.


Tentei prestar atenção no videogame, e não nela, por isso
suspirei quando senti seu rosto no meu braço esquerdo e, ao
olhá-la, vê-la completamente adormecida enquanto se
apoiava em mim.

Julia parecia alheia à irmã, muito compenetrada no jogo. Eu


sabia que teria que enfrentar sua fúria caso perdêssemos
àquela altura do campeonato, então me concentrei em fazer
os movimentos certos enquanto tentava não me mexer muito,
com medo de acordar.

Emily que agora já ressonava tranquila no meu colo,


chupando o dedo.
- Nunca consegui passar dessa fase... - Julia falou, já
sussurrando, e então notei que, embora eu achasse que não,
ela estava bastante ciente da irmã ali.

- Até agora. - Falei, animando-a e aceitando o desafio.

A fase era mesmo difícil. Impedi que a personagem dela


morresse umas três vezes, o que seria um grande mérito se
ela não tivesse feito a mesma coisa comigo dezesseis vezes.
Demoramos um pouco ali, tentando nos esquivar de vilões e
conseguindo moedas, corações e outras coisas espalhadas
por ali.2

Quando finalmente conseguimos passar pelo último desafio,


Julia pulou do sofá e deu um urro de felicidade um pouco alto
demais. Emily tremeu um pouco no meu colo e se mexeu,
pronta para acordar. Deslizei meus dedos suavemente entre
seus cabelos, tentando tranquilizá-la de novo, com pena de
que seu sono fosse interrompido.

Ouvi uma respiração que não pertencia nem a mim, nem a


Julia e nem a Emily. Olhei rapidamente para o lado e
encontrei Lauren encostada na moldura da porta, com os
braços cruzados observando nós três.

- Há quanto tempo está aí? - Perguntei.

- Há algum. - Ela respondeu de forma simples. Seus olhos


brilhavam com alguma coisa.

- Ah, sabia que ela estava dormindo em algum lugar. - Marcel


entrou pela sala, pegando Emily nos braços sem esforço
algum e levando-a para a cama - Desculpe por isso.
- Não, tudo bem... - Falei, desejando sinceramente que ele
não tivesse a tirado de mim.

- Ei, Julia - Lauren falou, chamando minha atenção de novo -


Posso levar Camz de volta? 

- Mas a gente ia jogar outro jogo agora... - Ela respondeu,


fazendo cara de abandono. Então senti uma vontade imensa
de não abandoná-la.

- Eu fico mais um pouco. - Me intrometi, fazendo com que a


expressão de tristeza dela sumisse e desse lugar a um sorriso
lindo. Virei-me outra vez para Lauren, pedindo que ela me
entendesse - Mais alguns minutos e eu volto para a festa.

Ela suspirou.

- Tudo bem. Vou estar esperando.

Marcel achou que já era hora de Julia comer alguma coisa e "
sair da frente daquele videogame." Eu concordava, já
sentindo tanto minha cabeça quanto meus dedos doerem, e
fui eternamente grata a ele por isso. Saí à procura de Lauren
e demorei um pouco até encontrá-la. Quando finalmente a
avistei, a um canto da sala lotada de gente, ela parecia
entretida em uma conversa com uma morena alta e muito
bonita, que parecia exageradamente contente em estar
falando com ela. Então, de repente, senti meu sangue ferver. +

***

Capítulo 16
Pov Lauren

Aquela era Shay. Eu não a via havia algum tempo, mas ainda
lembrava de suas indiretas nada discretas para cima de mim.
Ela era uma das primas de Ally, e uma das coisas que me
lembro na adolescência era que ela sempre deixava claro que
estaria disposta a me dar a qualquer momento do dia. Tive
que aturar piadas quanto à minha sexualidade por sempre
negá-la. De fato, era esquisito que alguém não a desejasse,
porque Shay era mesmo muito bonita. Mesmo completamente
diferente de Ally, ela sempre chamou a atenção por sua pele
morena, altura imponente e olhos sedutores. Mas minha
consciência nunca deixou que eu me aproveitasse de uma
mulher da família da minha melhor amiga. Além disso, eu
sabia que mesmo que decidisse usá-la, ela grudaria em mim
como chiclete e jamais me deixaria em paz de novo.

- Você deveria aparecer mais vezes. - Ela falou, limpando


alguma coisa do meu ombro que não pude ver. Talvez fosse
uma sujeira imaginária, porque Shay estava sempre
arranjando algum jeito de tocar em mim.

- Vida ocupada. - Respondi cordialmente.

- Não seja idiota. Todos temos tempo para os amigos de


infância quando queremos.

Ela sempre falava se insinuando para mim, não importava


qual era o assunto em questão. Por algum motivo, eu achava
isso engraçado.

- Como vai a vida? - Perguntei de forma aleatória.

- Vai ótima. Melhor agora que nos encontramos de novo.


A mão dela, antes no meu ombro, passou para meu seio sem
a menor explicação.4

- A minha também anda ótima. - Me apressei em esclarecer -


Estou namorando.

- Ah, sério? E onde está a Sra. Jauregui? Te deixou sozinha no


Reveillon? - Ela provocou.

- Está aqui, em algum lugar. E se ela ver você me tocando


assim, acho que vai ficar meio brava.

- Ela não sabe lidar com um pouco de concorrência?5

Eu estava pronta para dizer a ela que não havia concorrência


alguma, mas as palavras não puderam sair da minha boca
porque, no segundo seguinte, alguém se enfiou entre nós.
Camila estava irritada.

Ela não precisou dizer uma palavra sequer para que eu


notasse isso. Olhei para baixo e vi seu rosto contorcido em
uma expressão de raiva inédita para mim. Suas mãos
pequenas estavam fechadas em punhos, e ela exalava com
força. Tive a estranha sensação de estar encarando um
pequeno gatinho irritado. Ela não me dirigiu a palavra,
virando-se e ficando de frente para Shay. Os rostos das duas
estavam a mais ou menos dois centímetros de distância um
do outro.2

Mesmo Camila sendo muito mais baixa que Shay, que era um
pouco mais alta do que eu, ela não pareceu intimidada em
momento algum. Por isso, me assustei ao vê-las se encarando
de igual para igual, Shay com um sorriso debochado no rosto
e Camila com um olhar assassino.1
- Estava observando de longe, e me pareceu que você estava
excessivamente próxima a minha namorada. Espero que não
se importe se eu ficar aqui.3

- Meu bem... - A outra respondeu, chegando ainda mais


próximo a ela - Eu conheço sua namorada há muito tempo. E
acredite, tenho estado próxima a ela antes mesmo de você
aparecer.4

- O que mostra seu grau de incompetência por não tê-la


conseguido pra você.15

O sorriso de deboche sumiu de seu rosto imediatamente. Eu


mesmo levei um choque com aquela resposta. Como Shay
não tinha uma réplica a altura, Camila deu seu golpe final.

- Vamos deixar as coisas claras: Sua mão no peito dela outra


vez significa a minha mão na sua cara. Combinado? 10

Embora ela parecesse um gatinho irritado, inexplicavelmente


temi pela vida de Shay. Ela também pareceu temerosa, e
alguém que chegasse naquele momento jamais entenderia
como uma mulher daquele tamanho podia estar visivelmente
com medo de uma baixinha.2

Sempre pensei que, em situações desse tipo, algum


escândalo teria que ser formado. Por isso, me surpreendi com
a discrição de Camila ao dizer claramente que enfiaria a mão
na cara de outra mulher através de um quase gentil sussurro.
Olhei em volta e ninguém parecia notar o que estava
acontecendo entre nós três.4

Sem dizer mais nada, caminhou para trás no meio das várias
pessoas que se divertiam. E então, Camila se voltou para
mim. E imediatamente temi pela minha vida.
- Eu não estava dando mole pra ela. Eu juro...4

- Ela estava alisando a porra do seu peito. - Ela falou, entre


dentes. Senti um ciúme borbulhante em cada palavra que
dizia, seus olhos pareciam querer me esquartejar.

- Ela sempre foi assim. Sempre se atirou pra mim...

- E por que você não se afastou, caralho?3

- Nós só estávamos conversando! Eu juro que não falei nada...

- Não interessa o que falou ou deixou de falar! Não passou


pela sua cabeça que talvez eu não gostasse de alguém te
alisando? Você pode achar divertido, mas o que pensaria se
me visse dando condição pra alguém que estivesse me
comendo com os olhos?3

Parei por um momento, tentando processar tudo o que ela


disse, e então me senti uma idiota. Era claro que ela estava
certa.

- Eu não tinha pensado...

- Claro que não. - Ela falou, e então me deu as costas, com o


objetivo de se afastar. Segurei em sua cintura com o máximo
de delicadeza possível, impedindo que ela fosse
imediatamente.

- Me desculpa... Eu não pensei que fosse te magoar assim. -


Falei ao pé do seu ouvido.

- Sabe como podemos ter uma ideia se vamos ou não magoar


alguém? É só nos colocarmos na inversa. Como você se
sentiria?
Eu ficaria extremamente puta. Claro que ficaria. Claro que ela
estava certa. Afrouxei o aperto em sua cintura, dando a ela a
opção de se afastar de mim. E ela foi.

***

Eu queria dar um tempo para Camila. Sabia que tinha sido


uma idiota, e me irritava o fato de que ela tivesse precisado
me mostrar isso. Sabia que ela deveria estar agora em algum
lugar da casa com Julia. Na verdade, era isso que eu
esperava. Aproveitei o tempo para ligar para Londres, França
e Alemanha, desejando feliz ano novo para minha família.
Todos perguntaram por Camila, por isso tive que inventar
qualquer desculpa para não ter que passar o telefone para
ela. Mesmo não falando sobre o que havia acontecido, minha
mãe deduziu que algo estava errado comigo. Taylor, por sua
vez, deixou claro saber que, o que quer que tivesse
acontecido, a culpa era minha.

Deixei que algumas pessoas viessem falar comigo sobre


assuntos sem importância. Vez ou outra, espiava para trás,
procurando-a ao redor da sala. Não a encontrei em momento
algum. Algumas pessoas vieram falar sobre como eu parecia
bem agora, e até me parabenizaram pela "linda namorada." A
maioria parecia verdadeira, mas alguns só queriam saber
mais sobre a minha vida. Eu agradecia de forma genuína
pelas congratulações, respondendo coisas como "Sou uma
mulher de sorte," mas cada vez que tocavam no nome dela
eu sentia uma pequena angústia e tristeza em saber da sua
mágoa comigo. 

Olhei para o relógio e constatei que 45 minutos haviam se


passado desde que Camila havia me deixado sozinha.
- Ally... - Chamei-a quando ela passou por mim.

- Tenho que arrumar as coisas, estamos chegando perto da


meia-noite...  - Ela respondeu, distraída com uma mesa lateral
de frios.

- Onde está Julia? Ela está roubando a minha namorada.

- Não está não. Julia está dormindo.

Encarei-a um pouco ansiosa.

- Camz não está com ela?

- Não. Por que ela não está com você? - Ally perguntou,
deixando de lado a mesa e colocando as mãos na cintura, me
encarando com um olhar de " O que você fez dessa vez?"

- Ela ficou com raiva porque sua prima estava me alisando...

- E por que você deixou que ela te alisasse?

- Porque eu sou uma anta. Vou procurá-la.

Não esperei por uma resposta, saindo imediatamente e


pedindo licença pela festa. A casa de Ally era muito grande, o
que dificultou minha busca, por isso me amaldiçoei por ter
insistido em pagar excessivamente bem à Ally. Era claro que
uma secretária não poderia bancar uma casa daquelas, mas
como ela cuidava da minha empresa muito melhor do que eu,
era o mínimo que eu poderia fazer mesmo. Entrei em todos os
quartos e pequenas salas. Havia pessoas em todos os lugares,
por isso achá-la se tornou um desafio. Ela não estava em
nenhum lugar. Esperei do lado de fora do banheiro para que a
porta abrisse, apenas para constatar que a pessoa dentro
dele não era ela. A cozinha estava abarrotada de gente
também, mas nenhuma delas era a que eu queria. Perguntei
para algumas pessoas se a tinham visto, mas ninguém sabia
me dizer onde Camila estava. Encontrei Marcel conversando
com alguns amigos perto da escada que dava para o andar
subterrâneo.

- Marcel, viu a Camila?

- Vi. Está lá embaixo, no bar.

O bar era o porão transformado completamente numa sala,


toda em tom de madeira, com uma iluminação fraca. A ideia
deles era fazer com que aquilo parecesse, no final das contas,
um pub com um pequeno bar, uma mesa de sinuca, tv e som.
Era um lugar do qual eu sempre tive inveja naquela casa.

- Ela está sozinha? - Perguntei, já colocando o pé no primeiro


degrau.

- A última vez que fui lá, estava. Faz uns 40 minutos, desci pra
pegar mais whisky. Ela estava sentada perto da bancada.
Parecia um pouco triste, então me pediu uma dose de alguma
coisa.

Encarei-o um pouco perturbada. Ally apareceu atrás dele


nesse momento.

- Você deu alguma coisa pra ela beber? - Falei, torcendo para
que sua resposta fosse negativa.

- Deixei uma garrafa de vinho tinto com ela. Fiz mal?

Fechei os olhos. Camila era fraca para bebida como uma


criança de cinco anos, estava com o estômago vazio e tinha
uma garrafa de vinho inteira nas mãos. Era claro que aquilo ia
acabar em merda.
Ally e Marcel pareceram entender minha súbita preocupação,
então quando cheguei no andar de baixo, ambos estavam
atrás de mim. Ela estava ainda na bancada, como Marcel
havia dito. Caminhei até ela, tocando-a gentilmente no braço
esquerdo. Sua cabeça estava virada para o outro lado,
apoiada na mão. Os cabelos escondiam seu rosto. Na frente
dela estavam uma garrafa de vinho quase pela metade e uma
taça vazia. Pela altura do líquido na garrafa, calculei que
Camila provavelmente havia tomado três doses. Ou mais.

- Camz?

Ela se virou para mim um pouco devagar. Seu olhar estava


desfocado, vermelho e úmido, seu rosto molhado. Fui pega de
surpresa ao constatar que ela olhava para mim com ternura,
e não de forma hostil como imaginei que fosse ser. Me odiei
imediatamente por tê-la magoado.

- Você não devia ter bebido... - Balbuciei, enquanto tirava


alguns fios rebeldes ainda em seu rosto. - Vem, vou levar
você pra casa.

Ela continuou me olhando carinhosamente, ainda quieta.

- Não vão ficar pra virada? - Ally exclamou decepcionada -


Faltam só quinze minutos!

- Melhor não - Respondi, me virando para ela e olhando-a de


forma sugestiva, torcendo para que me entendesse - Ela não
está acostumada a beber. Pode se comportar de forma
imprevisível.

Ally entendeu. Camila e eu vivíamos à base de um segredo


muito bem guardado, e agir de forma "imprevisível"
significava talvez colocar em risco esse segredo. Ela não
reclamou, obviamente concordando com a minha cautela. Eu
sabia que ela não havia contado meu segredo nem mesmo
para Marcel, e mais uma vez senti uma gratidão enorme por
sua discrição. Durante esse tempo, tudo que Camila fazia era
me olhar com aqueles olhos chorosos. De repente me peguei
pensando na possibilidade de não merecê-la.

- Vem, minha linda... - Falei, puxando-a pela cintura


suavemente.

- Eu preciso dizer um coisa.

A voz dela saiu mais alta do que o normal. Ela estava bêbada,
e eu sabia disso antes de sentir o cheiro de vinho no hálito
dela.

Os músculos do meu pescoço se enrijeceram.

- Você me diz em casa. Vem... - Forcei um pouco mais seu


corpo contra o meu, na esperança de fazê-la caminhar.

- Não, eu preciso falar! - Ela gritou, se livrando dos meus


braços cambaleando um pouco para trás.

- Camila... - Supliquei, mas era difícil pedir a compreensão de


alguém que sequer estava em suas condições normais. Olhei
para trás e vi Marcel assistindo tudo. Ally compartilhava um
pouco do meu pânico.

- Não aguento mais isso, não aguento... - Ela falou,


recomeçando a chorar copiosamente. Eu não sabia o que ela
falaria. Não sabia o quanto falaria.

- Vamos deixá-las à vontade... - Ally disse, empurrando Marcel


para a saída, mas antes que pudessem sair, a voz de Camila
cortou o silêncio.
- Eu amo você.6

Virei para ela outra vez. As lágrimas escorriam livremente por


seu rosto. Ela me olhava de forma intensa, embora seu olhar
ainda parecesse um pouco desfocado. Mas, mesmo bêbada.
Ela estava muito ciente da minha presença ali.

- Eu amo...você. - Ela repetiu, não porque achava que eu não


havia escutado, mas sim porque aquelas palavras pareciam
sair dela como a confissão de um pecado. Como se a fizesse
importante. - Amo você demais. E tenho que dizer isso,
mesmo que sinta medo. Porque acho que talvez essa seja a
única coisa certa na minha vida. É a única coisa da qual não
me arrependo. A única coisa nobre em mim. E tenho que dizer
isso porque é desesperante saber que estou sendo julgada
constantemente mesmo te amando desse jeito.

Tudo que eu podia fazer era encará-la, tentando reunir os


pedaços de informação. Senti uma presença atrás de mim, e
então entendi que Ally e Marcel ainda estavam lá, ouvindo
tudo. Ela continuou, fechando os olhos como se quisesse se
concentrar na difícil tarefa de cuspir toda uma angústia
acumulada.

- Eu nunca, nunca estaria com você por outra coisa que não
fosse isso. Não quero a porra do seu dinheiro, não preciso da
porra do seu nome pra conseguir status em nada. Eu
simplesmente amo você. Amo tanto que acho que seria capaz
de matar alguém se estivesse a ponto de te perder. Porque eu
preciso de você. Eu preciso de você. - Ela soluçou, agora
chorando tão compulsivamente que talvez precisasse de
algum socorro - Não é justo ser vista como uma vagabunda
interesseira... Eu não sou. Preciso que você saiba disso...
Preciso que entendam isso pelo menos uma vez...

Camila deu dois passos rápidos na minha direção e me


abraçou pela cintura, enfiando o rosto no meu peito e
chorando com força ali, enquanto repetia "eu te amo" com
uma voz abafada contra minha roupa. E cada vez que ela
repetia aquelas palavras meu coração se enchia de uma
alegria tão simples e verdadeira que mal podia conter a
vontade de gargalhar. Ela nunca havia dito aquilo. Não que eu
precisasse ouvir aquela confissão para acreditar que seus
sentimentos eram verdadeiros, mas foi só então que eu
realmente soube da intensidade do que ela sentia. Ela não
gostava de mim. Ela não estava apaixonada por mim. Era
mais do que isso. Ela me amava. E, de repente, tudo no
mundo pareceu um pouco melhor.

- Estamos subindo pra preparação da virada. - Ally falou, me


fazendo lembrar que ela e Marcel ainda estavam lá - Pode
ficar por aqui se quiser. Eu não vou me importar.

- Obrigada... - Foi tudo o que consegui dizer, ainda sendo


apertada por Camila em um abraço pequeno mas forte.

Eles saíram, nos deixando sozinhas no bar. Ouvi-a fungar


baixo contra minha blusa, e senti uma enorme vontade de
confortá-la. Sem muito esforço, levantei-a nos braços e a levei
para um dos sofás perto da tv, deitando-a lá. Ela já parecia
bastante sonolenta, piscando de forma incrivelmente lenta e
deixando as últimas lágrimas escorrerem sem compromisso
pelo canto do olho. Fiquei olhando para ela, e durante algum
tempo tudo o que fez foi me encarar de volta. Quando a
última piscada pareceu pesada demais, ela não voltou a abrir
os olhos, então ajoelhei ao seu lado e tudo o que me permiti
fazer foi admirá-la.

Linda. Ela era linda. E era minha. Era tudo de que eu


precisava, e não havia nenhum exagero nesse pensamento.
Eu poderia perder tudo o que tinha, menos ela. Porque, no
final das contas, ela era a pessoa pela qual eu havia
procurado a vida toda. Era por ela que eu faria qualquer coisa,
era nela que eu me basearia para ter a noção do certo e do
errado. Ela era a inspiração do que quer que eu viesse a
fazer, e mesmo que todos esses pensamentos parecessem
melosos demais, eram tão verdadeiros que não havia como
negá-los.

Deixei que o tempo passasse, ouvindo o barulho de excitação


do andar de cima. As pessoas falavam animadamente,
fazendo planos para o ano que estava por vir. O champagne
já devia estar preparado, as taças prontas para serem cheias,
os amigos e as famílias prontos para se abraçarem e
desejarem coisas boas uns aos outros. E eu permanecia ali.

Porque se meu ano tivesse que começar com uma única


pessoa, essa pessoa era ela. Sem a menor sombra de
dúvidas.

- Como foi que você se tornou isso tudo pra mim em tão
pouco tempo? - Falei em um tom muito baixo, enquanto
afagava seus cabelos e a admirava. Ela não respondeu,
absorta em seu sono. Sorri sem motivo algum.

Ouvi as vozes aumentarem no andar de cima. Esperei. Seria o


meu cronômetro naquela ocasião. Senti uma estranha paz
tomar conta de mim enquanto a observava dormir no sofá de
couro. A contagem regressiva no andar de cima começou.
Segurei uma de suas mãos, engatinhando até ficar o mais
próximo possível dela. Seus olhos se abriram lentamente,
piscando algumas vezes com dificuldade, como se ela
estivesse esperando pelo momento certo. Encarei a poucos
centímetros do meu rosto aqueles olhos de chocolate, e tive a
súbita certeza de que morreria por eles.

- FELIZ ANO NOVO! - Um mar de vozes explodiu no andar de


cima, gritando e fazendo um barulho ensurdecedor. Sem o
menor aviso, Camila se jogou para cima, envolvendo seus
braços no meu pescoço e me beijando com ternura. Senti os
pelos na minha nuca se arrepiarem.8

- Feliz ano novo, meu amor... - Ela respondeu, separando seus


lábios dos meus e sorrindo abobalhada por causa do álcool.
Encostei minha testa na dela, apenas admirando seu sorriso.
Ela estava ali. Era mais do que o suficiente.

- Feliz ano novo, meu anjo.

Seus olhos brilharam. O silêncio ali contrastava fortemente


com a algazarra da festa que acontecia acima de nós, mas o
som chegava um pouco abafado aos meus ouvidos - eu não
estava realmente prestando atenção nele. Porque ela estava
ali. O ano não poderia ter começado melhor.

***

- Está em condições de dirigir? - Ally perguntou, me


encarando ao lado do carro como se fosse minha mãe.

- Não bebi nada. - Respondi, dizendo a verdade. Eu sabia que


teria que voltar dirigindo para casa, e não estava nos meus
planos começar o ano com a cara enfiada em um poste. Ela
olhou para o banco do carona, onde Camila dormia
tranquilamente. Observei-a também.

- Ela vai ficar bem? - Perguntou.

- Acho que sim. Só com um pouco de dor de cabeça quando


acordar.

Notei que Ally encarava Camila com pena.

- Ela tem um problema sério em relação ao passado, não é?


Nunca vi alguém tão desesperado pra esclarecer alguma
coisa.

- É... - Concordei - Preciso trabalhar nisso. Acho que ela tem


muitos traumas.

- Eu imagino.

Ficamos em silêncio de novo, observando-a dormir.

- Marcel me mandou pedir mil desculpas, ele não sabia...

- Está tudo bem. Mas agora vocês já sabem que ela fica um
pouco louca quando bebe. - Dei uma risada, sem tirar os olhos
dela.

- E sincera. - Ally completou. Encarei-a outra vez, e vi que ela


me olhava com interesse - Não sei quem mais precisa cuidar
e ser cuidada nessa relação de vocês.

- Eu também não... - Concluí.

- Por isso que acho que vocês vão dar certo. - Ela estendeu as
chaves do carro para mim - Dirija com cuidado.

Camila passou toda a viagem de volta inconsciente. Quando


chegamos na garagem do nosso prédio, não fiz menção em
acordá-la, mesmo porque eu imaginava que caminhar poderia
ser uma tarefa difícil para ela naquelas condições. Ao invés
disso, peguei-a no colo e a levei para o apartamento. Ela
pareceu acordar, mas ainda estava sonolenta e mantinha os
olhos fechados.

- Chegamos. - Sussurrei no seu ouvido enquanto fechava a


porta da sala com um chute.

- Uhummmm... - Ela respondeu contra o meu pescoço. Deitei-


a suavemente na cama e esperei. Por nada em especial,
apenas para ficar admirando-a um pouco mais. Passei meus
dedos pelos cabelos dela e ela se mexeu um pouco, enfiando
o rosto no edredom.

Liguei o aquecedor e voltei para ela. Tirei seus sapatos,


querendo que ela ficasse mais à vontade. Minhas mãos, como
sempre com vontade própria, passearam de forma suave
pelos seus tornozelos, subindo devagar para as panturrilhas e
joelhos. A pele dela parecia mais macia a cada vez que eu a
tocava, mesmo arrepiada ao meu toque. Quando cheguei em
suas coxas, ela se mexeu outra vez e murmurou um "não"
abafado. Aceitei sua vontade, mesmo porque não planejava
mesmo transar com ela naquele estado. Seria esquisito tentar
alguma coisa sem que ela estivesse consciente para dizer se
queria ou não. Mas se ela quisesse...

Afastei aquele pensamento, procurando o zíper do seu vestido


e descendo-o para tirá-lo dela, mas outra vez ela se mexeu,
se afastando de mim.

- Não! Ummmpppff...
- Calma, amor. Não vou fazer nada. Só quero te deixar
confortável pra dormir. - Sussurrei em seu ouvido, e ela
pareceu se acalmar por um momento. Mas assim que retomei
o zíper em minhas mãos e abri mais um pouco o vestido, ela
se afastou outra vez, dessa vez me empurrando.

- Não toca em mim, porrrrrra... Minha namorada vai te dar


uma surrrrrra...4

Não consegui segurar o riso.

- Camz? Sou eu. - Falei enquanto prendia seu rosto entre


minhas mãos e esperava que os olhos dela se abrissem.
Quando isso aconteceu, o foco voltou a eles em alguns
segundos e quando se deu conta da minha presença ali,
sorriu de forma doce.

- Oiii... - Ela piscou algumas vezes, passando um braço pelo


meu pescoço.

- Oi. Posso tirar seu vestido?

- Claaaro que pode... - Ela respondeu ainda sorrindo,


levantando os braços acima de sua cabeça como se me
dissesse para puxar a roupa por eles. Fiz isso e
imediatamente vi sua pele e os vários hematomas que minha
falta de cuidado deixaram nela. Me perguntei se seria válido
tentar passar o creme de amêndoas nas marcas, mas
imediatamente descartei essa ideia por não saber se
conseguiria manter o controle com ela naquele estado. Sua
pele começou a se arrepiar; provavelmente o aquecedor
ainda não havia deixado o ambiente quente o suficiente.
Puxei o edredom do outro lado da cama e a cobri, enrolando
Camila até o pescoço e prendendo as pontas embaixo do
corpo dela. Ela suspirou tranquila, um pouco dormindo e outro
pouco acordada. Recolhi seus sapatos e vestido e os levei
para o closet. Procurei em alguma gaveta um pijama e me
virei para ir tomar um banho, mas me surpreendi com Camila
passando por mim correndo na direção do banheiro. Fui
rapidamente atrás dela e a encontrei curvada em cima do
vaso sanitário,vomitando jatos de um líquido rosa vivo. O
vinho que seu organismo não conseguia digerir estava sendo
expelido à força, e de repente senti pena pela ressaca que eu
sabia que ela teria que enfrentar mais tarde.4

Ajoelhei atrás dela e prendi seus cabelos em um rabo de


cavalo com uma das mãos. A cada ânsia que vinha, ela jogava
a cabeça para frente sem nenhum cuidado, provavelmente
por causa da embriaguez, então me apressei em segurar sua
testa para que não batesse no vaso. Quando pareceu já estar
melhor, ajudei-a a levantar e a segurei com firmeza enquanto
ela escovava os dentes e lavava o rosto, removendo a
maquiagem.

- Melhor? - Perguntei, colocando-a na cama e a cobrindo outra


vez.

- Sim... - Ela respondeu em voz baixa, se aconchegando entre


os travesseiros - Gostaria que você não estivesse por perto
sempre que eu vomitasse.

- Está brincando? É bom que eu esteja por perto. Você parece


ter tendências um pouco suicidas quando vomita.

Ela riu, fechando os olhos e suspirando.

- Deita aqui comigo.


Aquele era o tipo de pedido que não tinha como ser negado.
Tudo bem: Eu não fazia tanta questão do banho de qualquer
forma.Tirei minhas roupas e me enfiei debaixo do edredom,
me agarrando a ela sem dizer nada. Esperei que ela dormisse
outra vez, o que não demorou muito. Quando isso aconteceu,
me aproximei de seu ouvido e falei em uma voz baixa,
tentando não acordá-la.

- Também te amo, meu amor. E espero que você aceite os


planos que eu tenho pra nós duas.

Pov Camila

Eu estava sentada na borda de um chafariz. Era primavera


àquela altura, e eu podia dizer isso principalmente pelo jardim
à minha frente, repleto de camélias dos mais variados tipos e
cores. Inspirei profundamente para sentir o cheiro de grama
fresca. O sol dava ao clima uma temperatura agradavelmente
morna, ideal. Me sentia incrivelmente feliz e completa, e
sequer sabia o motivo. Não me movi, com medo que aquela
sensação me deixasse. Diferentemente das outras ocasiões,
eu sabia que estava sonhando.

Ao longe, vi uma pessoa. Mais precisamente uma criança,


uma menina, talvez com seus oito anos de idade. Ela veio
correndo até mim, e quando me alcançou constatei que não a
conhecia. Mas algo nela chamou instantaneamente minha
atenção. Aqueles eram os olhos que eu mais amava. Eram de
um verde tão conhecido, tão perfeito, que não consegui
deixar de olhá-los. Eram os mesmíssimos olhos de Lauren.
Imediatamente me dei conta de que amava aquela menina
mais do que qualquer coisa no mundo.
- Olá. Qual é o seu nome? - Perguntei, desgrudando uma
mecha de cabelos do seu rosto suado e colocando-a atrás de
sua orelha.

- Não tenho nome ainda. - Ela respondeu, e a voz me pareceu


tão melodiosa quanto um coral de anjos. Estranhei aquela
resposta.

Eu poderia estar sonhando com a filha de Taylor, ainda não


nascida? Mas ainda assim, algo nela me atraía. Como um
ímã.1

Ela sorriu, e outra vez a lembrança de Lauren veio forte


demais. De alguma forma, senti que ela também me amava,
mesmo nunca tendo me visto na vida.

Tudo naquele sonho era estranho.

Fui subitamente acordada por uma dor, essa bastante real.


Tão forte que me perguntei como sequer havia conseguido
dormir. Depois de algum tempo tentando voltar à realidade,
completamente perdida, consegui identificar que a dor estava
na minha cabeça. Identificar a parte do corpo que doía era um
começo. Demorei alguns minutos para tomar a coragem de
abrir os olhos. Quando o fiz, até mesmo a luz fraca que as
cortinas do quarto de Lauren filtravam foram o suficiente para
transformar aquele pequeno momento em um inferno. Fechei
os olhos muito rapidamente outra vez, tentando engolir, mas
minha língua parecia feita de pano. Talvez alguém tivesse me
espancado antes que eu caísse no sono, porque todos os
músculos do meu corpo pareciam um pouco podres. Girei a
cabeça devagar para o lado só para constatar que Lauren,
como quase sempre, não estava ali. Conjurando das
profundezas dos meus músculos toda a força que havia em
mim, sentei na cama ainda de olhos fechados. Infelizmente, o
movimento foi rápido demais, então uma tontura
desnorteante e um enjoo súbito me tomaram de imediato.
Senti alguma coisa querendo sair de mim à força, e me
desesperei ao constatar que, mesmo que conseguisse ir
caminhando até o banheiro - o que não era o caso - eu
provavelmente acabaria vomitando no carpete antes de
chegar no meio do caminho. Sem opção nenhuma, me curvei
na cama, colocando a cabeça para fora dela e simplesmente
deixando que um jato nojento saísse pela minha boca. Mas
aquilo foi tudo que saiu.

A ânsia vinha a cada cinco segundos, mas meu estômago


vazio não tinha nada para expelir. E cada vez que ela vinha,
vinha com tanta força que minha cabeça parecia a ponto de
explodir, me fazendo implorar silenciosamente por um
desmaio. Senti uma mão na minha testa, dando apoio a ela.
Não precisei me virar ou abrir os olhos para saber quem era.

Quando as ânsias de vômito começaram a ficar menos


frequentes, fui relaxando e respirando melhor. Abri os olhos
devagar e dei de cara com uma bacia, posicionada
estrategicamente no chão para que eu não sujasse o carpete.
Lauren sabia que aquilo aconteceria, e fui grata a ela por ter
sido cautelosa. Levantei o corpo, sentando na cama muito
lentamente. Minha cabeça girava, fazendo com que tudo
ficasse um pouco embaçado.

- Calma... É assim mesmo.

Ouvir a sua voz me tranquilizou um pouco. Abri os olhos e a vi


à minha frente com um olhar de compaixão. Imediatamente
lembrei da menina no meu sonho, e então tudo se tornou
muito óbvio. Tão óbvio que eu não sabia como podia não ter
entendido antes.

Aquela menina era minha filha. Minha e de Lauren. A filha que


não tínhamos, mas que meu subconsciente criou. Conhecer
Julia e Emily provavelmente havia despertado em mim um
instinto maternal inédito.

- Está melhor?

Sacudi positivamente a cabeça em resposta, mas me


arrependi na hora. Meu cérebro parecia chacoalhar dentro do
crânio. Eu teria respondido em voz alta, mas sabia que isso
também faria com que minha cabeça doesse ainda mais.

- Vamos ter que ver o que o seu estômago aguenta. - Ela


disse, indo até o criado mudo e voltando com um copo que
parecia ser de água e uma colher de sopa. Ela pegou um
pouco do líquido com a colher e trouxe até a minha boca.
Notei que não era água, mas sim soro, o que me ajudaria a
não desidratar tão rápido. Felizmente, meu estômago
conseguiu aceitar as três colheres oferecidas, sem que eu
tivesse que cuspir tudo de novo na bacia ao lado da cama.
Lauren me carregou para o banheiro, servindo de apoio
enquanto eu tomava banho. Fui eternamente grata a ela por
ter noção e não tentar me tocar de formas inapropriadas,
embora tivesse total acesso ao meu corpo. Quando meu
banho já estava tomado e meus dentes escovados, ela
começou um processo de enfermagem que imediatamente
fez com que eu me sentisse mal por estar dando tanto
trabalho. Aproveitei o fato de que, agora, eu conseguia falar.

- Desculpa por ter vomitado seu banheiro ontem e quase ter


feito isso de novo no seu carpete.
- Nosso banheiro e nosso carpete. E não se preocupe com
isso.

Deitei outra vez, me sentindo melhor aos poucos.

- Nunca mais me deixe beber...

- Tenho que admitir que você bêbada é interessante.

Ela olhou para mim de forma esquisita e sorriu. Por algum


motivo, fiquei ansiosa. Eu ainda não tinha parado para tentar
lembrar o que exatamente havia feito depois de encher a
cara.

Eu queria imaginar que não tinha feito nada inapropriado,


como um ridículo striptease em cima de uma mesa ou algo
assim. Me acalmei ao me dar conta de que, se alguma coisa
desse tipo tivesse acontecido, ela não estaria toda sorridente
e cuidadosa comigo, mas sim puta. A única coisa ousada que
eu lembrava claramente de ter feito era ameaçar uma vadia
se ela resolvesse continuar com seu jeito "me coma" para
cima de Lauren. Talvez fosse a última coisa da qual eu me
lembrasse. Depois disso, lembro de ter pedido algo para
Marcel, que me deu não só uma dose, mas uma garrafa
inteira de vinho. Como estava puta e triste, não pensei se
seria ou não inteligente encher a cara. O álcool me fazia
pensar. Por isso, fiquei remoendo a lembrança daquela
piranha alisando minha namorada, e pensei em todas as
outras que queriam poder fazer aquilo. Pensei também nos
olhares acusatórios que recebi de algumas pessoas na festa,
tão óbvios que não eram sequer necessárias palavras para
me dizer que estava sendo vista como uma interesseira.
Pensei no meu maldito passado, na minha maldita culpa...
Pensei em Lauren, e como era importante que ela entendesse
minhas reais intenções. Pensei no quanto a amava. No quanto
precisava dela. Pensei no quanto queria viver para sempre ao
seu lado. E depois... Depois... Ah, sim. Depois eu tinha dito,
com todas as letras, que a amava como uma louca.

Meu rosto esquentou, então desviei o olhar dela, abaixando a


cabeça e olhando para as mãos. Ela riu baixinho, porque não
precisava de nenhuma palavra minha para entender que eu
havia enfim lembrado - minha tonalidade vermelho-ketchup
deixava isso claro.

- Como se você não soubesse disso... - Falei em voz baixa, um


pouco rabugenta, deitando minha cabeça outra vez no
travesseiro. Ela sabia que eu estava sem graça por isso não
insistiu no assunto. Mas eu podia ver como aquilo a havia
deixado feliz. Sabia que deveria ter confessado aquilo há
muito tempo, porque privá-la de ouvir aquelas palavras não
era justo. Eu mesma sabia como ouvi-las fazia bem. 

Demorou um pouco - alguns minutos apenas - para que eu


entendesse que aquela confissão não havia somente tirado
um enorme peso das minhas costas: Ela havia me libertado
de algo muito maior, um medo irracional de deixar claro o
quanto eu precisava dela. Aceitar que Lauren era essencial na
minha vida já havia acontecido, mas deixar isso claro para ela
era muito mais difícil. E por algum motivo, agora que ela
finalmente sabia, eu me sentia livre.

Suspirei contra o travesseiro.

-Você sempre soube, não é? - Perguntei.

- Mais ou menos.
Me senti culpada por aquela resposta. Eu queria que ela
soubesse. Achava que tinha deixado isso claro desde o
momento em que ela voltou para a minha vida.

- Eu sempre te amei. - Concluí, lutando contra a dor de cabeça


e me forçando a abrir os olhos para encará-la - Nunca foi
menos que isso.

Lauren me encarou sem dizer nada. Ela não sorria, mas seus
olhos brilhavam ao ouvir aquelas palavras. Quando entendeu
que não tinha mais nada a ser dito, ela foi se deitar ao meu
lado, muito próxima a mim, encostando a ponta do seu nariz
no meu e me permitindo sentir o cheiro do perfume natural
da sua pele.

- Ouvir isso de você quando está sóbria é ainda melhor. - Ela


riu, beijando delicadamente meus lábios e passando o
indicador pela maçã do meu rosto - Obrigada.

Não consegui responder, me mantendo imóvel ali ao seu


toque. E então percebi o tempo que havia perdido.

***

Então, o ano havia começado. Minha vida havia mudado


completamente em menos de um mês, e eu não poderia me
sentir mais feliz com isso. Era até estranho lembrar do
passado, não só porque ele me incomodava, mas também
porque parecia tão incrivelmente distante do presente.
Desenvolvi a capacidade de me forçar a parar de pensar
quando algumas recordações vinham. Me permitia lembrar
coisas que aconteceram até a morte de minha mãe e a partir
do dia que Lauren voltou a fazer parte da minha vida. O
período de tempo entre esses dois momentos era
propositalmente um enorme vazio. Era claro que isso não
acontecia sempre. Vez ou outra lembrava das minhas amigas
que ainda permaneciam no passado. Na maior parte do
tempo eu tentava não pensar em nada desse período, mas
isso era impossível, mesmo porque certas coisas que eu
gostava de lembrar aconteceram exatamente aí. Conhecer
Lauren. Permitir que Lauren me conhecesse. Lauren me
dando o melhor aniversário da minha vida. Não era possível
esquecer nada que a incluísse. Por isso, da mesma forma, era
impossível não lembrar, vez ou outra, do dia que ela me
deixou.

Mas eu estava bem. Se não curada, conformada. E não havia


motivos para deixar que qualquer problema antigo
atrapalhasse a minha felicidade agora, porque isso soaria até
como ingratidão. Nós estávamos mais próximas do que antes.
Agíamos como um verdadeiro casal, e talvez isso fosse óbvio
para alguém que não soubesse da nossa história, mas esse
pequeno fato me enchia de alegria. Era maravilhoso poder vê-
la todos os dias e perguntar como havia sido seu dia. Era
maravilhoso me sentir à vontade para dizê-la que eu sentia
saudades dela quando ficava sozinha naquele apartamento.
Era maravilhoso dizer que a amava sem nenhum problema.

Meus dias ainda eram um pouco monótonos, mas eu não me


sentiria bem se reclamasse com Lauren. Minha vida era
praticamente a vida que uma princesa levava, mas como eu
sempre havia sido diferente, sentia falta de algumas pequena
coisas.

- Posso te perguntar uma coisa?

- Claro.
Estávamos vendo tv no quarto, esperando o sono chegar.

- Não quero que você ache que estou reclamando ou exigindo


nada... - Comecei - Mas você se lembra de uma conversa que
tivemos...

- Na casa dos meus pais?

Ela lembrava.

- É...

- Pensei que não fosse perguntar nunca. - Ela respondeu com


um sorriso simples nos lábios. Me virei para ela, um pouco
ansiosa. Sua atitude estava me enchendo de esperança.

- E então? - Perguntei, parecendo uma criança.

- Bom, você disse que queria algo simples... Achei algo que
você poderia fazer. Não é nada difícil, e infelizmente não deve
ser muito divertido também, mas se não gostar e quiser fazer
alguma outra coisa, pode vir falar comigo...

- O que é? - A interrompi, ansiosa demais para esperar que


ela finalizasse seu raciocínio.

- Lembra o que eu falei que você fazia pra minha família? 1

- Sim... - Consenti com a cabeça - Disse que eu era


bibliotecária...

- É. E sei que você tem um gosto pela leitura. Mas isso é mais
difícil do que a maioria das pessoas acha. É preciso ter pelo
menos bacharelado em biblioteconomia. De qualquer forma
alguma coisa que ao menos remetesse a isso. Pelo menos pra
quem não entende do assunto.
Notei que ela ficou um pouco sem graça, parando antes de
continuar a falar.

- E o que é? Diz logo, pelo amor de Deus!

- Não é nada muito interessante, mas... Bom, tem uma


biblioteca antiga a três quarteirões daqui. Fui lá e descobri
que eles queriam um ajudante. Você sabe, pra fazer nada em
especial. Catalogar, arrumar, inspecionar livros. Ver se estão
sendo devolvidos em bom estado, arrumar os novos... Essas
coisas.

Meus olhos brilharam. Eu não estava na frente de um espelho,


mas podia ter certeza disso. Era claro que aquele não era o
emprego dos sonhos de ninguém normal, mas para mim era
simplesmente maravilhoso.

- O salário não é bom... - Ela continuou - Mas o lado bom é


que não tem muita burocracia. E você poderia ocupar seu
tempo. Tenho certeza que pode descobrir muita coisa legal
lá...

- É perfeito... Ela me olhou desconfiada.

- Não é perfeito. Só procurei isso porque você disse que


queria algo simples e não se importava com quanto
ganharia...

- É perfeito! Simplesmente perfeito!

Lauren me encarava como se eu estivesse delirando de febre.

- Muito obrigada... - Falei, abraçando-a com um amor que não


poderia expressar em palavras.

- Não foi nada. Mesmo. Eu poderia ter arranjado algo muito


melhor...
- Não precisava! Você não sabe como eu gostei.

A expressão dela era de quem não sabia mesmo. Mas ela


sorria.

- Posso te dar algumas dicas. Esse foi o meu primeiro


trabalho. Eu tinha 12 anos, e estava fascinada com a ideia de
trabalhar e ganhar meu próprio dinheiro. Acho que meu pai se
orgulha de mim até hoje por causa disso. - Ela riu com os
olhos desfocados, claramente se lembrando da ocasião. Eu
estava tão feliz e fascinada com tudo que minhas íris
provavelmente haviam se transformado em corações rosas.

- Ah, você começa semana que vem.

E então a "semana que vem" chegou. Lauren me ensinou o


caminho até o lugar e me dei conta de que podia ir a pé
tranquilamente. Me sentia temerosa como uma criança no
primeiro dia de escola, mas quando cheguei ao local percebi
que não era preciso.

O sr. Blake, responsável pela biblioteca, embora muito


rabugento, era um senhor tranquilo. Talvez estivesse até mais
satisfeito do que o normal, porque dificilmente encontraria um
funcionário que se dispusesse a trabalhar em algo tão
aparentemente monótono por tão pouco, e ainda com um
sorriso nos lábios. Claro que ele não precisava saber que
minha satisfação se dava porque, comparado ao que eu fazia
no passado, qualquer trabalho se tornava imediatamente
agradável e satisfatório.2

A biblioteca era antiga. Não era enorme, mas também não


poderia ser considerada pequena. A maioria dos livros de lá
pareciam ser antigos também, distribuídos em grandes
estantes de madeira que iam até o teto. Eram dois andares, o
segundo sendo de acesso exclusivo aos funcionários. As
paredes e o piso eram de madeira escura também, dando um
aspecto aconchegante ao lugar.

Na frente, algumas mesas e cadeiras eram distribuídas em


cinco fileiras. Atrás ficavam as estantes, e entre elas algumas
mesas que provavelmente pertenciam a bibliotecários. Depois
de receber as instruções do sr. Blake, comecei o meu primeiro
dia no trabalho.

Estava mais feliz que pinto no lixo.7

Passei a acordar junto com Lauren, ela indo para a empresa e


eu indo para a biblioteca. Com o passar do tempo, uma
pequena ideia - que, segundo ela, era boa demais para ser
desperdiçada assim - começou a ser aplicada nas nossas
manhãs.

- Hmmmpppff...

- Bom dia. - Ela falou, com uma voz sedutora ao meu ouvido.
Fui despertada pelos seus beijos suaves no meu pescoço e o
forte cheiro de pasta de dente de menta.

- Espera... - Falei, completamente desorientada - Deixa eu


acordar...

- Você já está acordada.

Senti uma mão puxar para o lado minha calcinha sem a


menor cerimônia. Quando finalmente abri os olhos, notei que
ela estava em cima de mim, seu rosto a menos de dois
centímetros do meu.

- O que está fazendo? - Perguntei apenas para ganhar tempo.


Porque eu sabia perfeitamente o que ela estava fazendo.

- Você sabia que a prática do sexo matinal reforça as defesas


imunológicas do corpo e melhora o funcionamento de alguns
órgãos, além de melhorar consideravelmente o humor pelo
resto do dia? E esses são só alguns benefícios.

Eu não sabia se ela estava inventando aquilo ou se realmente


chegou a pesquisar sobre o assunto. Mas não me importava.

- Espera... - Repeti, sentindo sua mão desabotoar lentamente


os botões da minha camisa - Deixa eu escovar os dentes...

Ela me ignorou. Tentei argumentar que daquela forma


acabaríamos nos atrasando, o que foi exatamente o que
aconteceu no primeiro dia da sua brilhante ideia.

Imaginei que ela desistisse daquele plano, mas a solução que


mais pareceu lhe agradar foi acordar uma hora mais cedo.
Proibi que ela me tocasse antes que eu fizesse minha higiene
matinal. Lauren pareceu contrariada, alegando que a graça
era me acordar desse jeito. Eu até concordava: Tinha que
admitir que ser tirada dos meus sonhos pela língua dela
passeando pelo meu corpo - algumas vezes nos lugares mais
inapropriados - era bastante interessante. Chegamos então ao
acordo de que ela pelo menos não me beijaria até que eu
escovasse os dentes, já que os dela estavam sempre
escovados na altura que eu acordava. Ela parecia uma
adolescente de 16 anos com os hormônios em fúria. Mas eu
não desgostava nem um pouco disso, porque meu apetite
sexual parecia estar maior.

O problema era que, no resto do dia, por causa do sono


interrompido e de algumas noites de insônia, eu me sentia
incrivelmente sonolenta. Em determinado momento, quando
Lauren me perguntou como andava o trabalho, tive que omitir
o fato de quase ter caído da escada três vezes em uma
semana quando tentava organizar alguns livros em
prateleiras mais altas na biblioteca. Optei por esconder dela
também uma estranha ansiedade.

Por conta dela, passava vez ou outra por alguma desordem


estomacal. Minha digestão não andava muito boa, algumas
vezes me provocando enjoos extremamente desagradáveis.
Mas como não queria preocupá-la e estava convencida de que
aquilo era o resultado do processo de me acostumar a uma
vida nova, esperei que os sintomas passassem. Talvez eu
estivesse apenas desenvolvendo algum tipo de stress, mas
cedo ou tarde ele desapareceria. Era com isso que eu
contava.3

- Você está bem? - Ela perguntou desconfiada enquanto me


assistia caminhar até a cama com uma expressão exausta.

- Só com um pouco de dor nas costas. - Respondi, deitando e


sentindo alguns pontos da minha coluna estalarem
silenciosamente.

- Você parece exausta nesses últimos dias.

- É impressão sua. - Menti, tentando acalmá-la.

Eu me sentia exausta, mas não diria isso a ela. Soaria como


ingratidão.1

Ela continuou me encarando desconfiada, mas parecia


ansiosa com alguma outra coisa.

- O que foi? - Perguntei, agora curiosa.


- Queria conversar com você sobre uma coisa.

Aquelas palavras foram o suficiente para me deixar nervosa.


Sentei na cama, ignorando minha dor nas costas, para
encará-la melhor.

- Ok... - Respondi, já sentindo vontade de chorar. Por que eu


estava com vontade de chorar? - É sobre o quê? 

- Sobre uma mudança... Você não está bem! Não precisava


ser Sherlock Holmes para deduzir isso.

Meus nervos estavam à flor da pele, e esse fato estava claro.


Eu estava suando, tremendo e com os olhos cheios d'água.

- Só estou nervosa. Quero que você fale logo.

Ela continuou me olhando como se eu estivesse derretendo.


Senti vontade de gritar com ela, mas me contive.

- Você gosta daqui?

Daqui? Como assim daqui? Do apartamento dela?

- Gosto.

Ela continuou me encarando, como se procurasse pelas


palavras certas.

- Lembra quando eu disse que voltaríamos para Londres na


primavera?

Era claro que eu lembrava.

- O que tem?

Lauren começou a falar sem nenhuma hesitação.

- Eu sei que o seu passado está muito longe de nós agora.


Mas sei que você ainda tem alguns medos. E eu quero curar
todos eles. Sei que você nunca vai conseguir se sentir
completamente à vontade aqui, porque sempre vai ter algum
tipo de receio em ser identificada na rua. Sei que não vou
poder te levar em festas como minha namorada porque vai
sempre haver um risco de alguém te conhecer. E tenho
certeza que se isso por um acaso acontecesse, você se
importaria muito mais do que eu.

E então, prosseguiu:

- Eu vejo como você anda na rua. Não quero mais te ver de


cabeça baixa. Todos temos nosso passado, e você não
merece sofrer mais do que ninguém pelo seu. Não merece
correr o risco de ser julgada mais do que ninguém.

Meu cérebro começava a processar a informação que ela


estava querendo passar. Ainda assim, tudo o que fiz foi
continuar encarando-a como uma imbecil, até que a última
palavra fosse dita.

- Você disse que gostou de Londres. Eu também gosto de lá.


Por isso tomei a liberdade, mesmo que ousada, de fazer isso:
Tem uma casa a dois quarteirões da casa dos meus pais. É
um pouco menor que a deles, mas muito agradável. E é
nossa.

Ela fez uma pausa, caso eu quisesse dizer alguma coisa. E eu


queria dizer muitas coisas. Mas não conseguia emitir um
único som.

- Estou cuidando de algumas pendências que tenho aqui.


Daqui a um mês vou poder oficialmente nomear Ally como
diretora. Ela sempre foi muito mais competente do que eu
mesmo, a empresa vai estar em ótimas mãos. Quanto ao seu
emprego, tenho certeza que posso achar alguma coisa igual
em Londres.

E como se quisesse me fazer responder de alguma forma, ela


segurou minhas mãos nas suas de forma suave, me
encarando com amor.

- Mas é óbvio que eu não resolveria tudo isso sozinha. Não


quero impor absolutamente nada. Por isso, se você não quiser
ir, se quiser continuar aqui, eu cancelo tudo. Só estou fazendo
isso porque acho que vai ser melhor pra você. E se for melhor
pra você, então é melhor pra mim também.1

Londres. Lauren queria se mudar para Londres. E queria me


me levar junto. 

Ela sorria de forma simples para mim, talvez porque estivesse


esperançosa que eu gostasse da ideia mas provavelmente
porque sabia que não tinha a menor possibilidade de eu não
gostar. Não havia essa possibilidade. Ela devia saber disso.
Ela devia saber que não precisava falar que eu tinha a opção
de ficar se quisesse.Porque me mudar para Londres, o meu
mais novo lugar favorito no mundo, era como sonho. Porque
as chances de algum filho da puta me encontrar e trazer o
passado de volta para estragar a minha vida se tornariam
remotas. Porque eu passaria a estar perto da família dela. E
eu amava a família dela. E vê-los unidos me deixava
incrivelmente feliz.

- Pode ao menos me dizer por que está chorando? - Ela


perguntou, secando meu rosto e apertando minhas mãos para
que eu reagisse. - Espero do fundo do coração que seja de
alegria...
Me atirei nos seus braços, abraçando-a com força, e
simplesmente fiquei ali. Me permiti botar pra fora todo o
choro que machucava minha garganta, escondendo meu
rosto no pescoço dela e deixando que as lágrimas
escorressem sem me sentir constrangida. Pelo menos até a
parte que comecei a soluçar.

- Camz... Você não está bem... - Ela falou, tentando puxar


meu rosto para que ele ficasse à vista, mas me forcei a ficar
escondida no seu pescoço.

- Estou mais do que bem. - Falei contra a sua pele, tentando


conter o tremor na voz.

- Por que está chorando desse jeito?

Devia ser TPM. Não importava.2

- Eu amo você. Obrigada por tudo.

Ela me abraçou de volta, tão apertado que por mais um pouco


não me machucaria. Me dei conta de que sentir seus braços
de forma tão firme ao meu redor era uma das melhores
sensações do mundo, senão a melhor.

- Eu também amo você. Mas por favor, pare de chorar. Você


está me assustando.

Embora ela estivesse falando sério, não consegui deixar de


rir.

- Você já falou com seus pais? - Perguntei, ainda agarrada a


ela, sem permitir que ela olhasse para mim.

- Não. Minha ideia é contar quando já estivermos lá, apesar de


que tenho uma vaga impressão de que minha mãe já
desconfie de alguma coisa.
- E quando nós vamos?

- Fim de Março, no máximo início de Abril.

Meu coração acelerou de alegria. Me apertei contra ela outra


vez, tão radiante que mal conseguia me conter. Meus olhos
continuavam a jorrar litros de água para fora do meu corpo.
Talvez eu desidratasse. Mas não importava. Aquelas lágrimas
valiam a pena. Era como se todos os meus medos e
inseguranças estivessem me deixando aos poucos, sendo
substituídos por uma felicidade incrível. Ela passou o resto
daquela noite me dizendo como era a casa, e como seria
morar lá, e como Clara ficaria feliz com isso. Eu sabia que ela
adoraria, inclusive era um dos verdadeiros motivos por eu
mesma ter ficado tão feliz. Eu estava radiante. Era
exatamente como seriam meus melhores sonhos. Estava tão
feliz que todo o sofrimento pelo qual havia passado parecia
tão distante que talvez eu sequer lembrasse direito. Era como
diziam: Sem o amargo, o doce não seria tão doce. E eu podia
sentir claramente a doçura em que minha vida estava
mergulhada agora.

***

Os dias seguintes à novidade foram alguns dos melhores da


minha vida. A expectativa de estar perto de pessoas que eu
sabia que me amavam era uma coisa maravilhosa, e não era
raro perder o foco no trabalho pensando no futuro breve em
que eu reencontraria Clara e Michael, levando a filha deles
junto comigo. E então o único aspecto que fazia com que eles
gostassem um pouco menos de mim - manter Lauren longe -
não existiria mais. Como bônus, o dia do meu pagamento
chegou. Senti medo, literalmente, de não conseguir lidar com
tantas notícias boas ao mesmo tempo e simplesmente
enlouquecer. E então eu ia me convencendo de que ficava
mais estranha a cada dia.

- Amor?

- Sim.

- Tem um cheque na minha carteira.

Continuei olhando-a de forma doce, sem dizer nada.

- Como ele foi parar lá? - Ela insistiu.

- Eu coloquei lá.

Ela me olhou de forma inquisitora.

- Que foi? - Perguntei inocentemente.

- O que você espera que eu faça com ele?

- Ahn... Deposite na sua conta, talvez? Ou saque.

Lauren fez uma cara de "entendi" e ignorando completamente


minhas explicações, me devolveu o cheque.

- Ei! É seu!

- Não. - Ela me olhou como olha para uma pessoa idiota - É


seu. Você trabalhou por ele.

- Mas você disse que eu poderia fazer o que quisesse com o


dinheiro! E eu quero dar pra você!

- Isso não tem o menor cabimento! Por que está me dando


todo o seu salário?

- Porque é só um pouco de tudo o que você gastou...

- Camz, não começa.


Ela falou de um jeito sério, e por algum motivo isso me
fragilizou.7

- Não, não chora! Pelo amor de Deus!

Eu não sabia se ela estava desesperada ou sem paciência,


mas qualquer que fosse o caso, já era tarde.

As lágrimas começaram a descer sem que eu pudesse fazer


nada.

- Ok, eu fico com o cheque. Mas por favor, não chora...

E meus dias passaram a ser assim. Sempre que coisas desse


tipo aconteciam, eu me achava uma completa idiota: Minha
vida era maravilhosa, então porque eu não parava de chorar e
me irritar como uma depressiva suicida?

- Amor, talvez você devesse ir a algum psicólogo... Quer que


eu marque? - Ela me disse um dia, e então briguei com ela
porque, além de me chamar de louca, achava que eu era
incompetente.

Ally passou a almoçar quase todos os dias comigo. E eu sabia


que era a pedido de Lauren.

- Lauren disse que você anda irritada com ela. - Ela falou,
enquanto comia a sobremesa.

- Não estou irritada... Só estou confusa, acho. Deve ser essa


coisa toda da mudança...

- Eu sei. Deve ser difícil se acostumar com tantas mudanças


ao mesmo tempo. Mas sei que vai dar tudo certo.

Por algum motivo, Ally se tornou em pouco tempo minha


amiga. Não falávamos do passado, mesmo porque não fazia o
menor sentido estragar o clima bom com as merdas que
ficaram para trás. Saíamos, conversávamos, fazíamos até
compras juntas. Bem, ela fazia compras. Eu a acompanhava.

- Como vão Emily e Julia?

- Ótimas. Acho que elas gostaram de você.

Eu também havia gostado delas. Pensei que mudar para tão


longe não me traria tristeza alguma porque nada me prendia
aqui, mas fui pega de surpresa ao constatar que sentiria
muita falta da família de Ally. Principalmente das meninas, o
que não fazia muito sentido até mesmo porque eu só as havia
visto uma única vez.

- Está nervosa por ser diretora da empresa? - Perguntei,


tentando afastar a emoção.

- Sim. Pode parecer que sou muito segura, mas é uma


responsabilidade enorme.

- Mas, no fundo, sempre foi você que tomou as decisões.

Ela riu, porque sabia que não tinha como negar aquela
afirmação.

- É diferente. Todos me vêem como uma secretária. Sei que


vou ter que passar por muitos preconceitos pra me fazer
respeitável. - Ela parou, olhando para mim - Você me
entende, não é?

Eu entendia. Perfeitamente. E ela sabia disso.

- Você vai ser uma ótima diretora. - Falei, tentando animá-la -


Tem competência o suficiente pra isso.
Ela sorriu, e foi durante aqueles poucos dias que não apenas
passei a gostar mais de Ally, como passei a vê-la como uma
verdadeira amiga. Talvez não tão próxima ou íntima, mas
certamente confiável e leal.

Ela me animava. Não que eu precisasse desesperadamente


disso, porque não estava deprimida. Minhas mudanças de
humor não se resumiam apenas a ficar normal e, minutos
depois, chorar compulsivamente.

Eu também tinha momentos de uma alegria efusiva, irritação


irracional e depravação profunda. Lauren obviamente gostava
desse meu último estado de espírito.

- Isso...

- Você não estava com dor de cabeça há algumas horas


atrás? - Ela perguntou, enquanto metia com força em mim e
falava contra a minha boca.1

E eu realmente estava, o que fazia com que minha vontade


de fazer sexo chegasse a ser negativa. Mas não era minha
culpa que, ao acordar às 3:15h da manhã, eu tenha sido
tomada por uma vontade súbita e enlouquecedora de ser
comida por ela.

- Está reclamando que eu tenha te acordado? - Falei, um


pouco provocativa.

- Não mesmo. Você será sempre bem vinda quando quiser me


acordar com um boquete de novo.

Mas nos momentos em que meu lado ninfomaníaco


despertava, eu não era de muito papo.

- Certo. Cala a boca e me come.2


Ela não se importava. Ou pelo menos parecia não se importar,
De qualquer forma, não era como se eu estivesse só trepando
com qualquer uma. Estava muito longe disso. Eu ainda a
amava, talvez mais a cada dia, e nunca havia feito " apenas "
sexo com ela. Mas ultimamente minha libido estava
explodindo.

Eu me sentia mais confiante na nossa relação. Não que não


me sentisse antes, mas saber que eu podia me abrir em
qualquer aspecto com ela me dava uma força impressionante.
Podíamos conversar sobre qualquer coisa, e isso incluía, vez
ou outra, algumas referências ao meu passado conturbado.
Mas não era como antes, que uma simples menção parecia
ser um castigo: Se algo tinha que ser falado ou explicado,
então era isso que era feito.

Sem drama, sem frescura.

Isso só fazia com que os poucos obstáculos restantes em mim


fossem ruindo, um de cada vez. E contar com ela para me
ajudar a romper algumas barreiras só fazia com que eu a
amasse ainda mais.

Como nunca imaginei ser capaz de amar alguém.

E eu a amava tanto que às vezes era necessário dizer isso a


ela assim que a vontade surgia, fosse enquanto fazíamos sexo
ou enquanto ela lavava a louça.

- Eu considero traição transar com uma pessoa e pensar em


outra. É muito esquisito se você for parar pra pensar.

Estávamos vendo um filme na tv, onde exatamente isso


estava acontecendo. Lauren estava encostada na cabeceira
da cama comigo entre suas pernas.
- Por que seria traição? - Ela perguntou, tentando entender
meu ponto de vista.

- Bom, tudo bem. Pode não ser traição, mas é injusto. Se você
dorme com uma pessoa e pensa em outra, é sinal que só está
usando a pessoa com quem você está no momento. E mesmo
que ela nunca vá saber... 

Bom, ainda é injusto.

- Hum... Isso conta pra masturbação também?

- Claro que não. Aí você precisa mesmo pensar em alguém,


né?

Ela ficou calada por algum momento, e senti que estava se


decidindo se deveria ou não continuar com o assunto.

- Eu já tive que pensar em você enquanto estava com uma


garota.

Fiquei em silêncio. O que eu deveria responder? Que bom?

- Eu estava com sono. - Ela continuou - E queria gozar logo.


Mas não conseguia...

- Queria dormir? Pelo visto ela não era muito boa, né? -
Perguntei, ainda olhando para a tv, mas muito atenta à
conversa.

- Ela era bonita e tal... Mas, não sei... Acho que o problema
era que ela não era você. Eu estava meio obcecada por você
na época.

Sorri, mesmo aquilo sendo horrível.

- Você é uma péssima pessoa. - Falei, mais contente do que


deveria. Seguindo o meu raciocínio, ela havia se aproveitado
daquela garota, mas eu realmente não estava me
importando.

Ela riu atrás de mim, dando um beijo delicado no meu


pescoço.

Ficamos em silêncio por mais algum tempo, mas eu sabia que


aquilo não terminaria ali. Lo era mesmo como uma criança
que precisava de algumas certezas.

- Você nunca fez isso? - A voz dela saiu tímida, quase como se
estivesse se sentindo culpada por fazer aquela pergunta -
Quero dizer, nunca gozou com outra pessoa pensando em
mim?

Eu estava de costas para ela, mas podia apostar que Lo


estava com sua cara de cachorrinho-manco-sem-dono.

- Não. - Respondi simplesmente. Pude sentir um suspiro no


meu pescoço. Sabia que ela estava triste pela resposta, mas
sabia que o que estava prestes a contar a ela a deixaria
radiante.

- Nunca gozei com outra pessoa.

Deixei que aquele pedaço de informação fizesse o efeito que


eu sabia que faria.

- Nunca gozou com outra pessoa? - Ela perguntou, depois de


algum tempo.

- Não.

Mais silêncio.

- Nunca?

- Nunca.
- Eu fui a primeira que fez você gozar?

De quantas maneiras ela poderia formular aquela mesma


pergunta?

- Sim, a primeira. E única.

Ela parecia um pouco incrédula, mas não tentei convencê-la


de nada.

- Por quê?

Como assim por quê?

- Porque, de início, você foi a única que achou o ponto certo


no meu corpo. E depois, foi o única pessoa que eu já amei. -
Me virei para trás, procurando seus olhos - Faz sentido, não?

Era claro que os olhos dela brilhavam como duas esferas


verdes. Ela não sorria, mas era simplesmente óbvia a
satisfação em seu rosto. Lauren não respondeu, apenas me
encarando com aquela mesma expressão. Virei para a
posição original outra vez.

- Está feliz por ter sido a primeira em pelo menos alguma


coisa comigo, não é? - Perguntei, encarando a televisão
distraidamente. Ela hesitou. Sabia que a própria essência
daquela pergunta era triste.

- Pode falar. Não vou começar a chorar.

E não ia mesmo. Eu me sentia segura tanto para fazer aquela


pergunta quanto para aceitar a resposta. Ela apenas me
abraçou como resposta, mas mesmo com seu silêncio eu
pude ouvir a confirmação daquela pergunta induzida. Seus
braços me apertavam com força, passando uma sensação de
posse, de domínio. Mas mais do que isso, eu sentia uma
estranha gratidão no seu ato. Algo que eu não poderia
explicar, porque simplesmente não fazia sentido. Era como se
ela estivesse me agradecendo simplesmente por torná-la
especial. Agradecendo, de alguma forma, por amá-la como eu
amava. Por deixar minha felicidade nas mãos dela.

Me desvencilhei dos seus braços de forma gentil, mudando de


posição e sentando outra vez entre suas pernas, mas dessa
vez de frente para ela.

- Quero que você seja a primeira em tudo. Pelo menos a partir


de agora. - Comecei, tentando, de forma discreta, alcançar a
gaveta do criado mudo ao seu lado. Não adiantou, ela
percebeu meu movimento, desviando seu olhar do meu e
encarando agora minha mão. Eu segurava o lubrificante que
ela já havia tentado usar comigo uma vez.

- Eu não... Não vou ser a primeira... - Ela hesitava em falar o


que queria, e eu sabia o porquê.

- Sim. Vai ser a primeira e única que vai fazer isso da forma
certa.

- Mas... Você já... Já te obrigaram...

Ela sentia. Sentia muito por aquilo. Sentia muito pelo que
havia acontecido comigo, eu podia ver na tristeza e na raiva
que seus olhos não conseguiam esconder.

- Aquilo não conta. Não merece ser lembrado, porque não foi
nada.

- Você não quer... Não quero fazer isso com você...

Lauren estava claramente dividida. Ela não dizia, mas eu


sabia que sua cabeça estava borbulhando de pensamentos.
- Eu quero. Quero que me mostre como é me entregar assim
da maneira certa. Porque a única maneira que conheço é a
errada, e eu preciso que você me faça esquecer disso.

Ela me olhava com um pouco de desespero até, e eu sabia


que um conflito interno estava matando-a. Mas eu queria tirar
todas as dúvidas dela. Por isso, encarei seus olhos e repeti,
pedindo silenciosamente que ela acreditasse na verdade que
havia sido empregada em cada pequeno pedaço daquela
frase.

- Eu quero que você faça. Quero que você apague isso de


mim. Quero que seja a primeira e única a fazer amor comigo
dessa forma.

- Você não faz ideia... Não faz ideia do quanto eu te amo...

Calei-a com um beijo. Ela retribuiu, perdida demais para


continuar negando o meu pedido. Perdida demais até para
pensar em qualquer coisa que fosse.

Não sei como, mas ela conseguiu puxar minha calcinha até os
tornozelos. Quando dei por mim, ela própria já estava
completamente nua, sentada em seus calcanhares e me
trazendo para cima das suas pernas, mantendo-me sentada
de costas para ela ali.

Não vi nada disso acontecer porque, embora eu realmente


quisesse que aquela hora chegasse, não conseguia deixar de
ficar nervosa. Não era medo, de forma alguma: Eu confiaria a
ela minha própria vida. Mas a ansiedade e o leve pânico que
eu sentia eram involuntários, como um trauma desenvolvido
na infância.
Senti um líquido gelado ser passado na minha entrada de
trás, mas imediatamente se tornou quente assim que Lauren
afastou seus dedos de lá.  Esperei de olhos fechados,
lembrando que era ela ali. Que era a pessoa que eu mais
confiava no mundo, e que só estava fazendo aquilo porque eu
queria. E eu queria.

Mas estava nervosa demais para manter as batidas do meu


coração da velocidade certa.

Ela beijou meu pescoço de forma provocativa, tocando


propositalmente nos pontos que sabia serem mais sensíveis.
Uma de suas mãos segurava suavemente minha cintura, sem
apertar, e a outra voou para o meu clitóris. Não podia vê-la,
porque estava de costas, mas me obrigava a lembrar, a cada
segundo, que era ela ali. Senti a cabeça de seu membro
encostar na minha entrada e estremeci.

Apertei com força a mão que ela mantinha na minha cintura,


o que foi um erro: Lauren mediatamente notou que eu tremia.

- Tem certeza... - Ela começou no meu ouvido, e ouvir sua voz


me deu uma nova onda de segurança e conforto.

- Tenho. - Respondi simplesmente.

- Você tem que relaxar...

Aproveitei enquanto o som da sua voz vibrava para me forçar


um pouco mais contra seu membro. Era quando eu podia
identificá-la ali que meu corpo relaxava, porque o trauma me
fazia lembrar constantemente de flashes da noite em que fui
estuprada.
Senti a cabeça de seu membro entrar em mim e fiquei imóvel,
tentando me acostumar com o encaixe. Queria que ela
continuasse falando alguma coisa, desesperada para
identificar sua voz e fazer com que meu corpo se mantivesse
receptivo a ela. Lauren abriu os botões da minha camisa, para
me dar uma sensação melhor. Passeou uma de suas mãos
todo o meu tronco, sem apertar nada, de forma muito suave.
Era como se ela quisesse destacar a diferença entre o que nós
estávamos fazendo agora e o que fizeram comigo um dia. Era
como se simplesmente quisesse fazer com que o meu corpo
reconhecesse seu toque.

Relaxei mais um pouco, sentindo-a se enfiar mais fundo


dentro de mim. De forma cuidadosa, lenta, pronto para
interromper o movimento a qualquer momento. Mas não
adiantava me enganar: Eu estava desconfortável.

Não conseguia relaxar completamente, mas ainda assim


estava feliz por não estar sentindo dor. Ela era cuidadosa.
Como sempre havia sido. Joguei minha cabeça para trás,
respirando contra seu pescoço e tentando sentir o perfume do
creme dela. Não consegui sentir nada, e meu corpo
imediatamente se fechou outra vez.

De repente, Lauren virou nossos corpos para a esquerda e


nos jogou para frente, me fazendo ter que apoiar as mãos no
colchão e ficando de quatro. Não entendi o que ela estava
fazendo. O movimento súbito fez com que eu me fechasse
ainda mais. De olhos ainda fechados, senti seu corpo se
apoiar no meu por um momento: Era como se seus braços
estivessem tentando alcançar alguma coisa, e no momento
seguinte voltamos à posição original, comigo sentada em seu
colo de costas para ela. Em nenhum momento seu corpo
havia saído do meu.

- Abra os olhos... - Ela falou um pouco ofegante ao pé do meu


ouvido. Eu obedeci.

À nossa frente, uma das portas do armário estava aberta. Ela


a havia aberto. Dela, pendia um espelho de cima a baixo,
mostrando perfeitamente a imagem invertida do que Lauren
estava fazendo comigo. Eu podia vê-la agora. Minhas mãos
apertavam com força as suas, que por sua vez estavam
firmes nos dois lados da minha cintura. Sua boca mordia o
lóbulo da minha orelha de forma provocativa, exatamente da
maneira que ela sabia que me enlouquecia. Procurei seus
olhos pelo reflexo do espelho e, quando os encontrei, vi que
ela já encarava os meus. Sem desviar o olhar, ela me segurou
com firmeza para que eu subisse um pouco em seu membro
e, logo em seguida, me empurrou para baixo outra vez. Não
consegui prender o gemido baixo ao senti-la daquela forma.
Senti-la e vê-la. E saber - lembrar - que aquela era ela.

- Quem mais poderia ser? - Ela suspirou baixo no meu ouvido


outra vez, como se pudesse ler meus pensamentos.

Senti cada terminação nervosa do meu corpo explodir, agora


eu mesma sentando nela com força e finalmente sentindo
prazer. Ainda que eu visse o quão desesperado ela estava
para apressar as coisas, Lauren se manteve calma, lenta e
quase submissa. Tudo que fez foi envolver seus braços na
minha barriga e manter o ritmo que eu ditava. Se estivesse
muito devagar ou muito rápido, eu a deixaria saber, usando
meu próprio corpo contra o dela. Era o suficiente para que ela
se adaptasse ao que eu queria. Mas não precisei corrigir nada.
Ela foi perfeita. Foi tudo perfeito.

Não gozei pela penetração por trás. Lauren me levou ao


orgasmo com seus dedos, e a visão de tudo pelo reflexo do
espelho me ajudou com as sensações, despertando meu lado
voyeur. Quando ela estava perto do seu próprio clímax, me
inclinou suavemente para que gozasse nas minhas costas. E
então, senti a tranquilidade tomar conta de nós duas,
enquanto um filme qualquer chiava na tv. Me sentia
estranhamente dopada, exausta. Fechei os olhos e esperei.
Ela saiu da cama por algum tempo, e quando voltou senti
uma toalha úmida limpando minhas costas. Quando ela
encostou em mim outra vez, moldou seu corpo ao meu na
posição de colher, beijando meus ombros e meu pescoço com
carinho.

Ouvi a televisão ser desligada. Sabia que, como eu, Lauren


não queria quebrar o silêncio, porque isso também era
perfeito. Nós duas sabíamos não haver palavras certas que
coubessem direito naquele momento, por isso tudo o que
fizemos foi permanecer ali, até que uma de nós caísse no
sono primeiro. Provavelmente seria eu.

Mas antes de me entregar aos sonhos, só porque a vontade


veio, agarrei a aliança que envolvia meu anelar direito e, de
uma vez, coloquei o aro naquele mesmo dedo da outra mão.
Se bem me lembrava tomando as próprias palavras de Lauren
como referência, eu tinha a opção de transformar aquele
compromisso no que eu quisesse. Não sabia dizer se ela havia
notado meu movimento.
Mas antes de adormecer, tive a impressão de sentir seus
dedos rodarem, como de costume, a aliança na sua mais nova
posição.1

***

- Não vou trabalhar hoje. - Falei com o rosto enfiado no


travesseiro. Lauren parou de beijar minhas costas
instantaneamente.

- Por quê? - Ela perguntou, e eu já identificava o tom de


preocupação em sua voz.

- Não estou me sentindo bem.

Ela deitou ao meu lado.

- O que você tem?

- Cansaço. E enjoo, de novo.

Lauren havia me visto vomitar duas vezes naquela semana, e


vinha se mostrando a cada dia mais preocupada com a minha
condição. Mas como realmente queria poupá-la, preferi
esconder dela as coisas que pareciam pouco importantes,
então não era como se eu estivesse a enganando ou algo
assim.

- Ok. Eu não vou trabalhar também.

Tirei meu rosto do travesseiro, encarando-a com a cara


amassada.

- Claro que você vai. - Falei em um tom mandão.

- Não vou. Vou levar você ao médico.


- Não precisa me levar em médico nenhum. Tenho certeza
que isso vai passar...

- Você diz isso há duas semanas!

- ... E além disso - Continuei, fingindo não ouvi-la -, eu tenho


pernas. Posso ir sozinha se passar mal.

- Até parece que vou te deixar ir sozinha nessas condições.

- Um taxi faz exatamente a mesma coisa que o seu carro.

- Não adianta. Nada do que você fale vai me convencer...

- Certo. Não era hoje que você tinha aquela reunião pela qual
está esperando há um mês?

Ela continuou me encarando, possivelmente processando


minhas palavras.

- Merda!

Lauren se levantou, procurando em volta alguma coisa.


Quando encontrou seu celular, automaticamente começou a
discar um número decorado.

- Vou avisar à Ally pra cancelar...

Pulei da cama e tomei o celular das mãos dela antes que


pudesse completar o número. Voltei a deitar no colchão de
bruços, com o aparelho debaixo da minha barriga.

- Quero meu celular de volta. - Ela falou, tentando empregar


um tom de monotonia na voz.

- Você vai trabalhar.

- Já disse que não vou. Se você piorar...

- Eu não vou piorar! Pare de me tratar como uma criança!


- Então pare de agir como uma!

- Vai à merda, Lauren! - Respondi, jogando um dos


travesseiros nela - Ou melhor, vai trabalhar!

- Não vou!

Olhei-a de maneira furiosa, sabendo que aquele era o


momento de usar minha carta curinga.

- Se você não for, eu faço greve.

Ela abriu a boca, incrédula. Sua expressão mudou


imediatamente de uma segurança plena para alguma coisa do
tipo "como você pôde jogar tão baixo?." A ameaça de falta de
sexo era sempre uma boa opção para qualquer pessoa,
principalmente quando se tratava de Lauren. Suspirei,
tentando fazer com que voltássemos a conversar como
adultas.

- Eu não vou piorar. Se acontecer alguma coisa, eu te ligo. Se


for preciso, você pode vir aqui e me levar a um médico.
Podemos fazer desse jeito?

Lauren ainda tinha aquela expressão de incredulidade, então


esperei que o bom senso voltasse a ela. Quando finalmente
pareceu ter pensado sobre a proposta, ela voltou a falar.

- E se você passar mal?

- Não se preocupe. O que pode acontecer de tão grave pra


que eu não consiga resolver sozinha? No máximo um enjoo.

Ela me olhou, ainda pensando se era ou não uma boa ideia


aceitar aquilo.
- Eu prometo. - Repeti, querendo que ela acreditasse em mim.
Lauren bufou.

- Tudo bem.

E dessa forma, depois de prometê-la mais três vezes que eu


ligaria para ela, independente do que acontecesse ou que
horas fossem, consegui tirá-la de casa. Claro que isso não fez
com que ela deixasse de manter contato comigo, e até o
meio-dia eu havia contado cinco ligações suas, apenas para
se certificar de que estava tudo bem mesmo.

- Ou você para de me ligar o tempo todo, ou vou desligar meu


celular. Você escolhe.

Eu não queria ser rude, mas por um momento me senti sendo


perseguida por uma maníaca. Claro que como a maníaca em
questão era Lauren eu não estava com medo. Mas, porra, ela
estava exagerando. E tudo que eu queria era descansar.

Ela me prometeu que ligaria menos vezes. Já era alguma


coisa.

Aproveitei o celular desocupado para ligar para o sr. Blake,


justificando minha falta. Ele não pareceu ficar irritado, e me
desejou melhoras.+

Capítulo 17

Pov Camila
Passei o dia todo deitada. Me levantava para ir ao banheiro
com frequência, e vez ou outra beliscava alguma coisa que
Lauren havia preparado durante a semana e permanecia na
geladeira. Escolhi um livro aleatório na biblioteca e comecei a
lê-lo, mas na terceira vez que acabei cochilando, desisti da
leitura.2

As horas passaram. Meu mal estar não.

Ainda assim, não vomitei, e fiquei animada com esse pequeno


feito. Estava quase dormindo outra vez quando fui pega de
surpresa pelo som da campainha. Depois de passar alguns
segundos me perguntando se devia ou não receber alguém
na casa que não era minha, decidi levantar e ver quem era.
Atendi a porta e dei de cara com Ally.

Eram exatamente 16h da tarde, e eu sabia que ela deveria


estar no trabalho. Mas também sabia porque ela não estava.

- Às vezes Lauren é muito desesperada. - Comecei, sequer


cumprimentando-a.

- Ela quase mandou três pessoas muito importantes irem à


merda hoje pra poder sair de lá e vir ver como você estava.
Então eu me dispus a vir no lugar dela. - Ela começou,
entrando e fechando a porta atrás de si.

Eu não precisava convidá-la, Ally já era de casa. Muito antes


de mim até.

- Por que ela é tão exagerada? - Perguntei, mas aquilo havia


sido quase uma pergunta retórica.

- Porque ela é a Lauren. - Ela respondeu, sentando-se no sofá


- Mas vamos lá: Como você está?
- Bem... Um pouco estranha ainda, mas bem.

- Defina "estranha."

Suspirei. Talvez para ela eu pudesse realmente contar o que


se passava comigo. Eu sabia que se pedisse a Ally para omitir
certas coisas de Lauren, ela o faria.

- Eu venho me sentindo estranha há algum tempo. Mas hoje


acordei mal disposta. Não sei, acho que estou com algum
problema gástrico. Às vezes não consigo colocar nada na
boca sem que fique enjoada, e outras sinto uma fome
desumana. E ando um pouco irritada também... Com
enxaquecas, dores nas costas... Acho que estou ficando
estressada.

Olhei para Ally, que me encarava com uma expressão neutra.


Imediatamente me senti idiota por dizer que poderia estar
sofrendo de algum stress, já que, sinceramente, minha vida
estava boa demais para que eu pudesse me estressar de
qualquer forma que fosse. Continuei falando, apenas para
tentar me sentir menos idiota mesmo.

- Ou isso ou então minha TPM resolveu se prolongar...

Por um momento breve, mas considerável, tudo que ela fez


foi me olhar de uma forma esquisita. Eu estava prestes a
perguntar se estava tudo bem, quando Ally voltou a si e falou.

- Eu acho que você deve ir a um médico.

Fiquei preocupada. Eu quase nunca a via concordando com


Lauren. Isso não devia ser um bom sinal.

- Você acha que é alguma coisa grave? - Perguntei, já um


pouco nervosa. Ela pareceu medir as palavras antes de falar.
- Eu não diria grave. Mas talvez seja importante.

Certo. Agora eu estava oficialmente com medo.

- Tudo bem... - Consegui responder, tentando conter o leve


pânico que começava a surgir dentro de mim - Vou marcar
algum dia...

- Vamos hoje. - Ela me interrompeu, mas logo em seguida


tentou me acalmar (porque eu tinha feito cara de desespero e
sabia disso), explicando - Você já faltou ao trabalho hoje
mesmo, e eu já estou aqui. Te faço companhia.

Aquilo poderia ter parecido um simples ato de camaradagem.


Mas não foi. Ally não queria ficar comigo aquela tarde só por
achar minha companhia agradável. Ela estava preocupada, e
isso estava claro. Sem pensar muito, vesti de qualquer jeito a
primeira roupa quente que encontrei e saí com Ally.

Ela me guiou até o seu carro, estacionado na calçada a


poucos metros do prédio de Lauren.

- Vai avisar a ela que estamos indo ao médico? - Perguntei, já


colocando o cinto de segurança.

- Não. É melhor pra todo mundo omitir isso por enquanto.

Eu concordava. Conhecia Lauren suficientemente bem para


dizer que, se disséssemos aonde estávamos indo, vinte
minutos depois ela estaria no mesmo lugar.

Quando chegamos a uma clínica não muito longe dali, Ally me


colocou sentada e foi conversar com a recepcionista. Comecei
a me irritar por ser sempre tratada como uma criança.
Quando ela voltou, me disse que eu veria um clínico geral dali
a alguns minutos.
- Clínico geral?

- Talvez isso não seja o caso para um gastroenterologista. -


Ela respondeu, mas novamente se apressou em me acalmar -
Mas eu estou só chutando. Pode ser uma infinidade de coisas,
só estou tentando cobrir todas as possibilidades.

Ela estava mentindo. Aquilo não era um chute. Ally podia não
saber exatamente o que era, mas ela suspeitava de alguma
coisa que não queria me falar. 

E esse mistério todo só fez com que eu fosse ficando


gradativamente mais nervosa.

Entramos em um dos consultórios e demos de cara com um


médico gordinho, baixo e barbudo. Ele parecia ser muito
simpático e agradável, mas eu só daria algum crédito à sua
aparente bondade depois de ouvir dele que o que eu tinha
não era grave.

No momento, eu estava muito ansiosa para ser agradável


com ele também.

- E então, Camila. Qual é o problema? - Ele me perguntou


sorridente, e eu respondi a verdade. Dei o quadro completo
de tudo que estava sentindo, há quanto tempo sentia e o que
fiz para melhorar. Dessa vez, não omiti nenhum detalhe. Ally
ficou de pé atrás de mim, e reparei que, vez ou outra, o Dr.
Collin (como dizia em seu crachá) lançava olhares rápidos
para ela, e décimos de segundos depois voltava sua atenção
para mim. Então tive certeza de que eles estavam mantendo
algum tipo de comunicação longe dos meus olhos.

- Então, vamos fazer alguns exames. Você tem medo de


agulha?
Tudo começava com um exame de sangue. Mas estava tudo
bem, porque primeiro, eu não tinha medo de agulhas, e
segundo, a reação do Dr. Collin me fez relaxar: Ele continuava
simpático e calmo, e, para o meu próprio bem, me forcei a
pensar que, se achasse que fosse algo sério, não continuaria
me iludindo com aquele sorriso agradável.

O exame foi feito, e a espera foi longa: Mais pelo meu


nervosismo do que pelo tempo em si, já que tudo que tive que
esperar foram trinta (longos) minutos. O telefone de Ally
tocou algumas vezes, mas ela simplesmente olhava para a
tela e não atendia.

- É ela? - Perguntei, sentada ao lado dela na sala de espera.

- É. Deve estar arrancando os cabelos.

- Não acha melhor atender?

- Bom, você quer que ela venha pra cá?

- Não...

- Então acho melhor continuar ignorando.

Ela estava certa, mas eu não conseguia deixar de pensar que


aquilo era maldade com Lauren.

Ela devia estar tão nervosa que provavelmente gritaria com


Ally pelas ligações não atendidas, e também comigo, por ter
esquecido o celular no apartamento. Comecei a ficar ansiosa
pela futura bronca também, e mais uma vez tive que segurar
a vontade de chorar - por algo que ainda não tinha
acontecido.

- Falta muito? - Perguntei feito uma criança, querendo ir


embora dali o mais rápido possível.
- Mais alguns minutos.

Eu estava impaciente. Impaciente e com medo. Ao mesmo


tempo que queria ver o resultado, não queria saber sobre a
doença, fosse ela qual fosse. Ally começou a conversar
comigo sobre banalidades, e eu respondia mecanicamente.
Ela perguntou sobre o meu emprego e se eu estava animada
para me mudar, mas tive a impressão que aquilo tudo só
estava sendo feito porque ela mesma queria preencher o
tempo com alguma coisa, para que ele passasse mais rápido
também. Ela mesma parecia um pouco tensa.

- O que você acha que é? - Perguntei.

- Não sei. - Ela respondeu, olhando para as mãos - Mas acho


que não é algo ruim.

- Qualquer doença é ruim. - Rebati sem pensar.

Ela não respondeu. Quanto tempo havia se passado? Dois


dias?

- Não aguento mais! Estou a ponto de tomar um calmante... -


E estava mesmo. Meus nervos estavam me matando - Tem
algum aí?

- Não. Você tem se medicado muito esses dias? - Ela


perguntou, de forma quase inocente.

- Não. Não tomo remédio, só em situações extremas. -


Confessei.

- Mas tomou algum durante, digamos... esse mês que passou?


Para enjôo, dor ou pra melhorar o humor?

- Não.
Ela pareceu mais aliviada. Ally e sua aura de mistério
estavam começando a me dar nos nervos também. O celular
dela tocou de novo, e, de novo, ela não atendeu.

- Karla Camila Cabello.- A enfermeira falou, e então


levantamos as duas e caminhamos até ela - Sala 302, o Dr.
Collin já está esperando.

Andamos pelo corredor em silêncio. Era um corredor longo e


cheirava a remédios. Eu estava começando a ficar enjoada
outra vez.

- Será que vou ter que operar alguma coisa? - Perguntei sem
pensar, quebrando o silêncio desconfortável - Eu vou estragar
a viagem pra Londres...

- Não se preocupe com isso. Se você tiver que fazer alguma


operação, acho que não vai ser por agora.

- Como assim? Operações não são feitas o quanto antes?

- Bom, em alguns casos... - Ela começou, mas não concluiu o


pensamento porque, no momento seguinte, entramos no
consultório médico.

- Olá novamente, senhoras. - Dr. Collin falou com um sorriso


fofo e sincero. Me senti automaticamente mais calma. Dessa
vez, Ally foi sentar ao meu lado, e eu tive a impressão de que
ela havia feito aquilo para o caso de ter que me segurar.

- Olá. - Me apressei em responder, sentada na beirada da


cadeira - E então? É só um stress idiota ou algo assim, não é?

- Bom... Não. - Ele respondeu de maneira categórica. - Você


não está doente.

Não estava doente?


- E então? - Perguntei outra vez, e Ally me empurrou para
trás, fazendo com que eu encostasse na cadeira. Era claro
que ela sabia o que eu estava prestes a ouvir. Mas eu não
fazia a menor ideia.

Por isso, durante um longo tempo, as palavras que se


seguiram foram as últimas coisas que eu lembrava ter ouvido,
ecoando dentro da minha cabeça como se quisessem me
convencer dos fatos.

- Não é óbvio? - Ele sorriu - Você está grávida.4

Continuava encarando o rosto gordo e bondoso daquele


médico. Qual era o nome dele mesmo? Bem, não importava.

Nada importava. Porque eu estava grávida.

- Era o que eu imaginava.

Aquela parecia ser a voz de Ally. Ah, sim. Ally. Ela estava ao
meu lado.

Mas não importava. Porque eu estava grávida.

- Mila?

A voz dela soou ao meu lado outra vez. Até onde eu


lembrava, aquele era o meu nome. Eu deveria responder? Ela
estava me chamando.

Mas o que importava?1

Pigarreei de forma suave, apenas para fazer algo além de


respirar. Me pareceu ser a coisa mais fácil a fazer. Tentei
raciocinar, mas obviamente não consegui. Ainda assim, fui
capaz de pronunciar a única resposta que meu cérebro havia
conseguido formular, em uma voz tão assustadoramente
calma que só tornava mais claro o tamanho do meu
desespero.

- Isso é impossível.

Talvez aquilo fosse uma óbvia prova de que eu duvidava dos


conhecimentos médicos do Dr. Collin. Talvez ele se
enfurecesse comigo, mas eu não estava exatamente me
importando com isso. Mesmo assim, ele não pareceu se
abalar com minha descrença, e seu sorriso permaneceu
sincero.

- Ah, não. Não é. Não estou dizendo que você pode estar
grávida. Estou dizendo que você está.

Eu inspirei. E expirei. E inspirei outra vez.

- Não existe a possibilidade de ser outra coisa? - Perguntei,


calma e pausadamente.

- Não. O que você acabou de fazer foi, além de outras coisas,


o exame Beta hCG. Ele diz se você está ou não grávida, e qual
o estágio da sua gravidez, através da medição da quantidade
do hormônio hCG no seu corpo. Seu resultado deu,
indubitavelmente, positivo.

- O resultado desse exame... - Comecei, de olhos fechados -


Constatou que eu tenho esse hormônio?

- Veja bem, o hCG é produzido não só na gravidez...

- Então eu posso não estar grávida! - Interrompi-o sem a


menor educação, desesperada para me agarrar àquele
pequeno pedaço de argumento. Ele me olhou pacientemente
e sorriu ainda mais, como se eu tivesse algum retardo mental.
- O valor de referência do hormônio em mulheres não
gestantes é inferior a 25 mUI/mL. O seu deu
aproximadamente 17.000 mUI/mL.

Encarei-o como uma imbecil. Tentei pensar em algo que


servisse como argumento, mas raciocinar parecia muito
difícil.

"Não é óbvio? Você está grávida."

"Você está grávida."

"Grávida."

- Mila? - Ally chamou de novo. De novo, não respondi.

- Doutor? - Chamei.

- Pois não? - Ele respondeu, sorrindo.

- Isso é impossível. - Concluí, esperando que ele me mandasse


ir à merda a qualquer momento.

- Por que acha ser impossível? - Ele perguntou, ainda muito


agradável.

- Porque eu tomo anticoncepcionais. - Respondi, com um ar


de triunfo.2

- Desde quando?

Desde sempre, eu queria responder. Mas pensando bem,


aquela não era a resposta certa. Eu sempre havia tomado
pílulas contraceptivas. Era necessário na minha antiga
profissão. Mas lembro, claramente, de ter interrompido o uso
delas assim que decidi me livrar da imagem de prostituta,
depois que Lauren foi embora.
- Eu sempre tomei. Parei com a medicação por algum tempo,
mas depois voltei a tomar.

- E durante esse período sem as pílulas, você teve relações


sexuais sem o uso de preservativo?

- Não. Não tive relações sexuais com ninguém nesse período.


- Respondi categoricamente, desejando mais do que tudo que
eles acreditassem em mim. Ally principalmente.

- E não esqueceu de tomar a pílula algum dia, depois que


retomou suas relações?

Não precisei fazer muita força para lembrar o único dia em


que eu havia, de fato, esquecido de tomar a pílula:
Justamente o primeiro dia que resolvi voltar com os
contraceptivos. O que correspondia, justamente, ao dia em
que Lauren havia me encontrado outra vez. Eu começaria
uma cartela nova exatamente naquela ocasião. Mas as
circunstâncias obviamente me distraíram e me fizeram
esquecer completamente daquilo. Voltei a lembrar apenas um
dia depois, só então iniciando de fato a cartela. Mas mesmo
assim...

- No dia que reencontrei Lauren.. - Comecei, como se o Dr.


Collin soubesse quem Lauren era - A minha namorada é
intersexual, e eu esqueci de tomar. Seria o primeiro dia da
cartela... Mas nós usamos camisinha!

- E continuaram usando nas relações posteriores?

- Não... Nós transamos sem preservativo no segundo ou


terceiro dia da cartela. - Falei, já lamentando pela minha
resposta, e me apressando em adicionar - Mas ela gozou fora!
O senhor acha que foi aí...?
- Não. As chances são remotas. Você disse que já estava
acostumada a usar pílulas havia algum tempo, então acho
que desde o momento que reiniciou com o primeiro
comprimido, já estava sob o efeito do anticoncepcional.

- Então... - Comecei, querendo alguma resposta. – Então, acho


que tem algum detalhe que você esteja esquecendo. Alguma
brecha. O que posso garantir no momento é isso: Você está
grávida.

Ouvir aquilo mais uma vez fez com que, de novo, meu
coração perdesse uma batida. Mas dessa vez, talvez porque
agora meu cérebro já havia voltado a trabalhar, aquelas
palavras não me machucaram. Não foi desesperante. Foi
apenas surpreendente.

Senti alguma coisa dentro de mim. Alguma coisa boa. Como


se uma energia desconhecida tivesse mergulhado dentro do
meu corpo e me dado uma sensação de esperança. Uma
sensação que, mesmo me assustando, me deixou feliz.

Instintivamente, trouxe minha mão esquerda até a barriga,


obviamente ainda muito lisa pelo estágio pouco avançado da
gravidez. Olhei para ela como quem espera por um susto
iminente.

- Não sei porque está tão nervosa - Ouvi-o dizer -, tenho


certeza que sua namorada vai adorar a notícia.

- Há quanto tempo... - Comecei, ainda encarando debilmente


minha barriga.

- Só é possível saber o tempo de gestação certo com uma


ultra-sonografia. Mas pelos níveis do hormônio no seu sangue,
calculo que esteja em torno da oitava ou nona semana.
- Isso dá dois meses completos. - Agora quem falou foi Ally -
Mila não sentiu falta da sua menstruação?

- Eu não menstruo. - Respondi mecanicamente - Emendo uma


cartela na outra, não tenho sangramento por privação.

E foi pensando naquela resposta que um pânico crescente


tomou conta de mim.

- Meu Deus... Eu tomei anticoncepcionais grávida!

- Calma. - Ouvi a voz do Dr. Collin tentando me acalmar - Não


tinha como você saber.

- Mas vai fazer mal ao bebê! - Argumentei, um pouco


desesperada.

- Não vai. Você está no início da gravidez, o feto não vai ser
prejudicado. Basta parar com as pílulas agora que sabe que
vai ser mãe.

- Eu bebi também... - Comecei a lembrar de todas as merdas


que tinha feito, e senti a pressão na minha cabeça aumentar.

- Quanto? - Ele perguntou.

- Três taças de vinho no Reveillon - Olhei para Ally sem motivo


algum - E uma taça também em uma outra noite...

- Você costuma beber?

- Não! - Me apressei em responder - Isso foi tudo que bebi.

- Tudo bem. Contanto que também não beba mais a partir de


agora. Você fuma ou usa algum tipo de drogas?

- Não.
- Ótimo. Não se auto-medique, algumas substâncias podem
fazer mal ao feto. A primeira coisa que você deve fazer agora
é procurar um obstetra. Ele vai guiá-la melhor. E não se
preocupe, seu bebê não corre risco.

Meu bebê não corre riscos. - Repeti para mim mesma - Meu
bebê.

Eu estou grávida.

- Mais alguma dúvida, Camila? - Ouvi a voz bondosa do


médico me tirar dos meus devaneios.

- Sim... Aquela porta é o banheiro?

Torci para que fosse, porque não esperei por sua resposta.
Corri para lá e consegui alcançar o vaso sanitário antes de
vomitar no azulejo do chão. Ally veio me socorrer, segurando
minha testa com delicadeza. Não vomitei muito, mesmo
porque tinha comido muito pouco.

- Espero que isso não seja nervosismo. - Ela concluiu, me


ajudando a levantar, e deixando claro que sabia que aquilo se
dava, sim, pelo meu estado emocional.

- Como eu vou falar pra ela? - Perguntei, não conseguindo


esconder o medo - Nós só paramos de usar camisinha porque
eu dei a ela a certeza de que usava essas merdas de pílulas...

- Calma. - Ally me interrompeu - O que você acha, que ela vai


te culpar? Lauren não é idiota.

Não era questão de ser idiota. Era questão de confiança. Ela


tinha confiado em mim, tinha certeza que não seria mãe por
acidente. Como eu explicaria aquilo a ela? Como, se nem eu
mesma entendia o que havia acontecido?
Saí do centro médico com os votos de boa gestação do Dr.
Collin. Senti a ficha cair aos poucos, como se fosse algo
impossível de aceitar de uma só vez. Uma gravidez não
estava nos planos de ninguém: Muito pelo contrário, estava
sendo evitada. Por isso, não consegui deixar a ansiedade de
lado durante todo o percurso de volta ao apartamento de
Lauren.

- Ok, eu tenho que falar. Desculpe, não queria trazer isso à


tona...

Virei para ela pela primeira vez, pega de surpresa pela voz de
Ally. A viagem havia sido silenciosa até aquele ponto. Eu
ainda estava digerindo a informação, tentando
desesperadamente traçar algum plano para quando Lauren
viesse com perguntas como "Onde vocês estiveram a tarde
toda?," e, depois da resposta, algo como "E afinal, qual foi o
diagnóstico?."

- Que foi? - Respondi, tentando organizar as idéias. O que Ally


falava quase sempre era importante, mas naquele momento
eu não conseguia dar importância a praticamente nada. Nada
que não fosse relacionado à coisinha minúscula que se
formava dentro de mim.

- Me desculpe... - Ela repetiu, tentando manter os olhos na rua


à nossa frente - Eu sei que não é da minha conta, sei que não
tenho que me meter na vida que você e Lauren levam... Mas
é sobre o filho de vocês...

Nosso filho. Meu e de Lauren. Nosso.

- E sei que é desagradável trazer de volta algumas coisas... -


Ally recomeçou - Mas você tem que se certificar de que...
Bom, de que não tem nada. Você sabe... Mulheres como
você... Você antigamente, claro... Você pode ter alguma
doença... E o bebê...

Foi a primeira vez que vi Ally gaguejar. Ainda assim, não me


deixei abalar com aquela lembrança. Ela não era
suficientemente importante para isso. Eu estava grávida, e
muito poucas coisas além disso importavam realmente. E
embora fosse inegável que "se meter" era exatamente o que
ela estivesse fazendo, ainda assim eu a entendia. Era claro
que Ally estava certa: Alguma doença poderia fazer com que
o feto corresse riscos.

- Eu estou limpa. - Falei num tom baixo, me voltando para a


janela do carona e observando as árvores que ficavam para
trás - Sempre fiz exames periodicamente. O último foi feito
depois que Lauren foi embora. E depois que isso aconteceu,
eu não estive com ninguém.

Pelo que eu podia ver da minha visão periférica, ela me


encarava com interesse enquanto esperava o sinal abrir. Não
dei importância.

- Desculpe... - Ela falou.

- Tudo bem. Eu não me importo.

E não me importava mesmo. Simplesmente porque nada era


importante o suficiente. Eu estava grávida.

Da Lauren.

- Por que está sorrindo? - Ouvi Ally perguntar, outra vez


colocando o carro em movimento.
- Por nada. - Respondi, tentando afastar a imagem que se
formava na minha cabeça de um bebê fofo, rosado e
sorridente, gargalhando enquanto Lauren beijava sua
minúscula barriga entre travesseiros fofos. Nos meus
pensamentos, ela parecia feliz com a novidade. Nos meus
pensamentos, ela me abraçaria e diria que me amava. E diria
que aquele filho era a melhor coisa que eu podia ter dado a
ela. Nos meus pensamentos, tudo seria perfeito. Mas nem
sempre as coisas aconteciam de acordo com os meus
pensamentos.

- Chegamos.

A voz de Ally me trouxe à realidade outra vez. Estávamos


estacionadas na calçada a poucos metros do prédio de
Lauren. Olhei em volta e notei que ela me observava.

- Ah... Obrigada. - Falei, sem nem saber direito pelo que


estava agradecendo. Saltei do carro com ela em meu encalço,
nós duas correndo para dentro do prédio na tentativa de
escapar do vento frio que o crepúsculo trazia. A pequena
viagem até o apartamento foi silenciosa.

Ally parecia querer me dar algum espaço, deixando que eu


falasse primeiro caso quisesse. E eu não sabia se queria
continuar em silêncio, me dando a liberdade de continuar
formando imagens aleatórias de Lauren com o bebê, ou se
queria conversar sobre aquilo, me forçando a voltar à
realidade e discutir sobre o que eu deveria ou não esperar
daquele assunto. Optei pelo silêncio, pelo menos até tomar
um banho e esfriar um pouco a cabeça. Milhões de
pensamentos borbulhavam dentro de mim - dentre eles
dúvidas, medos e alegrias - mas eu sabia que cedo ou tarde
teria que retomar o controle.

Passei as informações lentamente debaixo do chuveiro,


falando em voz alta comigo mesma na tentativa de absorver
melhor a verdade.

Eu estava grávida. Da Lauren. Meu filho não corria perigo. Eu


estava grávida. Da Lauren. Eu estava grávida. Eu estava
grávida.1

Repousei as mãos na barriga outra vez, sentindo a água


morna escorrer por ela. Olhei debilmente para o lugar,
sentindo mais alegria do que alguém normal sentiria ao
encarar um pedaço de pele.

Eu estava grávida. Aquilo era assustador. Aquilo era


maravilhoso. Quando me dei conta, já estava chorando.
Tentei conter as lágrimas bravamente, porque sabia que
qualquer emoção forte poderia refletir no meu bebê.

E eu não colocaria em risco o meu bebê. Nunca.

As lágrimas foram diminuindo. Junto com elas, diminuíram


também as batidas aceleradas do meu coração. Respirei
profundamente de forma repetida, buscando o controle
perdido sem querer.

Eu estava grávida. Havia alguém dentro de mim. Alguém


muito importante. Alguém que era meu, e que carregava um
pouco de Lauren também. Alguém que unia nós duas, a prova
de que eu pertencia a ela. A prova de que ela era minha
também. Eu estava grávida. E estava aceitando o fato de ficar
mais feliz a cada minuto.
- Mila? Está tudo bem?

A voz de Ally teimou em me puxar para a realidade.

- Sim... Já estou saindo! - Consegui responder, tentando lidar


com a felicidade que inflava meu peito como um balão de
gás. Era estranho, e ao mesmo tempo delicioso.

- Grite se precisar de alguma coisa!

Me enxuguei de qualquer jeito, sem prestar atenção em muita


coisa. Vesti o conjunto de moletom que havia deixado no
gancho atrás da porta e saí, me sentindo estranhamente
como uma bomba-relógio.

- Está sentindo alguma coisa? - Ela perguntou. Neguei com a


cabeça, indo me deitar entre as almofadas e o edredom
arrumados por Ally. Ela veio se sentar ao meu lado.

- Bom... - Ela começou.

- Bom. - Falei, apenas para emitir algum som. Ela me encarou


por algum tempo, provavelmente pensando em como
começaria a conversa.

- Então você está grávida.

Senti um leve arrepio percorrer minha espinha ao ouvir o som


daquelas sílabas outra vez, mas não estremeci. Era um
arrepio bom, e as palavras dela quase me fizeram sorrir.

- É...

- Como não notou antes?

- Eu não sei. Provavelmente por achar ser impossível.


- Os sintomas são bem óbvios. - Ela sorriu, achando realmente
graça naquilo - Não sei como Lauren não notou. Ela é bem
observadora.

Lauren. Ela não havia notado. Mas era hora dela saber o que
eu sabia.

- Não sei se devo contar a ela... - Comecei, pensando


realmente pela primeira vez na possibilidade da notícia não
ser recebida da forma positiva que minha imaginação
ilustrava. Ally me olhou como se eu tivesse falado algum
absurdo.

- Como assim? Ela tem que saber!

- A reação dela...

- Seja ela qual for, ela tem que saber! Ela é a mãe. Você não
fez isso sozinha.

Lauren é a mãe. Do meu filho.

- Ally ela confiou em mim quando eu disse que não


aconteceria...

- Acidentes acontecem. Se você não esqueceu de tomar


nenhuma pílula, então foi alguma outra coisa. Alguma coisa
que vocês têm que descobrir juntas.

- Mas... - Comecei, mas me calei quando tive a impressão de


ver a paciência de Ally diminuindo.

- Do que você tem medo afinal? - Ela perguntou,


genuinamente confusa. Ela não sabia, mas eu estava receosa
quanto a muitas coisas.
Lauren poderia se sentir enganada. Será que ela poderia
achar que eu havia feito aquilo de propósito, unicamente para
garantir que ela não me deixasse? 

Será que ela poderia achar que aquilo era algum tipo de golpe
por interesse? Ou pior, achar que eu já estava grávida antes
de encontrá-la? Será que ela poderia pedir para que eu não
tivesse aquele filho? O nosso filho?

- Você está bem? - Ally voltou a me perguntar, mas dessa vez,


minha linha de raciocínio não foi interrompida.

Eu não estava bem. Por que estava tendo aquelas dúvidas


absurdas? Por que estava deixando que uma insegurança tão
antiga voltasse com tanta força em um momento tão
importante da minha vida? Lauren e eu trabalhamos nisso por
algum tempo, eu não deveria cometer esse deslize. Por que
eu estava pensando naquilo? Ela me amava. Deixava isso
claro quase todos os dias, mesmo com minhas múltiplas
personalidades por causa da gravidez. E mesmo que fosse
uma gravidez que ela não soubesse, e mesmo que aquilo não
tivesse sido planejado... Ela nunca, nunca reagiria daquela
forma. Ela não era assim. Eu a conhecia.

Ally se materializou na minha frente, me oferecendo um copo


d'água.

- Você não está bem. Toma isso.

Aceitei a oferta e bebi a água de uma vez. Ela me encarava


como quem encara uma... grávida esquisita. Eu não poderia
verbalizar aqueles medos a ela. Eu me sentiria constrangida
até mesmo de cogitar aquelas possibilidades em voz alta.

Principalmente para Ally.


- Não sei o que você tem em mente, mas pelo que conheço de
Lauren - que não é pouco - eu posso te dizer isso...

E então, o celular dela tocou outra vez. E o que quer que ela
fosse me falar ficaria para outra hora.

- Todo seu. - Ela falou, me estendendo o aparelho.

- Quê? - Reagi assustada - O telefone é seu! Ela quer falar


com você!

- Ela quer falar sobre você. E tenho certeza que com você ela
não vai ser uma troglodita.

Encarei-a, ainda receosa.

- Ela nunca foi uma troglodita... - Comecei, mas fui


interrompida por um sorriso de vitória em seu rosto.

Encarei o telefone, vendo o nome dela piscar no visor


insistentemente. Agi por impulso, pegando o celular de suas
mãos e deslizando a trava virtual para atender a ligação. Ouvi
os berros de Lauren antes que eu pudesse dizer alguma coisa.

- VINTE E OITO LIGAÇÕES, ALLYSON! PORRA! ONDE


CARALHOS VOCÊ SE ENFIOU?

- Lo... - Tentei interrompê-la com uma voz tímida, mas ela


estava puta demais para lembrar que aquilo deveria ser um
diálogo.

- O QUE VOCÊ ESTÁ ESCONDENDO? ONDE ESTÁ CAMZ? PUTA


QUE P...

- Lauren! - Falei mais alto.

- Alô? Camz? - Ela respondeu, um pouco confusa, tentando


agora fazer com que sua voz voltasse a um tom civilizado - Oi,
amor. Pensei que fosse a Ally. Por que não atendeu o seu
celular? Eu fiquei preocupada... Você está bem?4

- Estou bem. Desculpa. Esqueci o telefone em casa.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos.

- Esqueceu em casa? Você não está em casa? 

Merda.

- Estou... Agora. - Respondi, lembrando que eu mentia tão mal


que não valia a pena tentar inventar alguma coisa de última
hora. Só tornaria as coisas piores.

- Você saiu?

- É... Eu dei uma saidinha. Ally foi comigo...

Mais silêncio. Esse um pouco mais longo.

- Pra onde vocês foram?

- Pra onde nós fomos? - Repeti a pergunta, olhando para Ally


na esperança que ela sussurrasse para mim qualquer
mentira. Pelo menos até o momento em que Lauren voltasse
para casa e eu resolvesse contar a verdade - ou partes dela.
Mas Ally continuou me encarando com aqueles olhos
castanhos quase pretos calmos, e então entendi que ela não
me ajudaria.

- É. Pra onde? - Ela insistiu.

- Nós demos uma passada no médico...

- Você piorou! Eu sabia! O que aconteceu? O que você tem?


Eu sabia que isso ia acontecer!

- Lauren?
- Estou chegando em casa, não saia desse apartamento! Não
saia da cama! Eu não devia ter ido trabalhar!

- Você está chegando? - Congelei, encarando Ally em pânico.


Ela pareceu tão calma quanto antes.

- Estou! Não deixe Ally ir embora antes que eu chegue! Não


quero você sozinha! MERDA!

Ouvi uma buzina alta e alguns palavrões proferidos das


profundezas dos pulmões dela.

- Você pode se acalmar? - Pedi, agora preocupada - Dirigir


nesse estado...

- Eu estou calma! - Ela falou, quase berrando - Você está


bem?1

- Já disse que sim. Por favor, se acalme.

- Vou me acalmar quando chegar em casa. Até mais. Te amo.

E desligou. Olhei para Ally sem saber o que dizer.

- Não se preocupe. Ela é uma ótima motorista até quando


está nervosa.

- Acho que ela quer te matar. - Falei, sem prestar muita


atenção. Ela sorriu, completamente despreocupada.

-Isso acontece de vez em quando.

Entreguei o celular a ela e me encostei na cabeceira. Aquela


situação já era delicada na sua essência.

O fato de Lauren estar tão nervosa só piorava, e muito, a


minha ansiedade.
- Bom... - Ela quebrou o silêncio - Em primeiro lugar,
precisamos entrar em contato com o seu ginecologista...

Encarei-a um pouco contrariada. Eu não queria entrar em


contato com o meu ginecologista antigo. Ele me fazia lembrar
de coisas que eu não gostava, já que, além de mim, era
também o médico das outras meninas.

- Você não pode me indicar um novo? - Perguntei, tentando


afastar aquelas lembranças.

- Claro. A minha ginecologista é muito boa...

- Ótimo. - Concluí rápido demais. Ela me encarou e eu tive


certeza de que Ally entendeu alguma coisa.

- E um obstetra. - Ela se apressou em falar, querendo encerrar


aquele assunto - O obstetra que acompanhou minhas duas
gestações também é excelente. Vou deixar os telefones com
a Lauren.

- Obrigada. - Falei, olhando-a nos olhos e já sentindo uma


pontada de emoção aflorando em mim - Por tudo.

- Não há de quê. - Ela respondeu simplesmente, sorrindo de


forma agradável - Você vai contar a ela, não vai?

Considerei a pergunta por algum momento, pensando qual


seria a melhor coisa a se fazer. Cheguei à conclusão que não
adiantava: Ela teria que saber, uma hora ou outra. Então, o
quanto antes isso acontecesse, melhor.

- Vou...

- Certo. Quer fazer isso sozinha ou...


- Não! - Interrompi-a - Fica aqui, por favor. Ela assentiu. Ally
sabia que ela tinha que ficar, simplesmente porque só ela
sabia como lidar com Lauren naquelas condições.

Eu nunca a tinha visto tão nervosa, mas tinha certeza que Ally
já estava acostumada a vê-la e a lidar com ela daquela forma.
Começamos uma conversa sobre gravidez. Agradeci por Ally
compartilhar sua experiência de duas gestações, dando
conselhos e me informando de tudo o que era
desaconselhável fazer. E cada vez que ela falava algo como o
bebê de vocês, minha mão voava mecanicamente para a
barriga e acariciava distraidamente o lugar. E então, ouvi o
barulho de chaves impacientes na fechadura da porta da sala.
Meu coração deu um salto.

- Não se preocupe. - Ally tentou me acalmar - Qualquer coisa


eu dou uma chave de pescoço nela.3

Ela sorria enquanto dizia aquelas palavras, mas em nenhum


momento duvidei que ela pudesse ser mesmo capaz de fazer
aquilo.

- Amor! - Lauren entrou no quarto, já tirando o sobretudo e


correndo na minha direção. Ela passou por Ally sem dizer uma
única palavra e foi se sentar ao meu lado, me dando um beijo
no rosto.

- Eu estou bem. - Falei na tentativa de tranquilizá-la ,enquanto


ela encostava sua mão no meu pescoço e na minha testa para
se certificar de que eu não tinha febre.

- O que você tem? - Ela perguntou, e senti pena dela pelo


estado de nervos em que se encontrava. Se a simples ideia de
uma doença fazia com que Lauren agisse daquela forma, o
que aconteceria quando ela soubesse a verdade?

Será que eu deveria responder à pergunta dela? O que eu


tenho? Um bebê.

- Calma... - Comecei, limpando a garganta - Eu não estou


doente.

- Não? Então o que você estava sentindo passou?

Olhei para Ally, um pouco desesperada. Ela fez um


movimento que me dizia para prosseguir, e vê-la ali me
acalmou um pouco.

- Não passou. - Falei - E acho que não vai passar antes de


aproximadamente sete meses. Ela me olhou com uma
expressão que eu só lembrava ter visto na minha mãe,
quando tive pneumonia com seis anos. Era uma expressão de
preocupação tão intensa que eu sabia que ela estava
sofrendo. Por isso, mesmo que toda a ansiedade do mundo
estivesse martelando contra o meu peito naquele momento,
respirei profundamente e tomei a coragem de falar o que ela
tinha que ouvir. Nem que fosse para acabar com aquela
tortura.

- Eu estou grávida.

Pov Lauren

Joguei o celular no colchão e voltei ao meu estado catatônico.


Camila me encarava de volta, com os olhos e nariz vermelhos
do choro. Instintivamente, olhei para sua barriga, que estava
escondida pelo casaco fofo do moletom, mas que eu sabia
estar ainda perfeitamente lisa. Ela notou e, por algum motivo
- ou talvez agindo por instinto também - colocou a mão na
barriga.

- Você está... Grávida... - Estendi minha mão e toquei em um


lugar muito próximo de onde a mão dela estava. Aquilo não
foi uma pergunta, mas também não soou como uma
afirmação.

Não era nada em particular: Apenas eu, tentando ficar


totalmente consciente dos fatos. Como se falar aquilo em voz
alta surtisse algum efeito.

- Estou... - Ela respondeu em uma voz muito baixa, quase


envergonhada.

Sim, ela estava grávida. Do meu filho. Nosso filho. Afaguei


gentilmente o tecido do casaco, com um medo irracional de
empregar muita força ali.

- Há quanto tempo...

- Dois meses. - Ela respondeu, com uma voz um pouco mais


segura.

Dois meses. Eu era mãe havia dois meses.

Sentei mais perto dela. Tive a impressão de ver Camila recuar


um pouco, mas devia ser apenas impressão. Encarei seus
olhos outra vez, e instantaneamente veio à minha cabeça a
imagem de um bebê perfeito com aqueles mesmíssimos olhos
de chocolate. Acho que sorri.

- Eu não sei como isso aconteceu... - Camila começou, e


imediatamente depois de ouvir aquilo, fui subitamente
tomado pela lembrança de um detalhe esquecido havia algum
tempo.
- Eu sei. - Falei calmamente, simplesmente por falar. Camila e
Ally - cuja presença ali eu esquecia com frequência - me
encararam assustadas. Olhei de volta para elas, enquanto
meus pensamentos voltavam um pouco no tempo,
confirmando os exatos dois meses de gravidez de Camila.

- A primeira noite que ficamos juntas...

- Nós usamos camisinha. - Ela me interrompeu, parecendo


querer que seu contra-argumento fosse o suficiente.

- Eu sei... - Continuei - Mas aquela noite... Foi você quem abriu


a embalagem do preservativo.

Camila continuou me olhando como se implorasse para que


eu desenvolvesse minha linha de raciocínio.

- E o que tem isso? - Ela perguntou.

- Você estava tremendo um pouco... Não conseguia rasgar o


plástico...

- E? - Dessa vez foi Ally quem se pronunciou, usando o tom


que ela costumava usar quando queria me agredir
fisicamente.

- E que... - Recomecei, olhando para Camila outra vez - Você


rasgou a embalagem com os dentes.

As duas ficaram em silêncio, processando a informação, ainda


me encarando. Após algum tempo, Ally havia entendido, mas
Camila continuava em silêncio, agora com o olhar desfocado.
Como não tinha certeza se ela havia chegado à conclusão que
eu queria que chegasse, resolvi terminar meu argumento, em
um tom de voz tão homogêneo e calmo que me fazia parecer
alguém à base de calmantes fortes.
- Você deve ter mordido a camisinha e furado a borracha.
Quando fui jogar no lixo, notei que estava pingando, mas no
calor do momento, não dei importância.

Ela continuou me encarando, sem nenhuma reação. Eu


esperei, voltando a acariciar o moletom na altura da barriga,
me permitindo agora fazer realmente alguma pressão e
encostar no corpo dela. Meu filho estava ali. Nosso filho.

- Eu estou grávida desde o primeiro dia... Desde o primeiro


dia que ficamos juntas?

- Acho que sim... - Consegui responder, puxando um pouco


para cima o pano e tocando diretamente em sua pele agora,
distraída demais para prestar atenção em qualquer outra
coisa.

- Então... - Ela falou, tão de repente que me assustei - a culpa


foi mesmo minha...

Culpa? Ninguém tinha culpa de nada, porque culpa era um


termo usado em situações onde algo ruim estava em questão.

E a única coisa em questão, naquele momento, era o meu


filho. O nosso filho.

Culpa não se encaixava naquela conversa, de forma alguma.

- Lauren? - Ouvi Ally me chamar, mas não me virei. Eu parecia


hipnotizada por aquela barriga.

- Sim. - Respondi, sem me mover.

- Você está bem?

Bem era um pouco vago. Eu não estava bem. Bem não dizia
tudo que eu sentia. Não dizia tudo que estava dentro de mim.
Era uma palavra muito simples, muito pobre para descrever
meu estado naquele momento. Eu não estava bem. Estava
em choque. Em êxtase. Estava tentando conter o turbilhão de
coisas no meu peito, tentando conter o grito, tentando conter
as lágrimas. Estava tentando ficar calma, tentando recuperar
o fôlego e o movimento das pernas. Estava tentando
recuperar o controle das batidas do meu coração.

- Estou, Ally. Estou muito bem.

Minha voz continuava calma e baixa. Como uma perfeita


psicopata, eu parecia até aquela personagem de "Dark
Paradise" traçando seus planos mais minuciosos. O quarto
mergulhou no silêncio outra vez. Eu queria levantar os olhos e
encarar Camila, mas não conseguia.1

Fui me sentar ainda mais perto dela. Estávamos tão próximas


agora que eu poderia apoiar minha testa em seu ombro, mas
mesmo assim não desviei o olhar de sua barriga. Espalmei a
mão ali, tentando inutilmente sentir alguma coisa. Ainda
assim, a simples sensação de estar o mais próxima possível
daquela criança me fazia bem.

- Ótimo. Vou deixar vocês a sós então. Não se preocupem, eu


sei onde fica a saída.

- Ally... Obrigada por tudo. Mesmo. - Ouvi Camila falar.

- Não seja boba, eu não fiz nada. Amanhã ligo pra você pra
trocarmos algumas informações.

- Ok... E desculpe te fazer ficar...

- Até mais...
Ouvi aquele pequeno diálogo, mas não processei palavra
alguma. Eu não estava realmente prestando atenção. Talvez
mais coisas tivessem sido ditas entre uma resposta e outra,
mas eu não saberia dizer. Não me importava.

O quarto ficou em silêncio outra vez. Por um longo tempo.


Experimentei aquela sensação de paz enquanto repassava na
minha cabeça, pela centésima vez, a frase que havia me feito
ficar naquele estado.

"Eu estou grávida." Camila estava grávida. Do meu filho.

- Acho que é uma menina.

A voz dela quebrou o silêncio, e por algum motivo aquilo me


fez despertar. Encarei-a sem conseguir fazer nada - talvez
esperando que ela me dissesse como agir -, perguntando
silenciosamente por que ela achava aquilo.

- Intuição. - Ela respondeu ao meu pensamento, e sorriu de


forma tímida, quase culpada. Admirei aquele sorriso por
algum tempo, sem dizer uma palavra. Fui atraída por aqueles
olhos como algum tipo de ímã, já me sentindo completamente
entregue a eles.

Subitamente entendi que a mulher à minha frente era, sem a


menor sombra de dúvidas, a mulher da minha vida. Não que
isso nunca tivesse me atingido em cheio, mas naquele
momento eu morreria por essa verdade. Ela era a pessoa
mais importante da minha vida. Ela me daria um filho.

Sorri de volta, encostando minha testa na dela e sentindo


minha garganta apertar. Queria dizer alguma coisa, qualquer
coisa, mas as palavras pareciam feitas de gesso. De repente -
não porque eu não esperasse, mas sim porque pareceu ser
rápido demais -, duas lágrimas caíram dos meus olhos. Camila
se apressou em limpar as duas, mas não seria tão fácil assim.
Não era um momento de descontrole passageiro. Era uma
emoção genuína, uma emoção tão forte que meu peito
parecia prestes a explodir. E então, tudo que precisei foram
alguns segundos até que estivesse literalmente soluçando,
chorando compulsivamente como uma criança nos braços
dela. 

Abracei-a de forma delicada, com um medo idiota de apertar


muito seu corpo. Escondi o rosto no pescoço dela e deixei que
as lágrimas simplesmente escorressem, sem a menor
intenção de impedi-las. Seus braços pequenos me envolveram
como uma mãe abraça uma filha crescida, me embalando e
tentando me acalmar. Por um segundo, temi estar
assustando-a com meu descontrole, mas não havia
absolutamente nada que eu pudesse fazer. Eu seria mãe.
Graças a ela.1

- Eu amo você. - Consegui falar contra seus cabelos, lutando


contra o choro e os soluços que me interrompiam em quase
cada sílaba - Obrigada por me fazer sentir uma alegria que
nunca imaginei poder sentir. Obrigada por voltar pra minha
vida e marcá-la dessa forma. Eu amo você...4

Beijei seu pescoço suavemente, querendo apenas sentir a


pele dela contra meus lábios. Seus dedos se enrolaram nos
fios do meu cabelo como ela sempre fazia, e isso foi o
suficiente para me fazer sorrir, mesmo em meio às lágrimas.
Porque eu sabia que ela faria isso. Porque eu a conhecia.
Porque ela era minha, e tinha me dado a chance de ser dela
da mesma forma.
- Eu também te amo... - Ela sussurrou no meu ouvido, e senti
minha garganta apertar outra vez. Eu conseguia amá-la ainda
mais. Agora em dobro. A partir daquele momento, não só
tendo a certeza que minha vida toda dependia dela, mas
também da criança que estava ali. E então, de repente,
Camila se tornou algo tão absurdamente precioso que me
senti vulnerável. Absolutamente NADA poderia acontecer a
ela. De nenhuma forma. Em nenhuma circunstância. Não por
simplesmente carregar meu filho, mas porque ela havia se
tornado, de uma forma irreversível e irrefutável, a pessoa que
tinha o papel mais forte na minha vida. Ela era a mãe do meu
filho. Isso era imenso. Ela era minha. Ela me daria um bebê, e
por mais que eu repetisse exaustivamente essas verdades
dentro da minha cabeça, elas não perdiam o valor. 2

Funguei contra seu pescoço, tentando voltar ao normal. Fiquei


por algum tempo parado, ainda abraçando Camila de forma
suave. O simples fato de conseguir parar de tremer fez com
que eu me sentisse melhor.

- O que mais sua intuição diz? - Perguntei, abafando o som da


minha voz na pele dela.

- Que ela vai ter os seus olhos. - Ela respondeu, fazendo


algum tipo de contorcionismo e conseguindo tirar meus
sapatos, abrindo as pernas e me permitindo me aconchegar
entre elas.

- Ah, não!

Ela riu baixo da minha decepção. Os olhos de Camila eram


perfeitos demais para que só existisse um par deles no
mundo. Seria maravilhoso que aquela criança trouxesse
aqueles olhos de chocolate com ela, arrancando de mim um
sorriso em cada momento que eu os encarasse também. Mas
tudo bem. Era só uma intuição. Ela poderia errar.

Suas mãos continuavam em meus cabelos, praticamente me


ninando. Então, pela primeira vez depois que recebi a notícia
da gravidez, percebi que o dia abarrotado de afazeres sem
Ally ao meu lado havia me deixado exausta.

Agradeci silenciosamente por estarmos em uma sexta-feira.


Me mexi, me sentindo um pouco desconfortável por estar
colocando todo o meu peso em cima do corpo de Camila.

Talvez eu estivesse exagerando no final das contas, mas


como mãe de primeira viagem, eu tinha o direito de ser
idiota.1

- Não se preocupe. - Ela falou, me puxando novamente para


perto dela enquanto eu tentava apoiar meu peso em outro
ponto.

Me perguntei se a gravidez estaria fazendo com que ela


desenvolvesse o estranho dom de ler minha mente. No final,
ainda de terninho, me entreguei ao cansaço e aos dedos dela
no meu couro cabeludo.

Sonhei com uma menina linda de olhos castanhos


misteriosos, pele branquinha igual a minha e cabelos lisos. 1

Sonhei com a minha filha.

E se isso fosse possível, eu tinha certeza que havia passado


aquela noite inteira sorrindo inconscientemente.+

***
Capítulo 18

Pov Camila

Acordei com o canto de um pássaro em algum lugar. Não me


lembrava de ter um sono assim tão leve, por isso a sensação
de simplesmente ser arrancada dos meus sonhos tão
facilmente era estranha. Mas não me importei.

Me espreguicei, ainda de olhos fechados, me virando


completamente na cama e, no processo, dando de cara com
Lauren. Ela vestia um conjunto básico cinza - calça de
moletom e camisa simples. Me lembrei que, na noite anterior,
não cheguei a vê-la tirar o terninho antes de nós duas cairmos
no sono. Por isso, tudo indicava que ela já estava acordada
havia algum tempo, embora seus cabelos ainda estivessem
um pouco úmidos do banho que não a vi tomar.

Ela me encarava de forma séria. Seus olhos estavam tão


claros e translúcidos aquela manhã que pareciam ser feitos
de vidro.

- Adivinha? - Ela falou, ainda me encarando, a poucos


centímetros de mim, com uma expressão de ansiedade e
surpresa. Ainda confusa pelo sono, não notei que ela parecia
um pouco divertida. Por isso, aquela pergunta, me pegando
desprevenida, fez com que eu me assustasse.

- Que foi? - Perguntei, já preocupada, tentando deixar minha


voz clara, embora ainda muito rouca.

- Eu vou ser mãe.


Encarei-a por um bom tempo, tentando colocar os
pensamentos em ordem e finalmente entendendo o que ela
estava dizendo. Enfiei o rosto no travesseiro e murmurei
contra ele.

- Não me assusta assim!

Ouvi-a sorrir ao meu lado, enquanto beijava meu pescoço de


um jeito fofo.

- Mas é verdade, não te contaram? - Ela começou, respirando


contra meus cabelos, enquanto um braço envolvia a minha
cintura - Eu vou ser mãe mesmo!

- Me contaram. - Provoquei, ainda contra o travesseiro - Antes


mesmo de contarem pra você.

Senti seu abraço afrouxar um pouco à minha volta.

- É... Eu devia estar lá nessa hora.

Encarei-a outra vez, talvez querendo me desculpar por


alguma coisa.

- Eu não sabia o que era... Pensei que fosse outra coisa...


Desculpa.

- Tudo bem... - Ela falou, penteando para trás com os dedos


os fios do meu cabelo, mas ainda assim consegui ver um
pequeno traço de uma tristeza verdadeira por não ter
recebido a notícia junto comigo.

- Você pode acompanhar de perto a gravidez a partir de


agora. Já é alguma coisa, né?

Ela sorriu de uma forma um pouco maléfica, e por um


momento tive medo do que se passava na cabeça dela.1
- Ah, não se preocupe. Eu vou estar muito presente.

No exato momento que minha resposta seria dada, o celular


dela tocou no criado mudo ao seu lado. Ambas olhamos para
o telefone, mas nenhuma de nós duas se mexeu.

- Não vai atender? - Perguntei, quando me dei conta de que


Lauren parecia um pouco longe daquela dimensão.

-Você acha que é necessário? - Ela me perguntou, com uma


cara triste.

- Pode ser alguém importante. Alguém querendo falar com


você.

Ela soltou um muxoxo de descontentamento e se afastou de


mim com relutância, rolando na cama para alcançar o
aparelho que ainda tocava a mesma música irritante.

- Ah, claro... - Ouvi-a dizer logo depois de identificar a quem


pertencia a chamada. Quando ela voltou a deitar ao meu lado,
destravou o aparelho e atendeu a ligação, sem, entretanto,
posicioná-lo próximo ao ouvido. Encarei a situação um pouco
curiosa.

- Você está no alto-falante, mamãe.

Era Clara. Talvez seu instinto materno a tivesse avisado que


aquela era uma boa hora para ligar e se inteirar da vida da
filha.

- Lauren... - Ouvi-a dizer, e sua voz parecia estranhamente


controlada. Como se ela estivesse se forçando a não gritar
- Taylor me ligou...
- Eu estranharia se aquela fofoqueirazinha não tivesse ligado.
- Ela rebateu de bom humor, encarando debilmente o celular,
assim como eu.

Lembrei que, na noite anterior, Taylor havia ligado para


Lauren. Mas eu não sabia o teor da conversa que elas
tiveram, porque além de ter sido rápida, poucas palavras
haviam sido trocadas. Então, Taylor havia ligado para Clara.
Mas o que ela tinha contado? E ainda, do que exatamente ela
sabia?

- É verdade? - A voz chorosa de Clara soou outra vez, e


subitamente respondi à minha própria pergunta
mentalmente: Tudo. Taylor sabia de tudo.

Lauren me encarou, como se me pedisse para prosseguir.


Ponderei por um momento se deveria ser eu a dar a notícia a
ela, mas como Lo parecia animada com a ideia, fiz sua
vontade.

- Oi Clara... - Comecei, apenas para informá-la de que eu


também estava ali - Bem... Sim... É verdade.

Houve alguns segundos de silêncio, até que um grito agudo


chegou aos nossos ouvidos através da ligação, fazendo com
que Lauren distanciasse o aparelho e apertasse um botão -
provavelmente cancelando o alto-falante -, calando
imediatamente o gritinho da mãe do outro lado da linha.

Ela colocou o celular próximo ao seu ouvido, agora mantendo


a conversa apenas entre as duas. Lauren sorria de uma forma
tão feliz que, por mais que eu não soubesse o que Clara
estava falando, senti vontade de sorrir também. Ainda assim,
pude captar fragmentos do diálogo apenas analisando as
respostas que ela dava. Coisas como "há quanto tempo,"
"quando vocês souberam" e "como Mila está?" com certeza
foram perguntadas.

Momentos depois, Michael entrou na conversa também.


Lauren parecia radiante em contar detalhadamente para os
dois a novidade, e a cada resposta seu sorriso se alargava
ainda mais, o que automaticamente fazia com que meu
coração perdesse algumas batidas e minha respiração saísse
em suspiros apaixonados. Vez ou outra ela olhava para mim,
com um olhar de preocupação um pouco exagerado e
esquisito. Nessas horas, tudo que fazia era sorrir para ela,
apenas com a intenção de dizê-la, sem interromper sua
ligação, que estava tudo bem. Foi quando, depois de muito
tempo, fiz menção de me levantar, que ela pareceu mais
apreensiva.

- Papai, tenho que desligar agora. Camz quer ir ao banheiro.


Até mais, um beijo.1

E assim, sem mais nem menos, desligou, vindo ao meu


encontro e se pondo de pé à minha frente. Encarei-a um
pouco surpresa, imaginando Michael naquele exato momento
ainda olhando para o telefone com um ar de que porra foi
essa?

- O que foi aquilo? - Perguntei, ainda sentada.

- O quê?

- Você acabou de desligar na cara do seu pai.

- Não fiz isso. Me despedi. Só tive que fazer rápido antes que
você se levantasse sozinha.
Continuei encarando-a com uma cara de Qual é porra do seu
problema?

- E se eu me levantasse sozinha...? - Perguntei, de forma


pausada.

- Você está grávida! - Ela respondeu de forma simples, como


se aquele argumento finalizasse a discussão, sem chances
para mais debates. Fiquei em silêncio, ainda a encarando.8

- Lauren?

- Sim?

- Não seja estranha.3

- Quê? Não estou sendo estranha! Tenho que tomar conta de


você.

Ainda fitando-a, achei melhor não dar corda àquela discussão.


Cedo ou tarde ela veria que estava exagerando, então aceitei
sua ajuda - mesmo desnecessária - e me levantei da cama,
caminhando até o banheiro para fazer minha higiene matinal.
Foi preciso convencê-la de que não havia necessidade de todo
aquele cuidado quando Lauren se mostrou relutante em sair
do banheiro. Tentei explicar, da maneira mais educada
possível, que eu queria fazer xixi e tomar banho sem que ela
ficasse como uma maníaca psicopata no canto me
assistindo.1

- Então deixe a porta encostada.

Consenti, já rindo daquele absurdo, porque era muito


engraçado vê-la me tratando como uma pequena bomba-
relógio. Ainda assim, não houve como não me sentir
extremamente feliz por constatar que meus medos idiotas da
noite anterior, que se resumiam nela contra à ideia de ser
mãe, foram simplesmente por água abaixo.2

Ela havia não só aceito, como ficado feliz. Muito feliz. Seus
olhos não conseguiam esconder aumentava - e muito - a
minha própria felicidade.

Quando saí, me deparei com uma mesa cheia das mais


diversas comidas, o que, segundo Lauren, era para suprir
qualquer vontade que eu pudesse vir a ter. Tentei dizê-la que
aquilo era demais, provavelmente podendo ser servido para
três pessoas, mas ela não pareceu me ouvir.

- Faltam algumas frutas, mas talvez hoje mesmo eu vá


comprar... - Ela começou, um pouco distraída enquanto
tentava equilibrar tudo aquilo em cima da bancada da
cozinha.

- Lo?

- Oi, amor? - Ela disse, se virando para mim como se o que eu


estivesse prestes a dizer fosse a coisa mais importante do
mundo.3

- Não precisa comprar mais nada. Eu não vou conseguir


comer nem um décimo disso tudo.

- Como não? Você está grávida!

Então, aquele era o seu mais novo argumento para qualquer


assunto que estivesse em pauta.

- Lo - repeti, com toda a paciência e o amor que eu sentia por


ela -, o bebê está no meu útero. Não no meu estômago.

- Mas grávidas sentem mais fome...


- Não acho que eu já esteja nessa fase. Eventualmente vou vir
a me sentir dessa forma, mas por enquanto...

- Bom - ela me interrompeu -, então tenho que me preocupar


pelo menos com a variedade. Digamos, por exemplo, que
você resolva sentir desejo de comer... Sorvete de
macadâmia.2

Encarei-a sem saber direito como agir, mas fazendo uma


força sobre-humana para não gargalhar.

- Lo - repeti seu nome mais uma vez, tentando fazer com que
ela entendesse que sua atitude estava atingindo um grau de
exagero quase preocupante - eu nunca comi uma macadâmia
na minha vida. Não sei nem o gosto disso.

- Bom, nós temos que tratar todas as possibilidades, não é? -


Ela disse calmamente, me fazendo sentar na cadeira que
segurava e se sentando ao meu lado, mais próxima a mim do
que o normal.

- Você sabe que tratar todas as possibilidades é impossível,


não é? - Perguntei, começando a realmente me preocupar
com o que ela dizia.

- Eu sei, amor. Mas sei que tem coisas que eu posso fazer, e
vou fazer tudo que estiver ao meu alcance. - Ela disse
distraidamente, puxando gentilmente para cima meu casaco
e espalmando a mão ali - Você está se sentindo bem hoje?

- Sim.

- Nenhum enjoo?

- Não por enquanto.


- Certo. - Ela pontuou, ainda encarando sua mão na minha
barriga. Ficou em silêncio por algum tempo, e depois voltou a
falar - Precisamos ir a um obstetra.

- Ally recomendou o que acompanhou as duas gestações dela.

- Ótimo. Vou ligar pra ela pedindo o contato.

Esperei que ela retirasse a mão dali e fosse se servir de seu


próprio café-da-manhã, mas Lauren parecia estranhamente
congelada naquela posição, seus dedos ainda grudados na
pele da minha barriga.1

- Não vai comer nada? - Perguntei, tentando trazê-la de volta.

- Já comi. Enquanto você estava dormindo. - Ela respondeu,


me encarando rapidamente e, depois, voltando a olhar para o
meu umbigo.

- Certo... - Falei mais para mim mesma, temendo que Lauren


estivesse começando a desenvolver um certo autismo.

Me servi como pude de suco de morango e torradas com


requeijão. Ela permanecia imóvel, apenas observando o que
eu comia e em que quantidade. Me perguntei se ela estava
ciente de sua mão fazendo carinho na minha barriga, e se
acreditava que o bebê ali dentro podia senti-la.

- Você já tem algum nome em mente? - Ela perguntou de


repente, quebrando o silêncio e me assustando um pouco.
Encarei-a e notei que ela estava sorrindo.

- Não... Você tem?

Ela alargou mais o sorriso, voltando a olhar distraidamente


para sua mão enquanto fazia círculos na minha pele.
- Ah... Eu gosto de alguns...1

Ela parecia uma criança. Uma criança boba e feliz por causa
de outra criança.

- E posso saber de algum? - Falei sem conter o sorriso que se


formou em meus lábios, encorajando-a a continuar.

- Bom... Se for menino... Eu gosto de Oswald.3

Oswald? Lauren queria dar ao nosso filho um nome que só


pessoas acima de setenta anos tinham?2

- Oswald? - Perguntei, de maneira retórica.

- É.

- Esse era o nome do seu avô? - Ironizei, desejando que ela


não ficasse irritada comigo.

- Como você sabe disso?

Outra vez, fiz força para não rir.

- Lauren, não acha esse nome um pouco... velho?

- Velho? Não... - Ela respondeu, com a expressão confusa e


linda, e tive vontade de agarrá-la - Acho um nome forte.

- Certo... Vamos torcer para que não seja um menino então. -


Falei, não conseguindo conter o riso dessa vez.

- Ei! - Ela fez cara de ofendida - Você tem um nome melhor?

- Não. Mas talvez algo mais atual...

- Tipo?

- Tipo Tyler... John.


- Todos feios. - Ela pontuou com uma carranca. Outra vez, tive
vontade de agarrá-la, mas tudo que fiz foi rir.1

- E se for menina? - Perguntei, tentando trazer de volta seu


bom humor.

- Não sei... - Ela respondeu.

- Eu também não.

Instantaneamente lembrei da menina do meu sonho, e de sua


resposta quando disse que ainda não tinha um nome. Isso só
fez com que minha intuição ficasse ainda mais forte quanto
ao sexo do bebê ser feminino, me assustando um pouco
também.

- Hm... Vamos pensar nisso juntas então.

Quando a informei de que já estava satisfeita e me levantei


para ir lavar a louça - algo que eu até gostava de fazer -
Lauren me expulsou da cozinha, e eu tive a certeza de que
ela só não o fez a base de pontapés porque seu filho estava
na minha barriga.

- O que você quer fazer agora? - Ela perguntou, me levando


para a sala.

- Eu queria lavar a louça. - Respondi a contragosto.

- Certo. Isso é por minha conta. Mais alguma ideia?

Minha resposta teria que esperar, porque naquele momento o


telefone dela tocou mais uma vez. Como antes, ela atendeu
ao aparelho colocando-o no alto-falante, enquanto se sentava
comigo no sofá.

- Bom dia, Chris.


- PORRA, LO! GRÁVIDAS? VOCÊS ESTÃO GRÁVIDAS?1

- Estamos, cara! - Lauren respondeu simplesmente, com um


sorriso lindo no rosto. Eu sabia o motivo: Aquela novidade
tinha sido boa para ela, mas toda vez que mais alguém sabia
e reagia daquela maneira, ela se sentia animada quase como
se estivesse recebendo a notícia pela primeira vez. Eu sabia
disso porque era assim comigo também.

- Eu sabia que era só você começar a foder a sua namorada


direito, sua inútil.

Lauren corou, e isso foi tão surpreendente que tudo que


consegui fazer  foi rir.

- Você está no alto-falante, seu infeliz!

- Ih, foi mal! Mila, se você estiver aí, foi só forma de dizer!

Eu ia responder, mas Lauren rapidamente apertou um botão e


trouxe o telefone para sua orelha, tornando a conversa
privada outra vez.

- Seu idiota... - Ela começou, mas eu tinha certeza que Chris


não daria papo. Por isso, menos de um minuto depois a gafe
havia sido esquecida e Lauren estava, outra vez, como uma
criança quicando no sofá, enquanto contava todos os detalhes
ao irmão.

Conforme ela ia repetindo todas as informações, meu cérebro


aproveitava para processá-las. Não porque eu ainda não
tivesse aceitado, mas sim porque às vezes a ficha teimava em
não cair. E então, lá estava eu, de volta ao estado "meu Deus,
estou grávida mesmo..."
- Desculpa... - Ela começou com o celular já desligado,
tocando de forma delicada meu queixo e me fazendo voltar à
realidade - Chris é muito grosseiro, mas ele não quis te
desrespeitar...

- Eu sei. Não estou chateada. - Falei de forma sincera,


retirando sua mão do meu rosto e entrelaçando meus dedos
nos dela - Não tem problema.

De repente, reparei que Lauren estava perto demais. E a


proximidade dela ainda provocava em mim tremores
involuntários. Talvez nunca deixasse de provocar.

Subitamente, senti uma vontade incontrolável de beijá-la,


mas mais rápido que a minha vontade foi o toque no celular
dela. Outra vez.

- Puta que pariu! - Ela xingou, olhando no visor e identificando


de quem era a chamada - Oi, Ally.

Dessa vez eu não ouvi a conversa. Simplesmente deixei que


elas conversassem, me encostando no corpo de Lauren e
deitando a cabeça no seu ombro. Fiquei ali por um bom
tempo, me permitindo apenas sentir o perfume das roupas
dela e seu corpo se mexendo delicadamente com cada
palavra que ela pronunciava.

- Ah, sim, obrigada! Vou ver... Mas ele está lá hoje? - Lauren
ficou em silêncio por algum momento, esperando a resposta
- Ok, vou tentar. Obrigada, Ally.

Observei-a desligar e acessar seus e-mails do próprio celular.

- Que foi? - Perguntei, querendo me inteirar do assunto.


- Você está bem disposta hoje? - Ela se aproximou da minha
orelha e falou contra meus cabelos, enquanto conectava o
aparelho à internet.

- Uhum... - Respondi, me esfregando nela como um gato.

- Então nós vamos ao obstetra.

Ah, sim. O médico.

- Vou tentar ligar pra ele e pedir pra te encaixar em algum


horário disponível. Ally me mandou o telefone e o endereço
por e-mail.

Assenti com a cabeça, me agarrando nela e ficando por ali.

- Você vem comigo? 

Lauren se virou para mim e me olhou como se eu tivesse


acabado de perguntar algo tão óbvio que sequer merecia ser
respondido.

- É claro que eu vou com você.

Outra vez vi um certo ar maníaco em seus olhos, mas relaxei


ao constatar que sua surpresa provavelmente se dava só
porque ela havia achado a pergunta estúpida mesmo. Esperei
que ela fizesse a ligação, e se por um lado torcia para que o
obstetra não atendesse pacientes as sábados - só porque
minha preguiça era monstruosa -, por outro queria já estar em
seu consultório recebendo todas as informações que uma
mãe de primeira viagem como eu deveria saber.

Depois de alguns minutos usando sua voz mais melodiosa e


carente, Lauren conseguiu fazer com que a secretária do
outro lado da linha nos pusesse no lugar da última paciente
do dia que havia cancelado sua consulta. O obstetra só
trabalhava de manhã aos sábados.

- Mas eu não fiz nada! - Ela falou, quando a repreendi.

- Fez sim. Usou sua voz sexy pra convencer a secretária. Ela
provavelmente vai ter sonhos eróticos com você essa noite.

- Mas ela nem me viu. - Ela sorriu, inspirando profundamente


nos meus cabelos (uma mania que ela começava a ganhar e
eu começava a adorar) - Além do mais, todas as minhas vozes
são sexys. Não posso fazer nada.

- Bom... Você usou o seu tom mais sexy... - Ronronei nela


outra vez, falando só por falar, e comecei a me perguntar o
que diabos estava acontecendo comigo.

Desde quando eu havia me tornado tão carente e grudenta


daquela forma? Mas estava tudo bem, porque ela parecia não
se importar.

Lauren abraçou minha cintura de forma suave, me trazendo


até o meio de suas pernas, e uma das mãos voltou para seu
mais novo lugar preferido no meu corpo.

- Quando será que começa a crescer? - Ela perguntou,


alisando minha barriga por debaixo do casaco.

- Não sei... - Confessei minha ignorância. Será que todas as


mulheres deveriam saber de detalhes como aquele?

- O médico deve dizer. - Ela pontuou, me dando um beijo no


pescoço. Ficamos em silêncio por algum tempo. Me permiti
prestar atenção unicamente em seus toques, porque meu
corpo parecia estranhamente mais sensível a eles.
- Está com medo? - Ela falou ao pé do meu ouvido outra vez,
com uma de suas vozes sexys.

-Medo de quê? - Perguntei curiosa.

- Não sei. Algumas mulheres têm medo da gravidez... Se eu


tivesse uma vagina, estaria em pânico agora.

- Por quê?

- Porque... - Ela parou, tentando achar as palavras certas -


Tem uma coisinha crescendo dentro de você!

Ri com o fato de Lauren ter chamado o próprio filho de


coisinha.

- E daí? - Perguntei - Espero mesmo que ele cresça bastante.


Só espero também que você não desenvolva algum tipo de
aversão à minha forma desproporcional.

Ela fez uma careta.

- Até parece que consigo ter algum tipo de aversão a você.


Principalmente agora que tem algo meu aí dentro. - Ela falou,
fazendo círculos na minha barriga com o indicador. Sorri
abobalhada simplesmente por ouvi-la dizer aquilo.

- Bom - comecei, voltando ao assunto original -, eu não estou


com medo. Talvez tenha na hora do parto. Tem mulheres que
morrem...

- Ei! - Ela me interrompeu, beliscando a pele da minha cintura


com força, e embora eu soubesse que a força aplicada ali
havia sido sem querer, o objetivo do ato certamente era me
reprimir - Não fala essas coisas!

- Mas às vezes isso acont...


- Mas não vai acontecer! Quer ficar quietinha?

Ela estava agitada. Eu poderia até dizer irritada.

- Tá... - Consenti, não querendo mais provocá-la e estragar


aquele momento.

Lauren me apertou com mais força contra seu corpo, e pude


senti-la tremer um pouco. Cheguei à conclusão de que ela
devia estar pensando na possibilidade que eu havia trazido
para a conversa. Me estiquei para trás e alcancei sua boca. A
beijei de forma delicada, talvez pedindo desculpas por ter
começado um assunto tão inapropriado e a feito se sentir
mal. Minhas mãos, como sempre, migraram para sua nuca, e
desejei profundamente que aquilo fosse o suficiente para
levar para longe aqueles pensamentos. Surpreendentemente,
aquele ato pareceu surtir efeito mais rápido em mim do que
nela. Esqueci do mundo à minha volta por algum momento,
aprofundando o beijo sem querer e fazendo com que meu
corpo começasse a arder lentamente no processo.
Exatamente quando eu me preparava para tocá-la de formas
mais interessantes, ela quebrou nossa ligação, me fitando nos
olhos com carinho.

- Temos que nos arrumar. Sua consulta é daqui a uma hora.

E dizendo isso, simplesmente deu um beijo na minha testa,


me colocou sentada outra vez no sofá e se levantou, indo
para o quarto. Fiquei ali, me sentindo um pouco abandonada,
mas contive a vontade de chorar. Será que ela poderia estar
realmente irritada comigo? Eu não havia feito nada de
propósito, ela precisava entender isso. Mas não parecia
sequer razoável. Ela não tinha motivos para simplesmente
mudar aquele clima de uma hora para outra.
Então, foi ali que Lauren começou a ser estranha. Pelo menos
quanto a esse assunto.1

***

- Bom dia... Karla Camila Cabello. - Ele completou, olhando


para a ficha em suas mãos. O obstetra - Dr. Carlos - era um
homem surpreendentemente bonito. Devia ter
aproximadamente trinta anos, e era não só alto como
musculoso. Um tipo que poderia lembrar tudo, menos um
médico.

Lauren, provavelmente sendo alertada por seu orgulho


ligeiramente ferido e um instinto muito esquisito, me segurou
pela cintura e me trouxe mais para perto de si enquanto
entrávamos.

- Bom dia, doutor. - Ela respondeu por mim, puxando uma das
cadeiras para que eu me sentasse e fazendo o mesmo em
seguida.

- Bom dia. - Ele respondeu, sorrindo de forma educada,


enquanto nos encarava e entrelaçava os dedos em cima da
mesa - Então... a Ally já me informou da sua condição Lauren. 

Ele era uma pessoa agradável. Sorria o tempo todo e tentava


fazer com que o clima fosse o mais leve possível. Lauren,
embora visivelmente enciumada - simplesmente porque o
médico era atraente - sabia que não havia motivos para ser
desagradável ou mal educado com ele. Mas isso não queria
dizer que ela faria algum esforço para ser agradável também.

Nossa consulta começou com perguntas subjetivas.

- A gravidez foi planejada? - Ele começou.


- Não. - Respondi - Foi acidental...

- Entendi. E como estão lidando com a ela?

- Muito bem. - Lauren respondeu, já animada - Está tudo


ótimo.

- Que bom. - O médico falou, abrindo um lindo sorriso. Lauren


aproximou sua cadeira da minha inconscientemente.

- Há quanto tempo vocês são casadas?

- Ah... - Comecei, tirando minha mão esquerda com a aliança


de cima da mesa e escondendo-a no meu colo - Não somos
casadas...

- Ainda. - Lauren se apressou em falar, e então olhei para ela


assustada. Não exatamente assustada. Surpresa.

Ela já havia me dito, muitas vezes, que queria passar o resto


da vida comigo, então era um pouco óbvio que isso poderia
significar casamento em algum momento das nossas vidas,
mesmo que distante. Ainda assim, vê-la insinuar isso era algo
pelo qual eu não esperava. Não ainda.

Continuei encarando-a como uma perfeita imbecil. Ela me


olhou inocentemente, como se não tivesse dito nada demais.
Talvez não tivesse mesmo, mas eu estava surpresa, sentindo
uma pequena chama de alegria, muito discreta, inflamar meu
peito.

- Certo. - O dr. Carlos respondeu ainda sorrindo, de forma


muito natural - É bom saber que o clima entre o casal é
favorável à chegada do mais novo membro da família. Mas
então, Camila...
- Mila. - Corrigi-o como de costume, e como sempre acontecia,
Lauren bufou ao meu lado.

Como nota mental, tinha que perguntá-la o motivo da clara


insatisfação que ela sempre demonstrava, embora, nesse
caso, eu imaginasse que o motivo se dava pelo fato do dr.
Carlos ser bonitão.

- Mila. - Ele se corrigiu - É a sua primeira gravidez?

- É...

- E como vocês descobriram?

Contei toda a história para ele - dessa vez detalhada porque


eu sabia dos detalhes. Expliquei o método anticoncepcional
usado e meu ciclo menstrual mascarado pelas pílulas.
Também citei meus sintomas e todas as dores que havia
sentido até então. Quando perguntada, afirmei não ter
nenhum tipo de doença genética, como diabetes ou pressão
alta, o que poderiam comprometer a saúde do bebê.

- Alguma doença sexualmente transmissível?

- Não. - Respondi.

- Já fez exames?

- Já. - Dessa vez quem respondeu foi Lauren, e me pegando


outra vez de surpresa, tirou do bolso interno do seu sobretudo
alguns papéis dobrados, o que identifiquei, alguns segundos
depois, como os papéis dos meus últimos exames. Eu sequer
a tinha visto pegar aquilo.

O doutor examinou as folhas com cuidado por um bom tempo.


Lauren me encarou como se me pedisse desculpas pela
invasão.
- Por que não me falou? - Cochichei para ela, sem realmente
estar chateada.

- Achei que você não ia querer trazer. - Ela respondeu


arrependida, beijando minha mão delicadamente.

- Bom... - O dr. Carlos nos interrompeu educadamente - Esses


exames são relativamente recentes. Você só manteve
relações com uma pessoa depois de fazê-los?

- Sim. - Respondi com firmeza.

- Entendo. - Ele pausou, me olhando com um pouco de


curiosidade, mas ainda assim sendo muito discreto - Parece
que você andou preocupada com isso. Não é todo mundo que
faz tantos exames assim...

Me mexi na cadeira, um pouco incomodada. Ele havia notado


que algo estava estranho, e talvez esse fosse o motivo pelo
qual Lauren achasse que eu não iria querer mostrar os
exames. Seria quase um atestado de culpa. Algo como "Olhe
como eu não tenho ideia de quantas doenças posso ter!"

- Mila, nós temos que cuidar muito bem da saúde do seu


bebê. - Ele parou, olhando agora para Lauren - Do bebê de
vocês. Qualquer informação que vocês possam me dar que
pudesse vir a afetar o feto de alguma forma... Bom, seria
muito valiosa.

Lauren me encarou, com uma expressão calma. Encarei-a de


volta, agora bastante incomodada. Notei que, além de calma,
sua expressão parecia querer me pedir permissão para
alguma coisa. E eu imaginava que coisa era essa. De qualquer
forma, dei a ela a permissão que queria.
- Doutor... - Ela começou, chamando a atenção do médico
toda para si - Camz já esteve com muitas pessoas.

Abaixei a cabeça instantaneamente, olhando para minhas


mãos em meu colo. Não por querer me fazer de vítima de
alguma forma, mas sim porque ouvir aquilo me fez sentir algo
contra o qual eu ainda lutava. Algo que eu estava
conseguindo deixar de lado, embora nunca esquecesse
completamente.

Senti vergonha. Não precisei levantar a cabeça para notar


que o dr. Carlos havia entendido perfeitamente o que Lauren
quis dizer com aquilo. Qualquer um entenderia. Qualquer um
leria aquilo como ex-prostituta. E outra vez, senti a vergonha
me estapear.

Era difícil confessar aquilo para alguém que ainda não


soubesse, derrubando meu muro falso de dignidade que eu
vinha construindo pacientemente, tijolo por tijolo. Escancarar
algo do passado que devia nunca ter acontecido era
constrangedor. Era doloroso. Senti uma vontade angustiante
de chorar.

- Entendo. - A voz do médico soou, e senti um murro no


estômago.

Eu sabia que devia confiar a ele aquele segredo, porque afinal


de contas, ele cuidaria do meu filho. E nada era mais
importante que o meu filho. Mas isso não evitava que eu me
sentisse horrível.

- Acredito que ela não tenha nada. - Lauren continuou - Mas


esses exames...
- Sim. - O dr. Carlos o interrompeu - São muito vagos. Não são
específicos. Vamos ter que fazer novos exames, mais
precisos. Embora eu ache que ela não tenha nada.
Normalmente esses exames gerais já acusam alguma coisa,
quando a mulher tem alguma doença. Alguma substância
alterada no sangue ou algo assim. O dela parece perfeito,
mas vamos ter certeza.

Ele parou de falar, e a sala ficou em silêncio. Continuei


encarando minhas mãos, sem coragem de desviar o olhar.

- Eu imagino o quanto deve ser difícil confessar isso. - Ele


começou, e senti que aquele discurso era para mim,
especificamente. - Mas quero dizer a você, Mila, que há mais
casos como o seu.

Escutei atentamente, embora ainda lutasse contra as


lágrimas. Ele continuou.

- Já tive casos iguais aqui. Não fique assim, você não é a


única. E, sinceramente, devo dizer que não acho que você
deva se sentir envergonhada. Não agora, quando optou pela
escolha certa. Pelo contrário: Acho que você deve se sentir
orgulhosa de si mesma. Mostra que a vida que você levava
antes não era pra você.

Lauren segurou minha mão outra vez, apertando-a com


firmeza. Levantei a cabeça apenas para encarar o dr. Carlos,
que também me olhava. Relaxei um pouco ao notar que seu
olhar, de fato, não trazia nenhum pré-julgamento.

- Ok... - Consegui dizer, enquanto me forçava a sustentar seu


olhar. Como resposta, ele apenas sorriu. Lauren apertou
minha mão com mais força. Mas eu sabia que não havia sido
proposital.

- Bom... - Ele recomeçou - Vamos fazer alguns exames.

- Que tipo de exames? - Lauren perguntou.

- São muitos. Hemograma completo, grupo sanguíneo,


Glicemia, Rubéola, Hepatite B, Sífilis, HIV... Mas isso é pra
todos os casos. - Ele se apressou em deixar claro, vendo meu
desconforto - Todas as grávidas precisam passar por esses
exames. Mas, de fato, vou passar alguns mais específicos pra
você.

Eu pensava estar livre desse tipo de doença. Mas agora,


depois dessa consulta, nem disso eu poderia ter certeza.

- E se acusar alguma coisa? - Perguntei, deixando o


desconforto de lado e fazendo a pergunta em voz alta, agora
genuinamente preocupada.

- Se acusar alguma coisa, nós vamos tratar. - Ele sorriu de


maneira simples e contagiante, o que, de alguma forma, fez
com que eu me sentisse menos mal - É pra isso que estou
aqui, não é?

Sorri em resposta, sem nem notar que o havia feito.

- E o sexo do bebê? Ela vai fazer uma ultrassonografia? -


Lauren perguntou, um pouco mais alto do que o tom habitual
de sua voz.

- Ah, sim. Com um pouco mais de três meses, poderemos ter


mais certeza do sexo através da ultrassonografia.
- Mas ela está com quase três meses. - Sua voz saiu como se
ela fosse uma criança cujos sonhos tivessem todos sido
roubados dela de uma única vez.

- Bem... Existem métodos em que é possível determinar o


sexo antes desse período. Mas são todos caros...

- Quanto é? - Perguntei, mas minha pergunta foi abafada pela


indiferença de Lauren.

- Quais são? - Ela perguntou. 

- Tem a sexagem fetal. É feita através de um exame de


sangue, e identifica a ausência ou a presença do cromossomo
Y no sangue da mãe. Como esse cromossomo é exclusivo dos
homens, a presença dele indica um menino. A ausência, uma
menina.

- E quais são as chances de erro? - Ela perguntou, realmente


interessada.

- Muito baixas. - O dr. Carlos pontuou.

- Ótimo. Pode pedir junto com os outros exames então. -


Lauren finalizou a questão, com seu mais novo ar de chefe de
família.

O médico consentiu, anotando tudo em vários papéis.

- Bom, Mila. Quero fazer alguns exames simples com você


agora. Pode tirar suas roupas e colocar o roupão no banheir...

- Como? - Lauren interveio, e eu podia jurar que estava a


ponto de cortar as bolas dela caso ela não parasse com
aquele ciúme exagerado e desnecessário. O dr. Carlos parecia
confuso.
- Eu tenho que fazer alguns exames nela... - Ele começou.

- E ela precisa tirar a roupa pra isso? - Lauren perguntou, mas


pelo menos seu tom de voz não era rude. Ela sabia ser
educada, mesmo irritada.1

- Bom, eu tenho que checar se há algum nódulo...

- E ela precisa tirar a roupa pra isso? - Ela repetiu.

- Lauren? - Chamei-a, um pouco inquisitora.

- Está tudo bem. - O dr. Carlos riu e olhou para Lauren, como
se estivesse pedindo permissão para fazer alguma coisa - Mas
gostaria de pelo menos checar os lugares mais importantes.
Ela pode manter a roupa. Tudo bem?

Como ele iria tocar em mim, e isso não tinha nada a ver com
nenhum outro corpo, me achei no direito de responder.

- Tudo bem. - Respondi, já levantando e caminhando para a


outra sala, onde ficava a cama para exames e equipamentos
específicos. O dr. Carlos surgiu logo trás de mim, me
ajudando a subir até a cama alta e me deitando lá.

Naturalmente, Lauren já estava ali, assistindo tudo com os


braços cruzados afastado de nós, ainda na porta. O médico
apalpou meu pescoço com cuidado, à procura de nódulos, e
simplesmente foi fazendo isso em muitas articulações e quase
todas as juntas do meu corpo, se prolongando nos seios,
debaixo dos braços e na área da virilha. Por vezes, eu olhava
para Lauren, que parecia em cólicas, mas ainda assim
acompanhava o movimento das mãos dele no meu corpo com
um traço de preocupação, como se estivesse atento a
qualquer reação estranha do médico.
- Tudo bem. - Ele finalmente falou, me ajudando a levantar. -
Você parece ótima. Mas quero que o seu ginecologista faça
um exame apurado em você. Vamos acompanhar isso direito.

- Claro. - Concordei, ficando de pé e seguindo outra vez para o


escritório, com Lauren e o dr. Carlos atrás de mim. O resto da
consulta foi preenchido com explicações do médico
relacionadas à minha alimentação, dando ênfase nos
alimentos que eu deveria evitar. Além disso, fui informada do
que poderia ou não poderia fazer, além da frequência com a
qual eu deveria manter as visitas ao obstetra, e alguns
exercícios físicos aconselhados e os proibidos.

- Conforme você for ficando maior - Ele começou, rindo, - eu


vou ficando mais chato com a gravidez. Ok?

Não sei por que demorei tanto para me lembrar de um


pequeno detalhe, até então completamente ignorado não só
por mim, como também por Lauren e até mesmo por Ally.

- Nós vamos viajar. - Falei, sem me preocupar se aquela


informação parecia repentina ou fora de contexto - Vamos nos
mudar... Pra Londres.

Encarei Lauren, perguntando-a silenciosamente porque ela


não havia lembrado aquilo. Ela me olhou distraída no início,
mas quando se deu conta de eu estava certa, suspirou
audivelmente e se recostou na cadeira.

- Vamos ter que encontrar outro obstetra. - Ela falou, quase


não contendo o sorriso no canto dos lábios.

- Ah, que pena. - O dr. Carlos falou, genuinamente sentido, e


Laurem o encarou com uma cara de "Que pena é a puta que o
pariu!" - Mas tudo bem. Conheço ótimos obstetras espalhados
por Londres. Posso dar a vocês os contatos...

- Eles são da sua idade? - Lauren perguntou, e embora fosse


perceptível que ela não quisesse soar rude, eu quis
repreendê-la. Encarei-a com ódio, mas ela me olhou como
uma criança inocente.

- Desculpe, doutor. - Falei, me voltando para o médico e


dando algum tipo de desculpa esdrúxula pela falta de
educação - Lauren tem andado esquisita desde que soube da
gravidez.

- Sei que posso parecer novo - Ele começou, encarando


Lauren e pronunciando as palavras de uma forma muito
educada -, mas posso lhe garantir que levo a sério a minha
profissão. Jamais deixaria sua futura esposa e mãe do seu
filho carente de atenções médicas. Unicamente atenções
médicas.

Eu poderia achar que ele havia entendido errado a hostilidade


de Lauren, mas sua atitude deixou claro que ele havia
entendido - e muito bem - o motivo daquelas pequenas
grosserias. No momento seguinte, o médico levou a mão
esquerda ao queixo, deixando-a lá como se estivesse apenas
se apoiando, mas conseguiu deixar propositalmente em
evidência a aliança fina e muito discreta no anelar. Além de
ser um profissional ético, o dr. Carlos era casado. E aquelas
verdades com certeza fizeram com que Lauren se sentisse
uma idiota.

- Eu... sei. - Ela falou, abaixando a cabeça muito sem graça.


- E então... - Me voltei para o médico, ignorando Lauren
solenemente - Eu gostaria sim dos contatos, doutor. Se puder
me passar...

Lauren não falou mais nada durante a consulta. As outras


dúvidas que eu tinha - algumas bem idiotas - foram
respondidas sem que ela desse um pio, sequer para opinar.

- Bem, mais alguma pergunta? - O dr. Carlos falou, tentando


puxar Lauren novamente para a conversa.

- Não. - Respondi, sem esperar por ela, que me seguiu na


resposta logo depois.

- Não.

- Então, como é muito provável que vocês não estejam mais


aqui no próximo mês da gravidez, desejo a você - ele falou,
apontando para mim - uma ótima gestação. Tudo vai dar
certo, não se preocupe.

- Ok... - Comecei, já me levantando, e fazendo com que


Lauren se levantasse também - Muito obrigada, doutor. E...
Desculpe qualquer coisa.

- Está tudo bem. - Ele sorriu, e se virou para Lauren,


estendendo a mão - Parabéns pela nova família.

- Obrigada. - Ela disse aceitando a mão estendida, e sua


vergonha era evidente. Achei bem feito.

O caminho até o carro foi silencioso, com ela me seguindo,


tentando caminhar na mesma velocidade que eu. Lauren não
disse uma palavra, o que achei ótimo, porque não estava afim
de discutir sobre repentina crise esquisita dela. A viagem
também foi silenciosa, embora, vez ou outra, eu notasse que
ela me encarava quase que inocentemente.

- Não vai mais falar comigo? - Ela perguntou de repente, mas


não me assustei. Me mantive calada, olhando a paisagem,
fazendo questão de não esboçar nenhuma reação. Ela não
insistiu, voltando a deixar a viagem silenciosa, então aquilo
havia sido nossa única forma de interação durante todo o
percurso. Quando chegamos no prédio dela, saí do carro sem
dar a ela tempo de dar a volta e abrir minha porta, como eu
sabia que faria. Caminhei teatralmente até o elevador, com
Lauren me seguindo de perto, provavelmente em pânico que
eu tropeçasse ou algo assim.

- Por que você não está falando comigo? - Ela insistiu assim
que entramos no apartamento. Encarei-a com uma cara nada
boa.

- Você foi uma idiota. Por que diabos agiu daquele jeito
imaturo? - Perguntei, querendo que ela desse alguma
desculpa que fizesse com que meu desgosto passasse. Ela
fechou ainda mais a cara ao me responder:

- Não posso ter ciúmes? Só você?

- Não, não pode, porque eu nunca te dei motivos pra isso. Não
foi o seu caso.

Me senti debilmente vitoriosa por deixá-la sem argumentos.


Ela me encarou, claramente tentando pensar em uma boa
resposta, mas tudo que se limitou a fazer, depois de alguns
segundos em silêncio, foi amarrar mais a cara.

- Não preciso de motivos pra sentir ciúmes de você... - Ela


começou, mas eu a interrompi:
- Mas precisa de motivos pra ser rude com os outros. Nunca
mais faça isso, foi vergonhoso. - Pontuei, dando as costas
para ela e indo para o quarto me deitar.

Ela não me seguiu. Depois de muitos minutos ali, sozinha,


comecei a me criticar pela bronca exagerada. A crise idiota de
ciúmes de Lauren havia, de fato, sido não só desnecessária
como embaraçosa. Mas talvez eu não precisasse ser tão dura
com ela. Ela só se sentiu ameaçada. O problema foi não saber
lidar com a insegurança.

Fui tirada de meus devaneios quando, momentos depois,


Lauren surgiu no colchão ao meu lado, me abraçando,
pedindo desculpas por ter sido idiota e se lamentando por ter
me deixado irritada. Como era de se imaginar, não consegui
ficar com raiva dela por muito mais tempo, e segundos depois
eu já estava ronronando contra seu peito como um gato
manso.

Deixei que o clima da nossa pequena reconciliação me


deixasse mole como gelatina em seus braços, não me
importando com mais nada. E então, quando eu já estava
aceitando o fato de querer ser agarrada e devorada por ela,
Lauren cortou meu barato mais uma vez.

- Vou preparar o almoço. - Ela concluiu, dando um beijo na


minha testa, exatamente como antes.

- Mas... - Comecei, querendo entender por que diabos ela


havia jogado um balde de água fria no meu tesão.

- Pode ficar deitada, quando estiver tudo pronto eu te chamo.

E assim, sem mais nem menos, me deixando naquele estado


deplorável, ela saiu. Bufei, amaldiçoando-a.
***

Meu terceiro mês de gravidez estava começando, e enquanto


eu me preocupava unicamente com a minha barriga - que
finalmente começava a dar sinais de crescimento -, Lauren se
preocupava com absolutamente tudo: A empresa, a mudança
e a gravidez.

Sua preocupação era exagerada, como eu imaginava que


seria. Mas foi só na segunda-feira depois da notícia que notei
que seu comportamento super protetor me daria mais dor de
cabeça do que imaginava.

- O que está fazendo? - Ela falou, entrando pelo banheiro sem


em momento algum pensar que talvez pudesse estar
invadindo minha privacidade.

- Escovando os dentes? - Respondi, levantando até a altura de


seus olhos a escova de dentes que eu segurava.

- Por que acordou tão cedo?

- Acordei na hora que sempre acordo...

- Exatamente. Acho que você deveria começar a acordar mais


tarde...1

Olhei-a, genuinamente confusa.

- Meu horário no trabalho não mudou...

- Quê? Você não pode ir trabalhar! - Ela falou um pouco


desesperada, como se eu tivesse acabado de anunciar que
estava indo praticar bungee jumping.

- E por que não?


Mas era claro que eu já sabia a resposta. Era a resposta-
padrão, motivo de tudo a partir da sexta em que Lauren
soube da notícia.

- Porque você está grávida!

- E...? - Provoquei.

- E que você não pode trabalhar grávida!

- Você lembra que eu já trabalhei grávida durante dois meses,


né?

- Porque não sabíamos! Agora que sabemos, temos que fazer


a coisa certa. Você e o bebê podem correr riscos!

- Me explique como é que eu posso correr algum risco


arrumando livros em ordem alfabética?

- Tem escadas naquela porra!

Bem, era óbvio que ela estava certa quanto a esse ponto. Mas
eu não era idiota.

- É claro que eu não vou subir as escadas. Vou fazer o


trabalho mais leve.

- Você não vai! - Ela me cortou, já tomada pelo desespero.

- Eu vou! Para de mandar em mim!

- Não estou mandando! Estou pedindo!

Sua voz saía esganiçada, o que seria muito engraçado se não


fosse assustador.

- Lauren, pelo amor de Deus. É só no final da gravidez que o


trabalho deve ser interrompido. E se isso não for o suficiente
pra você, saiba que eu jamais colocaria nosso filho em risco.
Ela parou, um pouco ofegante até, olhando de uma forma
maníaca para minha barriga.2

Cheguei atrasada no trabalho aquela manhã, por diversos


motivos. Primeiro, Lauren insistiu para que eu levasse dois
casacos, alegando que o tempo ainda estava muito frio,
mesmo quando nos aproximávamos da primavera. Segundo,
porque me fez tomar um café-da-manhã redobrado, dizendo
que minhas energias deveriam estar a postos para o dia de
trabalho. Terceiro, porque ficou insistindo em me fazer
prometer, por todas as almas sagradas do universo, que eu
tomaria cuidado.

Quando finalmente me deixou na biblioteca - porque, mesmo


tendo que ir pelo caminho inverso ao que ela fazia todos os
dias para ir ao trabalho, Lauren se recusou a me deixar ir a pé
ou de taxi -, ela parecia ainda mais temerosa.

- Vou te ligar algumas vezes durante o dia, ok?

- Contanto que "algumas vezes" seja um número normal... -


Provoquei.

- Por favor, me atenda. Senão eu venho aqui ver por que você
não atendeu.

Eu prometi que o faria, mas minha intuição não havia falhado


quando imaginei que aquilo não seria o suficiente. Por isso,
antes da minha hora de ir embora, Lauren simplesmente se
materializou ao meu lado, sem se importar se poderia ou não
estar em uma área restrita apenas a funcionários da
biblioteca.

Sem cerimônias, ela foi atrás do sr. Blake, apenas para


explicá-lo, teatralmente, que havia uma vida dentro de mim,
e que, por tudo quanto era mais sagrado, eu não poderia
correr riscos. O sr. Blake obviamente tentou explicá-la que
meu trabalho era tão monótono que nada poderia acontecer,
mas Lauren parecia cética. Fiz uma careta atrás dela apenas
para informar ao sr. Blake que não adiantava discutir com
uma teimosa maluca.

Seus exageros não melhoravam nem quando estávamos em


casa. Agora que uma pequena barriga saliente começava a
marcar minhas roupas mais justas, Lauren parecia fazer
alguma associação bizarra disso com minha alimentação,
dizendo que agora eu deveria comer também em dobro. Para
não ouvir reclamações, comecei a adotar o hábito de jantar
porções pequenas. Era claro que ela queria que eu comesse
um boi a cada jantar, mas depois de convencê-la (aos berros,
quando minha paciência se esgotou) de que aquilo seria
impossível, ela pareceu aceitar.

E dessa forma, Lauren passou a ser uma verdadeira


perseguidora na minha vida. Todos os dias eu recebia, pelo
menos, cinco ligações suas, me perguntando se havia algo
errado e o que eu estava fazendo. Quando ficava exausta
daquela perseguição, desligava o celular. Mas não adiantava,
porque ela também tinha o número da biblioteca. E quando
eu pedia para o sr. Blake dar qualquer desculpa para que eu
não tivesse que falar ao telefone, ela simplesmente brotava
do nada, minutos depois, esbaforida pela porta principal e
fazendo um drama shakespeariano.

Sua preocupação e ansiedade aumentaram ainda mais


quando fomos fazer os exames passados pelo obstetra - tanto
os de praxe quanto o que indicaria o sexo do bebê -, mesmo
sabendo que os resultados só sairiam uma semana e meia
depois, além dos exames ginecológicos. Eu já me sentia um
pouco sufocada, mas não o suficiente para me incomodar.
Aliás, seria muito bom se Lauren me sufocasse em
determinados momentos.

- Hmmmpf... - Exalei, agarrada a ela na cama. Passava das


onze da noite.

- Que foi? Quer alguma coisa? - Ela perguntou, desviando os


olhos da tv e me encarando preocupada. Ultimamente, ela
sempre me encarava daquele jeito, e aquilo estava
começando a me irritar.

- Não foi nada, Lauren. - Falei, já meio puta - Só estou te


abraçando.

- Ah. Mas você est...

- Estou bem. Não estou enjoada. Nem com fome, nem com
sede, nem com dores, nem com frio, nem com calor, nem
com sono.

- Ah... - Ela falou, só para ter algo para dizer. Me agarrei a ela
outra vez, encaixando meu rosto na curvatura do seu pescoço
e respirando de uma forma propositalmente intensa ali. Senti-
a estremecer de leve.

- Não namoramos há algum tempo... - Falei, tentando recordá-


la, de uma forma sutil, que aquele era um período sem sexo
relativamente longo, e, no estado em que me encontrava,
desesperadamente longo.

- Ah, amor... Você sabe... - Ela começou, alisando meu braço -


Eu ando muito atarefada com a empresa. E o tempo livre que
tenho uso pra arrumar aos poucos a mudança e tomar conta
de você e do bebê.

- É, eu sei. - Falei, dando beijos suaves pela extensão do seu


pescoço - Mas não é como se você não tivesse tempo nenhum
livre... Por exemplo, agora...

- Aham... - Ela começou, se afastando um pouco de mim - Eu


estou um pouco cansada... Sabe, hoje foi um dia difícil.

Continuei abraçada a ela, remoendo um sentimento crescente


de rejeição. Mas ao invés de ficar triste e deprimida, me senti
incrivelmente irritada.2

- Você está me dizendo que está tão cansada que não


podemos nem curtir um pouco o momento? - Perguntei,
controlando minha fúria quase titânica.

- Estou morrendo de sono... - Ela falou, dando um bocejo


audível e, eu tinha certeza que era falso.

Continuei encarando-a, planejando de quantas formas poderia


torturá-la. Mas depois de algum tempo, tudo que fiz foi engolir
em seco e me desvencilhar dela, virando de costas e puxando
o edredom todo para mim. Algum tempo depois, ouvi a tv
sendo desligada e seus braços envolverem minha cintura, sua
mão tocando como sempre minha barriga.

- Não encosta em mim. Isso provavelmente vai demandar de


você muita energia.

Ela pareceu não ligar para o comentário, e se aproximou


ainda mais de mim, espalmando sua mão na minha barriga.
Aquele pequeno contato, mesmo que inocente, estava me
incendiando. Tudo porque Lauren havia decidido bancar a
freira, e provavelmente estava se divertindo às custas do meu
desespero sexual. Mesmo gostando de sentir sua pele,
segurei sua mão com firmeza e retirei-a da minha barriga.

- Camz... - Ela começou, mas a interrompi.

- Estou falando sério. Se você não tem tempo ou disposição,


não sou eu que vou ser o estorvo que vai te manter acordada.
Bons sonhos, amor.

Puxei a última palavra em um tom de deboche, e com toda a


certeza ela percebeu. Ainda assim, não respondeu nada,
apenas aceitando com um suspiro de desgosto a distância
que eu havia estabelecido entre nós. Mas não adiantava.

Na manhã seguinte, seus braços estariam em volta da minha


cintura e sua mão sempre estaria espalmada no meu umbigo
outra vez.

***

- Está nervosa?

- Não. - Menti categoricamente.

Eu estava nervosa. Lauren e eu estávamos no carro dela, indo


ao obstetra com os resultados dos exames. Para manter
nossa calma - ou pelo menos tentar - decidimos não ler nada
antes do próprio médico, porque se houvesse alguma
observação fora do normal naqueles laudos, mesmo que não
fosse nada demais, não entenderíamos os termos médicos e
acabaríamos em pânico, talvez à toa.

Por isso, os envelopes ainda estavam lacrados. Tanto os


exames relacionados à minha saúde quando o exame que
informava o sexo do bebê.
- Eu estou. - Ela falou, tentando manter os olhos na rua à
frente.

Lauren não precisava sequer anunciar aquilo: Estava óbvio.

Me senti um pouco mal por talvez ser a responsável por não


gerar o nosso filho da forma correta. Eu rezava para todos os
santos que não houvesse nada naqueles exames, para que o
bebê não corresse risco, principalmente porque ele era a
coisa mais importante do mundo agora, mas também porque
eu jamais me perdoaria caso algo acontecesse a ele. Porque a
culpa seria minha.

- Não vai dar nada... - Falei, um pouco baixo, tentando


convencer a mim mesma que era bobagem se preocupar. Se
houvesse algo, os exames anteriores teriam apontado.

- Claro que não.  - Ela falou ao meu lado, apoiando a mão


direita na minha perna e aplicando ali um pouco de força,
como se quisesse me passar confiança. Ainda assim, não foi
difícil notar o vacilo de insegurança no sorriso que ela deu.

Fiquei calada o resto da viagem. Ela fez o mesmo. Qualquer


palavra que soasse entre nós duas naquele momento parecia
como uma fagulha na pólvora, nos aproximando de uma
explosão de nervos a cada segundo.

Quando chegamos, nosso nervosismo pareceu se intensificar.


Tentei parecer calma, porque se Lauren percebesse meu
estado provavelmente entraria em desespero, dizendo que
aquela tensão toda acabaria prejudicando o bebê. E eu
acreditaria, e entraria em pânico também. E então seríamos
duas mães desesperadas à beira de uma síncope.

- Bom dia, senhoritas.


Nos sentamos, e me deixei levar pela aura de positividade e
animação do dr. Carlos. Lauren estava tão nervosa que
parecia ter simplesmente esquecido de sentir ciúmes.

- Bom dia, doutor. - Ela falou, entregando imediatamente os


exames - Não vimos nada porque...

- Porque estávamos com medo. - Concluí, imaginando que


talvez falar, naquele momento, pudesse aliviar um pouco a
minha tensão.

- Bom, também... - Lauren continuou - Mas porque achamos


melhor que o senhor visse, e caso houvesse alguma coisa
anormal, que nos explicasse. Antes que chegássemos a
conclusões erradas.

- Fizeram muito bem. - Ele disse, aceitando os envelopes das


mãos de Lauren e abrindo-os calmamente, como quem abre
uma carta de Natal.

Ele analisou os resultados por algum tempo. Um bom tempo.


Talvez semanas. Meu estômago começava a dar reviravoltas
aleatórias, fazendo com que eu me sentisse um pouco mais
enjoada a cada segundo transcorrido. Lauren estava imóvel
na cadeira ao meu lado, olhando fixamente para o médico,
que ainda virava e desvirava as páginas.

O zumbido do ar condicionado parecia muito mais alto agora,


e me incomodava mais também. Estava frio, mas não dei
muita atenção a esse pequeno detalhe. Eu podia escutar cada
engolida seca que Lauren dava, e aquilo estava me deixando
à beira de um ataque de nervos. Até o barulho das páginas
sendo viradas estavam dando corda à minha iminente
explosão.
Se o doutor não tivesse falado alguma coisa naquela hora, eu
provavelmente teria gritado.

- Podem respirar aliviadas. A mamãe não tem nenhum tipo de


problema que possa prejudicar o bebê.

Senti algumas toneladas sumirem das minhas costas. Suspirei


profundamente, não porque segui o sentido literal do que o
dr. Carlos havia dito, mas sim porque o alívio que senti foi tão
grande que mal podia lidar com ele. Fechei os olhos e
agradeci, mesmo sem saber a quem ou ao que direito, mas
sabia que deveria ser grata. E eu estava.

- Eu sabia. - Ouvi Lauren falar ao meu lado, mas seu tom de


voz entregava o alívio que ela próprio sentia. Eu ainda estava
de olhos fechados, leve demais para reagir de alguma forma,
mas tinha certeza que ela estava sorrindo.

Senti-a agarrar minhas mãos e apertá-las, me trazendo de


volta à realidade.

Abri os olhos e me deparei com o dr. Carlos, segurando os


dois envelopes idênticos fechados que restaram.

- Dois? - Ele perguntou, um pouco confuso.

- É... Eu pedi pra fazerem duas vezes... Pra não restarem


dúvidas. - Lauren falou, um pouco tímida.

- Ela gosta de gastar dinheiro à toa... - Falei, completamente


distraída pelos papéis nas mãos do médico.

Ele riu.

- Vocês não abriram? - Ele perguntou, nos encarando, e meu


coração de repente começou a bater forte outra vez.
- Não. Deixamos pra receber todas as notícias de uma vez. -
Lauren falou, rindo do ainda recente alívio e da expectativa
para mais uma novidade.

- Entendi. - Disse o médico, abrindo sem cerimônias o


primeiro envelope. Se eu prestasse atenção, tinha certeza
que poderia ouvir as marteladas do meu coração naquele
momento.

Todos os movimentos do dr. Carlos pareciam ser feitos em


câmera lenta, e eu tinha certeza que toda aquela adrenalina
não podia fazer bem ao bebê.

Lauren e eu o encarávamos com atenção absoluta,


registrando cada mudança em sua expressão. Como se
soubesse disso, ele parecia fazer força para não esboçar
reação alguma. De uma forma irritantemente calma, pegou o
segundo envelope e abriu, lendo também o laudo daquele
exame.

- Bom, os dois deram o mesmo resultado... - Ele começou, me


fazendo tremer um pouco - Então acho que realmente não
restam dúvidas.

- E então? - Perguntei, e só me dei conta de que a voz era


minha depois de ouvi-la.

A resposta veio, provavelmente, em menos de dois segundos.


Para mim, no entanto, o silêncio entre aquela pergunta e a
resposta pairou no ar por, pelo menos, uma eternidade.

- É uma menina.

Esperei que aquele pedaço de informação fizesse efeito, tanto


em mim quanto em Lauren, muda e paralisada ao meu lado.
Embora eu tivesse minhas convicções de que, no final das
contas, o bebê seria realmente uma menina, ainda assim
ouvir a confirmação me fez ficar ainda mais feliz. Uma
menina.

Olhei para Lauren, que ainda encarava o médico da mesma


forma. Assim como eu - ou talvez mais - ela parecia distante,
tentando processar a informação. Não poderia dizer se aquela
novidade tinha sido bem aceita por ela ou não, porque ela não
esboçava reação alguma.

- Bom, na verdade... - O dr. Carlos continuou - Posso garantir


que não há meninos nessa gestação, mas não devemos
descartar a possibilidade de gêmeos ou mais, embora sua
barriga não esteja suficientemente grande pra isso. Mas caso
haja mais de um bebê, posso dar a vocês a certeza de que
todas serão meninas.

Estremeci com a ideia de gêmeos ou mais. Como mãe de


primeira viagem, se uma gravidez simples começava a me
dar um pouco de pânico, imaginei o que gêmeos não seriam
capazes de fazer comigo.

- E como podemos ter certeza... - Comecei a pergunta, mas


não precisei terminá-la.

- Vocês vão saber ao certo quantos bebês são depois da


primeira ultrassonografia, que pelo que diz aqui na sua ficha,
já está agendada. Mas, pela minha experiência, creio que seja
uma única menina mesmo.

Prestei bastante atenção em tudo que o dr. Carlos dizia, mas


era impossível estar completamente atenta a ele enquanto
Lauren se mantinha ali, em estado catatônico, imóvel com
seus pensamentos, incapaz de fazer parte da troca de
informações entre nós. Só consegui relaxar quando, algum
tempo depois - provavelmente o tempo necessário para que
ela tivesse alguma reação - virei para o lado outra vez e a vi
sorrindo debilmente enquanto mantinha seu olhar desfocado
na parede atrás do dr. Carlos.

Aquilo só poderia significar que ela estava feliz.

Respirei mais aliviada. Quando a hora de ir embora chegou,


chamei-a com uma voz calma e baixa, quase como se
estivesse tentando acordá-la de um sono profundo. Ela
pareceu despertar, e embora ainda estivesse extremamente
distraída, agradeceu ao dr. Carlos pela atenção com um
sorriso radiante no rosto e saiu do consultório, me puxando
pela mão. Aos poucos, ela estava voltando a si.

- Meu Deus, e se forem trigêmeas? - Lauren perguntou,


animada como uma criança em véspera de Natal, quicando
levemente na cama e fazendo com que eu pulasse também
ao seu lado.

- Não vão ser. - Falei, tentando me cobrir com o edredom.

- Como você sabe? O médico disse que não devemos


descartar a possibilidade...

- Bom, eu espero que não seja.

- Por quê? - Ela falou em um tom ofendido, embora eu não


imaginasse o que exatamente a ofendeu.

- Não é você que vai parir, né lindona? - Eu ri, beliscando-a de


leve.4
- Bom, pelo menos você passaria por isso uma única vez, e eu
não encheria mais o seu saco - Ela falou, tentando parecer
casual, enquanto se enfiava debaixo do edredom e se
agarrava em mim como sempre - Se vier uma só, vamos ter
que repetir a dose pelo menos mais duas vezes.

Fiquei calada por algum tempo, de costas para ela. Outra vez,
Lauren havia me pego de surpresa, se mostrando
extremamente confiante em coisas que pareciam banais
quando ela falava, mas que eram enormes.

- Você quer ter três filhos? - Perguntei com uma voz fraca,
depois de algum tempo.

- Pelo menos. - Ela falou contra meus cabelos de forma calma


- Mas eu não tenho pressa.

Fiquei calada mais algum tempo, deixando que a confiança


dela me inundasse aos poucos. Eu ainda era insegura em
muitos aspectos, mas Lauren parecia levar tudo de uma
forma tão simples que, com o passar do tempo, me acalmava
também. Quando me virei e fiquei de frente para ela, senti
seus músculos contraírem, como normalmente acontecia nos
últimos dias. Talvez ela estivesse começando a sentir falta do
nosso contato tanto quanto eu sentia, mas naquele momento
minha intenção não era seduzi-la.

- Desculpa se pareço estar desconfortável. - Comecei, muito


próxima ao seu rosto.

- Tudo bem... - Ela me abraçou com força - Não precisamos


falar sobre isso agora.

- Não, não me incomoda - A interrompi, retribuindo o abraço e


o olhando nos olhos - Não estou desconfortável, é só que... Eu
nunca pensei que alguém fosse querer planejar esse tipo de
coisas comigo.

- Que tipo de coisas?

- Você sabe... Ter uma família... Filhos, casamento... Ainda é


um pouco surpreendente pra mim...

Dessa vez, foi ela que ficou em silêncio, me analisando


profundamente. Quando voltou a falar, senti meu coração
derreter mais um pouco.

- É melhor ir se acostumando então, porque você vai ter que


aceitar o fato de me aturar pelo resto da vida.

Me aconcheguei mais nela e sorri, sem me importar com mais


nada. Fechei os olhos e fiquei ali, agarrada a ela, sem esperar
nada. Por isso, fui pega de surpresa com um beijo carinhoso e
doce. Retribuí o ato, me agarrando involuntariamente no
pescoço dela. Eu não queria forçar a barra, não queria mudar
a intensidade daquele beijo, mas era impossível controlar a
minha libido.

Forcei minha língua contra sua boca, e quando ela abriu seus
lábios, me permitindo aprofundar o beijo, quase berrei de
alegria. Meu corpo começou a tremer, e minha boceta latejar
sem que eu pudesse evitar, porque aquele tipo de intimidade
há algum tempo me fazia falta. E então, em menos de um
minuto, eu estava completamente molhada pronta para ela.

Mas, como sempre, Lauren se afastou, mesmo que ofegante.


Senti que estava muito próxima de assassiná-la.

- Durma. O dia foi pesado pra você hoje. - Ela falou, me dando
selinhos de leve e tentando se afastar um pouco de mim.
- Não foi pesado. Não estou com sono. - Falei, um pouco
desesperada, ainda agarrada ao seu pescoço. De certa forma,
aquilo era mentira: Eu estava mesmo cansada, não porque
havia feito muita coisa naquele dia, mas porque passei
metade dele tensa com tudo que tinha para saber. Lauren
usou seu golpe mais baixo, movendo seus dedos lentamente
de cima a baixo nas minhas costas, percorrendo a espinha de
forma torturante e lenta. Ela sabia que aquilo era fatal. Sabia
que eu dormiria instantaneamente. Merda.

- Foi sim. E eu tenho certeza que o sono vai chegar. - Ela


falou, com sua voz mais melodiosa ao pé do meu ouvido, e
embora meu corpo ainda ardesse por ela, fui sendo acalmada
aos poucos por sua mão nas minhas costas, enquanto a outra
afagava minha barriga, como sempre.

E então, obviamente, eu dormi.

Lauren corria o dia inteiro de um lado para o outro, atarefada


demais com tudo. Era assim durante toda a semana, e até os
fins de semana pareciam corridos. Isso porque havia coisas da
empresa, principalmente no que dizia respeito à mudança da
diretoria. Como se não bastasse, nossa mudança se
aproximava rapidamente, e caixotes começavam a surgir por
todos os lados. Assim, o tempo que tínhamos juntas,
normalmente as noites, eram preenchidos por revisões nas
papeladas da empresa e caixotes enfileirados pelos
corredores do apartamento dela. Sua atenção em mim,
embora redobrada conforme minha barriga aumentava, era
nula quando se tratava de sexo, e a coisa se tornava tão
estranha que comecei a me preocupar.
Eu estava agora com quase 12 semanas de gestação, e desde
o momento que havíamos descoberto sobre a gravidez,
Lauren não me tocava.

Cada tentativa desesperada minha resultava em uma nova


desculpa, e mesmo que eu soubesse que ela andava
realmente atarefada, era impossível deixar de notar que, se
fosse algo relacionado ao bebê, e não a mim, ela parecia
completamente alheia ao resto do mundo e dava total
atenção às minhas necessidades. Ela não queria transar
comigo. E eu não sabia o motivo. E estava subindo pelas
paredes.

- Alô?

- Oi, doutor. É a Mila. Camila Cabello. - Falei, tentando parecer


casual.

- Olá, Mila. Aconteceu alguma coisa? - O dr. Carlos respondeu,


do outro lado da linha.

- Não... Nada com o bebê. Estou ótima. Quer dizer, com um


pouco de enjoo, e dor nas costas, mas... - parei, tentando
voltar ao assunto em pauta - É outra coisa.

- Pode falar.

- Então... - Comecei, me sentindo um pouco idiota - Não sei se


é com você que eu devo falar sobre isso...

- Podemos tentar. - Ele respondeu, encorajando-me. Hesitei


um pouco, mas lembrei do meu atual estado.

- É sobre Lauren.

Ele ficou em silêncio, provavelmente esperando que eu


prosseguisse. Como isso não aconteceu, ele voltou a falar.
- Ok, estou ouvindo.

Suspirei.

- Ela... Ela está distante.

- Distante como? Ela não está dando atenção à gravidez?

- Não, não é isso. Ela dá bastante atenção ao bebê. Até me


sufoca...

- Então?

- Então... - Comecei, e tive certeza de que estava começando


a corar - Ela me dá atenção, mas... Só com coisas
relacionadas à gravidez... Entende?

Rezei para que ele entendesse. E como um obstetra


experiente, embora novo, ele entendeu.

- Ah. Vocês estão distantes como casal.

- É...

- Ela não mostra interesse...

Interrompi-o, um pouco desesperada.

- Não! Ela não me toca! Se recusa a transar comigo! Fica


inventando desculpas toda vez que eu tento alguma coisa,
desde que soube da gravidez! Eu não aguento mais!

- Calma, Mila.

Me calei, esperando que ele me desse alguma explicação com


relação à atitude de Lauren, ou que me desse uma solução.
Qualquer coisa seria bem vinda.

- Ela deixou de ser carinhosa com você? - Ouvi-o perguntar.


- Não... Ela continua a mesma... Diz que me ama todos os
dias... Mas não me toca de jeito nenhum!

- E antes da gravidez, qual era a frequência com que vocês


mantinham relações?

- Quase todos os dias. - Choraminguei, deixando de lado a


vergonha - Eu não sei mais o que faço! Estou a ponto de
embebedá-la pra conseguir me aproveitar dela!

Eu sabia que aquilo tinha soado errado, mas não me importei.


Eu era uma mulher desesperada.

- Mila... As reações dos homens e também no caso de Lauren


por ser especial, no período podem variar. Alguns podem se
sentir mais atraídos por suas mulheres, outros mantêm a
relação como ela costumava ser, e outros se afastam. Lauren
parece estar encaixada nesse último grupo. Isso não quer
dizer que ela não sinta mais tesão, mas às vezes é
complicado para ela. Se antes ela a via como amante, agora
ela tem uma imagem mais pura de você. Você é a mãe da
filha dela, e isso deve fazer com que ela não consiga te tocar
sem se sentir culpada ou achar que está fazendo alguma
coisa errada. Muitos homens reagem dessa maneira, e nesse
caso, vejo que a Lauren também reage assim.

Fiquei olhando para a parede como uma débil mental,


simplesmente porque tudo que eu podia fazer era esperar que
ele desse alguma solução para aquilo.

- E como... Como diabos eu vou convencê-la...? - Comecei,


amaldiçoando Lauren por estar sendo tão esquisita.
- Vocês precisam conversar. Tente entendê-la, e tente fazer
com que ela te entenda. Se não funcionar, marcamos uma
conversa nós três. Tudo bem?1

Tentei controlar o nó na garganta, me forçando a não chorar.

- Tudo bem.

- E se acalme. Lembre-se que sua carga emocional reflete na


sua filha. Conversem hoje, e amanhã você me liga e me diz
como foi. Vou ficar no aguardo.

- Ok. - Falei, tentando me acalmar - Obrigada, doutor. E


desculpe por ocupar o seu tempo.

- Não precisa se desculpar. Estou aqui pra tornar sua gravidez


melhor, lembre-se sempre disso.

- Tudo bem. Obrigada.

- Até amanhã, Mila.

- Até.

Desliguei, com um aperto no peito. Passava um pouco das


19h, e Lauren ainda não havia chegado. Tentei retomar a
calma, exercitando minha respiração de olhos fechados.
Tentei me recusar a acreditar naquilo. Ela não podia
simplesmente ter deixado de me desejar. Não podia me ver
com outros olhos. Aquilo era absurdo, e me magoava. Eu era
a mãe da filha dela, e só Deus poderia dizer o quão feliz eu
me sentia com esse fato. Mas isso não fazia com que eu
deixasse de lado o meu papel de mulher. E, como toda
mulher, precisava explorar minha sexualidade. Se aquilo fosse
verdade, eu passaria a me sentir apenas uma barriga
ambulante, carregando a única coisa valiosa que Lauren
possuía. E isso me magoava.

Ela não me tocaria pelo resto da gravidez? Se ela me negava


com a barriga ainda ligeiramente maior, como seria nos
últimos meses da gestação? Ela me evitaria ainda mais? Por
que a falta de intimidade incomodava apenas a mim, e não a
ela? Seria possível que Lauren estivesse se aliviando de
outras maneiras? Seria possível que, me vendo
exclusivamente como a mãe da sua filha, ela tivesse
procurado outra qualquer que desempenhasse o meu antigo
papel? O papel de amante, que satisfaria aos seus desejos
limitados por essa gravidez? Será que ela havia ido atrás de
outra mulher? Ou o que seria pior: Será que havia ido atrás de
uma prostituta, pagando para que ela fizesse o que EU
deveria fazer? Deus, por que eu estava pensando naquilo?
Talvez estivesse exagerando, ou fazendo suposições
absurdas, mas o desespero começou a me tomar de uma tal
forma que, agora, eu fazia força para não rir da própria
situação. Eu já havia estado no lugar da prostituta, e agora
estava no lugar da mulher traída. Até onde essa ironia poderia
ir? O quão cruel ela poderia ser? 2

A quantas mulheres eu havia feito mal no passado por ser o


que era? Talvez fosse a hora de pagar por esse mal. Pagar
pelos meus pecados do passado. Ainda assim, eu não
conseguia lidar com isso, e isso era desesperador.

- Não seja idiota! Ela não está te traindo! - Falei em voz alta,
controlando a vontade de me estapear.

Me forcei a repetir, incessantemente, que aquilo era


simplesmente ridículo, e que não havia motivos para tal
suspeita. Mas eu precisava que ela confirmasse isso, para
poder respirar direito.

Então, por um motivo ou por outro, eu a colocaria contra a


parede aquela noite.

Não passaria daquela noite.+

***

Capítulo 19
Pov Camila

- Oi, meu amor! - Lauren falou de forma alegre enquanto


entrava pela sala e se jogava no sofá ao meu lado. Como
sempre fazia, me deu um beijo carinhoso e, seguindo sua
mais recente mania, levantou meu casaco e beijou minha
barriga, falando com ela como uma louca fala com qualquer
objeto inanimado - Oi, lindinha.

- Você demorou hoje. - Falei, esquecendo do filme que


passava na tv, torcendo para que minha voz não tivesse
mostrado toda a hostilidade e a ansiedade dentro de mim.

- Tive várias reuniões de emergência - Ela falou, desanimada -


Ela te deu muito trabalho hoje?

Toda vez que Lauren falava sobre "ela" comigo, estava se


referindo à nossa filha. Eu havia aprendido isso nas últimas
semanas.

- Não. Hoje foi um dia tranquilo. Não vomitei nenhuma vez. -


Respondi, observando-a se agarrar a mim e esfregar o rosto
mais uma vez no meu umbigo. Seu nariz fez um pouco de
cócegas em mim, por isso tremi involuntariamente. Meu
arrepio, no entanto, não passou desapercebido por ela.

- Que bom. - Ouvi-a dizer, enquanto se afastava


repentinamente. Senti a rejeição outra vez, e outra vez
segurei a vontade de chorar e agredi-la. - Vou tomar um
banho. O dia hoje foi cansativo...

- Como todos os outros. - Falei de forma amargurada. Ela


notou meu mau humor, mas não falou nada, se virando e indo
para o banheiro do seu quarto.

Foi o banho mais demorado que Lauren já tomou na vida. Ou


talvez tivesse durado o que seus banhos costumavam durar,
mas dado meu estado de ansiedade, ela parecia estar
trancada no banheiro havia algumas semanas. Estava a ponto
de socar a porta, fingindo estar passando mal, mas me
contive. Esperei pacientemente - ou quase -, apenas
querendo que ela saísse logo e diminuísse minha ansiedade.
Eu precisava conversar com ela.

Caminhei pelo quarto, tentando me conter. Fiquei assim por


alguns minutos, até que ela finalmente teve a bondade de se
juntar a mim outra vez.

- Está tudo bem? - Ela perguntou, me observando no canto do


quarto, de braços cruzados.

- Quero que você sente. - Falei, sem rodeios.

- Por quê? - Ela rebateu, sua voz soando um pouco


preocupada.

- Porque quero conversar com você.


Ela me encarou ansiosa, e, tomada pela curiosidade, foi se
sentar na ponta da cama, só para que eu falasse logo.

- O que foi? É alguma coisa com ela?

- Não. Ela está muito bem. - Respondi, sentindo meu sangue


começar a ferver.

- Então o que foi? Você quer alguma coisa?

Encarei-a por algum tempo, tentando achar as palavras certas


para começar aquela conversa.

- Quero. Quero uma coisa.

- O que é? - Ela se apressou em falar - Seja o que for, você


sabe que pode pedir...

- Quero sexo.1

Aquilo pode ter parecido um pouco inapropriado, mas eu não


estava me importando muito com isso. O importante era
passar o recado, da forma mais limpa e cristalina o possível.

Como Lauren não respondeu, finalizei meu pequeno discurso.

- Agora, se for possível.

- Aham.. É que ... - Ela falou, se mexendo na ponta da cama e


olhando para a parede oposta. Mas eu já estava preparada
para a desculpa que viria a seguir, fosse ela qual fosse - É
que... Minha cabeça, ela está me matando...

- E desde quando você virou essa santa? Que nega uma


trepada por causa de uma dor de cabeça? - Falei, agora
completamente hostil. Ela me encarou surpresa.
- Eu... Você sabe que meu dia foi cheio... - Ela começou, mas
a interrompi sem a menor educação.

- Lauren Jauregui, não seja mentirosa! Se eu dissesse que


estava passando mal, você não mediria esforços pra me levar
pro primeiro hospital. Mas como tudo que eu quero é transar,
depois de SEMANAS na seca, você parece indisposta?

Ela não respondeu, e pelo menos fiquei mais satisfeita por ela
não ter insistido na mentira.

- O que raios está acontecendo? Por que você não encosta um


dedo em mim? - Falei, já não conseguindo mais disfarçar
minha completa indignação.

- Amor...

- É porque eu vou ser mãe? Porque se for isso, tenho que te


informar que continuo sendo mulher. - Falei, de forma amarga
e irônica.

- Eu sei...

- Então é isso? - Insisti, já com vontade de chorar outra vez.

- Não! Não é isso!

- O que é então? Você não se sente mais atraída por mim? -


Perguntei, sentindo uma leve dor no peito pela possível
rejeição.

- Claro que sinto atração por você! - Ela respondeu, me


olhando quase incrédula.

- É porque eu estou ficando gorda? É a minha barriga? Meu


corpo não está como você queria?
Lauren suspirou, e por um segundo imaginei que ela estivesse
começando a perder a paciência.

- Camz, por favor, não fale besteiras...

- Você tem se encontrado com outras mulheres? - Perguntei


antes que pudesse pensar se aquela era uma pergunta
adequada.

Ela arregalou os olhos, talvez por surpresa ou talvez por


indignação.

- Do que caralhos você está falando? - Ela cuspiu, agora


realmente puta.

- Como você está lidando com isso tão bem durante todo esse
tempo? - Falei, já tremendo.

- Tão bem? Você não sabe o que está dizendo!

- Sei sim! Você não me toca!

- E sabe como é difícil não te tocar quando, toda noite, você


tem seus sonhos e fica se esfregando em mim como uma
ninfomaníaca?

Olhei-a com um misto de vergonha e indignação.

- E por que diabos você se recusa a me tocar? Porque não me


pega de uma vez? Você sabe que eu quero!

- Por que você está grávida!

Fiquei em silêncio, tentando fingir que não tinha acabado de


escutar aquilo. Tentei conter minha respiração, mas não
adiantava. Se Lauren queria me tirar do sério, ela havia
conseguido. Aquilo era para ser uma pergunta, mas saiu como
um berro.
- E QUAL É A PORRA DO PROBLEMA?1

- Eu não vou meter em você com a minha filha aí dentro! Se


eu machucá-la...

Eu não estava mais ouvindo. Aquilo era tão absurdo tão


incrivelmente idiota, que meu cérebro simplesmente parou de
processar o que quer que ela estivesse falando naquele
momento. Minha ira se multiplicou por vinte ao saber que
minha abstinência forçada se dava unicamente pelo fato de
Lauren ser tão burra a ponto de achar que algo
completamente absurdo como aquilo pudesse vir a acontecer.

- Você... Você... - Comecei, sem saber ao certo se gritava ou


partia pra cima dela com uma faca - Você não pode estar
falando sério...

- Se eu fizer mal a ela...

- VOCÊ NÃO PODE TOCAR NA PORRA DO BEBÊ! NEM


QUE O SEU PAU TIVESSE MEIO METRO! - Berrei, querendo
socar cada parte visível do corpo dela.

- Não chame a nossa filha de "porra"- Ela respondeu, com um


tom de voz indignado, mas se forçando a não gritar no
mesmo tom, porque viu que eu estava começando a perder o
controle. E aquilo obviamente a deixava preocupada, por
causa da nossa filha. Como sempre.

Sem pensar, e só porque não havia nada mais pesado por


perto, agarrei um dos travesseiros espalhados pelo chão, ao
lado da cama, e joguei com toda força na cara dela. Era óbvio
que aquilo não tinha a machucado mas de qualquer forma,
fiquei feliz por poder agredi-la de algum jeito. Nem que o
resultado fosse patético.1
- Idiota! - Gritei, saindo do quarto o mais rápido possível,
antes que a lágrima de raiva que eu tentava conter
escorresse pelo meu rosto - Você é uma idiota!

Bati a porta com força, deixando-a sozinha ali.

Pov Lauren

Me mantive sentada, olhando para a porta fechada, pensando


qual atitude seria melhor: Deixar que Camila esfriasse a
cabeça e chegasse à conclusão que não valia a pena me
matar, ou ir atrás dela e tentar acalmá-la, correndo risco de
vida.

Tudo bem, eu era uma perfeita ignorante sobre sexo na


gravidez. Não sabia porra nenhuma de bebês, afinal, eu era
uma mulher solteira que nunca pensou em ter um filho. Mas
aquela gravidez havia me pegado de surpresa, e confesso que
não pesquisei muito sobre o assunto depois de saber que
seria mãe. Sim, era provável que eu estivesse sendo patética.
Aliás, se fosse tomar como referência a reação de Camila à
minha confissão, eu tinha certeza que estava sendo MUITO
patética. Mas eu admitia ser suficientemente burra sobre
aquele assunto, por isso não sabia se corria algum risco de
cutucar a nossa filha. Tudo que me restou, então, foi me
privar de um pequeno prazer. Ok, de um prazer
importantíssimo.

Mas agora, sentada ali, ainda na mesma posição, comecei a


me achar realmente idiota. Não sei por que nunca havia
conversado com ela sobre isso. Talvez temesse que ela não
entendesse, ou me achasse uma completa ignorante. De
qualquer forma, não havia desculpas.
Me levantei, tomando a decisão de ir atrás dela e esclarecer
algumas coisas. Mas não cheguei a dar um único passo,
porque Camila já entrava no quarto bufando, com seu celular
na mão e os olhos esbugalhados. Ela era mais ou menos
como um Ursinho Carinhoso puto, e isso seria adorável caso
eu não estivesse com medo.

Quando ela estendeu o aparelho para que eu pegasse, desviei


involuntariamente, pensando que ela me daria um murro no
nariz. Quando entendi o que ela queria, peguei o celular de
sua mão e trouxe o aparelho à orelha.

- Alô?

- Ah, boa noite, Lauren. É o dr. Carlos. - Ouvi-o dizer,


disfarçando o bocejo.

Olhei para Camila e constatei que seu olhar ainda tinha um


brilho incrivelmente assassino. Por isso, mesmo me sentindo
mal em interromper o sono do médico - ainda que tenha sido
ela a ligar e acordá-lo - continuei falando com ele ao telefone.

- Ah... Boa noite, doutor.

- Camila me ligou e contou que vocês conversaram.

Pela cara que ela fazia, provavelmente ele já sabia de tudo


que havíamos conversado.

- É... Nós conversamos... Mais ou menos.

- Ela me disse que você tem algumas dúvidas quanto à


possibilidade de manter relações sexuais no período da
gravidez.
Ele estava sendo educado, e eu sabia disso. Tinha certeza que
Camila havia contado a situação para ele de uma forma muito
menos suave, com alguns palavrões e xingamentos.

- É, eu... Eu não sei direito se posso...

Camila bufou na minha frente de repente, e outra vez me


mexi de forma involuntária para longe dela.

- Lauren, veja bem... A primeira coisa que quero deixar claro é


que você não é a única a ter essa dúvida. Muitas pessoas
acham que sexo durante a gravidez pode afetar o bebê de
alguma forma e prejudicar a formação do feto, mas escute
bem o que vou dizer: Não há o menor problema em se manter
relações durante a gestação. A filha de vocês está bem
protegida no útero, e o seu órgão sexual não pode, de forma
alguma, tocá-la. Não há a menor chance de você machucá-la.
Mas é claro que eu aconselho que vocês deixem um pouco de
lado práticas como sexo selvagem e posições mais
desafiadoras do Kama Sutra. O importante é deixá-la
confortável em qualquer posição que ela quiser. Repito: Não
há como você fazer mal ao bebê. Ao contrário, tudo que sua
filha sente é reflexo de como Mila se sentir. Se ela estiver
bem, sua filha estará bem também. Por isso, faça com que
sua mulher relaxe. Sexo ajuda bastante nessa parte, além de
fortalecer os músculos do Períneo, o que ajuda na hora do
parto. E se ainda há dúvidas sobre outros métodos, deixe que
eu te explique: Não há problema com sexo oral ou anal, com
ou sem ejaculação, contanto que haja higiene sempre.
Masturbação também é liberado, e não se preocupe quanto
aos seios dela. Você pode fazer com eles tudo que fazia antes
normalmente, mas como estão mais sensíveis, só tome
cuidado pra não machucá-la.

Mesmo que fosse desagradável ouvir tudo que ele me dizia


com Camila me encarando como se quisesse me matar a
qualquer momento, tentei dar total atenção àquelas
informações.

- E... E eu posso... Você sabe... Dentro dela?

- Pode ejacular dentro do canal vaginal sem o menor


problema. Ela também pode se permitir atingir orgasmo. Digo
isso porque muitas mulheres têm a ideia errada de que
orgasmos podem levar ao aborto. Isso não é verdade. Sexo
durante a gestação deve ser aproveitado ao máximo, até
mesmo porque serve como válvula de escape pra todas as
ansiedades desse período. As relações sexuais durante
gravidez só devem ser interrompidas quando houver
sangramento ou perda de líquido amniótico, mas esses casos
são raros. Fora isso, vocês estão livres se envolverem
fisicamente. Não se preocupe, vai fazer bem tanto pra vocês
quanto pra menina.

- Certo... Ok, obrigada doutor. Desculpe interromper a sua


noite...

- Tudo bem. Eu até esperava por isso. Mila estava um pouco


chateada no início dessa noite. Acho que você vai ter que se
redimir. - Ele disse, dando um risinho de provocação.

- Ah... É, acho que sim. - Respondi, sentindo meu bom humor


voltar aos poucos.

- Bom, você tem mais alguma pergunta?


- Não. Obrigada pelas explicações.

- Não há de quê. Agora, aproveite o resto da noite.

- Ok... Obrigada mais uma vez. Boa noite.

- Boa noite.

O telefone ficou mudo do outro lado da linha, e então me dei


conta de que agora era a hora de enfrentar toda a fúria de
uma mulher grávida e irritada à minha frente.

- Ahm... - Comecei, um pouco sem graça - Desculpa, amor...


Eu não sab...

Fui interrompida por seus punhos, me socando em todas as


partes possíveis. Era exatamente como um ursinho de pelúcia
devia socar, exceto pelo fato de que doía pra caralho.

- Ai! Amor! - Tentei segurá-la, mas ela era rápida e


escorregadia.

- Idiota! - Camila gritou, me socando com mais força ainda. Eu


estava apanhando como uma garotinha.

- Ei! Foi ruim pra mim também... Ai! CAMZ! 1

- Foda-se! Você merecia mais nove ANOS sem sexo por isso!
Sua... Sua... folha de papel A4 do caralho! - Ela pontuou, com
mais um soco no meu ombro.3

Parecendo cansada em me bater, ela parou e ficou ali, me


olhando com a respiração cansada do esforço. Não reagi,
apenas esperando pelo momento em que, depois da pequena
trégua, Camila voltaria com tudo para cima de mim, com
tapas ainda mais fortes e xingamentos ainda mais agressivos.
Era óbvio que eu poderia usar um pouco da força que tinha e
segurá-la de verdade, imobilizando-a. Mas eu não faria isso,
principalmente porque sabia que merecia cada soco recebido.

Suas mãos estavam cerradas, seus olhos ainda assassinos,


mas ela não se moveu mais. Talvez eu tivesse entendido
errado, mas considerei sua atitude como uma brecha para
que eu agisse da maneira que quisesse. A vez agora era
minha. Então, eu agi.

Agarrei-a sem pensar se seria certo, e se ela aceitaria. Colei


meus lábios de leve nos dela, como se estivesse pedindo
permissão.

Quando percebi que tinha dado certo, colei meus lábios nos
dela de novo, só que agora com um pouco de força e forcei
minha língua contra a dela, sem dar espaço para um beijo
carinhoso. Abracei-a com vontade, ainda que tomando
cuidado com sua barriga.

Como ataquei Camila com um pouco de força, sabia que seu


corpo acabaria se chocando contra a parede em algum
momento daquele pequeno segundo, então coloquei uma das
mãos atrás de sua cabeça para protegê-la. Quando senti a
parede fria nos nós dos meus dedos, tirei-os de lá e agarrei
suas costas. Senti seus dedos se fecharem com força nos
meus cabelos como ela sempre fazia, me puxando para perto
dela. Prensei-a com ainda mais força contra a parede, e
quando mantive a pequena distância entre nossas barrigas,
ela se enfureceu e agarrou meu corpo por trás, me puxando
com violência para si.

- Tem como você deixar de ser idiota? - Ela falou,


completamente sem fôlego contra minha boca, e no segundo
seguinte voltou a me beijar com desespero. Minhas mãos,
ainda na sua lombar, desceram e levantaram-na do chão,
forçando suas pernas a entrelaçarem-se na minha cintura.
Tentei manter meus toques gentis, mas estava sendo muito
difícil, principalmente porque ela não parecia querer
gentileza.

Seu corpo tremia, e eu tinha certeza que não era de frio.


Ambas estávamos pegando fogo, e me odiei por saber que
todo aquele desespero era culpa minha.

Senti minha camisa ser puxada para cima, e a tirei junto com
o sutiã de qualquer jeito, voltando meus lábios para o pescoço
dela. Não que eu precisasse estimulá-la, mas sabia que meu
nariz encostando naquela área deixava Camila simplesmente
louca.

- Meu... Deus! Me come logo! - Ela ofegou contra meu ouvido,


e eu acharia aquilo muito engraçado se não estivesse louca
de tesão e completamente disposta a fazer o que ela pediu.
Levei Camila no colo até a cama, deitando-a lá e,
desesperada de pressa, arrancando de uma única vez a calça
de moletom que ela vestia junto com a calcinha. Aquele era o
tipo de situação em que preliminares não serviriam para
estimular ninguém, porque ninguém ali precisava de estímulo.
Como ela não se opôs à minha pressa, chutei para longe
minha calça de qualquer jeito e fui me ajoelhar entre as suas
pernas, abrindo-as sem sequer pedir permissão. Ela tirou o
casaco por conta própria. Me posicionei em sua entrada já me
movendo para frente, mas ainda com cuidado. Fazer aquilo
sabendo que meu pau disputava com a minha própria filha
espaço dentro do corpo dela era esquisito, mesmo sabendo,
agora, que não havia problema nenhum. Era uma neura que
eu precisava superar.

Indo contra todos os meus desejos mais selvagens, penetrei-a


devagar, me acostumando com a sensação e, ao mesmo
tempo, lembrando de como era bom sentir aquilo de novo.
Claro que algumas semanas não foram o suficiente para fazer
com que eu esquecesse de como era transar, mas foram
suficientes para fazer com que meu tesão triplicasse, quase
como uma adolescente virgem. Segurei em sua cintura,
jurando para mim mesmo que só a penetraria com a metade
do meu pau. Obviamente, depois de algumas investidas, me
dei conta de que já estava colocando tudo para dentro.

- Estou machucando? - Perguntei, mesmo sem saber como.

- Não... - Ela suspirou, se apertando contra mim e encaixando


melhor seu corpo no meu. Respirei fundo, tentando manter o
controle.

Entrei milimetricamente na boceta dela, observando a forma


como seu corpo se contorcia contra o meu. Era óbvio que
Camila não estava satisfeita com aquela lentidão, porque nem
eu mesmo estava. Isso ficou óbvio quando, talvez
inconscientemente, ela começou a se mexer num movimento
de vai e vem contra meu pau, ondulando no colchão à minha
frente e fazendo com que eu começasse a tremer. Lutei
bravamente contra aquela cena, que me chamava e me
incitava a fazer o que ela queria. Eu sabia o que ela queria. E
sabia o quanto ela queria. Mas então, ela abriu aqueles olhos
e me encarou. Eles não pediam que eu fizesse aquilo direito.
Eles simplesmente ordenavam.
- Foda-se! - Falei para mim mesma e segurando com força
Camila pela cintura, penetrei-a agora com tanta vontade que
quase me desequilibrei. Se ela sentisse dor, me avisaria. Se
não sentisse, só Deus poderia dizer quando aquilo ia acabar.

Ouvi-a gemer, mas por experiência, sabia que eram gemidos


puramente de prazer. Deixei alguns sons guturais escaparem
da minha própria garganta, alheia a qualquer coisa que não
fosse aquela mulher. Me inclinei para frente, mantendo o
corpo ainda suspenso com os braços esticados cada um de
cada lado da cabeça dela, e a beijei furiosamente. Ela
retribuiu, fechando as pernas na minha cintura e reforçando
os movimentos que, agora, ambas fazíamos ao mesmo
tempo.

A noite era razoavelmente fria, mas eu estava suando. Só


reparei nesse detalhe quando senti suas mãos escorregarem
nas minhas costas, desesperadas por apoio. Nos virei na
cama abruptamente e cessei o beijo, me coloquei de joelhos e
a levantei fazendo com que ela ficasse sentada em cima do
meu colo e ditasse a intensidade e a velocidade dos
movimentos. E então ela cavalgou em mim, daquele jeito
lindo que só ela sabia fazer.

- Puta que pariu... Camila... - Eu respirava e tentava controlar


o orgasmo ao mesmo tempo, mas estava falhando nos dois
sentidos. Passeei as mãos pelo corpo dela, já ligeiramente
modificado pelo avanço da gravidez. Parei na pequena barriga
protuberante e me senti incrivelmente atraída por aquilo,
mesmo que, em condições normais, aquele excesso não fosse
atraente. Seu corpo estava mudando, e eu estava achando
muito sexy. O que, sinceramente, não fazia sentido.1
Voltei a encará-la e notei que seu rosto se contorcia em uma
expressão já conhecida. Ela estava muito perto do próprio
clímax. Camila parecia feita de geleia depois de um orgasmo,
e eu precisava segurá-la antes que ela simplesmente
derretesse no meu colo. Por isso eu a abracei, fazendo uma
gaiola em volta dela, enquanto reforçava nossos movimentos.
Seus dedos apertaram os fios dos meus cabelos com muita
força, então sabia que era questão de poucos segundos até
que ela explodisse. Quando senti sua boceta começar a se
abrir e se fechar contra meu pau, apertei-a ainda mais contra
mim e aproximei minha orelha de sua boca, apenas para
ouvir o som que ela emitiria. Ouvi-la gozando era uma das
sensações mais estimulantes que existiam.

-Vai.... isso me fode....

Não consegui me segurar, e antes que ela conseguisse parar


de gemer, eu já estava gozando também.

Depois de algum tempo, o que pareceu ser bastante, quando


voltei a mim, ela ainda estava no meu colo, sua cabeça
descansando no meu ombro.

- Transar com você sempre foi muito bom... - Comecei, ainda


um pouco tonta - Mas dessa vez foi... porra foi bom pra
caralho... Deus do céu.

- Talvez porque você tenha privado a nós duas disso por


semanas. - Ela rebateu, completamente confortável para ser
sincera.

- Então quer dizer que toda vez que ficarmos um tempo sem
transar vai ser bom assim? - Falei, provocando-a.
Ela levantou a cabeça e me olhou. Embora parecesse quase
inofensiva agora, vi um lampejo do brilho assassino de antes
passar pelo seu olhar.

- Você quer ver sua filha nascer? - Camila perguntou, séria.

- Quero.

- Então experimenta me deixar sem sexo outra vez.

Não tive como deixar de rir. Ela continuou séria, mas logo em
seguida me beijou calmamente, segundos depois começando
a aprofundar o beijo e fazendo com que meu corpo, ainda
colado ao dela, começasse a ferver outra vez. E recomeçamos
a matar as saudades. Uma vez, duas vezes, três vezes.
Fizemos de tudo. Ao final da noite, ela parecia tão exausta
que tive que servir de apoio durante seu banho.

Levei-a para a cama e envolvi vários cobertores em seu


corpo, protegendo-a do frio. Quando terminei de me arrumar,
fui deitar ao lado dela, mas sabia que Camila já estaria
dormindo. Abracei-a com firmeza, mas ainda assim, de forma
suave. Espalmei minha mão em sua barriga como sempre
fazia, de certa forma me desculpando por incomodar a paz da
minha pequena princesa. Era idiota, eu sabia, mas ainda
assim, queria pensar que ela reconhecia meu toque e minhas
intenções cada vez que me aproximava dela. Encostei o rosto
nos cabelos de Camila e fechei os olhos. Não precisei esperar
muito até que o sono viesse, e segundos depois, com um
sussurro quase inaudível até mesmo para o silêncio do
quarto, desejei boa noite às duas mulheres da minha vida e,
sem pensar em mais nada, simplesmente adormeci.

***
Camila Pov  

(Quarto mês)

Àquela altura, eu estava completamente transformada, e me


transformava continuamente, dia após dia. Não era apenas
pela aparência que se podia dizer isso: Embora minha barriga
simplesmente houvesse resolvido crescer de uma vez só,
compensando os quase três meses de disfarce, era também
no meu humor que a gravidez se manifestava.

Se no início as mudanças bruscas de comportamento


deixavam tanto Lauren quanto a mim mesma um pouco
confusas, agora elas pareciam nos pegar completamente de
surpresa. Cheguei a ter medo de estar desenvolvendo algum
tipo de bipolaridade, já que, às vezes, era uma questão de
segundos para que meu humor mudasse radicalmente, com
direito à lágrimas e berros. Mas o dr. Carlos nos certificou de
que aquilo era normal. Aparentemente, Lauren estava
começando a ter um pouco de medo de mim. Claro que
grande parte das vezes, quando brigávamos (sempre por
motivos idiotas, porque meu humor resolvia entrar em crise)
ela não respondia o que responderia normalmente só porque
tinha medo que, insistindo na discussão, meu nervosismo
atingisse níveis perigosos para a gravidez. Mas em alguns
momentos eu realmente a notava um pouco tensa, sendo
excessivamente gentil e mansa. E mesmo que isso só me
enervasse mais, ela parecia decidida a bancar o tipo de
namorada "tudo-que-você-quiser,amor."

Ameacei-a de morte algumas vezes, e talvez porque eu


parecesse sincera, em determinado momento ela passou a
me sufocar menos. Me senti vitoriosa apenas até o momento
em que seu pequeno afastamento trouxe uma sensação
completamente absurda de abandono. Depois de muito
drama, nós duas conseguimos balancear as oscilações que
meu humor sofria, e então ela sabia quando era a hora de se
afastar e quando era a hora de grudar em mim.

- Amor? - Ela gritou assim que ouvi a porta da sala ser batida.

- Quarto! - Gritei de volta, ainda me encarando no espelho


enorme do closet apenas de calcinha e sutiã, exatamente o
que estivera fazendo durante os últimos dez minutos.

Lauren entrou já com o vestido na mão, desfazendo dos


sapatos de salto, ela parecia estar cansada. Não me mexi,
ainda encarando o espelho. Esperei que ela se pronunciasse
parada ali atrás de mim.

- Tudo bem, my pink princess? - Ela perguntou, me olhando


como quem olha uma granada prestes a explodir. Assenti com
a cabeça, lutando contra o biquinho pré-choro que começava
a se formar no meu rosto.1

Ela obviamente percebeu que não estava tudo bem, e por isso
se aproximou, beijando meu pescoço de leve enquanto jogava
despreocupadamente seu vestido em algum canto,
envolvendo seus braços em mim logo em seguida.

- Tem certeza? - Lauren insistiu, brincando com a ponta do


seu nariz carinhosamente no meu ombro, mas ainda me
olhando pelo reflexo com o máximo de cautela.

O choro veio até minha garganta e voltou. Meu queixo tremeu


e meu biquinho se transformou em uma careta.
- Estou... horrível. - Consegui falar, tentando não tremer a voz.
Ela suspirou contra meu pescoço.

- Me diga exatamente qual parte em você está horrível.


Porque eu não consigo ver...

- Eu toda.

A lágrima que brincava em um dos meus olhos caiu.

- Amor... - Ela começou, com sua voz suave e calma que


demonstrava toda a paciência de um monge budista - Você
não consegue ficar feia.

- Eu estou gorda... E deformada...

- Você não está deformada. Mas se a nossa filha está aí


dentro, sua pele e seus músculos precisam se esticar.

Como de costume, ela espalmou suas mãos na minha barriga,


não enorme, mas evidentemente desenvolvida.

- Você não negou que eu estou gorda. - Comecei, sentindo


uma tristeza idiota.

- Você não está gorda. - Ela falou, beijando delicadamente


minha orelha - Está linda.

- Não estou linda. Estou enorme. Tenho até peitos agora. -


Debochei da minha ausência de busto e Lauren riu.

- Isso não aconteceu agora. Seus peitos estão maiores há


muito tempo. Eu já tinha notado antes de saber da gravidez.

- Se tinha notado, por que não me falou? Eu não fazia ideia .. -


Comecei, querendo desviar um pouco a conversa apenas para
tentar me sentir menos deprimida.
- Tenho certeza que se falasse você pensaria que eu tinha te
chamado de gorda.

Olhei outra vez para meu próprio reflexo, lembrando do


assunto original.

- Mas eu estou gorda... - Choraminguei, fazendo outra vez o


biquinho.

E Lauren insistia em ser perfeita durante todo o tempo, me


dando toda a atenção e carinho quando eu queria, e me
dando espaço quando eu parecia prestes a mordê-la. Embora
ela ainda se mostrasse um pouco receosa quando
transávamos, essa idiotice parecia também ir melhorando
gradativamente. O dr. Carlos havia me alertado que, em
alguns casos, o mau humor e a irritação da mãe na gravidez
poderia afetar o relacionamento entre o casal, fazendo com
que o pai e no caso de Lauren "Mãe" também se tornasse
mais impaciente durante esse período. Mas ainda que eu
tivesse medo que isso viesse a acontecer, o humor dela não
parecia se abalar com nada, fosse pela minha constante
mudança de humor, pelo excesso de trabalho ou pelo stress
da nossa mudança, que se daria dali a uma semana.

Eu, por outro lado, não conseguia saber como conter tantos
sentimentos - tanto opostos quanto complementares - dentro
de mim, todos lutando por espaço de uma vez. Não era
incomum me sentir ansiosa, preocupada, aflita,
explosivamente feliz e completamente emotiva, tudo ao
mesmo tempo. Por isso, era nela que eu buscava meu próprio
equilíbrio, já que tudo que Lauren parecia sentir era uma
plena felicidade e uma paz inabalável. Sua postura só mudou
um pouco em um determinado dia.
- Tenho que ir a um lugar. - Falei, observando-a embrulhar as
porcelanas em jornais para só então irem parar dentro de
uma das caixas de papelão. O apartamento agora estava
estranhamente vazio apenas sendo preenchido pelos cantos
por mais e mais caixas de diferentes tamanhos empilhadas
umas nas outras, embora os móveis continuassem ali.

Ela me encarou curiosa, deixando um pouco de lado seu


trabalho braçal.

- Ok... Onde?

Suspirei. Eu sabia que aquela não seria uma conversa fácil, e


por isso mesmo havia me preparado para ela durante aqueles
últimos dias.

- The Hills.

Ela se esquivou de forma sutil, quase imperceptível. Como se


minhas palavras a tivessem golpeado, mas ela não quisesse
demonstrar que havia sido atingida.

Por algum tempo, tudo que fez foi me encarar, talvez se


perguntando se deveria falar alguma coisa.

- Por que... Por que quer ir lá?

- Tenho assuntos pendentes lá. - Falei, tentando parecer


casual enquanto estendia mais uma folha de jornal para ela.
Mas as porcelanas já haviam sido completamente esquecidas.

- Você não tem assunto nenhum lá.

Olhei-a em tom de reprovação, enquanto esperava que ela


mesmo notasse que responder questões da minha vida por
mim não só era inadequado como idiota.
- Sim. Eu tenho. Quer você queira, ou não. - Minha voz saiu
seca.

- O que vai fazer lá? - Ela perguntou, empregando um novo


tom na voz que mostrava mais humildade do que antes. Mais
uma vez, suspirei.

- Eu tenho amigas lá. E não me importam que tipos de amigas


elas são ou em que circunstâncias apareceram na minha vida.
São amigas que não sabem o que sobrou de mim depois que
fui embora completamente destroçada. Amigas que me
ajudaram durante todos os momentos imundos que passei
naquela casa, e as quais merecem um mínimo de respeito e
consideração. Preciso ir lá, nem que seja pra me desculpar,
agradecer e dizer que estou bem.

Eu não esperava que Lauren entendesse, mas gostaria que


respeitasse minha decisão. Mesmo que eu soubesse que
aquilo a desagradava, minha consciência não me permitia ir
embora para Londres dali a dois dias sem ao menos me
despedir das únicas pessoas que, por um certo momento da
minha vida - um momento bem ruim - me apoiaram e
estiveram ao me lado.

- Tudo bem. - Ela disse depois de vários segundos.

Lauren não estava feliz em concordar com aquilo, mas


também não parecia completamente disposta a me fazer
mudar de ideia como eu pensei que faria.

- Tudo bem? - Perguntei, ainda um pouco desconfiada.

- Mas eu vou com você.


Considerei sua resposta, imaginando se aquilo era bom ou
ruim. Eu não sabia dizer. Não ir sozinha até aquele lugar seria
bom, porque fantasmas se escondiam ali. Mas, por outro lado,
Lauren estava diretamente ligada a alguns desses fantasmas,
e sua presença ali só me faria relembrar de tudo com ainda
mais intensidade.

- Você não precisa ir... - Comecei, tentando fazer com que ela
considerasse a possibilidade de me deixar fazer aquilo
sozinha. Se ela estava apenas tentando ser gentil, essa era a
hora de pensar melhor na situação.

- Sei que não preciso. Mas eu quero ir com você.

- Por quê?

- Porque eu quero estar do seu lado. Sei que não vai ser fácil
pra você, por isso quero estar lá. Mesmo sabendo que não vai
ser fácil pra mim também.

Era um motivo bastante concreto, era verdade. Ainda assim,


eu tinha medo de mexer em uma ferida ainda em processo de
cicatrização. O que estava no passado era suficientemente
forte para conseguir estragar minha felicidade de alguma
forma, embora eu não soubesse exatamente como. Mas
aquele era, decididamente, um ponto da minha vida que não
precisava ser tocado, e apenas eu tinha que lidar com isso.
Lauren podia e devia ficar fora desse assunto. Mas ela
também tinha o direito de tomar decisões. E se sua decisão
havia sido me acompanhar, eu não interviria. Não quando eu
estava tão frágil. Não quando realmente preferia que ela
fosse, mesmo que no fundo sentisse um medo talvez
irracional de levá-la de volta àquele lugar.
- Você tem certeza? - Perguntei, desejando que ela realmente
pensasse nas possíveis consequências.

- Tenho. - Sua voz saiu decidida. Continuei encarando-a


desconfiada, embora não houvesse necessidade. Sua postura
era bastante firme, o que deixava claro que ela estava certa
da sua escolha.

- Tudo bem... - Finalmente falei, e então Lauren pareceu


querer pôr um ponto final naquilo, voltando-se para os pratos
embrulhados, mesmo que eu soubesse que ela estava ainda
distraída. Eu também queria que aquele assunto morresse,
mas não antes de terminá-lo da forma que eu precisava
terminar. Deixei as folhas de jornal em cima da mesa e me
aproximei dela, abraçando-a por trás de forma carinhosa.

- Você vai ficar bem? - Perguntei sem conseguir ver seu rosto.

- Vou. Não se preocupe. - Ela respondeu, parando de


embrulhar a porcelana outra vez.

- Ok. Obrigada por isso. - Falei, beijando suas costas com uma
genuína gratidão. Me retirei da sala segundos depois,
deixando-a sozinha com o resto da arrumação.

***

Quando Lauren finalmente desligou o carro na conhecida rua


de paralelepípedos vazia e estreita, meu coração pareceu se
acelerar ainda mais. A viagem até ali, embora relativamente
rápida, pareceu ser uma pequena tortura, já que tudo que
havia feito durante o percurso foi imaginar o que falaria para
as pessoas que estava prestes a reencontrar. Não apenas
isso. Eu tinha que explicar a elas por que sumi e não dei
notícias. Tinha que explicar o que havia acontecido comigo
durante aqueles meses. Tinha que pedir desculpas por ter
sido completamente negligente. E não sabia como fazer tudo
aquilo. Mas era a sensação de estar ali de novo que mais
mexia comigo. Aquele lugar me trazia lembranças, quase
todas ruins. Ainda assim, não havia como esquecer que foi
exatamente ali que minha vida começou a mudar. E lidar com
tantas sensações ao mesmo tempo estava fazendo com que
eu ficasse, no mínimo, confusa.

- Elas deviam ter ido na nossa casa. - Lauren falou de repente,


me assustando um pouco - Não devíamos ter vindo aqui.

Reparei que ela olhava fixamente para o volante, e tive a


certeza que aquilo era apenas uma estratégia para não olhar
em volta e lembrar do tempo em que ela também andava por
ali. Estava óbvio que ela não estava confortável e que não
queria tocar outra vez nesse ponto do passado. Um ponto que
tínhamos em comum. Mas eu tinha que enfrentar aquilo. Era
algo pelo qual eu sabia que teria que passar, se quisesse
superar de uma vez tudo que me prendia àquele lugar.

Me limitei a negar com a cabeça, e mesmo que seus olhos


não saíssem do volante, sabia que ela podia me ver pela sua
visão periférica. Testei minha respiração algumas vezes,
tentando me acalmar e lembrando que minha filha não tinha
absolutamente nada a ver com o que quer que me tirasse o
controle e incomodasse sua paz.

- Vai ficar tudo bem. - Falei, querendo convencer a ela e a


mim mesma que aquilo era verdade. Ela não respondeu.
Quando entendi que aquela ansiedade só passaria quando
finalmente fizesse o que tinha que ser feito, desafivelei o
cinto de segurança e abri a porta. Lauren repetiu meus
movimentos logo em seguida, e foi exatamente nesse
momento que Scarlet saiu para a rua através da porta que
dava para a cozinha, segurando um cigarro recém acendido e
se virando na direção oposta à que estávamos, sem nos ver
ali.

Ela caminhou despreocupadamente pela calçada, a passos


lentos, tragando o cigarro e assoprando para cima a fumaça
de forma distraída. Enchi os pulmões de ar e de coragem,
apenas para chamar a atenção dela.

- Scarlet? - Chamei em um tom que ela me ouvisse, e


imediatamente Scarlet se virou para ver a quem pertencia o
chamado.

Quando me encarou, parou de soltar a fumaça do cigarro no


meio do processo, e eu até poderia imaginar que sua
expressão de absoluta surpresa se dava simplesmente porque
ela estava me vendo ali, depois de tantos meses sem ter
notícia alguma minha. Mas eu sabia perfeitamente que
metade daquele olhar de incredulidade se dava por Lauren
estar parada a alguns metros de mim, encarando-a também.
A outra metade era por causa do tamanho da minha barriga,
agora discretamente visível até mesmo por debaixo do casaco
que eu vestia. 

Depois de algum tempo - o que parecia ser uma eternidade -


ela conseguiu voltar a si, talvez pela percepção do resto da
fumaça que deveria ser expelida queimando seus pulmões.
Fosse qual fosse o caso, ela resolveu falar também.

- Mila... - Scarlet começou, repetindo o mesmo caminho que


fazia entre meu rosto, o rosto de Lauren e a minha barriga -
Oi!
- Oi. - Respondi, me sentindo estranhamente calma.

- Você... - Ela recomeçou, agora encarando apenas minha


barriga - Por onde você esteve? Nós te procuramos tanto...

- Me desculpem... Eu não queria que vocês se


preocupassem... - Respondi, caminhando na sua direção e
fazendo com que a distância entre nós diminuísse.

Durante todo o percurso, seus olhos se mantiveram


congelados no meu umbigo. Foi só quando eu já estava
parada diretamente à sua frente que ela se mexeu de
repente.

- Ai, merda! - Ela disse, me encarando assustada e jogando


longe o cigarro, obviamente se preocupando com a fumaça
perto de uma grávida. Sorri, me lembrando por um momento
que eu gostava dela também.

- Ahn... Oi, Lauren.

Não ouvi a resposta dela, mas imaginei que ela devia ter
acenado com a cabeça. A simples interação de Scarlet com
Lauren, por um momento, havia me feito pensar em coisas
esquisitas. Eu estava agora no papel da esposa grávida, e
bem ou mal, sabia que minha namorada já havia dormido
com ela. Com ela e com todas as garotas que encontraria
dentro daquela casa. Claro que, na época, eu estava na
mesmíssima posição de Scarlet, o que não seria tão esquisito
de lembrar se Lauren não estivesse ali, a poucos metros de
nós duas, tornando aquele momento estranho em muitos
níveis diferentes. Aquilo era surreal. E desconfortável.

- Mila... O que acontec... Como foi que... - Ela parou,


suspirando e tentando organizar os pensamentos, ou pelo
menos ordenar as perguntas em uma lista de prioridades -
Você está bem?

- Estou. Desculpa não dar notícias, mas minha vida andou um


pouco doida nesse tempo.

- É... Doida... - Ela começou, esperando alguns segundos até


chegar mais perto de mim e falar em um tom mais baixo,
como se aquilo fosse algum segredo que Lauren não pudesse
saber - Puta merda, Mila, você está grávida! Isso é insano!

- Eu sei. - Sorri de forma involuntária, o que fez Scarlet soltar


um riso abafado também - Eu queria conversar com vocês...
Explicar as coisas... Samantha e Selena estão aí?

- Você deu sorte. Selena estava tentando carregar Samantha


pro shopping há alguns minutos atrás. Elas ainda não saíram.

- Ótimo. Posso entrar? - Perguntei, apontando para a porta


que daria para a cozinha da casa.

- Claro, vem.

Ela caminhou na frente, abrindo a porta para que eu entrasse.


Lauren permanecia me seguindo a cada passo, muito quieta e
muda. Entramos na cozinha grande e escura. Não havia
ninguém ali, exceto nós três. Pelo que eu podia notar, o lugar
estava silencioso, provavelmente por ser sábado, dia de folga
das meninas. Eu não havia planejado aquela visita por isso,
mas agora estava extremamente satisfeita por ter dado a
sorte de escolher um dia do fim de semana.

Não que eu não quisesse encontrar com todas as meninas e


me despedir de cada uma delas, mas sim porque ter que lidar
com poucas delas, de uma forma ou de outra, tornava a
situação mais fácil. E, felizmente, as poucas que ali estavam
eram exatamente o motivo da minha visita.

- Vou chamar as duas. Você sabe onde fica tudo, pode se


servir do que quiser.

Scarlet saiu da cozinha e me deixou sozinha com Lauren.


Encarei-a, tentando por algum milagre entender o que ela
estava sentindo. Era difícil. Não só porque ela não falava, mas
também porque sua expressão parecia neutra demais. Como
se ela estivesse apenas fazendo um enorme esforço para não
se deixar imergir naquele ambiente. Achei melhor não lhe
dirigir a palavra. Se ela tivesse algo para falar, falaria.

Puxei uma das cadeiras da grande mesa central e sentei,


esperando por Samantha e Selena. Lauren se manteve de pé
no canto mais escuro da cozinha, com as mãos nos bolsos e o
olhar congelado nos azulejos do chão. Ela parecia querer
estar presente, mas não ser notada. Quase um minuto depois,
as vozes das três começaram a soar mais perto. Olhei para a
porta que dava para o resto da casa, esperando que elas
surgissem ali. Scarlet foi a primeira, sendo literalmente
empurrada pelos braços minúsculos de Selena.

Quando ela colocou os olhos em mim, parou abruptamente no


mesmo lugar que estava, como se seus pés tivessem sido
subitamente pregados ao chão. Isso fez com que Samantha,
vindo afobada logo atrás, se chocasse com ela e fizesse com
que o princípio de um palavrão se formasse. O que foi
interrompido quando ela também bateu os olhos na minha
barriga e, imediatamente, levou as mãos à boca.

E então a cena parecia congelada, exceto por Scarlet, que


continha risinhos secos enquanto olhava para as duas.
Selena, Samantha, Lauren e eu permanecemos imóveis,
talvez todos esperando pela primeira que teria coragem de
lançar a primeira palavra no silêncio.

- Ei, posso gravar a reação da próxima pessoa que entrar aqui


e olhar pra você? É tão engraçado! - Scarlet falou, tomando
vantagem por já ter passado pela surpresa inicial. Eu ri baixo,
mas não respondi, querendo que as duas figuras petrificadas
à minha frente voltassem à vida.

- Oi... - Comecei, ainda baixo, querendo que os olhos das duas


saíssem do meu umbigo e voltassem para o meu rosto.
Samantha me encarou. Selena permaneceu imóvel.

- Você... - A primeira começou, tirando devagar as mãos da


boca - Você engravidou de um cliente...

- Não sou uma cliente. - A voz de Lauren soou fria, embora


educada, no canto escuro da cozinha, chamando a atenção de
Samantha e tirando Selena de seu estado catatônico.
Ninguém a havia visto ali.

Era claro que nenhuma delas sabia da metade das coisas que
havia acontecido comigo naquele tempo.

Era claro que elas não poderiam imaginar que eu tinha


deixado de me prostituir. O pensamento de Samantha era um
pensamento bastante coerente, mas isso não foi o suficiente
para fazer com que Lauren se contivesse.

Ao encará-la, a expressão dela se transformou


gradativamente de uma surpresa completa para raiva.

- Foi você... - Ela começou.

- Fui eu. E não sou uma cliente.


Ela continuou encarando-a, pensando nas próximas palavras
para serem lançadas. E se eu bem conhecia Samantha e
aquela expressão de fúria, eram palavras que machucariam
alguém.

- Muito me espanta que você não tenha fugido também


quando soube que ia ser mãe.

Aquilo a tinha atingido, e eu sabia disso unicamente porque


conhecia bem Lauren. Sua expressão, no entanto, se manteve
imóvel, como se Samantha a tivesse simplesmente xingado
de boboca.

- Eu jamais faria isso.

- Resolveu parar de bancar a covarde e aceitar o que sente?

Comecei a pensar que ela talvez estivesse pegando pesado,


mas eu bem sabia que aquilo era fruto de um ódio acumulado
pelo período em que fiquei naquela casa em depressão
profunda depois que Lauren me abandonou. Samantha
sempre tomou minhas dores com muita facilidade, e eu me
lembrava dos xingamentos e das ameaças de morte que ela
proferia a plenos pulmões quando me via chorando nos
travesseiros. Eu queria intervir. Mas, por algum motivo, achei
melhor que elas se resolvessem. Eu não queria que Samantha
odiasse Lauren, e sabia que o que quer que ela fosse
responder, não a agrediria. Eu tinha certeza que ela ainda se
culpava por tudo que me fez passar, então, no mínimo,
concordava com tudo que Samantha dizia.

- Sim. - Ela respondeu à pergunta, de forma simples e


pontual. Tão simples que visivelmente deixou Samantha, que
queria um motivo para continuar a discussão,sem resposta
alguma. O silêncio se prolongou mais uma vez, o que foi o
suficiente para que Selena voltasse a me encarar como quem
encara uma aberração.

- Está de quantos meses? - Ela falou pela primeira vez,


tomada pela curiosidade e ignorando Lauren solenemente.

- Quatro. - Respondi, levando a mão à barriga


involuntariamente. Selena sorriu de forma simples, puxando a
cadeira mais próxima e sentando-se também.

- Já sabe o sexo?

- Menina. - Falei, não contendo o sorriso que se formou em


meus lábios. Samantha veio sentar do meu outro lado, agora
ignorando Lauren também, expondo sua curiosidade e
estendendo a mão timidamente, até encostar na minha
barriga por cima do casaco.

- Ela já chuta?

- Não. Ainda não.

- É verdade que o humor fica mudando toda hora? - Scarlet


resolveu entrar na conversa, se aproximando também - Dizem
que grávidas parecem sofrer de bipolaridade.

- É. É um pouco irritante, na verdade. - Ri baixo, fazendo com


que as três me acompanhassem. Lauren estava oficialmente
esquecida àquela altura, mas por algum motivo, imaginei que
era exatamente o que ela queria.

- E você está... Feliz? - Selena falou outra vez, e as três me


encararam, esperando pela resposta. De repente, me senti
culpada por não dar nenhuma satisfação às poucas pessoas
que realmente se preocupavam comigo.
- Muito. - Respondi, fazendo força para não olhar para Lauren
e não fazer aquela cara de frouxa apaixonada que sempre
fazia - Desculpem pela falta de notícias. Minha vida estava um
pouco bagunçada.

- Estamos vendo. - Scarlet disse, bem humorada.

- Nós te procuramos muito. - Samantha falou, e por algum


motivo eu ouvia uma mágoa maior na voz dela do que nas
vozes das outras duas - Onde você está agora?

Dessa vez, não consegui deixar de olhar para Lauren. Como


se finalmente estivesse entendendo para onde aquele
assunto estava indo, ela se desencostou da parede e foi
caminhando para a porta.

- Vou esperar no carro. Qualquer coisa, me chame. - Ela disse,


me olhando com carinho, e como se exigisse demais de seu
próprio orgulho, levantou a cabeça para as três meninas que
me acompanhavam - Eu realmente sinto muito.

Sem dizer mais nada, Lauren se retirou, nos deixando a sós


ali. Eu não sabia o que sentir naquele momento. Queria que
ela ficasse, mas sabia que Lauren não apenas estava se
sentindo mais culpada agora do que nunca, como também
que estava sendo julgada pelas três meninas que me faziam
companhia. Era óbvio que eu não podia exigir delas o
contrário, mas não conseguia deixar de sentir uma estranha
pena dela. Mesmo sabendo que o que ela havia feito era difícil
de esquecer, e que, bem no fundo, ainda doía.

- Estou morando com ela. - Falei, confiante em começar


aquela conversa - Na casa dela.
As três arregalaram os olhos simultaneamente, e aquilo seria
muito engraçado caso eu não soubesse que teria que
responder a uma enxurrada de perguntas.

- Como é? - Scarlet começou.

- Ela te levou pra casa dela? - Os olhos de Selena brilhavam


loucamente.

- Desde quando? - Samantha perguntou, fazendo força para


manter a boca fechada. Suspirei.

- Desde Dezembro.

As três ficaram em silêncio, ainda me encarando. Por um bom


tempo. Por isso, comecei a falar.

- Depois que fui embora daqui, em Novembro, fui morar onde


morava antes de Chloe me encontrar e me trazer pra cá. É
um lugar horrível, mas foi o que me veio à cabeça quando me
dei conta de que não tinha onde morar. Arranjei um
apartamento por sorte lá, e fiquei tentando arrumar a minha
vida. Vocês lembram como eu estava, então não vou detalhar
nada. Passei um mês naquele estado, e quando a bateria do
meu celular resolveu acabar, o mantive esquecido em algum
canto. Tudo que eu queria era conseguir um emprego em
algum lugar, mas depois de um dia em que algum filho da
puta resolveu me reconhecer como... o que eu era, acho que
surtei. Voltei pra rua, pra retomar o que eu fazia, e foi
justamente aí que encontrei Lauren... Ou, melhor, ela me
encontrou. Resumindo a história: Nós ficamos juntas essa
noite. No dia seguinte ela me levou pra casa dela, e confessou
que esteve apaixonada por mim todo aquele tempo. E que só
fugiu porque era idiota. Ganhei um anel de compromisso
quando fui passar o Natal na casa dos pais dela, em Londres,
e vou me mudar pra lá depois de amanhã. Há dois meses
descobri que fiquei grávida dela na primeira noite que
transamos, porque fui descuidada o suficiente pra rasgar a
camisinha. Mas ela não se importou, porque pretende ter
mais dois filhos depois de casar...

- Porra, calma aí!

A voz de Scarlet saiu esganiçada, e não consegui conter o


riso. Ok, talvez eu estivesse fazendo aquilo de propósito.
Esperei, mas ninguém falou mais nada. Me perguntei se elas
estariam esperando por alguma explicação minha, embora eu
não soubesse exatamente o que explicar.

- Quando você chegou com essa barriga aqui... - Selena


começou de repente, me assustando um pouco - Eu pensei
que tinha sido um acidente de trabalho. Pensei que você
tivesse sido descuidada com um cliente. Imaginei que Lauren
assumiria a criança e pagaria as suas despesas, mas nada
mais do que isso.

Olhei para Samantha e Scarlet, que me encaravam com os


mesmos olhos de Selena.

- Não é isso, né? Você não é mais garota de programa. Ela


não é uma cliente. Ela é sua...

- Namorada. - Scarlet falou, antes que eu mesma pudesse


completar a frase de Selena. Fiz que sim com a cabeça.
Quase como se tivessem ensaiado, as três suspiraram juntas.

- Ai, meu Deus... - Scarlet começou com a voz ainda


esganiçada. Selena literalmente quicou na cadeira, e
Samantha segurou minha mão esquerda.
- Eu sabia! Sabia que ela gostava de você! Sempre soube!

- Todo mundo sabia, Selena. - Samantha falou, tentando


manter a calma, embora seus olhos também brilhassem.

- Bom... Eu não sabia. - Falei, um pouco sem graça.

- Mas você sempre foi meio lerda. - Scarlet respondeu, agora


com um sorriso de orelha a orelha.

- Obrigada. - Disse, um pouco irônica, mas não me


importando realmente com sua sinceridade - Eu só vim aqui
pra agradecer a vocês por tudo. E me desculpar por não ter
dado notícias. E dizer que estou bem...

- Bem estou eu! - Selena me interrompeu - Você está em


algum tipo de conto de fadas!

Não respondi. Era bem verdade, experimentar meu próprio


conto de fadas era algo que não tinha preço. Era uma
sensação inexplicável.1

- E como é? - Samantha me trouxe de volta àquela realidade -


Como é estar apaixonada e ser correspondida?

Olhei para ela e me dei conta do quanto aquela pergunta


soava triste. Eu sabia como era estar na posição delas: Nós
éramos objetos. Eu já havia sido um, desprovido de qualquer
sensação boa. Ninguém cultivava nenhum tipo de afeição por
nós, porque éramos prostitutas e estávamos lá para uma
coisa apenas. Éramos facilmente substituídas, e isso nos dava
a sensação de que nossa importância era nula. Estar
apaixonada e ser correspondida era exatamente o oposto de
tudo aquilo. E eu tinha uma sorte absurda em estar nessa
posição.
- É, sinceramente, a melhor sensação do mundo.

Se elas estavam tristes, não demonstraram. Me perguntei até


que ponto as três poderiam estar felizes por mim sem se
darem conta de que suas próprias vidas eram vazias, assim
como a minha foi um dia.1

Samantha tocou minha barriga de novo, talvez


inconscientemente.

- Espero, do fundo do coração, que vocês sejam muito felizes.


- Ela falou, e de repente senti uma vontade quase
incontrolável de chorar.

- Posso ter inveja de você? - Selena perguntou em um tom


completamente inocente, e eu ri. Ela podia ter inveja de mim.
Na posição dela, eu também teria.

- A vida aqui nunca foi pra você, de qualquer maneira - Scarlet


começou - Se havia alguém que tinha que sair disso, era você.
Londres vai te fazer bem.

Como uma enxurrada, lágrimas gordas e pesadas começaram


a escorrer pelo meu rosto. Tudo bem, eu poderia colocar a
culpa nos hormônios da gravidez depois.

- Vou sentir saudades. - Falei, já abraçando Samantha e


Selena tão forte que provavelmente estava machucando-as.
Elas começaram a chorar também, mas Scarlet se manteve
firme e forte.

- Me recuso a chorar por isso. - Ela falou sorrindo, enquanto


me abraçava - E se não vamos mais te ver, pelo menos
sabemos que você vai estar bem. É só isso que interessa.
Ela estava certa, mas ainda assim, não conseguia deixar de
sentir por me separar delas. Não que tivesse mantido contato
durante aqueles últimos meses, mas me mudando para tão
longe, um eventual reencontro seria muito mais difícil de
existir. Aquela viagem ajudaria a enterrar mais das merdas do
meu passado, mas era triste saber que o pouco de bom que
existia nele seria enterrado junto também.

- Mila?

Virei para a porta que dava para o resto da casa, de onde


vinha a voz que me chamava.

Chloe me encarava com a mesma expressão das meninas,


quando me viram pela primeira vez. Seus olhos estavam
congelados na minha barriga. Limpei as lágrimas para
conseguir enxergá-la melhor.

- Oi, Chloe.

Ela continuava estudando o volume na minha barriga, como


se buscasse alguma explicação para aquilo. Depois de algum
tempo processando aquela informação e talvez entendendo
do que se tratava, ela me encarou nos olhos.

- Ela te achou, não foi?

Demorei um pouco antes de responder. Queria entender o


que aquela pergunta significava. Se minhas suposições
estivessem certas, Lauren tinha ido até Chloe me procurar. E
ela nunca havia me dito aquilo, talvez porque eu mesma
nunca houvesse perguntado como ela tinha me encontrado.

- Sim.

- Onde?
- No mesmo lugar que você me encontrou.

Ela suspirou, parecendo calma.

- Já vi outros casos com essa mesma história. Nenhum deles


terminou bem. Tenho que confessar que fico feliz pelo seu
caso ter sido diferente. Principalmente porque eu pude ajudar
de alguma forma.

Olhei-a com curiosidade, mas não precisei perguntar nada.


Chloe era rápida.

- Ela veio aqui. Não sei quanto tempo demorou até que te
encontrasse, mas estava um pouco desesperada pra te achar.
Dei a ela o endereço que tinha e, depois desse dia, nunca
mais a vi.

Continuei encarando-a, pensando no que dizer. Chloe não


precisava ter ajudado Lauren. Ela não havia ganho nada com
isso, embora não tivesse perdido também. Mas não custaria
nada dizer a ela que simplesmente não sabia onde eu estava,
mesmo porque era a verdade. Mas ela queria que Lauren me
encontrasse.

- Obrigada, Chloe. - Falei, genuinamente grata a ela. Não


somente por aquilo, mas por ter me dado tempo quando pedi.
Por ter me entendido, mesmo que não precisasse, e por, de
certa forma, ter se preocupado comigo.

- Não me agradeça. O que aconteceu com você é exatamente


o que eu queria que tivesse acontecido comigo. Me senti na
obrigação de ajudar, e tenho certeza que qualquer uma faria
a mesma coisa, porque qualquer uma aqui gostaria de estar
no seu lugar agora. O melhor que você tem a fazer, como
gratidão, é aproveitar a chance que teve e ser feliz.
Eu sabia que ela estava certa. Sabia que aquela não era a
vida perfeita para ninguém ali, embora todas elas fingissem
ser, dia após dia. Eu sabia que tinha tido a sorte que aquelas
meninas não tiveram e tanto queriam, e sabia que, até
mesmo por obrigação, tinha que fazer a minha chance valer a
pena. Mas aquilo não seria difícil.

- Obrigada por tudo. - Repeti, já emotiva demais para manter


meu rosto seco. - Acho que devo boa parte da minha vida a
você.

- Cedo ou tarde, vocês acabariam se encontrando de novo. Eu


só dei um atalho a ela. - Ela disse, piscando para mim, e
talvez pela primeira vez eu vi Chloe sorrindo de verdade.

Aquele encontro não havia sido fácil. Mas não foi, nem de
longe, tão difícil quanto eu pensei que seria. Havia sido assim
na ocasião em que conheci a família de Lauren, e havia sido
assim nessa ocasião. Talvez eu estivesse com a mania de
superestimar tudo que acontecia à minha volta.

- Tudo bem? - Ouvi a voz dela me perguntando aquilo pela


terceira vez em menos de cinco minutos, desde que havia
saído do The Hills e a encontrado à minha espera, apoiada ao
carro.

- Não se preocupe. Estou mais leve. Eu tinha que fazer isso.

Ela sabia disso, mas mesmo assim estava preocupada que


aquele encontro pudesse ter afetado meus nervos de alguma
forma. O que era até um pouco engraçado, já que a pessoa
mais abalada ali era, visivelmente, Lauren.

- E você? Está bem? - Perguntei, querendo mostrá-la que


havia notado seu desconforto. Ela suspirou, apertando os
dedos contra o volante enquanto dirigia e voltava a encarar a
rua.

- Só não gosto daquele lugar.

Eu sabia disso. Sabia inclusive que era complicado até tentar


começar a explicar o motivo por trás daquele clima
desagradável.

- Eu sei. Essa foi a última vez que fomos lá, de qualquer


forma.

- E tudo bem? - Ela insistiu.

- Já disse que sim, Lo. - Minha voz saiu impaciente. Imaginei


que ela estivesse insistindo apenas porque eu não conseguia
parar de chorar.

- Ok.

Não conversamos mais durante a volta para casa. Eu estava


um pouco triste, mas estava em paz. Agora já não havia mais
pendências que me prendiam àquele lugar, ou até mesmo
àquele País. Eu poderia ir agora, sem que minha consciência
me torturasse com o que eu tinha que ter feito. Mas era difícil
dizer adeus às únicas amigas que eu tinha. Depois delas, a
única pessoa da qual havia me aproximado era Ally, e ela
também ficaria ali. Uma estranha solidão foi me tomando aos
poucos, e não foi preciso dizer uma única palavra para que
Lauren notasse isso. Por isso, durante o resto daquele dia e
do outro, ela se esforçou em me distrair, até mesmo deixando
que eu a ajudasse com as caixas da mudança (mas sem
nunca me permitir pegar algo mais pesado que um
travesseiro). Conversou comigo a maior parte do tempo,
enumerando as várias coisas boas que Londres tinha. Me
tratou como uma rainha, ainda mais do que antes, embora eu
não achasse ser possível.2

Sem que eu percebesse, minhas últimas horas na América


haviam se passado.+

***

Capítulo 20

Pov Camila3

- Se minhas filhas entrarem em depressão por sua causa, eu


vou até a Inglaterra te matar.

Aquela era Ally chorando. Era assustador, e não porque eu


não entendesse o que ela sentia, mas sim porque ela sempre
me pareceu forte demais para conseguir derramar uma única
lágrima. Mas seu tom de ameaça ainda me dava medo.

- Vocês podem ir nos visitar quando quiserem. - Lauren falou,


tentando se defender.

- E nas mãos de quem eu deixo a sua empresa, sua idiota?

- Só por uns dias. Se algo der errado, pode pôr a culpa em


mim.

Ela fungou, enxugando o rosto. Não conseguia deixar de


encarar seus olhos incrivelmente vermelhos.
- Tudo pronto, senhora. Quando quiser. - Rick chegou, falando
um pouco alto por causa do vento forte. Me perguntei se
aquele seria o clima padrão de todas as nossas viagens.

- Ok então. - Lauren disse, se virando para Ally e a abraçando.


As duas ficaram ali por um longo tempo. Ela poderia estar
falando algo no ouvido dela, mas eu não saberia dizer por
causa do ruído do vendaval. Ambas ficaram muito quietas, e
me perguntei se no momento em que se afastassem, eu
conseguiria ver Lauren emocionada. Bem, quase.

Quando encarei seu rosto, vi que Lauren não chorava, mas a


tristeza em sua expressão era evidente. Quando me virei para
Ally, fui tomada pelo seu abraço surpreendentemente forte,
embora não fosse desconfortável. Imaginei em quanto tempo
Lauren se colocaria entre nós e daria um escândalo sobre a
distância mínima entre alguém e a minha barriga, e a força
que poderia ou não ser empregada ali. Mas ela não se
manifestou.

- Gostaria de ter te conhecido melhor. - Ela começou, me


olhando - Desculpe se algumas vezes pareci fria. Eu só me
preocupo demais. Mas sei que você vai fazê-la feliz.

Encarei-a tentando lidar com o nó doloroso na garganta. Ela


ainda tinha aquele olhar forte e aquela aura de poder, mas
não me senti intimidada. Aquelas últimas semanas haviam
me ajudado a superar um pouco disso.

- Eu também gostaria que tivéssemos nos conhecido melhor.


E não seu preocupe quanto à felicidade dela. Se depender só
de mim, ela está garantida.
- Sei disso. - Ela disse, segurando minhas mãos - A parte boa
é que eu acho que realmente só depende de você.

Sorri, sabendo que aquilo era um pequeno exagero. Mas, para


variar, seus olhos me diziam o contrário.

- Cuide-se. E tenha paciência com ela. Lauren é meio


exagerada, mas é porque é completamente apaixonada por
vocês. - Ela finalizou, apontando para minha barriga.

- Vou ter. - Falei, dando um beijo em seu rosto e caminhando


para o lado de Lauren, que já me esperava ao lado das portas
abertas do seu avião particular.

A despedida foi dolorosa. Lauren tentava esconder, mas era


perceptível a quantidade de vezes que ela engolia para não
deixar as lágrimas caírem. Embora eu soubesse que ela era
durona, sabia também que estava se separando da sua
melhor (e talvez única) amiga. Muitas pessoas conseguiam
lidar com isso, e ela era, de certa forma, um desses casos.
Mas eu a conhecia bem demais para saber que aquela
despedida estava a corroendo por dentro. Mesmo que ela se
deixasse corroer em silêncio. Subitamente, me senti triste.

- Você queria ir?

Ela tirou os olhos da pequena janela que dava para a pista, do


lado de fora, e olhou para mim surpresa, provavelmente se
perguntando do que eu falava.

- Como?

- Queria ir pra Londres? Queria se mudar pra lá?

Ela estava visivelmente triste. Eu não sabia até que ponto


aquela viagem era para mim, e até que ponto era para ela.
Mas tudo indicava que estávamos nos mudando
exclusivamente por minha causa. Porque ficar ali era
arriscado demais para a nossa felicidade. E se ela não
quisesse ir? E se estivesse fazendo aquilo unicamente para
me esconder das lembranças que pudessem me encontrar?
Ela riu, se virando outra vez para a janela, apenas para
assistir ao asfalto correndo debaixo de nós. Como se minha
pergunta tivesse sido boba demais.

- Sim. Eu queria. Sempre quis.

Continuei encarando-a curiosa.

- Por causa de Ally. - Ela falou de forma simples, voltando a


me olhar quando as rodas do avião perderam o contato com o
chão. Antes que aquela informação pudesse fazer um sentido
errado para mim, ela prosseguiu - Resolvi ir um dia, mas ela
me impediu. Disse que tinha uma intuição, para que eu
ficasse nos Estados Unidos. E que a hora de ir chegaria. Eu só
tinha que esperar um pouco.

Lauren segurou minha mão com carinho e a beijou. Continuei


olhando-a com uma expressão que devia ser engraçada. Ela
soltou um risinho abafado quando deixei claro que não sabia
o que dizer. Ally era...

- Assustadora, né? - Ela completou meu pensamento.

- Um anjo... - Balbuciei, enquanto acreditava naquilo aos


poucos. Pelo seu olhar, ela também achava que sim.

- Uau. Um dia ensolarado na Inglaterra. Isso é mágico.

Rick parecia realmente surpreso com o tempo aberto. Antes


de ouvi-lo se pronunciar, pudesse estar um pouco drogada
pela grande quantidade de suco de maracujá que havia
ingerido durante toda a viagem, já que calmantes eram
totalmente proibidos na gravidez. Como meus nervos não se
importavam com isso, optei por um calmante natural. Mas
não era isso. O dia estava realmente, realmente lindo.

- Deve ser a primavera. - Ele completou, olhando um pouco


abobalhado para o céu de um azul vivo. O dia não estava
exatamente frio, mas a temperatura era quase agradável.

- Você está bem? - Lauren me perguntou ao pé do ouvido, me


tirando de um leve estado de letargia.

- Sim. Só com um pouco de sono.

Ela fez uma careta e fez menção de falar. Eu a interrompi.

- Eu dormi bem à noite. Não tem nada a ver com isso.

Lauren estava sendo insistente em se culpar pela minha noite


de sono mal dormida no avião, dizendo que " não deveria ter
dividido aquela cama de solteiro com você, isso deve ter te
deixado desconfortável." Tudo bem, eu estava mesmo
relativamente maior agora, mas o cuidado dela era sempre
tão grande que simplesmente não havia como ficar
desconfortável em seus braços.

Entramos no táxi, rumo a algum lugar que só Lauren sabia.


Ainda que sonolenta, eu estava animada. Me permiti esquecer
completamente malas, bolsas e tudo que não estava comigo
naquele momento. Ela provavelmente havia acertado tudo de
alguma forma, e eu sabia que, no final das contas, toda a
bagagem acabaria aparecendo no lugar certo.
Deitei minha cabeça no ombro dela e relaxei. O taxista faria
todo o trabalho. Eu não precisava olhar pela janela para me
localizar e me acostumar àquele novo lugar. Havia tempo
suficiente para isso depois. Cochilei quase que
instantaneamente, sentindo o vento fresco da fresta de uma
das janelas abertas e chacoalhando de leve com alguns
buracos suaves na estrada. Quando paramos - não sabia dizer
ao certo quanto tempo depois - acordei sentindo a falta do
movimento que me embalava. Olhei para a janela, reparando
em um portão imponente e conhecido se abrindo aos poucos,
para que o táxi entrasse no jardim.

- Eu sei que você está cansada... É só pra dar um "Oi" rápido,


depois vamos pra casa.

Eu não me importava com meu cansaço. No momento em que


o carro parou à frente da porta de entrada, me senti
incrivelmente animada com a ideia de rever Clara e Michael e
de contar a eles que estávamos nos mudando para perto. Por
isso, antes que Lauren pudesse fazer alguma coisa, abri a
porta e saí, agradecendo ao motorista de qualquer jeito.

Caminhei devagar até subir os degraus da pequena escada na


entrada e parei, esperando. Estava tão excitada que sentia
uma estranha vontade de pular. Olhei para trás impaciente,
observando Lauren pagar o taxista e caminhar a passos
lentos até mim.

- Anda logo! Abre!

- Pensei que estivesse com sono... - Ela falou, de bom humor,


enquanto procurava as chaves no bolso.

- Durmo depois.
Depois do que pareceram semanas, Lauren encontrou a
chave certa no molho e girou a maçaneta. Ela parecia calma,
até um pouco divertida com a minha agitação. Tive vontade
de socá-la.

- Vai! Você na frente! - Falei, já empurrando-a para dentro do


hall de entrada.

- O que te faz pensar que eles querem me ver antes de você?

Encarei-a com um olhar de desprezo, mas resolvi ignorá-la,


empurrando-a outra vez. Queria que Clara a visse logo. Por
algum motivo, eu me sentia estranhamente bem em vê-la
feliz estando perto de Lauren.

- Visitas! - Ela berrou de repente, me assustando. Parei de


empurrá-la e esperei ao seu lado, me perguntando se era
possível alguém não ter ouvido sua voz e a reconhecido.
Segundos depois, como se tivessem ensaiado, Clara e Michael
saíram, respectivamente, da sala de estar e do escritório,
colocando suas cabeças para fora do hall e tornando aquela
cena engraçada.

- Ora, ora!

- Vocês chegaram!

Ambos tinham um sorriso esplêndido no rosto, e senti uma


súbita vontade de abraçá-los. Mas me contive. Foi quando
eles passaram por Lauren e vieram me cumprimentar que fui
pega de surpresa.

- Ah, olhe a sua barriga!

- Está quase do tamanho da Taylor!

- Você está linda!


Olhei para Lauren, ainda um pouco aturdida.

- Eu sou invisível. - Lauren pontuou, sorrindo tranquilamente.


Ok. Talvez sua pergunta não tivesse sido assim tão idiota.

- Está se sentindo bem? Quer sentar? - Clara continuou a falar


comigo, como se a filha realmente não existisse.

Comecei a achar graça daquilo.

- Estou bem, obrigada.

- Ah, fiquei tão feliz em saber que é uma menina! - Ela


continuou, e me perguntei em que momento Lauren havia
contado aquilo a eles - Era o que vocês queriam?

- Era o que EU queria. - Lauren falou um pouco mais alto,


chamando a atenção dos pais para si.

- Filha, não falei com você! - Clara falou de forma inocente.

- Eu sei. - Lauren riu, abrindo os braços e a envolvendo de tal


forma que fez com que Clara quase desaparecesse em seu
peito.

- Estou muito feliz de tê-las outra vez aqui. Gostaria muito que
viessem mais vezes...

- Bom... Nós vamos ficar. - Lauren a interrompeu, fazendo


com que ela a encarasse durante algum tempo, as duas ainda
abraçadas.

- Por quanto tempo? - Os olhos dela brilharam.

- Hum... Até segundo plano, pra sempre.


Clara fez uma cara de quem não só tinha acabado de
descobrir que Papai Noel existia, como também o estivesse
abraçando.

- VOCÊS VÃO SE MUDAR PRA CÁ?

- Bom não pra cá exatamente... Mas daqui a dois quarteirões,


sim. - Ela brincou.

- AHHHH!

Clara abraçou e beijou Lauren efusivamente, ignorando


qualquer um que estivesse naquele lugar. Ela parecia
incrivelmente feliz, e reparei que quando sorria, parecia mais
jovem e bonita. Estar na companhia dos filhos realmente a
fazia bem, e sem querer me senti um pouco responsável por
toda aquela alegria, já que, de um jeito ou de outro, nós
estávamos ali por minha causa.

- Por que vieram pra cá? - Ela perguntou, sorrindo e com os


olhos cheios de lágrimas, ainda agarrada à cintura de Lauren.

- Camz gostou daqui.

Aquilo não era verdade. Bom, era. Mas não o verdadeiro


motivo. Por isso, me senti um pouco culpada por não merecer
o olhar de gratidão que Clara dirigiu a mim, e igualmente
culpada por não poder desmentir aquilo.

- Mas ela sempre quis vir. - Adicionei, falando aquela verdade


recém descoberta - Tomamos essa decisão juntas.

Clara voltou a encarar Lauren com carinho.

- Pelo menos agora vou ter uma filha perto de mim. Vou poder
até ver minha neta crescer!
- Uh-oh... Acho que vocês vão ter que colocar grades na casa,
ou terão uma avó intrusa. - Michael riu de forma tranquila, e
isso foi o suficiente para lembrar a todos de sua presença ali.

- Você! - Ela se virou com um olhar assassino, caminhando


devagar para ele como um tigre prestes a atacar, e pela
primeira vez tive medo de Clara - Você sabia!

- Claro que sabia, querida. Não permitiria que Lauren viesse


pra cá e deixasse a filial da minha empresa nos Estados
Unidos nas mãos de qualquer um.

- E por que não me disse?

- Porque ela queria fazer uma surpresa pra você.

Ela continuou encarando-o, como se quisesse encontrar


algum motivo para cravar as unhas nele. Quando finalmente
se deu conta de que aquele argumento era válido, semicerrou
os olhos e soltou baixinho um Idiota!, dando logo em seguida
um soco no ombro dele. E então a imagem me pareceu
incrivelmente familiar. Foi como ver a mim mesma dando um
soquinho em Lauren enquanto usava meu xingamento
favorito.

- Panda Albina!

A voz soou alegre e divertida em algum lugar, e de repente,


parado à nossa esquerda, Chris pareceu se materializar.

O que ele estava fazendo ali? Ele não morava na Alemanha?

- Gênio! - Lauren retrucou, abraçando o irmão. Ele se virou


para mim, mas como todos que me encaravam ultimamente,
manteve os olhos por algum tempo na minha barriga.
- Caramba, Mila! Então é verdade! - Ele falou, me dando um
beijo rápido no rosto - Sempre pensei que os espermatozóides
da minha irmã fossem muito frescos pra conseguir engravidar
alguém. Menina de sorte você, hein? Ou não.

- Oi, Chris. - Respondi - Mais um sobrinho pra você. Ou


melhor, sobrinha.

- Legal! Vamos rezar pra ela não puxar essa cara feia da
Lauren. - Ele disse gargalhando.

- Ei, Chris! Vou te mostrar quem tem a cara feia aqui. - Ela
respondeu, e talvez eu fosse reprimi-la, caso Taylor não
surgisse do nada também ao nosso lado, de mãos dadas com
Oliver.

Porra, o que estava acontecendo?

- Vocês parecem ter sempre 13 anos. - Ela falou de forma


calma.

Lauren abraçou-a, tentando se moldar a sua mais nova forma


de grávida. A barriga dela realmente estava maior que a
minha, já que tínhamos aproximadamente dois meses de
diferença.

- Então, vão ser quase "primos gêmeos," né? - Oliver brincou,


apontando para nossas barrigas enquanto me
cumprimentava.

- Ei, Lauren. Toma cuidado. Se o guri nascer com o fogo da


Taylor, vai querer traçar a priminha cedo.

- Não seja idiota, Chris. - Taylor falou, ignorando o irmão


solenemente - Mila!1
Aquela cena deve ter sido engraçada, porque as duas barrigas
entre nós realmente atrapalhavam o abraço.

- Então é menino? - Perguntei, colocando a mão na barriga


dela e imaginando se sentiria alguma coisa.

- Sim. Um menino meio agitado.

No momento em que ela falou aquilo, senti um chute


incrivelmente forte na minha mão que continuava no seu
umbigo. Levei um susto.

- Uau!

- Ele não para quieto. Acho que o prefiro aí dentro. Quando


sair, tenho certeza que minhas horas de sono vão diminuir
drasticamente.

- Já gostei dele.

- Chris, por que não cala a boca? Sua voz está me irritando. -
Ela disse, demonstrando seu humor claramente afetado pela
gravidez.

- É exatamente por isso que não calo a boca. - Ele respondeu


de forma simples, piscando para ela.

- Lauren e Mila vêm morar em Londres!

Todos se viraram para Clara, que parecia à espera do


momento certo para soltar aquela notícia. Como ninguém
parava de falar, ela aproveitou o único e raro segundo de
silêncio para se manifestar. Oliver e Chris pareceram
surpresos. 

- Sério? Que legal! - O primeiro disse, indo apertar a mão de


Lauren.
- E com quem ficou a empresa nos Estados Unidos? - O
segundo perguntou, depois de dar um tapinha em suas
costas.

- Allyson. - Ela respondeu simplesmente, e Chris consentiu


com a cabeça.

- Eu acho que já sabia. - Taylor falou baixo, mas todos


ouviram.

- Lauren, pra quantas pessoas você contou? - Clara


perguntou, um pouco puta.

- Ela não me contou. - Taylor se pronunciou outra vez,


tentando desfazer o mal entendido. E todos entenderam.

- Ei, será que o guri vai ser esquisito que nem a Taylor? - Chris
lançou na roda, e pelo olhar em sua expressão, eu tive
certeza que ela planejava degolá-lo enquanto ele dormia. 1

Aquela conversa se dava no hall de entrada mesmo. Todos


estávamos muito confortáveis ali, e ninguém havia sequer se
lembrado de cadeiras ou bebidas. Mas enquanto o papo
continuava, eu me perguntava o motivo daquela reunião
familiar. Era claro que os irmãos de Lauren gostavam muito
dela, mas não era o caso de fazerem uma viagem
internacional com o único propósito de estarem presentes em
sua mudança. Momentos depois, minha pergunta foi
respondida.

- Pronto pra ficar mais velho, chefe? - Chris perguntou, dando


um soco no ombro do pai.

- Sempre.
Era o aniversário de Michael, e eu havia esquecido
completamente daquilo. Lembrei de Lauren mencionando, um
dia, o aniversário do pai em primaveras londrinas, mas
ultimamente eu andava tão distraída que aquela informação
havia sido deixada esquecida em algum canto do meu
cérebro. Por isso Chris, Taylor, Oliver e, em parte, Lauren e
eu, estávamos ali.

- E você, Mila? Pronta pr...

Chris foi parando de falar aos poucos, sem que eu entendesse


o que estava acontecendo. Sem pensar, olhei para Lauren e vi
que ela sustentava um olhar assassino para o irmão, fazendo
com que se calasse.

- Pronta pra ser mamãe? - Michael falou em voz alta, como se


tudo estivesse perfeitamente normal, e como se aquela fosse
a mesma pergunta que Chris faria, caso Lauren não o tivesse
fuzilado com os olhos. Mas eu sabia que aquela não era a
mesma pergunta.

- Eu... - Comecei, ainda achando tudo muito esquisito - Sim,


claro. Prontíssima.

- Sabe aquele inferno todo que dizem ser os partos? É tudo


exagero. Você vai ver. - Clara chamou minha atenção, aos
poucos fazendo com que a situação momentaneamente
esquisita voltasse a níveis normais.

- Tomara... Mas de qualquer forma, acho que vale a pena


sofrer um pouco por isso. É por uma boa causa, não é? - Falei,
já alisando minha barriga de forma carinhosa
inconscientemente. Os olhos de Clara brilharam outra vez,
enquanto ela respondia com uma voz apaixonada:
-Vale. É a melhor sensação do mundo. Você e Taylor vão
entender isso um dia.

Michael abraçou sua mulher carinhosamente, vendo que


provavelmente todas aquelas grávidas a estavam deixando
mais sensível.

- Não sabia que você gostava tanto assim de crianças. - Ele


falou, e eu pude notar um brilho suave em seu olhar, o
mesmo brilho que surgia nos olhos de Lauren toda vez que
ela faria ou diria alguma besteira. - Quer fazer uma?

Clara deu uma cotovelada no peito do marido e Oliver


arregalou os olhos, fazendo um "O" com a boca como se
estivesse realmente chocado. Taylor começou a rir, e eu só
consegui segui-la em uma gargalhada.

- Ah, puta que pariu, Pai! - Chris falou, fechando os olhos com
força - Isso é nojento!

- Você está com inveja, isso sim. - Taylor implicou - Só porque


até o papai e a mamãe mandam ver e você continua solteiro.

- Cale-se, Jabulani.

- Não xingue nossa irmã, seu merda. - Lauren falou em tom


de brincadeira.

- Cale-se, albina.

Taylor mostrou a língua para ele, e Chris balbuciou algo como


"você tem sorte de estar grávida, senão..."

Eu estava em casa. Estava feliz, estava confortável, mas


também desconfiada.
Por hora, me permiti relaxar e me sentir bem-vinda, não só a
Londres, como à família de Lauren. Ali era, realmente, o meu
lugar favorito no mundo. Mas eu sabia que tinha alguma coisa
que estava sendo escondida de mim. Lembrando da cena
esquisita de Chris e do olhar esquisito de Taylor para Lauren,
era mais do que óbvio que eles sabiam de algo que eu não
sabia. E eu queria saber.

De repente, me peguei imaginando que o motivo da presença


de todos eles ali não se dava somente pelo aniversário do
patriarca Jauregui. Havia algo mais. Algo que, de alguma
forma, eu ia acabar sabendo.

Fosse descobrindo sozinha ou fosse ameaçando Lauren de


morte.

O que seria uma visita rápida, apenas para dar um "oi" se


estendeu por algumas horas. Talvez porque Taylor estivesse
lá, tagarelando sobre sua gravidez e tudo que já havia
aprendido com ela. Ou talvez porque Clara insistisse para que
ficássemos para o lanche da tarde, como um pretexto para
manter ali a família reunida. Ou então porque não queríamos
ir embora mesmo, como se uma força invisível nos prendesse
ali e fizesse com que não quiséssemos ir a nenhum outro
lugar ou estar na companhia de mais ninguém além daquelas
pessoas. Mas como Lauren precisava saber o que havia sido
feito da nossa bagagem (já que eu não sabia sequer sob a
responsabilidade de quem elas estavam), saímos de lá às 19h
em ponto, mesmo que Clara insistisse para que dormíssemos
por ali.

- Amanhã nos vemos outra vez, mama. Estamos realmente a


dois quarteirões de distância. São menos de cem passos.
Mas como, na cabeça doentia de Lauren, caminhar era uma
tarefa excepcionalmente perigosa para uma grávida, ela não
abriu mão de mais um táxi até a nossa casa. Resolvi não
contrariá-la, talvez porque estivesse cansada e com dor nas
costas.

Chegamos um minuto depois. Já estava quase escurecendo.


Paramos em frente a um portão de ferro cheio de detalhes,
que foi aberto imediatamente por Lauren. Ao passar por ele,
entramos em um jardim, e mesmo que fosse difícil enxergar
bem, eu sabia que era grande - embora modesto, se
comparado à casa dos Jauregui's.

- Pode esperar um minutinho aqui? Tenho que fazer uma


coisa. - Lauren apertou minha mão com carinho, falando ao
pé do meu ouvido.

- Depende. Você vai voltar? - Perguntei de maneira retórica,


sentindo o cheiro maravilhoso da grama me tomar por todos
os lados e me fazer quase entrar em algum tipo de transe. Ela
riu.

- Um minuto.

E dizendo isso, caminhou para frente. Segui sua silhueta com


os olhos, e foi só quando Lauren sumiu atrás de uma parede
que me dei conta de que havia uma casa logo à nossa frente.
Mas era difícil descrevê-la, já que a noite começava a cair aos
poucos. O barulho de grilos estava alto. Outra vez, inspirei
com força para sentir o cheiro do mato fresco.

Junto com ele, pude sentir também o perfume de algumas


flores noturnas. Eram doces. De um doce intenso, quase
místico. Outra vez me senti bem. Foi de repente, e quando me
dei conta, as imagens à olhos. Muitos postes de luz baixos se
acenderam ao mesmo tempo, alguns com luz branca e outros
com luz verde. O lugar havia se materializado à minha volta, e
me vi no meio do jardim mais lindo que já havia visto na vida.

Era de um verde tão vivo e intenso que parecia recém


pintado. Aqui e ali, tufos de flores incrivelmente coloridas
prendiam a atenção dos olhos, como se estivessem ali
unicamente para dar mais vida a algo que já era belo. Alguns
dos postes, agora acesos, dispunham-se em todos os lugares,
distribuídos de uma forma que desse para visualizar cada
canto daquele lugar. Alguns outros alinhavam-se com uma
trilha perfeita e caprichada que formava o caminho de pedras
planas, pelo qual devíamos passar para que a grama se
mantivesse linda e nova daquele jeito. Era mais ou menos
como estar em um jardim encantado, e eu não me
surpreenderia, de forma alguma, se encontrasse uma fada
passeando por ali.

Olhei para frente, agora encarando a casa a poucos metros de


nós, iluminada também em muitos pontos por pequenas
lâmpadas presas à extensão das paredes. Como Lauren havia
me dito, era mesmo menor que a casa de seus pais. Mas isso
não significava, de forma alguma, que fosse pequena. Havia
uma varanda com bancos clássicos e cercada por um muro
baixo, que parecia, quase em sua totalidade, coberto por
algum tipo de trepadeira. Dela, pendiam flores brancas muito
pequenas e delicadas, fazendo um lindo contraste com o
verde vivo do mato. Os bancos combinavam com o branco
perfeito da casa inteira, em um estilo clássico muito parecido
com o da casa de Clara e Michael. Aqui também havia dois
andares, o segundo mostrando duas janelas muito grandes e
posicionadas exatamente acima do telhado que cobria a
varanda, me fazendo concluir que naquela casa havia, pelo
menos, dois quartos.

A porta era de madeira escura, contrastando com o tom claro


da pintura. Havia uma árvore muito grande e cheia ao lado da
casa, iluminada por um poste particularmente alto e forte,
que se mantinha embrulhado entre os galhos tortos. Via-se,
por isso, que a árvore era totalmente preenchida por flores de
um rosa incrivelmente vivo. Varri os olhos outra vez pelo
lugar, tentando colocar todos os pequenos detalhes juntos e
vivos em minha memória. Tudo, absolutamente tudo ali era
perfeito. E eu sequer havia entrado na casa.

- E então? - Ouvi uma voz outra vez ao pé do meu ouvido e


senti braços me abraçando por trás. Ela chegou perto demais.
O perfume de Lauren havia se misturado com todos aqueles
perfumes que pesavam no ar, e tive a sensação de que, se
existisse um paraíso, ele devia ser exatamente daquela
forma.

- É... Eu não sei como dizer isso... - Tentei organizar os


pensamentos e falhei vergonhosamente.

- Gostou?

Soltei um riso debochado. Era uma pergunta boba, para dizer


o mínimo. A pergunta chegava a ser idiota.

- É humanamente impossível não gostar daqui... E ''


inumanamente'' também. - Respondi em um tom baixo
proposital, querendo que os sons do jardim continuassem
mais altos que a minha voz. Era como se eu estivesse imersa
em uma atmosfera de magia, e eu sabia que não estava
sonhando. Nenhum sonho poderia ser tão perfeito.

- Vamos. - Lo falou, me puxando delicadamente com uma das


mãos.

Assim que passamos pela porta escura, em tom de mogno,


senti o clima acolhedor, diferente do refrescante do jardim.
Não era, no entanto, desagradável. As noites da Inglaterra
costumavam ser frias, e ter uma casa quente para se aquecer
era ideal. Olhei em volta e por um momento tudo de que tive
ciência foi uma total escuridão, já que todas as luzes do
interior da casa se mantinham apagadas. Mas no segundo
seguinte, Lauren alcançou o interruptor e, com um clique,
cinco ou seis lâmpadas se acenderam, mostrando que
estávamos as duas agora em pé diante de um hall, com as
escadas imediatamente à esquerda e, à direita, uma grande
sala de estar.

Sem esperar, entrei no cômodo. O lugar era completamente


diferente do apartamento de Lauren nos Estados Unidos. Se lá
o interior dava uma impressão minimalista e completamente
moderna, com toda a mobília seguindo um padrão reto e
muito seco, limitando-se ao branco e preto, aqui a aparência
era mais clássica, com cadeiras e poltronas fofas e
acolchoadas, muito cheias de curvas, e tudo em vários tons
de creme e marrom. O chão era coberto por um carpete bege
fofo, o que não impedia a existência de vários tapetes
menores e coloridos, embora todos puxassem para o mesmo
tom. As mesas, cadeiras e móveis eram detalhadamente
trabalhados, dando ao ambiente um aspecto da era vitoriana.
A um canto, um enorme piano clássico de cauda se mostrava
imponente em meio a tantos detalhes, na frente de uma das
cortinas grandes que cobriam as janelas do mesmo tamanho.
Um lustre que aparentava ser feito de minúsculos pedaços de
cristais pendia do teto e iluminava tudo em volta. Havia
almofadas por toda a parte, uma lareira grande e com
entalhes dourados ficava à frente das poltronas e sofás. Entre
eles, se estendia um tapete felpudo e de aparência
confortável. Do outro lado, mais cadeiras e sofás se
dispunham à frente de um móvel gigantesco, quase uma
estante, apresentando, além de vários objetos de decoração
antigos, uma televisão moderna e fina. E eu tinha certeza,
embora não soubesse como, que aquela era a mesma tv que
ficava na sala do apartamento de Lauren.

- Tudo certo. - Ouvi alguém falar, e como se tivesse sido


trazida de volta, olhei para ele. Como minha expressão devia
estar um pouco confusa, ela explicou - As malas. Estão todas
aqui. Encarei toda a bagagem, agora disposta de forma
caprichada no chão, próxima ao pé da escada. Me dei conta
de que talvez demorasse alguns dias para notar a ausência
dela. Ignorei-a.

Caminhei um pouco aturdida, passando por um espelho muito


grande e dando dois passos para a cozinha. O chão era
coberto por tábuas corridas em tom de madeira clara, tão
polidas que refletiam todos os pequenos e fortes pontos de
luz no teto. No centro, uma bancada muito grande com
mármore mais escura era decorada em volta por seis bancos
altos, fazendo dela um tipo de mesa, mas que ainda cedia
lugar a uma pia grande e brilhante e um fogão de seis bocas .
Havia uma fruteira enorme bem no centro, além de pequenos
enfeites. As quatro paredes eram totalmente cobertas por
armários e bancadas em tom de mogno.

- Gostou? Ignorei-a outra vez. Lauren tinha que parar de


perguntar aquilo. O simples fato dela não ter certeza quanto à
minha resposta me irritava.1

Caminhei mais um pouco pelo corredor com ela atrás de mim.


As lado esquerdo, uma porta se abria para o que parecia uma
biblioteca-escritório, coberto de cima a baixo e de um canto a
outro por estantes de madeira vazias. A grande janela na
parede oposta, à mostra pelas cortinas recolhidas, mostravam
uma parte do jardim que eu não havia chegado a ver. Ficava
na lateral da casa. Mais adiante, outra porta mostrava uma
grande sala de jantar, com uma mesa de dez lugares. Dois
lustres penduravam-se do teto e, na parede ao fundo, mais
uma janela mostrava o resto do jardim deixado na sala
anterior. No final do hall, havia uma divisão que deixava, à
direita, a ampla área de serviço. Do outro lado, era preciso
ainda fazer uma curva à esquerda para entrar no recinto.
Havia um tipo de bar pequeno, com algumas bebidas à
mostra. Luzes amarelas em pontos muito pequenos no teto
davam um tom âmbar ao lugar. Logo mais a frente, algumas
cadeiras de piscina estavam dispostas em ângulos perfeitos, e
depois delas, a piscina em si. Não era reta, mas sim cheia de
bordas, e de um azul tão vivo que chegava a ser escuro. A
escada era submersa, formada pelos mesmos azulejos do
fundo. O lugar era fechado. A parede mais à esquerda era
formada por portas de vidro, de correr, que mostravam o
resto do jardim ainda iluminado lá fora e mais um lugar de
lazer, com churrasqueira e, ao que parecia, uma mesa de
sinuca. As outras paredes eram maciças e claras. O chão era
formado por tábuas de madeira escura, com pequenas frestas
entre elas. Pelos cantos, surgiam vasos grandes de plantas,
dando um tom mais natural ao lugar. À frente da porta de
vidro, uma escada dava para o andar de cima.

Não consegui raciocinar por algum tempo.

- Vamos ver o resto. - Ouvi outra vez sua voz atrás de mim,
muito perto do meu ouvido. Tremi um pouco, caminhando de
maneira mecânica para a escada. Chegamos ao andar de
cima em um tipo de varanda para a área da piscina. Imaginei
como seria uma festa naquele lugar.

Mais à frente, entramos em um corredor amplo e comprido.


Havia três portas à direita. A primeira pertencia a uma suíte
de casal bastante confortável e já toda mobiliada. A segunda
pertencia a um banheiro social, todo em mármore claro, com
absolutamente tudo que um banheiro poderia ter. A última
escondia um tipo de sala de vídeo, onde uma das paredes
consistia, inteiramente, em um tipo de rack com um home
theater e a maior tv que eu já havia visto em toda a minha
vida. A outra parede era, de um lado ao outro, ocupado por
um largo e gigantesco sofá preto, de aparência incrivelmente
fofa, com travesseiros por todos os lados, inclusive jogados no
tapete felpudo. Era praticamente um cinema particular. Ao
final do corredor ficava a escada que daria para o andar de
baixo, no hall de entrada, onde nossa bagagem continuava
esperando.

Exatamente em frente à sala de cinema, um corredor


perpendicular mostrava mais três portas: duas do lado direito
(com as janelas visíveis à frente da casa) e uma do esquerdo.
Abri a primeira porta à direita e encontrei uma suíte de
solteiro, neutra. Também totalmente mobiliada.

Ao abrir a segunda porta, meu coração deu um salto. As


paredes do quarto eram, na sua metade superior, brancas, e
na inferior, de um amarelo muito suave. Os móveis
incrivelmente delicados eram tão brancos e pequenos que
pareciam sujáveis e quebráveis ao menor toque. No canto
mais iluminado e suspenso por dois degraus havia um berço
claro coberto por um mosquiteiro elegante e branco. Em
volta, vários ursos de pelúcia e bonecas de todos os tipos
davam ao ambiente uma aparência de conto de fadas. Aquele
quarto pertencia, definitivamente, a uma princesa.

- Eu gosto de amarelo.

Continuei pregada ali, encarando tudo de boca aberta. Já não


me importava parecer uma idiota. Eu estava deslumbrada
com aquilo, e não pretendia fingir naturalidade. 

- Ahn... - Ela recomeçou, já que eu continuei na mesma


posição por algum tempo, talvez sem respirar - Quer ver o
nosso quarto?

Não me mexi. Eu ainda analisava cada detalhe, por menor


que ele fosse. O sofá com babados, a mesinha e cadeiras no
estilo vitoriano, os cristais que pendiam do teto. O armário
entalhado com minúcias, o tapete fofo redondo e até, meu
Deus, um unicórnio colorido de balanço!

- Amor? - Lauren insistiu, talvez com medo de que eu


estivesse morta. Encarei-a um pouco aturdida. - Falta o nosso
quarto...
Me mexi por impulso, caminhando até a porta do outro lado
da parede e abrindo-a sem esperar por ela.

Era um quarto grande. Gigantesco. Seria fácil brincar de


pique-pega ali dentro. Na parede oposta, de frente para a
porta, ficava a cama de casal com lençóis em tons de bege e
marrom. Ela era elevada em dois degraus, dando àquela peça
um efeito superior ao resto do quarto. Havia muitos
travesseiros arrumados de forma reta sobre o colchão,
combinando com o edredom fofo. Atrás da cabeceira, apenas
uma linha fina de luz dava um ar mais iluminado e claro à
parede onde a cama ficava. Duas poltronas e uma luminária
grande se dispunham a um canto para leitura. A tv fina,
fixada à parede à frente da cama, era maior que a da sala. A
parede à esquerda era lisa, com uma porta apenas, dando
para o closet quase três vezes maior que o do apartamento
antigo de Lauren. Na parede à direita, uma outra porta abria-
se para um banheiro igualmente grande e espaçoso, com
louças e mármores que se misturavam entre tons de preto,
tabaco, bege e branco. A banheira era grande e redonda e
ficava em um dos cantos. O box, imediatamente ao seu lado,
era espaçoso e podia comportar facilmente dez pessoas ali
dentro. Havia duas pias de mármore escuro separadas, uma
para cada um dos ocupantes do quarto. O vaso sanitário era
da mesma mármore. Havia ainda um banco de três lugares,
duas bancadas e, como se não fosse suficiente, um minúsculo
jardim. Voltei para o meio do quarto, e esse processo exigiu
dez passos contados. E então, parei. Eu não sabia como agir.
Não sabia o que fazer ou o que dizer. Não sabia sequer para
onde olhar.
- Você gostou? - Lauren repetiu. Encarei-a, agora
completamente ciente da sua presença ali. Aquilo me soava
como uma pergunta retórica, mas ela a fazia como quem
realmente não soubesse a resposta.

- Eu... - Não consegui continuar. Era necessário deixar claro o


que eu estava sentindo, mas não sabia se existia uma
combinação certa de palavras que me permitisse isso. Aquilo
era, para dizer o mínimo, perfeito. Simplesmente perfeito.
Aliás, era mais do que perfeito. Chegava a ser exagerado. Mas
Lauren, com sua incrível capacidade de não entender minhas
reações, se apressou em falar:

- Nós podemos mudar algumas coisas, se você quiser, claro.


Só não te deixei participar porque queria fazer uma surpresa,
mas podemos...

Me movi para frente sem pensar, e quando notei que o


movimento me faria beijá-la, parei a menos de um centímetro
da boca dela, encarando-a nos olhos.

- Cale-se. - Falei - E não ouse mudar um único travesseiro de


lugar. Eu amo, amo absolutamente tudo aqui. Cada cor, cada
tecido, cada centímetro. Amo o clima, amo o estilo, amo o
cheiro daqui. Amo tudo que esse lugar me faz sentir, amo o
fato de você estar aqui comigo. Amo você. Amo muito você. E
ainda acho que é tudo muito perfeito pra não ser um sonho.
Então posso te pedir uma coisa? - Falei, olhando-a nos olhos e
tomando suas duas mãos nas minhas, como se elas
coubessem ali - Por favor, prometa que se eu acordar você vai
estar do meu lado.
Ela sorriu diante das minhas palavras, provavelmente porque
elas não faziam sentido nenhum. Mas não me importei,
encarando-a como quem espera por uma resposta.

- Prometo. - Ela finalmente falou, encostando sua testa na


minha.

Beijei-a uma vez, e outra vez, e repetidas vezes. Seus braços


deram uma volta completa na minha cintura, me puxando
mais para perto de si. Ela aprofundou o beijo. Prendi seus
cabelos entre meus dedos e não o permiti que se afastasse
nenhum centímetro, e foi quando todos os pelos do meu
corpo já estavam eriçados que Lauren, em um movimento
muito rápido, agarrou minhas pernas e fez com que elas se
prendessem à sua cintura. Não ousei abrir os olhos, forçando
meus sapatos com cada um dos pés e deixando-os caírem em
qualquer lugar. No segundo seguinte, me senti afundar
completamente no colchão macio, me perdendo no meio dos
edredons. Ela se deitou sobre mim, passeando a boca pelo
meu pescoço, e me senti de alguma forma protegida ali.
Quando sua boca voltou à minha, me agarrei a ela com força,
tentando tirar seu casaco e sua calça com um pouco de
pressa.

- Já vamos estrear a cama? - Ela perguntou, rindo baixinho no


meu ouvido enquanto se afastava um pouco, me dando
espaço para finalmente desabotoar os botões de sua calça.

Abri os botões e o zíper da sua calça, puxando-a de qualquer


jeito para baixo, junto com a boxer. Eu sequer conseguia ver o
que estava fazendo, mas sabia que se continuasse
empurrando para longe todo o tecido que meus dedos
tocassem, conseguiria tê-la como eu queria: Nua. Comecei a
me contorcer, tentando sair das minhas próprias roupas.
Lauren me ajudou, puxando minha calça para baixo e, ao
mesmo tempo, abrindo os botões da minha camisa. Quando
senti minha calcinha ser jogada em algum lugar, abri as
pernas e deixei que ela se colocasse entre elas de joelhos na
cama. Senti meu quadril ser suspenso por uma de suas mãos,
e um segundo depois senti seu pau entrando em minha
boceta. Durou alguns minutos. Minhas unhas e dentes
pareciam ter vontade própria contra a pele dela. Pedi
desculpas algumas vezes, mas desisti assim que me dei conta
de que ela parecia não se importar, embora seus ombros e
costas provavelmente estivessem em carne viva.

Lauren já estava se acostumando com minha libido, mas


naquele momento ela estava um pouco maior: O perfume
dela, misturado com o cheiro daqueles travesseiros, estava
me entorpecendo de uma tal maneira que eu queria
simplesmente devorá-la. Talvez literalmente. E quanto menos
eu me importava em feri-la, mais cuidado ela tinha comigo.
Embora eu desejasse profundamente que Lauren me comesse
com mais força, comecei a aceitar que sexo selvagem teria
mesmo que ficar para depois da gravidez. Ao final, acabamos
as duas cansadas demais para levantar. Me agarrei a ela e
deixei que seus dedos brincassem no meu cabelo.

- Gostou mesmo? - Ela perguntou baixinho, quebrando um


longo silêncio e retomando o assunto de antes.

- Não. Não tem sauna a vapor nem quadra de tênis. -


Respondi irônica, ainda de olhos fechados.

- Posso providenciar isso. Tem espaço...


- Faça isso e eu te mato. - Respondi, beliscando com vontade
seu braço - Já não foi o suficiente tudo que gastou pra
comprar essa mansão?

- Não gastei um centavo com a casa. Ela sempre foi minha.

Encarei-a curiosa.

- Sério?

- Sério. Taylor e Chris têm casas por aqui também. Eu só tive


que mobiliar...

Gemi, escondendo o rosto no peito dela. Eu tinha total


convicção de que a mobília, por si só, devia ter custado uma
fortuna. Mas, de qualquer forma, era realmente bom saber
que Lauren não havia comprado aquela casa só pra '' garantir
o meu conforto '', coisa que exigia muito menos que aquele
palácio. Me preparei para responder alguma coisa, mas meus
estômago trovejou.

- Estou com fome. - Falei, um pouco envergonhada pelo


barulho. Ela se desvencilhou do meu abraço e se levantou,
ficando de pé ao lado da cama e me oferecendo uma mão.

- Vamos tomar um banho. Preparo alguma coisa pra você


depois.

Eu estava realmente faminta. Mas por algum motivo, Lauren


me estendendo a mão, maravilhosamente nu e pronto para
me dar banho parecia mais convidativo.

- Ok. - Comecei, aceitando seu apoio e me levantando -


Vamos fazer uma caminhada até o banheiro. Acho que vou
comprar patins pra chegar mais rápido lá. -
Inexplicavelmente, ela ficou sem graça, e imediatamente me
arrependi de ter feito a brincadeira.

- Podemos colocar a cama mais no canto...

- Ei... - Falei me aproximando dela de pé em cima da cama e


segurando seu rosto entre as mãos - Estava brincando. É
perfeito.

Ela me encarou, ainda duvidosa, e sua cara de cachorrinha


abandonada me fez querer enchê-la de beijos.

- Eu não tinha certeza quanto à decoração, quanto à pintura...


Não sabia se estaria bom pra você...

- Lauren, tudo está bom pra mim, contanto que você venha
incluída no pacote.

Ela sorriu como uma criança contente e beijou a ponta do


meu nariz.

- Agora, vamos logo. Ainda estou com fome. - E apenas para


tornar o clima mais descontraído, pulei em seu colo e,
envolvendo minhas pernas na sua cintura, adicionei - Mas
você me leva. É realmente muito longe.1

E ela me carregou como quem carrega um bebê no colo,


rumo ao tão, tão distante banheiro.

***

Havia apenas duas malas no quarto: Uma minha e outra de


Lauren. As restantes permaneceram exatamente onde
estiveram a noite anterior toda: Ao pé da escada.
Arrumaríamos os armários depois.
- Bom dia! - Ela me recebeu com uma voz entusiasmada na
cozinha, preparando algumas torradas enquanto passeava de
lá para cá com um pano de prato estrategicamente dobrado
sobre o ombro, dando aquele ar de cozinheira caseira.

- Bom dia. - Respondi ainda sonolenta, mas ao sair do


corredor forrado por um carpete creme (assim como o
restante da casa) e entrar na cozinha, com piso de tábua
corrida, o atrito entre minha meia e o chão não foi o suficiente
para me manter equilibrada. Escorreguei um pouco,
patinando de forma idiota enquanto tentava restabelecer o
equilíbrio e não cair. Quando consegui, me segurando na
porta, olhei-a outra vez. Ela estava mais branca que o normal,
uma das mãos estendidas com um pote de mel no ar e os
olhos tão arregalados que quase saltavam das órbitas. Lauren
me encarava estática, falando lentamente, em choque.

- Não... Caia...

Achei engraçado o fato de ela conseguir pronunciar aquelas


palavras sem aparentemente mover nenhum músculo.

- Não caí.

- Quase caiu...

- Então... "Quase."

Fiz menção de caminhar ao seu encontro, mas ela deu um


grito estranho e agudo, então sequer cheguei a me mover.

- Porra, não me assusta assim! - Falei, querendo dar um tapa


nela.

- Não... Se... Mova! - Ela falou, como se eu estivesse prestes a


entrar em um campo de guerra cheio de minas terrestres.
Esperei até que ela viesse até mim, me levando para fora da
cozinha de volta ao carpete fofo do corredor. Ela suspirou.

- Espera aqui. Pelo amor de Deus, não entre nessa cozinha.

Lauren subiu de dois em dois degraus e eu esperei, já rindo


sozinha de todo aquele drama. Quando ela voltou, trazia nas
mãos duas pantufas rosa-chiclete.

- Calce isso. É emborrachado embaixo.

Eu calcei sem objeções, mas só porque estava com fome. Em


situações normais, debater com Lauren sobre seus cuidados
exagerados era divertido.

- No final dessa gravidez você vai estar mais grisalha, ansiosa


e estressada.

- Só, pelo amor de todos os santos, não se machuque.

- Ok. Posso descer pelo corrimão da escada?

Ela me encarou chocada, como se eu tivesse acabado de


admitir que usava drogas.

- Estou brincando. - Falei, já com medo que ela tivesse


ataques convulsivos de pânico. Não tinha como negar que eu
me divertia com os exageros dela, embora isso fosse cruel.
Ela realmente sofria com medo de que algo acontecesse
comigo e, consequentemente, à sua filha, mas suas ideias de
proteção eram tão absurdas que chegavam a ser engraçadas.

Tomamos o café da manhã preparado por Lauren bem


devagar. Eu queria ver tudo outra vez, cada pequeno detalhe
daquela casa agora na luz do dia, mas sabia que teria tempo
de sobra para isso depois. Por isso, aproveitei os pães
integrais, as geleias, os sucos e tudo mais que estava à minha
disposição.

- Vamos almoçar na casa dos meus pais. Tudo bem? - Ela


falou, sentando-se no banco ao meu lado e espalmando a
mão na minha barriga, como sempre.

- Não vamos estrear a nossa cozinha? - Perguntei, já um


pouco desanimada, mas nem tanto. Passar tempo com os
Jauregui's sempre era divertido.

- Eu já estreei. - Ela sorriu debochada para mim.

- Mas eu não. - Fiz cara de traída.

- Podemos estrear depois. - Ela balbuciou ao pé do meu


ouvido, envolvendo seu outro braço na minha cintura - Você
pode me ensinar a fazer aquela sua sobremesa. Podemos
comer juntas hoje à noite.

Eu sempre achei incrível a capacidade que Lauren tinha de


conseguir tornar imoral com tanta rapidez uma conversa
comum, fosse com palavras ou com toques, sem nem ao
menos falar com todas as letras o que ela queria dizer. E o
único motivo pelo qual eu não reclamava daquilo era porque
eu adorava.

- Depende. - Respondi, entrando no jogo, encarando-a de


forma doce mas tentando provocá-la - Você vai comer tudo?

Ela soltou um gemido baixo, me encarando nos olhos. Lauren


ainda não sabia parecer tão sedutora e fodona quando eu
respondia às suas provocações no mesmo nível, e ao
contrário, acabava se entregando.
- Vou. - Ela respondeu baixo, puxando o banco em que eu
estava sentada mais para perto de si. - Como tudo se você
deixar...

Com a maior naturalidade, peguei outra torrada com geléia e


mordi um pedaço, fazendo cara de paisagem. Era claro que
eu sempre tentava parecer casual nesses momentos, mas a
verdade era que eu mesma queria sair por cima na situação.
Mesmo que sua proximidade sempre me deixasse louca de
vontade de dar a ela o que ela queria. E conforme a gravidez
avançava mais difícil era controlar esses impulsos de jogá-la
em cima de uma mesa, arrancar suas calças e montar nela
como se aquela fossa a última trepada da minha vida.

- Tudo bem. Eu te ensino a fazer hoje à noite. - Parei,


encarando-a com um olhar de dona da situação, e apoiei um
braço no banco onde ela estava sentada, entre suas pernas,
fazendo com que meu braço tocasse propositalmente e sem a
menor cerimônia seu pau já bastante animado - Mas se você
deixar uma única gota...

Ela soltou outro gemido, tentando se controlar ao falar ainda


mais perto da minha boca e agarrando meu braço sem se dar
conta, prensando-o com ainda mais força contra seu pau:

- Não vou deixar... Você sabe disso...

Continuei encarando-a, como se a desafiasse a perder o


controle.

Quando Lauren parecia prestes a implorar para me comer,


fiquei de pé e me afastei.

- Ok. Vamos logo. Seus pais e seus irmãos já devem estar nos
esperando.
Recolhi meu prato e meu copo, levando-os até a pia que
ficava naquele mesmo balcão e comecei a lavá-los, parecendo
distraída. Não a encarei outra vez, e ela não voltou a falar.
Terminei de limpar as coisas, calcei minhas pantufas rosa
chiclete e subi para o quarto, apressando-a a fazer o mesmo e
trazer as malas quando subisse.

Não demorou muito tempo, e Lauren apareceu sem mala


alguma no quarto.

- Vai mesmo me deixar assim? - Ela perguntou como se


exigisse uma resposta. Me fiz de desentendida.

- Assim como?

- Você sabe como. Essa gravidez está te deixando cruel.

Senti vontade de rir, mas me contive.

- Não sei do que você está falando.

Ela se aproximou de mim um pouco rápido, e por um segundo


imaginei que ela fosse me atacar. Mas, ao contrário, parou na
minha frente e, tomando minha mão sem cuidado, forçou-a
contra seu pau outra vez. Ele estava duro como uma pedra.

- Estou falando disso. - Ela disse, me olhando como se


sentisse dor.

- Simples palavras conseguem fazer isso com você? -


Perguntei, fingindo surpresa. Eu sabia que ela estava daquela
forma sem nem mesmo precisar tocá-la.

- Você sabe que sim.

Lauren falava como uma menina triste, e aquilo era adorável.


- Bom, já estamos atrasadas... - Comecei, mas fui
interrompida no mesmo segundo por palavras e por mãos
bastante animadas.

- Podemos nos atrasar mais um pouquinho.

- Não... - Comecei, tentando me desvencilhar dos braços e da


boca dela - Controle seu tesão.

- A culpa é sua! Não me julgue!

Eu estava lutando, mas sabia que não adiantaria,


simplesmente porque não estava me empenhando o
suficiente. Se eu realmente deixasse claro que não queria,
Lauren pararia com aquilo, mesmo contrariada. Mas seus
hormônios em fúria de uma menina de 17 anos estavam
enfurecendo os meus próprios hormônios, até certo ponto
controlados.

- Se seus pais ou seus irmãos mencionarem o nosso atraso,


vou deixar claro que a culpa foi sua.

Segurei sua blusa pela gola e a virei, empurrando-a para a


cama atrás de nós e pulando em cima dela como um tigre
pula em cima da presa.

***

Conseguimos ficar prontas 1 hora depois.

Saí antes, ficando à sua espera no jardim. Àquela hora do dia,


aquele lugar parecia mais brilhante e vivo do que à noite. Não
era, entretanto, necessariamente mais bonito. Mas agora
podia-se ver a verdadeira extensão do lugar, com seus vários
arbustos fofos, flores coloridas e cheias àquela época do ano,
árvores de vários tamanhos e bancos brancos espalhados
aqui e ali. Tanto de dia quanto de noite, era lindo. Cada um
desses momentos tinha seu charme particular.

Quando Lauren finalmente me encontrou do lado de fora da


casa, deixou claro que iríamos de táxi. Ignorei-a solenemente,
pegando minha bolsa e simplesmente caminhando para o
portão. Ignorando também seus protestos, lembrei-o dos
conselhos do Dr. Carlos relacionados à saúde, que incluíam,
além de outras coisas, caminhadas curtas e exposição
moderada ao sol. Ela finalmente cedeu.

A primeira coisa que ouvi de Taylor assim que pisamos na


casa dos pais de Lauren foi um " estão atrasadas!." Encarei
Lauren com um olhar assassino, mas não estava realmente
irritada.

- Tenho certeza que é justificado. - Oliver começou, sempre


tentando explicar as coisas - Mudanças sempre tomam muito
tempo.

- Claro, amor. - Taylor continuou, segurando carinhosamente


sua mão, enquanto virava outra vez para Lauren - Da próxima
vez, transe mais rápido.

Corei imediatamente, não pela provocação, mas porque era


Taylor. E Taylor era esquisita. E sabia sempre de tudo.

- Ei, para com isso. - Ela falou, me abraçando de forma


carinhosa por trás - Está deixando a minha namorada sem
graça.

Taylor e Oliver olharam para ela de uma maneira esquisita


por algum tempo. Minha vergonha passou imediatamente ao
lembrar de que ainda havia alguma coisa sendo escondida de
mim, e aqueles olhares eram relacionados a esse mistério.
- O que foi? - Perguntei, olhando do casal para Lauren.

- Nada. - Ela respondeu, me dando um sorriso sem graça e um


beijo na testa. Ignorei-a.

- Taylor, o que foi?

- Sua namorada é uma lerda. - Ela respondeu, dando ênfase à


palavra "
"namorada."

- Por quê? - Insisti.

- Podemos conversar? - Ela perguntou, já puxando Lauren


pela mão e se afastando com ela. Por que diabos ninguém me
dizia o que estava acontecendo?

- Oliver...

- Não sei de nada. Sou só o marido da bruxinha. - Ele


respondeu, pedindo licença e se retirando.

E eu estava começando a ficar puta. Fiquei ali por algum


tempo, talvez esperando Lauren voltar e preparando minhas
perguntas.

- Camilita!

Mal ouvi a voz de Chris e me virei para ele, segurando-o pela


gola e o jogando contra a primeira parede do hall de entrada.

- O que estão escondendo de mim? - Perguntei


ameaçadoramente nas pontas dos pés, conseguindo passar
da altura dos ombros de Chris. Era uma cena patética. Ele
parecia um pouco surpreso, mas ainda assim, divertido.

- Escondendo? Não sei de nada!


- Sabe sim! Você está rindo!

- Não sei não. Quem está escondendo alguma coisa de você?

- Lauren! Eu sei que ela está!

- Eu juro que não faço ideia!

Soltei sua gola e ele se ajeitou outra vez, tentando esconder


um sorriso debochado que insistia em aparecer nos lábios
dele. Levei um susto quando Chris falou de repente,
empregando uma entonação de desespero na voz.

- Meu Deus! Mila, será que ela vai assumir que é uma panda
albina?

Dei um soco nele.

- Ai! Por que você gosta tanto de me bater? - Ele perguntou,


coçando o local socado.

- Porque você gosta de me irritar! - Respondi, já meio


arrependida da agressão - Desculpa.

- Grávidas... - Ele revirou os olhos teatralmente.

- O que tem as grávidas? - Taylor apareceu ao seu lado, quase


como quem aparece em uma nuvenzinha mágica. 

- Nada. - Ele respondeu, já andando para longe da irmã - São


uns amores.

- Taylor... - Comecei, já um pouco sem paciência - O que est...

- Mila, quer ir ao shopping? - Ela me interrompeu, parecendo


animada.

- Como é?
Lauren havia, assim como a irmã, aparecido em uma
fumacinha mágica.

- Depois do almoço, claro. - Ela adicionou, sem sequer olhar


para a irmã.

- Ela não pode ir ao shopping! - Lauren advertiu, ignorando o


fato de que Taylor a ignorava.

- E por que não? - Chris perguntou, curioso.

- Porque ela está grávida!

Formou-se aquele silêncio desagradável. Taylor olhava para


Lauren como quem olha para uma bactéria insignificante mas
nojenta. Lauren provavelmente achava que tinha dado um
argumento convincente, e Chris simplesmente não tinha o
que responder.

Escondi o rosto nas mãos, com vergonha.

- O...k...

- Então, Mila... Quer ir? - Taylor repetiu, fingindo que Lauren


não estava ali.

- Estou falando sério, porra! Aquele shopping é cheio de gente


estabanada! Imagina se alguém esbarra nela?

- É verdade, Taytay. Alguém pode encostar na Mila... - Chris


começou, e se eu não conhecesse seu jeito irônico de ser,
pensaria que ele estava falando realmente sério.
Ironicamente, Lauren não pareceu notar isso.

- Exato! E se alguma coisa acontecer a ela ou...


- Lauren, pelo amor de Deus! Vamos ver vitrines, passear,
tomar sorvete e dar uma voltinha na montanha russa. Não é
nada demais!

Lauren continuou olhando para ela sem expressão nenhuma.

- Taylor... Ela está ficando verde. - Chris concluiu - Retire o


que disse.

Olhei para ela, já com vontade de rir, mas notei que seu rosto
realmente tinha um tom esverdeado.

- Taylor, podemos ir ao shopping amanhã? Tenho que


convencê-la primeiro. - Falei, já um pouco preocupada com
sua aparência. Ela suspirou.

- Tudo bem. - E olhando para Lauren, falou, antes de sair: -


Bocó.

Chris a seguiu, fazendo cara de enterro.

- Eu sempre te disse que essa sua preocupação era


exagerada...

- Não me importo com o que eles pensam. Por favor, não vá


ao shopping com ela. - Ela implorou, fazendo cara de cãozinho
abandonado ao pedir aquilo.

- Lo, ela estava brincando! É claro que não vamos na


montanha russa.

- Amor, Taylor é louca. Eu não duvido de absolutamente nada


que ela fala...

- Bom, se ela é louca, eu não sou. Você tem que parar com
essa neurose, e estou falando sério. Eu sei dizer o que é
perigoso ou não, e da mesma forma que você não colocaria
nossa filha em risco, eu também não faria isso. Não sou
incapaz de tomar conta de mim mesma, e seu exagero soa
como desconfiança.

- Eu confio em você! - Ela disse, um pouco desesperada.

- Não é o que parece. Eu não sou uma criança, então, por


favor, pare de querer decidir as coisas por mim.

Ela procurou, ainda por alguns segundos, algo para


responder. Quando finalmente se deu conta de que seu
acervo de argumentos havia se esgotado, suspirou e fez cara
de triste.

- Sabem... - Clara surgiu na escada, descendo degrau por


degrau de forma graciosa - Quando minha neta chega na
minha casa, eu espero ser avisada.

Ela desceu o último degrau e olhou de cara feia para Lauren,


como se ela fosse a culpada. Depois voltou a sorrir, me
abraçando de forma carinhosa e colocando a mão
gentilmente na minha barriga.

- Gostou da casa? - Ela perguntou.

- Não tinha como não gostar. É maravilhosa.

- Tenho que ir lá um dia. Mike escondeu de mim que estava


mobiliando a casa a mando de Lauren.

- Pode aparecer lá quando quiser... Certo? - E, de repente,


olhei para ela, sem querer pedindo permissão para dizer
aquilo. Ainda era difícil aceitar aquela casa como minha, e
convidar alguém a entrar nela parecia errado sem o
consentimento da verdadeira dona.
- É claro. - Lauren disse com algum desagrado por entender
minha hesitação. Clara foi abraçar a filha, desistindo da ideia
de parecer ofendida com ela.

Fomos para a cozinha junto com ela, com o único intuito de


conversar. Encontramos ali a cozinheira que eu lembrava ser
um pouco mal humorada. Fiquei em um canto, com medo
dela. Clara falou dos preparativos para a festa de aniversário
de Mike, que seria na noite do dia seguinte àquele. Seria,
como sempre havia sido, uma festa ao ar livre para a família,
amigos do trabalho e alguns vizinhos. O enorme jardim seria
decorado com mesas, cadeiras, bancos e luzes para a
ocasião, e garçons iriam e viriam distribuindo champagne e
bebidas não alcoólicas, comidas salgadas de diversos tipos e
sobremesas por entre as mesas gigantes, cheias de
convidados. Seria aquele tipo de festa que pessoas ricas
costumam fazer, e às quais eu nunca tinha estado presente.

Taylor entrou na cozinha e perguntou à cozinheira se ela


queria ajuda. A mulher olhou de cara feia para ela, como
quem dissesse "sou capaz de fazer meu trabalho muito bem,
obrigada," mas Taylor não deu a mínima importância,
retribuindo com uma careta. A mulher riu, e eu fiquei
surpresa.

Ficamos conversando, as quatro, esperando o almoço sair.


Oliver e Chris pareciam estar jogando videogame em algum
lugar da casa, e mesmo que eu insistisse para que Lauren se
juntasse a eles (já que os assuntos naquela cozinha eram
todos relacionados a gravidez), ela insistia em ficar ali.
Mesmo sem ter nada a dizer. Era como se ela tivesse medo de
me deixar sozinha com as pessoas. Lauren estava começando
a parecer mais esquisita que Taylor.

- Fome! Tenho fome! Parem de tricotar e façam nossa


comida, mulheres! - Chris irrompeu a cozinha, gritando e
assustando todo mundo, imitando um vicking enquanto
falava. A cozinheira, que havia inclusive entrado na conversa
da gravidez e parecia, agora, um pouco mais humana e
menos ameaçadora, lançou um olhar assassino para Chris. Ele
imitou um vicking outra vez, fingindo não ter medo dela.

- Você já começou a arrumar lá fora? - Clara perguntou, muito


calma.

- Oliver e eu estávamos jogando...

- Então não vai almoçar.

-  Porra, mãe!

Ver Clara tratando Chris como um menino de sete anos que


não tinha feito o dever de casa e, por isso, ficaria de castigo,
era não só engraçado, como também surpreendentemente
adorável. Fiz força para não rir e deixá-lo ainda mais
contrariado.

- Seu jeito brutamontes tem que servir de alguma coisa. -


Taylor disse, mexendo em uma cesta de pães sem muito
interesse.

- A festa é só amanhã à noite. Vou ter tempo de sobra para


distribuir aquelas mesas pelo jardim.

- Você sabe quantas mesas e quantas cadeiras são? - Clara


provocou.
- Mais ou menos o mesmo número de todos os anos, certo?

- E você sabe quanto é isso? 

- Sei o suficiente pra dizer que dou conta do trabalho. - Chris


falou com cara de dono da situação. 

- Então você me dá a sua palavra de que tudo vai estar


arrumado pra hora da arrumação dos talheres, pratos,
arranjos de flores e tudo mais? 

- Claro que sim. 

- Ok. - Clara finalizou com uma certeza de vitória disfarçada, e


então tive uma estranha sensação de que Chris não
conseguiria fazer o que disse que faria. 

***

Taylor tomava um suco rico em proteínas, vitaminas e mais


sabe-se lá Deus o quê, e me perguntei se ela se entupia
daquilo porque estava ficando neurótica com a saúde do filho
ou porque gostava mesmo de maçã. De qualquer forma, era
assustador observar a quantidade de líquido que seu corpo
comportava, mesmo na gravidez, tanto durante todo o
almoço como agora, descansando na sala de estar. 

Oliver estava sentado ao seu lado, servindo quase como um


grande travesseiro para o conforto dela. Lauren estava
sentada em uma das poltronas gigantes que havia na sala,
capaz de comportar facilmente duas de mim, mesmo grávida.
Ela me puxou com cuidado e me fez sentar entre suas pernas,
enquanto tomava um licor de alguma coisa e escutava Chris,
com uma garrafa de cerveja na mão, dizer que aquilo era
coisa de gente fresca. 
- E você, querida? Não quer beber nada? - Clara perguntou,
tocando meu braço suavemente, e todo mundo se assustou
com o berro de Chris. 

- VOCÊ É MALUCA, MULHER? ELA ESTÁ GRÁVIDA! 

Demorou um pouco até entendermos que aquilo era mais


uma forma de tirar sarro da cara de Lauren. 

Tirei o pequeno copo vazio de sua mão antes que ela


arremessasse no irmão e coloquei na mesinha baixa ao nosso
lado. Clara ignorou Chris e continuou contando como seus
almoços eram solitários, já que Mike só voltava do trabalho à
noite (às vezes de madrugada), e como ficava feliz em ter a
casa cheia de gente. Principalmente porque essa "gente" era
a família que ela raramente via e da qual tanto sentia falta.
Imaginei que talvez meus almoços começariam a parecer
muito com os dela, e que talvez pudéssemos fazer companhia
uma à outra. 

O clima estava agradável e a conversa parecia uma canção


de ninar nos meus ouvidos, me embalando enquanto Lauren
passeava de um lado para o outro sua mão espalmada e seus
dedos pela minha barriga de forma despreocupada. Somado
àquilo, o peso da comida me fazia parecer estar à beira da
inconsciência, embora fosse possível que alguma coisa
servida naquele almoço não tivesse me feito lá muito bem. 

Foi quando estava prestes a adormecer recostada nela que


senti uma coisa que me fez acordar imediatamente. Fiquei
parada, esperando por algo, embora não soubesse o quê.
Talvez sentir aquilo de novo. Talvez Lauren se manifestar.
Olhei em volta e vi Clara nos encarando de forma estranha.
Não falei nada. Continuei imóvel, tendo a sensação de que
aquilo aconteceria outra vez. As mãos dela já não passeavam
mais pela minha barriga: Agora estavam imóveis, esperando
pelo que eu esperava também. 

- O que foi? - Oliver perguntou, também curioso. 

- Definitivamente, eu senti uma coisa... - Lauren falou baixo,


ainda imóvel como eu, e de uma forma completamente
repentina, como se simplesmente tivessem brotado ali, cinco
mãos estavam tocando a minha barriga. Olhei confusa para
todo mundo, mas eles também estavam quietos, esperando,
durante algus segundos, pelo próximo chute. 

Nada aconteceu.

- Tem certeza que sentiu? - Taylor perguntou, um pouco


irônica - Pode ter sido o sistema digestivo da Mila... - Tenho
certeza. - Lauren respondeu de forma confiante. 

Pouco a pouco, as mãos foram saindo dali, decepcionadas


pela ausência de movimento e um pouco incrédulas. Quando
a única mão restante voltou a ser a de Lauren, eu senti outra
vez. Bastante suave, quase imperceptível, mas,
definitivamente, um minúsculo chute. 

- De novo! - Ela gritou como uma pré-adolescente, quase não


contendo a excitação na voz. 

- Você está inventando! - Chris implicou. 

- Não estou! Camz? 

- Não está. Eu senti também. - Falei. 

Tão rápido quanto da primeira vez, as mãos voltaram para a


minha barriga. E, outra vez, nada aconteceu. 
- Ah, qual é? - Chris falou, desanimado.  Pela segunda vez, as
quatro mãos saíram e a quinta permaneceu no mesmo lugar.
Imediatamente, o movimento veio outra vez. Lauren
gargalhou como uma criança cujos sonhos tivessem todos
sido realizados.

- Eu acho que ela gosta só do toque dela. - Falei distraída,


olhando debilmente para o meu próprio umbigo. Eu não veria
nada ali, como gestantes em estágios avançados às vezes
viam ao sentirem os chutes do bebê. Eu estava com quase 5
meses, e por isso mesmo os movimentos não eram fortes. Ao
contrário: Poderiam passar até desapercebidos caso eu
estivesse caminhando ou fazendo alguma coisa. Mas agora,
minha curiosidade estava sendo atiçada pelo comportamento
do bebê. Seria possível ela simplesmente reconhecer o toque
de Lauren? Ou seria idiota considerar essa possibilidade? Será
que ela já havia se acostumado a sentir as mãos dela ali,
perto dela, como quase sempre estavam? 

- Isso é adorável! - Clara falou, enquanto encarava a filha com


lágrimas nos olhos. 

- Eu queria que esse peste só se mexesse quando Oliver


tocasse nele. - Taylor falou, se referindo ao seu próprio filho e
voltando a beber mais do suco de maçã - Mas acho que ele já
quer ser astro de rock ou alguma coisa assim, porque nunca
vi uma criança se mexer tanto... 

Mas eu não estava escutando. Lauren provavelmente


ignorava qualquer um naquela sala que não fosse a coisinha
minúscula dentro da minha barriga, que insistia em se mexer
sutilmente ao seu toque. Encostei minhas próprias mãos no
meu umbigo e esperei. Ela não se mexeu mais, e eu senti
uma pontada de ciúme. Ela afastou as minhas mãos com uma
das suas, enquanto a outra permanecia na minha barriga.
Assim que apenas a mão dela continuou espalmada ali, senti
outra vez um movimento leve. Bufei. 

Era fofo que ela gostasse de Lauren e tudo mais, mas porra!
Era EU quem a carregava para cima e para baixo. Era EU
quem estava cedendo espaço no meu corpo para que ela se
formasse. Seria bacana se ela gostasse de mim também,
não? 1

Continuei me remoendo por mais algum tempo, até chegar à


vergonhosa conclusão de que estava exigindo mais atenção
de um feto, unicamente porque estava enciumada. Me odiei
por isso, mas assim que os movimentos pararam, me senti
melhor. 

- Ela cansou. - Falei finalmente. Lauren parecia um pouco


triste, mas não tirou as mãos da minha barriga durante o
resto da tarde. 

Fomos para casa às 18h, com o pretexto de ter que arrumar


os armários e o resto da casa. Lauren, embora se mostrasse
claramente contrária à idéia, me deixou participar dessa
tarefa junto com ela, já que apresentei teorias bastante
convincentes de que, ao final daquela gravidez, minha vida
estaria tão monótona por não poder fazer absolutamente
nada que eu acabaria cortando os pulsos por depressão.
Aquilo foi o suficiente. 

Ela estava tão empenhada em sentir outra vez os movimentos


da minha barriga que passou o resto da noite grudado nela.
Pensei em lembrá-la da nossa brincadeira sexual relacionada
à sobremesa, mas como estava me sentindo
excepcionalmente sonolenta e ela parecia não se importar
com nada além do meu umbigo, deixei passar. 

Dormi cedo, sem fome, me preparando para o aniversário de


Mike no dia seguinte. 

***

- E então? 

Lauren mastigava devagar, como se fosse uma verdadeira


degustadora profissional. Eu esperava pelo seu veredicto um
pouco ansiosa. Talvez devesse ter escolhido, como primeira
receita, algo mais comum: Capeleti de frango com molho de
manteiga e sálvia não era algo que todo mundo gostava, até
porque era uma receita de família. E se o primeiro almoço que
eu tivesse feito para ela fosse mal recebido, principalmente
depois de ter dado um certo trabalho e tomado toda a parte
do meu dia para preparar, talvez eu me negasse a cozinhar
de novo. 

Era provável que o alimento já estivesse bastante triturado


dentro da boca dela, mas ela não parava de mastigar. Talvez
fosse a minha impaciência de grávida que estivesse me
dando nos nervos. Talvez ela não tivesse gostado e estivesse
pensando em como poderia dizer, de forma educada e sem
ferir meus sentimentos, que estava uma merda. 

Quando ela engoliu o bolo mastigado, ao invés de falar, levou


outra garfada à boca. 

- Não se preocupe. Eu não quero saber se você gostou. Leve o


tempo que precisar. - 

Falei sarcástica ao lado dela. 


- Está divino. - Ela respondeu, com a boca ainda um pouco
cheia. Suspirei de alívio.

- Jura?

- Juro. 

Me senti exageradamente feliz com a sua resposta.


Ultimamente, era necessário muito pouco para me levar aos
extremos da alegria ou da tristeza. Quiquei no banco ao lado
dela, pegando um prato e me servindo também. Quando
deixei claro que não conseguiria comer mais do que aquilo,
ela se prontificou a terminar a travessa inteira, jurando que
caso eu continuasse desbravando aquela cozinha, ela
acabaria com uns quinze quilos a mais. 

- Depois do almoço eu vou na casa dos meus pais ver se a


minha mãe precisa de alguma coisa. Ela sempre fica agitada
em festas. - Ela começou, depois de dar a última garfada - Se
quiser ficar aqui... 

- Pensei em ir no shopping com a Taylor.

Lauren se encolheu um pouco, mas logo se recuperou.

- Eu realmente não acho uma boa idéia.

- Por quê? Nós já conversamos sobre eu não ser uma


irresponsável inconseqüente, lembra? - Eu sei, mas... Não é só
isso.

- O que é então?

Ela hesitou, mas parecendo não querer levantar suspeitas,


continuou de forma apressada.
- Você sabe que ela pode perguntar mais coisas sobre a sua
vida... 

Aquilo era verdade. A família de Lauren poderia vir a


descobrir o nosso maior segredo de muitas formas diferentes,
e era um motivo para que eu tivesse um pouco de receio de
ficar a sós com eles, pelo menos por enquanto. Mas, por
algum motivo, eu me sentia mais confiante quanto àquilo, e
diria até que poderia lidar com o que quer que Taylor usasse
para me sondar. Apesar de um pouco esquisita, eu sabia que
ela não era enxerida, e caso eu deixasse claro que não queria
conversar sobre determinado assunto, ela não insistiria. 

Mas eu conhecia Lauren muito bem para saber que aquele


não era o verdadeiro motivo pelo qual ela não queria me
deixar a sós com a irmã. 

- Lo, o que você está escondendo de mim? O que todos vocês


estão?

- Escondendo? - Ela fez cara de inocente, arregalando os olhos


- Não estou escondendo nada de você. - No dia que chegamos
aqui, Chris ia me perguntar uma coisa... 

-Meu pai terminou a pergunta depois, você não lembra?

Encarei-a, pausando propositalmente e dando a ela tempo


para parar de atuar. 

- Lauren, me responda com sinceridade: Você acha que eu


sou idiota? - Perguntei, não em um tom ofensivo, mas sim de
maneira bastante calma. 

- Não! 

- Tem certeza? 
- Claro que tenho, amor! 

- Então por que está tentando me convencer de algo que eu


sei, e que você também sabe, que é mentira? 

Ela ficou muda, tentando pensar em alguma resposta


inteligente. Nada lhe veio à cabeça. Ela suspirou, triste. 

- É algo tão sério assim? - Perguntei, trazendo-a de volta e


deixando claro que eu ainda esperava uma resposta. 

- Você vai saber...

- Por que não me diz agora?

Ela me olhou um pouco desesperada.

- Eu prometo que você vai saber. Depois da festa do meu pai.

Bufei. Não havia como arrancar aquilo dela, ela simplesmente


não diria. 

Reuni a louça que sobrou do almoço na pia e comecei a lavá-


la, ignorando minha curiosidade mórbida e o início de um
pouco de medo. O que quer que fosse, aquilo parecia ser
sério, e o fato de não saber do que se tratava todo aquele
mistério começou a me deixar realmente nervosa. 

Ficamos em silêncio enquanto eu limpava tudo. Eu não


insistiria, até porque insistir aumentava minha ansiedade.
Quando finalmente acabei a tarefa e enxuguei as mãos no
pano de prato mais próximo, tentando parecer indiferente,
Lauren se pronunciou outra vez. 

- Está chateada comigo? 


- Não. - Respondi de forma verdadeira - Se tudo que posso
fazer é esperar, eu vou esperar. Mas não quero mais falar
sobre isso. 

Ela assentiu, parecendo um pouco triste.

- Vou ligar pra Taylor. Posso pelo menos levar vocês até lá? 

- Tudo bem. - Respondi, já deixando a cozinha e indo para o


quarto me arrumar - Só vamos logo. Quanto mais rápido eu
fizer as coisas, mais rápido as horas vão passar. 

***

- Taylor, são exatamente 14h. Acredito que às 18h vocês já


vão ter feito tudo que... 

- Não enche o saco! - Ela respondeu, abrindo a porta do banco


de trás e saindo sem se despedir. Olhei para ela do banco do
carona. 

- Ela disse que voltaríamos de taxi... - Comecei, tentando


deixá-la mais tranquila. - Não tem necessidade. Quando
acabarem, é só me ligar. Eu venho... 

- Não vem não. - Taylor enfiou a cabeça pela minha janela,


me dando um susto - Pra que tirar você de onde estiver se
temos uma fila de taxis na entrada do shopping? 

- Não tem problema... 

- Lauren, eu também estou grávida e ando sozinha todo santo


dia. Nunca me aconteceu nada, e acredito que meu filho
esteja bem, saudável e confortável. Não faça da Mila uma
inválida. 
Ela bufou e ela tirou a cabeça da janela, nos dando
privacidade outra vez, entendendo que havia vencido aquela
briga. 

- Você está com o cartão de crédito, né? 

- Estou, e acabei de me dar conta de que nunca conversei


sobre ele com você. -Respondi, já um pouco amarga. 

- Bom, essa conversa vai ter que esperar. Se eu te prender


mais um minuto dentro desse carro, Taylor vai sacar um
revólver da bolsa e me matar. 

- Tudo bem. Mas não vou usá-lo. - Impliquei, já me ajeitando


para sair. 

- E se tiver algo que queira comprar? 

- Não vou querer nada. 

- Pode ser. - Ela falou, com um certo prazer na voz - Mas


ninguém sai de um shopping de mãos vazias se estiver com a
minha irmã. 

- Eu vou sair. - Falei, decidida. Ela riu. 

- Ok. Então você pode prometer que vai usar o cartão se


quiser alguma coisa. Já que não vai querer nada mesmo... 

Encarei Lauren por algum tempo, pensando na minha


resposta. 

- Porra, se você quiser ficar pra fazer compras junto com a


gente, estaciona o carro e VAMOS LOGO! - Taylor falou ao
meu lado, do lado de fora, já demonstrando impaciência. 

Desafivelei o cinto de segurança e dei um beijo carinhoso


nela.
- Toma cuidado, tá? - Ela disse, retribuindo o beijo.

- Pode deixar.

Saí do carro e me juntei à Taylor, sentada em um banquinho


próximo. - Use-o! - Ela gritou pela janela aberta antes de
acelerar e sumir. 

- É sério, como você aguenta a minha irmã?

- Ela só se preocupa em excesso. Mas continua sendo fofa. 

Taylor fez uma careta, claramente discordando de mim.


Entramos no shopping e caminhamos como se estivéssemos
em um parque. O lugar não estava muito cheio, embora
também não estivesse vazio. 

- O que você quer comprar? - Perguntei, só para puxar uma


conversa. - Preciso de uma roupa pra hoje à noite. Você já
tem?

- Tenho sim.

- Como é? 

- Não sei ainda. Mas sei que tenho, em algum lugar. -


Respondi. Algo no meio daquele monte de coisas que Lauren
insistiu em comprar um dia devia servir para a ocasião. 

- Então você não tem nada específico! Vamos comprar! - Ela


falou, como se eu tivesse acabado de dizer algo maravilhoso. 

- Taylor, estou falando sério. Com certeza tenho alguma


coisa... 

- Certo. Alguma coisa pra uma grávida?


Considerei aquela pergunta por algum tempo, e foi essa
hesitação que fez com que Taylor me puxasse pela mão e
corresse pelo corredor do shopping como uma menininha
feliz. 

- Vamos! Essa loja tem coisas lindas. 

Ela entrou no lugar e correu de encontro a alguns cabides.


Uma mocinha veio nos receber com um sorriso falso no rosto.
Taylor disse que assim que escolhesse o que queria, falaria
com ela, e a mulher nos deixou à vontade. 

- Taylor... - Comecei, tentando fazê-la desistir da idéia. 

- Ah, já achei alguma coisa que é a sua cara. Que sem graça. 

Ela estendeu na minha frente um vestido xadrez


propositalmente fofo e largo. 

- É muito bonito, mas... 

- Estou sendo boazinha com você. Só estou te pedindo pra


experimentar uma única peça. Vamos lá. Se ficar feio, eu vou
ser a primeira a te dizer. Não se pode confiar no que essas
vendedoras dizem. 

Suspirei. O conjunto era mesmo bonito, mas eu sabia que se


caísse bem em mim, Taylor insistiria para que eu o levasse. E
então eu teria que usar o cartão de crédito que Lauren me
deu. E isso a deixaria feliz de uma forma irritante. Caminhei
para os provadores com ela me empurrando. Quando entrei,
em um tipo de sala de espera, me espantei com o tamanho
do lugar. Não era parecido, de forma alguma, com os
provadores normais que se via em lojas de shoppings
comuns. Era enorme, claro e espelhado em todas as paredes. 
- Vou ficar esperando aqui. - Ela disse, enquanto sentava em
um banco acolchoado e pegava uma revista - Se precisar de
mim, grite. 

Andei devagar para o corredor com os provadores, com medo


de me perder ali. Entrei na primeira cabine e me despi,
vestindo em seguida o bendito conjunto. Me olhei no espelho
e constatei que sim, a roupa havia ficado bastante bem em
mim. Me olhei por mais algum tempo nos vários espelhos
dispostos em ângulos diferentes, me dando uma visão
completa do meu corpo. 

- Ainda está viva? - Ela perguntou depois de algum tempo do


lado de fora, batendo sem muita força na porta. Saí da cabine
e ela me encarou como quem gostava do que via.

- Ficou lindo! Realmente, a sua cara. E a sua barriga fica até


disfarçada.

Olhei no espelho de novo, vendo que ela estava falando a


verdade. Eu não parecia uma gestante. 

- Mas se você quiser esconder a sua gravidez, acho melhor


desistir. - Ela adicionou, como se lesse meus pensamentos -
Tenho certeza que minha irmã vai fazer questão de falar pra
todo mundo daquela festa que você está esperando um filho
dela. Mas enfim, toma. Vai combinar com o look. 

Ela me estendeu uma meia-calça preta opaca, feita de um


tecido grosso. Taylor continuou me analisando com uma das
mãos no queixo, e eu me senti uma árvore de natal sendo
decorada. Quando pareceu finalmente ter uma idéia, se virou
e saiu dali sem me dar nenhuma satisfação, voltando um
minuto depois com uma encharpe preta na mão. Ela
finalmente enrolou o pano no meu pescoço com vários nós
extravagantes e sorriu. 

- Pronto. Está perfeita. 

Me olhei outra vez no espelho atrás de mim e fiquei satisfeita


com a minha aparência. Tentei me imaginar com a meia-calça
preta e um sapato baixo, e a visão 

definitivamente era agradável. 

- Nossa... Estou mesmo bonita...

- Vamos levar.

- Quanto é? - Perguntei.

Ela me olhou como se não entendesse do que se tratava a


pergunta.

- Quanto é o quê? - O vestido. 

Mais uma vez, Taylor pareceu um pouco perdida, como se


tivesse sido pega de surpresa. Como se simplesmente nunca
houvesse passado pela sua cabeça considerar o preço do que
ela estava decidida a comprar. 

- Não faço idéia. Mas ficou lindo em você, temos que levar. 

Encarei-a por algum tempo, pensando em como pessoas ricas


eram estranhas. Talvez porque elas pudessem se dar ao luxo
de serem despreocupadas com tudo, mas aquilo não deixava
de ser surreal. 

Fechei a porta e me troquei, saindo do provador de forma


decidida. - Temos que ver o preço. - Falei.

- Por quê?
- Porque o cartão de crédito que eu tenho é da Lauren. 

Ela me olhou como se eu estivesse falando coisas


completamente descabidas.

- Exatamente por ser dela você pode gastar quanto quiser.

- Certo... - Falei, ignorando sua lógica - Vamos ver quanto é,


ok? 

Perguntamos à mocinha que havia nos atendido e ela nos


informou o preço. Era, como eu imaginava, bastante alto.
Quando pedi à mulher para que nos desse licença e informei à
Taylor que não queria tanto assim o vestido, ela deu ataque
como uma criança desesperada, dizendo que não admitiria
que eu não usasse aquele vestido na festa do pai dela. 

Como ela parecia estar ficando realmente nervosa, achei


melhor não contrariá-la por causa da sua gravidez (e também
porque parecia querer me agredir). Comprei o vestido com o
cartão de crédito, decidindo pagar a Lauren depois, com o
pouco dinheiro que ainda me restava. 

Depois disso, Taylor pareceu feliz outra vez, entrando em


mais sete lojas e saindo de cada uma delas com duas sacolas
diferentes. Comecei a me preocupar com o peso que ela
carregava, me colocando à disposição para dividir as bolsas.
Lauren obviamente não saberia daquele detalhe. 

Lanchamos e tomamos sorvete. Ela tentou me convencer,


durante todo o tempo, que deveríamos visitar as lojas para
gestantes, já que meu guarda-roupas precisaria ser trocado
de qualquer jeito. Foi preciso muita perseverança para
convencê-la a deixar aquilo para algum outro dia, nem que
fosse o dia seguinte. Minhas costas já começavam a doer um
pouco do longo período passeado para lá e para cá. Quando
olhei no relógio, constatei que estávamos perto das 17h, e
disse a Taylor que talvez fosse melhor voltarmos, já que
talvez Clara estivesse precisando da nossa ajuda. Ela
concordou, dizendo que passaríamos em uma última loja e,
então, iríamos embora. 

A loja era exclusivamente de vestidos, de diversos modelos e


cores. Ao que parecia, a loja também se destacava por fazer
vestidos sob medida. Taylor se mostrou interessada em
alguns vestidos de características específicas, e quando
separou dos demais um verde-água de manga comprida, um
pouco folgado na área da barriga e comprido, ela me encarou
com um brilho estranho nos olhos. 

- Experimente.

Cruzei os braços no peito, em tom de reprovação. - Taylor! Já


tenho meu vestido pra festa!

- Eu sei! Mas, por favor, só experimente.

- Eu não vou levar!

- Tudo bem! Só quero ver como fica!

- Isso não faz sentido!

- Se você experimentar, nós vamos embora imediatamente.

Encarei-a, buscando algum traço de mentira naquilo. Minhas


costas realmente doíam agora. - Promete? - Perguntei, ainda
desconfiada.

- Prometo. 
Peguei a peça das mãos dela e caminhei mais uma vez para
os provadores, trocando as roupas e me enfiando dentro do
vestido. Me olhei no espelho de má vontade, mas nem isso foi
o suficiente para tirar a beleza dele. Eu parecia um tipo de
princesa medieval. As mangas finas se ajustavam
perfeitamente aos meus braços e a parte folgada disfarçava
completamente minha barriga um pouco crescida. Me
surpreendi ao notar que minha cintura, ainda assim,
continuava destacada. 

Taylor entrou na cabine sem pedir permissão e, ao me ver,


seus olhos brilharam ainda mais. - Mila...

- Eu sei. É lindo. Mas eu disse que não ia levar...

- Sim, sim... Mas esse vestido parece ter sido feito pra você...
Você está... Linda. 

Agradeci, olhando outra vez no espelho. Sim, eu estava


bonita. Mas, de qualquer forma, aquela não era uma roupa
que se vestiria em uma ocasião como um aniversário no
jardim, mesmo que o aniversário fosse chique ao nível dos
Jauregui's. 

- Por que não compra pra você? - Perguntei, orgulhosa da


minha repentina idéia. 

- Tenho certeza que não cairia tão bem. 

- Você pode experimentar. 

- Não, eu prometi que iríamos embora. - Ela falou, parecendo


pouco interessada na minha proposta - Qual é a sua altura? 

- 1,57 m, por quê?


- Curiosidade. - Ela respondeu de forma simples, e se virou
para me deixar trocar de roupa. 

Dois minutos depois, como prometido, saímos dali: Eu de


mãos vazias e Taylor com o cartão de contato da loja. 

*** 

Quando chegamos à casa dos Jauregui's, de taxi,


encontramos Lauren, Chris e Oliver arrumando e forrando
mesas e cadeiras pelo jardim na parte de trás da casa. Clara
olhava da soleira da porta eles trabalhando, com um ar
inconfundível de razão no rosto. 

Chris parecia um pouco irritado. 

- Ele errou quando disse que daria tempo de arrumar sozinho


as mesas e cadeiras. E ele odeia errar. - Taylor falou, também
reparando na expressão de desgosto do irmão - Mama quase
sempre está certa. E é isso que o deixa ainda mais puto. Sorri
com aquela cena. Quando Lauren nos viu ali, caminhando
com várias sacolas nas mãos, veio correndo até nós. 

- Taylor, você faz isso de propósito? - Ela perguntou, retirando


todas as bolsas das minhas mãos e das dela também. 

- São roupas, Lauren. Não pedras.

- Ainda assim, está pesado pra vocês! 

- Fale por si só. Não sou fresca como você, posso carregar
umas bolsas de vez em quando. - Taylor replicou, mas fez
cara de alívio quando teve as mãos livres.

- Comprou alguma coisa? - Ela perguntou, me dando um beijo


no rosto e sorrindo de maneira irritante, momentaneamente
esquecendo de brigar com Taylor. 
Não respondi, deixando-a de lado e indo ao encontro de Clara.
Isso só fez com que ela risse alto da minha cara, enquanto
caminhava atrás de mim. 

- Meus netos chegaram! - Clara falou toda feliz, dando um


beijo em Taylor e em mim quando alcançamos a porta da
casa, falando diretamente para a filha - Espero que nenhuma
dessas sacolas seja pro seu pai. 

Congelei. 

Eu tinha ido ao shopping no dia do aniversário de Mike. Como


demônios eu pude esquecer de comprar uma porra de um
presente pra ele? 

Olhei para Lauren meio desesperada, desejando


profundamente que ela me entendesse e que, ao mesmo
tempo, não me achasse uma imbecil. 

- Amor... Tudo bem? 

- Eu esqueci... - Comecei baixo, rezando para que só ela


ouvisse - Não acredito que esqueci... 

- Não precisava ter comprado nada - Ela respondeu afagando


meu ombro como consolo -, eu já comprei. "Mas eu não!",
pensei, ainda puta comigo mesma pela gafe, mas um pouco
mais aliviada por saber que pelo menos ela tinha algo para
dar .

- Ei, Lauren! Chris gritou de longe - Não é querendo me


aproveitar da sua boa vontade em me ajudar, mas será que
você podia deixar pra fofocar com as meninas depois? 
Ela suspirou ao meu lado, entregando as bolsas para Clara e
murmurando algo como "sempre sobra pra mim e pro
Oliver...". 

Taylor me agradeceu pela companhia aquela tarde e pediu


licença para subir e se arrumar para a festa. Quis fazer o
mesmo, mas, Lauren ainda estava desempilhando mesas e
cadeiras junto com o irmão e o cunhado, espalhando-as pelo
jardim. Me sentei nos degraus da escada e fiquei observando-
os trabalharem, esperando, sem pressa, pela hora em que
poderíamos ir para casa também. 

***

Depois de um bom banho quente tomado, o "conjunto-Taylor"


vestido (a encharpe com um nó um pouco menos
extravagante e uma sapatilha preta básica e baixa), uma
maquiagem leve e clara, e uma massagem divina feita por
Lauren (o que melhorou consideravelmente minhas dores nas
costas), saímos de casa rumo à festa. Chegamos lá por volta
das 19h. 

O lugar estava iluminado por vários pontos de luz espalhados


pelo jardim gigante da parte de trás da casa. Alguns postes
mais altos brilhavam em uma cor branca, outros, mas
próximos às plantas, em um tom verde vivo. O cheiro de
jasmim estava impregnado no ar, e pela primeira vez notei
que, à minha volta, um mar de Camélias coloridas se
espalhava por entre as mesas, os garçons e os poucos
convidados já presentes. 

Fiquei algum tempo ali, de pé, encarando o lugar. Lauren me


olhou um pouco preocupada, me perguntando se eu estava
me sentindo bem, instantaneamente levando sua mão até a
minha barriga. 

- Estou ótima. - Respondi, respirando profundamente todos os


perfumes daquela noite. Segurei a mão dela e me agarrei ao
seu braço, só porque queria senti-la mais perto de mim, e
caminhei com ela em direção às mesas. Vimos Mike e fomos
falar com ele. Lauren deu um grande abraço-de-urso no pai e
me deu espaço para cumprimentá-lo logo em seguida. 

- Ei, hoje é meu aniversário... Que tal chutar a mão do vovô? -


Ele começou, com uma mão na minha barriga, falando
diretamente com ela. Quando nada aconteceu, ele continuou:
- Não? Tudo bem. 

- Boa tentativa, papai. - Lo falou em um tom de vitória - Mas a


exclusividade ainda é minha. 

Clara se juntou a nós, perguntando se eu queria comer


alguma coisa. Uma banda com mais ou menos seis músicos
tocava um jazz bem calmo em um canto. Mike levou Lauren
aos poucos convidados presentes, apresentando-a como a
mais nova Jauregui a trabalhar na matriz da empresa. Lauren,
por sua vez, me levou junto, me apresentando como sua
namorada-e-mãe-da-sua-filha. 

Avistamos Taylor, Oliver e Chris sentados em uma das mesas


mais ao canto. Quando todas as pessoas ali já tinham nos sido
apresentadas e novas pessoas chegavam, deixamos que Mike
e Clara recebessem os convidados à vontade e fomos nos
juntar aos irmãos de Lauren. 
- Por que estão em um canto? - Ela perguntou, puxando uma
cadeira para que eu sentasse e se sentando ao meu lado logo
em seguida. 

- Porque Taylor pretende comer a festa inteira, mas a festa


inteira não cabe dentro dela. Então esse arbusto aqui vai
acabar todo vomitado sem que ninguém precise ver isso. - 

Chris falou calmamente, bebendo uma cerveja. 

Ela sorriu de forma tranquila, nos olhando como quem diz


"exatamente."

Um garçom passou servindo doses de Whisky, e Lauren


aceitou, pedindo que trouxessem um copo de suco para mim.
Algumas refeições também estavam sendo servidas, e
enquanto Taylor aceitava todas para si, Lauren aceitava todas
para mim. Pedi a ela para que parasse, lembrando-a de que
eu não conseguiria comer aquilo tudo. 

- Oliver, tem brasileiros na sua família? - Taylor perguntou de


repente, e aquilo foi tão aleatório que eu tive que prestar
atenção. 

- Não... Por quê? 

- Porque essa criança não para de sambar na porra da minha


barriga! 1

- Posso sentir? - Perguntei. 

- Claro. 

Encostei as mãos ali e senti os chutes violentos lá dentro. Me


surpreendi com a intensidade dos movimentos. 
- Ele deve estar é puto com essa música chata. - Chris se
meteu, gritando para cima, como se os músicos do outro lado
do jardim pudessem ouvi-lo - Toca Iron Maiden! 

A verdade era que aquela não era uma festa com o intuito
baderneiro que Chris queria. Ninguém ia encher a cara e
vomitar no sofá, ninguém ia pular pelado no chafariz, e
ninguém ia dançar loucamente na pista de dança. Aquela
festa era para pessoas sérias demais, donos de negócios e
empresários comportados. Até mesmo Mike e Clara eram
mais jovens que a esmagadora maioria dos convidados ali
presentes, e pessoas da minha idade eram praticamente
inexistentes. 

- O jeito é beber. - Lauren concluiu, se servindo de mais uma


dose de Whisky. 

Passamos quase toda a noite daquela forma. Taylor comia


tudo que lhe ofereciam, e eu estava vendo a hora que ela
explodiria caso realmente não vomitasse no arbusto mais
próximo. Chris bebia cerveja e contava piadas, mesmo que
ninguém entendesse a maioria delas. As piadas de Oliver
exigiam menos da nossa inteligência, e então conseguíamos
rir. Lauren passava alguns minutos longe de mim,
conversando com pessoas que ela "devia conhecer." Mas
quando voltava para o meu lado, alternava suas ações entre
mexer no meu cabelo, espalmar a mão na minha barriga (se
certificando de que não perderia mais nenhum chute), beijar
minha orelha e ficar me olhando para ter certeza de que eu
não estava entediada, e que a noite estava sendo agradável
para mim. 
Comecei a notar as várias doses de Whisky que ela bebia.
Àquela altura, já havia sido 

muitas. Eu tinha perdido a conta, e certamente, ela também. 

- Ei... Não quer pegar leve? - Falei em seu ouvido, enquanto


Chris e Oliver conversavam sobre qualquer coisa e Taylor
falava com uma mulher em outra mesa. 

- Com o quê? - Ela respondeu com a voz já arrastada, os olhos


totalmente embaçados e molhados.

- Você já bebeu muito.

- Você não gosta quando eu bebo?

- Não tenho nada contra. Mas não vou conseguir te segurar


caso tenha que te carregar escada acima.

- Eu peço pro Chris me carregar...

- Acho que ele está começando a ficar tão bêbado quanto


você. 

Ela continuou me olhando com seus olhos desfocados. Depois


de algum tempo sem se mexer, passou um dos braços por
trás das minhas costas e se virou completamente para mim,
ignorando o assunto que mantínhamos. 

- Eu amo você. - Ela falou, muito próximo ao meu rosto. Tão


próxima que consegui emanar o cheiro de creme da pele dela,
ignorando completamente o cheiro de álcool em seu hálito.
Ela estava bêbada, mas aquelas palavras nunca perdiam o
valor quando saíam da boca dela, fosse qual fosse a ocasião. 

- Eu também te amo. - Falei, ainda mais perto do seu rosto. 

- Vai ficar comigo pra sempre? 


Fiz que sim com a cabeça, dando um selinho no canto da sua
boca. 

- Promete? - Ela insistiu, fechando os olhos e encostando sua


testa na minha, e por um momento tive a impressão de que
ela estava um pouco emocionada. Tive vontade de agarrá-la.
Ter Lauren alcoolizada, carente, emocionada e se declarando
na minha frente era mais do que eu podia lidar. 

- Prometo. - Dei um outro selinho nela, desejando


intimamente que não estivéssemos cercados de pessoas. 

Ela prendeu seus lábios nos meus com um pouco de força e


aprofundou o beijo, se esquecendo de onde estávamos. Eu
ainda lembrava, mas resolvi aproveitar aquele 

momento, torcendo para que ninguém estivesse prestando


atenção em nós. 

- Parem com isso! Estou ficando constrangido com essa


putaria! 

- Chris, é sério... Vai à merda... - Lauren falou na sua voz


arrastada de bêbada, esfregando o rosto no meu pescoço
como se fosse um gato, e pela primeira vez também o mandei
ir à merda mentalmente. 

- Ei, Lauren. 

Olhei para cima e vi um rapaz que aparentava ter


aproximadamente a mesma idade que as pessoas da nossa
mesa. Eu nunca havia o visto, mas ele parecia me encarar
com curiosidade, embora não tivesse me dirigido a palavra.
Lauren demorou um pouco para descobrir de onde a voz
vinha, e quando se deu conta de quem estava de pé ao lado
dela, se levantou e apertou a mão do rapaz, falando em um
tom um pouco formal: 

- Oi, Jonathan.

- Como estão as coisas? - O outro falou, parando de me


encarar. 

- Ótimas. - Ela respondeu, me oferecendo a mão para que eu


levantasse. Quando levantei, ela continuou - Camz, esse é
Jonathan, um amigo. Jonathan, Camila. Minha namorada... 

- É um prazer conhecê-la. - Ele respondeu, apertando de leve


minha mão. 

- Igualmente. - Respondi, de forma agradável. 

- ...e mãe da minha filha que nasce daqui a aproximadamente


4 meses. - Lauren adicionou, como se estivesse esperando
que as apresentações terminassem para soltar aquilo. 

O rapaz arregalou os olhos e sorriu.

- Sério? - Ele falou, olhando para a minha barriga - Meus


parabéns...

- Obrigada... - Falei, sorrindo. Mas o sorriso dele vacilou.

- Lo, posso dar uma palavrinha com você?

- Ok. - Lauren respondeu, me abraçando e me dando um beijo


fofo - Já volto, amor.

Os dois saíram da mesa, caminhando para longe, Jonathan


sóbrio e  Lauren ziguezagueando levemente. Eu não sabia
quem era aquele homem, mas tive a impressão que o que
quer que fosse a "palavrinha" que ele queria dar com a minha
namorada, não era boa. 1
- Oliver, vou ao banheiro. - Anunciei para a pessoa menos
bêbada naquela mesa e me retirei, indo atrás dos dois. Como
o lugar estava agora bastante cheio, imaginei que não seria
fácil encontrá-los, mas o ponto positivo era que ninguém
estava prestando atenção em mim. Minha caça poderia ser
feita sem levantar suspeitas. 

Dei a volta na casa procurando por vozes conhecidas, e


milagrosamente encontrei. A voz arrastada saiu de trás de
uma pilastra, em um lugar silencioso, afastado da festa. Só
havia os dois lá. 

O que ouvi não foi muito, mas foi o suficiente para me atingir. 

- ...só estou aqui pra dar o recado: Ela está sozinha de novo...
Acho que não deu certo com o outro cara. De qualquer forma,
ela veio passar algumas semanas em Londres, e depois volta
pro Texas. Eu disse que vinha pra festa do Mike e ela
imaginou que você estaria aqui. Ela me pediu pra te dizer que
está muito arrependida, e que vocês podiam voltar juntas
pros Estados Unidos. Disse que estava com saudades e não
sei mais o quê. 1

Lauren não respondeu nada por um longo tempo. O outro


continuou. 

- Ainda acho que ela não merece o seu perdão, mas Beatrice
continua sendo minha prima. E eu disse que falaria com você,
mas vi que você está bem agora. De qualquer forma, o recado
está dado. 1

Meu peito começou a doer. E aquilo, decididamente, não era


bom para a gravidez. Fiz força para manter minha respiração
silenciosa, embora o que eu realmente quisesse fosse gritar.+
***

Capítulo 21

Pov Lauren1

- Ok, Jon. - Lauren respondeu suspirando, e eu desejei


profundamente poder ver sua verdadeira reação naquele
momento - Faça o favor de dar o meu recado à sua prima:
Peça pra ela esquecer que eu existo...

Um casal se aproximou e eu me assustei. Não queria que


ninguém me visse ali, atrás de uma parede, ouvindo
conversas alheias. Corri para o outro lado, tentando não fazer
barulho, e virei à esquerda, deixando-os sozinhos novamente.
Os sons da festa me atingiram de novo. Todos pareciam
animados com as músicas que tocavam, e os garçons
continuavam correndo para lá e para cá com bebidas e
refeições. Mas o que eu realmente ouvia era um enorme
zumbido, cru e desagradável, cobrindo e impedindo que toda
aquela alegria me atingisse.

Caminhei mecanicamente para a mesa e me sentei. Agarrei o


primeiro copo d'água que achei em uma bandeja e agradeci
ao garçom só por educação, bebendo grandes goles de uma
vez.

Puta que pariu.


Beatrice.

Aquela infeliz, filha da puta, tinha que voltar e me atormentar.


Tinha que estragar a minha felicidade. Tinha que querer
Lauren de volta.1

Ela queria Lauren de volta. Eu estava oficialmente passando


mal.

- Ei, Mila! O que foi? - Oliver veio sentar do meu lado,


realmente sério.

- Nada. - Falei me abanando com um guardanapo.

- Sua boca está completamente sem cor! O que foi?

- Nada!

- Chris, chega aqui! - Ele gritou para o cunhado, que apareceu


magicamente ao meu outro lado.

- O que você tem? - Ele perguntou, pegando de um dos


garçons algo que parecia uma porção de penne aos quatro
queijos e me oferecendo.

- Por favor, parem com isso... - Consegui falar, sentindo minha


cabeça ferver e minhas mãos suarem - Vocês estão
chamando atenção...

- Ok, então come isso. Sua pressão não está boa.

Com o único intuito de afastá-los, peguei o garfo tentando não


tremer e enfiei um bolo de penne dentro da boca. Poderia ser
isopor, e eu não saberia dizer a diferença.

Eles encostaram nas cadeiras, fingindo naturalidade mas


ainda olhando discretamente para mim. Para minha surpresa,
o mal estar que eu sentia foi melhorando aos poucos, e talvez
fosse mesmo de um pouco de sal que eu estivesse
precisando.

Respirei fundo algumas vezes, pensando em tudo que


pudesse ajudar a me acalmar.

Primeiro, Lauren tinha dito para Beatrice esquecê-la. Eu tinha


ouvido perfeitamente aquelas palavras, mesmo que tivesse
que sair correndo depois.

Segundo, há alguns minutos atrás ela estava se declarando


para mim e me pedindo para ficar com ela para sempre.

Terceiro, ela não me deixaria para ficar com outra: Eu


carregava a filha dela, e pelo que me lembrava, ela era
completamente apaixonada por ela.

Fui me acalmando aos poucos, até conseguir diminuir


consideravelmente meus tremores. Escondi as mãos embaixo
da mesa, fechando os olhos e tentando não lembrar do
diálogo que havia acabado de presenciar. Chris e Oliver
continuavam do meu lado, agora mais calmos por se darem
conta de que aquilo havia sido "apenas" uma queda de
pressão. Agradeci por Taylor não estar ali. Do jeito que ela
era, seria capaz de notar que havia algo de muito errado
comigo.

Eu estava suando, embora o tempo estivesse até bastante


fresco. Olhei em volta, me perguntando onde Lauren estava
que ainda não tinha voltado. Talvez tivesse ficado mais tempo
conversando com aquele homem... E talvez tivesse mudado
de idéia, ou marcado um encontro com Beatrice, nem que
fosse para conversarem.
Engoli o choro que veio na garganta e esperei. Fui pega de
surpresa quando ela chegou repentinamente, fazendo com
que Oliver se levantasse e sentando de qualquer jeito onde
ele estava, ao meu lado. Ela pegou a dose de Whisky que
havia deixado sobre a mesa antes de sair para conversar e
tomou-a de um só gole, já pegando outra dose de um dos
garçons. Encarei-a, querendo interrogá-la, mas não podia.

- O que ele queria? - Perguntei baixo, fingindo naturalidade,


mas minha voz saiu ridiculamente trêmula. Felizmente,
Lauren estava bêbada demais para notar isso.

- Encher o meu saco. - Ela disse passando outra vez o braço


esquerdo por trás das minhas costas e afagando meu ombro.

- Como assim? - Insisti tentando lidar com as batidas do meu


coração, tão pesadas que pareciam socos.

- Nada importante, amor. - Ela disse, me dando um beijo leve


no canto dos lábios.

- Lauren... Me diz, por favor.

Ela me encarou e eu sorri falsamente, engolindo em seco e


lutando contra as lágrimas. Agarrei inconscientemente o pano
de seu vestido, com tanta força que meus dedos doeram.

- Você está bem? - Ela perguntou, secando o suor do meu


pescoço com uma das mãos.

- Estou... Não vai me falar?

- Te falo depois. Tudo bem?

Encarei-a por algum tempo, imaginando se ela realmente me


contaria tudo que foi dito naquela conversa.
- Promete?

- Prometo.

- Lo... - Chris nos interrompeu, sério - Eu não sou exagerado


como você, mas a Mila passou um pouco mal há alguns
minutos atrás...

Lauren me encarou como se eu estivesse em chamas. Desejei


que Chris não estivesse bêbado a ponto de soltar aquela
informação desnecessária.

- O que você tem? - Ela perguntou desesperada, largando o


copo de Whisky em cima da mesa e colocando as mãos na
minha barriga.

- Minha pressão caiu, foi só isso...

Ela levou as mãos à cabeça, apertando com os dedos os fios


do próprio cabelo. Aquela era Lauren bêbada e desesperada,
e eu poderia até achar graça caso não estivesse ainda
abalada pelo que havia acontecido.

- Vem, amor... Vamos pra casa... - Ela se levantou,


cambaleando.

- Ela já está bem, Lauren! Deixa de ser idiota! - Chris


começou, mas Lauren respondeu em uma voz tão alta e de
uma forma tão ríspida que me assustei.

- Me deixa com a porra da minha preocupação! Parem de


encher a merda do meu saco, todos vocês! - E virando-se
para mim, suavizou a expressão de raiva - Vem... Eu te ajudo.

Chris fez menção em responder, mas o calei com um gesto.


- Está tudo bem. Eu prefiro ir. - Falei já me levantando. Era
verdade: Eu não estava com vontade nenhuma de ficar. Não
mais. Queria ir pra casa, nem que isso significasse conversar
com Lauren e acabar chorando pelo resto da noite.

Fomos até Mike, que conversava animadamente com alguns


amigos, e nos despedimos, dando a entender que eu não
estava passando muito bem. Pedi desculpas por não ficarmos
até o final e desejei outra vez felicidades a ele. Taylor veio até
nós, notando o estado em que Lauren se encontrava e
oferecendo Oliver para caminhar conosco pelos dois
quarteirões. Lauren disse que não precisava, já que
pegaríamos um taxi.

Quando chegamos ao nosso jardim, desejei que ela não


tivesse recusado a companhia do cunhado. Ela não estava me
usando como apoio, e por isso mesmo tropeçava a cada três
passos em alguma coisa. As luzes estavam apagadas porque
havíamos esquecido de deixá-las acesas ao sairmos, e
caminhar por ali àquela hora era realmente difícil até para
uma pessoa sóbria. Para uma bêbada, devia ser impossível.

- Vou acender as luzes... Não se mexa... Não caia...

Ela soltou minha mão e sumiu no escuro. Rezei para que ela
não desse com os dentes em alguma pedra e acabasse tendo
que ir parar em um hospital. Antes de tudo ficar em silêncio
outra vez, ouvi alguns palavrões proferidos com ódio. Era
possível que ela tivesse chutado alguns tocos de madeira ou
escorregado.

As luzes se acenderam e outra vez me encontrei no meio do


jardim encantado. Lauren voltou para a frente da casa, se
apoiando pelas paredes e, ao mesmo tempo, tentando
parecer equilibrada.

Entramos na casa e eu fiz menção de subir as escadas, mas


Lauren segurou minha mão.

- Podemos conversar um minuto na sala de estar?

Meu coração acelerou. Minha cabeça pegou fogo outra vez, e


um enjôo súbito me tomou. Mas não deixei transparecer nada
daquilo. Eu queria parecer forte, pelo menos até o momento
em que ela falasse algo sobre a história de Beatrice que me
fizesse cair no choro em desespero.

Não respondi, caminhando para a sala de estar ciente de que


aquela conversa seria desagradável de alguma maneira.
Quando chegamos, ela me fez sentar no enorme sofá, mas se
manteve de pé.

- Você está bem? - Ela começou.

- Estou. - Menti. Eu não estava bem, e a cada segundo que


Lauren adiava aquela conversa eu me sentia mais ansiosa e
enjoada.

- Suas mãos estão geladas.

- Não se preocupe. - Falei querendo chegar ao assunto logo.

Ela me ignorou, soltando minhas mãos e saindo da sala.


Permaneci ali sentada por algum tempo, esperando-a voltar e
remoendo minha ansiedade. Tudo que eu queria era que ela
me dissesse a verdade. Se Lauren mentisse sobre o assunto
que teve com o tal Jonathan, eu teria que confessar o que
ouvi e pedir uma explicação a ela. E eu queria que ela me
contasse o que exatamente ela respondeu depois que eu fui
embora. E eu queria que ela me dissesse que estava pouco se
fodendo para quem quer que fosse, e que ainda me amava, e
que nada poderia abalar o que sentia por mim. Nem mesmo a
volta de uma antiga paixão à vida dela.

Um barulho alto me trouxe de volta, me assustando e me


fazendo levantar imediatamente. Antes que eu pudesse correr
para o corredor, ouvi-a gritar de algum lugar:

- Estou bem! Por favor, fique aí!

O que diabos tinha acontecido? O que diabos ela estava


fazendo?

- Se você não voltar em trinta segundos, eu vou aí te buscar! -


Gritei, tentando não ficar ainda mais nervosa. Segundos
depois, ela entrou outra vez na sala, ainda se apoiando na
porta. Trazia um copo com suco em uma das mãos, e na outra
um guardanapo de papel quase totalmente manchado de
vermelho. Olhei para seu rosto e vi sangue espalhado.

- QUE PORRA...

- Calma! Eu só caí na cozinha... Bati com o nariz, mas estou


bem... - Ela começou se ajoelhando no chão com a bolsa que
ela tinha levado pra festa na minha frente e me oferecendo o
copo - Só queria pegar alguma coisa pra você beber, mas
aquela merda escorrega...

Subitamente, comecei a chorar. Meus nervos estavam à flor


da pele naquele momento, tanto pela ansiedade do assunto
que viria como pelo medo de Lauren ter quebrado algum osso
do corpo e não ter notado por estar tão bêbada. Minha
gravidez se encarregou de juntar tudo e me fazer explodir em
lágrimas e soluços.
- Desculpa! Desculpa te deixar tão nervosa! - Ela falou, agora
realmente desesperada.

Limpei o rosto rapidamente, tomando da mão dela o copo e


depositando-o na mesinha ao lado do sofá.

- Fala logo, pelo amor de Deus.

Ela hesitou, ainda todo ensanguentada, engasgando sozinha


em seu próprio desespero.

- Não era pra ser assim! - Ela começou, quase chorando - Isso
tinha que ser perfeito! Mas está dando tudo errado! Chris está
certo, eu sou uma covarde... Eu preciso aprender a fazer isso
sóbria... Me desculpa por estragar essa noite, mas eu te disse
que você saberia depois da festa...

Encarei-a um pouco confusa. Aquele não era o assunto que eu


estava esperando. Na verdade, eu não fazia a menor idéia do
que ela estava falando, mas mesmo assim, prestei muita
atenção no que ela tinha para dizer. O que quer que fosse,
para deixá-la naquele estado, só poderia ser algo realmente
importante.

E então, ela tirou de sua bolsa uma caixa preta pequena e


quadrada. O objeto quase escorregou de suas mãos, e foi só
então que notei o quanto ela tremia. Lauren agarrou com
firmeza a caixinha e a abriu, revelando um anel dourado
razoavelmente grosso e muito brilhante.

- Você é a pessoa mais importante da minha vida. E eu sei


que poderia continuar com essa verdade da forma como
estamos, mas eu quero oficializar isso. Quero poder te
apresentar às pessoas como minha mulher. Quero formar
uma família com você nos padrões da sociedade, e mesmo
que isso não seja essencial, mesmo que você não ache
importante e talvez não queira, eu sonho com o dia em que
vou poder ouvir alguém te chamar de Sra. Jauregui. É bobo,
eu sei, mas eu sou assim. Mais uma vez, desculpa não ter
coragem de fazer isso direito. Desculpa não conseguir pedir a
sua mão estando sóbria. E desculpa estragar tudo. Mas se a
sua resposta não for a que eu quero ouvir, ao menos vai ser
mais fácil aguentar se eu estiver dessa forma. Se você negar,
eu não me importo. Vou continuar te amando, vou continuar
do seu lado e vou continuar me comprometendo a fazer você
feliz pelo resto da vida. Mas se você quiser me fazer a mulher
mais feliz do mundo, por favor, diga que sim: Aceita se casar
comigo... Daqui a uma semana?

Tudo que eu estivera pensando antes daquele momento -


qualquer medo, qualquer angústia, qualquer merda - tinha
sido completamente esquecido. A dor no meu peito foi
diminuindo rapidamente, até deixar de existir. Era como ter
recebido uma dose de morfina que gradativamente fazia
efeito. Continuei na mesma posição, sem mover um único
músculo, respirando como se aquilo precisasse de
concentração. Estava quase silencioso: A respiração dela
estava alta demais para não ser ouvida.

Ela continuava de joelhos à minha frente, segurando


debilmente a caixa com a aliança encaixada ali. O álcool a
fazia bambear um pouco para os lados e piscar de maneira
lenta, mas ela ainda me encarava com um certo medo no
olhar. Não sei por que fiquei em silêncio tanto tempo. Talvez
porque não conseguisse falar. Talvez porque não visse
necessidade em responder.
Ela sentou em seus calcanhares, parecendo desapontada
enquanto se apoiava nas minhas pernas.

- Você pode pensar a respeito... - Ela começou, e o som triste


da sua voz me fez piscar depois de muito tempo. Eu poderia
pensar a respeito, mas o fato era que não havia um único
motivo para que eu devesse pensar. A proposta era muito
simples: Eu poderia casar com a mulher que amava feito uma
louca, formar uma família com ela, viver o resto da vida ao
seu lado e ser feliz para sempre. Ou, poderia dizer "não". Não
era uma decisão muito difícil.

- Pensar a respeito? - Perguntei de maneira simples, em uma


voz fraca - Lauren... Você realmente... REALMENTE acha que
eu tenho alguma outra resposta além de "sim"?

Ela pareceu se iluminar, fazendo uma cara de surpresa tão


inocente e verdadeira que era difícil acreditar no fato de que
sim, ela duvidava da minha resposta.

- Isso foi um sim?- Sua voz saiu um pouco trêmula, mostrando


uma incerteza incrivelmente idiota.

- Óbvio. Isso foi um óbvio. - Respondi no mesmo tom baixo e


neutro, com medo de acabar em prantos caso adotasse uma
outra postura.

Ela deu o maior sorriso que eu já havia visto, me fazendo


esquecer da sua insegurança, do teor alcoólico em seu
sangue ou do seu nariz quebrado. Tudo que ela fez foi dar
aquele sorriso, e meu coração simplesmente parou de bater
por um momento. Em uma fração de segundos, tive uma
vontade impulsiva de gritar tão alto que estranhei não tê-lo
feito. Mas meu corpo, incluindo minhas cordas vocais, ainda
estava anestesiado. Lauren segurou suavemente minha mão
esquerda, trazendo-a mais para perto de si. Ainda sorrindo
abobalhada, ela retirou com delicadeza a antiga aliança que
eu mantinha no anelar há tanto tempo, e com a outra mão,
encaixou ali a aliança de noivado. Encarei-a, tentando
controlar a vontade de simplesmente me jogar em cima dela
e chorar feito uma pamonha. Ela beijou demoradamente
minha mão, e quando se afastou, deixou um rastro de sangue
nela.

- Merda! - Lauren falou, tentando limpar a sujeira com a outra


mão. Sem pensar, puxei de qualquer jeito a echarpe que
ainda estava no meu pescoço e, com cuidado, limpei o rosto
dela. Inclinei sua cabeça para trás, tentando fazer com que o
sangue parasse de escorrer. Ela não disse nada, mas me
encarava como uma criança obediente e sonolenta. Ela
parecia indefesa, e vê-la daquela forma me deixou tão
apaixonada que quando a vontade de tomá-la nos meus
braços veio, não hesitei.

Me aproximei dela e, segurando seu rosto, beijei-a


carinhosamente nos lábios. Era como se o amor que eu sentia
não coubesse dentro de mim e transbordasse. Os resquícios
de sangue deixavam um gosto salgado nos lábios dela, mas
ignorei. Aprofundei o beijo, forçando minha língua contra a
dela. Joguei a echarpe suja de sangue em qualquer lugar e
prendi meus dedos em seus cabelos, deslizando para baixo e
indo parar no colo dela, no chão. Fui levantando seu vestido
aos poucos, sem pressa, em uma velocidade que sua mente
alcoolizada pudesse acompanhar.
Lauren gemeu contra a minha boca, tateando as cegas o zíper
de seu vestido ainda fechado mas não conseguindo abri-lo,
tamanha era sua embriaguez.

- Deixa comigo. - Murmurei na orelha dela, abri o zíper e


terminei de tirar seu vestido. Ela gemeu outra vez, dando
uma volta completa com seus braços no meu tronco. Seu
corpo e sua cabeça balançavam tanto que tive medo que ela
caísse, mesmo já sentada no chão. Me perguntei o que
daquela noite seria lembrado no dia seguinte. Voltei a beijá-
la, forçando mais meu corpo contra seus quadris. Ela mordeu
meu lábio inferior com um pouco de força, me fazendo sentir
uma leve dor, a qual resolvi ignorar. Abri os botões do salto
dela e fiz um certo malabarismo para puxá-los de seus pés
junto com a cueca.

- Deite. - Falei perto do seu rosto para que ela entendesse.


Lauren se deixou cair no tapete fofo com um pouco de força,
e eu sabia que aquilo teria machucado caso ela estivesse
sóbria. Levantei apenas para tirar meus sapatos e todas as
peças de roupa por baixo do meu vestido. Quando voltei a
sentar perto dos seus quadris, notei que não seria necessário
nenhum estímulo extra: Ela já estava bastante excitada,
embora parecesse sonolenta.

Suas mãos apertaram minha cintura com vontade. Ela parecia


uma criança impaciente, um pouco desesperada, me puxando
cada vez mais contra si. Quando finalmente sentei em seu
pau, Lauren soltou um gemido tão alto que talvez pudesse ser
ouvido do lado de fora da casa. Tapei sua boca com uma das
mãos, e ela me olhou como se estivesse arrependida,
respirando com dificuldade. Quando finalmente achei que ela
se comportaria, afastei minha mão e me movimentei devagar,
fazendo-a se acostumar aos poucos com o nosso encaixe. Ela
gemeu outra vez, dessa vez baixo, tentando se levantar e
ficar sentada, mas muito bêbada para achar um ponto de
apoio. Depois de não se decidir entre manter suas mãos nos
meus quadris ou continuar procurando com elas algum lugar
em que pudesse ajudá-la a se levantar, Lauren finalmente
encontrou o sofá, fazendo força suficiente contra ela para
conseguir se sentar no chão. Quando o fez, seu corpo oscilou
outra vez, e outra vez tive medo de que ela caísse. Ela não
parecia notar seu próprio estado, envolvendo seus braços na
minha cintura e hora me beijando, hora sussurrando coisas
incompreensíveis contra a minha boca. Suas mãos apertavam
as laterais do meu corpo com força, reforçando os
movimentos que seu pau fazia dentro de mim.

Ela oscilou mais uma vez, e antes que acabássemos as duas


machucadas, mandei-a apoiar as costas no sofá.

Ela sorriu distraidamente com o tom exigente na minha voz,


virando nós duas para fazer o que eu havia dito. Quando sua
cabeça caiu pesadamente sobre o assento do sofá, deixando-
a segura, agarrei seus cabelos com força e beijei-a
furiosamente, sentindo o leve gosto de Whisky em sua língua
e até gostando de senti-lo. Ela retribuiu ao meu desespero de
forma igualmente efusiva, passeando suas mãos por todo o
meu corpo, por cima do vestido. Seus dedos puxaram o tecido
em várias direções diferentes, e imaginei que ela me quisesse
sem aquilo. Tirei-o de uma só vez e voltei a me agarrar nela.
Lauren pareceu acordar do transe ao sentir minha pele contra
seus seios, e no segundo seguinte senti suas mãos me
agarrarem com força, me puxando contra seu corpo cada vez
que ela investia contra mim. Sua boca foi parar no meu
pescoço, mordiscando de leve a pele ali.

Ameacei-a em um tom de voz sensual, dizendo que se ela


deixasse alguma marca ali, se arrependeria amargamente do
descuido. Ela sorriu outra vez, ofegando com tanta força que,
por um momento, pensei ser falta de ar.

- Você está vermelha... - Falei, começando a sentir frio pela


camada fina de suor que unia nossos corpos. 

- Estou... Tentando...

Ela estava tentando não ter um orgasmo, e eu sabia disso.


Mas era simplesmente muito difícil não provocá-la.

- Goza em mim, Lauren. - Falei contra a sua boca, com a voz


baixa mais ninfomaníaca que conseguia fazer.

- Ah, não faz isso... - Ela começou me agarrando com ainda


mais força enquanto fazia cara de choro. Lauren sempre se
policiava para chegar ao clímax depois de mim, e eu não
sabia se aquilo era cavalheirismo ou algum tipo de fetiche.
Mas quando se está bêbada, tudo se torna muito mais difícil
de controlar.

- Goza dentro de mim.- Repeti, olhando-a nos olhos como uma


maníaca - Eu quero sentir o calor da sua porra.

Lauren começou a tremer com força, e como se fosse


possível, ficou ainda mais vermelha. As veias das suas
têmporas tornaram-se grossas e evidentes, e eu esperava
sinceramente que ela explodisse só de prazer.

Quando sua boca voltou para o meu pescoço, senti-a tentar


abafar o grito contra a minha pele, me apertando com tanta
força pela cintura que cheguei a sentir dor. Suas mãos foram
afrouxando aos poucos depois de alguns segundos, voltando
à delicadeza com que ela costumava me tocar.

E daquele jeito Lauren ficou. Eu só tinha certeza de que ela


ainda estava viva por causa da sua respiração. Puxei seus
cabelos para trás e deixei que sua cabeça caísse no sofá. Ela
murmurou alguma coisa, ainda de olhos fechados, e tudo que
consegui fazer foi rir.

Até patética ela era linda.

Parei de encará-la feito uma imbecil e me levantei de seu


colo, indo rapidamente ao banheiro da área de serviço para
me limpar. Na volta, encontrei-a dormindo como uma criança,
exatamente na mesma posição em que a havia deixado.

Com algum malabarismo, consegui fazê-la deitar outra vez no


tapete e tirar a manta que cobria o sofá para cobrir a nós
duas. Estava fora de cogitação tentar carregá-la para o
quarto, porque acabaríamos as duas rolando escada abaixo.
Peguei alguns travesseiros da poltrona mais próxima e me
deitei junto a ela, encarando meu anelar e lembrando do quão
rápido aquela noite passou de um pesadelo para um sonho.

Eu ainda falaria com ela sobre a conversa que ouvi na festa


de Mike. Mas, por hora, me permiti saborear o momento, me
agarrando em seu pescoço embaixo da manta e suspirando
um pouco aliviada.

Eu seria esposa dela. Oficialmente. E aquele pensamento não


parava de piscar dentro da minha cabeça. Naquela noite,
demorei um pouco para dormir.

***
Era estranho como meu corpo não sentia a falta de descanso.
Eu não tinha dormido bem, já que a noite havia sido recheada
de pensamentos sobre o meu casamento e o quão irreal
aquilo parecia ser. Por isso, era de se esperar que eu
acordasse tarde - no mínimo, depois de Lauren. Mas lá estava
eu, com os olhos arregalados às 6:15h da manhã, encarando
sua expressão tranquila e hipnotizada pelo movimento do seu
peito de inspirar e expirar.

O tapete embaixo de nós duas era tão fofo e confortável que


eu poderia passar horas naquela mesma posição, fazendo
exatamente aquilo. Entretanto, eu tinha um plano. E era
preciso pô-lo em prática. Por isso, me levantei de uma vez e
procurei durante algum tempo pela caixinha e pela minha
aliança antiga. Achei-os jogados de qualquer maneira em um
canto do tapete e os peguei, caminhando devagar para fora,
tentando não acordar Lauren. Subi e tomei um banho quente,
me vestindo com uma roupa casual e voltando para o andar
de baixo. Tirei a nova aliança do dedo e a depositei outra vez
dentro da caixinha, deixando-a em cima da mesa do escritório
e vestindo o anel antigo. Rumei para a cozinha e preparei
qualquer coisa de café da manhã. Depois esperei, um tanto
animada comigo mesma, imaginando como meu plano se
sairia. Quando ouvi seus passos pesados subindo as escadas,
comecei a me preparar. Talvez aquilo fosse ser difícil para ela.
Mas Lauren tinha que entender. Precisava ser feito.

Algum tempo depois, quando os mesmos passos pesados


desceram as escadas e foram direto para a sala de estar
outra vez, esperei um minuto e fui de encontro a ela. Quando
entrei, encontrei-a tentando estender da forma certa a manta
sobre o sofá. Seus olhos estavam um pouco fechados, talvez
da ressaca, e seu nariz estava inchado, embora não
parecesse quebrado. Quando Lauren olhou para mim, sorriu
de forma instintiva, e eu tive que fazer muita força para não
retribuir o sorriso e me agarrar a ela como um urso panda. No
segundo seguinte, seus olhos deslizaram para minha mão
esquerda, e vendo que ali se encontrava a aliança antiga, seu
sorriso sumiu completamente, dando lugar a um ar de
confusão.

Aquela era a hora de não me deixar levar pela cara de


cachorrinho abandonado que Lauren sabia fazer tão bem. Era
a hora de dar seguimento ao meu plano.

- Bom dia. - Comecei, empregando um tom de naturalidade na


voz - Como está o seu nariz?

Ela continuou me encarando com uma expressão de completa


confusão. Ficou um tempo na mesma posição, e ao constatar
que não chegaria à conclusão nenhuma, fossem quais fosses
seus pensamentos, ela coçou a cabeça e fechou os olhos com
força, tentando se situar outra vez.

- O que aconteceu ontem? - Lauren perguntou com a voz mais


rouca que o normal.

- Nós transamos nesse tapete. - Apontei para o lugar em que


ela estava pisando.

- Antes disso...

- Antes disso você arrebentou o nariz na bancada da cozinha


e quase me matou de susto.
- Desculpa. Não queria te deixar preocupada... Meu nariz está
bom... - Ela falou, parecendo um pouco desconfortável - Mas...
Depois disso...

Olhei-a de maneira confiante.

- Depois disso... Nós transamos nesse tapete.

Lauren ficou muda mais uma vez, com o olhar desfocado,


claramente tentando se lembrar da ordem dos fatos.
Conforme os segundos passavam, sua expressão ficava
sempre mais triste, e então tive a certeza de que ela estava
pensando exatamente o que eu queria que pensasse: Que o
pedido de casamento não havia passado de um sonho. E não
passando de um sonho, Lauren não tinha a minha resposta. E
não tendo a minha resposta, ela teria que fazer o pedido
outra vez. Sóbria.

Ela me olhou um pouco desesperada, a ponto de começar a


chorar. Eu sabia que todas aquelas doses de Whisky eram
suficientes para fazer com que ela tivesse dúvidas do que
havia realmente acontecido e o que havia sido apenas sua
imaginação. Minha intenção não era vê-la sofrer, mas eu
precisava ouvir aquela proposta dela enquanto ela estivesse
sóbria. Não significava, de forma alguma, que sua proposta na
noite anterior não tivesse valor.

Mas eu simplesmente precisava ouvir aquilo dela. Direito. 

- Eu acho... Acho que sonhei com você... - Ela murmurou.

Continuei encarando-a sem esboçar nenhuma reação. Quando


entendi que Lauren não falaria outra vez, me pronunciei.
- A festa do seu pai já passou. Você tinha uma coisa pra me
dizer depois que ela acabasse.

Ela me encarou ainda mais desesperada, deixando sua


respiração agora visivelmente mais pesada. Lauren coçou os
olhos com as mãos, tentando se acalmar de algum jeito.

- Pode me dar mais algum tempo? Algumas horas?

Encarei-a de forma tranquila, pensando no que dizer. Eu


poderia fingir irritação e fazer algum drama, mas imaginei
que as palavras certas fariam com ela não pudesse voltar
atrás.

- Você prometeu. - Falei em um tom calmo e baixo.

Ela suspirou audivelmente, olhando para os lados e


procurando mentalmente uma saída. Quando não encontrou
nenhuma, coçou os olhos outra vez e levou as mãos até seus
cabelos, despenteando-os ainda mais.

- Tudo bem. - Ela começou, e eu tive certeza que ela estava


falando consigo mesma -Tudo bem.

Sem dizer mais nada, Lauren saiu da sala e me deixou


sozinha ali, de pé, esperando pela sua volta. De repente
comecei a ficar nervosa, embora não fizesse muito sentido.
Seria a terceira vez que ela se declararia para mim e pediria
por um compromisso. Além disso, dessa vez eu estava ciente
do que aconteceria, diferente das outras vezes em que fui
pega de surpresa. Mas, em compensação, seria a primeira vez
que eu a veria fazer aquilo completamente consciente e
verdadeira, sem se esconder por trás da máscara das suas
doses de Whisky.
Quando Lauren entrou na sala outra vez, meu corpo começou
a tremer involuntariamente. Cruzei os braços no peito com
força, tentando me acalmar e principalmente esconder meus
tremores. Não sabia se estava tendo muito sucesso.

O que servia de consolo era o fato de que ela parecia estar


muito mais nervosa do que eu.

- Tudo bem. - Ela repetiu, me encarando e parecendo mais


confiante do que realmente estava - Eu...

Ela parou, encarando meus braços ainda cruzados no peito e


respirando fundo. Lauren tomou minhas mãos nas suas - as
minhas trêmulas, as dela geladas - e começou a juntar os
pequenos fragmentos de pensamentos que passavam pela
sua cabeça, suspirando entre uma frase e outra.

- Eu... Eu acho que isso vai ser horrível... Se eu conseguir


dizer o que quero dizer. Mas, mesmo assim, leve em
consideração só o que eu quero dizer... Ok?

- Ok.

- Ok. - Ela repetiu, apertando minhas mãos com um pouco de


força - Eu quero dizer que... Que eu amo muito você.
Realmente amo você. E quero passar o resto da minha vida
ao seu lado... Porque eu sei que você é a mulher certa pra
mim. Sei que você me faria feliz, e sei que consigo te fazer
feliz também... Se você me deixar tentar. - Ela soltou minhas
mãos e esfregou o rosto de novo, parecendo realmente
desesperada. - Ok... Eu sei que esse discurso está uma
merda... Me desculpa por isso... Eu só quero te pedir pra... Pra
ficar comigo pra sempre, e pra me dar uma chance de... Você
sabe... De te mostrar que nós funcionamos juntas....
Lauren tirou do bolso da calça de moletom a caixinha preta à
qual eu havia sido apresentada na noite anterior. Meu coração
deu um salto dentro do peito e eu tive que fazer força para
não deixar aquilo transparecer.

- Eu sei que não conversamos muito sobre oficializar o nosso


relacionamento... E eu não sei o que você pensa sobre isso...
Mas eu só quero que você viva pra sempre do meu lado...
Com o meu nome... E...

Ela abriu a caixinha, e assim como na noite anterior, notei que


suas mãos tremiam tanto que era visivelmente difícil para ela
manter o objeto preso nos seus dedos.

- Ok... Eu vou calar a boca. Mas independente da sua resposta


pra pergunta que eu vou fazer, saiba que você vai ter que me
aturar pra sempre. Com ou sem isso...

Ela riu sem muita vontade da própria piada. Eu teria rido para
encorajá-la, mas meu coração ainda estava parado na mesma
batida, por isso tudo que fiz foi continuar encarando-a sem
reação alguma. Ela engoliu em seco e seu sorriso
desapareceu.

- Você aceita... Se casar? Comigo?1

Ela me ofereceu a caixinha aberta com o aro dourado lá


dentro, e meu coração recuperou a batida suspensa. Não sei
se demorei muito para responder, mas tive a impressão de
que Lauren havia se incomodado com o silêncio, se
apressando em falar outra vez:

- Talvez você queira pensar um pouco no assunto antes de


responder, e eu aceito. Mas se você puder me falar até
amanhã... Ou domingo... Só porque eu pensei que nós
poderíamos aproveitar que a minha família está toda aqui... E
talvez, se você... Se você não tivesse nenhuma objeção,
poderíamos nos casar no próximo sábado... Claro, se você
quiser! Podemos fazer em outra data e chamá-los outra vez
também... Se você achar melhor...

Lauren estava completamente perdida nos próprios


pensamentos. Chegava a ser curioso como uma mulher tão
poderosa e aparentemente segura de si parecia, naquele
momento, uma criança com um medo incrível da rejeição. Era
como olhar dentro dela e ver sua óbvia fragilidade tomando
forma e força a cada fração de segundo que minha resposta
se mantinha misteriosa.

- Por favor... Por favor, diga que sim. - Ela falou outra vez, e o
tom levemente desesperado em sua voz me fez reagir.

- Sim... - Falei de forma simples, encarando-a sem nenhuma


expressão, pronunciando cada palavra com uma neutralidade
assustadora - Eu aceito me casar com você. Aceito me casar
com você daqui a uma semana. Ou daqui a dez minutos.
Aceito passar o resto da minha vida ao seu lado,
independente do título que a nossa relação tiver. Aceito, de
todas as formas, ser sua. Porque eu amo você. Porque eu
sempre amei você. E porque duvido que algum dia eu vá
deixar de te amar. Eu aceito casar com você. Aqui ou no
inferno, com ou sem testemunhas, com ou sem convidados.
Eu sou sua e sempre fui, mesmo quando não era você quem
me tocava. Eu aceito pertencer a você pra sempre. Aceito mil
vezes se for preciso.

Só me dei conta de que já estava chorando quando senti o


gosto salgado de uma lágrima escorrendo pelo meu rosto. Ela
continuou me encarando sem responder nada, congelada na
mesma posição, ainda me oferecendo a aliança e parecendo
entender, pouco a pouco, cada palavra que eu dizia. Quando
Lauren finalmente se mexeu, foi tão repentino que fui pega
completamente de surpresa. Tudo de que eu tinha ciência
eram seus braços em volta da minha cintura e seus lábios nos
meus, não exatamente desesperados, mas, ainda assim, um
pouco eufóricos. Ela me abraçava com força - uma força com
a qual eu já havia desacostumado desde o descobrimento da
minha gravidez. Notei que seu corpo inteiro tremia, o que fez
sua própria voz sair trêmula pelo movimento involuntário que
os músculos dela faziam. Me dei conta de que nunca a havia
sentido daquela forma.

- Aceita? - Ela perguntou contra a minha boca um pouco


ofegante, me prensando contra uma parede qualquer e me
apertando mais contra si - Aceita mesmo?

- Como você pode achar que eu não aceitaria, sua idiota? -


Retruquei, agora chorando de verdade, rindo ao mesmo
tempo e tentando falar contra seu rosto, em meio a lágrimas
e beijos.

Ela não respondeu. Ao invés disso, me apertou com mais


força contra si mesma, segurando minhas pernas e forçando-
as a envolverem sua cintura. Me agarrei nos cabelos dela e a
beijei apaixonadamente, embora respirar estivesse
começando a se tornar uma tarefa difícil. Seu celular tocou de
repente, me fazendo tremer com o susto. Lauren o ignorou.

- É minha irmã. Esqueça. - Ela falou ainda com a voz um


pouco trêmula contra a minha boca, me prensando mais na
parede para poder tirar os braços dos meus quadris e trazer
outra vez a caixinha entre nós sem que eu caísse. Depois de
todos aqueles movimentos, achei impressionante que o anel
ainda estivesse ali. Ela tomou minha mão esquerda com
muita delicadeza, repetindo o ato da noite anterior como se
fosse a primeira vez. Minha aliança antiga foi removida e deu
lugar à nova, muito mais grossa e brilhante. Comecei a chorar
com ainda mais intensidade, soluçando e engasgando nas
minhas próprias lágrimas, e Lauren me encarou sorrindo,
distribuindo beijos fofos e carinhosos por toda a extensão do
meu rosto molhado. Ela não entendia o que eu estava
sentindo, e jamais poderia entender. Ela não sabia como era
experimentar uma sensação a qual eu já havia me
acostumado a acreditar que jamais poderia sentir. Porque
mesmo que meu passado não me assombrasse mais da
mesma forma, ainda era difícil acreditar que alguém poderia
me querer daquele jeito. Casar e construir uma família era
algo que não estava nos meus planos, e não porque eu não
queria, mas sim porque já estava conformada em aceitar que
ninguém nunca me daria essa chance.

E ser Lauren a pessoa a me dar essa chance era muito, muito


bom para parecer verdade.

- Eu amo você. - Falei, encostando minha testa na dela e


deixando as lágrimas rolarem livremente pelo rosto - Mesmo
você sendo idiota a ponto de ter alguma dúvida...

Ela riu, me beijando outra vez e tocando com o indicador meu


queixo, que insistia em tremer por causa do choro.

- Me disseram que você aceitaria... Mas eu estava com medo


de arriscar... Seu humor andava mudando muito...
- E você acha que seria o suficiente pra me fazer te negar? Só
uma arma apontada pra minha cabeça poderia surtir esse
efeito! - Retruquei, dando um soquinho leve em seu ombro e
me prendendo ainda mais à sua cintura com as pernas.

Ela segurou minha mão esquerda com a nova aliança e a


beijou, fazendo com que minha pele formigasse um pouco.

- Eu sonhei com você... - Ela começou, ainda contra a palma


da minha mão - Sonhei que já tinha te pedido em casamento,
e que você tinha aceitado... Eu estava tão feliz, mas quando
vi sua aliança antiga... Eu entrei em pânico...

- Não foi sonho.

Ela me encarou confusa, com os lábios ainda colados à minha


mão.

- Mas...

- Você me pediu em casamento ontem. Bêbada. E eu aceitei.


E só então nós transamos no tapete.

Lauren não se mexeu, concentrada demais em entender o


que eu estava dizendo. Seus lábios estavam imóveis no meu
anelar, enquanto seus olhos encaravam os meus um pouco
distraídos. Subitamente, considerei a possibilidade dela ficar
extremamente puta com a minha atitude, não sabendo por
que não havia pensado naquilo antes.

- Você... Já tinha aceitado...?

- Já - Respondi, recomeçando a chorar, dessa vez por medo


dela me odiar - Desculpa, eu não queria te deixar nervosa...
Mas eu precisava ouvir isso de você sóbria... É claro que o
pedido de ontem teve valor, mas eu queria tanto... Tanto
ouvir isso de você estando completamente consciente... Por
favor, não fica chateada comigo.

Terminei fazendo um beicinho involuntário, deixando mais


lágrimas escorrerem pelo meu rosto já encharcado. Me
agarrei ao seu pescoço outra vez, encostando nossas testas e
torcendo para que ela não me mandasse ir à merda.

- Tudo bem. - Ela começou, depois de fechar os olhos, suspirar


e ficar um longo tempo em silêncio - Eu acho que teria o
direito de ficar chateada caso você estivesse errada. Mas
você não está. Eu precisava tomar coragem e enfrentar esse
meu pânico de tudo que é relacionado a você.

Me agarrei com mais força ao pescoço dela, fazendo um


pouco de manha. Fiquei feliz por ser menor do que ela e mais
leve também, mesmo grávida, permitindo-a me segurar no
colo por tanto tempo sem se cansar.

- Não está chateada? - Perguntei com os olhos embaçados das


lágrimas - Jura?

- Não estou chateada. - Ela respondeu, deixando um pouco de


lado sua cara séria e dando um sorriso torto tão lindo e safado
que tive que me segurar para não molestá-la - Você disse
"sim" duas vezes. Não vou ficar chateada com absolutamente
nada hoje.

Ataquei-a de novo, moldando sua língua à minha em um beijo


apaixonado e efusivo. Agarrei a caixinha que ela ainda
segurava em uma das mãos e a arremessei longe, só porque
queria sentir suas duas mãos livres e espalmadas pelo meu
corpo.
Quando comecei a sentir um fogo bastante agradável e
promíscuo me consumindo aos poucos, o telefone dela tocou
outra vez.

- PORRA!

Saí do colo dela de um pulo indo atrás do maldito celular.


Quando o encontrei tocando a música mais irritante do
mundo em cima da estante, atendi sem olhar, me esforçando
para não demonstrar que estava puta.

- Alô!

- Oi... Mila?

- Oi, Taylor. Sim, sua irmã me pediu em casamento. E sim, eu


aceitei.

Assim que calei a boca, senti receio de ter sido grosseira pelo
tom que usei com ela. Para minha alegria, Taylor não pareceu
se chatear.

- Até que enfim! Chris e eu já estávamos apostando pra ver se


ela precisaria de mais uma semana! - Ela falou, parecendo de
bom humor e não demonstrando nenhuma surpresa. Nesse
momento, Lauren se materializou atrás de mim e, como se
fosse a coisa mais natural do mundo, deslizou as mãos pelo
meu corpo em lugares sensíveis e de formas extremamente
inapropriadas, beijando minha orelha desocupada pelo
telefone e dando mordidinhas leves no meu pescoço. Meu
corpo inteiro pegou fogo.

- Pois é... - Consegui responder, fechando os olhos com força


para não deixar transparecer o desejo na minha voz.
- Temos que comemorar antes de começarmos com os
preparativos! 13h no The Wolseley hoje, almoço em família!

Como eu não conseguia falar direito porque Lauren havia


decidido, de uma forma muito natural, enfiar a mão por
dentro da porra da minha calcinha e brincar com os dedos ali,
respondi a primeira coisa rápida que me veio à cabeça.

- Ok...

Ainda brincando com seus dedos em minha boceta, ela se


forçou contra o meu corpo unicamente com o propósito de
mostrar o quão excitada estava. Joguei minha mão livre para
trás, agarrando-a e a apertando mais contra mim.

- Peça a sua noiva pra não se atrasar! Ela sabe onde é.


Esperamos vocês lá. - Ela falou desligando logo em seguida.

Atirei o celular em qualquer lugar e me virei para ela,


segurando-a pela camisa.

- Em quanto tempo temos que sair? - Ela perguntou de


maneira provocante, como se meu corpo não estivesse
completamente em chamas e como se ela não estivesse
perfeitamente ciente disso.

- Depende. Em quanto tempo você consegue me comer? -


Respondi, já empurrando-a para o sofá.

Ela sorriu daquela maneira diabólica e linda que só ela sabia


fazer, me puxando para si em um beijo furioso e nos deixando
cair nas almofadas.

***

Uma hora depois, já pronta e esperando Lauren terminar de


se arrumar, sentada na ponta da cama, fui tirada dos meus
devaneios por braços em volta da minha cintura, uma boca
quente no meu pescoço e uma mistura maravilhosa de
perfume, shampoo e pasta de dente. Pisquei algumas vezes
ao voltar para a realidade, parando de encarar meu anel
enquanto pensava em coisas desagradáveis.

- Já se arrependeu? - Ela brincou, mordendo o lóbulo da minha


orelha.

- Se você está esperando por isso, pode esquecer. - Falei


sorrindo de volta, embora não estivesse completamente
confortável. E ela reparou nisso.

- O que houve?

Me virei em seus braços para encará-la de frente, tentando


parecer casual.

- Sobre o que aquele rapaz queria falar com você na festa do


seu pai?1

Ela piscou algumas vezes, segurando uma das minhas mãos.


Desejei, por tudo quanto fosse mais sagrado, que ela não
mentisse.

- Por que você é tão curiosa? - Ela perguntou, sorrindo


vagamente.

- Só sou curiosa quando minha intuição me manda ser. Me


diz... O que ele queria?

Lauren suspirou, segurando agora minhas duas mãos nas


suas.

- Ele queria me dar um recado. Da Beatrice.


Ouvir aquele nome saindo da boca dela fez com que meu
peito repentinamente doesse. Eu não sabia dizer se Lauren
havia notado o quanto aquilo me afetou, mas no segundo
seguinte ela já estava explicando tudo:

- Ele é primo dela... Eu a conheci por ele, já que sempre fomos


amigos... Mas isso não interessa.

- Qual era o recado? - Perguntei e desejei profundamente que


ela largasse minhas mãos. Lauren estava calma, quase
indiferente, e por isso mesmo o frio e o tremor nas minhas
mãos se tornavam óbvios contra as mãos firmes dela.

- Que ela estava sozinha. E que se arrependeu de ter me


deixado. E que queria tentar outra vez comigo...

Eu já sabia de tudo aquilo, e achei que fosse o suficiente para


não perder a calma. Mas estava enganada: Quando Lauren
parou de falar, apenas para respirar, notei que estava
incrivelmente nervosa, enjoada e, além de tudo, chorando.

- O que você respondeu?

- Eu te pedi em casamento. O que você acha que eu


respondi? - Ela completou, secando uma lágrima, com um
sorriso simples no rosto.

Continuei imóvel e muda, querendo ouvir tudo da boca dela.

- Eu disse a ele pra mandar Beatrice me esquecer. Porque ela


já não existe mais pra mim. Deixou de existir desde que te
conheci. E pedi pra ele dizer a ela que eu nunca estive tão
feliz como agora, porque encontrei alguém que realmente
vale a pena. Alguém muito mais interessante, muito mais
decente e muito melhor do que ela, em todos os aspectos.
Alguém que virou o meu vício, muito mais poderoso e
tentador do que ela jamais poderia ter, sequer, pensado em
ser. Alguém que me faz muito, muito mais feliz do que ela um
dia foi capaz de fazer.

Eu não piscava. Estava atenta a tudo que ela dizia, e mesmo


que soubesse que muito provavelmente aquelas não foram as
mesmas palavras usadas por ela na noite anterior - nem
alguém sóbrio poderia lembrar de tudo isso -, já era o
suficiente ouvir aquilo dela agora.

- Eu amo você. Você. E mais ninguém. Entendeu? - Ela


concluiu, de uma forma muito simples. Me agarrei à sua
camisa, como costumava fazer quando me sentia muito
apaixonada por ela de repente. Isso acontecia com cada vez
mais frequência.

- Quantas vezes por dia posso dizer que te amo sem você me
achar um saco? -  Perguntei encostando nossos lábios sem
fazer força. Ela riu, me trazendo para cima do seu colo.

- Pode dizer quantas vezes quiser... Contanto que não fique se


esfregando em mim enquanto fala isso...

E, outra vez, Lauren já estava com o pau duro.

- Nós acabamos de fazer isso... - Falei toda manhosa contra


sua boca.

- Amor... Vou te contar uma coisa que talvez ainda não tenha
ficado clara: Você me excita pra caralho.1

Pelo volume dentro das suas calças, eu excito mesmo!

- Nós temos hora... - Falei, secando minhas próprias lágrimas


contra o rosto dela - Estão nos esperando.
- The Wolseley fica a menos de trinta minutos daqui. - Ela
começou, beijando meu pescoço e meu ombro - Se eu olhar
no relógio agora e concluir que ainda temos tempo, posso te
atacar?

Não respondi, e aquilo obviamente foi um consentimento à


sua pergunta. Quando ela trouxe o pulso à frente do rosto, me
peguei torcendo fervorosamente para que seu relógio
estivesse atrasado.

Lauren me encarou de novo, dessa vez com uma expressão


diabólica, e antes que ele dissesse qualquer coisa, eu já
estava comemorando em silêncio.

***

Chegamos ao The Wolseley um pouco antes das 13:20h. Era


um restaurante muito chique, grande e bonito, lotado de
pessoas sérias demais. Lauren falou com a recepcionista
sobre a reserva no nome dos Jauregui's e nos dirigimos para a
mesa com 8 cadeiras, quatro delas já ocupadas por Clara,
Chris, Taylor e Oliver.

Nosso pequeno atraso pareceu ter sido perdoado. Fomos


recepcionados com vários abraços, beijos e desejos de
felicidades. Mike estava no trabalho, mas segundo Clara,
chegaria em alguns minutos.

- Mas você já tomou uma atitude, Lauren? Pensei que eu fosse


casar primeiro. - Chris começou irônico, enquanto sentávamos
também

- Você teria que arrumar uma namorada primeiro. - Lauren


alfinetou meio amarga por estar sendo ridicularizada.
- Se você continuasse com a sua atitude de lesma com
Alzheimer pra se declarar de uma vez, acho que eu
conseguiria.

- Não podemos deixar de agradecer ao Ballantine's do papai. -


Taylor entrou no jogo, se referindo à garrafa de Whisky que
Lauren provavelmente havia quase esvaziado na noite
anterior. - Ei, Chris. Se Lauren finalmente conseguiu pedir a
Mila em casamento com umas doses, talvez você consiga
uma namorada se tomar também. Parece fazer milagres.

Chris balbuciou alguma coisa para ela, chamando-a de


"projeto de gente" e outros pseudo-xingamentos antes de
mandá-la ir à merda em um tom quase sereno. Olhei para
Lauren ao meu lado e ela me encarou de volta, mantendo no
rosto um sorriso quase falso e dissimulado.

- Nada vai me irritar hoje. Você disse "sim." - Ela falou


próximo ao meu ouvido, e tive vontade de rir em quase vê-la
mandando todos ali irem a lugares inapropriados. Mas, ao
mesmo tempo, senti uma certa pena dela. Lauren era alvo
constante das piadas dos irmãos, e vê-la um pouquinho
mordida com as ironias me deu uma enorme vontade de
defendê-la.

- Ele me pediu em casamento hoje também. - Comecei em


voz alta e com cara de provocação, para que todos me
escutassem - Foi muito melhor do que ontem. Inclusive a
nossa pequena comemoração depois...

Chris fez um "oooooooww" seguido de risos, e Lauren parecia


uma pré-adolescente orgulhosa por ter acabado de provar
para a escola inteira que transava bem. Clara, até então
calada e se mantendo discreta com relação às piadas de Chris
e Taylor, se manifestou com um "Sabia que minha filha
mandava bem!," e eu não consegui deixar de rir da cena
grotesca.

- Ei, Lauren! - Taylor começou, aproveitando a ocasião para


mais uma piada - Você não pode fazer isso com a Mila! Ela
está grávida!

Antes que Lauren pudesse fazer uma cara de "é mesmo um


pensamento tão estúpido que chega a ser uma piada... Mas
eu fiz exatamente isso," respondi outra vez, temendo que ela
sofresse bullying pelo resto da vida caso um dos irmãos
entendesse:

- Ah, mas ela faz. E faz muito bem feito.

Um indiscutível ar de "sou foda" emanava dela sem que eu


precisasse olhá-la para deduzir isso. Antes que Chris pudesse
pensar em mais alguma piada, fomos interrompidos.

- Cheguei! Cheguei! -  falou em tom de desculpas enquanto


dava a volta na grande mesa e caminhava diretamente para
Lauren - Lolo!

- Desculpa te tirar do trabalho, papai. - Ela começou, já dando


o famoso abraço de urso  - Eu disse pra mamãe que não
precisava...

- Claro que precisava! Você ficou noiva! O mínimo que posso


fazer é estar presente na comemoração! - Ele disse todo feliz
- Parabéns, filha. Tenho certeza que você vai ser muito feliz.

Lauren agradeceu baixinho e liberou o pai do abraço. Mike se


virou para mim com aquele sorriso torto maléfico igualzinho
ao da filha. Me senti compelida a abraçá-lo, mas me contive,
optando por simplesmente retribuir o sorriso.

- Aliás, posso dizer já de antemão que vai ser, com certeza,


uma das noivas mais lindas que já se viu. - Ele disse, beijando
delicadamente minha bochecha e me envolvendo em um
abraço gentil - Seja bem-vinda à nossa família, Mila. Agora
oficialmente.

- Obrigada.

- É bom não precisar mais manter segredos quanto às


intenções da senhorita aqui. - Ele falou de bom humor,
apontando para Lauren e indo sentar ao lado da esposa.

- Eu sabia que estavam escondendo alguma coisa. - Comecei,


fingindo estar furiosa enquanto encarava Chris - E você me
jurou que não sabia de nada.

- Sou um exímio representante das Artes Cênicas, minha cara.


Embora quase tenha estragado tudo quando vocês chegaram.

- Pois é. - Lauren falou um pouco amargurada, lembrando da


manifestação de Chris que fez com que eu começasse a
suspeitar das coisas.

- Ei! Em minha defesa, o plano era você pedi-la em casamento


ainda nos Estados Unidos, sua panda albina medrosa!

- Lauren! - Comecei de repente, movida pela surpresa - Há


quanto tempo você pretendia fazer isso?

- Há algum... - Ela balbuciou, como uma criança que acaba de


fazer merda.

- O que importa é que está feito, não? - Oliver se manifestou,


em defesa do cunhada.
- Com quase uma garrafa inteira de whisky, até eu consigo
pedir a Mila em casamento - Taylor falou de maneira irônica,
sem perder a chance de ridicularizar Lauren.

- Eu pedi hoje outra vez, caralho! - Ela respondeu em uma voz


um pouco esganiçada, embora ninguém à nossa volta
parecesse prestar atenção à nossa mesa. Mas era claro que
Taylor e Chris não se importavam com aquela informação, já
que nada que pudesse ser usado contra Lauren seria extraído
dela.

Brindamos com champagne (e suco de morango para mim e


para Taylor) e almoçamos algo que eu não sabia dizer
exatamente o que era, mas era, com certeza, uma das coisas
mais gostosas que eu já havia experimentado. Clara e Taylor
começaram a falar animadamente sobre os preparativos do
casamento, já que tudo teria que estar pronto dali a uma
semana. Estávamos em 1º de Maio, e nos casaríamos dia 9
daquele mês, num sábado. A alegria delas começou a me
contagiar, e poucos minutos depois eu experimentava uma
expectativa tão grande e tão boa que me senti mais viva do
que nunca. Mas foi quando Clara perguntou para mim e para
Lauren sobre a decoração e o estilo da cerimônia que me
senti realmente diferente.2

- O que a outra noiva quiser. - Lauren respondeu, passando


um braço pela minha cintura e beijando delicadamente meu
rosto.

Todo mundo me encarou, e eu os encarei de volta por algum


tempo.
- Ora, vamos! - Taylor me encorajou, sorrindo - É só nos
contar como você sempre imaginou que o seu casamento
seria. Podemos tentar fazer igual!

O que Taylor nem ninguém naquela mesa sabia, exceto talvez


por Lauren, era que eu jamais havia pensado naquilo. Porque,
na verdade, eu jamais havia sequer considerado a
possibilidade de me casar. Talvez tenha feito isso com meus
sete ou oito anos de idade, mas o tempo passado e as
decepções que me encontraram na vida foram suficientes
para apagar aquela memória, se é que ela existia.

- Eu... Não sei... Eu nunca pensei muito sobre isso...

Taylor me olhou como quem olha para um doente mental:


Que mulher nunca havia criado seu próprio casamento-dos-
sonhos?2

- Então, se você quiser... Podemos dar sugestões. - Clara


disse, parecendo mais mãe do que nunca.

- Sim! Seria maravilhoso! - Respondi, já respirando um pouco


mais aliviada - Qualquer coisa simples... Nada grande ou
chamativo...

A verdade era que eu não precisava de nenhuma festa,


nenhuma cerimônia e nenhum convidado para me casar. Se
fosse preciso, eu casaria com Lauren em uma beira de
estrada enrolada numa toalha. Bastava que ela, eu e alguém
com poder suficiente para nos casar estivessem presentes.

Taylor se virou para a mãe e piscou, voltando a sorrir: 

- Você sabe o que eu tenho em mente.

Clara assentiu, começando a falar outra vez:


- Ok. Então, que tal isso: Um casamento ao ar livre, no jardim
da minha casa. Um altar simples e algumas cadeiras, e
arranjos de flores brancas. Uma pequena festa para pessoas
mais próximas depois, um pouco de champagne, algumas
músicas até a noite, alguns pontos de luz espalhados pelo
jardim e... Bom, e tudo mais que você queira. Mas isso é só
uma idéia, é claro. Taylor e eu achamos que esse estilo
combinava com você, mas estamos aqui pra ajudar nas suas
decisões.

Ela e Taylor me encaravam com expectativa, talvez porque eu


não tivesse dito nada durante um bom tempo. Estava
imaginando cada pequeno detalhe sobre a imagem que elas
me descreviam, e por um momento, tudo o que fiz foi
contemplar em silêncio a beleza daquela cena. Era perfeito.

Encarei Lauren como uma criança que pede permissão para


alguma coisa.

- Gostou da idéia? - Ela perguntou, apertando o abraço na


minha cintura e parecendo realmente interessada na minha
resposta.

- O que você achou? - Insisti, querendo saber qual era a


opinião dela sobre aquilo. Eu não casaria sozinha.

- Contanto que você  esteja lá, eu sinceramente não tenho


objeções. - Ela falou sorrindo de uma maneira simples.

- Eu... - Comecei, virando outra vez para Clara e Taylor e


tentando formular a frase certa - É perfeito! Absolutamente
perfeito...

Elas riram satisfeitas e piscaram uma para a outra.


- Senhores... - Taylor começou, empregando um tom de
discurso político às suas palavras para todos sentados àquela
mesa - Temos um casamento Jauregui pra aprontar. Que
comece a festa!

***

Ainda era um pouco difícil acreditar que tudo aquilo era


verdade, mas todo mundo parecia disposto a me convencer
da realidade. Eu tinha uma semana para ver meu sonho ser
realizado, e com a ajuda dos Jauregui's, principalmente Clara
e Taylor, meu sonho não só seria realizado como eu tinha
uma certa impressão de que acabaria sendo melhor do que
eu imaginava.

- No meu casamento, eu lembro de quase ter pirado. E olha


que planejei tudo com um ano de antecedência. - Taylor falou
animada, quando sentamos pela primeira vez com um bloco
de papel à nossa frente e canetas de cores diferentes. Clara
estava tão animada que parecia ter voltado à adolescência, e
então, ironicamente me dei conta de que as pessoas menos
agitadas ali eram eu mesma e Lauren, que insistia em estar
presente em cada escolha que tomássemos.

- Vamos lá. A primeira coisa que precisamos saber é: Quais


vão ser as cores? - Clara perguntou, o lápis já em posição de
escrita para minha resposta.

- Cores de quê? - Perguntei, um pouco distraída.

- Da decoração.

- Pensei que seria branco. - Lauren falou ao meu lado, fazendo


cara de dúvida.
- Claro que vai ser branco, sua cabeçuda. - Taylor se
pronunciou enquanto Clara ria, e agradeci por ter sido Lauren
a falar aquilo, e não eu - Mas os detalhes normalmente são de
outras cores.

- E se eu quisesse que o meu casamento tivesse os detalhes


brancos? - Lauren perguntou mal humorada, dando ênfase à
palavra "meu."

- Você não tem o que querer. Você é só a outra noiva. É a Mila


que decide.

- Você quer tudo branco? - Perguntei baixinho perto do rosto


dela.

- Não tenho preferência. Você pode escolher. - Ela respondeu


com um sorriso torto enquanto colocava uma mexa de cabelo
atrás da minha orelha.

- Eu achei que detalhes em tons de verde clarinho ficaria


bonito... Você sabe, já que vamos fazer no jardim... Acho que
combinaria.

- Viu só porque você não têm que se meter nos preparativos


do casamento? - Taylor disse sorrindo e piscando para a irmã,
enquanto Clara já anotava a minha idéia.

Olhei para Lauren apenas para ter certeza que aquela escolha
não a havia desagradado.

Ela sorria de forma simples.

Foi necessário o sábado inteiro para colocar no papel algumas


idéias iniciais, segundo Taylor. Discutimos sobre as várias
possibilidades de arrumação pelo jardim, contatos de
músicos, fotógrafos e garçons, eventualidades como chuva
torrencial e frio intenso, modelo dos convites, entre outras
coisas. Lauren opinava em cada uma das decisões, mas
parecia estar ali unicamente para me fazer companhia, já que
tudo que eu decidia era prontamente aceitado com um sorriso
nos lábios. Deixei coisas menos importantes para depois,
embora Taylor insistisse que os mínimos detalhes eram
essenciais. Me recusei a discutir coisas como cor e textura
dos guardanapos, tecido do forro das cadeiras e tamanho dos
copos que fariam parte da festa. Deixei claro que esse tipo de
coisa poderia ser escolhida por Lauren, caso ela quisesse. Mas
ela não parecia querer, e no final das contas, essas decisões
acabaram sendo de responsabilidade de Taylor e Clara.

- Amanhã mesmo vou procurar maquiadores e cabeleireiros. -


Taylor falou, batendo palmas como uma criança de cinco anos
feliz.

- Eu posso ajudá-las com o bufê, se vocês quiserem. - Clara


disse de maneira simpática. Eu concordei, agradecendo às
duas pela ajuda.

Ao final daquele dia, me dei conta de que aquela semana


seria, provavelmente, o período mais agitado da minha vida
até então. No domingo, Clara e Taylor foram à nossa casa de
tarde, para continuarmos com a conversa. Lauren sempre se
sentava ao meu lado, e eu imaginava o quão monótono tudo
aquilo era para ela. Por isso mesmo, não podia deixar de
admirar seu companheirismo.

- Estou correndo atrás do melhor maquiador de Londres!

Encarei Taylor um pouco espantada.

- Mas... Eu não preciso do melhor maquiador de Londres...


- Como não? É o seu casamento!

- Eu sei, mas... Eu não preciso disso tudo. Qualquer


maquiador responsável está bom.

- Mas por quê? - Taylor parecia não entender meu ponto de


vista, já que a palavra "orçamento" nunca havia sido
pronunciada até então.

- Porque temos menos de uma semana, e tenho certeza que


isso vai levar tempo. Acredite, eu aceito qualquer maquiador
de bom grado.

- Ok, ok. - Ela bufou, parecendo entediada - Bom... Preciso da


sua aliança.

Encarei-a de maneira interrogativa, cobrindo o anel com a


outra mão. Foi uma reação idiota, mas involuntária.

- Por quê? - Perguntei.

- Pra mandar gravar os nomes de vocês.

Continuei parada, pensando se aquela era uma boa idéia. Era


óbvio que Taylor não daria sumiço na minha aliança, mas eu
não estava preparada pra me separar dela. Nem que fosse só
por alguns dias.

Mesmo assim, indo totalmente contra a minha vontade, tirei-a


de uma vez do anelar e entreguei a ela, já sentindo a
ausência do peso do aro ali.

- E como você quer sua maquiagem? - Clara voltou a chamar


minha atenção, já com o bloco nas mãos.

- Quero clara. E discreta. Nada chamativo...

- Mila, você já foi freira?1


Lauren gargalhou do comentário da irmã. Taylor e Clara riram
da reação dela, e eu corei.

- Por quê?

- Se contenta com tudo, é tímida, discreta, boa demais... Sem


contar que tem uma paciência de monge tibetano por aturar
Lauren.

- Ela é só uma pessoa melhor que você, Taylor. - Lauren


concluiu de forma doce, passando um braço pelas minhas
costas e me puxando para si.

Ela a ignorou.

- Na sua despedida de solteira, vou levar você para um clube


de mulheres. Vamos nos maquiar feito peruas, fumar
maconha, beber vodka até amanhecer e ver homens
musculosos e semi-nus no cio dançando de tanguinha.

Clara se limitou a revirar os olhos. Lauren ficou calada ao meu


lado, provavelmente entendendo que aquilo era uma piada, já
que, para início de conversa, nós duas estávamos grávidas.

- Faça isso e eu te degolo enquanto você dorme. - Ela falou,


sorrindo de forma tranquila e até gentil.

- Ok. Maquiagem clara. - Clara começou, tentando chamar a


atenção de todo mundo para o que realmente importava - E
quanto ao penteado, querida? Tem algum em mente?

- Ahm... Um coque? Ou alguma coisa que não deixe meu


cabelo completamente solto... - Soou como uma pergunta,
porque eu não queria mostrar o quão despreparada estava
para aquilo.
- Isso! - Taylor voltou sua atenção para mim outra vez - Um
coque ou uma trança desfiada! Acho que vai ficar perfeito.

- Eu gosto quando você deixa essa região livre. - Lauren falou,


infiltrando sua mão por debaixo dos meus cabelos e passando
levemente as pontas dos dedos na parte de trás do meu
pescoço, passeando pelos ombros. Estremeci com o toque.

Quando Clara entrou no assunto dos convidados, me senti um


pouco tensa. De alguma forma (obviamente por Lauren), as
duas sabiam que meus pais já haviam falecido, pois em
nenhum momento perguntaram por eles. Quando deixei claro
que não haveria convidados por minha parte, Clara pareceu
genuinamente surpresa. Mencionei rapidamente que não
havia deixado ninguém importante o suficiente nos Estados
Unidos, e antes que alguma das duas pudessem contestar,
Lauren tomou a palavra, falando alguma coisa na qual eu não
prestei atenção, apenas para interromper o fluxo da conversa.
Era mais fácil escapar daquela resposta do que dizer que as
únicas pessoas vivas com as quais eu realmente me
importava não poderiam estar ali.1

Já era noite quando Clara e Taylor foram embora.

- Seu sanduíche. - Lauren falou, entrando no quarto e indo se


sentar entre mim e a cabeceira, me mantendo entre suas
pernas enquanto aumentava um pouco o volume do filme na
TV.

- Lo? - Chamei, mantendo o prato no colo. - Posso te


perguntar uma coisa?

- Por que você pergunta isso se sabe que pode? - Ela riu
contra minha orelha.
- Você vai chamar aquele seu amigo? Jonathan?

Sua boca ainda estava encostada no meu pescoço, e por isso


pude sentir que seu sorriso havia morrido contra a minha
pele.

- Não.

- Mas... Ele não é seu amigo? - Murmurei, já me arrependendo


de insistir no assunto.

- Não é amigo o suficiente pra estar no meu casamento. E


além disso, não quero estragar o meu dia olhando pra ele e
lembrando de uma pessoa que quero longe.

Suspirei, ainda de costas para ela, não conseguindo tocar no


meu sanduíche e depositando-o em cima do criado mudo ao
meu lado.

- Estou ouvindo. - Ela disse, deixando claro que me conhecia o


suficiente para saber que eu estava remoendo alguma coisa
por dentro, enquanto fazia carinho na minha barriga com o
indicador.

- Você ainda sente alguma coisa por ela? Por favor, se sentir...
Pode falar.

- Sim, eu sinto algo por ela. Sinto desprezo. Apesar de que, no


fundo, eu sou grata a ela por ter sido uma completa vadia e
ter me abandonado. Porque, do contrário, eu jamais teria
conhecido a mulher da minha vida... - Ela falou, sendo
incrivelmente fofa e romântica.

Por isso, o que eu disse logo em seguida foi não só


completamente inapropriado, como também incrivelmente
idiota.
- ...Que também era uma vadia.

Fiquei imóvel, ainda de costas para Lauren, um pouco


perdida, me sentindo afogar no silêncio esmagador do quarto.
Por que, por que eu havia dito aquilo? O que caralhos eu tinha
na cabeça? Merda? Qual era o meu problema? Se até aquele
dia eu ainda não tinha certeza, a partir daquele momento era
oficial: Eu sofria de algum retardo mental.1

Engoli o que me pareceu serem algumas pedras, mas era só


minha própria saliva. Me virei um pouco em seus braços
apenas para encará-la enquanto pedia desculpas por ter
arruinado aquele momento, nos fazendo lembrar de coisas
bastante desagradáveis que jamais deveriam ter saído do
passado.

Olhei para ela com olhos suplicantes, e me surpreendi em vê-


la com uma expressão esquisita no rosto. Ela não parecia
puta, mas sim um pouco divertida até. Quando Lauren se
inclinou para mim e falou ao pé do meu ouvido, precisei de
alguns minutos para entender o que ela estava dizendo:

- A minha vadia.

Ela pontuou a frase aplicando um ângulo perfeito naquele


sorriso torto, lindo e imoral. Continuei olhando-a com um
olhar de peixe morto, ainda atordoada demais para conseguir
entender o que ela estava fazendo e formular uma resposta
inteligente.

- A sua...?

- Aham. - Ela falou baixo, e eu tive a impressão de ver seus


olhos vacilarem por alguns décimos de segundo, para, depois,
voltarem a exibir toda a confiança - A minha vadia linda. Só
minha.

Continuei encarando-a sem reação, tentando arrancar de sua


atitude algo que me confirmasse que Lauren estava
realmente dizendo, com a maior naturalidade, que eu era a
vadia dela. Eu sabia que isso era comum em muitos
relacionamentos, mas nós nunca havíamos usado esses
apelidos provocantes e sujos durante a transa. Talvez porque
parecesse inapropriado, ou talvez porque, levando em
consideração sua hesitação de alguns segundos atrás, ela
temesse que eu pudesse me sentir ofendida.

Quando ela começou a falar outra vez, o sorriso torto não


estava mais lá. No lugar dele havia uma expressão um pouco
culpada. Meu silêncio provavelmente havia feito com que ela
achasse que tinha passado dos limites.

Mas o fato era que eu não tinha me sentido ofendida. Eu tinha


gostado.

- Você ficou chateada? - Ela disse, me olhando como alguém


que sentia dor - Me desculpa, eu só achei... - Levei uma das
mãos até sua boca e a fiz para de falar.

- Você quer que eu seja a sua vadia, Lauren? - Perguntei em


um tom levemente provocante, começando a entrar no clima
da situação.

Ela continuou me olhando, como se não soubesse qual era a


melhor resposta para dar.

- Se você quiser ser...

- Responde a minha pergunta.


Ela permaneceu calada por algum tempo, e eu odiei o fato
dela ter se arrependido de brincar daquela forma.

- Eu... Queria...

Me virei entre suas pernas e fiquei de frente para ela.


Aproximei minha boca da sua orelha e mordi com um pouco
de força a cartilagem, usando os dedos para brincar de forma
provocante pela barra da sua calça.

- Queria? - Falei, muito baixo, soltando ali lufadas intensas de


ar - Não quer mais?

Ela tremeu, e suas mãos, antes suaves na minha barriga,


voaram para a minha cintura e me apertaram.

- Hmmm... - Ela murmurou, fechando os olhos e me apertando


contra seu pau completamente duro.

- Eu sempre fui a sua vadia, Lauren. - Balbuciei ainda contra


seu ouvido em uma voz rouca e propositalmente sexy - Vai
precisar me foder quantas vezes mais pra entender isso?

Ela enrolou a língua tentando responder alguma coisa


coerente, mas não se importou em se fazer entender. No
segundo seguinte, sua boca já estava colada à minha sem
muitas cerimônias, unindo-nos em um beijo quente e intenso.
Uma de suas mãos migrou para a minha nuca, apertando os
fios com vontade. A outra puxou minha calcinha sem o menor
pudor e começou a brincar ali, como se eu realmente
precisasse ser estimulada.

Puxei o elástico da sua calça de uma só vez e seu pênis pulou


para fora, tão firme que chegava a tocar seu próprio umbigo.
Passei o indicador pelo líquido viscoso que escorria pela
cabeça já inchada e lambi, mas não dei tempo para que ela
reagisse de qualquer forma. Segurando-o com firmeza,
levantei de seu colo e sentei outra vez nela, de uma só vez,
sentindo seu pau enterrar em mim tão fundo quanto era
possível. Lauren se agarrou à barra da camisa que eu usava
para manter as mãos ocupadas e não me apertar com a força
que ela queria. Eu, por outro lado, não tinha o menor cuidado,
tocando-a, apertando-a e a arranhando sem me preocupar se
deixaria marcas ou não.

Em algum momento daquela noite, a roupa que eu usava foi


rasgada e arremessada a algum canto do quarto.

Já era madrugada quando consegui dormir agarrada a ela,


exausta, sem sequer lembrar de começar a ficar ansiosa pela
passagem rápida do tempo, me levando para cada vez mais
perto do grande dia.

***

... - E o bolo tem que ter, pelo menos, cinco andares!

Clara e eu olhamos para Taylor com cara de espanto, mas ela


não pareceu notar. Não eram nem 10h da manhã naquela
segunda-feira, e talvez eu estivesse ainda com muito sono
para entender os exageros dela.

- Você é maluca? - Lauren soltou, sem deixar de sorrir - Nosso


casamento não vai ter nem 70 convidados.

- Porque você está deixando um monte de gente de fora. - Ela


argumentou.

- Só estou chamando quem realmente me importa, Taytay.


Camz quer uma festa pequena, então vamos fazer uma festa
pequena. Vai ser um bolo pra 70 convidados, no máximo. Se
encomendar um de cinco andares, pode me dizer onde diabos
eu vou enfiar tudo que sobrar?

- Posso. Você pode enfiar n...

- Mila! - Clara interrompeu-a, voltando nossa atenção para as


mais de dez revistas espalhadas pela mesa - Quantos andares
você gostaria que o bolo tivesse?

- Não sei... - Falei, temendo que Taylor simplesmente parasse


de falar comigo, ou pior, me assassinasse - Eu pensei em...
Dois?

- Eu acho excelente. - Clara falou, dando um sorriso maternal


- Dois andares bem largos são mais do que o suficiente.
Lauren?

- De acordo.

Era surpreendente como conseguíamos decidir as coisas,


mesmo com Taylor ao nosso lado. Diferentemente do que eu
imaginava, ela não estava se metendo em cada pequeno
detalhe e batendo o pé por decisões que não lhe cabiam.
Mesmo que se mostrasse claramente contra, ela aceitava e
não insistia na discussão. E isso, juntamente com a
objetividade de Lauren e as boas idéias de Clara, fazia com
que as decisões fossem tomadas com bastante rapidez.

- Lauren, vamos escolher o buquê agora. - Taylor falou,


abrindo um laptop à nossa frente com ar de executiva - Vá
catar cocos.

- Por que eu tenho que sair? - Ela perguntou, um pouco


contrariada - Até onde eu sei, é o vestido da noiva que o noivo
e no meu caso noiva não pode ver antes do casamento. Essa
regra não se aplica ao buquê.

- A noiva inteira tem que ser uma surpresa. Do vestido à cor


do esmalte. - Taylor retrucou.

- Lo, ela está certa. - Falei, e Taylor sorriu triunfante.

Ela sorriu também.

- E você realmente acha que eu não sei qual flor vai estar no
seu buquê? - Ela perguntou, divertida, enquanto enrolava
uma mecha do meu cabelo no seu indicador.

Encarei-a por um momento, apenas para chegar à óbvia


conclusão de que ela estava certa. Lauren sabia a flor que eu
escolheria. Porque eu gostava de todas as flores, mas uma
era especial. Simplesmente porque ela mesma a havia
tornado especial.

Claro que ela sabia.

- Ei!

Lauren e eu olhamos para frente, procurando pelo dono do ei,


e fomos cegados com um flash.

- Obrigado. - Chris disse, e como se fosse a coisa mais natural


do mundo, se retirou com uma câmera na mão sem se
preocupar em explicar absolutamente nada.

- Lauren, xô! - Taylor falou, chutando as pernas da cadeira


dela. Ela fez um movimento esquisito com as mãos, como se
quisesse esganá-la, e então me intrometi.

- Lo, estou com fome. Faz um sanduíche pra mim? - Pedi, com
cara de abandono.
- Claro, amor! - Ela consentiu, já se levantando - Quer um
sanduíche de quê?

- De qualquer coisa gostosa. - Sorri, dando um beijo no seu


rosto, e ela saiu para a cozinha.

Não foi necessário um tempo muito grande para decidirmos


aquele ponto. Taylor buscou na internet uma lista de imagens
dos mais variados tipos de buquês de noiva, me dando mais
opções. Ao final, optei por um buquê em cascata, muito
diferente dos tradicionais (que pareciam pequenos repolhos).
E, como Lauren já sabia, seria composto por Camélias, todas
brancas, mescladas com folhas verdes trançadas no arranjo,
junto com alguns fios dourados.

- Seu sanduíche, amor. - Ela falou de repente, assustando nós


três, e Taylor fechou o laptop em um estalo. Lauren notou o
estado de nervos da irmã e se apressou em falar - Eu não vi
nada! Nem estava olhando!

Eu acreditei. Ela parecia sempre mais atenta a mim do que a


qualquer coisa à nossa volta. Quando encarei o prato
colocado à minha frente, com um sanduíche de três pães,
sabe-se lá mais o que entre aquelas fatias e um suco de
pêssego como acompanhamento, tentei falar de maneira
natural.

- Lo... O que tem nesse sanduíche?

- Requeijão, queijo magro, peito de peru, presunto defumado,


alface, tomate, agrião, cenoura ralada, frango desfiado, um
pouco de azeitona, ervilhas...

- Entendi... - Interrompi-a, ainda encarando o enorme


sanduíche. Eu não estava com fome, mas não admitiria que
só havia pedido o sanduíche para tirá-la da sala antes que ela
estrangulasse Taylor.

Acabei comendo o lanche inteiro, porque embora eu não


estivesse com fome, tudo estava muito bom. Meia hora
depois o almoço foi servido, e de uma forma surpreendente,
consegui acompanhá-los na refeição também, sem sequer
negar a sobremesa. De repente, um pensamento veio à
minha cabeça como tortura: Eu me casaria dali a cinco dias, e
estaria preocupada com o fato de estar engordando e caber
no meu vestido de noiva caso tivesse começado a pensar
nele.

Três empregadas surgiram de algum lugar e começaram a


retirar a mesa. Esperei todo mundo se espalhar para
encurralar Taylor em um canto e mostrar meu desespero.

- Taylor! O vestido!

O vestido. Era uma das coisas que mais demoravam para


serem decididas no processo do casamento, e eu sabia disso.
Como diabos não havia pensado nele? Por que já não
havíamos começado a procurar por ele?

- O que tem o vestido? - Ela perguntou.

- Eu não tenho um! - Falei, tentando não soar esganiçada.

- Mila, minha irmã demorou um século pra resolver pedir a


sua mão. Mas só porque Lauren é devagar, não quer dizer que
eu tenha que esperar por ela.

Continuei encarando-a, pedindo silenciosamente para que ela


explicasse do que se tratava tudo que havia acabado de dizer.
Ela revirou os olhos.
- Você acha que minha mãe sempre teve essas revistas de
noiva em casa? Acha que sempre tivemos telefones de
floristas e decoradores? Desde que Lauren nos disse que
pediria você em casamento, o que já faz algum tempo,
começamos a procurar detalhes que pudessem ajudar na
organização. Não podíamos fazer tudo até que tivéssemos a
sua resposta, mas como todo mundo - menos ela - tinha
certeza da sua resposta, começamos a procurar as coisas sem
que você soubesse mesmo assim. Por isso eu me dei a
liberdade de mandar fazer o seu vestido. E não se preocupe,
você vai gostar dele. Pelo menos, gostou da última vez que o
vestiu. Apesar de que era verde. Mas imagine-o branco com
alguns detalhes bordados, e acho que vai combinar
perfeitamente com um casamento discreto e simples.

Sem ainda responder nada, me lembrei do vestido que Taylor


me fizera experimentar alguns dias atrás, no shopping. Eu
lembrava que era um vestido inapropriado para um
aniversário, mas suficientemente interessante para se passar
por um vestido de noiva. E se eu fosse levar em consideração
o quão belo ele era e como me senti usando-o, poderia dizer
que sim: Eu adoraria me casar com ele.

- Mas se você não gostar, podemos procurar outro...

- Não! - Interrompi-a sem muita educação - É perfeito!


Obrigada, Taylor!

Abracei-a com um pouco de dificuldade por causa das nossas


barrigas, fazendo força para não me emocionar.

- Ei, Lauren! - Chris gritou atrás de nós - Achei duas grávidas


aqui. Vem ver se uma delas é a que você está procurando!
Naquela tarde, fomos escolher o modelo dos convites.
Levando em consideração que tínhamos quatro dias para
imprimir os dizeres e enviá-los para os convidados, chegamos
ao consenso de que deveria ser algo bem simples. O texto já
havia sido pensado por Clara e confirmado por mim e por
Lauren. Quando fomos informados de que era necessário,
pelo menos, uma semana para que todos os convites
ficassem prontos, Lauren pediu para que Clara e Taylor me
acompanhassem até o carro, esperando-a lá. Tive a certeza
de que ela havia oferecido uma boa quantia para que o
processo fosse acelerado, e sabia que a quantia era
suficientemente boa para que a oferta fosse prontamente
aceita.

Na terça-feira, Lauren pareceu desapontada quando Clara a


informou de que ela não poderia nos acompanhar aquele dia.

- Por que não? - Ela pergutou, com cara de cachorrinho


abandonado na chuva.

- Porque vamos experimentar o vestido, os adereços, a


maquiagem e o penteado.

- Eu posso esperar no carro...

- Querida... - Clara começou de forma gentil - Por que não liga


para os contatos das mesas, cadeiras, postes de iluminação,
músicos... Temos ainda muita coisa para decidir. E, além do
mais, você tem que fechar todos os papéis do casamento, e
ainda escolher seu vestido.

Depois de alguns minutos tentando convencê-la de que aquilo


era mesmo o melhor a ser feito, fomos de carro até uma rua
comercial um pouco movimentada, onde, nas vitrines,
mostravam-se roupas próprias para casamentos, incluindo
trajes de noivos, madrinhas, daminhas e tudo que se podia
imaginar. Naquela rua havia uma outra unidade da loja que
Taylor e eu visitamos no shopping, só que maior.

Não precisamos informar sobre o vestido. Taylor


simplesmente disse seu nome e uma das atendentes da loja
nos encaminhou para a área dos provadores, onde, em uma
das cabines, o vestido já nos esperava. Pendurado em um
cabide alto, o vestido não era exatamente como eu me
lembrava. Esse apresentava bordados por toda a extensão do
tecido, um fio muito fino e dourado cruzado em forma de
losango na área da barriga e mangas largas, além das justas
que já existiam por baixo, de seda branca com detalhes de
renda.

Meu coração começou a bater mais rápido.

- Eu dei a idéia dessas modificações pequenas... - Taylor


começou no meu ouvido - Mas se você não gostou, podemos
voltar ao original.

O vestido parecia brilhar diante dos nossos olhos. Ao lado


dele, em uma pequena bancada, estava uma gargantilha com
aparência de gotas de vidro que combinava perfeitamente
com o vestido, dando o toque final do que eu achava ser a
perfeição.

- Está... Lindo! - Consegui falar depois de algum tempo.

Não foi preciso muito para me colocar dentro dele com a


ajuda da atendente. Me olhei no espelho apenas para
constatar o que eu já sabia: Ele era perfeito, em cada detalhe,
em cada costura. Eu parecia uma princesa, um anjo ou
qualquer coisa mágica, e precisava me lembrar de agradecer
a Taylor pelo resto da vida.

Quando saí do provador, as duas me olharam como se eu


estivesse brilhando. Clara soltou um suspiro enquanto seus
olhos se enchiam d'água.

- Eu sou foda. - Ouvi Taylor falar - Pode dizer: É ou não é


perfeito?

- Realmente é. - Respondi, olhando em volta para todos os


espelhos que me davam visões de ângulos diferentes do meu
corpo.1

- Você está absolutamente linda. - Clara disse sorrindo,


enquanto ajeitava uma das mangas.

- É o meu presente de casamento. - Taylor falou baixo ao pé


do meu ouvido, e eu agradeci do fundo do coração.

A atendente que havia me ajudado com o vestido trouxe a


gargantilha e a fechou ao redor do meu pescoço. Encarei o
espelho mais próximo outra vez para ter uma idéia do
conjunto. Fiquei por um bom tempo sem dizer nada,
imaginando como seria estar vestida daquela forma no meu
casamento. Meu coração acelerou outra vez.

- Você acham que a Lauren vai gostar? - Perguntei distraída,


ainda encarando o meu reflexo e o das três mulheres à minha
volta.

- Você só pode estar brincando. - Taylor debochou, segurando


meus cabelos e formando um coque provisório - Ela te acharia
linda até se você fosse vestida de astronauta. Assim então...
- Ela vai se apaixonar ainda mais. - Clara falou de uma forma
doce.

A atendente não precisou fazer muita coisa. O vestido havia


sido feito para as minhas próprias medidas: Taylor tinha
trabalhado nisso, e eu sabia. A bainha já estava ajustada à
minha altura, o que indicava que eu não precisaria usar saltos
no jardim da casa de Clara e Mike.

Quando eu já estava usando o vestido por tanto tempo que


todas nós já havíamos decorado cada detalhe, me troquei
com a certeza de que aquele era mesmo o vestido mais
perfeito que eu encontraria, e sequer precisava procurar por
outros. Talvez porque eu não quisesse mesmo procurar.

Deixamos o vestido na loja e fomos em outra loja, também


própria para noivas. Escolhemos uma sapatilha simples e
linda, completamente plana, com alguns brilhos e bordados
delicados. A escolha não tomou muito tempo, por isso,
minutos depois já estávamos no carro outra vez, levando para
a casa de Clara os sapatos e o vestido.

Quando chegamos lá, Lauren foi expulsa por Taylor, assim


como Chris e Oliver.

Diante dos protestos dos dois últimos por não serem os noivos
e, por isso, poderem continuar ali, Taylor deixou claro que a
presença de qualquer homem à minha volta estava proibida.
Eles obedeceram mal humorados, indo embora com Lauren.

Nós três, sozinhas em casa com as empregadas, almoçamos


qualquer coisa e nos preparamos para a visita da equipe de
cabeleireiros e maquiadores que Taylor havia contactado.
Eles chegaram no horário marcado, trazendo toda a
parafernália própria para aquelas coisas, e eu podia jurar que
nunca na vida havia visto tantos tons de rosa para blush.

Com o tempo, fomos vendo a mistura de tons claros no meu


rosto delinear e valorizar tudo que deveria ser valorizado ali.
Ao final da sessão de maquiagem, me encarei no espelho e
me surpreendi com o quão bonita eu realmente estava. A
maquiagem era suave, mas estava, incontestavelmente,
perfeita. Ignorando os protestos de Taylor quanto às cores
claras, passamos para o penteado. Experimentamos vários
arranjos, passando de simples fios soltos até tranças
trabalhadas e mescladas com outros tipos de penteado. Ao
final, talvez porque tenha mesmo combinado mais com o
formato do meu rosto e o estilo tanto do vestido quanto da
própria festa, decidimos que uma trança desfiada,
propositalmente bagunçada e caída para frente sobre um dos
ombros, era a melhor opção dentre todas elas, dando a mim
mesma um ar mais simples e delicado.

Quando tudo ficou decidido, já estava escurecendo. Esperei


que toda aquela equipe fosse embora e tomei um banho
rápido para tirar a produção. O vestido, a gargantilha e os
sapatos estava guardados em um dos quartos de hóspedes da
casa de Clara, e Taylor fez questão de prender à porta,
sempre fechada, um aviso de que se Lauren ou qualquer
outro indivíduo entrasse lá, o casamento seria imediatamente
cancelado.

Ao final daquela terça-feira, meus pés e minhas costas doíam


um bocado. Eu estava faminta, cansada, mas feliz. A idéia de
que nosso casamento estava chegando começava a me
alcançar, proporcionando um leve frio na barriga toda vez que
a imagem de Lauren e eu oficializando de uma vez nosso
relacionamento vinha na cabeça.+

***

Pov Camila

Acordei estranhamente ansiosa na quarta-feira, começando a


lembrar com mais frequência do tempo que ainda restava
para sábado. De alguma forma, me acalmei um pouco assim
que Clara nos informou que tudo o que faríamos aquele dia se
resumia a provar o buffet. Tudo já havia sido organizado por
ela e Taylor. Por isso, Lauren e eu só tivemos que ir até o local
marcado - um tipo de salão de festas um pouco longe dali -
para decidir o que entraria ou não no cardápio. Elas foram
conosco, apenas para ajudar em alguma eventualidade.

Passamos horas provando doces, chocolates, salgadinhos,


canapés, frios de diversos tipos, porções de massas, pratos de
sopas e mais outras coisas. Taylor ajudou na tarefa, talvez
porque quisesse parecer útil ou talvez porque sua gravidez a
estava deixando com fome. Lauren parecia interessada nesse
assunto, e me lembrei por seu gosto pela culinária. Como
minhas costas começavam a doer agora com mais rapidez,
sentei em uma das cadeiras e permiti que ela resolvesse
aquele assunto, escolhendo o que quisesse. Eu realmente não
me importava com nada, contanto que ela não faltasse ao
casamento.

Naquela noite, Lauren e eu tivemos uma pequena discussão.


Ao pedir meu documento de identidade e minha certidão de
nascimento para finalizar os últimos documentos que
faltavam para tornar o casamento possível, descobri que ela
havia decidido, sozinha, que nos casaríamos em comunhão
total de bens. Eu não entendia absolutamente nada sobre
assuntos jurídicos de matrimônios, mas sabia o suficiente
para ter certeza de que casar com Lauren, assinando um
papel que dizia que toda a fortuna dela era minha também,
era, no mínimo, injusto.

- E o que você sugeriria? Separação total de bens? - Ela


debochou.

- Seria mais plausível, não?

- Não!

- Me explique então de que maneira eu tenho alguma


influência sobre a SUA fortuna.

- Se estou me casando com você, quer dizer que quero que as


nossas vidas se unam. O que é meu é seu, e essa é a minha
idéia de união.

- E por que eu não posso me unir a você sem precisar tomar


as suas coisas...

- Você não está tomando nada. Eu estou dividindo...

- É injusto e claramente vantajoso unicamente pra mim! Só eu


ganho com isso! 

- E eu não perco nada! Por que você é tão teimosa?

- E por que você sempre decide as coisas sozinha?

- Mas você concordou em deixar os assuntos jurídicos sob


minha responsabilidade! 

- Mas eu não lembrava que tínhamos que decidir o tipo de


regime de bens!
Discutimos por algum tempo, até que minha cabeça começou
a doer e Lauren pareceu profundamente arrependida de ter
começado uma discussão, preocupada demais com o meu
estado de nervos e como aquilo poderia afetar a gravidez.
Quando eu já estava deitada e sendo devidamente
paparicada, ela tentou me convencer em um tom mais calmo
de que não havia porquê optarmos por outro tipo de regime
de bens, e que, caso eu continuasse com a mesma opinião,
poderíamos mudá-lo depois do casamento.

Para tornar as coisas mais fáceis, eu aceitei. Sabia que se


continuasse com a minha idéia, o casamento provavelmente
acabaria não acontecendo dali a três dias. Além do mais,
Lauren estava certa: Ela não tinha muito a perder, porque se
dependesse só de mim, divórcio não era uma opção.

Na quinta-feira eu já não conseguia esconder minha


ansiedade, que foi agravada quando Lauren comunicou que
iria fazer a prova do vestido e que eu não poderia ir junto.

- Por que não? - Perguntei com cara de choro.

- Também quero ser uma surpresa pra você no dia. - Ela falou
com um sorriso no rosto enquanto me abraçava.

- Mas... Eu não quero ficar sozinha! - Falei, sentindo o choro


chegar bem devagar.

- Você não vai ficar sozinha. Vai ficar com a minha mãe e a
minha irmã.

- E quem vai com você? Chris e Oliver não contam, precisa de


uma opinião feminina...

- E vou ter uma opinião feminina.


Encarei-a cheia de dúvidas. Ela ainda sorria de forma gentil,
beijando minha testa como se eu fosse uma criança.

- Quem vai com você? - Repeti, um pouco desconfiada,


embora não soubesse realmente com o quê. Mas se não era a
mãe ou a irmã dela, era alguma mulher aleatória. E qualquer
mulher aleatória me incomodava.

Quando Lauren se preparou para responder, a campainha


tocou ruidosamente.

- Ah, acho que ela chegou. - Ela disse, segurando minha mão
e me levando para o hall de entrada.

Quando Ally entrou na casa junto com Marcel, Julia e Emily,


me perguntei como eu não havia me dado conta da ausência
deles para o casamento. Talvez eu estivesse um pouco alheia
a tudo, fosse pela correria ou pelo estado letárgico em que eu
ainda me encontrava desde que Lauren havia pedido a minha
mão.

- Sabe há quanto tempo essas malas já estão feitas? - Ally


perguntou, se soltando do abraço de Lauren e apontando para
a porta.

- Relaxa, Ally. - Chris disse, surgindo do nada e indo falar com


ela - Os convites não vão chegar a tempo pra nenhum dos
convidados, então temos mais um motivo pra zoar com a cara
dela pelo resto da vida.

Todos se cumprimentaram entre si e eu permaneci ali feito


uma pamonha, assistindo a tudo sem me mexer.

- A outra noiva! - Ally falou, me tirando daquele estado


catatônico. Abracei-a e agradeci aos parabéns, tanto dela
quanto de Marcel. Dei um beijo em cada uma das meninas,
me sentindo repentinamente mais alegre pela presença delas
ali.

- Você está mais gorda... - Julia falou calmamente, já que era


muito nova para entender coisas como sutileza. Ela soou tão
sincera que não tive como não rir, mesmo com os pedidos de
desculpas envergonhados da mãe.

- Julia, ela está grávida. - Marcel falou, rindo também.

- Ah! Tem um bebê aí dentro? - Ela perguntou, encostando a


mão na minha barriga. Emily imitou seu gesto, mesmo sem
saber o motivo.

- Tem. Uma menina. - Respondi.

- Mas essa casa fica a cada dia mais linda! - Clara falou,
aparecendo tão de repente quanto Chris e indo abraçar Ally e
Marcel.

Julia parecia um pouco vidrada na minha barriga, e Lauren


começou a ficar com medo dela. Ela foi grata à Taylor por
aparecer com sua barriga ainda maior e fazê-la
momentaneamente se esquecer de mim.

Depois de um grande almoço, incluindo Mike que fizera


questão de dar uma escapada do trabalho para a reunião
familiar, Lauren pediu para Ally e Chris que a
acompanhassem na prova do vestido. Me senti deixada de
lado, mas não quis confessar isso a ninguém, tentando
parecer mais madura do que eu realmente era.

Aquela tarde teria demorado mais caso eu não tivesse me


preocupado em ajudar todo mundo nas finalizações para a
cerimônia. Taylor tagarelava animadamente no telefone com
floristas, enquanto Clara se viarava para conseguir enviar,
com urgência, os últimos convites que faltavam. Marcel, por
algum milagre, havia conseguido fazer com que Julia e Emily
dormissem de tarde, em um dos quartos de hóspedes, e
Oliver coordenava o trabalho dos jardineiros, que precisavam
deixar o jardim impecável, segundo Taylor, até o dia seguinte.

Agora que as pessoas começavam a correr, literalmente, para


finalizar as últimas pendências da festa, meu coração e meus
nervos pareciam entender a realidade aos poucos, deixando
claro que dali a dois dias eu me casaria com Lauren. Aquilo
era real. Aquilo estava acontecendo.

Tentei ficar quieta, escondendo de qualquer um meu


nervosismo e minha ansiedade, e pedindo silenciosamente
aos deuses que nada desse errado. Que nada que pudesse
adiar aquele casamento, de qualquer forma, em qualquer
sentido, viesse a acontecer.

***

Sexta-feira chegou sem a quinta ter realmente ido embora.


Quando o relógio marcava 6h da manhã, resolvi me levantar,
já que cair no sono parecia uma tarefa impossível para o meu
estado de nervos.

Eu sabia que não havia muitos motivos para ficar ansiosa


daquela forma, mas não podia evitar. Não era algo que eu
controlasse, e o martelar incessante daquele mesmo
pensamento dentro da minha cabeça só fazia com que eu não
conseguisse me distrair de forma alguma: Amanhã eu me
caso com ela. Amanhã eu me caso com ela.
Lauren se levantou trinta minutos depois de mim, alegando
que seu sono havia sido interrompido unicamente pela minha
ausência na cama. Invejei-a pela sua calma, como se o dia
seguinte fosse ser apenas só mais um sábado qualquer.

- Você dormiu bem? - Ela perguntou, me encarando com uma


expressão preocupada.

- Sim. - Menti. Ela não precisava saber que meus olhos não
haviam sido pregados nem mesmo por dez minutos, mas eu
tinha certeza que o tom de roxo nas minhas pálpebras
deixavam esse fato bastante óbvio.

Durante o resto daquele dia, Lauren insistiu em me perguntar


se estava tudo bem, e conforme as horas passavam, me
aproximando mais do grande dia, mais difícil era mentir sobre
aquela pergunta. Em determinado ponto, acabei perdendo a
paciência e comecei a ser grosseira - mas não era por mal.
Tudo que eu queria, realmente, era que ela me deixasse
quieta.

O jardim da casa de Clara e Mike estava uma loucura. Um


caminhão havia trazido várias cadeiras de madeira, mesas,
bancadas e algumas tábuas que já estavam sendo unidas a
pregadas por alguns homens desconhecidos. Tudo estava
mais ou menos empilhado em um canto, e do outro lado
podia-se ver mais homens montando ferros e desdobrando
forros brancos, como toldos, fazendo força em todas as
direções. Oliver, Chris, Marcel e até Mike, que havia faltado
propositalmente ao trabalho, estavam ajudando na
arrumação. Havia tanta gente ali, dentro e fora da casa,
fazendo tantas coisas diferentes e falando tantas coisas
confusas que eu comecei a me sentir realmente agitada.
- Ei... Tudo bem aí? - Ouvi uma voz atrás de mim e me virei,
encontrando Ally com um sorriso simples no rosto vindo parar
ao meu lado.

- Nervosa... - Consegui pronunciar, encostada em uma pilastra


enquanto assistia a toda aquela preparação.

- Por quê?

- Não sei. - Admiti.

- Bom, é normal ficar nervosa perto do casamento, mesmo


sem motivo. É mesmo um dia muito importante.

- É... Importante... - Balbuciei, tentando afrouxar os nós dos


dedos - Só espero que eu não acorde agora. - Ally me olhou
de forma divertida.

- Você não está dormindo.

- Eu não tenho essa certeza...

Continuamos em silêncio por algum tempo, assistindo aos


homens trabalharem. Lauren que estava encostada em uma
parede não muito próxima, olhava para a nossa direção
sempre que podia, de longe, me dando espaço. Talvez
estivesse com medo de mim depois da última resposta que
dei a ela.

- Tenho que admitir uma coisa. - Ally falou outra vez,


chamando minha atenção. Ela olhava para longe, sem me
encarar - Quando soube o que ela sentia... Eu tentei fazer com
que ela esquecesse de você.

Embora eu não soubesse daquilo, não foi um choque ouvir


suas palavras. Na verdade, seria estranho caso ela NÃO
tivesse tentado, já que qualquer uma na posição dela faria a
mesma coisa pela melhor amiga que, de repente, resolveu se
apaixonar por uma puta.

- Tudo bem... - Respondi, sem realmente me ofender - Mas


fico feliz que você não tenha conseguido.

- Eu também. - Ela pontuou, dessa vez se virando para mim -


Você sabe o poder que tem sobre ela, não sabe? Sabe que ela
come na sua mão, e é por isso que é tão fácil fazê-la sofrer.

Sorri, voltando a encarar as pessoas que trabalhavam no


fundo do jardim.

- Ela também tem um poder um pouco estranho sobre mim...


Então acho que estamos quites.

- Talvez... - Ela finalizou um pouco distraída, seguindo meu


olhar.

Lauren surgiu à nossa frente, e eu me perguntei quanto


tempo ela havia demorado para cruzar aquele enorme campo
e vir em nossa direção sem que nenhuma das duas tivesse
realmente notado isso.

- Ei, está tudo bem?

- Lauren, sabe quantas vezes você já me perguntou isso hoje?


- Respondi calmamente.

- Eu vi Ally falando com você... Achei...

Interrompi-a, segurando seu pescoço e dando um selinho


gentil em seus lábios.

- Vamos fazer assim: Se eu sentir alguma coisa, eu te digo.


Prometo. Ok?

- Ok... - Ela respondeu ainda não muito convencida.


- Só estou um pouco nervosa. Se ao menos eu pudesse me
ocupar com alguma coisa pra ajudar na arrumação...

- Nem pensar. Você não vai fazer esforço nenhum.

Lauren era adorável na maior parte do tempo, mas às vezes


ela era simplesmente teimosa como uma mula. Antes que eu
começasse a gritar com ela, ou o que era pior, começasse a
chorar feito uma criança contrariada, virei de costas e entrei,
batendo o pé e deixando clara minha indignação por estar
sendo tratada como uma inválida.

Lauren queria que a arrumação da festa também fosse uma


surpresa para mim, e talvez eu tivesse conseguido escapar e
dar uma espiada nos fundos do jardim caso Chris não
estivesse ajudando a irmã naquele plano.

Mas, de qualquer forma, não era exatamente por aquilo que


meu coração disparava o tempo todo.

- É amanhã-ã-ã! - Chris falou em uma voz dramática, me


sacudindo pelo ombro e conseguindo exatamente o que
queria: Me deixar um pouquinho mais desesperada.1

- Para com isso, idiota. Não está vendo que ela está nervosa?
- Taylor falou em um tom de reprovação. 

- Qualquer noiva fica nervosa na véspera do casamento,


Jabulani.

- Ela está grávida. - Clara lembrou - Não a deixe mais ansiosa,


Chris. Não é bom.

- Amor... - Lauren começou, perto da minha orelha - Quer que


a gente vá pra casa?
- Quê? - Chris se meteu outra vez - Casa? Lauren, sua
retardada, amanhã você vai estar casada! Temos que sair pra
sua despedida de solteira!

Eu continuava muda, apenas escutando todo mundo à minha


volta. Era mais saudável ficar quieta, porque talvez, no
momento em que eu abrisse a boca, acabaria me
descontrolando de verdade.

- Não acha que talvez seja melhor Lauren ficar fazendo


companhia pra Mila, filho? - Mike perguntou, provavelmente
notando o quão esquisita eu estava.

- Lauren vai sufocá-la pelo resto da vida! Só temos que


comemorar, já que hoje é o último dia! - Ele falou animado,
virando-se para mim e fazendo uma cara de intelectual - Mila,
não se preocupe. Só vamos encher a cara e passar a noite
com algumas garotas de programa.

Por algum motivo, aquilo me fez rir e falar pela primeira vez
em muito tempo:

- Ela pode beber, mas não vai passar a noite com uma garota
de programa.

- E como a senhorita tem tanta certeza disso? - Chris


provocou, levantando uma sobrancelha.

- Eu só sei. - Falei, encarando Lauren e rindo sem querer.

- Ok. - Ele falou, ainda tentando fazer drama - Lauren, Oliver...


Vamos nos arrumar e botar pra foder.

- Cara... Eu sou casado. - Oliver concluiu calmamente.

- Foda-se! Vamos logo!


- Ok. - Taylor falou, sorridente - Mila, vamos nos divertir
também.

- QUÊ? PORRA NENHUMA!

Me assustei com o berro agudo de Lauren. 

- Ah, e só vocês podem aproveitar a noite? - Ela provocou com


ar de autoridade.

- Se deixar a minha noiva com você, eu não caso amanhã!

- Não seja tão dramática.

- Isso é injusto! Oliver está com a gente, é o suficiente pra


vocês saberem que não vai acontecer nada demais!

- Nossa, estou me sentindo muito pouco divertido agora. -


Oliver falou baixinho, e eu ri. 

- E eu estou com a Mila! - Taylor falou como se fosse um


ótimo argumento.

- Porra! É exatamente por isso que eu não quero...

- Lo, respire. - Ally se meteu, falando pela primeira vez - Eu


fico com elas.

Ela encarou a irmã, como se a desafiasse a me convencer de


fazer alguma merda na presença de Allyson.

Demorou um bom tempo até que todo mundo ali convencesse


Lauren de que, pelo amor de Deus, nós não faríamos nada
que pudesse se aproximar da palavra ousado. Tanto Taylor
quanto eu estávamos em estágios de gestação relativamente
avançadas, e se ela realmente achava que aquele papo de
beber vodka e ir parar em um clube de mulheres era verdade,
Lauren precisava de tratamento psiquiátrico urgentemente.
Quando Chris, Oliver e ela estavam prontos para sair, fui me
despedir.

- Ei... - Agarrei-a pela jaqueta de couro que ela usava,


trazendo-a propositalmente para perto e falando em um tom
divertido.

- Ei. - Ela respondeu, se encostando em mim e me abraçando


com força - Se chegar mais perto, eu fico. 

Sorri, beijando-a de forma simples mas provocante, falando


contra seus lábios:

- Lembre-se que você casa amanhã.

- Não tem como esquecer.

- Ah, tem sim. Não sei quantas doses de qualquer coisa o seu
irmão vai fazer você beber, e não sei onde vocês vão. Mas só
quero que você se lembre de mim.

- Não se preocupe. Vamos acabar bebendo em uma boate


qualquer. E, de qualquer forma, eu estou sempre pensando
em você, então não tem perigo.

Ela disse isso com sua voz sedutora e carinhosa, como uma
gata mansa, e eu me senti um pouco instável.

- Certo. - Falei, ainda contra sua boca - Vou fingir que você
não está tão cheirosa e linda, e que não vai servir de isca pra
vadias solteiras.

- Eu já tenho a minha vadia particular. - Ela falou perto da


minha orelha, ainda com aquela voz " vou te chupar toda" - E
duvido que alguém chegue aos pés dela. Em qualquer coisa.
Não adiantava quantas vezes ela usaria essa arma. Aquela
voz mansa ronronando perto do meu pescoço falando coisas
inapropriadas sempre fazia com que meu corpo virasse uma
gelatina gigante.

- Você não vai fazer nada demais, né? - Ela perguntou de


repente - Não ouça a minha irmã. Ela é maluca, e tenho
certeza que nenhuma idéia que ela der vai ser boa...

- Confie em mim. - Falei de maneira simples, beijando-a outra


vez - Dependendo da hora que você voltar, eu vou estar na
nossa cama te esperando.

Os olhos dela brilharam com aquilo.

- Você acabou de me fazer não querer ir pra lugar nenhum.

- Caralho, vocês vão ter que se aturar pelo resto da vida! -


Ouvimos Chris gritar do carro - Alguém joga um balde de água
fria nelas?

- Não quero que seu irmão me odeie. Vai logo.

Ela espalmou a mão na minha barriga e me beijou antes de se


afastar, dessa vez com uma intensidade que talvez dissesse
algo como "se você não estiver acordada quando eu voltar, eu
vou te acordar à força."

No fim das contas, tudo que Allyson, Taylor e eu acabamos


fazendo se resumiu a conversar sobre nossas gestações e
tomar vitamina de pêra durante a noite toda, ouvindo música
no sofá da casa de Lauren, que eu ainda me obrigava a
pensar como "nossa." Ao menos aquilo havia funcionado:
Canalizar meus pensamentos para outra coisa que não fosse
o dia seguinte me deixou mais tranquila, ouvindo com
atenção toda a experiência de Ally e o que Taylor já tinha
para contar também. Era bom ter algo para falar com elas
que servisse como distração.

Mas a minha despedida de solteira passou rápido demais.


Antes da meia noite, Ally e Taylor já tinham ido embora - não
sem antes se certificarem de que eu estava bem. Felizmente,
toda aquela vitamina de pêra com leite conseguiu me acalmar
de alguma forma.

Tomei um banho e fui me deitar imediatamente, desejando


que Lauren não estivesse longe. Agora, sozinha ali, eu
começava a me agitar de novo, e outra vez fui bombardeada
de pensamentos relacionados ao casamento e tudo que
poderia dar errado até ele.

Felizmente, o cansaço que meu corpo sentia foi maior que


meu nervosismo, então eu dormi.

O cheiro de álcool me puxou para a realidade outra vez, e me


perguntei quanto tempo eu havia conseguido dormir. Abri os
olhos um pouco desnorteada, e embora estivesse escuro, a
pouca iluminação do lado de fora no jardim permitiu que eu
identificasse Lauren ali, meio em cima de mim, me beijando
tão sutilmente que nossos lábios mal se tocavam.

- Hmmm...

- Merda... Não queria te acordar... - Ela falou, e


imediatamente identifiquei sua voz arrastada. 

- Que horas são?

- Duas, eu acho...
- Você está bêbada. - Falei contra sua boca, passando um
braço em volta do seu pescoço.

- Eu sei... - Ela respondeu em um tom de desculpas - Posso


acender a luz?

Abri meus olhos de uma vez no escuro, agora realmente


atenta.

- Ai, meu Deus... O que foi? - Perguntei, lembrando que


Lauren bêbada sempre resultava em revelações bombásticas.

Ela se esticou, alcançando a luminária do criado mudo. Eu me


sentei, encostada à cabeceira da cama, começando a ficar
nervosa outra vez. Encarei-a como se pudesse prever o que
ela falaria, notando em seus cabelos completamente
bagunçados e no cheiro forte de álcool.

- Desembucha. - Falei de uma vez, sem me preocupar se


estava sendo rude ou não. Ela me encarou surpresa, tentando
sentar reta na cama.

- Eu... Quero te dar uma coisa...

Pela primeira vez, olhei para suas mãos e notei que elas não
estavam vazias. Nelas, havia uma caixa branca de veludo
aberta, mostrando um par de brincos em forma de gotas.
Pareciam feitos de vidro. Eram belíssimos, delicados e de
aparência incrivelmente valiosa.

Olhei outra vez para ela.

- Só isso?

Ela se surpreendeu com a minha resposta, se mexendo na


cama e parecendo um pouco sem graça.
- Eu... Você queria mais alguma coisa? Podemos comprar...

- Não, não é isso! - Interrompi-a tentando me explicar - Era só


isso que você tinha pra me mostrar? Não queria falar nada?

- Não... Era só isso...

Suspirei aliviada, agora me permitindo analisar direito a jóia


que ela me oferecia.

- São lindos...

- Você pode usar amanhã?

- Claro. - Respondi, fechando a caixa e dando um beijo nela.


Felizmente, os brincos combinavam perfeitamente com a
gargantilha que fazia parte do meu vestido.

Ela sorriu, embora seus olhos estivessem fora de foco.

- Você está muito bêbada! - Provoquei, rindo da cara dela -


Vai acordar de ressaca amanhã e vai dar essa desculpa pra
desistir de casar...

- Caso com você até em coma alcoólico. - Ela respondeu, me


beijando de forma apaixonada.

- Seria um desafio na hora de responder o "sim."- Brinquei


baixinho, fazendo-a deitar e tirando dela os sapatos e a calça
jeans.

- Uau, você está tirando a minha roupa... Que legal.

- Você está muito bêbada pra transar, bonitona.

- Nunca estou muito bêbada pra transar com você. - Lauren


concluiu, me puxando para cima dela.
- Você tem que dormir! - Falei, já rindo da situação enquanto
tentava tirar sua jaqueta - Ou realmente esqueceu que vai se
casar amanhã?

- Por isso mesmo! Essa é minha última noite como uma


mulher livre... Nada mais apropriado do que transar, não?

Como ela conseguia raciocinar estando tão bêbada?

- Transar com a sua futura esposa? Não tem nada de


realmente interessante nisso.

- Ei! - Ela começou, em um tom falsamente irritado - Eu


escolho com quem vou transar na minha despedida de
solteira! Nem nos casamos e você já quer mandar em mim!

Me aproximei de seu rosto e me esfreguei nela de propósito.

- Você adora quando eu mando em você. Eu sei que isso te


excita.

- E é por isso que eu quero transar com você. - Ela concluiu,


com um sorriso sonso e meio bêbado nos lábios.

Ri outra vez, não achando falhas em sua lógica.

- Foda-se. - Falei para mim mesma, afundando em seus


braços e deixando que ela fizesse o que realmente quisesse
comigo.

***

Acordei com uma música um pouco irritante, e só depois de


muito tempo me dei conta de que ela pertencia ao meu
celular. Era estranho: Eu já havia me desacostumado a
receber ligações.
Olhei para o lado de Lauren na cama e constatei que ela não
estava lá. Enquanto isso, meu celular vibrava e tocava
escandalosamente em cima do criado mudo oposto.

- Alô... - Falei, esfregando os olhos e testando minha voz


rouca.

- Olha se não é a Bela Adormecida. - Taylor falou com uma


voz debochada do outro lado - Me diga uma coisa: Você ainda
pretende se casar hoje?

Me levantei de uma vez, sendo pega de surpresa pelas


palavras de Taylor. Infelizmente, o movimento foi rápido
demais, e no segundo seguinte me sentei na cama outra vez,
completamente tonta.

- Wow... Que horas são? - Perguntei de olhos fechados,


tentando me acalmar.

- Meio dia. E agora que eu sei que você já está acordada,


estou indo praí. Você tem 5 horas pra se tornar a noiva mais
linda do mundo, então escove os dentes, tome um banho e se
arrume em menos de 5 minutos.

E simplesmente, sem dizer mais nada, ela desligou.

Tentei ficar de pé outra vez, feliz por não sentir mais aquela
tontura inicial. Andei o mais rápido que pude para o banheiro,
escovando os dentes sem sequer me olhar no espelho e
entrando dentro do chuveiro de uma vez.

Quando saí, enrolada na primeira toalha que vi, encontrei


Taylor já sentada na cama desfeita, me encarando com
aqueles olhinhos. Levei um susto, mas me recompus rápido.

- Bom dia. - Ela falou sorridente.


- Por que ela não me acordou? Onde aquela filha da puta
está?

- Na casa dos nossos pais.

- Ah, que bom que ELA vai ter tempo de se arrumar!

- Mila, respira.

Só então notei meu real estado de nervos. Se nos dias


anteriores minha ansiedade chegava a níveis assustadores,
hoje eu parecia uma bomba atômica prestes a explodir.

- Ok... O que eu faço? - Perguntei, já em pânico, esperando


que ela me guiasse de alguma forma. 

- Primeiro, você se acalma. Depois, nós almoçamos. E depois,


começamos a te arrumar.

- Certo. Vou me acalmar...

- Ótimo. - Ela começou, tranquila - E respondendo à sua


pergunta anterior, Lauren não te acordou porque disse que
você parecia exausta.

Bem, eu estava exausta. Não dormia há muitas horas, mas


isso não significava que o melhor que ela tinha a fazer era me
deixar dormir além da hora no dia do nosso casamento!

- Não preguei os olhos na noite anterior...

- Que bom que você conseguiu dormir na véspera. Significa


que podemos usar menos maquiagem pra cobrir as olheiras.
Mas, em compensação, vamos ter que cobrir um ou dois
hematomas.

Arregalei os olhos para ela, procurando agora em mim alguma


mancha roxa, mas não encontrei nada.
- A lateral do seu pescoço. - Ela explicou, parecendo calma e
divertida ao mesmo tempo - Sinceramente, minha irmã
poderia chupar com menos força.

Eu realmente mataria Lauren quando a encontrasse.

- Mas não se preocupe. Não é nada que não dê pra esconder.

Suspirei aliviada, esquecendo de me envergonhar.

- Tem certeza?

- Tenho. Agora, se vista de uma vez. Oliver está lá embaixo


preparando o almoço. Como você acordou tarde, não vai dar
tempo de aproveitar um café da manhã. Almoçamos e depois,
mãos à obra!

Era bom que Taylor estivesse ali. Se não fosse por ela, eu
provavelmente acabaria chorando em um cantinho, ainda
enrolada na toalha. Eu não sabia se ela já tinha tudo
esquematizado e cronometrado dentro da cabeça, mas sua
expressão de dona da situação foi o suficiente para me
acalmar um pouco.

Desci alguns minutos depois, vestindo um casaco qualquer,


uma calça de moletom e minhas pantufas rosa-chiclete.
Encontrei Taylor e Oliver conversando animadamente na
cozinha, discutindo sobre o almoço e os horários que
tínhamos que cumprir.

- Lauren não vai almoçar aqui? - Perguntei, embora já


soubesse a resposta.

- Não. - Oliver respondeu, pegando alguma coisa na geladeira


- A tradição diz que o noivo e no caso de Lauren noiva, não
pode ver a noiva com o vestido antes do casamento, mas
achamos que seria muito mais emocionante se vocês não se
vissem de forma nenhuma.

- Isso é injusto. Ela já me viu hoje, quando saiu antes de mim.


E não me chamou. - Concluí, fazendo cara de puta.

- Não se preocupe, eu acho que ela ainda estava um pouco


bêbada de manhã. Provavelmente a memória dela vai ser
afetada.

Para parecer que o tempo passava mais devagar, tentei não


falar. Assisti Oliver terminar de preparar o almoço em silêncio,
almocei em silêncio e lavei a louça em silêncio. Não sei se ele
ou Taylor se preocuparam com minha atitude, mas pelo
menos pareceram compreensivos.

Quando a equipe de maquiadores e cabeleireiros chegou, às


13h, continuei praticamente em silêncio, falando apenas o
necessário, mesmo que meu coração agora batesse
realmente rápido. Eram três pessoas, aparentemente de
muito bom humor, distribuindo elogios aos quais eu não
conseguia prestar atenção. A agitação dentro da casa me
trouxe mais próxima à realidade que eu insistia em afastar:
As horas estavam passando, e rápido, me fazendo pouco a
pouco caminhar para o momento do casamento.

Do meu casamento.

Com ela.

- Ok, então vamos clarear os seus olhos, como fizemos há


alguns dias, e dar destaque às formas do seu rosto...

- ... seu cabelo já é liso por si só, mas vamos passar uma
escova e.. 
- ... o que você acha desses pontos de luz? Acho que vão
combinar com...

- ... unhas em tom claro, certo? Não acho que combine outra
cor aqui, porque...

- ... essa base é da tonalidade da sua pele. Vai esconder a sua


"pequena diversão" no pescoço, não vai ser difícil...

- Claro.

Eu respondia completamente alheia ao que realmente estava


acontecendo. Era automático. Se alguém fizesse alguma
besteira, Taylor naturalmente gritaria e mandaria
consertarem o que quer que estivesse errado.

Me pediram para olhar para cima, olhar para baixo, fazer bico,
inclinar o pescoço, abaixar a cabeça, fechar e abrir os olhos,
estender as mãos e separar os dedos. Falaram comigo
durante toda aquela tarde, e tudo que fiz, além de obedecer,
foi responder coisas como "sim," "aham" e "é." Taylor
aparecia de dez em dez minutos, cada vez mais produzida e
maquiada, fazendo cara de "está ficando bonita" para mim, e
eu sorria para ela puramente por reflexo.

Eu vou me casar em algumas horas. Em algumas horas...

- E então? O que achou?

Pisquei algumas vezes, reparando no espelho à minha frente.


Ele mostrava uma pessoa muito parecida comigo, mas
infinitamente mais bonita. As maçãs do rosto estavam
coradas, os olhos pareciam brilhantes e delineados, a boca
parecia até mais sensual. A trança desfiada com cada fio
milimetricamente bagunçado me dava uma aparência
delicada, mas ao mesmo tempo, elegante.

Eu estava muito mais bonita do que no dia da prova da


maquiagem.

- Não gostou? - Taylor falou outra vez, me tirando do transe.

- Gostei! Está perfeito. - Falei, olhando para às pessoas à


minha volta - Muito obrigada!

Taylor e as três pessoas desconhecias riram após um breve


suspiro, talvez de alívio ao notarem que eu não daria um
escândalo e mandaria refazerem todo o trabalho. Me encarei
no espelho outra vez, me certificando de que o descuido de
Lauren deixado no meu pescoço estava devidamente
camuflado. - Eu esqueci de uma coisa... Vocês podem repetir
a maquiagem no meu hematoma? Eu tenho que passar uma
coisa aqui...

Alcancei meu creme de amêndoas e passei uma camada fina


ali, me desculpando por não ter lembrado daquele detalhe
antes. Eles não pareceram se importar, e refizeram o trabalho
na área do meu pescoço como se fosse algo fácil.

Quando meu look estava oficialmente terminado, olhei em


volta procurando por Taylor exatamente no momento que ela
e a manicure entravam pela porta outra vez, trazendo nas
mãos meu vestido com todo o cuidado.

- Hora de se arrumar, noiva. - Ela falou de bom humor, e meu


coração deu um salto. Não sei se por causa do que ela trazia,
pela forma como me chamou, ou ainda por me fazer notar
que estávamos nos aproximando das 17h da tarde.
- Me arrumar... - Balbuciei, entre um suspiro e outro. Minha
respiração estava claramente afetada, e como se fosse
mágica, um copo de água surgiu na minha frente.

- Ei, você tem que se focar aqui. Se ficar muito nervosa vamos
ter que parar pra cuidar de você. - Ela começou de maneira
muito séria, e desejei não ser uma grávida frouxa e inútil.

- Eu sei...

- Ok. Um passo de cada vez, e quando você notar, já vai estar


entrando no casamento.

- Certo. - Falei, tentando parecer durona.

- Certo. O primeiro passo é se enfiar dentro do vestido. Nós


vamos ajudar você.

O maquiador se retirou do quarto, deixando apenas Taylor, a


cabeleireira e a manicure me ajudando com o vestido e toda a
tarefa incrivelmente difícil de me colocar dentro dele sem que
meu penteado ou minha maquiagem fossem comprometidos.
No final, por algum milagre, todas as acrobacias pareceram
dar certo.

Calcei as sapatilhas e quando Taylor colocou em mim a


gargantilha me lembrei dos brincos que Lauren havia me
dado na noite anterior. Assim que os coloquei, outra vez como
mágica, um buquê recheado de Camélias surgiu à minha
frente, com fios dourados e folhas soltas e trançadas. Eu não
havia visto muitos buquês de noiva na vida, mas eu tinha
certeza que aquele era um dos mais lindos que podiam
existir.
Fui guiada para dentro do closet, e quando me vi encarando o
espelho enorme lá dentro, suspirei.

Eu não era a noiva mais interessante do mundo. Também não


era a mais chique, tampouco a mais elegante. Mas eu estava,
definitivamente, bonita. Como nunca estivera antes. Tão
bonita que, pela primeira vez na vida, tive uma vontade idiota
de tirar uma foto de mim mesma apenas para guardar de
recordação e lembrar que, um dia, eu estive com aquela
aparência.1

- Se você quer saber a minha opinião - Taylor começou,


tentando se esquivar do espelho para que só a minha imagem
fosse refletida -, eu acho que você é a noiva mais linda que eu
já vi.

Era óbvio que existiam noivas muitos mais bonitas do que eu,
mas mesmo assim o elogio de Taylor surtiu efeito, trazendo
algo dentro de mim que eu não lembrava existir: Eu senti
amor próprio, senti minha auto-estima ser tocada de alguma
forma, mesmo que discretamente.

- Obrigada... - Falei, sorrindo e tentando não chorar - Mesmo


que você esteja exagerando... - Não está não.

Virei para a saída do closet e encontrei Oliver encostado na


moldura da porta, vestindo um terno preto muito elegante
enquanto me encarava com um sorriso no rosto. Vê-lo vestido
daquela forma fez com que meu coração acelerasse outra
vez.

- Bom, na verdade... - Ele recomeçou, parecendo divertido -


Você é a segunda noiva mais bonita que eu já vi. A primeira
se casou comigo. Espero que não se chateie pela sinceridade.
- Tudo bem, estou feliz com o segundo lugar. - Respondi,
tentando sorrir de forma tranquila pela gentileza.

- Só acho um pouco perigoso. Lauren pode cair morta e


gelada quando ver você assim tão bonita.

- Eu espero, do fundo do coração, que isso não aconteça...

- Porra, tenho que me arrumar! - Taylor interrompeu batendo


na própria testa, se lembrando de repente de que ainda
vestia as mesmas roupas de antes, e saiu do closet correndo.

Voltei a me encarar no espelho, testando minha respiração e


mentalizando qualquer coisa feliz. Não tive coragem de
perguntar a Oliver que horas eram, me concentrando
principalmente em ficar calma. Taylor estava certa, eu não
podia ficar nervosa daquele jeito. Não seria nada bom para o
bebê.

Mas quanto mais eu pensava nisso, mais nervosa eu ficava.


Além de estar prestes a me casar, tinha que controlar meus
nervos por causa da minha filha, mas era difícil ficar calma.
Não era da natureza de uma noiva ficar tranquila alguns
minutos antes do próprio casamento, por isso eu sabia que
ninguém podia exigir isso de mim.

Mas eu tinha que me controlar.

- Tudo bem aí? - Oliver perguntou, como se pudesse ler meus


pensamentos.

- Nervosa. - Foi tudo que falei. Ele entenderia.

- Não fique. Nada vai dar errado.

- Acredite, muita coisa pode dar errado. - Falei, de repente


pensando em realmente tudo que podia estragar aquele
momento, mas resolvendo verbalizar o menor dos meus
medos - Eu posso tropeçar no vestido e dar com o nariz no
chão. Eu sou bem assim.

- Peça pro seu condutor te segurar.

Estaquei, ainda encarando Oliver como se ele não tivesse dito


nada.

Quem iria me levar até o altar? Por que eu não havia pensado
naquilo antes?

Aliás, por que eu nunca pensava em nada antes de me dar


conta de que era tarde demais para solucionar o problema?

- Oliver... Quem...

- Não se preocupe. Você não vai entrar sozinha.

De repente, senti uma vontade quase incontrolável de chorar.


Senti saudade dos meus pais, e desejei, com toda a força da
alma, que eles estivessem ali. Nem que fosse para me dizer,
com a certeza que eles sempre pareciam ter, que eu seria
feliz.

Apesar disso, tentei controlar as lágrimas e parecer forte,


mesmo que só por fora. Aquele era um momento muito
grande para acumular tristezas e incertezas, e eu sabia que
precisava estar inteira para o que estava por vir.

E com o pensamento nos meus pais, desejando que eles


estivessem presente até mesmo em espírito, engoli o choro e
respirei fundo, saindo do closet de cabeça erguida, sentindo
uma coragem que há poucos segundos não estava em mim.

***
Cheguei à frente do jardim da casa de Clara e Michael no
carro que Oliver dirigia. A cerimônia seria nos fundos, perto
do chafariz, por isso não havia perigo em ser vista por
ninguém: Todos já estavam em seus lugares.

Caminhei para o lado da casa, sempre encarando o chão, e os


batimentos do meu coração pareciam acelerar a cada passo
dado. Taylor caminhava ao meu lado, tão linda em um vestido
longo e vermelho que, por um momento, meu brilho de noiva
enfraqueceu. Mas eu não me importava.

- Vejam se não é a noiva. - Ouvi alguém dizer, e ao levantar o


rosto, vi Chris em um terno incrivelmente elegante, me
encarando com os olhos brilhantes e sorrindo de orelha a
orelha.

- Oi... - Falei, e minha voz falhou. Talvez eu não tivesse


empregado a força suficiente para emitir algum som. 

Taylor e Oliver simplesmente desapareceram, e quando me


dei conta, estava sozinha com Chris.

- Cara dama, aceita minha companhia ao longo do percurso? -


Ele perguntou em um tom pomposo, estendendo o braço e
piscando divertido.

- Você vai me levar? - Consegui pronunciar, engolindo e


sentindo minha garganta se fechar de cinco em cinco
segundos.

- Só se você quiser.

Entrelacei meu braço no seu, ainda sendo oferecido, e


suspirei. Magicamente, uma música começou a tocar, e
mesmo que meu coração estivesse quase saindo pela boca e
não conseguisse prestar atenção em nada direito, eu podia
dizer que não era a marcha nupcial. Era algo mais suave,
menos pesado. Era um som maravilhoso.

- Chris... Não me deixe cair.

- Não se preocupe, cunhadinha. Consigo te segurar com dois


dedos. - Ele falou, rindo de novo e olhando para frente. - A
propósito: Você está maravilhosa.

Não consegui responder, já que minha garganta parecia se


apertar mais a cada segundo passado, mas ele não parecia
estar esperando por alguma palavra minha. Quando ele
começou a caminhar, fiz tudo que podia fazer naquele
momento: O segui, rumo ao que estava me esperando.

Conforme Chris ia me guiando, as coisas iam vagamente


entrando em foco, mas não muito. Eu não estava realmente
prestando atenção à minha volta, e tudo de que tinha noção
eram algumas mesas um pouco longe de nós, fileiras de
bancos brancos e compridos que se aproximavam enquanto
caminhávamos e algumas pessoas, provavelmente olhando
para mim. À frente daqueles bancos e daquelas pessoas, no
centro, de pé como um sonho perfeito e linda de uma forma
perturbadora, Lauren nos encarava com um vestido branco
maravilhoso, parecia uma princesa, a minha princesa. Ela
esbanjava classe e beleza, e mesmo que meus olhos não
funcionassem direito de longe, eu sabia que ela estava
sorrindo. Simplesmente sabia.

Apertei o pano no braço de Chris, respirando com um pouco


mais de dificuldade. Ele me encarou de forma disfarçada, sem
deixar que nossa entrada fosse abalada.
- Tudo bem? - Ele falou, se curvando um pouco para baixo e
falando perto de mim. Não paramos de caminhar em
momento algum.

Fiz que sim com a cabeça, incapaz de falar. Talvez o que


estivesse me deixando naquele estado fosse a expectativa, a
antecipação, a demora em chegar logo até o lado de Lauren e
ouvir o "vocês estão casadas". Talvez fosse o meu medo de
que alguma coisa desse errado, ou, quem sabe, meu medo
em acordar com um sorriso idiota no rosto e dar de cara com
as paredes sujas do meu apartamento, voltando à realidade
de que nada daquilo podia ser real.

Fechei os olhos e continuei meu percurso, pensando e


pedindo fervorosamente em silêncio:

Que eu não acorde agora... Não agora... Não ainda.

Senti Chris parar de andar ao meu lado e meu coração deu


mais um salto. Quando consegui reunir coragem para abrir os
olhos, Lauren já estava exatamente à minha frente, com um
sorriso de tirar o fôlego, o cabelo bagunçado de uma forma
hipnótica, me encarando com aqueles olhos verdes
desesperadoramente lindos.

- Tome conta da minha filha, ou eu vou atrás de você e te


mato. - Chris falou de palhaçada, e Lauren soltou uma
gargalhada baixa. Desfiz o nó que unia nossos braços e
segurei a mão dela, estendida para mim.

Eu não sabia exatamente o motivo, mas estava sendo tomada


por uma vontade súbita de rir, chorar, gritar e agarrá-la, tudo
ao mesmo tempo. A mão dela estava quente perto da minha,
embora parecesse tremer um pouco. Fechei meus dedos nos
seus com força demais, e ela fingiu sentir dor em uma careta
sutil.

Lauren se virou para frente ainda me encarando, e de repente


notei que tinha mais alguém ali perto. O homem de meia
idade, separado de nós por uma pequena mesa de vidro,
sorria de maneira simpática, e quando simplesmente
começou a falar em voz alta, notei que ele seria a pessoa a
realizar o casamento.

Ele falou um monte de coisas, e eu desejava poder prestar


atenção nelas. Lauren permanecia ali, esquentando o lado
direito do meu corpo, e me perguntei se ela estaria ouvindo
uma palavra que fosse. Não sei se tudo não passou de uma
impressão, mas a cerimônia pareceu muito rápida. Talvez
porque alguém tivesse mesmo pedido isso, alegando que toda
aquela expectativa até o "aceito" provavelmente não faria
muito bem aos nervos de uma gestante. Entretanto, o tempo
pareceu se alongar - ou melhor, parar - em determinado
momento.

- Se alguém for contra esse matrimônio, que se manifeste e


exponha os motivos.

Minha respiração ficou suspensa por alguns segundos,


esperando e rezando para que aquele tenebroso silêncio
passasse logo.

Eu sempre achei que essa parte do "fale agora ou se cale


para sempre" não se usava mais. Aparentemente, tudo o que
fizeram se resumiu a mudar um pouco as palavras, mas
manter aquele momento angustiante presente.
Talvez eu estivesse paranóica, mas não pude evitar que
minha imaginação fértil trabalhasse: Um homem chamando a
atenção dos convidados, gritando a plenos pulmões que eu
não poderia entrar para aquela família porque meu passado
era sujo demais. Beatrice, surgindo ao longe e dizendo para
quem quisesse ouvir que estava esperando um filho da minha
noiva. E que ainda a amava.

Estava a ponto de pular no pescoço do juiz de paz e gritar


para que ele continuasse, mas no segundo seguinte, ele
voltou a falar. E eu me senti muitas toneladas mais leve,
sentindo a mão de Lauren apertar com cuidado a minha.

Ela estava de frente para mim, e, instintivamente, fiz o


mesmo. Chris apareceu de repente entregando uma caixinha
para Lauren, então ela a abriu, revelando lá dentro duas
alianças que seriam perfeitamente iguais se fossem do
mesmo tamanho.

Lauren pegou a menor aliança e olhou profundamente nos


meus olhos, me prometendo que seria fiel, que me amaria e
que me faria feliz nas palavras formais repetidas do juiz de
paz. Quando ela encaixou delicadamente o aro no meu dedo,
senti um formigamento bom e meio quente começando da
ponta do anelar e subindo pelo resto do meu braço. Ela me
encarou outra vez e deu aquela porra de sorriso torto, me
fazendo ficar nervosa, quase perdendo o controle e a
agarrando ali mesmo.

Repeti as mesmas palavras que Lauren havia acabado de


dizer sem realmente prestar atenção nelas, porque tudo que
elas juravam já estava prometido, há muito tempo, pelo meu
coração. Quando deslizei a aliança maior em seu dedo,
contemplei por um momento o aro ali, como se fosse uma
prova de que tudo que estava acontecendo era mesmo real.

O juiz de paz disse alguma coisa que resultou em Chris e Ally


indo até ali para assinar alguns papéis. Imaginei que eles
deviam ser as testemunhas do casamento. Foi então a vez de
nós duas assinarmos alguns papéis também, e depois das
assinaturas, quando tanto Chris quanto Ally já haviam voltado
para seus lugares, o homem falou mais meia dúzia de
palavras curtas e ficou em silêncio. Senti a mão quente de
Lauren segurar com firmeza minha nuca e me virei.

Ela estava de frente para mim, e naquele momento, tudo o


que eu mais queria era me afogar naqueles olhos verdes
hipnotizantes. Eu queria me perder nela, de todos os jeitos
possíveis, e nem sabia o que aqueles pensamentos queriam
dizer no final das contas. Ela sorriu de novo, e de novo me
senti mais fraca, mais entregue, mais feliz.

Lauren se inclinou para mim com muita classe, e aquelas


frações de segundos foram, sem sombra de dúvidas, as
frações de segundos mais preciosas de toda a minha vida até
então.

Ainda não... Que eu não acorde agora, ainda não... Por favor...

Ela me beijou, e o beijo era tão igual a tantos outros que já


tínhamos trocado, e, ao mesmo tempo, tão diferente... Era um
ato que selava qualquer dúvida, qualquer problema no qual
minha cabeça problemática insistia em pensar. E mesmo que
eu não tivesse o direito de tomar posse de alguém, aquela
verdade agora piscava em luzes neon dentro da minha
cabeça.
Ela é minha. É realmente minha.

- Eu amo você. - Falei em um sussurro, ainda de olhos


fechados, assim que ela se afastou minimamente dos meus
lábios.

- Eu também te amo. - Ela respondeu de forma simples, rindo


baixinho contra a minha boca. Foi só então que o som dos
aplausos chegou aos poucos aos meus ouvidos, me tirando da
nossa bolha e me fazendo ficar completamente consciente,
pela primeira vez, de todas as pessoas que nos assistiam ali.

É verdade. Não estávamos sozinhas.

***

O tapete pelo qual eu passei não era vermelho, mas sim


branco. O caminho era limitado por arranjos de bambus ocos
de altura média, que serviam como vasos rústicos para flores
brancas. Eles ficavam ao lado de cada banco, e pela
matemática rápida que fiz mentalmente, havia seis ou sete
fileiras deles.

No outro lado do jardim, perto do chafariz, algumas mesas


redondas e grandes estavam espalhadas, enquanto os
convidados - quase todos desconhecidos para mim -
conversavam animadamente, alguns de pé, outros sentados e
mais alguns dançando ao som de uma banda de três ou
quatro homens a um canto. Começava a anoitecer, e o jardim
já estava iluminado pelos vários pontos de luz espalhados
aqui e ali. Reconheci de longe Chris e Julia dançando juntos,
como se fossem do mesmo tamanho. Marcel acompanhava
Ally com Emily no colo enquanto sua mulher conversava com
Mike. Clara falava com algumas mulheres e Taylor estava
comendo qualquer coisa sentada a uma das mesas, com
Oliver ao seu lado. E Lauren havia sumido.

Foi quando encarei minha aliança com um sorriso bobo no


rosto que senti um casaco branco e fofo cobrir meus ombros e
um abraço envolver a minha cintura por trás.

- Você está um sonho. - Ela falou baixinho perto da minha


orelha, respirando com força contra ela para que eu me
arrepiasse - Um sonho muito cheiroso.

- Minha esposa deixou um chupão no meu pescoço. Eu tive


que passar um creme.

- Sua esposa estava bêbada, tenho certeza que ela não fez
por mal. Além do mais, deve ser muito difícil se controlar
perto de você.

- Bom, espero que ela pelo menos consiga se controlar em


público. - Falei, me virando para ela e deixando claro que o
volume em seu vestido não havia passado despercebido -
Acho que me casei com uma adolescente de 16 anos.

Ela continuou me olhando em silêncio, prendendo o casaco


branco nos meus ombros.

- Acho que você é mesmo a coisa mais linda que eu já vi. - Ela
disse com uma voz sexy, passando o indicador pela linha do
meu queixo.

- Acho que você ainda não se olhou no espelho.

Ela gargalhou alto, como se eu tivesse acabado de contar


uma piada realmente boa.

- Você é engraçada. - Ela finalmente disse, me ajudando a


vestir o casaco. Quando estava enfim agasalhada, prendi
meus dedos nos fios da sua nuca e a beijei sem nenhum
aviso. Não era um beijo sensual, mas sim gentil, suave. Ou, ao
menos, essa era a minha intenção antes de Lauren começar a
me agarrar de uma forma um pouco inapropriada.

- Vai ser realmente bonito se um dos fotógrafos registrarem


esse momento. - Debochei contra a sua boca, tentando
segurar seus braços.

- Ainda bem que não foi a mama que veio chamar vocês aqui.
- Chris disse, saindo de trás de um arbusto e rindo feito uma
criança - Ela ficaria constrangida.

- Chris, você vai ser SEMPRE o meu empata-foda? - Lauren


falou meio puta. 

- Ei, só vim chamar vocês pra algumas fotos. Podem voltar pro
matinho depois.

- Não vamos voltar. - Falei de forma divertida - Não quero que


minha noite de núpcias aconteça no fundo do jardim dos pais
de vocês. Vamos.

Puxei-a pela mão, mas ela continuou parada.

- Preciso de um tempinho aqui. - Ela se explicou, apontando


para seu pau.

- Vamos, Camilita. Minha irmã tem que desarmar a barraca.

Depois de algum tempo, Lauren se juntou a nós outra vez.


Recebemos mais desejos de felicidade de mais pessoas, todos
me elogiando e a parabenizando pela "sorte de casar com
uma moça tão bonita". Imaginei que grande parte daquelas
pessoas fossem executivos que ela já conhecia por serem
amigos de seu pai, e outros deviam ser apenas amigos de
longa data.

Tiramos fotos com praticamente todo mundo ali, mesmo


porque não eram tantos convidados assim, e quando
anunciaram a hora de cortar o bolo, fui outra vez
surpreendida. Em cima da segunda camada enfeitada com
glacê, vi uma miniatura incrivelmente bem feita de mim
mesma com Lauren. Nossas feições eram perfeitas, e eu
poderia até ter apreciado mais o capricho da personalização
das noivinhas caso todo mundo não estivesse rindo agora.

A noivinha estava grávida e tinha os olhos revirados, e a outra


noivinha estava efusivamente agarrada à sua barriga,
ajoelhada no chão e com cara de pânico.

- Mandou muito bem, Chris! - Taylor falou gargalhando.

- Eu sei. - Ele concluiu.

- Vão à merda. - Lauren falou friamente, embora ela também


estivesse rindo.

Depois que o bolo foi fatiado e servido, comecei a sentir um


pouco de exaustão. Toda a carga de emoções pela qual eu
havia passado durante aquele dia estava me cansando. Era
como se eu tivesse nadado durante horas sem parar.

Mais fotos, mais pessoas aplaudindo, mais gente bebendo e


mais perguntas sobre a minha gestação. Eu estava feliz que
todo mundo estivesse bem ali, mas não queria dar realmente
uma atenção especial a ninguém que não fosse Lauren. Não
era falta de educação, mas eu estava exausta e um pouco em
transe ainda.
- É uma bela festa. - Taylor falou, se sentando ao meu lado
em uma das cadeiras livres. 

- É... E o mérito é todo seu. Obrigada por tudo.

Ela deu um sorriso e segurou minha mão.

- Espero que você e minha irmã sejam felizes. Ela merece


isso, e você também.

- Vamos ser. - Respondi, sentindo a certeza nas minhas


próprias palavras. Era muito simples: Nós seríamos felizes
porque fomos feitos sob medida uma para a outra. Não havia
chance de não sermos. Simplesmente não havia.

Os convidados começaram a ir embora aos poucos, e àquela


altura eu mesma já estava com uma leve vontade de pegar
Lauren pela mão e ir para casa a pé mesmo. Não sabia que
horas eram, mas imaginava que não fosse muito tarde. E no
final, quando olhei em volta e só vi Taylor ao meu lado
(comendo seu quarto pedaço de bolo), Chris, Oliver, Lauren e
Ally conversando animadamente e Mike falando com os
músicos junto de Clara, concluí que a festa havia chegado ao
fim.

E eu ainda estava um pouco sedada por tudo aquilo.

Bebi o que provavelmente era meu décimo copo de suco de


maracujá, sentindo um vento fresco e bastante agradável
passar pelo meu rosto. Fechei os olhos e fiquei ali, sentada,
calada, fazendo nada mais além de respirar toda a mistura de
perfumes daquele jardim.

Por um longo tempo.

- Oi...
Sorri sem abrir os olhos. Poucas coisas eram tão boas quanto
ouvir sua voz de repente ao pé do meu ouvido.

- Oi.

- Vamos pra casa ou você prefere ficar aqui? - Ela perguntou


de forma irônica, infiltrando os dedos por debaixo da minha
trança e fazendo carinho na minha nuca. Minha cabeça ficou
mole.

- Se você não parar de fazer isso, prefiro ficar.

- Posso fazer isso na nossa casa também. Debaixo do


edredom.

- Vamos. - Concluí, me levantando imediatamente e já


caminhando para me despedir das pessoas.

Oliver e Chris se colocaram à disposição para nos levar de


carro, mas Lauren disse que não precisava, alegando que ela
mesmo iria dirigindo um dos carros do pai emprestado, e
então entendi que ela não havia bebido durante aquela noite.

Felizmente o caminho todo se resumia a dois quarteirões. Eu


tinha certeza que acabaria dormindo caso passasse cinco
minutos sentada no banco macio daquele carro. Quando
chegamos ao jardim mágico da nossa casa, me apressei em
abrir a porta do carro, mas fui impedida pelo grito de Lauren.

- Não grita, porra! - Falei assustada, socando-lhe o ombro. Ela


se limitou a rir.

- Você não conhece uma das principais tradições do


casamento? O noivo carrega a noiva!

- Pra dentro de casa. - Falei, cética - Se você não notou, ainda


não entramos.
- A casa está dentro dos limites daquele portão de ferro pelo
qual passamos com o carro.

- Então você fez errado de qualquer jeito. Porque eu já entrei


e não estou no seu colo.

- Ah, cala a boca! - Ela fingiu estar irritada e saiu, dando a


volta pela frente do carro. Foi minha vez de rir da cara dela.

Lauren abriu a porta do carona e me carregou no colo sem


muita dificuldade. Me agarrei no pescoço dela usando o sono
como pretexto, e quando cruzamos a soleira da porta, ela não
me soltou.

- Se você pisar na barra do meu vestido, vai ser tão


engraçado... - Falei rindo de mim mesma enquanto ela me
carregava para o quarto.

- Você está estragando o romantismo, porra!

Eu não sabia se era o sono ou a leveza que eu sentia, mas


tudo parecia muito mais engraçado do que o normal. Se eu
não estivesse grávida, consideraria a possibilidade de Taylor
ter colocado algum alucinógeno no meu suco. Lauren parecia
me achar engraçada por isso, e ria junto comigo de
absolutamente nada em particular.

Ela me colocou sentada na cama com um cuidado meio


exagerado, me pedindo para ficar ali e esperá-la voltar.

- Todas as portas ficaram abertas e as luzes ligadas. Não vou


demorar.

E dizendo aquilo, me deu um beijo tão suave que mal pude


sentir seus lábios tocarem nos meus. Quando abri os olhos
outra vez, ela já não estava mais lá.
Tirei as sapatilhas, os brincos e a gargantilha, me deitando
em seguida e encarando o teto. Lembrei de tudo que havia
acontecido naquela noite: No meu casamento perfeito, na
minha noiva perfeita, na minha nova família perfeita. E
conforme os segundos iam passando e Lauren não voltava
para o quarto, me dei conta de que estava ansiosa de novo.
Mas, dessa vez, por outro motivo.

Eu tinha transado com Lauren no primeiro dia que nos


conhecemos. Claro. Além disso, estava tão acostumada a
fazer isso com ela que já era algo tão natural quanto tomar
banho ou algo assim. Por isso, aquela ansiedade adolescente
que estava fazendo com que as pontas dos meus dedos
ficassem geladas podia ser considerada, no mínimo, idiota.

Não era medo. E também não se tratava de insegurança. Eu


sabia muito bem o que tinha que fazer e como fazê-lo. Mas,
de alguma forma, era como se aquela sensação da
expectativa por uma primeira aproximação estivesse me
tomando aos poucos. Era quase a mesma sensação de
quando me dei conta, pela primeira vez, que estava
apaixonada por ela. A diferença era que, diferentemente da
primeira vez, eu estava me permitindo desfrutar daquela
sensação.

Era o nervosismo bom de uma nova paixão. Só que eu já


estava apaixonada por algum tempo, então não fazia sentido.

- Você é muito estranha... - Falei em voz alta para mim


mesma, sorrindo de qualquer jeito esparramada na cama.

Ouvi os passos dela subindo as escadas outra vez e meu


coração começou a bater muito forte. Sorri outra vez,
achando graça do que ela me fazia sentir.
- Feliz? - Ela perguntou ao ver meu sorriso bobo, fechando a
porta e indo se sentar ao meu lado na cama. 

- Que pergunta estúpida é essa? - Perguntei sem deixar de


sorrir - Óbvio que estou!

- Você tem andado muito com a minha irmã. Está começando


a falar como ela. - Ela sorriu de volta, passando o indicador na
linha do meu maxilar. Meu coração deu mais duas ou três
batidas surdas.

- Você faz perguntas idiotas e a culpa é da sua irmã? -


Perguntei, me levantando e ficando sentada de frente para
ela. Eu sabia que encurtar o espaço entre nós me faria ficar
mais nervosa, mas a sensação era tão boa que fiz de
propósito.

Ela continuou me encarando por tanto tempo que pensei que


quisesse dizer alguma coisa. Mas ao final de um longo
silêncio, Lauren simplesmente segurou com muita delicadeza
meu pescoço e tão lentamente quanto uma maravilhosa
tortura, se inclinou para frente e me beijou.

Foi um beijo perfeito. Absolutamente perfeito, em tudo. Bom o


suficiente para me manter em um estado de torpor durante
um longo tempo, inclusive depois que ele acabou.

- Você foi a primeira mulher que eu beijei... - Soltei em um


tom de voz baixa, ainda de olhos fechados, sentindo o rosto
dela próximo ao meu. Não sabia o motivo de ter dito aquilo
naquele momento, mas também não fazia idéia do porquê
aquela era a primeira vez que eu fazia aquela confissão a ela.
Mas agora que o silêncio havia se instalado no quarto, eu
começava a me sentir meio... idiota.
- Eu fui a primeira mulher que você beijou? - Ela perguntou,
parecendo surpresa.

- Foi...

- Isso é sério?

- Não. Eu achei que seria legal contar uma mentira e depois


quebrar o clima. - Falei debochada.

- Por que você nunca... Você nunca teve um namorado ou


namorada além de mim?

- Não. - Respondi encarando sua boca e chegando mais perto


dela instintivamente.

- Não acredito que eu tive que esperar esse tempo todo pra
saber disso... - Ela pontuou com um sorriso no rosto,
infiltrando os dedos por baixo da minha trança outra vez e me
puxando mais para perto - Por que nunca me disse isso?

- Eu acho que esqueci... - Falei um pouco desorientada pela


proximidade, e no segundo seguinte, como se não
estivéssemos bem no meio de uma conversa, a beijei
distraidamente.

O beijo começou lento, mas não demorou para se tornar algo


a mais. Lauren levou sua boca para o meu pescoço e deixou
com a língua um rastro molhado perto da minha orelha. Meu
corpo tremeu involuntariamente, e outra vez eu sorri.

- Está com frio? - Ela perguntou, e notei que aquela não era
uma pergunta provocativa, mas sim verdadeiramente
ingênua.

- Não. - Respondi, voltando a beijá-la imediatamente


enquanto trabalhava no zíper de seu vestido.
Quando a despi completamente na parte de cima, deixando
ela só de cueca, Lauren trilhou um caminho de beijos no meu
pescoço até a minha nuca, indo se sentar atrás de mim. A
respiração pesada dela batia direto na pele sensível do meu
pescoço, e era muito difícil parar de tremer. Quando senti
seus dedos abrirem o ziper do meu vestido devagar, meus
músculos se contraíram todos de uma vez, e ela notou.

- Você está bem?

- Aham.

- Parece um pouco tensa. - Ela disse, pontuando a frase com


beijos na pele das minhas costas que agora estava exposta.
Senti todos os pêlos do meu corpo se eriçarem, e ela notou
isso também.

Lauren sorriu contra a minha pele e foi tirando o vestido de


mim da forma mais gentil e elegante que conseguia. Quando,
no final das contas, tudo que eu vestia se resumia a uma
calcinha branca (porque não tive tempo de escolher uma
coisa mais apropriadamente vulgar para a ocasião, já que
aquele dia havia começado aos trancos e barrancos), ela
sorriu outra vez e me abraçou por trás. Só porque já haviam
se acostumado, suas mãos migraram para a minha barriga.

- Do que está rindo? - Tentei falar em uma voz firme e falhei


vergonhosamente.

- Você está nervosa.

- E o que tem isso?


- Eu nunca te vi nervosa assim. - Ela falou calmamente,
voltando a beijar o meu pescoço e ronronar ali como uma
gata cheia de manha. - O que você tem?

- Não sei. - Respondi a verdade.

- Quer deixar pra outro dia?

- NÃO! - Falei enfaticamente e corei em seguida.

- Que bom - Ela concluiu, sussurrando ao pé do meu ouvido


enquanto subia suas mãos - Eu também não quero.

As mãos dela percorriam o meu corpo e me tocavam da


mesma forma de sempre, e era engraçado como, dessa vez,
tudo parecia mais intenso. Minha pele simplesmente se
mantinha arrepiada durante o tempo todo, como se o toque
dela fosse desconhecido. Mesmo me sentindo um pouco
inibida - algo que também nunca havia acontecido -, deixei
que minha cabeça repousasse em seu ombro, tendo acesso à
sua boca, e a beijei apaixonadamente. As mãos dela pareciam
tocar em pontos estratégicos, que costumavam ser tão
normais mas que, naquele momento, pareciam fios
desencapados.

Quando ela voltou a ficar de frente para mim, tudo que fez foi
me encarar por um longo tempo enquanto brincava com seus
dedos na minha nuca. Nós duas ficamos em silêncio, como se
não soubéssemos o que fazer a partir dali, ou como se não
precisássemos fazer nada mesmo.

- Você é absurdamente linda. - Ela falou de repente, tirando


alguns fios do meu rosto.
- Amanhã eu tiro a maquiagem. - Brinquei, beijando-a outra
vez.

- Você vai continuar absurdamente linda amanhã. - Ela sorriu,


pegando minha mão esquerda e beijando meu anelar com a
aliança - Sua beleza não se limita à maquiagem. Não se limita
nem à sua aparência. Você sempre foi linda, principalmente
no que diz respeito ao que ninguém vê.

Eu a encarava feito uma retardada, assistindo-a se declarar


contra a palma da minha mão. Eu queria responder, mas não
o fiz por dois motivos: Primeiro, eu não sabia o que dizer.
Segundo: Nada que eu dissesse valeria tanto a pena a ponto
de interrompê-la.

- Eu não acredito na sorte que tive de te encontrar, e não me


conformo por quase ter deixado você ir embora. Então, se
você ainda não se deu conta disso, me deixa te avisar: - Ela
se inclinou para frente e encostou a boca no meu ouvido - Isso
aqui é pra sempre. E o meu "pra sempre" não é como os de
hoje em dia, que resolvem acabar por preguiça. O meu "pra
sempre" é um pouco mais chato, aquele que não se dá por
vencido.

Ela voltou a me encarar com aqueles olhos verdes brilhantes


e lindos, dando um sorriso arrebatador a poucos centímetros
de distância do meu rosto. Eu continuei imóvel, e embora não
tivesse nada de inteligente para falar, falei mesmo assim. Ou
sussurrei.

- Eu gosto de "pra sempre" chatos.


- Então nós realmente combinamos. - Ela disse, e mesmo que
meus olhos já estivessem fechados, pude "ouvir" seu sorriso
enquanto ela dizia aquilo.

Sem esperar pela minha resposta - talvez porque ela tenha


notado que eu nunca conseguia falar merda nenhuma direito -
Lauren me puxou para o seu colo e, quando fez isso, senti seu
membro já completamente rígido contra a minha barriga. E
então, porque as coisas não estavam estranhas o suficiente,
meu rosto começou a ferver.

- Você ficou vermelha!

- Cala a boca... - Falei, corando ainda mais enquanto tentava


tirar sua cueca embaixo de mim.

- Fui eu que fiz isso? - Ela perguntou, parecendo tão divertida


quanto se estivesse em um parque de diversões.

- Cala a boca! - Repeti, abaixando o rosto mas não


conseguindo deixar de sorrir. Eu estava corando como uma
menininha inexperiente, e vê-la rindo de mim estava me
deixando ainda mais sem graça.

- Você fica ainda mais linda vermelha... - Ela falou enquanto


levantava meu rosto com uma das mãos e, com a outra, me
puxava outra vez contra sua ereção.

Depois de um pouco de ginástica e uma confusão de mãos,


acabamos as duas sem roupas. A noite estava fria, ou talvez
fosse a minha ansiedade. Lauren parecia tão calma como em
qualquer outro dia, e tive que me concentrar no pensamento
de que a estranha naquela situação era eu. Ela voltou a me
beijar, e seu beijo parecia mais profundo do que nunca. Sua
boca passeava sem pressa pelo meu rosto, meu pescoço,
meus ombros e meus seios, confortável o suficiente para não
parar um segundo sequer.

Estremeci de leve quando senti suas mãos me levantarem,


mas não deixei que ela notasse. Lauren se alinhou
perfeitamente à minha entrada e esperou que eu me
movesse, como era de costume. Como já estávamos mais do
que acostumadas a fazer.

Mas eu não consegui.

Ela me encarou outra vez, ainda sorrindo. Aquilo foi o


suficiente para fazer com que eu corasse outra vez.

- Eu não consigo entrar em você. - Lauren disse contra o meu


pescoço, usando sua voz mais conquistadora - Que tal
relaxar?

Sua boca começou a passear muito suavemente de um lado


ao outro do meu pescoço, fazendo com que eu me arrepiasse
nos lugares em que a pele dela esteve em contato com a
minha.

- Eu sei o que tenho que fazer. - Retruquei friamente,


tentando tirar qualquer traço de ingenuidade da minha voz.
Isso só parecia diverti-la ainda mais.

- Então por que você não deixa eu me divertir aqui? - Ela


perguntou em meio a risos, deslizando uma das mãos para o
meio das minhas pernas e esfregando com vontade não só
meu clitóris como toda a entrada.

- Hmmm... - Gemi contra a pele do seu rosto, tentando dar


uma resposta plausível mas não achando nenhuma.
Ela firmou seu pênis de novo no lugar certo, e como da
primeira vez, mal começou a entrar e meu corpo já havia se
fechado violentamente contra o muito pouco que já estava
quase dentro.

- Amor, você é virgem? - Ela debochou e eu comecei a rir -


Vem cá.

Só me dei conta de que já estava deitada com as costas no


colchão no segundo seguinte. Claro, ela sabia muito bem qual
era a melhor maneira de me deixar relaxada e explodindo de
tesão. Ela sabia usar aquela porra daquela língua dela muito
bem, e depois de algumas lambidas e chupadas tão boas
quanto o paraíso, qualquer virgem frígida estaria louca de
vontade de ser espancada por aquela ereção enorme.

E nessa situação, aproveitando tudo que seus dedos e sua


língua alternadamente faziam em mim, de olhos fechados e
respiração pesada, fui invadida sem nenhum preparo ou
aviso.

Respirei fundo, agarrando o travesseiro embaixo da minha


cabeça e fazendo força para não gemer alto. Lauren esperou
um pouco para se mover, me encarando para se certificar de
que não havia me machucado. Fiz o possível para informá-la
que estava bem. Ótima, aliás.

Ela então se moveu, ondulando entre as minhas pernas


daquele jeito incrível que ela sabia fazer tão bem. Quando
suas mãos foram parar na minha cintura e levantaram meus
quadris, notei a aliança dourada que brilhava no anelar dela
e, por algum motivo, ela pareceu dez vezes mais foda.
E era claro que as vadias soltas por aí também achariam isso.
Mas não tinha problema: Eu iria atrás delas e as degolaria
caso elas mexessem com a MINHA mulher.

Minha.

Quando as investidas foram se tornando mais rápidas e mais


profundas, cansei de engolir os gemidos e comecei a fazer
barulho de verdade, não me importando em momento algum
se estava fazendo um escândalo. Mesmo porque Lauren
parecia estar gostando bastante dos barulhos que eu fazia,
escandalosos ou não.

Depois de ir parar no seu colo mais uma vez, ditei o ritmo da


transa pelo resto da noite. Consegui controlar nossos
orgasmos por um tempo consideravelmente grande, já que
nós duas chegávamos aos nossos limites com frequência.
Quando nos permiti chegar ao clímax juntas, pela segunda
vez, os lençóis já estavam tão amassados que pareciam ter
servido de palco para uma luta. Eu estava cansada, suada,
provavelmente descabelada e com a maquiagem borrada.
Lauren continuava uma semi-deusa, cheirosa e linda de doer
como sempre.

Acho que dormi no seu colo, sentada, enquanto tentava


recuperar a respiração constante. A exaustão havia me
nocauteado, mas só de me nocautear nos braços dela, já
estava bom. Ela cuidaria de mim, e eu confiava nisso com
toda a força da alma.

Pelo menos enquanto aquele sonho durasse, eu estaria bem.

Que eu não acorde nunca... Nunca.+


Capítulo 23
Pov Lauren 

A manhã seguinte ao nosso casamento começou perfeita,


mesmo que nada fora do normal tivesse acontecido. O
simples fato de tê-la ali ao meu lado, dormindo, linda como
um anjo, já era o suficiente para me deixar bem. Sua
maquiagem, embora mais fraca, se mantinha perfeita. Seus
cabelos estavam soltos, e tentei me lembrar em que
momento da noite anterior eu havia desfeito sua trança. O
perfume de amêndoas parecia fraco se comparado ao
perfume natural que sua pele emanava. Ela estava tranquila,
respirando devagar, e o movimento de subida e descida que o
peito dela fazia era um pouco hipnótico. Mesmo inconsciente,
Camila parecia feliz, e aquilo fez com que eu sentisse uma
paz de espírito tão grande que, de repente, me dei conta de
que poderia passar o resto da vida ali, daquele jeito,
assistindo-a não fazer nada.

Mas em algum momento ela acordaria. E quando isso


acontecesse, eu queria estar preparada. Era engraçado como
me sentia disposta a parecer a melhor esposa do mundo para
ela, e igualmente engraçado era o fato de que eu achava que
realmente podia ser. Eu havia prometido a ela - e a mim
mesma - que cuidaria dela para sempre, e sempre a faria
feliz. Era uma das pouquíssimas promessas que eu havia feito
a alguém algum dia, e seria talvez a única que eu realmente
cumpriria.

Contra a vontade, levantei-me da cama e caminhei até o


banheiro para um banho morno, tomando cuidado para não
acordá-la. Ela ainda dormia na mesma posição quando voltei
ao quarto. Escolhi uma calça de moletom qualquer para vestir
e recolhi do chão as nossas peças de roupa, esquecidas na
noite anterior, saindo logo em seguida.

Desci e preparei o melhor café da manhã que consegui, com


sucos de maçã e morango, torradas, dois tipos de geléias,
patê, chocolate e biscoitos de água e sal. Não sabia de onde
havia surgido aquilo tudo, mas só pude pensar que tinha um
dedo de Taylor. Sentei na cozinha e comi distraidamente,
tentando lembrar de todos os detalhes da nossa festa de
casamento, mas só conseguindo lembrar sempre da mesma
coisa: Ela. E de como ela estava maravilhosa. E de como eu
me senti ao vê-la caminhando para mim, me aceitando,
aceitando ser minha. E de como tudo parecia girar em torno
dela de uma forma natural. E de como eu a amava.

Senti uma saudade boba de repente, como se estivéssemos


longe há tempo suficiente. Coloquei em uma bandeja tudo
que consegui e subi com ela para o quarto, sem pensar se
Camila já havia acordado àquela hora. Para minha felicidade,
ela estava se espreguiçando em volta do edredom como um
gato manso - e a melhor parte: completamente nua. Por um
bom tempo tudo que consegui fazer foi admirá-la da porta,
com a bandeja ainda na mão. Fiquei feliz quando ela não fez
menção em se cobrir ao me ver ali.
- Bom dia. - Ela sussurrou contra o travesseiro, meio de
bruços, me olhando com aqueles olhos castanhos perfeitos.

- Ótimo dia. - Respondi, deixando a bandeja no colchão ao seu


lado e beijando suavemente suas costas - Com fome, sra.
Jauregui?

Ela escondeu o rosto e soltou um riso baixo, mas


suficientemente alto para que eu ouvisse e me apaixonasse
ainda mais.

- Estou. A sua filha está mexendo com o meu apetite.

Eu não sabia por que tudo que ela dizia fazia com que eu me
derretesse, mas ouvi-la se referir à sua barriga daquela forma
definitivamente me deixou mais boba do que nunca. Quando
Camila virou de barriga para cima, fui tomada por uma
vontade imoral de agarrá-la e enchê-la de beijos, mas tudo
que fiz foi beijar sua barriga.

- Ela anda muito quieta... - Comecei, espalmando minha mão


ali, e como se fosse uma resposta à minha constatação, senti
imediatamente um minúsculo chute.

- Acho que ela quer conversar. 

- Ora... Bom dia, princesa.

Ao sentir mais um chute como resposta, sorri


involuntariamente. Era claro que ela não estava me
respondendo, mas era como se estivéssemos conversando, e
essa pequena interação entre nós estava me deixando feliz
como uma criança em véspera de Natal.

Me inclinei para a barriga de Camila e comecei a falar coisas


completamente sem importância, apenas com o intuito de
fazer com que minha voz vibrasse perto da minha filha.
Sempre que eu me calava, pensando no próximo assunto
para abordar, sentia um pequeno chute como forma de
protesto ao meu silêncio, e então voltava a falar qualquer
besteira. A essa altura, Camila já havia alcançado a bandeja e
pegado uma torrada para comer, provavelmente esperando
que eu parasse de bancar a louca falando com seu umbigo.

- Vou fingir que não estou me sentindo excluída com essa


relação de vocês. - Ela soltou de repente. 

- Está com ciúmes? - Perguntei de maneira divertida.

- É óbvio que estou.

- De mim ou dela?

- Das duas.

Soltei uma gargalhada baixa, beijando sua barriga com calma.

- Quando ela nascer, eu prometo que vamos ter a nossa lua


de mel atrasada. E prometo compensar esse atraso.

- Quando ela nascer você não vai conseguir ficar longe dela.
Acha que eu não sei?

- Bom, é verdade. Mas acho que consigo ficar duas ou três


semanas afastada se for pra ficar com você. - Pontuei
beijando outra vez sua barriga e formando uma trilha de
beijos até um ponto próximo a um dos seus seios.

- Saiba que eu vou cobrar isso. - Ela falou de forma simples,


um pouco corada.

Beijei com suavidade o bico esquerdo, já levemente excitado.


Ela riu baixo, e o som leve de sua gargalhada fez com que eu
me sentisse um pouco mais feliz. Brinquei com a língua no
outro mamilo, de uma forma ainda suave, e ela gargalhou
outra vez. E toda vez que ela gargalhava eu sentia que a
amava um pouquinho mais.

- Você está me deixando excessivamente romântica. - Falei


ainda contra a sua pele, apoiando o queixo no peito dela e
sorrindo sem motivo.

- A culpa não é minha se você está completamente


apaixonada por mim. - Ela respondeu em tom de brincadeira.

- É claro que é sua. De quem mais seria?

- Sua, que se deixou levar pelos meus encantos.

Ri como uma pamonha apaixonada, sem ter nenhum


argumento inteligente pronto.

Ela fez um pouco de força e me tirou de cima dela. Rolei para


o lado e deixei que Camila se levantasse, caminhando para o
banheiro, e tudo que consegui fazer foi encarar o seu
rebolado natural e perfeito como um pervertido.

- Ei, eu tenho que tomar um banho. - Ela falou com um sorriso


meio provocante enquanto se virava outra vez - Quer me
ajudar?

- Hum, depende. Vai me deixar te ensaboar ou só vou poder


ficar assistindo? - Perguntei só por perguntar. Qualquer que
fosse a opção que ela me desse, eu aceitaria.

- Eu adoraria ser ensaboada. Mas você vai ter que esfregar


direito... 

Ela não precisou terminar a frase. Eu já estava de pé ao seu


lado.
***

QUINTO MÊS

Era o momento de começar a colocar as coisas em ordem,


pouco a pouco. Taylor, Oliver, Chris e Ally estavam de partida
para casa, e me senti um pouco triste em vê-los indo embora,
já que estava começando a me acostumar com a presença
deles ali. Ao final daquele domingo, depois de todas as
despedidas e lágrimas, só restamos Camila, eu e meus pais a
dois quarteirões de nós.

Eu começaria a trabalhar dali a duas semanas, por isso tinha


que deixar tudo pronto até lá. E deixar tudo pronto significava
deixar tudo da forma que eu considerava boa o suficiente
para poder ir trabalhar tranquilamente e deixar Camila
sozinha. Ela estava no quinto mês de gravidez, e por algum
motivo eu estava com mais medo de me afastar dela agora.

Consegui com minha mãe uma empregada "emprestada"


para a nossa casa, pelo menos provisoriamente. Ela cuidaria
da limpeza e da arrumação de tudo, fazendo companhia à
Camila e ajudando-a no que ela precisasse enquanto eu
estivesse fora. Por hora, consegui convencê-la a deixar de
lado o trabalho que eu havia prometido conseguir para ela
outra vez quando nos mudássemos para Londres. A gravidez
parecia estar mexendo com as suas prioridades, fazendo com
que ela perdesse um pouco do interesse em gastar o tempo
que tinha se ocupando com outras coisas.

Aliás, passado o casamento, aquela gravidez se tornou


prioridade tanto dela quanto minha. Agora que tudo voltava
ao normal aos poucos, era curioso notar como cinco meses
haviam se passado sem que tivéssemos feito uma
ultrassonografia sequer - ou melhor, que eu tivesse permitido
isso, já que meus cuidados eram abertamente exagerados.
Talvez isso tivesse acontecido porque eu havia passado
metade do meu tempo tentando organizar as coisas nos
Estados Unidos para que nossa mudança acontecesse, e a
outra metade criando coragem para pedir Camila em
casamento. Fosse qual fosse o motivo, já estava mais do que
na hora de fazer os exames necessários para o início de um
acompanhamento adequado à gravidez.

Por isso, a visita ao obstetra indicado pelo médico antigo foi


marcada para o meio daquela semana. 

- Por que está tão calada? - Perguntei ao parar o carro no sinal


vermelho.

Ela não respondeu, apenas sacudindo a cabeça como se


dissesse "por nada."

- Está nervosa?

Outra vez ela respondeu com uma sacudida na cabeça, dessa


vez em afirmação.

- Não fique. - Falei, levando minha mão livre para a sua perna
- Vai dar tudo certo.

Era realmente nisso que eu acreditava. Claro que não estava


completamente calma, mas também não estava nervosa ou
com medo. Só estava ansiosa, simplesmente porque sabia
que dali a alguns minutos estaria vendo nossa filha pela
primeira vez.

Ela suspirou, agarrando minha mão ainda sem pronunciar


nenhuma palavra. Liguei o rádio do carro e coloquei para
tocar o cd gravado por mim. Ela pareceu relaxar um pouco
com a melodia do piano, afrouxando um pouco o aperto que
seus dedos faziam nos meus.

Dirigi um pouco mais rápido, tanto pela minha ansiedade


como para acabar logo com a angústia dela. Pelo horário da
consulta, estávamos adiantadas, mas se teríamos que esperar
de qualquer jeito, pelo menos que fosse sentadas no sofá de
espera do consultório médico.

Quando chegamos, pedi para que ela fosse se sentar


enquanto eu cuidava dos detalhes da consulta com a
secretária. Havia algumas mulheres na nossa frente, umas
acompanhadas dos maridos e outras não. Algumas barrigas
estavam crescidas, mais ou menos do mesmo tamanho da de
Camila; outras estavam muito maiores, e algumas eram tão
lisas que sequer pareciam poder comportar uma criança.

Quando fui ao encontro dela, sozinha em um sofá de três


lugares, ela olhava com curiosidade as barrigas alheias.

- Você ainda é a grávida mais bonita. - Falei com uma voz


doce ao seu ouvido, sentando ao seu lado e estendendo um
braço por trás do seu pescoço - De longe.

Ela apenas sorriu, me encarando com alegria, mas ainda


nervosa.

- Nós devíamos ter feito esse exame antes...

- As coisas foram muito corridas... - Comecei, brincando com


uma mecha dos seus cabelos apenas para tentar passar para
ela a minha calma - Normalmente esse exame é feito três
vezes: No início, no meio e no fim da gravidez. E se
tivéssemos que optar por apenas um, o mais indicado seria o
que vamos fazer agora. Então não estamos muito erradas.

Ela continuou me encarando com um certo espanto.

- Você tem pesquisado sobre isso?

- Não... Foi minha mãe que disse. - Sorri.

Ela suspirou, deixando sua cabeça cair sobre o meu braço e


fechando os olhos. 

- Só quero que ela esteja bem...

Eu queria acalmá-la de alguma forma, mas não conseguia.


Achei que o melhor a fazer naquela situação seria deixá-la em
paz e permanecer ao seu lado quando ela quisesse puxar
alguma conversa. Nada do que eu dissesse ajudaria em nada,
e talvez, com o passar do tempo de espera, ela acabasse
cochilando.

E foi isso que eu pensei que tivesse acontecido, pelo menos


até o momento em que o nome de Camila foi chamado em
voz alta, aproximadamente uma hora depois, e ela se pôs de
pé em um salto, me puxando pela mão sem nem olhar para
mim.

- Boa tarde, senhoritas. Eu sou o Dr. Lewis.

- Boa tarde. Muito prazer. - Respondi, apertando-lhe a mão.

Ele era um médico de meia idade, simpático e parecia ser a


pessoa mais bondosa do mundo. Mas nem seu sorriso foi
capaz de deixar Camila menos tensa.

- A mamãe está nervosa? - Ele soltou, analisando-a.

- Um pouco. - Ela respondeu, sorrindo rapidamente.


- Ora, não precisa. Tenho certeza que tudo vai estar bem com
o bebê. Podem se sentar.

Fizemos como o médico disse, indo nos acomodar à frente da


sua mesa. Quando ele começou a fazer as perguntas básicas,
informei-o que aquela era a primeira ultrassonografia que
faríamos, tentando explicar os motivos do atraso. Apresentei
os exames de sangue pedidos pelo obstetra antigo, disse que
já havíamos feito um exame que definiu o sexo do bebê, e
citei quase todos os sintomas que Camila estava tendo, já que
ela se mantinha calada.

- E ela se mexe às vezes quando sente a minha mão. - Falei,


agora mais animada - É possível que ela reconheça o meu
toque?

- Claro que sim. Não só o seu toque como a sua voz. Ela já
estabeleceu com você uma relação familiar, e vai reconhecê-
la quando ouvi-la falando com ela depois do nascimento
também.

- Por que ela só faz isso com ela?

A voz de Camila soou baixa, como se estivesse com vergonha


de deixar claro que estava enciumada ao fazer a pergunta.

- Isso é difícil dizer. Ela deve interagir mais com ela do que
você, estou certo?

Claro que ele estava certo. Ela também tinha seus momentos
de hipnose com sua própria barriga, mas eu simplesmente
não desgrudava dela. Eu admitia exagerar, mas como não me
importava com as piadas, nunca mudei de atitude.
- Mas não precisa ficar triste - Ele completou, me tirando dos
meus devaneios - Quando ela nascer, vocês duas terão um
vínculo muito forte, e acredite, único. Ela vai saber quem você
é, e vai amá-la da mesma forma.

Eu não duvidava daquilo. Era muito difícil alguém não amá-la.

- Mas agora, vocês não querem dar uma olhada na


princesinha?

Meu coração deu um salto. Sim, era exatamente o que eu


queria. Era exatamente por isso que eu vinha esperando, e
saber que a hora tinha chegado estava me deixando tão
ansiosa que talvez fosse mais saudável me acalmar primeiro.

Quando chegamos à outra sala, onde estavam dispostos os


aparelhos necessários para o exame, o Dr. Lewis ajudou
Camila a deitar na cama alta e estreita enquanto já nos dava
alguns detalhes sobre o exame.

- Nós vamos checar o coração da filha de vocês, os membros,


a coluna e basicamente tudo que pudermos enxergar.

- Vamos conseguir enxergar direito? - Perguntei, enquanto ele


preparava o equipamento.

- Na medida do possível, sim. É muito difícil ver alguma coisa


de forma clara, primeiro porque as imagens da
ultrassonografia são um tanto quanto escuras e borradas, e
segundo porque ela é muito pequena ainda. Vamos conseguir
ver com mais clareza os ossos.

- E não tem como ver as feições ou a pele dela? - Perguntei.

- Tem. As ultrassonografias 3D e 4D mostram o feto de uma


forma mais concreta, com as feições e pele. Mas o que
podemos ver depende da posição em que ele está. Além
disso, o momento mais indicado é no final da gravidez,
quando tudo já está mais bem formado.

- Mas não podemos fazer agora? - Insisti, quase pulando de


ansiedade.

- Ah, sim, podemos. É que a maioria dos casais prefere fazer


no final da gestação. Talvez não possamos ver muitos
detalhes, mas se vocês quiserem...

- Nós queremos. - Interrompi-o de uma vez.

- Só que o convênio não paga...

- Eu pago por fora. Não tem problema.

Camila não falou nada, deitada na cama e encarando o teto


com a barriga já de fora, provavelmente tentando se acalmar.

- Tudo bem então. - O médico disse, vencido, voltando sua


atenção para o aparelho.

Puxei a primeira cadeira que encontrei e fui me sentar ao lado


dela. Encarei a TV à nossa diagonal sem piscar, porque sabia
que o que quer que aparecesse, apareceria ali.

Quando o aparelho foi ligado, a imagem parecia apenas suja e


chiada, como se não houvesse um canal em sintonia. Mas no
momento em que o Dr. Lewis aproximou aquele aparelho
lambuzado de gel na barriga de Camila, as imagens foram se
formando aos poucos.

Eu não sabia definir nada ali, mas sabia que tinha alguma
coisa se mexendo. Era como as ultrassonografias comuns, em
preto e branco, mostrando apenas uma imagem achatada de
alguma coisa que provavelmente era a minha filha.
- Eu não consigo ver direito... - Falei um pouco baixo, me
inclinando para perto dela enquanto tentava definir o que
estava sendo mostrado na tv. Nesse momento, a massa
dinâmica em preto e branco se moveu levemente, mas o
suficiente para me fazer entender agora o que exatamente eu
estava encarando.

A forma de um bebê minúsculo ficou clara, em posição fetal,


de lado. Era possível ver a cabecinha, a barriga, os membros
e até as curvas da boca e do nariz. Era como encarar uma
sombra de alguém de perfil, não exatamente perfeita, mas
visivelmente formada.

- Olha só quem está aqui... - Ouvi a voz do médico em algum


lugar longe de mim, mas não deixei de encarar a tv. Eu não
podia. Aquela era a minha filha, mesmo escura, mesmo
borrada, mesmo muito pouco visível. Mas era a minha filha.

A imagem se mexia e parava, repetindo esse processo


algumas vezes. Quando ela ficava estática, eu podia ver
palavras como "pé," "perna", "cabeça" e "barriga" serem
digitadas na tela, definindo para quais partes estávamos
olhando. Mas não havia necessidade de legenda, porque eu
conseguia ver tudo. Ou quase tudo.

- Sim, sim... É mesmo uma menina. - A voz do médico soou


outra vez, fazendo com que a imagem mexesse mais um
pouco - Uma menina perfeita.

Sim. Ela era perfeita, até onde eu conseguia ver. Era


absolutamente perfeita, e minúscula. Era linda, e talvez eu
não estivesse respirando naquele momento. Mas foi quando o
médico fez alguma coisa naquele aparelho e, de repente,
surgiu a mesma imagem de antes em alto relevo e
amarelada, que provavelmente tudo naquela sala pareceu
desaparecer à minha volta.

- E aí está ela, um pouco mais visível agora.

Se antes era possível identificar o nariz, a boca e os membros,


agora, por contraste, eles se mostravam absolutamente
perfeitos. Era possível ver o formato do nariz, ainda de perfil,
das mãos e das pernas. Era possível ver sua cabeça se
mexendo em tempo real. Era possível ouvir e ver as ondas
das batidas do seu coração na parte inferior da tela.

Era possível vê-la. Perfeita.

- Só mais um pouco...

A imagem estava se mexendo, virando muito lentamente para


frente. O processo era lento, mas eu fiz questão de
acompanhar cada milímetro percorrido, com medo de piscar e
perder alguma coisa. E então, pouco menos de um minuto
depois, ela estava de frente para nós, como quem sabia que
estava sendo observada, posando despreocupadamente para
a câmera. O rosto dela estava ali, ainda pequeno, ainda
magro, mas perfeito. Sua mão direita estava debaixo do
minúsculo queixo, como se ela estivesse pensando, ou como
se simplesmente estivesse se apoiando ali. E quando seus
pequenos lábios se estreitaram e ela sorriu - visivelmente
sorriu - ouvi um soluço ao meu lado.

Camz estava se debulhando em lágrimas, toda vermelha,


tampando a boca com uma das mãos. A outra estava
apertando os meus dedos com muita força, e só me dei conta
disso naquele momento. Eu estava de pé, e não sabia quando
tinha dispensado a cadeira que havia puxado.
A verdade era que eu estava fazendo uma força quase
titânica para não chorar feito um bebê também. Minha visão
já estava embaçada pelas lágrimas que meu orgulho teimava
em sustentar, e vê-la naquele estado não estava me ajudando
em nada - eu não aguentava ver mulher alguma chorar, mas
ver Camila chorando conseguia ser dez vezes mais difícil.

Respirei fundo, ainda lutando contra as lágrimas, e me


debrucei sobre a cama para beijar sua testa. Ela estava
literalmente soluçando, e aquilo seria o meu fim.

- Como ela está? Ela está bem? Ela está perfeita? - Sua voz
saiu meio esganiçada, tentando soar em meio ao choro e
àquele turbilhão de emoções.

- Ela está ótima! - O Dr. Lewis falou sorridente - Não há


nenhum problema genético e nenhuma má formação. Ela
parece perfeita, e pelo visto está contente.

Encarei outra vez a tv e constatei que, como o médico havia


dito, ela ainda sorria calmamente, como se estivesse tendo
um sonho bom. Minha filha estava bem, e nada mais
importava.

- Vamos tirar algumas fotos pra vocês levarem...

Continuei encarando a tv, hipnotizada pela imagem. Aos


poucos ela foi deixando de sorrir, mas não foi o suficiente
para me deixar triste. Ela estava relaxando, parecia estar
caindo no sono. Quando suas duas mãos cobriram seu
pequeno rosto, tive a impressão que ela queria sossego, e me
senti na obrigação de parar de observá-la, se era isso que ela
queria.
Ao final do exame, terminamos com mais ou menos quinze
imagens da ultrassonografia, mostrando o feto em posições
diferentes. Me apaixonei particularmente pela foto que a
mostrava sorrindo, como se ela soubesse que aquele sorriso
faria com que nos derretêssemos. Camila encarava as
imagens ainda fungando, tentando se manter forte e não
voltar a chorar. Seus olhos e nariz estavam muito vermelhos e
um pouco inchados, e aquilo fez com que eu tivesse uma
enorme vontade de abraçá-la.

- Está mesmo tudo bem? - Ela perguntou com a voz um pouco


rouca do choro recém controlado.

- Não se preocupe. Ela está ótima. Acredito que sua gravidez


será tranquila. Vamos acompanhar o processo de perto pra
garantir que tudo ocorra bem. A partir de agora, as visitas
serão mensais. Vamos cuidar principalmente dessa sua
ansiedade.

- Ok...

- Se você sentir alguma dor ou algum incômodo anormal, não


hesite em me contatar. Você faz exercícios?

- Não... Eu posso?

- Moderadamente e com acompanhamento de um


especialista, é até recomendado. Vocês têm piscina em casa?

- Sim.

- O que acha de hidroginástica?

- Pode ser... - Ela respondeu, ainda distraída com as fotos.

- Ótimo. Encontrem um bom professor que esteja disponível.


Mas lembre-se, sem exageros. Seu corpo tem limites, e você
tem que respeitá-los. Isso vai dar a você uma sensação de
bem estar muito maior, e vai ajudar a tonificar os músculos
afetados pela gravidez.

- Ok...

O Dr. Lewis se levantou, tentando se lembrar de algum


conselho esquecido. Como nada lhe veio à cabeça, tudo que
fez foi se despedir.

- Nos vemos daqui a um mês. - Ele pontuou, estendendo sua


mão para nós e nos cumprimentando.

- Obrigado, doutor. - Respondi, ainda um pouco anestesiada.


Minha cabeça doía da força que havia feito para não acabar
me debulhando em lágrimas como Camila, e só então me dei
conta de que ela era muito mais inteligente do que eu em se
deixar levar pela emoção do momento.

Ela se levantou e caminhou para a porta na minha frente,


segurando as fotos como quem segurava um tesouro muito
precioso.

- Doutor... - Ela falou de repente, se virando ao lembrar de


uma coisa - Como faço pra evitar as estrias que devem
aparecer nos meus seios e na minha barriga?

Ele abriu a porta para nós, sorrindo de maneira agradável


como sempre. - Abuse de óleo ou hidratante de amêndoas.

Sorri para mim mesma.

Aquela gravidez seria sensacional.

***

- Amor, olha essa!


Eu estava um pouco feliz demais, e sabia disso. As atendentes
da loja riam da minha cara com gosto, talvez porque nunca
tivessem visto uma mãe de primeira viagem tão animada
assim. Eu achava um saco escolher minhas próprias roupas,
mas por algum motivo, olhar para aquelas roupinhas
minúsculas e coloridas estava me dando vontade de comprar
tudo.

Mais cedo naquele dia, nós tínhamos ido fazer compras para a
mudança no guarda-roupa de Camila, escolhendo peças que
coubessem nela. Agora estávamos no próximo estágio: As
roupas que vestiriam o que estava dentro daquela barriga.

- Mais uma peça rosa? - Ela perguntou.

- Claro! Ela é menina!

Camila riu da minha cara.

- E por isso ela precisa usar só rosa? Que tal um branquinho


ou amarelo claro?

Olhei para a peça de roupa que ela trazia nas mãos e larguei
a que eu segurava. Era um vestidinho de lã branco com
bordados, babados e flores coloridas. E era menor que o meu
antebraço.

- Gostou? - Ela perguntou.

- É lindo... - Respondi, já me virando para uma das mulheres


atrás de nós - Quais outras cores tem desse?

- Além do branco, temos lilás, vermelho e cinza.

- Podemos levar os quatro? - Perguntei perto da orelha dela,


fazendo cara de cachorrinha abandonada.
- Você sabe que ela vai crescer antes de dar tempo de usar
todos eles.

Eu sabia que ela estava certa. Mas minha filha estava


despertando meu lado consumista.

- Levamos um deles - você escolhe -, e aí escolhemos outros


modelos depois. Que tal? - Ela disse, notando minha tristeza
evidente.

- Tudo bem...

Uma das mulheres que nos observava foi buscar os vestidos


enquanto Camila se virava para ver outras peças nos cabides
do outro lado da loja. Antes que pudesse me juntar a ela, fui
abordada por uma das atendentes que permaneceu ali.

- Primeiro bebê? - Ela perguntou, tentando parecer casual.

- É... - Respondi sorrindo. Eu não conseguia não sorrir quando


falava da minha filha - Descobrimos que seríamos mães e nos
casamos há menos de uma semana.

- Ah... Atrapalha um pouco quando somos jovens e temos um


bocado da vida pra curtir, não? - Ela soltou, fazendo uma cara
de pena que eu não entendi.

- Não. - Respondi com veemência - Na verdade, acho que não


tinha como eu ficar mais feliz do que estou agora.

Ela sorriu, tentando parecer educada, embora estivesse


claramente contrariada pelo meu comentário.

- Sua esposa parece ter tido sorte então. - A mulher soltou, já


caminhando para longe, e mesmo que pudesse ter sido
apenas impressão, notei uma certa pontada de veneno na sua
voz.
Voltei a encarar Camila de longe. Ela estava com a cabeça
baixa, separando roupas coloridas nas mãos, mas seus olhos
estavam em mim. Ela estava rindo, como se estivesse
presenciando alguma coisa engraçada, embora eu não
soubesse o motivo.

- Aqui está.

Pulei de surpresa com a voz atrás de mim. Quando me virei,


uma das mulheres me oferecia os vestidos nas outras cores.

- Ah, obrigada...

- Você é dos Estados Unidos? - Ela perguntou, sorrindo de


maneira simpática.

- Como você sabe?

- Pelo seu sotaque.

- Ah, sim. Minha esposa e eu nos mudamos pra cá há pouco


menos de duas semanas. 

- Vão morar aqui?

- Sim. Acho que com o tempo começo a aderir ao sotaque


inglês. - Brinquei, tentando separar os vestidos nas mãos.

- Ah, não faça isso. Seu sotaque é incrivelmente sexy. - Ela


respondeu de imediato, e eu comecei a ficar realmente sem
graça.

Quando o silêncio ia ficar desagradável, Camila surgiu ao meu


lado.

- E então, qual vamos levar? - Ela perguntou, parecendo de


bom humor. 
- O branco. É mesmo o mais bonito.

Ao final daquele primeiro dia de compras, levamos um bom


número de peças, embora eu quisesse um pouco mais.
Acabamos com alguns vestidos, pijamas de palhacinhos e
todo tipo de coisa fofa, meias e luvas minúsculas de várias
cores, toucas fofas e quentes, sapatinhos de lacinhos e
babadinhos que me deixavam louca só de pensar em vê-los
na minha filha, casaquinhos e macacões com capuz de
coelhinhos. Por hora, era o suficiente; Mas eu ainda tinha mais
quatro meses para convencer Camz a comprar mais coisas.

- Não dá, é tudo muito fofo. - Me defendi enquanto tirávamos


as roupas de dentro das sacolas e arrumávamos tudo dentro
do armário do quarto de bebê - Se eu pudesse, trazia tudo.

- Esse é o problema. Você pode. E é por isso que eu tenho que


estar do seu lado, senão você compra tudo que vê pela
frente. - Ela pontuou, pendurando a última peça em um dos
cabides. 

- Amanhã vamos comprar mais algumas coisas que faltam.


Ainda não temos mamadeiras, chupetas, toalhas, fraldas,
lençóis, todas aquelas coisas de higiene... - Precisamos
comprar mais alguns brinquedos também...

- QUÊ? - Ela exclamou de repente, e eu me assustei - Mais


brinquedos? Olhe em volta!

- Mas e se ela cansar desses?

- Lauren, não precisa de mais brinquedos. Se você rasgar uma


folha de papel na frente dela, ela vai achar a coisa mais
divertida do mundo.
- Mas...

- Não! - Ela me interrompeu, empregando um tom de mãe


inédito na voz.

Bufei contrariada, mas não respondi.

- Podemos ao menos comprar aqueles shampoos em formato


de bichinhos? Pra ela se divertir no banho? - Ela começou a
gargalhar de repente, e eu comecei a me sentir idiota.

- Que foi? - Perguntei um pouco amarga. Ela se aproximou de


mim e me abraçou pela cintura.

- Você é a coisa mais fofa que eu já conheci.

- Ei, não sou fofa. Sou gostosa, fodona, devoradora de XXT...


Essas coisas.

- Ah, sim. E você fica mais gostosa quando banca a mamãe


entusiasmada.

Estreitei os olhos e ela riu outra vez.

- Está tirando sarro da minha cara?

- Não. Pergunte àquelas mulheres que nos atenderam hoje.

- O que tem elas?

- Ora, você não é ingênua. Elas estavam quase arrancando as


calcinhas pela cabeça. Tenho certeza que hoje à noite todas
vão sonhar com você fazendo um filho nelas.

- Hum... E o meu entusiasmo como mamãe surte esse efeito


em você? - Perguntei, abraçando-a por trás de maneira
indiscreta.
- É claro que surte. A diferença está no fato de que eu não
preciso sonhar com você fazendo um filho em mim. Primeiro
porque você já fez, e segundo porque, quando eu quero saber
como é ter você dentro de mim, tudo que tenho que fazer é
pular no seu colo.

Ela deu um sorriso inocente, ficando nas pontas dos pés e me


beijando carinhosamente antes de completar: - Azar o delas,
sorte a minha.

Para meu júbilo, o quinto mês de gravidez fez com que a


barriga de Camila começasse a crescer com vontade agora.
Era visível a diferença no diâmetro do seu abdômen, e fiquei
feliz por não ser preciso lhe falar coisas como "você não está
gorda, está linda." Ela não parecia estar muito preocupada
com os quilos que estava ganhando, e eu só conseguia achá-
la mais fofa do que nunca.

- Minhas bochechas... - Ela começou.

- O que tem as suas bochechas?

- Estão enormes e redondas. 

- Você está, sinceramente, a coisa mais adorável que eu já vi.

- Não seja mentirosa. - Ela riu, parecendo despreocupada - Eu


estou acima do meu peso e não paro de suar.

- Não estou mentindo. Juro por Deus, você está uma delícia.

Ela me encarou com uma expressão furiosa.

- Lauren, tem como você não dizer coisas assim na frente da


sua mãe?
- Não se preocupe, querida. - Minha mãe falou ao meu lado,
sentada no sofá da própria sala enquanto folheava uma
revista aleatória - Eu não escutei nada.

Camila já tinha me pedido para ser discreta na frente de


terceiros, mas às vezes eu simplesmente esquecia que tinha
mais alguém conosco. Não era de propósito.

- Só estou sendo sincera... - Falei meio sem graça.

- E então... - Meu pai entrou na sala, me oferecendo uma dose


de licor - Pronto para voltar ao trabalho?

Estávamos no domingo, véspera do meu retorno à empresa.


Mas, dessa vez, na mesma empresa que meu pai.

- Acho que sim... - Tentei disfarçar meu desânimo. Eu não


queria deixar claro que minha vontade, no momento, era ficar
em casa o dia todo cuidando da minha grávida e da minha
filha, mas as pessoas me conheciam muito bem.

- Querida, vai ser bom pra você. - Minha mãe interveio - É


bom ocupar a cabeça pra diminuir a ansiedade. E não precisa
se preocupar, você sabe que a Mila não vai ficar sozinha.
Emma vai estar lá todos os dias, e mesmo em uma
eventualidade, eu estou a dois quarteirões da casa de vocês.

- Eu sei... - Falei, ainda um pouco desanimada. 

Não queria explicar que eu não conhecia a empregada tão


bem assim a ponto de confiar a ela a saúde da minha mulher,
mas se minha mãe não tinha objeções quanto ao trabalho
dela, devia ser porque a mulher era eficiente.

- Você vai ver. O tempo vai passar muito mais rápido assim. -
Ela continuou, agora se virando para Camila - Mila, sempre
que quiser mais uma companhia, pode me chamar. Estou
sempre por aqui.

- Que bom! Vou chamar mesmo! Obrigada, Clara. - Ela


respondeu dando um sorriso.

"Que bom." Era como se todo mundo pudesse ter a


oportunidade de passar o dia inteiro com a minha mulher,
menos eu. Eu me sentia uma criança de castigo, e sabia que
estava sendo idiota. Mas saber disso não era o suficiente para
fazer com que eu amadurecesse.

Seria difícil me separar dela, principalmente porque os


sintomas da gravidez começavam a aparecer com mais
frequência agora: Ela andava visivelmente mais cansada,
tendo desejos e aversões esquisitas, dores nas costas e nas
pernas, e enjôos fortes (que felizmente costumavam
acontecer somente de manhã). Se a distância já me
machucava quando ela não estava esperando a minha filha,
agora esse afastamento estava me deixando um pouco
histérica, embora eu não deixasse transparecer e acabasse
explodindo às vezes. De qualquer forma, estava torcendo
para que minha mãe estivesse certa no final das contas: Que
ocupar minha cabeça com assuntos que não estivessem
relacionados à gravidez realmente ajudasse na minha
ansiedade, e não que me fizesse ficar ainda mais nervosa.

O primeiro dia de trabalho havia começado cedo e agitado.


Aquela era a empresa matriz, onde tudo era maior, mais
complicado e mais detalhado, o que, consequentemente,
significava mais reuniões, mais gente e mais trabalho. Foi
bom ter aprendido alguma coisa com Allyson porque, a partir
daquele momento, eu sabia que muitas coisas seriam
exigidas de mim, e mesmo que eu não estivesse ainda
preparada para assumir grandes responsabilidades, tinha
certeza que estava no caminho certo.

Foi necessária a primeira semana toda para me familiarizar


com as dependências e com as grandes cabeças do lugar. As
pessoas eram agradáveis ali, pareciam ser mais educadas e
menos falsas do que as que eu estava acostumada a lidar nos
Estados Unidos. Ou talvez tudo não passasse do meu estado
de espírito mesmo.

A parte negativa disso tudo - MUITO negativa - era que, na


maioria das vezes, eu chegava tarde em casa. Em algumas
ocasiões, encontrava Camila dormindo tranquilamente com a
tv ligada, claramente tentando me esperar acordada mas não
conseguindo. Nas vezes que isso não acontecia, ela estava
tão sonolenta que eu me sentia culpada em alugá-la para
tentar conversar ou ter um pouco da sua companhia.

Isso aconteceu durante o quinto mês de gravidez.

SEXTO MÊS

Minha mãe ficou encarregada de encontrar uma professora de


hidroginástica para Camila, e no início do sexto mês ela já
havia começado a fazer as aulas. O nome da professora era
Martha, tinha 52 anos e ia à nossa casa três vezes por
semana para se exercitar com a minha mulher na piscina.

Eu continuava trabalhando mais de oito horas por dia, me


esforçando para passar o maior tempo possível com ela e com
a nossa filha. Estava começando a me sentir um pouco mal
pelo meu papel de mãe não poder ser desempenhado da
forma que eu queria, mas felizmente as coisas começaram a
melhorar.

- Acho que estou sendo exigente com você.

Levantei a cabeça distraidamente da leitura que fazia em um


dos cinco contratos depositados na minha mesa. Meu pai
estava com as mãos nos bolsos e uma expressão um pouco
culpada.

- Por quê? - Perguntei, genuinamente curiosa.

- Você acabou de se casar. Não teve nem uma semana direito


antes de voltar ao trabalho, e está saindo muito tarde pra
quem tem uma mulher grávida cheia de amor pra dar
esperando em casa.

Eu ri pelas verdades, principalmente porque torcia para que


elas viessem seguidas de um "Tire férias!." Mas nada era
perfeito, e isso também não seria.

- Quero você aqui no máximo até às 20h. Depois disso,


considere-se expulsa da minha empresa. - Ele disse, já se
virando e indo cuidar dos problemas que o esperavam.

- Não vou embora nem um minuto depois! - Gritei para que


ele me ouvisse, já do lado de fora - Estou falando sério!

- Ótimo! - Ouvi sua voz ecoar do corredor - Você tem cinco


minutos pra dar o fora!

Olhei no relógio do laptop à minha frente enquanto me


levantava da cadeira. Acusava 19:56h.

- Quatro minutos, caro pai. - Falei comigo mesma, desligando


tudo de qualquer jeito e reunindo os papéis na gaveta -
Quatro minutos.
***

Graças à benevolência de Michael Jauregui, o final da minha


sexta-feira foi preenchido com a bastante agradável
companhia de minha esposa, que, ao me ver chegar mais
cedo que o normal (e estando acordada), se mostrou, como
ele havia dito, cheia de amor para dar.

Na manhã do dia seguinte, sábado, fui acordada com o


mesmo amor da noite anterior, com beijos e lambidas
bastante interessantes. O que eu não lembrava era que aquilo
fazia parte de uma comemoração. Uma comemoração da qual
eu havia esquecido completamente.

- Bom dia. - Ela falou com sua voz mais rouca e sexy perto do
meu ouvido, sentada em cima dos meus quadris, ondulando
com o corpo ali de forma proposital. Eu, obviamente, já
estava dura como uma pedra: Ela havia me deixado naquele
estado sem que eu estivesse sequer consciente.

Ela conseguia fazer esse tipo de coisa.

- Bom d... - Comecei, mas não consegui terminar a sentença


porque ela resolveu sentar no meu pau de uma só vez. -
Pppppfffhhhh... - Consegui dizer, segurando-a pela cintura
enquanto ainda tentava voltar completamente à realidade - O
que eu fiz pra merecer isso?

Ela riu ainda contra o meu ouvido, levantando um pouco os


quadris só para sentar em mim outra vez. E outra vez eu
gemi.

- Você não sabe que dia é hoje?


Fiquei apreensiva por algum momento, fazendo contas de
cabeça para me certificar de que não tinha esquecido
nenhuma data importante. Nosso primeiro mês de casadas já
havia sido há mais ou menos duas semanas atrás, e eu
lembrei da ocasião, trazendo para ela flores, bombons e um
cordão de pérolas. Nosso segundo mês ainda não tinha
chegado.

- Não... - Falei, tentando disfarçar o medo na voz.

Ela parou de se mexer, me encarando com um sorriso, mas


eu continuei com medo.

- Está falando sério?

- Estou... - Respondi, já um pouco desesperado. Eu pediria


desculpas quando soubesse que data tinha esquecido. - Que
dia é hoje?

Camila voltou a posicionar o rosto perto do meu ouvido, rindo


abertamente da minha cara.

- É aniversário da outra mamãe dela. - Ela disse, pegando


minha mão e espalmando-a na sua barriga.

- Hoje é 20 de junho? É meu aniversário? - Perguntei,


verdadeiramente surpresa com a notícia. 

- Não. É aniversário do padeiro angolano da esquina. - Ela


debochou - É óbvio, Lauren.

Eu nunca havia esquecido o meu próprio aniversário antes.


Era um dos únicos dias em que me sentia um pouquinho
importante. Essa era a primeira vez que aquilo acontecia, e
me dei conta de que talvez tivesse acontecido porque,
ultimamente, eu vinha me sentindo importante com mais
frequência. Ou então porque havia coisas mais importantes e
mais valiosas à minha volta.

Fosse o que fosse, eu estava no lucro.

- Então esse é o meu presente? - Perguntei de maneira


provocante enquanto voltava a segurar sua cintura.

- Claro que não. Esse é o seu bom dia.

Era, inegavelmente, um excelente bom dia.

Passamos o dia todo na casa dos meus pais. A comemoração


ficou por conta de um almoço simples (mas muito bom) que
minha mãe fez questão de preparar. Ela e meu pai se
mostraram verdadeiramente felizes em passar a
comemoração do meu aniversário comigo, já que havia muito
tempo que não podíamos fazer isso por causa da distância.
Recebi os telefonemas das únicas pessoas com as quais eu
me importava que não podiam estar ali: Ally, Chris, Taytay e
Oliver. Desejei, de coração, que não estivéssemos tão
distantes, mas nem tudo podia ser perfeito. De qualquer
forma, eu já estava mais do que feliz em poder compartilhar
aquele momento com as pessoas que estavam ao meu lado.

Quando já estava escurecendo, Camila e eu voltamos para a


nossa casa. Era o primeiro aniversário que eu passava com
ela, e queria aproveitar aquela oportunidade. Não era
necessariamente sexo que eu procurava, mas apenas ter sua
companhia isoladamente, sem que precisasse dividir minha
atenção entre ela e mais alguém - e principalmente, que a
atenção dela fosse só minha. Era óbvio que eu amava meus
pais e queria estar o maior tempo possível com eles, mas
quando estávamos todos juntos, todas as atenções voltavam-
se fatalmente para o mesmo assunto: A gravidez de Camila.

Mas aquele era o meu dia. E eu queria ser mimada por ela até
enjoar.

- O que você quer fazer? - Ela perguntou quando entrávamos


em casa.

- Quero ficar com você.

Ela sorriu pacientemente.

- Eu vou ficar com você. Mas estou me referindo ao que


vamos fazer pro seu aniversário.

- Não quero fazer nada. Quero ficar aqui com você. - Repeti.

- Como não quer fazer nada? Temos que comemorar o seu


aniversário de alguma forma!

- Podemos comemorar em casa.

- Isso não é uma comemoração. - Ela concluiu em um tom


cético - Vamos sair pra algum lugar. Você tem trabalhado
tanto, que tal se divertir um pouco?

- Eu consigo me divertir e relaxar ao mesmo tempo. Só


preciso de uma tv, um balde de pipoca e a minha esposa por
perto.

- Lo, essa comemoração vai entrar pra história como a


comemoração mais chata do mundo... 

- Está frio lá fora. E ventando. E chovendo. Não quero ir pra


lugar nenhum.

- Mas...
- Mas nada, sua teimosa! O aniversário é meu!

Camila bufou, visivelmente contrariada, e subiu as escadas


para tomar um banho. 

***

O filme acabou por volta das 22h e eu festejei


silenciosamente. Isso porque ela havia resolvido ver um filme
comigo usando aquele maravilhoso creme de amêndoas e
ficando agarrada em mim durante todo o tempo. Quando
deixei clara minha evidente falta de interesse na tv e minha
total atenção nela, fui advertida de que ficaríamos na sala de
vídeo exclusivamente para assistir um filme, já que eu não
queria nenhuma comemoração pelo meu aniversário. Mas eu
sabia que ela não seria assim tão cruel, e que me daria o que
eu queria no final daquela noite.

Por isso tive que aguentar pacientemente aquelas duas horas


com Camila grudada em mim, vestindo nada além de uma
camisa social minha (já devidamente roubada) e uma calcinha
branca, alegando que já que eu vou ficar em casa, vou ficar à
vontade. Mas eu sabia que ela estava fazendo aquilo de
propósito, por isso me mantive firme.

- É... - Comecei me espreguiçando enquanto as letras subiam


na tela. Ela estava esparramada entre as minhas pernas,
imitando meu ato.

- Gostou do filme? - Ela perguntou, se virando um pouco e


esfregando o rosto no meu peito. 

- Não. Foi uma merda.

Ela riu com vontade, se pondo de pé e falando:


- Pelo menos tínhamos um balde de pipoca.

- É. - Comecei, me pondo de pé também - Pelo menos até


você estragar cobrindo com maionese. Ela pegou uma
almofada do chão e tacou em mim, saindo da sala logo em
seguida.

- Eu estou grávida! Meus desejos têm que ser atendidos.

Rebati o travesseiro para o lado, gargalhando da cara dela


enquanto a seguia para o corredor.

- Contanto que você não invente de comer tijolo ou nada


desse tipo... Ei, vai aonde? - Perguntei, vendo-a caminhar na
direção das escadas - Nosso quarto é pra lá.

- Vai indo. Eu vou dar um pulinho na cozinha, pra pegar um


copo d'água. 

- Eu pego pra você.

- Não, eu vou. - Ela insistiu, me segurando pelo braço e me


impedindo de caminhar - Eu volto em um minuto.

Camila começou a descer os degraus calmamente, me


deixando lá toda confusa.

- Você está com as pantufas? - Gritei para que ela me


escutasse já do andar de baixo. 

- Estou!

Caminhei para o quarto sem pressa, chegando lá e me


enfiando debaixo dos lençóis. 

Achei sua atitude estranha, mas tudo bem. Quando ela


voltasse, eu exigiria minha recompensa por ter sido uma
esposa controlada durante toda aquela merda de filme.
Quando ela entrou no quarto outra vez, trazia uma pequena
vasilha nas mãos, coberta por um pano de prato.

- Que isso? - Perguntei já curiosa.

- Pode me fazer um favor? - Ela disse, ignorando minha


pergunta - Pode ir lá no banheiro pegar uma toalha?

Pensei em perguntar o motivo, mas desisti logo. Fazer o que


ela queria me traria explicações mais rápido do que perguntá-
la o que ela estava tramando. Por isso fiz o que ela pediu,
entregando-lhe a toalha dobrada.

- Estenda na cama. - Ela pediu.

- Vai me dizer o que você está tramando?

- Quanto mais rápida você for, mais rápido vai saber.

Suspirei, outra vez obedecendo-a. Camila deixou a vasilha


coberta no criado mudo quando a toalha estava devidamente
aberta no colchão, e pediu para que eu me deitasse nela.

- Eu não sabia o que dar pra você de aniversário... - Ela


começou, casualmente se sentando em cima dos meus
quadris, e eu notei que sua peça de roupa íntima não estava
mais lá, embora eu não soubesse quando nem como ela havia
a tirado.

- Tem uma coisa que você sempre pode me dar como


presente... - Comecei, rindo de forma abusada enquanto
minhas mãos deslizavam pelas coxas dela, cada uma de cada
lado da minha cintura.

- É, eu sei. Mas isso eu te dou quase todo dia... - Camila


começou a desabotoar a camisa que vestia, aos poucos,
enquanto falava com uma voz calma e suave - Então tinha
que ter um diferencial.

Ela tirou a camisa e eu suspirei. Eu sempre suspirava. Não era


de surpresa, porque já estava acostumada. Era de admiração
mesmo.

- Não precisa de nenhum diferencial... - Falei distraidamente,


correndo as mãos pelo torso dela.

- Precisa sim. Então eu lembrei que tinha uma coisa... - Ela


começou a tirar agora a minha calça, puxando-a de qualquer
jeito até os meus pés, fazendo com que nossos corpos
entrassem em contato direto - Uma coisa que você disse um
dia.

- O que eu disse? - Perguntei só por perguntar. Eu nem estava


prestando muita atenção ao que ela dizia. Estava concentrado
demais no seu corpo em cima do meu.

- Um dia você disse que queria me comer com uma coisa.

Olhei para seu rosto - porque até então meus olhos estavam
varrendo cada curva do corpo dela - e vi ali um olhar
provocante. Olhei de esguelha para a vasilha em cima do
criado mudo e depois voltei a encará-la, já sorrindo.

- Mas... - Ela recomeçou, pegando a vasilha e trazendo-a para


o colchão, em cima da toalha - Como hoje é o seu dia...

Camila tirou o pano de prato e pegou com os dedos um


bombom molhado com calda de chocolate. Eu lembrava
daquela sobremesa, e lembrava do quanto quis realmente
prová-la no corpo da minha mulher - namorada na época.

Ela me ofereceu o bombom na boca e eu aceitei.


- Está bom? - Ela perguntou, me deixando chupar seus dois
dedos.

- Maravilhoso.

Camila sorriu de uma forma estranha. Quando voltei minhas


mãos para a sua cintura, ela pegou o pano de prato ao nosso
lado e pediu para que eu sentasse. Fiquei curiosa outra vez,
mas a obedeci sem questionar.

- Sabe... - Ela começou, trazendo o pano de prato até os meus


olhos e cobrindo-os, me fazendo ficar no escuro - Eu acho que
vai ficar ainda melhor se eu aguçar um pouco os seus
sentidos.

Ela pontuou a frase dando um nó firme atrás da minha


cabeça, e tudo que eu fiz foi sorrir. Senti suas mãos no meu
peito, me empurrando para baixo, me fazendo deitar outra
vez.

- Vamos ver como anda a sua sensibilidade. - Ela falou, e


pude ouvir o sorriso na sua voz.

- Mas eu ainda quero te comer com isso. - Comentei em voz


baixa, excitada com tudo aquilo.

- Se sobrar alguma coisa depois que eu te comer...

Meu corpo todo tremeu. Ela soltou uma gargalhada baixa e


meu pau se mexeu por vontade própria.

Fiquei ali, no escuro, no silêncio, esperando pelo que Camila


faria a seguir. Por um longo tempo. A expectativa era
incrivelmente excitante, como se meu corpo esperasse
desesperadamente pelo próximo toque. Cada som emitido,
sem querer ou não, era captado com muito mais precisão
agora. Até o cheiro do doce pareceu se intensificar.

Quando senti uma gota gelada cair no meu peito, estremeci


imediatamente, e sequer pude conter o suspiro involuntário
que saiu dos meus lábios.

- Frio? - Ouvi sua voz perguntar, agora parecendo bem mais


aveludada.

- Um pouco... - Falei, com muita vontade de rir aquele riso de


nervoso.

No segundo seguinte, senti sua língua deslizando exatamente


onde a gota gelada estava, traçando por ali um caminho
molhado e morno. Agarrei a toalha embaixo de mim com
força, com medo de aplicar aquela força no corpo dela.

- Quente? - Sua voz falou outra vez, em um tom provocante.

- Perfeito. - Respondi.

A gargalhada dela soou novamente no escuro.

Senti outra gota ser cuidadosamente derramada, agora em


um dos meus mamilos. 

- Porra...

Ela não respondeu, e quase imediatamente senti sua língua


brincar ali, limpando a gota de chocolate devagar, de forma
quase torturante. Mais uma gota foi derramada no outro
mamilo, e a forma de limpá-la foi repetida.

- Bom? - Ela perguntou.

- Você não faz idéia... - Respondi, tentando não tremer a voz.


Senti um bombom tocar meus lábios e abri a boca, aceitando
o que ela me oferecia. Chupei as pontas dos seus dedos com
mais força dessa vez, deixando claro que eu estava bastante
excitada. Mas ela sabia disso.

Camila ficou em silêncio, sem fazer nada, sem me tocar. E a


cada segundo decorrido, meu corpo parecia queimar ainda
mais, esperando pelo próximo movimento. Fui pega de
surpresa quando ele veio, mas agarrei a toalha outra vez e
me mantive firme, parada, recebendo uma trilha de calda
gelada que estava sendo derramada do meu peito até o meu
umbigo.

Respirei fundo, tentando manter o equilíbrio. Segundos depois


a boca dela percorreu o mesmo caminho, lambendo e dando
mordidinhas absurdamente excitantes na minha pele, até
chegar próximo ao meu umbigo e terminar de beber o rastro
da sobremesa.

Outra vez ela ficou em silêncio, afastada, imóvel. Esperei


pacientemente pelo próximo movimento, e os segundos
passados sem um toque, ao invés de me desanimar, me
deixavam ainda mais acesa. Desesperada. Louca de tesão.

Uma única gota caiu na cabeça do meu pau.

- Aiputaquepariu... - Ofeguei, imaginando como ela limparia


aquela gota: Exatamente como havia limpado todas as
outras.

Senti sua língua passar rapidamente por ali, me provocando.

- Ssss... Amor...

- Sim?
- Posso tirar a venda? - Perguntei, sem me preocupar com o
fato de que estava completamente ofegante. 

- Claro que não.

- Por favor...

- Não.

- Pelo amor de Deus...

Senti o colchão se mexer um pouco e, no segundo seguinte,


sua voz mansa e rouca falar ao pé do meu ouvido:

- Não.

Tremi dos pés à cabeça, despreparada para aquela


proximidade, mesmo no escuro.

Eu ia falar outra vez, mas naquele momento senti meu pau


ser completamente coberto pela calda gelada. O frio contra a
minha pele me fez tremer novamente, e um som meio
desesperado se desprendeu da minha garganta.

Escutei o silêncio outra vez, me acostumando aos poucos com


a temperatura do líquido em uma parte do meu corpo tão
sensível. Eu sabia que Camila se calava para aumentar minha
expectativa. E sua tática estava dando muito certo. Ela ficou
em silêncio por muito tempo. E eu esperei, como uma criança
que espera pelo Natal.

Sua boca me envolveu de repente, de uma vez, do início ao


fim. Soltei um gemido tão alto que, em contraste com o
silêncio, pareceu um grito. Minhas mãos migraram
automaticamente para seus cabelos, mesmo que eu não
conseguisse ver nada.
Aquilo era muito, muito bom. Ao anular minha visão, meus
outros sentidos - principalmente o tato - ficaram muito mais
aguçados. A sensação da boca dela em mim parecia muito
mais prazerosa, muito mais intensa. Era como se ela tivesse
evoluído muito na arte de fazer aquilo, mas eu sabia que era
impossível: Ela já sabia fazer aquilo de uma forma perfeita. A
culpa só podia ser da venda nos meus olhos.

- Caralh... Espera...

- Não está bom? - Ouvi-a perguntar, afastando sua boca do


meu membro.

- Está! - Falei, tentando parecer menos ofegante do que


realmente estava - Mas... - Ela voltou a me chupar, e eu não
consegui continuar raciocinando.

Eu queria pedir para que ela fosse mais devagar. Não queria
gozar tão rápido, e não queria fazer isso na boca dela. Mas eu
sequer conseguia pronunciar alguma palavra direito, e
quando quase voltei a pensar de forma coerente outra vez -
quando Camila parou de me chupar por alguns segundos -,
me dei conta de que a trégua havia acontecido unicamente
para que ela tivesse tempo de pegar a vasilha e derramar
mais daquela porra daquela calda fria em mim.

E então eu desisti de ser racional. Afinal, me tirar do sério era


exatamente o que ela queria. Só me restava parabenizá-la por
ser tão bem sucedida na sua tentativa, como ela sempre era
quando queria alguma coisa.

Sua boca voltou a lamber e chupar meu pau de um jeito


enlouquecedoramente bom, e tudo o que fiz foi aceitá-la. Não
importava de quantas formas ela ainda tentaria me deixar
louca, ela sempre acabaria conseguindo.

- Eu vou g... Amor, eu vou...

- Goza.

E depois disso, é claro que eu gozei. Instantaneamente.

Sua boca permaneceu ali, me envolvendo calmamente


enquanto as últimas gotas saíam a cada latejada que meu
pênis dava. Meus olhos estavam doendo, tamanha era a força
com que eu os mantinha fechados. Os nós dos meus dedos
também pareciam duros, e imediatamente afrouxei o aperto
em volta dos fios dela, com medo de que estivesse a
machucando.

Quando senti o colchão se mover mais uma vez, esperei por


mãos atrás da minha cabeça para desatar os nós que
mantinham a venda envolvida nos meus olhos, mas isso não
aconteceu. Ao invés disso, tudo que senti foram seus lábios
me dando selinhos simples no pescoço, trilhando um caminho
até minha orelha. Quando sua boca chegou ali, escutei
perfeitamente o barulho que sua garganta fez ao engolir o
que ela ainda mantinha na boca propositalmente. Como se
fosse refrigerante.

- Você vai me matar... - Falei com uma voz fraca, ainda muito
abalada pelo orgasmo recente.

- Eu não faria isso. - Ela respondeu, ainda ao pé do meu


ouvido - Eu sei até onde posso brincar com você.

Senti a venda ser puxada de maneira delicada do meu rosto,


apenas para revelar Camila ali, na minha frente, me
encarando com aqueles olhos brilhantes e aquele sorriso
inocente nos lábios. Virei a cabeça instintivamente para o
lado à procura da vasilha, e ao notar que ainda havia um
pouco do líquido gelado lá dentro, sorri maliciosamente para
ela outra vez.

- Minha vez. - Falei, me sentindo a dona da situação pela


primeira vez naquele dia.

Sem dar a ela tempo para responder qualquer coisa


inteligente, tomei-a em um beijo talvez um pouco efusivo
demais. A barriga estava atrapalhando a nossa proximidade,
e por isso nos virei com cuidado na cama, mantendo-a agora
deitada no colchão, no mesmo lugar em que eu estava antes.

- Mas é o seu aniversário... É você que tem que receber toda a


atenção... - Ela começou entre um beijo e outro, tentando
falar mas sendo impedida pela minha boca.

Segurei a vasilha de qualquer jeito e despejei aos poucos


algumas gotas de chocolate no peito dela. Ela tremeu em
resposta à temperatura do líquido, mas se aquilo a estava
deixando tão excitada quanto me deixou, eu sabia que o
desconforto com o frio seria o menor dos problemas.

Levei minha língua até o vale dos seus seios, lambendo ali o
líquido da maneira mais provocante que pude. Ela revirou os
olhos assim que sentiu minha língua entrando em contato
com a pele dela, e aquilo me deu mais vontade de continuar.

Derramei com cuidado a calda em cima do seu seio esquerdo


e, tentando ser carinhosa, chupei devagar, com medo de
machucá-la por saber que aquela região estava mais sensível
do que o normal pela gravidez. Ela gemeu em resposta,
levando as mãos aos meus cabelos e os apertando entre seus
dedos. Quando repeti o ato no outro seio, ela arqueou as
costas instintivamente na cama, mas isso fez com que sua
barriga atrapalhasse ainda mais meus movimentos.

Sorri contra sua pele, deixando uma trilha de beijos molhados


- e agora melados - pelo corpo dela. Ela começou a soltar
gemidos baixos e um pouco roucos, e aquilo fez com que os
pêlos na minha nuca se eriçassem todos de uma vez. Peguei a
vasilha outra vez, derramei o pouco do creme restante perto
do seu umbigo, e lambi tudo aos poucos, devagar, passeando
minhas mãos por todo o corpo dela, tocando-a como eu sabia
que ela gostava, fazendo-a ofegar e se abrir completamente
para mim.

E então eu já estava dura de novo.

Me posicionei entre suas pernas, mas me dei conta de que


estava toda melada. E eu não podia meter nela daquela
forma.

- Ah, droga... Não posso te comer...

- QUÊ? - Ela perguntou, abrindo os olhos de imediato e me


encarando com uma expressão assassina - Por que não?

- Porque eu estou melada de doce. E a única coisa que pode


te melar aí dentro é a minha porra. - Respondi sorrindo
presunçosamente.

Ela bufou de mau humor, olhando para o teto. 

- Pega uma camisinha, Lauren!

- Eu não tenho uma camisinha!

- POR QUE NÃO?


- Porque eu só trepo com a minha mulher. - Respondi de
maneira óbvia, achando aquilo muito engraçado. 

- Merda!

Ela se levantou de uma vez, quase me derrubando no chão, e


me puxou pela mão com um pouco de pressa. Quando me
levantei, peguei-a no colo, mesmo com o peso extra da
barriga, e caminhei de uma vez para onde eu sabia que ela
estava nos levando, deixando para trás a tigela, o pano de
prato e a toalha suja do resto de chocolate.

- Chuveiro ou banheira? - Perguntei.

- Onde você consiga se lavar primeiro. - Ela respondeu


prontamente. 

- Sim senhora. - Sorri.

SÉTIMO MÊS

Foi no sétimo mês que eu perdi a exclusividade. Minha filha


estava crescendo, ficando forte e se manifestando agora
quando outras mãos a tocavam. E eu me sentia um pouco
dividida: Se de um lado achava adorável vê-la chutar todo
mundo, do outro estava um pouco triste por saber que algo
que era só nosso havia deixado de ser.

- Ela chutou! - Minha mãe falou em duas oitavas acima do


normal - Eu senti!

No momento seguinte, as mãos do meu pai fizeram


companhia às dela, com o intuito de se certificar de que
aquilo não era uma mentira.

- Uau! - Ele exclamou dois segundos depois - Ela chutou


mesmo! E chutou forte pra alguém tão pequena! 
- Vamos controlar nossas alegrias. - Camila falou, tentando
esconder o riso - Lauren está magoada.

- Claro que não estou... - Respondi, soando como uma criança


mentirosa.

- Ah, está sim. Você não é mais a preferida dela.

- Ei, só porque eu não tenho mais exclusividade não quer


dizer que não seja a preferida - Argumentei - Você vai ver. Ela
vai me achar o máximo.

- Já vi que teremos trabalho em desmimá-la, Mila. - Minha


mãe falou outra vez, rindo como uma pré-adolescente ao
sentir mais um chute.

- E quanto ao novo professor de hidroginástica, mãe? -


Perguntei, levando o assunto para outro lado, talvez
propositalmente.

A professora de Camila havia recebido uma proposta no outro


canto do País, e teria que nos deixar. Mas eu insistia com os
exercícios durante a gravidez: Se o médico disse que faria
bem para ela e para a minha filha, então eu não pouparia
esforços para mantê-los.

- Ah, estou vendo isso. - Ela respondeu, ainda distraída com a


barriga palpitante - É difícil encontrar algum professor bom,
disponível e que aceite dar as aulas na casa do aluno. Mas
vou conseguir achar. Só peço que tenham um pouco de
paciência.

Camz estava paciente. Eu, nem tanto. Queria que ela se


ocupasse logo com alguma coisa: Temia que a gravidez a
estivesse chateando nesse aspecto. E eu não queria que a
gravidez a chateasse de forma alguma.

A visita ao obstetra foi normal. Era sempre um alívio ouvi-lo


dizer que tudo parecia bem naquela gravidez. O Dr. Lewis nos
informou sobre as diferenças e as vantagens entre parto
normal e cesariana, e como era de se esperar, ela preferiu a
primeira opção. Eu também gostava mais dessa idéia, mas
era claro que quem decidiria esse aspecto era ela. Não era eu
que teria que sentir uma criança inteira saindo de mim.

O doutor também começou a nos preparar para a


aproximação do parto, que, pelos nossos cálculos, se daria
em meados de Setembro. E eu estava tão vidrada nessa data
que esqueci de outra data igualmente importante.

- Lolo?

Tirei os olhos do computador e vi meu pai à minha frente. Ele


parecia um pouco agitado. 

- Que foi?

- Sua mãe acabou de me ligar. Parece que sua irmã entrou


em trabalho de parto.

Eu não sei porque aquilo me deixou tão nervosa. Ela estava


grávida, e com nove meses de gestação (mesmo que eu
tivesse esquecido disso), era de se esperar que ela entrasse
em trabalho de parto. O bebê não ficaria lá dentro para
sempre.

- E agora? - Falei com a voz um pouco esganiçada. Ele me


encarou como se não tivesse entendido minha pergunta.

- Agora... Ela vai parir.


- Ela está bem?

- Não sei. Quem ligou foi o Oliver. Ele parecia tranquilo...

- Mas o Oliver sempre parece tranquilo!

- Filha, acho que se houvesse algum problema ele teria nos


dito.

- Certo. - Falei em voz baixa, querendo acalmar a mim


mesmo, já que meu pai parecia muito mais calmo do que eu -
Como a mama está?

- Um pouco agitada. Mas acho que está bem. Mila está lá com
ela.

- Ótimo.

- Não nos resta nada além de esperar.

E então, nós esperamos. Muito. Ou talvez fosse meu estado


de nervos que fizesse com que cada minuto tivesse a duração
aproximada de meia hora.

- É normal demorar assim? - Perguntei, agora eu entrando na


sala dele. Já haviam se passado duas horas.

- Acredito que não tenha um tempo certo. Não é uma


operação, mas sim um parto normal. Sua mãe também
demorou quando teve vocês três.

- Ok... - Concluí desanimada, me deixando cair em um dos


sofás.

Eu já não conseguia trabalhar. Meu pai também não. A


ansiedade estava tomando conta de nós dois, mesmo que ele
parecesse menos abalado do que eu. O relógio marcava 19h,
e como nenhum de nós dois conseguiria ler mais nenhum
contrato àquela altura, nos ausentamos da empresa mais
cedo. Quando chegamos em casa, encontramos minha mãe e
Camila sentadas em um sofá vendo tv.

- E aí? - Perguntei, sentando entre as duas.

- Nada ainda. - Minha mãe falou em um tom de voz bastante


calmo - Mas não se preocupem. Ela está bem.

Aquela era uma ótima notícia. Era claro que tudo não passava
da intuição dela, mas a intuição dela não era como as outras
intuições femininas. Era quase como a de Taylor: Assustadora
e, até onde eu lembrava, confiável. E levando em conta que
essa ligação era bastante forte principalmente entre as duas,
eu já estava mais tranquila só de ouvi-la dizer aquilo.

- Ótimo. - Concluí, me virando para Camz - E você. Como


está?

- Grávida. - Ela disse de forma simples, sorrindo.

- Não está com frio? - Perguntei, observando a camiseta fina


que ela vestia.

- Não. Tenho andado com muito calor.

- Coisa de gente grávida. - Meu pai brincou.

Ficamos ali por um bom tempo sem fazer nada. Era irritante
não poder pegar um carro e correr ao encontro de Taylor, e
quanto mais o tempo passava, mais difícil era lembrar das
palavras reconfortantes da minha mãe.

E então, o celular dela apitou em um volume alto e se calou


outra vez. Era uma mensagem.
Estiquei o pescoço para o visor do telefone nas mãos dela.
Meu pai surgiu por trás do sofá e Camila se aproximou por
cima de mim para ter acesso à imagem que havia sido
enviada: Uma foto de Taylor toda sorridente, embora um
pouco suada e descabelada, segurando em seu colo um
menino minúsculo e com uma cara de puto que me fez
gargalhar no mesmo segundo.

Embaixo, uma mensagem de texto curta dizia "Parabéns,


vovós e titias!"

Estava tudo bem, e eu sabia que a minha gargalhada havia


saído mais forte por causa do alívio. Ela estava bem. O bebê
estava bem. Estava tudo ótimo.

- Que neto enfezado a senhora tem, vovó. - Brinquei,


passando um braço por cima do seu ombro e puxando-a para
um abraço. E é claro que ela já estava chorando e rindo ao
mesmo tempo, hipnotizada pela tela do celular que mantinha
nas mãos.

- Ele é lindo! - Camila falou, sorrindo também - Embora eu não


ache que ele estivesse muito afim de sair...

A imagem foi cortada e interrompida pela ligação de


Christopher, fazendo com que o celular tocasse
escandalosamente. Apertei o botão de auto-falante para
atendê-lo, ainda na mão da minha mãe.

- Chris, sua cara feia fez com que a foto do meu sobrinho
sumisse. Seu idiota! - Falei de bom humor em voz alta para
que ele me escutasse.

- Cara, vocês viram? O guri puxou o bom humor da Taylor! -


Ele falou, já rindo. - Eu fiquei um pouco intimidado...
Chris ligou unicamente para parabenizar os nossos pais e
perguntar como nossa mãe estava. Ele a conhecia bem o
suficiente para saber que ela devia estar emocionada.
Felizmente nosso pai estava ali quando ela começou a
soluçar. Era difícil saber o que fazer quando isso acontecia.

Conseguimos falar com Oliver uma hora depois. Segundo ele,


tudo havia corrido bem. Taylor estava dormindo, e Enzo -
como eles resolveram o chamar - também. Ele disse que
passaria aquela noite no hospital, mas que, se tudo desse
certo, já iriam para casa no dia seguinte.

Minha mãe disse que ligaria outra vez, deixando claro seu
desejo de viajar para a França na próxima semana para
conhecer o neto pessoalmente. Eu sabia que aquele era o tipo
de coisa que faria com que meu pai desse um jeito de se
ausentar na empresa para acompanhá-la. E também sabia
que isso era uma ótima idéia, mas mesmo assim fiquei um
pouco preocupada. E não tinha nada a ver com o fato de que
eu passaria uma semana cuidando dos negócios do meu pai
na ausência dele, mas sim com o fato de que Camila não
poderia contar com a companhia da minha mãe. Eu sabia que
ela não ficaria completamente sozinha, mas ainda assim, era
um pouco preocupante.

Mas assim eles fizeram. Na semana seguinte eu me despedia


dos dois, pedindo a eles que tirassem o maior número
possível de fotos do meu sobrinho, e que transmitissem meus
desejos de felicidades a Oliver, Taylor e ao pimpolho deles.

***

- E o nome dele é Juan.


- Juan? - Repeti, sendo um pouco irônica - Isso é nome de
amante latino.

- Bem, ele é argentino.

Larguei os talheres no prato e encarei minha mãe. Ela e meu


pai já haviam voltado da França havia uma semana.

- Deixe ver se eu entendi: O professor de hidroginástica da


minha mulher é um amante latino, provavelmente musculoso
e artificialmente bronzeado, que vai ficar roçando nela dentro
de uma piscina durante o dia todo? E de sunga?

Meu pai e Camila riram juntos, mas eu não achei graça. Aliás,
não estava gostando nada daquilo. 

- "Roçando nela" Querida, é uma aula de hidroginástica, não


de tango subaquático.

- Dá no mesmo.

- Filha, ele foi indicado por duas amigas minhas de confiança,


que tiveram filhos recentemente. Ele é um excelente
profissional, é experiente e especializado em aulas pra
gestantes. Ah: E nenhuma delas se queixou de abuso sexual.

- E por que não escolhemos uma outra professora? Ou então


um professor mais... normal?

- Não consigo entender por que o Juan não é normal nos seus
padrões, mas acho que o motivo pra sua pergunta é simples:
Porque ele é o único disponível.

- Mãe, tem certeza? - Perguntei cautelosamente, tentando não


parecer rude ou mal agradecida pelo esforço dela - Podemos
procurar melhor... Eu posso procurar...
Camila tossiu fracamente, apenas para chamar a atenção
para si.

- Desculpem me meter, mas... Eu vou entrar no oitavo mês de


gravidez. Já não estamos atrasadas com isso?

- Exatamente. - Minha mãe concluiu, me encarando com uma


expressão neutra e falando de forma doce - Querida, você não
é nenhuma criança. Todos aqui somos maduros para encarar
a situação como ela é. Não arranje problemas onde não tem,
ok?

Derrotada.

Eu havia sido derrotada pela minha mãe e pela minha mulher.


Elas estavam se unindo contra mim, fazendo com que minhas
inseguranças deixassem de ser pesadelos e se tornassem
realidade.

Por que algumas mulheres são tão cruéis?

OITAVO MÊS

- Amanhã ele vai dar a primeira aula pra Mila. Eu vou estar lá.
Assim nós decidimos melhor as coisas. - Minha mãe falou
animada.

Estávamos no primeiro dia do oitavo mês de gravidez,


jogando papo fora na sala da nossa casa. Era domingo.

- Ótimo. Que horas ele vai? - Perguntei. 

- O horário livre dele vai de 18h às 20h.

- Eu saio às 20h do trabalho. - Argumentei - Chego em casa


por volta das 20:30h. 

- E o que tem? - Camila perguntou, um pouco confusa.


O que tinha? Nada. Eu não veria como o cara era. Não veria
se ele tinha pinta de estuprador ou de assassino. Mas é claro
que elas não estavam preocupadas com isso. Contanto que o
professor gostosão-latino-sedutor se apresentasse em trajes
de banho com aquela merda de sorriso latino-irritante (que eu
nunca tinha visto mas que já odiava), estava tudo bem.

Fui trabalhar no dia seguinte muito puta da vida, e talvez


fosse mesmo imaturidade, mas o fato era que eu não gostava
de deixar a minha mulher grávida, linda e com os hormônios
em fúria em uma piscina com um cara que provavelmente
tinha aquele sotaque próprio de filmes eróticos. Ela era toda
pequena e frágil, e ele provavelmente era o dobro de mim. Se
ele tentasse alguma coisa... Aquele fogo que esse tipo de
homem tinha... Aquele sangue borbulhando de vontade de...

- Quer calar a merda da boca, caralho? - Falei alto comigo


mesma, e a sra. Parker, minha secretária, uma senhora viúva
com 60 anos de idade, se assustou com os palavrões e saiu
da minha sala imediatamente, parecendo horrorizada.

Ótimo. Ser taxada de louca era tudo que eu precisava.

Consegui o brilhante feito de não me concentrar durante o dia


todo por causa daquilo. Quando fui correndo para casa, com o
objetivo de talvez conseguir ver a cara do sujeito, ele já tinha
ido embora. Ao invés dele, encontrei Camila dentro da piscina
e minha mãe sentada em um banco fora dela, as duas
tagarelando e rindo como garotinhas. A empregada já havia
ido embora.

- Boa noite, querida. - Minha mãe começou, se levantando -


Por pouco você não chega antes do Juan ir embora.
- Tudo bem. - Menti, fingindo não dar importância ao que, no
fundo, era o meu objetivo 

- Como foi a aula?

- Excelente. - Camila respondeu sorrindo, encostada em uma


das bordas.

- Não está cansada, né? Lembre do que o médico falou. Você


não pode exagerar nos exercícios.

- Não estou cansada. É mais difícil se cansar na água.

Virei para minha mãe, que já estava de pé ao meu lado. - O


que achou? - Perguntei.

- Ótimo. Ele é muito responsável, e traz todo o equipamento.


Aquelas pranchas de isopor e coisas de espuma... É muito
cuidadoso. A cada novo exercício ele pergunta como ela está
se sentindo.

- Quantos anos ele tem?

Ela me encarou como quem encara uma criança fazendo


manha.

- Não sei, não perguntei.

- Aproximadamente?

- Talvez uns 27.

Que ótimo. Um professor de hidroginástica latino, musculoso,


sedutor e JOVEM.

- Mãe, você disse que ele era experiente. - Falei


pausadamente, fechando os olhos - Como ele pode ser
experiente tendo 27 anos?
- Lauren - Ouvi a voz de Camila repentinamente ao meu lado
e abri os olhos - Você precisa parar com esse preconceito com
profissionais jovens.

Ela estava molhada, linda, seminua, fofa, grávida e me


encarando com aquelas duas bolinhas de chocolate enquanto
se secava inocentemente com uma toalha branca. Minhas
vontades, por sua vez, de inocentes não tinham nada..

Mas minha mãe estava a dez centímetros de mim. Eu tinha


que me controlar.

- Você fez aula com esse biquini? - Perguntei, reparando,


obviamente, na pouquíssima roupa que cobria apenas o
essencial.

- Sim. É o mesmo biquini que eu usava nas aulas com a outra


professora... 

- Não tem um maiô?

- Não.

Sorri, mas ela notou que era um sorriso debochado.

- Vamos comprar um maiô amanhã. - Concluí.

Ela cruzou os braços, e eu fiquei um pouco hipnotizada com a


gota que escorreu pela sua barriga redonda.

- Você vai comprar uma roupa de mergulho pra mim.

Não respondi. Talvez não fosse uma má idéia.

- Ele é bonito? - Lancei sem pensar, e minha mãe riu ao meu


lado.
- Você é mais bonita, querida. - Ela falou, me dando um beijo
no rosto.

Ótimo. A minha mãe me achava mais bonita. Isso significava


muita coisa. Tanto quanto porra nenhuma.

Encarei Camz e notei que ela estava fazendo força para não
rir, escondendo a boca com a toalha.

- Você é mais bonita. - Ela repetiu as palavras já


pronunciadas.

- Você está mentindo. - Rebati.

Ela arqueou as sobrancelhas.

- Crianças, esse papo está ficando muito narcisista pra mim. -


Minha mãe falou divertida, chamando nossa atenção - Vou
embora.

- Quer que eu te leve de carro, mama?

- Não precisa, querida. Caminhar faz bem.

Quando minha mãe nos deixou, puxei Camila para o quarto


pela mão, tirei o biquini dela e a devorei...

Eu pensei que minha "neura" com relação ao professor latino


filho da puta passaria com o tempo, mas estava enganada. A
cada dia eu ia trabalhar odiando-o e imaginando de quantas
maneiras diferentes ele poderia tentar seduzir a minha
esposa. Era um ciúme doentio, imaturo e um pouco
preocupante, eu admitia, mas estar longe enquanto o alvo do
meu ciúme estava encoxando Camila dentro da piscina da
NOSSA casa ajudava a tornar tudo um pouco pior.
Talvez o tempo pudesse ter ajudado a melhorar esse meu
problema, mas isso não aconteceu. Não aconteceu porque eu
não esperei.

Na semana seguinte à sua primeira aula, cheguei uma hora


mais cedo no trabalho propositalmente. Porque naquela
segunda-feira, propositalmente, eu sairia uma hora mais
cedo.

Haviam se passado apenas três aulas. Eu chegaria de


surpresa na quarta aula, imaginando encontrá-lo se
esfregando na minha mulher enquanto a seduzia no seu
maldito sotaque espanhol, e, por isso, já imaginando as várias
formas de matá-lo no caminho para casa.

Naquele dia minha mãe não estaria lá fazendo companhia


para Camila.

Aquele dia seria perfeito para um flagrante.

Não que eu não confiasse dela. Era NELE que eu não confiava.
Ela estava emocionalmente abalada - e "hormonalmente"
também -, e homens sãos uns filhos da puta oportunistas e
espertos. Principalmente homens latinos, musculosos e
professores de hidroginástica.

Ao chegar na frente do portão de casa, mais ou menos às


19:30h, não entrei com o carro na garagem. Estacionei na
calçada para não fazer barulho e alertá-lo da minha presença.
Caminhei rapidamente, sem entretanto correr. Era uma forma
que meu cérebro tinha achado para me fazer acreditar que eu
não estava ansiosa.

Havia um carro na garagem. Provavelmente do sujeito. Entrei


em casa, joguei minha pasta em qualquer lugar, e rumei
diretamente para a piscina. Estava pensando em uma entrada
teatral, com um pé na porta e ameaças de morte, mas talvez
eu estivesse exagerando. Talvez fosse melhor esperar para
ver a cena com a qual eu me depararia.

- Senhora Jauregui!

A empregada me recepcionou com surpresa, já com sua bolsa


no ombro, pronta para ir embora. Talvez porque estivesse
acobertando aquele safado, ou talvez porque eu nunca
chegava em casa a tempo de encontrá-la ali mesmo.

- Boa noite, Emma. Camila está na piscina? 

- Sim senhora.

Não dei explicações, simplesmente seguindo para lá. Ela veio


atrás de mim, calada, parecendo calma demais para quem
estava sendo cúmplice de uma safadeza daquelas.

E então, ao entrar no aposento, encontrei Camila dentro da


piscina com as mãos em um tipo de bóia de espuma e o
sujeito logo atrás dela. Muito próximo. Quase colado. 

Quase estuprando-a.

Ok, eu estava exagerando.

- Boa noite! - Gritei com minha voz mais grossa, e quase


engasguei com a força que fiz. Ambos tiveram que se virar
para me encarar, porque estavam de costas para mim.

Ao me ver, Camila abriu um sorriso largo e inocente.

- Você chegou cedo! - Ela falou como uma menina feliz, mas
pela primeira vez eu não estava olhando para ela. Estava
olhando para o maldito latino.
Ele era loiro. Loiro e bronzeado. E tinha olhos verdes também.
E tinha uma argola de cigano, ou qualquer porra assim, em
uma das orelhas. Era também mais alto que eu, e era
musculoso. E tinha, no máximo, 30 anos. E parecia um
modelo saído da capa de uma revista de boa forma.

Ah, sim: E estava grudado na MINHA mulher.

Ela se virou para ele e informou-lhe que eu era a esposa dela.


Eu gostei daquilo. 

- Boa noite! - Ele falou, todo educado e sorridente. 

O desgraçado.

- Então finalmente nos conhecemos. - Respondi, tentando


parecer durona.

- Pois é. A Camilinha fala muito em você.

Camilinha? CAMILINHA? QUE PORRA ERA AQUELA DE


CAMILINHA?

- Podemos terminar um pouco mais cedo hoje, não é? - Ela


perguntou para ele.

- Claro! Nos vemos na quarta. A aula de hoje foi ótima.

Eu ainda estava digerindo o apelido fofo e íntimo que ele


havia dado à minha esposa em uma semana de convivência.
Mesmo assim, não desgrudei os olhos da piscina. Ele
caminhou calmamente até a escada debaixo d'água e eu
senti a empregada ao meu lado um pouco ofegante, como se
aquilo fosse um comercial erótico.

Revirei os olhos, bufando de mau humor.


Estava esperando ele emergir da água e mostrar sua ereção
evidente por estar encoxando a minha mulher como um
cachorro no cio. E aí eu apertaria o pescoço dele e o asfixiaria
até a morte.

Mas ele não estava excitado. A sunga estava com um volume


normal. E então eu passei do estágio de odiá-lo ao estágio de
estranhá-lo: Qual era o problema dele afinal? Porra, ele estava
encoxando a minha mulher! Como isso não o deixava duro
feito uma pedra?

- Ei, posso deixar as bóias aqui? - Ele perguntou, se virando


para Camila - Não tenho nenhuma aula até quarta-feira. Não
vou precisar delas.

- Claro. - Ela respondeu, ainda no meio da piscina - Eu guardo


aqui pra você. 

- Obrigado. - Ele respondeu, todo sorridente. Tive vontade de


socá-lo.

Quando ele entrou no pequeno vestiário em um dos cantos do


aposento para se trocar, eu ia perguntar que porra de "inha"
era aquela que ele havia colocado no final do apelido dela,
mas nesse momento a empregada pareceu voltar do transe e
falou com ela primeiro.

Ela falou pra caralho. Falou sobre o que fez, sobre o que
deixou de fazer, sobre a lista de compras, sobre algum enfeite
de louça que ela tinha quebrado acidentalmente, se
desculpou pelo menos três vezes por isso e falou sobre o seu
horário. Ela falou tanto que o maldito latino teve tempo de se
trocar e sair do vestiário já completamente vestido.
Ao vê-lo caminhar, a empregada parou de falar outra vez para
admirá-lo.

- Até quarta então. - Ele soltou, passando pela piscina e


acenando todo feliz para Camila. Quando chegou perto de
mim, pareceu mais simpático e casual do que nunca - Prazer
em conhecê-la. E parabéns pela mulher e pela filha.

- Obrigada...

- Está indo também? - Ele perguntou de forma gentil para


Emma, que permanecia ao meu lado babando pelo sujeito
como um cachorro assistindo frango assar na porta da
padaria.

- S-sim... Claro, estou sim... 

- Quer uma carona?

Ela respondeu um "sim, obrigada" em meio a suspiros e


risinhos idiotas. Revirei os olhos outra vez, com vontade de
sacudi-la e falar para ela parar de fazer aquilo.

Levei-os até a garagem, já que o controle do portão estava


comigo. Quando aquele carro gigantesco havia saído, trouxe o
meu para dentro e fechei as portas, indo rapidamente ao
encontro de Camila outra vez.

- Por que não está usando o maiô que eu comprei pra você? -
Perguntei, entrando no aposento novamente enquanto
tentava disfarçar o tom de mágoa na voz. Ela ainda estava
dentro da piscina, perto da borda, ao lado da escada.

- Como você sabe o que eu estou usando? Eu estou debaixo


d'água.
- Porque o maiô é verde fluorescente. Eu conseguiria vê-lo
daqui de fora.1

- Ah, sim. Ele é verde fluorescente. Talvez seja por ISSO que
eu não estou usando.

Bufei, claramente contrariada.

- E aí você fica com esse biquini indecente mostrando o seu


corpo todo pra esse cara...

- Indecente? O que tem de indecente nele?

- Ele mostra muito da sua pele.

- É claro que mostra, Lauren. É um biquini. Mas esconde tudo


que tem que ser escondido.

- Nem tudo.

- O que falta esconder?

- As suas pernas. E a sua barriga. E a região do seu peito...

- Então você está me dizendo que eu deveria fazer


hidroginástica de burca?

Eu odiava discutir com ela. Não porque conseguia tirá-la do


sério - nem isso eu conseguia mais - mas sim porque ela
sempre tinha argumentos que me deixavam sem respostas.

E quando eu não tinha mais respostas boas para dar, eu


resolvia ser sincera.

- Estou dizendo que você de biquini em uma piscina grudada


em um cara musculoso que eu não conheço está me deixando
com ciúme. É só isso que estou dizendo.
Ela suspirou, ainda me encarando como se estivesse tentando
me explicar uma coisa óbvia que eu não conseguia entender.

- Eu já tenho uma esposa que dá conta do recado. Não preciso


de mais ninguém. Esqueça esse ciúme bobo.

Eu gostava quando ela se referia a mim usando a palavra


esposa. Também gostava quando ela mencionava, de alguma
forma, que eu a satisfazia. Gostava mais ainda quando eu
estava com ciúmes e ela fazia isso.

Mas era difícil não me sentir ameaçada, e mais difícil ainda


não demonstrar isso. Tudo bem, eu tinha concordado em
contratar o professor gostosão, mas isso não queria dizer que
eu tinha feito de boa vontade. Já era ruim ter uma empregada
e a minha mãe fazendo companhia a ela quando eu não
podia. Ter um cara tocando-a, por mais que não a tocasse
com a intensidade que eu sabia que o puto queria, era o
dobro de ruim.

Ele estava quase desempenhando meu papel de esposa, e eu


não queria que o maior contato com um homem que ela
tivesse naquela gravidez fosse com o professor de
hidroginástica.

- No que está pensando? - Ela perguntou, estranhando meu


longo silêncio.

- Em como eu odeio não conseguir acompanhar essa gravidez


mais de perto. - Respondi de maneira objetiva enquanto
tirava a camisa de qualquer jeito e começava a desabotoar a
calça.

Camila apoiou a cabeça em uma das bordas da piscina e ficou


me olhando. Pela primeira vez na vida, me senti um pouco
envergonhada. Quando tirei de uma vez o sutiã a calça e a
cueca, ela voltou a falar:

- Você não tem uma sunga?

- Não...

- E vai entrar assim mesmo? - Ela perguntou, parecendo


tímida - Eu estou um pouco constrangida...

Peguei de volta a boxer que havia deixado no chão e vesti,


pulando dentro da piscina logo em seguida e nadando ao
encontro dela.

Quando me aproximei, fui recebido com um longo beijo -


embora a enorme barriga entre nós atrapalhasse um pouco -,
e dedos puxando de qualquer jeito a boxer que eu tinha
acabado de vestir.

- Você realmente levou a sério o que eu disse? - Ela


perguntou com uma expressão de incredulidade, jogando
minha cueca molhada para fora da piscina outra vez.

- Você pareceu sincera! - Me defendi, abraçando-a como


pude.

- Você é muito ingênua. - Ela concluiu com um olhar


promíscuo, voltando a me beijar com um fogo impressionante.

Camila estava bastante animadinha. Ela estava grávida, é


verdade, mas eu fazia força para não associar aquele tesão
reprimido ao professor excessivamente musculoso que tinha
ido embora havia pouco tempo, e sim à minha patética
striptease. Eu ainda estava com ciúmes, até mesmo naquele
momento, e isso estava começando a me aborrecer.
Virei-a de costas para mim, de frente para a borda da piscina,
e fiz com que ela repousasse ao menos uma das mãos ali,
tomando cuidado para dar espaço suficiente à sua barriga.
Sua outra mão insistia em estimular o meu membro já
completamente acordado, como se eu realmente precisasse
de algum estímulo. Beijei seu pescoço de forma provocante,
sentindo o quão fresca sua pele estava, consequência de
tanto tempo dentro daquela piscina. Deslizei as mãos pela
lateral do seu corpo, me certificando de que aquele era o
biquini que eu já havia visto nela, com lacinhos.

Puxei as duas cordas e a parte de baixo do seu traje de banho


se soltou, tão facilmente que me fez querer ainda com mais
força que ela não o usasse mais para as aulas. Se eu podia
fazer aquilo, o puto poderia também. E quando Camila se
desse conta, ele já estaria molestando-a.

- Essa porra tinha que estar com dois nós cegos... - Comecei
contra o seu ouvido em um tom de bronca, mas aquilo
pareceu animá-la ainda mais. Deslizei as mãos entre as suas
pernas e comecei a brincar com meus dedos ali.

- Por quê? - Ela perguntou se jogando mais contra mim e


fechando os dedos com mais força em volta do meu membro -
Pra dificultar o seu trabalho?

- Pra dificultar o trabalho de alguém.

Ela gargalhou baixo, ainda de olhos fechados, parecendo


aproveitar o meu toque.

- Lauren, ninguém além de você quer me comer. Eu estou um


hipopótamo. 

Claro. E depois a ingênua era eu.


No momento seguinte, sem o menor aviso, ela colocou a
cabeça do meu pau alinhada à sua entrada e se inclinou para
trás, fazendo com que eu entrasse ali com uma facilidade
incrível. Gemi contra seu ombro enquanto forçava o corpo
para frente, incapaz de pensar em alguma posição melhor.
Apoiei as mãos na barriga dela e a trouxe mais para perto de
mim, me certificando de que meu membro não a penetrasse
muito fundo e resultasse em um desconforto por causa da
gravidez, já que aquela posição debaixo d'água fazia com que
nos encaixássemos bastante bem.

Suas duas mãos foram parar na borda da piscina, facilitando


ainda mais o acesso que eu tinha a ela. O empuxo que a água
exercia sobre nós fazia com que Camila não pesasse quase
nada, e era tão fácil e interessante fazer aquilo daquela forma
que eu me perguntava por que nunca havíamos pensado
naquilo.

Com uma das mãos, puxei o laço que mantinha nela a parte
de cima do biquini, e o tomara-que-caia caiu na água de uma
única vez. Passeei as mãos pelo corpo dela como sempre
fazia, porque sabia que ela gostava e porque eu gostava de
reconhecê-la com o tato também. Segurei seus cabelos e a
puxei delicadamente, virando sua cabeça de forma que
conseguisse beijá-la. Ela suspirou, retribuindo meu beijo e
rebolando como podia em mim. Entendi que aquilo era um
claro sinal de "me coma com força," mas ela sabia que eu não
faria aquilo. Não com força.

Voltei minhas mãos à sua barriga e a imobilizei na água,


ditando o nosso ritmo eu mesmo. Camila parecia estar
gostando muito daquilo, bem mais do que nos outros dias. Ela
estava mais ofegante e mais corada que o normal, e comecei
a me preocupar se ela estava com tesão ou se estava
sentindo alguma coisa estranha.

- Gosta de foder na piscina, amor? - Perguntei ao pé do seu


ouvido. Ela balançou a cabeça com um "sim,"ainda de olhos
fechados, sem falar nada. - Por que não me disse?

- Porque... Eu não.. Sabia...

- Nunca fez isso em uma piscina? 

- Não...

Intensifiquei os movimentos que eu fazia dentro dela,


tomando sempre cuidado em não machucá-la e em dar
conforto à barriga. Ela começou a ofegar com mais força, e
conforme o tempo passava, mas ofegante ela ficava.

- É gostoso, não é? - Falei sedutoramente perto da sua orelha


outra vez, e ela soltou um gemido delicioso em resposta.

Nota mental: Comê-la na piscina com mais frequência.

Quando voltei a beijá-la, Camila soltou as mãos da borda e


jogou os braços para trás, me envolvendo pelo pescoço e
prendendo os dedos nos cabelos da minha nuca com
desespero. Acelerei meus movimentos dentro dela por
reflexo, sentindo meu controle me deixando aos poucos.
Quando senti sua boceta começar a se fechar em volta do
meu pau em ondas, levei meus dedos até seu clitóris outra
vez, decidida a fazê-la perder o controle com estilo.

Enfiei minha língua dentro da sua boca simplesmente porque


a vontade veio, mas era impossível mantê-la ali. Àquela altura
ela gemia tanto que respirar lhe parecia uma tarefa difícil.
Quando afastei meu rosto do dela e comecei a dar mordidas
leves no seu pescoço, sem nunca deixar de penetrá-la no
ponto certo ou de estimulá-la com os dedos, Camila começou
a tremer toda. E eu sabia que não era de frio.

- Diz... Diz aquilo... - Ela começou, visivelmente com


dificuldade - Me chama... Daquele jeito!

Eu sabia ao que ela estava se referindo. Nós tínhamos


trabalhado nisso nos últimos meses, e não era segredo
nenhum que ela adorava me ouvir dizer aquilo da forma mais
possessiva possível.

- Minha. - Voltei ao seu ouvido - Minha vadia. Só minha. Toda


minha.

Àquela altura eu mesmo já estava quase explodindo de tesão.


Foi ótimo então que ela não tenha conseguido segurar o
orgasmo por muito mais tempo depois disso: Tudo que
precisei foram de alguns segundos para tê-la completamente
entregue, tremendo e se contorcendo nos meus braços. Só
então deixei que meu rosto caísse em um dos ombros dela e
me permiti chegar ao orgasmo também.

Fui trazida de volta pelos vários movimentos bruscos que a


barriga dela fazia contra a minha mão. Isso teria me
aterrorizado se eu não estivesse acostumado com esse fato
durante as últimas semanas: Nossa filha sempre se
manifestava quando Camila chegava ao clímax. Ela parecia se
agitar, talvez pela aceleração do coração da mãe.

Mas nenhuma vez foi tão óbvia quanto essa.

- Temos que fazer isso mais vezes aqui. - Falei em uma voz
baixa.
Ela sorriu, se virando para mim de uma vez.

- Acho que posso ficar te esperando um pouco mais até você


chegar do trabalho.

Abracei-a da melhor maneira que pude, tentando disfarçar o


ciúme na voz.

- Contanto que você me espere pra fazer isso...

Ela suspirou, nadando para longe de mim.

- Você é impossível quando cisma com alguma coisa.

- Eu não cismei! - Falei um pouco desesperada, arrependida


de ter dito aquilo e a afastando de mim - Mas ele é muito
íntimo! Ele te chama de Camilinha! Ninguém te chama de
Camilinha!

- Ele é carinhoso. - Ela falou de forma simples, saindo da


piscina e se secando com uma toalha que estava ali.

- Exato. O seu professor de hidroginástica é carinhoso com


você. E vocês só se conhecem há uma semana! Isso é
estranho! E eu vi o jeito que ele olha pra você.

Ela levantou uma sobrancelha.

- O que tem o jeito que ele olha pra mim?

- Ele está interessado em você.

- De onde você tirou isso?

- Eu só sei que ele está.

- Eu duvido muito.

- Por quê?
- Por que ele é comprometido.

Revirei os olhos.

- Isso não é o suficiente para impedi-lo de dar em cima de


você enquanto eu não estou aqui! 

- Ok, Lauren. Você quer saber de um motivo suficiente para


impedi-lo de fazer isso?

- Quero. - Falei de maneira cética, cruzando os braços no


peito.

- Eu não tenho um pinto.

- Bom... - Comecei mecanicamente, mas me calei logo em


seguida - Quê?

- Eu não tenho um pinto. - Ela repetiu de maneira muito calma


- E acho que ele não escolheria ninguém que não tivesse um
pinto maior do que o do namorado dele.

Continuei muda por algum tempo, encarando-a enquanto


tentava entender o que ela estava me dizendo. 

- Namorado?

- Precisamente.

Mais silêncio.

- Como você sabe que ele não está mentindo...

- O nome dele é Pablo, e ele é professor de violino. Tem 30


anos e também é argentino. - Os dois se mudaram pra cá há
três anos e vivem juntos desde então.

Ok, era muita informação para ser inventada à toa. Mas


mesmo assim... 
- Ele não tinha jeito de homossexual.

- E você acha que todo homossexual precisa ser uma drag


queen?

- Não, mas... Eu não notei nenhum trejeito quando ele falou


comigo.

- Ele é homossexual. Não é uma gazela. - Ela falou, rindo de


repente - Aliás, o Juan já tinha visto uma foto sua antes, e vou
te dizer uma coisa: Acho que quem tem que tomar cuidado
com ele é você.

Cobri meu pênis com as mãos por instinto, só para no


segundo seguinte me sentir idiota. Ela riu mais ainda,
parecendo se divertir com aquilo tudo.

- Vai parar com a implicância com ele agora? - Ela perguntou,


enrolada em uma toalha enquanto reunia tanto as minhas
roupas quanto as dela nos braços.

- Por que você não me disse antes? - Perguntei um pouco


mordida, saindo da piscina e alcançando uma outra toalha
limpa.

- Porque eu queria que você parasse com essa sua cisma de


uma forma normal. Mas já que você não consegue ser
normal...

- Ei, eu sou normal! Sinto ciúmes de vez em quando... 

- Você é exagerada.

- Só cuido do que é meu.

- Você sufoca o que é seu.


Parei de me secar e a encarei um pouco surpresa. Ela não
pareceu ter notado o que disse, separando as roupas
molhadas das secas que estavam nas suas mãos.

- Eu te sufoco? - Perguntei de maneira triste. Eu não sabia que


a estava sufocando. Não era a minha intenção. Sempre ouvi,
tanto dela quanto de outras pessoas, que meu exagero às
vezes era preocupante, mas nunca cheguei a pensar que
estava no ponto de ser considerada uma sufocadora.

Talvez Camila tenha notado um pouco do receio na minha


voz. Quando ela me olhou, já parecia mais ciente do
significado da minha pergunta.

- Eu estou te sufocando? - Repeti, esperando que ela me


respondesse a verdade, mas que a verdade fosse "não."

Ela caminhou até mim com uma expressão neutra, como se


estivesse tendo uma conversa casual.

- Você não me sufoca. Mas às vezes exagera. De verdade. 

- Você disse que eu sufoco o que é meu...

- Eu sei o que eu disse. Mas estou te dizendo agora a verdade.


Você não me sufoca. Eu amo o jeito como você se preocupa
comigo. Acho que não conseguiria viver sem isso. Já me
acostumei com as suas neuras. Se tirassem isso de mim
agora, eu enlouqueceria.

Continuei encarando-a enquanto procurava algum traço de


mentira no seu discurso.

- Mas estou falando isso pro seu bem. Você tem que relaxar.
Tem que confiar mais em mim. E tem que saber lidar com a
possibilidade de me perder, de um jeito ou de outro. Mesmo
que eu te garanta que isso não vai acontecer pela minha
vontade. Mas todo mundo pode perder alguém.1

- Eu não posso te perder.

- Se depender só de mim, você não vai precisar se preocupar


com isso. 

- Depende só de você.

Ela continuou me olhando profundamente, pensando em


alguma coisa que eu não conseguia entender. Camila estava
muito séria, e eu não estava acostumada a vê-la daquela
forma. Ela parecia estar querendo dizer algo importante ao
falar sobre perdas, mas, por algum motivo, eu sentia que o
que ela falava não era exatamente sobre uma perda "para
outra pessoa."

Era estranho. E eu senti um pouco de medo.

Então ela piscou e suspirou de forma leve, e sua expressão


mudou. Era como se agora ela estivesse apenas divagando
sobre as estações do ano. E o que quer que tivesse passado
pela cabeça dela tinha simplesmente ido embora.

E eu sabia que aquele assunto, por hora, havia morrido.

Quando um leve sorriso voltou a brincar no canto dos seus


lábios, ela puxou a toalha das minhas mãos e sorriu, varrendo
com os olhos meu corpo nu de cima a baixo, a menos de um
metro de mim.

- Melhor. - Ela concluiu, caminhando para fora de costas,


ainda me encarando - Bem melhor. 

***
Nossas visitas ao obstetra começaram a ser quinzenais. E
assim como nas outras visitas o médico seguia sempre o
mesmo roteiro: Media a pressão de Camila, checava seu peso
e escutava o coração da nossa filha. Perguntava sobre os
sintomas, dores, exercícios e alimentação. E sempre no final
da consulta, para a minha tranquilidade, ele repetia a mesma
coisa: Tudo estava correndo como o esperado.

Ela continuou com as aulas de hidroginástica. Por algum


motivo, elas já não me incomodavam mais. Depois de saber
da orientação sexual do professor, meus dias de trabalho se
tornaram consideravelmente mais produtivos, já que agora eu
podia me concentrar nos meus deveres sem imaginar minha
mulher sendo agarrada à força na piscina e morrendo afogada
no final do dia.

A pedido dela, estreei o piano da sala de estar. Tive que


buscar em algum lugar meu caderno de partituras e chamar
um técnico para afinar o instrumento em um fim de semana.
Pensei já estar "enferrujada" pelo tempo que me mantive
ociosa, mas assim que voltei a sentar no banco e vi as teclas
à minha frente, me senti em casa. Não lembrava do quão boa
era a sensação de extrair de simples folhas de papel as
melodias mais clássicas, algumas felizes e outras sérias
demais.

Ela pareceu encantada ao me assistir, e me senti feliz como


uma menina por estar fazendo algo que ela realmente achava
legal. Era bom ser admirado pela minha mulher, não apenas
porque massageava meu ego, mas porque eu simplesmente
me sentia uma pessoa melhor - e mais útil - fazendo uma
coisa que a deixasse feliz.
Toquei o piano no domingo de um fim de semana, e a partir
dali, passei a tocar religiosamente toda noite, pelo menos
uma música, para deixá-la contente ou calma. Era a pedido
dela, então eu fazia.

Nossa filha continuava chutando sempre que sentia minha


mão ali, embora ela se movesse também quando outras
pessoas tentavam senti-la - mas a diferença estava no fato de
que eu não precisava correr para encontrá-la se contorcendo
dentro da barriga de Camila como todos faziam. No meu caso,
ela chutava depois que eu me aproximava dela.

Os enjôos da gravidez continuavam marcados para as


primeiras horas do dia, como de costume. A libido da minha
mulher continuava firme e forte. As coisas continuavam
normais.

E os dias passaram.

NONO MÊS

Quando entramos na 36a semana de gestação, foi a minha


vez de começar a me sentir realmente nervosa.

O Dr. Lewis havia calculado que a data estimada para nossa


filha resolver nascer estava entre 10 e 18 de Setembro. Nesse
meio tempo, teríamos o aniversário de Camila, e me senti um
pouco triste por não poder dar completa atenção a esse
evento, prometendo-a uma festa maravilhosa assim que a
poeira abaixasse.

Ela não parecia estar triste de forma alguma, mas estava se


sentindo mais ansiosa e sensível do que nunca. Nossa filha
agora se mexia com tanta frequência que parecia estar
deixando-a um pouco impaciente.
- Ela quer sair...

Olhei-a espantada, perguntando em silêncio o que ela queria


dizer com aquilo. 

- Não. Não temos que ir pro hospital. Só estou dizendo que ela
não para quieta. 

Suspirei aliviada.

- Por que não deita um pouco? Vê tv ou lê um livro? Ela deve


se acalmar...

- Não adianta. Eu já tentei. Acho que ela está nervosa porque


eu estou ansiosa. - Toquei sua barriga e senti um chute
potente saindo de lá de dentro.

- É... - Concluí distraída - Acho que ela quer sair...

O obstetra havia nos aconselhado a não mantermos relações


sexuais naquele período, já que qualquer estímulo poderia
acelerar o processo do parto. Tive que me controlar todas as
noites daquele último mês, desejando-a da mesma forma de
sempre, mas proibida de tocá-la. Pelo menos da forma
convencional. Aquilo provavelmente havia sido a coisa mais
difícil que eu tinha feito na vida inteira, e tornava-se pior
porque a libido dela havia diminuído consideravelmente nessa
etapa da gestação. O que significava que eu estava não só
sem sexo, como também sem "preliminares."

Mas tudo bem. Era por um bem maior. Depois que a nossa
filha nascesse, eu tiraria o atraso.

Passei a ocupar meu tempo livre tocando piano, mesmo na


ausência de Camila. Ou eu fugia um pouco dela para tentar
me controlar, ou a atacava. Além do mais, música havia
sempre me dado mais equilíbrio. Tocar Chopin ou Bach
ajudava a me acalmar, fosse pela ansiedade da chegada da
minha filha ou pela vontade de atacar minha mulher.

- Não, continua!

Me virei de uma vez com o susto, quase caindo do banco. Eu


estava tocando há aproximadamente duas horas seguidas, e
achava que já era hora de parar. Mas me assustei ao ouvir a
voz dela atrás de mim, como um fantasma.

- Desculpa. Não quis te assustar. - Ela falou um pouco tímida.

- Tudo bem... - Comecei já recuperada - Há quanto tempo está


aí me assistindo?

- Não muito.

Camila puxou uma cadeira até o meu lado e se sentou,


suspirando audivelmente.

- Ela ainda está se mexendo muito? - Perguntei, levando uma


das mãos até sua barriga. 

- Agora está. É por isso que eu queria que você continuasse.

Encarei-a com curiosidade, não entendendo direito o que eu


tinha a ver com aquilo. 

- Ela se acalma quando você toca. Principalmente essa última


música.

A barriga chutava descontroladamente, deixando clara sua


inquietação. Eu me perguntava se Camila não estava sentindo
dor.

- Pode tocar? - Ela insistiu. 


- Claro...

Abri outra vez o caderno de partituras, procurando pela


música em questão. Quando a encontrei, comecei a tocar de
forma mecânica a melodia pautada.

- Era essa? - Perguntei, me virando para ela. 

- Era.

Ela fechou os olhos e ficou ali, sentada ao meu lado, como se


estivesse se concentrando apenas em respirar. Mantive minha
mão direita tocando a música e levei outra vez a esquerda até
sua barriga, curiosa demais para tirar a prova do que ela
dizia.

Os chutes foram se acalmando gradativamente, como se a


nossa filha estivesse relaxando ou caindo no sono aos poucos.
Em pouco tempo a barriga de Camila estava imóvel, como se
nunca tivesse acontecido nada ali.

- Ora... - Comecei, sorrindo abobalhada - Então você gosta de


Mozart?

A barriga continuou calada, adormecida. A coisinha minúscula


lá dentro estava quieta. - Vou tomar isso como um sim.

Camila conseguiu ir dormir mais cedo aquela noite. Eu fiquei


encantada com a sensibilidade e com o bom gosto musical
que minha filha parecia ter antes mesmo de nascer. Depois
daquele dia, passei a tocar todas as noites para ela,
tranquilizando-a de alguma forma e fazendo com que minha
mulher tivesse um pouco mais de sossego antes do grande
dia.
Se era tudo que eu podia fazer para ajudar, certamente seria
feito.

Repetimos a ultrassonografia 3D. Estávamos olhando para


nossa filha formada, inteira, bem maior do que da última vez.
Ainda perfeita, para a felicidade de todos. Podíamos ver
claramente suas feições, quase sem empecilhos, e me
perguntei quando a medicina havia avançado daquela forma.
Aquilo criou um debate entre mim e Camila sobre com quem
ela mais parecia. Embora nós duas concordássemos que ela
era vagamente parecida comigo - mesmo que fosse arriscado
dar algum palpite com base apenas naquelas imagens -, eu
torcia para que a menina acabasse saindo parecida com ela.
Na verdade, que elas fossem idênticas.

O Dr. Lewis disse que estávamos nos aproximando do tempo


quase ideal de formação da maioria dos bebês, e por isso eu
estava começando a entrar em pânico. Qualquer dia,
qualquer hora, qualquer momento podia ser O momento.
Cada dia decorrido tornava mais óbvio o meu estado de
nervos. Minha secretária só tratava comigo de assuntos que
precisavam ser resolvidos urgentemente. Cada nova batida
na minha porta parecia o gatilho que disparava o meu
coração. Eu havia implorado que minha mãe fizesse
companhia à Camila durante o tempo em que eu não
estivesse em casa, mesmo que meu pai tivesse me permitido
trabalhar menos horas agora.

Quando chegava em casa e me dava conta de que a barriga


dela ainda estava lá e que não havia criança alguma à vista,
eu me acalmava. Me acalmava também quando acordava de
manhã e notava que a nossa filha não havia resolvido sair no
meio da madrugada. Talvez fosse exagero meu, mas exagero
era algo com o qual eu já havia me acostumado a lidar. Fazia
parte da minha personalidade e ponto final.

Para tornar as coisas um pouco piores, minhas noites


andavam muito mal dormidas. Eram raras as vezes em que
meu sono era tranquilo, sem sonhos, e mais raras ainda eram
as noites sem pesadelos. Na maioria deles eu não conseguia
entender direito o que acontecia, mas sabia que era ruim o
suficiente para fazer com que eu acordasse com uma dor
latente no peito. E, claro, os pesadelos giravam todos em
torno de Camila e da minha filha.

Com o tempo, comecei a quase subir pelas paredes, e aquilo


não tinha nada a ver com a falta de sexo, já devidamente
deixada de lado pela importância dos outros assuntos. O que
me deixava naquele estado era não saber exatamente que
dia, e a que horas, e em que momento exato minha mulher
viraria para mim com aquelas bolinhas de chocolate e falaria,
em uma voz suave, que estava prestes a parir. 

- Lauren...

- Que foi? Sentiu o quê? Vou pegar as chaves do carro...

- Eu só queria um copo d'água.

Nas duas últimas semanas ela passou a ter contrações fracas,


quase como pequenas cólicas. Me certifiquei algumas vezes -
o suficiente para fazer com que ela perdesse a paciência -, de
que aquilo não significava que tínhamos que correr para o
hospital, mas o próprio obstetra havia dito que aquelas dores
seriam mais frequentes com o passar do tempo.
Então um domingo chegou. Era para ser um domingo normal,
um pouco monótono, meio nublado. Havíamos almoçado na
casa dos meus pais, como quase sempre fazíamos. Camila
dormiu um pouco de tarde, já que a noite havia sido um
bocado agitada por causa da animação da nossa filha. Eu
também estava com sono, mas não conseguia dormir.

Chequei as coisas já arrumadas em duas pequenas bolsas.


Estava tudo preparado para uma emergência: Roupas dela,
roupas de bebê e agasalhos dos dois tipos, além de óleos e
hidratantes, produtos de higiene, biscoitos, carregador de
celular e uma garrafa de água, que eu limpava e trocava
todos os dias. Assim, quando tivéssemos que ir para o
hospital, só precisaríamos localizar as chaves do carro.

A noite veio como todas as outras. Ela continuava um pouco


sonolenta, indicando que nem o cochilo havia sido o suficiente
para fazê-la descansar propriamente. Naquela noite ela foi
para a cama mais cedo. Naquela noite eu toquei piano por
mais tempo.

Naquela noite ela estava diferente.

- Não consegue dormir? - Perguntei enquanto entrava no


quarto, encontrando-a acordada com a luz do abajur acesa,
sentada na cama com as costas apoiadas na cabeceira.

Ela estava suando um pouco e parecia razoavelmente


desconfortável. Já haviam se passado horas desde que
tínhamos nos despedido com um beijo de boa noite no andar
de baixo.

- O que foi? - Aumentei a voz quando Camila não respondeu,


não conseguindo disfarçar meu nervosismo. 
- Estou com dor.

Continuei olhando-a sem saber muito como agir, sentindo


meu coração acelerar aos poucos.

- Aquelas dores que você vem tendo? - Soltei, torcendo para


que a resposta fosse positiva.

- Mais ou menos...

- Mais ou menos?

- São um pouco diferentes... E estão mais fortes, e mais


frequentes... E ficam cada vez mais regulares...

Meu coração começou a bater realmente forte agora.

- Tudo bem... - Comecei em voz alta, falando mais para mim


mesmo do que para ela - Tudo bem.

Caminhei de um lado para o outro. Desci até a cozinha e


peguei um copo d'água, tentando parecer minimamente
normal. Ofereci a ela e ela bebeu um pouco do líquido.

- Melhor? - Perguntei.

- Não.

- Pior?

- Está ficando mais forte...

Era o suficiente. Minha cota de racionalidade já havia sido


atingida, e eu devia levar algum crédito por ter conseguido
agir como um perfeito marido nervoso (mas normal) por tanto
tempo.

- Vamos pro hospital. - Concluí, já indo para o closet pegar a


primeira calça jeans que estivesse à vista.
- Calma...

- Não! Não estou calma! Vamos AGORA!

- Lauren, pode não ser nada.

- Você está sentindo dor!

- Ainda é suportável.

- E você realmente acha que o melhor é esperar aqui até que


a dor se torne insuportável?

- Podemos ao menos ligar pro Dr. Lewis?

Pulei um pouco no mesmo lugar, nervosa por estar sendo


contrariada. Mas no final acabei cedendo, pegando meu
celular do criado mudo e discando o número do médico.

- Alô?

- Doutor, minha mulher entrou em trabalho de parto e não


quer ir pro hospital.

- Não seja dramática, Lauren!

- Espere aí... Como você sabe que ela entrou...

- As contrações ficaram mais fortes e mais frequentes. Nós


temos que esperar até quando? 

- Me deixe falar com ela.

Como solicitado, estendi o telefone para Camila e ela o


atendeu. Iniciou-se então um diálogo secreto entre os dois,
me sendo permitido ouvir apenas respostas vagas por parte
dela como "sim" e "um pouco" e "não sei."Ela estava atenta
ao que ele dizia, e a cada três minutos seu rosto se contorcia
de dor. Desejei poder fazer alguma coisa, mas sabia que,
naquele momento, eu era uma inútil.

- Ok... - Ela falou, depois do que pareceu serem horas - Tudo


bem, vou falar com ela. Obrigada.

Ela desligou e logo em seguida deixou seu rosto se contorcer


mais uma vez em agonia. Sentei do lado dela um pouco
desesperada, levando uma das mãos até sua barriga sem
pensar, tentando tomar alguma atitude que a fizesse sofrer
menos. Senti um chute forte contra meus dedos, e pela
primeira vez ignorei isso.

Esperei sua dor suavizar para falar outra vez.

- E então? - Perguntei sem me preocupar em disfarçar o


desespero na voz - O que ele disse?

Camila respirou fundo, parecendo concentrada em alguma


coisa, enquanto me entregava o celular.+

- Ele disse pra irmos para o hospital. Agora.

Capítulo 24
Pov Lauren

Assim que chegamos no hospital, me deparei com a difícil


tarefa de parecer normal. Eu havia prometido acatar ao
pedido de Camila, repetido exaustivamente durante todos os
15 minutos de viagem (que, em condições normais, deveriam
ser feitos em meia hora).
"Não faça um escândalo."

"Seja normal."

"Nervosismo é uma coisa. Pânico é outra."

- Boa noite. Minha esposa entrou em trabalho de parto e


precisa ser atendida. - Comecei, tentando engolir o grito para
as três mulheres da recepção. Como imaginei que elas não
me levariam a sério, me apressei em adicionar: - O obstetra
mandou que ela viesse o mais rápido possível.

Uma das mulheres, talvez notando a força que eu fazia para


não explodir (ou talvez notando que Camila estava mesmo
em trabalho de parto) se apressou em conseguir uma cadeira
de rodas em algum canto ali perto da recepção. Ajudei-a a se
sentar com cuidado, e uma nova onda de contrações a
atingiu. E cada vez que seu rosto se contorcia eu tinha
vontade de socar alguém ao meu lado por não fazer nada
para que a dor dela passasse.

- Vocês têm que preencher alguns dados desse formulário... -


Uma delas começou, claramente não entendendo a situação.

- Eu preencho o que você quiser, mas coloque a minha mulher


em um quarto primeiro! 

- Vocês são o casal do Dr. Lewis? - Uma outra mulher


perguntou.

- Somos.

- Ele já está esperando. Vou levá-las até lá.

Tudo que tivemos que fazer foi andar por um longo corredor -
Camila na cadeira de rodas, eu (com um formulário nas mãos)
e a recepcionista caminhando -, entrar em um elevador e
chegar a uma sala verde-bebê enjoativo. E mesmo sendo tudo
o que tivemos que fazer, a coisa toda pareceu demorar mais
do que tinha que demorar.

Camila não deixou escapar nenhum som. Ela parecia querer


manter suas dores em silêncio, mesmo que suas contrações
ficassem mais constantes e aparentemente mais fortes a
cada minuto. Sem saber o que fazer para ajudá-la, e tendo
certeza que nada do que eu tentasse surtiria efeito, apenas
fiquei ao lado dela o tempo todo, repetindo coisas como "tudo
vai dar certo" e "já estamos chegando."

Eu estava angustiada. Angustiada porque não podia fazer


com que sua dor passasse. E porque minha filha queria sair
dela à força. E era claro que eu sabia que isso aconteceria
algum dia, mas vê-la se contorcendo daquela forma só
tornava tudo um pouco mais desesperante.

- Boa noite! - O Dr. Lewis disse assim que entramos na sala de


pré-parto. Havia mais duas mulheres lá dentro, parecendo
serem suas auxiliares de parto, que o ajudaram com a tarefa
de levantar Camila da cadeira e sentá-la em uma cama alta.

- Doutor, ela está com muita dor! - Me apressei em falar, não


lembrando de retribuir o boa noite dado - O senhor não pode
dar algum remédio...

- Lauren, ela está em trabalho de parto. Não há muita coisa


que possa ser feita. A única coisa que vai fazer com que a dor
passe é o nascimento do bebê.

O rosto dela se contorceu outra vez, e outra vez me contorci


também, por instinto. 

- Ei, já preencheu o formulário?


Percebi que ele estava falando comigo.

- Quê? Não...

- Ótima hora pra fazer isso. Volte daqui a uns quinze minutos,
ok? 

- Quê? - Exclamei, surpresa - Não! Não vou deixá-la sozinha...

- Lauren, nós temos que seguir alguns procedimentos aqui. -


Ele se voltou para mim, falando com uma autoridade de
médico e, ao mesmo tempo, de pai - Eu tenho que fazer
alguns exames nela, e você não tem que ficar grudada à sua
esposa o tempo todo. Não se preocupe, você vai estar
presente no parto. Mas não precisa estar presente na
tricotomia.

- Mas...

- Nós só vamos mudar a roupa dela e checar se está tudo


bem. Não tem porquê se preocupar, ok? Vá preencher seu
formulário, ligue pra quem tem que ligar e tome um calmante
antes que eu mesmo injete um em você à força.

Respirei fundo tentando me controlar. Encarei Camila outra


vez e notei que ela estava no breve período de trégua entre
uma contração e outra.

- Amor... - Comecei, me aproximando dela e sentindo uma


enorme vontade de me desculpar: Mesmo que não fosse por
vontade própria, eu tinha que sair. Antes que me tirassem de
lá à pontapés.

- Vai. - Ela falou em um tom de voz baixo, e eu sabia que


Camila não estava sendo rude, mas apenas evitando falar
demais e deixar escapar algum gemido de dor.
Me aproximei do seu rosto e a beijei apaixonadamente,
empregando intensidade suficiente para que ela entendesse
que eu voltaria e que estava odiando ter que deixá-la naquele
momento.

- Estarei de volta em quinze minutos. - Falei contra o seu


rosto, encarando-a nos olhos - Eu vou voltar. E quando voltar,
não vou sair do seu lado.

Ela assentiu com a cabeça de forma simples.

Me forçando a dar meia volta e caminhar para fora da sala, eu


saí. 

E então tudo começou a desmoronar.

***

Depois de responder a todas aquelas malditas perguntas no


formulário e esperar pacientemente pelos quinze minutos
estipulados pelo Dr. Lewis, voltei para o corredor que daria
para a sala de pré-parto e, para minha surpresa, fui impedida
de prosseguir até a porta.

- Senhorita Jauregui? - O homem falou, parado à minha frente


parecendo não querer se mover. 

- Sim?

- O Dr. Lewis pediu para mantê-la por mais algum tempo aqui
fora.

Continuei encarando o homem desconhecido, tentando


entender o motivo daquilo. 

- Por quê? - Perguntei secamente.


- Ele ainda não terminou de fazer os exames necessários na
sua esposa.

O rapaz parecia algum tipo de enfermeiro ou auxiliar. E,


talvez coincidentemente - embora eu achasse ser proposital -,
ele tinha quase o dobro do meu tamanho. Talvez o Dr. Lewis
já me conhecesse o suficiente para saber que eu tentaria
entrar naquela sala caso um armário não estivesse me
impedindo.

- Ele disse quinze minutos. - Falei ainda fria, começando a


caminhar para a porta.

- Mas ele ainda não acabou. - O homem repetiu, se colocando


à minha frente da maneira mais educada que conseguia.

"Seja normal."- A voz de Camila ecoou pela minha cabeça -


"Seja normal."

Respirei profundamente uma vez. E depois, outra. E outra


logo em seguida. 

- Por que ele ainda não acabou? O que está havendo?

- Às vezes os exames demoram...

- Mas ele disse quinze minutos! - Eu sabia que aquilo já não


era mais um argumento, mas mesmo assim me agarrava a
ele.

- A senhorita precisa se acalmar...

Aquilo definitivamente não era a coisa certa para se dizer a


alguém que precisava se acalmar.

- Não vou me acalmar até conseguir ver minha mulher e me


certificar de que está tudo bem! - Falei com uma voz baixa e
forçada, tentando por tudo no mundo acatar ao pedido de
Camila e não fazer nenhum escândalo.

- A senhorita tem que se acalmar se não quiser deixar sua


esposa nervosa também. Ela precisa da sua calma, precisa da
sua força. - Pela primeira vez, o que aquele homem dizia
estava fazendo algum sentido. Mas aquilo indicava que não
estava tudo bem.

Não estava tudo bem.

- O que está acontecendo? - Repeti, agora sem fazer menção


de correr para a porta e mandá-la abaixo. 

Ele suspirou.

- Ela não tem dilatação suficiente. E as contrações estão


ficando cada vez mais frequentes.

- E o que isso significa? - Perguntei com uma voz já


esganiçada.

- Isso não significa nada... - Ele começou, dando uma ênfase


esquisita na palavra "isso," mas quando ia pedi-lo para
desembuchar logo tudo que eu sabia que ele estava
escondendo de mim, fui interrompida por uma voz conhecida.

- O que está acontecendo? - Minha mãe falou do outro canto


do corredor, andando apressadamente ao meu encontro. Meu
pai vinha logo atrás dela.

- Ela não tem dilatação suficiente, seja lá o que isso


signifique... - Comecei, e minha mãe agora encarou o
enfermeiro, ou auxiliar, ou o que quer que ele fosse.
- É só esperar até que ela tenha, não é? - Ela perguntou, com
a pouca experiência que tinha naquele assunto - Qual o
problema nisso?

O homem encarou-a de volta, parecendo escolher as palavras


certas.

- Houve uma complicação. O Dr. Lewis está tentando ver se é


possível realizarmos o parto normal logo. O feto está
recebendo oxigênio insuficiente...

- QUÊ? - Falei, agora completamente em pânico.

Nesse exato momento, a porta que eu queria derrubar há


alguns minutos atrás se abriu e uma maca passou por ela,
com quatro pessoas em volta. Deitada nela, estava a minha
esposa.

- O QUE ESTÁ ACONTECENDO? - Gritei para o médico, já


seguindo-o enquanto ele empurrava a maca para uma outra
sala mais ao fundo do corredor. Camila estava, para variar,
com sua expressão de dor, e eu corri para segurar sua mão
ou ficar ao lado dela de alguma forma. Mas assim que a maca
entrou em uma das portas, pela segunda vez, fui impedida de
acompanhá-la. Dessa vez, pelo Dr. Lewis, que se colocou à
minha frente antes que nós dois pudéssemos entrar.

- Está acontecendo uma coisa que nós chamamos de


Sofrimento Fetal. - Ele começou sem nenhuma preparação,
bastante sério e frio, e só de ouvir aquela expressão senti
meu estômago afundar - Isso não quer dizer que sua filha
esteja sofrendo ou sentindo dor. O fato é que o cordão
umbilical está sendo pressionado e o oxigênio que está
chegando ao feto não está sendo suficiente. Nós vamos ter
que fazer uma cesariana. Você autoriza a operação?

Continuei estática, me mantendo de pé só Deus sabia como.


Ele parecia com pressa, e aquilo fez com que eu não tivesse
tempo de pensar sequer no que tinha acabado de ouvir.

- Não tem outro jeito...? - Comecei completamente atordoada,


mas fui interrompida pela voz grave do médico outra vez.

- Não, não tem. Temos que fazer logo pra que sua filha
sobreviva.

Sobreviver. Minha filha sequer tinha nascido ainda, e já


estávamos falando da sua sobrevivência. 

- É óbvio... Óbvio que autorizo... Faça tudo o possível...

Minha voz saiu abafada, quase baixa demais para ser ouvida.
Eu estava incrédula, incapaz de aceitar que aquilo tivesse se
transformado em um pesadelo daquela magnitude. Tudo
estava acontecendo rápido demais, e minha cabeça, ainda
trabalhando de forma lenta, não conseguia acompanhar. Meu
peito começou a doer, uma dor abstrata mas muito real. O
medo de perder minha filha sem sequer tê-la visto uma única
vez estava me corroendo, me matando. E, somado a isso, a
minha impotência diante daquela situação era esmagadora.

Eu não podia fazer nada - absolutamente nada - para ajudar.

- Você ainda quer entrar? Quer estar presente no parto? - A


voz do médico soou outra vez, me tirando do meu poço de
tristeza e desespero.

- É lóg... É lógico!
- Então, a partir de agora, recomponha-se. Sua esposa não
pode ficar mais nervosa. Você precisa estar calma ao lado
dela, precisa tranquilizá-la. Ela não sabe o que está
acontecendo.

Respirei fundo, desejando ter mais tempo para me preparar.


Eu não podia fazer nada para ajudar no problema de fato,
mas se a única coisa que me restava consistia em ficar do
lado dela e apoiá-la naquele momento, mesmo que ela não
soubesse de tudo que estava acontecendo, era exatamente
isso que eu faria.

Nem que eu mesma não confiasse no meu autocontrole ou na


minha capacidade de lidar com aquele pesadelo.

- Você pode fazer isso? - Ele me perguntou, já abrindo


novamente a porta atrás de si. Parecendo muito mais
confiante do que realmente estava, respondi de imediato:

- Sim.

- Ok. - Ele pontuou, segurando no meu ombro de uma


maneira firme - Vai dar tudo certo.

Não falei nada, rezando silenciosamente para que aquelas


palavras fossem uma certeza, e não apenas otimismo. Me dei
conta pela primeira vez em muito tempo de que meus pais
ainda estavam ali, atrás de mim, e por mais que eu quisesse
ser consolada por eles, não queria parecer fraca. Não naquele
momento.

- Nós vamos ficar aqui. - Meu pai disse - Vai dar tudo certo.

Assenti com a cabeça firmemente, ignorando a dor na


garganta pelo choro preso e disfarçado. Sem dizer mais nada
- porque eu sabia que se ficasse para ouvir mais palavras
doces da minha mãe, acabaria desmoronando -, entrei na
porta pela qual o Dr. Lewis já havia passado.

Me dei conta então de que o que eu achava ser uma sala era,
na verdade, um outro corredor. Um corredor menos comprido
e mais fino, com apenas duas portas à direita e uma à
esquerda. Quando estava pronta para me dar como perdida
ali, o homem que antes havia me impedido de ver Camila saiu
de uma das portas à direita e me entregou roupas verdes,
dobradas e limpas.

- Vista isso. Troque-se naquela sala. Quando estiver pronta,


entre na sala de parto. - Ele pontuou, sem se preocupar em
me dar maiores explicações. No segundo seguinte, o homem
puxou o pano verde que lhe cobria o queixo e tampou a área
da boca e do nariz, entrando na sala à esquerda logo em
seguida e me deixando sozinha ali.

Um pouco apressada - porque não havia tempo para


raciocinar -, corri para a porta que ele tinha apontado e me
troquei lá dentro, em um banheiro muito claro e um pouco
apertado. Ao vestir todo o conjunto, me dei conta de que
estava exatamente como aquele homem agora: Camisa e
calças verdes, uma touca e uma máscara. Estava vestida
como algum cirurgião, com o uniforme próprio para entrar na
sala de parto.

Deixei minhas roupas ali mesmo, incapaz de pensar. Tudo


parecia acontecer muito rápido, e não havia nenhum
sentimento em mim além de um medo esmagador. Mas não
importava o tamanho do meu medo ou o quão frágil eu
estava, tudo teria que ser deixado de lado para dar lugar a
uma coragem que eu não possuía.

A coragem e a certeza que Camila precisava de mim, de que


tudo daria certo.

Havia seis ou sete pessoas na sala quando entrei. Ela estava


deitada em uma cama alta, um foco de luz muito forte e
grande logo acima da sua barriga. Em volta dela, o obstetra -
que seria o responsável pela cesariana -, uma mulher ao seu
lado, mais outra perto de uma bandeja cheia de pequenos
objetos metálicos e cortantes, um homem que parecia checar
sua pressão e outras pessoas que não me dei ao trabalho de
analisar.

A sala era clara e espaçosa, mas o ausência de casualidade e


de vozes despreocupadas me fazia sufocar.

- Oi, amor... - Falei perto do rosto dela, fazendo-a se virar para


mim e me encarar ali. Ela sorriu em resposta, soltando uma
leve lufada de ar, como se estivesse mais tranquila por me
ver ali. Mas não falou nada. Ela parecia sonolenta, e eu
imaginava que tinha algo a ver com a anestesia.

- Tudo bem? - Ouvi a voz do Dr. Lewis soar abafada por


debaixo da máscara, e ao encará-lo, notei que a pergunta não
havia sido direcionada a mim, mas sim a uma das pessoas ali
perto.

- Tudo bem. - O homem do outro lado da cabeça de Camila


respondeu.

E então, as pessoas ali começaram a se comunicar entre si,


passando e repassado objetos enquanto cortavam com
cuidado a pele da barriga dela. Segurei uma das suas mãos
com firmeza, agoniada por ter a impressão de que ela sentia
dor. Mas ela não reclamava. Tudo que fazia era permanecer
calada e neutra, olhando para o vazio no teto da sala.

Eu não queria assistir o que eles faziam com a pele da barriga


dela. Não porque passaria mal de alguma forma, mas porque,
sinceramente, tudo que eu queria ver saindo dali era a minha
filha: Bem, saudável e chorando alto. Estava mais
concentrada no semblante completamente neutro dela,
porque mesmo que aquilo fosse normal, eu não conseguia me
convencer de que estava tudo bem.

Ela parecia calma demais.

- Está tudo bem? - Falei muito baixo, perto do seu ouvido. Ela
apenas sorriu e piscou, muito lentamente, assentindo
vagamente com a cabeça.

Os médicos se mexiam para lá e para cá. O homem ao lado


dela continuava monitorando os sinais vitais. O tempo parecia
não passar, talvez porque estivéssemos com pressa em
retirar minha filha de dentro da barriga dela.

- Vai ficar tudo bem. Já já vai acabar. - Falei aleatoriamente,


segurando sua mão com força enquanto tentava empregar
um tom de casualidade na voz. Ela piscou mais duas vezes. -
E nós ainda temos que escolher um nome pra ela, sabe?

- Você pode escolher. - Ela respondeu baixo.

- Não, vamos escolher juntas.

Ela deu um sorriso calmo, e só. Parecendo cansada de manter


os olhos abertos, ela os fechou e ficou daquela maneira por
algum tempo. O aperto que sua mão fazia na minha afrouxou
um pouco.

- Meus pais estão aí fora. - Soltei de repente, apenas com o


intuito de mantê-la distraída - Eles vieram assim que
souberam...

- Tenho que cortar agora. - Ouvi o médico falar, parecendo


mais distante do que realmente estava. A mulher próxima à
bandeja com os objetos se mexeu com um pouco de pressa, e
três outras pessoas começaram a se agitar por ali.

Respirei fundo, tentando não transparecer a preocupação. A


sala estava quente demais para mim. Levei minha mão livre à
testa de Camila e brinquei com alguns fios que estavam ali,
grudados no suor dela também. Eu não via nada que
acontecia na cirurgia, porque havia um lençol
estrategicamente colocado entre nós e os médicos que
cuidavam da operação. Era um pouco angustiante supor o
que estava acontecendo apenas pelas reações que eram
verbalizadas.

- Vamos logo... - Ouvi o Dr. Lewis dizer outra vez, e sua voz
tinha um tom de urgência. Não era pressa, mas sim algo
mais, em um tom bastante baixo. Talvez propositalmente
baixo. - Está sangrando muito...

Respirei fundo outra vez. Meu coração não estava bem. Eu


não estava bem. Queria que aquilo terminasse logo, mas cada
segundo parecia se arrastar por horas. Camila havia aberto os
olhos novamente, mas eles piscavam tão devagar que, a cada
piscada, pareciam não ter forças para se abrirem outra vez.1
A energia do outro lado do pano começou a aumentar. Eu não
sabia o que estava acontecendo, mas não parecia estar tudo
como deveria estar.

Sem pensar direito, puxei a máscara para baixo e livrei minha


boca para poder falar em um tom baixo ao pé do seu ouvido.

- Você lembra no dia do seu aniversário? Que eu te levei


naquele lugar e nós passamos a tarde inteira ali? - Comecei,
sem saber exatamente o porquê de estar falando e
lembrando daquilo - Eu acho que foi um dos melhores dias da
minha vida.

Ela sorriu em câmera lenta, mas de forma verdadeira. Seus


dedos se afrouxaram um pouco mais em volta dos meus. Ela
não respondeu nada, fechando outra vez os olhos e
mantendo-os fechados por um bom tempo até abri-los outra
vez, me encarando com doçura, com amor. Me encarando
como se quisesse olhar para mim, e nada mais.

- Agora! - O médico falou, suficientemente alto para que nós


duas escutássemos. Mas Camila continuou sonolenta,
completamente dopada.

Recomecei a falar sem rodeios, sem pensar que talvez fosse


melhor ficar calada. Eu queria dizer alguma coisa, nem que
fosse para não prestar atenção no que estava acontecendo.
Nem que fosse para distrair Camila de tudo aquilo. E,
inesperadamente, tudo que eu falava acabava soando como
confissões, como verdades guardadas que precisavam ser
reveladas naquele momento. Por algum motivo.
- E você lembra quando eu te dei os parabéns? Só Deus sabe
o quanto eu queria te abraçar naquela hora, mas tinha que
me segurar pra não acabar...

Fui interrompida por um choro. Um choro baixo, agudo,


esganiçado. O som pelo qual eu esperava ouvir. Minha filha
havia nascido, e agora chorava à plenos pulmões,
exercitando-os com oxigênio, alto, freneticamente. E por uma
fração de segundos eu me senti leve. Por uma fração de
segundos eu me senti feliz, completa. Senti que tinha tudo
que precisava naquela fração de segundos: Minha mulher e
minha filha ali, comigo. Tudo estava bem.

Mas só por uma fração de segundos. Porque, depois disso,


tudo começou a acontecer rápido demais.

- Rápido!

- A pressão dela! 

- Vamos rápido!

- Não estou conseguindo! Não estou conseguindo!

O choro continuava alto e estridente. Parecia um choro


normal.

- Eu não consigo estancar... Está sangrando muito!

- A pressão dela está despencando! - O homem do outro lado


falou, e então me dei conta de que "ela" de quem estavam
falando não se tratava da minha filha.

Se tratava de Camila.

- Agora! Vamos agora!


Agarrei a mão dela por instinto, com toda a força que tinha,
sem me preocupar se a estaria machucando. Seus dedos não
se fecharam nos meus como eu esperava: Não havia força ali.
Ela estava se apagando.

- Amor... - Falei, agora completamente desesperada. Encarei


seu rosto e constatei que, surpreendentemente, seus olhos
estavam abertos, me encarando como se só pudessem fazer
isso mesmo. Ela ainda mantinha um sorriso fraco nos lábios,
um sorriso quase apagado, mas genuíno. Camila parecia
sonolenta, mas, ao mesmo tempo, cansada. Sua respiração
estava acelerada demais...

- Senhora, precisamos fazer um procedimento... - Uma voz


apressada começou ao meu lado, e mãos vindas de sabe-se lá
onde começaram a me empurrar com cuidado - A senhora
tem que ir. Por favor...

Eu não estava ouvindo direito. Meus olhos ainda estavam nos


dela, implorando para que o que quer que estivesse errado
desaparecesse. Apertei outra vez sua mão, tentando fazer
com que ela reagisse, mas era inútil. Tudo que recebia dela
era aquele olhar complacente e aquele sorriso simples, quase
morto.1

"Eu te amo," seus lábios conseguiram se mover em silêncio,


como se emitir som àquela confissão fosse difícil demais. O
sorriso ainda estava lá, quase morto, mas ainda lá. Ela piscou
mais uma vez, e eu esperei para que seus olhos se abrissem
novamente. Mas eles permaneceram fechados.

E de repente, aquele "eu te amo" pareceu soar como uma


despedida.1
- Agora, senhora! - Ouvi a voz ao meu lado, mas ainda assim,
tão distante. Minhas mãos foram rudemente soltas da mão
dela, e depois de algum tempo que eu não saberia precisar -
porque o pânico já havia me tirado a noção de realidade -, me
encontrei, de repente, no corredor do lado de fora da sala de
parto.

Alguém tinha me tirado de lá.

O que estava acontecendo?

- O que... O que... - Gaguejei, tentando parar de tremer,


enquanto recuperava a força e os pensamentos. 

- Sua filha está bem, senhora...

Meus olhos entraram em foco novamente, e notei que o


homem com quem eu falava era o mesmo homem que antes
não havia me deixado entrar na sala de pré-parto.
Inconscientemente, eu já estava relacionando a cara daquele
maldito enfermeiro a algo ruim.

- Minha filha está bem... - Repeti, tentando digerir aquela


verdade. Ela estava bem. Mas eu não havia conseguido
sequer vê-la, porque tinha sido expulsa da sala de parto -
Minha mulher...

- Sua mulher estava sangrando muito. Nós...

- O que aconteceu? - Perguntei, ainda completamente


desnorteada.

- Ela teve uma hemorragia. A pressão dela caiu. Tínhamos


que agir rápido...

- Senão? - Perguntei, querendo saber exatamente qual era a


dimensão do problema.
Ele suspirou, e o maldito suspiro demorou tanto que eu
estava a ponto de segurá-lo pela gola e prensá-lo contra uma
parede para que ele cuspisse o que eu queria saber.

- O coração dela pode parar. Nós temos que controlar a


hemorragia antes que seja tarde...

O coração dela pode parar.

O coração dela pode parar...

Comecei a cair em um abismo. Silenciosamente.

- O coração dela... O coração...

- Ela perdeu muito sangue. Nós temos que tentar...

Eu não estava ouvindo. Meus ouvidos estavam tomados por


um zumbido estranho e incômodo. Minha boca estava
incrivelmente seca, minhas mãos tremiam. Minha garganta
parecia se fechar aos poucos, como se a onda de pânico que
me atingisse não desse sinais de trégua: Era aquilo. Um
nervosismo crescente, paredes se fechando ao meu redor e
nada que pudesse ser feito para empurrá-las de volta.

- Eu preciso voltar... - Consegui falar enquanto não olhava


para lugar nenhum em particular. Me desvencilhei das mãos
do homem e caminhei novamente para a porta,
completamente perdida, completamente em choque, quase
não notando que ele próprio formava um obstáculo bastante
difícil de ser passado. O homem era muito forte, e conseguia
lidar facilmente comigo naquele estado.

- Senhora...

- Eu tenho que voltar... - Continuei, ignorando a força


contrária aos meus passos. Era possível que eu sequer
estivesse me mexendo, mas minha decisão cega e minha
vontade de ir eram o suficiente.

- A senhora não pode voltar.

- Me larga... - Minha voz começou a adquirir um novo tom. O


tom da impaciência, cobrindo até mesmo meu próprio
desespero.

- Não posso. Não vou soltá-la. A senhora atrapalharia...

- EU TENHO QUE VOLTAR! - Explodi, e o sangue quente


pareceu voltar a correr nas minhas veias, me tirando do
estado quase letárgico em que o pânico havia me colocado
- EU PROMETI A ELA QUE ESTARIA LÁ! EU PROMETI A
ELA! EU TENHO QUE ESTAR DO LADO DELA! EU FALEI
QUE ESTARIA!

- A senhora só vai atrapalhar lá dentro! - O homem


respondeu, não no mesmo tom, mas se forçando a falar mais
alto e com maior autoridade - Precisamos salvá-la! Deixe que
os médicos trabalhem!

Tentei afastar suas mãos outra vez, mas por mais


desesperada que eu estivesse, não seria o suficiente para
passar pelo homem. "Você não entende! Você não entende!,"
eu repetia, rezando para que ele subitamente entendesse
sem que eu precisasse explicar. Sem que eu precisasse dizer,
e lembrar, que já havia a decepcionado uma vez. Que já havia
faltado com a minha palavra antes, e que não cumprir a
promessa de estar ao lado dela a havia feito sofrer no
passado.
Eu precisava estar ao lado dela. Porque eu devia isso a ela
muito mais do que o normal. E porque eu disse que estaria lá.
E não estava.

E aquele homem não entendia a dimensão do meu desespero.

- Se a senhora não se acalmar, terá que esperar no corredor


de fora!

Sacudi suas mãos para longe outra vez e dei meia volta, indo
para o outro lado do corredor. Eu não podia fazer nada para
voltar, mas se aquela era a menor distância que eu teria da
minha mulher, eu aceitaria.

Sentei no chão, ao lado da porta da sala onde minhas roupas


originais ainda estavam, encostada na parede e, sem saber o
que fazer, abaixando a cabeça. Talvez daquela forma,
encolhida a um canto, fosse mais fácil lidar com a dor e com o
pânico. Talvez eu pudesse ao menos respirar.

Não a tire de mim.

Eu não era religiosa, mas sabia que a vida dela pertencia a


algo maior. E fosse o que fosse esse "algo," eu imploraria para
que ele permitisse que ela ficasse comigo. Porque eu não
podia perdê-la. Eu não estava pronta sequer para começar a
pensar nisso. Nossas vidas haviam se entrelaçado há muito
pouco tempo, e perdê-la não era justo.

Não era justo.

Por favor, não a tire de mim.

Ouvi passos apressados entrando pela porta que dava para o


corredor externo e me virei. Eram mais dois médicos, vestidos
exatamente como o Dr. Lewis, e sem sequer reparar na minha
presença ali, no chão, ou do homem ao meu lado, de pé, eles
seguiram correndo para dentro da sala de parto.

O silêncio deu algumas toneladas extras ao ar naquele


ambiente. A tonalidade verde-bebê me enjoava. O cheiro de
produtos farmacêuticos misturados com ar-condicionado
provocava uma sensação horrível. Era como esperar pela
morte. Era como esperar para sempre.

Não a tire de mim.

Meus lábios se moveram dessa vez. As palavras tomavam


forma a medida que o meu desespero aumentava. Eu não
podia perdê-la. Eu não podia sequer cogitar essa
possibilidade. Ela era importante demais. Era necessária.
Como infernos eu viveria sem ela, amando-a daquele jeito
doentio? Como infernos eu tomaria conta da nossa filha
sozinha? Eu não tinha essa competência, não tinha essa
segurança.

Eu precisava dela, em todos os sentidos. Precisava dela como


mãe, como amante, como amiga. Era necessário que ela
saísse daquela sala viva. Bem. Saudável.

Por favor, por favor...

Mais passos apressados entraram pela mesma porta,


seguindo o mesmo caminho dos passos anteriores. Dessa vez,
não me virei. Continuei com a cabeça baixa, minhas mãos
atrás do pescoço puxando com violência os fios ali. Todos
aqueles profissionais estavam correndo contra o tempo para
salvarem Camila. Todos eles sabiam da urgência. Ou parte
dela.
Duas lágrimas escorreram simultaneamente pelo meu rosto,
uma de cada olho. Não me importei. Sabia que eram raros os
momentos que me deixavam daquela forma, mas se simples
medo não era o suficiente para me fazer chorar, pânico era.
Um desespero tão esmagador e dominante que temi não
conseguir voltar à superfície da minha própria fé, temi não
conseguir respirar outra vez.

Por favor... - Balbuciei - Por tudo quanto é mais sagrado. Não


a tire de mim...

Fechei os olhos e me deixei ser engolida pelo medo, mas sem


nunca deixar de repetir aquelas mesmas palavras, em voz
baixa, quase como uma oração.

Não a tire de mim... Eu não posso perdê-la...

Aquilo era repetido como mantra. Meus lábios já trabalhavam


automaticamente, cuspindo devagar meu desespero. Minhas
preces. Não sabia se havia alguém perto de mim. Não sabia
quanto tempo havia se passado. Não sabia se estava frio ou
quente. Em certo ponto, eu não sabia sequer onde estava.
Mas sabia que não deixaria de pedir e implorar para que
Camila ficasse bem até que alguém me informasse que não
era mais necessário. De uma forma ou de outra.

Por favor...Por favor... 

Não a tire de mim.

Eu PRECISO dela.

- Lauren...

Antes mesmo de conseguir associar aquela voz à figura do Dr.


Lewis, eu já estava de pé, mas não sem dificuldades. Eu
tremia tanto que meus joelhos pareciam a ponto de ceder, me
fazendo cair de volta no chão. Me apoiei na parede atrás de
mim com o intuito de permanecer de pé, tentando não me
desesperar enquanto o encarava.

- Ela vai ficar bem, não vai? - Perguntei de maneira


automática, desesperada por uma confirmação. Era óbvio que
ela ficaria bem. Não havia outra opção. E se a resposta fosse
diferente disso, tudo não passaria de uma brincadeira de
muito mau gosto - Vocês conseguiram... Não é...?

Ele suspirou audivelmente e depositou uma das mãos no meu


ombro, e aquilo se arrastou por uma eternidade. Sua
expressão era neutra: eu sequer podia conjecturar sobre sua
resposta. Mas não importava. Eu ainda estava ocupada
demais, rezando silenciosamente. Ele só precisava confirmar
o que eu tinha que ouvir. Ele PRECISAVA confirmar.

- Nós conseguimos. - Ele finalmente falou - Ela vai ficar


bem.

O peso esmagador que comprimia meus pulmões se dissolveu


em um estalo, quase doloroso, e então eu senti que podia
respirar outra vez. Mais do que isso, o alívio que senti foi tão
grande que, possivelmente, me desequilibrei. Ao sentir os
braços do Dr. Lewis se firmarem nos meus, fiz a primeira e
única coisa que achei certa, por mais que soasse até um
pouco patético.

- Obrigada! - Falei, abraçando-o com desespero, como se ele


tivesse acabado de salvar minha própria vida. - Muito, muito
obrigada!
- Não há de quê... - Ouvi-o dizer, e quis respondê-lo que havia
muito, MUITO pelo que agradecer. Mas ele não entendia. E eu
não fazia questão de explicá-lo.

- Como ela está?

- Sedada. - Ele respondeu de maneira simples - Ela perdeu


muito sangue, nós tivemos que correr. É o que chamamos de
choque hipovolêmico. O coração dela não estava distribuindo
sangue suficiente para os outros órgãos, mas nós
conseguimos controlar a hemorragia. Está tudo bem agora.

Está tudo bem agora.

- Eu tenho que vê-la. - Falei de repente, me livrando dos


braços do médico e já caminhando, um pouco bamba, pelo
corredor.

- Camila, ela está sedada. - Ele repetiu, segurando meu ombro


e me impedindo de prosseguir.

- Não importa. Eu tenho que...

- Tem muitos médicos lá dentro terminando o procedimento. -


Ele insistiu. - Você não pode entrar...

Encarei-o de maneira séria, mesmo ainda estando um pouco


atordoada. É claro que ele não entendia tudo que eu estava
sentindo, mas ao menos uma coisa ele tinha que entender:

- Eu PRECISO vê-la.

Ele suspirou, largando o meu ombro logo em seguida.

- Ok, Lauren. - Ele finalizou, derrotado - Só espere mais um


pouco. Troque de roupa e espere lá fora. Quando ela já estiver
em um quarto, eu te aviso. Tudo bem?
Bem não estava. Mas era melhor do que ficar sem vê-la.

Por isso, tirando forças unicamente da minha vontade em


estar ao lado dela outra vez, fiz como ele pediu, voltando a
vestir minhas roupas de antes, secando as lágrimas e saindo
para o corredor onde, para minha surpresa (porque eu tinha
esquecido do resto do mundo), meus pais ainda me
esperavam.

- Graças a Deus! - Minha mãe exclamou assim que me viu,


correndo até mim e me abraçando. Senti um nó apertando
minha garganta, mas o ignorei. Por causa daquela ligação
estranha que tínhamos, ela sabia que algo muito ruim tinha
acontecido, mas sabia também que, agora, tudo estava bem -
O que houve?

Tentei explicar tudo que o Dr. Lewis e o enfermeiro haviam


me dito, fazendo força para lembrar dos detalhes mas, ao
mesmo tempo, esquecer. Porque eu queria esquecer o pânico
que tomou conta daqueles últimos minutos. Do desespero, da
sensação de sufocamento, do medo e da tristeza
esmagadora. Eu quase tinha perdido Camila, mas aquilo havia
passado. E eu queria deixar essa lembrança para lá.

E eu queria vê-la. Desesperadamente. Queria ficar perto dela


outra vez. Tocá-la outra vez. Ter certeza de que ela estava
bem, que estava tranquila, que não estava sentindo dor ou
sofrendo. Eu precisava vê-la. Precisava estar com ela.

E pacientemente, eu esperei. Informei meus pais de que


passaria aquela noite no hospital, porque sabia que Camila
teria que ficar. Ao reconhecer dezoito chamadas não
atendidas de Taylor no meu celular, pedi para que eles
dessem notícias à ela e ao Christopher, porque obviamente
não estava em condições de fazer isso eu mesma. Eles me
fizeram companhia durante todo o tempo de espera, e fiquei
feliz por isso: Eu estava estranhamente sensível. O perigo já
tinha passado, mas eu ainda me sentia frágil, com um certo
medo.

Me despedi dos meus pais de qualquer jeito quando fui


avisada de que já podia subir. Desejei intimamente saber dar
mais valor à atenção que eles tinham por mim, mas naquele
momento era impossível. De qualquer forma, eles entendiam,
e eu sabia disso.

- Ela está dormindo. Só vai acordar amanhã. Você não vai


poder falar com ela ainda... - O Dr. Lewis começou,
caminhando comigo pelo corredor.

- Não importa. - Respondi prontamente. Era óbvio que eu


queria falar com ela, mas poder estar ao seu lado já era o
suficiente.

- É aqui. - Ele disse, parando à frente de uma das portas do


corredor - Pro conforto dela, nós a trouxemos pra um quarto
melhor, mais amplo. Isso não estava nos nossos planos, por
isso você vai ter que resolver algumas pendências...

- Tudo bem. Faço isso amanhã. - Respondi automaticamente.


Não me importava quanto a mais eu teria que pagar, não me
importava nada. Nada era importante o suficiente naquele
momento. Talvez eu me comprometesse a pagar o triplo de
qualquer diferença em dinheiro para que simplesmente me
deixassem em paz.

- Tudo bem.

- Como está a minha filha? - Perguntei, antes de deixá-lo ir.


- Dormindo, provavelmente. Mas ela está bem, não se
preocupe. Parece uma menina bastante saudável. Amanhã
vocês duas a verão.

Suspirei, feliz com a sensação leve do oxigênio nos meus


pulmões. Podia parecer algo banal, mas respirar, há pouco
tempo atrás, não era uma tarefa assim tão fácil.

- Ok. Obrigada...

- Espero que você consiga dormir. Sei que o dia não foi fácil.
Claro que cadeiras de hospitais não são muito confortáveis,
mas...

- Não tem problema. Contanto que eu fique com ela, está


tudo bem.

Ele sorriu, e seu sorriso leve fez com que eu me sentisse


melhor. Ele estava calmo, porque não havia mais com o que
se preocupar. E se não havia mais com o que se preocupar,
eu estaria calma também.

- Boa noite, Lauren.

- Boa noite... E obrigada por tudo...

Ele se afastou com um simples aceno de mãos, mas eu não


esperei perdê-lo de vista para girar a maçaneta e entrar no
quarto em que minha mulher estava.

Como havia sido dito, ela estava dormindo. A cama era larga
e parecia confortável, até onde me era possível presumir.
Camila parecia calma, em um sonho tranquilo. Seus
batimentos e sua respiração estavam sendo monitorados por
aparelhos quase silenciosos atrás da cama, e aquilo fez com
que ela parecesse mais frágil do que nunca.
Ela tinha tubos finos no nariz e nas costas das mãos, e eu
sabia que era melhor não tocá-la. Mesmo assim, uma enorme
vontade de abraçá-la me atingiu como um soco, mas me
contive. Tudo que fiz então foi observá-la nos seus mínimos
detalhes, das suas pálpebras imóveis à intensidade da sua
respiração. Ela estava bem. Ela ficaria bem, e isso era o
suficiente.

Toquei com cuidado no seu braço esquerdo, com o único


intuito de senti-la. Sentir que ela estava ali. Que eu não a
tinha perdido. Que ela acordaria de manhã e abriria aqueles
olhos que eu tanto amava.

E, de repente, me dei conta de que estava chorando outra


vez.

***

- Senhorita?

Fui retomando a consciência aos poucos, um pouco


desnorteada. Ou talvez eu estivesse sonhando. A voz era
feminina, bastante paciente. Mas desconhecida, até onde eu
lembrava.

- Senhorita? - A voz insistiu, com um toque leve no meu


ombro. A sensação era boa, mas vinha de algum outro lugar.
Da minha cabeça, talvez. Como se meus cabelos ali
estivessem sendo remexidos delicadamente.

- Ela não pode ficar aí?

Aquela voz era diferente da anterior. Era mais fraca, mais


bonita, um pouco mais rouca. E era conhecida.
Abri os olhos imediatamente com o som, ainda
completamente perdida. Minha visão estava turva. Pisquei
algumas vezes, insistentemente, e isso ajudou. A sensação
boa na minha nunca continuava.

- Hmppffff...

Eu não sabia direito para onde estava olhando, mas sabia que
o lugar era claro. Fiz uma força quase sobre-humana para
virar a cabeça, enfiando o rosto nos lençóis e quase
sufocando sem querer. Tinha um leve cheiro de farmácia.

Pisquei mais algumas vezes e encontrei Camila me encarando


com um sorriso simples. A lembrança de tudo que vivi no que
provavelmente foram as últimas horas vieram rapidamente, e
eu levantei a cabeça de uma vez.

Eu tinha trocado a cadeira de acompanhante, aparentemente


confortável, por uma cadeira qualquer, que deixasse minha
cabeça à altura da cama dela. Depois de algumas horas de
insônia, quase no nascer do sol, eu finalmente havia
adormecido ali, curvada ao lado dela, na altura da sua
barriga.

Os dedos dela brincavam com os fios do meu cabelo. Ela


ainda estava recebendo soro, mas os tubos finos que antes
estavam abaixo do seu nariz haviam sido removidos. Ela não
parecia doente: Apenas frágil.

- Bom dia. - Camila falou, e sua voz saiu baixa em meio a um


sorriso.

Aquele era, sem a menor sombra de dúvidas, o melhor bom


dia que eu já havia recebido em toda a minha vida.
Tirei sua mão dos meus cabelos e a trouxe até minha boca,
beijando sua palma com cuidado, feliz demais para fazer
qualquer outra coisa por um longo tempo.

- Está tudo bem? - Ela perguntou de repente, e a simples


menção de responder "sim" já trouxe um nó à minha
garganta, me impossibilitando de falar. Como saída, apenas
sacudi a cabeça positivamente, tocando com meus próprios
dedos cada pequeno pedaço da pele do braço dela que
conseguia alcançar.

- Por favor, por favor, nunca mais me assuste desse jeito... -


Comecei com uma voz estrangulada. 

- Eu sinto muito...

O tom da sua voz mostrava que ela realmente sentia. Mas


não devia: A culpa não era dela. E eu não queria que ela se
sentisse culpada, ou triste, ou qualquer coisa que destoasse
muito de uma sensação boa.

- Desculpa por não estar do seu lado o tempo todo... - Voltei a


falar - Eu tentei... 

- Não tem problema...

- Mas me expulsaram... Eu tentei voltar... - Continuei me


explicando da melhor maneira que podia, mas ela não
pareceu se importar.

- Não tem problema. - Ela repetiu, trazendo sua mão até o


meu rosto e me tocando com leveza. Fechei os olhos e quase
me perdi no toque dela.

- Como você está? - Perguntei um pouco extasiada por aquele


simples ato.
- Estou bem. Um pouco fraca, mas bem.

Suspirei, trazendo sua palma outra vez contra minha boca e


deixando-a ali. Eu já sabia que, se é que era possível, passaria
a tratá-la com mais zelo do que antes. Talvez isso me
tornasse um pouco insuportável, mas era inevitável: Passar
pela possibilidade de perdê-la havia mexido demais comigo.

- O corte da operação está doendo? 

- Um pouco. Mas eu aguento.

- Você quer algum analgésico? - Uma voz perguntou em


algum canto, e só então me dei conta de que não estávamos
sozinhas. Me lembrei então de que era a mesma voz que
tinha tentado me acordar havia alguns minutos: Uma
enfermeira muito pequena e nova, parada ao pé da cama.

- Bom, talvez não seja uma má idéia. - Camila pontuou,


fazendo uma careta para ela. 

- Senhora... - A mulher começou outra vez - Pode nos dar


alguns minutos?

Eu não queria sair. Era irritante a mania que aquelas pessoas


tinham de me mandar ir embora o tempo todo. Por que
infernos eu nunca podia ficar perto dela?

- Por quê? - Perguntei, já meio seca.

- Nós vamos ajudar sua esposa com o banho e os curativos...

- Eu posso ajudar também.

- Mas são quatro enfermeiras ao todo, não há necessidade...

- Tudo bem, eu não tenho lugar nenhum pra ir mesmo.


- Lo... - Camila começou com a mesma voz fraca, e eu bufei
contrariada.

- Em quanto tempo eu posso voltar? Vão me deixar entrar


dessa vez? - Perguntei sem me preocupar se estava sendo
grosseira.

- Volte em meia hora, senhorita. - A enfermeira respondeu,


sem se deixar abalar - E a senhora vai poder entrar, não se
preocupe.

- "Não se preocupe." - Resmunguei debochada enquanto me


levantava e me dava conta da dor aguda nas costas por ficar
algumas horas curvada na mesma posição.

- Talvez você também queira um analgésico. - Camila falou,


rindo da careta de dor que eu sabia estar fazendo.

- Não, tudo bem. Eu vou resolver algumas pendências com o


hospital e volto em trinta minutos. - Falei pontualmente,
olhando séria para a mocinha que ainda nos assistia.

- Ok. Não vou a lugar nenhum. - Ela riu outra vez, deixando
claro que aquilo era uma tentativa de piada. E mesmo que
fosse uma piada sobre seu estado de saúde, o que a tornava
bastante sem graça, eu ri. Porque vê-la bem era maravilhoso.

Beijei sua testa, me segurando ao máximo para não tomá-la


em um abraço efusivo, e saí.

***

Passei na farmácia quase ao lado do hospital, comprando


pasta e escova de dentes para que pelo menos me sentisse
mais limpa. Depois de lavar o rosto rapidamente no banheiro,
corri até o carro no estacionamento e peguei a enorme bolsa
esquecida com roupas para Camila e para nossa filha,
tentando resolver tudo que tinha que ser resolvido com a
recepção nesse meio tempo.

- Como ela está? - Minha mãe me perguntou enquanto me


acompanhava pelo corredor, a caminho do quarto dela. Ela
havia chegado naquele mesmo momento, carregando um
buquê enorme de flores.

- Bem. Mas acho que está com dor...

- Cesarianas são dolorosas mesmo.

- Só espero que dêem um remédio pra ela que faça efeito...

- E a minha neta? - Ela sorriu como uma menininha feliz.

- Eu ainda não vi... - Falei, já me sentindo uma péssima mãe.


Eu ainda não tinha visto minha filha, que havia nascido na
noite anterior! Claro que as circunstâncias ajudaram a tornar
tudo mais difícil, mas ainda assim...

- Quando a trouxerem pro quarto... - Minha mãe começou


enquanto eu abria a porta, mas parou de falar no segundo
seguinte. Ou isso, ou meus ouvidos simplesmente bloquearam
a voz dela.

O Dr. Lewis estava ali, de pé ao lado da cama, com mais uma


enfermeira. Camila estava encostada na cabeceira, segurando
o que parecia ser uma trouxinha de roupa e olhando para ela
com amor. E eu sabia o porquê: Aquela "trouxinha" era a
nossa filha.

- Eu achei que você estivesse aqui... - Ouvi uma voz falar em


um tom baixo, mas ignorei. Provavelmente pertencia ao
doutor, já que a voz era muito rouca para ser da mulher
desconhecida, e ele era a única presença masculina ali.

Andei devagar até o lado de Camila e vi um bebê minúsculo e


faminto mamando em um dos seios inchados pela produção
de leite. Ela mantinha os grandes olhos azul-acinzentados
abertos o tempo todo, encarando um ponto qualquer à sua
frente como se estivesse hipnotizada com o momento. Suas
bochechas eram redondas e rosadas, e a boca era muito
vermelha.

Ela era incrivelmente linda.

Camila desviou os olhos dela por um ou dois segundos,


apenas para me encarar e sorrir. Notei isso pela minha visão
periférica, porque eu mesmo não conseguia tirar os olhos
dela. Ela sugava com tanto empenho que quase me perguntei
se Camila não estava sentindo dor. Uma de suas mãozinhas
estava descansando no seio, completamente alheia a tudo à
sua volta.

Acho que fiquei naquela posição durante muito, muito tempo,


olhando para ela completamente besta. Senti minha boca
ressecar, e me dei conta de que talvez fosse melhor fechá-la.
Ninguém falou nada durante todo aquele tempo, e se falou,
meu cérebro se empenhou em não registrar. Quando ela
pareceu satisfeita, sua pequena boca começou a desacelerar
os movimentos de sucção e seus olhos começaram a piscar
como se estivessem pesados.

Camila levou uma das mãos à sua cabecinha e passou com


cuidado os dedos ali. Isso pareceu chamar sua atenção, que
imediatamente encontrou os olhos da mãe a observando.
- Está com sono? - Ela perguntou em uma voz muito baixa,
falando diretamente com a coisinha minúscula, como se seus
tímpanos fossem muito sensíveis ao som.

A pequena ficou encarando-a imóvel, como se o som daquela


voz fosse muito, muito importante. E isso fez meu coração
derreter até a última gota.

- Acho que você está com sono. - Ela falou outra vez, não
conseguindo conter o largo sorriso no próprio rosto.

Era provável que eu estivesse pulando no mesmo lugar como


uma idiota. Eu era uma mulher crescida, mas a visão da
minha esposa e da minha filha recém-nascida trocando
sorrisos e olhares estava me atingindo de um modo louco.

- E você sabe quem é essa? - Ela continuou, inclinando um


pouco os braços e deixando nossa filha de frente para mim.
Seus olhos encontraram os meus, mas não pareceram se
interessar por mim - Essa é a mulher que, não importa
quantos namorados você tiver, ela vai sempre te amar mais.

Sorri com aquilo, pensando na palavra namorados e já


traçando planos em como assassinar anonimamente todos
eles.

- Oi... - Falei meio sem jeito, fazendo força para não engasgar,
e mesmo baixo, o som da minha voz pareceu transformá-la.
Seu desinteresse se transformou em uma expressão de
curiosidade e total atenção, como se, naquele momento, ela
tivesse me reconhecido. 

Ela mudou tão completamente que era como se nos


conhecêssemos havia uma vida inteira, e embora fosse bobo
pensar isso, eu quase podia ouvir seus pensamentos dizendo
"Ah, mas essa é minha outra mamãe!"

- Ah, então você sabe quem ela é! - Camila falou outra vez, e
ouvi um risinho animado atrás de mim. Provavelmente da
minha mãe - Você quer ir pro colo dela?

Ela continuou me encarando como se eu fosse alguém muito


importante.

- Eu posso? - Perguntei de repente, olhando de Camila para o


médico, um pouco incerta de como prosseguir.

- Até onde eu sei, ela é sua filha. - Ela respondeu, debochada -


É claro que você pode.

O olhar de curiosidade e interesse não sumia do pequeno


rosto dela, e eu estava começando a ficar realmente
hipnotizada com aquilo.

- Mas... Ela é frágil...

- Tenho certeza que você não vai jogá-la no chão.

Era óbvio que eu não faria isso! Era mais fácil atear fogo nos
meus próprios olhos do que deixar que minha filha caísse.
Mas, e se ela se sentisse desconfortável no meu colo?

Sem esperar que eu me preparasse, Camila me ofereceu


cuidadosamente a nossa filha, que parecia estar se divertindo
com a minha total falta de experiência. Aceitei-a um pouco
descoordenada no início, mas logo a ajeitando nos braços e a
deixando confortável ali. Ela era tão incrivelmente pequena
que eu poderia segurá-la com uma única mão.

Fiquei encarando-a hipnotizada, pensando em como alguém


tão pequeno podia ter quase feito um estrago tão grande na
noite anterior. Mas não havia como não amá-la: O fato de
Camila quase me deixar não era culpa dela. Foi uma
eventualidade, uma coisa que não era culpa de ninguém
realmente. E agora, tendo as duas ali comigo, sem a
impressão de que ficando com uma eu teria que perder a
outra, praticamente nada poderia acabar com aquela
felicidade.

- Acho que ela prefere o seu colo...

Ela continuou se mexendo em câmera lenta, agora finalmente


cansada de me encarar e contorcendo sua expressão em um
mini-bocejo, fechando os olhinhos com força e abrindo
completamente a boca em um "o" tão minúsculo e lindo que
me fez sentir uma vontade quase inumana de agarrá-la até
quase asfixiá-la.

E então, cinco segundos depois, ela dormiu.

- Meu Deus... - Ouvi a voz da minha mãe ao meu lado, quase


sussurrando - Ela é tão linda...

- É verdade. - A voz do doutor disse.

- Ela é perfeita... - Camila falou.

- Acho que ela vai parecer com você... - Respondi, mas não a
encarei. Meus olhos estavam fixos na nossa filha. Eu
simplesmente não conseguia deixar de admirá-la.

O som de uma gargalhada debochada me trouxe de volta à


realidade, e quando olhei em volta, todos riam abertamente.

- Que foi? - Perguntei confusa.

- Lauren, ela é a sua cara!


- Não! - Respondi - Claro que não!

- Querida... - Minha mãe começou carinhosamente - Ela é


igual a você.

- Ela é só um recém-nascido! Tem cara de... recém-nascido!

- Não, filha. Ela é uma cópia sua. Parece que estou vendo
você recém-nascida.

- Vocês estão enganados... - Insisti. Eu não queria que ela se


parecesse comigo.

- Não estamos não. - O Dr. Lewis falou, então entendi que


todos naquele quarto estavam contra mim.

- Os olhos dela... De que cor vão ser? - Perguntei, querendo


me agarrar à esperança de que minha filha teria alguma coisa
de Camila. Principalmente os olhos.

- Não podemos definir ainda. - O médico se prontificou em


responder - Todos os bebês nascem com olhos azul-
acinzentados. A cor só se define depois de alguns meses.

- Lolo... - Senti uma mão firme no meu ombro e me dei conta


de que meu pai tinha surgido de algum lugar, encarando
agora a coisinha que eu carregava nos braços - Ela é uma
cópia sua!

Bufei, olhando para baixo outra vez e vendo minha filha


brincar inconscientemente com a pequena língua, trazendo-a
para fora algumas vezes, como se estivesse constantemente
fazendo careta. Não consegui deixar de sorrir com aquilo.

Encostei a ponta do indicador na sua mão e ela enrolou seus


dedos gordinhos ali, quase não conseguindo fechá-los. Contei
cinco deles e chequei se os outros cinco estavam do outro
lado também. Apalpei delicadamente seus pés, sentindo dez
dedos no total. Duas orelhinhas, dois bracinhos, duas
perninhas e nada entre elas.

- Ela é perfeita...

Eu poderia ficar com ela nos braços para sempre, mas meus
pais também queriam tirar uma casquinha. Concordei em
ceder-lhes minha filha por alguns minutos, um pouco
contrariada por possivelmente atrapalhar seu sono.
Felizmente, ela não acordou. Tirei fotos deles para enviar à
Taylor (que, àquela altura, já havia me ligado mais de
cinquenta vezes) e conversei com o médico mais uma vez
sobre a saúde da minha filha e da minha mulher.

Fiquei um pouco triste ao anunciarem que era hora de levá-la


de volta ao berçário. Meus pais aproveitaram a deixa para
irem embora também, mas minha mãe prometeu voltar todos
os dias para visitar Camila, o que a deixou genuinamente
feliz. Quando todos nos deixaram a sós no quarto, pude
aproveitar o momento para desfrutar da companhia dela - e
só dela.

- Temos que decidir uma coisa... - Comecei, ainda na mesma


posição na qual havia passado as últimas horas: Deitada
naquela cama de hospital, agarrada a ela o máximo que seu
frágil estado pós-cesariana permitia.

- O quê? - Ela perguntou, já quase adormecendo outra vez. 

- O nome dela.

Camila suspirou, se ajeitando um pouco na cama e virando o


rosto para mim, parecendo repentinamente acordada.
- Eu andei pensando sobre isso... - Ela começou, corando um
pouco, e eu tentei encorajá-la a prosseguir:

- E...?

- E... Eu gostaria de dar a ela um nome que eu gosto muito...


Um nome que eu sempre sonhei em colocar se tivesse a
oportunidade de ter uma filha, e hoje eu tenho essa
oportunidade graças a você...

- Como ficamos então? - Perguntei bem próximo ao ouvido


dela.

- Sophie. - Ela soltou imediatamente, limpando uma lágrima -


Ela vai se chamar Sophie.

Fiquei em silêncio por algum tempo, testando a sonoridade da


palavra. Era um nome bonito, tinha seu charme. E eu havia
gostado muito daquilo.

- Sophie. - Repeti, e o simples som do nome na minha voz


conseguiu me deixar um pouquinho mais feliz, me fazendo
sorrir involuntariamente - É perfeito.+

***

Capítulo 25

Pov Camila

Ter Sophie agora me fazia sentir mais a falta dos meus pais, e
eu não sabia o motivo. Alguma parte de mim queria tê-los por
perto para mostrá-los a incrível obra de arte que eu havia
trazido ao mundo, e vê-los felizes com uma netinha linda que
eles jamais puderam ter. Queria também mostrá-los o
tamanho da minha felicidade, e como, na verdade, tudo
melhorou depois que Lauren apareceu na minha vida.

Eu queria que eles tivessem conhecido Lauren.

Eu gostaria que eles estivessem aqui.

Era bom ter Clara e Mike sempre por perto. Era em momentos
onde minha tristeza órfã aumentava que eles faziam com que
eu me sentisse em casa, dentro de uma família, sem nunca
achar que aquilo era apenas gentileza. Eu realmente
pertencia àquela família, e isso era algo maravilhoso. Mais
maravilhoso ainda era saber que a minha filha, a pessoinha
que eu mais amava no mundo, fazia parte dela também.

Embora os cortes da minha operação ainda doessem, tudo no


que eu conseguia prestar atenção era a presença dela. Talvez
eu pudesse até me importar com o fato do parto não ter sido
da forma como eu queria, mas depois do Dr.Lewis ter
explicado exatamente o que havia acontecido e de toda a
dificuldade do processo (porque tudo havia passado tão
rápido que eu não fazia idéia de nada), tudo que fiz foi
agradecer por simplesmente ter minha filha comigo. Viva,
saudável e faminta.

Clara e Mike pareciam radiantes com a presença dela nos


horários de visita, e tudo que Lauren fazia era encará-la como
se ela se fosse uma mini bomba atômica. Sophie era
assustadoramente quieta, exceto quando estava com fome.
Por isso era comum vê-la entrando no quarto aos berros no
colo de uma enfermeira e assisti-la ficar repentinamente
calma quando alcançava meu peito. Doía um pouco. Ela era
violenta e nada sutil. Mas eu não conseguia realmente sentir
a dor.

O sono parecia tomá-la depois de cada furiosa refeição, mas


ela não se dava por vencida antes de passar algum tempo
analisando cheia de curiosidade os rostos sorridentes ali. O
rosto de Lauren era sempre o que parecia chamar mais a sua
atenção, e era sempre no colo dela que Sophie acabava
dormindo, exausta da tentativa de entender quem era Lauren
e por que parecia se derreter toda por ela.

Ela, por sua vez, não disfarçava sua mais nova obsessão, e
mesmo que passasse todo o tempo permitido do meu lado,
me mimando da forma que sabia fazer muito bem, era só
Sophie entrar em cena para que eu fosse imediatamente
esquecida e substituída por ela. Mas eu não ficava chateada.
Na verdade, sinceramente, achava aquilo adorável.

- Contanto que ela seja a única mulher que você prefira a


mim, tudo bem. - Falei repentinamente enquanto ela a ninava
depois do almoço.

Lauren sorriu de maneira simples, desviando o olhar da filha


só por um segundo para me encarar com uma expressão que
dizia "não seja boba."

- Não estou reclamando. - Concluí.

- Claro que não está. - Ela murmurou, voltando a encará-la -


Você sabe que eu amo as duas de formas diferentes.

- Tudo bem. - Ajeitei o travesseiro atrás de mim e deitei


devagar, agindo de maneira casual - Mas quando a
quarentena acabar eu vou exigir que você me mostre isso.
Levantei uma sobrancelha tentando parecer sedutora, mas
me achei ridícula. Ela me encarou outra vez, com a mesma
expressão tranquila de antes. Isso era bom: Pelo menos
Lauren não estava rindo da minha cara.

- Ah, meu amor... - Ela começou de maneira simples, como se


estivéssemos conversando sobre presentes de Natal - Assim
que a quarentena acabar eu vou te mostrar exatamente de
que forma eu te amo.

Ela deu um sorriso simples, mas muito largo, talvez não tendo
a intenção de ser provocante, enquanto ainda ninava com
paciência a nossa filha adormecida no colo. Era uma visão
interessante. Meus ovários estariam explodindo caso eu não
estivesse sentindo uma dor altamente anti-tesão.

Mas tudo bem. Eu só precisava esperar.

***

Meu aniversário, dois dias depois do nascimento de Sophie,


passou quase em branco. Mas não me importei. Receber os
votos de felicidades de Lauren, dos pais dela e até dos irmãos
por telefone era mais do que o suficiente, mesmo que todo
mundo evitasse me abraçar com medo de que me
machucassem. Lauren se desculpou repetidas vezes por não
podermos fazer nada de bom como comemoração, e tentei
explicá-la que o fato de não conseguir dar dois passos sem
sentir dor não era culpa dela. Deixei bastante claro que não
queria comemoração alguma, com medo de que ela trouxesse
os Doutores da Alegria até o meu quarto junto com balões
coloridos e bolo, mas o que mais a fez se sentir culpada foi o
fato de não ter me dado nenhum presente - fora um "simples"
bracelete grosso cravejado de brilhantes -, porque ela "não
conseguiu se concentrar suficientemente para pensar em um
presente melhor."1

- Mas eu ainda vou te dar um outro...

- Se você fizer isso eu peço divórcio.

- Mas isso foi só uma coisa pra não deixar passar em


branco... 

- Divórcio, Lauren.

Ela sabia que não adiantava bufar quando eu parecia estar


falando sério. É claro que eu não estava falando sério, mas
sabia que ameaças desse tipo provavelmente funcionariam
como forma de controlar seus exageros. Lauren sempre havia
sido assim, e algo me dizia que agora, com o nascimento da
nossa filha, a coisa só tendia a piorar.

Quando finalmente recebi alta do hospital, fui recepcionada


de forma calorosa por Clara, Mike e Emma na casa que agora
eu já conseguia chamar de "minha também."

Fui saber mais tarde que Lauren havia cogitado a


possibilidade de contratar mais duas empregadas, já que eu
não poderia sequer me servir de um copo d'água sozinha e
que, por isso, o número de empregados deveria aumentar.
Felizmente (e isso porque Clara ainda tinha algum poder de
persuasão sobre a filha), a idéia foi esquecida, chegando-se à
conclusão de que uma empregada e uma avó por perto já era
mais do que o suficiente para não deixar que a nossa filha
morresse de fome ou de frio.

Quanto a Sophie, tudo que ela fazia consistia em chorar,


comer e dormir. Eram coisas bastante monótonas na teoria,
mas não deixavam de exercer um certo poder hipnótico sobre
Lauren e, confesso, sobre mim também. Talvez fosse coisa de
mães de primeira viagem, mas seus avós também pareciam
obcecados quando ela começava a piscar os olhinhos
devagar, o que me fez imaginar que talvez fosse um encanto
natural seu mesmo.

A primeira vez que tive que dar banho nela, implorei para que
Clara estivesse presente. Eu nunca havia feito aquilo, e nos
meus piores pesadelos Sophie se debatia toda molhada nas
minhas mãos, escorregava pelos meus dedos e se estatelava
no chão.

- Você não vai deixá-la cair, querida.

- Eu não sei...

- Ela é tão quietinha...

- É, mas eu sou um pouco estabanada...1

Mas não foi difícil. Minha filha era mesmo estranhamente


calma, e nem o primeiro banho foi o suficiente para fazê-la
espernear, como era bastante comum de acontecer com
bebês. Ela parecia tranquila enquanto eu fazia pequenas
ondas com as mãos em concha e molhava sua barriga e seu
pescoço.

- Acho que ela está gostando. - Lauren falou do outro lado, e


Sophie olhou para ela. 

Sempre que Lauren falava ela fazia isso.

- É claro que está. - Clara respondeu, encarando-a como se


estivesse conversando com ela - A água está quentinha, não
é?
Lauren estendeu o dedo e tocou em uma de suas mãozinhas
fechadas. Ela reconheceu o toque e abriu os dedos para logo
em seguida espremê-los contra a ponta do mindinho da mãe.

- Caramba, você é forte!

- Ei, não precisa segurar, a mamãe não vai te afogar. - Clara


falou de bom humor.

- Ah meu Deus, tomara. - Balbuciei, tentando firmar a mão e


ao mesmo tempo não machucá-la.

No final, tudo deu certo. Sophie estava limpa, cheirosa e um


pouco entediada até. Depois de algumas horas com Lauren
tentando entretê-la de alguma forma, ela finalmente se
rendeu e adormeceu.

- Ela é tão calma...

- É...

Estávamos observando-a dormir há mais ou menos quinze


minutos. Havia pombinhas de plástico girando em cima do
berço, presas por cordas finas, e um mosquiteiro (mesmo que
não houvesse mosquitos àquela época do ano -coisas de
Lauren). Uma caixinha de música tocava uma melodia muito
baixa e infantil, e a iluminação fraca do quarto estava quase
me fazendo dormir também.

- E você vai pra sua cama. - Senti dois braços me envolverem


de leve por trás, tomando cuidado para não pressionar minha
barriga.

- O que te faz pensar que eu estou com sono? - Perguntei


distraidamente.
- Você está de olhos fechados. - Lauren respondeu de bom
humor atrás de mim, e me dei conta de que realmente sequer
havia me dado ao trabalho de abri-los.

- Você vai se sentir melhor quando der ao seu corpo o


descanso de que ele está precisando. - Clara concluiu - Ainda
está com dor? Se quiser eu posso ajudá-la no banho.

- Não precisa, eu estou bem. Obrigada pela ajuda, Clara.

O fato é que só na hora do banho eu me dei conta de que


talvez aquela ajuda oferecida viria a calhar bem. 

- Está doendo?

- Está.

- Muito? - Lauren fez cara de dor.

- Um bocado.

- Quer tomar banho na banheira? Você não precisaria ficar de


pé...

- O médico disse que não era aconselhável usar a banheira


até cicatrizar. - Respondi sem prestar muita atenção - Tenho
que me lembrar de tomar banho antes de Emma ir embora.

Lauren fez uma cara de desafio e estufou o peito. - Eu te


ajudo.

- Você vai se molhar toda.

- Esse é o grande argumento pra sua objeção?

Realmente, aquele era um argumento patético. Mas como ela


parecia bastante disposta a me ajudar e, para falar a verdade,
o corte estava me incomodando bastante, aceitei sua ajuda e
a aluguei como apoio para não perder o equilíbrio no box e
me estatelar no chão, abrindo todos os pontos na minha
barriga e sangrando até a morte.

Dormir foi uma tarefa difícil naquela primeira noite. Os órgãos


pareciam soltos dentro da minha barriga. Era uma sensação
estranha. Como se não bastasse, meus ouvidos estavam a
postos, atentos para captar o menor som vindo do outro lado
do corredor, fossem gritos de fome ou uma simples tosse
quase inaudível. Por isso não consegui relaxar e dormir antes
das 2h da manhã.

E nem depois, porque foi exatamente a essa hora que Sophie


acordou, chorando como se estivesse sendo esfaqueada.
Minha condição delicada me impedia de levantar da cama no
escuro e sair correndo ao seu socorro, por isso Lauren teve
que trazê-la até mim. Depois de analisarmos a situação e
chegarmos à conclusão de que não lhe faltava nenhum braço,
concluímos que aquele choro era devido à sua exigência de
um lanchinho da madrugada.

O lugar certo do berço era, esteticamente falando, no quarto


do bebê. Mas na prática a coisa mudava de figura. Até Lauren
acordar, conseguir ficar de pé e ir até o quarto dela sem
tropeçar e quebrar o nariz no chão, se certificando de que não
havia acontecido nada, eu já estaria imaginando minha filha
sendo devorada por uma tarântula gigante ou qualquer coisa
assim. Tempo era uma coisa preciosa quando ela chorava,
porque se ela chorasse, algo estava errado. E se algo estava
errado, eu tinha que consertar o quanto antes.

Por isso, no dia seguinte, o berço de Sophie veio parar no


nosso quarto, ao lado da nossa cama.
Infelizmente, a rotina de sono da nossa filha não parecia ser
compatível com a nossa, o que fazia com que, em plena
madrugada, eu tivesse que ficar acordada tentando niná-la
enquanto ela me encarava com aqueles olhos grandes
acinzentados, não demonstrando sono algum por ter dormido
tudo que podia durante o dia. A coisa piorava quando Lauren
decidida, em um ato de companheirismo, permanecer
acordada comigo enquanto Sophie não me deixasse dormir.
Era pior porque Lauren ficava encarando ela hipnotizada, e
Sophie encarava Lauren de volta cheia de curiosidade. E
enquanto elas estivessem dentro da bolha delas - o que às
vezes, dependendo do meu sono, parecia durar décadas -, eu
não poderia dormir.

Aquelas primeiras semanas passaram, e conforme minha filha


ia ficando mais gorda e saudável, eu me aproximava cada vez
mais da perfeita descrição de um zumbi.1

***

- Você tem certeza que quer aprender isso?

- Claro! - Ela respondeu - Que tipo de mãe não sabe trocar a


fralda da própria filha? 

- Bom, não tem muito mistério... - Comecei, me achando


incrivelmente madura por estar ensinando alguma coisa a
alguém, e enquanto eu demonstrava os passos para uma
perfeita higienização, Sophie contorcia os bracinhos e as
perninhas como um besouro com a casca para baixo. Embora
ela fizesse uma cara de choro igual às vezes que sentia fome,
não se escutava um único som. Tudo que se notava era uma
careta que deixava claro que ela gostaria de ser deixada em
paz.
- Ok, as próximas vezes são minhas. - Ela concluiu, atento a
cada movimento meu.

É claro que todas as próximas vezes não foram dela. A lei


garantia a Lauren uma semana de licença do trabalho, e ela já
estava de volta à ativa havia algum tempo àquela altura.
Eram então as fraldas da noite e - graças a Deus - da
madrugada que ficavam sob a responsabilidade dela.

- E aí eu limpo aqui... - Ela falava com ela mesma enquanto


trocava Sophie. 

- Por que ela só faz careta comigo?

Olhamos para ela, que parecia completamente entretida com


os olhos muito abertos e perfeitamente quieta, o rosto quase
apático.

- Sei lá. Talvez ela goste mais de mim. - Ela respondeu de


bom humor, checando se a fralda não tinha ficado apertada
demais.

- Acho que é uma boa explicação. - Respondi, talvez


disfarçadamente enciumada.

Ela riu, segurando-a com firmeza e trazendo-a para seu colo.

- Minha voz deve distraí-la. - Ela continuou - Eu sempre falei


mais com ela do que você... 

- Por isso ela gosta mais de você?

- Ela não gosta mais de mim.

- Sei...

Ela gostava mais dela. Era a clara e nítida impressão que eu


tinha todas as vezes que as via juntas. Sophie sempre parecia
mais interessada nela do que em mim, e era incrível como
algumas vezes Lauren conseguia fazê-la sossegar até quando
ela estava faminta. 

Ela não precisava ter um peito com leite, só aquela voz


mansa que fazia toda vez que se dirigia a ela. 

Lauren, por sua vez, só tinha olhos para a filha. Sempre que
chegava em casa - o que vinha acontecendo cada vez mais
tarde - a primeira coisa que ela fazia era correr pelos
aposentos em busca dela. Como estávamos frequentemente
juntas, eu era a primeira pessoa que ela via também, mas
sabia que toda aquela euforia e saudade borbulhante não
eram direcionadas a mim.

Eu estaria mentindo se dissesse que não me incomodava um


pouquinho aquela relação delas, porque no fundo me excluía.
Éramos uma equipe de três pessoas onde duas se preferiam
mutuamente, e eu, deixada de fora daquele círculo de amor,
me sentia a criança que não era a melhor amiga de ninguém.
Claro que eu não estava desenvolvendo nenhum transtorno
obsessivo depressivo ou coisa parecida, onde acabaria
assassinando minha própria filha pela atenção da minha
esposa e vice-versa, mas o fato é que eu era sim imatura, e
estava sim me sentindo carente.

- Um mês! - Ela falou com um sorriso de orelha a orelha,


levantando-a do berço e trazendo-a perto do seu rosto - Você
já tem um mês, minha pequena bolinha! É praticamente uma
adulta!1

O primeiro mês de Sophie havia coincidentemente caído num


sábado. Se por acaso isso não tivesse acontecido, eu estava
certa de que Lauren faltaria ao trabalho para passar o dia com
ela.

- Daqui a pouco já vai estar falando! - Ela completou.

- Daqui a pouco já pode dirigir. - Brinquei, mas ela estava


concentrada demais para notar o deboche.

- Uuuuuh, nós vamos festejar! - Ela falou toda animada,


segurando um dos braços dela e fazendo-a dar um mini-soco
no ar. Lauren conseguia ser adorável sem nem se dar conta
disso.

- Vamos? - Perguntei - Vai ter festa?

- Bom... Vai ser uma festa particular. Mas ei, nós temos que
comemorar!

A comemoração consistiu em uma reunião familiar em que o


centro das atenções eram Sophie e seu macacãozinho de lã
rosa, que a embrulhava quase que completamente para
protegê-la do tempo frio de Outubro. Ou seja, foi só um
sábado como todos os outros, exceto pelos cinco brindes de
whisky entre Mike e Lauren.

Ela estava ficando mais gordinha e mais encantadora com o


tempo. Àquela altura já tínhamos feito uma visita ao pediatra,
que atualizou os diagnósticos dos testes do pezinho, do
olhinho, da orelhinha e todos nesse estilo, que determinavam
se nossa filha era tão perfeita quanto parecia. Seu
desenvolvimento, curva de crescimento e estado nutricional
haviam sido avaliados e reavaliados. Tudo estava bem. Ela
era perfeita.
Enquanto isso, eu ficava cada vez mais acabada. Minha
barriga ainda não havia voltado ao normal, e isso, somado ao
corte da cesariana logo abaixo do umbigo, estava fazendo
com que eu me sentisse bem deformada. Meus seios estavam
cheios de leite e doíam pelo peso. Eu tinha a impressão de
que meus cabelos, minha pele e minhas unhas estavam mais
fracas, e minhas olheiras ajudavam a me aproximar
gradualmente da descrição de uma semi-morta caindo aos
pedaços. Talvez eu devesse tomar cuidado ao perambular
pela casa de madrugada, Lauren poderia me confundir com
algum cadáver ambulante.

Aquilo não estava ajudando em nada a manter minha auto


estima. Pensando em como eu poderia me sentir melhor,
lembrei que havia lido em algum lugar que o "papai da mais
nova família," como os livros gostavam de colocar, "tinha um
papel super importante em apoiar, entender e dar amor à
mamãe." Como aquele era um período conturbado, em que
"muitas coisas estariam mexendo com o interior da mulher e
blá blá blá," era importante o diálogo entre o casal, a busca
de um equilíbrio e do bem estar mútuo, e mais algumas
coisas que eu não me lembrava.

- Amor, tudo bem?

Pisquei algumas vezes até encontrar Lauren sentada à minha


frente na cama. 

Sophie estava mamando às 04:30h da manhã.

- Por que está acordada? Já disse pra você parar com isso,
você tem chegado muito tarde e... 

- "E precisa descansar" Eu sei.


- E por que não voltou a dormir?

- Porque eu olhei pro lado e vi vocês aí.

Continuei encarando-a com meu mais novo olhar reprovador


de mãe.

- Ei, você não pode me culpar por gostar de ficar assistindo


vocês duas.

Aquela havia sido a primeira vez que Lauren se referia não só


a Sophie, mas a mim também. E isso me pegou tão
desprevenida, principalmente quando meus pensamentos
estavam vagando pelos limites da minha carência, que eu não
consegui segurar o sorriso.

- Nós duas? - Perguntei, esperando uma confirmação.

- É... - Ela respondeu, provavelmente não entendendo o


motivo da minha dúvida - É difícil querer voltar a dormir
depois de uma cena dessas.

Corei. Mesmo que eu soubesse que a cena a que Lauren


estava se referindo consistia em Sophie mamando e eu fosse
só um peito com leite naquele processo, era bom ouvi-la me
incluir na equação. É claro que o centro das atenções dela era
ela, e ainda haveria de ser provavelmente pelo resto da vida,
mas receber um pouquinho de consideração naquele
momento foi bom.
Foi bom porque eu sentia falta dela, e porque, mesmo como
mãe, eu tinha inseguranças que melhoravam com um simples
ato de atenção. Não que eu quisesse a mesma atenção que
ela dava (e deveria dar mesmo) à nossa filha - obviamente -,
mas só um pouco dela.

O mínimo necessário.

- Nós estaremos aqui quando você acordar. - Respondi com


um novo humor, me permitindo incluir a mim mesma na
sentença - Durma.

Ela sorriu um daqueles sorrisos simples, calmos.

- Espero que estejam. - Lauren concluiu, chegando mais perto


de mim e beijando o meu ombro - Eu dependo disso.

***

- Amor, eu tenho uma notícia. - Lauren proclamou meio


desanimada ao entrar pela porta.

Continuei encarando-a com uma expressão neutra, talvez


pensando se deveria me preocupar com o fato da tal "notícia"
possivelmente ser tão importante que precisava ser
anunciada.
- Está tudo bem? - Falei de repente, cansada de esperá-la tirar
o vestido, e colocar uma roupa mais confortável.

- Mais ou menos... Temos alguns probleminhas na empresa,


e...

Respirei fundo. Eu sabia da competência de Michael para não


deixar nada de grave acontecer à sua empresa, e mesmo que
esse não fosse o caso, era bom saber que os probleminhas
em questão eram relacionados ao trabalho, e não à vida
pessoal de Lauren.

- ... e aí o pessoal vai ter que fazer uma viagem...

- Viagem? - Voltei a prestar atenção.

- É, mas é só por uma semana, depois nós voltamos...

- Você vai? - Perguntei, um pouco surpresa.

Ela me encarou confusa.

- É, eu vou... Você estava me escutando?

- Mais ou menos... - Admiti - Você vai viajar por uma semana?

- Sim. Nós vamos pra Bristol, e depois pra Liverpool.


Pensei por algum tempo.

- Quem vai? Só você?

- Não, eu e mais algumas pessoas.

Me perguntei se havia alguma mulher dentre aquelas


"algumas pessoas."Poderia haver mais de uma, inclusive. Eu
deveria estar pensando naquilo? Aquilo deveria estar me
incomodando?

- Mike vai? - Perguntei, tentando soar normal.

- Vai.

Ótimo. O pai dela iria. Ela não ousaria fazer alguma besteira
com o pai lá. Ela não ousaria fazer alguma besteira de forma
alguma, certo?

Como continuei calada, ela prosseguiu.

- E nós vamos amanhã...

- Amanhã? - Perguntei surpresa.


- É... O vôo é de manhã, às 9h... Mas nós voltamos em uma
semana, eu juro. E minha mãe vai estar aqui o tempo todo...

Eu sabia que Clara me ajudaria, mas não queria que Lauren


se afastasse. Por algum motivo eu gostaria muito que ela não
saísse do meu lado.

- Eu sei que vai ser ruim... - Ela continuou, quase fazendo


beicinho - Eu também não sei como vou conseguir passar
uma semana longe de vocês agora...

"Nós." "Longe de nós."

Aquela era a segunda vez que ela me incluía nas suas


demonstrações de amor, e eu estava começando a me
sensibilizar com isso. Por mais que a falta da qual ela falava
fosse obviamente muito mais direcionada a Sophie do que a
mim.

- Bom... - Comecei, já meio derrotada - Você pode aproveitar


o resto de hoje.

Sim, aquilo foi uma tentativa de flerte, mas como eu havia


imaginado, Lauren não reparou. Provavelmente a anormal
naquela história era eu, já que todos os livros que eu havia
lido sobre gravidez me informavam que, logo após o parto,
era normal as atenções estarem voltadas totalmente para o
bebê, e que a mulher particularmente não teria nenhum
interesse em sexo. Só que, bom, eu estava começando a ter.
Então isso provavelmente fazia de mim uma mãe horrível,
que ao invés de prestar atenção somente à filha começava a
traçar planos de sedução para poder aplicá-los na esposa.

Será que Lauren já tinha reparado no fim da quarentena? Será


que ela tinha reparado que àquela altura nós já poderíamos
ter retomado as relações há mais ou menos duas semanas?

Não importava. O importante - e um pouquinho frustrante -


era que ela havia tomado o meu "aproveite a noite" como
uma indicação de que deveria passar mais tempo com
Sophie. Em parte, eu concordava. Sabia que ela sentiria
saudades dela, e achava mesmo que ela tinha que aproveitar
enquanto estivesse por perto.

- Você está se tornando boa em fazê-la dormir. - Falei.

- Eu sei. - Ela brincou, colocando-a no berço com cuidado, mas


não sem antes trazê-la até perto do seu rosto e dar um beijo
apaixonado em uma das bochechas rosas dela.

Meu coração derreteu como calda quente, me fazendo


suspirar.

- Vocês ficam lindas juntas... - Soltei sem me dar conta disso,


e ela simplesmente sorriu de maneira inocente. Era a mais
pura verdade: Eu poderia sentar ali e ficar assistindo as duas
sendo fofas uma com a outra para sempre. Mas o fato era
que, intimamente, eu queria um pouquinho de atenção
também.

- Aaah, não quero ir! - Ela disse de repente, apoiando o queixo


no berço enquanto deixava Sophie espremer a ponta do seu
dedo mindinho entre os dedinhos inconscientemente.

- Eu também não quero que você vá... - Comecei,


aproximando-me dela e mexendo nos fios do seu cabelo.
Havia tanto tempo que eu não tocava nela daquela forma - na
verdade, de forma alguma -, que por um momento senti a
pele dos meus braços ficar ligeiramente arrepiada. Quando a
encarei, notei que seus olhos piscavam devagar conforme o
movimento que meus dedos faziam. Ela estava quase
dormindo.

Parei instantaneamente.

- Eu vou tomar um banho... - Falei, tentando acordá-la.

- Hmmm, ok. - Ela respondeu, já bocejando.

Antes que Lauren desse um fim a qualquer iminente tentativa


minha, me apressei em dizer:- Nós poderíamos aproveitar
enquanto ela está dormindo... Ver um filme ou algo assim...
Sabe, passar algum tempo juntas já que você vai viajar
amanhã...
Eu não precisava me explicar tanto. Sempre que fazia isso
acabava parecendo um pouco boba, mas eu não queria que
ela pensasse que eu era uma idiota que estava disputando a
atenção dela com a nossa própria filha. Isso seria deprimente.

- Ah... - Lauren começou se espreguiçando, e me perguntei se


ela tinha entendido o que exatamente eu tinha sugerido -
Claro. Eu te espero aqui.

Depois de dizer isso, ela me beijou com muita delicadeza e se


deitou na cama, ligando a tv. Bom, aquilo não parecia muito
com uma Lauren "cheia de vontade" como eu me lembrava,
mas tudo bem. Talvez se eu deixasse que nossas vontades
nos levassem, poderíamos ter uma noite interessante sem ser
previamente não fosse nada selvagem, mas eu só queria ficar
um pouco nos braços dela mesmo, por mais exageradamente
romântico que isso soasse.

Entrei no banho e me ensaboei duas vezes, querendo que o


perfume do sabonete cobrisse cada poro meu. Lavei o cabelo
com o shampoo e condicionador mais cheirosos que estavam
ali, e depois de finalmente vestir uma camisa social vermelha
dela - porque eu não tinha camisola, nunca tive -, saí do
banheiro confiante.

Unicamente para dar de cara com Lauren dormindo na cama


enquanto um programa de animais passava na tv.
Suspirei profunda e lentamente. Aquilo me deixou
desanimada, mas eu entendia. Sabia que ultimamente ela
andava trabalhando o dobro do que sempre trabalhou, e
talvez fosse menos egoísta da minha parte deixá-la
descansar.

Sem muito o que fazer, desliguei a tv, chequei Sophie no


berço e me deitei para dormir também.

***

Eu não sabia se aquilo era possível, mas achava que Sophie


estava com saudade de Lauren. Não tinha como definir uma
coisa dessas, mas eu tinha a impressão de que ela andava
não só entediada como também mais mal humorada.

- Mas ela está bem? - Ela perguntou pela quinta vez.


Estávamos falando no telefone havia quarenta minutos, dos
quais trinta e cinco foram focados nela.

- Já disse que sim. Só acho que ela está cansando da minha


cara. Hoje ela chorou quando eu troquei a fralda...

- Mas ela nunca gosta quando você troca.

- Eu sei que não! - Respondi um pouco irritada - Mas ela


nunca chorou. Hoje foi a primeira vez...
- Ela tem dormido direito?

- Sim... Ela só demora um pouco pra voltar a dormir depois


que acorda...

Ela suspirou do outro lado da linha.

- Se for possível voltar antes, eu volto.

Eu não sei por que, mas a impressão que eu tinha era de que
Lauren estava dando a entender que eu não sabia tomar
conta da nossa filha sem ela.

- Não precisa. - Respondi meio seca.

- Mas ela está sentindo a minha falta...

- Mas ela consegue viver sete dias sem você.

Ela não respondeu, e conforme os segundos de silêncio


passavam eu me dava conta de que havia sido rude. Não só
isso, como também injusta, tanto com Lauren quanto com
Sophie. Elas gostavam da companhia uma da outra, e eu não
tinha o direito de dizer nada para impedir que elas matassem
as saudades.
- Certo... - Ela pigarreou - Você deve estar cansada, eu ligo
amanhã. Dê um beijo nela por mim.

- Me desculpa...

- Tudo bem. Eu tenho que ir agora. Um beijo.

E desligou.

Ótimo. Perfeito. Lauren provavelmente me achava uma mãe


possessiva que queria mantê-la longe da nossa filha para que
eu pudesse ficar com ela. Ou então, que Sophie fosse a única
pessoa ali que estivesse sentindo a falta dela. Talvez ela
achasse as duas coisas, e as duas coisas não poderiam estar
mais longe da verdade.

No dia seguinte, ao ligar outra vez, ela não pareceu abalada.


Fez as mesmas perguntas padrão e me contou um pouco do
que sua equipe estava fazendo lá, sempre em um tom
bastante casual. Quando tentei pedir desculpas outra vez pela
minha atitude infantil do dia anterior, fui impedida de me
explicar, ouvindo dela que estava tudo bem.

E foi assim até o último dia da sua viagem.

- Eu devo chegar amanhã por volta das 21h.


- Você quer que a gente vá pegar você no aeroporto?

- Nem pensar! Está muito frio na rua. Não se preocupe, eu vou


correndo pra casa assim que pousar em Londres.

- Tudo bem... - Respondi, sentindo corar aos poucos - Estou


com saudades...

Ela suspirou do outro lado da linha.

- Também estou camz... Mas é só até amanhã.

Eu sabia. Era só até o dia seguinte, mas aquela semana sem


ela havia despertado um lado bastante passional em mim. Se
já era difícil dormir direito de noite, porque Sophie sempre
acabava me acordando, a tarefa se tornava impossível sem
Lauren ao meu lado. Eu já tinha me acostumado com a
presença dela, já havia me acostumado a dormir com o corpo
dela perto do meu. O vazio do outro lado daquele colchão
enorme me dava uma sensação de solidão esmagadora, e
talvez minha saudade estivesse mais corrosiva porque eu
ainda me sentia culpada pelas palavras rudes que havia dito a
ela.

Assim, no dia seguinte, contando as horas para revê-la, dei


um banho caprichado em Sophie, alimentei-a e fiquei
brincando um pouco com ela no meio da cama. Ela fazia uns
barulhinhos engraçados com a boca, e eu acho que aquilo me
hipnotizava, porque eu não vi as horas passarem. De repente,
depois de sabe-se lá quanto tempo, ouvi um barulho de carro
na frente da casa.

Um minuto depois - o que era um recorde, dado o tamanho


daquele lugar -, o maior urso de pelúcia branco que eu já
havia visto na vida entrou pela porta com Lauren agarrado à
suas costas.

- Voltei!

Ela deu a volta, deixando o urso ao pé da cama e indo para


perto de Sophie. Ela sempre parecia um besourinho com a
casca para baixo, balançando lentamente os braços e as
pernas enquanto continuava soltando pequenos estalos com a
língua.

- Você sabe como foi difícil ficar longe de você pequena


bolinha? Sabe? - Ela perguntou enquanto beijava sua barriga.
Seus bracinhos abraçaram a cabeça dela como se ela fosse
um travesseiro - Que saudade de você!

Os olhos dela continuavam arregalados, como se dormir fosse


a última coisa que ela quisesse fazer. Sophie e Lauren
continuaram "conversando" animadamente, onde ela
perguntava uma coisa e ela respondida com um estalinho
baixo da língua. Elas ficaram naquilo por mais ou menos um
minuto, e eu fiquei ali assistindo toda aquela fofura sem falar
nada.

- Ei, o urso é seu! - Ela disse de repente, se pondo de pé e


agarrando a pelúcia esquecida perto da cama - Embora eu
ache que você precise crescer um pouquinho pra brincar com
ele.

Ela colocou o urso ao lado de Sophie no colchão. Ela devia ser


do tamanho de uma das pernas do bicho.

- E isso é pra você. - Ela falou, voltando a sentar no colchão e


chegando perto de mim pela primeira vez. No momento
seguinte, Lauren segurava uma caixa de jóia nas mãos, e eu
já estava pronta para agredi-la fisicamente. Mas quando ela a
abriu, me mostrando o que havia dentro, não consegui conter
a admiração. - A pedra é um citrino.

Era um cordão de couro, diferente das jóias absurdamente


caras que ela costumava me dar. Do meio pendia um
pingente em forma de coração, com entalhes dourados muito
delicados nas bordas. A pedra brilhante era amarela.

- Acho que vai ficar bem em você. Gostou? - Ela perguntou.

- É... Lindo! - Respondi, já colocando-o no pescoço -


Obrigada...
Ela me interrompeu, me puxando para os seus braços com
um pouco de força e me beijando como há muito tempo não
fazia. Não ofereci resistência, surpresa demais pela sua
atitude.

- Senti sua falta também. Já disse que não consigo dormir sem
você? - Ela falou, ainda muito próximo à minha boca. Meus
olhos ainda estavam fechados.

- Então garanta suas noites de sono e não saia mais do meu


lado. - Respondi, beijando-a de leve outra vez. Ela riu.

- Se dependesse de mim eu não tinha ido. Foram sete dias


infernais. Por mais que consigam viver sem mim durante esse
tempo, eu não consigo viver sem algumas pessoas...

Ela piscou e sorriu para mim, mas por mais que parecesse
uma brincadeira eu estava convencida de que Lauren tinha
ficado chateada com as minhas palavras. O simples fato de
lembrar delas já provava isso.

- Eu só disse aquilo porque parecia...

- Já passou, deixa isso...

- Parecia que você estava insinuando que eu não conseguia


cuidar dela tão bem quanto você. - Continuei me explicando,
como se ela não tivesse me interrompido.

Lauren arregalou os olhos.

- Eu jamais insinuaria isso! É uma coisa idiota de se pensar...

- Não, não é. - Concluí meio triste - Você é muito melhor nisso


do que eu. Você sabe lidar com ela. Ela gosta mais de você...

Ela segurou meu rosto de uma maneira firme nas mãos, me


forçando a encará-la e parar de falar.

- Não seja boba. Você sabe lidar com ela melhor do que
ninguém. E ela não gosta mais de mim.

- Qual é, Lo. Você sabe que isso é verdade. Eu não estou


reclamando...

- Você tem uma visão muito deturpada das coisas. Talvez não
note como ela fica quieta quando você brinca com o cabelo
dela, ou como ela olha pra você quando está mamando, ou
como ela gosta de sentir o cheiro da sua pele.

Fiquei calada por um momento, talvez pensando se o que ela


dizia poderia ser verdade.
- De onde você tirou isso...

- Eu vejo o que você não vê. - Ela concluiu - Se ela procura em


mim alguém que a divirta, ela busca em você alguém que a
acalme. Não quer dizer que ela goste mais de mim. Quer dizer
que temos papéis diferentes na vida dela.

De onde ela tinha tirado aquilo? De algum livro de auto-ajuda?

E por que ela tinha conseguido me convencer?

- Você é uma mãe excelente. - Ela concluiu - Não deixe que


sua insegurança a convença do contrário.

Eu estava quase me debulhando em lágrimas e pulando no


colo dela por simplesmente confiar em mim daquela forma,
mas foi nesse momento que notei o urso gigante caindo de
barriga no colchão, consequentemente soterrando a minha
filha.

- Ai, meu Deus!

Tirei a pelúcia de cima dela, encontrando-a se debatendo e


contorcendo as perninhas e os bracinhos desesperadamente.
Oh, sim, eu era uma excelente mãe. Uma mãe que deixava a
própria filha ser esmagada por um urso de pelúcia assassino.
- Oh, ela se assustou! - Lauren disse, não conseguindo
segurar o riso.

Sophie soltou um choro fraco, manhoso, como se estivesse


realmente magoada com quem tivesse permitido que aquela
tragédia tivesse acontecido. Peguei-a no colo e a abracei,
silenciosamente pedindo desculpas pela falta de atenção.
Chequei se ela tinha se machucado, o que obviamente não
tinha acontecido, e a beijei até fazê-la parar de chorar.

- Esse bicho vai ficar longe dela até que ela consiga sair
debaixo dele sozinha se precisar! - Falei meio nervosa, o que
fez com que Lauren risse ainda mais da minha cara.

- Sim senhora. - Ela respondeu, prestando continência.

Naquela noite Lauren ficou com Sophie até dormir. Isso se


repetiu o resto da semana, e eu achava justo deixá-las se
curtirem depois de tanto tempo afastadas, ainda mais porque
ainda me sentia mal pelo que havia dito a ela. É claro que
aquilo significava que eu havia sido momentaneamente
deixada de lado, o que, como consequência, aflorou minha
carência e uma vontade abdicada por um bom tempo.

Mas talvez já estivesse na hora de lembrar Lauren que eu era


a mulher dela.
- Estava procurando você. - Ela falou ao entrar na sala de
vídeo enquanto tirava o casaco do avesso para vesti-lo da
maneira certa. Eu estava esperando-a sair do banho havia
alguns minutos, largada no sofá e assistindo qualquer coisa
na tv.

Eu havia vestido a camisa social vermelha que um dia tinha


sido dela. Foi proposital, eu sabia que Lauren gostava de me
ver com ela.

- Você parece cansada. - Falei, abrindo os braços para ela


enquanto tentava parecer sexy. Obviamente fracassei.

- Por quê? Estou assim tão acabada? - Ela riu, ignorando meu
abraço oferecido e sentando no sofá, já me puxando para o
seu colo. Tirei o casaco das mãos dela e o joguei longe. Ela
não precisava se vestir, por mais fria que a noite estivesse.

- Você nunca está acabada. - Deixei um beijo suave nos lábios


dela, pensando em como abordar aquele assunto - Estou com
saudade.

Ela sorriu de maneira simples e me encarou por um momento


antes de retribuir o beijo, dessa vez sendo um pouco mais
intenso. Sua mão encaixou no meu pescoço, e me lembrei
como eu adorava quando aquilo acontecia.
- Eu também estou com saudade... - Lauren parou por um
momento, mordendo meu lábio inferior e me apertando
contra si - Muita saudade...

Beijei-a outra vez, agora com força, lembrando de como


aquilo era bom. Ela parecia se lembrar da mesma coisa,
porque fez questão de aprofundar o beijo enquanto me
prendia nos braços. Àquela altura eu duvidava que mais
alguma coisa precisasse ser dita para fazê-la entender quais
eram os meus planos.

Agarrei seus cabelos, quase sentindo saudades de fazer isso.


Suas mãos passearam por cima do pano da camisa que eu
vestia, no início apertando minha cintura com gentileza,
depois se tornando um aperto um pouco mais agressivo.

Puxei-a mais para mim e ela entendeu. Sem muito esforço,


Lauren me levantou um pouco e me fez deitar no sofá, se
deitando em cima de mim enquanto beijava e lambia meu
pescoço. Meu corpo todo começou a pegar fogo, como se
implorasse pelo toque dela. Quando suas mãos começaram a
subir vagarosamente pela minha perna, fazendo cada
centímetro da minha pele se arrepiar, ouvi um choro agudo e
baixinho vindo do lado de fora.

Lauren soltou um gemido de lamento perto do meu ouvido, e


embora aquilo não tivesse sido para me excitar, me excitou.
- Ela deve estar com fome... - Falei ofegante contra sua boca,
enquanto ainda enrolava inconscientemente os dedos nos
seus cabelos.

- É... - Ela falou em uma voz triste.

- Eu vou lá... Você...

- Eu espero. - Ela concluiu, beijando meu pescoço em um


ponto muito sensível, ao mesmo tempo que forçava seu corpo
contra o meu, me mostrando o quão "animada" ela estava.

- Eu não vou demorar...

Beijei-a como uma breve despedida, mas não consegui


desgrudar nossos lábios. Ela também não se esforçou para
isso, e quando estávamos quase nos apertando a ponto de
virar agressão, o choro se tornou ainda mais agudo.

- Aff... Eu tenho... Que ir...


Ela respirou profundamente e saiu de cima de mim.

Me levantei um pouco zonza, mas fingindo ter controle sobre


mim mesma. Encarei-a com cara de choro e, silenciosamente,
implorei para que ela me esperasse mesmo. Mas sua ereção
evidente me dizia que ela estava disposta a se manter
acordada.

- Vai...

E eu fui. Cheguei no quarto e encontrei Sophie se debatendo


e se esgoelando. O típico choro de fome. Peguei-a no colo e
sentei na cama, fazendo-a abaixar um pouco o volume dos
berros. Provavelmente ela já sabia que aquele procedimento
antecedia o leite. Quando ela alcançou meu peito, começou a
mamar como uma faminta desesperada, da forma que
sempre fazia.

- Como é que consegue caber tanto leite dentro de você? -


Perguntei baixinho, passando os dedos pela cabecinha dela.
Sophie continou compenetrada na sucção, os olhos
arregalados e fixos nos meus.

Minha pergunta foi respondida depois de vinte minutos,


tempo necessário para que ela terminasse de jantar. Ao
posicioná-la no colo para fazê-la descansar da mamada ou
arrotar, colocando sua cabeça por cima do meu ombro, acabei
sendo completamente vomitada. Havia leite não só no meu
ombro, como também nos meus cabelos, pescoço e braços.

- Não cabe tanto leite dentro de você. - Respondi a mim


mesma em voz alta. Alcancei um pano limpo rapidamente e
sequei a boca dela, tentando fazê-la se sentir melhor.

Mas ela parecia calma como se só estivesse esperando o


tempo passar.

- Viu só o que acontece com bebês gulosos?

Estendi uma toalha na cama e depositei minha filha em cima


dela. Troquei suas roupinhas, descartando as sujas e
deixando-a limpa outra vez. Ela já estava quase dormindo, e
me perguntei se havia sobrado algum leite dentro dela. Pela
quantidade que estava na minha roupa, não.

E nesse momento Lauren chegou no quarto.

- Uau... Você apertou a barriga dela? - Ela perguntou,


parecendo se divertir.
- Ela come mais do que pode... - Respondi.

Ela a pegou no colo e a ajustou nos braços, colocando-a


deitada ali, e começou a niná-la.

Quase que instantaneamente Sophie dormiu.

- Eu sou mesmo boa...

- Claro. - Respondi debochada, assistindo-a levá-la até o berço


e deixando-a lá.

Ela me encarou outra vez.

- É... - Comecei, tentando ver o meu próprio estado.


Resumindo, eu estava toda vomitada e cheirando a leite
azedo.

- É. - Ela pontuou.
- Eu acho que seria bom me limpar...

- É, acho que sim.

Ficamos em silêncio por um momento.

- Então eu vou tomar um banho...

- Ok.

- Vai ser um banho rápido. - Frisei.

- Vou estar aqui.

Ela se deitou na cama, encostando a cabeça nos travesseiros,


e eu sabia que aquilo não ia dar certo.

- Não durma. - Pedi, pegando a primeira peça de roupa limpa


dobrada em uma pilha em cima da poltrona.

- Ok. - Ela riu, colocando as mãos atrás da cabeça em posição


de espera.

Corri para o banheiro e tomei um banho rápido, como


prometido, mas ainda assim caprichado. Me esfreguei com o
sabonete de camomila e usei meu shampoo habitual, fazendo
bastante espuma para tirar qualquer resquício de leite dali.
Me sequei sem muito cuidado e vesti a única peça de roupa
que havia trazido comigo:
Um moletom com zíper verde escuro de Lauren, três vezes
maior que eu.

Me penteei rapidamente e passei meu creme de amêndoas


nos ombros e no peito, querendo deixá-la mais excitada
mesmo. Estava pronta para ter a minha "primeira noite" com
ela outra vez, o que, depois de algum tempo de abstinência,
estava me deixando bobamente ansiosa.

Deixei o casaco um pouco aberto, propositalmente caído em


um dos ombros - minha ridícula tentativa de ser sexy -, e
depois de dar uma última olhada no espelho (me certificando
de que todos os defeitos que deveriam ficar escondidos
estavam escondidos e que o que poderia ser mostrado estava
à mostra), saí confiante do banheiro. Mas ao entrar no quarto
mergulhei em um ambiente escuro e silencioso. Só consegui
ver a silhueta de Lauren esparramada na cama. As luzes
estavam apagadas, enquanto ela e Sophie dormiam tão
profundamente quanto mortos.

Puta merda..

Suspirei, não conseguindo conter a tristeza.


Eu poderia acordá-la a socos e exigir que ela cumprisse com
seus deveres de esposa.

Também poderia acordá-la com beijos e já deixá-la "pronta"


para a nossa noite. Mas eu não faria isso. Sabia o quanto ela
vinha trabalhando, e por mais que achasse que Lauren
deveria sentir até mesmo mais falta de sexo do que eu, eu
não seria desagradável a ponto de interromper seu descanso
de um dia trabalhoso para saciar minha vontade.

Me arrastei desanimada de volta ao banheiro, pegando um


elástico qualquer e prendendo os cabelos em um rabo-de-
cavalo mal feito. Subi o zíper para proteger minha pele ainda
úmida do frio do quarto, vesti uma calcinha confortável e dei
uma última checada em Sophie, como fazia todas as noites.

Por fim, escalei a cama enorme e me deitei derrotada, virando


de lado e esperando que o sono chegasse.

- Ficou com sono de repente? - Ouvi sua voz ao pé do meu


ouvido no escuro e pulei de surpresa. Seu braço deu a volta
pela minha cintura e seu corpo se moldou às minhas costas.
Ela beijou e mordeu minha orelha com pouca força, e isso fez
com que meu corpo todo tremesse.

- Eu pensei que você estivesse dormindo... - Falei, tentando


disfarçar o tremor na voz.
- Eu disse que não ia dormir. - Sua mão alisou minha coxa e
subiu para minha barriga por dentro do casaco. Respirei
fundo.

- Mas eu pensei...

- Acho que vou ter que te acordar de novo. - Ela falou com
uma voz estupidamente sexy, e no mesmo segundo sua mão
que antes brincava na minha barriga foi parar dentro da
minha calcinha.

- Não precisa... - Me esfreguei contra o corpo dela como uma


minhoca - Já estou bem acordada.

Lauren ficou brincando com os dedos em minha boceta como


se tivesse um piano entre as minhas pernas. Eu já estava
ofegando tanto e tão alto que me perguntei se aquele som
não acordaria Sophie, que dormia tranquilamente no berço ao
nosso lado. Ela arrancou minha calcinha de qualquer jeito e se
inclinou um pouco sobre mim, alcançando a gaveta do criado
mudo ao meu lado e tirando de lá um preservativo e um tubo
de lubrificante.
- Você tem camisinha? - Perguntei surpresa, olhando para ela.

- Tenho.

- Você disse que não tinha...

- Eu disse isso quando eu realmente não tinha.

- E por que agora você tem?

Ela me encarou parecendo se divertir com a minha pergunta.

- Você já quer engravidar de novo?

Parei pra raciocinar um pouco, chegando à brilhante


conclusão de que ela estava certa.

- Você tem que voltar a tomar os anticoncepcionais, porque


eu não consigo te comer direito com essa porra dessa
borracha.
1

Era verdade, transar com e sem camisinha eram sensações


bastante diferentes. Mas o fato era que eu tinha que procurar
um anticoncepcional que não afetasse a amamentação e que
conseguisse se adaptar bem ao meu corpo, então aquela
tarefa ficaria para depois. Por hora, mesmo que não fosse o
ideal, preservativos estavam de bom tamanho para apagar o
meu fogo.
1

E o meu fogo estava começando a queimar de verdade.

Me virei de frente para ela e pulei em seu colo, arrancando


com as unhas suas calças de qualquer jeito. Lauren me
agarrou pela cintura e se sentou, colando seus lábios nos
meus enquanto forçava meu corpo contra o dela em um
movimento de ondas. Ela estava dura como uma pedra,
graças a Deus.

Agarrei seu membro com as duas mãos e fiz os movimentos


certos, lembrando de como era bom tocá-la daquela forma.
Ela encostou sua testa na minha e ficou imóvel por algum
tempo, talvez lembrando como meu toque era bom também.
Depois de algum tempo suas mãos alcançaram a embalagem
do preservativo esquecido ao nosso lado e a abriu de uma
vez. Tomei-o das mãos dela e enrolei a borracha por toda a
extensão do seu membro, tomando cuidado em vesti-la da
maneira certa.

Por mais excitada que estivesse, minha lubrificação não


estava normal. Segundo o médico, isso estava relacionado à
diminuição nos níveis de estrogênio, que consequentemente
diminuíam a irrigação sanguínea na vagina... Ou algo assim.
De qualquer maneira, Lauren se lembrava melhor do que eu
dessa explicação, e por isso já tinha se adiantado e deixado a
postos o lubrificante para facilitar a coisa toda.

- Não! - Falei em um tom baixo perto do seu ouvido assim que


ela se virou para acender a luz do criado mudo.

- Por quê? Eu quero te ver...

- Sophie está dormindo... A claridade vai incomodar...

Era mentira. Não era por medo de incomodá-la que eu queria


as luzes apagadas - até mesmo porque  dormiria
tranquilamente até com o sol na cara dela -, mas sim porque
eu não queria que ela me visse. Meu corpo ainda estava
muito estranho, meio desproporcional e com manchas e
cicatrizes. Podia ser bobeira, mas eu me sentiria mais à
vontade daquela forma. Minha auto-estima não estava tão
sólida àquela altura.
Ela aceitou meu pedido, embora ainda um pouco contrariada.
Esperei seus dedos mágicos passarem todo aquele líquido em
mim e, depois, lambuzar seu próprio membro já vestido.

- Talvez eu te machuque. - Ela começou contra a minha boca.

- Não vai machucar... - Respondi, já me levantando um pouco


no seu colo e pegando seu pau em uma das mãos para
posicioná-lo na minha entrada.

- Mas se machucar...

Interrompi sua frase sentando de uma só vez nela. Era


verdade que tinha doído um pouco, mas era uma dor
absolutamente suportável, quase possível de ser ignorada.
Talvez porque eu estivesse mais concentrada no gemido
baixo que saiu da boca dela assim que a senti me invadir
completamente.
Me movimentei devagar no seu colo, tomando um certo
cuidado para não fazer barulho, por mais que tivesse certeza
que Sophie não acordaria. Lauren fechou seus braços ao redor
da minha cintura com força, reforçando os movimentos
suaves que eu tentava fazer. Como de costume, agarrei seus
cabelos e procurei a boca dela no escuro, encontrando-a e a
atacando sem o menor pudor.

Meu Deus, como era bom estar com ela outra vez...

- Deixa que eu faço isso. - Ouvi-a dizer de repente, me


levantando sem esforço e me virando até fazer com que eu
estivesse deitada de costas na cama. Quando ela se colocou
entre as minhas pernas e me penetrou outra vez, eu acho que
vi estrelas. Senti o zíper do casaco que eu vestia descer um
pouco e deixar meu peito exposto, mas o frio momentâneo
durou muito pouco - A boca dela já estava ali, cobrindo e
molhando com muita delicadeza um dos meus seios. Agarrei
seus cabelos com ainda mais força, me concentrando em não
gemer alto, mas voltei à realidade quando ouvi um riso baixo.

- Que foi? - Perguntei, ainda sem ar.

Ela demorou um pouco a responder, ainda brincando com a


língua naquela região.

- Eu tinha esquecido que agora sai leite.


- Merda - Tentei puxar o casaco para limpar o líquido - Eu
tinha que fazer a ordenha manual antes da gente...

- Não... Não tem problema. - Ela segurou minhas mãos e


afastou o casaco. Quando meu peito estava livre de novo, ela
abocanhou o mesmo seio outra vez e começou a chupar,
como se aquilo fosse uma coisa completamente normal. E
então um pensamento muito esquisito começou a pipocar na
minha cabeça.

- Você está...

- Mamando. Estou.

- Ai, meu Deus...

Tentei soltar minhas mãos do aperto dela, mas Lauren era


bem mais forte do que eu.

- Que foi?

- Isso é... Errado... De muitas formas... - Respondi, tentando


não ofegar.

- Não é bom?
- É errado principalmente porque é bom!

Ela riu enquanto passava a língua no bico de forma


provocante, e meus olhos reviraram.

- Eu tenho certeza que você consegue separar as coisas. - Ela


concluiu.

É óbvio que quando a nossa filha mamava era uma sensação


completamente diferente de quando Lauren fazia aquilo. Mas
era estranho porque, na prática, era a mesmíssima coisa. Eu
poderia acabar psicologicamente fodida, relacionando uma
sensação à outra e deturpando questões de moralidade e
tudo mais. Já havia lido relatos de mães que pararam de
amamentar por não conseguirem estabelecer as diferenças
necessárias entre o papel do seio na amamentação e na
relação sexual, e já tinha lido também relatos de pais que se
recusavam a tocar na esposa daquela maneira. Lauren
aparentemente não via problema algum naquilo, e se eu fosse
levar em consideração a forma como ela parecia disposta a
não parar o que estava fazendo, eu diria que o problema era
só comigo mesmo.

Para tirar a minha atenção dali, ela resolveu voltar a se mexer


dentro de mim de um jeito muito bom. Devia ser todo aquele
tempo sem uma boa transa, mas o fato era que eu estava
achando cada toque muito, muito melhor do que costumava
ser. Talvez a gravidez tivesse me deixado mais sensível, ou
talvez ela simplesmente tivesse ficado ainda melhor naquilo
mesmo.

Lauren se ajoelhou na cama entre as minhas pernas e


segurou minha cintura com força, me fazendo ficar imóvel no
colchão enquanto metia em mim com vontade. Agarrei um
travesseiro próximo e o enfiei quase todo dentro da boca,
tentando conter os gemidos que saíam cada vez que o pau
dela voltava para dentro de mim. Era impossível controlar.

Os movimentos se mantiveram assim por algum tempo. Ela


devia estar cansada, mas eu não estava prestando atenção.
Fechei os olhos e me concentrei na sensação do encaixe dos
nossos corpos. Era perfeito demais.

Mesmo no escuro, pude ver a forma como o corpo dela se


contorcia. Ela não precisava anunciar, eu sabia que estava
perto de ter um orgasmo. Como eu também estava quase
explodindo, tentei fazer com que nós duas gozássemos
juntas, mas não consegui e fui primeiro. Ela me seguiu
tentando estrangular o grito também, o que, no meu caso, só
foi possível porque eu quase havia engolido o travesseiro.

- Merda... - Ela sussurrou sem nem terminar de gozar - Merda,


eu... Odeio... Essa... Borracha...!
Esperei até que ela proferisse outros palavrões e xingamentos
contra o preservativo, mas Lauren se calou. Depois de algum
tempo retomando a respiração, ela finalmente deitou em
cima de mim e permaneceu um pouco ali, cansada e suada,
mesmo com o frio que fazia naquela noite.

- É sério... - Ela começou perto do meu ouvido, ficando calada


por alguns segundos como se estivesse com preguiça de
terminar a frase - Da próxima vez eu vou gozar fora. Não uso
essa merda de novo nunca mais.

Sorri. Não me importava o que ela dizia: Eu estava bem


demais para prestar atenção. Afaguei seus cabelos como de
costume, talvez agradecendo em silêncio por ela me fazer tão
bem.

Lauren parecia estar aproveitando o momento assim como


eu, e foi depois de muito tempo que ele voltou a falar:

- Senti sua falta.


Eu tinha certeza de que ela já estava dormindo, por isso me
assustei. Demorei um pouco a responder.

- Mesmo?

- Claro. Eu sempre sinto.

- Então por que não me procurou?

Ela apoiou o queixo no meu peito para me olhar.

- Porque eu estava respeitando o seu espaço.

Encarei-a de volta meio confusa.

- Que espaço?

- Eu sei que tem todo esse lance de se adaptar depois do


parto, que vocês só se ligam no bebê, e eu não queria te
pressionar... Queria respeitar as suas vontades e tal... Não
queria que você achasse que eu estava doida pra isso. Bom,
na verdade eu estava, mas deixei pra que você decidisse...

- Tá. - Interrompi-a. Eu já tinha entendido - Está me dizendo


que sabia que a quarentena já tinha acabado?

- Claro... - Ela deixou um beijo fofo entre os meus seios - Mas


você não falou nada a respeito, então eu fiquei na minha.
Acho que trabalhar demais e chegar em casa cansada me
ajudou a resistir.

Continuei olhando para ela.

- Você tem chegado tarde de propósito?

- Não! - Ela parou, pensando um pouco - Só às vezes...

- Desde quando você quer?

Ela riu, como se a pergunta tivesse sido boba.


- Desde que nós paramos de fazer. Não é óbvio?

- E se eu só fosse querer daqui a muito tempo?

- Eu teria que esperar, né? - Ela pontuou com uma expressão


meio triste, voltando a me beijar - Mas você já voltou a
querer, então sorte a minha.

Por um lado, aquilo era lindo. Ela estaria disposta a controlar


seus hormônios enfurecidos para respeitar a minha fase de
adaptação àquela novidade. O mínimo que se deveria esperar
era um pouco de compreensão, mas eu sabia que era difícil.
Se dispor a esperar e não tocar no assunto, com medo de que
eu me sentisse pressionada, era adorável.

Entretanto, por outro lado, eu já poderia ter mandado ver há


dias.

- Eu realmente acho que temos que exercitar a prática do


diálogo entre nós duas.
- Por quê?

- Por nada.

Beijei-a apaixonadamente e nos virei na cama, tirando-a de


cima de mim e me levantando.

- Ei! Vai aonde?

- Tomar outro banho.

- Mas eu nem te sujei... - Ela falou, fazendo uma careta e


apontando para a camisinha ainda vestida. Ri da sua reação.

- Você colocou a boca onde a sua filha põe também. Eu tenho


que me lavar. - Cheguei perto dela de novo e mordi sua
orelha de leve - Quer vir junto?

Ela olhou para mim, depois para o preservativo, depois para


mim outra vez.
- Posso gozar fora?

Fiz cara de reprovação, caminhando para o banheiro.

- Só estou te chamando pra um banho, Lauren. Não seja


depravada. - Mas antes de sair da vista dela, voltei a falar: - E
sim, você pode gozar fora.

Obviamente, ela veio atrás de mim.

***

Sophie sorriu pela primeira vez no exato dia em que


completou dois meses, e, é claro, por causa de Lauren. Ela
estava determinada a fazê-la entender seus argumentos
sobre música, o que aparentemente a divertia.

- Então você concorda? - Ela falou animadamente, e ela sorriu


outra vez. Estávamos na casa de Clara e Mike, e os dois
pareciam completamente admirados com a cena também. Ela
passava a maior parte do tempo encarando Lauren com
atenção absoluta, reparando nas caretas que ela fazia e em
como mexia as mãos.

Com mais algumas semanas, ela não só sorria como tentava


imitar suas expressões faciais. Lauren se divertia muito com
aquilo, e a desafiava a conseguir fazer as caras mais bobas
que conseguia. A cena era adorável, mas frequentemente eu
tinha que lembrá-la de que ela acordava cedo no dia seguinte
e que, por isso, o melhor a fazer depois de passar mais de
três horas "conversando" com Sophie era dormir.

Aos três meses ela já sorria tanto que eu não entendia como
os músculos do seu rosto não ficavam cansados. Ela fazia isso
para qualquer um que resolvesse falar com ela, fosse Lauren,
eu, os avós, o pediatra ou alguém na rua. Era como se ela
simplesmente adorasse todo mundo.

Além de sorrir para as pessoas, Sophie gostava de conversar


com elas. Bastava alguém falar algo com ela que se iniciava
um debate. Se a pessoa continuasse com seus argumentos,
ela se dispunha a balbuciar e fazer sons em resposta até que
estivesse cansada. Às vezes, a palavra não precisava nem ser
direcionada a ela.

- Nossa filha é comunicativa, né? - Lauren riu abertamente,


observando Sophie responder ao repórter no canal de notícias
da tv a cabo.

Foi nessa idade que os olhos dela começaram a mudar. Até


onde podíamos ver, suas íris pareciam tender para o marrom,
o que fez com que Lauren já começasse a cantar vitória, e eu,
a me decepcionar um pouco.

- Mas ela é toda a sua cara. - Argumentei.

- Mas os olhos são seus. - Ela rebateu - E vão ser os olhos


mais lindos do mundo.

Mas conforme os dias passavam, algo começou a mudar.


Simplesmente não parecia ser como deveria.

- Amor. - Ela me chamou quando saí do banho - Vem cá.

Estávamos em um sábado. Eram 9h da manhã, e o dia estava


excepcionalmente claro e morno.

Caminhei até a cama e encarei Sophie, que se divertia


sozinha no colchão com Lauren sentada perto dela. Ela
parecia estar conversando e rindo consigo mesma.
- Que foi?

- Olha pra ela.

Encarei-a e ela me encarou de volta, já sorrindo e emitindo


sons de alegria.

- Hum... - Soltei.

- Era pra ser assim?

- Não sei...

- Será que é a claridade?


- Acho que não.

Ficamos em silêncio por algum tempo enquanto ela nos


ignorava, brincando com os próprios dedos como se eles
fossem mágicos.

Alcancei um brinquedo colorido que ficava pendurado no seu


berço e trouxe até ela. Sophie parou de encarar as próprias
mãos e olhou para o objeto à sua frente. Seus olhos
brilharam.

Movimentei-o de um lado ao outro, como se estivesse


hipnotizando-a. Ela seguiu com os olhos o movimento que eu
fazia, parecendo muito compenetrada. Levei uma mão à
frente do seu olhinho direito e repeti o movimento. Ela
continuou seguindo-o com o único olho destampado. Repeti o
procedimento com o olho esquerdo, e mais uma vez Sophie
seguiu o objeto com a máxima atenção.

- Não parece ter problema nenhum... - Concluí.

- Mas... Eu queria que olhos dela fossem iguais aos seus, não
queria que fossem verdes.
- Eu não ligo pra isso Lo, o importante é que nossa filha está
saudável, a cor dos olhos não importa.

***

As pessoas que não estavam acostumadas sempre se viam


meio hipnotizadas pela minha filha. Ela despertava uma
imediata simpatia nos amigos de trabalho de Lauren que
eventualmente nos visitavam, ou nas pessoas que passavam
por nós na rua.

Isso porque ela já era linda por si só, e essa minha opinião
não tinha nada a ver com o fato de eu ser mãe dela (o que,
consequentemente, me fazia achá-la linda de qualquer jeito).
Minha filha era um daqueles bebês de capa de revista, aquele
tipo de criança que parecia um anjo e que fazia com que os
outros sorrissem inconscientemente. Mas não havia como ser
diferente disso: Sendo praticamente uma xerox de Lauren,
era humanamente impossível ela não ser linda de doer.

- Nem os olhos são meus. Só a cor dos cabelos. - Constatei


sem conseguir deixar de rir.
- Pelo menos alguma coisa ela puxou de você.

- É. 5% da minha filha é meu.

- É o 5% mais bonito dela.

Nossas divagações foram interrompidas por um choro


estrondoso e repentino.

- Mas você acabou de mamar! - Falei surpresa, pegando-a no


colo.

- Mas eu estou com fome de novo. - Lauren disse em uma voz


fina e ridícula, falando por ela.

- Certo. Se não couber mais leite dentro de você, vomite na


sua outra mamãe dessa vez, ok?

Embora o tempo passasse e eu estivesse até ciente disso, não


foi o frio ou qualquer decoração brilhante nas ruas que me
avisaram em que época do ano estávamos. A notícia do Natal
chegou juntamente com hóspedes que, sem o menor aviso,
resolveram fazer uma visitinha.

- Mila!

Quando Clara me ligou perguntando se eles podiam me fazer


uma visita, eu havia imaginado que Mike tinha saído do
trabalho mais cedo e fosse acompanhá-la para dar um alô
para a netinha. O que eu não imaginava era que Taylor, Oliver
e um bebê muito gordo e com carinha de mau viessem junto.

- Taylor!

- Feliz Natal! - Ela falou, entrando no hall entre um pulinho e


outro e me dando um abraço.

Desejei Feliz Natal de maneira mecânica, pela primeira vez


fazendo as contas mentalmente e chegando à conclusão de
que estávamos no dia 23 de dezembro.

- Quando vocês chegaram? - Perguntei ainda um pouco


desnorteada.
- Hoje. - Oliver respondeu, dando um sorriso largo e sincero, e
pela primeira vez notei o quão vivo e brilhante o sorriso dele
era. Talvez porque ele raramente sorria - Como vai?

- Bem, eu vou bem... - Olhei para baixo e encarei a bolinha


rosada que Oliver carregava em um tipo de bolsa presa ao
seu torso. A bolinha estava completamente encasacada e
embrulhada em panos azuis, mas dava para ver duas
perninhas que pendiam para os lados, assim, como dois
bracinhos gordos.

- Mila, Jackson. Jackson, Mila. - Taylor fez as apresentações - E


sim, ele é um bebê muito sério.

Enzo me encarou pela primeira vez com curiosidade. "Quem é


você?" "Onde eu estou?" e "Por que você está olhando pra
mim?" deviam ser só algumas perguntas que estavam
passando pela cabeça dele. Sua expressão era muito, muito
séria, como se eu estivesse dizendo coisas de uma
importância absoluta.

- Ora, olá lindinho! - Falei não conseguindo deixar de rir,


levando o indicador até suas mãozinhas cobertas pelo
macacão de lã. Elas estavam cerradas em punho, mas senti,
mesmo por debaixo do tecido, que ele as tinha aberto ao meu
toque. E então, como se não tivesse nada melhor para fazer,
ele lançou um sorriso tímido e torto.

- Oliver. - Taylor falou, e sua voz tinha um tom alarmante. Me


assustei, mas em seguida entendi que era só uma ironia - Ele
sorriu. Você tirou foto disso?

- Ele não ri pra mim. - Clara parecia meio triste - Nunca sorriu.
Estou quase me fantasiando de Papai Noel pra tentar de
alguma forma...

- Ele quase não sorri. - Oliver explicou, interessado no filho


que agora já tinha voltado a ficar sério.

- Mas ele tem um sorriso tão bonito. E tão... Vivo! - Concluí,


chegando à conclusão de que o brilho que emanava de
Jackson quando ele sorria tinha sido herdado do próprio
sorriso de Oliver.

- Pois é. Mas ele nunca mostra o sorriso que tem. Acho que é
por isso que quando isso acontece todo mundo fica meio
abobalhado. Parece que ele consegue controlar o humor das
pessoas quando faz isso, sei lá.

Era verdade. O sorriso dele tinha mesmo deixado o clima mais


aconchegante ali. A sensação era esquisita, mas muito boa.

- Mas e a sua filha? - Taylor falou em uma vozinha


esganiçada.

- A minha só tem olhos para a outra mãe dela. - Fingi uma


cara meio puta. Jackson achou isso engraçado e riu de novo.
Continuei com um tom de abandono na voz - Pelo menos o
filho de vocês gosta de mim.

- Ah, não seja ciumenta, querida. - Clara falou divertida -


Sophie gosta de todo mundo. Até do carteiro.

- Ouvi dizer que ela é o oposto de Jackson. - Oliver se


pronunciou.
- Bom, é verdade, ela ri até de fratura exposta... - Ela está lá
em cima. Vamos. - Concluí, chamando-os para o andar de
cima. Quando chegamos no quarto, Sophie estava dormindo
tranquilamente.

- Ela é linda! - Oliver sussurrou - Realmente linda!

- Ela é a cara da Lauren! - Taylor o seguiu, parecendo


realmente espantada.

- É, pois é.

Nesse momento Jackson soltou um gritinho de repente, e o


barulho foi suficiente não só para assustar todo mundo ali
como para fazer com que Sophie acordasse assustada.
- Uau!

- Ela com certeza é uma mini Lauren!

Eu ia falar alguma coisa, mas como as primeiras coisas que


Sophie havia visto depois de ter acordado assustada foram os
rostos desconhecidos de Taylor e Oliver, ela começou a
chorar ensurdecedoramente.

- Ei, calma! Eu estou aqui! - Falei um pouco alto, pegando-a


no colo e balançando-a, tentando fazer com que ela parasse
de chorar - Calma, sunshine... Você tem até um amiguinho
pra brincar agora...

Não adiantou. Seu choro agudo era estrondoso, como se


alguém tivesse arrancado à força seus dedos um a um. E
então, como uma super-heroína ou algo esquisito assim,
Lauren surgiu pela porta (sem capa) com um inconfundível ar
de "Isso é um trabalho para a Super Lauren!
- Calma, pequena. -Ela falou, puxando-a para o seu colo e
balançando-a da mesma forma que eu havia feito - Pronto,
pronto... Passou... Shhh... E é claro, em menos de quinze
segundos, ela começou a se acalmar.

- Como eu estava dizendo - Recomecei a falar fingindo


naturalidade -, ela só tem olhos para a outra mãe dela.

- Oi, Taytay. Oi, Oliver. - Ela falou sorrindo, abraçando a irmã


como podia e estendendo a mão livre para apertar a do
cunhado enquanto ainda balançava Sophie quase como se ela
fosse uma batida de limão sendo preparada. - E você deve ser
o Jackson, não é?

Jacksom, que àquela altura já estava entediado com toda a


situação, encarou Lauren como se ela fosse só mais um grão
de poeira no quarto.

- É, ele prefere a Mila. - Oliver falou sorrindo.


- Bom, alguém tinha que preferir... - Brinquei, observando se
Sophie estava mais calma. Lauren virou-a no colo, colocando-
a de frente para Jackson. Ao encontrar os olhos do primo ela
parou de chorar completamente, encarando-o como se ele
fosse o brinquedo mais interessante que ela já vira na vida.
Ele também se interessou por ela, mais do que por Lauren, e
passaram-se alguns segundos - talvez minutos - até que
algum dos dois fizesse alguma coisa.

Jackson então levou a mãozinha até o braço de Sophie e ficou


ali, fazendo absolutamente nada em particular, só
reconhecendo-a com o tato. Quando ela sorriu abertamente
para ele, talvez porque estivesse achando-o muito engraçado,
ele retribuiu o sorriso e "falou" alguma coisa, que foi
prontamente respondido por Sophie.

Jackson rebateu o argumento da prima e ela riu do que ele


disse, e então éramos cinco adultos idiotas assistindo a
crianças de três e cinco meses conversando em uma
linguagem desconhecida sobre algo que, aparentemente, era
muito interessante.

- Ai, meu Deus! - Clara soltou um gritinho - Que coisa linda!

Era um bom jeito de começar o Natal.

***
Chris chegou no dia seguinte, agarrando todos os bebês que
encontrava pela frente. E como consequência de sua
personalidade meio explosiva, tanto Sophie quanto Jackson
foram imediatamente com a cara de Chris. Era inegável,
mesmo àquela altura, que ele sempre seria o tio favorito, não
havia como não se divertir com ele. Até eu me divertia com
ele.

A ceia e a reunião familiar foram, como de costume, na casa


de Mike e Clara. Aparentemente ela tinha se dado uma
máquina fotográfica, com o único propósito de registrar os
netos. Para onde quer que se olhasse, lá estava Clara
disparando um flash.

Uma rápida olhada nas fotos salvas mostravam, em sua


grande maioria, Sophie, Jackson, Sophie e Jackson, e Sophie,
Jackson e Chris juntos. Poucas mostravam, de vez em quando,
Taylor, Oliver, Lauren, Mike e eu conversando ou fazendo
qualquer outra coisa.

E isso era tudo que se tinha registrado daquele Natal.

Felizmente, todos haviam decidido não dar presentes naquela


ocasião. Eu achei ótimo, primeiro porque não ligava para
presentes, e segundo porque não tinha comprado nada para
ninguém. Diferentemente do Natal anterior (em que todas as
atenções estavam voltadas primeiro para mim - a nova
namorada de Lauren - e depois, para a gravidez de Taylor),
nesse não se tinha qualquer outro assunto que não fosse
relacionado aos bebês.

Eles eram, realmente, as coisas mais interessantes ali.

Infelizmente, as visitas natalinas dos membros internacionais


da família Jauregui eram sempre rápidas, então já na manhã
do dia seguinte nos despedimos de Taylor, que insistiu que
fôssemos visitá-los na França o quanto antes, e Chris, que
prometeu voltar no próximo Natal com uma namorada.

Uma semana depois já estávamos nos despedindo daquele


ano. Não tínhamos planos para o Reveillon, o que,
sinceramente, não me importei. Ao meu ver, não havia no
mundo nada melhor do que terminar um ano e começar outro
junto da minha família. Passar aquele momento com Lauren e
com a nossa filha tinha um significado ainda mais especial:
Me lembrava que havia aproximadamente um ano que
estávamos juntas.

Um ano desde que nos reencontramos, desde que eu me


sentia estupidamente feliz.
E então só um ano me pareceu muito pouco tempo. Muito
pouco tempo para sentir o que eu sentia por ela. Muito pouco
tempo para que eu conseguisse ser feliz daquela forma.

- Tudo bem. - Uma vozinha falou dentro da minha cabeça -


Você ainda tem o resto da vida com ela. É só o começo.

***

Aos quatro meses Sophie desenvolveu a capacidade de dar


gritos agudos e muito longos de excitação. Ela fazia isso
quando algo a agradava muito, o que significava que toda vez
que Lauren chegava do trabalho minha dor de cabeça
aumentava, porque nossa filha parecia uma tiete da própria
mãe.

- Eu também estou feliz em ver você neném.

Comecei a pensar que aquela situação era um pouco injusta.


É claro que Sophie tinha que gostar mais de Lauren: Ela tinha
como sentir mais saudades dela, já que ficava o dia inteiro
sem vê-la e, no final do dia, tudo que ela fazia era diverti-la.
De mim ela já não aguentava nem mais ver a cara, mas
bastava ouvir a voz de Lauren que seu pequeno mundo virava
um parque de diversões com pôneis voadores.
- Você tem drogado a nossa filha? Não é possível ela ficar tão
feliz assim em te ver. Ela fez cara de "vai tomar no cu" antes
de responder de maneira seca: - É claro que é possível. Ela
gosta de mim. Não é, minha coisa linda?

Ela respondeu à sua pergunta com um "iiih aaah"

- "Lin-da."

- "Iiiih aah."- Ela repetiu, se agarrando no rosto dela com uma


mãozinha em cada lado e observando hipnotizada o
movimento de sua boca a um centímetro de distância.

- Ela vai estar falando "Lauren" antes de conseguir falar


"mamãe."- Balbuciei meio enciumada, mas bastante
interessada nas duas.

- Ela vai ser uma gênia!

- "Eeeh iahhh."
Aos cinco meses Sophie era só bochechas e dobras. Seus
olhos estavam se diferenciando cada vez mais, o que a
tornava cada vez mais bela. Se antes ela sorria abertamente
para a sua outra mãe, agora eu jurava que podia ouvi-la
gargalhando das palhaçadas que ela fazia. Quando Lauren
apresentou o piano a ela, seu mundo pareceu se transformar.
A partir daí nenhum dia podia ser passado sem que ela
tocasse alguma coisa para ela. Como seus dedinhos ainda não
tinham força suficiente para apertar a tecla e tirar algum som
dela, ela se contentava em ouvir qualquer melodia que saísse
dos dedos da mãe, sentada no colo dela.

Enquanto isso, eu, obviamente, ia sendo esquecida pelos


cantos como aquela tia chata e velha da família de quem
ninguém gosta realmente.

- Amor... - Lauren entrou no quarto com Sophie no colo,


chorando como se estivesse sob tortura - Acho que ela está
com fome.

Abaixei o livro e fiz cara de paisagem, soltando debochada:-


Ah, seus encantos não funcionam nessas horas?

- Não... Acho que nessas horas só leite funciona, e eu não


produzo isso. Quer dizer...

- Pare de falar imediatamente.


- Ok. - Ela riu de maneira irônica, me entregando Sophie.

Como recomendado pelo médico, comecei a parar de


amamentar depois que Sophie completou seis meses de vida.
Embora eu não quisesse, e me achasse uma péssima mãe por
negar algo que ela visivelmente queria (e esperneava quando
não tinha), tive que me manter firme quanto à essa decisão.
Era um vínculo forte que tínhamos, mas que precisava ser
diminuído aos poucos, ou pelo menos adaptado de alguma
forma.

Foi também nessa fase que ela aprendeu como demonstrar a


falta que Lauren fazia.

Se antes Sophie só chorava quando sentia fome, agora, ao se


dar conta de que já estava muito tempo sem ver a mãe, ela
abria o berreiro. O pediatra havia nos explicado que, com o
tempo, a criança tendia a sofrer um pouco mais quando se via
separada dos pais, porque passava a existir nela essa noção.

Ela passou a entender e reconhecer quando alguém chamava


o seu nome, e vê-la reagir a isso era adorável. A Entonação
das palavras que falávamos era imediatamente repetida - ou,
pelo menos, tentada. Tivemos que redobrar os cuidados
quando sua mais nova mania passou a ser agarrar tudo que
ela via pela frente e colocar na boca.
- A aliança da mommy não!

Encarei Lauren esparramada no sofá com Sophie em cima


dela, lambendo sua aliança como se ela fosse feita de
chocolate.

- Bebês... - Ri.

- Quando ela vai começar a falar?

Como resposta, Sophie soltou um barulhinho na tentativa de


imitar o que Lauren havia dito.

- Perto dos oito meses talvez.

Ela a encarou novamente.


- Que tal ir treinando? Sua primeira palavra vai ser
"mommy"não vai?

- "mii-my"

- "mommy"

- "miii-my"

- Quase lá. - Ela concluiu, dando um beijo nela.

Suspirei.

- Que foi? - Lauren perguntou, me olhando pela primeira vez.

- Vocês.
- O que tem a gente?

Sophie abocanhou o nariz dela, fazendo-a gargalhar surpresa.

- São uma dupla e tanto. - Respondi, indo me sentar ao lado


delas. Para minha surpresa, ao me ver ali perto, ela se
arrastou da maneira que pôde até mim e parou no meu colo,
quando parecia confortável o suficiente. Era a primeira vez
que Sophie me preferia a Lauren.

- Ei. Cansou de mim? - Elaperguntou, chegando mais perto


também. Ela esfregou o rosto no meu braço e bocejou, e eu
tive que me controlar para não agarrá-la e enchê-la de beijos.

- Ela teve um dia muito duro. Brincou mais do que podia. Não
exija mais nada dela. - Falei em tom de brincadeira, pegando-
a no colo e passando os dedos na sua cabecinha.

- Hum. Isso é uma ótima estratégia.

- Que estratégia?
- Deixá-la cansada. Assim ela dorme cedo. - Ela concluiu,
passando o indicador com leveza pela minha perna e me
olhando com cara de maníaca sexual - E assim a gente pode
ir dormir tarde. Sabe?

Eu gostava quando ela insinuava que queria alguma coisa


comigo (além de conversar sobre Sophie). Nossa rotina como
casal, embora não tivesse voltado completamente ao normal
ainda, caminhava para isso. Eu já estava tomando as pílulas
certas e Lauren já tinha jogado os preservativos no lixo, mas
ainda tínhamos um bebê muito pequeno para cuidar. O que
significava que sexo não podia ser feito assim, sempre que
quiséssemos.

- Para!

- Quê?

- Para! Agora!

Ela parou de se mexer. Estávamos encaixadas em concha na


cama, cobertas e, até aquele momento, aproveitando o clima.
- Por quê? - Ela perguntou ofegante contra o meu ombro, não
conseguindo conter a decepção na voz.

- Ela... Está... Acordada!

Sophie estava deitada no berço com a cabecinha virada para


nós, a mão na boca, os olhos arregalados e uma cara de
quem achava o que via muito interessante.

Aquilo era perturbador.

- Nós estamos cobertas! Ela não está vendo o que estamos


fazendo! - Ela concluiu rindo ao pé do meu ouvido, voltando a
me penetrar.

- Ela está olhando!

- E mesmo que estivesse vendo... Ela não sabe o que é...

- Não! Para!
Me afastei dela à força, procurando minha calcinha em algum
lugar e vestindo-a.

- Nãããão...

Ela tentou me puxar de volta, mas me desvencilhei dos seus


braços. Porra, eu não ia conseguir transar com a minha filha
assistindo! Por mais que ela não fizesse a menor idéia do que
estava acontecendo.

- O que foi, sunshine? Por que está acordada? - Perguntei bem


baixo enquanto a tirava do berço - Quer dormir no colo da
mamãe?

Depois de algumas sacudidas costumeiras e um pouco de


chamego, Sophie dormiu.

Às vezes parecia que tudo que ela precisava era de um


pouquinho de mimo.

- Pronto! Missão cumprida. Agora volta aqui... - Lauren falou


com voz de choro.

Como ela já não acordava berrando como antigamente,


achamos aceitável voltar com o berço para o seu quarto.
Assim não precisaríamos sair e ir para outro lugar da casa
sempre que quiséssemos ficar juntas, porque Sophie tinha
pegado a mania de acordar no meio da noite e ficar
silenciosamente observando as coisas no escuro como uma
psicopata.

O primeiro tchauzinho que ela deu foi, obviamente, para


Lauren. Saindo do quarto em uma manhã de quinta-feira,
Lauren acenou histericamente para ela, e ela retribuiu. Ela
ficou tão fascinada com o feito que chegou atrasada no
trabalho. Da mesma forma, Sophie também engatinhou para
ela, assistindo-a chegar em casa em um dia qualquer. Ela
ainda estava aprendendo a coordenar os bracinhos e as
perninhas, e por isso foi aos trancos e barrancos para a mãe -
mas foi. Como o chão era coberto por um carpete fofo, ela
não se machucava quando se desequilibrava e caía, o que nos
permitia achar seus trejeitos tortos muito engraçadinhos.

Sophie engatinhando significava o dobro de cuidados. Se ela


podia chegar onde quisesse, nós tínhamos que impedi-la. Sua
aparente hiperatividade me fazia acreditar que um belo dia,
ao voltar do banheiro, eu a encontraria brincando com o
conjunto de facas que ficavam na cozinha ou tentando ir para
o andar de baixo no meio da escada.

Em contrapartida, eu fui a primeira a vê-la ficar em pé sozinha


no berço. Eu estava ao telefone com Clara, e Sophie queria
desesperadamente o meu colo. Como optei por pegá-la assim
que finalizasse a ligação, ela perdeu a paciência e se
equilibrou com a ajuda das grades, ficando de pé e se
esticando toda para que eu a tirasse de lá. É claro que me
emocionei e a peguei no colo no mesmo minuto, enchendo-a
de beijos.

Quando contei a Lauren, ela sentiu inveja de mim.

Seu primeiro dentinho nasceu, enchendo todo mundo de


orgulho. Acho que Clara chorou. A piscina se tornou um dos
seus lugares favoritos no mundo, o que me fez desenvolver
uma compulsão em checar sempre se todas as portas que
davam para aquela área estavam devidamente trancadas.
Bater palmas havia se tornado seu passatempo preferido,
assim como rolar no chão e balbuciar coisas irreconhecíveis
para si mesma. Se não fosse pela social que minha filha
adorava fazer com qualquer estranho na rua, eu diria que ela
podia ser autista. Mas não, Sophie só se entretia sozinha
mesmo.

Lauren comprava livros coloridos, instrumentos musicais para


bebês (um pianinho, um tamborzinho e um xilofonezinho) e
brinquedos cheios de formas e cores. Ela passava horas
colocando coisas dentro de um balde e tirando-as de novo, e
quando cansava disso, seus próprios dedinhos gordos
pareciam ser suficientes para deixá-la hipnotizada por um
bom tempo.

- Viu só como você é linda? - Lauren falou, apontando para o


reflexo dela no grande espelho do hall de entrada. Ela se
curvou para frente e colocou as duas mãozinhas ali, abriu a
boca e lambeu o vidro.

- Que bom que eu limpei esse espelho há dez minutos atrás. -


Concluí, organizando as coisas na bolsa. Estávamos de saída
para um almoço na casa de Mike e Clara.

- Graças a Deus. - Ela suspirou, observando-a parar de "se"


lamber e notar o reflexo dela mesma logo ali ao seu lado.
Quando seus olhinhos encontraram com os dela no espelho,
Lauren falou outra vez - Oi.

Ela gargalhou.

- Quem eu sou? - Ela perguntou.


Ela continuou encarando-a com curiosidade.

- "Mommy"

- "Myyh"

- "Mommy."

- "Miiimy"

- Eu espero. - Concluí.

- "Mommy."

- ELA FALOU!

Sophie riu do berro que Lauren deu.

- Ela não falou mommy...

- Falou sim!
- Ela falou "mom- maa."

- É a mesma coisa!

- "momm-my."

- Ok, ela é um gênio. - Ela falou de um jeito sério, deixando-se


levar pela histeria - Vou matriculá-la na faculdade!

- Ela já falou "mã" antes. - Respondi em minha defesa.

- E daí? Ela podia estar tentando falar "mão" ou "mamão."

- Ela estava tentando falar Mommy.

- Prove.
- "Mommyyy."

- Tá bem, já chega! - Falei sem conseguir conter o riso,


pegando-a do colo dela e abrindo a porta para o jardim.

Lauren levantou as mãos como uma boxeadora vitoriosa.

- Minha filha falou Mommy!

Eu sabia que essa seria a primeira palavra que Sophie diria,


primeiro porque Lauren  passava pelo menos meia hora todos
os dias tentando fazê-la falar,  segundo porque entre
"mamãe" "mommy," bom, mommy era mais fácil de se
pronunciar. Mas mesmo assim, ouvi-la dizer alguma coisa pela
primeira vez era realmente maravilhoso.

A partir daquele dia, Sophie parecia uma metralhadora,


atirando Mommy para todos os lados. Lauren se divertia
horrores, e agora tentava fazer com que ela se aprimorasse
na palavra mommy dizendo-a com todas as letras certas.
Ao invés disso, dois dias depois, ela chamou por mim, o que,
tenho que confessar, quase me fez chorar de emoção.

Nesse meio tempo, tivemos o aniversário de 1 ano de


Jackson. Não era preciso Taylor nos ameaçar de morte caso
não comparecêssemos à festa: Lauren e Mike conseguiram
tirar alguns dias na empresa para que todos pudéssemos dar
"um pulinho"na França. Àquela altura eu já tinha passaporte -
coisas de Lauren e seus pauzinhos mexidos, que optei por não
perguntar e só agradecer.

A viagem foi tranquila. Como a distância entre os países da


Europa era realmente pequena, em pouco tempo
aterrisávamos em Paris, o que foi ótimo por não dar tempo a
Sophie de se entediar com o interior do avião e começar a
gritar palavras irreconhecíveis, tirando a paciência dos outros
passageiros.

Paris era realmente estonteante. Ficamos lá por três dias,


mesmo que o aniversário de Jackson só tivesse sido no
primeiro. Passeamos um pouco e conhecemos pontos
turísticos, aproveitando o clima agradável do verão. Sophie
pareceu gostar particularmente dos jardins coloridos, e eu
tinha certeza que se Lauren não estivesse segurando-a
durante todo o tempo, ela teria brincado e se esfregado na
terra e na grama à primeira oportunidade.
Lauren ganhou um presente fora de época de Oliver: Uma
camisa básica preta com os dizeres "Ne plaisante pas avec
ma fille." A piada tinha sido ótima para todos ali que sabiam
falar francês, o que me deixou com cara de idiota até que
Chris e seu lado gentil resolvesse traduzir a sentença para
mim: "Não mexa com a minha filha." E então eu tive a
oportunidade de ver uma das cenas mais adoráveis que já
tinha visto na vida:Lauren com cara de gângster nos seus
óculos escuros, usando aquela camisa "ameaçadora"com
Sophie no colo em sua esplêndida jaquetinha de couro, dando
risinhos de alegria por causa das borboletas que passeavam
por ali.

Vomitei arco-íris a viagem inteira, e antes que pudesse me


recuperar, nossas "férias" já tinham chegado ao fim.

***

De volta à Inglaterra, porque nada estava tão bom que não


pudesse melhorar, Sophie decidiu que queria começar a dar
os primeiros passinhos. Suas perninhas estavam começando a
criar firmeza: Ela andava quando alguém a segurava pelas
mãos, mas nunca tinha caminhado por si só até um dia que,
convencida de que já estava apta a mexer as próprias pernas
como um atleta profissional, resolveu correr até Lauren assim
que ela entrou no quarto.
Ela estava em cima da cama e, obviamente, caiu no colchão.
Mas não se importou. Achou inclusive a queda muito
engraçada. Fiz menção em ajudá-la a se levantar, mas ela
conseguiu fazer isso sozinha, se apoiando nas minhas pernas,
e quando já estava de pé de novo, saiu andando outra vez. E
outra vez caiu.

E a queda foi repetida muitas vezes, e em todas as vezes


Sophie achava muito engraçado cair.

- Ah, vamos lá. Você consegue! - Lauren encorajou-a


esperando do outro lado do colchão.

Ela tentou de novo. E de novo. Os braços abertos de Lauren


eram um estímulo, e talvez por isso Sophie não desistisse.
Demorou um tempo, mas não muito: Quando ela finalmente
ficou de pé e deu mais passos do que já havia conseguido, se
concentrando na tarefa de caminhar em linha reta - ou quase
-, Lauren e eu torcemos em voz alta como mãe corujas que
éramos, e isso deve tê-la animado. Mas fizemos a festa
mesmo quando ela alcançou os braços da mãe e se jogou de
qualquer jeito, como se fossem sua recompensa por um
trabalho árduo tão bem feito.
- Minha atleta linda! - Ela soltou toda feliz, abraçando-a e
beijando-a com tanta força que era difícil acreditar que ela
estivesse respirando direito.

O tempo foi passando, nossa filha foi crescendo e ficando


cada vez mais linda e sorridente. Ela era sociável, feliz e cada
vez mais idêntica a Lauren.

A vida, definitivamente, não poderia ficar melhor.

***

Quando Sophie completou 1 aninho de vida, demos a ela o


tipo de festa que pais dão aos filhos no primeiro aniversário,
só que com algumas coisinhas a mais.

Resumidamente, Lauren fechou um parque de diversões para


a comemoração. Cheguei a conversar com ela sobre a não
necessidade de tudo aquilo, até porque Sophie se divertiria
loucamente até se comemorássemos seu aniversário em um
parquinho de praça. Mas é claro que não fui sequer ouvida.

Como meu próprio aniversário era dois dias depois do dela, a


festa, segundo Lauren, foi para mim também. Era uma
brincadeira, mas me achei meio idiota por gostar tanto de ter
uma festa cheia de palhaços coloridos e uma roda-gigante.
Era a melhor comemoração do meu aniversário em muito
tempo, mesmo conhecendo somente a minha família ali.
Havia tantas pessoas e tantas crianças que eu não sabia nem
de onde elas tinham vindo - talvez dos amigos de trabalho de
Lauren e dos conhecidos de Clara.

Sophie se divertiu tanto que tivemos que cantar um parabéns


aos sussurros, porque a pobre criança, completamente
exausta, dormiu profundamente no meu colo antes que a
festa tivesse chegado ao fim. Foi engraçado.

Alcançada essa etapa na vida da nossa filha, Lauren e eu


achamos que seria um bom momento para deixá-la na
companhia dos avós enquanto aproveitávamos nossa lua-de-
mel adiada (e comemorávamos, de quebra, meu aniversário -
agora de verdade).

Foi difícil nos despedir dela, mas sabíamos que Clara e Mike
cuidariam da nossa filha com toda a atenção e amor de que
ela precisava. Além do mais, ela simplesmente adorava os
avós.

Fomos para Grécia, em uma viagem de três semanas. Foi


absolutamente maravilhoso. Lauren estava disposta a me
fazer aproveitar cada segundo que passávamos juntas, afinal
aquele era um momento nosso, e por mais que fôssemos
apaixonadas por Sophie, tínhamos que admitir que
"momentos nossos" se tornaram raros depois da chegada
dela.

Fomos a Atenas, Salônica e Pátras. Visitamos museus,


templos, praias e monumentos. Tiramos tantas fotos quanto
um casal de namorados faria, e compramos souvenirs para
todo mundo. Ligávamos diariamente para Clara, só para nos
certificarmos de que tudo estava bem. Sempre estava.

Sempre estaria.

- Que foi? - Ela perguntou, tocando de leve a ponta do meu


nariz. Eu estava sozinha na varanda, enrolada em um
cobertor e olhando para o mar lá embaixo enquanto deixava
meus pensamentos longe dali.

- Saudade dela.

Lauren riu baixinho contra o meu ombro, me abraçando por


trás.

- Nós voltamos em três dias. Você vai poder matar as


saudades logo.
Continuei calada por algum tempo.

- Ei... - Ela falou em uma voz divertida - Eu achei que você


fosse curtir a viagem!

Me virei nos seus braços e fiquei de frente para ela. Lembrei


que a havia deixada sozinha no quarto me esperando, e me
senti uma idiota por fazer parecer que não estava
aproveitando aquela oportunidade da maneira que deveria.

- Eu estou gostando muito. - Falei sem pestanejar, envolvendo


meus braços no seu pescoço e puxando-a para mim para
poder beijá-la - Você não faz idéia.

- Sei.

- Você só tem que me distrair pra que eu pare de lembrar que


estou saudosista.

Ela riu outra vez, me puxando para mais perto.


- Mas não é isso que eu estou fazendo, com todos os passeios
e todo roteiro e...

Beijei-a de novo, da maneira mais apaixonada que pude. Ela


retribuiu, e por algum tempo permanecemos na nossa bolha
sem que nenhuma das duas se desse conta disso.

- Me distraia agora. - Concluí com um selinho educado no


canto dos seus lábios, olhando-a como se quisesse explicar
algo que ela não entendia - A noite toda, se possível.

Os olhos dela brilharam vagamente, e então me dei conta de


que ela havia entendido.

- A noite toda? Mas amanhã nós tínhamos que acordar cedo


pra ir...

Abri o cobertor que me envolvia propositalmente, deixando-o


cair pelos ombros e me mostrar como estava: Completamente
despida, usando apenas o cordão com o coração de citrino
amarelo que ela um dia havia me dado, e que, desde então,
eu nunca deixei de usar.

- Esqueça o roteiro. - Falei - Não me importo de ir pra lugar


nenhum contanto que você esteja comigo.

Ela suspirou. Seus olhos verdes me varreram de cima a baixo,


parando no hematoma claro que havia surgido nos meus
quadris, resultado de todas as noites passadas com Lauren
durante aquelas duas semanas e meia.

- Só te dão pessoas violentas? - Ela perguntou com ar de


mistério, e eu tive a impressão de já ter ouvido aquela
pergunta em algum momento do passado.

- Me dão uma única mulher. - Respondi de imediato, não


conseguindo deixar de sorrir. E antes que Lauren me pegasse
no colo e me carregasse para a cama outra vez, finalizei -
Simplesmente a melhor que poderiam me dar.+

Capítulo 26 (final)
Camila Pov
Sophie, como qualquer criança saudável, cresceu, graças a
Deus. Sim, porque por mais que bebês sejam fofos e lindos
quando ainda não fazem nada sozinhos, eles dão um certo
trabalho. E mesmo que nos arrependamos lá na frente por
termos torcido para que eles tivessem crescido logo, no fundo
sentimos uma alegria imensa por vê-los amadurecerem e se
transformarem em pessoinhas cheias de saúde e prontas para
conquistar o mundo.

Mas ela ainda não é uma adulta, nem uma adolescente. Está
longe disso. Sophie tem 6 anos, há precisamente dois dias.

Ainda não presenciamos a queda do seu primeiro dente de


leite ou sua primeira formatura, mas estivemos lá quando ela
andou de bicicleta pela primeira vez e a encorajamos no seu
primeiro dia de aula. Trocamos muitas fraldas, compramos
muitas bonecas, escutamos muitos choros vindos de joelhos
ralados. A ensinamos a nadar e exercitamos o início da sua
leitura. Fomos mães de primeira viagem, mas segundo Clara,
nos saímos muito bem.

Eu concordo, apesar de não ter nenhuma base como


referência. Sophie parece uma criança bastante serelepe. Sua
simpatia e seu jeito de parecer gostar de todo mundo são sua
marca registrada. Ela quase nunca se irrita, e às vezes,
quando não sabe como reagir a um determinado estímulo,
opta por cair na gargalhada. Ela pode fazer amigos com uma
simples saída, seja indo ao parque ou à padaria.

É humanamente impossível não amá-la.

Para uma melhor educação, Lauren e eu dividimos nossas


obrigações como mães. Isso significa que ela é responsável
pelos "sins", enquanto que dizer os "nãos" necessários sobra
para mim. Felizmente (porque a última coisa que eu quero é
me tornar uma mãe chata e repressora competindo com
Lauren uma mãe engraçada e maneira, Sophie é uma criança
boa. Um anjo, por mais agitada que seja. Não precisamos (eu
não preciso) reprimi-la duas vezes. Ela simplesmente entende
que, caso eu não a deixe fazer alguma coisa, deve haver
algum motivo, e magicamente obedece (o que é um tanto
esquisito. Crianças de 6 anos não deveriam ter esse
discernimento).

Eu realmente não tenho do que reclamar. Muitas crianças são


umas pestes, mas não ela.

E ela tem só 6 anos. Há precisamente dois dias. O que faz


com que hoje seja um dia um pouco especial para mim.

- Emma? - Chamei, chegando na cozinha e encontrando-a no


fogão.

- Oi, Mila! - Ela respondeu toda contente - Feliz aniversário!

- Obrigada. - Falei ainda morrendo de sono, abraçando-a e me


jogando em cima dela - Que horas são?

- Quase 11h. Estou fazendo o almoço, daqui a pouco eles


chegam...

- Merda, dormi demais. - Falei, levando a mão à cabeça - Eu


deveria estar te ajudando..

- Coisa nenhuma! É seu aniversário. E aniversariantes não


trabalham.

Emma gosta de me dar ordens. A essa altura nós já temos


esse nível de intimidade mesmo.

- Ei, eu gosto de cozinhar, e você sabe diss...


- Você não vai cozinhar.

Bufei. Ela é teimosa como uma mula, e eu sabia que a única


forma de chegar perto do fogão seria acertá-la com uma
frigideira e deixá-la desacordada em um canto.

Desisti de brigar.

- Ok. Onde está Sophie?

- Ela estava na casa da árvore da última vez que eu vi.

Uma casa na árvore. Lauren deu a Sophie uma casa na árvore


como presente de 6 anos. E não é uma daquelas casas na
árvore feitas de tocos de madeira e cordas: É uma casa com
porta e janelas de vidro, varanda, escada e dois andares. Uma
família poderia facilmente morar ali.

A casinha foi construída na grande árvore rosa (como a


chamamos) que fica no canto do jardim. Graças ao empenho
de Lauren em procurar uma empresa especializada em
construções desse tipo e deixar claro que a queria pronta o
quanto antes, ela foi terminada em menos de três semanas.
Foram três semanas com placas enormes em torno da obra,
impedindo que Sophie visse do que se tratava para que, no
dia do seu aniversário, ela tivesse uma surpresa.

E ela ficou surpresa. E, para ser sincera, eu também. Era


mesmo um trabalho belíssimo, embora eu tenha adquirido
uma leve dor de cabeça só de pensar nos perigos que minha
filha poderia passar naquela varanda, por mais que a casa
ficasse só a dois metros do chão. E por mais que houvesse
colchões fofos embaixo dela (porque Lauren, graças a Deus, é
mais neurótica do que eu).
- Ela está sozinha? - Perguntei, querendo saber se Lauren
estava com ela.

- Está com a Atena.

Atena é uma cachorrinha maltês fêmea, com olhos que


parecem duas jabuticabas, branca feito uma bolinha de
sorvete de creme que anda para lá e para cá atrás da dona:
Minha filha. Esse foi o presente de Lauren para os seus 5
anos, uma cachorra que parece ser movida a pilha. Ela se
sentiu no dever de alegrá-la depois que seu sapo (outro
presente de Lauren, que não sabia dizer um "não" morreu.
Seu nome era Shawn, e no seu velório - cuidadosamente
organizado por Sophie - Clara, Mike, Lauren e eu tivemos que
prestar nossos sentimentos diante da sua pequena cova.3

Shawn permanece enterrado no jardim até hoje.

Mas Atena chegou, trazendo de volta toda a alegria de


Sophie. Ela dá pelo menos dois banhos na cachorra por
semana com o shampoo de pêssego. É uma compulsão, o que
torna Atena um pequeno pêssego feliz ambulante. Com um
lacinho rosa na cabeça.

- Ah, certo... Mas você viu a Lauren?

- Não. Ela já não estava quando eu cheguei. Deve ter saído


cedo.

Fiquei com medo. Por que Lauren teve que sair cedo num
domingo? Meu aniversário tinha alguma coisa a ver com
aquilo, ou seu sumiço repentino não passava de uma
coincidência?

- Bom, tudo bem... Então eu v...


- FELIZ ANIVERSÁRIO, MÃE!

Fui quase arremessada ao chão por um golpe baixo


(literalmente) de Sophie, que se agarrou na minha cintura
como um carrapato assim que me virei para sair da cozinha.
Ela tem uma incrível capacidade de ser silenciosa quando
quer, e berrar como se eu fosse surda no momento seguinte.

- Aaah, obrigada! - Respondi feliz, abraçando-a de volta e me


inclinando para baixo. Ela me deu um beijo efusivo.

- Peraí, Atena! Eu tô falando com ela! - Sophie soltou em uma


voz meio esganiçada, tentando fazer com que Atena parasse
de pular nas minhas pernas como se eu fosse um pedaço de
carne mal passada. Ela queria me dar os parabéns também.

- Oi Atena. - Falei, achando graça.

- MÃE, ESPERA AÍ!

E assim, do nada, Sophie saiu da cozinha correndo como se


estivesse com dor de barriga. Atena correu atrás dela.

- Por que ela grita tanto? - Soltei.

- Acho que ela é assim quando está muito animada com


alguma coisa. - Emma tentou explicar.

- Se eu sair daqui ela vai ter uma síncope, não vai?

- Vai. - Ela pontuou.

Achei melhor esperar, pegando um pêssego da fruteira e


comendo. Atena sempre me faz ter vontade de comer
pêssegos.

Quando Sophie voltou, trazia em uma das mãos um buquê de


Camélias brancas e, no outro, um papel.
- Eu tenho dois presentes pra você! - Ela disse abrindo um
sorriso de orelha a orelha, me entregando o buquê e depois o
papel. Era um desenho, que ela fez questão de explicar -
Somos nós! Essa é a vovó e esse é o vovô. Aqui é a mama, e
aqui sou eu com a Atena. E essa é a Emma. E essa é você.

- Eu estou também? - Emma chegou perto para ver.

Clara e Mike eram o casal de bonecos de palito no canto. O


palito de Emma estava acenando, como se fosse uma
fotografia. A boneca de Lauren tinha duas grandes esferas
verdes nos olhos. A boneca mais baixa, logo ao lado dela,
tinha também os olhos pintados de verde. Havia uma bolinha
branca com lacinho rosa na altura do seu peito. Por fim, do
outro lado dela, estava um boneco de palito que só podia ser
eu mesma. Estávamos todos em um jardim cheio de flores, ao
lado de uma árvore rosa e alta. Identifiquei nosso próprio
jardim.

- Está chovendo e fazendo sol ao mesmo tempo? - Emma


perguntou curiosa, notando o sol amarelo e redondo de um
lado e, do outro, uma nuvem que descarregava gotas de
chuva em cima de "nós".

- É... - Sophie começou, empregando um tom de professora


na voz - É que a mama me viu desenhando, e ela disse que a
mamãe camz gostava de chuva. E, bom, como hoje não tá
chovendo, então eu dou a chuva de presente pra ela.

Ela pontuou a explicação como se fosse algo muito simples de


ser entendido, sorrindo daquele jeito fofo dela. E então eu
comecei a chorar como uma imbecil.

- Desculpa, mãe! Eu posso apagar a chuva...


- Não, sunshine! - Tentei explicar, abraçando-a e dando nela
um beijo apaixonado - A mamãe adorou!

- Mas você tá chorando! - Ela falou fazendo um beicinho.

- Mas eu não estou triste. Eu prometo. Estou muito feliz, e


gostei muito do presente!

- Mas eu não gosto de ver você chorando...

- Tá bem. - Falei, secando as lágrimas - Parei.

Ela pareceu duvidar de mim, então resolvi mudar de assunto.

- E as flores?

Sophie fez cara de paisagem.

- É o seu outro presente.

- Ah, é? - Provoquei-a.

- É.

- A sua mommy tem alguma coisa a ver com isso?

- Não...

Sophie não sabe mentir. Algumas crianças já conseguem


fazer isso nessa idade. Minha filha não é uma dessas crianças.
Seus olhos se arregalam como se ela estivesse sendo
silenciosamente eletrocutada.

- Ok. - Falei, tentando não rir - Obrigada, eu adorei!

Abracei-a de novo, e nesse momento Atena começou a pular


nas minhas pernas outra vez.

- AI, ATENA! DEIXA EU FALAR COM A MAMÃE! - Ela soltou


meio nervosa, e Atena levou um susto e saiu correndo da
cozinha. Sophie imediatamente se sentiu a pior pessoa do
mundo, e saiu correndo porta a fora atrás do pêssego
saltitante - EI, ESPERA! DESCULPA, ATENA!

- Espera, Sophie...

- Não adianta. Ela não vai ouvir ninguém enquanto não pedir
desculpas pelo menos dez vezes pra Atena. - Emma falou
calmamente, rindo da situação.

Suspirei.

Encontrei um vaso e o enchi de água, colocando as flores


nele. Quando ia sair para guardar meu desenho em algum
lugar - e procurar por Lauren -, o telefone tocou.

- Alô?

- Oi, querida! Feliz aniversário! Que você seja muito feliz!

- Oi, Clara! Muito obrigada!

- Daqui a pouco estamos aí pra te dar um beijo pessoalmente!

- Ah... Sim! Claro! é que eu acordei um pouco tarde, então


talvez o almoço demore um pouquinho... - Comecei a correr
pela cozinha, pegando algumas travessas na esperança de
ajudar o trabalho de Emma a andar mais rápido. Ela bateu
com uma colher na minha mão como se eu estivesse sendo
mal educada.

- Ah, eu posso ajudar vocês...

- Nem pensar! Você não vem pra comemoração do meu


aniversário pra ajudar a arrumar as coisas! Onde já se viu?

Sophie entrou outra vez na cozinha saltitando com Atena no


colo. Aparentemente, as duas tinham feito as pazes.
- Mãe!

- E qual o problema? Você sabe que eu gosto de ajudar...

- Mãe!

- Pera um pouquinho, sunshine. - Falei carinhosamente para


minha filha - Clara, não precisa. Emma e eu damos conta do
recado.

- Você uma ova! - Emma replicou.

- Mãe!

Atena começou a pular nas minhas pernas de novo.

- Sophie, sua cachorra tem molas nas patas?

- Ok, ok. Eu levo a sobremesa então. - Clara falou


pacientemente - E não se preocupe se o almoço atrasar.

- Mãe!

- Ok, Clara, obrigada mesmo! Um beijo!

- Mãe!

Desliguei o telefone, virando para Sophie logo em seguida e


cutucando-a da maneira mais insuportável a cada palavra:

- Oi. Oi. Oi. Oi. Oi.

Ela riu.

- Viu como é chato? - Perguntei, colocando o telefone no


lugar.

- É que você não me respondia...

- Eu estava falando com a vovó no telefone. Agora pode falar.


- É que a mommy chegou. Ela pediu pra chamar você lá no
jardim.

- Por quê?

- O seu presente tá lá.

Considerei sua resposta por algum tempo.

- E por que ela não traz aqui? - Perguntei.

- Porque não cabe. - Ela riu.

Congelei.

- Vixi.. - Emma soltou.

Puta que pariu, Lauren...

- Vem! - Ela falou, agarrando minha mão e me puxando para


fora.

Segui com ela para o hall, já traçando planos de como


castigar Lauren pelo que quer que ela tenha feito. Qualquer
coisa grande o suficiente para não caber dentro daquela
cozinha enorme a classificava como "culpada."

Quando chegamos no jardim, fechei os olhos lentamente e


respirei fundo. Sophie soltou a minha mão e saiu correndo
para o Mini Cooper preto estacionado na frente da garagem,
com as portas abertas.

Um carro. Por que eu não tinha pensado naquilo? Era a cara


de Lauren.

- Não é legal? - Ela gritou para mim, a alguns metros de


distância, entrando no carro e sentando no banco do
motorista - Posso dirigir?
- Não. - Falei, esfregando a testa e caminhando até ela.

- Por quê? - Ela perguntou decepcionada.

- Porque você precisa de carteira de motorista pra dirigir.

- Por quê?

- Porque se você dirigir sem uma carteira de motorista você


vai presa.

- Por quê?

- Porque sim.

- Aaah...

- Cadê a sua mommy? - Perguntei, querendo assassiná-la.

- Não sei. Ela tava aqui...

Cretina. Deve estar escondida.

- Vou procurá-la. Não deixa a Atena entrar no carro, tá?

- Tá. - Ela respondeu, se ajeitando no banco, segurando o


volante e fazendo uma expressão meio psicopata. Por via das
dúvidas, tirei a chave da ignição e levei comigo.

- Lauren! - Chamei no meu tom de voz mais puto, entrando


em cada aposento daquela casa e me virando para procurar
no próximo quando me dava conta de que ela não estava lá.
Entrei na biblioteca, na sala e até na piscina. Emma me
garantiu que ela não havia passado pela cozinha. Subi e
continuei gritando pelo seu nome até chegar no nosso quarto.
Entrei no banheiro e concluí que ela não estava lá. Ao me
virar para sair e continuar minha busca, encontrei-a a um
centímetro de mim, como uma psicopata. Dei alguns passos
tortos para trás com o susto até bater na pia de mármore.

- Oi, amor. Feliz aniversário! - Ela falou calmamente, com um


sorriso maníaco no rosto.

Se eu não a conhecesse, poderia jurar que Lauren me


esfaquearia naquele segundo e ficaria assistindo minha morte
lentamente nos azulejos do chão - Gostou do presente?

- Você lembra das minhas exatas palavras ontem de noite? -


Perguntei, ignorando o fato de estar quase sendo espremida
contra a parede.

- Lembro sim.

- E quais foram?

- Você disse que não queria nenhuma lembrança de


aniversário.

- Precisamente.

- E o que tem? - Ela perguntou, parecendo se divertir.

- Tem que você concordou.

- Sim. Eu concordei.

Levantei as chaves do carro à altura dos seus olhos e as


sacudi.

- Então que porra é esta?

Ela fingiu uma cara de espanto, como se tivesse sido


verbalmente agredida.

- Então você chama um carro de lembrança? Estou chocada.

Me controlei para não esganá-la.


- Lauren...

- É muito mais que uma lembrança. É algo muito útil.

- Eu... não sei... dirigir. - Falei pausadamente, articulando as


palavras muito bem para que ela as entendesse.

- Já está mais do que na hora de aprender.

Desejei ter um martelo de carne nas mãos para poder


amassar seus dedos, um a um.

- Vamos... - Ela continuou - Eu nunca te dei nada desse nível.

- Você queria me dar uma casa na Polinésia Francesa no ano


passado!

- E você não deixou!

- Mas é óbvio que eu não deixei! - Minha voz começou a sair


estridente - Se eu fosse deixar que você me enchesse de
presentes, em três anos eu teria uma quantia boa o suficiente
pra comprar o Taj Mahal e morar nele!

- Mas você é mesmo exagerada. Eu te dei um carro. Grandes


coisas.

Respirei fundo e contei até três. Tentei me convencer de que


estava exagerando. Ora, era só um carro.

- Ok, Lauren. - Fiquei em silêncio por algum tempo - Eu entro


em uma auto-escola...

- Eu posso arranjar a carteira de motorista se você quiser.


Aulas de auto-escola são sempre tão chatas... Encarei-a me
perguntando se ela alguma vez ouvia o que eu dizia.

Será que ela estava prestando atenção?


- Faça isso e eu arranco suas bolas, frito e dou pra Atena
comer.

Ela fez uma cara engraçada de dor.

- Você sairia perdendo se fizesse isso...

Ela chegou ainda mais perto. A essa altura eu já estava


praticamente sentada em cima da pia mesmo.

- Não vai agradecer pelo presente? - Ela perguntou


aproximando nossos rostos.

- Pelo carro? - Arqueei as sobrancelhas - Não. Mas obrigada


pelas flores.

- Não tenho nada a ver com isso. Foi coisa da Sophie.

- Claro que foi.

Ela riu de uma maneira doce. No fundo Lauren sempre soube


que aqueles detalhes, aqueles pequenos atos e lembranças
significavam muito mais para mim. Ela me conhece. Sabe que
uma simples Camélia arrancada de qualquer jeito do jardim
de Clara, com terra e tudo, ou uma noite de primavera que
ela passe deitada na grama ao meu lado no nosso próprio
jardim, valem muito mais do que qualquer jóia ou qualquer
presente. Valem mais porque simbolizam muito mais. Porque
me trazem de volta memórias, e porque me mostram que o
romantismo ainda está aqui, vivo entre nós duas.

Não só vivo como, ao que tudo indica, mais intenso. Se o


nascimento de Sophie tinha nos afastado momentaneamente
(o que estava dentro da normalidade, já que era exatamente
o que acontecia com quase qualquer casal), seu crescimento
nos deu a chance e o tempo de nos aproximarmos outra vez.
Talvez fosse só uma impressão, mas parece que Lauren
desenvolveu algum tipo de adoração esquisita por mim. Não
que me assuste ou faça com que eu me sinta desconfortável -
não MESMO -, mas é curioso e um pouco estranho como às
vezes eu me sinto em algum tipo de pedestal.

- Acho que está na hora de termos uma segunda lua de mel. -


Ela falou bem baixinho, me beijando com delicadeza.

Passei o braço em torno do seu pescoço.

- E você acha que a sua filha não vai querer vir junto? -
Perguntei esquecendo completamente de continuar puta com
ela.

- Nós deixamos ela com o Jack na França e nos mandamos. -


Ela abriu os olhos como se tivesse acabado de falar algo
muito inteligente - Porra, eu sou uma gênia!

Sorri, beijando-a intensamente sem aviso. Por um bom tempo.

- Vou comprar as passagens amanhã - Ela falou contra a


minha boca, envolvendo seus braços na minha cintura e me
puxando contra si - Austrália está bom pra você?

- Ei, apressadinha. Temos que ver um monte de coisas.

- Que coisas? Eu tiro férias, você vem comigo.

Eu não voltei a trabalhar depois que Sophie nasceu. Aceitei


desempenhar o meu próprio papel "Clara," o que, no fundo,
era mais ou menos fácil. Minha vida passou a ser basicamente
voltada para o objetivo simples de cuidar da minha família e
fazer com que todos estivessem bem. Pode não ser um
exemplo de autonomia e independência e todas aquelas
coisas que muitas mulheres de hoje em dia têm como meta
de vida, mas eu estou feliz. Feliz, do fundo do coração. E isso
é o suficiente para me fazer entender que eu não preciso
mudar.

O que significa que eu realmente posso ir pra qualquer lugar


com ela.

- Você é sempre tão prática...

- Você deveria ser assim também.

Uma de suas mãos subitamente entrou nos meus cabelos e


puxou meu rosto com força contra o dela. Sua língua
simplesmente invadiu minha boca como se não precisasse ser
anunciada. No exato momento em que minhas pernas se
enrolariam na sua cintura por vontade própria, ouvi uma
vozinha conhecida se aproximando.

- Mommy...1

- Hmmmfff... Por que ela sempre atrapalha nossos amassos? -


Ela concluiu sem separar as nossas bocas.

- Porque ela é a nossa filha. É o papel dela. - Sorri.

-Mommy...

- OOOOOOOOOOOOOOOOOOI! - Ela respondeu com um


tracinho quase inaudível de impaciência na voz.

Antes que Sophie entrasse no banheiro de repente - porque


às vezes ela simplesmente aparecia como uma assombração
-, desci da pia e me afastei um pouco de Lauren.

- Mommy. - Ela falou, caminhando de maneira imponente


banheiro a dentro. Simples assim, como se não estivesse
sendo empata-foda de ninguém.
- Pois não? - Ela respondeu, abrindo a torneira e fingindo lavar
as mãos.

- Eu tô aqui atrás.

- Mas meus ouvidos te escutam de qualquer lugar, princesa. -


Ela respondeu, não podendo virar de frente de jeito nenhum.
Sophie provavelmente perguntaria o que era aquilo grande no
meio das calças dela, e então teríamos que começar a falar
sobre sexualidade um pouco cedo demais com ela.

- É a Atena. - Ela falou.

- O que tem a Atena?

- Ela fez cocô no banco do carro da mamãe.

Lauren fez careta e se contorceu ainda de costas, dando uns


pulinhos e puxando a calça para frente.

- A mommy não disse pra você não deixar a Atena entrar,


amor?

Sophie encarou a mãe como se ela fosse um verme nojento,


obviamente duvidando de sua capacidade intelectual. Ela
sacudiu a mão, provavelmente achando que estava dizendo
algo óbvio demais, podendo ser seguido de um "Hello?": - Mas
eu não deixei. Ela me desobedeceu.

Soltei uma gargalhada.

Era esse tipo de atitude que fazia com que ela se


transformasse a cada dia mais em uma miniatura perfeita de
Lauren. Seu olhar de desdém é uma cópia do dela. Fora isso,
cada pequeno detalhe na sua aparência remete a ela. O
formato dos olhos, o nariz, a boca, o formato do rosto, as
orelhas, as mãos... Tudo, absolutamente tudo é igual a
Lauren.

Bom, não tudo.

O cabelo não é.

- Porra, Atena!

Atena, que estava do lado de Sophie, inclinou a cabeça se


perguntando o que Lauren queria com ela.

- Mommy! - Ela falou com os olhos esbugalhados em choque,


colocando as mãos na boca - Você falou palavrão!

- É, eu sei. - Ela falou, passando as mãos pelos cabelos e


bagunçando-os mais - Não imite a mommy. Ela é mal
educada, e meninas educadas não fazem isso. E você é muito
educada.

- Sou. - Ela pontuou, claramente orgulhosa de si mesma.

- Certo. - Lauren suspirou, pegando as chaves da minha mão -


Eu vou limpar o seu presente.

- E eu vou tomar um banho e me arrumar. - Ri - Daqui a pouco


seus pais estão aqui.

- Você ouviu isso, Atena ? - Sophie falou em uma voz um


pouco estridente - Daqui a pouco os convidados estão aqui e
nós não estamos arrumadas!

- Claro que estão. - Lauren se meteu - Vocês estão lindas.

- Mommy, eu tô de pijama.

- E qual o problema?

- O Jacob não pode me ver de pijama.


Jacob é o melhor amigo de Sophie. Eles se conheceram na
escola, e desde então não se desgrudaram mais. Jacob é de
origem italiana, mas tem os olhos um pouco puxados e um
sorriso encantador. Sempre que os vejo juntos eles estão
brigando, mas um não vive sem o outro. Na maioria das vezes
Sophie o acha bobo: Ele é um menino. Meninos são bobos.
Mas, no fundo, eu acho que ela gosta quando ele implica.

- Jacob? - Lauren perguntou.

- É o amiguinho dela. - Expliquei - Ele estava viajando e não


pôde vir dar os parabéns a ela no dia certo, mas chegou hoje.
Achei melhor convidá-lo pra vir ver Sophie.

Lauren olhou de mim para ela desconfiada.

- De onde vocês se conhecem?

- Da escola.

- Como ele é?

- Bobo.

- Quantos anos ele tem?

- Seis.

Lauren me encarou com uma expressão preocupada.

- Vou prestar atenção nesse moleque.

- Não seja ridícula. - Falei a ela.

- Não estou sendo. Homens são uns - e parou de emitir som,


apenas gesticulando com a boca - filhos da puta.

- Ele tem seis anos. Seis!

- Ele vai crescer.


Suspirei. Sophie olhava para nós duas como se não estivesse
entendendo nada.

- Ele é uma gracinha, Lauren. - Falei de maneira firme,


querendo pôr um fim àquela conversa - Minha intuição diz que
vocês vão se dar muito bem.

- Certo. - Ela respondeu completamente cética, como se eu


estivesse bêbada.

- Mãe, posso usar um batom seu?

- Não, não pode. - Lauren falou, tentando não ser seca com a
filha - Você já é linda. Agora vamos limpar o que a Atena fez
no presente da mamãe.

Sophie suspirou sem entender, e quando Lauren saiu ela foi


atrás. Mas antes de deixá-la ir, segurei-a pela mão e a puxei
para perto da minha boca, falando bem baixinho ao seu
ouvido.

- Já deixei um bem clarinho na sua gaveta. Só não deixa a


mama saber.

***

Minhas festas de aniversário nunca eram feitas em boates ou


clubes ou casas de festa. Minhas festas de aniversário se
passavam sempre com a minha família, e por mais que
Lauren achasse isso um pouco deprimente, eu discordava.
Talvez, se estivesse na minha pele, tendo passado pelas
perdas que eu passei, ela conseguiria entender o porquê
daquilo ser a minha diversão particular. Não significava dar
mais ou menos valor às pessoas: Era simplesmente ver as
coisas de jeitos diferentes.
Esse aniversário não foi diferente. Uma reunião familiar na
sala de estar da minha casa foi o suficiente para me deixar
alegre. Mike passou um bom tempo conversando coisas de
trabalho com Lauren. Clara aprendeu pelo menos umas três
brincadeiras diferentes com Sophie, que só largou a avó
quando Jacob chegou com os pais. A presença do menino
também chamou a atenção de Lauren que, numa atitude
incrivelmente "madura," resolveu usar aquela camisa
ameaçadora que Oliver deu a ela há mais ou menos cinco
anos atrás. É claro que ela sabe que, primeiro, Jacob não
entende francês, e que segundo, mesmo se entendesse, ele
não daria a mínima.

Mas tenho que admitir que seu ciúme idiota me divertiu. Foi
impagável a cara que Lauren fez ao saber que a filha e o
amiguinho estavam brincando na casa da árvore, tendo Atena
como única companhia. Ela passou a festa inteira indo lá
oferecer brigadeiro aos dois, obviamente com o intuito de se
certificar que Jacob não estava molestando Sophie. Os pais do
menino, Graças a Deus, não notaram como minha esposa é
estranha.

Depois do bolo, de alguns copos de refrigerante derrubados e


de um joelho mais uma vez ralado na terra (porque "Pique-
pega é divertido, mãe!"), o dia terminou. Recebi os votos de
felicidades de todos que eu amo, e isso foi o suficiente para
me fazer feliz.

São 22h. Sophie está apagada na cama há algum tempo, e


parece que só vai acordar amanhã. Lauren está lá dentro
arrumando as coisas sozinha, já que Emma já foi embora. E
eu estou aqui no jardim.
O céu está muito escuro, o que faz com que as estrelas
estejam brilhando mais do que o normal. É um bom cenário
pro meu jardim encantado. Faz com que ele fique ainda mais
bonito, me dá uma atmosfera boa para pensar.

Às vezes eu simplesmente penso.

Penso em tudo que aconteceu nos últimos anos. Penso em


como pode uma vida mudar da água pro vinho, quase como
mágica. Penso que tudo pelo qual eu passei antes dela chegar
na minha vida, por mais doloroso que tenha sido, é agora só
uma lembrança.

Não importa.

Quero manter meu passado, mas não para lembrar da dor


que já se foi. Quero guardar dele o fato de que um dia eu
subestimei o poder dos contos de fadas e quebrei a cara. E
que foi a minha princesa encantada a responsável por me
ensinar isso.

Meu segredo está guardado. Vai continuar assim por muito


tempo, talvez para sempre. Um dia, quem sabe, eu me sinta
preparada para contar. Mas é ainda inconfessável. Por
enquanto é. Por enquanto só ela sabe, e acho sinceramente
que só ela deva saber.

Talvez por enquanto. Talvez para sempre.

Mas eu estou bem. Definitivamente bem. Estou pensando no


dia de hoje, na minha família e nela. Venho pensando muito
nela. Estou pensando em quanto tempo vai ser preciso até
que ela note que eu não estou lá dentro e venha me buscar
aqui no jardim.
E quando ela fizer isso, estou pensando em como dar a
Lauren a notícia de que ela vai ser mãe de novo.

Dessa vez, de gêmeos.

FIM.+

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