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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

JOÃO VICTOR BARROS DANTAS

A INCONSTITUCIONALIDADE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL


NOS CRIMES DE RACISMO E INJÚRIA RACIAL NO BRASIL

FORTALEZA

2021
JOÃO VICTOR BARROS DANTAS

A INCONSTITUCIONALIDADE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL NOS


CRIMES DE RACISMO E INJÚRIA RACIAL NO BRASIL

Monografia apresentada ao Departamento de


Direito Público da Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Ceará como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito.

Orientadora: Msc. Fernanda Cláudia Araújo da


Silva.

FORTALEZA

2021
(ficha catalográfica)
JOÃO VICTOR BARROS DANTAS

A INCONSTITUCIONALIDADE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL NOS


CRIMES DE RACISMO E INJÚRIA RACIAL NO BRASIL

Monografia apresentada ao Departamento de


Direito Público da Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Ceará como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito.

Orientadora: Msc. Fernanda Cláudia Araújo da


Silva.

Aprovada em: ___/___/_____.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Prof. Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________

Prof. Msc. Bruno Marques Albuquerque

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

________________________________________

Prof. Msc. Antonio Alex Dayson Tomaz

Universidade Federal do Ceará (UFC)


À mamãe, Zandra Maria, a quem tudo devo. E à vovó,
Maria Stela (in memoriam), que me fez sentir amado
como nunca.
Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois
quando nele se entra novamente, não se encontra as
mesmas águas, e o próprio ser já se modificou.
(Heráclito de Éfeso)

Não, não vou por aí! Só vou por onde


Me levam meus próprios passos...
[...]
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
[...]
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

(José Régio)
RESUMO

Investiga-se se a celebração do acordo de não persecução penal (ANPP) nos crimes de


racismo e injúria racial viola o texto da Constituição Federal de 1988. Para tanto, analisam-se,
inicialmente, os tipos penais decorrentes de discriminação racial, bem como os antecedentes
históricos que culminaram na sua tipificação em lei. Em seguida, examinam-se os aspectos
elementares do ANPP, enquanto instrumento de política criminal. Ao final, avalia-se,
propriamente, se a formalização do ANPP nos crimes raciais é (in)compatível ao disposto no
texto constitucional. Na pesquisa, empregou-se o estudo de material bibliográfico, artigos
jurídicos, normas nacionais e internacionais, decisões judiciais, matérias jornalísticas,
pesquisas de opinião e estudos técnicos produzidos e veiculados por meios de comunicação.
Quanto aos resultados, identificou-se que o crime de injúria racial, embora seja crime contra a
honra, configura uma espécie de discriminação equiparada à prática de racismo.
Reconheceu-se, ainda, que o ANPP é medida insuficiente para punir e prevenir os crimes
raciais, pela repulsividade que denotam, sobretudo no contexto brasileiro. Por fim,
verificou-se que o constituinte originário dispensou um excepcional tratamento aos crimes
decorrentes da prática de racismo na Constituição Federal. Fez constar, em seu art. 5º, incisos
XLI e XLII, mandados constitucionais de criminalização que determinam a punição de
qualquer ato de discriminação atentatória de direitos e liberdades fundamentais, conferindo,
ainda, aos crimes raciais as características da imprescritibilidade, inafiançabilidade e sujeição
à pena de reclusão. Estabeleceu, como princípios fundamentais do Estado brasileiro, a
dignidade humana, a prevalência dos direitos humanos, o repúdio ao racismo e a promoção do
bem de todos, sem qualquer discriminação ou preconceito de raça ou cor. Para mais, reputou
invioláveis a honra e a imagem das pessoas e erigiu a igualdade como um dos direitos
fundamentais da mais alta importância ao declarar que “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza”. Constatou-se, enfim, a existência de um verdadeiro
microssistema antirracista de normas inscrito na Constituição Federal de 1988, a revelar que a
formalização do ANPP nos casos penais que envolvam a prática de racismo, incluída aí a
injúria racial, por sua gravidade e reprovabilidade, vulnera frontalmente o texto
constitucional, seja porque é medida materialmente incompatível com o disciplina antirracista
prevista na Constituição, seja porque não representa resposta estatal suficientemente apta a
reprimir e prevenir tais delitos.

Palavras-chave: Acordo de não persecução penal; Racismo; Discriminação; Preconceito


racial; Injúria Racial; Inconstitucionalidade; Política criminal.
ABSTRACT

We investigate whether the execution of the non-criminal prosecution agreement (ANPP) in


crimes of racism and racial insult violates the text of the 1988 Federal Constitution. the
historical background that culminated in its typification in law. Then, the elementary aspects
of the ANPP as an instrument of criminal policy are examined. At the end, it is properly
evaluated whether the formalization of the ANPP in racial crimes is (in)compatible with the
provisions of the constitutional text. In the research, the study of bibliographic material, legal
articles, national and international norms, court decisions, journalistic articles, opinion polls
and technical studies produced and published by the media were used. As for the results, it
was identified that the crime of racial injury, although it is a crime against honor, constitutes a
kind of discrimination similar to the practice of racism. It was also recognized that the ANPP
is an insufficient measure to punish and prevent racial crimes, due to the repulsiveness they
denote, especially in the Brazilian context. Finally, it was found that the original constituent
gave exceptional treatment to crimes arising from the practice of racism in the Federal
Constitution. It stated, in its art. 5, items XLI and XLII, constitutional criminalization
warrants that determine the punishment of any act of discrimination against fundamental
rights and freedoms, also conferring to racial crimes the characteristics of imprescriptibility,
unenforceability and subject to the penalty of imprisonment. It established, as fundamental
principles of the Brazilian State, human dignity, the prevalence of human rights, the
repudiation of racism and the promotion of the good of all, without any discrimination or
prejudice based on race or color. Furthermore, it considered the honor and image of people to
be inviolable and established equality as one of the fundamental rights of the highest
importance by declaring that “all are equal before the law, without distinction of any kind”.
Finally, it was verified the existence of a true anti-racist microsystem of norms inscribed in
the Federal Constitution of 1988, revealing that the formalization of the ANPP in criminal
cases involving the practice of racism, including racial injury, due to its seriousness and
reprobability , directly violates the constitutional text, either because it is a measure that is
materially incompatible with the anti-racist discipline provided for in the Constitution, or
because it does not represent a state response sufficiently capable of repressing and preventing
such crimes.

Keywords: Non-criminal prosecution agreement; Racism; Discrimination; Racial prejudice;


Racial slur; Unconstitutionality; Criminal policy.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Exemplar da tirinha “Armandinho”, personagem criado pelo ilustrador Alexandre


Beck………………………………………………………………………………………….. 18

Figura 2 - Versão digitalizada do decreto que aboliu a escravatura no


Brasil…………………………………………………………………………………………. 23

Figura 3 - Correio Paulistano noticia, em 1950, episódio que levou país a ter primeira lei
contra o racismo……………………………………………………………………………… 24

Figura 4 - Taxa de homicídio de negros a cada 100 mil habitantes - Brasil


(2008-2018)...............................................................................................................................52

Figura 5 - Imagens compartilhadas por estudante de Direito em suas redes sociais……….. 54


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANPP Acordo de não persecução penal

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

CNMP Conselho Nacional do Ministério Público

CP Código Penal

CPP Código de Processo Penal

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CNPG Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos


dos Estados e da União

GNCCRIM Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADO Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

HC Habeas Corpus

AMB Associação de Magistrados Brasileiros

ABACRIM Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas

CFOAB Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

CJF Conselho da Justiça Federal

MP Ministério Público

FBSP Fórum Brasileiro de Segurança Pública

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MPSP Ministério Público do Estado de São Paulo


MPAC Ministério Público do Estado do Acre

MPPE Ministério Público do Estado de Pernambuco

MPPI Ministério Público do Estado do Piauí

MPDFT Ministério Público do Distrito Federal e Territórios


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………....12

2 OS CRIMES DE RACISMO E INJÚRIA RACIAL NO ORDENAMENTO


JURÍDICO BRASILEIRO………………………………………………………………….14

2.1 Noções elementares: raça, racismo, cor, etnia, preconceito e discriminação………...14

2.2 Os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor no Brasil…………………....19

2.3 O crime de injúria qualificada pelo preconceito……...………………………………. 25

3. O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL: UM INSTRUMENTO DE


POLÍTICA
CRIMINAL………………………………………………………………………………... 30

3.1 Origem, conceito e natureza jurídica………………………………………………….. 30

3.2 Requisitos para a celebração do acordo de não persecução penal…………………... 31

3.3 Circunstâncias que obstam a realização do acordo…………………………………... 35

3.4 Condições impostas ao investigado no acordo e as consequências decorrentes do seu


descumprimento…………………………………………………………………………….. 37

3.5 O procedimento para a formalização do acordo de não persecução penal…………. 38

4 A INCONSTITUCIONALIDADE DA CELEBRAÇÃO DO ACORDO DE NÃO


PERSECUÇÃO PENAL NOS CRIMES DE RACISMO E INJÚRIA RACIAL NO
BRASIL……………………………………………………………………………………....41

4.1 O papel do acordo de não persecução penal no sistema de justiça


criminal…………………………………………………………………………………….... 41

4.2 O acordo de não persecução penal face ao microssistema antirracista inscrito na


Constituição Federal de 1988………………………………………………………………. 44
4.3 A insuficiência do acordo de não persecução penal para a reprovação e prevenção
dos delitos de discriminação racial no
Brasil……………………………………………………………………………………….... 50

4.4 A política criminal de enfrentamento à discriminação racial no Brasil em


recomendações expedidas pelos Ministérios Públicos do Distrito Federal e dos estados de
São Paulo, Acre, Pernambuco e Piauí……………………………………………………... 55

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………………. 63

REFERÊNCIAS…………………………………………………………………………….. 64
1 INTRODUÇÃO

“Ela falou pra mim que, assim que terminasse o serviço, ficasse no quartinho. Não
era pra eu conversar com ninguém. Que lugar de negro é lá no quartinho. E que ela não queria
eu conversando pelos corredores com ninguém”.1 “Não é coisa de pele, fere a alma”.2 “Uma
dor no coração que eu não queria mais existir depois que eu ouvi aquilo. Não queria mais
existir pra escutar essas coisas de ninguém, entendeu?”.

As declarações são de Eliani Cristina Florindo e Benedita Maria dos Santos,


funcionárias da prefeitura de São Carlos, São Paulo, vítimas de preconceito racial por parte de
servidora comissionada. A autora dos crimes foi demitida, mas readmitida pela gestão
municipal no mês seguinte, tendo firmado acordo de não persecução penal (ANPP) com o
Ministério Público do Estado, no qual se sujeitou ao pagamento de multa e a prestação de
serviços comunitários, para evitar os efeitos deletérios do processo penal.

É fato notório que a discrimanação racial constitui uma das mazelas que mais
assolam a população negra em todo o mundo. No Brasil, o mito da democracia racial,
defendida por Gilberto Freyre, na obra Casa Grande & Senzala, em 1933, fomentou no
imaginário popular a ideia de que brancos e negros viviam em perfeita harmonia no país,
tendo como base processo miscigenatório por que passou a sociedade brasileira no período
colonial.

Em verdade, ser negro ou negra no Brasil significa ter uma expectativa de vida
reduzida, piores salários, menor escolaridade, dificuldade de acesso a serviços públicos de
saúde, além de maiores chances de ser preso, morto ou sofrer qualquer tipo de abuso ou
violência.

Com o advento da Lei 13.964/19, apelidada de “Lei Anticrime” ou “Pacote


Anticrime”, a legislação penal e processual penal brasileiras foram sensivelmente alteradas.
Dentre as principais inovações legislativas promovidas pela lei, está a inclusão do art. 28-A

1
EPTV2 E G1 SÃO CARLOS E ARARAQUARA. Ministério Público denuncia servidora da Prefeitura de São
Carlos por injúria racial. 2020. São Paulo. Disponível em:
<https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2019/10/16/ministerio-publico-denuncia-servidora-da-prefeit
ura-de-sao-carlos-por-injuria-racial.ghtml> Acesso em: 12 de agosto de 2021.
2
ACIDADEON. "Não é coisa de pele, fere a alma", diz funcionária que sofreu injúria racial de servidora
comissionada. São Paulo. 2020. Disponível em:
<https://www.acidadeon.com/saocarlos/economia/NOT,0,0,1555947,nao-e-coisa-de-pele-fere-a-alma-diz-funcio
naria-que-sofreu-racismo-de-servidora-comissionada.aspx> Acesso em: 12 de agosto de 2021.
no Código de Processo Penal (CPP), que disciplinou, pela primeira vez em lei ordinária, o
ANPP, antes regulamentado apenas em resolução do Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP).

O ANPP constitui espécie de negócio jurídico extrajudicial celebrado entre o


órgão acusador e o suposto autor do delito, para que, mediante o ajuste e o integral
cumprimento de determinadas condições não privativas de liberdade pelo investigado,
declare-se extinta a punibilidade do infrator. Sem que haja, no caso concreto, a persecutio
criminis, ou seja, o oferecimento de peça acusatória e a deflagração e o processamento da
devida ação penal.

Essa ferramenta de política criminal é cabível apenas nas infrações penais


cometidas sem violência ou grave ameaça à pessoa, para as quais o legislador cominou pena
mínima inferior a 4 (quatro) anos, desde que a medida seja necessária e suficiente para
reprovação e prevenção do delito e o investigado tenha confessado formal e
circunstanciadamente a autoria do crime.

Ocorre que, nos termo da lei, ao menos em tese, esse instrumento negocial pode
ser formalizado também nas infrações penais resultantes do preconceito de raça e de cor de
que trata a Lei 7.716/89 e no crime de injúria qualificada pelo preconceito, ou injúria racial,
introduzida ao Código Penal Brasileiro através da Lei n. 9.459/97, alterada pela Lei n.
10.741/03, por serem crimes praticados sem violência ou grave ameaça, cujo preceito
secundário impõe penas que variam entre 1(um) a 5 (cinco) anos de reclusão.

A “Lei Anticrime” nada dispôs sobre a formalização do ANPP nos crimes raciais,
mas tratou de excluir, expressamente, do plano de incidência do acordo, os crimes praticados
no âmbito de violência doméstica ou familiar e os cometidos contra a mulher por razões da
condição de sexo feminino. Também o Enunciado n. 22 do Conselho Nacional de
Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo
Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM) veda a celebração do
ANPP no caso dos crimes hediondos e equiparados, sob o fundamento de que, nesses casos, a
medida é insuficiente para punir e desestimular o cometimento dos crimes.

Nesse contexto, considerada a existência, na Constituição Federal de 1988, de


mandados constitucionais de criminalização do racismo e de práticas discriminatórias
atentatórias de direitos e liberdades fundamentais, bem como de diversas outras disposições
constitucionais que visam à proteção e promoção dos direitos humanos, da dignidade humana,
da igualdade, do repúdio ao preconceito e ao racismo, perquire-se, neste trabalho
monográfico, a (in)compatibilidade da utilização do ANPP nos crimes raciais em relação à
ordem constitucional vigente.

É cediço que a Lei 7.716/89 trata do preconceito racial, considerado o sentido


polissêmico do termo “racismo”, para criminalizar não só condutas discriminatórias
motivadas pelo preconceito de raça e de cor, mas também àquelas relacionadas a aspectos
étnicos, religiosos ou de procedência nacional.

Além disso, mais recentemente, em 13/6/2019, considerada a ausência de


proteção estatal, o STF, por ocasião do julgamento da ADO n. 26/DF, decidiu que a citada lei
também se aplica a condutas homofóbicas e transfóbicas, que envolvem aversão odiosa à
orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por representarem expressões de
racismo, compreendido em sua dimensão social.

Registre-se, entretanto, que, por questões metodológicas, para mais bem delimitar
o objeto de pesquisa, este trabalho foca a situação específica da população negra e o
preconceito de raça ou de cor no Brasil. Nada obstante, por óbvio que as disposições e
conclusões deste estudo são também extensíveis, no que couber, a todos os demais grupos
vulneráveis a que a lei busca tutelar.

Utiliza-se da metodologia bibliográfica, qualitativa, dedutiva e exploratória, por


meio da pesquisa em livros, artigos jurídicos, normas nacionais e internacionais, enunciados
interpretativos, recomendações e notas técnicas expedidas por órgãos públicos competentes,
decisões judiciais, matérias jornalísticas, pesquisas de opinião e estudos técnicos produzidos e
veiculados por meios de comunicação.

No segundo capítulo deste trabalho, preliminarmente, analisam-se conceitos


essenciais para a compreensão dos temas que serão discutidos adiante, quais sejam: raça;
racismo; preconceito; cor; etnia; e discriminação, bem como aqueles que decorrem
diretamente destas categorias.

Em seguida, exploram-se os crimes resultantes de preconceito de raça e de cor


previstos na Lei n. 7.716/89 e o crime de injúria qualificada pelo preconceito ou injúria racial,
tipificado no art. 140, § 3º, do Código Penal Brasileiro, sem descuidar dos antecedentes
históricos relacionados ao seu surgimento.
No terceiro capítulo, por sua vez, examinam-se os aspectos básicos do ANPP à
luz do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei 13.964/2019. Ao final, no quarto
capítulo, investiga-se se a celebração do ANPP nos casos penais que envolvem discriminação
racial viola o texto da Constituição Federal de 1988.

Por fim, esclareça-se que este trabalho monográfico não pretende esgotar a
discussão acerca da questão do preconceito e da discriminação racial no Brasil, que é deveras
complexa. Mas, de alguma forma, ainda que no plano teórico, contribuir para a melhoria da
condição social dos sujeitos que compõem determinados grupos sociais minoritários e que,
em algum momento, em razão do preconceito, já se sentiram excluídos, perdidos, e/ou
deslocados.
2 OS CRIMES DE RACISMO E INJÚRIA RACIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO

Examinam-se, neste capítulo, os crimes resultantes de preconceito de raça e de cor


no ordenamento jurídico brasileiro. Inicialmente, para uma melhor compreensão das infrações
penais que serão aqui discutidas, faz-se necessário diferenciar alguns conceitos básicos
relacionados ao tema, tais como raça, racismo, preconceito, cor, etnia e discriminação.

Compreendidas estas categorias básicas, passa-se à análise dos tipos penais


decorrentes da discriminação racial, bem como dos antecedentes históricos que culminaram
no enquadramento dessas práticas como crimes, nos termos do que consta na Lei 7.716/89 e
no Código Penal Brasileiro.

2.1 Noções elementares: raça, racismo, cor, etnia, preconceito e discriminação

Tradicionalmente, o termo “raça” remete à categorização ou classificação de


seres. O conceito tem origem nas ciências naturais e surgiu, a princípio, para diferenciar
espécies de animais e plantas. Posteriormente, a ideia de raça também foi aplicada a seres
humanos, como forma de distinguir, por exemplo, brancos de não brancos. Conforme ensina
Silvio Luiz de Almeida:

[...] seu significado sempre esteve de alguma forma ligado ao ato de estabelecer
classificações, primeiro, entre plantas e animais e, mais tarde, entre seres humanos
[...] Seu sentido está inevitavelmente atrelado às circunstâncias históricas em que é
utilizado. Por trás da raça sempre há contingência, conflito, poder e decisão, de tal
sorte que se trata de um conceito relacional e histórico.3

Nos dias atuais, entretanto, a definição de raça não mais se restringe a um critério
puramente biológico. Afinal, tanto a antropologia, quanto a própria biologia já demonstraram
que não existem características fisiológicas e/ou culturais capazes de justificar uma
estratificação de seres humanos em castas ou linhagens.

Trata-se, pois, a raça, de uma categoria mais ampla, de conteúdo


político-ideológico ou político-social, como já reconheceu o STF, no julgamento do HC n.
8.2424/RS, do qual se extrai o seguinte excerto:

Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem


distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura,
pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam
como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. [...]

3
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019, p. 18.
A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo
meramente político-social.
(Habeas Corpus n. 82424/RS - SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno,
julgado em 17/09/2003, DJe 19/03/2004).4 (Grifou-se)

Fato é que, historicamente, o termo é utilizado não só para discriminar seres


humanos em grupos, de acordo com caracteres fenotípicos, culturais ou de nacionalidade,
mas, sobretudo, para estabelecer relações de poder, neutralizar desigualdades e justificar a
segregação e o genocídio de grupos vulneráveis.5 Funciona, assim, como uma espécie de
marcador social, através do qual um determinado grupo, que se vê como referência, cria e
fomenta processos de dominação e de inferiorização de um outro, que possui características
culturais, linguísticas, religiosas e sociais distintas.

É a partir da ideia de raça, ou melhor, da tese de que há diferentes raças humanas,


que surge a noção de racismo, que pode ser entendido como um sistema de opressão que nega
direitos e oportunidades a um determinado grupo social em função da cor de sua pele.6 É,
sobretudo, uma forma sistemática de praticar a discriminação, que resulta no estabelecimento
de vantagens ou desvantagens a certos sujeitos, de acordo com o grupo racial a que
pertencem.7

De acordo com o artigo 1º, inciso IV, da Convenção Interamericana contra o


Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância:

Art. 1º. [...]

IV. Racismo consiste em qualquer teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideias


que enunciam um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas
de indivíduos ou grupos e seus traços intelectuais, culturais e de personalidade,
inclusive o falso conceito de superioridade racial. O racismo ocasiona desigualdades
raciais e a noção de que as relações discriminatórias entre grupos são moral e
cientificamente justificadas. Toda teoria, doutrina, ideologia e conjunto de ideias
racistas descritas neste Artigo são cientificamente falsas, moralmente censuráveis,
socialmente injustas e contrárias aos princípios fundamentais do Direito
Internacional e, portanto, perturbam gravemente a paz e a segurança internacional,
sendo, dessa maneira, condenadas pelos Estados Partes.8

4
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 82424/RS. Relator Min. Maurício Corrêa. Disponível
em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur96610/false> Acesso em: 31 de julho de 2021.
5
Ibidem, p. 2.
6
RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. 1º ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p.7.
7
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Ibidem. Op. Cit. p. 22.
8
BRASIL. Decreto Legislativo n. 01/2021, de 19 de Fevereiro de 2021. Aprova o texto da Convenção
Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, adotada na
Guatemala, por ocasião da 43ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos,
em 5 de junho de 2013. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-legislativo-304416057>
Acesso em 09 de agosto de 2021.
Depreende-se, portanto, que o racismo tem por principal finalidade instituir e
manter uma espécie de regime de hierarquia racial, no qual uma determinada raça,
pretensamente superior, se sobrepõe a outra, sujeitando-a a um tratamento discriminatório e
inferiorizante que só aprofunda desigualdades.

A ideologia racista possui diferentes faces e formas de se manifestar. Por


exemplo, no século XIX, o denominado racismo científico fazia crer que as ciências da
natureza poderiam explicar as disparidades e a diversidade humanas. Com base em teorias
como o determinismo biológico e o determinismo geográfico, pregava-se a ideia de que
características biológicas, como a cor da pele, e ambientais, como condições climáticas,
contribuíam para o desenvolvimento de condutas imorais e violentas, além de produzirem
seres menos inteligentes.9

Se a discriminação, entretanto, se baseia em aspectos puramente étnico-culturais,


como a língua, a religião, os costumes e demais caracteres que identificam uma dada
coletividade, partindo do pressuposto de que uma determinada cultura é superior a outra,
tem-se o chamado racismo cultural. 10

O racismo estrutural ou sistêmico, por sua vez, na lição de Silvio Almeida, advém
da própria estrutura social, da maneira com que normalmente são conduzidas as relações
políticas, econômicas ou jurídicas na sociedade. 11 Por essa razão, ou seja, por estar o racismo
tão imbricado nas relações sociais, que, em muitos casos, ele não chega a ser sequer
considerado uma anomalia ou um problema social. Para André de Carvalho Ramos, o racismo
estrutural ou sistêmico:

[...] consiste em um conjunto de normas, práticas e comportamentos discriminatórios


cotidianos adotados por organizações públicas ou privadas que, movidos por
estereótipos e preconceitos, impõe a membros de grupos raciais ou étnicos
discriminados situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e
por demais instituições e organizações.12

Dessa forma, quando se diz que o racismo é estrutural, o que se está afirmando é
que o racismo é um processo naturalizado tanto pelo corpo social, quanto pelas instituições.
Nesse sentido, a discriminação racial não se manifesta apenas através de atitudes humanas
isoladas, mas também por ações institucionais.

9
Ibidem. p. 21.
10
FANON, Frantz. Em defesa da revolução africana. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1980. p. 36.
11
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Ibidem. Op. Cit. p. 33.
12
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 437.
Figura 01 - Exemplar da tirinha “Armandinho”, personagem criado pelo ilustrador Alexandre Beck

Fonte: https://www.facebook.com/tirasarmandinho

Nesse contexto, emerge a concepção de racismo institucional, que decorre do


próprio funcionamento das instituições, sejam elas públicas ou privadas. Levando-se em
consideração o fato de que essas organizações estão inseridas em uma estrutura social
preexistente, cujo racismo é elemento comum, nada mais natural que a sua atuação se dê
também dentro dos limites dessa estrutura discriminatória. De acordo com Almeida: “as
instituições são racistas porque a sociedade é racista.”13

Os primeiros a tratar do racismo institucional, utilizando esta nomenclatura,


inclusive, foram Charles V. Hamilton e Kwame Ture.14 À época, os autores chamaram a
atenção para o fato de que os brancos, nos EUA, dominavam o sistema político e econômico
da sociedade, revelando o que eles convencionaram chamar de “white power structure”.15
Para Hamilton e Ture: “Decisions which affect black lives have always been made by white
people”.16

No Brasil, a situação não é diferente, como alerta Silvio Almeida:

[...] detêm o poder os grupos que exercem o domínio sobre a organização política e
econômica da sociedade. Entretanto, a manutenção desse poder adquirido depende
da capacidade do grupo dominante de institucionalizar seus interesses, impondo a
toda sociedade regras, padrões de condutas e modos de racionalidade que tornem
“normal” e “natural” o seu domínio. No caso do racismo institucional, o domínio
se dá com o estabelecimento de parâmetros discriminatórios baseados na raça,
que servem para manter a hegemonia do grupo racial no poder. Isso faz com
que a cultura, os padrões estéticos e as práticas de poder de um determinado
grupo tornem-se o horizonte civilizatório do conjunto da sociedade. Assim, o
domínio de homens brancos em instituições públicas – o legislativo, o judiciário, o
ministério público, reitorias de universidades etc. – e instituições privadas – por
13
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Ibidem. Op. Cit. p. 31.
14
CARMICHAEL, S.; HAMILTON, C. Black power: the politics of liberation in America. New York:
Vintage, 1967. Livro digital.
15
Em tradução livre: "estrutura de poder branca".
16
Em tradução livre: “As decisões que afetam a vida dos negros sempre foram tomadas por brancos”.
exemplo, diretoria de empresas – depende, em primeiro lugar, da existência de
regras e padrões que direta ou indiretamente dificultem a ascensão de negros e/ou
mulheres, e, em segundo lugar, da inexistência de espaços em que se discuta a
desigualdade racial e de gênero, naturalizando, assim, o domínio do grupo formado
por homens brancos.17 (Grifou-se)

Constata-se, portanto, que o racismo pode ser praticado não só por indivíduos ou
grupos de indivíduos, mas também por organizações e instituições, que, no desempenho de
suas atividades, podem, ainda que de forma involuntária, discriminar, segregar ou mesmo
criar entraves ao pleno exercício de direitos por determinados grupos raciais.

Importante registrar, ainda, que racismo não se confunde com preconceito. O


preconceito pode ser entendido como uma convicção precipitada acerca de um sujeito ou de
um conjunto de sujeitos. O preconceituoso idealiza um estereótipo depreciativo do outro,
criando um estigma de que este é inferior, inadequado ou danoso de qualquer maneira.
Conforme explica Lauria: “O preconceito é subjetivo, interior, está no intelecto da pessoa,
configura um pré-julgamento negativo com relação a outro indivíduo ou grupo.”18

Quando, entretanto, o preconceito se materializa, através da prática de atos


materiais, diz-se que há a discriminação. Discriminar, em termos gerais, significa diferenciar,
discernir, demarcar ou dispensar um tratamento desigual a um indivíduo ou a um grupo de
indivíduos. A discriminação racial é, por sua vez, aquela oriunda do preconceito de raça ou de
cor e pode ocorrer de forma direta ou indireta.

Será direta a discriminação quando a repulsa ou a ofensa for perpetrada de


maneira manifesta, patente. Ao revés, será indireta quando velada, isto é, quando a questão
racial for simplesmente ignorada pelo sujeito ou instituição que discrimina. A Convenção
Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância
define, no seu artigo 1, a discriminação direta e a indireta, respectivamente:

Art. 1º. [...]

I. Discriminação racial é qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em


qualquer área da vida pública ou privada, com o propósito ou efeito de anular ou
restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um
ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos
internacionais aplicáveis aos Estados partes. A discriminação racial pode basear-se
em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica.

17
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Ibidem. Op. Cit. p. 27.
18
LAURIA, Mariano Paganini. Capítulo 10 - Preconceito de Raça ou de Cor - Lei 7347/1985. In: Rogério
Sanches Cunha; Ronaldo Batista Pinto e Renee do Ó Souza. (Org.). Leis Penais Especiais Comentadas Artigo
por Artigo. 01 ed. Salvador: Juspodium, 2020, p. 534.
II. Discriminação racial indireta é aquela que ocorre, em qualquer esfera da vida
pública ou privada, quando um dispositivo, prática ou critério aparentemente neutro
tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular para pessoas pertencentes
a um grupo específico, com base nas razões estabelecidas no Artigo l.l, ou as coloca
em desvantagem, a menos que esse dispositivo, prática ou critério tenha um objetivo
ou justificativa razoável e legítima à luz do Direito Internacional dos Direitos
Humanos.

A discriminação indireta encontra óbice na chamada teoria do impacto


desproporcional. Referida teoria, com base no princípio constitucional da igualdade, busca
inibir ações que, mesmo sem intenção, geram consequências prejudiciais a determinados
grupos ou indivíduos. De acordo com Joaquim Barbosa:

[...] tal teoria consiste na ideia de que toda e qualquer prática empresarial, política
governamental ou semigovernamental, de cunho legislativo ou administrativo, ainda
que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser
condenada por violação do princípio constitucional da igualdade material se, em
consequência de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência
especialmente desproporcional sobre certas categorias de pessoas.19

Frise-se, contudo, que nem toda discriminação possui um viés negativo. Afinal, as
ações afirmativas, por exemplo, são uma espécie de discriminação denominada positiva, na
medida em que visam à correção das desigualdades raciais e à promoção da igualdade de
oportunidades, através de programas e medidas especiais adotadas pelo Estado e pela
iniciativa privada, de acordo com a Lei n. 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial).20

Nesse sentido, é também o inciso V do art. 1º da Convenção Interamericana


contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, ao esclarecer
que tais políticas afirmativas não constituem discriminação:

Art. 1ª. [...]

V. As medidas especiais ou de ação afirmativa adotada com a finalidade de assegurar


o gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e
liberdades fundamentais de grupos que requeiram essa proteção não constituirão
discriminação racial, desde que essas medidas não levem à manutenção de direitos
separados para grupos diferentes e não se perpetuem uma vez alcançados seus
objetivos.

Por fim, a cor corresponde, basicamente, à tonalidade da pele. É, propriamente, a


sua pigmentação. Ao passo que etnia é um termo utilizado pela sociologia, atualmente, para se
referir ao que antes se entendia por “raça”.21 Diz respeito a grupos de indivíduos que

19
BARBOSA, Joaquim. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade – O Direito como
instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 24.
20
BRASIL. Lei n. 12.288, de 20 de Julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos
7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de
novembro de 2003. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm> Acesso em 21 de agosto de 2021.
21
LAURIA, Mariano Paganini. Ibidem. Op. Cit. p. 507.
compartilham aspectos históricos, geográficos, linguísticos, religiosos e culturais; tais como
judeus, indígenas e árabes.

A seguir, serão analisados os tipos penais definidos na Lei 7.716/89, bem como do
crime de injúria qualificada pelo preconceito ou injúria racial, de que trata o art. 140, § 3º, do
Código Penal Brasileiro.

2.2 Os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor no Brasil

O Brasil foi o país que mais recebeu africanos vítimas do tráfico negreiro no
mundo. Estima-se que, entre os anos de 1501 e 1866, algo em torno de 5 (cinco) milhões de
negros foram transportados de navio, em condições subumanas, para serem escravizados no
país.22 O Estado brasileiro foi também o último do continente americano a abolir a escravidão.

O fim do regime escravocrata no Brasil se deu de maneira gradual. Inicialmente,


em 1823, por ocasião da confecção do que viria a ser a primeira constituição do País, o
deputado José Bonifácio de Andrada e Silva propôs, pela primeira vez, que a abolição da
escravidão fosse decretada pelo texto constitucional. A ideia, entretanto, não prosperou e a
própria constituinte foi dissolvida por dom Pedro I que, no ano seguinte, outorgou a
Constituição do Império do Brasil23.

Sob a vigência da Constituição Imperial, os escravos continuaram sendo


considerados semoventes para efeitos civis. Quanto aos fins penais, entretanto, eram tidos
como seres híbridos, ora encarados como coisas, ora como humanos, conforme o caso.
Veja-se, de acordo com o Código Criminal do Império, de 183124, se o escravo cometesse um
crime, seria acusado e julgado como se pessoa fosse. Mas, ao contrário, se figurasse como
vítima do delito, seria visto como coisa, sobretudo nos crimes de lesão corporal e cárcere
privado.

A exceção ficava por conta do crime de homicídio doloso, no qual se considerava


pessoa o servo ofendido, ainda que a infração tivesse sido cometida pelo seu senhor. Sobre o
tema, Santos relembra o histórico caso de João Pereira de Souza, fazendeiro de Jacareí

22
SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2015, p. 81.
23
BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil. Manda observar a Constituição Politica do Imperio,
offerecida e jurada por Sua Magestade o Imperador. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm> Acesso em 20 de agosto de 2021.
24
BRASIL. Lei de 16 de Dezembro de 1830. Manda executar o Codigo Criminal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm> Acesso em 20 de agosto de 2021.
processado criminalmente por assassinar uma de suas escravas, Thereza, com um chute na
cabeça. Na época, o acusado, após absolvição pelo Tribunal do Júri, escreveu um livro no
qual narrou os fatos e as razões que o levaram a cometer o crime:

[...] na obra denominada O processo de João Pereira de Souza onde se vê a


indignação de um fazendeiro de Jacareí por ter sido processado criminalmente,
acusado de matar uma escrava sua, de nome Thereza, com um chute na cabeça.
Saliente-se que tão rara era a aplicação da lei em tais hipóteses, que após ter sido
absolvido em plenário do Júri, o acusado fez imprimir grande parte dos autos do
processo e narrou os fatos sob sua ótica, para “limpar sua honra”, fazendo publicar e
distribuir o livro supramencionado. Incumbe destacar que o acusado no processo se
defendeu basicamente negando o nexo causal entre a morte e o chute desferido
contra a testa de Thereza (sem sobrenome, como era a praxe). A agressão foi
justificada pelo autor porque a escrava, sentada, não escolhia o café com a
eficiência das demais, o que traz a lume a crueldade como usualmente eram
tratados os escravos em seu cotidiano.25 (Grifou-se)

Mais adiante, em 1850, sob forte pressão do Reino Unido pela extinção da
escravatura, o Estado brasileiro aprovou a Lei n. 581, intitulada “Lei Eusébio de Queiroz”26,
que passou a proibir o tráfico de escravos no país. Posteriormente, em 1871, editou a Lei n.
2.040, chamada “Lei do Ventre Livre” ou “Lei Rio Branco”27, que tornou livres os filhos de
escravos que viessem a nascer após a sua entrada em vigor. Na mesma direção, aprovada em
1885, a Lei n. 3.270, denominada “Lei dos Sexagenários” ou “Lei Saraiva-Cotegipe”28, previu
que o escravo ou “elemento servil” (expressão empregada pela lei) seria libertado tão logo
completasse 60 anos de idade.

No entanto, somente em 13 de maio 1888, na capital do Império, Rio de Janeiro,


decretou-se formalmente o fim da escravidão no Brasil, com a sanção da Lei n. 3.353, a “Lei
Áurea”29, pela princesa imperial regente Isabel. A lei, que possuía apenas dois artigos,
limitou-se a declarar extinto o regime de escravidão no País e a revogar disposições em
contrário. O manuscrito original do documento está atualmente sob a guarda do Arquivo do
Senado Federal.

25
SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010,
livro digital.
26
BRASIL. Lei n. 581, de 4 de Setembro de 1850. Estabelece medidas para a repressão do trafico de africanos
neste Imperio. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim581.htm> Acesso em 20 de
agosto de 2021.
27
BRASIL. Lei n. 2.040, de 28 de Setembro de 1871. Declara de condição livre os filhos de mulher escrava que
nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação e outros, e providencia sobre a criação e
tratamento daquelles filhos menores e sobre a libertação annaul de escravos. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim2040.htm> Acesso em 20 de agosto de 2021.
28
BRASIL. Lei n. 3.270, de 28 de Setembro de 1885. Regula a extincção gradual do elemento servil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM3270.htm> Acesso em 20 de agosto de 2021.
29
BRASIL. Lei n. 3.353, de 13 de Maio de 1888. Declara extinta a escravidão no Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim3353.htm> Acesso em 20 de agosto de 2021.
Figura 02 - Versão digitalizada do decreto que aboliu a escravatura no Brasil

Fonte: Acervo do Arquivo do Senado Federal, disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/385454.

Esse período histórico, entretanto, não é tão festejado por setores do movimento
negro. Afinal, à época, não havia qualquer política pública que pudesse de algum modo
amparar as vítimas recém libertas do regime escravocrata. A própria lei que os alforriou
nenhuma garantia adicional instituiu. Em verdade, muitos, para sobreviver, permaneceram
submetidos a condições de trabalho degradantes, sem quaisquer chances de ascender
socialmente ou mesmo de exercer plenamente a própria autonomia.

É dizer, a escravidão fora extinta apenas formalmente no Brasil, pois suas


sequelas permaneceram impregnadas à estrutura social da época, marcando profundamente as
relações sociais e reverberando até os dias atuais.

Assim como a “Lei Áurea”, o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil30,
promulgado em 11 de outubro de 1890, nada dispôs sobre a criminalização de condutas
relacionadas ao preconceito e à discriminação racial. Pelo contrário, referido diploma

30
BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de Outubro de 1890. Promulga o Codigo Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/d847.htm> Acesso em 20 de agosto de 2021.
normativo tornou contravenção penal a prática da capoeira (Art. 402)31, uma das principais
expressões da cultura afro-brasileira.

Em 1940, entrou em vigor o Decreto-lei n. 2.848 (atual Código Penal)32 que, em


sua redação original, assim como as normas anteriores, não tratou de questões afetas ao
preconceito e à discriminação racial.

Finalmente, em 3 de julho de 1951, durante o governo de Getúlio Vargas, a


primeira lei antirracismo foi sancionada no Brasil. Trata-se da Lei n. 1.390, também intitulada
“Lei Afonso Arinos”33, em referência ao deputado federal de mesmo nome, autor do
anteprojeto de lei que a originou.

A iniciativa que culminou na aprovação da lei surgiu após a enorme repercussão


do caso de racismo que envolveu a coreógrafa, antropóloga e ativista social Katherine
Dunham34. Em 1950, a americana, que estava em turnê pelo Brasil, denunciou à imprensa
nacional ter sido impedida de se hospedar no hotel Esplanada, em São Paulo, por conta da cor
de sua pele. Fato que foi massivamente difundido nos mais diversos meios de comunicação da
época.

31
Art. 402. Fazer nas ruas e praças publicas exercicios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela
denominação capoeiragem; andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão
corporal, provocando tumultos ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum
mal: Pena - de prisão cellular por dous a seis mezes. Paragrapho unico. E' considerado circumstancia aggravante
pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes, ou cabeças, se imporá a pena em dobro.
32
BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm> Acesso em: 04 de julho de 2021.
33
BRASIL. Lei n. 1.390, de 3 de Julho de 1951. Inclui entre as contravenções penais a prática de atos
resultantes de preconceitos de raça ou de côr. Disponível em :
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1390.htm> Acesso em: 20 de agosto de 2021.
34
WESTIN, RICARDO. Brasil criou 1º lei antirracismo após hotel em SP negar hospedagem a dançarina
negra americana. Agência Senado, Arquivo S. Edição n. 69. 2020. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/brasil-criou-1a-lei-antirracismo-apos-hotel-em-sp-neg
ar-hospedagem-a-dancarina-negra-americana> Acesso em: 20 de agosto de 2021.
Figura 03 - Correio Paulistano noticia, em 1950, episódio que levou país a ter primeira lei contra o racismo

Fonte: Reportagem de Ricardo Westin, para o Arquivo S, parceria entre a Agência Senado e o Arquivo Senado,
publicada em 6/7/2020

A Lei 1.390/51 definiu certos atos como contravenções penais quando praticados
em razão de preconceito de raça ou de cor. Posteriormente, em 1985, a Lei n. 7.43735 conferiu
a ela nova redação, para incluir em seu rol de contravenções também a prática de atos
resultantes de preconceito de sexo ou estado civil.

Dentre as condutas punidas pela “Lei Afonso Arinos”, estavam negar hospedagem
em hotéis, pensionatos ou em estabelecimento congênere; recusar a venda de mercadorias ou
atendimento a clientes; impedir a entrada em locais públicos; negar inscrição de aluno em
estabelecimento de ensino; obstar o acesso a cargo público ou ao serviço das forças armadas;
e recusar emprego ou trabalho.36

Frise-se que o que qualifica o ato como contravenção penal é justamente o


fundamento da recusa, que deve estar relacionado a aspectos de cunho racial, de cor, sexo ou

35
BRASIL. Lei n. 7.437, de 20 de Dezembro de 1985. Inclui, entre as contravenções penais a prática de atos
resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil, dando nova redação à Lei n. 1.390, de 3 de
julho de 1951 - Lei Afonso Arinos. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7437.htm>
Acesso em: 20 de agosto de 2021.
36
Nos termos dos arts. 2º a 7º da Lei 1.390/51.
estado civil. Se a prática de qualquer destes atos decorrer de motivação idônea diversa, não
haverá se falar na ocorrência de crime, tampouco na incidência da lei sub examine.

Apesar de representar um histórico e importante avanço na luta contra a


discriminação racial no País, a norma não se manteve imune a críticas. Entre as principais
apontadas, cite-se a que condena a opção do legislador em tipificar essas condutas como
meras contravenções penais, ao invés de enquadrá-las como crimes. Afinal, as contravenções,
por corresponderem a infrações de menor potencial ofensivo, possuem punições mais brandas.

No âmbito da citada lei, as penas cominadas são de prisão simples, variando entre
15 (quinze) dias a 1 (um) ano, e multa, aplicada de forma cumulativa ou alternativa, conforme
o caso. Há também previsão de perda de cargo público37 e, em caso de reincidência em
estabelecimentos privados, suspensão do seu funcionamento por prazo não superior a 3 (três)
meses.38

Entretanto, com a promulgação da Constituição da República Federativa do


Brasil, em 5 de outubro de 198839, a prática de racismo passou a ser considerada crime e não
mais simples contravenção, de acordo com a norma inscrita em seu art. 5°, XLII, in verbis:

Art. 5º. [...]

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à


pena de reclusão, nos termos da lei;

Trata-se, pois, de um verdadeiro mandado constitucional de criminalização, cujo


cumprimento se deu no ano seguinte à entrada em vigor da Carta Magna, com a
regulamentação do dispositivo pela Lei n. 7.716, publicada em 5 de janeiro de 198940.

Referida lei, também conhecida como “Lei Antidiscriminação” ou “Lei Caó”, em


alusão ao ex-deputado federal Carlos Alberto Caó de Oliveira, ativista do movimento negro e
autor do projeto de lei que a instituiu, definiu como crimes as condutas resultantes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional41 e revogou
a “Lei Afonso Arinos” naquilo que dispunha acerca do preconceito de raça e de cor.42

37
Nos termos do art. 5º, par. único, e arts. 6º e 7º da Lei 1.390/51.
38
Nos termos do art. 8º da Lei 1.390/51.
39
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm#adct>. Acesso em: 04 de julho de 2021.
40
BRASIL. Lei n. 7.716, de 5 de Janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm> Acesso em: 20 de agosto de 2021.
41
Nos termos do art. 1º da Lei 7.716/89.
42
A “Lei Afonso Arinos” foi revogada apenas parcialmente, vigorando ainda no que diz respeito à discriminação
por sexo ou estado civil.
Todos os tipos penais previstos na Lei n. 7.716/89 são de ação penal pública
incondicionada e detêm como bens jurídicos tutelados a dignidade da pessoa humana e o
direito à igualdade, assegurados, respectivamente, pelos arts. 1º, III, e 5º, caput, da CF. Por
serem classificados como delitos comuns, qualquer pessoa pode cometê-los, incluindo
integrantes do próprio grupo vulnerável a que a lei pretende amparar.

São também considerados crimes formais, pois não exigem resultado naturalístico
para a sua consumação. O elemento subjetivo é o dolo. Isto é, a vontade livre e consciente de
praticar o ato descrito na norma penal incriminadora, inexistindo forma culposa. Admitem a
tentativa (em tese) e o concurso de agentes (coautoria e participação).

À semelhança do que ocorre com a “Lei Afonso Arinos”, para que o fato se
adeque ao tipo penal previsto na “Lei Antidiscriminação”, a conduta do agente deve,
necessariamente, derivar de um dos elementos referidos no art. 1º desta lei (discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional). Por exemplo, o ato de
“recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino
público ou privado de qualquer grau” não configura o crime previsto no art. 6º da lei, se o
fundamento da recusa for qualquer outro que não o preconceito ou a discriminação.

Os verbos nucleares dos tipos penais presentes na Lei n. 7.716/89, excetuando-se


o disposto no art. 20, revezam-se entre “impedir”, “obstar”, “negar” e “recusar”. Todos
empregados no sentido geral de criar obstáculos, embaraços, atrapalhar, dificultar, opor-se,
vedar ou inadmitir o acesso de alguém a algo.

As condutas típicas previstas na lei podem ser divididas em formas específicas de


discriminação, descritas nos arts. 3º a 14, e forma genérica de discriminação, disposta no art.
20. Entre as formas específicas, reproduzindo-se em parte o que já dispunha a “Lei Afonso
Arinos”, definiu-se como crime recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial,
restaurantes, locais de diversão, salões de beleza e similares abertos ao público, negando-se a
servir ou a atender43; assim como recusar hospedagem em hotéis e similares ou impedir
acesso a edifícios públicos, residenciais e a transportes públicos.44

Criminalizou-se, também, as condutas de impedir ou obstar o acesso ao serviço


militar, à cargo ou à promoção no serviço público; negar ou obstar emprego em empresa
privada; discriminar funcionário na vigência do contrato ou exigir, em anúncios de
43
Nos termos dos arts. 5º, 8º, 9º e 10 da Lei 7.716/89.
44
Nos termos dos arts. 7º, 11 e 12 da Lei 7.716/89.
recrutamento, aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para funções cujas atividades
não justifiquem essas exigências.45

Da mesma forma, tornou-se crime o ato de impedir ou obstar o acesso ao


casamento, à convivência familiar ou social e recusar, negar ou impedir inscrição ou ingresso
de aluno a estabelecimento de ensino público ou privado.46

Já a modalidade genérica de discriminação, prevista no art. 20, pune as condutas


de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional, possuindo um alcance consideravelmente superior ao dos tipos penais
descritos até aqui, o que confere uma maior abrangência na aplicabilidade à Lei n. 7.716/89.

Trata-se de de infração penal de natureza subsidiária ou residual, uma vez que só


se aplica nos casos em que não se verificar a incidência típica de uma das formas específicas
de discriminação previstas nos arts. 3º a 14 da lei.

O verbo “praticar”, por ter forma livre, remete a qualquer atitude apta a ensejar a
discriminação prevista no tipo penal47, incluindo-se os gestos, expressões, sinais ou escritos.48
O núcleo “induzir”, por sua vez, refere-se à ação de suscitar, inspirar ou introduzir uma ideia
nova na consciência de alguém; ao passo que “incitar” diz respeito ao ato de estimular,
instigar, aguçar um pensamento que já existia na mente alheia.

Registre-se que, na espécie, não se distingue o agente que induz ou incita daquele
que pratica diretamente a conduta incriminada no tipo penal, de modo que todos são
considerados autores do delito.

A pena cominada pelo legislador para a forma prevista no caput do art. 20 é a de


reclusão de um a três anos e multa. Mas, se o crime é cometido através de meios de
comunicação social ou publicação de qualquer natureza, a pena será de dois a cinco anos e
multa, de acordo com o § 2º do referido dispositivo. Nos demais tipos penais previstos na lei,
as penas variam entre 1 (um) e 5 (cinco) anos de reclusão.

Por fim, os artigos 16 e 20, § 4º, definem efeitos específicos da condenação pela
prática das infrações penais descritas na Lei n. 7.716/89. De acordo com o art. 16, constitui

45
Nos termos dos arts. 3º, 4º e 13 da Lei 7.716/89.
46
Nos termos dos arts. 6º e 14 da Lei 7.716/89.
47
OSÓRIO, Fábio Medina; SCHAFER, Jairo Gilberto. Dos crimes de discriminação e preconceito, n. 714:
Revista dos Tribunais, 1995, p. 330.
48
SANTOS, Christiano Jorge. Ibidem. Op. Cit. Livro digital.
efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, caso o autor do delito seja agente
público. Em se tratando de particular, entretanto, poderá o funcionamento do estabelecimento
ser suspenso por até 3 (três) meses. Tais efeitos não são automáticos e demandam decisão
fundamentada da autoridade judiciária competente.49

Já o art. 20, § 4º, determina que nos casos em que a discriminação é cometida em
meios de comunicação ou por meio de publicação, na forma do § 2º do mesmo artigo,
impõe-se a destruição do material apreendido após o trânsito em julgado da decisão como
efeito imediato da condenação.

2.3 O crime de injúria qualificada pelo preconceito

Em 13 de Maio de 1997, a Lei n. 9.45950 definiu o crime de injúria racial, também


denominado injúria preconceituosa ou por discriminação, ao inserir o § 3º no art. 140, do CP,
mais tarde alterado pela Lei n. 10.741/03.51

Trata-se de uma forma qualificada do crime de injúria (art. 140, caput, do CP),
incluindo-se no rol de crimes contra a honra, e consiste no uso de elementos relacionados a
raça, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência para ofender a
dignidade ou o decoro da vítima:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:


[...]
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia,
religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
(Redação dada pela Lei n. 10.741, de 2003)
Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei n. 9.459, de 1997)

Injuriar quer dizer ofender, ultrajar ou insultar uma pessoa. Tem-se o crime em
comento quando o ataque é praticado com o objetivo específico de macular a honra subjetiva
do sujeito, bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora.

Via de regra, é crime comissivo, isto é, que decorre de uma ação do agente, de um
fazer, mas também pode ser cometido por omissão, conforme defende Magalhães Noronha:

49
Nos termos do art. 18 da Lei 7.716/89.
50
BRASIL. Lei n. 9.459, de 13 de Maio de 1997. Altera os arts. 1º e 20 da Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989,
que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e acrescenta parágrafo ao art. 140 do
Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em :
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9459.htm> Acesso em: 22 de agosto de 2021.
51
BRASIL. Lei n. 10.741, de 1º de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.
Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm> Acesso em: 22 de agosto de
2021.
“se uma pessoa chega a uma casa, onde várias outras se acham reunidas e cumprimenta-as,
recusando, entretanto, a mão a uma que lhe estende a destra, injuria-a”.52

Nesse mesmo sentido, ensina Guilherme Nucci:

O bem jurídico a que buscou proteger o legislador é a honra subjetiva, isto é, a


autoimagem da pessoa. Injuriar significa ofender ou insultar (vulgarmente, xingar).
No caso presente, isso não basta. É preciso que a ofensa atinja a dignidade
(respeitabilidade ou amor próprio) ou o decoro (correção moral ou compostura) de
alguém [...] Embora, a maneira mais comum de se praticar a injúria seja por meio de
xingamentos verbais, são admitidas várias outras formas, inclusive por gestos,
comportamentos ou até mesmo por omissão. Conforme o cenário, a recusa a um
cumprimento pode figurar uma injúria, conduta que se dá na forma omissiva.53

Cuida-se de delito comum, pelo que pode ser cometido por qualquer pessoa, não
lhe sendo exigida nenhuma qualificação especial. Por outro lado, somente pessoa natural pode
figurar como sujeito passivo do crime, tendo em vista que pessoa jurídica não possui
autoestima ou amor próprio e, portanto, não pode ser injuriada.54

A injúria preconceituosa é considerada crime formal, pois se consuma no


momento em que a ofensa chega ao conhecimento da vítima, sendo desnecessária a
ocorrência de qualquer resultado naturalístico. O elemento subjetivo do crime também é o
dolo, consistente na vontade livre e consciente de insultar alguém, valendo-se de caracteres
raciais, étnicos, ou de qualquer outro referido pela norma.

Conforme explica Carlos Cezar Bitencourt:

Para a configuração da injúria por preconceito, é fundamental, além do dolo


representado pela vontade livre e consciente de injuriar, a presença do elemento
subjetivo especial do tipo, constituído pelo especial fim de discriminar o ofendido
por razão de raça, cor, etnia, religião ou origem.55

A sanção penal prevista para injúria racial é consideravelmente superior àquela


cominada para o crime de injúria simples. Enquanto a forma do caput do art. 140 é penalizada
com 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção ou multa, a modalidade qualificada é punida com
pena de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão e multa.

A pena é idêntica àquela estipulada para o tipo penal genérico de racismo previsto
no art. 20 da Lei 7.716/89. Por essa razão, o crime de injúria qualificada pelo preconceito já

52
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1973. v. 2. Livro digital.
53
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 16. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 942.
54
NUCCI, Guilherme de Souza. Ibidem. Op. Cit. p. 941.
55
BITENCOURT, Cezar Roberto. Coleção Tratado de direito penal, volume 2. 20. ed. São Paulo : Saraiva
Educação, 2020, livro digital.
teve a sua constitucionalidade questionada perante o STF, no HC n. 109.676/RJ, de relatoria
do Ministro Luiz Fux.

No writ, o impetrante defendia a inconstitucionalidade do §3º do art. 140 do CP,


por entender que o preceito secundário do tipo penal era excessivo e violava o princípio da
proporcionalidade.

Em sua decisão, a Suprema Corte asseverou não existir qualquer ofensa à


proporcionalidade e declarou constitucional a pena fixada pelo legislador para o referido
delito, tendo como fundamentos os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e
da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, conforme restou consignado na ementa
do julgado que, pela importância, transcreve-se:

HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. DIREITO


CONSTITUCIONAL. CRIME DE INJÚRIA QUALIFICADA. ALEGAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA PREVISTA NO TIPO, POR OFENSA
AO PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE, E PRETENSÃO DE VER
ESTABELECIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOVO
PARÂMETRO PARA A SANÇÃO. CRIAÇÃO DE TERCEIRA LEI.
IMPOSSIBILIDADE. SUPOSTA ATIPICIDADE DA CONDUTA E PLEITO DE
DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA INJÚRIA SIMPLES.
REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA NA VIA DO WRIT.
IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO.
1. A Lei n. 9.459/97 acrescentou o § 3º ao artigo 140 do Código Penal, dispondo
sobre o tipo qualificado de injúria, que tem como escopo a proteção do
indivíduo contra a exposição a ofensas ou humilhações, pois não seria possível
acolher a liberdade que fira direito alheio, mormente a honra subjetiva.
2. O legislador ordinário atentou para a necessidade de assegurar a prevalência
dos princípios da igualdade, da inviolabilidade da honra e da imagem das
pessoas para, considerados os limites da liberdade de expressão, coibir
qualquer manifestação preconceituosa e discriminatória que atinja valores da
sociedade brasileira, como o da harmonia inter-racial, com repúdio ao discurso
de ódio.
3. O writ veicula a arguição de inconstitucionalidade do § 3º do artigo 140 do
Código Penal, que disciplina o crime de injúria qualificada, sob o argumento de que
a sanção penal nele prevista – pena de um a três anos de reclusão – afronta o
princípio da proporcionalidade, assentando-se a sugestão de ser estabelecida para o
tipo sanção penal não superior a um ano de reclusão, considerando-se a distinção
entre injúria qualificada e a prática de racismo a que se refere o artigo 5º, inciso
XLII, da Constituição Federal. 3.1 – O impetrante alega inconstitucional a
criminalização da conduta, porém sem demonstrar a inadequação ou a excessiva
proibição do direito de liberdade de expressão e manifestação de pensamento em
face da garantia de proteção à honra e de repulsa à prática de atos discriminatórios.
4. A pretensão de ser alterada por meio de provimento desta Corte a sanção penal
prevista em lei para o tipo de injúria qualificada implicaria a formação de uma
terceira lei, o que, via de regra, é vedado ao Judiciário. Precedentes: RE n.
196.590/AL, relator Ministro Moreira Alves, DJ de 14.11.96; ADI 1822/DF, relator
Ministro Moreira Alves, DJ de 10.12.99; AI (Agr) 360.461/MG, relator Ministro
Celso de Mello, DJe de 06.12.2005; RE (Agr) 493.234/RS, relator Ricardo
Lewandowski, julgado em 27 de novembro de 2007.
5. O pleito de reconhecimento da atipicidade ou de desclassificação da conduta, do
tipo de injúria qualificada para o de injúria simples, igualmente não pode ser
acolhido, por implicar revolvimento de matéria fático-probatória, não admissível na
via do writ.
6. In casu, o paciente foi condenado à pena de um ano e quatro meses de reclusão,
substituída por uma pena restritiva de direito consistente em prestação de serviço à
comunidade, e à prestação pecuniária de 16 (dezesseis) cestas básicas, de valor não
inferior a R$ 100,00 (cem reais), em virtude de infração do disposto no artigo 140, §
3º, do Código Penal, a saber, injúria qualificada pelo preconceito.
7. Ordem de habeas corpus denegada.
(HC 109676, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 11/06/2013,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 13-08-2013 PUBLIC
14-08-2013).56 (Grifou-se)

Não obstante a reconhecida gravidade do crime de injúria racial (evidenciada pela


severa pena cominada), a ação penal, na espécie, era de exclusiva iniciativa privada. Ao
menos até a publicação da Lei n. 12.033/0957, que veio para corrigir o equívoco cometido pelo
legislador, alterando a redação do parágrafo único do art. 145 do CP, para tornar pública
condicionada à representação a ação penal nesses casos:

Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa,
salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.

Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do


inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no
caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3o do art. 140 deste
Código. (Redação dada pela Lei n. 12.033. de 2009)

Dessa forma, atualmente, o crime de injúria qualificada por motivos de raça, cor,
etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência é de ação penal pública
condicionada à representação da vítima e não mais de ação penal privada. Difere-se, neste
ponto, dos crimes de racismo, previstos na Lei n. 7.716/89, cuja ação penal é pública
incondicionada.

Tais infrações, embora muito semelhantes, apresentam ainda outros aspectos


distintivos. Do ponto de vista topográfico, como já foi mencionado neste trabalho, a injúria
qualificada pelo preconceito é tipificada no CP (art. 140, § 3º), ao passo que os crimes de
racismo são tratados em lei específica (Lei n. 7.716/89).

Quanto ao bem jurídico protegido em cada uma delas, tem-se que, na injúria
racial, tutela-se a imagem e a honra subjetiva de determinada pessoa. Já no racismo, busca-se
resguardar a dignidade humana e assegurar a igualdade a uma dada coletividade de membros.

56
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 109.676/RJ. Relator Min. Luiz Fux. Disponível em:
<https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4318619> Acesso em: 22 de agosto de
2021.
57
BRASIL. Lei n. 12.033, de 29 de setembro de 2009. Altera a redação do parágrafo único do art. 145 do
Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, tornando pública condicionada a ação penal em
razão da injúria que especifica. Disponível em :
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12033.htm> Acesso em: 22 de agosto de 2021.
Ambos os crimes são cometidos através de manifestações de preconceito, por essa
razão, na prática, nem sempre é tão simples individualizar as condutas para realizar o devido
enquadramento típico. Neste quesito, Santos aponta o alcance da manifestação preconceituosa
como critério marcador da distinção:

[...] entende-se que o critério a ser adotado para a diferenciação entre as condutas
deva ser o alcance das expressões, gestos ou qualquer modo de exteriorização do
pensamento preconceituoso. Quando a ofensa limita-se estritamente a uma
pessoa, como a referência a um negro que se envolve num acidente banal de
trânsito, como “preto safado”, por exemplo, estaremos diante de injúria
qualificada do art. 140, § 3°, do Código Penal, em princípio, por somente
estarmos a verificar a ofensa à honra subjetiva da vítima. Se, contudo, no
mesmo contexto fático diz-se: “Só podia ser coisa de preto, mesmo!”, estaria
caracterizada a figura típica do art. 20, caput, da Lei n. 7.716/89, porque,
embora a frase seja dirigida a uma única pessoa, mesmo que seja num
momentâneo desentendimento, está revelando inequivocamente um preconceito
em relação à raça negra, ou aos que possuam a “cor preta”, pois a expressão
utilizada contém o raciocínio de que todo negro ou preto faz coisas erradas [...]58
(Grifou-se)

É inegável que também na injúria racial há elementos preconceituosos próprios da


discriminação racial. Havendo clara manifestação de racismo também no ato de ofender ou
insultar a honra subjetiva de alguém pelo simples fato de fazer parte de um grupo racial ou
étnico específico. Não sem motivo o STJ já decidiu, em 2015, por ocasião do julgamento do
AgRg em REsp 1.849.696/SP, que a injúria qualificada pelo preconceito corresponde a uma
face do crime de racismo e como tal deve ser reputada inafiançável e imprescritível. O tema
será ainda explorado no capítulo 4 deste estudo.

58
SANTOS, Christiano Jorge. Ibidem. Op. Cit. Livro digital.
3. O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL: UM INSTRUMENTO DE POLÍTICA
CRIMINAL

Analisa-se, neste ponto da pesquisa, o ANPP enquanto ferramenta de política


criminal à disposição do sistema de justiça, tendo como base a legislação em vigor, os atos e
orientações normativas dos órgãos competentes e a produção doutrinária e jurisprudencial
sobre o tema.

Para tanto, adota-se uma abordagem genérica do instituto, versando sobre a sua
origem, conceito e natureza jurídica, requisitos, vedações e condições legais, bem como o seu
procedimento e as consequências decorrentes do seu descumprimento.

3.1 Origem, conceito e natureza jurídica

O ANPP ingressou no ordenamento jurídico brasileiro, originalmente, através da


Resolução n. 181/2017, do CNMP59, tendo sofrido alterações pela Resolução n. 183/2018, do
mesmo órgão60, mas foi apenas com a entrada em vigor da Lei n. 13.964/201961, em
23/01/2020, que essa ferramenta passou a ter previsão legal.

Com a positivação do ANPP em lei ordinária, pacificou-se uma intensa discussão


a respeito da constitucionalidade da Resolução n. 181/2017, travada no âmbito das ADIs
579062 e 579363, de autoria da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) e do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB).

Em ambas as ações, os autores defendiam a declaração de inconstitucionalidade


da resolução editada pelo CNMP, sob o fundamento de que ela teria usurpado a competência

59
BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Resolução n. 181, de 07 de Agosto de 2017. Dispõe sobre
instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público. Disponível em:
<https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resoluo-181-1.pdf> Acesso em: 02 de junho de 2021.
60
BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Resolução n. 183, de 24 de Janeiro de 2018. Altera os
artigos 1º, 3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 13, 15, 16, 18, 19 e 21 da Resolução 181, de 7 de agosto de 2017, que dispõe
sobre instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público..
Disponível em: <https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resoluo-183.pdf> Acesso em 02 de junho
de 2021.
61
BRASIL. Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm> Acesso em 12 de
junho de 2021.
62
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5790. Relator Min. Ricardo
Lewandowski. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqo
bjetoincidente=5283027>. Acesso em: 19 de junho de 2021.
63
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5793. Relator Min. Ricardo
Lewandowski. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqo
bjetoincidente=5288159>. Acesso em: 19 de junho de 2021.
legislativa da União para legislar sobre direito processual prevista no art. 22, I, CF.,
excedendo do poder regulamentar conferido ao órgão pelo texto constitucional.

De qualquer forma, após a entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, com a


inclusão do ANPP no Código de Processo Penal (CPP), tais ADIs perderam a sua utilidade.
Afinal, a matéria passou a ser disciplinada em lei e não mais em norma infralegal.

Superada, então, a polêmica envolvendo um possível vício de origem no


surgimento do instituto, registre-se que o ANPP possui inspiração na chamada justiça penal
negociada, sobre a qual leciona Cleber Masson:

[...] esse modelo de justiça penal diferencia-se da tradicional justiça retributiva, na


qual se busca a imposição da pena a quem violou a norma penal, sem qualquer
espaço para transação entre as partes. Na justiça penal negociada, por sua vez, o
sujeito que ofendeu a norma penal e o órgão acusatório celebram acordo envolvendo
as consequências jurídicas da conduta criminosa, com a imprescindível admissão de
culpa.64

Dessa forma, como expressão do modelo de justiça penal negociada no Brasil,


após o encerramento da investigação preliminar, não sendo o caso de arquivamento, o
Ministério Público (MP) poderá deixar de oferecer denúncia para propor ao investigado a
celebração do ANPP, desde que convencido da necessidade e da suficiência da medida para
reprovação e prevenção do delito supostamente cometido.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que o ANPP nada mais é que um negócio
jurídico extrajudicial, firmado entre o MP e o investigado, assistido por seu defensor, para que
não haja, no caso concreto, persecução penal.65 Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima:

[...] cuida-se de negócio jurídico de natureza extrajudicial, necessariamente


homologado pelo juízo competente – pelo menos em regra, pelo juiz das garantias
(CPP, art. 3º-B, inciso XVII, incluído pela Lei n. 13.964/19) –, celebrado entre o
Ministério Público e o autor do fato delituoso – devidamente assistido por seu
defensor –, que confessa formal e circunstanciadamente a prática do delito,
sujeitando-se ao cumprimento de certas condições não privativas de liberdade, em
troca do compromisso do Parquet de não perseguir judicialmente o caso penal [...]
declarando-se a extinção da punibilidade caso a avença seja integralmente
cumprida.66

64
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120): v. 1. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTODO, 2020, p. 474.
65
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
Livro digital.
66
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador:
Ed. JusPodivm, 2020, p. 274.
Trata-se, portanto, de mais um instrumento despenalizador, de ampliação do
espaço negocial no processo penal brasileiro67, tal como o são a transação penal, a suspensão
condicional do processo, o acordo de leniência e a delação premiada.

3.2 Requisitos para a celebração do acordo de não persecução penal

O art. 28-A, caput, do CPP, inserido pela Lei n. 13.964/2019, disciplina ao menos
cinco requisitos básicos que devem ser observados cumulativamente para a formalização do
ANPP, nos seguintes termos:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal
e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e
com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor
acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e
alternativamente: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Inicialmente, deve-se estar diante de procedimento investigatório criminal que


possua o mínimo de viabilidade acusatória, isto é, que não seja passível de arquivamento,
conforme adverte Renato Brasileiro de Lima:

[...] deverá existir aparência da prática criminosa (fumus comissi delicti),


punibilidade concreta (v.g., não estar prescrita a pretensão punitiva), legitimidade da
parte (v.g., ser o crime de ação penal pública, praticado por pessoa maior de idade) e
justa causa (suporte probatório mínimo a fundamentar uma possível acusação).68

Também é pressuposto para a celebração do ANPP que o investigado confesse


formal e circunstanciadamente a prática da infração penal. Exigência que vem sendo muito
criticada por parte da doutrina que entende se tratar de uma ofensa ao princípio constitucional
da presunção de inocência.

Aliás, com base neste princípio, a Associação Brasileira dos Advogados


Criminalistas (Abacrim) ajuizou a ADI 6.304/DF69, na qual requer seja declarada a
inconstitucionalidade da obrigação de confessar como requisito para a celebração de ANPP.
Em que pese a controvérsia, o STF tem reputado legítima a imposição de confessar para a
formalização do acordo:

[...] Destaco que as condições descritas em lei são requisitos necessários para o
oferecimento do acordo de não persecução penal. A ausência do preenchimento
é impeditivo legal para o oferecimento de acordo por parte do Ministério

67
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. Livro digital.
68
LIMA, Renato Brasileiro de. Ibidem. Op. Cit. p. 278.
69
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.304/DF.
Relator Min. Luiz Fux. Disponível em:
<https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqo
bjetoincidente=5843708> Acesso em: 19 de junho de 2021.
Público. Na hipótese, consoante se extrai dos autos, o Ministério Público
entendeu que o acordo de não persecução penal não se mostra necessário e
suficiente para reprovação e prevenção do crime, além de não preencher o
requisito da confissão formal, razão pela qual não ofereceu a proposta ao
agravante. Nesse contexto, facultado o exame e rejeitada a oferta de acordo pelo
Ministério Público, deve prosseguir o feito não há falar em violação do art. 5º, XL,
da Lei Maior. As razões do agravo interno não se mostram aptas a infirmar os
fundamentos que lastrearam a decisão agravada. Agravo interno conhecido e não
provido. É como voto. (AG.REG. NOS EMB.DECL. NO AG.REG. NO AG.REG.
NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.273.501/PR, Rel. Min.
ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 01/03/2021, DJe 10/03/2021).70
(Grifou-se)

Ademais, para que seja válido o ato negocial, faz-se necessário que a confissão
tenha sido proferida de forma livre, consciente e voluntária pelo indivíduo. De sorte que, se o
investigado confessa a autoria do crime apenas para obter o benefício da solução consensual,
sabendo-se inocente, o magistrado poderá recusar a homologação do acordo, conforme
precedente do STJ:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. ACORDO DE


NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ART. 28-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
– CPP. CONFISSÃO QUE NÃO ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS.
INDEFERIMENTO DA HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração
sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo
Tribunal Federal – STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça – STJ. Contudo,
razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento
ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício.
2. O acordo de não persecução penal é negócio jurídico extraprocessual que
possibilita a celebração de acordo entre acusação e acusado para o cumprimento de
condições não privativas de liberdade em troca do não prosseguimento do processo
penal, afastando, assim, efeitos deletérios da sentença condenatória. Para tanto, é
requisito essencial do ato que o acusado confesse de maneira formal e
circunstanciada a prática do delito.
3. No caso em análise, a despeito de confessar a infração penal perante o Juízo,
o paciente afirmou que o fazia apenas para ter acesso ao acordo de não
persecução penal, mas que não era o autor da infração penal. Tal afirmação do
paciente não preenche os requisitos do art. 28-A, do CPP, e afasta a
possibilidade de homologação do acordo de não persecução penal.
4. Habeas Corpus não conhecido.
(HABEAS CORPUS Nº 636279 - SP, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta
Turma, julgado em 09/03/2021, DJe 23/03/2021).71 (Grifou-se)
Além do mais, para que o acordo seja cabível, o ilícito penal em questão não deve
ter sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. Esclareça-se que a violência e a

70
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 1.273.501/PR. Relator
Min. ROSA WEBER. Disponível em:
<https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=755279662> Acesso em: 27 de junho de
2021.
71
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 636279/SP. Relator Min. Joel Ilan Paciornik.
Disponível em:
<https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202003467770&dt_publicacao=23/03/2
021> Acesso em: 27 de junho de 2021.
ameaça aqui referidas são aquelas praticadas dolosamente pelo agente, presentes na conduta
(ação ou omissão) e não no resultado.72

Isso porque há uma exceção no caso particular dos crimes culposos de resultado
violento, nos quais se admite a formalização do ANPP (apesar da violência), porque o agente
não desejou o resultado ou não assumiu o risco de produzi-lo.

Nessa direção é o Enunciado n. 23 do CNPG e do GNCCRIM:

É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado
violento, uma vez que nos delitos desta natureza a conduta consiste na violação de
um dever de cuidado objetivo por negligência, imperícia ou imprudência, cujo
resultado é involuntário, não desejado e nem aceito pelo agente, apesar de
previsível.73

Registre-se, ademais, que o ANPP só tem cabimento nas infrações penais cuja
pena mínima cominada é inferior a 4 (quatro) anos. Consideradas, no cálculo, as causas de
aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto, consoante o disposto no §1º, do art. 28-A,
do CPP e o estabelecido nas súmulas 243 do STJ74 e 723 do STF75, por interpretação
analógica.

Por fim, está a exigência de necessidade e suficiência do ANPP para reprovação e


prevenção do delito. Esse requisito está intrinsecamente relacionado à ideia de razoabilidade e
de proporcionalidade no manejo dessa ferramenta pelo órgão do MP, que deve velar pela
manutenção de um equilíbrio entre a gravidade do crime praticado e a possibilidade de
conferir a ele, como resposta do Estado, uma resolução consensual alternativa ao processo
penal.

Esse pressuposto revela, também, uma preocupação com eventual vulgarização do


ANPP enquanto instrumento de política criminal, que só deve ser utilizado na hipótese de se
mostrar, na prática, via suficientemente adequada para a repressão e prevenção do crime.

Tendo isso em vista, é possível, inclusive, que o MP se recuse a propor ANPP na


hipótese de não considerar suficiente a medida no caso concreto. Assim já decidiu o STJ, no

72
LIMA, Renato Brasileiro de. Ibidem. Op. Cit. p. 278.
73
Enunciado n. 23 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da
União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM). Disponível
em: <https://www.cnpg.org.br/images/arquivos/gndh/documentos/enunciados/GNCCRIM_Enunciados.pdf>
Acesso em 12 de junho de 2021.
74
Súmula 243-STJ: O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais
cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada,
seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.
75
Súmula 723-STF: Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena
mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.
julgamento do HC n. 612.449/SP, impetrado sob o fundamento de que o não oferecimento do
acordo pelo órgão ministerial geraria nulidade do processo:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.


INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS.
ALEGADA NULIDADE EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE OFERTA DE
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENA E RECUSA DE ENVIO À PGJ.
RECUSA DEVIDAMENTE JUSTIFICADA PELO PARQUET. ANUÊNCIA DO
MAGISTRADO. PROPOSTA DE REVISÃO REQUERIDA A DESTEMPO PELA
DEFESA. DOSIMETRIA DA PENA. MODIFICAÇÃO DO REGIME
PRISIONAL PARA O ABERTO. IMPOSSIBILIDADE. QUANTIDADE E
VARIEDADE DOS ENTORPECENTES APREENDIDOS. PRECEDENTES.
WRIT NÃO CONHECIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a
fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a
exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a
ordem de ofício. Precedentes: STF, HC 147.210-AgR, Rel. Ministro EDSON
FACHIN, DJe de 20/2/2020; HC 180.365AgR, Relatora Ministra ROSA WEBER,
DJe de 27/3/2020; HC 170.180-AgR, Relatora Ministra CARMEM LÚCIA, DJe de
3/6/2020; HC 169174-AgR, Relatora Ministra ROSA WEBER, DJe de 11/11/2019;
HC 172.308-AgR, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJe de 17/9/2019 e HC 174184-AgRg,
Rel. Ministro LUIZ FUX, DJe de 25/10/2019. STJ: HC 563.063-SP, Rel. Ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção, julgado em 10/6/2020; HC
323.409/RJ, Rel. p/ acórdão Ministro FÉLIX FISCHER, Terceira Seção, julgado em
28/2/2018, DJe de 8/3/2018; HC 381.248/MG, Rel. p/ acórdão Ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção , julgado em 22/02/2018, DJe de
3/4/2018.
2. O acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do Código de Processo
Penal, consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o
investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação
penal para certos tipos de crimes, principalmente no momento presente, em que se
faz necessária a otimização dos recursos públicos. Com efeito, o membro do
Ministério Público, ao se deparar com os autos de um inquérito policial, a par de
verificar a existência de indícios de autoria e materialidade, deverá ainda
analisar o preenchimento dos requisitos autorizadores da celebração do ANPP, os
quais estão expressamente previstos no Código de Processo Penal: 1) confissão
formal e circunstancial; 2) infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena
mínima inferior a 4 (quatro) anos; e 3) que a medida seja necessária e suficiente para
reprovação e prevenção do crime.
3. Inexiste nulidade na recusa do oferecimento de proposta de acordo de não
persecução penal quando o representante do Ministério Público, de forma
fundamentada, constata a ausência dos requisitos subjetivos legais necessários à
elaboração do acordo, de modo que este não atenderia aos critérios de
necessidade e suficiência em face do caso concreto.
4. Conforme o acórdão ora impugnado, o requerimento de revisão do não
oferecimento de proposta do ANPP, para fins de análise do órgão superior do
Ministério Público local, ocorreu a destempo pela defesa, deixando que a instrução
criminal fluísse regularmente.
5. Esta Corte Superior possui jurisprudência no sentido de que a quantidade e a
qualidade da droga apreendida podem ser utilizadas como fundamento para a
determinação da fração de redução da pena com base no art. 33, § 4º, da Lei n.
11.343/2006, a fixação do regime mais gravoso e a vedação à substituição da sanção
privativa de liberdade por restritiva de direitos.
6. No caso, embora estabelecida a pena definitiva em 2 anos e 6 meses de reclusão, a
quantidade e a diversidade de entorpecentes apreendidos (62 porções de cocaína,
contendo 55,63g; 04 pedras de crack, contendo 0,41g; e 63 porções de
"maconha", contendo 132,64g) , utilizadas na escolha do patamar de diminuição do
benefício do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006, justificam a imposição de regime
prisional mais gravoso, o semiaberto, em razão da quantidade, variedade e natureza
dos entorpecentes apreendidos.
7. Habeas corpus não conhecido.
(HC 612.449/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 22/09/2020, DJe 28/09/2020)76 (Grifou-se)
Ressalte-se, entretanto, que, parte da doutrina defende que a formalização do
ANPP seja, na verdade, um direito subjetivo do investigado e que, portanto, presentes os
requisitos legais permissivos, o MP não poderia se negar a ofertá-lo. O tema será ainda objeto
de discussão mais adiante neste trabalho.

3.3 Circunstâncias que obstam a realização do acordo

A Lei n. 13.964/19 também tratou expressamente de algumas causas impeditivas


da formalização do ANPP. O §2º do art. 28-A, do CPP, elenca quatro situações nas quais não
se admite a celebração do acordo.

Tais hipóteses, ao contrário do raciocínio adotado para a aferição dos requisitos


legais, devem ser consideradas alternativamente no caso concreto. Isto é, a presença de
qualquer uma delas já é suficiente para afastar a possibilidade de realização do ajuste.

A princípio, não é possível firmar ANPP quando couber a transação penal de


competência dos Juizados Especiais Criminais, prevista no art. 76 da Lei n. 9.099/95.77 O que
significa dizer que o ANPP é medida subsidiária em relação à transação penal, que configura
alternativa mais benéfica ao investigado, sobretudo porque nela não se exige a confissão.

Embora o CPP tenha silenciado a respeito, acrescente-se que também não se


admite a celebração do ANPP quando for cabível a composição civil, na forma do art. 74 da
Lei dos Juizados Especiais.

De igual modo, é inadmissível o ANPP quando circunstâncias pessoais do


investigado desaconselhem a sua realização, tais como a reincidência ou a conduta criminal
habitual, reiterada ou profissional. A exceção fica por conta das infrações penais de menor
potencial ofensivo. Nessa lógica, é também o Enunciado n. 21 do CNPG e do GNCCRIM:

76
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 612.449/SP. Relator Min. REYNALDO SOARES
DA FONSECA. Disponível em:
<https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202002359158&dt_publicacao=28/09/2
020> Acesso em: 27 de junho de 2021.
77
BRASIL .Lei n. 9.099, de 26 de Setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá
outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> Acesso em: Acesso
em: 27 de junho de 2021.
Não caberá o acordo de não persecução penal se o investigado for reincidente ou se
houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou
profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas, entendidas estas
como delitos de menor potencial ofensivo.78

A recusa do MP em ofertar o acordo nos casos em que se verifica habitualidade


delitiva do investigado possui o aval do STJ, conforme precedente, cuja ementa transcreve-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO.


ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE
OFERECIMENTO. REQUISITO SUBJETIVO NÃO ALCANÇADO.
OFERECIMENTO A CARGO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, NA QUALIDADE
DE TITULAR DA AÇÃO PENAL. AGRAVO IMPROVIDO.
1.O acordo de não persecução penal é possível quando o acusado confessa formal e
circunstancialmente a prática de infração penal cometida sem violência ou grave
ameaça e cuja pena mínima cominada seja inferior a quatro anos, consideradas
eventuais causas de aumento e diminuição de pena. A proposição do acordo é feita
pelo Ministério Público, que deverá analisar se a medida é suficiente para a
reprovação do delito.
2. Neste caso, o órgão acusador não ofereceu o acordo em razão da presença de
anotações desabonadoras nos registros criminais do agravante, de modo que os
requisitos subjetivos não foram atendidos, não havendo que se falar em falta de
fundamentação para a recusa da oferta por parte do Parquet.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 622.527/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 01/03/2021). 79 (Grifou-se)

Ademais, o fato de já ter sido o investigado beneficiado, nos últimos 5 (cinco)


anos à prática da infração penal, em ANPP ou mesmo suspensão condicional do processo e
transação penal, impede a concessão de nova vantagem.

Por fim, excluem-se do extenso rol de infrações penais que admitem o acordo, os
delitos praticados no âmbito da violência doméstica ou familiar de que cuida a Lei n.
11.340/2006, a “Lei Maria da Penha”80, bem como os crimes praticados contra a mulher por
razões da condição do sexo feminino.

78
Enunciado n. 21 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da
União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM). Disponível
em: <https://www.cnpg.org.br/images/arquivos/gndh/documentos/enunciados/GNCCRIM_Enunciados.pdf>
Acesso em 12 de junho de 2021.
79
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 622.527/SP. Relator Min.
Reynaldo Soares da Fonseca. Disponível em:
<https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202002867214&dt_publicacao=01/03/2
021> Acesso em: 27 de junho de 2021.
80
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de Agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso em
12 de junho de 2021.
3.4 Condições impostas ao investigado no acordo e as consequências decorrentes do seu
descumprimento

Ao investigado que aceitar celebrar o ANPP serão impostas, alternativa ou


cumulativamente, determinadas condições, as quais se encontram enumeradas nos incisos I a
V do art. 28-A, do CPP. São elas: a reparação do dano causado ou, se possível, a restituição da
coisa à vítima; a renúncia de bens e direitos apontados como instrumento, produto ou proveito
do crime; a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; o pagamento de
prestação pecuniária ou outras condições assinaladas pelo MP.

Tais cláusulas, quando acordadas, deverão ser obrigatória e integralmente


cumpridas pelo compromissário, sob pena de rescisão do acordo e imediato oferecimento da
denúncia. Além disso, o eventual descumprimento dessas disposições poderá justificar o não
oferecimento, pelo MP, da suspensão condicional do processo, tudo nos termos do que
dispõem os §§ 10 e 11, do supracitado art. 28-A.

De modo similar, disciplinam os Enunciados de n. 26 e 28 do CNPG e do


GNCCRIM, nesta ordem:

Deverá constar expressamente no termo de acordo de não persecução penal as


consequências para o descumprimento das condições acordadas, bem como o
compromisso do investigado em comprovar o cumprimento das condições,
independentemente de notificação ou aviso prévio, devendo apresentar,
imediatamente e de forma documentada, eventual justificativa para o não
cumprimento de qualquer condição, sob pena de imediata rescisão e oferecimento da
denúncia em caso de inércia (§10).81

Caberá ao juízo competente para a homologação rescindir o acordo de não


persecução penal, a requerimento do Ministério Público, por eventual
descumprimento das condições pactuadas, e decretar a extinção da punibilidade em
razão do cumprimento integral do acordo de não persecução penal.82

Lado outro, como se vê da parte final do Enunciado 28, acima referido, em


consonância ao que estabelece o §13 do art. 28-A do CPP, o cumprimento integral do ANPP
pelo investigado importará em arquivamento do procedimento investigatório e subsequente
extinção de sua punibilidade.

81
Enunciado n. 26 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da
União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM). Disponível
em: <https://www.cnpg.org.br/images/arquivos/gndh/documentos/enunciados/GNCCRIM_Enunciados.pdf>
Acesso em 12 de junho de 2021.
82
Enunciado n. 28 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da
União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM). Disponível
em: <https://www.cnpg.org.br/images/arquivos/gndh/documentos/enunciados/GNCCRIM_Enunciados.pdf>
Acesso em 12 de junho de 2021.
Ressalte-se, contudo, que, conforme o §12 do art. 28-A, do CPP, a formalização
do ANPP, bem como o seu devido cumprimento pelo infrator, não ensejará registro de maus
antecedentes, salvo para o efeito de obstar a formalização de novo acordo, transação penal ou
suspensão condicional do processo dentro de 5 (cinco) anos do cometimento do crime.

Dessa forma, muito embora um dos requisitos para a celebração do ANPP seja a
confissão da prática da infração penal, esse reconhecimento pelo investigado, via de regra,
não surtirá efeitos jurídicos em sua culpabilidade. Sobre o tema, adverte Rogério Sanches:

[...] apesar de implicar a confissão do investigado, não há reconhecimento expresso


de culpa. Há, se tanto, uma admissão implícita de culpa, de índole puramente moral,
sem repercussão jurídica. A culpa, para ser efetivamente reconhecida, demanda o
devido processo legal. Não sem razão, diz o § 12 que “A celebração e o
cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de
antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste
artigo”.83

Para mais, merece destaque o fato de que essas condições, postas ao investigado,
não se confundem com a pena, sobretudo porque esta é aplicada de forma coercitiva, haja
vista o seu caráter imperativo, podendo resultar, inclusive, em privação de liberdade. Já as
condições colocadas no ANPP só são impostas mediante o livre e voluntário consentimento
do investigado, tratando-se, pois, de condições não privativas de liberdade.

Afinal, se não há o oferecimento da peça acusatória, com a devida imputação ao


acusado, e, muito menos, a instauração do processo penal, segundo o que ordena o devido
processo legal, jamais poderia haver a inflição de pena.84 Nesse sentido, o Enunciado n. 25 do
CNPG e do GCCRIM:

O acordo de não persecução penal não impõe penas, mas somente estabelece direitos
e obrigações de natureza negocial e as medidas acordadas voluntariamente pelas
partes não produzirão quaisquer efeitos daí decorrentes, incluindo a reincidência.85

À vista disso, portanto, é que se pode afirmar que o ANPP não resulta em
condenação e aplicação de pena, mas, sim, na imposição de deveres de ordem patrimonial
e/ou prestações relacionadas a direitos disponíveis.

83
CUNHA, Rogério Sanches. Pacote Anticrime - Lei 13.964/2019: Comentários às Alterações no CP, CPP e
LEP. Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 139.
84
LIMA, Renato Brasileiro de. Ibidem. Op. Cit. p. 281.
85
Enunciado n. 25 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da
União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM). Disponível
em: <https://www.cnpg.org.br/images/arquivos/gndh/documentos/enunciados/GNCCRIM_Enunciados.pdf>
Acesso em 12 de junho de 2021.
3.5 O procedimento para a formalização do acordo de não persecução penal

Para existir validamente, o ANPP deve ser celebrado por escrito e assinado pelo
membro do MP, pelo investigado e por sua defesa86, antes do recebimento da denúncia, e
homologado pelo juiz das garantias.87 O ANPP também pode ser formalizado por ocasião da
audiência de custódia.88

Nesse sentido, a Resolução n. 357/202089, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),


acrescentou o § 3º no art. 19 da Resolução n. 329/202090, também do CNJ, para autorizar a
celebração do ANPP nas audiências de custódia realizadas por videoconferência, enquanto
perdurar o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 06/202091,
decorrente da pandemia do Covid-19.

Conforme mencionado supra, a homologação do ANPP caberá ao juiz das


garantias. No entanto, é sabido que a sua implantação foi suspensa em todo o Brasil, por
decisão cautelar do Ministro Luiz Fux, proferida no julgamento das ADI’s 6298, 6299, 6300 e
630592, todas propostas contra a medida.

Em razão disso, até que o tema seja apreciado pelo Plenário do STF, a
homologação do ANPP caberá ao juiz competente para acompanhar os inquéritos, que fará as
vezes de juiz das garantias.93

A ratificação do acordo pelo Poder Judiciário ocorrerá, necessariamente, por meio


de audiência marcada para este fim. Nela, o magistrado, na presença do imputado e de sua

86
Nos termos do art. 28-A, § 3º, do Código de Processo Penal.
87
Nos termos do art. 3º-B, XVII, do Código de Processo Penal.
88
LOPES JÚNIOR, Aury. Ibidem. Op. Cit. Livro digital.
89
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n. 357 de 26 de novembro de 2020. Dispõe sobre a
realização de audiências de custódia por videoconferência quando não for possível a realização, em 24 horas, de
forma presencial. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3595> Acesso em: 27 de junho de 2021.
90
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n. 329 de 30 de julho de 2020. Regulamenta e estabelece
critérios para a realização de audiências e outros atos processuais por videoconferência, em processos penais e de
execução penal, durante o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Federal n. 06/2020, em razão
da pandemia mundial por Covid-19. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3400> Acesso em: 27
de junho de 2021.
91
BRASIL. Decreto Legislativo n. 06/2020, de 20 de Março de 2020. Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei
Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da
solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem n. 93, de 18 de março de 2020.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm> Acesso em: 27 de junho de
2021.
92
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 6298/DF,
6299/DF, 6300/DF e 6305/DF. Relator Min. Luiz Fux. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6298.pdf> Acesso em: 18 de junho de 2021.
93
NUCCI, Guilherme de Souza. Ibidem. Op Cit. p. 385.
defesa (não há previsão legal do comparecimento do MP nesta audiência), aferirá a
voluntariedade e a legalidade do negócio jurídico entabulado pelas partes.94

É de se destacar, neste ponto, que o magistrado não está autorizado a julgar o


mérito do acordo, devendo limitar a sua atuação ao exame da voluntariedade e da legalidade
do ajuste, sob pena de afronta ao princípio da imparcialidade e, por conseguinte, ao sistema
acusatório. Nesse rumo é o Enunciado n. 24 do CNPG e do GNCCRIM:

A homologação do acordo de não persecução penal, a ser realizada pelo juiz


competente, é ato judicial de natureza declaratória, cujo conteúdo analisará apenas a
voluntariedade e a legalidade da medida, não cabendo ao magistrado proceder a um
juízo quanto ao mérito/conteúdo do acordo, sob pena de afronta ao princípio da
imparcialidade, atributo que lhe é indispensável no sistema acusatório.95

Na audiência de homologação, o juiz poderá assumir diferentes posturas definidas


no próprio CPP. Inicialmente, se entender pela regularidade e ausência de abusos e/ou de vício
de consentimento na celebração do acordo, poderá homologá-lo. Se assim o fizer, o
magistrado devolverá os autos ao MP, para que promova a execução do ANPP perante o juízo
de execução penal.96

A opção legislativa de eleger o juízo da vara de execuções penais como o


competente para a execução do ANPP é objeto de muitas críticas da doutrina, uma vez que a
ratificação do acordo em nada tem a ver com uma condenação e muito menos impõe pena ao
acusado.97

Aliás, melhor seria que o juiz que confirmou o acordo também fiscalizasse o seu
cumprimento. Do modo como está posto, o legislador acabou por estabelecer um trâmite
adicional, de natureza puramente burocrática, que impõe o regresso dos autos ao MP, para que
este requeira a execução do ANPP ao juízo das execuções penais.

Tais disposições ofendem não só princípios como o da economia e da celeridade


processual, mas também contrariam premissas que, em tese, representam a própria razão de
ser do instituto, como a eficiência da resposta estatal e o racionamento no emprego de
recursos, humanos ou materiais, do sistema de justiça penal.

94
Nos termos do art. 28-A, § 4º, do Código de Processo Penal.
95
Enunciado n. 24 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da
União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM). Disponível
em: <https://www.cnpg.org.br/images/arquivos/gndh/documentos/enunciados/GNCCRIM_Enunciados.pdf>
Acesso em 12 de junho de 2021.
96
Nos termos do art. 28-A, § 6º, do Código de Processo Penal.
97
MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. Livro digital.
Na hipótese de reputar o juiz inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições
pactuadas no acordo, remeterá os autos de volta ao MP, com o consentimento do investigado e
de seu defensor, para que reformule a proposta.98

Se, porventura, o parquet não proceder às retificações ou, se as fizer, e o juiz ainda
assim as considerar ilegais, poderá recusar a homologação do acordo.99 Neste caso, o
magistrado devolverá os autos ao membro do MP, a fim de que seja averiguada a necessidade
de complementação das investigações ou mesmo do oferecimento da denúncia.100

Da decisão que recusar a homologação do ANPP, caberá recurso em sentido


estrito, consoante norma prevista no inciso XXV do art. 581, do CPP, também incluída pela
Lei 13.964/2019. Acrescente-se que, na hipótese, tanto o MP, quanto a defesa do imputado,
serão legitimados para interpor o recurso, tendo em conta o seu interesse na homologação do
acordo. Por fim, anote-se que a vítima, a teor do § 9º, do art. 28-A, do CPP, deverá ser
intimada da homologação da avença, bem como de seu eventual descumprimento pelo
compromissário.

98
Nos termos do art. 28-A, § 5º, do Código de Processo Penal.
99
Nos termos do art. 28-A, § 7º, do Código de Processo Penal.
100
Nos termos do art. 28-A, § 8º, do Código de Processo Penal.
4 A INCONSTITUCIONALIDADE DA CELEBRAÇÃO DO ACORDO DE NÃO
PERSECUÇÃO PENAL NOS CRIMES DE RACISMO E INJÚRIA RACIAL NO BRASIL

Pelo exposto no capítulo anterior, pode-se inferir que, em tese, não haveria
impedimento à formalização do ANPP nos crimes de racismo e injúria racial. Afinal, não há,
no CPP, vedação expressa à celebração do acordo nos delitos desta natureza, uma vez que são
praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa e possuem pena mínima inferior a 4
(quatro) anos, podendo o membro do MP propor o ajuste na hipótese de considerá-lo
suficiente para reprovação e prevenção do crime.

Nada obstante, busca-se analisar, neste capítulo, se a celebração do ANPP nas


infrações penais resultantes do preconceito de raça e de cor ofenderia o disposto o texto
constitucional, dada a gravidade da conduta, em especial no contexto brasileiro, e o particular
tratamento dispensado pelo constituinte originário à prática de racismo na CF/88.

4.1 O papel do acordo de não persecução penal no sistema de justiça criminal

Dentre as razões que motivaram a criação e a implementação do ANPP no


ordenamento jurídico brasileiro, estão a sobrecarga de ações penais em trâmite no Poder
Judiciário e o ainda atual “estado de coisas inconstitucional” no sistema penitenciário
nacional, reconhecido pelo STF, em 2015, no julgamento da ADPF 347/DF. 101

É sabido que o Poder Judiciário enfrenta uma demanda exorbitante de processos


judiciais, com escassez de recursos humanos e, muitas vezes, materiais. O que compromete
sobremaneira a eficiência de sua atuação.

Não é incomum se observar, por exemplo, casos como o do Recurso em HC n.


126.272/MG.102 No qual o STJ trancou ação penal envolvendo o furto, por réu primário, de
dois steaks de frango avaliados em R$ 4,00 (quatro reais), valor que não chega a 1% (um por
cento) do salário mínimo nacional.

101
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental n. 347/DF. Relator Min. Marco Aurélio. Disponível em:
<https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665> Acesso em: 03 de julho de
2021.
102
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus n. 126272/MG. Relator Min. Rogério
Schietti Cruz. Disponível em:
<https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2065041&num
_registro=202000997385&data=20210615&peticao_numero=-1&formato=PDF> Acesso em: 03 de julho de
2021.
De fato, causa espécie que um tribunal superior no Brasil, em detrimento do
enorme volume de processos que aguardam julgamento, precise se debruçar sobre feitos desta
natureza, cuja resolução sequer deveria ter excedido as instâncias ordinárias.

O resultado, então, não poderia ser outro senão um verdadeiro colapso do sistema
penitenciário nacional. Traduzido em um sem-número de indivíduos custodiados pelo Estado.
Em sua maioria presos preventivamente, não raro em situação degradante, atentatória à
dignidade humana e a outros tantos direitos e garantias fundamentais.

É nesse contexto que surge o ANPP, como via consensual alternativa ao processo
penal, capaz de mitigar os efeitos da política criminal de encarceramento indiscriminado que
se estabeleceu no Brasil. Sobre o advento dessa ferramenta, aduz Eugênio Pacelli:

Vemos com bons olhos, em princípio, qualquer tentativa de reduzir o campo da


persecução penal quando se fala em crimes de gravidade reduzida e não cometidos
com violência. Não se trata apenas de preferência do autor. Nossa Constituição da
República é minimalista em matéria de incriminação. Não bastasse, o universo
penitenciário nacional já constitui tragédia suficiente para justificar a busca de
alternativas racionais[...] Há superlotação de processos penais no Judiciário
brasileiro; há superlotação de presos no sistema penitenciário nacional e há, ainda,
deficiência de recursos humanos para lidar com todos esses problemas. Talvez seja
essa, enfim, uma alternativa que poderá semear novos tempos de conciliação
processual penal.103

Na mesma direção, declara Rogério Sanches:

O processo penal carecia de um instrumento como o ANPP. Inegavelmente, o acordo


de não persecução penal trará economia de tempo e recursos para que o sistema de
justiça criminal exerça, com a atenção devida, uma tutela penal mais efetiva nos
crimes que merecem esse tratamento.104

Dessa forma, é certo que o ANPP veio para tornar mais célere a solução de
ocorrências banais na esfera criminal. Liberando, assim, toda a estrutura do Poder Judiciário e
do MP para focalizar seus esforços na resolução dos casos mais graves, para os quais o acordo
não seria medida suficiente.

Sem falar na esperada redução no número de pessoas mantidas nos


estabelecimentos prisionais, como decorrência do bom uso desse instituto. Afinal, o ANPP
abarca quase que a totalidade das infrações penais existentes no ordenamento jurídico
brasileiro, haja vista que a grande maioria dos tipos penais no Brasil não envolve a prática de
violência ou ameaça à pessoa e possui pena mínima inferior a 4 (quatro) anos. Tal como
aponta Aury Lopes Jr.:

103
PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2021, p. 190-191.
104
CUNHA, Rogério Sanches. Ibidem. Op. Cit. p. 128.
Se fizermos um estudo dos tipos penais previstos no sistema brasileiro e o impacto
desses instrumentos negociais, não seria surpresa alguma se o índice superasse a
casa dos 70% de tipos penais passíveis de negociação, de acordo. Portanto, estão
presentes todas as condições para um verdadeiro “desentulhamento” da justiça
criminal brasileira.105

Destaca-se, ainda, que o ANPP não se aplica somente a crimes, mas também a
contravenções penais, tendo em conta o uso da expressão infração penal (gênero do qual são
espécies crime e contravenção) no caput do art. 28-A, do CPP.106 Fato que só estende o já
vasto campo de incidência desse recurso.

Pois bem, se por um lado se afirma que o ANPP é um importante instrumento de


política criminal, capaz de produzir expressivas transformações no sistema de justiça
nacional. Do outro, questiona-se a razoabilidade da enorme abrangência desse instituto.

Para ilustrar, estão inseridos no rol de tipos penais suscetíveis à celebração do


ANPP não só delitos considerados de menor potencial ofensivo, como o furto; o estelionato; e
a receptação, mas também os de maior lesividade para o conjunto da sociedade, como os
crimes de associação criminosa; organização criminosa107; e lavagem de dinheiro.108 Além
destes, com exceção de algumas infrações penais praticadas em licitações e contratos
administrativos109, todos os crimes contra a Administração Pública admitem a formalização do
acordo. Incluindo os crimes de corrupção ativa e passiva; peculato; concussão; emprego
irregular de verbas ou rendas públicas, entre outros.

Decerto que qualquer medida despenalizadora deve ser bem recebida, sobretudo
porque os estabelecimentos prisionais brasileiros se tornaram espécies de centros de violação
sistemática de direitos humanos. Entretanto, há de se ter a necessária cautela quando da
utilização do ANPP, de modo a evitar a sua aplicação de maneira indiscriminada e/ou
desproporcional. Não se pode olvidar que, dentre os pressupostos para a celebração do
acordo, está a suficiência da medida para punir e desestimular o cometimento de crimes.

105
LOPES JÚNIOR, Aury. Ibidem. Op. Cit. Livro digital.
106
LIMA, Renato Brasileiro de. Ibidem. Op. Cit. p. 278.
107
BRASIL. Lei n. 12.850, de 2 de Agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação
criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o
Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei n. 9.034, de 3 de maio de 1995; e
dá outras providências. Disponível em: <planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm> Acesso
em 04 de julho de 2021.
108
BRASIL. Lei n. 9.613, de 3 de Março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens,
direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o
Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm> Acesso em 04 de julho de 2021.
109
Tais como: contratação direta ilegal; frustração do caráter competitivo de licitação; e fraude em licitação ou
contrato, para as quais cominou o legislador pena mínima de 4 (quatro) anos.
Nesse rumo é o Enunciado n. 22 do CNPG e do GNCCRIM, que proíbe a
celebração de ANPP nos crimes praticados no contexto de violência doméstica ou familiar,
nos cometidos contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, e também nos
considerados hediondos ou equiparados:

Veda-se o acordo de não persecução penal aos crimes praticados no âmbito de


violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da
condição de sexo feminino, bem como aos crimes hediondos e equiparados, pois em
relação a estes o acordo não é suficiente para a reprovação e prevenção do
crime.110 (Grifou-se)

Dito isto, é mister reconhecer que determinados tipos penais, ainda que atendam
aos requisitos objetivos para a admissão do ANPP, por sua própria gravidade e
reprovabilidade, não deveriam constituir objeto de negociação. É o caso, por exemplo, dos
crimes de preconceito e discriminação racial, previstos na Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989 e
no Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal Brasileiro). Tema que será
mais debatido nos próximos tópicos deste estudo.

4.2 O acordo de não persecução penal face ao microssistema antirracista inscrito na


Constituição Federal de 1988

A partir de uma análise sistemática do disposto na CF, é possível notar a


existência de um verdadeiro microssistema antirracista de normas, voltado, direta ou
indiretamente, ao enfrentamento do racismo e à promoção da igualdade, da não discriminação
e da dignidade humana no Brasil.

A presença desse microssistema jurídico na CF, entendida esta como um conjunto


de normas situado no lugar de mais alta hierarquia do ordenamento jurídico brasileiro111, já
revela, por si só, uma incongruência na ideia de celebrar ANPP nos crimes resultantes de
preconceito de raça e de cor.

Mas, antes de tratar diretamente das normas que compõem o referido


microssistema, é importante mencionar que, no plano internacional, o Estado brasileiro é
signatário de diferentes diplomas normativos que também visam a combater o racismo e a
promover os direitos humanos.

110
Enunciado n. 22 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da
União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM). Disponível
em: <https://www.cnpg.org.br/images/arquivos/gndh/documentos/enunciados/GNCCRIM_Enunciados.pdf>
Acesso em 12 de junho de 2021.
111
COELHO, Luís Fernando. Direito Constitucional e Filosofia da Constituição. Curitiba: Juruá, 2011. p. 25.
A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Racial112, por exemplo, impõe ao Estado o dever de condenar a discriminação
racial e a adotar uma política de eliminação dessa prática em todas as suas formas.

Já a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e


formas conexas de Intolerância113 estabelece o compromisso de prevenir, proibir e punir todos
os atos e manifestações de racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância,
garantindo às vítimas de racismo um tratamento equitativo e não discriminatório; acesso
igualitário ao sistema de justiça; processos ágeis e eficazes e reparação justa nos âmbitos civil
e criminal.

A Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de


San José da Costa Rica114, por sua vez, determina que os Estados Partes devem assegurar o
respeito aos direitos e às liberdades nela reconhecidos, garantindo a toda pessoa o seu livre e
pleno exercício, sem discriminação por motivo de raça, cor, sexo idioma, religião, opiniões
políticas ou de qualquer outra natureza.

Adentrando, finalmente, ao disposto na CF, logo no Título I “Dos Princípios


Fundamentais”, o art. 1º, III, consagra o princípio da dignidade humana como um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil. A seu turno, o art. 3º, inciso IV, declara que
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação é um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro.

Ato contínuo, o art. 4º, incisos II e VIII, determina que o Brasil, nas suas relações
internacionais, deve reger-se pelos princípios da prevalência dos direitos humanos e do
repúdio ao racismo. Por sua vez, o art. 5º, caput, inaugurando o Título II da Constituição, que
trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, assegura o direito fundamental à igualdade ou
à não discriminação, ao afirmar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza”.

112
BRASIL. Decreto n. 65.810, de 8 de Dezembro de 1969. Promulga a Convenção Internacional sobre a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial. . Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D65810.html> Acesso em 09 de agosto de 2021.
113
BRASIL. Decreto Legislativo n. 01/2021, de 19 de Fevereiro de 2021. Aprova o texto da Convenção
Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, adotada na
Guatemala, por ocasião da 43ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos,
em 5 de junho de 2013. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-legislativo-304416057>
Acesso em 09 de agosto de 2021.
114
BRASIL. Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm> Acesso em 09 de agosto de 2021.
É também o art. 5º que define, expressamente, pela primeira vez no ordenamento
jurídico brasileiro, a prática do racismo como crime e não mais como mera contravenção
penal, conforme era tratado no âmbito da “Lei Afonso Arinos”. Aliás, como crime
inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.115

Inafiançável porque não admite o pagamento de fiança para obter a liberdade


provisória. Muito embora a característica da inafiançabilidade não garanta, por si só, a
permanência do infrator na prisão, ela é importante porque revela a intenção do legislador
constituinte de, nos crimes de racismo, manter o acusado recolhido a estabelecimento
prisional ou ao menos restringir as suas chances de conquistar a liberdade provisória.

Na mesma linha segue o CPP, pois reproduz o mandamento constitucional,


vedando, expressamente, a concessão de fiança nesses crimes.116

É também imprescritível porque, quanto ao crime de racismo, o decurso do tempo


não extingue a pretensão punitiva e executória do Estado. É dizer, o ente estatal conserva, por
tempo indeterminado, o seu poder-dever de punir o infrator. Consoante afirma Santos, em
termos bem simples, a imprescritibilidade corresponde à ausência de prescrição.117

Na esfera penal, a prescrição pode ser entendida como a perda, decorrente da


inércia estatal, do direito de se aplicar a sanção penal. Na lição de Cleber Masson:

É como se, cometida uma infração penal, o sistema jurídico virasse em desfavor do
Estado uma ampulheta, variando o seu tamanho proporcionalmente à gravidade do
ilícito penal. O poder-dever de aplicar a sanção penal precisa ser efetivado antes de
escoar toda a areia que representa o tempo que se passa, pois, se não o fizer dentro
dos limites legalmente previstos, o Estado perderá, para sempre, o direito de punir.118

Sob a perspectiva dos sujeitos, entretanto, a prescrição pode ser considerada um


direito fundamental, na medida em que impõe ao Estado o dever de investigar, processar e
punir dentro dos prazos legais119, vedando, assim, a persecução penal extemporânea, que
sujeita o indivíduo a uma permanente condição de insegurança jurídica.

Dessa forma, a regra no ordenamento jurídico brasileiro é a da prescritibilidade


das infrações penais. Os crimes de racismo, bem como os que resultam da ação de grupos

115
Nos termos do art. 5º, XLII, da Constituição Federal.
116
Nos termos do art. 323, I, do Código de Processo Penal.
117
Ibidem. Livro digital.
118
Ibidem. p. 797.
119
MASSON, Cleber. Ibidem. Op. Cit. p. 800.
armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático
configuram exceções expressamente previstas no texto constitucional.120

Nada obstante, com a edição da Lei 7.716/89, que regulamentou o inciso XLII do
art. 5º da CF, o racismo passou a ser a única infração penal imprescritível atualmente vigente
no País, uma vez que a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático ainda não foi tipificada pelo legislador ordinário.

Com efeito, pode-se dizer que a CF relativiza o direito fundamental à prescrição


penal no caso específico dos crimes de racismo, podendo o acusado, por essa prática, ser
condenado e ter a sua pena executada a qualquer tempo e sem qualquer restrição.

O STF já reconheceu a imprescritibilidade do crime de racismo, no julgamento do


HC n. 8.2424/RS, conhecido como o “Caso Ellwanger”, do qual se extrai o seguinte excerto:

[...] A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza,
pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade,
para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção
da sociedade nacional à sua prática. [...] A exemplo do Brasil as legislações de
países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático
igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e
propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana,
da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos
Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que
transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que
simbolizem a prática de racismo. [...] 15. "Existe um nexo estreito entre a
imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a
memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o
esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente
respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos.
Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos
repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por
motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes
de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã,
para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a
consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada. (HC 82424,
Relator(a): MOREIRA ALVES, Relator(a) p/ Acórdão: MAURÍCIO CORRÊA,
Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2003, DJ 19-03-2004 PP-00024 EMENT
VOL-02144-03 PP-00524).121 (grifou-se)

No mesmo sentido, já decidiu o STJ, no julgamento do AgRg em HC n.


460.673/SP, cuja ementa restou assim consignada:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INDUZIMENTO E


INCITAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO RACIAL. CRIME IMPRESCRITÍVEL.
AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Por imposição constitucional,
os crimes de racismo são imprescritíveis. 2. Assim, uma vez que o paciente foi
120
Nos termos do art. 5º, XLIV, da Constituição Federal.
121
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 82424/RS. Relator Min. Maurício Corrêa. Disponível
em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur96610/false> Acesso em: 31 de julho de 2021.
condenado por incursão no art. 20, § 2º, da Lei n. 7.716/1989, não há que se
falar em prescrição da pretensão punitiva. Precedentes do STJ e do STF. 3.
Agravo regimental não provido. (AgRg no HC 460.673/SP, Rel. Ministro ROGERIO
SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019).122
(Grifou-se)

Além de inafiançável e imprescritível, o racismo é também crime sujeito à pena


de reclusão. Trata-se de uma espécie de pena privativa de liberdade mais gravosa ao apenado
quando comparada às outras duas modalidades, detenção e prisão simples. Isso porque, se a
pena é de reclusão, o regime inicial de cumprimento poderá ser o fechado, executado em
estabelecimento prisional de segurança máxima ou média123, o que não ocorre nas demais
espécies e regimes de cumprimento de pena privativa de liberdade.

Nota-se que foram inúmeros os sinais deixados pela constituinte de 1988 acerca
da gravidade dos crimes raciais e do rigor com o que o Estado deve atuar para combatê-los.
Nesse contexto, a aplicação de soluções consensuais nos casos penais que envolvam a prática
de racismo, a exemplo do ANPP, viola frontalmente a CF. Primeiro, porque é medida
materialmente incompatível com o disciplina antirracista prevista no texto constitucional e,
segundo, porque não representa uma resposta estatal suficientemente apta a reprimir e
prevenir tais delitos.

Como bem sintetiza Thimotie Aragon Heemann, a intenção do legislador


constitucional quando outorgou a característica da imprescritibilidade, cominou pena de
reclusão e determinou a inafiançabilidade do crime de racismo, era a de que se processasse a
punição, a prisão e a manutenção da prisão do infrator, nesta ordem.124

O mesmo entendimento pode ser adotado também em relação à injúria qualificada


pelo preconceito. Afinal, a injúria racial nada mais é que uma típica maneira de praticar o
racismo, constituindo conduta tão abjeta quanto.

É fato que o bem jurídico tutelado pela injúria preconceituosa é a honra e a


imagem da pessoa, ao passo que, nos crimes resultantes do preconceito de raça e cor, é a
igualdade e a dignidade humana. Entretanto, não se pode subestimar a importância e a

122
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Habeas Corpus n. 460.673/SP. Relator Min.
Rogerio Schietti Cruz. Disponível em:
<https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1842605&tipo=0&nreg=201801832892&SeqCgr
maSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20190701&formato=PDF&salvar=false> Acesso em: 31 de julho de 2021.
123
Nos termos do art. 33, caput, e § 1º, “a”, do Código Penal.
124
HEEMANN, Thimotie Aragon. A inconstitucionalidade de acordos de não persecução penal em casos de
racismo. JOTA, 2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-inconstitucionalidade-de-acordos-de-nao-persecucao-penal-em-
casos-de-racismo-09012021. Acesso em: 22 de junho de 2021.
gravidade do crime de injúria racial, alegando-se que ela não configura prática de racismo ou,
ainda, que não objetiva alcançar a igualdade pretendida na CF pela simples razão de não estar
prevista na Lei 7.716/89.

Aliás, a CF, ao tempo em que assegura a livre manifestação de pensamento125,


também define como invioláveis a honra e a imagem das pessoas126, determinando que a lei
deve punir qualquer discriminação atentatória dos direitos fundamentais127, pois não há
direitos absolutos ou irrestritos em todo o ordenamento jurídico.

Conforme mencionado no tópico 2.3 deste trabalho, o que, na prática, diferencia o


enquadramento de uma conduta como racismo ou como injúria racial é o alcance das
expressões preconceituosas. Nesse sentido, se um indivíduo se dirige a uma pessoa negra
determinada e profere diretamente contra ela insultos formulados com base na cor de sua pele,
incorre no crime de injúria racial. Mas, se o faz referindo-se a toda a coletividade de
indivíduos pertencentes à raça negra, comete o crime de racismo.

Na verdade, ao fim e ao cabo, não faz diferença se o agressor pretende ofender a


vítima de forma específica, ou a comunidade negra como um todo. Quando busca depreciar
ou rebaixar uma pessoa por conta da cor de sua pele, invariavelmente, não atinge somente a
pessoa almejada, mas, sim, todo o conjunto de indivíduos que com ela compartilham os
mesmos caracteres fenotípicos. É dizer, a injúria racial se funda nos mesmos elementos
preconceituosos típicos do racismo, sendo, por óbvio, ela própria uma prática racista.

Dessa forma, se a CF define que a prática de racismo constitui crime inafiançável


e imprescritível, a injúria racial, enquanto apenas mais uma face desse crime, também o é.

O STJ, inclusive, por ocasião do julgamento do AgRg em REsp n. 1.849.696/SP,


equiparou os crimes de racismo e injúria racial, aplicando-se-lhes idêntico tratamento. Para o
Tribunal, o rol dos crimes previstos na Lei n. 7.716/1989 não é taxativo, podendo o racismo
ser praticado de diferentes formas, até mesmo através de insultos, ofensas ou xingamentos.
Sendo assim, considerou também inafiançável e imprescritível o crime de injúria racial, por se
tratar de infração penal inserida no contexto do preconceito de raça e de cor:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. INJÚRIA RACIAL. ART.


140, § 3º, DO CP. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 107,
IV, 109, V, E 117, I, TODOS DO CP. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA
125
Nos termos do art. 5º, IV, da Constituição Federal.
126
Nos termos do art. 5º, X, da Constituição Federal.
127
Nos termos do art. 5º, XLI, da Constituição Federal.
PRESCRIÇÃO. INADMISSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM
CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DAS CORTES SUPERIORES. 1.
Nos termos da orientação jurisprudencial desta Corte, com o advento da Lei n.
9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial, criou-se mais um delito no
cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de
reclusão (AgRg no AREsp n. 686.965/DF, Ministro Ericson Maranho
(Desembargador Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 18/8/2015, DJe
31/8/2015) - (AgRg no AREsp n. 734.236/DF, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma,
DJe 8/3/2018). 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1849696/SP, Rel.
Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2020,
DJe 23/06/2020).128 (Grifou-se)

Maria Regina Trippo, ao revés, defende que as exceções à regra geral da


prescritibilidade das infrações penais previstas no texto da CF são exaustivas e que lei
ordinária não pode criar novas hipóteses de imprescritibilidade na seara penal.129 Christiano
Jorge Santos segue o mesmo raciocínio, afirmando que a injúria qualificada pelo preconceito
não se compara ao racismo e que, portanto, não seria crime inafiançável e imprescritível.130

Contudo, neste trabalho, adota-se o entendimento segundo o qual a injúria


qualificada pelo preconceito corresponde a uma espécie de discriminação racial equiparada à
prática de racismo. Sendo, pois, crime inafiançável e imprescritível, cuja gravidade impõe,
igualmente, vedação à formalização do ANPP.

4.3 A insuficiência do acordo de não persecução penal para a reprovação e prevenção


dos delitos de discriminação racial no Brasil

Um estudo produzido pelo Atlas Político, com 1.746 respondentes, em todas as


regiões do País, entre os dias 20 e 22 de novembro de 2020, revelou que 90% dos brasileiros
acreditam que há racismo no Brasil.131 Segundo levantamento do PoderData, realizado entre
os dias 26 a 28 de abril de 2021, nas 27 unidades da Federação, 82% dos 2.500 entrevistados
afirmaram que existe, sim, preconceito contra pessoas negras no País, ao passo que 38%
admitiram ser racistas.132

128
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial n. 1849696/SP. Relator Min.
Sebastião Reis Júnior. Disponível em:
<https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201903483924&dt_publicacao=23/06/2
020> Acesso em: 31 de julho de 2021.
129
TRIPPO, Maria Regina. Imprescritibilidade penal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. Livro digital.
130
SANTOS, Christiano Jorge. Ibidem. Op. Cit. Livro digital.
131
ATLAS POLÍTICO. O racismo no Brasil. 2020. Disponível em:
https://atlasintel.org/poll/racism-in-brazil-2020-11-22. Acesso em: 12 de agosto de 2021.
132
PODER360. 82% afirmam que há racismo no Brasil, e 38% admitem que são racistas. Brasília. 2021.
Disponível em:
<https://www.poder360.com.br/poderdata/82-afirmam-que-ha-racismo-no-brasil-e-38-admitem-que-sao-racista>
Acesso em: 12 de agosto de 2021.
Em julho de 2021, no estado do Rio de Janeiro, uma criança de apenas três anos
de idade sofreu diversos ataques racistas na internet, após ter sua foto publicada pelos pais em
uma rede social. "Foi como se tivessem cravado uma estaca no meu peito. Uma dor realmente
na alma”, disse a mãe do menino.133 No Distrito Federal, um homem e seu filho foram
impedidos de entrar no veículo de um motorista de aplicativo, que teria dito: "preto não vai
entrar no meu carro a essa hora da manhã", quando os viu, negando-se a realizar a corrida.134

Em agosto do mesmo ano, no estado de São Paulo, um homem negro afirmou ter
sido coagido por seguranças de uma grande rede de supermercados a se despir, publicamente,
para provar que não havia furtado qualquer produto do estabelecimento.135 Na cidade de
Salvador, Bahia, um entregador por aplicativo foi chamado de “macaco” e agredido
fisicamente, enquanto aguardava uma encomenda na fila do caixa de um shopping, por um
homem que supostamente teria se incomodado com sua presença no local.136

Fatos como esses ocorrem diariamente no Brasil e estão longe de serem


considerados “casos isolados”. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto
Locomotiva acerca do racismo nas corporações, sete entre cada dez negros já sofreram
preconceito em lojas, shoppings, restaurantes ou supermercados. O estudo também revelou
que 61% dos brasileiros afirmam já ter presenciado um ato de discriminação racial em
estabelecimentos comerciais.137

Em matéria publicada no G1, em novembro de 2020, na qual pessoas negras


relatam como o racismo as afetou ao longo da vida, um dos entrevistados que também já foi

133
REGUEIRA, CHICO. Menino de 3 anos é alvo de ataques racistas na internet: 'Uma estaca no meu peito', diz
mãe. Rio de Janeiro. 2021. Disponível em:
<https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/07/26/menino-de-3-anos-e-alvo-de-ataques-racistas-na-inter
net-uma-estaca-no-meu-peito-diz-mae.ghtml> Acesso em: 12 de agosto de 2021.
134
MOREIRA, CIBELE. Motorista por aplicativo nega corrida a morador do DF por racismo. Distrito Federal.
2021. Disponível em:
<https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2021/08/4941264-motorista-por-aplicativo-nega-corrida-a-m
orador-do-df-por-racismo.html> Acesso em: 12 de agosto de 2021.
135
CORREIO BRAZILIENSE. Homem negro é obrigado a ficar de cueca para provar que não roubou em
mercado. Distrito Federal. 2021. Disponível em:
<https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/08/4942552-homem-negro-e-obrigado-a-ficar-de-cueca-para
-provar-que-nao-roubou-em-supermercado.html> Acesso em: 12 de agosto de 2021.
136
TV BAHIA. Entregador por aplicativo é vítima de racismo dentro de estabelecimento na Bahia: ‘Me chamou
de macaco’. Bahia. 2021. Disponível em:
<https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/08/03/entregador-por-aplicativo-e-vitima-de-racismo-dentro-de-esta
belecimento-na-bahia-me-chamou-de-macaco.ghtml> Acesso em: 12 de agosto de 2021.
137
EXAME. 7 em cada 10 negros sofreram preconceito em loja, restaurante ou mercado. 2021. Disponível em:
<https://exame.com/bussola/7-em-cada-10-negros-sofreram-preconceito-em-loja-restaurante-ou-mercado/>
Acesso em: 12 de agosto de 2021.
vítima de discriminação racial, desabafa: "o racismo é como um prego, e o nosso corpo é uma
madeira. Quando você retira esse prego, o buraco ainda permanece.138

Na obra “Racismo Recreativo”, Adilson Moreira chama atenção para o fato de


que declarações e atitudes que veiculam o preconceito racial não se limitam a causar dor,
humilhação e constrangimento às vítimas. Para além do sofrimento psíquico experimentado,
essas pessoas podem sofrer consequências fisiológicas graves.

Nas palavras do autor:

Mensagens de conteúdo discriminatório dirigidos a um indivíduo específico podem


gerar danos significativos para ele. Um incidente racista como uma piada que
reproduz estereótipos de natureza negativa gera alterações físicas imediatas na
pessoa, como aumento da pressão sanguínea, mudança do padrão de respiração e
comportamentos agressivos. Tendo em vista o fato que estereótipos negativos sobre
minorias atuam de forma incessante dentro do nosso universo cultural, outros
problemas podem ocorrer: baixa autoestima, diminuição da aspiração social e
comportamentos depressivos. Estudos sugerem que certas doenças particularmente
comuns entre grupos minoritários, como alteração da pressão cardíaca e também
diabetes, estão associadas ao estresse emocional devido à exposição de tratamentos
discriminatórios.139

Não à toa a expectativa de vida da população negra é, em média, cerca de três


anos menor que a da população branca140, sobretudo porque é o povo negro que mais sofre
violência letal no Brasil. De acordo com o Atlas da Violência 2020141, um estudo promovido
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), houve um recrudescimento das taxas de homicídio de pessoas
negras entre os anos de 2008 e 2018, com aumento de 11,5%. Ao passo que, quanto aos não
negros, observou-se uma redução de 12,9% nos casos, conforme gráfico a seguir, extraído da
pesquisa:

138
LIMA, ISABELLA. Entregador por aplicativo é vítima de racismo dentro de estabelecimento na Bahia: ‘Me
chamou de macaco’. São Paulo. 2020. Disponível em:
<https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2020/11/01/negros-relatam-como-o-racismo-os-afetou-ao-longo-d
a-vida-doia-na-alma.ghtml> Acesso em: 12 de agosto de 2021.
139
MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Feminismos Plurais / coordenação Djamila Ribeiro,
2019, p.173.
140
CERQUETAN, SAMANTHA. Vidas negras importam? Racismo institucional afeta saúde e diminui
expectativa de vida dos negros ao dificultar acesso a tratamentos. 2021. Disponível em:
<https://www.uol.com.br/vivabem/reportagens-especiais/saude-da-populacao-negra/> Acesso em: 12 de agosto
de 2021.
141
IPEA. Atlas da violência no Brasil. IPEA, 2020. Disponível em:
<https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/200826_ri_atlas_da_violencia.pdf>.
Acesso em 20 de junho de 2021.
Figura 04 - Taxa de homicídio de negros a cada 100 mil habitantes - Brasil (2008-2018).

Fonte: IPEA (2020, p. 48). Obs.: O número de negros foi obtido somando-se pardos e pretos, enquanto o de não
negros se deu pela soma dos brancos, amarelos e indígenas; ignorados não entraram nas contas.

Nesse cenário, vê-se o quão grave e violadora de direitos humanos e sociais pode
ser a prática do racismo. É evidente que o drama da desigualdade racial no Brasil é muito
mais profundo e complexo do que se imagina. Em todo caso, permitir o poder público que tais
condutas possam ser resolvidas consensualmente, mediante a utilização de instrumentos
descriminalizantes, como o ANPP, pode contribuir para que se perpetuem (ou se agravem) os
já perturbadores padrões verificados na atualidade.

Vale lembrar que o STF, por ocasião do julgamento do HC n. 111.017/RS,


considerou o racismo um delito de elevado potencial ofensivo. Na oportunidade, o ministro
relator Ayres Britto chegou a nivelá-lo aos crimes definidos como hediondos e equiparados,
nos seguintes termos:

[...] toda conduta penalmente típica só é penalmente típica porque significante, de


alguma forma, para a sociedade e a própria vítima. É falar: em tema de política
criminal, a Constituição Federal pressupõe lesão significante a interesses e valores
(os chamados “bens jurídicos”) por ela avaliados como dignos de proteção
normativa. Daí por que ela, Constituição, explicitamente trabalha com dois extremos
em matéria de política criminal: os crimes de máximo potencial ofensivo (entre os
quais os chamados delitos hediondos e os que lhe sejam equiparados, de parelha
com os crimes de natureza jurídica imprescritível) e as infrações de pequeno
potencial ofensivo (inciso I do art. 98 da CF).142

É de se destacar, também, que o art. 28-A, caput, do CPP, elenca como um dos
requisitos indispensáveis à celebração do ANPP que a medida seja suficiente para reprovação

142
BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 111.017/RS. Relator Min. Ayres Britto. Disponível em:
<https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2218342> Acesso em: 10 de agosto de
2021.
e prevenção do crime. No caso dos delitos resultantes de preconceito de raça ou de cor,
entretanto, as sanções previstas em lei não parecem capazes de reprimir, tampouco prevenir
esses crimes, dada a gravidade da conduta e a importância do bem jurídico tutelado.

Para ilustrar, cite-se o caso de um estudante de direito da Universidade de Santos,


em São Paulo, que compartilhou postagens de cunho racista em suas redes sociais.143 Para
incitar a discriminação e o preconceito de raça e de cor, ele chega a fazer referência ao
simbólico caso “George Floyd”, homem negro assassinado em maio de 2020, nos EUA,
durante abordagem policial violenta, e que ocasionou uma onda de protestos naquele país sob
o mote “Black Lives Matter”.144

143
LIMA, ISABELLA. Estudante que fez posts racistas consegue acordo com o MP para não responder a
processo nem ser preso. São Paulo. 2020. Disponível em:
<https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2020/11/20/estudante-que-fez-posts-racistas-consegue-acordo-co
m-o-mp-para-nao-responder-a-processo-nem-ser-preso.ghtml> Acesso em: 12 de agosto de 2021.
144
Em tradução livre: “Vidas negras importam”.
Figura 05 - Imagens compartilhadas por estudante de Direito em suas redes sociais

Fonte: Reportagem de Isabella Lima ao G1 (2020).

À época, as imagens publicadas pelo estudante geraram a revolta de colegas e


professores. O caso foi levado à Polícia Civil do Estado de São Paulo. Não obstante, após
conclusão do inquérito policial, o órgão do MP, ao invés de oferecer denúncia, propôs ANPP,
por considerar que o ajuste, no caso, seria bastante para repreender e prevenir o crime.

Na verdade, como dito anteriormente, a excepcional gravidade do crime de


racismo não admite (ou ao menos não deveria admitir) a formalização de instrumentos
despenalizadores, tais como o ANPP ou a suspensão condicional do processo. Tampouco é
aplicável à espécie o princípio da insignificância, haja vista o rigor com que o tema é tratado
na CF. Consoante afirma Cleber Masson:

[...] a Lei Suprema teve o cuidado de deixar inequívoca a sua intenção de punir, com
maior gravidade, os responsáveis por delitos desta estirpe, circunstância indicativa
da relevância penal destes fatos, e automaticamente impeditiva do princípio da
insignificância.145

Ao mesmo tempo em que o Estado não pode extrapolar os limites da


proporcionalidade, sobretudo na esfera penal (princípio da proibição do excesso), não deve
operar de forma deficitária, furtando-se ao dever de proteger direitos e garantias fundamentais
de maneira satisfatória (princípio da proibição da proteção insuficiente), sob pena de incidir
em violação à CF, às leis e aos tratados internacionais a que se submete.

Para André de Carvalho Ramos, o fundamento do princípio da proibição da


proteção insuficiente se acha contido, implicitamente, no art. 1º, caput e inciso III, da CF/88,
quando afirmam que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado
Democrático de Direito e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana.

O preceito em questão, de acordo com Ramos, tem ainda o duplo efeito de,
primeiro, tornar constitucionais leis penais criminalizadoras de condutas ofensivas a direitos
fundamentais e, segundo, de reputar inconstitucionais leis ou interpretação de lei que venha a
descriminalizar ou inibir a persecução penal nesses casos.146

Como bem advertiu o STF, no julgamento do HC n. 104.410/RS, direitos


fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção,
expressando também um postulado de proteção. Do voto do Ministro Relator, Gilmar
Mendes, extrai-se o seguinte (e esclarecedor) fragmento:

[...] os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso


(Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de
proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandados
constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para o seu devido
cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como
proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente.147

145
MASSON, Cleber. Ibidem. Op. Cit. p. 31.
146
RAMOS, André de Carvalho. Ibidem. Op. Cit. p. 551.
147
BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 104.410/RS. Relator Min. Gilmar Mendes. Disponível
em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1851040> Acesso em: 10 de agosto
de 2021.
É cediço que os crimes de racismo tipificados na Lei 7.716/89 decorrem do
mandamento constitucional de criminalização previsto no art. 5º da CF, o qual visa a,
sobretudo, assegurar o direito à igualdade ou à não discriminação, enquanto um direito
fundamental da mais alta importância a demandar proteção estatal proporcional e adequada.

Daí porque concluir que os instrumentos consensuais despenalizadores, a exemplo


do ANPP, não se apresentam como alternativas suficientemente aptas à reprovação e
prevenção das figuras típicas relacionadas na Lei 7.716/89 e no art. 140, § 3º, do CP.

4.4 A política criminal de enfrentamento à discriminação racial no Brasil em


recomendações expedidas pelos Ministérios Públicos do Distrito Federal e dos estados de
São Paulo, Acre, Pernambuco e Piauí

Em consulta ao sítio eletrônico oficial do Ministério Público Federal e dos MPs de


cada uma das 27 unidades federativas, identificou-se que, em ao menos cinco MPs estaduais,
o parquet possui orientações normativas internas, direcionadas aos seus membros, para que
não celebrem ANPP nos casos de racismo e injúria racial.

Sabe-se que os membros do MP possuem independência funcional assegurada


pela própria CF148, de modo que tais atos normativos jamais poderiam vincular a sua atuação,
servindo apenas como uma recomendação indicativa da estratégia de política criminal que
mais se adequa aos fins definidos pelo órgão.

Preliminarmente, cabe perquirir se a orientação veiculada nesses atos normativos


é legítima. Isto é, o MP pode se recusar a propor o acordo mesmo quando presentes os seus
requisitos autorizadores? Ou, neste caso, é obrigado a ofertar o ANPP porque há direito
público subjetivo do investigado à medida?

A doutrina clássica, a exemplo de Caio Mário da Silva Pereira, identifica o direito


subjetivo como um poder de ação presente na norma, uma faculdade de que dispõe a pessoa
de exercer ou de exigir que se exerça, em seu favor, determinado comando enunciado pelo
Estado.149 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald assim diferenciam direito objetivo
de direito subjetivo:

Aquele é a norma de agir, a conduta social-padrão regulamentada (norma agendi).


Enfim, é o complexo de normas (regras e princípios) impostas a todos por terem sido

148
Nos termos do art. 127, § 1º, da Constituição Federal.
149
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. I. Atual. Maria Celina Bodin de Moraes. 30.
ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 31.
valoradas juridicamente como relevantes. Este é a faculdade de titularizar uma
determinada relação jurídica (facultas agendi), sendo inerente à pessoa, que pode
exercitá-lo a qualquer tempo, a depender de sua vontade. É o poder de direito, que
pode ser exemplificado com as prerrogativas do réu, no Direito Penal, em obter
concessão de sursis (suspensão da pena aplicada por sentença), não lhe podendo ser
negado, se preenchidos os requisitos exigidos na lei penal, ou com a proteção do
direito à imagem, no campo do Direito Civil. Em suma-síntese: o direito objetivo
refere-se ao ordenamento jurídico vigente, enquanto o direito subjetivo diz respeito
ao poder que o titular tem de fazer valer os seus direitos individuais. 150

Sendo assim, a grosso modo, pode-se dizer que o direito subjetivo confere ao
indivíduo uma espécie de autoridade para reivindicar, perante o Estado, o bem da vida
encerrado em determinada norma jurídica.

No caso do ANPP, o legislador fez constar a expressão “poderá” no caput do art.


28-A, do CPP, estabelecendo que o MP poderá propor o ajuste, desde que necessário e
suficiente para reprovação e prevenção do crime, o que leva a crer, em um primeiro momento,
que a propositura do acordo seria uma faculdade do parquet e não um direito do investigado.

Entretanto, o tema divide os estudiosos do direito penal e processual penal. Para


uma primeira corrente, o oferecimento do ANPP consistiria em direito público subjetivo do
investigado. Por consequência, na hipótese de estarem presentes todos os requisitos legais que
autorizam a celebração do ajuste, o MP seria obrigado a propô-lo.

Dentre os defensores dessa tese, destaca-se Aury Lopes Jr., que assevera:

[...] Entendemos que - preenchidos os requisitos legais – se trata de direito público


subjetivo do imputado, mas há divergência no sentido de ser um “poder do
Ministério Público” e não um direito do imputado [...] Como se trata de direito
público subjetivo do imputado, presentes os requisitos legais, ele tem direito aos
benefícios do acordo.151

Nesse esteio, também argumenta Renato Marcão:

Todos esses requisitos são cumulativos e, se satisfeitos, o investigado terá a seu


favor o direito subjetivo de desfrutar dessa causa legal de não punibilidade. Embora
seja o dominus litis, na hipótese a proposta de transação configura poder-dever
atrelado ao Ministério Público. 152

Já para a segunda corrente, majoritária na jurisprudência, conforme será


demonstrado, a proposta de acordo seria uma faculdade do MP, que possui a prerrogativa de
avaliar a necessidade da medida, bem como a sua aptidão para a repressão e prevenção do
ilícito. Não havendo falar, portanto, em direito subjetivo do investigado.

150
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. 15. ed.
rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2017, p. 30.
151
LOPES JÚNIOR, Aury. Ibidem. Op. Cit. Livro digital.
152
MARCÃO, Renato. Ibidem. Op. Cit. Livro digital.
Renato Brasileiro de Lima, um de seus partidários, explica:

[...] Partindo da premissa de que o acordo de não persecução penal deve resultar da
convergência de vontades, com necessidade de participação ativa das partes, não nos
parece correta a assertiva de que se trata de direito subjetivo do acusado, sob pena de
se admitir a possibilidade de o juiz determinar sua realização de ofício, o que, aliás,
lhe retiraria sua característica mais essencial, qual seja, o consenso. De mais a mais,
a privatividade da ação penal pública pelo Ministério Público impede sua
substituição pelo magistrado, mesmo que o investigado preencha os requisitos
estabelecidos pelo art. 28-A do CPP. É dizer, a negativa de celebração do acordo
não permite que o juiz das garantias o conceda substitutivamente à atuação
ministerial, pena de afronta à estrutura acusatória do processo penal (CPP, art. 3º-A,
caput).153

Seguindo esse mesmo entendimento, aduz Norberto Avena:

[...] o ajuste é faculdade do Ministério Público [...] descabendo ao juiz, portanto,


qualquer análise no tocante a aspectos de mérito do acordo de não persecução penal,
muito menos em relação aos termos nele constantes. Neste cenário, não proposto o
acordo e oferecida denúncia, resta ao juiz recebê-la, desde que, por óbvio, preencha
seus requisitos formais e que exista justa causa para tanto.154

Esclareça-se, contudo, que, não se trata de conferir ao membro do MP liberdade


ampla e irrestrita para deliberar sobre ofertar ou não o acordo, sobretudo porque, se optar pela
recusa, terá o dever de declinar expressa e fundamentadamente as razões que motivaram sua
decisão. Viabilizando, assim, o controle de sua atuação ministerial por instância superior.155

É dizer, na hipótese de o MP se recusar a propor o ANPP, o investigado poderá


requerer a remessa dos autos a órgão superior, que avaliará se insiste na recusa ou designa
membro distinto para proceder à realização do ajuste, em aplicação analógica da norma
insculpida no art. 28 do CPP.

Idêntica sistemática é adotada pelo STF quando do tratamento dos institutos da


suspensão condicional do processo e da transação penal, de acordo com o enunciado de
número 696 da súmula de sua jurisprudência.156

Ante o exposto, é evidente que a pretensão do legislador foi garantir ao parquet a


palavra final quanto à formalização do ANPP, de modo a alinhar a sua atuação a eventual
política criminal adotada pelo órgão titular da ação penal. Corrobora essa ideia o disposto no
Enunciado n. 19 do CNPG e do GNCCRIM:

153
LIMA, Renato Brasileiro de. Ibidem. Op. Cit. p. 275-276.
154
AVENA, Norberto. Processo penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020, p. 613.
155
Nos termos do art. 28-A, §14, do Código de Processo Penal.
156
Súmula n. 696 do Superior Tribunal de Justiça: Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão
condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a
questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal.
O acordo de não persecução penal é faculdade do Ministério Público, que avaliará,
inclusive em última análise (§14), se o instrumento é necessário e suficiente para a
reprovação e prevenção do crime no caso concreto. 157

Como dito anteriormente, assim como não compete ao Poder Judiciário exercer o
controle de mérito do ANPP, também não lhe cabe impor a sua celebração ao órgão acusador.
Esse entendimento é o professado pelo STF, que já declarou expressamente a impossibilidade
de o magistrado determinar ao MP a adoção de solução consensual na seara penal.158

Nessa toada, também já decidiu a Corte Suprema que o Poder Judiciário não tem
atribuição para participar de negociações de caráter investigatório, tampouco para obrigar o
MP a celebrar acordo de colaboração premiada - instituto semelhante ao ANPP - notadamente
quando o titular da ação penal apresenta motivação idônea para recusar a formalização do
negócio jurídico processual.159

Além do mais, por diversas vezes, o Tribunal já se manifestou contrário à ideia de


que o ANPP consistiria em um direito público subjetivo do investigado:

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ACORDO DE NÃO


PERSECUÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO DO
ACUSADO. CONDENAÇÃO CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO
GRAU. INVIABILIDADE.
1. As condições descritas em lei são requisitos necessários para o oferecimento
do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), importante instrumento de
política criminal dentro da nova realidade do sistema acusatório brasileiro.
Entretanto, não obriga o Ministério Público, nem tampouco garante ao acusado
verdadeiro direito subjetivo em realizá-lo. Simplesmente, permite ao Parquet a
opção, devidamente fundamentada, entre denunciar ou realizar o acordo, a
partir da estratégia de política criminal adotada pela Instituição.
2. O art. 28-A do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 13.964/19, foi muito
claro nesse aspecto, estabelecendo que o Ministério Público "poderá propor acordo
de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime, mediante as seguintes condições".
3. A finalidade do ANPP é evitar que se inicie o processo, não havendo lógica em se
discutir a composição depois da condenação, como pretende a defesa (cf. HC
191.464-AgR/SC, Primeira Turma, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de
26/11/2020).
4. Agravo Regimental a que nega provimento.

157
Enunciado n. 19 do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da
União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM). Disponível
em: <https://www.cnpg.org.br/images/arquivos/gndh/documentos/enunciados/GNCCRIM_Enunciados.pdf>
Acesso em 12 de junho de 2021.
158
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 194.677/SP. Relator Min. Gilmar Mendes. Disponível
em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo1017.htm#Acordo>. Acesso em: 26 de
junho de 2021.
159
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Mandado de Segurança n. 65.963. Relator Min.
Edson Fachin. Disponível em:
<https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqo
bjetoincidente=5455189>. Acesso em: 26 de junho de 2021.
(AgR no HC 195327/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado
em 08/04/2021 DJe 13.4.2021)160 (Grifou-se)

O STJ, além de compreender pela inexistência de direito subjetivo do acusado


também na suspensão condicional do processo161, possui a mesma posição do STF no que toca
ao ANPP, vide excerto extraído de julgamento do Tribunal em que se negou o reconhecimento
do acordo como um direito do imputado:

"[...] Embora não seja propriamente uma novidade, porquanto já prevista como
política criminal na Resolução n. 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério
Público (alterada pela Resolução n. 183/2018 do CNMP), o acordo de não
persecução penal inaugura nova realidade no âmbito da persecução criminal. Em
síntese, consiste em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e
o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação
penal para certos tipos de crimes, principalmente no momento presente, em que se
faz necessária a otimização dos recursos públicos. Com efeito, o membro do
Ministério Público, ao se deparar com os autos de um inquérito policial, a par de
verificar a existência de indícios de autoria e materialidade, deverá ainda analisar o
preenchimento dos requisitos autorizadores da celebração do Acordo de Não
Persecução Penal (ANPP), os quais estão expressamente previstos no Código de
Processo Penal: 1) confissão formal e circunstancial; 2) infração penal sem violência
ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos; e 3) que a medida
seja necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Noutras palavras,
caberá ao órgão ministerial justificar expressamente o não oferecimento do ANPP, o
que poderá ser, após provocação do investigado, passível de controle pela instância
superior do Ministério Público, nos termos do art. 28-A, § 14, do Código de
Processo Penal. Ora, conforme foi anteriormente mencionado, o instituto é
resultante de convergência de vontades (Ministério Público e acusado), não
podendo afirmar que se trata de um direito subjetivo do acusado, podendo ser
proposto quando o 'Parquet', titular da ação penal pública, entender
preenchidos os requisitos fixados pela Lei n. 13.964/2019 no caso concreto, o
que não ocorreu".

(HC 637.782/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA


TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 29/03/2021) 162 (Grifou-se)

Vale ressaltar, ainda, que, na mesma direção caminham as jurisprudências do


Tribunal Regional Federal da 5ª Região163 e do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Para
ilustrar, transcreve-se, pela relevância, acórdão deste último Tribunal, no qual a
160
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 195327/PR. Relator Min.
Alexandre de Moraes. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6070656> Acesso
em: 26 de junho de 2021.
161
Tese n. 03 da Edição n. 96 da Jurisprudência em teses do Superior Tribunal de Justiça:A suspensão
condicional do processo não é direito subjetivo do acusado, mas sim um poder-dever do Ministério Público,
titular da ação penal, a quem cabe, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação do referido instituto,
desde que o faça de forma fundamentada. Disponível em:
<https://scon.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp?livre=@docn=000005856#TEMA1> Acesso em: 30 de junho de 2021.
162
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 637.782/SC. Relator Min. Reynaldo Soares da
Fonseca. Disponível em:
<https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202003496696&dt_publicacao=29/03/2
021> Acesso em: 27 de junho de 2021.
163
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Recurso em sentido estrito. Relator Des. VLADIMIR
SOUZA CARVALHO. Disponível em:
<https://pje.trf5.jus.br/pjeconsulta/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?signedIdPro
cessoTrf=bfc49436050802dc4e75f1226960ffc4> Acesso em: 27 de junho de 2021.
Desembargadora Relatora, citando parecer do Procurador-Geral de Justiça, condiciona a
celebração do ANPP ao binômio necessidade e suficiência, critérios cujo exame, em cada
caso concreto, compete exclusivamente ao órgão do MP:

[...] Inicialmente, destaco que o instituto do Acordo de Não Persecução Penal, a


despeito da sua existência no âmbito regulamentar do Conselho do Ministério
Público desde 2017, somente em 2019 foi introduzido no Código de Processo Penal,
especificamente em seu art. 28-A, com o advento da Lei n. 13.964/19 Pacote
Anticrime. Trata-se de espécie de medida despenalizadora que se afasta do
tradicional modelo de persecução penal, posto centrar-se na solução do conflito
social por medidas alternativas, aplicando-se a todas as infrações que se subsumam
às condições do art. 28-A do CPP. Por ser essencialmente um instituto de justiça
restaurativa e consensual, o referido acordo é uma manifestação dos poderes do
Ministério Público, enquanto titular da ação penal pública e regente do sistema
acusatório [...] Como bem ressaltado pela Procuradoria-Geral de Justiça em
seu parecer, “a incidência do ANPP está relacionada ao binômio necessidade e
suficiência da medida a ser avaliada pelo Ministério Público, o que aponta para
a natureza condicional do instituto, afastando interpretação que compreenda o
dispositivo como direito do réu”. De fato, em se tratando de ato que exige
consenso das partes, o oferecimento de acordo de não persecução penal não
pode ser objeto de imposição do órgão acusador, sobretudo porque o acordo
não constitui direito subjetivo do acusado, e sim prerrogativa institucional do
Ministério Público, quando seu representante reputar a medida suficiente para
reprovação e prevenção do crime. (Relator (a): FRANCISCA ADELINEIDE
VIANA; Comarca: Fortaleza; Órgão julgador: 5ª Vara Criminal; Data do
julgamento: 02/06/2021; Data de registro: 02/06/2021)164 (Grifou-se)

Nesse cenário, é possível concluir que mais acertada é a compreensão de que não
deve o Poder Judiciário intervir na política criminal definida pelo MP, impondo ao órgão
ministerial a obrigação de propor ANPP, mesmo que entenda presentes os requisitos legais
permissivos à sua celebração. Afinal, é o parquet, enquanto legitimado a promover,
privativamente, a ação penal pública165, que detém a prerrogativa institucional de avaliar a
conveniência da formação do ajuste processual no caso concreto.

Nesse sentido, aduz Renato Brasileiro de Lima:

[...] o acordo veicula matéria de política criminal a ser realizada pelo titular da ação
penal pública. Na qualidade de agentes políticos, os membros do Ministério Público
têm o dever funcional de realizar uma seleção de casos penais que ostentem maior
relevância dentro da política de persecução penal adotada pelo Parquet. 166

Na mesma direção, argumenta Mariano Paganini Lauria:

[...] Nada obstante, baseando-se nos requisitos subjetivos e tendo em vista as


particularidades do caso concreto, o tratamento constitucional mais rigoroso
dispensado aos crimes de racismo em razão do bem jurídico tutelado e o fato de

164
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Recurso de Apelação Criminal. Relator Des. FRANCISCA
ADELINEIDE VIANA. Disponível em:
<https://esaj.tjce.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=3395093&cdForo=0> Acesso em: 27 de junho de 2021.
165
Nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal.
166
LIMA, Renato Brasileiro de. Ibidem. Op. Cit. p. 277.
recaírem sobre vítimas pertencentes a grupos historicamente vulneráveis, o membro
do Ministério Público com atribuições para o feito, poderá entender que o acordo
(instrumento extrajudicial de política criminal) não é adequado e suficiente para a
prevenção e reprovação do crime, deixando, fundamentadamente, de propô-lo e, ato
contínuo, formulando a denúncia em juízo. 167

O MP do estado de São Paulo (MPSP), inclusive, já havia editado enunciados


interpretativos das alterações promovidas pela Lei n. 13.964/19 na legislação penal e
processual penal. Dentre os quais, o enunciado n. 21, que dispõe ser a proposta do acordo
prerrogativa do parquet:

A proposta de acordo de não persecução penal tem natureza de instrumento de


política criminal e sua avaliação é discricionária do Ministério Público no tocante à
necessidade e suficiência para reprovação e prevenção do crime. Trata-se de
prerrogativa institucional do Ministério Público e não direito subjetivo do
investigado.168

Ao atentar para o fato de que não se pode limitar o ANPP a uma simples atividade
mecânica, sem qualquer juízo crítico institucional e sem levar em consideração a própria
realidade e o sistema de justiça, o MPSP editou, em junho de 2020, a Orientação Conjunta
N.1 PGJ/SP e CGMP/SP, em que recomenda a não utilização de instrumentos
descriminalizantes nos casos relacionados à prática de racismo, nos seguintes termos:

Com o fim de obedecer e concretizar os fundamentos, objetivos e os princípios


estabelecidos na Constituição Federal, nos documentos internacionais de direitos
humanos, em especial na Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Racial, os órgãos de execução do Ministério
Público do Estado de São Paulo devem evitar qualquer instrumento de
consenso (transação penal, acordo de não persecução penal e suspensão
condicional do processo) nos procedimentos investigatórios e processos
criminais envolvendo crimes de racismo, compreendidos aqueles tipificados na
Lei 7.716/89 e no art. 140, §3º, do Código Penal, pois desproporcional e
incompatível com infração penal dessa natureza, violadora de valores sociais.169
(Grifou-se)

O mesmo posicionamento foi adotado pelo MP do Estado do Acre (MPAC) e pelo


MP do Estado de Pernambuco (MPPE), que reproduziram a recomendação na Nota Técnica

167
LAURIA, Mariano Paganini. Ibidem. Op. Cit. p. 436.
168
BRASIL. Ministério Público do Estado de São Paulo. Enunciados de entendimento sobre a aplicação das
alterações introduzidas pela Lei n. 13.964/19 (Lei Anticrime). Disponível em:
<http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Criminal/Criminal_Juri_Jecrim/Enunciados_CAOCRIM/Enunciados
%20PGJ-CGMP%20-%20Lei%2013.964-19%20(1)-%20alterado.pdf> Acesso em: 06 de agosto de 2021.
169
BRASIL. Ministério Público do Estado de São Paulo. Orientação Conjunta N.1 PGJ/SP e CGMP/SP: Tema:
ANPP e o crime de racismo. Disponível em:
<http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Criminal/Boletim_Semanal/boletim%20CAOCrim%20JUNHO%20
2%20-.pdf> Acesso em: 06 de agosto de 2021.
Orientativa Conjunta N. 01/2020170 e na Nota Técnica n.º 10/2020171, respectivamente. De
igual modo, procederam o MP do Estado do Piauí (MPPI), na Recomendação Conjunta
PGJ/CGMP-PI n. 04/2020172, e o MP do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), por meio da
Nota Técnica n. 01/2021 – NED/NDH173, sugerindo que seus membros se abstenham de
adotar qualquer ferramenta consensual nos procedimentos judiciais criminais e investigatórios
que tratem sobre crimes de racismo e injúria racial, por se mostrarem desproporcionais e
incompatíveis com infrações penais dessa natureza, que violam valores sociais, humanitários
e igualitários.

O MPDFT destacou, ainda, em sua nota, que:

[...] a ideia de superioridade racial é cientificamente falsa, moralmente condenável,


socialmente injusta e perigosa, e que não existe qualquer justificativa para a
discriminação racial, em teoria ou na prática, devendo ser severamente punida, haja
vista todas as mazelas dela advindas.

A estratégia de política criminal consistente na não aplicação de instrumentos


consensuais despenalizadores nos crimes de preconceito racial harmoniza-se ao disposto na
CF e ao regramento legal e infralegal que trata da matéria.

Em conclusão, pode-se reputar legítimas as recomendações expedidas pelo


MPDFT e pelos MPs de São Paulo, Acre, Pernambuco e Piauí, que objetivam instruir os seus
membros a não ofertar o ANPP nos casos que envolvam crimes raciais. Sobretudo porque o
MP, enquanto titular da ação penal e impulsionador da política criminal estatal, tem o
poder-dever de avaliar a existência ou não de interesse público na persecução penal de

170
BRASIL. Ministério Público do Estado do Acre. Nota Técnica Orientativa Conjunta n. 01/2020. Dispõe sobre
a orientação para atuação deste Órgão Ministerial, ante a situação de atos de racismo e discriminação ou
incitação. Disponível em: <https://www.mpac.mp.br/wp-content/uploads/NT-Racismo-1-1.pdf> Acesso em: 06
de agosto de 2021.
171
BRASIL. Ministério Público do Estado de Pernambuco. Nota Técnica n.º 10/2020, em que orienta aos
membros do parquet a não realização de Acordo de Não Persecução Penal ou de Acordos da Não Continuidade
da Ação Penal em procedimentos investigatórios e processos criminais envolvendo o racismo, que estão
tipificados na Lei Federal n.º 7.716/1989 e suas alterações, bem como art. 140 §3o, Código de Processo Penal..
Disponível em:
<https://www.mppe.mp.br/mppe/comunicacao/noticias/12937-caop-criminal-emite-nota-sobre-impossibilidade-d
e-acordo-de-nao-persecucao-penal-em-crimes-de-racismo> Acesso em: 06 de agosto de 2021.
172
BRASIL. Ministério Público do Estado do Piauí. Recomendação Conjunta PGJ/CGMP-PI n. 04/2020.
Disponível em:
<https://www.mppi.mp.br/internet/wp-content/uploads/2021/01/Recomendacao-conjunta-PGJ-e-Corregedoria-04
-2020-crimes-nao-passiveis-de-ANPP.pdf> Acesso em: 06 de agosto de 2021.
173
BRASIL. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Nota Técnica n. 01/2021 – NED/NDH. Versa
sobre a orientação acerca do não cabimento de institutos despenalizadores, tais como acordo de não persecução
penal, suspensão condicional do processo e transação penal, aos crimes previstos na Lei n. 7.716/89 e no art.
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<https://www.mpdft.mp.br/portal/images/pdf/nucleos/ned/Nota_tecnica_n%C2%BA_01_2021_NED_NDH.pdf>
Acesso em: 06 de agosto de 2021.
determinado caso concreto e, a partir daí, resolver operacionalizar (ou não) a pretensão
punitiva estatal.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Face a um Poder Judiciário abarrotado de ações judiciais e um sistema


penitenciário colapsado pela superlotação carcerária, a inserção do ANPP no ordenamento
jurídico brasileiro, inicialmente através da Resolução n. 181/2017 do CNMP e mais a frente
com a sua positivação no CPP, por intermédio da Lei 13.964/2019, representou, enquanto
medida despenalizadora, um avanço para todo o sistema de justiça criminal.

Esse instituto surge como uma ferramenta de política criminal alternativa ao


processo penal, com a proposta de reduzir o número de ações judiciais em trâmite no Poder
Judiciário, conter o encarceramento em massa e destravar o sistema de justiça criminal.
Tornando-o mais célere e eficiente, por meio do racionamento de tempo e de recursos
(materiais ou humanos) e da consolidação de uma cultura voltada para o consenso e a
autocomposição em matéria penal no Brasil.

Muito embora essa inovação legislativa deva ser exaltada, haja vista sua
capacidade de produzir profundas transformações no sistema de justiça penal, forçoso é
reconhecer que determinados tipos penais, conquanto perfaçam os requisitos objetivos
necessários para admissão do acordo, por sua gravidade e pela importância dos bens jurídicos
que tutelam, não poderiam ser, simplesmente, elucidados pela via do consenso.

É dizer, ainda que o ANPP represente um relevante e necessário instrumento de


política criminal para o atual cenário brasileiro, assumindo função decisiva na renovação dos
fluxos judiciários e na maneira de se exercer a jurisdição penal, a sua utilização não deve se
dar de maneira indiscriminada, desprovida de qualquer ponderação ou senso crítico.

Afinal, impõe-se ao Estado o dever de velar pela manutenção de um certo


equilíbrio entre a gravidade do crime praticado e a possibilidade e razoabilidade de se conferir
a ele um desfecho consensual, diverso do processo criminal.

Dentre as infrações penais cuja utilização de instrumentos descriminalizantes,


como o ANPP, pressupõe significativa lesão a direitos humanos e sociais, sobretudo no
contexto brasileiro, estão aqueles resultantes do preconceito de raça e de cor, descritos na Lei
7.716/89, e o crime de injúria qualificada pelo preconceito, também denominado injúria
racial, previsto no art. 140, § 3º, do CP.
Referidos tipos penais visam a tutelar o direito à igualdade ou à não
discriminação, a dignidade humana e valores como a honra e a autoimagem de sujeitos
pertencentes a um determinado grupo social vulnerável a que o legislador constituinte de 1988
buscou rigorosamente amparar.

No dizer da CF, a República Federativa do Brasil detém a dignidade humana


como um dos seus fundamentos e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de raça, cor
ou quaisquer outras formas de discriminação como um de seus objetivos fundamentais. Além
disso, rege-se, nas suas relações internacionais pelo repúdio ao racismo, tendo, inclusive,
erigido a igualdade à posição de direito fundamental da mais alta importância, ao declarar que
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

O texto constitucinal proclama, ainda, a inviolabilidade da honra e da imagem das


pessoas, garantindo a livre manifestação de pensamento, mas restringindo os abusos, ao
determinar a punição de qualquer discriminação atentatória dos direitos fundamentais.

Não sem propósito, dispensou o constituinte originário um excepcional tratamento


ao crime de racismo, dotando-o, pela sua gravidade e reprovabilidade, de atributos como a
inafiançabilidade, a imprescritibilidade e a sujeição à pena de reclusão, como forma de mais
bem tutelar o direito fundamental à igualdade ou à não discriminação e o postulado da
dignidade humana.

Entendimento que deve ser estendido à injúria preconceituosa ou injúria


qualificada pelo preconceito, por se tratar, inequivocamente, de apenas mais uma expressão
caracterizadora da prática de racismo.

Por todo o exposto, afirma-se que há, no texto constitucional, um microssistema


antirracista de normas, cuja análise leva à conclusão de que a celebração do ANPP, nos casos
penais que envolvam a prática de discriminação racial, incluído aí o crime de injúria
qualificada pelo preconceito, é medida inadequada, materialmente incompatível com a ordem
constitucional e definitivamente insuficiente para reprimir e prevenir de forma satisfatória
crimes desta natureza.
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Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de
Intolerância, adotada na Guatemala, por ocasião da 43ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral
da Organização dos Estados Americanos, em 5 de junho de 2013. Disponível em:
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agosto de 2021.

_______.Decreto Legislativo n. 06/2020, de 20 de Março de 2020. Reconhece, para os fins


do art. 65 da Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de
calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por
meio da Mensagem n. 93, de 18 de março de 2020. Disponível em:
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2021.

_______.Decreto Nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana


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